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Várias Histórias

(1896)
Machado de Assis
*A abertura do
1. A Cartomante 3ª pessoa
conto cita a peça
Hamlet, tragédia
de Shakespeare.
Provinciana
Rita (30) “Formosa e tonta”

“Camilo quis sinceramente fugir,


mas já não pôde. Rita, como

am
uma serpente, foi-se acercando

an
dele, envolveu-o todo, fez-lhe

tes
estalar os ossos num espasmo, e
pingou-lhe o veneno na boca.”

Vilela (29) Camilo (26)


amigos
Magistrado, depois advogado “preferiu não ser nada até que a mãe
“Vem já, já, à nossa casa; arranjou-lhe um serviço público”
preciso falar-te sem demora”. “era um ingênuo na vida moral e prática”
“Nem experiência nem intuição”
Sequência das Ações
1. Rita conta a Camilo que foi a uma cartomante para uma consulta
sentimental, mas seu amante zomba de sua crendice.
2. Camilo recebe cartas de alguém que sabe da traição. O jovem fica
preocupado e procura Rita para conversar sobre o assunto. Rita acredita ser
“despeito de algum pretendente” (Já traía antes?) e decide levar as cartas para
casa para comparar a letra com alguma que eventualmente aparecer por lá.
3. Um dia, Vilela manda um bilhete a Camilo para que este compareça a sua
casa com urgência. Camilo angustia-se, mas vai. No caminho, uma confusão na
rua faz a condução parar diante da casa da cartomante. Camilo, até então
cético, decide consultá-la. Ela informa que o terceiro nada
sabe e o estimula a aproveitar seu momento. Vale observar
com atenção a conversa da cartomante.
4. Camilo, aliviado pela conversa com a cartomante, chega a
casa de Vilela e o encontra transtornado. Rita está morta
sobre o canapé. Vilela pega Camilo pela gola e desfere dois
tiros, matando-o.
2. Uns braços Argumento: o jovem Inácio (15) apaixona-se
pelos braços de D. Severina (27), esposa de
3ª pessoa
Borges, seu patrão.
Inácio viera trabalhar como
aprendiz, ficando como O solicitador (auxiliar de advogado)
hóspede na casa de Borges. Borges era um homem impaciente e
“...sentiu-se agarrado e grosseiro. Reclamava constantemente
acorrentado pelos braços de dos esquecimentos do jovem Inácio.
D. Severina. Nunca vira
outros tão bonitos e tão
frescos”

D. Severina
Costumava deixar os braços à mostra, não por provocação, mas “porque já
gastara todos os vestidos de mangas compridas”. Ela percebe o interesse do
jovem e pensa: “...uma criança!” Em seguida, o narrador comenta: “Criança?
Tinha quinze anos; e ela advertiu que entre o nariz e a boca do rapaz havia
um princípio de rascunho de buço.” Então começa a se sentir atraída
também...
Uma tarde de domingo (“Não era só um domingo cristão; era um
imenso domingo universal”: aqui o narrador suprime o caráter
religioso do domingo, abrindo outras possibilidades...) em que Borges
se ausentara, Inácio pegara no sono, enquanto lia deitado na rede que
havia em seu quarto. “D. Severina sentiu o coração bater-lhe com
veemência e recuou. Sonhara de noite com ele (...) Desde madrugada
a figura do mocinho andava-lhe diante dos olhos como uma tentação
diabólica”. Então se aproximara para dar um rápido beijo no jovem, no
exato momento em que ele sonhava estar beijando D. Severina (“Aqui
o sonho coincidiu com a realidade”). Mais tarde, na hora do jantar, D.
Severina, “calada e severa”, aparece vestindo um “xale que lhe cobria
os braços”. Assim foi todos os dias até o sábado seguinte, quando o
solicitador decidiu mandar o jovem embora. “Ele mesmo exclama às
vezes, sem saber que se engana: - E foi um sonho! Um simples sonho!”
3. Um Homem Célebre
3ª pessoa

Temática - frustração artística: Pestana era um grande


compositor de polcas, mas queria ser compositor de um
gênero considerado mais nobre.
Pestana, famoso compositor de polcas, sonhava compor uma música
nos moldes dos grandes compositores universais. Sentia-se frustrado
por isso, apesar do imenso sucesso fazia com as suas polcas. Decidiu
então casar-se com Maria, uma jovem cantora tuberculosa e amante da
música como ele, na esperança de encontrar a melodia que tanto
procurava. Começa a compor um noturno para homenagear a esposa,
mas ao tocar a música, ela mesma a identifica como sendo de Chopin.
Maria morre tristemente em uma noite de Natal, enquanto a
vizinhança, para maior desespero do compositor, comemorava tocando
suas famosas polcas. Pestana passa a dedicar-se a um réquiem para
esposa falecida, mas a composição não evolui.
Por razões financeiras e contra a
própria vontade, continua
entregando polcas para o seu editor.
Anos depois, sem saber que Pestana
se encontrava gravemente doente, o
editor aparece para encomendar
mais uma polca de ocasião, mas fica
constrangido. Pestana insiste em
saber o motivo da visita. O editor
revela que gostaria de uma polca
para os conservadores que chegaram
ao poder. Pestana diz que, como deve
morrer nos próximos dias, fará também
uma segunda, para quando os liberais
retornarem. Foi a única piada de sua vida.
Morreu no dia seguinte “bem com os
homens e mal consigo mesmo”.
4. A Causa Secreta

3ª pessoa
O conto inicia abruptamente, revelando três
personagens em silêncio em uma sala: Fortunato,
Maria Luísa e Garcia, após haverem comentado três
assuntos. Mas “tinham falado também de outra coisa, além daquelas três, coisa tão
feia e grave”, que será explicada mais adiante em flashback.
Garcia havia visto pela primeira vez Fortunato durante a apresentação de uma peça
de teatro, um “dramalhão cosido a facadas”. Este dava uma atenção especial às
cenas, aparentando grande prazer. Vai embora justo quando a obra entra em sua
segunda parte, mais leve e alegre. Garcia decide segui-lo por várias ruas e nota que
Fortunato “ia devagar, cabisbaixo, parando às vezes, para dar uma bengalada em
algum cão que dormia; o cão ficava ganindo e ele ia andando.” Mais tarde, ainda
estudante de medicina, Garcia volta a vê-lo no episódio de um esfaqueado, para o
qual Fortunato se mostra profundamente dedicado durante o seu estágio crítico,
vindo a tornar-se frio e indiferente quando a vítima melhora. Garcia “possuía, em
gérmen, a faculdade de decifrar os homens, de decompor os caracteres, tinha o amor
da análise, e sentia o regalo, que dizia ser supremo, de penetrar muitas camadas
morais, até apalpar o segredo de um organismo”, daí o interesse na figura de
Tempos depois, passam a se encontrar constantemente, o que
acaba trazendo a amizade. Um dia, Fortunato convida o amigo, agora
médico, para jantar em sua casa e conhecer sua esposa. Estreitada a relação,
duas consequências surgem daí. A primeira é a atração silenciosa entre Garcia
e Maria Luísa, mulher do amigo, embora sem consequências. A segunda é a
casa de saúde que os dois homens pretendem abrir em sociedade. Nela,
Fortunato vai-se destacar como um ajudante atencioso, principalmente para os
doentes que se encontram no pior estágio de sofrimento. Para aprimorar suas
técnicas, o personagem dedica-se a dissecar animais (“ocupava-se nas horas
vagas em envenenar e rasgar cães e gatos”). Chocada com o sofrimento dos
bichos, Maria Luísa pede intervenção a Garcia para que que Fortunato
abandonasse a prática. O momento mais chocante da narrativa é quando
Fortunato é flagrado vingando-se de um rato que
segura amarrado pelo rabo, que supostamente teria
roído um documento importante: de forma paciente
vai cortando cada uma das patas e até o focinho do
animal, sempre aproximando-o do fogo, com cuidado
para que não morresse de imediato, possibilitando,
assim, o prosseguimento do castigo. Maria Luísa
abandonava a cena no mesmo momento em que
Garcia chegava.
Garcia, então, observa horrorizado o ato praticado por Fortunato,
inclusive tentando interrompê-lo (eis a razão do silêncio na sala no início
do relato). A partir daí, a história se encaminha para o desfecho. A mulher desenvolve
tuberculose (tísica), e seu marido lhe dedica total cuidado, especialmente no
momento terminal. Durante o velório de Maria Luísa, Garcia sugere a Fortunato que
tire um tempo para descansar. Pouco tempo depois, este acorda e vai até o local onde
está a defunta e vê Garcia dando um beijo na testa da amada: “Garcia inclinou-se
ainda para beijar outra vez o cadáver; mas então não pôde mais. O beijo rebentou em
soluços, e os olhos não puderam conter as lágrimas, que vieram em borbotões,
lágrimas de amor calado, e irremediável desespero. Fortunato, à porta, onde ficara,
saboreou tranquilo essa explosão de dor moral que foi longa, muito longa,
deliciosamente longa”.
Observações
 Inversões de expectativa na história:
(1) No episódio do esfaqueado, o leitor espera a satisfação de Fortunato por ter
conseguido a recuperação do outro, mas ele se mostra aborrecido, ou seja, quando o
outro sofre, ele é feliz; quando o outro se recupera, ele fica triste.
(2) A finalidade da casa de saúde é tratar dos doentes, mas o objetivo oculto de
Fortunato é ver o sofrimento alheio.
(3) Quando Fortunato descobre o amor de Garcia por sua esposa,
espera-se que ele demonstre um sentimento de ciúme, raiva ou
vingança, mas Fortunato sente prazer no sofrimento de Garcia.

 Fortunato revela um comportamento sádico, pois é atraído pelas


enfermidades físicas, e Garcia é atraído pelas anormalidades psicológicas.

 Fortunato é fascinado pelo sofrimento do rato, e Garcia é fascinado pelo


comportamento anormal de Fortunato.

 Fortunato sente-se atraído por alguma anomalia


Garcia sente atração pela anomalia de Fortunato
O narrador observa Fortunato e Garcia
O leitor sente-se atraído pela história
5. O Enfermeiro
Procópio, o narrador em primeira pessoa, é um homem pobre do Rio de
Janeiro que aceita um emprego bem remunerado como enfermeiro do rico
Coronel Felisberto. O coronel vivia sozinho no interior e se encontrava muito
doente, com pouco tempo de vida (“Chegando à vila, tive más notícias do
coronel. Era homem insuportável, estúrdio, exigente, ninguém o aturava, nem
os próprios amigos. Gastava mais enfermeiros que remédios. A dois deles
quebrou a cara.”). Por sorte, o protagonista se mostra como o mais simpático
que já havia sido contratado, o que agrada ao velho, permitindo uma “lua-de-
mel” que durou uma semana. “No oitavo dia, entrei na vida dos meus
predecessores, uma vida de cão, não dormir, não pensar em mais nada,
recolher injúrias (...) A moléstia era um rosário delas, padecia de aneurisma, de
reumatismo e de três ou quatro afecções menores. Tinha perto de sessenta
anos, e desde os cinco toda a gente lhe fazia a vontade. Se
fosse só rabugento, vá; mas ele era também mau, deleitava
-se com a dor e a humilhação dos outros. No fim de três
meses estava farto de o aturar; determinei vir embora; só
esperei ocasião. Não tardou a ocasião.
Um dia, como lhe não desse a tempo uma fomentação (massagem
na pele com algum medicamento), pegou da bengala e atirou-me
dois ou três golpes. Não era preciso mais; despedi-me imediatamente, e fui
aprontar a mala. Ele foi ter comigo, ao quarto, pediu-me que ficasse, que não
valia a pena zangar por uma rabugice de velho. Instou tanto que fiquei.” As
pazes voltaram, mas por pouco tempo. As agressões retornam ainda mais
graves, culminando com o episódio em que o coronel atira uma moringa no
rosto do enfermeiro. Este, cego com a dor, ataca o velho, terminando por
matá-lo esganado. Em seguida, oculta o crime, fazendo crer que foi morte
natural. Começa então o processo mais interessante do conto. O narrador
sofre com o remorso e passa a elogiar seu agressor como maneira de ocultar
qualquer vestígio do crime. Além disso, começa a arranjar desculpas em sua
mente para aplacar sua consciência: “Crime ou luta? Realmente, foi uma luta
em que eu, atacado, defendi-me, e na defesa... Foi uma luta desgraçada, uma
fatalidade. Fixei-me nessa ideia. (...) Considerei também que o coronel não
podia viver muito mais; estava por pouco; ele mesmo o sentia e dizia. Viveria
quanto? Duas semanas, ou uma; pode ser até que menos. Já não era vida, era
um molambo de vida, se isto mesmo se podia chamar ao padecer contínuo do
pobre homem... E quem sabe mesmo se a luta e a morte não foram apenas
coincidentes?”
Mais tarde, quando o testamento do
coronel se torna público, Procópio é
informado que foi feito herdeiro universal.
Inicialmente, pensa em doar toda a fortuna aos
pobres, mas depois restringe a ideia e gasta
apenas uma parte com os necessitados, além de
erguer um túmulo de mármore ao coronel.
Observações:
1. Ao aceitar o emprego por “um bom ordenado”, Procópio busca melhorar
de vida, mas o resultado é a degradação que sofre com os maus tratos do
coronel;
2. Procópio vai para a casa do coronel como enfermeiro a fim de ajudá-lo a
sobreviver, mas acaba causando a sua morte;
3. O senso comum nos ensina que “o crime não compensa”, mas conto,
ironicamente, nos revela o contrário;
4. Talvez a maior ironia do conto seja o fato de Procópio assassinar
justamente o seu benfeitor;
5. O coronel é a vítima, mas parece, aos olhos do público, o algoz;
6. Procópio é o assassino, mas parece a vítima.
6. Conto de Escola Curvelo: o
Policarpo: mestre autoritário. delator (era um
pouco mais velho
Pilar: o narrador em 1ª que os outros).
pessoa preferia brincar
na rua, mas foi a escola Raimundo: filho do
por medo dos castigos mestre. É aplicado,
do pai (“não era um mas de inteligência
menino de virtudes”). tarda. Por temer o
Tinha facilidade com as pai, pede a Pilar
lições do mestre. para fazer a lição
por ele em troca de
Ilustração de Renato Alarcão uma pratinha.
Pilar recebe o castigo do mestre e jura vingança a Curvelo. No
dia seguinte, pensa em chegar mais cedo para encontrar a
pratinha que o professor jogara pela janela. No entanto, distrai-
se com um grupo de fuzileiros (“tambor à frente”) e decide
segui-los, desistindo de ir para a escola. Para ele ficara uma lição
sobre corrupção (Raimundo) e outra sobre delação (Curvelo).
É um tipo de narrativa, em geral
dialogada, que apresenta um
7. sentido moral, cujos personagens
são seres inanimados.
Foco narrativo: mistura 1ª e 3ª pessoa (ou um narrador em 3ª pessoa que se
intromete na narrativa.
Temática: orgulho e vaidade.
“Um Apólogo” é a história de um diálogo entre uma agulha e um novelo de
linha, que discutem sobre a importância do trabalho que cada um realiza na
costura de um vestido. A discussão continua até a chegada da costureira, que
os utiliza para fazer um vestido para a Baronesa ir ao baile. A agulha aproveita
esse momento para se vangloriar de seu trabalho, mostrando ao novelo que,
sem ela, ele não conseguiria furar o tecido e avançar por ele para compor as
camadas do vestido. Mas, na hora de ir ao baile, o novelo destrata a agulha e
seu trabalho por ser ele que vai ao baile no vestido da Baronesa, enquanto a
agulha fica na caixinha de costura. Nesse momento, surge o alfinete, que
sugere à agulha ficar quieta e fazer seu trabalho sem reclamar, tornando-se
igual a ele, um ser que fica onde o colocam, ou seja, não abre caminho para
ninguém.
Final: o narrador revela ter contado esta
história a um “professor de melancolia”,
que confessou, “abanando a cabeça: - Também eu tenho
servido de agulha a muita linha ordinária”.

Observe duas visões a respeito do conto:


 A Classe Operária realiza a produção, mas por não possuir os meios de
produção, não possui para si o produto realizado. (...) Podemos ver a
exploração do trabalho da Agulha pela Linha, e do trabalho da Costureira
pela Baronesa. (David Bruno Narciso)

 A respeito do fato da história envolver uma costureira, que faz seu


trabalho longe dos holofotes para uma baronesa que irá a um baile da
Corte, o estudo de Maria Isadora da Silva Melo conclui: A
questão última da conversa entre a agulha e a linha se refere a este ideal –
ver e ser visto.
3ª pessoa
8. D. Paula
A protagonista, que dá nome ao conto, é uma boa senhora, moradora da Tijuca, e
que raramente sai de sua chácara. Contrariando o seu costume, “desce” um dia
até a casa da irmã e já no dia seguinte vai visitar a sobrinha, Venancinha, que
havia brigado com o marido, Conrado. A razão do desentendimento é revelada
aos prantos pela jovem esposa à tia: o marido desconfia que ela esteja tendo um
caso e ameaçou separar-se. D. Paula, experiente e habilidosa, consola Venancinha
e em seguida vai ao escritório de Conrado buscar a reconciliação do casal.
Conrado está convicto de que existe algo: “Em relação à pessoa de quem se
tratava, não tinha dúvida de que eram namorados”. D. Paula, então, faz a
seguinte proposta:
“— Você perdoa-lhe, fazem as pazes, e ela vai estar comigo, na
Tijuca, um ou dois meses; uma espécie de desterro. Eu, durante
este tempo, encarrego-me de lhe pôr ordem no espírito. Valeu?”
Conrado aceitou. Ao sair, a protagonista comenta que o tal rapaz
talvez nem merecesse tamanha atenção. Conrado diz saber de que
trata de um tal Vasco Maria Portela. Nesse momento, D. Paula
empalideceu e despediu-se rapidamente. Na sequência, ficamos
sabendo que o pai do jovem, de mesmo nome, era um diplomata
aposentado e vivia na Europa:
“Já se entende que o outro Vasco, o antigo, também foi moço e amou.
Amaram-se, fartaram-se um do outro, à sombra do casamento,
durante alguns anos (...). A aventura acabou; foi uma sucessão de horas doces e
amargas, de delícias, de lágrimas, de cóleras, de arroubos, drogas várias com que
encheram a esta senhora a taça das paixões. D. Paula esgotou-a inteira e
emborcou-a depois para não mais beber”.
De volta à Tijuca com a sobrinha, acontece o acaso do jovem Vasco aparecer pelas
cercanias, causando grande susto em Venancinha, permitindo à D. Paula perceber
que a relação atingira um nível perigoso. Venancinha, então, confessa com alguns
detalhes que havia uma atração de ambas as partes: “Não era um livro, não era
sequer um capítulo de adultério, mas um prólogo, — interessante e violento.”
Aqui vale destacar a reação de D. Paula à confissão da sobrinha:
“D. Paula, inclinada para ela, ouvia essa narração, que aí fica apenas resumida e
coordenada. Tinha toda a vida nos olhos; a boca meio aberta, parecia beber as
palavras da sobrinha, ansiosamente, como um cordial. E pedia-lhe mais, que lhe
contasse tudo, tudo. Venancinha criou confiança. O ar da tia era tão jovem, a
exortação tão meiga e cheia de um perdão antecipado, que ela achou ali uma
confidente e amiga, não obstante algumas frases severas que lhe ouviu,
mescladas às outras, por um motivo de inconsciente hipocrisia”.
Depois de ouvir a confissão, a protagonista aconselha a menina sobre
a necessidade de manter a moral e respeitar o marido, mas ao mesmo
tempo se delicia com tudo o que é confessado, como se revivesse os pecados que
experimentou em seu passado.

Seguem algumas observações retiradas da tese de mestrado de Renata de


Albuquerque, intitulado “Dona Paula, de Machado de Assis: Um olhar sobre o
feminino”:
 O segredo governa o andamento do conto. Tudo é dito a portas fechadas,
longe dos ouvidos dos escravos; rostos inchados de chorar são preservados da
luz; há muito o que esconder e as personagens se esforçam por fazê-lo sem
levantar suspeitas.
 Não é certeza de que a aventura de Paula tenha sido desconhecida ou
esquecida pela sociedade. O fato é que, trinta anos depois, Paula aparece
restaurada, carregando no nome o índice de respeitabilidade que lhe confere o
“dona” que quase sempre precede seu nome nas referências do texto.
 Para Paula, restaurar Venancinha é restaurar a si mesma, social e moralmente.
 Ao repreender a sobrinha, D. Paula pondera que o problema era que
Venancinha fora “imprudente”. A repreensão não se dá pela infidelidade em si,
mas porque ficou à mostra da sociedade.
9. O Cônego ou Metafísica do Estilo
O conto metalinguístico apresenta a história de um cônego que se dedica à
escritura de um sermão e tem sua tarefa interrompida por não conseguir
encontrar um adjetivo adequado ao substantivo que havia colocado em seu
texto. Nesse momento, o narrador convida o leitor a subir à cabeça do cônego
para observar o processo que ali se desenrola: “Subamos à cabeça do cônego.
Upa! Cá estamos. Custou-te, não, leitor amigo?”. A partir daí, acompanhamos
o desenvolvimento da teoria do narrador, a qual afirma que as palavras têm
sexo, e que nascem em diferentes hemisférios do cérebro: o substantivo, que
é masculino, é nomeado como Sílvio; o adjetivo, feminino, é Sílvia. “Amam-se
umas às outras (as palavras). E casam-se. O casamento delas é o que
chamamos estilo. ”.
Em seguida, o cônego se levanta e vai até a janela em
busca de inspiração, realizando outros afazeres.
Enquanto isso, o cérebro, em processo inconsciente,
segue trabalhando, embora o protagonista não perceba:
“Enquanto o cônego cuida em coisas estranhas, eles (substantivo e
adjetivo) prosseguem em busca um do outro, sem que ele saiba
nem suspeite nada. Agora, porém, o caminho é escuro. Passamos da
consciência para a inconsciência, onde se faz a elaboração confusa das ideias,
onde as reminiscências dormem ou cochilam. Aqui pulula a vida sem formas,
os germens, e os detritos, os rudimentos e os sedimentos; é o desvão imenso
do espírito. Aqui caíram eles, à procura um do outro, chamando e suspirando.
Dê-me a leitora a mão, agarre-se o leitor a mim, e escorreguemos também.”
(...)
“Procuram-se e acham-se. Enfim, Sílvio achou Sílvia. Viram-se, caíram nos
braços um do outro, ofegantes de canseira, mas remidos com a paga. Unem-
se, entrelaçam os braços, e regressam palpitando da inconsciência para a
consciência.” (...)
“Nisto, o cônego estremece. O rosto ilumina-se-lhe. A pena,
cheia de comoção e respeito, completa o substantivo com o
adjetivo. Sílvia caminhará agora ao pé de Sílvio, no sermão que
o cônego vai pregar um dia destes” (...)
10. Entre Santos
Foco narrativo: é uma narrativa dentro de narrativa. Há um discreto narrador
em terceira pessoa (“contava um padre velho”) que revela ter escutado desse
padre velho “uma aventura extraordinária”, introduzindo, assim, o narrador
em primeira pessoa. No tempo em que era capelão na igreja de São Francisco
de Paula, acompanhou, numa noite, escondido num canto do templo, o
diálogo entre santos, que durante o dia eram pequenas imagens, estátuas que
naquele instante haviam descido de seus nichos na proporção humana
(“Todos eles, terríveis psicólogos, tinham penetrado a alma e a vida dos fiéis, e
desfibravam os sentimentos de cada um, como os anatomistas escalpelam um
cadáver”). Falavam das pessoas que vinham rezar diante deles. S. João Batista
e S. Francisco de Paula eram os mais ácidos. S. José lembra uma adúltera que
vinha pedir ajuda para se afastar da “lepra da luxúria”, mas que, enquanto
orava, rememorava momentos ardentes e acabou não realizando o
pedido: “começou rezando bem, cordialmente; mas pouco a pouco
vi que o pensamento a ia deixando para remontar aos primeiros
deleites”.
Já São Francisco de Sales acreditava que era preciso manter a
esperança no ser humano ao contar a história de um usurário
muito avarento (também chamado Sales) que cai em desespero quando sua
esposa desenvolve erisipela na perna (inflamação na pele causada por
bactéria). Quem o conhecia acreditava que sua agonia advinha das futuras
despesas funerárias que teria, mas Sales verdadeiramente amava a esposa.
Com o intuito de salvá-la, pede a intervenção do santo que tinha o seu nome,
prometendo em troca uma perna de cera, afinal pensava que era preciso
“conciliar a devoção com a algibeira”. Mas como Sales era um avaro, pensou
no gasto que teria e, embora estivesse desesperado com a possibilidade de
perder a esposa, tinha dificuldade em oferecer algo ao santo de sua devoção.
Depois de muito pensar, ilude-se por conveniência, acreditando que o
espiritual é mais importante do que o material, então se propõe a rezar 300
padres-nossos. Nesse momento, seu caráter materialista mistura-se com o
espiritualista, pois conclui ser mais lucrativo ainda rezar 300 padres-nossos e
300 ave-marias. Em seguida, de 300 passa para 500, e de 500 para 1000: 1000
padres-nossos e 1000 ave-marias. Fica, porém, perdido e maravilhado em seus
números de tal forma que não realiza o pedido.
No final, o narrador afirma ter adormecido, vindo a despertar já
com o dia claro, quando correu a abrir as janelas “para deixar entrar o
sol, inimigo dos maus sonhos”. Então a narrativa do padre terá sido um sonho?
Observações:
São Francisco de Sales
 O senso comum nos faz ver que os homens devem acreditar
nos santos, mas nesse conto parece que os santos devem
acreditar nos homens.
 Como regra, as principais frequentadoras da igreja são
mulheres devotas e castas, mas a mulher que se destaca na
história é a adúltera que não consegue se livrar do seu
pecado.
 A igreja costuma receber doações de seus frequentadores, mas o avaro é o
personagem de destaque.
 S. Francisco de Sales demonstra especial simpatia pelo Sales avaro,
acreditando em suas intenções.
 Destaca-se o caráter mercantilista da promessa de Sales, que faz o pedido
ao santo como se fosse uma transação comercial.
11. A Desejada das Gentes
Nesse conto, o narrador em primeira pessoa rememora a um interlocutor um
marcante episódio de sua juventude. Trata-se de seu envolvimento com uma
moça de nome Quintília, cobiçada dama da sociedade que desenganava todos
que tentavam estabelecer uma relação com ela. O narrador lembra que
chegou a fazer uma espécie aposta com seu amigo e sócio de uma banca de
advocacia, João Nóbrega, para ver quem conquistaria o coração de Quintília,
que então contava 30 anos e estava no auge de sua beleza. Ao final de um
mês, os dois estavam brigados; tempos depois, Nóbrega conseguiu uma
nomeação para juiz no sertão da Bahia, vindo a falecer em menos de quatro
anos. A partir do afastamento do colega, o narrador julgou estar com o
caminho livre, mas “Quintília não deixava ninguém estar só em campo, — não
digo por ela, mas pelos outros”. Importante lembrar que ela o tratava de
maneira diferente, destacando-o dos demais pretendentes, mas sempre
deixava claro que só queria amizade. Então a morte do pai do protagonista fez
com que Quintília se aproximasse a fim de confortá-lo. Pouco depois, o tio
com quem ela morava também falece. A aproximação dos dois estimula o
narrador a pedi-la em casamento, mas é recusado.
Envolvido por questões em torno do inventário do pai, o
protagonista se ausenta por três semanas. Ao retornar, uma
carta de Quintília esperava por ele, pedindo que a amizade
fosse retomada e promete, em troca, não se casar com
ninguém. Na sequência, a dama adoece “da espinha”,
definhando aos poucos. Dois dias antes de morrer, casa-se com
o narrador, que revela “abracei-a pela primeira vez feita
cadáver”.
Observações:
Início do conto: — “Ah! conselheiro, aí começa a falar em verso.
— Todos os homens devem ter uma lira no coração”.
Quintília / Quintilha (estrofe de cinco versos): se Quintília é tornada objeto de
poesia, torna-se eterna, superior à morte, elevada, inatingível.
“Aquela moça tinha ao casamento uma aversão puramente física”.
“Falavam dela como de uma fortaleza inexpugnável”.
12. Trio em Lá Menor 3ª pessoa

Sendo trio um trecho musical para três vozes ou instrumentos, o título do


conto traz uma duplicidade de sentidos, pois significa também o conjunto das
três principais personagens: Maria Regina e seus pretendentes, Maciel (27) e
Miranda (50), entre os quais a moça oscila indecisa entre as qualidades de um
e de outro, tão diferentes entre si.
Neste conto, a música parece ser o fio condutor da narrativa (há a presença
permanente da sonata, como fundo musical durante todo o texto), na qual a
personagem Maria Regina toca uma sonata (que costuma ser dividida em
quatro partes), como são os capítulos do conto.
Ainda: Segundo o compositor e professor Bruno Kiefer, nas
escalas musicais, há tons maiores e tons menores. Os tons
maiores, como, por exemplo, lá maior (Lá M) ou dó maior (Dó
M) transmitem alegria, júbilo, são festivos, cheios,
harmônicos. Já os tons menores, como lá menor (Lá m) ou dó
menor (Dó m), são tristes e traduzem sentimentos de
melancolia e tristeza.
Sequência dos capítulos
I - Adagio cantábile = andamento musical lento. Deriva de "ad agio"
(comodamente).
São apresentados a personagem principal, Maria Regina e seus dois
pretendentes, além da avó, em uma sucessão de acontecimentos pausada,
sem elementos excitantes.
II - Allegro ma non tropo = Alegre (Rápido), mas não muito
A trama intensifica-se: Maria Regina encanta-se com um ato nobre de Maciel
(salva uma criança de um atropelamento), mas durante a visita noturna, o
rapaz a aborrece, enquanto se percebe sua afinidade intelectual com Miranda
que, no entanto, não lhe agrada fisicamente.
III - Allegro appassionato = Alegre apaixonado
Destacam-se ainda mais as virtudes e defeitos dos rapazes e a indecisão da
moça. Através da imaginação fértil, ela compõe um monólogo interior, em que
junta as qualidades dos dois (o presente e o ausente) e elimina o que lhe
desagrada em ambos, alcançando, assim, a perfeição sonhada.
IV - Menuetto = dança proveniente da França. Deriva de “pas
menu” (“pequeno passo”), já que a dança foi caracterizada por
minutos.
Ante a indecisão de Maria Regina, os rapazes se afastam e ela fica só com suas
esquisitices. A partir de uma notícia de jornal sobre estrelas duplas que
parecem um só astro, Maria Regina mergulha em uma atmosfera de divagação
e sonho, na qual a procura no céu e, não a encontrando, busca-a em si e acha-
se, ela mesma, a própria estrela dupla.
“Sonhou que morria, que a alma dela, levada aos ares, voava na direção de
uma bela estrela dupla. O astro desdobrou-se, e ela voou para uma das duas
porções; não achou ali a sensação primitiva e despenhou-se para outra; igual
resultado, igual regresso, e ei-la a andar de uma para outra das duas estrelas
separadas. Então uma voz surgiu do abismo, com palavras que ela não
entendeu:
— É a tua pena, alma curiosa de perfeição; a tua pena é
oscilar por toda a eternidade entre dois astros incompletos,
ao som desta velha sonata do absoluto: lá, lá, lá...”
13. Adão e Eva 3ª pessoa

Outro conto que apresenta uma história dentro da história:


“Uma senhora de engenho, na Bahia, pelos anos de mil setecentos e tantos,
tendo algumas pessoas íntimas à mesa, anunciou a um dos convivas, grande
lambareiro (guloso), um certo doce particular. Ele quis logo saber o que era; a
dona da casa chamou-lhe curioso. Não foi preciso mais; daí a pouco estavam
todos discutindo a curiosidade, se era masculina ou feminina, e se a
responsabilidade da perda do paraíso devia caber a Eva ou a Adão.”
Um dos convivas, o Sr. Veloso, juiz de fora, apresenta uma narrativa
enigmática e que vem de um livro apócrifo da Bíblia. É um relato que inverte a
história de Adão e Eva, apresentando a criação do mundo como fruto da ação
do Diabo, sendo que Deus ia consertando as falhas. Dentro disso está a
criação do homem e da mulher, que estavam dominados por instintos ruins. O
toque divino atribui-lhes alma, tornando-os sublimes, sendo levados para o
Paraíso. Inconformado com a destruição de sua obra, o Tinhoso convence a
serpente a tentar Adão e Eva a comerem o fruto proibido. O animal o atendeu,
mas, por mais que insistisse, não obteve sucesso.
Satisfeito com o caráter de Adão e Eva, Deus os conduz para o
caminho da glória. Termina assim o relato que deixa a maioria
pensando que tudo não passava de brincadeira do seu narrador. No entanto,
em meio a degustação do doce, o comentário final do juiz é bastante
interessante: “Pensando bem, creio que nada disso aconteceu; mas também,
D. Leonor, se tivesse acontecido, não estaríamos aqui saboreando este doce,
que está, na verdade, uma coisa primorosa”.

Observação final
O conto é uma paródia da criação do mundo, no qual se evidenciam algumas
ironias:
- Frei Bento, que deveria ser o teólogo para resolver os casos religiosos,
prefere não opinar e apenas diz que toca viola;
- O juiz de fora responde que não haveria matéria para opinar sobre o assunto,
mas é ele quem vai contar a história, ou seja, emitir a principal opinião.
3ª pessoa
14. O Diplomático
O tema dos sonhos e projetos não realizados é bastante frequente na fase
realista de Machado. Rangel era conhecido entre os amigos como “o
diplomático”, graças às boas maneiras e ao trato que tinha com as pessoas.
Porém era homem de sonhos gigantescos e ações minúsculas, quase nulas.
Aos quarenta e um anos ainda não havia casado, pois era um escrevente
remediado e buscava uma mulher de posição. Trata-se de um personagem
preocupado com status e prestígio social, mas não percebe que esse
comportamento traz prejuízo para a sua vida. “De imaginação fazia tudo,
raptava mulheres e destruía cidades. Mais de uma vez foi, consigo mesmo,
ministro de Estado, e fartou-se de cortesias e
decretos. Chegou ao extremo de aclamar-se
imperador, um dia, 2 de dezembro, ao voltar
da parada no largo do Paço (...) Cá fora,
porém, todas as suas proezas eram fábulas.
Na realidade, era pacato e discreto.”
“Aos quarenta anos desenganou-se das ambições; mas a índole
ficou a mesma, e, não obstante a vocação conjugal, não achou noiva.
Mais de uma o aceitaria com muito prazer; ele perdia-as todas à força de
circunspecção. Um dia, reparou em Joaninha, que chegava aos dezenove anos e
possuía um par de olhos lindos e sossegados”.
Mas, como é próprio de seu comportamento, vacila muito entre a ideia e a ação.
Até que surge um “furacão” em meio a uma festa de São João, na casa de
Joaninha: Queirós. Chega de forma repentina, trazido por um amigo da casa. É
jovem, bonito e muito carismático, por isso angaria a atenção e a simpatia de
todos os presentes, menos do protagonista, que percebe a aproximação de
Queirós e Joaninha. Por ironia, Rangel trazia em seu bolso uma carta a Joaninha,
na qual declarava o seu amor, mas faltou a coragem necessária para abordá-la.
Após a festa, vai embora derrotado: “Em casa, aonde chegou tarde, deitou-se na
cama, não para dormir, mas para romper em soluços. Só consigo, foi-se-lhe o
aparelho da afetação, e já não era o diplomático, era o energúmeno, que rolava
na cama, bradando, chorando como uma criança, infeliz deveras, por esse triste
amor do outono”.
Final: “o nosso namorado, em quem ninguém pressentira nunca a paixão
encoberta, serviu de testemunha ao Queirós, quando este se casou com Joaninha,
seis meses depois”.
3ª pessoa
15. Mariana
O conto apresenta as mudanças por que
passou uma paixão no espaço de dezoito
anos, terminada melancolicamente pela
irremediável ação do tempo.

Evaristo e Mariana mantiveram uma relação intensa e profunda, que


terminou graças à pressão familiar, obrigando Mariana a se casar com
Xavier. Mariana, então, fez juras a Evaristo, revelando que seu amor não
diminuiria por causa do casamento. Mais adiante, através de um
flashback, o leitor é informado da crise pela qual passara Mariana,
inclusive ao tentar suicídio por ter de romper com o amante. Evaristo é
impedido de vê-la, então decide partir para a Europa, desinteressando-
se totalmente das coisas do Brasil. Pretendia voltar em três ou quatro
anos, mas foi se deixando ficar... Sem maiores explicações, Evaristo
retorna dezoito anos depois. Ao chegar, pergunta-se algumas vezes: “que
será feito de Mariana?".
Diante disso, vai visitá-la. Ao chegar na casa da antiga amante,
reconhece a sala e os móveis do outro tempo e é tomado de uma intensa
nostalgia. Ele a encontra sofrendo pela enfermidade do marido, Xavier,
doente terminal. Tal situação impede um contato mais próximo. O doente
durou ainda uma semana, e a reação de Mariana diante da morte de Xavier,
bem como as conversas de Evaristo com pessoas que eram íntimas do casal
revelam o grande amor que havia entre ambos. Pouco tempo depois, nota
Mariana saindo da igreja e percebe que ela finge não o haver visto.

“— Três vezes sincera*, concluiu, passados alguns minutos de reflexão.”


Final: “Antes de um mês (Evaristo) estava em Paris”.

*Sinceridade de Mariana:
1. No amor por Evaristo (início);
2. No amor pelo marido (depois);
3. Em aceitar o fim da relação com Evaristo.
16. Viver!
Ahasverus é o “judeu errante”. Quando Cristo cumpria seu
calvário, parou para descansar em frente a porta de Ahasverus,
que o empurrou sem dó para que seguisse o seu caminho. Por
essa razão, recebeu o castigo de vagar pelo mundo sem encontrar
abrigo e ser desprezado até que o último homem desaparecesse.

Prometeu foi o criador e defensor da humanidade, conhecido


por sua inteligência e responsável por roubar o fogo do Olimpo
e dá-lo aos homens. Zeus temia que os mortais ficassem tão
poderosos quanto os próprios deuses, então o puniu por este
crime, deixando-o preso a uma rocha, enquanto uma grande
águia comia todo dia seu fígado — que se regenerava no dia
seguinte. Esse castigo deveria durar 30 mil anos, mas Hércules
o libertou em um de seus doze trabalhos.
Conto alegórico em que o narrador em terceira pessoa apresenta o diálogo
entre dois personagens, Ahasverus e Prometeu. Vale destacar que a narrativa
é um sonho de Ahasverus: “Fim dos tempos. AHASVERUS, sentado em uma
rocha, fita longamente o horizonte, onde passam duas águias cruzando-se.
Medita, depois sonha. Vai declinando o dia.”
Inicia-se o diálogo:
“AHASVERUS. — Chego à cláusula dos tempos; este é o limiar da eternidade.
A terra está deserta; nenhum outro homem respira o ar da vida. Sou o último;
posso morrer. Morrer! deliciosa ideia! (...)”
Como se vê, Ahasverus anseia pela morte, pois a longevidade deu a ele uma
experiência terrível a respeito da humanidade. Em seguida, ouve a voz de
Prometeu e os dois conversam. Ahasverus conta a sua história, e Prometeu
também revela a sua, inclusive o fato de haver criado os homens. Diante
dessa revelação, Ahasverus fica indignado e faz com que Prometeu volte para
o seu castigo.
Prometeu, então, declara que “uma raça nova povoará a terra, feita dos
melhores espíritos da raça extinta; a multidão dos outros perecerá. Nobre
família, lúcida e poderosa, será a perfeita comunhão do divino com o
humano. Outros serão os tempos, mas entre eles e estes um elo é preciso, e
esse elo és tu”. Ahasverus fica seduzido pela ideia de não ser mais o
rejeitado, mas o rei dessa nova raça. Diante desse futuro grandioso,
Ahasverus mergulha em devaneios, feliz com sua nova condição, esquecendo
até o fato de estar morrendo. Quer dizer, no seu íntimo (a história toda é um
sonho da personagem), mesmo tendo vivido por tantos milênios, ainda
anseia pela vida, daí o título do conto. Na cena final, duas águias se
aproximam e refletem:
“Uma águia. — Ai, ai, ai, deste último homem, está morrendo
e ainda sonha com a vida.
A outra. — Nem ele a odiou tanto, senão porque a amava
muito.”

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