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FUNÇÕES
NEUROPSICOLÓGICAS
COGNITIVAS – COGNIÇÃO E
APRENDIZAGEM
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o organismo de forma que haja um saldo energético, uma reserva do que ele
precisa para se manter vivo.
As emoções são uma derivação mais complexa, pois requerem um
sistema nervoso, fenômeno mais fundamental para a vida. De uma forma geral,
preparam-nos para ameaças de forma eficaz, mas podem também trazer
efeitos perturbadores e negativos, o que coloca as emoções, de forma injusta,
em desvantagem em relação à razão, de acordo com a distorcida visão popular
da eterna luta cérebro versus coração.
Quando essas respostas são sentidas, quando o indivíduo se torna
consciente delas, surge o sentimento – uma experiência subjetiva, não
perceptível aos outros. Sentimentos podem ser mantidos na memória,
compreendidos e expressos com a ajuda da linguagem. De acordo com
Antônio Damásio (2017), as emoções nos mantêm vivos, enquanto os
sentimentos promovem uma visão de mundo que pode ser preservada para
servir como guia em situações futuras.
É comum encontramos estudos que contradizem essa diferenciação e
referem-se aos sentimentos, de forma geral – mesmo ao se tratar de
experiências que envolvem a cognição – como emoções. Grande parte das
teorias das emoções apresenta o sentimento como um dos componentes da
emoção: o último. O primeiro seria a elicitação (que provoca as alterações
biológicas), seguida de expressão, resposta automática e tendência à ação,
conforme observa Sander (2013).
Todas as experiências conscientes – do momento em que a luz de um
abajur atravessa a retina até a leitura de um artigo antes de dormir – são
acompanhadas de um sentimento. Essas experiências, captadas pelos órgãos
do sentido, formam espécies de imagens mentais, processadas juntamente
com o sentimento que as acompanha. Tais imagens não são necessariamente
visuais, mas podem ser auditivas, tácteis, gustativas ou mesmo relativas ao
nosso universo interno, como os próprios sentimentos. Só são possíveis em
seres com um sistema nervoso e que, portanto, sejam condicionados não
apenas pela presença do estímulo, mas pela memória desse estímulo, o que
ocorre por meio da representação mental das percepções associadas a ele.
Essas imagens são como mapas que o cérebro cria mediante a
integração das informações sensoriais e dos estados internos, o que nos
permitem aprender, isto é, associar as novas informações àquelas já
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mapeadas e aos sentimentos que elas evocam. Permitem-se, assim, o
afastamento de situações desagradáveis – por serem associadas a algum tipo
de ameaça – e a busca por aquelas favoráveis à manutenção da vida. Não
existe consciência sem essas imagens mentais. “As imagens estão de tal modo
desesperada pela companhia do afeto que até aquelas que são elas próprias
um sentimento podem ser acompanhadas por outros sentimentos, mais ou
menos como os harmônicos de um som ou os círculos que se formam quando
uma pedra atinge a superfície de um lago” (Damásio, 2017, p. 147).
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À frente de diversas pesquisas envolvendo as emoções, eles concluíram
que entre as regiões envolvidas no network da dor, ou o negativo, estão a
insula e o córtex angular anterior, enquanto o network do prazer envolve a
amígdala, o córtex pré-frontal ventromedial e o estriado ventral (Liberman;
Eisenberger, 2009). Assim, podemos concluir que o sistema límbico,
geralmente associado às emoções, não responde sozinho por elas.
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integra, ele preenche lacunas e fabrica os detalhes por meio de experiências
passadas. Dessa forma, ganhamos agilidade na interpretação das informações.
Qualquer novo conhecimento interfere na construção de sentido feita pelas
predições. Assim, quando olhamos a face de alguém, interpretamos a
expressão com base nas experiências anteriores que podem ser associadas.
Ou seja, percebemos o que está acontecendo ou o que poderá acontecer, o
que o outro sente ou a emoção que determinado estímulo irá provocar em nós.
Quando, por exemplo, você escuta uma mistura de vozes altas de
crianças do outro lado do muro, seu cérebro faz uma associação com,
possivelmente, um jardim de infância. Essa associação pode provocar
determinadas emoções em você, de acordo com suas experiências passadas.
Se por algum motivo você teve uma experiência ruim associada ao jardim de
infância, seu corpo irá reagir de forma diferente daquela pessoa que lembra
com saudade do filho em idade pré-escolar. A resposta fisiológica às vozes
será diferente, construída pelo cérebro de acordo com sua vivência.
Quando tal predição se mostra errada, ocorre uma nova aprendizagem.
Assim, se nunca tivéssemos nossas expectativas enganadas, não teríamos
como fazer novas associações e, consequentemente, ganhar novos
conhecimentos.
Se basearmos a compreensão das emoções não como fenômenos
psicológicos, mas sim como reguladores dos processos biológicos essenciais
para a manutenção da vida, chegamos à conclusão de que o conforto e o
desconforto, o prazer e o desprazer – como motivadores da busca por
oportunidades e prevenção contra ameaças – são fundamentais, universais e,
portanto, pré-programados no cérebro de todas as criaturas com sistema
nervoso.
Na visão de Barrett (2017), no entanto, eles não são emoções, mas
sentimentos simples que acompanham os processos fisiológicos e que atuam
como um reflexo do que está acontecendo no corpo. Mas não trazem detalhes,
isto é, não nos dizem muito sobre o que está acontecendo no mundo exterior.
Tais detalhes são aprendidos socialmente e construídos pelo cérebro para que
se constitua uma emoção – algo mais complexo e aprendido mediante tal
valência (positivo e negativo).
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Nesse caso há, portanto, uma interpretação diferenciada de um
conceito, talvez pela falta de vocabulário que permita definições mais exatas
relacionadas às emoções.
Outro exemplo de como mudanças de conceitos podem mudar a
perspectiva com que enxergamos o comportamento humano e de outros
animais é em relação ao medo. Vejamos:
O neurocientista Joseph Ledoux (2016), autor de diversos estudos sobre
esse tema, defende que medo é um processo cognitivo e consciente. As
alterações fisiológicas relacionadas a ele são respostas automáticas e
inconscientes anteriores ao sentimento de medo propriamente dito. O cientista
defende que os termos na ciência sejam mais bem definidos para que não se
confundam comportamentos automáticos e pré-programados com aqueles que
são aprendidos e conscientemente identificados. Deveríamos nos referir a
respostas fisiológicas e subconscientes como comportamento defensivo.
Segundo Ledoux (2016), o fato de um animal reagir da mesma forma
como reagimos não significa que ele tenha o mesmo sentimento, que seja
capaz de compreender suas reações automáticas e de fazer uma interpretação
cognitiva da situação, embora mais lenta. É provável que aves e mamíferos, na
ausência do estímulo, sejam capazes de projetar situações ameaçadoras
aprendidas por meio de experiências anteriores, o que se constitui no medo.
No final do século XIX, o filósofo William James e seu colega Carl Lange
(citados por Gazzaniga; Heatherton; Halperin, 2016) propuseram uma
explicação um tanto revolucionária a respeito das reações fisiológicas a
emoções, como o medo. A teoria, que ficou conhecida como James-Lange,
chamou a atenção para os processos subcorticais e, portanto, subconscientes,
que precedem os sentimentos. Eles sugerem que não corremos de ursos
porque temos medo, mas temos medo porque justamente corremos de ursos.
O medo, segundo essa visão, surgiria como consequência do comportamento
defensivo pré-programado, não o contrário.
Ledoux (2016) concorda que o medo vem depois, pois é um processo
cognitivo e, por isso, mais lento. No entanto, alerta que isso não é
consequência do movimento do organismo, mas sim da consciência do perigo
da situação, isto é, uma capacidade de interpretar as respostas fisiológicas.
Damásio (2017), por sua vez, concorda que a emotividade não pode ser
considerada um processo fixo e lembra que os mais variados fatores
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ambientais podem agir sobre a ativação emotiva, mas destaca que, apesar de
serem educáveis e fluídos, os afetos influenciam todos os comportamentos e
decisões – mesmo aquelas aparentemente arquitetadas de forma ponderada e
racional. Conforme Damásio (2017, p. 16) “Ao que parece, a maquinaria dos
nossos afetos é educável, até certo ponto, e boa parte daquilo a que
chamamos de civilização ocorre através da educação dessa maquinarias no
ambiente da nossa infância, em casa, na escola, e no ambiente cultural”.
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diretamente relacionada à ação: se amadurecermos nossa disciplina para
fazermos alguma atividade, essa ação, por si só, transforma os sentimentos. A
disciplina se impõe sobre a vontade e nos coloca no domínio do nosso
comportamento, permitindo que as emoções sejam moldadas pela ação, e não
o contrário. O que você faz hoje ajuda a construir suas predições para amanhã.
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sentimento, não sei exatamente o que sinto e, sem saber, também não posso
lidar bem com isso.
Lisa Barrett (2017) defende que as palavras permitem um repertório
mais flexível de sentimentos. De acordo com a autora, o conhecimento das
palavras certas dá ao cérebro a capacidade de predizer, categorizar e perceber
as emoções – ferramentas para que possamos trabalhar em respostas mais
flexíveis e funcionais a tais emoções. Ainda segundo Barrett (2017):
Dividir a sua experiência com outros pode muitas vezes fazer com
que momentos terríveis sejam compreendidos e não se transformem
em trauma. Tanto seu mundo interno quanto relações interpessoais
irão se beneficiar da identificação do que está acontecendo, trazendo
mais integração à sua vida. (Siegel, 2016)
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Barrett (2017), dentro dessa mesma linha de raciocínio, explica que os
resultados do ensino de conceitos não se restringem a um enriquecimento
cognitivo, mas expandem-se ao universo social e emocional, afetando
profundamente essas experiências. Existem estudos que confirmam esse
raciocínio. Em uma investigação conduzida pelo Centro de Inteligência
Emocional de Yale (Brackett et al., 2012), foram trabalhados conceitos
emocionais em 62 classes de crianças em sessões de meia hora por semana,
durante dois anos, e avaliados seus desempenhos tanto acadêmico quanto
social. Em ambos domínios, aquelas que participaram do programa
apresentaram melhores resultados que alunos que não tiveram a instrução.
Além disso, segundo Barret (2017):
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que nos dão energia, que garantem eficácia na realização de tarefas e,
portanto, na aprendizagem. Quando damos a um estudante um propósito, uma
razão que justifique seu esforço, ele tende a se focar, manter-se concentrado e
persistir na atividade.
A motivação ativa o sistema de recompensa do cérebro, mais
especificamente o estriado ventral, e libera o mensageiro químico que
conhecemos como dopamina, que nos garante a sensação de prazer. Esse
processo nos dá energia e vontade de permanecermos focados na atividade.
Mas o sistema de recompensa é também movido por novidades – o que
pode se tornar um desafio, pois para dominarmos uma habilidade é necessário
muita prática e repetição, que são o contrário de novidade. Uma das formas de
evitar a evasão de tarefas que exigem concentração depois que deixam de nos
trazer a atratividade do novo é encaixá-las na rotina para transformá-las em
hábito. Os objetivos e a motivação inicial incitados por eles podem até servir
como propulsores de um engajamento, mas é o hábito que irá mantê-lo.
Outro fator que promove a persistência é a transformação dos objetivos,
que de extrínsecos (relacionados a fatores interpessoais, profissionais ou
financeiros) passam a intrínsecos, ou seja, movidos pela vontade, pelo prazer
que a ação promove por si.
Por exemplo: um estudante pode se comprometer em aprender uma
disciplina nova para agradar aos pais, para ganhar um concurso, para melhorar
suas chances profissionais no futuro ou para impressionar alguém. São todos
fatores extrínsecos. Depois que ele começa a dominar o tema, começa a achá-
lo cada vez mais interessante e continua a aprofundar os estudos movido pela
curiosidade e vontade de aprender mais. Essa internalização da motivação,
que são os fatores intrínsecos, são mais eficazes para sustentar o
envolvimento por mais tempo.
Os adultos têm mais consciência das conquistas e do caminho que leva
a um objetivo de longo prazo, e conseguem se autodisciplinar para buscar
esses ganhos. Nas crianças, a motivação é alimentada pelo feedback mais
momentâneo, que pode envolver incentivos verbais, metas de curto prazo,
visualização das conquistas individuais e do grupo.
De acordo com Jeanne Ellis Ormrod (2014), nos primeiros anos do
Ensino Fundamental, crianças tendem a ser movidas por objetivos intrínsecos
— o entusiasmo e curiosidade. Após essa fase, objetivos extrínsecos
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costumam tomar o lugar desses motivadores e elas passam a buscar a
aprovação de pais e professores ao buscarem bons resultados em avaliações.
Um sistema educacional baseado no ensino de uma grande quantidade de
conteúdo, na necessidade de boas notas em provas escritas e na competição
está por trás desse movimento. No entanto, aqueles que são movidos por
objetivos extrínsecos e intrínsecos tendem a alcançar resultados melhores e
mais consistentes.
Com base na análise de um vasto corpo de pesquisas, Ormrod (2014)
chegou aos seguintes benefícios da motivação:
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REFERÊNCIAS
BARRETT, L. F. How Emotions Are Made: The Secret Life of The Brain.
Wilmington: Mariner Books, 2017.
BENGTSSON, S.L.; NAGY, Z.; SKARE, S.; FORSMAN, L.; FORSSBERG, H.;
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Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16116456>. Acesso em:
29 ago. 2018.
EAGLEMAN, D. The Brain: The Story of You. Reprinted edition. [S.l.]: Vintage,
2017.
LEDOUX, J. Anxious: Using the Brain to Understand and Treat Fear and
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LISA FELDMAN BARRETT – You Aren’t at the Mercy of Your Emotions: Your
Brain Creates them. TED Talks, 2017. Disponível em:
<https://www.ted.com/talks/lisa_feldman_barrett_you_aren_t_at_the_mercy_of_
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SIEGEL, D. Brainstorm: The Power and Purpose of The Teenage Brain. New
York: TarcherPerigee, 2014.
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WITTGENSTEIN, L. Tractatus Logicos-Philosophicus. Tradução,
apresentação e estudo introdutório de Luis Henrique Lopes dos Santos;
Introdução de Bertrand Russell. 3. ed. São Paulo: Edusp, 2009.
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