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Ruy Belo

Poema
«Oh as casas as casas as casas»
2

Andrew Wyeth, O mundo de Cristina (1948).


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Vincent van Gogh, A casa amarela (1888).


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Oh as casas as casas as casas as casas


nascem vivem e morrem
Enquanto vivas distinguem-se umas das outras
distinguem-se designadamente pelo cheiro
variam até de sala pra sala
As casas que eu fazia em pequeno
onde estarei eu hoje em pequeno?
Onde estarei aliás eu dos versos daqui a pouco?
Terei eu casa onde reter tudo isto
ou serei sempre somente esta instabilidade?
As casas essas parecem estáveis
mas são tão frágeis as pobres casas
Oh as casas as casas as casas
mudas testemunhas da vida
elas morrem não só ao ser demolidas
elas morrem com a morte das pessoas
As casas de fora olham-nos pelas janelas
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Não sabem nada de casas os construtores


os senhorios os procuradores
Os ricos vivem nos seus palácios
mas a casa dos pobres é todo o mundo
os pobres sim têm o conhecimento das casas
os pobres esses conhecem tudo
Eu amei as casas os recantos das casas
Visitei casas apalpei casas
Só as casas explicam que exista
uma palavra como intimidade
Sem casas não haveria ruas
as ruas onde passamos pelos outros
mas passamos principalmente por nós
Na casa nasci e hei de morrer
na casa sofri convivi amei
na casa atravessei as estações
respirei — ó vida simples problema de respiração
Oh as casas as casas as casas
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«as casas»
As «casas» testemunham as nossas
vivências, os momentos mais
marcantes da nossa vida
A «casa» é um

espaço associado
«Mudas testemunhas da vida» (v. 14)
à vivência humana

onde…
• crescemos e nos tornamos outros — «As casas que eu fazia em
pequeno onde estarei eu hoje
• sofremos
em pequeno?» (vv. 6-7)
• convivemos
— «na casa atravessei
• se vive o amor as estações» (v. 33)

«na casa sofri convivi amei» (v. 32)


7

Nós e «as casas» • «nascem vivem e morrem» (v. 2)


• «parecem estáveis / mas são tão frágeis» (vv. 11-12)

Porque São um prolongamento


«vivemos» de nós
nas casas 
(respirando, Explicam a existência «Só as casas explicam que exista / uma
sofrendo, da vida íntima palavra como intimidade» (vv. 26-27)
amando),
é nelas que Casa = individualidade «Sem casas não haveria ruas /
nos construímos Rua = relação com outros / as ruas onde passamos pelos
vida em sociedade outros» (vv. 28-29)
A palavra «casa»
designa muito mais
do que um bem que «Não sabem nada de casas
pode ser os construtores / os senhorios Casa = símbolo
comprado/vendido/ os procuradores» (vv. 18-19)
herdado

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