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Faculdade de Arquit
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turaa e Urbanismo da Univ ersidade de São PPaulo
Universidade aulo
Orientador: PrProof. Dr
Dr.. Gian CCarlo
arlo Gasperini
São PPaulo
aulo,, mar
aulo marçço 2002
páginas introdutórias

FRATURAS URBANAS E A POSSIBILIDADE DE CONSTRUÇÃO DE NOVAS


TERRITORIALIDADES METROPOLITANAS: A ORLA FERROVIÁRIA
PAULISTANA

Tese apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de

São Paulo para obtenção do grau de Doutor em Estruturas Ambientais Urbanas

autor:

Carlos Leite de Souza

orientador:

Prof. Dr. Gian Carlo Gasperini

São Paulo, março 2002

1
páginas introdutórias

SUMÁRIO>
01 INTRODUÇÃO 08
01.1 A organização da tese 10
01.2 Considerações iniciais 14
01.3 Notas 24
02 O CONTEXTO GLOBAL: CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCESSO DE
METROPOLIZAÇÃO 27
02.1 São Paulo nasce metropolitana 28
02.2 A cidade moderna 33
02.3 A metrópole contemporânea 41
02.4 Notas 49
03 A ORLA FERROVIÁRIA: LEITURA DO TERRITÓRIO 52
03.1 A leitura aérea 53
03.2 O contexto local 63
03.3 Notas 74
04 O PROJETO-TESE: O PROCESSO 76
04.1 Mapeamento urbano 77
04.2 Análises 94
05 O PROJETO-TESE: A ESTRATÉGIA 101
05.1 Fragmentação e retalhamento da metrópole 102
05.2 Intervenções urbanas contemporâneas 118
05.3 As estruturas urbanas e a construção de uma nova territorialidade metropolitana 154
05.4 Notas 179
06 O PROJETO-TESE: AS MATRIZES URBANAS 185
06.1 Diagramas urbanos 187
06.2 Modelo 195
07 CONCLUSÕES 210
08 BIBLIOGRAFIA 216

2
páginas introdutórias

DEDICATÓRIA>

Ao futuro da querida
Isabel Pie de Lima e Souza.

Com enorme gratidão pelo apoio no momento mais difícil e, muito amor, a
Mônica Sodré Brooke.

3
páginas introdutórias

AGRADECIMENTOS>

AGRADECIMENTOS ESPECIAIS>
Maria José Leite de Souza
Regina Meyer

AGRADECIMENTOS>
Alexandre Delijaicov
Alunos e colegas da FAU-Mackenzie e Belas-Artes
Álvaro Puntoni
Ana Karina Di Giácomo
Angélica Tanus Benatti Alvim
Cristiane Muniz
Danielle Spadotto
Érika Baracat
Fernando de Mello Franco
Frank van Gurp
Gian Carlo Gasperini
Jaap Bekkers
Lair Reis
Luciana Leite de Souza
Marcel van Dijk
Mário Biselli
Nelson Brissac Peixoto
Nelson Kon
Paula Quattrochi
Paulo Giaquinto
Renata Leite de Souza Vargas do Amaral
Renato Anelli
Sílvia Pie de Lima e Souza
Vicente del Rio

4
páginas introdutórias

RESUMO>
O trabalho aborda a questão da complexidade do território metropolitano
contemporâneo. As novas dimensões presentes neste território - fragmentação,

retalhamento, desarticulação, terrenos vagos, fluídez e rede de fluxos - são


discutidas à luz de um objeto de estudo paradigmático desta problemática: a
orla ferroviária paulistana.

As áreas residuais metropolitanas devem suportar os novos projetos ur-


banos e articular as novas territorialidades. O “terreno vago” como instrumen-
to potencial para a construção do novo espaço público. As descontinuidades

metropolitanas - fraturas urbanas - oferecem uma nova possibilidade de proje-


to.
Após as abordagens iniciais que analisam os problemas presentes na orla

ferroviária frente o contexto global da transformação da metrópole pós-


industrial e da leitura específica deste território, apresenta-se para o mesmo um
“projeto-tese”.

Um ensaio projetual que procura espacializar a tese da construção de


uma nova territorialidade metropolitana a partir do território desarticulado e
disponível da orla ferroviária paulistana. Defende-se para tanto a necessidade

de ujm urbanismo dinâmico, adequado às demandas das transformações


presentes na metrópole contemporânea.

5
páginas introdutórias

ABSTRACT>
This work brings up to mind the question about the contemporary
complexity of the metropolitan territory. The new dimensions that lies in this

territory - the fragmentation, the retails, the desarticulation (the un-articulated


territory), the “terrain vague”, the fluidity and the flows´ network - are
discussed upon an object of a paradigmatic study: the railway line of the city of

São Paulo.
The metropolitan residual areas should contain the new urban projects
and should articulate the new territory spaces. The void spaces as a potential

instrument for the construction of the public space. The metropolitan


discontinued spaces - urban fractures - offer a new possibility of project.
After the initials approaching, that analyse the existent questions at the

railway line, facing the new global context of the pos-industrial metropolis, a
“thesis-project” is presented.
A projectual rehearse that intends to bring into a spatial form, the thesis

of the construction of a new metropolitan territory, coming form the un-


articulated and available land of the railway edges (wastelands).
For that, is defended a dynamic urbanism, suitable with the demands of the

transformations that are real now in the contemporary metropolis.

6
páginas introdutórias

NOTAS>

01 As referências bibliográficas e demais notas estão numeradas por capítulo e

aparecem no final dos mesmos.


02 As figuras também estão numeradas por capítulo. As imagens com a fonte
[1] são de origem de arquivo pessoal do autor; aquelas sem fonte são de

autoria de Nelson Kon em trabalho conjunto com o autor, conforme nota


explicativa constante do capítulo 3.

7
[1] introdução

01 INTRODUÇÃO>

01.1 A organização da tese 10


01.2 Considerações iniciais 14
01.3 Notas 24

8
[1] introdução

“O projeto como um lugar, um mirante, de onde se pode ver a realidade,


antes de tudo como uma projeção futura. A visão de uma desejada cidade para
todos.”
Paulo Mendes da Rocha1

9
[1] introdução

01.1 A organização da tese


A tese organiza-se a partir do tema do projeto urbano enquanto instru-

mento de reparação do tecido metropolitano rompido, fragmentado. Está


imbutida a idéia da intervenção na cidade existente, sem negá-la. Um urbanis-
mo reparador: a partir das estruturas urbanas existentes.

As fraturas urbanas e a possibilidade de construção de novas


territorialidades metropolitanas. A orla ferroviária paulistana como objeto de
estudo e proposição. O padrão de desenvolvimento urbano e o retalhamento

da cidade contemporânea. As áreas residuais decorrentes - os terrenos vagos -


fig
Figs. 1.1/1.2. O trabalho “Panorama Contemporâneo: Leitura da Metrópole Retalhada”, exposto na Bienal como instrumento potencial para a construção do território.
50 Anos em 2001, foi nossa primeira oportunidade de mapear os pontos de ruptura da metrópole contem-
porânea. A Orla Ferroviária: a cidade pós-industrial em transformação e a potencialidade do vazio urbano A orla ferroviária como objeto de trabalho
(Figs. 1.1 à 1.10).
O trabalho propõe desenvolver um projeto-tese. Um ensaio projetual
para uma área metropolitana em transformação, constituída por fragmentos
urbanos e áreas residuais. Trata-se da possibilidade de construção de uma nova

territorialidade metropolitana - nova escala e novas funções para o mesmo


território - hoje desarticulado.
A orla ferroviária paulistana é território em franca transformação metro-

politana e serve como objeto para potencial intervenção linear na metrópole. O


ensaio recai sobre a área da antiga linha férrea Santos-Jundiaí, no trecho do
Moinho Central (Barra Funda) à Estação Moóca.

Definiu-se esta área para a intervenção projetual por conter as tipologias

10
[1] introdução

problemáticas típicas da orla ferroviária:


1. O patrimônio existente latente: Moinho Central e adjacências;

2. O patrimônio existente em transformação (novos usos): Pátio Júlio


Prestes e Estação da Luz;
3. A orla ferroviária de banda curta com bordas edificadas consolida-

das: trecho Luz - Pátio do Pari;


4. O grande vazio urbano: Pátio do Pari;
5. O nó urbano de grande complexidade: trecho Largo da Concórdia-

Estação Brás;
6. A orla ferroviária expandida/o uso industrial em transformação: tre-
Figs. 1.3/1.4. O Largo da Concórdia, Brás. Os fluxos contemporâneos; a “arquitetura da
informalidade” se sobrepõe à cidade histórica. cho Brás-Moóca.

A orla ferroviária corresponde ao território onde a ferrovia se instalou e


mais as áreas contíguas à linha férrea. Está presente no desenho da cidade de
forma inexorável. O desenvolvimento da ferrovia, desde a virada do século

passado e o seu auge, enquanto instrumento viabilizador da economia


industrial paulistana no meio do século, determinou definitivamente a
estruturação metropolitana.

A geografia urbana paulistana foi determinante num primeiro momento


para a ocupação do território alto, a colina central. A cidade nasceu na colina
sobre o rio Tamanduateí. A ocupação portuguesa deu-se na cidade alta e

fortificada e não junto ao rio. De certo modo, São Paulo também renegou a sua

11
[1] introdução

orla ferroviária à mesma condição. O avesso da cidade. Suas partes menos


nobres. Ali se implantaram a indústria e os grandes armazéns. Os grandes

territórios renegados eram baratos e podiam ser utilizados para as funções


menos nobres. Aquelas com as quais a cidade urbanizada não queria conviver.
Assim, ao longo da orla ferroviária da antiga estrada de ferro Santos-

Jundiaí, implementaram-se os galpões, armazéns e a indústria. Quando essa


orla une-se à várzea do rio Tamanduateí, a partir da Moóca estendendo-se até
Santo André, fica consolidado o território ideal para o desenvolvimento da

grande indústria que fez a riqueza da metrópole, na segunda metade do


século. Território de várzea, limitado por duas bordas claras: o rio e a ferrovia.
Figs. 1.5/1.6. Ainda o Largo da Concórdia. O nó urbano histórico, ponto de encontro de imigran-
tes italianos e migrantes nordestinos sofre mutação abrupta: se transforma em fluxo e
As mudanças recentes geradas pela passagem da cidade industrial para
passagem.
a metrópole pós-industrial, de serviços, produziram um retrato cruel naquele
território. Com o esvaziamento da ocupação industrial, a ferrovia perde muito
de sua função. A falta de incentivo claro à malha ferroviária paulistana,

enquanto sistema de transporte público eficiente e integrado ao sistema do


metrô, corroborou decisivamente para esse esvaziamento de importância. Sua
decadência nas últimas décadas representa também a desqualificação espacial

de suas bordas.
Tem-se então um território fragmentado e descaracterizado. As estruturas
que definiram a sua ocupação e consolidação hoje representam a sua
obsolescência: os terrenos vagos.2

12
[1] introdução

É este o território do ensaio projetual. Aplicar novas possibilidades de


reorganização territorial. Definir novas estratégias de ocupação. Qual o
potencial dos vazios urbanos presentes na orla ferroviária de São Paulo? Como
trabalhar novas funções e programas contemporâneos a partir das infra-
estruturas latentes da urbe? É possível construir um território público
metropolitano - a desejável “cidade para todos” - a partir desse território
fragmentado?
As hipóteses de trabalho
A cidade contemporânea terá de ser pensada a partir das suas estruturas
existentes.
Figs. 1.7/1.8. Serra da Cantareira: a cidade “ilegal/real” e a expansão periférica sobre as áreas de
proteção ambiental. Os territórios são ocupados informalmente. Tornam-se rapidamente mancha urbana O desafio da arquitetura contemporânea é trabalhar sobre a cidade exis-
consolidada. O planejamento urbano permanece à reboque dos acontecimentos metropolitanos.
tente, sem negá-la, a partir de seus condicionantes.
As infra-estruturas urbanas definem a construção dos novos territórios
metropolitanos.
As áreas residuais metropolitanas devem suportar os novos projetos ur-
banos e articular as novas territorialidades. O terreno vago como instrumento
potencial para a construção do novo espaço público.
As descontinuidades metropolitanas - fraturas urbanas - oferecem uma
nova possibilidade de projeto.
A organização do trabalho

O trabalho está organizado em oito capítulos. O primeiro deles apresenta

13
[1] introdução

uma abordagem inicial e geral sobre os problemas da metrópole


contemporânea. Os capítulos seguintes - (2) e (3) - tratam, respectivamente,
do processo de metropolização de São Paulo, o contexto geral, e de uma leitura
do território específico da Orla Ferroviária, o contexto local. Os capítulos (4), (5)
e (6) apresentam o “projeto-tese”: o desenvolvimento da tese da construção
de uma nova territorialidade metropolitana a partir dos fragmentos urbanos e
descontínuos da Orla Ferroviária. No quarto capítulo apresenta-se um
mapeamento urbano desse território. O capítulo (5) pode ser considerado o
“coração” do trabalho. Ali estão desenvolvidas as idéias acerca do território
descontínuo, do retalhamento da metrópole, dos terrenos vagos; discutem-se
Figs. 1.9/1.10. Morumbi (Zona Oeste) e Jardim Anália Franco (Zona Leste): a “anti-cidade” dos alguns estudos de caso e defende-se a tese através da apresentação de uma
ricos condomínios fechados, enclaves urbanos em meio à cidade informal, pobre e ilegal.
Pontos de ruptura numa metrópole sem urbanismo. estratégia urbana. O capítulo (6) apresenta o ensaio projetual através de
diagramas urbanos e imagens do modelo realizado. O capítulo (7) mostra as
conclusões do trabalho e o capítulo (8) apresenta a bibliografia utilizada.

01.2 Considerações iniciais


A cidade contemporânea tem sido objeto de especulações as mais
variadas, fruto natural do espírito da época. Na verdade, época de crise cultural
e econômica e de grandes transformações na urbe. Alguns chegam mesmo a,
precipitadamente, anunciar o fim do urbanismo e do desenho urbano.3

14
[1] introdução

Parece-nos oportuno, então, rediscutir o papel do urbanismo


contemporâneo no Brasil. Reposicioná-lo acadêmica e profissionalmente.

Fortalecê-lo conceitualmente e dotá-lo de instrumental suficiente para o


enfrentamento da problemática da metrópole contemporânea, sua dinâmica
inusitada e seus novos desafios.

Surgem novas abordagens acerca de leituras urbanas, derivadas da


complexidade do mundo globalizado, da sociedade e da ciência
contemporâneas. A economia e a cultura globalizadas e os espaços

transnacionais, o pós-estruturalismo filosófico, a física complexa e a lógica fuzzy,


etc., são parâmetros para uma nova e mais dinâmica interpretação do espaço
físico. Uma nova estruturação do território metropolitano se apresenta ao

arquiteto contemporâneo.
Nesse sentido, poderíamos dizer que nunca o urbanismo foi tão
necessário.

Constata-se a presença crescente de uma certa “arquitetura urbana”, em


várias cidades do planeta, sob uma abordagem pragmática frente às diversas
demandas urbanas atuais. Arquitetos contemporâneos têm realizado projetos

urbanos em várias metrópoles: de Renzo Piano e Jean Nouvel à Rem Koolhaas


e Daniel Libeskind. Urbanistas, como Nuno Portas, Jordi Borja ou Joan Busquets,
têm apresentado suas idéias de como pensar e intervir nas cidades globais.

Inúmeras cidades têm recebido intervenções urbanísticas de porte, da

15
[1] introdução

reurbanização da orla marítima de Barcelona à de Roterdã ou Puerto Madero,


passando pelos vários projetos urbanos presentes na reconstrução da “Nova

Berlim”.
O processo de reurbanização de Barcelona é, indubitavelmente, o caso
de maior sucesso em termos de projetos urbanos contemporâneos. Sucesso que

vai do uso popular ao retorno financeiro, passando pela recuperação imagética


da cidade. As intervenções de grande porte que surgem na Nova Berli,
unificada, como paradigma das demandas da metrópole do novo milênio, com

áreas urbanas históricas sendo inteiramente reconstruídas pelas grandes


corporações privadas. A histórica Potsdamer Platz é dividida entre as
Fig. 1.11. Potsdamer Plat z, Berlim, 2000. No antigo centro histórico da Europa pré-guerra,
surge a “Nova Berlim”: o espaço urbano é privatizado pelas empresas transnacionais Sony e transnacionais empresas Dainler-Benz e Sony e o antigo espaço público, agora
Dainler-Benz (Fonte: [1]).
privatizado, está sob um programa urbano multi-funcional onde predomina o
4
entretenimento eletrônico e uma arquitetura de ponta, high-tech.

Não se pode deixar de comentar, mesmo que rapidamente, o

surgimento avassalador nos EUA do chamado “neo-urbanismo”. Pregando uma


alternativa à vida urbana nas grandes metrópoles, com postulados teóricos
conservadores e desenho urbano pré-moderno, o neo-urbanismo encontra um

surpreendente sucesso popular junto à classe média americana. Sem dúvida,


impulsionado pela pujança da maior economia do século XX, em franco
crescimento desde o início da década de 90, ele surge como alternativa ao

desenho urbano dos novos subúrbios americanos. Retrato fiel dessa nova face

16
[1] introdução

do urbanismo americano, talvez cruel, frente a mediocrização espacial


promovida, seja aquele revelado no filme “O Show de Truman”, de Peter

Weir.5
Por outro lado, tem surgido, nas décadas de 80 e principalmente 90,
bibliografia bastante heterogênea em relaçaõ às necessárias conceituações

teóricas sobre os diferentes vieses do urbanismo contemporâneo. Estas obras,


desenvolvidas por teóricos - Borja e Castells, Busquets, Solà-Morales, Portas e

Figs. 1.12a/b/c. O neo-urbanismo ganha força nos EUA, especialmente após o surgimento de Gandelsonas, por exemplo - e por alguns dos próprios arquitetos praticantes -
Seaside Paradise, Flórida, de Andres Duany e Elizabeth Plater Zybeck. Enorme sucesso junto à
classe média americana nestas propostas de negação da vida metropolitana e desenho urbano Koolhaas, Tschumi e Libeskind, particularmente - têm-nos mostrado uma
pré-moderno. (Fonte: www.newurbannews.com/images).
fundamentação teórica bastante interessante que, na verdade, só vem atestar
a vivacidade do urbanismo contemporâneo. Polêmico e múltiplo, porém vivo.

Juan Busquets, um dos urbanistas que mais tem participado de


consultorias aos projetos de intervenção em áreas urbanas degradadas, desde a
sua participação pioneira na experiência de Barcelona, junto à Oriol Bohigas,

até a recente consultoria em Santo André, projeto do Eixo Tamanduathey,


comenta acerca do novo papel do urbanismo contemporâneo:
“O processo urbanístico já não segue o padrão teórico dos planos gerais,

plano versus projeto arquitetônico, mas se articula a partir de ‘ações´ e/ou


´projetos´ que tenham a capacidade executiva, e que em seu conjunto sejam
capazes de por em movimento a cidade ou um grande setor urbano; portanto

que tenham força própria, mas também uma grande capacidade indutora. A

17
[1] introdução

idéia de ações e projetos-força tem tradição na história urbanística, porém


haviam sido trocadas por formas mais burocráticas que identificavam o

urbanismo com a gestão administrativa da cidade, que mesmo sendo


importante não pode ser exclusiva. É conveniente que estas ações estejam
referidas a uma estratégia geral – que pode ser um programa ou o conteúdo de

um autêntico plano urbanístico - mas não devem se condicionar de um modo


restritivo. De outro modo se bloqueiam e se anulam. O planejamento e a
gestão urbanísticas tradicionais deverão caminhar a partir destas experiências.

Sua agilidade e seu compromisso com a ação são imprescindíveis.6

Fig. 1.13 “urban diagrams”, muito em voga nas escolas britânicas e holandesas de desenho As novas especulações urbanas contemporâneas , as “neo-vanguardas”,
urbano. No exemplo, diagrama de exterioridade urbana - “grafting and folding” - de Peter
Eisenman para o projeto urbano Frankfurt rebstockpark. (Fonte: Eisenman, 2000, p.173). segundo Josep-Maria Montaner, já se fazem sentir não apenas no campo

teórico das idéias especulativas, mas também em amplo debate que chega ao
universo acadêmico das escolas de arquitetura e urbanismo e tomam forma
construída em algumas metrópoles européias.7

Algumas escolas, como a Architectural Association de Londres (AA),


retomam no último final de milênio, a sua postura de vanguarda que
encontrou o seu auge na década de 70, quando estiveram por lá profissionais

como Koolhaas, Zaha Hadid, Libeskind, Tschumi, Peter Cook, Aldo Rossi, Alvin
Boiarski e Beyner Banham. A Columbia University,
há uma década dirigida por Tschumi, e as escolas holandesas, particularmente o

Berlage Institute of Architecture, sob a coordenação de Herman Hertzberger e

18
[1] introdução

Wiel Arets, colocam tais abordagens, menos ortodoxas, dentro das salas de
aula e apontam novos caminhos para as intervenções urbanas no tecido da

cidade existente. Principalmente nos novos processos de leitura e mapeamento


urbano dinâmicos.8
O projeto de Euralille, realizado em Lille sob coordenação urbana de

Koolhaas, surge como um turning-point nos projetos urbanos contemporâneos.


São 700 mil m2 de obra construída, constituindo, pela primeira vez, a “cidade
dentro da metrópole”, a metrópole européia virtual fruto das novas relações

tempo-espaço de hoje e da nova geografia temporal, a “bigness


arquitetônica” e as “sobreposições programáticas e ligações infra-estruturais”
Fig. 1.14. Euralille, Lille, França, 1989. Surge o primeiro projeto urbano contemporâneo baseado
na sopbreposição programática a partir das infra-estruturas urbanas existentes (Fonte: A+U, pregadas por Koolhaas.9
2000, p.224).
Bernard Tschumi tem sido uma das vozes mais eloqüentes acerca das
novas possibilidades contemporâneas que a arquitetura deve observar:
“A arquitetura não versa sobre as condições do desenho, mas sobre o

desenho das condições. Hoje em dia, a estratégia é um elemento fundamental


na arquitetura. Basta de planos gerais, sente-se necessidade de uma nova
heterotopia. Este deve ser o objetivo de nossas cidades e os arquitetos devem

contribuir para isto intensificando a rica colisão entre acontecimentos e


espaços.” 10

Estamos presenciando a realização teórica e prática da “arquitetura

metropolitana”. Em um momento onde as informações são fragmentadas e

19
[1] introdução

efêmeras, parece-nos urgente fazer a discussão dessas abordagens e fazer a


análise reflexiva desses estudos de caso, sob o risco de vermo-nos, no Brasil,

novamente, à margem da arquitetura global.


Há que se retomar no Brasil, urgentemente, o importante papel do

Fig. 1.15. Urbanização do Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro, 1964. Equipe liderada por Affonso
projeto urbano nas nossas cidades. A “arquitetura com ideal de cidade”, tão
Reidy (urbanismo) e Burle Marx (paisagismo) implementa, em escala urbana, a arquitetura
moderna brasileira que supreenderia o mundo. (Fonte: Reidy, 2000, p.130). bem desenvolvida pelos nossos arquitetos modernos, precisa voltar a ter
presença decisiva no desenvolvimento e recuperação de nossas metrópoles - a
arquitetura urbana realizada, por exemplo, no centro novo de São Paulo nas

décadas de 50 e 60 ou aquela desenvolvida no projeto do Aterro do Flamengo


por Reidy e Burle Marx.
Nesse sentido, a universidade não deve ausentar-se de um amplo deba-

te. Qual urbanismo se discute nas nossas salas de aula? Reflete-se o debate
global, suas abordagens polêmicas, seus atores? Em que medida tem-se
colocado uma verdadeira prática reflexiva no urbanismo conceituado no Brasil

atualmente, que atenda à complexidade da metrópole contemporânea? Por


que a arquitetura contemporânea realizada nas nossas grandes cidades
ausenta-se completamente de uma idéia de cidade (na verdade, a arquitetura

“de mercado” tem promovido, na maior parte das vezes, a anti-cidade dos
condomínios fechados)?
Infelizmente, a nossa atuação concreta tem sido pequena no campo da

recuperação dos espaços urbanos. Nossas metrópoles, os vários agentes

20
[1] introdução

presentes no seu desenvolvimento, o poder público e a iniciativa privada


parecem ainda não terem se colocado frente à essas demandas, com a

grandeza exigida. O poder público está quase falido e, precariamente


gerenciado, ausenta-se do planejamento, manutenção e recuperação dos
espaços públicos – salvo honrosas exceções – e a iniciativa privada ainda não se

apercebeu dessas necessidades que já ocorrem nos países mais desenvolvidos.


Os projetos de recuperação urbana no Brasil encontram alguns bons
exemplos, basicamente em Curitiba e no Rio de Janeiro, onde, apesar de todos

os problemas, existe uma continuidade de intervenções urbanísticas. No Rio, os


Fig. 1.16 (a/b/c/d). A arquitetura moderna paulista construiu o centro novo de São Paulo com uma clara
idéia de urbanidade - uma “arquitetura urbana” - nos anos 50/60: (a) Conjunto Metropolitano; (b) Edifício
O Estado de São Paulo; (c) Copan; (d) Sede od IAB-SP. (Fonte: Xavier et. al., 1963). projetos Rio-Cidade e Favela-Bairro mostram ao Brasil algumas possibilidades
de um maior cuidado do poder público para com a cidade nos seus espaços

coletivos.
Porém, se nos detivermos com maior atenção à necessidade das
intervenções de maior porte, veremos que cidades como São Paulo precisam

urgentemente delas para a recuperação de suas enormes áreas degradada: a


orla ferroviária é exemplo dramático. Verificamos, infelizmente, que pouco tem
sido realizado neste campo. O Projeto Tamanduathey, gerenciado pela

prefeitura de Santo André em 1999 é, por hora, nosso único exemplo de


projeto urbano que surgiu para suprir essas graves demandas urbanas.
Existe um razoável número de concursos de arquitetura e urbanismo

realizados que apontariam possibilidades potencialmente interessantes de

21
[1] introdução

Fig. 1.17. O projeto Favela-Bairro que vêm sendo realizado


com rara continuidade há alguns anos no Rio de Janeiro - intervenção nessas fraturas urbanas, mas, nem o poder público tem sabido
levando um pouco de urbanismo às favelas dos morros
cariocas - tem sido objeto de reconhecimento conduzir e nem a iniciativa privada tem se interessado em participar. Apenas
internacional. Conta com o apoio financeiro contínuo do
BID e é objeto de estudos acadêmicos no departamento de em São Paulo, tivemos, nos últimos anos, os concursos de Revitalização do
Housing & Urbanism da Architectural Association (AA,
Londres), dirigido por Jorge Fiori. (Fonte: Centro, de Desenho Urbano de 20 áreas pontuais (“São Paulo Eu te Amo”), de
www.aaschool.ac.uk/hu/website/assets/f_events/
imagessubnav_f/news3.gif). Reurbanização das Marginais e de Reurbanização do Carandiru. Poderiam ter se

transformado em bom início de uma prática de intervenção urbanística


contemporânea. Projetos urbanos de grande porte. Nenhum deles teve qual-
quer tipo de continuidade. Não resultaram nem em prática realizada, nem em

discussões potencialmente enriquecedoras.11


Alguns nomes consagrados no cenário da arquitetura paulista têm
Fig. 1.18. Proposta de intervenção urbana de Paulo Mendes da Rocha para a Cidade Fluvial , SP: produzido idéias consistentes acerca das possibilidades de intervenção na
rara visâo abrangente do potencial do território metropolitano (Fonte: Rocha, 2000, p.19).
metrópole paulistana. Cândido Malta Campos Filho produziu tese pioneira
acerca dos Corredores Metropolitanos, como possibilidade de configuração de
novos territórios metropolitanos em 1973. Desde então, desenvolve tal tese

com grande empenho. Paulo Mendes da Rocha, laureado recentemente com o


importante Prêmio Mies van der Rohe de arquitetura latino-americana, tem
produzido, com coerência ímpar, idéias (mesmo que não concretizadas) para a

construção de um território novo, cuja arquitetura constrói o lugar, sempre com


bases culturais nacionais modernas. Regina Meyer tem realizado estudos e
propostas urbanísticas, particularmente para a recuperação da área central,

junto à Associação Viva o Centro, que automaticamente tornam-se referências

22
[1] introdução

obrigatórias. Novamente, poucas dessas propostas têm tido oportunidade de


efetiva realização.

O trabalho que vem sendo conduzido pelo grupo Arte/cidade, na sua


versão mais recente, o mapeamento urbano na Zona Leste, pode ser outro
bom parâmetro especulativo sobre os rumos do urbanismo contemporâneo em

São Paulo. Numa realidade conceitual ainda bastante precária, onde falta
massa crítica e reflexiva mais consistente sobre a metrópole contemporânea,
este trabalho poderá constituir-se em contribuição preciosa.12

Parece-nos evidente a necessidade do debate aberto e plural no meio

Fig. 1.19. Le Corbusier: as bases pioneiras do pensamento moderno ainda são as referências
acadêmico acerca das novas possibilidades urbanísticas, demandas
básicas do urbanismo contemporâneo; revisadas na sua dimensão mais radical, voltam a estar
presentes no ideário das intervenções urbanas realizadas pelos arquitetos contemporâneos.
contemporâneas presentes, requeridas por essa metrópole complexa, ao
(Fonte: Le Corbusier, 1959, p.30).
mesmo tempo cidade global e depositária de enormes injustiças sociais.
Obviamente, as pesquisas exploratórias e a especulação conceitual não
surgem gratuitamente. Devem ter, como pano de fundo, a possibilidade de

fazer o necessário enriquecimento da práxis urbanística. Interessa-nos aqui, o


debate teórico e experimental como fomentador de novas abordagens para as
intervenções na cidade existente e como melhor realizar os projetos urbanos

frente às demandas da metrópole contemporânea.


Assim, o ensaio projetual aparece como oportunidade de defesa das
idéias: um projeto-tese.

23
[1] introdução

01.3 Notas
1
ROCHA, Paulo M. (Org.: Rosa Artigas). Paulo Mendes da Rocha. São Paulo:

Cosac & Naify. 2000, p.177.


2
SOLÀ-MORALES RUBIÓ. Terrain Vague In: Anyplace, 118-123: Cambridge: MIT/
Any. 1995.
3
ARANTES, Otília. Urbanismo em Fim de Linha. São Paulo: Edusp. 1998.
4
Alguns projetos urbanos, como a “Nova Berlim”, são objeto de estudo de
caso neste trabalho e estão apresentados no Capítulo 5.
5
A trama passa-se em uma cidade imaginária, cujo cenário real é o novo
subúrbio de Seaside Paradise na Flórida, projetado pelos urban designers
precursores do neo-urbanismo americano Andres Duany e Elizabeth Plater-

Zybeck. Interessante debate ocorreu na Universidade de Harvard, entre


Koolhaas e Duany, sobre os rumos do urbanismo contemporâneo, quando,
dentre outras coisas, Koolhaas colocou o neo-urbanismo como mero

conservadorismo a serviço do mercado imobiliário americano que atende, sem


qualquer pretensão maior, às demandas consumista e individualista da classe
média americana. Duany acusou Koolhaas de produzir muitas idéias e livros de

grande sucesso no meio acadêmico e na mídia especializada mundial, mas que


jamais se transformarão em realidade na América (espaço urbano construído).
Sobre o neo-urbanismo americano, veja-se: CALTHORPE, Peter. The Next

American Metropolis: Ecology, Community and the American Dream. Nova

24
[1] introdução

Iorque: Princeton Architectural Press. 1993.


6
BUSQUETS, Juan. The New Urban Phenomena and New Type of Urbanistic

Project. In: Catalogo de de la Exposición del XIX Congreso de la Unión


Intenacional de Arquitectos, 280-287. Barcelona: Actar. 1996, p.281.
7
MONTANER, Josep M. Después del Movimiento Moderno: Arquitectura de la

Segunda Mitad del Siglo XX. Barcelona: G.Gilli. 1993.


8
A este respeito já há bibliografia ampla. Veja-se, por exemplo: ALLEN, Stan.
Points and Lines: Diagrams and Projects for the City. Nova Iorque: Princeton

Architectural Press. 1999; ARCHITECTURAL DESIGN. Architecture After Geometry.


Architectural Design Profile no. 127. Londres: Academy. 1997; ARCHITECTURAL
DESIGN. Folding in Architecture. Architectural Design Profile no. 102. Londres:

Academy. 1993; ARCHITECTURAL DESIGN. Theory and Experimentation.


Architectural Ideas for Today and Tomorrow. Architectural Design Profile no. 127.
Londres: Academy. 1992.
9
KOOLHAAS, R.; MAU, Bruce. S, M, L, XL. Nova Iorque: The Monacelli Press.
1998 (1995). Euralille é um de nossos estudos de caso descritos no Capítulo 5.
10
TSCHUMI, Bernard. Architecture & Disjunction. Cambridge: MIT Press. 1995.
11
Na nossa prática profissional temos participado com alguma regularidade dos
concursos, principalmente daqueles que abrem interessantes e mais
abrangentes possibilidades de intervenção na cidade. Assim, acompanhamos

este problema de perto. No concurso de reubanização das Marginais, no qual

25
[1] introdução

nosso trabalho - coordenado por Francisco Spadoni e Carlos Leite - recebeu a 2a.
colocação, participamos de várias discussões junto aos promotores do concurso

e demais colegas premiados. Porém, o resultado final é frustrante, pois


anulam-se as questões e idéias apresentadas no concurso rapidamente.
12
Veja-se a pesquisa “Transurbanas” em andamento no site do Arte/cidade:

www.artecidade.org.br\artecidade-transurbanas.htm e também ARTE/CIDADE:


GRUPO DE INTERVENÇÕES URBANAS. Brasmitte: Parte 1: Brás. Intervenções
Urbanas: São Paulo, Berlim. SP: Adresse. 1997.

26
[02] o contexto global: o processo de metropolização

02 O CONTEXTO GLOBAL: CONSIDERAÇÕES


SOBRE O PROCESSO DE
METROPOLIZAÇÃO>

02.1 São Paulo nasce metropolitana 28


02.2 A cidade moderna 33
02.3 A metrópole contemporânea 41
02.4 Notas 49

27
[02] o contexto global: o processo de metropolização

02.1 São Paulo nasce metropolitana


A área metropolitana de São Paulo pertence à Bacia do Alto Tietê, cujos

afluentes são os rios: Tamanduateí (sudeste), Pinheiros (sul), Cotia (sudoeste) e


Juqueri (norte), além dos rios Embu-Mirim e Embu-Guaçu, que deságuam na
Represa de Guarapiranga.

Do ponto de vista geomorfológico, o território metropolitano é


subdividido em dois compartimentos principais: a Zona Cristalina do Norte ou
Serraria de São Roque e o Planalto Paulistano. A Zona Cristalina do Norte é

uma extensa área montanhosa com vales encaixados, que favorecem a


implantação de eixos viários, mas inadequados para o assentamento urbano.
Abrange a menor porção do território, principalmente ao norte, onde se situa a
Fig. 2.1 Detalhe da “nova” planta da cidade de Serra da Cantareira e os municípios de Santana do Parnaíba, Pirapora, Cajamar,
São Paulo de U. Bonvicini e V. Dubugras, 1981.
(Fonte: Toledo, 1996, p.32.) Francisco Morato e Franco da Rocha. O Planalto Paulistano abrange
praticamente todo o Alto Tietê. Corresponde à bacia sedimentar de São Paulo,

recortada por extensas planícies aluviais (onde se desenvolveu a ocupação


urbana), hoje quase desprovidas de matas, à exceção de alguns parques
(Parque do Estado) e áreas de várzeas situadas à leste, onde se desenvolvem
1
atividades hortifrutigranjeiras.

A estrutura da cidade foi fortemente influenciada pelo relevo - em gran-


de parte acidentado - com exceção das várzeas dos rios. As grandes várzeas

28
[02] o contexto global: o processo de metropolização

formadas pelos três principais rios ofereciam terrenos planos (inexistentes em


outras regiões da cidade) e baratos, sendo que foram aproveitadas para a

implantação das estradas de ferro, possibilitando, em uma primeira fase da


industrialização, a instalação de grandes unidades produtivas e de armazena-
gem.

Em geral, desde o início de sua ocupação, a cidade tratou mal seu sítio
natural, especialmente os recursos hídricos. “Várias obras de saneamento foram
implementadas com o intuito de favorecer as áreas de elite, sendo os esgotos

lançados nos cursos d’água. As terras das várzeas conviviam com as áreas in-
dustriais, as vilas operárias e os despejos da cidade. Além disso, até a década
2
de 70, o lixo urbano foi utilizado como material de aterro das várzeas”.
Fig. 2.2 Os estruturadores urbanos de São Paulo em 1800 ( Fonte: Saia, 1995, p.236 )
A cidade de São Paulo, diferentemente da maioria das cidades do Estado
que se originaram da economia baseada na cultura cafeeira, forma-se em um
processo de expansão geográfica, onde os bandeirantes exerceram papel de

grande importância, graças a sua estrutura feudal-militar que conquistou e


abriu caminho para diversas conquistas de território.
Esse período de crescimento territorial estende-se até o séc. XVIII,

quando o ciclo das Bandeiras começa a se enfraquecer, provocando um


“abandono da base material, despovoando o seu território e dissolvendo-se
3
seu poder político...”.

O período seguinte, de grande desenvolvimento urbano, deve-se ao ciclo

29
[02] o contexto global: o processo de metropolização

do café que se estende do início do séc. XVIII até a crise de 1929 e tem como
principal agente a população. Nota-se que em 1934, o ano do Ato Adicional, a

população regional era de 330.000 habitantes e já nessa época a monocultura


cafeeira caminhava do Vale do Paraíba em direção a São Paulo.
A economia colonial e a monocultura do café fizeram de São Paulo uma

cidade próspera. A ocupação das faixas de terra nos espigões, a localização


ferroviária com a indústria e o comércio bruto ao longo do trem, bem como a
superposição de reticulados de glebas localizadas entre os espigões e os rios,

assim como na área rural, e ainda a legislação em função do transporte e de


áreas aproveitáveis lindeiras aos rios beneficiaram a sua urbanização. A
valorização do eixo ferroviário São Paulo-Santos identificou o centro e a chave
Fig. 2.3 Estruturação urbana de São Paulo em 1900 (Fonte: Saia, 1995, p. 240. )
do seu desenvolvimento. O respaldo da burguesia paulista do século XIX foi
fundamental, no período, ao instalar o monopólio da passagem do café por
São Paulo e Santos, através do controle do sistema ferroviário, freando todas as

tentativas de construção de novas rotas ferroviárias que alcançassem a Serra do


Mar.
Com um crescimento demográfico acelerado, por volta de 1810 a popu-

lação de São Paulo era de 20.000 habitantes, espalhados num raio de 50


quilômetros a partir do Triângulo Histórico. Em 1880, com a instalação da
ferrovia - o transporte urbano de 1872, até então, era feito principalmente por

bonde à tração animal; a primeira linha ligava o Centro ao bairro da Luz - o

30
[02] o contexto global: o processo de metropolização

volume demográfico atingiu cerca de 40.000 habitantes para uma área de


aproximadamente 2 Km2 que crescia, principalmente, nas direções Oeste e

Noroeste. Essas características elevaram a cidade à condição de metrópole e,


com a economia do tipo colonial, se colocara num ponto estratégico de
passagem para a produção, que partia tanto do interior para Santos, como no

sentido contrário.
4
Assim, vemos que São Paulo, na verdade, nasce como uma metrópole.
A organização interna da metrópole dá-se com explosões sucessivas de

estágios urbanos precedentes, onde o ciclo exige a contínua atualização,


eficiência e capacidade de exercer sua função de centralidade.
Fig. 2.4 Mapeamento urbano das indústrias em São Paulo, 1914, mostrando a sua implntação ao Na década de 1890 a 1900, a cidade foi marcada pela implantação de
longo das “terras baratas”: várzea dos rios e ao longo da ferrovia. (Fonte: Azevedo,1998)
várias indústrias, principalmente nos bairros novos em formação: Bom Retiro e
Brás, com as tecelagens e Água Branca e Moóca com as cervejarias. Vale
ressaltar que essas indústrias eram igualmente servidas por um desvio

ferroviário e já, nessa época, a cidade sofria com a especulação imobiliária.


Em 1900, para acolher uma população de 239.820 habitantes, sua área
duplicou. Com a abolição da escravatura e a proclamação da República, a

metrópole passa a exercer papel de centro da economia regional. Houve uma


urbanização reticulada e desencontrada devido ao encontro de diversas malhas
de glebas que foram sucessivamente incorporadas ao núcleo primitivo e que

caminhavam em direção ao espigão da Avenida Paulista e a ocupação

31
[02] o contexto global: o processo de metropolização

alinhada ao longo da linha férrea. A cidade, nesse período (1900-1915), tem


um crescimento horizontal acentuado, o que denota uma continuidade do
tecido urbano de baixa densidade. Isso se explica, mais uma vez, através da

especulação imobiliária.
Enquanto a cidade se alastrava e a escassez de infra-estrutura urbana se
acentuava, o centro de São Paulo, entre 1905 e 1911, sofreu várias

transformações, desde o “aformosamento”do Largo do Paissandu e do Largo


do Arouche, até a construção do Teatro Municipal no núcleo histórico da cidade
e ainda a remodelação do Vale do Anhangabaú e do Largo da Sé, além de

obras de saneamento na Várzea do Tamanduateí.


Fig. 2.5 Mapa do bairro da Bela Vista reflete a estruturação fundiária típica dos primeiros
loteamentos residenciais. (Fonte: Toledo, 1996, p.107) Outro impulso para o rápido crescimento da metrópole foi a instalação do
primeiro bonde elétrico em 1900. Já, em 1905, toda a frota de bonde à tração

animal fora substituída, atingindo os bairros de Santana, Penha de França,


Ipiranga, Vila Prudente, Bosque da Saúde, Pinheiros e o da Lapa, em 1914.
No início do século XX, houve uma tendência de compartimentação da

cidade, da pequena densidade de ocupação dos espaços urbanos arruados e da


acelerada industrialização ao longo do eixo ferroviário, principalmente da linha
Santos-Jundiaí, no trecho Moóca-Barra Funda e junto à nova estação
5
Sorocabana.

32
[02] o contexto global: o processo de metropolização

02.2 A cidade moderna


É nesse contexto que a vida metropolitana da cidade industrial pode ser

considerada essencialmente moderna, pois era uma sociedade ávida por


desenvolvimento territorial voltado para a instalação industrial, para a organi-
zação do mercado consumidor e da classe trabalhadora. Mas, sobretudo, um

modernismo voltado para o impulso renovador, fruto do capitalismo industrial.


Entre 1915-1940, surgem os bairros residenciais nas várzeas, os bairros
provenientes do desenvolvimento do transporte urbano que são denominados

“subúrbio-estação” (ferrovia) e “subúrbio-loteamento” (ônibus), assim como


os “bairros-jardim” (o modelo inglês advindo da concepção de Hebenezer
Howard), que configuram parte do crescimento urbano de São Paulo.

Os primeiros cresceram sem nenhuma diretriz e sem nenhuma


regulamentação urbanística, como, por exemplo, a Vila Guilherme na várzea do
Tietê. Os denominados “subúrbio-estação” surgem à medida que o

desenvolvimento urbano ao longo da ferrovia se acentua e caracteriza-se


principalmente por um zoneamento muito simples onde, junto à estação,
concentram-se o comércio e a prestação de serviços e, ao seu redor, a área

residencial.
No caso dos subúrbios industrializados emerge uma “zona industrial”
com a construção de vilas operárias próximas às indústrias, como em São
Fig. 2.6 Mapa topográfico do município de São Paulo em 1930 mostrando sua rápida expansão
territorial no início do século XX. (Fonte: Levantamento Sara Brasil, 1930). Miguel, São Caetano, Utinga e Santo André.

33
[02] o contexto global: o processo de metropolização

Já os “subúrbios-loteamento”, não tão polarizados quanto estes últimos,


possuem os equipamentos comerciais e de serviços ao longo de uma via e o

“ponto-final” constitui-se como o pólo em potencial, como Piqueri, Butantã,


Vila Formosa e Imirim, entre outros.
Diferentemente dos exemplos anteriores, os “bairros-jardim”, destinados

às classes de nível econômico mais elevado, foram loteados e receberam


regulamentação prévia, dentre eles Jardim Europa, Jardim América, Pacaembu,
Alto da Lapa e Alto de Pinheiros, que foram loteados pela companhia

imobiliária inglesa City.

Fig. 2.7 Estruturação urbana de São Paulo em 1930 : surge a cidade moderna. (Fonte: Saia, 1995, A rodovia também exerceu papel importante para o desenvolvimento
p. 242. )
metropolitano, servindo de meio de transporte supletivo e complementar,
Fig. 2.8 O Jardim Europa e o modelo inglês da cidade-jardim burguesa. (Fonte: Toledo, 1996, p.113)
auxiliando o desenvolvimento suburbano processado nas faixas da ferrovia. É
nesse período que foram criadas linhas de ônibus que tinham como principal
função complementar o trajeto feito pela ferrovia. Posteriormente, por volta de

1930, o trajeto, que antes era feito apenas pela ferrovia, passou a ser atendido
também pelo ônibus. Irrigando e reforçando, dessa forma, a crescente periferia
que caminhava ao longo da linha férrea, formaram-se os subcentros dos bairros

periféricos mais expressivos.


A alta do valor imobiliário na região central, a formação de uma faixa
industrial ao longo da linha férrea, a infra-estrutura de transporte oferecida e o

preço mais acessível de terrenos e imóveis em áreas mais afastadas atraem os

34
[02] o contexto global: o processo de metropolização

operários a se estabelecerem na periferia.


Nesse contexto e de acordo com a localização, podemos definir

diferentes formas de ocupação dessas periferias. Uma delas, Santo Amaro, foi
definida por loteamentos residenciais que se desenvolveram graças a uma
única linha de bonde - “Tramway de Santo Amaro” - que partia do centro em

direção à zona suburbana. Devido a eficiência do transporte, essa área foi


rapidamente se vinculando a São Paulo. Com a construção do aeroporto de
Congonhas esses laços ficaram ainda mais estreitos.

Outro exemplo são os loteamentos residenciais que se desenvolveram


nos domínios da ferrovia. Estes se devem principalmente à facilidade de
Fig. 2.9 Panorama da Avenida Paulista em 1920: logo a cidade dos barões do café seria substituída pela acesso, à industrialização na orla ferroviária, tanto urbana como suburbana e
arquitetura da cidade moderna em mais um processo de palimpsesto. (Fonte: Pitu 2020).
aos equipamentos de serviços já existentes. Por fim, surgem os loteamentos
residenciais mais próximos da cidade, mas que mantêm-se vinculados a algum
bairro periférico. Nesse caso, a ocupação residencial é relativamente mais

escassa e esparsa. Pode-se citar os “subúrbios-loteamento” que se


desenvolviam em função do ônibus, como mencionado anteriormente.
À época da crise de 1929 e da revolução de 1930 a população chega a

um total de 900.000 habitantes ocupando uma superfície de cerca de 130 Km2


. A partir desse momento, o desenvolvimento da metrópole começa a tomar
outra forma. O estágio de dependência é superado e São Paulo entra numa

fase de metropolização mais acentuada, com a incorporação de núcleos

35
[02] o contexto global: o processo de metropolização

vizinhos  (Santo Amaro, ABC, São Miguel, Guarulhos e Osasco) e a migração da


população proveniente do interior que, com suas terras esgotadas, caminhava

ora para o centro urbano, ora para outras áreas em busca de terras produtivas.
Dessa forma, a sua ocupação territorial estendia-se até as barreiras naturais
6
como a Serra da Cantareira e a várzea do rio Tietê.

Logo após esse período, mais precisamente em 1938, enquanto a cidade


se expandia, o centro urbano passa por uma reestruturação com a implantação
do Plano Avenidas na prefeitura de Prestes Maia.

Vale a pena ressaltar que os estudos para a implantação de avenidas de

Fig. 2.10 Esquemas Teóricos de São Paulo, segundo João Florence de Ulhôa Cintra e os esquemas irradiação, no centro de São Paulo datam, de 1910, quando Ulhôa Cintra
teóricos de Moscou, Paris e Berlim, segundo Eugène Hérnard. (Fonte:Toledo,1996, p.122).
projeta a primeira versão para o Plano de Avenidas, no qual propunha um anel
Fig. 2.11 Sistema que abarcasse o Parque Dom Pedro II e a Praça da República baseado nos
radioconcêntrico do Plano de
Avenidas proposto por Prestes “rings”de Paris, Moscou e Berlim. Já na segunda configuração para o plano, as
Maia. (Fonte: Pitu 2020).
idéias praticamente mantêm-se iguais, salvo a adição de rotatórias. Por fim, o

plano implantado por Prestes Maia viria a ser uma síntese das versões
anteriores, com avenidas radiais e diametrais no sentido Norte-Sul, que mais
tarde seria conhecido como Sistema “Y”.

Na verdade, o Plano de Avenidas de Prestes Maia mostra a atuação do


Estado quanto ao incentivo à intervenções (neste caso, maciçamente no siste-
7
ma viário) que favorecem a estratégia de acumulação do setor imobiliário.

Nesse sentido, o urbanismo paulistano corre à margem dos planejadores

36
[02] o contexto global: o processo de metropolização

modernistas mais puros que buscavam utilizar-se do espaço urbano para propó-
sitos sociais. Um projeto urbano global de âmbito social é quase o oposto do

Plano de Prestes Maia, exemplo de enfoque prioritariamente rodoviarista e da


exclusão social no espaço urbano valorizado: o centro.
A partir de 1940, a cidade de São Paulo tem um crescimento acelerado,

englobando subúrbios próximos e desenvolvendo os mais afastados. Nesse


período de metropolização, a cidade expande o seu domínio urbano, que é
dado principalmente pela compactação da área edificada, área central e

arredores, pela expansão dessa área em direção aos subúrbios com menor
desenvolvimento e também daqueles significativamente desenvolvidos como o
é o caso do Parque da Moóca e do Planato Paulista.
Fig. 2.12 O “boom” automobilístico na década de 50 reflete-se no espaço público. (Fonte: Pitu 2020).
Logo após a II Guerra Mundial, no auge da industrialização paulistana, o
território urbano ocupado pela cidade de São Paulo atinge mais de 400 Km2.
Entretanto, esse desenvolvimento deu-se por um crescimento sem

diretrizes urbanas claras, sem um traçado de base, fruto de pura especulação


imobiliária e onde a ferrovia criou eixos radiais para o desenvolvimento
suburbano e a rodovia que antes exercia papel secundário, com a implantação

das indústrias, passa a funcionar como um instrumento do processo de


urbanização, relacionando-se diretamente com a estrutura interna dos subúrbi-
os.

Por volta de 1950, a cidade possui altos índices de compactação com a

37
[02] o contexto global: o processo de metropolização

verticalização do centro e dos bairros próximos. Também a expansão da cidade


sobre os núcleos suburbanos mais próximos, absorve-os em sua área edificada

e faz desaparecer a descontinuidade existente. Assim, a metrópole conhece um


crescimento extraordinário com uma diversificação funcional e,
conseqüentemente, uma maior auto-suficiência.

Entretanto, esta nova escala urbana da metrópole era tratada de modo


ingênuo. A construção de obras de infra-estrutura viária, em 1963, explicita o
problema claramente. Primeiro, por acarretar um problema político

administrativo uma vez que se tratava da conexão de vários municípios e


diferentes áreas administrativas, e depois, pela ausência de profissionais mais
Fig. 2.13 Estruturação urbana de São Paulo em 1963: a transformação da cidade moderna. qualificados para o desenvolvimento de tal empreendimento.
(Fonte: Saia, 1995, p. 246. ).
Assim, o urbanismo da cidade de São Paulo pode ser considerado como
“modernizador” – e não “modernista” - , constituindo-se de “leis coercitivas”
de competição do mercado, que provocam a busca de medidas organizacionais

e tecnológicas, visando apenas a melhoria da lucratividade dos capitalistas.


Como indaga Nádia Somekh: “...por que numa cidade tão desigual como São
Paulo em que a pobreza atinge limites crescentes e em que a falta de moradia

é uma questão central, os urbanistas restringem sua ação a parcelas da cidade


sem centrar esforços nas questões sociais? Por que a verticalização no Brasil e
em São Paulo, não se constituiu numa solução para produção em massa de

habitação popular? Afinal, o ideário modernista do período entre guerras tinha

38
[02] o contexto global: o processo de metropolização

como foco central a questão social e a produção em massa de moradias, fato


8
que não encontrou eco significativo em São Paulo.”

Atrelada a essa discussão, Raquel Rolnik coloca a questão da densidade


urbana definida à época: “... com a verticalização, a possibilidade de reproduzir
o solo ...aparecia como a oportunidade de manter uma alta densidade - um
9
alto rendimento econômico do solo - sem gerar superlotação.”
Um limite para o crescimento vertical a partir do grande “boom” imobili-
ário do pós-guerra e o controle da densidade das áreas já verticalizadas dividiu

os dois principais nomes do urbanismo paulistano: Prestes Maia e Anhaia Mello.


Na era Prestes Maia, vigorou um urbanismo marcado por grandes proje-
Fig. 2.14 O antigo VIaduto do Chá em 1956 antes de sua substituição e absorção pela tos viários e por uma verticalização densa, propondo edifícios mais altos e
“modernidade”. (Fonte: Toledo, 1996, p.224).
apartamentos menores.
Já Anhaia Mello, defendia a idéia de um plano abarcador da totalidade
dos aspectos que compõem uma cidade, inclusive aqueles que extrapolam o

seu âmbito territorial, a idéia de plano como limite para o crescimento vertical
e a expansão horizontal, e, ainda, a idéia de comunidade (unidade de vizi-
nhança) como célula básica da cidade.

Rolnik conclui: “...o esquema Anhaia lançou as bases no Brasil para toda
a experiência de planejamento urbano, que ocorreu nas décadas seguintes,
constituindo em conjunto, com o pragmatismo das grandes obras de Prestes

Maia, a dualidade em torno da qual tem gravitado a política urbanística até

39
[02] o contexto global: o processo de metropolização

10
nossos dias.”
Nos anos 60 inicia-se a crise do pensamento modernista e da utopia

urbana: “...o gigantismo metropolitano, torna-se um dado básico para as


análises das questões urbanas. ... a congestão e a dispersão urbana tornam-se
11
rapidamente o centro dos problemas urbanos.”

Um estudo dos governos municipais e estaduais sucessores a este perío-


do, mostra-nos os governos de Jânio Quadros (1986-89) e Paulo Maluf (1992-
96), de estilos diferentes, porém, do ponto de vista da política urbanística, se-

melhantes: grandes obras no vetor sudoeste, cortes nos gastos sociais,


cooptação de lideranças de bairro e pulverização de microinvestimentos na peri-

Fig. 2.15 Precariedade e subdimensionamento do sistema de transporte público de São Paulo. feria, mediados por vereadores e outros políticos.
(Fonte: Pitu 2020).
A gestão Erundina lançou princípios que procuravam diminuir a distância
entre “pobres/periferia”-”ricos/sudoeste”, juntamente com a premissa de
“bairros-emprego” e “bairros-dormitório”. Tal governo tentou buscar, ainda,

parcerias entre investimentos públicos e privados, na tentativa de recuperação


dos espaços públicos, vinculando a responsabilidade do cidadão à gestão da
cidade. Conforme Rolnik, “Estes princípios e os instrumentos necessários para

sua implementação foram lançados. O quanto serão incorporados na ordem


12
jurídico-urbanística que rege a cidade só a história dirá.”

40
[02] o contexto global: o processo de metropolização

02.3 A metrópole contemporânea


No Brasil, o Estado de São Paulo tem mantido, há décadas, privilegiada

posição econômica e demográfica em relação aos demais estados do país.


Segundos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 1996 São
Paulo concentrava cerca de 38% do Produto Interno Bruto (PIB) do País e

22% da população brasileira.


A Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), a maior metrópole nacional,
é composta por 39 municípios que, juntos, abrigam 16,6 milhões de habitantes,

cerca de 48,6 % da população estadual e 10,5% da população nacional. Seus


municípios estão distribuídos em 7 sub-regiões com níveis de desenvolvimento
e vocações distintas: norte, leste, oeste, sudoeste, nordeste, sudeste e centro.

É, ainda, líder econômica dentro de um Estado considerado o mais


desenvolvido do País. Entretanto, vem perdendo ano a ano a sua posição para
o Interior do Estado e outras regiões do País que crescem rapidamente,

atraindo diversos empreendedores, além de uma significativa parcela da


população que está a procura de cidades com maior qualidade de vida,
“cidades sustentáveis”.

A redução do ritmo de crescimento demográfico no município de São


Paulo, o maior da RMSP, é acompanhada por importantes mudanças na sua
Fig. 2.16 Proposta para sistema viário e de transporte público presentes nos planos diretores estrutura produtiva e no mercado de trabalho. A partir dos anos 80, o setor
apresentados para a cidade (1997). A cidade tem direcionado sua evolução e crescimento em
detrimento dos planos e lógica urbanística. (Fonte PMSP/SEMPLA).
terciário torna-se o principal responsável pela geração de novos empregos,

41
[02] o contexto global: o processo de metropolização

mudando a tendência dos anos 70, fase em que o setor secundário exercia esse
papel. Ou seja, evidencia-se, nessa ocasião, a desconcentração industrial da

metrópole, a qual passa a ser entendida em função de uma tendência de


desaparecimento da indústria como unidade principal de produção, substituída
pelo setor terciário. Este, por sua vez, está ligado principalmente às novas

tendências mundiais de informatização das empresas e terciarização das


relações de trabalho.

Fig. 2.17 Imagem de satélite mostra a impressionante expansão da mancha urbana da Grande Aliados às transformações produtivas e espaciais, ocorridas na metrópole
São Paulo, que chega hoje a mais de 2.000 km2 de área. São Paulo torna-se a terceira maior
metrópole do planeta com uma população de mais de 17 milhões de habitantes. (Fonte: Pitu paulista - principalmente nas áreas onde predominaram os usos relativos ao
2020).
setor secundário - destacam-se, também, sérios problemas urbanos decorrentes
da falta de infra-estrutura relativa à transporte, saneamento básico, habitação,

segurança, saúde, educação, áreas livres, entre outros, os quais refletem direta-
mente no declínio da qualidade de vida do habitante metropolitano.
Atualmente é conhecido o fato de todas as metrópoles estarem

enfrentando os efeitos perversos da globalização que atuam principalmente na


sua reestruturação produtiva, implicando em desconcentração industrial, aliada
ao crescimento do setor terciário. Na RMSP, como já mencionado, esse

fenômeno tem se acentuado desde os anos 80. Como causas internas da


desconcentração industrial da RMSP, podem ser apontados: a ausência de
terrenos baratos, restrições legais, elevado custo salarial e a pressão dos

sindicatos. As externas estão relacionadas à mundialização da economia à

42
[02] o contexto global: o processo de metropolização

Gráfico 2.1 expansão do mercado nacional, à melhoria de infra-estrutura em outras


RMSP - Pessoal Ocupado por Setor de Atividade regiões, além das vantagens fiscais oferecidas por outros estados e municípios.
60 Segundo dados da Fundação Seade, de 1985 para 1995 a percentagem
50
de pessoal ocupado no setor secundário da RMSP reduziu-se de 32,8% para
40
21,1%, enquanto que no setor de serviços o aumento verificado foi de 40,7%
% 30
para 50,2% e, no comércio, de 14,1% para 16,9%. A Pesquisa OD/ 97 tam-
20
1985 bém constatou, por amostragem, a redistribuição dos empregos na metrópole,
10
1995
0 por setor de atividade (ver Gráficos 2.1 e 2.2).13
Indústria Comércio Serviços 2,
Nesse território que hoje ultrapassa 2.000 km há uma população de
Fonte: FundaçãoSeade/ SMA - Perfil Ambiental - 1998
mais de 17 milhões de habitantes. A grande maioria vivendo em condições
desfavoráveis, em meio aos caos urbano, cujas faces mais visíveis são as já

limítrofes situações de violência urbana e congestionamento viário. Fala-se em

Gráfico 2.2 um déficit habitacional de mais de 1 milhão de habitantes. A periferia continua


RMSP -Empregos por Setor de Atividade - 1987/1997 a crecer sem infra-estrutura e a área central - detentora da mais rica

60 infraestrtura urbana e esvaziada em população residente - luta contra o proces-


50 so de deterioração, iniciado na década de 70. As forças do mercado imobiliário
40
% 30 imediatista têm determinado a evolução da construção arquitetônica sobre o
20 1987 território sem maior controle governamental ou planejamento urbano mínimo.
10 1997 Territórios inteiros são repentinamente “desvalorizados” com o fluxo do capital
0
Agrícola Construção Civil Indústria Comércio Serviços imobilário descontrolado. O centro novo substituiu o centro velho na cidade mo-
Fonte:CiadoMetrôdeSãoPaulo.PesquisaOD/97- SíntesedeInformações

43
[02] o contexto global: o processo de metropolização

derna, assim como a corrida para a valorização excessiva e excludente do vetor


sudeste na metrópole contemporânea determinou a desvalorização da Avenida

Paulista.
A metrópole apresenta, assim, concomitantemente, a sua “face de cida-
de mundial” - com todos os seus ícones arquitetônicos típicos - na Av. Berrini e

Marginal Pinheiros e a cidade ilegal/real das favelas construídas seguidamente


nas periferias. Ao lado dos condomínios fechados - a anti-cidade da burguesia
atual - ocorre a cidade informal e pobre da massa.

A metrópole presencia, portanto, a necessidade de evolução da escala


técnica para a tecnológica e este processo denota a transição da metrópole mo-
derna para a metrópole contemporânea, com seus lugares de concentração e

multiplicidade de atividades localmente complementares. Essa multiplicidade


traduz a concentração financeira, econômica, cultural e informacional, mudan-
ças que têm determinado fortes alterações nas suas funções urbanas, modifica-

ções internas da cidade.


São Paulo extravasa seus limites para se tornar ponto de interesse e
convergência de atividades de caráter financeiro, de produção científica e

cultural , de desenvolvimento de comunicação, mas também lugar da pobreza,


onde os espaços da “deseconomia” são redefinidos continuamente para
viabilizar os novos processos produtivos, e onde o processo de urbanização

corporativista se mascara com intervenções urbanas de representação peculiar

44
[02] o contexto global: o processo de metropolização

da história do território, da modernização e da concentração de bens e serviços


que favorecem a economia hegemônica e a separação entre as partes que a
14
compõem.
Mais uma vez, essa transição, fruto de sucessivas adaptações, se
sobrepõe à antiga metrópole do capitalismo industrial. As atividades terciárias e

de serviços ascendem e a indústria continua crescendo, embora numa


velocidade bem menor que anteriormente. A cidade abandona o passado,
substitui a produção de produtos para a de serviços e um novo padrão urbano

começa a ser instituído, fruto de um modelo tecnológico informacional que


introduz o conceito contemporâneo de “espaço dos fluxos” e que é traduzido
15
em uma maior complexidade territorial.

Diferentemente da metrópole moderna, na qual a conurbação surge da


unificação das diversas malhas urbanas sem nenhum critério, criando um
organismo expandido e setorizado, onde o traçado viário reforçava essa disper-

são, a metrópole contemporânea poderiam buscar uma continuidade do tecido


urbano, através de grandes projetos de infra-estruturas que visariam sobretudo
o desenvolvimento, a agregação de valores, tornando-se grandes pólos de

convergência com papéis funcionais dentro da cidade, buscando promover


transformações no meio urbano regional no qual se insere. Desse modo, essas
infra-estruturas e projetos urbanos seriam uma possibilidade de lidar com

problemas tão antigos como a fragmentação territorial e a dispersão

45
[02] o contexto global: o processo de metropolização

funcional. Essa nova ordem estabelecida possui uma dinâmica que dilui a
forma urbana para substituí-la “por um conjunto de espaços e objetos

construídos que não revelam as conexões espaciais e funcionais a que estão


16
subordinados.”
Por outro lado, as metrópoles contemporâneas são tidas por muitos

como verdadeiros organismos intratáveis e até mesmo ameaçadoras da


Fig. 2.18 A articulação da rede de espaços públicos surge como uma das propostas de recupera-
ção da área central desenvolvida no âmbito de uma organização não governamental, a Associa- integridade social e individual, transpassando uma impressão de
ção Viva o Centro, em tentativa de se fazer a necessária retomada do processo de planejamento
da cidade, perdida pelo poder público. (Fonte: Meyer, 1997, p.38.). empobrecimento da vida cotidiana coletiva, ao invés de melhorá-la.

A realidade da globalização internacional e seus rebatimentos diretos


sobre o território metropolitano tem consequências complexas. A metrópole
paulistana passa a conviver com espaços ambíguos.

Para o entendimento da problemática urbana deve-se buscar um esque-


ma interpretativo abrangente que envolva questões estruturais, como observa
Milton Santos:

“...o papel do Estado, seja em sua ação contingente, seja no de


formulador de um modelo econômico que perdura; a distribuição de renda e os
contrastes agudos entre a riqueza e a pobreza; o papel do crescimento econô-

mico e da crise econômica e sua influência sobre os diversos aspectos da vida


social; o tamanho da cidade e sua repercussão sobre a sociedade e a econo-
mia; papel da especulação e o dos vazios urbanos; a questão da metrópole

corporativa, da relativa imobilidade dos mais pobres dentro da cidade e da

46
[02] o contexto global: o processo de metropolização

fragmentação da metrópole; o problema do gasto público e sua seletividade


Fig. 2.19 O centro de São paulo visto de cima: a verticalização do centro novo contrasta com a
arquitetura histórica do velho, separados pelo vale do Anhangabaú reurbanizado. O processo de social e espacial, assim como as tendências que podem ser inferidas na análise
palimpsesto ainda ocorre substituindo arquiteturas e funções urbanas. (Fonte: Base, 1999).
17
da realidade atual.”
Estes tópicos estruturadores formam um organismo urbano, os quais pos-
suem cada qual sua autonomia, interagindo e estabelecendo um conjunto, evi-

tando, assim, que um fator isolado possa ser tido como dado absoluto.
As transformações urbanas devem ser vistas não apenas como resultan-
tes das pressões do desenvolvimento econômico, mas também da influência

de modelos ideológicos internacionais.


A história da legislação urbana de São Paulo, como meio introdutor da
história da cidade, explicitando seu papel político e cultural ao longo da evolu-

ção urbana paulistana tem mostrado claramente a importância do entendimen-


to da legislação urbanística da cidade como força motriz do seu desenho urba-
no. É outro dos parâmetros que nos ajudam no entendimento da complexidade

da metrópole.
A cidade regulada e a cidade “sem lei”. A cidade com desenho urbano
claro e a cidade caótica, sem desenho, plano ou diretriz. Rolnik enfatiza:

“... a lei organiza, classifica e coleciona os territórios urbanos, conferindo


significados e gerando noções de civilidade e cidadania diretamente correspon-
dentes ao modo de vida e à micropolítica familiar dos grupos que estiveram

mais envolvidos em sua formulação. Funciona portanto, como referente cultural

47
[02] o contexto global: o processo de metropolização

fortíssimo na cidade, mesmo quando não é capaz de determinar sua forma


18
final.”

Há, portanto, uma imagem clara da organização espacial da cidade, que,


segundo Rolnik, é a contraposição entre dois espaços: um circunscrito pela mol-
dura da legislação urbanística e o outro, com o triplo do tamanho do primeiro,

fixado, eternamente, em uma zona mediadora entre o legal e o ilegal. 19


A São Paulo contemporânea é, assim, nitidamente resultante de um
Fig. 2.20 O Centro Novo de São Paulo reflete as contradições da metrópole contemporânea:
cidade global e cidade ilegal/real. Infraestrutura sub-utilizada no centro pouco habitado e processo de organização estrutural que determina o seu desenho urbano não
expansão periférica descontrolada sobre áreas de proteção ambiental sem infra-estrutura;
ícones do mundo globalizado e terrenos vagos no território fragmentado. (Fonte: cartão por diretirzes urbanísticas claras ou postura urbanística minimante democrática.
postal).
As políticas determinadas pelo capital, inicialmente público e, posteriomente,
privado, determinaram o desenho da cidade. Otília Arantes destaca a substitui-

ção do capital estatal (que denomina sistema incômodo de contrapesos) pelo


capital empresarial na requalificação do espaço público: “... a estratégia em-
presarial vai determinando com lógica própria os parâmetros de sua interven-

ção, relocando populações e equipamentos segundo as grandes flutuações do


20
mercado.”
Chega-se ao novo milênio com uma imagem de cidade fragmentada,

fruto de uma evolução urbana caótica, como vimos. Uma metrópole que gerou
espaços esgarçados, novas fronteiras dentro do tecido urbano central, periferias
rarefeitas e distantes, fraturas urbanas. Conforme Nelson Brissac:

“Quando a fragmentação e o caos parecem avassaladores, defrontar-se

48
[02] o contexto global: o processo de metropolização

com o desmedido das metrópoles como uma nova experiência das escalas, da
distância e do tempo. Através dessas paisagens, redescobrir a cidade...Uma

cidade, vista do alto, parecendo uma intrincada trama de prédios em


escombros. Uma mancha urbana quase indistinta que, espalhando-se a partir
do centro inferior da tela, torna-se crescentemente obscura na direção dos

cantos superiores devido às camadas de material aplicado. O olhar mergulha


vertiginosamente pelos esqueletos retorcidos até o subsolo, de onde parecem
brotar. Áreas chamuscadas, produzindo uma superfície empastada e cheia de

sulcos. Em contrapartida, um emaranhado de fios de cobre e outros entulhos


projeta-se para fora, como que arrancados de suas entranhas. Visão
desconcertante que parece confundir superfície e profundidade, presente e

passado. Difícil identificar, à primeira vista, esse skyline desprovido de signos


ou pontos reconhecíveis. Algo porém – talvez a particular textura formada pelo
aglomerado caótico, pela massa de concreto erguido, uma paisagem saturada
21
e opaca – nos dá a inequívoca sensação de que olhamos São Paulo.”

02.4 Notas
1
ALVIM, A. T. B. et. al. Eixo Moóca-Santo André: Projeto Megacidades.
(Trabalho acadêmico não publicado). São Caetano do Sul: UniABC. 2000.
2
SEADE/ SMA, 1998 apud. ALVIM, A. T. B. et. al., 2000, op. cit., p.2.
3
SAIA, Luís. Morada Paulista. São Paulo: Perspectiva. 1995, p.231.

49
[02] o contexto global: o processo de metropolização

4
Cf. MEYER, Regina M.P. Atributos da Metrópole Moderna. São Paulo em Pers-
pectiva, 14/4, São Paulo: Fundação Seade. 2001.
5
LANGENBUCH, Juergen R. A Estruturação da Grande São Paulo – Estudo de Ge-
ografia Urbana. Rio de Janeiro: Fundação IBGE. 1971, p.87.
6
Segundo Langenbuch, os núcleos coloniais surgiram de uma iniciativa oficial,

visando o povoamento e o incremento a produção agrícola dos arredores de


São Paulo. Não possuíam uma localização específica, alguns deles localizavam-
se próximos à zona de expansão central, como o núcleo da Glória, enquanto

outros, como Santana, São Caetano e São Bernardo estavam mais distantes.
Este último, o mais populoso, possuía a maior extensão e distância do centro da
capital. Conseqüentemente, foi o último a ser  fagocitado pela metrópole. Os

núcleos coloniais representam a relação da metrópole paulistana com o seu


entorno, e a organização deste em sua função (LANGENBUCH, 1971, op. cit.).
7
Cf. SOMEKH, Nádia. A Cidade Vertical e o Urbanismo Verticalizador. São Paulo:

Nobel. 1999.
8
Ibid., p.161.
9
ROLNIK, Raquel. A Cidade e a Lei: Legislação, Política Urbana e Territórios na

Cidade de São Paulo. São Paulo: Nobel/Fapesp. 1997, p.190.


10
Ibid., p.195.
11
MEYER, 2001, op. cit.
12
ROLNIK, 1997, op. cit., p.210.

50
[02] o contexto global: o processo de metropolização

13
ALVIM et. al., 2000, op. cit.
14
Cf. MEYER, 2001, op. cit.
15
Ibid., p.6. O conceito é originariamente desenvolvido pelo sociólogo Manuel
Castells e será discutido em maior profundidade no Capítulo 5. Ver: BORJA, J.;
CASTELLS, M. The Local & the Global : Management of Cities in the Information

Age. Londres: Earthscan. 1998.


16
Ibid., p.7.
17
SANTOS, Milton. Metrópole Corporativa Fragmentada: O Caso de São Paulo.

São Paulo: Nobel. 1990, p.10.


18
ROLNIK, 1999, op. cit., p.131.
19
Ibid.
20
ARANTES, 1988, op. cit., p.139.
21
PEIXOTO, Nelson B. Paisagens Urbanas. São Paulo: Senac/Marca D’Água.
1998, p.227.

51
[03] a orla ferroviária: leitura do território

03 A ORLA FERROVIÁRIA: LEITURA DO


TERRITÓRIO>

03.1 A leitura aérea 53


03.2 O contexto local 63
03.3 Notas 74

52
[03] a orla ferroviária: leitura do território

03.1 A leitura aérea


Ensaio fotográfico concebido por Carlos Leite e registrado por Nelson Kon.
Vôo de helicóptero sobre a orla ferroviária paulistana, trecho Moinho Central-
Moóca, realizado pelos autores em maio de 2001.
Trata-se aqui de um registro artístico, visão privilegiada e rara da orla
ferroviária paulistana (antiga linha Santos-Jundiaí) de cima. A intenção é a
exposição de um registro geral. O registro técnico, com a situação exata de
cada local e dos trechos objeto de estudo estão presentes no Capítulo 4.
Como a orla ferroviária determina o desenho da cidade. A sua presença
na “fábrica urbana”. Elemento estruturador da paisagem urbana, assim como
os rios, determinou a expansão da cidade no final do século, definiu os bairros-
estação e os subúrbios. Foi fundamental no desenvolvimento da economia
paulista, inicialmente com o ciclo do café, posteriormente com o surgimento da
indústria. Percebe-se aqui claramente a presença maçiça da indústria ao longo
deste trecho da orla ferroviária, seja nas poucas que ainda permanecem em
plena atividade, seja nos galpões e moinhos desativados. Imensas áreas
desativadas - terrenos vagos - são paradigmas da metrópole pós-industrial. As
cicatrizes deixadas pela passagem da ferrovia no tecido urbano central. Os
vazios. A escala imensurável. As fraturas urbanas.
Ao mesmo tempo, a expectativa do novo. O potencial do vazio. A orla
ferroviária como a possibilidade da construção de uma nova territorialidade
metropolitana.

53
[03] a orla ferroviária: leitura do território

54
[03] a orla ferroviária: leitura do território

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[03] a orla ferroviária: leitura do território

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[03] a orla ferroviária: leitura do território

62
[03] a orla ferroviária: leitura do território

03.2 O contexto local


A ocupação urbana da metrópole paulista desenvolveu-se em três fases

ao longo dos principais vetores de acesso regional:


· 1ª fase de expansão (até os anos 40): foi estruturada pela rede ferrovi-
ária e pelos assentamentos industriais em direção aos vetores leste, oeste,

sudoeste e parte do sudeste;


· 2ª fase (a partir dos anos 50): implantação do sistema rodoviário regio-
nal, induzindo a ocupação dos vetores nordeste (Via Dutra) e sudeste (Via

Anchieta);
· 3ª fase (concomitante à 2ª fase - reforçada a partir dos anos 60): a
Figs. 3.1 e 3.2. As transformações na rede ferroviária no estado de São Paulo evidenciam a sua
rápida evolução no estado. Determinaram o desenvolvimento econômico do estado e da expansão dos serviços de ônibus permitiu um maior espraiamento da ocupação
metrópole. (Fonte:Kühl, 1998, p.136)
da metrópole em direção a todos os vetores, por meio de assentamentos
1
residenciais esparsos e de baixa densidade.
O desenho das estradas de ferro na Região Sudeste é predominantemen-

te concêntrico e conflui para os portos principais, no caso de São Paulo para o


porto de Santos . Inicialmente, o sistema ferroviário era utilizado principalmente
para o transporte da produção agrícola e mineral e a partir de 1970 os trens

urbanos eletrificados tornaram-se os grandes responsáveis pelo transporte da


mão-de-obra, indispensável ao processo de industrialização que vinha sofrendo
a metrópole paulistana. Essas ferrovias abertas pelo Estado, com o apoio dos

grandes produtores agrícolas, capazes de incorporar o maquinismo moderno,

63
[03] a orla ferroviária: leitura do território

serviram como grande atrativo para indústrias, imigrantes e para o desenvolvi-


mento urbano regional . Foi através da ferrovia que São Paulo inseriu-se na

rota cafeeira e conectou-se com o planalto, vindo a prosperar como cidade,


ampliando o seu território e a sua importância como metrópole brasileira.
A ferrovia serviu de instrumento de reorganização urbana. Seu traçado

desviou de rotas que até então eram o único elo de ligação com o restante da
cidade, provocando, dessa forma, o colapso no sistema de transporte vigente e
das atividades a ele relacionadas. Outro fator de suma importância foi a

conformação suburbana gerada ao longo da linha férrea, os “subúrbios-


estações”, que se desenvolveram com a implantação de indústrias e pequenos
Fig. 3.3. Estação Brás em 1865: as estações eram vistas como símbolos do progresso e a chegada
da ferrovia sinônimo da ligação do lugar à rede de crescimento e desenvolvimento urbano. povoados operários.2
(Fonte: Kühl, 1998, p.125)
Datadas de março e setembro de 1855, duas leis sancionadas viriam
criar condições para a implantação da primeira estrada de ferro que ligaria
Santos a Jundiaí. Em 1864, foi inaugurado o primeiro trecho correspondente à

travessia da Serra do Mar, efetivando-se toda a construção dos seus 139 Km,
apenas três anos mais tarde.3
Podemos definir duas categorias diferentes de ferrovias, de acordo com o

tipo de ligação estabelecida: as ferrovias de âmbito local, que ligavam os


arredores paulistanos à cidade de São Paulo e as ferrovias extra-regionais,
destinadas a ligar o interior à cidade e ao seu porto. Assim, temos a Central do

Brasil, a Sorocabana e, por último, a estrada de ferro Santos-Jundiaí, inaugura-

64
[03] a orla ferroviária: leitura do território

da em 1867, fruto de estudo mais detalhado no decorrer deste trabalho.


Diferentemente dos caminhos de tropas que procuravam se instalar

longe das várzeas, devido à dificuldade de travessia e à necessidade de


aterros, as ferrovias buscavam os terrenos planos onde pudessem desenvolver
um traçado mais adequado às suas restrições.

Fig. 3.4. A extensão da rede ferroviária no Estado de São Paulo já em 1901 anuncia a passagem Assim sendo, do ponto de vista topográfico, as várzeas e os terraços
da cidade interiorana e sem presença nacional de São Paulo para uma metrópole rica e
propulsora do desenvolvimento econômico do país. (Fonte: Kühl, 1998, p. 137) fluviais da bacia sedimentar de São Paulo tornaram-se ideais à sua instalação.
As condições favoráveis apresentadas por São Paulo para a implantação

da ferrovia fizeram com que a década de 1870 fosse marcada pela consolida-
ção e expansão da malha ferroviária paulista. Em 1880, a rede apresentou um
crescimento exponencial, dobrando o seu tamanho e, conseqüentemente,

aumentando a zona de produção cafeeira, levando a migração para o oeste


da província. Na última década do século XIX, verificou-se o prolongamento das
linhas férreas assim como o aumento da imigração populacional. 4

Apesar do traçado das estradas de ferro valorizar os vales da cidade, o


seu trajeto, às vezes, era desviado para atingir a zona cafeeira, propiciadora de
grandes fretes, enquanto que, os aglomerados situados nas suas proximidades

foram deixados à margem de seus benefícios, excetuam-se Santo Amaro, que


foi atingido por uma ferrovia local, Penha, que foi atingida por um ramal da
Central do Brasil; e Jundiaí e Mogi das Cruzes, que foram, de fato, servidas

pelas ferrovias extra-regionais. Esse distanciamento provocou uma valorização e

65
[03] a orla ferroviária: leitura do território

um desenvolvimento linear ao longo da ferrovia e, consequentemente, a


marginalidade dos aglomerados que não pertenciam àquele circuito. Propiciou

o surgimento de pequenos e inúmeros vilarejos, tolhendo no entanto, a possibi-


lidade de desenvolvimento de determinados aglomerados.
A influência da ferrovia sobre o meio urbano proporcionou o surgimento

de pequenos aglomerados de produtos e pessoas que eram atraídas das áreas


vizinhas. A partir daí pequenos núcleos começaram a se formar e a assumir
função regional. Certamente o comércio local foi a primeira forma de atração e

desenvolvimento desses povoados. Alguns deles também possuíam pequenas


indústrias de beneficiamento e transformação de matéria prima produzida nos
arredores.5
Fig. 3.5. A presença do bonde na Praça do Patriarca em 1940. (Fonte: Pitu 2020).
Como a ocupação da faixa lindeira à linha férrea dentro da cidade estava
cada vez mais acentuada, seus terrenos tornaram-se mais escassos e caros. A
expansão urbana foi restringindo, dessa forma, a possibilidade de implantação

das indústrias dentro da cidade. Não encontrando local mais vantajoso, as


indústrias começaram a migrar para a periferia externa, que também era
servida pela ferrovia.

No período que se estende de 1915 a 1940, a rede ferroviária já contava


com 3.373 Km de extensão. O desenvolvimeto suburbano crescia acelerada-
mente no sentido noroeste, graças principalmente à implantação de indústrias

ao longo da linha férrea. Vale salientar que a suburbanização industrial, embo-

66
[03] a orla ferroviária: leitura do território

ra seja mais restrita que a ocupação residencial, está intimamente ligada a


esta, sendo sua antecessora. Dessa forma, era espectadora da formação de

grandes bairros operários em seu entorno e o que se notava, é que, quanto


mais pessoas migravam para os subúrbios, mais linhas de trem eram criadas.
Outro aspecto interessante de se notar é que, já àquela época; por

volta de 1940, os passageiros que embarcavam nas estações suburbanas


dirigiam-se, em sua maioria, para as estações urbanas ou do centro da cidade,
denotando a total falta de complementariedade funcional entre os vários

subúrbios.
Considerando as zonas suburbanas residenciais, temos os chamados
Fig. 3.6. Mapa funcional da cidade de São Paulo em 1955, evidenciando a ferrovia e os rios como os
elementos estruturadores da paisagem urbana. Percebe-se a concentração da indústria ao longo da ferrovia “subúrbios-estação” que, como o próprio nome diz, desenvolviam-se em torno
Santos-Jundiaí. (Fonte: Azevedo,1958).
de um núcleo comercial e de serviços que crescia junto às estações. Nesses
bairros, o zoneamento tendia para a organização funcional mais simples, com a
indústria muitas vezes presente, localizada ao lado da ferrovia e com residênci-

as voltadas principalmente para a classe operária e para comerciantes e profis-


sionais liberais locais. Esse desenvolvimento suburbano de ocupação do territó-
rio lindeiro à ferrovia provocou um desdobramento urbano em forma de

“colar”, pois, no caso das indústrias, a ferrovia chegava até seu pátio com um
ramal para o escoamento das mercadorias e no caso da população isso não era
possível. Sendo assim, os passageiros procuravam o melhor local para se

instalarem, que não era o território entre estações.6

67
[03] a orla ferroviária: leitura do território

De qualquer forma, a ferrovia estruturou o desenvolvimento suburbano,


que mais tarde viria a se repercutir no desenho da metropolização.

Com a crescente onda do “automobilismo” nas primeiras décadas do


século XX, estradas regionais e extra-regionais foram construídas e o transporte
rodoviário passou a exercer um papel secundário e complementar ao transporte

ferroviário, que ainda continuava a ser o transporte de carga e de passageiros


mais interessante, devido a seu custo e a sua rapidez . Apesar de todo o
incremento ao transporte rodoviário, a instalação de indústria ao longo da linha

férrea continuou a crescer e junto com ela os “subúrbios-estação”, os quais por


volta de 1935, passaram a ser servidos também por linhas de ônibus, uma vez
que o contingente de passageiros havia se multiplicado.

A urbanização, gerada ao longo das ferrovias radiais, destaca-se pelo seu


desenvolvimento avançado. Notadamente a estrada de ferro Santos-Jundiaí,
que já em 1940 era considerada o eixo suburbano mais populoso, cerca de

34,8% da população dos arredores paulistanos. Há uma intensificação no


parque industrial ao longo desta ferrovia, especificamente no trecho que vai de
São Caetano à Santo André, ao contrário do trecho que se estende da estação

Lapa à Jundiaí, onde praticamente não houve a implantação de novas indústri-


as. É interessante notar que, nos trechos mais suburbanizados, onde a presença
da indústria é mais antiga, há uma maior atração de novas indústrias. Isso se

deve ao relacionamento entre elas e ao trinômio: ferrovia, áreas planas

68
[03] a orla ferroviária: leitura do território

extensas e água fluvial.7


No tocante à suburbanização residencial, a atuação da ferrovia se deu de

duas formas. Na primeira delas, há uma influência direta em função do trans-


porte oferecido pelos trens. A segunda, indireta, deu-se através do mercado de
mão-de-obra criado em função das novas indústrias e equipamentos comerciais

e de serviços.8
O crescimento ascendente dos subúrbios no eixo Santos-Jundiaí provocou
a conurbação de três núcleos: São Caetano, Utinga e Santo André. São Caetano

do Sul, agora, funde-se com São Paulo através da instalação de indústrias ao


longo da ferrovia e áreas residenciais. Dessa forma, houve a necessidade de
ampliação dos serviços de trens de subúrbios.

Porém, a ferrovia não conseguiu acompanhar o ritmo do desenvolvimen-


to suburbano por ela gerado, e ao invés de se adotarem linhas triplas ou
quádruplas para suprir a demanda, ( no caso da Santos-Jundiaí, por exemplo),

a linha dupla entre Mauá e Campo Grande foi desativada. Conseqüentemente,


houve uma procura por transportes alternativos. A crescente presença do ônibus
afeta o desenvolvimento, tanto dos subúrbios do domínio geográfico das

ferrovias, quanto dos municípios vizinhos a São Paulo apartados por ela. 9

As estradas de ferro tiveram, como objetivo inicial, ligar áreas com


atividades exportadoras aos portos e foram as responsáveis pela integração do

território paulista. Desempenharam papel fundamental no surto econômico que

69
[03] a orla ferroviária: leitura do território

tornou o estado de São Paulo o principal centro produtor e exportador de café.


As estações ferroviárias eram o símbolo do progresso nas várias cidades do

estado. A chegada da ferrovia era a ligação da cidade ao desenvolvimento


econômico. Posteriormente, são determinantes também nos processos de
desenvolvimento da indústria, no processo migratório, no trabalho assalariado

e na fixação da população no território.


Ou seja, a ferrovia, assim como os rios, foram os elementos
estruturadores da paisagem urbana de São Paulo. São os elementos básicos

que desenham o território da cidade e, posteriormente, da metrópole. São


Paulo passa de uma cidade menor, sem importância no cenário nacional - até
fins do século XIX - para a metrópole rica, poderosa e populosa, apenas algu-

mas décadas depois, graças à presença marcante da ferrovia. Não seria exage-
ro considerar, portanto, a ferrovia como o principal elemento de infraestrutura
urbana, que determina o desenvolvimento da metrópole.

No entanto, a partir da década de 40, com políticas crescentes de


incentivo ao transporte rodoviário, a ferrovia começa a ser superada como
elemento de infraestrutura urbana e principal meio de transporte público. O

poderio da indústria automobilística desde a sua chegada no país - via econo-


mia fordista e política externa extremamente vinculada aos interesses norte-
americanos - determina, rapidamente, um proposital esvaziamento da presença

ferroviária na metrópole, seja no nível do transporte de cargas, quanto no de

70
[03] a orla ferroviária: leitura do território

passageiros.
A crise da produção cafeeira e a não modernização das estradas de ferro

- muitas tornam-se rapidamente obsoletas - são vistas como entraves no


desenvolvimento de regiões, que até então só haviam crescido através da
chegada da ferrovia.

Apesar do estímulo federal para o transporte rodoviário, havia a necessi-


dade de manter o serviço ferroviário minimamente funcionando. Por volta das
décadas de 40 e 50, o estado retoma o poder sobre esse sistema, já em franca

decadência.
Deve-se ressaltar, entretanto, a absoluta falta de clareza e determinação
Fig. 3.7. Região Metropolitana de São Paulo: estrutura atual de transportes públicos. (Fonte: no processo de planejamento urbano metropolitano ao longo do século XX. Há
Pitu 2020).
uma clara opção pelo favorecimento do sistema de transporte público sobre
pneus, em detrimento da modernização da malha ferroviária existente, sempre
vista como sistema decadente. O sistema do metrô, absolutamente necessário

na metrópole, está presente em todos os planos urbanos desenvolvidos, desde


o PUB, em 1969, até o novo Plano Integrado de Transportes Urbanos (PITU
2020). Porém, não encontraram respaldo por parte das diversas gestões

governamentais na priorização de seu desenvolvimento que, via de regra,


continuaram a priorizar o sistema rodoviário.
Atualmente, o transporte de passageiros ferroviário é operado pela

Companhia Paulista de Trens Metropolitanos - CPTM. Os acessos às estações dão-

71
[03] a orla ferroviária: leitura do território

se de forma precária. O serviço ofertado está aquém do desejado: falta


Gráfico 3.1 segurança, conforto, confiabilidade no horário, etc.
Evolução das Viagens Motorizadas por Modo Principal
O número de viagens no sistema vem diminuindo ano a ano. Em 1987,
60
esse modo de transporte representava 4,38% do total de viagens motorizadas
50
40 1977 da metrópole, contra 7,68% de metrô, 42,83% de ônibus e 42,50% de autos.
% 30 1987 Em 1997, o trem reduziu sua pequena participação para 3,15%, contra 8,23%
20
1997 do metrô, 38,44% do ônibus e 47,24% de autos. (ver Gráfico 3.1).
10
0 Segundo a Pesquisa Origem Destino 1997- OD/97- , realizada pela Com-
Trem Metrô Ônibus Auto (*) Lotação Outros
panhia do Metrô de São Paulo a cada 10 anos, o índice de mobilidade do habi-
Fonte: CiadoMetrôdeSãoPaulo. PesquisaOD/97 - SíntesedeInformações
tante metropolitano vem diminuindo desde 1977: de 1,53 em 1977 para 1,21
em 1997. Ou seja, a população vem se deslocando cada vez menos, em função

Gráfico 3.2 dos diversos congestionamentos distribuídos ao longo do dia e da péssima


RMSP - Evolução do Índice de Mobilidade
qualidade e ineficiência do transporte coletivo (ver Gráfico 3.2).
A divisão modal das viagens vem revelando, desde 1977, uma participa-

2 Indice de Mobilidade ção crescente do modo individual em detrimento ao modo coletivo. Em 1977

1,5 apenas 39% das viagens da RMSP eram realizadas por transporte individual

1 contra 61% por transporte coletivo. Em 1997, a percentagem de viagens pelo

0,5 modo individual quase que se equipara com as do modo coletivo: 49% no indi-

0 vidual contra 51% no coletivo (ver Gráfico 3.3).


1967 1977 1987 1997 O futuro Rodoanel, obra do Estado que contornará a RMSP, evitando a
Fonte: CiadoMetrôdeSãoPaulo. PesquisaOD/97 - SíntesedeInformações
passagem de veículos que não se direcionam ao tráfego intra-urbano metropo-

72
[03] a orla ferroviária: leitura do território

litano, deverá aliviar cerca de 10% do tráfego interno, principalmente de car-


Gráfico 3.3
10
RMSP-Evolução daDivisão Modal das Viagens ga.

Há, finalmente, com o desenvolvimento do PITU 2020 por parte das


80
duas últimas gestões do governo do estado (governo Mário Covas) e a anuncia-
60
% 40 da intenção de parceria deste com a nova gestão municipal (governo Marta
coletivo
20 Suplicy), uma clara possibilidade de valorização do transporte público em São
individual
0 Paulo, da integração das várias modalidades dos transportes (metrô, ferrovia e
1977 1987 1997
sobre pneus) e da modernização da malha ferroviária.
Fonte:CiadoMetrôdeSãoPaulo. PesquisaOD/97- SíntesedeInformações
O PITU 2020 prevê a ampliação de infra-estrutura de transportes da
RMSP, com propostas de redes de alta, média e baixa capacidade, integrando
Fig. 3.8. Congestionamento na Radial Leste: contraste entre o transporte público e privado na os diversos modos de transportes: sistemas sobre trilhos e sobre pneus. Segun-
São Paulo contemporânea. (Fonte: Pitu 2020).
do esse estudo, a futura rede de transportes metropolitanos prevista terá, no
ano 2020, cerca de 446Km de extensão, contra 79 km existentes atualmente.
Para a linha sudeste de trem metropolitano está prevista a sua modernização e

transformação em metrô de superfície.


O transporte de cargas é operado pela iniciativa privada desde 1998. A
MRS Logística, apresenta planos de interesse de modernização do sistema. Além

disso, está previsto, para o próximo milênio, a implantação do Ferroanel - Anel


Ferroviário Metropolitano - que deverá tangenciar a metrópole e otimizar o
transporte de cargas. Há que se atentar, entretanto, para os riscos

proveninentes da privatização rápida e pouco discutida das ferrovias federais.

73
[03] a orla ferroviária: leitura do território

“Em 1971 seria a vez do Governo do Estado de São Paulo criar a Ferro-
via Paulista S.A. (FEPASA) incorporando as cinco companhias então operantes

no Estado - a Estrada de Ferro Sorocabana, a Companhia Paulista de Estradas


de Ferro (que pertencia ao Governo do estado desde 1961 ), a Companhia
Mogiana, a estrada de Ferro Araraquara e a Estrada de Ferro São Paulo e

Minas. O objetivo era unificar a rede de transporte ferroviário dentro do Estado


e modernizar sua estrutura. A Companhia Paulista de Trens Metropolitanos
(CPTM ) assumiu parte da rede da RFFSA dentro da região metropolitana de

São Paulo. Em 20 de setembro de 1996, o Governo vendeu a concessão da

Fig. 3.9. Rede ferroviária de transportes metropolitanos e o mapa da densidade urbana projetado para malha sudeste da RFFSA para a empresa MRS Logística e a reestruturação da
2020. (Fonte: Pitu 2020).
Fig. 3.10. Região Metropolitana de São Paulo: Sistema estrutural sobre trilhos projetado para o cenário de FEPASA está em andamento.” 10
2020. (Fonte: Pitu 2020).

03. 3 Notas
1
ALVIM et. al., 2000, op. cit.
2
Cf. LANGENBUCH, 1971, op. cit.
3
Cf. SAIA, 1995, op. cit..
4
Ibid.
5
Cf. LANGENBUCH, 1971, op. cit.
6
Ibid.
7
Cf. TOLEDO, Benedito L. Prestes Maia e as Origens do Urbanismo Moderno em
São Paulo. São Paulo: Espaço das Artes, 1996.

74
[03] a orla ferroviária: leitura do território

8
Cf. LANGENBUCH, 1971, op. cit.
9
Cf. KÜHL, 1998, p. 136.
10
ALVIM et. al., 2000, op. cit., p.2.

75
[04] o projeto-tese: o processo

04 O PROJETO-TESE: O PROCESSO>

04.1 Mapeamento urbano 77


04.2 Análises 94

76
[04] o projeto-tese: o processo

77
77
[04] o projeto-tese: o processo

78
78
[04] o projeto-tese: o processo

79
79
[04] o projeto-tese: o processo

80
80
[04] o projeto-tese: o processo

81
[04] o projeto-tese: o processo

82
[04] o projeto-tese: o processo

LEVANTAMENTO 1> INTERNO À ORLA


eixo moinho central-moóca>
número

h
gabarito

2/3
uso

ind
conservação

rg
uso

n
identificação

abandono
levantamento: tabela geral dos lotes
LEVANTAMENTO 2> BORDAS DA ORLA
i 5 ind p n abandono

j 1 cptm b s número gabarito uso conservação uso identificação

l 2 cptm b n
121 2 c/h b s
m 4 cptm b n
122 2 c rm s estacionamento
n 2 ins b s manobra /manut.
o 2 cptm rg n 123 2 ind o s

p 2/3 cptm b n 124 3 s o s correio


q 3 b tombado
125 ins b s parque municipal
r 2/3 cptm b s
126 2 ins b s escola estadual
s 2 cptm rg n abandono

t 2 rm n abandono 127 3 ind rg s confecções

128 3 ins b s igreja

129 c rg s garagem ônibus

LEGENDA 130 não existe mais

USO: CONSERVAÇÃO USO? 131 2 ind b s


h: habitação o: ótimo s: sim
c: comércio b: bom n: não 132 1 ind b s
ind: industrial rg: regular
s: serviços rm: ruim [vedação comprometida] 133 3 ind b s
ins: institucional
parques 134 1 h rm s

83
[04] o projeto-tese: o processo

número gabarito uso conservação uso identificação número gabarito uso conservação uso identificação
135 2 c/h rg s
153 2 c/h rg s
136 2 c rg s
154 4 c/s b s
137 2 ins rg s
155 2 h rg s
138 3 ind o s chaves gold
156 2 h rg s
139 3 ins o s senac
157 2 h rg s
140 2 c rg s
158 2 c/h rg s
141 15 h (em construção)
159 3 ind rg s
142 3 h b s vários
160 4 ind b s
143 2 ind o s
161 2 ind rg parcial galpões industriais
144 2 c/h b s
162 5 ind b s
145 2 c/ind rg s galpões ind
163 2 ind b s
146 2 ins rg s eletropaulo
164 2 c rg s
147 1 c rg n ferro velho
165 1 h rg s
148 2 ind rg s galpões demolição
166 1 c rg s
149 4 ind o s telesp
167 2 c/h rg s
150 16 h o s
168 2 s b s
151 10 h o s
169 10 h b s
152 7 c/h o s

84
[04] o projeto-tese: o processo

número gabarito uso conservação uso identificação número gabarito uso conservação uso identificação

170 1 h b s 187 3 c rm s

171 3 c/s o n alugando 188 2 ind o s pancostura

172 2 c b s 189 1 ins b s instituto dom.

173 5 c/h b s 190 2 ins rg s posto de saúde

174 2 c b s 191 3 ind b s confecções

175 2 c/h b s 192 1 3 c/s b s

176 2 c/s b s 193 ins o s pça. Julio prestes

177 1 3 c b s 194 5 ins o s sala são paulo

178 1 3 c rg s 195 2 s o s estacionamento

179 2 h b s sala são paulo

180 1 c rg s 196 4 ins b s dops (esm)

181 2 c/h b s 197 pátio de manobras

182 2 c/h rg s 198 3 c/s rg s

183 2 c rg s 199 3 c/s rg s

184 2 c/s rg s 200 3 c/h rg s

185 5 ins o s sagrado coração 201 b s saída metrô

186 3 ins b s polícia civil 202 b s pq. Da luz

85
[04] o projeto-tese: o processo

número gabarito uso conservação uso identificação número gabarito uso conservação uso identificação

203 o pinacoteca 221 3 ins b s sabesp


204 b igreja luz
222 3 ins o s
205 b batalhão t.aguiar
223 3 s o s
206 b igreja são cristóvão
224 6 c/h b s
207 12 c/h rg s
225 3 o alugando
208 2 c/h b s
226 2 s rg s estacionamento
209 4 c o s
227 3 c rg s
210 n vazio
228 3 c/h rg s
211 1 s rg s estacionamento
229 1 h b s vila
212 1 s rg s
230 3 s b s
213 15 c/h b s comércio a alugar
231 b mercado municipal
214 2 c/h b s vários (6)
232 pq. dom pedro
215 1 h/s o s vila dos ingleses
233 2 ins b s eletropaulo
216 6 c/h b s
234 1 c b s posto gasolina
217 1 s rg s
235 2 c/h rg s
218 3 ins o s eletropaulo
236 7 c/h b s
219 3 ins o s igreja
237 2 c/h rg s
220 2 c/h rg s

86
[04] o projeto-tese: o processo

número gabarito uso conservação uso identificação número gabarito uso conservação uso identificação

238 1 c b s 255 3 ind b s

239 pátio do pari 256 3 c/s b s

240 1 c rg s 257 lgo. concórdia

241 1 c b s galpão comercial 258 7 c/h rg s

242 2 c rg s 259 3 ins b s igreja

243 3 c/h b s 260 5 h rg s

244 3 c rg s 261 1 c rg s

245 3 ins b s centro educação 262 pça agente cícero

246 3 c/s o s 263 1 c rg s

247 3 ind rg s 264 1 2 h b s

248 2 ind rg s 265 1 2 c rg s

249 6 c b s moinho matarazzo 266 e acesso do metrô

250 2 c rg s 267 estação metrô brás

251 2 h rm s cortiço 268 2 ins b s amafesp

252 3 ind b s 269 1 h rg s

253 7 ind b s 270 3 ind b s leite

254 2 h rm s cortiço 271 2 rm n galpões/sem terra

87
[04] o projeto-tese: o processo

número gabarito uso conservação uso identificação número gabarito uso conservação uso identificação

272 4 ins b s promoção social 289 5 ind rm n em abandono

273 4 ins b s febem 290 3 ind rm s galpão abandono

274 2 ind rg s galpões da cptm 291 2 ins rg s der

275 2 h b s 292 4 c o s frigorífico

276 3 rg n edifício vazio 293 2 rm n galpões à venda

277 1 ind rg s areia/pedra 294 6 ind o n antárctica

278 2 ind o s molas 295 1 s rm s estacionamento

279 2 c/h rg s 296 2 ind b s

280 3 ins b s museu imigração 297 2 p n galpão cptm

281 2 ind o s

282 2 ind rg s hidromanfer

283 2 ind b s indústria conf.

284 2 ind rg s hidromanfer

285 7 ins o s universidadeah.m.

286 2 ind rg s

287 2 c/s rg s

288 3 ind rm n galpão abandono

88
[04] o projeto-tese: o processo

(Fonte: Base Aerofotogrametria, 2001)


trecho 1> moinho central

89
[04] o projeto-tese: o processo

(Fonte: Pólo Luz, 1999, p.6)


(Fonte: Base Aerofotogrametria, 1999)

(Fonte: Base Aerofotogrametria, 2001)


trecho 2> pátio júlio prestes

90
[04] o projeto-tese: o processo

(Fonte: Base Aerofotogrametria, 2001)


trecho 3> pátio do pari

91
[04] o projeto-tese: o processo

trecho 4> lgo. concórdia-brás


(Fonte: Base Aerofotogrametria, 2001)

92
[04] o projeto-tese: o processo

trecho 5> moóca


(Fonte: Base Aerofotogrametria, 2001)

93
[04] o projeto-tese: o processo

04.2 Análises
A área de estudo, historicamente ocupada pela indústria, como visto no

capítulo anterior, nas últimas décadas vem sofrendo enormes transformações


causadas pela passagem da cidade industrial para a metrópole pós-industrial,
de serviços. É um típico território em mutação urbana.

Observa-se um esvaziamento industrial. Vários estabelecimentos estão


sendo desativados e transferidos para outras localizações que oferecem melho-
res vantagens fiscais, terra e mão-de-obra mais barata, além de não sofrerem

a pressão dos sindicatos. Outras empresas estão simplesmente reduzindo sua


capacidade produtiva e seu pessoal, como forma de superar a crise. Outras ain-
da passaram a operar com uma planta industrial reduzida, devido aos processos

de automação e modernização industrial, gerando inúmeros espaços ociosos em


suas unidades.
Alguns exemplos paradigmáticos desse processo podem ser observados

na área de estudo. A Cia. Antárctica localizada historicamente na Moóca está


hoje toda praticamente desativada e desocupada, causando um enorme vazio
funcional, não apenas na área industrial - os seus galpões - mas em todo o

entorno que, durante várias décadas, teve sua vida urbana vinculada à da fá-
brica. Quando uma indústria desse porte abandona o seu sítio original, o “es-
trago” causado na área é gigantesco. Ultrapassa, em muito, o já grande vazio

deixado no seu território industrial desativado. O Moinho Central, no Trecho [1],

94
[04] o projeto-tese: o processo

é outro exemplo dramático. Esvaziado funcionalmente, continua como marco -


verdadeira referência urbana na paisagem - na orla ferroviária. Completamente
2
ociosa, a edificação de mais de 15.000 m e o seu entorno, estão hoje precaria-
mente ocupados por uma população de “sem-teto. Mostra, a um só tempo, a
urgente demanda por habitação de interesse social paulistana - que poderia ser

alocada neste território central, em vez de se promover a ocupação periférica e


sem infraestrura da metrópole - e a absoluta falta de planejamento na ocupa-
ção contemporânea da área.

O levantamento realizado, através de um mapemanto urbano feito na


orla ferroviária (OF) em 2001, no seu perímetro interno e nas suas bordas,
mostra-nos alguns pontos relevantes:

1 A situação interna à OF possui uma especificidade muito grande e difere


das bordas. Basicamente é um território ocupado pela estrutura ferroviária:
linhas, pátios, galpões e oficinas ferroviárias atualmente sob administração

da CPTM, além das estações existentes. Edificações de porte são poucas: a


estrutura edificada dos Moinhos Central e Matarazzo (uso privado); o Museu
do Imigrante no Brás; as estações Júlio Prestes, Luz, Brás, Roosevelt e

Moóca; oficinas ferroviárias parcialmente utilizadas no Pátio Júlio Prestes e


no Pátio do Pari; a Sala São Paulo e o antigo prédio do DOPS (em transfor-
mação para futuro uso cultural); os edifícios da Cia. Antárctica, na Moóca, já

desativados. Os pátios ferroviários propriamente ditos, com suas imensas

95
[04] o projeto-tese: o processo

áreas de manobras e manutenção ferroviária estão atualmente apenas


parcialmente em uso, servindo muito mais como imensos vazios urbanos e

área de estoque de ferro velho.


2 As bordas da OF apresentam alguns aspectos gerais comuns aos 5 trechos
de estudo:

2.1 Baixo gabarito: em média, edificações que não ultrapassam 3 pavimentos;


alguns poucos - 10 na área toda - edifícios altos (mais de 10 pavimentos);
2.2 Uso variado: predominam os usos atuais de comércio varejista de pequeno

porte (37% dos 176 lotes levantados), habitação (26% do total, sendo que
parte está sobre térreo comercial) e industrial (22%).
2.3 As edificações de uso industrial, apesar de responderem por 22% do

número de lotes pesquisados, ocupam a maior parte do território, pois


possuem área consideravelmente maior. Interessante notar que, a despeito
de haver grandes áreas industriais sem uso, em números absolutos apurou-

se que 82% delas estão em pleno ou parcial funcionamento. Ou seja, há na


verdade, um processo de reconversão industrial e não, propriamente,
desativação industrial. O trecho da Moóca é o mais prejudicado: 90% dos

lotes industriais estão inativos, lembrando-se novamente que, a maior parte


do território está sem uso definido, pois a desativação de um parque indus-
trial do porte da Cia. Antárctica representa por sí só um esvaziamento desse

território.

96
[04] o projeto-tese: o processo

É interessante notar que as indústrias, localizadas dentro do limite do municí-


pio de São Paulo, encontram-se com nível superior de atividades quando

comparadas às empresas situadas nos municípios do ABC. Provavelmente,


esse fato deve-se à diversificação de atividades industriais existentes nesse
trecho, diferentemente das atividades das empresas do ABC, ligadas em

geral ao setor automobilístico.


Outra tendência que se observa ao longo da OF, no trecho imediatamente
posterior à Moóca, em direção ao ABC, é o processo de substituição das

unidades industriais por grandes estruturas comerciais, tais como


hipermercados, concessionárias de automóveis, shopping-centers, etc.; que
estão longe de se configurarem em um novo padrão urbano consolidado.

Essa situação de substituição funcional provisória é também vista ao longo


da Marginal do Rio Tietê.
2.4 Vazios urbanos. Os espaços residuais, atualmente sem qualquer uso, sejam

terrenos vagos ou edificações e galpões abandonados, respondem por


apenas 10% do total de lotes pesquisados. Ocorre aqui situação semelhante
à anterior: apesar de representarem apenas 10% do total de lotes, esses

espaços respondem, na verdade, por enormes áreas no território. O Pátio do


Pari, por exemplo, é exemplo claro: representa apenas um ítem sem uso no
nosso levantamento, porém trata-se de área residual de mais de 150 ha

que, ladeada pela Zona Cerealista já em franca decadência, transforma-se

97
[04] o projeto-tese: o processo

no maior vazio urbano na área central de São Paulo.


2.5 Há poucas transposições da OF em toda a extensão estudada. A orla

ferroviária determina um claro seccionamento do tecido urbano. A sua


passagem foi uma cicatriz urbana que separou os lados da cidade. Isso vale
para a passagem tanto de pedestres, quanto de ônibus e carros.

2.6 As estações encontram-se em estágio de deterioramento e esvaziamento


funcional e simbólico. Poucas - talvez apenas a Estação da Luz - possuem
clara inserção urbana. A implantação da Estação da Luz foi muito feliz ao

permitir, através de si mesma, uma transposição fácil da OF por parte dos


pedestres. O rebaixamento da linha, que aqui passa em cota pouco menor
do que as bordas da cidade, possibilita sua implantação como passagem

urbana, ligando a Praça da Luz ao eixo da avenida Cásper Líbero. Ocorre no


momento a discussão sobre a modernização e ampliação da Estação. Por um
lado, em consonância com as diretrizes do PITU 2020, há a necessidade de

sua ampliação para se transformar na estação central de trens de São Paulo


e melhor atender a futura demanda dos trens metropolitanos e do possível
metrô de superfície. Por outro lado, vê-se, supreendentemente, nos jornais,

as notícias da sua transformação em equipamento cultural sob patrocínio


privado e sob os auspícios do Projeto Monumenta, com fomento do Banco
Interamericano do Desenvolvimento (BID).

2.7 A conversão da antiga Estação Sorocabana na atual Sala São Paulo por

98
[04] o projeto-tese: o processo

parte do Governo do Estado, há alguns anos atrás, a despeito de ter dado


uso contemporâneo a um equipamento urbano obsoleto, em consonância

com as diretrizes culturais para a área da Luz, representou, infelizmente,


mais uma intervenção urbanística pouco eficaz para o contexto local. O
projeto poderia ser mais abrangente, ao tratar da reurbanização do Pátio

Júlio Prestes, fazendo a desejável ligação da cidade alta (Campos Elíseos)


com a cidade baixa (Bom Retiro), colocando a Sala São Paulo em meio à
cidade. Acabou se convertendo num projeto que dá as costas para a cidade.

Poderia ter ocorrido o também desejável projeto urbano de requalificação,


principalmente através de moradia coletiva de interesse social, de toda a
área da “Cracolândia”, para que este não fosse mais uma rica obra isolada

em trecho pobre da cidade, mais uma ilha de exceção em meio ao espaço


urbano esquecido pelo poder público. Difícil não se lembrar que a Associa-
ção Viva o Centro possuía plano urbano abrangente para a área, que não foi

levado em consideração, incluindo-se a reurbanização da Praça Júlio Prestes,


de autoria dos arquitetos Regina Meyer e UNA.
2.8 Há poucas áreas verdes e públicas, de uso público, ao longo do território. O

Parque da Luz é o único pulmão verde conectado à OF. Infelizmente cercado


e não ligado à orla. A Praça Júlio Prestes e o Largo da Concórdia represen-
tam dois espaços de intenso uso público. O Largo da Concórdia - sítio histórico

da população migrante e imigrante; verdadeiro nó urbano e ponto de

99
[04] o projeto-tese: o processo

convivência comunitária no Brás - está hoje loteado por uma avalanche de


camelôs. As imagens são dramáticas vistas de helicóptero. O comércio

informal tomou conta do espaço público. O sítio histórico foi tomado pela
cidade informal.
2.9 A área que vai do Largo da Concórdia ao Museu do Imigrante, no Brás,

representa provavelmente a situação de maior complexidade urbana de


toda a OF paulistana. Ali, justapõem-se vários elementos urbanos comple-
xos, sem qualquer integração: praças, duas estações de trem, uma estação

elevada de metrô, museu e espaços públicos. A ferrovia e os viadutos


representam barreiras urbanas intransponíveis ao pedestre. Em sítio urbano
central - dali desfruta-se da vista da colina histórica - a absoluta falta de

planejamento urbano fez da área um caos urbano.


2.10 A área que vai da Estação da Luz ao Pátio Júlio Prestes representa o que
se poderia denominar OF de banda curta: trecho onde a cidade, em ambos

os lados, encosta na orla com seu tecido urbano usual (moradias e comér-
cio). Poderia converter-se em situação bastante favorável de ocupação
lindeira à ferrovia se houvesse maior integração entre os dois lados da

cidade.

100
[5] o projeto-tese: a estratégia

05 O PROJE
PROJETTO-TESE
TESE:: A ESTR
ESTR ATÉ
TRA GIA>
TÉGIA>

05.1 FFrragmentação e rreetal hament


hamentoo da me
talhament tr
metr ópole
trópole 102
05.1.1 Desarticulação do território 102
05.1.2 Fluidez e redes de fluxos 106
05.1.3 Terreno vago 110

05.2 Interv
Interv enções urbanas ccont
ervenções ontemporâne
ontemporâne as
emporâneas 118
05.2.1 Intervir na cidade: dilemas e contradições 118
05.2.2 Projetos urbanos contemporâneos 132

5.3 As estrutur
05.3 as urbanas e a cconstrução
estruturas onstrução de uma no
novva tterrit
erritorialidade
erritorialidade
me tr
metr opolitana
tropolitana 154
05.3.1 Urbanismo dinâmico 154
05.3.2 A orla ferroviária como nova territorialidade metropolitana 162

05.4 Notas
Notas 179

101
[5] o projeto-tese: a estratégia

05.1 Fragmentação e retalhamento da


metrópole

05.1.1 Desarticulação do tterrit


erritório
erritório
A noção de território tem variado ao longo do tempo. O conceito de
território foi-nos passado pela modernidade e assim tem vindo até o presente,

quando, claramente, já não satisfaz à dinâmica da vida contemporânea, à


fragmentação espacial das metrópoles e à realidade do mundo globalizado.
Milton Santos debruçou-se longamente sobre o tema e colocou com

propriedade:
“...caminhamos, ao longo dos séculos, da antiga comunhão individual dos
lugares com o Universo à comunhão hoje global: a interdependência universal
dos lugares é a nova realidade do território.” 1
As novas tecnologias e a globalização econômica têm alterado, segundo
Saskia Sassen, os significados das nossas noções de geografia e distância. Após

estudos exaustivos das alterações urbanas provocadas pelo processo de


globalização, Sassen conclui que há, na verdade, uma geografia da centralização
e não da dispersão ou descontinuidade, que não respeita fronteiras urbanas ou

nacionalidades.2
No final do século XX, a globalização impôs ao território uma dinâmica

102
[5] o projeto-tese: a estratégia

até então inesperada. Deve-se ter em mente, porém, que mesmo nos lugares
onde os vetores da globalização estão mais presentes, o território habitado e com

vida local mantém características próprias. Cria novas sinergias que se contra-
põem à globalização. Vive-se, portanto, uma realidade de crise. Um conflito
cultural da sociedade que se apresenta na escala do território. Conforme Milton

Santos:
“Há um conflito que se agrava entre um espaço local, espaço vivido por
todos os vizinhos, e um espaço global, habitado por um processo racionalizador e
um conteúdo ideológico de origem distante e que chegam a cada lugar com os
objetos e as normas estabelecidos para servi-los. Daí o interesse de retornar a
noção de espaço banal [sic], isto é, o território de todos, freqüentemente contido
nos limites do trabalho de todos; e de contrapor essa noção à noção de redes,
isto é, o território daquelas formas e normas ao serviço de alguns....Por isso
mesmo, as grandes contradições do nosso tempo passam pelo uso do território.”
3
(grifo nosso)
Estes processos simultâneos – globalização e fragmentação – geram
territórios contraditórios. Desconexões e intervalos na mancha urbana.

“Geografias da desigualdade”.4
Na verdade, deixamos para trás a cidade moderna do século XX e nos
deparamos, sem prévio aviso, com as metrópoles mutantes da

contemporaneidade.

103
[5] o projeto-tese: a estratégia

A metrópole contemporânea apresenta imensas áreas desarticuladas e


dispersas pelo território. São áreas dotadas de fluxos variados, em trânsito

permanente, com fraturas que esgarçam o tecido urbano, estabelecendo aparente


semelhança entre partes dispersas. Conforme Brissac: “No espaço fragmentado e
indeterminado da metrópole contemporânea não se tem pontos ou posições...As
vias ferroviárias e as autopistas, sistemas tradicionalmete estruturadores da
mancha urbana, não organizam mais o espaço.” 5
Essa desarticulação do território pode ser vista nos arquipélagos de bairros

que se margeiam, fragmentos de todas as escalas, alguns inteiros e quase


homogêneos, saídos de uma superposição de diferentes épocas históricas e
estruturas urbanas que se cruzam sem definir espaços homogêneos. Sem limites

claros. A fragmentação territorial compreende uma rede desconexa de vazios


urbanos, terrenos vagos e enclaves territoriais. Misturam-se a cidade formal e a
cidade informal, ilegal, de modo aleatório e disperso. Coexistem zonas

abandonadas e áreas de ocupação intensa e desordenada. A arquitetura reflete


essa instabilidade, ainda segundo Brissac:
“...formas fragmentadas e perdidas em reflexos espelhados, espaços
simulando transparência, estruturas variáveis ou móveis que provocam
inquietação e estranhamento. Construções que refletem as mudanças contínuas e
os deslocamentos abruptos da urbe contemporânea.” 6
A cidade perde seus limites, eixos, simetria; a arquitetura perde seus

104
[5] o projeto-tese: a estratégia

símbolos, seus monumentos. No seu lugar surge a fragmentação do território. Um


dos maiores problemas para a compreensão dessas novas formas que o território

adquire é, justamente, a imensidão de sua escala. Uma escala que não mais
permite aos moradores da cidade percebê-la com um mínimo de clareza. Não há
mais possibilidade de se formar um mapa mental da cidade contemporânea aos

moldes daqueles conceituados por Kevin Lynch. A percepção ambiental da


metrópole atual exige novos parâmetros para sua análise e definição.
Para Borja e Castells, por exemplo, o espaço metropolitano é entendido,

hoje, como espaço urbano-regional, descontínuo, funcional e objeto das futuras


atuações, “espaço estratégico por excelência”. Esse espaço estratégico, sob seu
enfoque, é também espaço econômico. O âmbito urbano regional é, atualmente,

o marco natural da atividade econômica. Esse mesmo espaço é também um novo


espaço de integração sociocultural.7
Mas a escala da desintegração física, da aparente imensurabilidade, torna-

se, ao mesmo tempo, a escala da possibilidade da integração, desde que


devidamente compreendida. O território metropolitano ganha novas escalas de
entendimento. Uma escala impensável até o fim do século XX. O processo de

metropolização ganha uma nova dimensão. Novas potencialidades. Ao contrário


de um cenário, à primeira vista caótico, surgem imensas possibilidades de
construção territorial justamente a partir desses espaços vazios, dos fragmentos

territoriais dispersos e desconexos. O que se aparenta como fraturas de um tecido

105
[5] o projeto-tese: a estratégia

metropolitano “retalhado”, pode sustentar projetos urbanos até então inéditos


na reconstrução da metrópole.

05.1.2 Fluide
Fluidezz e rredes
edes de fflux
luxos
luxos
A internacionalização da produção capitalista, dentre outros fatores intra-

urbanos, vem determinando, nas últimas décadas, novos padrões de organização


territorial metropolitana. A nova dinâmica do território, mais complexa,
determina a sua descontinuidade, gera os espaços residuais – o terreno vago - e

faz emergir uma organização, até então inédita, da fluidez e rede de fluxos nesse
território.
Os fluxos, e não apenas as empresas físicas, passam a constituir unidades

de trabalho e decisão na metrópole contemporânea. A localização dos agentes


econômicos e sociais é, agora, determinada por uma rede de fluxos. De
informações e capital. A rede de fluxos estabelece conexões e mutações

contínuas no território. Os fluxos substituem as localidades fixas. Surge uma


inexorável descontinuidade territorial. A informação, sobretudo, ganha proporção
determinante na nova lógica territorial, conforme nos descreve Milton Santos:

“Antigamente, sobretudo antes da existência humana, o que reunia as


diferentes porções de um território era a energia, oriunda dos próprios processos
naturais. Ao longo da história é a informação que vai ganhando essa função, para
ser hoje o verdadeiro instrumento de união entre as diversas partes de um

106
[5] o projeto-tese: a estratégia

território.” 8
Assim, a forma típica da mobilidade contemporânea são os fluxos. O

movimento na cidade moderna – tão valorizado pelo modelo dos Congressos


Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAM´s) - é substituído pelos fluxos na
cidade contemporânea. As cidades e a sua arquitetura atuam como os pontos

nodais dos fluxos internacionais, onde se refletem as interconexões globais.


Há uma concentração de atividades em pontos urbanos dispersos. Surge,
assim, o abandono de grandes áreas urbanas e o aumento da necessidade de

locomoção entre esses nós urbanos produtivos. O território passa a ser constituído
de “vastos enclaves urbanos, praticamente autônomos, ligados diretamente aos
9
sistemas de fluxos informacionais corporativos...”
Esses nós, presentes no espaço da rede de fluxos, cada vez mais se
assemelham programaticamente. Ali, ocorrem funções e programas semelhantes,
que podem se reproduzir e se conectar por diversos territórios distintos do globo.

Koolhas, por exemplo, descreve os aeroportos de hoje como os paradigmas desse


novo território global: cidades começam a se parecer com aeroportos e estes
tornam-se “uma concentração de ambos, o hiper-global e o hiper-local” onde se

pode desfrutar e adquirir coisas que pertencem a quaisquer lugares do mundo -


as cidades genéricas globalizadas - e, ao mesmo tempo, conseguir coisas que são
da cultura local. São típicos nós da rede de fluxos global, ao mesmo tempo que

pontos na rede do território metropolitano disperso.10

107
[5] o projeto-tese: a estratégia

O crítico holandês Hans Ibelings chega a descrever os aeroportos dos anos


90 como representando o mesmo papel dos museus dos anos 80. Esses espaços

nodais de programa gigantesco seriam os paradigmas da demanda


contemporânea: mobilidade, acessibilidade e infra-estrutura são seus elementos
essenciais. Segundo ele, estes seriam exemplos de um “supermodernismo”, já

que não mais atendem aos interesses contextuais e históricos da cidade, como o
viés pós-moderno, mas estão, arquitetonicamente, suscetíveis a novas categorias
como: neutralidade, indistinção e implicidade.11

Por outro lado, na espacialização dessa rede de fluxos não há escala


precisa. Pode ser local, global ou urbano-regional. A rede de fluxos espalha-se
por um território dinâmico, de desenho líquido, mutante. Conforme Borja e

Castells: “Esta nova cidade metropolitana deve ser entendida como uma rede, ou
um sistema, de geometria variável, articulada por nós, pontos fortes de
centralidade, definidos por sua acessibilidade.”12
Uma abordagem pouco menos cética pode determinar um olhar para essa
realidade metropolitana como possuidora de inusitados potenciais.
Obviamente, se o sistema é dinâmico e fluído, determinado por uma rede

de nós, a qualidade dessa nova realidade territorial dependerá da intensidade


das relações entre esses nós, da multifuncionalidade dos centros nodais e da
capacidade de integração à população e ao território, mediante um adequado

sistema de mobilidade intra-urbano e externo ao território físico, inerente à rede

108
[5] o projeto-tese: a estratégia

de nós urbanos.
Outro olhar possível pode nos levar ao questionamento da inexorabilidade

dessas redes. Pode-se, perfeitamente pensar num sistema híbrido, onde a


metrópole abarca, ao mesmo tempo, um território que possui duas lógicas
distintas e complementares. Uma, determinada pelo sistema de redes de fluxos e

outra, de caráter local, do espaço da convivência dos cidadãos, das relações


humanas que sempre existiram nas cidades. O espaço local, “banal”, como diria
Milton Santos:

“O território, hoje, pode ser formado de lugares contíguos e de lugares em


rede...Mas além das redes, antes das redes, apesar das redes, depois das redes,
com as redes, há o espaço banal [sic], o espaço de todos, todo o espaço, porque
as redes constituem apenas uma parte do espaço e o espaço de alguns...De um
lado, temos uma fluidez virtual, oferecida por objetos criados para facilitar essa
fluidez e que são, cada vez mais, objetos técnicos. Mas os objetos não nos dão
senão uma fluidez virtual, porque a real vem das ações humanas, que são cada
vez mais ações informadas, ações normativas.”13
Resta ao urbanismo contemporâneo compreender essas dinâmicas

complementares e complexas para agir no âmbito do território. Lançar estratégias


de intervenção que abarquem, ao mesmo tempo, a demanda das redes de fluxos
e da maior fluidez territorial e do espaço local, das relações humanas que

continuam a se dar nesse âmbito. O espaço público, nesse sentido, sempre foi e

109
[5] o projeto-tese: a estratégia

continuará sendo o amálgama da cidade. A razão de ser da existência urbana.


Onde a cidade ganha sua maior dimensão humana.

05.1.3 TTerr
erreno vvago
erreno ago

A definição de terreno vago na sua origem francesa, “terrain vague”,

surge com precisão em um texto, hoje clássico, do arquiteto e crítico catalão


Ignasi de Solà-Morales, publicado na série “Any” de debates conceituais. Nesse
texto, ele coloca a dificuldade da tradução precisa para outras línguas do termo.

Por um lado, a palavra francesa “terrain” conota uma qualidade urbana


Fig. 5.1. As várias expressões do terreno vago 1: Miyamoto Kowloon Walled City, 1987. (Fonte:
Miyamoto, 1999, [sp-1]).
generosa, maior do que um simples “terreno”, como normalmente se
empregaria o seu uso em português. Maior e menos precisa porção de área

urbana. Por outro lado, a palavra francesa “vague” traz, pelas suas origens
latinas, dois significados complementares. O primeiro refere-se à vácuo, vazio,
não ocupado, mas também à livre, disponível. Sem uso, porém com liberdade de

expectativas. O segundo significado advém do latim “vagus”: indeterminado,


impreciso, sem limites claros, incerto, vago. Pode-se ainda buscar referência de
significado em “terreno baldio”: o terreno a ser utilizado.14

Assim, a relação entre todos os significados dá uma conotação abrangente


ao termo terreno vago na sua dimensão urbana. À conotação negativa impõe-se
a esperança do potencial presente. Área sem limites claros, sem uso atual, vaga,

de difícil apreensão na percepção coletiva dos cidadãos, normalmente

110
[5] o projeto-tese: a estratégia

constituindo uma ruptura no tecido urbano. Fratura urbana. Mas também área
disponível, cheia de expectativas, com forte memória urbana, a memória de seu

uso anterior parece maior que a presença atual, potencialmente única, o espaço
do possível, do futuro. A possibilidade do novo território metropolitano.
Tais espaços residuais surgem, normalmente, do processo de mudança do

modo de produção capitalista e de seus reflexos no território metropolitano. São


consequência direta das mutações urbanas. O terreno vago é, usualmente,
resultante do processo de desindustrialização metropolitana do final do século

XX. As grandes transformações que os territórios metropolitanos vêm sofrendo ao


Fig. 5.2. As várias expressões do terreno vago 2: Miyamoto Kowloon Walled City, 1987. (Fonte:
Miyamoto, 1999, [sp-2]).
passar de cidade industrial para pós-industrial, de serviços, abandonando imensas
áreas de atividades secundárias, explicam, em grande parte, o surgimento dos

terrenos vagos.
Terrenos baldios e galpões desocupados junto aos antigos eixos
industriais. Antigas áreas produtivas, hoje inoperantes. Massas arquitetônicas do

passado industrial, atualmente vazias, em processo de deterioração física (os


moinhos presentes na orla ferroviária paulistana). Mas também surgem das mal
planejadas intervenções rodoviaristas, como as áreas residuais presentes no

tecido urbano tradicional cortado por gigantescos sistemas de vias expressas (a


Zona Leste paulistana, por exemplo, é toda constituída por tais situações).
Cicatrizes urbanas. Terras de ninguém.

Pode-se colocar o terreno vago como resultante também de um processo

111
[5] o projeto-tese: a estratégia

metropolitano de “palimpsesto”. As mutações urbanas recorrentes, que se


sobrepõem umas às outras, sem lógica histórica, geram, no território

“consolidado” camadas urbanas de novos usos e programas e, nos seus


interstícios territoriais - spaces in between -, terrenos vagos.15
A metrópole atual, permeada por terrenos vagos, determina uma rede

desconexa de espaços residuais, vazios urbanos. Um território permeado por


fraturas urbanas. Os cidadãos perdem, então, o senso da totalidade, da
abrangência da urbe. Do seu território.

Passamos a ser, então, nas nossas cidades,“estrangeiros na sua própria


terra”16

Fig. 5.3. As várias expressões do terreno vago 3: Berlim, 1990. (Fonte: Basilico, 1999, p104 ).
O terreno vago é, assim, símbolo dessa vida metropolitana atual. Seu

paradigma.
Wim Wenders, dentre vários artistas, tem-se utilizado desse paradigma
metropolitano para retratar a complexidade e ambigüidade da vida

contemporânea em seus filmes. Na série berlinense – “Asas do Desejo” e “Tão


Longe, Tão Perto” – sua lente paira sobre Potsdamer Platz e Alexanderplatz,
destruídas na guerra, para refletir a força simbólica desses espaços. Em “O Hotel

de um Milhão de Dólares”, ele se utiliza de um velho hotel deteriorado em meio


a uma terra de ninguém, espaço residual na trama urbana de Los Angeles, para
encerrar a discussão da ansiedade da vida contemporânea nas metrópoles de

escala imensurável.

112
[5] o projeto-tese: a estratégia

A po
pottencialidade do vvazio
azio urbano

Mas, concomitantemente, está presente no vazio urbano a expectativa do

novo.
As áreas residuais são também a presença viva de um potencial imenso.
Da reconstrução, renovação, revitalização, mudança. A construção do novo

território. Da nova vida coletiva. Da nova metrópole que está à espreita. A crise
traz a angústia da ausência clara do uso atual, mas também a esperança de algo
novo, indeterminado e promissor. Espaços, portanto, privilegiados, como coloca

Solà-Morales:
Fig. 5.4. As várias expressões do terreno vago 4: Beirute, 1991. (Fonte: Basilico, 1999, p54 ).
“as áreas de `terrain vague’ são para alguns os sítios privilegiados de
identidade, de encontro entre presente e passado, ao mesmo tempo em que se
oferecem como o último reduto não contaminado para o exercício da liberdade
individual de pequenos grupos.”17
Os vazios urbanos têm sido objeto da análise de alguns urbanistas europeus

recentemente. Entretanto, as abordagens - sempre instigantes - são


complementares. Um grupo de estudiosos têm procurado lançar um olhar
prospectivo, analítico, descritivo para a questão. Nesse grupo estão os urbanistas

italianos Bernardo Secchi e Stefano Boeri. Procuram incorporar a presença dos


terrenos vagos à leitura da paisagem metropolitana. Outro grupo, liderado pelos
holandeses, especialmente Koolhaas, William Neutelings, MVRDV e Adrian Geuse

(West 8), além de Daniel Libeskind, tem sido especialmente sensível à poesia

113
[5] o projeto-tese: a estratégia

presente nesses espaços: a beleza e o potencial do vazio.


No entanto, exceto esses poucos pensadores de vanguarda, até o

momento, os arquitetos e urbanistas têm abordado o problema com o habitual


afã de construir sobre o vazio. Tem-se, normalmente, visto a questão do terreno
vago de modo tradicional, quando a abordagem deveria ser não-ortodoxa.

Coloca-se a intervenção em termos de formas construídas, ao invés de processos


fluídos, fluxos e forças.
Se nos remetermos aos projetos iniciais que enfrentaram este problema

territorial, veremos essa abordagem tradicional. O projeto de reurbanização da


antiga área industrial da Pirelli em Bicocca, Milão, foi um dos primeiros casos de
enfrentamento do esvaziamento industrial por parte da comunidade

arquitetônica e o projeto vencedor do concurso internacional, de autoria de


18
Vittorio Gregotti, apresenta solução típica.

Novamente Solà-Morales descreve com precisão a questão:

“Nesta situação o papel do arquiteto é inevitavelmente problemático. O


destino da arquitetura tem sido o de colonização, da imposição de limites,
ordem, forma, da introdução de elementos de identidade no espaço estranho
Fig. 5.5. As várias expressões do terreno para torná-lo reconhecível, idêntico, universal...Quando a arquitetura e o desenho
vago 5: o projeto Arte/cidade expôs à
visitação pública várias situações de
terreno vago na cidade de São Paulo.
urbano projetam seus desejos para um espaço residual, `terrain vague’, eles
Aqui vêem-se as antigas Indústrias
Matarazzo na Barra Funda. (Fonte: Arte/
parecem incapazes de fazer outra coisa senão introduzir transformações
cidade,1997).
violentas...Como a arquitetura pode agir na `terrain vague’ sem se tornar um

114
[5] o projeto-tese: a estratégia

instrumento de poder e reação abstrata?” 19


A complexidade e heterogeneidade dos espaços residuais enriquecem o

escopo da arquitetura urbana. É preciso definir novas metodologias profissionais


e acadêmicas para o seu correto entendimento e abordagem.
Na opinião de Koolhaas, por exemplo, há duas razões que fazem dos

vazios urbanos uma das principais linhas de combate, se não a única, para os
arquitetos da cidade: (1) é mais fácil controlar espaços vazios do que trabalhar
em intervenções urbanas com altos volumes e formas arquitetônicas aglomeradas

que se têm tornado incontroláveis e (2) as cidades precisam dos seus espaços
20
vazios. Fala-se, portanto, da potencialidade do vazio.
Estes espaços residuais devem ser colocados sob uma ótica nova, que

admita flexibilidade frente à rede de fluxos. Uma nova abordagem que permita à
metrópole respirar. Não preencher seus espaços vazios com uma arquitetura
tradicional, de massas, opressiva.

Poderia-se pensar, por vezes, inclusive na possibilidade da permanência


do terreno vago no tecido metropolitano que se transforma, como um foco de
resistência, aliada “...à sua história, memória e identidade. Se essa resistência é

tão forte, o que significa, em outras palavras, que a idéia de transformação é tão
Fig. 5.6. As várias expressões do frágil, eu acho que se deve simplesmente deixá-lo para a criatividade das
terreno vago 6: Arte/cidade em sua
3a. versão: as antigas Indústrias gerações futuras.”21
Matarazzo na Barra Funda. (Fonte:
Brissac,1998, p.333).
De qualquer modo, o território metropolitano conforma-se por uma rede

115
[5] o projeto-tese: a estratégia

desses espaços residuais e uma rede de fluxos que se complementam. Apesar do


avanço vertiginoso do processo de globalização e de suas conexões nodais, no

âmbito do espaço territorial, a metrópole ainda detém os chamados espaços


banais. Presencia-se ainda um processo de crise, de mutações constantes, onde,
por hora, verifica-se o surgimento da metrópole fragmentada, constituída por

fraturas urbanas.
São PPaulo
aulo precisa do silêncio arquit
precisa arquiteetônic
ônicoo
No caso de São Paulo, além das características descritas, acrescente-se o

processo de “urbanificação” da metrópole: um urbanismo de caráter meramente


técnico, implementado sem o desenvolvimento concomintante de sua outra
Fig. 5.7. As várias expressões do terreno vago 7: Arte/cidade em sua 3a. versão: intervanção dimensão, a urbanidade. Uma metrópole retalhada, sem espaços adequadamente
artística no Moinho Central. (Fonte: Arte/cidade,1997).
planejados pelo território para a convivência coletiva. Vazios urbanos que tenham
significado, no contraponto da cidade massivamente construída, cinza.
Aqui ,os terrenos vagos são facilmente explicáveis pela renegação do

mercado imobiliário e do poder público. São espaços que têm sido ignorados
pelos urbanistas, tido quase nehuma atenção por parte da municipalidade.
Representam os espaços que sobram entre as ilhas de desenvolvimento

imobiliário da cidade. Os clusters valorizados comercialmente e culturalmente

são o contraponto dos terrrenos vagos.


Os condomínios fechados buscados pela classe média representam esses

clusters. A atenção política e comercial desvia-se desses espaços residuais que,

116
[5] o projeto-tese: a estratégia

em metrópoles como São Paulo, representam áreas gigantescas,


propositadamente para se alocarem nas ilhas de investimento.

São ilhas de anti-urbanidade fincadas em meio a imensos espaços residuais.


Espaços que se querem constituir miniaturas de cidades. Oferecem serviços que
deveriam estar ocorrendo espontânea e dispersamente na urbe; em seus espaços

fechados e exclusivos dos condomínios. Ilhas de exclusão social e vida urbana.


Condomínios residenciais fechados e murados, grandes edifícios comerciais de
linguagem arquitetônica e programa globalizados. Podem estar na Marginal

Pinheiros ou em Manhattan, tanto faz, pois são semelhantes em tudo. Ou os


shopping centers que abundam pela cidade sem parar, tal qual uma praga que
deteriora o território em fragmentos dispersos. São sempre espaços de exclusão,

nos quais seus usuários se auto-excluem da vida urbana. “Os edifícios pós-
modernos não mais querem ser parte da cidade, mas antes seu equivalente, seu
substituto”, conforme Jameson.22
Ligado ao mesmo processo, há uma brutal transformação dos espaços pú-
blicos. Nesse território descontínuo, constituído por ilhas de vida urbana autôno-
mas, entremeado por espaços residuais, os espaços públicos se fragmentam

também em novas tipologias.


Os tradicionais espaços públicos locais, de bairro, vão se extinguindo,
enquanto surgem mega-espaços de lazer semi-público. Ocorre uma privatização

do espaço público e uma mediocrização de sua arquitetura: os cenários urbanos

117
[5] o projeto-tese: a estratégia

fake que tentam recriar simulacros de vida coletiva urbana (parques “temáticos”,
por exemplo).

Esses têm sido os contrapontos dos terrenos vagos na cidade de São Paulo.
Na verdade, deveria-se pensar que o próprio vazio urbano poderia, dentro de
uma adequada estratégia de ocupação territorial, compor uma rede de espaços

públicos que fornecesse à cidade os seus momentos de “silêncio arquitetônico”.

05.2 Intervenções urbanas contemporâneas


05.2.1 Intervir na cidade: dilemas e ccontr
Intervir ontradições
ontradições

Figs. 5.8/5.9. Projeto de expansão urbana em Amsterdã-Sul de Berlage em 1915/1920: primeiras A cidade sempre foi desenhada e construída ao longo dos tempos como
experiências de cidades modernas. Como sequência da expansão de Berlage, surgem os projetos
modernos de habitação coletiva: conjunto habitacional The Ship, de Michel de Klerk, Amsterdã, expressão das inflexões sócio-econômicas da lógica histórica da sociedade. Não
1913/1917. (Fonte: [1]).
há desenho urbano aleatório, sem desprendimento histórico. A ideologia das
intervenções urbanísticas está presente no seu desenho. E, de alguma maneira,
esse pensamento encontra respaldo na lógica de desenvolvimento histórico

daquela sociedade.
As intervenções urbanas devem ser compreendidas dentro da lógica e
dinâmica territorial de sua época. Refletem as suas contradições.

De modo geral, podemos dizer que as intervenções na cidade moderna – a


partir, portanto, do início do século XX – sempre oscilaram entre abordagens
globais e locais. De maior envergadura, criando novos trechos de cidade, as

expansões urbanas e as “cidades novas” e, atuando no âmbito da cidade exis-

118
[5] o projeto-tese: a estratégia

tente, os processos de recuperação de trechos centrais, intra-urbe.


Pode-se, inclusive, falar em gerações de intervenções urbanas.

A primeir
primeiraa geração de pr
geração oje
ojettos urbanos
proje urbanos, utilizada para conotar projetos de
grande dimensões e complexidade, pretendia configurar, de forma exemplar,
além dos seus limites físicos, o que deveria ser a cidade moderna. A intervenção

moderna clássica. A construção do novo em substituição à cidade existente, cujas


qualidades eram negadas. Desde a expansão de Amsterdã Sul por Berlage em
1914, visando proporcionar habitação coletiva moderna aos novos habitantes de

uma cidade que se expandia pela industrialização até a construção de cidades


novas inteiras.
Fig. 5.10. A idéia da substituição total da cidade existente pela utopia do novo: Corbusier e o Plano Obviamente, essa abordagem ganha maior expressão com o advento dos
Voisin para Paris, 1925. (Fonte: Le Corbusier, 1959, p.101).
ideais corbusianos presentes na Carta de Atenas, em 1933. Tendo encontrado
pouco espaço para a sua efetiva realização em condições ideais, inclusive por
parte de Le Corbusier, que se vê frustrado por muito tempo por não conseguir a

concretização de suas idéias – vai encontrar demanda para a efetivação parcial de


seus preceitos na Europa do pós-guerra.
As cidades novas inglesas e os grandes conjuntos habitacionais, realizados

em muitas cidades européias, vão servir de laboratório para aqueles ideais


modernistas. Infelizmente, muitos destes casos serão objeto de críticas
avassaladoras por seu caráter excessivamente homogeinizador, falta de

diversidade tipológica e dinâmica urbana.

119
[5] o projeto-tese: a estratégia

Brasília acaba se tornando o maior exemplo construído da “escola


corbusiana” de viver modernamente, com variantes brilhantemente criadas por

Lúcio Costa e Oscar Niemayer, à lus dos ideais de Corbusier.23


Já a segunda geração de pr
geração oje
ojettos urbanos
proje urbanos, em menor escala, surge a partir
da crise dos CIAM´s, particularmente do 10º CIAM. Ganha maior força a partir da

década de 70, na Europa, quando se propõe à reconstrução crítica da cidade


existente, à intervenção pontual, ao restauro e revitalização da cidade
degradada. É contextual, não nega a cidade existente. Procura atuar por

somatório e encaixe no tecido existente. Defendida, nessa época, por arquitetos

Figs. 5.11/5.12. A utopia da cidade moderna e o ideal da habitação para todos chega ao Brasil sob como Aldo Rossi ou os irmãos Krier, destinou-se às intervenções pontuais,
influência direta de Corbusier. Ácima, o Conjunto do Pedregulho, RJ, Reidy, 1946. Abaixo: o sonho
corbusiano da Carta de Atenas é realizado no planalto central pelos seus discípulos Lúcio Costa e fragmentos que conservam a marca arquitetônica local, mesmo que incorporada
Niemayer em 1960. (Fonte: Reidy, 2000, p.89/ www.augustoareal, 1997).
aos tecidos pré-existentes.
Surgem, nessa época, os processos “re-...”. Reconstrução, revitalização,
recuperação urbanas. Intervenções pontuais para reinserir vida em tecidos

urbanos deteriorados. A maior crítica presente nesse tipo de intervenção é a sua


tendência em criar “cenários urbanos”: áreas revitalizadas com caráter
historicista, reprodução de sítios deteriorados com a inserção de elementos

anteriormente existentes ou a importação de símbolos externos que se


“contextualizem” àquele existente.
Nos EUA, chegou-se muitas vezes à reprodução de sítios históricos clássicos

em áreas urbanas revitalizadas. Foram criados parques temáticos e cenografias

120
[5] o projeto-tese: a estratégia

Fig. 5.13. A cidade pós- urbanas fake. Segundo alguns, a disneylandização dos espaços revitalizados.
moderna é realizada na
reconstrução da Europa. No Serviu também para atender à crescente concorrência entre os pólos geradores de
centro de Haia, Holanda,
sob desenho urbano de
turismo local, dos mega-cenários urbanos de lazer. Surge o city-marketing.
Leo Krier, surgem peças
arquitetônicas de Aldo
Normalmente, tais intervenções acabam determinando uma “roupagem
Rossi e César Pelli
refazendo o contexto
urbano existente com as
nova” no território existente, com a inexorável expulsão da população local. Uma
suas características
históricas. (Fonte: [1]).
abordagem pós-moderna que encontrou e ainda encontra grande espaço em
cidades norte-americanas (vide a revitalização de seus waterfronts) , mas que
hoje já se encontra superada em grande parte da Europa.24

São heranças urbanísticas as quais nos submetemos ao enfrentar a atua-


ção na cidade existente: metrópoles constituídas por intervenções originárias das
Fig. 5.14. A revitalização urbana dos waterfronts nos anos 80. Battery Park City, Nova Iorque, em
imagem tomada do recém destruído conjunto das Twin Towers. (Fonte: [1]).
diferentes abordagens. O próprio planejamento modernista, pressupondo todas

as extensões urbanas asseguradas de condições de habitabilidade e conforto


urbano, a tradição orgânica, que entendeu a cidade constituída por uma série de
partes diferenciadas e devidamente interrelacionadas, constituintes de um

organismo unitário, a escola tipológica, que tratou de construir regras científicas


para o conhecimento da cidade edificada, permitindo explorar as suas conclusões
como hipóteses de plano.25

O termo “desenho urbano” surge na década de 60 como identificador de


um campo disciplinar, na escola anglo-saxã, a partir de uma visão crítica das
intervenções modernistas. Com a proposição de metodologias alternativas às

modernas, autorais e também àquelas propostas generalistas do chamado plane-

121
[5] o projeto-tese: a estratégia

jamento urbano globalizante, buscava-se inserir o urbanismo, com o respaldo de


pesquisas, junto às aspirações das populações locais. Autores como Kevin Lynch,

Gordon Cullen, Jane Jacobs ou Christopher Alexander desenvolveram diversas


metodologias para tentar aproximar o projeto do usuário na escala urbana e, as-
sim, tentar dotá-lo daquela dimensão urbana perdida nas grandes intervenções

modernistas.26
Infelizmente, após um período inicial de busca metodológica extremamen-
te produtiva, principalmente o extenso trabalho de Lynch, em seu laboratório de

desenho urbano no Massachussets Institute of Tecnology (MIT), nos seus projetos

Figs. 5.15/5.16. A revitalização dos “waterfronts”. Acima, a intervenção urbanística em Barcelona iniciada em de revitalização urbana em Boston e nos seus oito livros publicados, o termo
1980 com a redemocratização da cidade e culminada com o advento das Olimpíadas em 1992 torna-se o projeto
urbano europeu de maior envergadura e sucesso. Sobre a antiga orla portuária deteriorada surge uma frente acabou, na década de 90, sendo erroneamente associado à postura anti-autoral
marítima com parque linear e quadras urbanas novas. A cidade ganha suas praias. (Fonte: Barcelona, 1980-92).
Abaixo: Puerto Madero, Buenos Aires. (Fonte: [1]).
dos anos 60 e, posteriormente, à pós-modernista das décadas de 70 e 80.27
Quando aparecem as intervenções urbanísticas de maior porte para as
metrópoles contemporâneas, a partir dos anos 80 e, principalmente, na década

de 90, de partido conceitual inovador, de construção de novas territorialidades,


houve um desprendimento do antigo termo “desenho urbano” e a sua substitui-
ção por outro que refletisse esta nova lógica, de maior complexidade. Surge aí o

emprego corrente do termo “projeto urbano”.


É dentro desse quadro – resumido – que se pode colocar a atual geração de
geração
proje
ojettos urbanos
proje urbanos.

Esta, não se distingue das demais pela dimensão, nem pela composição

122
[5] o projeto-tese: a estratégia

funcional das intervenções. Diverge, sobretudo, pela complexidade da dinâmica


do território metropolitano contemporâneo, como temos visto.

O processo urbanístico não mais segue os padrões teóricos do plano urba-


no geral, mas é agora expresso através de projetos urbanos que possuam a
capacidade executiva e, sobretudo, de colocar trechos da cidade em movimento.

O plano geral é substituído pelo processo estratégico, ao qual se vinculam os


projetos urbanos.
Os planos estratégico tornaram-se, portanto, uma via intermediária. Esta

nova vertente segue três princípios: a definição dos objetivos urbanos a partir das
dinâmicas em curso, a dialética permanente entre objetivos-projetos-impactos, a
Fig. 5.17. Estudo de análise visual da cidade realizado por Lynch: captar a percepção dos usuários concentração dos atores públicos e privados em todas as fases do processo de
na tentaiva de produzir projetos urbanos participativos. (Fonte: Lynch, 1991, p.302)
elaboração e execução. Ocorrem, assim, três variações de processos urbanos: o
primeiro de abordagem integrada ao entorno imediato e também aos efeitos de
contaminação transformadora , “metástase urbana”; o segundo, o equilíbrio

entre o câmbio de atividades, usos e populações dos tecidos sociais próprios da


zona de atuação e, por fim, o efeito dinamizador sobre uma parte (ou a totalida-
de) da cidade, tanto físico, quanto econômico e culturalmente.28

Joan Busquets fala em categorias estratégicas para a intervenção urbana,


as “unidades complexas”. A grande escala de intervenção deve atender aos
objetivos econômicos, sociais e culturais, possuir coerência com outras dinâmicas

em andamento em diferentes partes do território, deflagrar o efeito de

123
[5] o projeto-tese: a estratégia

metástase sobre seu entorno, além de gerar iniciativas que reforcem o potencial
articulador. Por sua vez, a escala intermediária corresponde às intervenções de

renovação de centros e promoção de novos pólos ou o desenvolvimento de novas


centralidades. Deve possuir a coesão entre a intervenção proposta e as paralelas,
ou complementares, que condicionam aspectos importantes de sua visibilidade

(acessibilidade, decisões públicas, medidas de ordenação da circulação ou


ambientais); a qualidade da execução dos projetos; e a capacidade de
mobilização de iniciativas e recursos públicos e privados, além de gerar usos

sociais propostos. Por fim, a escala menor destina-se às atuações pontuais, mas
ainda mantendo, apesar de sua redução em escala, um vínculo com o
desenvolvimento urbano. Independentemente do porte da intervenção, porém,

seu valor estratégico será determinado pelo efeito que causará na dinâmica
metropolitana.29

Pode-se estabelecer uma diferenciação clara entre as intervenções

resultantes de um plano geral, regulador e aquelas geradas no processo de


planejamento estratégico. Na primeira, tipos de usos e peças arquitetônicas são
previamente definidos através do zoneamento e, freqüentemente, não existe

coincidência entre a oportunidade e a ação pública. No segundo, há maior


interação. A prioridade é a montagem das condições de viabilidade, à procura dos
parceiros ou consensos e à avaliação dos impactos, sendo a sua localização exata,

passível de mudanças durante o processo.

124
[5] o projeto-tese: a estratégia

Não se deve confundir, entretanto, o processo estratégico, gerador das


condições de implementação, com a inexistência, desde o início, do processo de

intervenção direta dos projetos urbanos.


Lembrando-se que estes vêm ganhando nova força nas duas últimas déca-
das e aliado com a forma urbana, são novamente prioritários no processo de

planejamento estratégico das metrópoles. A integração das diversas funções,


infraestrutura e edificações, supera o antigo dualismo fatal do movimento
moderno. A ênfase é colocada no novo papel do espaço público, áreas de valor

coletivo e na dimensão cultural dos espaços abertos. 30


A relação entre os setores público e privado também mudou radicalmente.
As parcerias são agora fundamentais. Atualmente, o déficit das intervenções

públicas, por escassez de investimentos, torna-as mais seletivas e estratégicas,


além de mais participativas, em parcerias público-privado, ou sociedades mistas,
buscando efeitos mais qualitativos e coletivos.31

Esse tipo de projeto urbano difere-se das demais gerações de intervenção


urbana, ainda segundo Portas, pela importância da programação, pelo
aproveitamento das oportunidades que se oferecem ou que as próprias cidades

provocam, pelos processos ou mecanismos montados para envolver os diferentes


parceiros de que depende a implementação urbanística e pela relação biunívoca,
e não apenas hierarquicamente dependente, que o projeto urbano tende a

estabelecer com o plano estratégico.32

125
[5] o projeto-tese: a estratégia

As infra-estruturas urbanas, novas ou a modernização da existente, atuam


como suporte básico de vários dos projetos urbanos contemporâneos. Viabilizam

a regeneração dos tecidos existentes, valorizando o “capital fixo urbano”, além


de estabelecer uma ligação vital entre a zona de intervenção e seu exterior: “...
por isso uma família de projetos urbanos se reduz , por estratégia calculada ou
por tática à (re) construção da infra estrutura e do espaço público que cruze áreas
de desenvolvimento ou regeneração e ligue entre si áreas deficitárias.” 33
Vários projetos urbanos recentes implementaram-se a partir do

pressuposto das infraestruturas existentes. Euralille é, certamente, o caso mais


estrondoso.
Todos os grandes projetos urbanos são suscetíveis a gerar novas

centralidades como resultado de um conjunto de ações múltiplas e não de um


único projeto. Tais centralidades caracterizam-se por serem um conjunto de
atuações concentradas e em áreas definidas como prioritárias, quase sempre

situadas em zonas fronteiriças às áreas centrais e periféricas.


O processo de recuperação urbana implementado em Barcelona, desde a
redemocratização espanhola, no início da década de 80 até o advento indutor das

Olimpíadas em 92, serve como o grande exemplo da implementação, com


sucesso, de um plano estratégico claro, onde os diversos projetos urbanos
atuaram como pólos indutores de renovação do tecido urbano local. A “metástase

urbana”, referenciada anteriormente por Borjas, Castells e Portas, mas de fato

126
[5] o projeto-tese: a estratégia

criada por Oriol Bohigas, o diretor de urbanismo de Barcelona naquele período.


Seja qual for o caso estudado, está claro que hoje buscam-se alternativas

ao urbanismo moderno e ao viés pós-modernista. Um ponto de inflexão no


pensamento urbanístico que determina novas buscas frente à complexidade da
metrópole contemporânea. O desafio de enfrentar a cidade existente, sem negá-

la: refazê-la. O urbanismo atual debruça-se então sobre a questão nova da cidade
sobre a cidade.
Não há mais modelos rígidos ou fixos. Trata-se sempre de verificar quais

as estratégias dominantes na reconfiguração das cidades existentes para


entendê-las e tomar-se um posicionamento crítico. Como já se disse, as
intervenções urbanas acabam atendendo à demandas maiores presentes na

dinâmica de forças da sociedade.


Há sempre presente uma luta pelo território entre os atores urbanos que
se colocam na sociedade. Trata-se, então, de visualizar que cidade se quer e para

quem , antes do lançamento de intervenções que o reconfigurem.

127
[5] o projeto-tese: a estratégia

BERLIM HANSAVIER
HANSAVIERTEL [INTERB
VIERTEL AU´57]: U
[INTERBA UMM CCASO
ASO PPAR
ARADIGMÁTIC
ARADIGMÁTIC O
ADIGMÁTICO

Berlim tem se convertido em campo experimental para as intervenções

urbanísticas internacionais. A cidade foi sede de quatro experimentações de intervenções

urbanas de porte desde o início do século XX até o momento. O primeiro exercício


moderno de desenhar um trecho da cidade, através da habitação coletiva, ocorreu em

1927, através do projeto “Werkbundausstellung – Die Wohnung”. O modelo moderno da

cidade-jardim, uma pequena Carta de Atenas inserida em Hansaviertel, esteve presente


na Interbau, 1957. O IBA aconteceu em 1983, fazendo a reconstrução crítica da cidade

existente com todos os viéses pós-modernistas. A “Nova Berlim” - das Neue Berlin - está

apresentando a reconstrução da cidade contemporânea destruída pela guerra, desde a


Figs. 18/19. Acima: Karl-Marx Alee, o projeto monumental stalinista de modernização de Berlim
Oriental. Lâminas habitacionais fazem a fachada urbana do grande eixo urbano que emerge de queda do muro e a reunificação alemã, em 1989. Em todos os casos a cidade abriu-se às
Alexanderplatz. Abaixo: maquete de Hansaviertel, Interbau´57: a cidade moderna corbusiana saída
da Carta de Atenas é realizada em pequena escala em Tiergarten, o parque central de Berlim. teorias urbanas internacionais do momento e chamou arquitetos , quase sempre através
(Fonte: Hasegawa, 2000/[1]).
de concursos,- estrangeiros para participarem das intervenções.
Interessa-nos comentar, com maior profundidade, o modelo da intervenção

moderna presente em Hansaviertel, pois este traz o exemplo da construção de um

território moderno em trecho destruído na guerra - um terreno vago, portanto - contíguo


à Tiergarten, o grande parque urbano de Berlim, em 1957. Pode-se, então, configurar-se

em caso pioneiro de construção de novo território sobre área urbana residual. Além disso,

apresenta aspectos que nos são de grande interesse neste trabalho, já que se configura
em exercício pioneiro também na implantação de uma cidade-jardim, o exercício moder-

no da habitação coletiva em meio a um grande parque em área central da metrópole,

ligado às suas estruturas urbanas (transporte público com o sistema de metrô de


superfície e equipamentos públicos).

128
[5] o projeto-tese: a estratégia

Fig. 5.20. Esquemas mostrando a evolução de


Hansaviertel antes da guerra: vê-se a morfologia
Hansaviertel surgiu como uma reação à construção do “Stalinallee” em Berlim
urbana berlinense típica pré-moderna; a Oriental: a construção da Karl Max-Allee e seu envoltório monumental com lâminas
destruição da área no pós-guerra; a nova
situação territorial após a intervenção moderna habitacionais, em 1961. Berlim ocidental, desejosa de construir uma nova sociedade livre
de 57.
e democrática, se apropriaria dos princípios da arquitetura moderna para espelhar essa

nova era. Esse conjunto deveria simbolizar o edifício livre, moderno e democrático, um

Fig. 5.21. A lâmina de Niemayer e a elegante exemplo contra a grandiosidade e a ordem exaltadas no “Stalinallee”.
solução da caixa de circulação vertical isolada
dando acesso ao andar de uso comunitário e à Com os bombardeios, em novembro de 1943, Hansaviertel foi destruída em 75%
cobertura. Os aptos. são duplex e possuem
de sua área. Na época, apenas 70 casas estavam intocadas. As estatísticas mostravam
acesso por escadas internas. (Fonte: Hasegawa,
2000/ [1]). que, na Berlim de 1945, de 245.000 construções, 11.3% estavam totalmente destruídas,
8.2% bastante e 9.3% parcialmente destruídas.

Hans Scharoun, na posição de conselheiro do governo, dava garantia ao

“Magistrat” berlinense de que a reconstrução da cidade ocorreria a partir de um novo


começo, no qual os projetos da capital nacional-socialista megalômana, ou das

Mietskasernen do séc. XIX, seriam esquecidos. Memória, cultura e história arquitetônica:

nenhuma linha de tradição teria ligação com o projeto moderno, formulado nos anos 20.
Depois de Scharoun deixar o projeto, foi escolhido o plano de Gerhard Jobst e

Willy Kreuer para ser desenvolvido. A escolha dos arquitetos, que trabalharam

pontualmente dentro deste plano geral, estava parcelada: um terço deveria ser de
Berlim, outro da Alemanha Ocidental e o terço final, do exterior. As intenções eram expor

a capacidade dos arquitetos berlinenses, a ligação entre Berlim e a república da

Alemanha, e a abertura de Berlim para o mundo. Apenas arquitetos modernistas foram


escolhidos sob o aval do presidente Theodor Henss.

129
[5] o projeto-tese: a estratégia

Em 1946, foi feito o plano urbano geral tendo os ideiais corbusianos da cidade-

jardim e da Carta de Atenas como referências para uma linha de ordenação abstrata, que

sugeria natureza e modernismo integrados. Hansaviertel situou-se entre parque e rio,


dois elementos da natureza, onde o limite entre esta e a construção se desfariam. As

construções restantes seriam retiradas, para que nada se impusesse como obstáculo da

sua implantação.
Hansaviertel surge como concepção de divulgação do ideal de total rompimento

com a estrutura da cidade do séc. XIX. Como objetivo dessa reconstrução estava a

redução da inaceitável alta densidade populacional nas edificações, mudanças na rede


Fig. 5.22. Vista aérea de Hansaviertel tomada do alto da Coluna da Vitória, mostrando a moradia no
viária, demolição dos blocos antigos, bolsões de estacionamento, eliminação do uso
parque, a cidade-jardim. Logo ao fundo do eixo central se vê o Portão de Brandemburgo, símbolo
da cidade, mostrando a centralidade deste território. (Fonte: [1]). misto dentro de um mesmo bloco, muitas áreas verdes, nova ocupação do solo e desenho
Fig. 5.23. A lâmina de Niemayer: no verão esta fachada transforma-se numa alegre “praia de lotes.
vertical”, tomada por guarda-sóis coloridos. (Fonte: Hasegawa, 2000).
Sob o tema “vivendo na cidade do amanhã”, foram convidados vários arquitetos

de renome internacional para projetar conjuntos residenciais: Alvar Aalto, Walter Gropius,

Arne Jacobsen e Oscar Niemeyer, entre outros, com soluções marcadamente modernas:
edifícios isolados uns dos outros, dispostos livremente em amplos espaços verdes, com

pouca conexão com o tecido urbano existente ou com a história local. Outros projetos

foram executados em diferentes pontos da cidade, como o de Le Corbusier, que construiu


uma de suas Unité d’Habitation, em Charlotemburg.

Assim, Berlim exibe um trecho de cidade moderna utópica, a cidade-jardim, a

moradia no meio do parque Tiergarten, em sua área central. São, hoje, lâminas
habitacionais de classe média muito bem cuidadas e perfeitamente integradas ao

contexto urbano berlinense.34

130
[5] o projeto-tese: a estratégia

05.2.2 Proje
ojettos urbanos ccont
Proje ontemporâneos
ontemporâneos
Mesmo presenciando-se atualmente uma crise conceitual, na qual pairam

sempre dúvidas sobre quaisquer tentativas classificatórias e de rotulação de


movimentos estéticos, parecem haver duas tendências relativamente distintas na
abordagem contemporânea dos projetos urbanos.

A primeira, pode ser exemplificada pelos projetos de reurbanização de


Barcelona e Potsdamer Platz. Independentemente de suas qualidades projetuais,
de grande rigor técnico, e de seu sucesso de público, ela representa uma postura

conservadora em termos de desenho urbano. Não há preocupação em busca do


novo ao se refazer a cidade existente e seus espaços residuais. Ao se criar novos
territórios, busca-se a continuidade da dinâmica da estrutura urbana existente.

Remetem-se a um desenho urbano preexistente na história dessas cidades. Na


verdade, pré-modernos. Pautam-se, antes de tudo, pelo rigor técnico na
implementação projetual, especialmente no desenvolvimento das peças

arquitetônicas. Definímo-la como o elogio da técnica.

A segunda, é claramente de vanguarda. Busca atingir novos padrões


estéticos. Procura dinâmicas urbanas que reflitam a complexidade da metrópole

contemporânea. Busca alternativas de intervenções que respondam às demandas


geradas pela nova lógica territorial, pela rede de fluxos, pela rede de terrenos
vagos. São exemplificadas aqui pelas obras executadas do Parque La ViIlette

(Tschumi) e de Euralille (OMA/Koolhaas) e, sobretudo, pelo projeto desenvolvido

131
[5] o projeto-tese: a estratégia

Fig. 5.24. A tese pioneira


dos Corredores Metropoli- por Daniel Libeskind para Alexanderplatz. Podem ser chamadas de especulações
tanos de Cândido Malta
posteriormente retomada urbanas contemporâneas.
nos eu trabalho para o
Eixo Tamanduathey: uma Obviamente, há experiências nacionais recentes na escala urbana. Os
das raras oportunidades
de exercício de interven- trabalhos de recuperação dos espaços urbanos não edificados, do resgate da
ções urbanas de maior
porte em São Paulo. dimensão pública que têm sido realizados nos últimos anos em algumas cidades –
(Fonte: Campos Fo., 1972).
Rio e Curitiba, principalmente – são exemplos pioneiros. Algumas cidades
iniciaram um processo de revitalização de áreas centrais deterioradas. Porém,
como já foi dito anteriormente, a prática é ainda incipiente. No que se refere aos

projetos urbanos de maior envergadura, como nos casos internacionais que temos
comentado, eles simplesmente nunca foram executados no Brasil, por enquanto.
Ou seja, impossível não se buscar o referencial internacional como base

analítica tanto no nível das idéias, quanto no estudo de casos. Obviamente, esse
referencial deve ser lido – idéias e projetos – de modo sempre crítico.
Algumas vezes, nossa realidade é tão própria que não admite

transposições imediatas. Mas, em muitas situações, o problema é,


essencialmente, o mesmo das outras grandes metrópoles. Nesses casos, deve-se
buscar subsídio através da experiência prévia.
Fig. 5.25. Plano Urbanístico Quando se pensa na cidade genérica de Koolhaas, não como uma negação
Básico para o Eixo Tamanduatey
de Cândido Malta: corredor da problemática local inerente à cada cidade, mas como a repetição essencial de
metropolitno implantado sobre
a orla ferroviária no trecho de certas dinâmicas urbanas contemporâneas, muitas de suas idéias são válidas para
Santo André. (Fonte: Eixo
Tamanduathey, 2000).
São Paulo.

132
[5] o projeto-tese: a estratégia

Quando Libeskind propõe um retorno à essência histórica do locus objeto


de análise, ele é essencial a quaisquer cidades. Libeskind propõe intervenções

urbanas que se pautam pelo resgate da convivência coletiva, da não-privatização


dos espaços urbanos. Do desenho urbano através de dinâmicas que propiciem a
riqueza e a complexidade da vida urbana coletiva do mundo contemporâneo.

Fala-se da essência de metodologia de projetos urbanos. Fala-se de idéias que


são generalizáveis.
Tschumi propõe, em última instância, a substituição da importância do

design de peças edificadas por estratégias urbanas. Programa e eventos ao invés


Figs. 5.26/5.27. Projetos urbanos para o Eixo Tamanduatey, Santo André, 1999-00: reconversão
urbanística da área entre a ferrovia e o rio historicamente ocupada pela indústria. de formas e funções. Estratégias que dinamizem novos programas para antigas
Acima: o projeto de Joan Busquets com a idéia pertinente do “tapete verde” sobre os terrenos áreas deterioradas da metrópole em substituição à revitalização historicista de
vagos.
edifícios. São, novamente, teses transportáveis para as áreas residuais de
Abaixo: o projeto de Eduardo Leira com a cidade Pirelli como motor de reconversão da área. (Fonte:
Eixo Tamanduathey, 2000).
metrópoles como São Paulo.
Mais ainda: são teses já testadas. Podem ser analisadas em estudos de

caso.
Apresentamos, a seguir, seis quadros de análise crítica de projetos urbanos
sobre a problemática comum que foi debatida ao longo deste capítulo: as áreas

residuais presentes na metrópole contemporânea. Faz-se uma análise das


diversas propostas apresentadas pelos seus autores para o enfrentamento do
desafio da intervenção na cidade existente, sem negá-la. Faz-se a crítica das

obras realizadas à luz das visitas “in loco” que foram realizadas nos últimos anos

133
[5] o projeto-tese: a estratégia

nas viagens de estudo. O projeto de Alexanderplatz, não realizado, traz


contribuição conceitual fundamental e é analisado também à luz das visitas feitas

àquele território. O último quadro aponta para dois concursos de nossa autoria,
realizados nos últimos anos, tendo como base muitos dos conceitos aqui
debatidos. Os projetos analisados são:

1. Euralille, Lille, OMA/Rem Koolhaas, 1982-89;


2. Parque La Villette, Paris, Bernard Tschumi, 1982-89;
3. Sena Rive-Gauche, Paris, vários arquitetos, 1983-;

4. Potsdamer Platz, Berlim, Renzo Piano (setor Dainler-Benz) e Helmut Jahn


(setor Sony Forum), 1993-2000;
5. Alexanderplatz, Berlim, Daniel Libeskind, 1993;

6. Concursos para a Reurbanização das Marginais (Francisco Spadoni e Carlos


Leite; 1999) e Monumento aos Imigrantes (Carlos Leite e equipe; 2000), São
Paulo.

134
[5] o projeto-tese: a estratégia

EUR ALILLE
ALILLE,, LILLE
EURALILLE LILLE,, FRANÇA
ANÇA,, O
FRANÇA MA/KOOLHA
OMA/KOOLHA AS
AS,, 1982
MA/KOOLHAAS -89
1982-89
A expansão do sistema europeu de trens de alta velocidade (TAV), no início dos
Fig. 5.28. Esquema geral do projeto de Euralille: projeto urbano que se converteu em “turning-
point” do urbanismo contemporâneo. (Fonte: Koolhaas, 1995). anos 80, possibilitou à cidade de Lille, então decadente economicamente, fazer um
grande projeto urbano em área residual existente na cidade. O prefeito promoveu um
seminário internacional de idéias com a participação de oito arquitetos, sendo quatro
franceses.
Após dois meses de estudos, cada um apresentou à comunidade de Lille a sua
concepção de intervenção urbana. O OMA (Office for Metropolitan Architecture), escritório
do então jovem e ainda pouco conhecido Rem Koolhaas, venceu o concurso/seminário
com um partido revolucionário. O projeto urbano tornou-se rapidamente um turning-point
, no urbanismo contemporâneo.
Koolhaas propôs para o terreno vago uma “Euralille” (Lille européia), onde
defendia a idéia de resistência às construções de alta densidade, sem a limitação da
função específica, favorecendo a flexibilidade programática. Além disso, Euralille
configuraria-se como uma metrópole européia a partir de suas infraestruturas, não
necessariamente pelo seu contexto imediato: as novas relações de tempo-espaço
propiciadas pelo TAV, o trem regional francês e sua estação de Lille, o metrô de Lille e a
rodovia regional (Paris-Bruxelas).
O TAV seria a mola propulsora da estruturação urbana da nova Lille, a Euralille. Os
ingleses, por exemplo, gastariam menos tempo indo de Lille até o centro de Londres, do
que ir à sua própria periferia. Euralille estaria a 59 minutos de Paris, 39 minutos de
Londres e 27 minutos de Bruxelas. Essa infraestrutura poderia criar uma metrópole
européia virtual.
2
Koolhaas propôs a construção de um mega-empreendimento de 700.000 m numa
escala urbana e tipologias arquitetônicas estranhas à Europa. A cidade dentro da

135
[5] o projeto-tese: a estratégia

metrópole, a “bigness arquitetônica”, as “sobreposições programáticas” e as “plugagens


infraestruturais” são as idéias básicas defendidas teoricamente por Koolhaas há algum
tempo e agora presentes numa intervenção real no coração da Europa.
Nos sete níveis, encontram-se as duas rodovias ampliadas, a estação do metrô,
um enorme estacionamento com 8.000 vagas, a estação do trem regional e a estação do
TAV. No espaço de ligação entre todas essas infraestruturas surge um grande centro de
infra-estrutura metropolitano com comércio, habitação, hotéis, escritórios e muito lazer: o
Euralille Center e as lâminas habitacionais e de serviços (projetados por Jean Nouvel); a
torre do Credit Lionais Français (projetado por Christian de Portzamparc); o World Trade
Center europeu (projetado por Ives Lyon); o Congrexpo(Lille Grand Pallais, com projeto do
Figs. 5.29/5.30. O Euralille Center, acima (Nouvel), as estações de TAV (SNCF), o Credit Lionais Français
(Portzamparc), o World Trade Center (Yves Lion), o viaduto Le Corbusier (OMA) e a lâmina de habitação e OMA). Todas as peças programáticas estão interligadas nos mais diversos níveis. Existe
hotel Le Corbusier (Nouvel). (Fonte: Koolhaas, 1995).
ainda um parque e uma ponte que liga o empreendimento à antiga estação de trens de
Lille (ambos levam o nome “Le Corbisier” e são de autoria do OMA).
Nas nossas três visitas ao local, nos últimos anos, pudemos avaliar de perto esse
projeto urbano. Alguns aspectos merecem atenção crítica:
- O sistema de transportes é, de fato, a alavanca de sustentação urbana do
empreendimento. A intermodalidade é total e o sistema funciona bem, atendendo ao
pressuposto inicial de conexão de uma Europa metropolitana. Configura-se num grande
pólo metropolitano. É sua maior virtude urbanística.
- Houve um claro salto de recuperação urbana, econômica e cultural de Lille após
o advento do empreendimento. A cidade, passando então por período de estagnação,
tornou-se cosmopolita. Passou a ter uma imagem de metrópole européia.
- A viabilidade do empreendimento está ainda a provar-se. A maior crítica que se
fazia ao empreendimento era o de ser megalômano, com programa gigantesco e
inevitavelmente inviável economicamente. O que se verifica hoje é (a) uma intervenção

136
[5] o projeto-tese: a estratégia

consideravelmente menor do que a incialmente prevista (apenas 3 das quatro torres


comerciais foram realizadas, em ves das 10 inicialmente projetadas); (b) uma ocupação
dos espaços alocáveis de serviços da ordem de 60%, em expansão lenta e contínua desde
a inauguração em 1989.
- Há uma falha grotesca de concepção projetual ao se deixar o Congrexpo
totalmente isolado do restante do conjunto (só é alcançado de automóvel), quando as
interconexões programáticas eram um dos pressupostos projetuais claros. O problema foi
parcialmente corrigido em 2001, com algumas obras de acesso ao pedestre.
- A arquitetura genérica de Koolhaas - o que importa são os programas e as
ligações infraestruturais urbanas e não a estética da arquitetura - de fato ocorre e, por
vezes, assusta. O OMA, além da estratégia urbanística, projetou apenas duas peças
Figs. 5.31 a/b/c. Vistas aérea de Euralille, do 1o. estudo à construção final. (Fonte: A+U, 2000, p.225).
arquitetônicas: a ponte Le Corbusier e o Congrexpo. A ponte configura-se em projeto
arquitetônico elegante, com estrutura mista constituída de laje de concreto e apoios em
arcos de aço, pousados em imenso espelho d´água. Já o Congrexpo (a “bigness”
arquitetônica de Koolhaas) com programa tripartite de área de exposições, congressos e
sala de espetáculos com 5.000 lugares, configura-se em obra sem qualquer requinte de
detalhamento construtivo e estética duvidosa, dada à sua enorme escala e escolha de
materiais bastante rústicos (concreto aparente sem qualquer tratamento de formas,
telhas de policarbonato verde e peças metálicas pouco detalhadas).
- Fica evidente a necessidade de um olhar histórico para um empreendimento
deste porte numa cidade de porte médio (350.000 habitantes). Deve-se lembrar que o
“gigantismo programático” visa atender uma demanda européia e não local e que o
passar dos anos pode ou não determinar um maior sucesso de viabilidade econômica e
sucesso de publico, já que o empreendimeno está inexoravelmente ligado ao sistema do
TAV e este ainda se encontra em fase de expansão pelo território europeu.

137
[5] o projeto-tese: a estratégia

PPARQUE
ARQUE LA VILLE
VILLETTTE
TE,, PARIS
PARIS,, FRANÇA
ANÇA,, BERNARD TSCHU
FRANÇA MI, 1982
TSCHUMI, -89
1982-89

O projeto do Parque La Villette é um dos mais importantes projetos urba-


nos contemporâneos. Apresenta abordagem conceitual absolutamente inovadora
como concepção de parque programático e, sobretudo, como resgate de antiga
área deteriorada periférica em Paris. Novamente, intervenção em terreno vago. O
concurso, de 1982, contou com a presença de Burle Marx no júri e apresentou a
emergência de dois arquitetos com trabalhos fortemente inovadores, referências
o.
obrigatórias para esse tema: Tschumi e Koolhaas (ficou em 2 lugar).
Em área de 125 ha, no nordeste de Paris, onde se situava o antigo mata-
douro público de Paris, Tschumi implementa uma nova articulação territorial. Sem
Figs. 5.32/5.33. qualquer abordagem contextualista, cria nova territorialidade na antiga área
A estratégia de ocupação do território
(antigo terreno vago na periferia de residual, mantendo-a muito mais como respiro da cidade do que como novo
Paris): níveis de desenho que se
sobrepõem: território construído. Articula-o, no entanto, às bordas com extremo zelo e
a) superfícies (água e verde);
b) pontos (“folies” programáticas); integra-o à paisagem parisiense pelo contraste e uso de massa (mais ou menos
c) linhas (percursos).
(Fonte: GA Document Extra 10). como Pompidou fez no centro de Paris, duas décadas atrás).
O conceito central do trabalho é o cruzamento de três níveis estratégicos
(layers conceituais) que se sobrepõem: superfícies (água e vegetação); linhas
(percursos); pontos (o grid urbano com pontos de pequeno programa, as
“folies”).
A idéia da cidade-evento, a definição da arquitetura como espaço simultâ-
neo de sobreposições de programas e eventos, a mediação abstrata e a estraté-
gia na implementação de projetos urbanos, a desprogramação, justaposição e

138
[5] o projeto-tese: a estratégia

transprogramação arquitetônica dos grandes equipamentos da cidade são pontos


conceituais com os quais Tschumi já vinha trabalhando em seus artigos e agora
estão presentes nesta intervenção urbana.
Tschumi procura por um intermediário entre a intervenção por
palimpsesto (a colagem historicista), o preenchimento dos vazios urbanos, a
composição arquitetônica complexa e a desconstrução do existente através da
análise crítica de “layers históricos”. Desenvolve um sistema abstrato para se
mediar entre o sítio e outros conceitos, para além da cidade e do programa (uma
mediação).
Tschumi considerou que os elementos do programa seriam intermutáveis e
Figs. 5.34/5.35. As imagens revelam o parque construído: superfícies de águas e verdes, percursos
(marquises e passarelas) e as folies (pequenos programas). Considerand0-se o intenso uso público do
que as prioridades poderiam ser alteradas. Uma parte poderia substituir a outra,
espaço, nçao deixa de ser impressionante a força da sua concepção. (Fonte: www.la-villette.com/plan/
plan4.htm/ [1]).
ou um programa poderia ser revisto. Dessa maneira, a identidade do parque
poderia ser mantida, enquanto as lógicas circunstanciais e a política institucional
poderiam ter seus cenários independentes. As circunstâncias gerais do projeto
foram as de determinar uma estrutura organizadora que iria existir independente
do uso; uma estrutura sem centro ou hierarquia, uma estrutura que iria negar
uma relação casual entre o programa e a arquitetura resultante. Assim nasce a
rede de pontos (“folies”) que define a estratégia básica de ocupação do
território novo.
Conforme Tschumi:
“Nós tínhamos que projetar um parque: a rede de pontos era antinatural.
Nós tínhamos que preencher um certo número de funções: a rede de pontos era

139
[5] o projeto-tese: a estratégia

antifuncional. Nós tínhamos que ser realistas: a rede de pontos era abstrata. Nós
tínhamos que respeitar o conceito local: a rede de pontos era anticontextual. Nós
tínhamos que ser sensíveis aos limites do local: a rede de pontos era infinita.
Nós tínhamos que ter conhecimentos prévios de paisagismo: a rede de pontos
não tinha origem, se abria em uma infinita recessão dentro de imagens e sinais.”
35

Nas “folies” está todo o programa de uso “fechado” e pontos de apoio do


parque: informações, sanitários, pontos de observação e mirantes, postos
policiais, lanchonetes e cafés, play-grounds infantís, etc.
As superfícies determinam os usos abertos. Os caminhos fazem as ligações
entre as diversas partes, inclusive as peças arquitetônicas de porte: a estrutura
Figs. 5.36 a/b. Imagens de todo o território ocupado pelos “4 grids” de Tschumi. Fonte: [1]).
metálica do antigo matadouro, única referência do antigo uso, virou área de
exposições e foi criado um grande centro cultural. Na entrada principal situam-se
a Cidade da Música e o Conservatório Nacional de Míusica, ambos projetados por
Christian de Portzamparc.
Nossas visitas ao local nos últimos três anos revelaram, acima de tudo,
que sendo o território basicamente uma grande área de recreação programática
de massa, não deixa de ser impressionante a força de sua concepção após dez
anos de intenso uso público.

140
[5] o projeto-tese: a estratégia

SENA RIVE- GA
RIVE-GA UCHE (Z
GAUCHE AC AUS
(ZA TERLIT
TERLITZZ-TOLBIA
AUSTERLIT TOLBIACC-MASSÉNA); PARIS; 1990
Trata-se de típica área residual, terreno vago, à leste do rio Sena em Paris, onde
historicamente os terrenos foram ocupados por usinas, galpões e armazéns, além de

imenso pátio ferroviário (XII e XIII arrondissements).

Desde 1977 a prefeitura de Paris vinha elaborando idéias para a reurbanização


dessa área, Sena Rive Gauche, que, pela sua escala (130 ha) transfomaria-se no maior

projeto urbano de Paris. Deve-se lembrar ainda que toda a área pertence ao sítio

tombado como Patrimônio Mundial da Unesco.


Após a realização dos Grandes Projetos da era Miterrand, na década de 80, a

prefeitura criou o Semapa, grupo especial para o desenvolvimento desse projeto,

constituído pela parceria de três setores distintos: o poder local, a SNCF (Sociedade
Figs. 5.37/5.38. Acima: vista aérea da área de Sena Rive-Gauche antes da itervenção: antiga área
industrial e pátio ferroviário. Abaixo: maquete de Paris mostrando as intervenções mais recentes Nacional de Estradas de Ferro) e investidores privados.
sempre presente no Pavillon de L’Arsenal para discusão pública. Vê-se em destaque a área de Sena
Rive Gauche. (Fonte: Techniques & Architecture, 1993. p.4/[1]). Através de carta-convite, alguns arquitetos apresentaram seus ante projetos para

a renovação da área deteriorada. Após vários debates, definiu-se a separação da área em


três setores homogêneos, que constituíram uma “ZAC” (zone d’amanagement concertée).

Austerlitz: ao redor da estação de trem de Austerlitz, junto ao centro histórico. Tolbiac:

nas imediações da área hoje dominada pela nova Biblioteca Nacional (obra de Dominique
Perrault), oposta ao novo Parc Bercy (de Bernard Huet), na margem oposta do rio Sena.

Masséna: um grande quadrilátero de 15 ha ocupados por galpões industriais.

Em 1993, foram chamados a apresentar propostas para a renovação da área de


Austerlitz dez arquitetos, sendo cinco franceses: Kenzo Tange; Renzo Piano; Norman

Foster; Dusapin & Leclercq; Chaix & Morel; Bertrand Warnier; Bornell, Gil & Lucan; Rudolph

Luscher; Valode & Pistre e Jean Nouvel.

141
[5] o projeto-tese: a estratégia

Norman Foster apresentou um desenho urbano homogêneo e tradicional (quadras

abertas), porém diverso da tipologia do contexto urbano imediato; programa baseado nos

serviços e maçiço investimento privado; uma nova centralidade através de grande


esplanada sobre o eixo ferroviário enterrado.

Renzo Piano assume a existência do eixo ferroviário e, negando-se a escondê-lo,

desenvolve uma grande cobertura de vidro sobre ele. Trata-se de um “prolongamento


transparente e luminoso da Gare D’austerlitz”. Essa imensa praça de vidro articula o

restante do tecido urbano proposto – habitação e escritórios em escala e tipologia não

destoantes do contexto local.


Fig. 5.39. Implantação esquemática da área de Sena Rive-Gauche, mostarndo as 3 áreas que
compõem a ZAC Austerlitz-Tolbiac-Massena e as ligações de metrô e RER com o entorno imediato. Kenzo Tange propõe mais um grande eixo monumental para a cidade de Paris,
(Fonte: Techniques & Architecture, 1993. p.40).
com 70 metros de largura. A partir daí, surge uma malha urbana retangular com edifícios
Fig. 5.40. Estudo de possível omplantação urbanística criando-se nova área verde na área de escritórios, construindo a fachada urbana do eixo monumental. Na faixa interna,
conectando-a ao Parc Bercy, à outra margem do Sena. No centro, o grande equipamento: a
Biblioteca de Paris de Dominique Perrault. (Fonte: Techniques & Architecture, 1993. p.40). dando continuidade à cidade existente, propõe habitação de baixa densidade.

Jean Nouvel apresenta a única proposta que coloca um olhar especulativo para a

área, apresentando a idéia de alteração radical de uso e imagem. Nouvel nega-se a fazer
um plano baseado nos ideais dos especuladores e não edifica o território. Sua idéia é da

criação de um grande coração verde. Um parque de 40 ha. Uma floresta urbana que

articula os poucos edifícios existentes e engloba a nova Biblioteca de Perrault. Nas


bordas, surgem habitações em estrutura de grande densidade (lâminas). A ferrovia é

enterrada e surgem novas vias expressas, também subterrâneas.

Passados vários anos de intenso debate, o grupo estatal de projeto adotou seu
próprio projeto urbano, mesclando várias das idéias propostas - exceto as de Jean Nouvel

142
[5] o projeto-tese: a estratégia

- e atualmente desenvolve-se, no local, a construção de habitações, comércio e serviços

ao lado da Biblioteca Nacional. As tipologias são próximas àquelas típicas do que vem

sendo projetado para outras áreas de Paris. Na área do antigo pátio ferroviário executa-
se, no momento, grandes obras viárias e de infraestrutura.

Ou seja, após muito debate e especulação, adotou-se o partido conservador de

construir no terreno vago. Preencher o vazio com novas construções, próximas ao


contexto local.

O projeto desenvolvido por Nouvel , presente nas imagens ao lado, surge como

possibilidade concreta de um novo olhar para a problemática do terreno vago. Deixá-lo


como um respiro urbano. Um oásis verde de grande intensidade que englobaria os

equipamentos de grande porte - Biblioteca e estação ferroviária - criando um novo

território na paisagem parisiense. As bordas seriam definidas pelo programa requerido -

Figs. 5.40/5.41/5.42. Jean Nouvel polemiza no debate em Paris para a intervenção no vazio habitação, comércio e serviços - com nova tipologia arquitetônica. Uma abordagem
urbano: ao invés do seu preenchimento com peças arquitetônicas, surge a presença da floresta
urbana. A maquete apresenta a floresta urbana ocupando a área residual, emglobando os contemporânea para um problema contemporâneo.36
equipamentos urbanos (Biblioteca de Paris, à direita, e as estações) e criando bordas
arquitetônicas com lâminas habitacionais de média densidade. (Fonte: Techniques & Architecture,
1993. p.40)/ [1]).

143
[5] o projeto-tese: a estratégia

Fig. 5.43. A implanta- PO TSD


POTSD AMER PLA
TSDAMER PLATTZ, BERLIM; 1991; HILMER & SA
SATTTLER (PLANO URB ANO GER
URBANO AL); RENZ
GERAL); O
RENZO
ção do plano urbano PIANO E CHRISTHOPH KOHLBE
CHRISTHOPH CKER (SE
KOHLBECKER (SETTOR DAIMLER -BENZ); HELMUT JAHN (SE
DAIMLER-BENZ); (SETTOR SONY
geral da nova FORU M)
FORUM)
Postadmer Platz:
recuperação do Berlim é a cidade do momento: a cidade do século XXI, como lá se diz. O maior
desenho urbano
tradicional com canteiro de obras do mundo converte-se automaticamente em laboratório urbano ímpar.
programa contemporâ-
neo. (Fonte: [1]). Incontáveis concursos internacionais são realizados continuamente para reconstruir áreas

urbanas destruídas na guerra. Áreas residuais e terrenos vagos abundam pela cidade e,
desde a reunificação alemã, são frutos de propostas de intervenções urbanas. À cada

urban design master plan correspondem vários novos concursos para o desenvolvimento
dos respectivos elementos arquitetônicos. A “Nova Berlim” (das neue Berlin): cidade
internacional multifacetada tentando (ainda) dirimir os destroços da guerra.
Fig. 5.45. O novo portal urbano de Potsdamer
Figs. 5.44. A multi-funcionalidade programática Platz. Cartão de visitas da Nova Berlim, A reconstrução das grandes feridas urbanas pós-guerra e pós queda do muro de
proposta abrange habitação, comércio, serviços e marcado pela torre de vidro da Dainler-Benz,
muito lazer (hotel, cassino, teatro, cinemas, Imax, desenhada por Piano em referência à original Berlim, iniciou-se pelo ponto nevrálgico da vida urbana berlinense: a tradicional
etc. (Fonte: Piano, 2000). de Mies (1927). (Fonte: [1]).
Potsdamer Platz, praticamente toda transformada em terreno vago após a guerra.

Após concurso internacional para seleção do masterplan, o projeto conservador

dos alemães Hilmer e Sattler foi escolhido vencedor. O projeto propõe a reconstrução da
cidade original, com mix de usos e baixa densidade. O desenho urbano procura

reproduzir a forma urbana anteriormente existente, criando como novidade apenas um

novo portal urbano junto à Leipziger Platz, com torres de grande altura.
Sob grande polêmica internacional, na qual as vozes dissonantes mais severas

foram as de Koolhaas (“projeto pequeno-burguês e provincial”), Oswald Mattias Ungers

(autor do projeto que ficou em segundo lugar; chamou o plano vencedor de retrógrado e
conservador) e Libeskind (autor da proposta mais ousada, totalmente avessa ao

144
[5] o projeto-tese: a estratégia

historicismo do vencedor), a área acabou sendo privatizada pelo governo alemão. Um

trecho foi comprado pelo grupo alemão Daimler-Benz e o outro pela multinacional

japonesa Sony. Os investidores chamaram então Richard Rogers para retrabalhar o


masterplan. Este apresentou uma idéia de “renovação urbana cuidadosa” que, no
entanto, também não vingou nas incansáveis discussões no parlamento alemão. Em um

terceiro momento, os investidores resolveram se separar e seguir caminhos próprios.


Foram então estabelecidos projetos urbanos separados para os dois setores, Dainler-Benz

e Sony Forum.

Comentamos os respectivos projetos urbanos à luz de nossas visitas nos útimos


três anos à Berlim, o que nos possibilitou acompanhar a inauguração pomposa da área

Figs. 5.46/5.47 Postadmer Platz, trecho Dainler-Benz: projeto urbano de Renzo Piano que resgata a renovada em julho de 1999 até as obras finais das infraestruturas em julho de 2001.
morfologia urbana tradicional berlinense com a inserção de peças arquitetônicas cuidadosamente
projetadas por vários arquitetos como Richard Rogers em lâminas de serviço e habitação(abaixo). Acima, O se
settor Daimler
Daimler -Benz
-Benz:: RRenz
aimler-Benz enz
enzoo Piano
o grande espelho d´água que atua no “eco-friendly design” (Fonte: [1]).
A Daimler-Benz realizou um concurso fechado e o projeto urbano vencedor foi

desenvolvido por Renzo Piano e Christopher Kolbech. Conta com a participação de Hans

Kollhoff, Rafael Moneo, Richard Rogers e Arata Isozaki, além dele mesmo no,
desenvolvimento das diversas peças arquitetônicas.

Trata-se de um desenho urbano clássico, mesmo porque remete-se ao masterplan

de Hilmer e Sattler. Resgatam-se todos os referenciais urbanos originais da área, inclusive


citando passagens históricas e simbólicas de Potsdamer Platz. O edifício que marca a

entrada da área, uma torre de escritórios e pele de vidro, é uma referência ao edifício de

vidro de Mies van der Rohe para a mesma área, projetado em 1927 e nunca executado.
A proposta resgata o desenho urbano tradicional de Berlim, com edifícios-quadra

145
[5] o projeto-tese: a estratégia

em volta de uma rua comercial coberta (o arkaden mall), com fachadas internas. É um

complexo de 550.000 m2 de área construída, com um mix total de usos e programas para

a sociedade contemporânea: habitação, serviços, cinemas (todos os tipos: 3D, IMAX, etc.),
comércio, teatro, cassino e todo tipo de lazer urbano.

O projeto urbano apresenta parâmetros relacionados ao desenvolvimento urbano

sustentável e alta tecnologia, como o sistema de abastecimento e tratamento das águas


que, dos grandes espelhos d’água aos reservatórios dos edifícios, trabalham de forma

integrada e otimizada. Eco-friendly design.

Piano realiza, como sempre faz, um trabalho acima de tudo pautado pela
sobriedade estética e refinamento técnico, execução cuidadosa e requinte tecnológico.

Trata-se, claramente, de uma arquitetura de alto nível, tecnicamente brilhante e muito

bem executada, não apenas nos edifícios de Piano, como nos demais, sempre estrelas
Figs. 5.48/5.49. Vistas aéreas - maquete e obra - de Potsdamer Platz. (Fonte: Piano, 2000).
internacionais da arquitetura em parceria com escritórios locais.
As críticas que surgiram desde o anúncio do projeto até a sua

inauguração pomposa em dezembro de 1999, referem-se, basicamente,

à privatização do tecido urbano. O antigo nó urbano de Berlim, ponto


de encontro coletivo, converteu-se em domínio de duas grande

empresas transnacionais. O território urbano foi comprado, privatizado.

O programa realizado é típico do mundo globalizado do final do século


XX, o lazer urbano abundante e totalmente privado e de acesso

controlado.

Não se pode deixar de constatar também a preocupação de

146
[5] o projeto-tese: a estratégia

Piano em criar espaços de convivência coletiva – diz-se que a Daimler-Benz escolheu o

seu projeto por apresentar “clara preocupação humanística”.


O se
settor Son
Sonyy FForum:
orum: Helmut Jahn

O outro trecho de Potsdamer Platz foi comprado pela multinacinal japonesa Sony,

que ali instalou sua sede européia e realizou um centro contemporâneo de

entretenimento privado, sutilmente denominado Sony Forum.


Para realizar todo o trabalho – desenho urbano e peças arquitetônicas – foi

chamado o arquiteto alemão radicado em Chicago, Helmut Jahn, sócio de uma grande

corporação típica norte-americana, a Murphy/Jahn. Ele teve liberdade para produzir um


desenho urbano homogêneo (já que não precisou demandar trechos da área para outros

profissionais, como Piano) e de maior liberdade formal.


Figs. 5.50/5.51. O setor da Sony Forum, de Helmut Jahn: desenho urbano mais homogêneo - um
único arquiteto desenhou toda a área - com reinterpretação da quadra urbana berlinense e Articulado em torno de uma grande praça coberta (estrutura de aço tensionada) -
arquitetura “americanizada”. (Fonte: [1]).
o “forum”- os edifícios possuem uso mixto, porém, com enorme ênfase no lazer e

entretenimento voltado para as mídias de vídeo e cinema.

As fachadas em pele de vidro sobre edifícios em estrutura de aço são típicas da


transparência dos anos 90 e o desenho urbano procura fazer uma reinterpretação não

radical da quadra urbana berlinense, apresentando edifícios no seu perímetro com

fachadas internas diferentes das fachadas externas (mais urbanas). O pátio interno
converte-se em fórum central coberto, semi-público e converge toda a gama de

entretenimento da sociedade contemporânea.

Arquitetura bem executada de “padrão norte-americano”, converteu-se, desde a


sua inauguração em janeiro deste ano, num dos maiores pontos de encontro dos

berlinenses; de noite e de dia.

147
[5] o projeto-tese: a estratégia

ALEXANDERPLA
ANDERPLATTZ, BERLIM
ALEXANDERPLA BERLIM:: [HANZ KOLHOFF
KOLHOFF,, 1993]; DANIEL LIBESKIND

O concurso para a reurbanização da tradicional Alexanderplatz, o maior de


Berlim, foi provavelmente o mais polêmico concurso contemporâneo. Imensos
debates se seguiram à divulgação do resultado, tanto no parlamento alemão,

quanto no meio urbanístico e a mídia especializada.


O projeto vencedor, de Hans Kolhoff, trata de aniquilar a cidade existente,
praticamente faz tábula rasa do tecido urbano, preservando alguns poucos

edifícios históricos e redesenhá-la com princípios que vão de um resgate


arquitetônico historicista a um desenho urbano pós-moderno e conservador.

Fig. 5.52. Vista aérea de Alexanderplatz no pós-guerra: o principal nó urbano de Berlim tem Imprime um ar nova-iorquino ao coração de Berlim. É o projeto do mercado
recebido intervenções arquitetônicas continuamente: de Shinkel à Scharoun, do eixo satalinista de
Karl-Marx Alee à americanização da área proposta por Kolhoff. (Fonte: Hasegawa, 2000). imobilário mais avassalador. Símbolo da privatização dos espaços públicos de
Berlim.
Num concurso que contou com mais de 800 trabalhos inscritos, o projeto
Fig. 5.53. A proposta vencedora, de Hans Kolhoff: nega-se a cidade existente, imprimindo uma
tabula rasa modernista e gerando um padrão “nova-iorquino” à tradicional Alexanderplatz. Limpa- de Daniel Libeskind ficou em segundo lugar por apenas um voto. Como disse
se o passado que se quer negar (a ocupação alemã oriental e o seu desenho urbano monumental
stalinista, gerando outro padrão externo à história alemã.(Fonte: AU 65). Libeskind, “nunca um voto representou tanta diferença conceitual...” 37

Interessa-nos aqui comentar a proposta inovadora de


Libeskind, já que esta, diferentemente da proposta vencedora,

trata do problema da intervenção na cidade existente de modo


contemporâneo. Restaura a cidade existente, sem negá-la. Faz

148
[5] o projeto-tese: a estratégia

Figs. 5.54/5.55. A proposta


que ficou em 2o. lugar no isto em área extremamente complexa - nó urbano de maior importância em
maior concurso de Berlim, de
Libeskind: gera nova dinâmica Berlim - de modo delicado e rico, procurando criar uma nova ambiência urbana
urbana a partir da cidades
existente, sem negar nehum através do somatório dos diversos momentos históricos que constituíram aquele
de seus momentos históricos.
Soma-se, ao invés de trecho da cidade. O novo programa vem somar-se à cidade existente,
substrair. A complexidade da
nova ambiência urbana é subvertendo a ordem presente e gerando uma rica morfologia urbana através de
condizente com o programa
contemporâneo. (Fonte: fragmentos que se ligam à fábrica urbana pré-existente.
Libeskind, 1996).
O trabalho de Libeskind é, assim, radicalmente moderno. Cria uma nova
dinâmica urbana gerada a partir da cidade existente, do seu desenho e de sua

história. Sem linguagens historicistas, resgata-se a verdadeira história do lugar:


“delinear o invisível nas bases do visível”, conforme Libeskind.38
Libeskind parte da geração “desarticulada” de novos espaços públicos que

se “plugam”, ou são gerados a partir de estruturas edificadas existentes.


Subverte usos e símbolos do establishment e desestabiliza os padrões
urbanísticos vigentes.

Na tentativa de sempre incorporar o novo ao existente, criam-se novos


elementos de transição. Espaços não pré-programados.
Sobre o eixo central da Karl-Marx Allee, lança-se uma barra horizontal

cultural/de lazer, o Alexandrium. No meio da Alexanderplatz, surge um novo


marco urbano, o Euroforum. Um eixo verde transpassa as quadras existentes,
prolongando a intervenção contemporânea para além da área central (um

149
[5] o projeto-tese: a estratégia

Fig. 5.56. Vista do nó central de Alexandreplatz, com seus marcos que ocupam o imaginário de
Berlim: a torre de TV e a Alexanderplatz Banhoff. Libeskind cria nova dinâmica urbana sem retirar elemento mediador). Os antigos complexos habitacionais da ex-Alemanha
nenhuma peça arquitetônica pré-existente - “o tempo atual já pertence à história” e a hstória do
lugar não se nega, incorpora-se ao desenho contemporâneo. (Fonte: Libeskind, 1996) Oriental são revitalizados (não negados, como fez Kolhoff)..

A explosão de fragmentos edificados, gerando uma aparente desordem


urbana, é, na verdade, fruto de cruzamento de várias matrizes simbólicas e
históricas que geram esta nova escritura no território. O reagrupamento de peças

é consequência e causa da nova dinâmica programática da metrópole


contemporânea.
Os espaços vazios são ocupados de modo inusitado. A dinâmica urbana

ultrapassa as cotas tradicionais. Ocupa-se o espaço aéreo com uso privado e o


espaço privado com uso público. A forma urbana final,- cujos desenhos que a
representam são, muitas vezes, de difícil compreensão à primeira vista, é

propositadamente complexa: reflete a complexidade presente na cidade


contemporânea.
Trata-se sempre de um processo, de uma estratégia de ocupação urbana e

não mais de um plano urbano rigoroso. Conforme o autor:


“Numa sociedade democrática, deve-se saber reconhecer que a

arquitetura reflita as diversas, e, por vezes, contraditórias visões do mundo. Esta


é uma alternativa à tradicional idéia do planejamento que implica continuidade
baseada na projeção. Este é um enfoque que trata a cidade como uma estrutura
poética e envolvente.” 39

150
[5] o projeto-tese: a estratégia

CONCURSOS DE REURB ANIZ


REURBANIZ
ANIZAAÇÃO D AS MARGINAIS
DAS MARGINAIS,, SÃO PPA
AULO, 1999
ULO 1999,, E DO MONU
MONU MENT
ONUMENTO AAOS
MENTO OS
IMIGRANTES
ANTES,, SÃO PPA
IMIGRANTES AULO, 2000
ULO 2000,, CCARL
ARLOS LEITE
ARLOS

Concurso par
paraa a rreurbaniz
eurbaniz ação das mar
eurbanização ginais (F
marginais (F.. Spadoni e CC.. Leit e)
Leite)
O conceito básico da intervenção foi o de refazer a cidade a partir de suas
estruturas. Anular os resíduos urbanos, reconstituindo-os como uma totalidade para
a cidade através da paisagem urbana.
Tratava-se de lançar um olhar abrangente, metropolitano, para a reestruturação
urbana e paisagística das marginais. Ambicionou-se a constituição de um eixo verde com
42 km de extensão, que respondesse à degradação ambiental da várzea e a qualificaria,
com sua extensa rede de eventos, como o grande espaço público metropolitano.
As estruturas resultantes do processo de urbanização de São Paulo deveriam ser a
matéria-prima para a transformação da cidade. São a sua atual geografia e foram consti-
tuídas a um custo histórico e social impossível de ser desconsiderado por qualquer pro-
cesso que implique em sua alteração.
Figs. 5.56/5.57/5.58. A proposta, 2a. colocada no concurso
nacional, apresentou o conceito de um urbanismo dinâmico, A geografia dos vales dos rios Pinheiros e Tietê, atualizada por suas vias expres-
gerada aprtir de 4 matrizes urbanas superpostas. Propôs uma
sas, compõe uma imagem periférica dentro do tecido da cidade: grandes distâncias,
nova territorialidade metropolitana no eixo dos rios que
desenharam a cidade. Um eixo verde de grande porte - a velocidade, delimitação de fronteiras. Esta composição mostra um problema em três
floresta urbana - seria a principal matriz definidora deste
território. (Fonte: [1]). segmentos. O rio, as vias expressas e os territórios desconexos: os públicos , margens e
canteiros, e os privados: a faixa de urbanização lindeira.
Consideramos essa intervenção como o enfrentamento de cada um destes seg-
mentos em seus valores e escalas intrínsecos, que, no conjunto, pudessem compor o
cenário da requalificação urbana. A constituição de densa área verde envolvendo o rio e
as marginais - não destinada ao uso local, mas à constituição de uma paisagem de
fruição metropolitana. A recuperação dos rios. A otimização dos fluxos. A ocupação

151
[5] o projeto-tese: a estratégia

organizada das franjas urbanas.


A proposta de intervenção propôs um processo de urbanismo dinâmico através da
organização de quatro matrizes urbanas complementares que se sobrepõem e abrem a
possibilidade de desenhos múltiplos dentro de suas várias combinações. Uma nova dinâ-
mica urbana, mais flexível às demandas e aos programas múltiplos da metrópole con-
temporânea. As matrizes priorizaram a idéia da recuperação ambiental da várzea, através
da implantação de um projeto florestal que se completou por propostas para os sistemas
de fluxo; infra-estrutura e de novos usos e ocupação para as áreas lindeiras.40
Concurso par
paraa o monument
monumentoo aos imigrant
imigrant es (C
antes (C.. Leit
Leitee e equipe)
Em um território ainda não urbanizado, sem referências geográficas ou
construídas, exceto a Rodovia dos Imigrantes, procurou-se criar uma territorialidade
com forte significado.
Nossa resposta ao edital, que requeria um monumento, foi a de criar uma
estratégia para um “território-memorial”.
A sucessão de seis peças-monumento e uma estratégia clara para a ocupação de
Fig. 5.60. Simulação eletrônica da floresta urbana implantada na Merginal Tietê. (Fonte: [1])
todo o território determinaram um memorial ao imigrante, a ser percorrido e
Fig. 5.61. A proposta do Monumento aos Imigrantes de São Paulo, 2a. colocada no concurso
vivenciado pelos visitantes. Um projeto que se constituiu a partir de uma narrativa.
nacional, propôs a criação de um território dotado de forte significado simbólico em uma terra de
ninguém, paisagem insólita que gnharia uma nova inscrição territorial (Fonte: [1]). Cada peça teria seu significado específico: a caixa de entrada e o ritual de
passagem; o jardim de aço e o percurso do descobrimento; o museu aberto e a
possibilidade de novas conexões; a barra de transição e a percepção da mudança; a
floresta-cafezal e a construção do progresso; a coluna-farol e o símbolo da
integração e vitória.
A força da nova territorialidade gerada a partir de uma “terra de ninguém”,
insólita paisagem, estava na inscrição de uma nova escritura no território, na
consolidação de uma nova paisagem.

152
[5] o projeto-tese: a estratégia

05.3 As estruturas urbanas e a construção de


uma nova territorialidade metropolitana
05.3.1 Urbanismo dinâmic
dinâmicoo
A arquitetura e a cidade contemporâneas devem ter a plasticidade que as
permitam acomodação às articulações da rede de fluxos, aos terrenos vagos, à

nova dinâmica presente no território desarticulado. Plasticidade formal e


flexibilidade programática são imperiosos no urbanismo contemporâneo.
Há uma liquefação do espaço urbano que exige uma nova abordagem

frente tal complexidade. Tschumi descreve a situação:


“A velocidade expande o tempo contraindo o espaço, nega a noção da
dimensão física. É claro que o ambiente físico ainda existe. Mas a aparência da
permanência (prédios sólidos, feitos de concreto e vidro) são lentamente
desafiados por representações de sistemas abstratos. Desde a televisão aos
aparatos eletrônicos, etc. A arquitetura está completamente sujeita a
reinterpretações. De jeito nenhum a arquitetura pode ter hoje um significado
permanente. Igrejas viram cinemas, bancos viram restaurantes, fábricas viram
estúdios, túneis do metrô viram casas noturnas e ,algumas vezes, casas noturnas
viram igrejas. A suposta relação de causa e efeito entre forma e função ficou para
sempre condenada no dia em que função tornou -se tão transitória, quanto as
lojas e imagens da mídia para as quais a arquitetura aparece agora como um
objeto tão em moda.” 41

153
[5] o projeto-tese: a estratégia

Não há como trabalhar com métodos tradicionais. Não há modelo urbano


ortodoxo que resista às demandas deste território dinâmico, complexo, mutante.

Trata-se de situação, portanto, muito diversa da firmitas vitruviana ou do rígido


funcionalismo modernista. Exigem-se novas metodologias.
Apesar das decisões de projeto serem largamente baseadas em modelos

urbanísticos, nas teorias normativas e modelos teóricos que estão presentes em


cada momento histórico, como vimos anteriormente, Lynch lembra com precisão
em artigo paradigmaticamente entitulado City Models and City Design:

“nenhuma discussão da forma da cidade pode ignorar o papel do projeto...”


Desde a década de 80 - e o urbanismo dinâmico que se vislumbra para as
intervenções contemporâneas não foge à regra - o projeto urbano deve se

preocupar com a reconfiguração do território de modo flexível: “’City design” é a


arte de criar possibilidades de uso, arranjo e forma do território...Trabalha com as
qualidades, conexões complexas e ambigüidades.” 42
Um urbanismo dinâmico: volátil, mutante. Estratégico ao invés de formal;
flexível, ao invés de rígido. Um urbanismo de estratégias que gere projetos
urbanos com mecanismos de auto-regulamentação, de interação e ajuste durante

o processo. Morfologias abertas e interativas. Que possua alguns critérios


mínimos como as leis que organizem o processo mutante, a estratégia. Que
possua limites permeáveis, relações internas flexíveis, hierarquias fluídas.

Neste âmbito, este modelo de urbanismo flexível deve comportar um

154
[5] o projeto-tese: a estratégia

processo participativo junto à comunidade local. Várias metodologias nesse


sentido já foram apresentadas e testadas desde a década de 60, quando surgiu o

desenho urbano enquanto campo disciplinar. Algumas delas nos parecem hoje
superadas, frente à complexidade da metrópole contemporânea e à escala dos
novos projetos urbanos. Dificil imaginar projetos urbanos do vulto da construção

de uma nova territorialidade, como se imagina por exemplo para a orla


ferroviária paulistana, ou qualquer dos projetos apresentados anteriormente,
absorvendo no seu desenvolvimento processos participativos do tipo de análises

perceptivas, tais como desenvolvidas por Alexander, Cullen ou Lynch. Porém, a


discussão democrática junto aos vários agentes atuantes no âmbito do território
objeto de intervenção, durante as várias fases do processo de desenvolvimento

do projeto, encontra-se em uso em vários momentos dos projetos urbanos


contemporâneos.
Vale lembrar da participação comunitária, através de vários tipos de

workshops, entrevistas com moradores e apresentação pública de projeto, em


fases intermediárias de desenvolvimento, realizados, por exemplo, em
intervenções urbanas tão diferentes quanto aquelas do Rio-Cidade ou do

Rotterdam Central Ontwerp Materplan, conduzido por Will Alsop na reorganização


urbana da área central de Roterdã em 1999-2000. Ali, foram formados diversos
grupos de trabalho integrados, incluindo habitantes “leigos”, durante 10 meses

de desenvolvimento do projeto urbano e apresentações públicas das diversas

155
[5] o projeto-tese: a estratégia

43
fases do projeto.
Um urbanismo e arquitetura que tenham menos rigidez e mais

volatilidade, “em vez de uma arquitetura clássica, ligada aos sólidos ( fixa e
pesada), uma carta das passagens, capaz de compreender áreas em convulsão,
em transformação contínua.” conforme Brissac.44
Menos monumentos arquitetônicos isolados - ou proposição de peças
formais, esculturas urbanas - e mais conexões urbanas, infra-estruturais. Um
urbanismo capaz de perceber e receber as mudanças contínuas da cidade

contemporânea, de sua cultura dinâmica.


Na proposição de um urbanismo dinâmico, a revisão crítica das idéias
modernistas rígidas não pode confundir-se com a validade perene de muitos de

seus ideais, mesmo porque, ali, foram marcados os elementos essenciais de uma
arquitetura urbana, que desenha o território com sabedoria, estratégia e valores
humanos universais, extemporâneos. Conforme Paulo Mendes da Rocha:

“Arquitetura não deseja ser funcional, mas oportuna...A arquitetura


contemporânea é essencialmente o desenho da cidade e não sua decoração com
uma sucessão, até hedionda, de artefatos esdrúxulos...É preciso desatar o nó da
divisão esquizofrênica entre arquitetura e urbanismo...O que desenha a
imprevisibilidade da vida é uma construção, nítida e rigorosamente técnica, mas
que não determina fim, modo e meio, programa. Ampara a indeterminação...A
grande questão da arquitetura está na não finitude da ação.”45

156
[5] o projeto-tese: a estratégia

Os modelos urbanísticos alternativos devem ser entendidos como possui-


dores de um aparato dinâmico e flexível, diverso do modelo urbanístico tradicio-

nal, formal, rígido em suas regras, zoneamentos e programas. Porém, devem se


colocar também contra o “elogio do caos”, pregado por alguns atualmente.
Koolhaas, por exemplo, com sua postura sempre polêmica e de vanguarda, faz

uma proposição cética deste novo realismo urbano:


“Agora nos restou um mundo sem urbanismo, só arquitetura, até mesmo
mais arquitetura. A morte do urbanismo – nosso refúgio na segurança parasita da
arquitetura – cria um desastre iminente: mais e mais substância é apoiada em
raízes esfomeadas. Se for para existir um novo urbanismo, ele não vai ser
baseado nas fantasias de ordem e onipotência; ele vai ser o treino da incerteza;
ele não vai estar mais preocupado com o arranjo de objetos mais ou menos
permanentes; ele nunca vai ansiar por configurações estáveis, mas pela criação
de campos possibilitantes que acomodem processos, que recusem formas
definitivas, cristalizadas; não vai mais ser obcecado pela cidade, mas sim com a
manipulação da infra-estrutura para infindáveis intensificações e diversificações ,
a reinvenção do espaço psicológico. Já que é fora de controle, o urbano é sobre
tornar-se um vetor maior de imaginação.”46
Porém, não nos parece sensato apostar na defesa de um realismo caótico
da metrópole. Não se deve confundir a defesa de um urbanismo dinâmico, não-

ortodoxo, com a aceitação da condição de total falta de estratégia territorial. Não

157
[5] o projeto-tese: a estratégia

há porque passarmos da grande rigidez reguladora do modelo urbano tradicional,


claramente falido frente à demanda da complexidade da metrópole

contemporânea, para a aceitação e o elogio da cidade sem lógica, caótica. O


elogio do caos não deve se constituir na única forma de posicionamento
alternativo às limitações do urbanismo ortodoxo. Seria uma oposição total à

situação anterior. Tudo ou nada.


Na verdade, as cidades permanecem atraentes justamente por serem
detentoras de uma ordem complexa, que advém de sua transformação ao longo

do tempo. Tornaram-se, como já vimos, muito mais dinâmicas e complexas,


porém não “inexoravelmente caóticas”. O território das cidades, apesar das
transformações abruptas, permanece como detentor do espaço de convivência.

Conforme Milton Santos:

“... o que ele tem de permanente é ser nosso quadro de vida. Seu
entendimento é, pois, fundamental para afastar o risco de alienação, o risco da
perda do sentido da existência individual e coletiva, o risco de renúncia ao
futuro.”47
De qualquer modo, fica evidente que há muito conceito novo sendo

colocado no campo descritivo do território metropolitano e muito pouca análise e


metodologia que tragam a mesma riqueza conceitual inovadora. Menos ainda
experiências concretas de proposições de intervenção urbana. Há uma

descontinuidade muito visível entre o que se descreve como riqueza e

158
[5] o projeto-tese: a estratégia

abundância de conceitos novos e o que se propõe especulativamente, ainda


muito calcado no campo das experimentações, como coloca Solà-Morales:

“Produzir estes tipos de experiências de fluidez e transpô-las para análises,


experimentação e projeto é ainda hoje mais um desejo do que uma realidade
plausível, é um desafio fundamental para uma arquitetura que olhe para o
futuro”.48
Muitos autores têm proposto a noção de campo, ou combinações de
campo (field combinations), como uma alternativa mais flexível ao escopo desse

urbanismo dinâmico. Um mediador programático entre as abrangências urbana e


arquitetônica, que comporte um maior dinamismo na relação contemporânea de
tempo-espaço. Uma das técnicas pressupõe um olhar diferenciado para os sítios

da cidade. Identificar os territórios estratégicos, ao invés dos sítios tradicionais,


pontuais. Como explicita Stan Allen:
“Uma condição de campo poderia ser qualquer matriz formal ou espacial
capaz de unificar diversos elementos ao mesmo tempo que respeite a identidade
de cada um. Configurações de campo são agregações fragilmente delimitadas,
caracterizadas por porosidade e interconectividade. As regulamentações internas
de cada parte são decisivas ao mesmo tempo em que a forma geral e seus
limites sejam bastante fluídos....O que interessa aqui é uma forte atenção à
produção de diferenças na escala local, mesmo que mantendo uma relativa
indiferença na forma geral. Diferenças sociais autênticas e produtivas são

159
[5] o projeto-tese: a estratégia

sugeridas no nível local e não na forma das mensagens semióticas da grande


escala. Assim, o estudo dessas combinações de campo seria um estudo de
modelos que trabalhem na zona entre figura e abstração, modelos que
reconfigurem a oposição convencional entre figura e abstração, ou sistemas de
organização capazes de produzir vetores, picos e protuberâncias, além dos
elementos individuais que sejam, eles mesmos, regulares ou repetitivos.” 49
As condições de campo a serem trabalhadas pelo urbanismo dinâmico no
território contemporâneo devem procurar acomodar as diferentes demandas da

cidade: social, histórica, formal e programática. Trabalhar com as condições


proporcionadas pelo sítio e não negá-las, impondo nova ordem. Aprender a partir
destas condições territoriais dadas, da sua ordem complexa de auto-

regulamentação.
Muitas vezes, as condições de campo estão justamente em assumir o
inacabado, buscar a revisão dos projetos urbanos que não se vinculam mais a um

desenho geral, integrando e valorizando os espaços e suas diversas partes. A


cidade deve ser objeto de um olhar crítico que revele os seus vários momentos
históricos, seus fragmentos, sua dinâmica interna. A correta leitura do território

deve fornecer os insumos para o urbanismo contemporâneo.


O urbanismo contemporâneo deve absorver todos esses parâmetros e, a
partir da realidade existente, desenvolver possibilidades de intervenção. Ou seja,

a cidade existente, com os seus diversos fragmentos, como elemento potencial

160
[5] o projeto-tese: a estratégia

para a construção de um território articulador.


Como diria Lynch, sempre com uma leitura poética e visionária, mas

também otimista e propositiva do papel do urbanismo,


“Cidades precisam ser feitas de luz, estruturas temporárias, assim as
pessoas podem facilmente mudá-las, como as suas vidas mudam” 50

05.3.2 A orla fferr


err
errooviária ccomo
omo no
novva tterrit
erritorialidade me
erritorialidade tr
metr opolitana
tropolitana
05.3.2.1 As Premissas
Premissas

“Trata-se de estabelecer territórios reconfigurados para que os altos


ideais humanos se efetivem. É uma resistência contra a miséria.”
Paulo Mendes da Rocha51

O exercício projetual sobre trecho específico da orla ferroviária (OF)

constitui um projeto-tese que procura concentrar e exprimir o embasamento


conceitual discutido. Informar o projeto com as idéias. A defesa das idéias pelo
projeto.

Está baseado nas hipóteses que colocamos:


§ A cidade contemporânea terá de ser pensada a partir das suas estruturas
existentes.

161
[5] o projeto-tese: a estratégia

O desafio da arquitetura contemporânea é trabalhar sobre a cidade existente,


sem negá-la, a partir de seus condicionantes, i.e., a reparação da cidade

existente.
As infra-estruturas urbanas devem definir a construção de novos territórios
metropolitanos.

As áreas residuais metropolitanas devem suportar os novos projetos urbanos e


articular as novas territorialidades.
Os projetos urbanos contemporâneos devem basear-se em um urbanismo

dinâmico: flexível, estratégico.


A tese central é:
As descontinuidades urbanas – as fraturas urbanas – oferecem uma nova

possibilidade de projeto urbano, i.e., a construção de uma nova territorialidade


metropolitana.
As premissas básicas para uma estratégia urbanística de intervenção ao

longo do eixo da OF são:


A OF é um dos elementos estruturadores da paisagem urbana, assim como os
rios. É determinante na geografia do território metropolitano. “São inscrições na

cartografia da metrópole, rugosidades do território. Protagonistas da metrópole.”


52

Os donos originais do território: os rios e as várzeas eram públicos; foram

“roubados”. A várzea foi ocupada pela especulação imobiliária. Atualmente o

162
[5] o projeto-tese: a estratégia

Governo Federal é seu proprietário e recentemente privatizou o uso ferroviário


através da RMF, enquanto o Governo Estadual legisla o seu uso. Tem sido

ignorado pelos urbanistas e deixado para a especulação imobiliária sem qualquer


controle. Deve portanto voltar a configurar-se em espaço predominantemente
público.

Trata-se, basicamente, de um imenso terreno plano, constituído em grande


parte de área de várzea. Atualmente está sujeito a inundações e enchentes. Deve
suportar a presença extensiva das águas como resgate de seu papel geográfico

de várzea, captação das águas fluviais, permeabilidade do solo. Poderia, em


muitos trechos configurar “praias urbanas”. Cabe aqui citar as cidades fluviais de
Paulo Mendes da Rocha, como referência urbanística. A cidade-parque, os portos

fluviais determinando uma “rede metropolitana do alto Tietê”.53


A OF não deve ser pensada como decadência e sim como reserva de futuro.
Representa o maior estoque de terras de São Paulo. É detentora de valioso

patrimônio existente: industrial, ferroviário, imobiliário. É território disponível


54
central: especial, rarefeito, de baixa densidade, promissor, estratégico. Deve,
portanto, suportar a reativação deste imenso patrimônio existente. A reutilização

de várias estruturas arquitetônicas existentes é requerida. A reativação do


patrimônio industrial existente é possível em várias situações, suportando um
novo tipo de ativididade industrial. Equipamentos com plantas industriais

menores, indústrias não poluentes e com menor demanda de fluxo de carga e

163
[5] o projeto-tese: a estratégia

descarga. Indústrias que possam funcionar no território interno da metrópole:


tecnopolos industriais e “clusters” industriais.

Faz parte do novo ciclo evolutivo metropolitano.


A cidade informal existe como contraponto da cidade dos serviços avançados.
Portanto elas coexistem no território metropolitano. Uma não deve excluir a

presença da outra.
Ao longo da OF coexistem lugares genéricos, o trecho do Moinho Central, p.ex,
que podem configurar intervenções típicas, “modelos urbanos” e lugares de

exceção, como o trecho do Largo da Concórdia-Brás, onde interessa revelar a


importância do lugar. Existem ainda lugares que necessitam de uma revisão
crítica de intervenções recentes: a Operação Urbana Barra Funda e a intervenção

no pátio/estação Júlio Prestes têm sido mal articuladas. Foram intervenções que
“deram as costas” à cidade, ao invés de possibilitar ligações entre diferentes
cotas da cidade.

A utilização dos programas existentes de intervenções urbanas para trechos


deste território deve ser analisada cuidadosamente: PITU; São Paulo Centro;
REVAF; Projeto Integração Centro da CPTM; Programa de Reabilitação do

Patrimônio Cultural da Luz (BID); a tese dos Corredores Metropolitanos defendida


por Cândido Malta Campos.54
As áreas vazias, residuais, poderiam receber a “densidade do vazio: espaços

onde a baixa densidade de volumes poderia estar ligada à alta densidade de

164
[5] o projeto-tese: a estratégia

funções; onde um mínimo de arquitetura pudesse provocar um máximo de


atividades”. Atuar no terreno vago das metrópoles contemporâneas, assim como
as cidades do século XIX souberam criar seus parques urbanos. Áreas de refúgio e
memória. Preservar os valores intrínsecos de vazio e abscência. Determinar uma
arquitetura do silêncio. Possibilitar a revelação do encontro do passado e do

presente. Tais territórios poderiam ser a “a condensação da cultura moderna”.55


É um território linear. Resgata a idéia da cidade-linear, pensada modernamente
por diversos arquitetos. A cidade linear, de Arturo Soria y Mata, implementada

em Madri em 1894, funcionando com sucesso até o regime de Franco. A


Broadacre City, de Frank Lloyd Wright é, fundamentalmente, uma organização
linear. A “Cidade Linear Industrial”, de Le Corbusier, 1925, com a idéia da

otimização do sistema coletivo de transportes e harmonização da habitação,


trabalho, áreas abertas de lazer e a conexão inter-núcleos urbanos vinculada à
cidade-jardim, com lâminas de habitação coletiva “alveolar”, parques no chão -

pulmão verde no centro da cidade moderna e jardins suspensos. O russo N. A.


Miliutin e sua proposta para a cidade nova soviética Sotsgorod e, posteriormente,
seu plano para Stalingrado. O modelo, com suas variações, é sempre baseado

num sistema linear de transporte público. O programa se distribui ao longo da


faixa territorial. Entretanto, “...o plano [da cidade linear] raramente tem sido

implementado, exceto em situações cuja topografia marca a forma da cidade,


como em Stalingrado...Também ocorre como uma ‘megaforma’ em alguns países,

165
[5] o projeto-tese: a estratégia

uma linha de conexão metropolitana...Esta forma tem utilidade específica em


determinadas escalas e para usos e situações particulares.”56
Um dos principais elementos de dinamização da OF é a modernização do
sistema de transporte ferroviário existente. A sua transformação em metrô de
superfície e integração com demais sistemas de transportes metropolitanos

conferirá à região a acessibilidade necessária para a sua dinamização. Apesar de


não estar manifestada explicitamente nas propostas do PITU 2020, é
perfeitamente condizente com aquelas diretrizes para a integração dos sistemas

de transportes públicos da Grande São Paulo, como já discutimos no capítulo


anterior. Deve-se creditar na tese pioneira de Cândido Malta que, já em 1973,
propunha corredores metropolitanos, com a utilização dos leitos da ferrovias

existentes para acomodar as novas linhas de metrô, gerando uma grande


economia de custos e o aproveitamento da rede ferroviária metropolitana -
estimada em 270 km lineares - para sua transformação em metrô de superfície.

Existem várias alternativas possíveis de modernização do sistema ferroviário e a


viabilização de um metrô de superfície sobre o seu leito atual. Uma das
possibilidades seria a instalação do metrô de superfície, correndo paralelamente

à linha de trem. O trem teria a demanda única do transporte de cargas. Outra,


talvez mais interessante a médio prazo, seria a substituição do trem pelo metrô,
desde que se possa contar com a utilização do transporte de cargas através do

ferroanel metropolitano. O metrô de superfície seria um sistema híbrido metrô-

166
[5] o projeto-tese: a estratégia

trem, como os que existem em algumas cidades européias - o mais famoso talvez
seja o “modelo Kalsrue” na Alemanha - onde o sistema comporta velocidades

diferentes. Funciona no “padrão metrõ” enquanto está em trajeto inter-urbano,


com maior velocidade, e no “padrão trem urbano” (como os trams holandeses)
quando corta trajetos urbanizados. O sistema versátil otimizaria toda a rede

existente de trens metropolitanos e funcionaria integrado aos demais modos de


transporte público, como proposto no PITU 2020. As estações devem se adaptar a
esta nova realidade: modernização das existentes e desenvolvimento de novas,

sempre atuando como pólos urbanos e elementos catalizadores metropolitanos.


A OF deve configurar um imenso eixo verde: um parque linear metropolitano.
Um pulmão verde para a metrópole. A idéia de agir nos terrenos vagos

metropolitanos, gerando a presença do verde, é também defendida por vários


arquitetos. Koolhaas fala em “arquipélago de espaços verdes”. Portas remete-se
aos projetos ambientais ou paisagísticos de escala metropolitana ou regional:

“...o tratamento orográfico e vegetal, os equipamentos em parques de lazer, os


filtros ou barreiras ambientais, englobando os eixos de circulação e os seus nós,
constituem um novo desafio em resposta às exigências crescentes de
sustentabilidade e de expansão das demandas de tempo livre, nem sempre
convergentes nas pressões sobre os territórios mais vulneráveis.”57 Joan Busquets
embasou a sua proposta de intervenção no Eixo Tamanduathey, em Santo André,

na idéia de um “tapete verde”, que se vai modelando ao longo da várzea entre

167
[5] o projeto-tese: a estratégia

o rio e a ferrovia e que articula todos os programas propostos. Mas novamente Le


Corbusier já preconizava a sua necessidade em sua Cidade Contemporânea: “De

todas as partes, ao redor das casas brotam árvores: agradável coabitação do fato
humano com o fato natureza.”58
“A cidade para todos”: o resgate dos espaços públicos, a possibilidade de

atuação contra a exclusão social metropolitana, de gerar moradia coletiva -


lembrando-se da luta já travada hoje nesse território por diversos agentes da
sociedade, dentre eles o Movimento dos Sem Teto - junto às infraestruturas

existentes e um moderno sistema de transportes: de constituir-se no maior eixo


público metropolitano de São Paulo.

05.3.2.2 A estr
estraatégia proposta
proposta
Lança-se, então, uma estratégia projetual de intervenção para um trecho
da OF paulistana: um eixo linear de 12,6 km de extensão - 115 ha - que vai do

Moinho Central, na Barra Funda, à Estação Moóca.


Propõe-se um urbanismo dinâmico baseado em matrizes urbanas
superpostas.

A estratégia organiza-se em quatro matrizes urbanas complementares, que


se sobrepõem e abrem a possibilidade de desenhos múltiplos dentro de suas
várias combinações. Uma nova dinâmica urbana, mais flexível às demandas e aos

programas múltiplos da metrópole contemporânea. A idéia das superposições

168
[5] o projeto-tese: a estratégia

atende à flexibilidade temporal, pois não impõe um desenho único. É variável no


tempo e no espaço. É dinâmica e comporta variações múltiplas na sua

composição para a construção de um território complexo.


Uma estratégia que poderia comportar, no seu desenvolvimento, diversas
formas participativas por parte da comunidade envolvida. Sendo flexível, poderia

agregar - efetivamente - o processo participativo de modo coerente.


Apresentações públicas da estratégia inicial junto aos diversos agentes locais,
públicos e da iniciativa privada; workshops com grupos mistos constituídos por

representantes dos diversos setores envolvidos; debates públicos, etc., seriam


absorvidos no desenvolvimento do projeto, sem prejuízo de sua concepção.
Afinal, trata-se do estabelecimento de uma estratégia de urbanismo que

prepare as condições para a construção do território. Que o prepare para receber,


coerentemente, os diversos programas urbanos e arquitetônicos, sem, entretanto,
definir formas arquitetônicas finais.

Dentro das atuais condições urbanas existentes em São Paulo, com a


chegada, finalmente, de um novo Plano Diretor, atualmente em debate promovi-
do pela atual gestão (Marta Suplicy), surgem, à princípio, 13 novas Operações

Urbanas na cidade, uma das quais para a OF.


Neste sentido, este trabalho viabilizaria-se através do instrumental de
uma Operação Urbana Orla Ferroviária. Essa estratégia definiria as novas normas

de utilização do solo urbano - em substituição ao zoneamento arcaico presente

169
[5] o projeto-tese: a estratégia

nas diversas partes desse território, atualmente desarticulado, inclusive, em


termos de legislação urbana -, as regras para a sua nova ocupação e as formas de

sua viabilização financeira.


Obviamente, dentro das atuais condições, é impensável não se criar instru-
mentos legais que possibilitem a participação da inciativa privada no processo.

Porém, parece-nos claro que está na hora de o poder público, numa cidade com a
magnitude e potencial econômico de São Paulo, fazer-se presente e assumir
determinados rumos que o território metropolitano deve tomar, visando os

interesses da coletividade, particularmente na construção de espaços públicos.


O poder público - gerenciador do território urbano - deve promover o
enfrentamento público de posições divergentes existentes na cidade que vão da

necessidade de retomada da construção de habitação de interesse social e para


classe média, financiada com recursos públicos e/ou diretamente pelas
incorporadoras, na área central, aí se incluindo a OF, até o anunciado surgimento

de uma Operação Urbana OF, onde pairam interesses imobiliários de grande


porte. É preocupante, p.ex., as notícias do leilão das áreas pertencentes à RFFSA,
promovido pelo Governo Federal, sem qualquer plano prévio de intervenção

neste território. Por outro lado, aparece incorporado ao discurso urbano da atual
gestão municipal a ocupação maçiça da OF com moradia de interesse social,
através do Plano Reconstruir o Centro, porém também sem plano urbanístico

abrangente. O Fórum Centro Vivo, ONG que congrega os movimentos urbanos de

170
[5] o projeto-tese: a estratégia

luta por moradia aos Sem-Teto também reinvindica este território disponível para
habitação coletiva.

Uma Operação Urbana Orla Ferroviária deveria tomar como princípio básico
para a sua viabilização a idéia da preservação dos terrenos disponíveis naquele
território para um grande parque público. A contrapartida financeira para tal

medida seria a transferência do potencial construtivo destes terrenos para a


construção de habitação verticalizada nas bordas da OF. Ou seja: o preço do
terreno - e a sua utilização - não é o real problema, mas sim o seu potencial

construtivo.
Parece-nos, inclusive, que dentre outros problemas - inclusive da boa
gestão pública dos enormes recursos advindos das transferências de potencial

construtivo - as Operações Urbanas em São Paulo até o momento não deram


muito certo por não haver, junto ao conjunto legal e complexo de normas urba-
nísticas, uma clara estratégia projetual para as áreas objeto de intervenção, um

desenho urbano flexível. Neste sentido, este ensaio procura constituir esta base
estratégica: preparar o território para a futura chegada das peças arquitetônicas.
As matrizes urbanas priorizam a idéia da construção de um território me-

tropolitano novo, que atue no terreno vago sem preenchê-lo, necessariamente,


com peças arquitetônicas. Procura estabelecer possibilidades de atuação no terri-
tório conforme as suas demandas mutantes, com programas flexíveis. Estabelece-

se uma dinâmica composta de 4 matrizes urbanas que se sobrepõem ao longo do

171
[5] o projeto-tese: a estratégia

tempo:
[m1] Infra-estruturas

[m2] Fluxos
[m3] O eixo verde
[m4] Bordas urbanas
[m1] Infra-
Infra- estrutur
a-estrutur as
estruturas
Configura-se pela reutilização das infra-estruturas e das estruturas urbanas
históricas presentes no território como condições de campo existentes, insumos

projetuais. São elas:


Modernização do sistema ferroviário e a sua transformação em metrô de
superfície. Propõe-se um sistema híbrido carga-passageiros, onde o transporte de

cargas possa ocorrer de madrugada - se necessário - e ligado ao futuro ferroanel


metropolitano.

172
[5] o projeto-tese: a estratégia

Modernização das estações existentes e criação de novas estações. Aliado ao


novo sistema de transporte e à recuperação das estações existentes deverão ser

implantadas novas estações a cada 800 metros em média (padrão Metrô), de


modo a facilitar o acesso de pedestres da área, além de proporcionar novos
elementos catalisadores de transformações do espaço urbano. Tais estações

deverão estar associadas a novos equipamentos urbanos, cujo programa deverá


irradiar impactos positivos para suas respectivas áreas de influência. Algumas
estações serão pólos intermodais.

§ Reativação do patrimônio existente 1: edifícios históricos, galpões e moinhos


permanecem como testemunhos da memória desse território e devem receber
usos e programas atuais.

Reativação do patrimônio existente 2: recapacitação da área industrial em


processo de reconversão por uma nova indústria de base tecnológica, um
“tecnopolo urbano”, que encontraria na região, todas as condições estruturais

para a sua implantação. Aliado à reconfiguração e à manutenção das indústrias


existentes, é necessário estimular a formação de novas unidades produtivas,
ligadas a uma indústria limpa e de ponta. O desenvolvimento de parcerias entre

as novas empresas e universidades é importante para a consolidação deste novo


segmento produtivo na metrópole. Alguns centros de pesquisa podem ser
implantados em conjunto com os tecnopolos. Existem interesses políticos e sócio-

econômicos em se manter as indústrias na RMSP. O desafio apresentado para a

173
[5] o projeto-tese: a estratégia

iniciativa privada é a transformação da sua capacitação gerencial interna à


parceria do poder público e do próprio setor privado na requalificação da área.

Aliado ao tecnopolo, podem surgir unidades produtivas do tipo dos “clusters


59
industriais”. Destinou-se para este cluster industrial 20% da área desativada da
2
Cia. Antártictica, na Moóca (706.320 m ).

Recuperação do rio Tamanduateí e a sua utilização como meio de transporte de


curta distância para cargas e lixo. Um rio limpo e navegável é o que se pretende
para a futura área. A recuperação do rio Tamanduateí e de outros rios

metropolitanos é condição básica para a sustentabilidade da metrópole. Além de


serem nossos mananciais, eles contribuem para a qualificação do ar e da
paisagem urbana, como um elemento atenuante dos conflitos urbanos. O rio

deve ser recuperado em todos os seus aspectos e integrado a uma nova


paisagem.
O alargamento de seu leito e recuperação de seus percurso original, em trechos

possíveis, deverá amenizar as enchentes e conferir ao entorno uma paisagem


mais qualificada. A sua utilização, como meio de transporte, é outra proposta que
se pretende implementar. Inicialmente, será implantado o transporte de cargas

intra-urbanas e parte do lixo urbano da metrópole.


[m2] Fluxos
Fluxos

Combinação de projetos para o sistema de transportes: viário; de pedestres e

174
[5] o projeto-tese: a estratégia

coletivo, que resultem na otimização dos fluxos no eixo metropolitano.


Incentivo à intermodalidade entre os modos de transportes (rodo-metrô-

ferroviário).
Maior acessibilidade para o território: transposição transversal da ferrovia:
edifícios-ponte, passarelas, sobreposições aéreas e subterrâneas.

Continuidade do tecido urbano, permitindo a existência de uma rede de fluxos


contínua do novo território com as suas bordas existentes e pré-configuradas.
Criação de uma “linha inteligente” enterrada, fibras óticas e canais de fluxos

informacionais, junto à linha férrea, que possibilite o desenvolvimento dos novos


programas, principalmente da nova indústria metropolitana.

175
[5] o projeto-tese: a estratégia

[m3] O eix
eixoo vver
erde
erde
Ao longo de todo o território, junto à ferrovia, surge um eixo verde, um

parque linear metropolitano, cuja imagem final constitua um gradiente verde que
varie de densidade do corpo florestal central, para a sua diluição nos territórios
urbanizados. Articulado ao parque linear, um conjunto de parques urbanos são

propostos em pontos que se apropriam dos vazios mais significativos e articulam-


se com os equipamentos já existentes na área lindeira. Sempre que possível,
deverá ocorrer a maçiça presença da água. Linhas, faixas e grandes espelhos

d´água para a captação das águas pluviais, contenção do fluxo de águas fluviáis e
alternativa aos atuais “piscinões” subterrâneos. O parque linear compôe-se de
dois elementos:

Corpo florestal central: define-se pela recuperação vegetal da área da antiga


várzea, através da implantação de um projeto florestal que conquiste todos os

vazios disponíveis ou rearranjados, ao longo da ferrovia e das vias expressas. Um


eixo central verde de alta densidade. Essa densidade vegetal visa confrontar o
tráfego do metrô de superfície, absorvendo o seu impacto junto às franjas

urbanas, além de compor para a cidade uma nova área verde contínua com
aproximadamente 73,5 ha.
Zona de influência verde: propõe-se a expansão do verde para o território

176
[5] o projeto-tese: a estratégia

urbanizado às margens, que se configure pela incorporação ao corpo central de


áreas com vocação pública (como os parques lindeiros ou clubes) e pela geração

de novos vazios qualificados nos territórios privados, por empreendimentos


incentivados.
[m4] Bordas urbanas
Bordas

Procura possibilitar a consolidação do grande eixo público metropolitano -


a OF como integradora de atividades prioritariamente públicas - aos territórios
lindeiros, as bordas urbanas:

Reorganização espacial: conquista de novos territórios públicos verdes, através


de projetos incentivados ao modo das Operações Urbanas.
Novos usos 1: implementação de habitação coletiva de interesse social, a

“cidade para todos”, nas franjas urbanas e junto ao parque linear. As tipologias
habitacionais devem ser variadas e flexíveis. De modo geral, propõe-se o
desenvolvimento de lâminas habitacionais de densidade média e grande altura,

justificando a sua implantação junto ao parque linear:


- 1.298.500 m2 de área construída;
- 23.084 unidades (10% quitinetes; 20% 1 dormit.; 70% 2 dormits.);

- 67.810 moradores;
- densidade demográfica: 589 hab./ha
Novos usos 2: um mix de programas variados e não previamente fixos deve ser

177
[5] o projeto-tese: a estratégia

incentivado para dar suporte ao eixo metropolitano. Uma rede de eventos de


programa flexível.

178
[5] o projeto-tese: a estratégia

05.4 Notas
1
SANTOS, [s/d], op. cit., p.15.
2
Sassen apud. GUST (Ghent Urban Studies Team). The Urban Condition: Space,
Community, and Self in the Contemporary Metropolis. Rotterdam: 010 Publishers.
1999.
3
SANTOS, [s/d], op.cit., p.16-17.
4
SOUZA, M. A. A. Geografias da desigualdade: globalização e fragmentação. São
Paulo: [s/r]. [s/d], p.21.
5
PEIXOTO, 2000, op. cit.
6
Ibid.
7
BORJA & CASTELLS, 1998, op. cit., p.175.
8
SANTOS, [s/d], op.cit., p.17.
9
PEIXOTO,2000, p.?
10
Rem Koolhaas apud. GUST, 1999, op;. cit., p.53.
11
Hans Ibelings apud. GUST, 1999, op. cit. p.53. Ibelings em sua crítica à
arquitetura contemporânea comenta que nos grandes projetos, a arquitetura de
nomes como Renzo Piano, Jean Nouvel, Normam Foster, OMA ou Toyo Ito, são

normalmente consideradas como “envelopes flexíveis”, assim como as


corporações operacionais globalizadas.
12
BORJA & CASTELLS, 1998, op. cit., p.178. Esta complexidade e volatilidade do

território poderia, inclusive, gerar, no seu limite, uma “dinâmica entrópica”,

179
[5] o projeto-tese: a estratégia

dado o estágio de degradação constante do sistema e seu estado de desordem


crescente, segundo alguns autores. Brissac, por exemplo, remetendo-se à

conceituação de Gilles Deleuze e Felix Guattari refere-se a esta nova lógica


territorial como sendo constituída de “elementos heterogêneos e díspares que
formam conjuntos fluídos.” (PEIXOTO, 2001, op. cit., p.2).
13
SANTOS,[s/d], op. cit., p.16.
14
SOLÁ-MORALES RUBIÓ, 1996, p.119-120.
15
O termo palimpsesto foi usado com muita propriedade acerca da evolução

urbana de São Paulo, ao descrevê-la como a cidade que se fez uma sobre a outra,
no mesmo território, por Benedito Lima de Toledo em: TOLEDO, 1996, op. cit.
16
SOLÁ-MORALES RUBIÓ, 1996, op. cit., p.121.
17
Id., 1995, op. cit., p.23.
18
Hoje já temos um número razoável de intervenções arquitetônicas sobre vazios
urbanos e reconversão de antigas áreas industriais: da transformação urbanística

da orla marítima de Barcelona, em 82, à área portuária de Kop Van Zuid, Roterdã,
nos anos 90, passando pelo projeto na orla ferroviária de La Segrera, Madrid, ou
os concursos também para reconversão de orlas ferroviárias de Roma Triburtina

(“Infrastrutture For Good Design: Ferrovia e Città”)e Molino De Cecco, em Pescara


(“Da Fabbrica a Città”) - ambos objeto de propostas apresentadas por arquitetos
renomados como Renzo Piano, Massimiliano Fuksas e Herman Hertzberger, no

primeiro caso, e Bohigas, Fuksas, Gregotti e Zaha Hadid, no segundo.

180
[5] o projeto-tese: a estratégia

19
SOLÁ-MORALES RUBIÓ, 1995, op. cit., p.23.
20
KOOLHAAS, 1998, op. cit.
21
Irena Fialová in SOLÀ-MORALES RUBIÓ, 1996, op. cit., p.273.
22
Jameson apud. GUST, 1999, op. cit., p.43
23
A construção de Brasília é vista por Corbusier com surpresa. Ele vê realizado em

terras brasileiras – como já havia acontecido por ocasião do MEC em 36 – uma


cidade moderna, na qual seus ideais e influência clara estariam presentes,
porém, sem a sua participação direta. Corbusier esperava realizá-la aqui desde os

planos iniciais de Planaltina, em 26. Seria a possibilidade concreta de


desenvolvimento da sua “Cidade Contemporânea de Três Milhões de Habitantes”,
a “Cidade Contemporânea”, apresentada por ele em Paris em 22. Ver SANTOS,

Cecília R. et. al. Le Corbusier e o Brasil. São Paulo: Tessela/Projeto. 1987.


24
Ver ARANTES, 1998, op. cit. e HARVEY, David. A Condição Pós-Moderna. São
Paulo: Loyola. 1993.
25
BUSQUETS, 1996, op. cit.
26
Ver DEL RIO, Vicente. Revitalização de Centros Urbanos: O Novo Paradigma de
Desenvolvimento e seu Modelo urbanístico. Revista Pós, 04, 53-64. São Paulo:

FAU-USP. 1993 e LYNCH, Kevin. Good City Form. Cambridge: MIT Press. 1996
(1981).
27
As idéias e métodos desenvolvidos por Lynch foram exaustivamente tratados

em nosso trabalho de mestrado; ver SOUZA, Carlos L. Cognição ambiental &

181
[5] o projeto-tese: a estratégia

desenho urbano: APO de um espaço urbano com enfoque dos aspectos


perceptivos - O caso da Nova Av. Faria Lima. (Dissertação de Mestrado). São

Paulo: FAUUSP. 1997. Recomenda-se, para uma análise recente e bastante ampla
de sua produção, a leitura de seu último livro, publicado após seu falecimento:
LYNCH, Kevin. City Sense & City Design: Writings & Projects of Kevin Lynch. (Eds.:

Banerjee, T. & Southworth, M.). Cambridge: MIT Press. 1991.


28
BORJA & CASTELLS, 1998, op. cit.
29
BUSQUETS, 1996, op. cit.
30
PORTAS, Nuno. L’emergenza del progetto urbano. In: Revista Urbanistica, 110,
51-67. Roma. 1998.
31
Id.
32
Id.
33
Ibid., p.53.
34
HASEGAWA, Juliana Y. Os Modelos Arquitetônicos na Reconstrução de Berlim.

(TGI, FAU-Mackenzie; Or.: Carlos Leite). São Paulo: FAU-Mackenzie. 2000.


35
TSCHUMI, 1995, op. cit.
36
SALGUEIRO, Francisco. Estudo e Análise dos “Grands Projects” em Paris: estudo

de caso Paris ZAC Austerlitz-Tolbiac-Massena. (TGI, FAU-Mackenzie; Or.: Carlos


Leite). São Paulo: FAU-Mackenzie. 2000; TECHNIQUES & ARCHITECTURE. Techniques
et architecture, Numéro spécial. Austerlitz 10 projects d´urbanisme. Paris: Altédia

Communication.1993.

182
[5] o projeto-tese: a estratégia

37
LIBESKIND, Daniel. Radix-Matrix: Architecture and Writings. Munique: Prestel.
1997, p.170.
38
Ibid., p. 180.
39
Ibid., p. 183.
40
SPADONI, F.; LEITE, C. Concurso de Idéias para a Estruturação urbana e

Paisagística das Marginais dos Rios Pinheiros se Tietê: Projeto 2º Colocado: A


Floresta Urbana. In: Revista Se..., 3. São Paulo: FAU-Mackenzie. 2000. (no prelo).
41
TSCHUMI, 1995, op. cit.
42
LYNCH, 1996, op. cit., pp.277/290.
43
ALSOP ARCHITECTS. (Org.: William Alsop). Rotterdam Centraal Ontwerp
Masterplan. Londres: Alsop Architects. 2001.
44
PEIXOTO, 2001, op. cit.
45
MENDES DA ROCHA, 2000, op. cit., pp.70/171/173.
46
KOOLHAAS, 1998, op. cit., p.961.
47
SANTOS, [s/d.], op. cit., p.5.
48
SOLÀ-MORALES RUBIÓ, [s/d], op. cit.
49
ALLEN, 1999, op. cit.
50
LYNCH, 1996, op. cit., p.451.
51
ROCHA, 2000, op. cit., p.16.
52
Comentários feitos por Fernando de Mello Franco em palestra proferida no

183
[5] o projeto-tese: a estratégia

evento “Workshop São Paulo-Eindhoven: Possibilidades de Construção do


Território” (FAUUSP, 20.05.01).
53
Tema desenvolvido por Alexandre Delijaicov junto a Paulo Mendes da Rocha e,
posteriormente, em seu mestrado junto à FAUUSP. Ver DELIJAICOV, Alexandre. A
Cidade e os Rios. São Paulo: FAUUSP. (Dissertação de Mestrado). 2000.
54
CAMPOS FILHO, 1973, op. cit.
55
Neutelings apud. GUST, 1999, op. cit., pp.37/43.
56
Cf. LYNCH, 1996, op. cit., pp.377/378.
57
KOOLHAAS, 1998, op. cit., p.967; PORTAS, 19, op. cit., p.56.
58
LE CORBUSIER. Urbanismo. São Paulo: Martins Fontes. 1992, p.72.
59
IGLIORI, Danilo C. Economia dos Clusters Industriais e Desenvolvimento. São

Paulo: Iglu/Fapesp. 2001.

184
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas

06 O PROJE
PROJETTO-TESE
TESE:: MATRIZES URB
MATRIZES ANAS>
URBANAS>

06.1 Diagramas urbanos


Diagramas 187
06.2 Modelo 195

185
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas

FICHA TÉCNICA> > Tipologias habitacionais:

01. TERRITÓRIO TTO


TERRITÓRIO OTAL [MOINHO CENTR
[MOINHO AL
CENTRAL -M
AL-MOÓC
-MOÓC A]
OÓCA] tipo: área quant. área unidades
> Extensão: 12,6 km lineares população
> Área potencial de intervenção [“limites”]: 1.150.000 m2 un. s/total constr. residente
- quitinete 30 m2 10% 129.850 m2 4.328 un
> Área disponível: 912.130 m2 [1]
4.328 hab
> Área verde [parque linear]: 734.256 m2
- 1 dormit. 45 m2 20% 259.700 m2 5.771 un
> Habitação coletiva: 1.298.500 m 2
11.542 hab
02. TRE CHO [1] M
TRECHO OINHO CENTR
MOINHO CENTRALAL
> Comércio e serviços [base das lâminas habitacionais]: 129.850 m2 - 2 dormits. 70 m 2
> Área potencial de intervenção: 143.500 70%
m2 908.950 m2 12.985 un
> Cluster industrial [Tecnopolo Moóca]: 706.320 m2 03. TRE CHO [2] PÁTIO JÚLIO PRES
TRECHO TES
PRESTES 51.940 hab
> C.A.: 2,34 totais: -
> Área potencial de intervenção: 167.760 100%
m2 1.298.500 m2 23.084 un
> T.O.: 21 % 04. TRE CHO [3] PÁTIO DO PPARI
TRECHO ARI 67.810 hab

> População alocada [moradia]: 67.810 hab. > Área potencial de intervenção: 153.700 m2
05. TRE CHO [4] LLGO
TRECHO GO
GO.. CCONC
ONC ÓRDIA
ONCÓRDIA -BRÁS
ÓRDIA-BRÁS
> Densidade demográfica [populacional]: 589,65 hab./ha
> Área potencial de intervenção: 240.965 m2
[1]: excetuou-se da área limite potencial, os equipamentos já existentes [estações, 06. TRE CHO [5] M
TRECHO OÓC
MOÓC
OÓCA A
moinhos] e uma faixa de 15 m de largura destinada ao metrô de superfície. > Área potencial de intervenção: 329.450 m2

186
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas

187
[6] oo projeto-tese:
[6] projeto-tese: matrizes
matrizes urbanas
urbanas

188
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas

189 189
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas

190
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas

191
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas

192
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas

193
[6]
[6] oo projeto-tese:
projeto-tese: matrizes
matrizes urbanas
urbanas

194
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas

195 195
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas

196 196
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas

197 197
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas

TRECHO [1] M
TRECHO OINHO CENTR
MOINHO AL> o potencial do vazio [terreno vago típico]: expansão do parque linear com grande superfície de água [contenção], nova estação do metrô de
CENTRAL>
superfície [elemento catalizador], habitação nas bordas e reutilização do patrimônio arquitetônico existente [moinho central]
198
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas

TRE CHO [2] PÁTIO JÚLIO PRES


TRECHO TES> a ocupação típica dos vazios urbanos criando um novo território metropolitano público: parque linear se conectando às áreas públicas existentes
PRESTES>
[parque da luz] e habitação de interesse social verticalizada nas bordas [transferência do potencial construtivo do território público]
199
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas

TRECHO [3] PÁTIO DO PPARI>


TRECHO ARI> o potencial do vazio [terreno vago típico]: expansão do parque linear com grande superfície de água [contenção], nova estação do metrô de
superfície [elemento catalizador], habitação nas bordas e reutilização do patrimônio arquitetônico existente [moinho matarazzo]
200
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas

TRECHO [4] LLGO


TRECHO GO
GO.. CCONC
ONCÓRDIA
ONCÓRDIA-BRÁS> contra o “caos urbano” surge o “silêncio arquitetônico”: parque linear, praça seca, rua aérea ligando os equipamentos urbanos [estações de
ÓRDIA-BRÁS>
trem e metrô, museu do migrante], habitação na borda e continuidade do tecido urbano com transposição em nível [neste trecho o metrô de superfície é tamponado]
201
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas

TRECHO [5] M
TRECHO OÓC
MOÓC A> reutilização do patrimônio industrial [cia. antárctica e congás] com “cluster industrial” [tecnopolo] e parque linear
OÓCA>
202
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas

203
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas

204
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas

205
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas

206
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas

207
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas

208
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas

209
[7] conclusões

07 CONCLUSÕES>

210
[7] conclusões

07 CONCLUSÕES>
“Hoje digo adeus aos meus amigos do Brasil. E, antes de mais nada, a seu país
– o Brasil – que conheço desde 1929. Existem, para o grande viajante que sou, su-
perfícies privilegiadas sobre o planisfério, entre as montanhas, nos planaltos e
planícies por onde correm os grandes rios que vão para o mar; o Brasil é um dos
lugares acolhedores e generosos e gostamos de poder chamá-lo de amigo.
Brasília está construída; eu vi a cidade nova. É magnífica de invenção. De cora-
gem , de otimismo; ela fala ao coração. É obra de meus dois grandes amigos e
(através dos anos) companheiros de luta, Lucio Costa e Oscar Niemayer. No mundo
moderno Brasília é única. No Rio há o Ministério de 1936-45 (Saúde Pública e Educa-
ção Nacional) há as obras de Reidy, o monumento aos mortos da guerra. Há muitos
outros testemunhos.
Minha voz é a de um viajante da terra e da vida. Permitam-me, amigos do Bra-
sil, dizer-lhes obrigado!”
Le Corbusier, Rio de Janeiro, 29.12.1962 1

O Brasil, como toda a América, é território novo. Permite fazer-se e experi-


mentar-se com vigor. Trata-se de configurar o seu território através da constru-
ção de uma arquitetura nova. Um urbanismo que construa o novo território.
Não é de hoje que estamos a buscar esta ousadia: a construção do território
através de uma arquitetura humanista. Um urbanismo idealista que deseja do-
tar o território de bases democráticas, plurais. Que o construa para o futuro de
uma sociedade desejada mais justa. Enfim, que proponha as bases de uma

211
[7] conclusões

“cidade para todos”.


O sonho maior, efetivado em 1960 em Brasília, vinha de muito antes, esta-
va já na Planaltina de 1927. Lucio Costa e Oscar Niemayer construíram o sonho.
Desenharam a cidade moderna de bases corbusianas sobre o território inóspito,
novo, sem referências.
Temos algumas outras imagens da busca da construção do território novo de
bases urbanísticas modernas, de arquitetura ousadamente viva na urbe.
Em São Paulo, Artigas experimentou a construção de um micro-território
deste tipo no seu Conjunto Zezinho Magalhães Prado, o CECAP de Guarulhos,
1967. A cidade para todos: a habitação de interesse social sobre as bases de
um pensamento urbanístico ideal, completo. Fez diversas outras propostas para
a reconstrução do território que, infelizmente, ficaram no papel – seu projeto
para a Reurbanização do Vale do Anhangabaú ou os planos para Jaú, p. ex.
Paulo Mendes da Rocha, como já dito anteriormente, desenvolveu a bonita
idéia da cidade fluvial.
Infelizmente, como vimos, a cidade tem direcionado a construção – e recons-
trução – de seu território por outros parâmetros que não estes de um urbanismo
plural, democrático, de uma cidade de vida coletiva: mesquinhos, ditados pelos
interesses de uma minoria, sem planejamento, com a gestão pública à reboque
dos interesses do capital especulativo.
Este foi o meu primeiro questionamento neste trabalho. Seria possível,
numa época de crise cultural mundial, pensar-se num novo urbanismo de base
local? O aparente caos metropolitano de uma cidade de 17 milhões de habitan-
tes condena inexoravelmente novas propostas urbanísticas? É o fim do urbanis-

212
[7] conclusões

mo humanista?
Quis resgatar o papel sólido e urgente de um novo urbanismo para São Pau-
lo. Ou melhor: reivindicar a presença do urbanismo reparador : pensado a partir
das estruturas urbanas existentes na cidade, sem negá-la. O desafio da arquite-
tura contemporânea deve ser pensá-la a partir da cidade existente.
Pareceu-me evidente que para a realização de projetos urbanos desta natu-
reza, precisava-se discutir novas formas de urbanismo.
Por um lado, há uma clara percepção de que muito do que se propõe em
termos de intervenção urbanística para a cidade está problematizado não em
“o que fazer” – como vimos, esta é uma questão basicamente ideológica –
mas sim “em como implementar”. Por outro lado, há um também evidente
esgotamento do urbanismo tradicional e uma urgente necessidade de se pro-
mover uma ampla e corajosa discussão acerca das novas metodologias urbanís-
ticas em nossas escolas e instituições. Reivindicou-se um urbanismo dinâmico,
menos rígido. Suscetível de transformações durante o processo de desenvolvi-
mento. Propôs-se para tal, o exercício das matrizes urbanas superpostas.
Neste sentido, as viagens realizadas nos últimos três anos para análise critica
dos estudos de caso apresentados ao longo do trabalho foram elucidativas. Os
grandes projetos urbanos realizados em Euralille, Berlim, Paris (Parque La
Villette e Sena Rive Gauche) mostram as reais possibilidades existentes na
transformação do território e seus problemas de desenvolvimento, inclusive dos
vários e divergentes interesses que se apresentam para “tomar conta do
território”. As potencialidades de construção de novas territorialidades
metropolitanas a partir de infra-estruturas existentes na cidade e seus benefícios

213
[7] conclusões

na revitalização urbana são evidentes em quase todos os casos, especialmente


em Euralille. Contra a criticada privatização do espaço público, percebida em
Potsdamer Platz, devemos nos remeter ao sucesso do processo contínuo de
resgate, valorização e construção dos espaços públicos em Barcelona.
Minha segunda indagação – aceitando firmemente a concretude deste novo
urbanismo – recaiu sobre o território desarticulado e fragmentado da Orla Ferro-
viária. Seria possível a construção de uma nova territorialidade a partir de seus
fragmentos, seus vazios urbanos? Os terrenos vagos não poderiam determinar
a construção do novo território? Uma nova perspectiva de projeto urbano para
São Paulo?
Procurou-se desenvolver um “outro olhar” para este território sem urbani-
dade. Talvez um olhar estrangeiro, de quem vê o potencial do vazio, a memó-
ria do lugar como projeção futura. Contra a inexorabilidade do caos, da metró-
pole fragmentada e “retalhada” por contínuos processos de urbanificação e
não urbanismo, lançou-se a tese da construção do território novo, articulador.
Talvez a última possibilidade de construção de um território metropolitano.
Público. De urbanismo coletivo. Da cidade para todos. Do grande parque linear
sobre a orla. Das habitações coletivas construindo as novas bordas urbanas,
enquanto se constrói o silêncio arquitetônico no eixo central. De se propor habi-
tar na área central, junto às infra-estruturas existentes na cidade. De se privile-
giar definitivamente o transporte público em detrimento do privado, automobi-
lístico. Portanto, da incorporação ao plano de integração dos transportes públi-
cos, da modernização da malha ferroviária e a sua possível transformação em
metrô de superfície. Do poder público voltar a tomar as rédeas do processo de

214
[7] conclusões

desenvolvimento metropolitano, de gerenciar a cidade com o permanente diá-


logo entre partes divergentes, porém com a firme determinação da defesa do
interesse público.
Resta ainda, como sempre, quando se propõe o enfrentamento de questões
tão contemporâneas, a humildade do questionamento.
O trabalho percorreu temas, problemas e conceitos contemporâneos. Os
estudos de caso são recentes; não possuem ainda o confortável olhar
distanciado pela história. O objeto de trabalho ganhou durante a fase final de
elaboração deste, presença surpreendentemente forte no meio acadêmico e
especializado. Nos últimos anos – diferentemente de quando iniciei este
trabalho em julho de 1987 – o tema “orla ferroviária” passou a estar na ordem
do dia dos debates: de bancas de TFG´s nas nossas escolas de arquitetura ao
debate político entre candidatos à Prefeitura de São Paulo, chegando agora à
anunciada presença da Operação Urbana Orla Ferroviária no novo Plano Diretor
para a cidade, em debate público neste mês de março de 2002.
Obviamente este foi um risco e desafio: a contemporaneidade do assunto
que, pela urgência do problema, incita ao seu enfrentamento e lançamento de
teses, ao mesmo tempo determina enormes questionamentos pendentes.

1
Transcrito em SANTOS et. al., 1987, op. cit., p.292.

215
[8] bibliografia

08 BIBLIOGRAFIA>

216
[8] bibliografia

08 BIBLIOGRAFIA>
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