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Desafios da

Linguagem
Jurídica no
Brasil:
Compreensão e
Acesso à Justiça

Processo de Ensino-aprendizagem e Linguagens

Cléverson Alves Silva


Rubia Spirandelli Rodrigues
Tássia Alvim
"Explorar as barreiras enfrentadas por quem
não domina a linguagem jurídica,
evidenciando como sua complexidade pode
prejudicar o pleno exercício de direitos e o
acesso à justiça. Analisar as características da
linguagem jurídica no Brasil, considerando
críticas ao uso sofisticado do português e à
Objetivos presença excessiva de termos em latim,
frequentemente incompreensíveis para o
cidadão comum. Promover uma reflexão
sobre a importância da comunicação jurídica
clara como meio de capacitar as pessoas na
busca por seus direitos e fortalecer o acesso
à justiça."
Para você, o que é linguagem?
Usando três palavras, conceitue!
A linguagem é um fenômeno social e cultural, que é
usada para comunicar ideias, pensamentos e
sentimentos. Ela é também "um instrumento de
poder, que pode ser usado para legitimar ou
deslegitimar determinados grupos sociais" (Bakhtin, 2003).
A linguagem jurídica no Brasil é alvo de discussões ao uso rebuscado da
língua portuguesa e ao excesso de termos em latim que, na maioria das
vezes, não são compreensíveis para o cidadão comum. Assim,
questionamentos de como fazer a linguagem jurídica ser
compreendida, mas sem perder o respeito às devidas autoridades e
como garantir o acesso à justiça às pessoas são evidenciados.

juridiquês descerviço direitos


Linguagem

Admitir a linguagem como


interação social é percebê-la
como interatividade entre os
sujeitos que com ela
praticam ações em seus
“diferentes falares”. Isso
requer um novo paradigma
sobre os sujeitos da ação
enunciativa que emitem e
organizam vozes buscando
efeitos e significados.
Contribuições de Vygotsky e
Bakhtin para a Linguagem

Bahktin analisou a estrutura da enunciação na língua


corrente pela inter-relação no dialogismo. Para ele,
“a enunciação é o produto da interação de dois
indivíduos socialmente organizados” (Bakhtin, 1992,
p. 112). Vygotsky, ao elaborar uma teoria do
conhecimento, procurou a possibilidade de o
homem, através de suas relações sociais, por
intermédio da linguagem constituir-se e desenvolver-
se como sujeito.
"A linguagem é um instrumento de
mediação que permite ao indivíduo se
apropriar da cultura e do
conhecimento." (Vygotsky, 1998, p. 49)

"A linguagem é um processo dialógico,


que é construído na interação entre os
indivíduos." (Bakhtin, 2003, p. 280)
O linguista Bakhtin define a palavra como
fenômeno da linguagem (Bulhões, 2008),
enquanto o escritor Ronaldo Xavier concede
à palavra a função de signo, de significar, de
transmitir sentido (Caetano et al., 2015).

No âmbito do Direito, é pela linguagem que


acontecem todos os processos jurídicos. Isso
se dá porque “o Direito é a ciência da
palavra” (Xavier, 2003 apud CAETANO et al.,
2015, p.97). Portanto, como todos os entes,
instituições e agentes do Direito se utilizam
da linguagem para praticá-lo, o Direito só se
concretiza por meio da linguagem (Moreira;
Lirio, 2015).
A linguagem jurídica é específica do âmbito
jurídico, sendo caracterizada pelo uso de
termos técnicos que seguem toda uma tradição
linguística (Belém, 2013). Essa linguagem é
fruto da união umbilical entre palavra e Direito
(Reolon, 2011). Palavra e Direito são tão unidos
que o jurista David Mellinkoff afirma que “/.../a
Justiça é uma profissão de palavras e as
palavras da lei são, de fato, a própria lei/.../”
(1963, apud COLARES, 2010, p. 9).
Sobre as características da linguagem do Direito, o professor José
Vianna afirma que características como clareza, concisão, precisão,
formalidade e impessoalidade são fundamentais nessa linguagem
(2008, apud SOBRINHA, 2010). É marcada entretanto por arcaísmos,
estrangeirismos e, ainda, latinismos (Belém, 2013).

Clareza Paradoxo Rebusc


amento
Observando as
características do
“juridiquês”, nota-se que
ele abandona os
preceitos de clareza,
objetividade e
formalidade requeridos
na linguagem jurídica. Por
esse motivo, pode-se
afirmar que “juridiquês”
é um “desvio da
linguagem jurídica”
(Belém, 2013, p. 316).
Um conhecido conto popular retrata que um
ladrão foi surpreendido pelas palavras de Rui
Barbosa ao tentar roubar galinhas em seu quintal:
– Não o interpelo pelos bicos de bípedes
palmípedes, nem pelo valor intrínseco dos
retrocitados galináceos, mas por ousares transpor
os umbrais de minha residência. Se foi por mera
ignorância, perdoo-te, mas se foi para abusar
da minha alma prosopopéia, juro pelos tacões
matabólicos dos meus calçados que dar-te-ei
tamanha bordoada no alto da tua sinagoga que
transformarei sua massa encefálica em cinzas
cadavéricas.
O ladrão, todo sem graça, perguntou:
– Mas como é, seu Rui, eu posso levar o frango ou
não? (Santana, s.d., apud Carneiro; Murrer, 2018,
p. 14).
Outro caso típico que foi retratado até nos
jornais de grande circulação (Jornal Folha de
São Paulo 23/1/2005) o magistrado de Barra
Velha, da comarca de Santa Catarina,
proferiu a seguinte ordem: "Encaminhe o
acusado ao ergástulo público". A linguagem
utilizada impossibilitou que a sua ordem
fosse cumprida de imediato, dada a ausência
de compreensão por parte dos servidores do
Poder Judiciário acerca do sentido e
significado da expressão "ergástulo" .
Aqui encontramos o juridiquês” ou seja, o
uso da linguagem rebuscada,
incompreensível para a maioria, seria
também uma maneira de demonstração de
poder e de manutenção do monopólio do
conhecimento (Pereira, 2005, apud Carneiro;
Murrer, 2018, p. 10).
A linguagem jurídica é a linguagem
técnica utilizada pelos operadores do
Direito, porém quando há excessos – uso
recorrente e desnecessário de advérbios e
adjetivos, muitas inversões sintáticas,
Linguagem expressões ambíguas, termos rebuscados,
frases redundantes, muitas expressões
jurídica latinas, parágrafos prolixos –, esta
linguagem técnica passa a ser considerada
um juridiquês que dificulta e compromete
a compreensão e o diálogo com os
cidadãos comuns e torna-se uma barreira
para o acesso à justiça (Oliveira; Santos.
2021, p 110).
O uso de uma linguagem rebuscada e hermética na
esfera jurídica pode dificultar a compreensão dos
cidadãos comuns, que não são versados no mundo
jurídico. Isso pode impedir que eles exerçam seus
direitos e busquem a justiça.

Hoje com a Tecnologia o processo eletrônico


possibilitou o amplo acesso ao processo judicial,
buscando justamente dar maior transparência para as
partes dos acontecimentos e da análise que está sendo
feita do direito e o uso da linguagem de forma simples
é fundamental para acompanhar essa inovação.
Discurso
ideia de curso, de percurso, de correr por, de movimento.
O discurso é assim palavra em movimento, prática de
linguagem: com o estudo do discurso observa-se o
homem falando”. Dessa forma, o discurso não pode ser
entendido tão somente como uma transmissão de
mensagem de um emissor para um receptor. Isto porque
no discurso existe uma relação entre língua, cultura e
ideologia, sendo, portanto, efeito de sentidos que conduz
a inúmeras formações discursivas. (Orlandi, 2003, p. 15).
Com isso, a AD também
percebe no discurso jurídico
as relações de poder e seus
desdobramentos. Somado ao
“juridiquês”, o discurso
do Direito acaba por ficar
opaco e excludente.
Algumas
dificuldades
enfrentadas para a
simplificação da
linguagem jurídica
Linguagem técnica

• "Uma linguagem técnica - A


especialidade da linguagem do direito
refere-se também a sua tecnicidade. É a
tecnicidade do próprio direito. A
especialidade da linguagem vem aqui da
matéria. A linguagem jurídica é técnica,
principalmente por aquilo que ela
nomeia (o referente) ;
secundariamente , pelo modo como ela
enuncia (isto é, sobretudo por seu
vocabulário e seu discurso). " Petri
Arcaísmo ou falta de
equivalência?

• Petri em Manual da Linguagem Jurídica ensina que a


linguagem se autorregula, sendo que o desuso e
neologismos vão reestruturando a língua. Assim sendo,
como o Direito permanece com terminologias arcaicas?
• Não há arcaísmo, visto que não há equivalente para os
termos na língua portuguesa.
• “ A impressão de arcaísmo que o leigo experimenta,
advém, muitas vezes, porque a linguagem jurídica, para
designar coisas correntes, continua a empregar termos
de precisão que não tem nenhum equivalente no léxico
geral, por exemplo, enfiteuse, anticrese, etc. A raridade
de seu emprego, mesmo entre os juristas, não é índice
de seu desuso, mas somente efeito da raridade de suas
aplicações. “ Petri
Texto legal X Texto
jurídico

Súmula 514, do STF


“Admite-se ação rescisória contra
sentença transitada em julgado, ainda que
contra ela não se tenha esgotado todos os
recursos”
Decisão Trata-se de Agravo em Recurso Extraordinário interposto em face de acórdão
proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado (Doc. 4, fl.
20): “AÇÃO RESCISÓRIA. Investigação de paternidade. Pretensão de rediscussão da
demanda com trânsito em julgado. Autor que, parcialmente vencedor na ação
originária, não ofertou contrarrazões nem interpôs recurso cabível contra o acórdão
rescindendo. Inadequação da via eleita. Precedentes. Questão que não se enquadra
nas hipóteses legais. Indeferimento da petição inicil. Processo extinto sem resolução
de mérito.” No apelo extremo (Doc. 5), interposto com amparo no art. 102, III, “a”, da
Constituição Federal, ANTÔNIO LUIZ COUTINHO DA SILVA alega, em síntese, que o
acórdão recorrido, ao indeferir a petição inicial da ação rescisória, violou a Súmula
514 do STF, bem como o art. 966 do Código de Processo Civil. Para tanto, aduz, em
síntese, que (Doc. 5, fl. 16): “Trata-se, ademais, de entendimento contrário à Súmula
514, do STF, cuja ementa traz o seguinte enunciado: “Admite-se ação rescisória contra
sentença transitada em julgado, ainda que contra ela não se tenha esgotado todos os
recursos”.
De fato, o artigo 966, do Código de Processo Civil é claro ao dispor que cabe ação rescisória de decisão de
mérito transitada em julgado quando se verificar manifesta violação à norma jurídica e não condiciona o seu
ajuizamento ao exaurimento dos meios recursais cabíveis. E, no que tange ao seu cabimento com fundamento
no inciso V, do artigo 966, do Código de Processo Civil é correto afirmar também, com base em precedentes
do STF, que incide a hipótese quando a decisão rescindenda tenha afrontado entendimento jurisprudencial da
Suprema Corte firmado à época da prolação da decisão, o que, no caso, evidencia claramente o desrespeito à
autoridade de suas decisões.” Aponta, ainda, violação ao Tema 622 da repercussão geral, pois a pretensão do
autor da ação de investigação de paternidade, “que era, inicialmente, apenas de descobrir sua origem genética,
tendo havido até concordância do pai biológico por tratar-se de um direito da personalidade, converteu-se em
uma pretensão de cunho patrimonial e sucessório, que rompe o vínculo estabelecido com os pais adotivos”
(Doc. 5, fl. 12). Ao final, requer o provimento do presente recurso, “para determinar a reforma do acórdão
recorrido, anulando a decisão que indeferiu liminarmente a petição inicial, determinando-se a remessa dos
autos ao Tribunal de Justiça de origem para o processamento regular da Ação Rescisória” (Doc. 5, fl. 21)
"Um dos grandes problemas do tema é
encontrar o limite entre o que deve ou não
ser simplificado na linguagem jurídica, o que
é ou não essencial ao completo e correto
entendimento do que se diz. Não se pode
exaltar o entendimento em detrimento do
A busca pelo conteúdo. A linguagem jurídica tem suas
especificidades e por causa dela faz-se
equilíbrio necessária a dedicação a ela de um
profissional do Direito, pois, se assim não
fosse, por que existir a faculdade de Direito?
Faz-se necessário, portanto, encontrar esse
equilíbrio. " Bortolai
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Referências
BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
ORLANDI, E. P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes, 2003.
Oliveira, B. F., & Santos, S. R. V. A linguagem jurídica como obstáculo na comunicação entre pessoas comuns e a
concretização do acesso à justiça. Revista de Estudos e Pesquisas em Direito, São Paulo, v. 14, n. 1, p. 109-123,
novembro 2021.
PETRI , Maria José Constantino. Manual de Linguagem Jurídica. Saraiva Educação S. A. Disponível em
https://books.google.com.br/books?id=EkNnDwAAQBAJ&dq=historia+linguagem+juridica&lr=&hl=pt-BR&sourc
e=gbs_navlinks_s

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