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AULA 5

FUNÇÕES
NEUROPSICOLÓGICAS
COGNITIVAS – COGNIÇÃO E
APRENDIZAGEM

Profª Michelle Müller


TEMA 1 – O CÉREBRO EMOCIONAL

Vamos começar nossos estudos com uma reflexão de Antônio Damásio:

Uma vez extirpado o sentimento, seria impossível classificar


quaisquer imagens como belas ou feias, agradáveis ou dolorosas, de
bom gosto ou vulgares, espirituais ou terrenas. Se não
dispuséssemos de sentimentos, poderíamos talvez ser treinados,
com enorme esforço, para classificar estética ou moralmente os
objetos ou os acontecimentos que nos rodeiam, à maneira de um
robô? A hipótese é absurda. Teoricamente, seríamos obrigados a
depender de uma análise deliberada de características e contextos
num esforço brutal de aprendizagem. Mas tal aprendizagem é difícil
de conceber sem as propriedades da recompensa e dos sentimentos
que a acompanham. (Damásio, 2017, p. 148)

Sem sentimentos, não há aprendizagem. Não há moral ou estética,


também não há atenção nem a possibilidade de utilizar informações referentes
a uma ameaça ou gratificação em situações futuras. Seres capazes de sentir
evitam cometer os mesmos erros e percebem situações favoráveis, pois
aprenderam com as experiências. E somente aprenderam porque sentiram e
armazenaram o sentimento. Nesta e nas próximas aulas iremos aprender e
refletir sobre as emoções e os sentimentos, bem como a maneira que estão
associados à cognição.

1.1 Em que diferem sentimentos de emoções?

Primeiramente, vamos distinguir dois conceitos que são usualmente


confundidos: emoções e sentimentos. Emoção, como a origem do nome sugere
(moção – “movimento”), é um fenômeno que envolve um movimento do
organismo, uma orquestração de alterações no corpo, causada, de uma forma
geral, pela necessidade de evitar o perigo ou de aproveitar uma oportunidade
e, assim, prolongar a chance de sobrevivência do indivíduo. Estão
programadas no nosso genoma e são modificadas pela experiência. Provocam
mudanças geralmente perceptíveis, como aceleração dos batimentos cardíacos
ou alargamento das pupilas. Foi a solução encontrada pela evolução para nos
guiar como um piloto automático extremamente útil para a manutenção da vida.
As emoções não são escolhidas nem conscientemente evocadas, mas
respostas do organismo a estímulos. Essas respostas evoluíram de processos
homeostáticos. Responsável pela sobrevivência até do mais simples dos seres,
como bactérias, a homeostase busca, por meio de ações automáticas, regular

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o organismo de forma que haja um saldo energético, uma reserva do que ele
precisa para se manter vivo.
As emoções são uma derivação mais complexa, pois requerem um
sistema nervoso, fenômeno mais fundamental para a vida. De uma forma geral,
preparam-nos para ameaças de forma eficaz, mas podem também trazer
efeitos perturbadores e negativos, o que coloca as emoções, de forma injusta,
em desvantagem em relação à razão, de acordo com a distorcida visão popular
da eterna luta cérebro versus coração.
Quando essas respostas são sentidas, quando o indivíduo se torna
consciente delas, surge o sentimento – uma experiência subjetiva, não
perceptível aos outros. Sentimentos podem ser mantidos na memória,
compreendidos e expressos com a ajuda da linguagem. De acordo com
Antônio Damásio (2017), as emoções nos mantêm vivos, enquanto os
sentimentos promovem uma visão de mundo que pode ser preservada para
servir como guia em situações futuras.
É comum encontramos estudos que contradizem essa diferenciação e
referem-se aos sentimentos, de forma geral – mesmo ao se tratar de
experiências que envolvem a cognição – como emoções. Grande parte das
teorias das emoções apresenta o sentimento como um dos componentes da
emoção: o último. O primeiro seria a elicitação (que provoca as alterações
biológicas), seguida de expressão, resposta automática e tendência à ação,
conforme observa Sander (2013).
Todas as experiências conscientes – do momento em que a luz de um
abajur atravessa a retina até a leitura de um artigo antes de dormir – são
acompanhadas de um sentimento. Essas experiências, captadas pelos órgãos
do sentido, formam espécies de imagens mentais, processadas juntamente
com o sentimento que as acompanha. Tais imagens não são necessariamente
visuais, mas podem ser auditivas, tácteis, gustativas ou mesmo relativas ao
nosso universo interno, como os próprios sentimentos. Só são possíveis em
seres com um sistema nervoso e que, portanto, sejam condicionados não
apenas pela presença do estímulo, mas pela memória desse estímulo, o que
ocorre por meio da representação mental das percepções associadas a ele.
Essas imagens são como mapas que o cérebro cria mediante a
integração das informações sensoriais e dos estados internos, o que nos
permitem aprender, isto é, associar as novas informações àquelas já

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mapeadas e aos sentimentos que elas evocam. Permitem-se, assim, o
afastamento de situações desagradáveis – por serem associadas a algum tipo
de ameaça – e a busca por aquelas favoráveis à manutenção da vida. Não
existe consciência sem essas imagens mentais. “As imagens estão de tal modo
desesperada pela companhia do afeto que até aquelas que são elas próprias
um sentimento podem ser acompanhadas por outros sentimentos, mais ou
menos como os harmônicos de um som ou os círculos que se formam quando
uma pedra atinge a superfície de um lago” (Damásio, 2017, p. 147).

1.2 Como classificam-se as emoções

Não existe consenso em relação a quantas e quais emoções são


consideradas básicas. O filósofo Descartes (citado por Sander, 2013), em
meados do século XVII, chegou a uma lista a partir da qual, segundo ele
próprio, surgiriam todas as outras emoções: admiração; amor; ódio; desejo;
alegria; tristeza. Hoje geralmente são citadas as seguintes emoções: raiva;
nojo; medo; prazer; tristeza; surpresa. Sendo assim, outras emoções seriam
variações e combinações de emoções derivadas dessas seis.
Outras classificações distinguem as emoções relacionadas à
sobrevivência, como o medo, o nojo e a raiva, daquelas relacionadas à
autoconsciência, como orgulho, culpa, inveja, vergonha e gratidão (Fontaine,
2009). Há estudiosos que as chamam de emoções morais ou autorreflexivas.
Elas podem coincidir com outro grupo classificado como emoções morais,
sociais e contrafactuais, como arrependimento ou remorso. Há também
emoções classificadas como estéticas (Robinson, 2009), como admiração e
fascínio, relacionadas às percepções suscitadas pela natureza ou pela arte.
Em pesquisas lideradas por Damásio (2017) com o objetivo de investigar
as áreas neurológicas, às quais podem ser atribuídos os sentimentos, foi
constatada a ativação do córtex insular, que obviamente não é a única
estrutura envolvida nesse processo, mas a mais representativa. Apesar de
poderem ser combinados de forma que pareçam contraditórios, é possível
afirmar que, neurologicamente, existe a distinção entre os sentimentos
negativos e os positivos. Isso porque eles envolvem regiões diferentes do
cérebro, segundo Liberman e Eisenberger (2009).

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À frente de diversas pesquisas envolvendo as emoções, eles concluíram
que entre as regiões envolvidas no network da dor, ou o negativo, estão a
insula e o córtex angular anterior, enquanto o network do prazer envolve a
amígdala, o córtex pré-frontal ventromedial e o estriado ventral (Liberman;
Eisenberger, 2009). Assim, podemos concluir que o sistema límbico,
geralmente associado às emoções, não responde sozinho por elas.

TEMA 2 – A CONSTRUÇÃO DAS EMOÇÕES

Conforme vimos na aula anterior, há um grupo de emoções


consideradas básicas e universais, bem como as expressões que as
acompanham. Entretanto, há um grande corpo de estudos que contradiz essa
visão, sugerindo que emoções são construções sociais. Essa conclusão é
baseada no fato de que existe uma diferença entre a resposta automática a um
estímulo e a interpretação desse estímulo. Essa interpretação seria feita
sempre com base nas experiências anteriores e, portanto, construída de
acordo com as interações sociais e com o ambiente, não pré-programadas no
cérebro. Esta aula traz informações sobre o papel do ambiente e da cultura na
construção das emoções e sobre a possibilidade de buscarmos ativamente
maneiras de termos um maior controle sobre o que sentimos.
Com base em mais de duas décadas de pesquisas com neuroimagens e
análises de estudos das emoções, a neurocientista Lisa Barrett (2017) concluiu
que, por mais contraintuitivo que pareça, emoções ou expressões por elas
evocadas não são necessariamente universais, além de suas interpretações
serem consideradas pouco confiáveis. Inúmeras investigações lideradas pela
autora mostram que uma mesma expressão facial pode representar inúmeras
emoções, razão pela qual é extremamente dependente do contexto para poder
ser identificada.
Não existe, segundo Barret (2017), um circuito pré-programado no
cérebro para processar as emoções. Elas são construções baseadas em
predições, assim como acontece com toda a aprendizagem e interpretação do
mundo.
Para dar sentido a um estímulo, bem como a um sentimento, o cérebro
recorre a experiências anteriores e prediz o que está acontecendo. Trancado
na caixa escura do crânio, para dar sentido às informações que recebe e

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integra, ele preenche lacunas e fabrica os detalhes por meio de experiências
passadas. Dessa forma, ganhamos agilidade na interpretação das informações.
Qualquer novo conhecimento interfere na construção de sentido feita pelas
predições. Assim, quando olhamos a face de alguém, interpretamos a
expressão com base nas experiências anteriores que podem ser associadas.
Ou seja, percebemos o que está acontecendo ou o que poderá acontecer, o
que o outro sente ou a emoção que determinado estímulo irá provocar em nós.
Quando, por exemplo, você escuta uma mistura de vozes altas de
crianças do outro lado do muro, seu cérebro faz uma associação com,
possivelmente, um jardim de infância. Essa associação pode provocar
determinadas emoções em você, de acordo com suas experiências passadas.
Se por algum motivo você teve uma experiência ruim associada ao jardim de
infância, seu corpo irá reagir de forma diferente daquela pessoa que lembra
com saudade do filho em idade pré-escolar. A resposta fisiológica às vozes
será diferente, construída pelo cérebro de acordo com sua vivência.
Quando tal predição se mostra errada, ocorre uma nova aprendizagem.
Assim, se nunca tivéssemos nossas expectativas enganadas, não teríamos
como fazer novas associações e, consequentemente, ganhar novos
conhecimentos.
Se basearmos a compreensão das emoções não como fenômenos
psicológicos, mas sim como reguladores dos processos biológicos essenciais
para a manutenção da vida, chegamos à conclusão de que o conforto e o
desconforto, o prazer e o desprazer – como motivadores da busca por
oportunidades e prevenção contra ameaças – são fundamentais, universais e,
portanto, pré-programados no cérebro de todas as criaturas com sistema
nervoso.
Na visão de Barrett (2017), no entanto, eles não são emoções, mas
sentimentos simples que acompanham os processos fisiológicos e que atuam
como um reflexo do que está acontecendo no corpo. Mas não trazem detalhes,
isto é, não nos dizem muito sobre o que está acontecendo no mundo exterior.
Tais detalhes são aprendidos socialmente e construídos pelo cérebro para que
se constitua uma emoção – algo mais complexo e aprendido mediante tal
valência (positivo e negativo).

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Nesse caso há, portanto, uma interpretação diferenciada de um
conceito, talvez pela falta de vocabulário que permita definições mais exatas
relacionadas às emoções.
Outro exemplo de como mudanças de conceitos podem mudar a
perspectiva com que enxergamos o comportamento humano e de outros
animais é em relação ao medo. Vejamos:
O neurocientista Joseph Ledoux (2016), autor de diversos estudos sobre
esse tema, defende que medo é um processo cognitivo e consciente. As
alterações fisiológicas relacionadas a ele são respostas automáticas e
inconscientes anteriores ao sentimento de medo propriamente dito. O cientista
defende que os termos na ciência sejam mais bem definidos para que não se
confundam comportamentos automáticos e pré-programados com aqueles que
são aprendidos e conscientemente identificados. Deveríamos nos referir a
respostas fisiológicas e subconscientes como comportamento defensivo.
Segundo Ledoux (2016), o fato de um animal reagir da mesma forma
como reagimos não significa que ele tenha o mesmo sentimento, que seja
capaz de compreender suas reações automáticas e de fazer uma interpretação
cognitiva da situação, embora mais lenta. É provável que aves e mamíferos, na
ausência do estímulo, sejam capazes de projetar situações ameaçadoras
aprendidas por meio de experiências anteriores, o que se constitui no medo.
No final do século XIX, o filósofo William James e seu colega Carl Lange
(citados por Gazzaniga; Heatherton; Halperin, 2016) propuseram uma
explicação um tanto revolucionária a respeito das reações fisiológicas a
emoções, como o medo. A teoria, que ficou conhecida como James-Lange,
chamou a atenção para os processos subcorticais e, portanto, subconscientes,
que precedem os sentimentos. Eles sugerem que não corremos de ursos
porque temos medo, mas temos medo porque justamente corremos de ursos.
O medo, segundo essa visão, surgiria como consequência do comportamento
defensivo pré-programado, não o contrário.
Ledoux (2016) concorda que o medo vem depois, pois é um processo
cognitivo e, por isso, mais lento. No entanto, alerta que isso não é
consequência do movimento do organismo, mas sim da consciência do perigo
da situação, isto é, uma capacidade de interpretar as respostas fisiológicas.
Damásio (2017), por sua vez, concorda que a emotividade não pode ser
considerada um processo fixo e lembra que os mais variados fatores

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ambientais podem agir sobre a ativação emotiva, mas destaca que, apesar de
serem educáveis e fluídos, os afetos influenciam todos os comportamentos e
decisões – mesmo aquelas aparentemente arquitetadas de forma ponderada e
racional. Conforme Damásio (2017, p. 16) “Ao que parece, a maquinaria dos
nossos afetos é educável, até certo ponto, e boa parte daquilo a que
chamamos de civilização ocorre através da educação dessa maquinarias no
ambiente da nossa infância, em casa, na escola, e no ambiente cultural”.

TEMA 3 – O CONTROLE SOBRE AS EMOÇÕES

As evidências de que emoções são construções do cérebro baseadas


nas experiências, conforme vimos na aula anterior, carrega uma boa
mensagem: como não são fixas ou pré-programadas, temos mais controle
sobre elas do que costumamos imaginar. Nesta aula, vamos entender melhor
como isso é possível.
Se o cérebro as construiu, poderia também desconstruí-las, se
conseguirmos mexer nos componentes utilizados. É o que Barrett (2017)
chama de “ser o arquiteto das próprias experiências”.
Como forma de nos prevenir de possíveis ameaças, nosso cérebro
exagera nas previsões negativas, como uma mãe superprotetora que, para
evitar riscos, exagera nos cuidados em relação ao filho, o que pode o
prejudicar.
Uma das formas de dominar as emoções, modificando as predições que
o cérebro faz, é conscientemente relacionar as repostas fisiológicas do corpo.
Por exemplo, associar os rápidos batimentos cardíacos que caracterizam a
ansiedade a sentimentos positivos, como a excitação ou o ânimo frente a um
desafio. Trata-se se um exercício consciente de associação e de
desassociação que vem ganhando respaldo científico.
Outra tática é prestar atenção nos movimentos do corpo, como
batimentos cardíacos, suor, sensações no estômago, dor de barriga, e procurar
identificar as necessidades fisiológicas que podem estar por trás dessas
reações, que podem ser motivadas pelo sono, cansaço, pela fome ou
desidratação.
A disciplina também é uma forma eficaz de ganhar controle sobre as
emoções. Um dos pilares da filosofia oriental é uma virtude que está

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diretamente relacionada à ação: se amadurecermos nossa disciplina para
fazermos alguma atividade, essa ação, por si só, transforma os sentimentos. A
disciplina se impõe sobre a vontade e nos coloca no domínio do nosso
comportamento, permitindo que as emoções sejam moldadas pela ação, e não
o contrário. O que você faz hoje ajuda a construir suas predições para amanhã.

TEMA 4 – EMOÇÕES E LINGUAGEM

A linguagem cumpre um importante papel na formação das emoções. A


afirmação pode parecer contraintuitiva, mas nesta aula você entenderá melhor
essa relação.
Uma série de pesquisas indica que o aprendizado de palavras
relacionadas aos diversos estados emocionais levam a um refinamento dos
sentimentos. Em um experimento com pessoas com aracnofobia (horror a
aranhas), foram avaliadas três abordagens distintas, e aquela que utilizava o
repertório mais rico de sensações mostrou-se mais eficaz e duradoura do que
as outras (Kircanski; Lieberman; Craske, 2012).
Em outro conjunto de pesquisas, foi constatado que aqueles que
possuem um vocabulário emocional mais refinado apresentam mais
flexibilidade para regular suas emoções e são menos propensos a beber em
excesso quando sob muito estresse e a agir agressivamente em situações em
que são contrariados (Kashdan; Barrett; McKnight, 2015).
Trata-se de um processo top-bottom de se trabalhar as emoções. Como
você viu anteriormente, os estímulos que envolvem o pensamento – ou seja,
que operam no modo cognitivo – agem sobre as emoções e vice-versa. Quase
todos os processos mentais ocorrem por uma via de mão dupla.
Ademais, palavras são como lanternas da mente. Quanto maior o
vocabulário aprendido, mais refinado o pensamento. “Os limites de minha
linguagem significam os limites do meu mundo”, escreveu Wittgenstein (2008,
p. 245, grifos do original). O mundo do mencionado filósofo alemão inclui o
mundo das emoções. Como se fossem lanternas da mente, as palavras nos
permitem um refinamento também dos sentimentos. Quando nomeamos um
sentimento, passamos a identificá-lo melhor em si e também nos outros. Nossa
consciência sobre os ingredientes que compõem esse sentimento nos fazem
ter mais controle sobre ele. Sem um nome para me ajudar a compreender um

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sentimento, não sei exatamente o que sinto e, sem saber, também não posso
lidar bem com isso.
Lisa Barrett (2017) defende que as palavras permitem um repertório
mais flexível de sentimentos. De acordo com a autora, o conhecimento das
palavras certas dá ao cérebro a capacidade de predizer, categorizar e perceber
as emoções – ferramentas para que possamos trabalhar em respostas mais
flexíveis e funcionais a tais emoções. Ainda segundo Barrett (2017):

O que eu descrevo é granularidade emocional, um capacidade que


algumas pessoas apresentam de construir experiências emocionais
mais refinadas. Tais pessoas são experts em emoções: fazem
predições e constroem instâncias de emoções que são modeladas
para de encaixar em cada situação específica.

As palavras são armazenadas no cérebro, dentro de uma rede de


associações, formando conceitos. Toda a aprendizagem é feita com conceitos,
e conceitos guiam as previsões que o cérebro faz constantemente. As
previsões provocam alterações fisiológicas, e as alterações determinam como
nos sentimos. Os sentimentos, portanto, alteram o pensamento, assim como o
pensamento altera o sentimento.
Desse modo, uma forma de trabalhar as emoções de cima para baixo,
ou seja, do domínio cognitivo para o subcortical, seria o conhecimento de um
amplo vocabulário, que possa expressar da forma mais acurada possível o
leque de nuances emocionais que as diversas situações e estímulos podem
evocar.
Dentro dessa mesma perspectiva, o psiquiatra Daniel Siegel (2016)
defende que o vocabulário relacionado às inúmeras experiências internas seja
ensinado a crianças e adolescentes como forma de educação emocional. Ele
chama a técnica de “name it to tame it” (uma rima em inglês que significa
“nomeie para amansar ou domar”). Não saber o que se sente, conforme o
autor, pode ser confuso e até aterrorizante. Ademais, tanto a linguagem verbal
quanto seu uso na comunicação cumprem um importante papel nessa
aprendizagem.

Dividir a sua experiência com outros pode muitas vezes fazer com
que momentos terríveis sejam compreendidos e não se transformem
em trauma. Tanto seu mundo interno quanto relações interpessoais
irão se beneficiar da identificação do que está acontecendo, trazendo
mais integração à sua vida. (Siegel, 2016)

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Barrett (2017), dentro dessa mesma linha de raciocínio, explica que os
resultados do ensino de conceitos não se restringem a um enriquecimento
cognitivo, mas expandem-se ao universo social e emocional, afetando
profundamente essas experiências. Existem estudos que confirmam esse
raciocínio. Em uma investigação conduzida pelo Centro de Inteligência
Emocional de Yale (Brackett et al., 2012), foram trabalhados conceitos
emocionais em 62 classes de crianças em sessões de meia hora por semana,
durante dois anos, e avaliados seus desempenhos tanto acadêmico quanto
social. Em ambos domínios, aquelas que participaram do programa
apresentaram melhores resultados que alunos que não tiveram a instrução.
Além disso, segundo Barret (2017):

Quando você ensina conceitos emocionais às crianças, você está


fazendo mais que comunicar. Está criando a realidade dessas
crianças – uma realidade social. Você está da do a elas ferramentas
para regular seu equilíbrio fisiológico, encontrar significado nas suas
sensações e influenciar os outros de forma mais eficaz. São
habilidades que elas usarão a vida inteira.

TEMA 5 – MOTIVAÇÃO E APRENDIZAGEM

A experiência de sermos quem somos é uma experiência social. Temos


uma mente que foi moldada e que funciona, conforme vimos na Aula 2, em
conjunto com outras mentes, mesmo quando estamos sozinhos. Todas as
habilidades trabalhadas na educação – da linguagem ao cálculo – estão
diretamente vinculadas à cultura e ao meio social em que crescemos. A
aprendizagem depende das interações e das emoções que as acompanham, o
que significa que nenhum saber é adquirido de forma racional, sem envolver o
corpo, uma vez que emoção é um fenômeno que afeta o afeta inteiramente,
não apenas a mente. Todo o pensamento é emocional, pois a emoção e a
cognição não podem ser vistas como processos separados, mas sim como
aspectos que constituem o pensamento.
Vimos, há pouco, a função homeostática da emoção, reguladora dos
processos biológicos e da manutenção da vida. Mas em cérebros mais
complexos podemos atribuir às emoções também a função de gerenciar a
relação do indivíduo com o meio social. Elas regulam e modificam o organismo
em si e como parte de uma cultura, de forma intra e interpessoal. Praticamente
todas as nossas decisões ocorrem dentro da esfera social, pois são motivadas
pelas relações e são feitas com base naquilo que sentimos. A aprendizagem,
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dessa forma, é motivada pela cultura e pelas necessidades sociais, ao passo
que estas são reguladas pela emoção.
Quando aprendemos com um propósito – que é necessariamente criado
De início a
com a participação da emoção e do meio social – conseguimos direcionar e motivação é
extrícica e nos
sustentar a atenção. A motivação, com os neurotransmissores que ela envolve, forçamos a
aprender algo pois
mantém-nos focados e engajados pelo simples fato de que o cérebro entende a queremos algo
que nos dá prazer
atividade como importante para a sobrevivência do indivíduo enquanto parte de exterior. Conforme
aprendemos a fez
um grupo do qual depende para se desenvolver. o que nos dá a
recompensa
Até recentemente, emoções eram vistas de certa maneira como externa vamos
sentindo prazzer
obstáculos aos processos cognitivos, considerados superiores. Damásio e na tarefa em si. A
motivação
Immordino-Yang (2007) retratam essa visão fazendo uma analogia com intrissica é quando
nos sentimos
competêntes em
crianças pequenas em uma loja de variedades, interferindo e desarrumando a realizar o que
sabemos fazer
ordem e a posição dos produtos em suas fileiras. bem.
No entanto, emoções servem como suporte à cognição. Sua má
reputação deriva da interferência das emoções consideradas negativas no
pensamento e na aprendizagem, mas elas só respondem por uma parte desse
universo tão complexo e frequentemente mal interpretado. Hoje sabemos que
mesmo as habilidades mais técnicas, que envolvem o pensamento lógico e
memorização, não podem ser recrutados sem a participação das emoções. E
quanto mais são evocadas, maior o envolvimento, atenção e retenção. As
emoções sinalizam no cérebro o que é importante e, por isso, nos mantêm em
alerta e envolvidos, o que é essencial para a aprendizagem.

Os aspectos da cognição que são mais recrutados na educação,


incluindo aprendizagem, atenção, memória, tomada de decisão,
motivação e funcionalidade social são, ao mesmo tempo, afetados
pela emoção e somados aos processos da emoção. [...] A percepção
de uma situação potencialmente emocionante, seja ela real ou
imaginada, tem o poder de induzir à emoção assim como uma
corrente de eventos psicológicos que irão promover mudanças tanto
no corpo como na mente. Essas mudanças na mente envolvem
processos como o foco da atenção, a evocação de memórias
relevantes e associações entre acontecimentos e suas
consequências, que, entre outras coisas, são o alvo da educação.
(Damásio; Immordino-Yang, 2007, p. 3)

Um dos aspectos particulares do universo emocional humano é a


capacidade de projetar situações e direcionar o comportamento de acordo com
as emoções. Graças ao córtex pré-frontal, temos a capacidade de imaginar
cenários possíveis e construir objetivos voltados a tais possibilidades. Esses
objetivos constituem em uma motivação e funcionam como potentes motores

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que nos dão energia, que garantem eficácia na realização de tarefas e,
portanto, na aprendizagem. Quando damos a um estudante um propósito, uma
razão que justifique seu esforço, ele tende a se focar, manter-se concentrado e
persistir na atividade.
A motivação ativa o sistema de recompensa do cérebro, mais
especificamente o estriado ventral, e libera o mensageiro químico que
conhecemos como dopamina, que nos garante a sensação de prazer. Esse
processo nos dá energia e vontade de permanecermos focados na atividade.
Mas o sistema de recompensa é também movido por novidades – o que
pode se tornar um desafio, pois para dominarmos uma habilidade é necessário
muita prática e repetição, que são o contrário de novidade. Uma das formas de
evitar a evasão de tarefas que exigem concentração depois que deixam de nos
trazer a atratividade do novo é encaixá-las na rotina para transformá-las em
hábito. Os objetivos e a motivação inicial incitados por eles podem até servir
como propulsores de um engajamento, mas é o hábito que irá mantê-lo.
Outro fator que promove a persistência é a transformação dos objetivos,
que de extrínsecos (relacionados a fatores interpessoais, profissionais ou
financeiros) passam a intrínsecos, ou seja, movidos pela vontade, pelo prazer
que a ação promove por si.
Por exemplo: um estudante pode se comprometer em aprender uma
disciplina nova para agradar aos pais, para ganhar um concurso, para melhorar
suas chances profissionais no futuro ou para impressionar alguém. São todos
fatores extrínsecos. Depois que ele começa a dominar o tema, começa a achá-
lo cada vez mais interessante e continua a aprofundar os estudos movido pela
curiosidade e vontade de aprender mais. Essa internalização da motivação,
que são os fatores intrínsecos, são mais eficazes para sustentar o
envolvimento por mais tempo.
Os adultos têm mais consciência das conquistas e do caminho que leva
a um objetivo de longo prazo, e conseguem se autodisciplinar para buscar
esses ganhos. Nas crianças, a motivação é alimentada pelo feedback mais
momentâneo, que pode envolver incentivos verbais, metas de curto prazo,
visualização das conquistas individuais e do grupo.
De acordo com Jeanne Ellis Ormrod (2014), nos primeiros anos do
Ensino Fundamental, crianças tendem a ser movidas por objetivos intrínsecos
— o entusiasmo e curiosidade. Após essa fase, objetivos extrínsecos

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costumam tomar o lugar desses motivadores e elas passam a buscar a
aprovação de pais e professores ao buscarem bons resultados em avaliações.
Um sistema educacional baseado no ensino de uma grande quantidade de
conteúdo, na necessidade de boas notas em provas escritas e na competição
está por trás desse movimento. No entanto, aqueles que são movidos por
objetivos extrínsecos e intrínsecos tendem a alcançar resultados melhores e
mais consistentes.
Com base na análise de um vasto corpo de pesquisas, Ormrod (2014)
chegou aos seguintes benefícios da motivação:

 Direciona o comportamento aos objetivos particulares, interferindo nas


escolhas que os estudantes fazem;
 Aumenta o esforço e a energia empregados na tarefa;
 Aumenta a persistência e o tempo dedicado à realização de uma
atividade;
 Melhora processos cognitivos como atenção e compreensão;
 Melhora o desempenho acadêmico de uma forma geral.

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REFERÊNCIAS

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