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A vida é um pé de manga
Um dia tu manga (s) de mim
Noutro dia eu mango de tu
E a vida
Manga de nós
Todos os dias
1
Pororoca pequena: marolinhas sobre a(s) Amazônia (s) de cá
Rogério Almeida
Belém-PA
Dezembro de 2009
2
Pororoca pequena: marolinhas sobre a (s) Amazônia (s) de cá
Rogério Almeida
Belém-Pa
Julho de 2009
Dedico a presente obra aos anos de inquietude da educadora Rosa Elizabeth Acevedo
Marin (NAEA/UFPA), à militância política de Raimundo Gomes da Cruz Neto
(Raimundinho), Emanuel Wamberg (Manu), Marluze Pastor e ao Padre Roberto de
Valicourt.
A presente obra não seria possível sem o afeto e companheirismo de Rosa Rocha
Tenho dívida eterna pelas oportunidades de aprendizado com os irmãos e irmãs da rede
Fórum Carajás.
3
:: Expediente ::
4
Pororoca pequena: marolinhas sobre a (s) Amazônia (s) de cá / Rogério
Henrique Almeida. – Belém, 2009.
186 f.: il. 210X297mm
Inclui bibliografias
SUMÁRIO
Sobre o autor...................................................................................................................
A gênese do Pororoca......................................................................................................
Prefácio..............................................................................................................................
01ª Parte –
Estado e os grandes projetos
5
05-Siderurgia em crise: o vendaval da economia especulativa e a mineração na
Amazônia
02ª- Parte
Araguaia-Tocantins- Território em disputa
08-A luta pela terra na Amazônia: camponeses/as a família Mutran, Daniel Dantas e
outros sujeitos
03ª- Parte
Belém- a cidade
6
04- Entrevistas
7
Sobre o autor
8
A gênese do Pororoca
O mesmo é indiciado por uma série de ilícitos, como formação de quadrilha, evasão de
divisas, crime contra o mercado financeiro. Através da empresa Agropecuária Santa Bárbara,
passou a controlar inúmeras propriedades na região. Terras apropriadas indevidamente através
do expediente jurídico de aforamento. Uma ferramenta que concede apenas o direito a uso da
terra para fins de extrativismo da Castanha do Pará e não o direito de posse, como os
negociadores Mutran e Dantas querem fazer crer.
9
Outros casos foram o pólo de gusa de Pequiá em Açailândia, oeste do Maranhão e a
construção da hidrelétrica de Estreito, na mesma região do pólo de gusa. O primeiro
empreendimento nos remete a mais de duas décadas, surgido através do Poloamazânia, quando
a política nacional instalou a perspectiva de desenvolvimento da região a partir da perspectiva
de pólos madeireiros, mineração e pecuária.
As dinâmicas dos mundos rurais dão corpo ao modesto projeto. A exceção é o capítulo
dedica a cidade de Belém. Duas reportagens pontuam nuances da metrópole. O primeiro trata de
militância cultural centrada na música, a partir do grupo Coletivo Rádio Cipó. A trupe nascida
no bairro da Pedreira, conhecida zona boemia. Jovens e outros nem tão jovens somam em
poesia e sonoridade numa produção original. Dona Onete e o mestre Laurentino, como reza o
clichê, são as estrelas da companhia. O segundo recupera fragmentos dos 120 anos do Bosque
Rodrigues, um naco de floresta dentro da cidade. Um ponto de visita de turistas e das famílias
de Belém. Assim como o Bosque do Museu Goeldi.
10
mesmos estão divididos em quatro seções: a) Estado e os grandes projetos, b) Araguaia-
Tocantins- território em disputa, c) Belém- a cidade e d) entrevistas com dirigentes
sindicais e populares e assessores e uma com o jornalista Lúcio Flávio Pinto. Esta última
realizada com o auxílio luxuoso dos ex- colegas de mestrado no Núcleo de Altos Estudos
Amazônicos (NAEA/UFPA), Guilherme Carvalho e Nanani Albino, a quem sou grato pela
colaboração.
As Amazônia (s) do Brasil são várias. Seria pretensão desejar um nome pomposo ao
singelo trabalho, ante a complexidade de redes econômicas, políticas e sociais que se espraiam
pela região na disputa pelo território e pela definição de seus projetos de desenvolvimento. Por
isso a opção pelo nome adotado.
11
Prefácio
Jean Hébette1
1
Sociólogo, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA).
12
Amazônicos (NAEA), lhe preferindo um estilo jornalístico mais florido, recheado de
metáforas, às vezes tangentes a um certo preciosismo .
Na sua “modéstia”, o livro ora publicado pode ser muito útil para leitores que,
sem quererem se aprofundar no assunto, fazem questão de se manter a par dos eventos
mais significativos da região nos último cinco anos. Muito útil, sobretudo, para
professores do ensino fundamental das diversas disciplinas, assim como para estudantes
universitários. Neste sentido, referências mais explícitas à literatura citada em passant
seriam bem-vindas. Espera-se do jornalista Rogério Almeida que, dando seqüência a seu
anterior livro “Araguaia-Tocantins. Fios de uma história camponesa” (2006) e deste
novo, nos gratifique, também, com análises mais detidas nas quais se treinou nos tempos
de seu mestrado.
Jean Hébette
13
01 Parte
14
NOVA SUDAM?2
2
Texto publicado originalmente no boletim eletrônico Notícias da Amazônia, da Secretaria do MST/Pará,
n. 66, de 18 de janeiro de 2006 e posteriormente no site do Laboratório de Políticas Públicas da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro (LPP/UERJ).
15
modelo de desenvolvimento regional com base em incentivos fiscais. O economista
defende que a extinção da SUDAM resulta da desestruturação e do término de um
modelo de planejamento regional brasileiro.
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regional de desenvolvimento num país de condição periférica, numa região periférica
nacional?
Como será a definição de suas metas para a região, posto o Plano Plurianual
(PPA), política que define os investimentos do Governo Federal já estabelece questões
estratégicas? Nota-se no conjunto projetos com semblante similar ao de outrora
batizados de grandes. Como os em infraestrutura. No portfólio tem-se a construção de
transporte multimodal (estradas, ferrovias, hidrovias), com vistas a garantir o
escoamento de grãos que têm na soja seu carro-chefe. Além de uma série de
hidrelétricas, que historicamente funcionaram como degradadoras ambientais, e
motivadoras de expulsão da população nativa.
Ainda conforme pesquisa do professor Lira, consta que entre 1996 e 2001 dos
274 projetos que receberam recursos da SUDAM, apenas cinco escritórios foram
responsáveis pela metade dos projetos, com valor estipulado em R$616 milhões. No
mesmo balaio 68 projetos foram elaborados por um escritório de uma ex-diretora da
SUDAM. O centro-oeste do Pará é um dos destinos de tais recursos. Um dos
fazendeiros Délio Fernandes, teria desviado R$4,2 milhões. Foi da sede da fazenda de
Fernandes que Bida, um dos mentores da execução da missionária Dorothy Stang, ligou
para pedir apoio para fuga.
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Entre esses muitos projetos escandalosos cumpre lembrar o ranário da esposa do
Barbalho, a senhora Márcia, com valor de R$9,6 milhões. Os relatórios do Ministério da
Fazenda apontam que ao longo de mais de três décadas um dos maiores beneficiados foi
o fazendeiro goiano José Osmar Guedes, que teria sangrado R$400 milhões.
Investigações divulgadas na época indicam que o fazendeiro depositou U$ 41 mil em
contas pessoais de José Arthur Guedes Tourinho, então-diretor da SUDAM, indicado
por Barbalho. Tourinho foi presidente do clube de futebol Paysandu.
A nova SUDAM volta à vida tendo no rastro de suas três décadas marcas
profundas de corrupção. A superintendência foi ressuscitada segundo Projeto de Lei da
Câmara Federal de nº. 60, integrada ao Sistema de Planejamento e Orçamento Federal.
A finalidade ficou definida como promover o desenvolvimento includente e sustentável
de sua área de atuação e a integração competitiva da base produtiva regional na
economia nacional e internacional.
Referências
18
SÁ, P. Carajás: proposta de desenvolvimento regional integrado. In: COSTA, J. M. M.
(coord.). Os Grandes projetos da Amazônia: impactos e perspectivas. Belém:
NAEA/UFPA, 1987. p. 73-103. (Cadernos do NAEA, n. 9)
3
Texto publicado originalmente no boletim eletrônico Notícias da Amazônia, da Secretaria do MST/Pará.
Nº 59, de 20 de setembro de 2005 e posteriormente no site do Laboratório de Políticas Públicas da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro (LPP/UERJ).
19
novamente SUDAM), Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), entre outros, ZEE,
encaminhado pelo governo federal em parceria com os estados do Amazonas, Pará e
Mato Grosso. Na ocasião, a obra dividida em quatro volumes de autoria do pesquisador
Jean Hébette, “Cruzando a fronteira: 30 anos de estudo do campesinato na Amazônia”,
que examina o processo desde a década de 1970, abriu o debate sobre o processo de
ocupação na Amazônia.
20
comunicação, que no caminho oposto esmeram-se na demonização do movimento
camponês. Além da festejada produção de soja, que põe abaixo milhares de hectares da
floresta amazônica e do cerrado, biomas que marcam a região, a paisagem é hoje a
principal área de exploração ilegal de madeira, grilagens de terras e violência contra
camponeses e seus apoiadores, como a irmã Dorothy, executada em fevereiro de 2005.
21
imperfeições de engenharia, como a imprecisão do local da barragem de Estreito. Aos
que desafinam o coro “do pró” olhares de esguelha, o deboche e mesmo ira dos
contrários. Outro elemento recai sobre o hermetismo da linguagem técnica, o que
provoca o monopólio da fala.
Qual a trilha a seguir para a manutenção ou uso equilibrado dos recursos naturais
e a inversão da gramática dessa modalidade de projeto, que tem por regra a
expropriação dos nativos? A criação de áreas de reservas? Parece ser essa a indicação
do Governo Federal em alguma escala consensuado pelo Governo do Pará, que juntos
desejam a definição de nove áreas.
22
Jacareacanga, Novo Progresso, Trairão, Itaituba, Rurópolis e Altamira, todos
localizados no Pará.
A esfera jurídica e militar tem sido a regra no planejamento do estado para tratar
na questão de disputa de terras ao longo de 10 anos de mando do Partido da Social
Democracia no Pará (PSDB). Nesse sentido criou varas agrárias que em tese seriam
espaços para se diluir as disputas pela terra. Já no aparato armado criou uma divisão
especial na Polícia Militar, Divisão Especial de Conflitos Agrários (DECA). Impossível
tratar do assunto sem citar o Massacre de Eldorado, de 1996, onde 19 sem terra foram
executados e 69 feridos.
Referências
23
ALMEIDA, A W. B.O Intransitivo da transição: o Estado, os conflitos agrários e a
violência na Amazônia (1965-1989). In: LÉNA, Philippe; OLIVERIA, Adélia E.
(orgs.). Amazônia a fronteira agrícola: 20 anos depois. Belém: MPEG, 1991. p. 259-
290.
4
Trabalho publicado no site www.plataformabndes.org.br em fevereiro de 2009
24
A companhia é uma das maiores mineradoras do mundo e opera em 32 países
nos quatro continentes. No Maranhão mantém uma empresa de produção de lingotes de
alumínio, Alumar, desde a década de 1980, em sociedade com a BHP Billiton e que
deverá incrementar a produção de 368 mil para 420 mil toneladas. Por isso o interesse
na mina de Juruti, que também vai emancipar a Alcoa do fornecimento da Mineração
Rio do Norte, da Vale, que extrai a bauxita no município de Oriximiná, na mesma
região. Além das frentes de mineração o baixo Amazonas tem em pauta a construção de
hidrelétricas no rio Tapajós e é impactado pela monocultura de grãos e pelo porto da
Cargil.
25
ferrovia atravessa dois projetos de assentamento de agricultores, criados pelo Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
Um deles é o Socó, com 420 famílias, das quais 43 tiveram seus lotes
atravessados pela ferrovia, que receberam por indenização R$ 0,24/metro quadrado, por
força de um acordo entre o sindicato e a empresa, enquanto reivindicavam R$ 3,00. O
porto está colado à cidade sede do município de Juruti, de onde várias famílias
estruturadas social e economicamente no bairro Terra Preta foram expulsas.
“O projeto trouxe para a cidade umas 15 mil pessoas. O município não tem
estrutura para cuidar desse povo com moradia, saúde e escola. Hoje a empresa já iniciou
as demissões porque as construções estão em fase de conclusão. Para onde esse povo
vai”, interroga Pereira? Há informes que por conta de migração o município passou por
dois surtos de hepatite. A fase de construção é considerada onde a prefeitura mais fatura
com arrecadação do Imposto Sobre Serviço (ISS). A estimativa é de um milhão por mês
desde 2006.
26
serão afetadas pela obra. Informação que foi contestada pelas comunidades indígenas e
pelos defensores dos direitos humanos.
27
5 - há o registro de 73 ocorrências de sítios arqueológicos na Área de Influência
Direta (AID), até esta fase;
28
mesma opera de forma ilegal. O destaque conferido recaiu sobre a nota da empresa
sobre os possíveis prejuízos.
29
É creditado a Eliezer Batista, ex-executivo da Vale, a construção do mapa das
riquezas naturais na América do Sul. Batista é pai de Eike, festejado como o novo
bilionário nacional. Obra do acaso? Os levantamentos de Batista foram encomendados
pela Corporação Andina de Fomento (CAF). A CAF é um dos agentes do projeto de
Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA).
Antes do fim
30
Mais irônico, o Instituto de Pesquisa Aplicada (IPEA), acabava de apresentar
relatório onde indica que a produção de alumínio é um desastre para região amazônica.
A segunda casa tem potência instalada de 4,1 mil megawatts. Junto com a
primeira casa de força a potência instalada de Tucuruí vai ser de 8,3 mil megawatts. O
maior empreendimento do setor de energia encontra-se em construção no mesmo rio, na
fronteira do estado do Maranhão com o Tocantins, no município de Estreito.
5
Reportagem publicada originalmente no blog Furo em novembro de 2008 e reproduzida no site do
www.forumcarajas.org.br, que apoiou o trabalho.
31
Sinalização na fronteira do Maranhão com o Tocantins – by Rogério Almeida/2008
32
O grotão e o planeta
O empreendimento da UHE de Estreito pluga o grotão marcado por inúmeras
chacinas de camponeses ao resto do mundo através da geração de energia. O
empreendimento pertence ao Consórcio Ceste, que aglutina as grandes corporações do
quilate da Camargo Corrêa (4,44%), Alcoa (25,49%), Vale (30%) e a belga Suez-
Tractebel (40,07%).
O custo da obra é estimado em R$ 2,5 bilhões para que Estreito gere 1.087 MW
de energia. Os barramentos no rio devem ultrapassar a casa das 50 unidades entre
grandes e Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH). As PC produzem no máximo 3 mil
kw. Ambientalistas que tratam sobre barragens advertem que caso se sacramente o
planejamento estatal, o rio Tocantins deve se transformar num grande lago, onde os
impactos ambientais e cumulativos são imensuráveis.
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Ao fundo a ponte que separa o município de Estreito/MA da cidade de Aguiarnópolis/TO by Rogério Almeida/2008
Carros das empresas sinalizados com uma bandeira vermelha com um xis,
homens fardados de variadas indumentárias que indicam a variedade de empresas que
atuam no canteiro de obras da barragem, ônibus que os carregam agora fazem parte da
paisagem na cidade. O trabalho é terceirizado.
O hoje ministro das Minas e Energia, Edson Lobão, reconhecido pelos serviços
prestados à ditadura, integrante do ninho da família Sarney, ainda quando senador foi
um dos mais fervorosos defensores da implantação da hidrelétrica de Estreito. Dono de
meios de comunicação na região Tocantina, cedeu os veículos que controla para que
alardeassem as “benesses” da instalação do empreendimento.
A Tractebel em Goiás
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sociais e ambientais provocados pela empresa na construção da hidrelétrica de Cana
Brava, nos município de Minaçu e Cavalcante.
Rixen no artigo explicita que a indenização proposta aos atingidos pela barragem
ficou no patamar de R$ 5.300,00. O militante da CPT adverte que muitos não aceitaram
esse valor considerado uma “mixaria”. No Ministério Público de Brasília e em Goiânia
um documento enumera 804 famílias cadastradas como atingidas.
Em outro local de visita da equipe as terras férteis viraram brejos por conta da
proximidade com o lago da barragem. Tornou-se impossível produzir os alimentos para
sustento da família. O cheiro de fermentação e os mosquitos completavam o quadro
crítico.
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O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é o
principal agente financiador da obra, ou seja, a sociedade financia um modelo de
desenvolvimento arcaico. Não seria mais prudente o Estado induzir um modelo de
desenvolvimento contrário, em setores intensivos em tecnologia, por exemplo?
Pinto reflete que a Plataforma argumenta que se faz necessário, entre outros
pontos:
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Canteiro de obra da hidrelétrica de Estreito/MA – by Rogério Almeida/2008
Entre os anos de 1997 e 2000 uma comissão realizou estudos sobre a construção
de barragens em todo o mundo. Tucuruí foi o caso selecionado na América Latina. A
construção de barragens do Brasil é responsável por 40% do valor da dívida externa.
Entre os impactos da construção de barragens como a de Estreito os estudos
organizados pela Comissão Mundial de Barragens (Banco Mundial, construtores,
atingidos por barragens, pesquisadores) verificaram-se:
Histórias de garimpeiros
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ensolarada Estreito. Ele soma uns 40 anos e é filho de migrantes do Ceará, estado que
nunca chegou a retornar após ter ficado adulto. O nosso guia perambulou pelos
garimpos do sudeste do Pará nos municípios de Xinguara, Rio Maria, Redenção e São
Félix do Xingu.
Mamão, Pedra Rica, Camuru são alguns dos garimpos em que Francisco passou.
Num deles ganhou um pouco de dinheiro com o ouro encontrado. Fala que não guardou
muito da sorte que teve na década de 1980. “Dinheiro de garimpo parece que é
amaldiçoado. Nunca durou muito”, reflete o moto-taxista. Francisco informa que passou
no maior garimpo a céu aberto do mundo, o de Serra Pelada, mas não ficou por lá.
Ele lembra de pessoa que “bamburrou“ (achou muito ouro) até 300 quilos de
ouro. Teve fortuna em fazendas de gado e casas, como o caso de um garimpeiro que
mora em Estreito conhecido como Índio. O afortunado é do município de Codó. Quando
ele pegou o dinheiro comprou uma penca de carros e invadiu a cidade natal exibindo o
“sucesso” em terras paraenses, conta Francisco.
Nas idas e vindas de Francisco ao Pará em busca de riqueza perdeu dois irmãos.
A perda mais trágica foi a do caçula. Francisco lembra que o irmão tinha apenas 16
anos, e que era muito generoso com as pessoas ao redor. Mas, a realidade do garimpo
não permite tal atitude. Após achar uma pequena porção de ouro foi tocaiado e morto
por parceiros de farra em bebidas e cabarés. Outro irmão não tem notícia faz mais de 15
anos. Francisco acredita que ele mora em Redenção, sudeste do Pará.
38
Falo a Francisco do interesse em fazer fotos da obra da UHE de Estreito. Ele
sugere que alugue uma canoa. Somente ela pode levar você até o local onde a
construção começou. Numa viagem até um portinho tenho sorte, deparo-me com José
Antônio por volta das 11h da manhã de um dia escaldante. Antônio entre outras
atividades é pescador, feirante e dono de sítio.
Passou toda a manhã numa exaustiva viagem, onde foi buscar a esposa e uns
porcos para criar no sítio que tem na periferia do município de Estreito. Acusando
cansaço resistiu em pegar a empreitada de uma viagem que durou mais de uma hora (ida
e volta) no caudaloso Tocantins até o canteiro da obra. A viagem ganha em emoção
posto o motor da canoa padecer de panes quando esquenta. O jeito é parar e apreciar a
paisagem.
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Dragas, barcos de vigilância, numa paisagem aonde é possível se avistar
babaçuais e outros tipos de vegetação antecipam a nossa chegada. A passagem de uma
embarcação veloz conhecida como voadeira forma banzeiros e faz a nossa canoa sacudir
no meio do Tocantins. Antônio sugere cuidado. O pescador avisa que os vigilantes do
barco ficam ali para impedir que a passagem dos ribeirinhos quando usam dinamite na
obra. Segundo ele, as explosões são comuns no raiar do dia e no apagar da tarde.
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A propaganda é a alma do negócio?
Os boletins do Ceste celebram uma série de ações junto aos mais diversos
segmentos da sociedade. Um posto de atendimento ao migrante localizado na pequena
rodoviária indica para que as pessoas façam ficha no Sistema Nacional de Emprego
(SINE), sempre com filas enormes. Escritórios do consórcio se espraiam em cidades
estratégicas nos dois estados.
Não raro os boletins inundam suas páginas com depoimentos de famílias que já
foram desapropriadas pelo Consórcio. Tudo é flor nesse jardim? Uma série de
reportagens de Beatriz Camargo, publicada no site Repórter Brasil, no mês de julho
indicam que não. Sobre a especulação imobiliária, a série indica que houve pressão por
41
parte de pessoas de empresas terceirizadas na compra de imóveis, com vistas a serem
desapropriados com um melhor preço pelo consórcio.
A não inclusão dos povos indígenas como setores que podem ser afetados pela
construção é outro ponto. O certo é que desde o começo do processo há uma série de
temas nublados. Enquanto isso as obras avançam sobre o rio, sobre as histórias das
populações locais, a reconfigurar uma região prenhe em conflitos na disputa pela terra e
os recursos naturais nela existentes.
Carvalho lembra que com o dinheiro que ganhou não conseguiu comprar nem
metro de terra depois. “Com a terra a gente comia todos os dias, ganhava um
dinheirinho e podia trabalhar a família por muito tempo. Dinheiro não é tudo na vida”,
42
arremata o senhor. Ele alerta que a média de indenização tem sido de R$ 30 mil. Ele
teme pelos idosos. “Tenho um colega que mora só. Vai ser desabrigado. Tem uns 80
anos. O que ele vai fazer aqui na cidade?”, interroga o sindicalista.
Araújo ainda não sabe quantificar quantas empresas estão no canteiro de obras
da hidrelétrica e nem o número preciso de operários. Ele informa que já solicitou os
dados para o setor responsável.
Sobre a paralisação de 11 dias dos operários no mês de julho, Araújo relata que
as condições precárias de trabalho e a ração foram os motivadores. O dirigente alerta
que o sindicato necessita tomar pé dos dados, para que possa garantir uma intervenção
qualificada.
6
Trabalho publicado no site da rede www.forumcarajas.org.br em novembro de 2008.
43
em Belém, que ocorreu entre 10 e 13 de novembro de 2008, a crise econômica mundial
ainda não havia dado o ar de sua graça em plagas regionais. O anúncio foi realizado
pelo menos um mês antes.
44
Cogita-se que pelo menos cerca de 80% do superávit da balança comercial do
Pará deve-se ao extrativismo do minério de ferro. A se considerar o delicado contexto, o
evento que propagou ser uma oportunidade de lançamento de novas tecnologias e métier
de negócios, ganhou outros ares. O clima do evento tornou-se mais sombrio com a
libertação de 51 pessoas em condições análogas a escravidão em carvoarias no sudeste
do Pará no dia da abertura. Entre os libertados mulheres e menores de 15 anos.
45
O polo de Carajás – Em seu artigo, o sociólogo e agrônomo Raimundo Gomes
da Cruz Neto dispara que já no século VII tem-se registro da atividade de siderurgia no
mundo. No século XIX a indústria impulsionou a economia dos Estados Unidos. No
Brasil a atividade ganha relevância no início dos anos de 1930, tempos de Getúlio
Vargas. A atividade aporta no Pará na década de 1980 através do Programa Grande
Carajás (PGC), no apagar da ditadura militar. O autor acompanha os abissais processos
de transformações da região de Carajás de velha data.
Ponte ferroviária da Vale que escoa o minério de ferro no município de Açailândia/MA by Rogério Almeida/2008
Medidas mitigadoras?
46
ao trabalho escravo foi a criação do Instituto Carvão Cidadão (ICC), ou seria uma mera
questão de marketing, travestida em responsabilidade social?
Placa indica o perigo na área de depósito dos resíduos do polo de gusa em Açailândia/MA. by Rogério Almeida/2008
47
Antes do turbilhão da crise o cenário da mineração no Pará vivia um momento
de ampliação com a expansão de várias frentes de exploração, que ultrapassam a
fronteira de Carajás, como no caso dos municípios de Ourilândia do Norte, Tucumã,
Xinguara, São Félix do Xingu, Paragominas e Juruti. Vale e Alcoa protagonizam o
momento de transbordamento das frentes.
Momento marcado por tensão entre trabalhadores rurais assentados pela reforma
agrária a Mineração Onça Puma, do grupo Vale. As organizações de defesa dos direitos
humanos da região, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), tornaram a situação
pública.
Distrito de Pequiá, onde se localiza o polo de gusa no município de Açailândia/MA. by Rogério Almeida/2008
48
Simasa. Relatórios da área ambiental atestam que as empresas não nutrem demasiado
zelo quando o assunto é meio ambiente. Todos os resíduos ganham a vizinhança sem
nenhum tratamento, Famílias afetadas pelas poluições das empresas, em particular da
Gusa NE, com sede em Belo Horizonte e filiada ao ICC, têm denunciado a questão. No
total são 20 processos contra a empresa que reivindicam indenizações da gusa e que
duram mais de três anos.
49
Um estudo realizado pela engenheira ambiental Mariana de la Fuente Gómez,
datado de 2007, ratifica os dados sobre os danos ao meio ambiente e à saúde dos
moradores da região. Edvar e Joaquim, dois senhores que mobilizam os moradores para
a organização da luta pelos seus direitos, lembram que a comunidade existe desde a
década de 1970, e que o polo começou nos anos 1980. Eles recordam que ainda havia
muita mata na região e que a exploração da madeira foi a primeira frente da economia
do lugar.
Distrito de Pequiá
A empresa Gusa Nordeste opera três alto-fornos, nenhum possui filtro anti-
partículas nas chaminés, que emitem grande quantidade de fuligem de carvão e minério.
Em todas as seis casas visitadas pelo perito o pó da fuligem foi encontrado. Os pátios
das empresas ficam próximo aos quintais das casas. Os riachos padecem com os
resíduos das fábricas e com o esgoto sem tratamento das moradias.
Gases, fuligem, poeira, águas poluídas e escória são alguns dos agentes da
poluição da comunidade de Pequiá, que soma cerca de 1.500 famílias em moradias
humildes, muitas de madeira e não atendidas com saneamento básico. Problemas de
ordem respiratória, alergias, dores de cabeça são algumas das queixas dos moradores, o
que já registrou até o óbito de uma criança.
50
Uma cerca de arame separa a área do polo de gusa dos quintais das residências em Pequiá, Açailândia/MA. by R.
Almeida/2008
51
Um grave problema é a escória, que alguns tratam de “munha” ou “moinha”.
Uma parte do resíduo pode ser usada na construção civil, calçamento de rodovias ou
como suporte de construção de ferrovias. Outra, se devidamente tratada, pode ser usada
em fertilizantes.
Vizinhos em conflito
52
D. Francisca- queixa-se da poluição das fábricas-Açailândia-MA. by Rogério Almeida/2008
O Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos (CDVDH), ONG com sede
em Açailândia tem sido um mediador da luta das comunidades afetadas ao lado dos
padres e irmãos cambonianos. O CDVDH também é procurado em casos de trabalho
escravo. É esta ONG que denuncia dois graves acidentes na escória depositada a cerca
de 450 metros da fábrica.
53
As demandas colocadas acima é que mobilizam um coletivo de organizações
populares no movimento Justiça nos Trilhos. O grupo realizou uma série de debates
sobre as questões no Fórum Social Mundial, que ocorreu entre janeiro e fevereiro de
2009, em Belém.
54
02- Parte
08-A luta pela terra na Amazônia: camponeses/as a família Mutran, Daniel Dantas e
outros sujeitos
55
ARAGUAIA-TOCANTINS – FRAGMENTOS DE 20 ANOS DE LUTA PELA
TERRA7
Introdução
É lugar comum dedicar aos anos redondos algumas linhas. Seja no sentido de
exaltar ou de oposição. No ano de 2007 alguns fatos relacionados com a luta pela terra
no Pará somam duas décadas. Faz 20 anos que o primeiro projeto de assentamento (PA)
da reforma agrária no sudeste do Pará foi criado, o Castanhal Araras, no município de
São João do Araguaia.
Ainda hoje a obra é leitura indicada aos que buscam compreender a aguda
disputa pelos recursos naturais e território na região celebrizada sob a lente triste onde
mais se matou camponeses no Brasil. Na fronteira agromineral concorrem índios,
empresas mineradoras, fazendeiros, madeireiros, camponeses de toda ordem, com terra
ou ocupantes, além de garimpeiros.
56
montes do cativeiro da terra, escravizados para amansar a floresta, que cede cada vez
mais lugar ao gado e a monoculturas e novas frentes mineradoras.
Para que um território seja construído outro deve fenecer. Tem sido assim ao
longo das eras a eterna construção e a desconstrução dos territórios e a alternância de
poder. Assim, sob o decreto de número 3938, em 15 de janeiro de 1987, numa área de
5.058.4728 hectares foram assentadas 92 famílias do que veio a ser o primeiro PA da
reforma agrária no sudeste do Pará, o Castanhal Araras, localizado no município de São
João do Araguaia. Dava-se o início da desconstrução do que ficou conhecido como
polígono dos castanhais. Fruto de atos de ocupação por posseiros da terra indígena do
povo Gavião e inúmeros acampamentos em órgãos públicos.
57
realizados no PA Araras, a 40 km de Marabá. A ONG Centro de Educação, Pesquisa e
Assessoria Sindical e Popular (CEPASP) foi um dos principais animadores no PA.
Aos alinhados ao capitalismo agrário, não tem sentido a efetivação de PA, aos
olhos deles, uma mera representação do atraso ou favelas rurais, como preferem.
58
Tem-se registro da Escola Família Agricultura (EFA) dedicada aos(às) filhos(as)
dos(as) assentados(as), com sede em Marabá, a edificação de cooperativas e associações
de produtores e prestadoras de assistência técnica, aos moldes da COOPSERVIÇOS,
ligada à Fetagri, bem como a mobilização de uma organização de combate à
impunidade no campo, como o Comitê Rio Maria. Instituição que conseguiu levar a
julgamento os assassinos dos militantes Expedito Ribeiro e João Canuto, ainda que a
luta tenha ultrapassado a casa de uma década. Mas, a naturalização das mortes de
camponeses(as) e a impunidade tem sido a regra.
59
hoje um refluxo. Atualmente não tem nenhum representante na Câmara Municipal de
Marabá, e quase não goza de influência nos pleitos do Executivo. Na derradeira eleição
a representante da família, a ex-deputada estadual Cristina Mutran, saiu como vice
numa chapa encabeçada por também ex-deputada estadual Elza Miranda, que conseguiu
somente o terceiro lugar.
60
Números da luta e institucional idades
Já entre 2000 e 2005 criam-se 184 PA, o que equivale a 40,8%. O Massacre de
Eldorado do Carajás é o estopim para efetivação de inúmeras instituições. No momento
o posto avançado do INCRA ganha o status de superintendência regional, Polícia
Federal e Ministério Público Federal são instalados na tensa fronteira amazônica.
Mesmo modelo realizado no Xingu após o assassinato da missionária estadunidense
Dorothy Stang, região para onde se desloca a violência antes concentrada no sul e
sudeste do estado.
Se num sentido na década de 1990 por vários fatores internos, como a luta pela
terra e as chacinas de Corumbiara, Rondônia (1995) e o Massacre de Eldorado do
Carajás, Pará (1996), e a externos, como a política mitigadora de reforma agrária do
Banco Mundial, com vistas a assanhar o mercado de terras e a distensionar a luta pela
terra na América Latina, Ásia e África o tema da reforma agrária vigorou na agenda
política do governo; em oposição os eixos de integração desenhados pela macro-política
econômica (energia, comunicação e transporte) operaram no sentido oposto da demanda
dos movimentos sociais do campo.
61
ação comunitária da luta camponesa dá-se no processo de organização e ocupação de
áreas consideradas improdutivas, e que ao “cortar a terra” verifica-se o retorno da
cultura do individualismo. Realidade tanto ativada pelas políticas públicas, quanto pelas
cada vez mais presentes igrejas neo-pentecostais em ocupações e assentamentos, que
ancoram o seu discurso numa perspectiva da prosperidade individual.
Como reflete o poeta Leminski, “problema tem família grande”. É certo que
ocorre ainda a crise de legitimidade de dirigentes e entidades de representação de classe,
disputas internas, processo de diferenciação no interior de ocupações e assentamentos. E
ainda a presença de pessoas consideradas “infiltradas” do Estado e do setor privado que
monitoram as ações nas áreas, como registrado no ano de 2001, quando um serviço do
Exército Brasileiro foi descortinado em Marabá. O mesmo tinha a missão de monitorar
a agenda das entidades ligadas à defesa da reforma agrária, meio ambiente e direitos
humanos. Ainda que tenha havido uma audiência pública em Marabá através da Câmara
Federal, nunca mais se ouviu falar no assunto e não se tem conhecimento de algum
desfecho.
62
Dos 19 mortos do Massacre de Eldorado do Carajás, 11 eram do Maranhão.
Eles(as) estão nos PA, na coordenação de entidades de classe. São alvos de preconceito
na região através de piadas que os relacionam a questões pejorativas. Mesmo
preconceito existente entre manauaras e belenenses. Mesmo tratamento pejorativo que
ganha relevo nos meios de comunicação regionais quando tratam da luta pela terra, onde
“sem terra” é relacionado a coisas desagradáveis.
Uma vez mais o socorro vem do Estado, desta feita via o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Antes foi a Superintendência de
Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), a bengala do capital privado.
8
Trabalho publicado na página do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC/RJ) em junho de 2006.
63
Região cantada em prosa, verso, pesquisas, reportagens, onde mais se matou
camponeses na disputa pela terra no Brasil. No extenso obituário de camponeses uma
parcela significativa é creditada ao escudo da UDR. Ainda hoje a região é palco de
execuções de trabalhadores (as) rurais que defendem a reforma agrária. Passadas duas
décadas, tal latitude do país continua a registrar índice alarmante de trabalhadores em
condições análogas à escravidão.
64
Nas investigações da pesquisadora sobre o perfil do quadro da entidade, destaca
tratar-se de pessoas do centro sul do país, que desenvolvem atividades nos setores de
comércio, indústria, serviços e mesmo bancárias (Bamerindus), e que por via legal ou
não, adquiriram grandes extensões de terras, caso da família Lunardelli, na época da
pesquisa, dono de 11 empreendimentos na Amazônia.
Com a intervenção dos irmãos Lincoln e Luiz Bueno, paulistas do celeiro dos
cafeicultores, aportados na região desde a década de 1970, a entidade ganha forma. “Um
pioneiro”. Tem sido esse o amparo de gestos mais largos para a manutenção do poder de
tal setor. A que tudo e todos devem se submeter. Onde não há espaço para a diferença.
65
Entre outros artífices no processo de defesa da intocabilidade das grandes
porções de terras na fronteira, a pesquisa pontua a presença do então estudante de
Direito da UFPA, Leonardo Lobato, integrante do que ficou conhecido como UDR
Jovem. Há ainda Gastão Carvalho Filho, mineiro, e Luiz Otávio Rodrigues da Cunha,
paulista, descendente de famílias proprietárias de terras em vários estados da União.
Engrossam o escrete do processo de privatização de terras, setores tradicionais de
pressão. Entre eles: Grupo Belauto, Grupo Marcos Marcelino, Grupo EBD, Grupo
Jonasa e a Construtora Estacon.
Dias de sangue
Formalmente pode-se afirmar que a existência da UDR no Pará foi curta, meia
década. A entidade enrolou a bandeira em 1991 (será?), no mesmo local onde havia
66
nascido cinco anos antes. O pouco tempo da existência imortalizou a região como a
mais violenta do país na disputa pela terra. Entre os anos de 1988 a 1987 há ocorrências
de sete chacinas na região, com o saldo de 62 mortes.
São os casos das prisões de Marlon Lopes Pidde, fazendeiro, acusado de ter
coordenado a chacina de cinco trabalhadores rurais na fazenda Princesa, município de
Marabá, em setembro de 1985; Manoel Cardoso Neto, o Nelito, fazendeiro acusado de
ser o mandante do assassinato do advogado Gabriel Sales Pimenta, crime ocorrido em
Marabá, em 1982; Domicio de Sousa, o Raul, acusado de ser um dos intermediários do
assassinato do Sindicalista José Dutra da Costa, o Dezinho, crime ocorrido em Rondon
do Pará, em 21 de novembro de 2000, e José Serafim Sales, o Barreirito, pistoleiro
67
condenado a vinte e cinco anos de prisão por ter assassinado, em 02 de fevereiro de
1991, o sindicalista Expedito Ribeiro de Souza, no município de Rio Maria. Barreirito
foi preso em Boston, EUA.
As prisões foram efetuadas pela Policia Federal, após constante pressão das
instituições ligadas aos camponeses, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) de
Xinguara, junto ao Ministério da Justiça. Outro elemento da cena recente tem sido as
constantes denúncias e libertações de trabalhadores rurais em condições análogas à
escravidão nas fazendas e carvoarias. O Pará sozinho reponde com 50% dos casos
brasileiros. Ao menos onde a fiscalização consegue alcançar.
9
O presente trabalho resulta de vários trabalhos publicados anteriormente nos formatos de artigos e
reportagens e foi publicado na página da rede www.forumcarajas.org.br e parcialmente na Revista Sem
Terra
68
ameaçadas de morte no estado. Entre os ameaçados há dirigentes sindicais,
ambientalistas, advogados, indígenas e religiosos.
Ao centro o sindicalista de Tucuruí, Raimundinho, executado no dia 16 de abril de 2009. FOTO: arquivo do Centro
de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular (CEPASP).
No dia 18 do mesmo mês, nove trabalhadores sem terra foram baleados por
“seguranças” da fazenda Espírito Santo, no município de Xinguara. Militantes do MST
ocupam a fazenda desde fevereiro. Há registro de outros grupos de camponeses na
mesma área.
69
movimentos sociais foram divulgados através de várias reportagens do jornalista Josias
de Souza, da Folha de São Paulo, em agosto de 2001.
A fazenda Espírito Santo, onde os sem terra foram baleados, está em nome da
Agropecuária Santa Bárbara Xinguara, do grupo Opportunity, do banqueiro Daniel
Dantas. A propriedade já foi flagrada com uso de mão-de-obra escrava10 pela Delegacia
Regional do Trabalho (DRT).
Quanto à posse legal das terras, em 30 de janeiro de 2009 o juiz Líbio Araújo de
Moura, titular da vara agrária de Redenção, bloqueou os títulos das fazendas Castanhal,
Espírito Santo e Castanhal Carajás. As duas fazendas somam 10 mil hectares e foram
negociadas por R$ 85 milhões pelo pecuarista Benedito Mutran. As áreas estão
indisponíveis para qualquer tipo de negociação.
As fazendas vendidas pelo Mutran não poderiam ter sido negociadas, posto
serem terras cedidas pelo Estado através da ferramenta jurídica do aforamento, que
concede direito de uso para fins do extrativismo da castanha do Brasil e não de posse.
Desde os tempos coloniais a terra e os recursos nela existentes mobilizam redes
econômicas, políticas e sociais. Nos dias atuais, por onde se lança a atenção nas
Amazônias do Brasil ou fora dela há registros de tensão entre grandes corporações e as
populações locais.
10
José Pereira Ferreira ganhou notoriedade, em novembro de 2008, quando foi aprovada pelo Congresso uma
indenização no valor de R$ 52 mil. Zé Pereira tinha sido reduzido à condição de escravo na fazenda Espírito Santo,
cidade de Sapucaia, Sul do Pará. Em setembro de 1989, com 17 anos, fugiu dos maus-tratos e foi emboscado por
funcionários da propriedade, que atingiram seu rosto. O caso, esquecido pelas autoridades tupiniquins, foi levado à
Organização dos Estados Americanos (OEA), que condenou o Brasil. Ferreira, goiano de São Miguel do Araguaia,
veio com oito anos para o Pará acompanhar o pai, que também fazia serviços para fazendas. Hoje, com 31 anos e o
dinheiro da indenização, pretende começar vida nova para compensar a vida roubada pelos anos de tratamento para
salvar a visão atingida pelos pistoleiros, pelas ameaças recebidas e a escravidão. "Eu estou comprando uma chácara.
Bem longe daquele lugar. (Leonardo Sakamoto, Repórter Brasil, 02.06.2004).
70
territórios empresas do quilate da Vale, madeireiros, fazendeiros, pecuaristas, indígenas,
garimpeiros, frigoríficos de grande porte, camponeses assentados, ocupantes filiados ou
não a alguma representação política, sob uma situação fundiária de abissal incerteza.
Para efeito didático trataremos apenas de sudeste as duas regiões em questão.
Registro do cartaz de uma mobilização realizada em Belém contra a violência no campo na década de 1980. Foto:
Miguel Chikaoka/Jornal Resistência.
Amazônia grilada
71
O cancelamento dos títulos vai evitar a criação de seis mil processos para o
cancelamento dos títulos que podem durar infinitos anos no tribunal já sobrecarregado.
Com o indeferimento da desembargadora Maria Rita Lima Xavier, a comissão recorreu
ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que o mesmo defira pelo cancelamento dos
títulos falsos.
A aguda disputa pela terra alçou a região à condição de mais violenta na disputa
pela terra no país. Os dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) estimam em cerca de
600 pessoas executadas na disputa pela terra ao longo de três décadas. A impunidade
beira a casa de cem por cento.
72
Mobilização de camponeses em Marabá/PA na década de 2000. Foto: Arquivo do Centro de Educação,
Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular (CEPASP).
Antecedentes regionais
11
A bacia do Araguaia-Tocantins banha três regiões do território nacional: Norte, parte do Nordeste e Centro Oeste.
Mede 813.674 km2 e corta os estados do Maranhão, Tocantins, Pará, Goiás, Mato Grosso e parte do Distrito Federal.
Dois biomas integram a bacia do Araguaia-Tocantins, Cerrado e Floresta Amazônica, com predomínio do primeiro.
Para melhor compreender a disputa pela terra na região sugiro a leitura da obra “A oligarquia do Tocantins e o
domínio dos castanhais”, da pesquisadora e professora da Universidade Federal do Pará (UFPA), Marília Emmi,
1999, 2ª edição.
12
Aviamento consistia na forma de poder dos comerciantes com os coletadores de castanha. Os
comerciantes adiantavam suprimentos necessários aos dias de trabalho na floresta, cabendo ao coletador a
venda obrigatória da castanha ao comerciante.
73
Marabá e Tucuruí (na época Alcobaça), sudeste do Pará. Desta forma era ativado o
extrativismo da castanha13. Enquanto cabiam as empresas Bittar Irmãos, Dias & Cia,
Nicolau da Costa e A Borges & Cia, entre tantos, aviarem em Belém. Europa e Estados
Unidos foram os destinos da produção, explica a pesquisadora Marília Emmi, na obra
“A oligarquia do Tocantins e o domínio dos castanhais”.
Operários “amansando“ a floresta na região de Marabá/PA. Foto: arquivo do Centro de Educação, Pesquisa e
Assessoria Sindical e Popular (CEPASP).
Até então os índios Gavião e seus sub grupos (Krikateje, Parketeje e Akrikateje),
bem como, Kaapor, Xicrin, Atikum, Guajajara, Suruí, entre outros povos, eram os
senhores do lugar, ainda que o Estado viesse a declarar durante o regime militar a
porção de terras um vazio demográfico. Trabalho escravo, mandonismo e clientelismo
davam contorno ao poder dos coronéis.
13
Castanha do Pará (Bertholletia Excelsa) é uma frondosa árvore. Em remotos tempos, abundou em
vários estados do Norte. É do ouriço, o fruto, que se extrai a castanha.
74
madeireira e minerária. A ideia era fazer com que a região prosperasse a partir desses
três polos: madeira, gado e minério.
Bateria de fornos para produção de carvão na região de Marabá/PA. Foto: arquivo do Centro de Educação, Pesquisa e
Assessoria Sindical e Popular (CEPASP).
Região explosiva
75
expulsas por conta de sua Mineradora Onça Puma (MOP), que explora níquel, conforme
denúncias de entidades locais.
Com tal contexto, ninguém ousou indicar que o campesinato da fronteira iria se
territorializar. Hoje a categoria controla mais de 50% do território no sudeste paraense
através de projetos de assentamento, em 36 municípios sob a responsabilidade do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). O reconhecimento de
áreas ocupadas, algumas delas há mais de duas décadas teve no trágico episódio do
Massacre de Eldorado o estopim.
Não resta dúvida quanto ao peso dos fazendeiros na região, mas a conversão de
fazendas ocupadas em projetos de assentamento demonstra o avanço do poder de
mobilização dos movimentos sociais camponeses, expressos através da Federação dos
Trabalhadores Rurais na Agricultura do Pará e Amapá (FETAGRI), regional sudeste,
com atuação que soma mais de uma década. Mesmo período contabiliza o MST.
76
executivos municipais e iniciativas de rádios comunitárias e outras ferramentas de
comunicação. Por conta dos projetos de assentamento germinam na região empresas de
prestação de assistência técnica rural.
O sudeste do Pará é uma região que merece atenção especial por parte do Poder
Público. Ela coleciona graves passivos oriundos da experiência dos grandes projetos. A
região é recordista em trabalho escravo, assassinatos contra dirigentes e militantes da
reforma agrária, concentra boa parte dos municípios mais violentos do país, sem citar a
devastação florestal.
São muitas as acusações de crimes que pesam nas costas do clã dos Mutran.
Assassinatos, corrupção na administração da prefeitura de Marabá, manutenção de
77
cemitérios clandestinos em “suas” fazendas, submissão de trabalhadores rurais à
condição de trabalho escravo e devastação dos castanhais para a implantação da
pecuária.
A reportagem de Sakamoto conta ainda que a sentença foi expedida por Jorge
Vieira, da 2ª Vara da Justiça do Trabalho de Marabá, e resulta de uma ação civil pública
78
movida pelo Ministério Público do Trabalho. Os réus aceitaram as determinações do
MPT e o juiz homologou a sentença. A ela não coube recurso. Os responsáveis pela
empresa citados no processo da Cabaceiras são os irmãos Evandro (dono também da
fazenda Peruano), Délio e Celso Mutran e Helena Mutran.
Foi com Benedito Mutran Filho que o senhor Dantas negociou a compra de
inúmeras fazendas, entre elas a Maria Bonita, ocupada por cerca de 600 famílias ligadas
ao MST no dia 25 de julho de 2008, quando se celebra o Dia do Trabalhador Rural. A
ação do movimento foi um ato contra a corrupção no país, no sentido de se obter mais
agilidade na política de reforma agrária, assim explica nota divulgada pelo movimento.
79
O braço escravo das carvoarias ajuda a queimar a floresta na região de Marabá/PA. Foto: arquivo do Centro de Educação, Pesquisa
e Assessoria Sindical e Popular (CEPASP).
Boa parte das terras sob o domínio da família é uma cessão de uso do Estado
para fins do extrativismo da castanha, e não pode ser repassadas para terceiros. As
fazendas São Roque e Cedro também seguiram a mesma linha das citadas acima na
negociação com Dantas.
Osvaldo dos Reis Mutran, tratado pelos pares como Vavá foi julgado pelo Júri
Popular e absolvido no dia 24 de agosto de 2005, em Marabá, pelo assassinato de uma
criança de oito anos, David Ferreira Abreu de Souza, crime ocorrido em 2002, no km
07, no Bairro Nova Marabá. O garoto foi morto com um tiro na cabeça quando jogava
futebol em frente a uma propriedade de Vavá. Na ocasião, populares provocaram um
quebra-quebra na casa do chefe do clã.
Por conta da execução do fiscal da Receita, Osvaldo Mutran foi alvo de uma
Comissão Parlamentar de Inquérito, e foi cassado do cargo de deputado estadual e
condenado a oito anos de prisão. Não cumpriu a pena integralmente. Pelo crime
80
cometido Vavá foi premiado com indulto (perdoado). Mourão foi morto por não
concordar em deixar o fazendeiro passar gado sem registro, o que o livraria de pagar
impostos. Já Nagib, o filho, foi cassado por corrupção na prefeitura e condenado a repor
ao erário público cerca de R$ 1 milhão. Atualmente é vereador em Marabá.
Aforamento
A ocupação, forma de pressão que visa democratizar a terra, emerge assim como
uma ação que questiona uma estrutura de poder local e a homogeneização de projeto de
desenvolvimento baseado na grande propriedade rural.
81
Nessa peleja pela terra em Carajás, o MST tem orientado suas ações contra as
representações do poder tradicional do lugar e ao modelo de desenvolvimento local. O
movimento ocupou ou incentivou a ocupação de inúmeras fazendas da família Mutran.
Ocupação da fazenda Maria Bonita, Eldorado do Carajás/PA, no dia 25 de julho de 2008. Foto: Thiago Cruz,
estudante de sociologia, campi de Marabá/UFPA.
82
milita no MST. Oliveira lembra que o clima ficou tão tenso que o gerente da fazenda
deixou a arma cair.
Entrar no acampamento foi fácil. O dia é ensolarado e o local parece bem calmo.
Os homens estão caçando numa mata vizinha, onde também pescam no rio Vermelho. O
local serve ainda para a retirada de palhas e madeira para a construção dos barracos.
Eidê conta que no rio Vermelho é possível encontrar muitos peixes, entre eles o
saboroso pintado.
“Acampamento é uma escola sobre a luta pela terra. Mas, nem todos resistem. O
processo até se alcançar a desapropriação demora. A gente vive muitas privações”,
reflete a avó militante. Eidê explica que desde o dia 12 de agosto de 2008 as carretas
com o gado da fazenda não param de sair. Ela estima em pelo menos cem. Para a
militante isso é um bom sinal.
Ocupação da fazenda Maria Bonita, Eldorado do Carajás/PA, no dia 25 de julho de 2008. Foto: Thiago Cruz,
estudante de sociologia, campi de Marabá/UFPA
83
Bárbara e a representação dos movimentos sociais locais, mediada pelo ouvidor
nacional Gercindo Filho.
Ocupação da fazenda Maria Bonita, Eldorado do Carajás/PA, no dia 25 de julho de 2008. Foto: Thiago Cruz,
estudante de sociologia, campi de Marabá/UFPA.
Xinguara na década de 1980 foi locus de chacinas como Surubim (17 mortos) e
Dos Irmãos (6 mortos). Ambas as chacinas não possuem processo para apurar os
responsáveis.
Nos dias atuais o município foi palco de ação de uma “empresa de segurança” da
fazenda Espírito Santo, que feriu a bala de vários calibres oito militantes do MST no dia
18 de abril de 2009. A ação dos seguranças disparando escopetas e revólveres foi
transmitida em cadeia nacional.
84
ações do movimento. Argumentos replicados nos mais diferentes meios de
comunicação.
85
Xavier. Um jantar orçado em quatro mil reais é um dos questionamentos. Mas, a agenda
negativa dos pecuaristas não teve amplificação da mídia. A reportagem foi veiculada no
jornal da TV Globo, Bom Dia Brasil, de 25 de março de 2009.
A reportagem realizada por Roberto Paiva explica que 40% da carne consumida
no estado não passa por fiscalização sanitária. Os recursos, oriundos da Agência de
Defesa Agropecuária do Estado Pará (ADEPARÁ) para o combate da febre aftosa, R$
1.441 milhão foram repassados desde 2007 através de três convênios para o presidente
do Fundo, o senhor Carlos Xavier, que nunca prestou contas.
Entre as notas flagradas pela auditoria consta uma compra de 150 projéteis para
armas de calibre 38. Cura-se aftosa na bala ou seriam para os “seguranças” das
fazendas? Tem-se ainda uma nota fiscal no valor de R$ 21 mil para aluguel de carros.
Se as ocupações ocupam generoso espaço dos meios de comunicação local, não ocorre a
mesma atenção sobre os “deslizes” dos empreendedores da pecuária.
Também não gozou da devida atenção nas coberturas jornalísticas locais o fato
histórico da condenação, numa única tacada, de 27 fazendeiros por manterem pessoas
escravizadas, numa sentença expedida pelo juiz federal de Marabá, Carlos Henrique
Borlido Haddad e divulgada em 4 de março de 2009.
Lista dos fazendeiros condenados e as respectivas penas
CONDENADOS PENA
1. Jerônimo Aparecido de Freitas 3 anos e 9 meses
86
8. Erismar de Faria Salgado 4 anos
A fazenda Cedro
87
240 famílias ligadas ao MST ocuparam a fazenda Cedro no dia primeiro de
março de 2009. A propriedade é festejada no mundo do agronegócio por seu caráter de
excelência na produção de gado zebu, no município de Marabá.
88
maio de 2009, Ana Júlia denuncia que o antigo defensor levou a tiracolo o gerente
máximo da Agropecuária Santa Bárbara, Carlos Rondenburg, indiciado pela Polícia
Federal junto com Daniel Dantas, ex-cunhado, por gestão fraudulenta, formação de
quadrilha, evasão de divisas, lavagem de dinheiro e empréstimo vedado.
14
Trabalho publicado na página da rede www.forumcarajas.org.br em novembro de 2009
89
A disputa pela terra e os recursos nela existentes coloca ao centro a disputa pelo
projeto de desenvolvimento em que estão em oposição grandes corporações do setor do
agronegócio, mineradoras, construtoras de barragens, base de lançamento de foguetes
de Alcântara, empresas de cosméticos e farmácia; e no outro extremo camponeses,
indígenas e quilombolas e demais modos de vida considerados tradicionais na
Amazônia. No setor de sementes os mastodontes são a Monsanto, Dupont e Syngenta,
que controlam próximo de 40% do mercado mundial.
90
Nice Tavares, uma negra quebradeira de coco babaçu do Maranhão e integrante
do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), reflete que a
manutenção da agrobiodiversidade representa a garantia da vida. A militante arremata
que o desenvolvimento baseado nas grandes empresas só traz destruição ao povo que
vive mo campo.
91
monocultura do arroz destrói os mananciais e os buritizais, palmeira comum na região.
Uma artemanha corrente para a composição de latifúndios tem sido a compra de lotes
em projetos de assentamento da reforma agrária. Além do arroz registra-se a introdução
da leguminosa Acácia Manja, uma planta exótica.
Dinâmicas agroecológicas
O seminário alternou dois momentos distintos. O primeiro dedicado para
reflexão e o segundo para a apresentação de experiências locais. Silenciosamente
homens e mulheres do campo fazem uma pequena revolução. A oeste do Maranhão a
ONG, que tem como caráter ser dirigida por trabalhadores/as rurais tem consolidado
uma prática em agroecologia que contempla inúmeras dimensões, como gênero,
geração, educação e tecnologias baratas. Trata-se do Centro de Educação e Cultura do
Trabalhador Rural (CENTRU), que tem entre os integrantes o histórico militante da luta
camponesa Manoel Conceição Santos.
Experiências em agroecologia
ASSEMA é uma organização dirigida por trabalhadores rurais e quebradeiras de
coco babaçu que tem atuação no Médio Mearim, região central do Estado do Maranhão,
situado no Meio Norte do Brasil.
Seu trabalho envolve famílias de 17 áreas de assentamento dos municípios de São Luiz
Gonzaga do Maranhão, Lima Campos, Lago do Junco, Lago dos Rodrigues,
Esperantinópolis e Peritoró, todos situados na referida região, com uma população entre
10 e 20 mil habitantes.
92
Comercio solidário, produção agroecológica norteiam a atuação da organização.
No município de Lima Campos 11 famílias da Associação dos Agricultores da Gleba
Riachuelo participam da experiência consorciando o plantio de banana, abacaxi, caju,
jaca e mamão com leguminosas, árvores madeireiras da região e a palmeira do babaçu.
Nos 10 hectares são cultivados horta, trinta e nove espécies de frutíferas, entre
elas, acerola,caju,banana, abacaxi, coco, jaca, goiaba, cupuaçu, murici. Entre as
madeiras podem ser encontradas, cedro, ipê, inharé, copaíba, mogno, paricá e nim. No
caso das leguminosas usadas para adubação verde, existe farta produção de feijão
guandu, mucuna preta e sabiá. A estrutura do Cetral conta com alojamento e auditório.
93
João Lisboa (Coopajol), Imperatriz (Coopai), Montes Altos (Coopemi), São Raimundo
das Mangabeiras (Coopevida), Loreto (Coopral), Balsas (COOPAE B) .
APACC
Faz oito anos que a APACC atua na região do Baixo Tocantins desenvolvendo
atividades voltadas para a transição do modelo de agricultura tradicional para o modelo
baseado na agroecologia. Ao longo desse tempo a APACC fomentou um pouco mais de
1.000 experimentos baseados na agroecologia, em aproximadamente 130 comunidades,
que envolveu cerca de 2.500 pessoas nos município de Cametá, Oeiras do Pará e
Limoeiro do Ajuru.
94
Avaliação em regra geral é positiva e entusiasmada sobre a intervenção da
APACC nos mais diversos níveis do diálogo da instituição. A avaliação positiva pode
ser encontrada nos relatórios de observadores externos, na esfera nos financiadores e
principalmente depoimentos do sujeito social que é o principal parceiro da APACC, o
trabalhador/a rural, que efetivou uma Rede de Multiplicadores em Agroecologia.
15
Trabalho publicado parcialmente na Revista Cadernos do Terceiro Mundo, edição de nº246, no ano de 2003.
95
Por conta da morosidade da justiça local em apurar os inúmeros casos de assassinatos
no campo paraense o estado brasileiro tem sido denunciado em cortes internacionais, a exemplo
da Organização dos Estados Americanos (OEA). A morosidade se constitui como uma nódoa na
ação da justiça local quando se trata de processos sobre as execuções de dirigentes sindicais pró
reforma agrária. E se constitui como uma seiva que irriga a manutenção da violência. Há casos
que ultrapassam a casa de uma década e outros que somam mais de vinte anos.
Ao cair da tarde, às 18.35h da tarde do dia 23 de maio de 2003, após dois dias de
julgamento, Adilson Carvalho Laranjeira e Vantuir Gonçalves de Paula foram condenados a 19
anos e 10 meses de prisão no Tribunal do Júri de Belém, Pará. Roberto Moura, juiz da 1ª Vara
Penal (o mesmo do caso Eldorado do Carajás), fez o pronunciamento da pena de dois, dos cinco
fazendeiros acusados de mandantes do assassinato do presidente do STR de Rio Maria, João
Canuto de Oliveira. Os outros três fazendeiros acusados de mando da morte do sindicalista e
que estão foragidos são: Ovídio Gomes Oliveira, Juranidr Pereira da Silva e Gaspar Roberto
Fernandes.
O julgamento dos acusados da morte de João Canuto entra para a história por dois
motivos: primeiro pelo fato de ser a sétima vez em que acusados de envolvimento de morte de
animadores da reforma agrária sentar no banco dos réus; e o segundo, por conta das brechas da
Lei, que possibilitou que os dois fazendeiros condenados gozarem do direito de recorrem em
liberdade, por serem primários e “gozarem de bons antecedentes”.
96
O desejo de dona Geraldina era vê-los saírem algemados direto para a cadeia. Ainda
assim perto de 600 trabalhadores rurais acampados desde o primeiro dia do julgamento
festejaram a sentença.
AS TESTEMUNHAS
Dois meses antes de ser morto João Canuto de Oliveira ficou escondido dos pistoleiros
na casa do defensor público José Roberto da Costa Martins, que atuou a partir de 1983 em
Conceição do Araguaia, 200 quilômetros de Rio Maria. Martins declarou em seu depoimento
que Canuto lhe havia confessado que Vantuir tinha interesse na morte dele. No tribunal Martins
denuncia que vários depoimentos relativos ao caso do sindicalista sumiram da delegacia de Rio
Maria, que por conta do fato, tiveram de ser retomados em Conceição do Araguaia.
Aqui vale uma ressalva no que diz respeito ao chefe de delegacia no interior do Pará
naqueles dias distantes. Os mesmos não eram obrigados a terem graduação em Direito. Os
chefes de delegacia eram alcunhados de “bate pau”, não raro, pistoleiro, homem de confiança
do prefeito. Na época da morte de Canuto, Adilson Laranjeira era prefeito de Rio Maria.
Padre Ricardo Rezende Figueira atuou na região entre 1977 a 1989 como membro da Comissão
Pastoral da Terra (CPT). Rezende assina dois livros essenciais para quem se interessa por essa
latitude da Amazônia A Justiça do Lobo, posseiros e padres do Araguaia (Vozes, 1986) e Rio
Maria, o Canto da Terra (Vozes,1993). Por conta de seu vínculo de amizade com João Canuto o
depoimento ganhou outra conotação, a de informante.
No livro Rio Maria, o canto da terra (página 177), Rezende registra uma conversa com o
lavrador João Martins, onde narra uma fala do mesmo: “Se falava que houve reunião para matar
João Canuto. Uma com vinte e cinco pessoas, na casa do Valter Valente. O cabeça era
Laranjeira. Quando os dois pistoleiros chegaram para acertar Canuto, vinham da fazenda Canaã,
do Ovídio.”
97
Entre os participantes da reunião estavam Laranjeira, o prefeito de Conceição do
Araguaia, Orlando Mendonça e seus irmãos Marcondes e Jordão Mendonça; Dirceu, Danilo e
Juscelino, o médico Eurico, Jurandir e o fazendeiro Elviro Arantes, encarregado da contratação
dos pistoleiros ao lado do fazendeiro Zanela.
A TESMUNHA CHAVE
Vieira sentenciou que além de Vantuir de Paula, estavam presentes os fazendeiros Renê
Simões, o dono da casa de prenome Danilo, o irmão de um dos réus, conhecido como Valtinho.
Vieira informa que chegou a ver o fazendeiro Adilson Laranjeira deixando a casa onde ocorreu
a reunião. “Ouvi quando todos eles falaram que tinham que eliminar o João Canuto senão as
invasões iam continuar”. Todos foram unânimes, finalizou Vieira. Para o promotor Edson
Cardoso o depoimento do comerciante fornecia evidências de sobra para o tribunal do júri
condenar os fazendeiros a 30 anos de reclusão em regime fechado, pena máxima por homicídio
culposo qualificado. Só que não foi bem assim o desfecho.
IMPRESSÕES DO JULGAMENTO
98
dos colegas estrangeiros, para Delmares, para que o julgamento seja perfeito é necessário que a
sentença seja cumprida.
“Uma ilusão” disparou frei Henri des Roziers, advogado francês assistente da acusação,
e da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Xinguara, cidade vizinha a Rio Maria. Frei Henri
comparou o desfecho do Caso Canuto com o julgamento do Eldorado de Carajás, onde o major
José Maria Oliveira e o coronel Mário Pantoja, que também foram condenados em junho em
2002 respondem em liberdade até hoje.
JUSTIÇA
Quando se examina o diagnóstico organizado pela CPT do Pará de 541 mortes ocorridas
no sul e sudeste do Estado desde 1980, e somente sete casos entre mandantes (03), intermediário
(01), e pistoleiros (03), foram a júri e nenhuma pessoa se encontra presa, fica evidente que há
algo de grave na província do Pará. É a partir de tal quadro que o movimento popular cimenta o
discurso que é a certeza de impunidade que motiva a pistolagem contra lideranças sindicais e do
MST.
99
Caso do fazendeiro Jerônimo Alves de Amorim, que foi julgado e condenado no dia seis
de junho de 2000 a 19 anos e meio de prisão como mandante da morte do também sindicalista
Expedito Ribeiro de Souza. O fazendeiro cumpre pena domiciliar em sua mansão em Goiânia,
Goiás, alegando motivo de saúde.
Outro exemplo que não pode deixar de ser lembrado é o caso do Massacre de Eldorado
do Carajás, onde 19 trabalhadores rurais sem terra foram mortos pela PM do Pará, em 17 de
abril de 1996. Na questão de Eldorado somente dois oficiais dos 154 policiais envolvidos foram
condenados pelo último júri de 2001, e esperam em liberdade julgamento de recurso. Por essas e
outras demandas relacionadas com a luta pela terra que em 1999 a Comissão Interamericana de
Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), condenou o estado
brasileiro pela lentidão em apurar o caso de João Canuto.
A vitória do Caso Canuto foi parcial, avaliou Jax Pinto, ex coordenador da CPT do
Pará. “Acreditamos que há um avanço no que diz respeito aos casos de levar a julgamento os
envolvidos na morte de lideranças empenhadas na luta pela reforma agrária no Brasil. É
resultado na pressão do movimento no Brasil e internacional. Hoje a reforma agrária é pauta
nacional. Isso resulta da luta, da ação em rede do movimento”, arremata Pinto.
ALERTA
100
Durante a conversa Pinto foi enfático em salientar a sua preocupação em relação ao que
considera a última fronteira da Amazônia. Trata-se da Terra do Meio, a derradeira reserva de
Mogno, madeira de grande valor comercial no mercado mundial. A região fica na Amazônia
Oriental, entre os rios Xingu e Iriri, bandas dos municípios de Altamira, São Félix do Xingu,
Itaituba e Novo Progresso.
“Lá tudo é grande, até o pequeno proprietário de terra. Lá a dinâmica pela disputa da
terra é entre o grande e o pequeno, e entre os grandes proprietários e índios. Há um casamento
cruel entre a destruição ambiental e a violência. A situação da região nos preocupa bastante, e
pode ficar mais grave. Sem falar na construção da polêmica hidrelétrica de Belo Monte”,
finaliza Pinto.
TRIBUNAL SIMBÓLICO
Foi um tribunal popular que julgou alguns processos de visibilidade nacional, como os
acusados pelo Massacre de Eldorado do Carajás e pelas mortes de “Fusquinha” e “Doutor”
101
(integrantes do MST mortos em Parauapebas), e “Dezinho” (integrante da Federação dos
Trabalhadores na Agricultura – Fetagri, morto em Rondon do Pará, 2000). Edmilson Rodrigues,
prefeito de Belém na época e D. Tomás Balduíno, coordenador da CPT nacional estiveram no
lançamento do Tribunal. Dira Paes, Marcos Winter, Letícia Sabatela, Carla Marins e Leonardo
Vieira foram alguns dos artistas que estiveram presentes no julgamento. Eles integram um
comitê que apóia a luta pela reforma agrária no Brasil. Naquele mesmo momento uma outra
chacina no Xingu era noticiada.
Dona Geraldina Canuto, viúva de João veio a óbito no dia 15 de outubro de 2009. O
derradeiro depoimento de dona Geraldina foi dado a jovens realizadores, que produzem
um documentário sobre as viúvas e mães de trabalhadores rurais da região.
16
Trabalho publicado no site www.riosvivos.org.br me janeiro de 2004
102
A hidrelétrica de Marabá está desenhada como outras 15 da bacia do Araguaia
Tocantins desde a década de 80 (na década de 80 eram previstas 27, segundo
planejamento do Programa Grande Carajás). A cidade de Marabá tem cerca de 200 mil
habitantes, é a principal do sudeste do Pará. Tem no comércio sua base econômica. E
goza da boa fama de se resolver tudo na ponta da peixeira ou da bala.
O que soa mais grave é que segundo estudos da Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel) a hidrelétrica de Marabá está inserida na zona de transição do rio
Araguaia, onde se verifica entre abril e setembro a migração de espécies de peixes que
deixam o reservatório de Tucuruí, sul do Pará, e os lagos e igarapés nas proximidades
de Itupiranga e Marabá, Pará. Ao mesmo tempo há cardumes descendo o Araguaia em
103
direção ao Tocantins. O que caracteriza como uma área com restrição à implantação de
hidrelétrica.
O que se nota é uma nova reconfiguração espacial a partir desses novos grandes
projetos. Pelo montante dos empreendimentos que emergem, é como se surgisse um
novo Projeto Carajás. Agora no contexto de economia globalizada, não mais sob a égide
104
da doutrina de segurança nacional. Pelo que podemos notar ao longo da experiência dos
anos do projeto Carajás, não há nada de novo na paisagem. A lógica permanece a
mesma desde o descobrimento do país: o saque das riquezas, e a socialização das
catástrofes sociais e ambientais. Para efeito de comprovação basta uma visita aos
Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), e outros.
O que se registra de novo front é uma mobilização que ocorre há uns quatro anos
dos setores populares da região do Bico do Papagaio, através de realização de vários
seminários, campanhas contra a construção de barragens que tem como interessadas as
empresas de alumínio (Alcoa, Billliton, Votorantim, CVRD) que objetivam a autonomia
de energia, o maior insumo na produção do minério. Produção de livros, cartilhas e
artigos também fazem parte do rosário das ações dos populares. O que se desponta na
janela é a reedição de uma história tantas vezes lida.
105
Encheram o reservatório Serra da Mesa em 1997, criando o maior lago, em termos de
volume de água (54,4 milhões de métros cúbicos) da América Latina (área 1.784 km2).
O lago banha nove municípios, entre eles: Uruaçu, Campinorte, Colinaçu, Cavalcante,
Minacú e Campinaçú. Segundo o MAB são mais de 1.800 famílias atingidas e nem uma
foi indenizada, apenas alguns grandes proprietários, mais localizados na região do
canteiro. Segundo a FURNAS e pelo IEA, na época eram 1.390 famílias, sendo 1.295
atendidas. Faltam 95, destas 75 estão com o dinheiro depositado em juízo, e as outras 20
estão nas áreas de remanso. Hoje tem mais de 100 casos na justiça reivindicando revisão
das indenizações. Houve uma litigação com enfoque na existência de um grupo de
6 Índios Avá-Canoeiro em terras que foram inundadas (8% da reserva). Isso provocou
uma série de ações da Funai e um “programa” da Furnas em favor dos indígenas,
inclusive uma porcentagem dos “royalties”. Segundo a CPT-Goiás, o caso de Serra da
Mesa é bem dramático, pois não se fez nenhuma tentativa de negociação coletiva, tudo
que aconteceu e o que não aconteceu foi individualmente, o que dificultou e muito a luta
tardia daquele povo. A potência de Serra da Mesa é 1275MW.
• Empresas interessadas: Furnas, Votorantim, Banco Bradesco e Camargo Côrrea.
4 - Estreito (MA/TO)
Situa-se entre os municípios de Aguiarnópolis/TO e Estreito/MA, com impactos mais
profundos nas cidades de Carolina/MA, Babaçulândia/TO, que deve ser inundada, e
Filadélfia/TO atingindo diretamente 1.150 pessoas e indiretamente a reserva indígena
krahô, além do Monumento Natural das Árvores Fossilizadas. A avaliação é de que a
água que abastece várias cidades ao longo do rio Tocantins sofrerá danos com a
106
hidrelétrica. A licitação está prevista para o 1º semestre de 2002. A hidrelétrica de
Estreito deve produzir 1.087MW. O empreendimento tem o financiamento do BNDES.
• Empresas interessadas: Alcoa, Billiton, Camargo Correa, Tractabel e Vale do Rio
Doce.
• Últimas informações: o Ministério Público Federal de Imperatriz entrou com uma
ação questionando os processos de licitação e licenciamento do empreendimento. 60
% da construção já foi realizada na metade de 2009.
5 - Tupirantins (TO)
Deve atingir os municípios de Tupirantins e Itapirantins, além de áreas indígenas. A
licitação está prevista para o 1º semestre de 2002. Esta hidrelétrica deve produzir 820
megawatts de energia.
• Empresa interessada: EDP.
6 - Lajeado (TO)
Inundou os municípios de Miracema, Lajeado, Palmas, Porto Nacional, Brejinho de
Nazaré e Ipueiras, desalojando três mil famílias. A hidrelétrica entrou em
funcionamento no 2º semestre de 2001, com a perspectiva de produzir 850 megawatts
de energia.
• Empresas que adquiriram a concessão: EDP, Grupo Rede, CEB e CMS Energy.
107
Renováveis (IBAMA), que considerou insatisfatórios as informações apresentadas no
processo e aspectos relevantes à análise do processo não foram contemplados ou sequer
abordados. A situação desse empreendimento é que a empresa foi notificada e que ela
acatou a notificação. A hidrelétrica gera 243 megawatts.
• Empresa interessada: Tractebel.
9- Marabá (PA)
Localizar-se-á no Rio Tocantins, próximo a confluência com o rio Araguaia. Inundará
terras de onze municípios, afetando cerca de 12.100 pessoas da área rural e 4.364
pessoas da área urbana. O impacto deste aproveitamento sobre a terra indígena Mãe
Maria (Grupo Gavião) foi considerado crítico. A interferência se dará sobre 10% desta
terra indígena e também afetará a área indígena Sororó, do povo Suruí Aiwekar. Os
impactos também se darão em áreas de extração de castanha-do-pará e babaçu e do
parque estadual do Encontro das Águas. A capacidade instalada deve ser de 2.160 MW
num investimento de quase US$2bi.
• Últimas informações: caso Marabá seja aprovada, toda a justificativa para a negação
da licença ambiental para Santa Isabel cai por terra.
10 - Couto Magalhães (GO/MT)
Deve inundar áreas do parque das Emas, em Goiás, assim como o projeto da hidrelétrica
de Itumirim(GO), que foi embargada recentemente pelo Ibama, e atingir os municípios
de Santa Rita do Araguaia e Alto do Araguaia, numa das últimas áreas em bom estado
de conservação do cerrado As empresas que se mostraram interessadas são a EDP e o
grupo rede. A hidrelétrica de Couto Magalhães obteve o maior ágio no leilão de
novembro de 2001, mas até hoje não recebeu o licenciamento prévio por parte do
Ibama. Seu EIA-Rima apresentou cinco espécies de mamíferos ameaçadas, mas os
técnicos do Ibama verificaram cerca de dez espécies de mamíferos e uma de arara azul
protegidas por lei federal. A situação de Couto Magalhães é que a empresa foi
notificada. Está previsto que sejam gerados 150 megawatts de energia.
• Empresa interessada: Consórcio Enercouto (EDP e Grupo Rede).
11 - Santa Isabel (TO/PA)
Situada no baixo curso do Rio Araguaia, próximo à Santa Isabel do Araguaia, deve
inundar áreas pertencentes aos municípios de Palestina do Pará, Piçarra e São Geraldo
do Araguaia, 7,4% da reserva ecológica da serra das Andorinhas e parte da APA de São
Geraldo do Araguaia, no estado do Pará, e dos municípios de Ananás, Araguanã,
108
Riachinho e Xambioá do estado do Tocantins, desabrigando 974 pessoas na área rural e
1404 pessoas de área urbana. Também afetará áreas dos povos indígenas Surui e Karajá.
Essa é uma área de transição entre formações florestais e vegetação de cerrado. O
projeto prevê a geração de 1200MW. Empresas interessadas: Alcoa, Billiton,
Votorantim, Camargo Correa e Vale do Rio Doce.
• Últimas notícias: as empresas desistiram da construção de Santa Isabel. O seu
licenciamento ambiental foi negado pelo Ibama, dentro da perspectiva de deixar o rio
Araguaia ileso, tanto em relação à construção de hidrelétricas como da construção da
hidrovia Araguaia-Tocantins.
12 - Araguanã (TO/PA)
É um desdobramento da hidrelétrica de Santa Isabel, sendo que tem seu eixo localizado
logo após a montante de Santa Isabel, numa área de transição entre a área integrada, ao
norte, e a área de integração incipiente, ao sul. Inundará o território de 18 municípios,
atingindo 10.000 pessoas na área Rural e 18% das terras da Comunidade Indígena
Karajá de Xambioá, numa área equivalente a 2.297 km2. Segundo Glenn Switkes, da
Rede Internacional de Rios, haveria efeitos difíceis de se prevê sobre os pantanais da
ilha do Bananal. A sua capacidade instalada deve ser de 960MW.
A CVRD
Nas contas do jornalista Lúcio Flávio Pinto, a CVRD é a empresa que mais
exporta no Brasil, responsável por 20% do comércio exterior da balança comercial, 70%
dos produtos da Vale são extraídos do solo do Pará. Com 22 mil funcionários a empresa
faturou U$ 5,2 bilhões dólares em 2002. Com um valor estimado hoje em U$ 13 bilhões
109
de dólares, a empresa navega sob o comando da Bradespar (do Bradesco) e do grupo de
fundos de pensão liderados pela Previ (do Banco do Brasil).
Avançar num debate sobre a CVRD não é a proposta deste trabalho, no entanto
julgo na necessidade de aclarar alguns elementos recentes da história da empresa, posto
a relevância da CVRD para a compreensão da região. A fonte de informação é a
recente publicação da editora Cejup, CVRD: a sigla do enclave na Amazônia,
assinado pelo sociólogo e jornalista Lúcio Flávio Pinto. A nossa idéia é tentar nominar
alguns projetos. O atual estágio evidencia na região mais que nunca, o que se
convencionou chamar de nova ordem mundial. E avalio que a CVRD é a encarnação
dessa lógica do capital em escala internacional.
110
Maranhão em parceria com a siderúrgica chinesa- Baosteel. Por se tratar de um ilha, os
impactos ambientais podem ser graves.
17
O presente artigo integra a publicação Na Trilha do Anilzinho: Resistência e Multiplicação de Conhecimentos
Agroecológicos na Região do Baixo Tocantins-PA, recuperação sobre a experiência da em agroecologia da ONG
Associação Paraense de Apoio às Comunidades Carentes (APACC) na região do Baixo Tocantins. O artigo foi
aprovado em dezembro de 2009 para publicação na Revista Estudos Avançados, da Universidade de São Paulo/USP.
111
se constituído em cenário de deslocamento da violência contra camponeses e seus pares,
antes concentrada a sudeste do estado.
112
(as) na disputa pela terra. E existe uma boa parcela no trecho (estrada) com as borocas
(mochilas) nas costas em busca de um canto para viver.
O cotidiano no mundo das águas da micro região de Cametá, mais conhecida como
Baixo Tocantins é organizado pelos rios Moju, Pará e o caudaloso Tocantins. Sete
municípios compõem a região: Abaetetuba, Igarapé Miri, Limoeiro do Ajuru, Cametá,
Mocajuba, Baião e Oeiras do Pará. Em maior ou menor profundidade a região sofre os
impactos da barragem de Tucuruí, com ênfase para a redução do pescado.
Desse conjunto apenas o município de Oeiras do Pará não é banhado pelo Tocantins e
sim pelo rio Pará. No estuário é a oscilação das marés que condiciona a vida da
população local. Cascos (canoas), voadeiras e popopôs, - nome de embarcação
adquirido por conta do ruído do motor - constituem a principal forma de transporte e
canal das relações comerciais entre os agricultores, pescadores e extrativistas com o
meio urbano. As viagens, que às vezes ultrapassam 10h, são momentos de
contemplação, solidariedade, troca de informação, conto de causos, fofoca, galhofas
diversas entre os (as) conhecidos (as).
113
O rio Tocantins, como parte desse complexo estuário amazônico, se comunica
com o rio Pará, se junta ao rio Guamá vai formar a baía do Guajará e o conjunto fluvial
da foz do gigante rio Amazonas, o qual despeja diariamente milhões de metros cúbicos
de água doce no oceano Atlântico (COSTA, 2006, p. 23).
Por conta do açaí, ora coqueluche nacional e internacional, chegam à região uma
série de empresas de comercialização do Pará, e de regiões economicamente mais
desenvolvidas, como o sudeste do país e mesmo empresas européias e americanas. A
presente corrida sobre o açaí tem motivado junto aos trabalhadores rurais a necessidade
de fortalecer a organização dos produtores para que se consiga uma melhor capacidade
de negociação. No momento as empresas tendem a estipular o preço do produto.
114
investigações realizadas por Gilson Costa sobre o Baixo Tocantins apontam que o
processo na região teve início na década de 1960, com prolongamento até a década de
1990, quando se registra a redução do estoque de madeira, tendo como conseqüência a
migração das madeireiras para outras regiões.
115
grandes famílias emergem como um fator de pressão sobre os recursos naturais e a terra.
No Baixo Tocantins, por exemplo, há casos de famílias com mais de dez filhos.
116
O campesinato do Baixo Tocantins realizou em momentos mais recentes
inúmeras frentes de atuação. Nos registros de pesquisa de Valdomiro de Sousa
encontram-se o Movimento em Defesa da Região Tocantina (Modert) e o Movimento
Nacional dos Atingidos por Barragens (Monab) e ainda o Movimento Nacional dos
Trabalhadores da Pesca (Monape). Nota-se na História do Baixo Tocantins um conjunto
de inúmeras formas de mobilização que passa pelos gritos da terra, acampamentos de
camponeses no município de Cametá, - cidade pólo da região-, ocupações em órgãos
públicos no município e em Belém, marcam os anos 1990.
Se o momento inaugural foi marcado pelo foguetório, o segundo não teve tanta
celebração. Sucedeu um profundo endividamento. Entre os fatores indicados
encontram-se a ausência de habilidade do trabalhador/a rural com as entrelinhas da
dinâmica bancária. Gilson Costa sublinha que os camponeses foram duramente
atingidos, enquanto os setores do agronegócio ligados à produção dos insumos
agropecuários conseguiram lucrar bastante com a venda de maquinário e adubo
químico.
Técnicos que atuam na assistência rural regional revelam que o modelo dos
projetos foi equivocado, marcado pelo incentivo de monoculturas da pimenta-do-reino,
e de espécies frutíferas estranhas à região, como o murici. Uma ação na contramão do
que preconizam os estudos sobre a Amazônia, que sugerem a dinâmica da
117
diversificação de culturas e Sistemas Agroflorestais (SAF). No campo da assistência
técnica a região registra a presença da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural
(Emater) e a Comissão Executiva da Lavoura Cacaueira (Ceplac) de forma considerada
não sistemática existem ações de algumas prefeituras.
118
pesquisas universitárias, nos relatos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais em
participação de vários encontros dentro e fora do Pará.
Bibliografia
BORDENAVE, J. O que é comunicação rural. 2ª. ed. São Paulo: Brasiliense, 1985.
119
<http://www.agroeco.org/brasil/material/costabeber.htm#_Toc13019702>. Acesso em
25/07/2008.
FREIRE, P. Extensão ou comunicação. 10ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992
120
PETERSEN, P. DIAS, A. Construção do conhecimento agroecológico. Articulação
Nacional de Agroecologia, 2007. p.88 a 102
121
03ª-Parte
Belém- a cidade
122
Coletivo Rádio Cipó- A inquietação cultural na quebrada da
Amazônia18
Ela é negra, índia, branca e mestiça. Inóspita para a maioria dos filhos seus. Nela
os canais proliferam, assim como as gangues e a venda de balas e picolés e a
mendicância nos coletivos. É a mais barulhenta da nação.
123
O Coletivo se auto-define como um núcleo de produção de mídia sonora aliado à
tecnologia de áudio digital caseira na produção de pesquisas sonoras experimentais com
o objetivo de divulgar essa produção para o Brasil e no exterior. Dão seiva ao grupo MC
RatoBoy (vocal), MC Jamant (vocal), Renato Chalu (guitarra), Jarede das Arabias
(baixo e guitarra) e Luís Bolla (percussões), Carlinhos Vas, Mestre Laurentino e Dona
Onete.
Primeiros passos
O vocalista Ruy Montalvão, “RatoBoy”, explica que a gênese de tudo se
encontra no fim da década de 1990, quando o mesmo militava na banda autoral Manga
Beso, ao lado de outros músicos como Carlinhos Vas, Vlad Cunha, Bernardo e Márcio
Maués.
“Fervilhava o festival “Rock das 6h” na cidade e a banda iria se apresentar pela
primeira vez num palco com estrutura. Ná Figueredo, conhecido animador cultural em
Belém nos chamou e pediu para que um senhor, mestre Laurentino, abrisse o show da
banda. Apelou que o coroa fazia um som bacana na gaita harmônica. O grupo topou e
seu Laurentino caiu na graça de todos”, recorda Montalvão.
Se é necessário sorte na vida e estar num lugar certo e na hora certa, seu
Laurentino foi laureado por ela. Hermano Vianna, doutor em antropologia, pesquisador
na área de música e coordenador do site Overmundo, se encontrava no espetáculo. O
irmão do Herbert Vianna, vocalista da banda Paralamas do Sucesso, observava o show.
O intento do pesquisador era garimpar artistas locais para integrar a iniciativa Música
do Brasil, e convidou Laurentino para o projeto. Foi a janela para o mestre ser
conhecido em território nacional.
124
.
Foto - divulgação
Mestre Laurentino – o neto de escravos que virou pop depois dos 70 anos
Encontramos João Laurentino da Silva, mais conhecido no mundo pop como
mestre Laurentino, numa manhã ensolarada de setembro na Praça da República. O neto
de escravos veio ao mundo no dia primeiro de janeiro de 1926, no município de Ponta
de Pedras, arquipélago do Marajó. Aos quatro anos foi adotado pelo juiz de direito
Francisco das Costa Palmeira. Não tem mais irmãos vivos e depois de adotado não
manteve mais contato com os pais biológicos.
125
Estudou até a quinta série. Trabalhou como técnico de manutenção de aviões
na extinta empresa Real Aerovias, que existiu entre 1946 a 1961. O autor do hit
Lourinha Americana, que tira um sarro do pedantismo estadunidense, também passou
pela roça e pela exploração da madeira. “A música é sucesso internacional. Já recebi
comentários da Itália, Portugal, França, Alemanha e até do próprio Estados Unidos”,
fala com orgulho o serelepe senhor de 82 anos.
A música foi gravada pela banda pernambucana Mundo Livre S/A, no CD Por
pouco. Num trecho a canção dispara: Essa lourinha americana (lourinha
americana)/Está querendo me escolachar/Foi dizendo que eu sou neguinho (bem
neguinho)/E que na América eu não posso entrar.
O aposentado que recebe um salário mínimo por mês reflete que o mundo se
encontra cheio de bandalheira e que não gosta de lari-lari. Humilde, apesar da
popularidade, considera-se pequeno, menor que um grão de mostarda. Laurentino tem
memória prodigiosa. Lembra de fatos históricos e políticos antigos. Como uma eleição
do tempo do interventor Magalhães Barata, quando era comum se emprenhar urnas.
O mestre em detalhes
O mestre mora na ilha do Outeiro, região metropolitana de Belém com Elza
Freire da Silva, com quem teve 10 filhos. Mas, somando com outros relacionamentos
Laurentino contabiliza o total de 16 rebentos. Além da companheira Elza o compositor
que guarda as canções que faz na cachola, tem como xodós dona Maria Josefina,
126
acreana descendentes de europeus e a dona Leonice dos Santos. Segundo o mestre, ele
ainda confere o placar em noites chuvosas.
Por cinco mil réis comprou a primeira gaita aos 18 anos. Desde menino
manifestou interesse por música. Passou por incontáveis programas de auditórios nas
emissoras de rádio e TV´s locais. Narra aventuras do tempo da PRC-5, atual Rádio
Clube. O hoje celebrizado mestre já foi homenageado pela câmara municipal de Ponta
de Pedras e em Belém.
“Tomo conta”, afirma o roqueiro mais antigo do Brasil. Entre as aventuras das
múltiplas viagens ele conta que no festival de Goiânia os “malucos” o apanharam
do palco e o jogaram para o alto. Caiu em cima da caixa de som e quebrou os óculos.
127
BOSQUE RODRIGUES ALVES, O JARDIM BOTÂNICO DA
AMAZÔNIA. 120 ANOS DE HISTÓRIA19
Belém é quase uma ilha. Dos 505.823 km2, 332.037 km2 é região insular
(65,64%), formada por 43 ilhas. Sob um clima quente úmido, numa temperatura média
de 30º C, é o comércio que faz cidade se mover economicamente. A hidrografia é rica,
baías, rios igarapés, furos. Tanto em sua parte continental quanta na insular. Baía do
Guajará, baía do Marajó, baía de Santo Antônio, baía do Sol, rio Guamá, rio Murubira,
rio Mari-Mari, igarapé do Tucunduba são alguns dos recursos que compõem a
península.
19
Trabalho publicado originalmente na Revista Ecologia e Desenvolvimento, Rio de Janeiro, n. 108,
2003.
128
urbanização da cidade. A Europa respirava a Revolução Industrial. No Brasil vivia-se o
ocaso da Monarquia e o surgimento da República. O capital gerado pela exploração da
borracha colaborava para tornar Belém a “Paris dos Trópicos”. Teatro da Paz, Palacete
Bolonha, Praça da República, Praça Batista Campos, Mercado de Ferro do Ver-o-Peso,
hoje monumentos históricos despontavam na floresta como signos da elite local.
A segunda data, a mais aceita, confere ao senhor João Diogo Clemente Malcher,
então presidente da Câmara Municipal, numa sessão de 25 de agosto de 1883 a criação
do espaço de lazer dos ricos que surgiam com o lucro da exportação do látex. A
iniciativa teria partido do senhor José Coelho Gama Abreu, o Barão de Marajó, um
geógrafo da Amazônia, intendente de Belém, espécie de prefeito da cidade (1879/1881).
A mesma dura três anos. Monumentos como grutas, riachos, cascatas, viveiros,
definição espacial de hoje foram realizadas por Lemos. Eduardo Hass, diretor do
Bosque e o arquiteto José Castro Figueiredo foram os responsáveis pela empreitada.
129
Erguido em frente à ferrovia Belém-Bragança, que ligava a capital ao interior, o
Bosque Rodrigues Alves ganha seu nome definitivo em 17 de dezembro de 1906,
através de uma resolução do Conselho Municipal. O nome é uma homenagem ao
correligionário de Lemos, o então Presidente da República do Brasil, Francisco de Paula
Rodrigues Alves.
130
catalogação foram consideradas as árvores a partir de 10 cm de diâmetro. Do conjunto
levantado cerca de 2.000 são consideradas como jovens.
131
espécie em vias de extinção, que exige condições especiais para a sua reprodução consta
na flora no Bosque.
Os bichos do Bosque
132
extinção, são as aves mantidas pelo Bosque. Que mantém ainda macaco prego, e os
peixes tambaqui, pirarucu e o poraquê, conhecido como peixe elétrico. Jacarés e o
mamífero peixe boi podem ser vistos no lago do Bosque.
MONUMENTOS DO BOSQUE
133
A última reforma do chalé custou R$ 50 mil, teve apoio da Petrobrás, durou três
meses. É um dos seis projetos apoiados pela empresa. A reforma foi pensada para
melhor atender os visitantes. O prédio recebeu nova pintura, reparos na cobertura e na
estrutura de madeira, além de tratamento anticorrosivo na estrutura de ferro. Ainda
como parte integrante da arquitetura do ferro no Rodrigues Alves existem coretos e
viveiros para aves.
134
trabalho sobre a pororoca no rio Capim. O outro naturalista e botânico homenageado é
Gerg Hubner.
Um ser de grande porte, feições de macaco, só que com um único olho cravado
no meio da testa e dono de uma grande boca, que se estende até a barriga na direção do
umbigo. Assim é a descrição do Mapinguari. Alguns nativos narram que o Mapinguari
tem os pés no formato de uma mão de pilão. A lenda narra que a entidade só anda pela
mata durante o dia. E que só apareceria em dias santos e feriados. Ainda como parte da
lenda, há pessoas que acham que o Mapinguari é um índio que alcançou uma idade
avançada e virou um monstro.
135
A elevação do Bosque Rodrigues Alves à Categoria de Jardim Botânico é o fato
mais importante da memória recente do logradouro. Tal fato descortina uma terceira
fase na história do Bosque, depois de sua inauguração e a reforma realizada pelo
intendente Antônio Lemos, explica Flávio Contente.
Com o novo status o Bosque espera facilidade para captação de recursos a nível
nacional e internacional para desenvolvimentos de projetos. A construção de uma
biblioteca no Chalé de Ferro, uma coleção especial de plantas e o apoio dos parques
ecológicos de Belém e Mosqueiro, distrito de Belém, são projetos agendados pela
coordenação do Rodrigues Alves Bosque.
Agora o Rodrigues Alves passa a ser uma área protegida, onde o acervo da flora
cientificamente já reconhecido e identificado através do censo, terá como finalidade o
estudo, a pesquisa e a documentação da flora do país. Entre as atividades a serem
desenvolvidas como diretrizes dos jardins botânicos constam o desenvolvimento de
pesquisa, o intercâmbio científico, a manutenção da biodiversidade, a organização de
biblioteca e o desenvolvimento de programa de educação ambiental.
136
No projeto de assentamento (PA) José Pinheiro, localizado próximo de Marabá,
sudeste do Pará, na Transamazônica, criado há dois anos pelo Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA), verifica-se uma boa incidência da ararajuba.
É lá que a equipe de fauna do Rodrigues Alves deu o pontapé inicial do Projeto SOS
Ararajuba. O projeto reúne como parceiros as 40 famílias do PA, Petrobrás, Ibama,
Batalhão de Policiamento Ambiental e o Museu Emílio Goeldi, que também possui o
status de Jardim Botânico.
Na trilha da Amazônia - 200 mil pessoas passam pelo Rodrigues Alves por
ano. A maioria desse público é oriunda de escolas. 12 escolas por semana visitam a
área. A trilha ecológica é um sub-programa inserido na pauta do Projeto de Educação
Ambiental do Bosque, desempenhando a função de canal de disseminação das
informações levantadas pelo censo.
Quem desejar passar o dia inteiro da área não terá problemas com a alimentação.
Um restaurante com comidas típicas do Pará funciona todos os dias. Para socorrer a
sede tem ainda quiosques que comercializam sorvetes de frutas da região e água. Para as
crianças existe um pequeno parque. E o visitante que desejar descansar, pode sossegar
as nádegas num dos bancos de estilo neoclássico com a gravação de uma esfinge em
cada lado, assentado no início do século passado.
137
Dos 15 hectares de área, seis constam como área reservada. É lá a maior
densidade de plantas. É nesse canto que a fauna livre pode viver e se reproduzir distante
da presença humana. É nesse canto que as jiboias vivem.
138
04ª -Parte
Entrevistas
139
A AMAZÔNIA SOB A ANÁLISE DE LÚCIO FLÁVIO PINTO20
20
Trabalho publicado na página da revista paulistana Caros Amigos em julho de 2004 e posteriormente
no livro o Jornalismo na linha de tiro autoria do entrevistado no ano de 2006.
140
Eu ia e voltava sempre. Nesse período era muito inconstante. Voltei mesmo em fim de 1971.
Fiquei aqui até o fim de 1972, daí voltei para São Paulo, para o jornal O Estado de S. Paulo,
onde fiquei 17 anos, de 1971 a 1988. Voltei para cá no fim 1974,quando fiquei como
correspondente. Trabalhei no Opinião, para mim, o maior jornal alternativo daquela época.
Trabalhei ainda no Movimento e no EX. Todas eram publicações alternativas. Em seguida,
trabalhei no O Liberal (jornal de maior circulação do Norte do país) e na TV Liberal. Trabalhei
na Isto É e no Jornal da República. Aí, em 1987, comecei a fazer o Jornal Pessoal. Antes havia
feito o Informe Amazônico, que foi o embrião do Jornal Pessoal. Foram 12 números do Informe
Amazônico. Antes, em 1975, havia feito o Bandeira 3, um tablóide semanal de 18 páginas.
Nanani Albino – Antes de entrar no Jornal Pessoal, gostaria de voltar um pouco na sua
trajetória. A Amazônia é rica em história de intensa migração. Gostaria de saber a
história de sua família. Qual é o seu movimento familiar?
Minha família é totalmente migratória. Meu avô por parte de mãe é português. Meu avô por
parte de pai veio da seca do Nordeste para o Acre, depois para o Pará. Por parte de mãe
português e acreano e cearense e acreano por parte de pai.
141
Não era o embrião do SUDAM. A SPVEA foi criada em 1953, por Vargas, substituída pela
SUDAM. Ela deveria continuar, mas desapareceu em 1966, no regime militar. Bem, meu pai
trabalhou na SPVEA, depois foi prefeito de Santarém, pelo MDB (atual PMDB).
Rogério Almeida - Então o senhor não teve problemas para estudar, já que era de classe
média?
A nossa vida foi um pouco incerta. Depois que meu avô perdeu tudo com a seca meu pai ficou
pobre e eu estudava em escola pública. Num dado momento, meu pai começou a enriquecer
como empresário e comerciante. Chegou a ter três fábricas, duas delas de fibras, a Tecejuta, em
Santarém, e a Tecefátima, no município de Capanema, e a de cerâmica Marajó. Nessa época
éramos de classe média alta. Pude ter um bom estudo. Meu maior patrimônio era uma conta
corrente em aberto na Livraria Martins. Podia tirar o que quisesse.
Guilherme Carvalho – Como foi o episódio que ocorreu com teu pai durante a ditadura?
Naquele tempo, o Pará só tinha 83 municípios. Dos 83, o MDB, de oposição, só elegeu dois em
Santa Isabel, um pequeno município e Santarém, o segundo mais importante município do
Estado. Meu pai tinha conseguido uma vitória grande sobre a Arena, com uma margem de 65%
dos votos. Ele já havia sido “garfado” duas vezes no “mapismo” (a fraude que era praticada
quando se fechava a apuração dos votos). Então, desde o início ele ficou atravessado. A arena
tinha o controle político e ele tentou uma composição com o governador Alacid Nunes com o
pretexto de irregularidades nas contas dele, meu pai foi afastado pela Câmara Municipal, onde
era minoria. Tinha apenas três representantes do total de nove. Afastado, a Câmara resolveu
pela sua cassação. Ele entrou na Justiça no município de Óbidos, o juiz era Christo Alves, que
veio a ser desembargador depois. Ele concedeu mandado de segurança para a reintegração do
meu pai no cargo. No dia da execução do mandado de segurança, Alacid enviou uma tropa com
150 homens da PM com ordem de não permitir a posse. Papai teve apoio do deputado mais
votado da região, o brigadeiro Haroldo Veloso, que tinha sido líder da revoltas de Jacareacanga
e Aragarças contra Juscelino kubistchek e era da ala radical da Aeronáutica embora fosse da
Arena. Ele disse que ia liderar a passeata para papai reassumir a prefeitura. Quando a passeata
saiu, às cinco horas da tarde para a prefeitura, a PM começou a atirar. Morreram três pessoas.
Papai teve que fugir e recebeu a cobertura do brigadeiro Paulo Vítor, que se deslocou para lá
com tropas, avião da Aeronáutica. Isso aconteceu em 1968. Ele conseguiu fugir e depois teve o
mandato cassado. Talvez seja o único político cassado duas vezes. Primeiro o mandato e depois
os direitos políticos. E Santarém foi declarada área de Segurança Nacional, não pôde mais
eleger seu prefeito.
142
Rogério Almeida – Como foi a sua saída para o Sudeste. Foi convite de algum meio de
comunicação de lá ou uma iniciativa sua?
Vi que aqui não dava mais. A imprensa estava acomodada. Fui primeiro para o Rio de Janeiro.
Parte de minha família morava lá e mesmo sem contato nenhum consegui trabalhar no Correio
da Manhã. Na última fase de D. Niomar. A gente já começava a ver o início da decadência do
jornal que havia sido o mais importante da República. Por problema de família, voltei para
Belém. Fiquei indo e vindo um certo período. Até que fiquei em Belém por mais tempo e
participei de uma série de transformações em A Província do Pará. A primeira página dessa
época era só de telegramas nacionais e internacionais. Fizemos chamadas de primeira página,
introduzimos suplementos. Aí veio o AI- 5. Li a íntegra na redação, fim de noite. Vi que não
tinha como ficar mais em Belém.
143
surgir uma literatura fantástica, muito rica. Eles escapavam da realidade para o mundo da
imaginação. Isso é bom para gerar controvérsia. Um ambiente mais democrático. Foi isso que
ocorreu com os intelectuais de 20 e 30 chamados de direita: Oliveira Vianna, Azevedo Amaral,
Lourival Fontes. Todos estão atentos a Nelson Werneck Sodré, Caio Prado Júnior, Sérgio
Buarque de Holanda. E esquecendo essa vertente, incluindo Gilberto Freyre, que conheciam o
Brasil melhor dos que os de esquerda. Os pensadores conservadores, como Paulo Prado,
conheciam muito o Brasil.
Nanani Albino – Isso se deve a quê? Por que você estava lá?
Quando fui para o Estadão, não havia um só paraense na redação, nem de qualquer outra parte
da Amazônia. Várias coincidências fizeram aproximar-me do dono do jornal, Júlio Mesquita
Neto. Em alguns momentos ele precisou de determinadas coisas que forneci, inclusive escrever
editorial. Naquela época fiz a “heresia” de entrar na sala do doutor Júlio que ninguém entrava.
Não tinha muito respeito pela sacralidade do “aquário” (ambiente da direção do jornal) do
chefe. O Estadão tinha a mácula do Estado Novo, quando o governo entrou no Estadão e o
administrou. A propósito, o Estadão melhorou tecnicamente nesse período. A marca do
liberalismo do Estadão dessa época era não aceitar censura. A rede de informação do Estadão
era bem fraca. Sob a liderança do Raul Martins Bastos, do Departamento de Sucursais e
Correspondentes, que naquela época não tinha muita importância, ajudei a fazer a mudança de
toda a rede de correspondentes do jornal no país. Havia pessoas que trabalhavam no jornal fazia
muito tempo, e entraram numa rotina que era pobre para o jornalismo.
144
Nós tínhamos feito o levantamento e faltava apenas a senha, que viria a ser a ACISO - Ação
Cívico Social do Exército, que arrancava dentes da população carente e outras coisas, além de o
repórter enviado era tido como de confiança do governo. Os oito parágrafos iniciais eram
dedicados a essa história da ACISO, o resto era só a história da guerrilha, a única que furou a
muralha da censura no período. Depois disso, se decidiu que o Estadão ia ser o grande jornal da
Amazônia. O plano, aprovado pessoalmente pelo doutor Júlio, era para eu vir para cá e montar a
sucursal, a primeira sucursal verdadeiramente regional do jornal. Fizemos uma grande reunião
com todos os correspondentes da região, e logo acordamos que São Paulo não mexeria em
nosso texto. A nossa idéia era depurar a visão exótica da Amazônia. Permitir que a Amazônia
verdadeira emergisse na grande imprensa.
Rogério Almeida – Não é contraditório quando a Amazônia é pauta em todo canto do mundo?
É um interesse estandartizado. É o que se quer que seja a Amazônia. Essa é a regra para a
Amazônia. Para acompanhar a Amazônia bem, é preciso uma boa estrutura, gente bem paga e
qualificada. Eles não querem isso. Exemplo disso é Klester Cavalcanti, repórter da Veja. Ele
apareceu um dia dizendo que foi seqüestrado, embora o caso nunca tenha sido bem elucidado,
provavelmente pelos grileiros de terras. Ele foi retirado de Belém logo em seguida como se
fosse uma operação de guerra. Uma história cheia de contradição. Dois terços da matéria que
saiu em Veja era sobre o seqüestro dele. O que ele escreveu sobre grilagem de terras não
justificava de jeito nenhum qualquer ato hostil. Era muito menos do que qualquer um aqui da
terra já havia escrito várias vezes. Ele saiu como o Indiana Jones, de volta à metrópole
cosmopolita depois de aventuras na jungle feroz e primitiva.
Guilherme Carvalho – Nesse caso o seu Jornal Pessoal surge para se contrapor a isso?
Como disse, fiquei 17 anos no Estadão. Existe uma regra que se você sobrevive há 15 anos na
empresa, você é indemitível, para usar um neologismo. Quando pedi demissão, o doutor Júlio
145
me ligou. Ele se sentia desconfortável, eu vim com um compromisso dele. Pedi demissão
porque não acreditava mais que o Estadão pudesse fazer uma cobertura decente da Amazônia,
como havia feito no passado.
146
possível frear uma escalada, como viria a ocorrer. No ano seguinte, foi morto o advogado João
Batista, em pleno exercício de seu mandato de deputado estadual. Passei três meses
investigando. Escrevi uma grande matéria, que veio a ganhar o prêmio da FENAJ, no ano de seu
lançamento. Escrevia nessa época a coluna Repórter 70, a mais influente do jornal O Liberal,
apresentava um programa de entrevistas na TV Liberal e tinha minha própria coluna assinada no
jornal. Na época do assassinato do Paulo, o dono da empresa tinha acabado de morrer, o
Romulo Maiorana. Entreguei a matéria para a Rosângela Maiorana Kzan, que depois viria a
entrar com cinco ações ns Justiça contra mim. Ela falou que a matéria era impressionante, só
que tinha um problema: denunciava as pessoas mais ricas do Pará. Com o Joaquim Fonseca, que
se dizia o maior armador fluvial do mundo e o Jair Bernadino de Souza, da Belauto, a maior
revendedora de automóveis. Ela disse que não podia publicar a matéria porque citava dois dos
maiores anunciantes do jornal. Sugeri que ia fazer um jornal, ela falou que imprimiria o meu
jornal de graça, contanto que não citasse isso. Depois, entraram com uma ação na justiça para
que citasse onde era a impressão do Jornal Pessoal, para intimidar as gráficas, que realmente se
amedrontavam. No segundo número, foi uma denúncia de um rombo de 30 milhões de dólares
no Banco da Amazônia (BASA), que nenhum jornal publicava, pelo presidente interino do
banco, que era o advogado de O Liberal, Augusto Barreira Pereira. O Liberal não publicava
porque um dos envolvidos era o procurador dele, e A Província do Pará não publicava porque
outro dos envolvidos era o famoso Billy Blanco, irmão do Milton Trindade, superintendente da
empresa.
147
morreu. Dizia a voz: “Doutor, prepare a manchete de amanhã: Assassinado Lúcio Flávio Pinto”.
Descobri de onde vinham as ameaças. Isso foi em 1985, o Jader Barbalho era o governador do
Estado. liguei para ele, informei-o e lhe disse que se fosse investigar saberia de onde estava
vindo. Comuniquei-lhe que estava com uma carta para ser enviada para o dono do Estado de S.
Paulo, contando que as ameaças de morte estavam vindo dele. Depois do impacto, o Jader
reagiu, disse que a carta seria usada pelos seus inimigos para tentar prejudicá-lo. Retruquei que
lia eu que estava sendo ameaçado de ser destruído. Ele pediu 24 horas para desmontar o
esquema. No dia seguinte, ligou dizendo que era verdade e que ele havia desmontado o
esquema.
148
feito. E que o interesse da polícia era pegar o repórter policial Paulo Ronaldo. O Paulo foi um
célebre repórter, tinha sido eleito deputado estadual pela oposição. Ele era muito popular e tinha
tido uma votação estrondosa. A polícia era louca para pegá-lo. Eu e o Paulo fomos indiciados na
Lei de Segurança Nacional por incitarmos a sociedade contra as autoridades. Depois o crime foi
desqualificado na justiça militar e o processo arquivado na justiça comum. Desde 1992, quando
a Rosângela Maiorana Kzan entrou com a primeira ação, das cinco que moveu contra mim, já
foram 15 processos, além de mais um na justiça eleitoral. Em pleno regime democrático, sinto-
me mais perseguido do que na ditadura.
Rogério Almeida- Desse rosário de processos, nove são sobre grilagem de terras?
Nove são de grilagem de terras e extração de madeira na Terra do Meio, lá no Xingu. Cinco são
da dona do Liberal, a Rosângela Maiorana Kzan. Chegou ao cúmulo dela entrar com ação cível
para me proibir de falar o nome dela para sempre. Fiz a seguinte pergunta no Tribunal: caso ela
ganhe, como vai ser a execução da sentença? Vão mandar um censor do Tribunal? Vou ter que
submeter o Jornal Pessoal a um censor do Tribunal? É um absurdo. A ação prospera até hoje.
Guilherme Carvalho - A Justiça paraense nesse caso, ou o Judiciário de um modo geral, está
servindo como instrumento para que a ação dessas quadrilhas de grilagens de terras proliferem?
Veja o caso da desembargadora Maria do Céu Duarte. Ela se sentiu ofendida por um artigo meu
no qual reproduzia trecho de uma decisão dela. Disse que a ofensa era agravada pelo fato de eu
ter colocado aspas na declaração dela, denotando intenção de ofenda.
Rogério Almeida – Para tentar ser didático. São três os atores que o processam. Os dois
desembargadores, a Maiorana e o pessoal da grilagem de terras.
E tem a figura intolerante do prefeito de Belém, que também é dono de uma ação, Edmilson
Rodrigues (PT/PA). A ação é porque ele dava dinheiro para um escroque, um crápula do
jornalismo para defender a prefeitura e garantir uma coluna com pseudônimo, que era o “Décio
149
Malho”. Usando essa gazua, ele ofendia todas as pessoas inimputavelmente. Mostrei que o PT
que vinha para estabelecer a moralidade, estava usando o dinheiro público para chantagem.
Jornal Popular
Rogério Almeida – Ainda existe?
Quando o prefeito deixou de pagar o jornal, deixaram de falar bem dele. No processo, uso a
figura jurídica da exceção da verdade. Ou seja, a possibilidade de provar que tudo que estou
dizendo é verdade. E as pessoas não deixam. A primeira sentença que me condenou foi
manuscrita. Tinha 54 páginas. Foi dada por uma juíza que jamais havia dado uma sentença
parecida. Você visualizando notava que não era a mesma letra. Há uma regra da lavratura de
sentença que diz que se o juiz começar a manuscrever a sentença, tem que fazer do principio ao
fim, rubricar cada página e assinar no final. A juíza não fez isso. Pedi perícia. Afirmava que não
havia sido a juíza quem havia escrito aquela sentença. Pedi perícia grafotécnica e grafológica.
Era mais de um modelo de letra.
Rogério Almeida- Tem um problema também com os órgãos de imprensa aqui no Pará?
150
Tem. No O Liberal sou proibido de sair. A coisa é tão séria, que fui fazer uma palestra num
cursinho. O dono resolveu anunciar no jornal O Liberal, pagando nos classificados. Nem
anúncio pago com o meu nome sai no Liberal. A pedido meu, numa das audiências, a juíza
interrogou Rosângela Maiorana se era verdade que o meu nome era proibido de sair no jornal.
Ela respondeu que não. Que no dia em que eu morrer, sai. Quanto ódio, meu Deus!
Nanani Albino – Você fez alguma crítica sobre o desembargador ou somente sobre a
decisão dele?
151
A minha crítica é sobre o ato. Ao longo desses 40 anos, nunca entrei num assunto se não tenho
prova. Nunca fui processado por falta de provas. A questão é sintomática. A C. R. Almeida,
antes entrar com as ações, tinha o jornalista Oliveira Bastos como seu assessor especial.
Mandou-me duas cartas violentíssimas. A tentativa era me desmoralizar. Não conseguiu. Depois
ele saiu da empresa. No terreno do debate, não fui vencido. Só escrevo depois de ler, verificar,
me convencer da questão. Não produzo com base em dossiê. Só escrevo quando domino o
assunto.
Guilherme Carvalho - Lúcio, você tem tido dificuldade de conseguir advogado aqui?
Quando a Rosângela Maiorana Kzan, em setembro de 1992, entrou com a primeira das cinco
sucessivas ações, procurei oito advogados. Em geral, de esquerda. Todos, sob diferentes
pretextos, não aceitaram a minha causa. Uns alegando dor de cabeça, amizade... Um amigo, que
não era advogado militante, sem escritório, topou fazer a defesa. O acordo era que eu
freqüentasse o Fórum e ajudasse na elaboração das peças. Aí comecei a estudar Direito e
freqüentar o Fórum. São doze anos. Usei de todos os institutos do Direito Penal. Sempre é a Lei
de Imprensa. Avalio que não haja alguém que conheça a Lei de Imprensa melhor do que eu.
Nanani Albino - Por que a Lei de Imprensa, criada em pleno regime militar, ainda não foi
derrubada?
A lei é inconstitucional. Só que alguém tem que entrar com Ação de Declaração de
Inconstitucionalidade (ADIN). Aí fica o sindicato, a Federação, ficam os grandes líderes dos
direitos humanos dizendo que a lei é entulho do regime autoritário. E ninguém toma uma atitude
positiva. A Constituição revogou tacitamente a lei. Como a Lei de Imprensa é especial, ela deve
ser inconstitucional e tem que ter uma outra lei para revogá-la. Por quê? Porque os democratas
de ontem são os autoritários de hoje. Edmilson Rodrigues, prefeito do PT, usou a Lei de
Imprensa contra mim. Lula não vive dizendo que a imprensa é denuncista? Não interessa ao
poder, de direita ou de esquerda, abolir a Lei de Imprensa.
Guilherme Carvalho - Qual avaliação que você faz da relação entre os meios de
comunicação, governo e esses grupos econômicos que estão controlando mais terras,
grilando?
Acho que a imprensa deva ser democrática. Se você manda uma carta e o jornal não a publica,
já deveria ser considerado crime, a recusa da publicação da carta. Se você mandou e em 48
horas, o jornal não publicou, já seria crime. Bastaria entrar na Justiça provando o recebimento
da carta e que não foi publicada. A partir desse dia, multa violenta na empresa, em dinheiro.
Com isso se resguardaria o direito do cidadão de se defender daquilo que foi escrito contra ele
na imprensa. Por esse lado, se defenderia o cidadão. Outro ponto seria que ninguém poderia
entrar na Justiça sem antes esgotar a via administrativa. Nesses moldes, nenhum dos
152
desembargadores poderia me processar, já que não exerceram o direito de resposta. Acho
também que com a criação de alguns mecanismos seria possível estabelecer uma relação
democrática dos meios de comunicação. Por exemplo: cada empresa que alcançasse
determinada tiragem, ou determinado capital, deveria ficar obrigada a abrir o seu capital. E a
empresa não poderia absorver as ações totais, deveria permitir que 10% fossem comprados pelo
cidadão. Não acredito no modelo de conselho, como feito no Peru. O Estado, quando entra no
campo cultural, é totalitário por atavismo. É o cidadão que deve ter o controle. Não o Estado.
Quando optei pelo Jornal Pessoal, nunca aceitei publicidade.
153
Mesmo que eu saísse no primeiro minuto. A justiça é terrível. É um poder triturador –lento, mas
inelutável. Por isso há o ditado: quem tem juízo, não vai a juízo. Quando li a decisão do
Tribunal, passei o fim de semana questionando onde havia errado. Não posso errar. Não posso
deixar o inimigo se alimentar de falhas. Sobretudo das pequenas, que desviam da apreciação do
mérito e se restringem a uma preliminar formal.
Nanani Albino– Como você consegue com tanta pressão ser um repórter investigativo? O
que significa ser um repórter investigativo?
As pessoas pensam que repórter investigativo é aquele presenteado por dossiê. Investigar
significa ir atrás do fio da meada e questionar sempre. Se você não tem dossiê, vai atrás dos
fatos. A escola de repórter de polícia continua sendo a grande escola. Morto não manda release.
Não tem assessor de imprensa. O problema é que consigo desagradar todo mundo. O PT não me
considera um aliado. O PSDB não me considera aliado. O PFL, idem. Azar deles. E azar o meu.
Nanani Albino – Você falou que a melhor escola para investigar os fatos é estar diante dos
fatos e perguntar. No que tange à Amazônia, o que te inquieta? Quais os fatos que
deveriam estar na pauta e não estão?
Sempre lembro, como metáfora, o exemplo de Isaac Newton. Estavam os dois irmãos debaixo
da macieira. Felizmente a maçã caiu na cabeça de Newton. Fosse na cabeça do irmão, teria
gerado no máximo um palavrão. O jornalista é aquele que faz a pergunta certa, na hora certa. O
jornalista é aquele que incomoda o poder. Seja qual for. Ideológico, econômico, institucional.
Uma vez, em Tucuruí, o presidente da Eletronorte afirmava que a água do lago era boa. A TV
filmando. Então pedi: “beba essa água”. Ele não tomou. Ninguém estava esperando. Liquidou-
se. Um outro episódio foi com o pistoleiro que executou o deputado João Batista, de nome
Péricles. Numa pequena sala da Assembléia Legislativa, ele dava entrevista. Só entrava uma
equipe de TV de cada vez. O arquivo está na Cultura. Ele afirmava que nunca tinha pegado
numa arma. Pedi para o soldado tirar as balas do revólver e passá-lo para mim. O capitão, que
154
estava ao lado, autorizou. Peguei o revólver e disse para o Péricles: “pega”. Ele tomou a arma de
minha mão na hora. Era um profissional. A equipe da TV Cultura, que filmou tudo, saiu
correndo para exibir o filme. Jornalismo é isso. Em cima do lance. E às vezes não. Até porque
as sociedades que mais se desenvolvem são aquelas que dão tempo para as pessoas ficarem no
ócio, refletindo. Não existe verdade sem ócio. Outra coisa foi Sossego. Dezenas de matérias.
Nanani Albino – Você avalia que as pessoas que estão no planejamento das políticas
públicas para a Amazônia estão fazendo as perguntas certas?
Alguns são honestos e competentes possuem a resposta. Outros, não. As pessoas que fizeram os
contratos de minério de ferro, bauxita (matéria prima para a produção do alumínio), os contratos
da Albrás (maior empresa de alumínio do Brasil, instalada no município de Barcarena, a 40 Km
de Belém), sabiam que estavam cometendo um crime contra o Brasil.
Rogério Almeida – Todos esses projetos se deram no regime militar?
Todos. Todas as pessoas que assinaram contratos dos grandes projetos na Amazônia deveriam
estar respondendo a processos. A base do meu diálogo são os fatos. Eliezer Batista (ex-
executivo da CVRD - Companhia Vale do Rio Doce), um dos homens mais importantes da
história contemporânea, que concebeu todo o Grande Carajás, disse que, caso não tivesse havido
corrupção na construção de Tucuruí, nós não teríamos precisado subsidiar o alumínio. E a
155
CVRD é uma empresa do alumínio. O subsídio custou dois bilhões de dólares. Fui apurar e
escrevi matérias sobre o assunto no Jornal Pessoal. Em contato com o ex-deputado federal do
PT, Geraldo Pastana, sugeri que ele convocasse o Eliezer. Não foi aprovado o pedido. Então,
pedimos informações no TCU - Tribunal de Contas da União, depois de dois anos tivemos a
reposta deles, de que se tratava de águas passadas.
Nanani Albino- Por que a opinião pública parece não se aliar a você?
156
no Xingu, eram 10 árvores por hectare. Não tem mais nada lá. Diziam que a gente ia aprender
com a experiência do Araguaia. Estamos fazendo pior no Xingu. Aí só vai restar o Acre. Uma
árvore por hectare. Araguaia era a maior reserva de mogno do mundo.
157
Quando Lula foi eleito, elogiou a tecnocracia do regime militar. Escrevi um artigo dizendo que
ele tinha certa razão. Acho que nunca se fez tanto plano. Alguns tão bem feitos que não
poderiam nem ser executados. Uma vez, em Brasília, fui ao Instituto de Pesquisa de Econômica
Aplicada (IPEA), cujo chefe era o ministro João Paulo dos Reis Veloso, do Planejamento, que
sempre se preocupava com a história, por isso apadrinhou intelectuais marxistas. Não queria
passar como o tecnocrata dos ditadores. Em 1972, andando pelo IPEA, entrei inadvertidamente
numa sala onde estava sendo dada uma aula sobre Marx. Aquilo era uma heresia privatizada.
Nessa época, o IPEA publicou um livro crítico sobre a colonização dirigida na Amazônia.
Critica o INCRA, os incentivos fiscais que motivaram a formação dos latifúndios com
metodologia marxista. Caso for analisar a história pela fonte secundária, você vai dizer que esse
era um déspota esclarecido. Agora a bíblia sobre a Amazônia é um livro sobre o II Plano de
Desenvolvimento da Amazônia – PDA (1975/1979). Esse documento diz o que da Amazônia?
Diz que o papel da Amazônia é fornecer insumos para o Brasil moderno e matérias-primas para
o mundo. Com isso, ela vai aumentar o ritmo do desenvolvimento brasileiro, pois o Brasil não
tem poupança suficiente para isso, e também manter a roda do processo produtivo do mundo. É
isso que interessa. Tudo dito claramente sem filigranas ou cosméticos. É um futuro colonial.
Como mudar isso? Tornar o povo participante.
158
fábrica. Em quais dados primários se baseia O Capital? Nos relatórios dos fiscais de fábrica da
Inglaterra.
Rogério Almeida - Essa questão da regulação fundiária, gostaria que a gente retomasse. É
uma questão séria na Amazônia.
Está em vigor o Estatuto da Terra. Foi baixado pelos militares em novembro de 1964, o Estatuto
é melhor que a Constituição. O Estatuto diz o seguinte: ninguém pode ser dono de mais de 600
vezes o modulo rural.
159
senhor Cecílio Rego Almeida aparecesse com um título desses nos Estados Unidos, poderia ser
preso.
Rogério Almeida – Vamos falar um pouco sobre a CVRD -Companhia Vale do Rio do
Doce. A Vale é maior que o Pará?
É maior. A CVRD tem uma verba de investimento maior que a do Estado. O faturamento da
CVRD é maior que a receita do Estado. Caso o modelo de enclave prospere, a CVRD vai ser
três vezes maior que o Pará. É um modelo baseado em matéria-prima, quantidade crescente de
minério de ferro. Vinte milhões de toneladas era o ponto de viabilidade da mina de Carajás.
Hoje está em 55 milhões de toneladas. Por quê? O primeiro trem saiu de Carajás com a tonelada
de minério a 26 dólares, hoje são 15 dólares. Ocorre que tem de produzir cada vez mais. O Pará
é o 2º Estado em território, 9º em população, 16º em Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH), 19º em Índice de Desenvolvimento Juvenil (IDJ). É o modelo da África do Sul. Nós
somos a África do Sul da Amazônia.
Rogério Almeida - A privatização foi um crime de lesa pátria?
A melhor análise que saiu foi da Euromoney, uma revista de negócios da Europa, foram 16
páginas. Eles mostraram o absurdo que foi o preço de avaliação de arremate da CVRD. O
absurdo é tanto que hoje os japoneses estão na CVRD. Uma das regras da privatização era que
comprador não poderia ser acionista da CVRD. O modelador da privatização, que é o Bradesco,
é o principal controlador fora dos fundos federais. Que privatização é essa? Foi um dos maiores
escândalos do Brasil. As ações propostas na Justiça não foram decididas até hoje.
Nanani Albino – Há 12 anos você vem sendo processado. Qual a postura das entidades de
classe, federação, sindicato de jornalistas em relação a isso?
Bem, fui do sindicato do tempo em que o Lula tentava implantar as delegacias sindicais no
ABC, no fim da década de 70. A gente foi o primeiro sindicato a ter salário profissional e
delegacia sindical. Depois perdemos no Superior Tribunal do Trabalho. A gente fez isso
primeiro. No primeiro processo, o presidente do sindicato escreveu uma nota de solidariedade
tão sórdida, que pedi o meu desligamento do sindicato. A solidariedade era pior do que se
tivesse feito um ataque a mim. Ele dizia que a Rosangela Maiorana tinha razão, mas que tinha
de ser solidário pelo espírito de corpo. Nesse recente episódio (do desembargador João Paiva) a
nota de solidariedade foi comandada pelas ONG´s: Instituto Sócio Ambiental (ISA), Amigos da
Terra, Greenpeace. FENAJ e sindicato aderiram. A iniciativa não foi deles. O episódio mais
triste que ocorreu nesses quase 40 anos de profissão foi quando denunciei a infiltração do
narcotráfico na Amazônia, em 1991, ano em que ocorreu o assassinato de uma figura da
sociedade, que era lavador do dinheiro do narcotráfico internacional. Durante meses, o Jornal
Pessoal foi o único que publicou os fatos. Era a história de Bruno Matos. Quatro meses depois,
saiu uma única matéria nos três jornais da cidade, dizendo que ele tinha se suicidado. Ele
morreu na BR 316, a 90Km/h, recebeu um tiro na distância mínima de três metros, de cima para
160
baixo, da esquerda e ele era destro. Foi um único tiro, preciso. Esse é o suicídio mais
inverossímil da história da humanidade. Um tiro a três metros de distância, dirigindo o carro a
90Km/h. Após o Jornal Pessoal encadear os fatos, a PF apreendeu uma tonelada de cocaína no
Marajó e no rio??? Amazonas. Toda a imprensa foi para a sede da PF para a coletiva. Fui e não
fiz qualquer pergunta. Os colegas interrogaram sobre o meu silêncio. Falei que tinha ido para
conversar em off com o delegado José Salles, hoje superintendente aqui no Pará. O colega
declarou, então, que iria ficar. Que agora é que ia começar o bom. Retruquei que não existe off
coletivo. Que se tratava de uma conversa particular, estabelecida através da confiança mútua.
Concordei em que todos participassem, com o compromisso de que todos publicassem o que ia
ser dito ali. Todos foram embora. O Salles, delegado, interrogou: são esses seus colegas?
Nanani Albino – Você tem 38 anos de jornalismo. O Jornal Pessoal muitas vezes não cobre
nem sequer os custos. Você hoje consegue viver da profissão?
Dou palestras, escrevo artigos para fora, escrevo livros. Do Jornal Pessoal, não. O Jornal
Pessoal é a pedra no sapato.
Guilherme Carvalho – A mosca na sopa?
O Roger Aguinelli, presidente da CVRD, um dos homens mais poderosos do Brasil, num vôo
leu um clipping do Jornal Pessoal. A CVRD mantém o Jornal Pessoal no seu clipping. Ele
ficou furioso. Contatou o chefe de comunicação, que estava indo para o Maranhão, para antes
parar no Pará. Queria que me dissesse que ele não era banqueiro, que faz filantropia e que
destina todo o dinheiro das suas participações em conselhos a obras de caridade. Estava furioso
com o Jornal Pessoal. Agora, nesse episódio (da condenação), recebi uma carta do Jarbas
Passarinho em solidariedade. Ele fez o que nenhum colega meu fez. “Use essa carta, se quiser”,
disse ele. Fomos adversários. Nunca me processou. Mesmo quando ele era o homem mais
poderoso do Pará.
Nanani Albino– Que preço você paga?
No Jornal Pessoal, quem quiser entrar, tem que me convencer. Não interessa se é poderoso. O
Hélio Gueiros (ex-governador do Pará e ex-prefeito de Belém, candidato nesse pleito de 2004 à
prefeitura de Belém), mandou uma carta para mim que começava assim: ”Lúcio Flávio, porque
tu não vais chupar o cu da puta que te pariu?” Publiquei a carta. Ele não imaginava que
publicaria e nunca mais quis falar sobre isso.
Rogério Almeida – São quantos livros?
Dez livros e participação em muitas obras coletivas.
Rogério Almeida – A produção dos livros obedece à mesma lógica do Jornal Pessoal,
bancados por ti mesmo?
Agora, sim. Antes, não. O melhor que fiz foi bancado por uma bolsa de pesquisa americana, da
Universidade da Flórida, que me permitiu falar mal de um do símbolos americanos, o Daniel
161
Ludwig, do projeto Jari. Recebi uma boa bolsa de seis meses. Passei seis meses pesquisando e
estudando nos Estados Unidos, escrevendo um livro contra um símbolo do capitalismo
americano. Esse foi o livro que mais me gratificou. Quanto aos outros, não tive essa retaguarda.
Foi um dos melhores períodos da minha vida.
Guilherme Carvalho – Você é um homem cético ou esperançoso?
Se fosse cético, já teria entregado as armas. Tenho esperança. Agora, a minha consciência diz
que estou numa luta perdida. Vou continuar a luta até o último dia.
Nanani Albino –Você acha que vai pagar atrás das grades por expor fatos que mais
ninguém publica?
Cipriano Barata foi muito mais jornalista do que eu. Toda vez que ia para as grades, escrevia um
jornal. Escrevia na guarita da fortaleza maranhense. É um exemplo. O meu algoz, a Rosângela
Maiorana, que já foi minha amiga, disse que iria me mandar para a prisão. Retruquei que o risco
era que eu iria ter tempo para escrever um Jornal Pessoal por dia. Iria imitar o Cipriano Barata.
Como diz o Gramsci, pessimismo na inteligência, otimismo na vontade. Tenho clareza que a
máquina está me triturando. Vou capitular? Não sei?
Nanani Albino - Você falou que a salvação da Amazônia está no mundo. Você acha que a
salvação para Lúcio Flávio Pinto está fora da Amazônia?
Na Itália, tem um grande jornalista chama Maurizio Chierice. É um dos principais enviados
especiais da imprensa italiana. Cobre todos os conflitos internacionais. Ele escreveu um artigo
no L’Unità, na primeira página, sobre o meu caso, edição do dia 19 de julho. Ele pediu para não
calar a voz da Amazônia. Além do artigo, mandou uma carta para o embaixador brasileiro, o
Itamar Franco. Não interessa o que vai acontecer. Interessa que eu não pedi. Foi ele quem me
indicou para o maior prêmio de jornalismo da Itália, em 1997. Fui o primeiro não europeu que
recebeu esse prêmio. No ano que recebi, o deputado federal da Irlanda do Norte, John Humme
também ganhou, que, no ano seguinte, foi Prêmio Nobel da Paz. Recebeu também um jornalista,
poeta e escritor albanês, Fatos Lubonja, que passou 19 anos preso. O governo brasileiro mandou
um funcionário da embaixada numa ocasião em que estavam lado a lado, pela primeira vez na
Europa, os embaixadores da Inglaterra e da Irlanda. Ao registrarem o fato, o auditório os
aplaudiu. Depois vim a saber que o Itamaraty, consultado pelo embaixador, havia dito que eu
não era “confiável”. Por isso o embaixador não foi. Fiquei contente em saber que eu não era
confiável para o poder.
Rogério Almeida – Como você avalia a presença dos Estados Unidos na Amazônia?
Os Estados Unidos não conseguem entender a América do Sul. São incapazes. Clinton esteve
para lançar o Plano Colômbia em Nova Granada. Ele não conseguia perceber que estava diante
da sede de um poder imperial que foi maior do que os Estados Unidos, que foi o da Espanha. No
século XVI, metade das universidades da Europa estava na península ibérica. Nós levamos
quatro séculos para fazer a nossa universidade. A rigor, a nossa universidade foi criada em
162
1950, a Universidade do Brasil. Ele esqueceu que existe uma história hispânica anterior aos
Estados Unidos. Fomos maiores que os Estados Unidos até D. Pedro II. Ele era uma pessoa
brilhante, mas infelizmente travou a nossa história por 50 anos. Quando a biblioteca de
Washington sofreu um incêndio, a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro era muito mais rica e
importante. Perdemos o rumo da história nesse período. Entre 1822 e 1850, não tinha Lei de
Terras no Brasil, a lei, não escrita, era a da ocupação, o princípio da posse, que fez a grandeza
dos Estados Unidos. Quando criaram a Lei 601, de 1850, a ocupação física foi substituída pelo
papel. E só pode ter papel, quem tem dinheiro. Liquidaram com um projeto do Brasil, que
estava na cabeça do patriarca José Bonifácio. Ninguém fala desse período. A diplomacia
americana se baseia na falta de conhecimento. Qualquer que seja o conteúdo do Plano
Colômbia, ele é trágico. Um equívoco para o continente e para os Estados Unidos. Hoje o
cidadão médio americano bem informado não tem dúvida de que Bush deve ser colocado para
fora. Podem vir a fazer um novo Vietnã na América do Sul se insistirem em mais presença física
americana. Temos que contrapor a ela uma integração econômica continental. Tem que acabar
com esse negócio de ALCA, Mercosul, por algo mais amplo na América do Sul. Onde a gente
possa se unir para nos tornarmos mais fortes? Se você inverter o rio?? Cassiquiare, vai abrir o
caminho pelo centro da América do Sul, vai entrar pelo Caribe e vai sair na Bacia do Prata.
Você vai acabar com o esquema de comércio no mundo inteiro. Com uma inversão de águas,
você já começa a revolução. Aí tem lógica fazer hidrelétrica no Madeira. Enquanto isso não
vem, não tem lógica. Nós estamos trazendo 200 megawatts por dia do sistema Guri da
Venezuela para Boa Vista usar 72 megawatts. Estamos jogando fora 128 megawatts. Guri é
atualmente a maior hidrelétrica do mundo. A estrutura do domínio do Estado é poderosa no
sistema de gestão do desenvolvimento venezuelano. A Venezuela pode quebrar essa estrutura
burocrática, que gera, de um lado, americanofilismo, e de outro lado esse fidelismo do Chávez.
Temos que resolver as coisas passo a passo. Temos que mudar a matriz de energia e o modal de
transporte do continente. Não é fazendo retórica contra plano Colômbia, fazendo SIVAM. Isso é
perfumaria.
Rogério Almeida-- Esse modelo de integração econômica para o continente que você fala é
via ALCA?
Não. Acaba com isso de ALCA, Mercosul, ALADE. Vamos trabalhar as nossas potencialidades.
Rogério Almeida – Quando você fala a gente, fala América Latina?
América Latina. Só vamos pensar lá fora depois que a gente fizer uma hidrovia do Caribe à
Bacia do Prata. Não podemos integrar para sermos esmagados. Carajás não tem carvão, vamos
trazer o carvão da Colômbia.
Guilherme Carvalho – Lúcio, construir uma hidrovia desse jeito não significa destruir boa
parte do pantanal?
163
Não vai passar no Pantanal. Passa ao largo. Sempre defendemos que o caminho natural é o rio.
Sempre brigamos contra as rodovias. Por que agora achamos que todas as hidrovias vão
destruir? Podemos fazer hidrovias perfeitamente válidas. Não podemos é fazer como foram
feitas as rodovias e as ferrovias. A hidrovia é para desenvolver o interior, o núcleo das regiões
conforme as suas aptidões. Devemos optar por ciência e projetos que agregam valor.
Guilherme Carvalho – Isso é um problema. As hidrovias não são pensadas nesse modelo.
São pensadas para soja.
A própria lei dá os antídotos para esse problema. Só vamos aprovar hidrovias se tiver comitê de
bacia. Dos 103 comitês de bacia, nenhum é da Amazônia. Não podemos aprovar um projeto de
hidrovia sem um plano de desenvolvimento, transformado em lei e aprovado pela Assembléia
Legislativa e referendado pelo Congresso Nacional. Terminou a fase da esquerda dizer, sou
contra, diagnostico certo, mas não sei fazer. Tem que saber fazer.
21
Trabalho publicado no site da rede www.forumcarajas.org.br em agosto de 2008.
164
A última década, contada a partir do Massacre de Eldorado do Carajás, fez com
que a região experimentasse profundas transformações. Modificações indicadas a partir
do reconhecimento de inúmeras áreas ocupadas como projetos de assentamento, avanço
da exploração mineral tendo como sujeito a Vale, implantação de grandes frigoríficos,
como o do grupo Bertin, a “compra” massiva de várias fazendas pela Agropecuária
Santa Bárbara, “empreendimento” rural do banqueiro Daniel Dantas, suspeito de um
mundo de crimes no sistema financeiro. No entanto, a efetivação de projetos de
assentamento não fez com que a atividade pecuária sofresse algum refluxo.
165
Batista Afonso (BA) – A reflexão que os movimentos da região fazem hoje é que a
região está vivendo uma nova investida do capital, que na verdade não é nova, existe
desde 1960, quando se descobriu a reserva de minério de Carajás. Mas, a tensão antes
residia na ação do latifúndio contra os camponeses e assessores. Foi isso que tornou a
região conhecida mundialmente. A questão do minério estava concentrada no município
de Parauapebas. Recentemente o capital da atividade minerária avançou sobre outros
municípios, triplicando ou quadruplicando os investimentos. Isso impulsiona outras
atividades, como a produção de gusa. A produção de gusa alavanca a exploração
irregular de madeira, a produção de carvão baseada na mão-de-obra escrava e a
monocultura de eucalipto. A mineração impacta hoje não apenas Parauapebas, mas
também Canaã dos Carajás, com a exploração de níquel através do projeto Sossego e o
Salobo. Há ainda a ampliação do polo de gusa de Marabá e o anúncio da aciaria da Vale
para a produção de liga de ferro. Os municípios próximos a Marabá sofrerão grandes
impactos com essa nova frente. Tem os casos ainda de Ourilândia do Norte, Tucumã,
Água Azul do Norte, São Feliz do Xingu através da mineração da Onça Puma do grupo
Vale e vários outros projetos, como em Floresta do Araguaia. Há outras mineradoras
internacionais em Xinguara e Rio Maria. A investida do capital a partir da mineração
acarreta uma série de situações de conflitos contra os posseiros, os assentados, contra os
trabalhadores que residem nessa área de interesse das mineradoras. Há inúmeros
projetos de assentamento em áreas de interesse do setor da mineração. Tais projetos de
mineração tendem a atrair uma forte migração para a região. Em municípios como
Marabá, Parauapebas, Ourilândia e vários outros há uma projeção de crescimento
populacional, salve em engano, calculada numa margem acima de 8% ao ano. Não há
emprego para toda essa população que migra, que acaba por engrossar as populações
marginais nas periferias. Marabá registra hoje inúmeras ocupações urbanas. A situação
é marcada pela precariedade, sem apoio das prefeituras locais. A situação é de pobreza.
As questões ambientais dos grandes projetos de minerais são graves e não são
fiscalizadas, como a poluição dos rios e do ar. A atividade da mineração anima a tensão
tanto no campo como na cidade.
166
BA – O caso é uma expressão do poder que possui a Vale e outras empresas de
mineração que se implantam aqui na região. As empresas são indiferentes às
comunidades que residem aqui. O poder econômico se impõe sobre qualquer outro
direito da população local. A MOP decide implantar um gigantesco projeto de
mineração onde vivem oitocentas famílias assentadas somente no raio de abrangência
do projeto. A lei é clara, a empresa tem a licença de pesquisa e o alvará de exploração
do minério. Mas, para a mina funcionar necessita resolver o problema das pessoas que
vivem na área, posseiros, proprietários etc. A empresa não pode passar por cima das
pessoas, abrir o buraco que quiser e expulsar as pessoas. Pelo código de mineração o
projeto só pode ser implantado depois a resolução do problema dos que moram na área.
A MOP saiu comprando lotes da reforma agrária ignorando que não podia fazer negócio
com os assentados e destruir o patrimônio público ali encontrado.
BA – A gente ainda não tem uma clareza. Mas, há indícios fortes de lavagem de
dinheiro, como já noticiou a imprensa. Mas, isso necessita ser investigado pela justiça.
Outra questão são os interesses do agronegócio a partir das monoculturas, como a soja e
a cana, o dito agronegócio mais moderno. A gente acredita que esse setor deseje
167
controlar áreas já devastadas pela pecuária. A soja e a cana hoje gozam de bastante
incentivo do governo por conta dos bio-combustíves. Há ainda a valorização das
commodities no mercado internacional. O sul e o sudeste possuem grande interesse
dessa frente. Aqui não há mais floresta. Tudo foi transformado em capim. Os nossos
vizinhos Maranhão e Tocantins estão repletos de soja e eucalipto. A monocultura de
eucalipto já ocupa boa parte das terras do oeste do Maranhão, nos municípios de São
Pedro da Água Branca, Açailândia e Imperatriz. O cultivo já ultrapassou a fronteira.
Hoje as regiões sul e sudeste do Pará já possuem uma imensa área plantada. Assim
como o gado cruzou a fronteira tempos atrás, as monoculturas estão fazendo isso hoje.
BA – O que a gente conhece é o que a imprensa divulgou, em torno de 500 mil hectares
de terras. Considerando o curto espaço de tempo para a aquisição das áreas, a gente
sugere que há algo de errado. Há muito dinheiro envolvido. Fazendo um paralelo com o
caso da fazenda Cabaceiras, a família Mutran pediu de 30 a 40 milhões para a
desapropriação. As áreas comercializadas pelos Mutran não são inferiores a esses
valores. Tem ainda o gado. Devem ter comprado porteira fechada. Isso tudo consolida a
suspeita de lavagem de dinheiro.
BA – Isso o Governo Federal e o estado do Pará devem investigar melhor. Não somente
as áreas do grupo Santa Bárbara, mas também de outros casos, como do Grupo Rio
Vermelho e Mutran. A nossa questão fundiária é bem delicada. As terras eram do
Estado e depois foram aforadas e de uma hora outra para outra se tornaram título
definitivos. Isso precisa ser investigado. Há uma margem de terras públicas
incorporadas por esses grupos junto à faixa considerada legal. Uma triagem do Governo
Federal e do estado vai encontrar várias irregularidades.
168
BA – Quando a Peruano foi ocupada a imprensa alardeou que a fazenda era exemplo de
produtividade. Isso foi um estardalhaço geral. A imprensa defendia a propriedade como
modelo, a mais produtiva do sudeste do Pará. Ao final da investigação realizada,
conclui-se que mais da metade era irregular e foi devastada completamente para a
implantação da pecuária e a reserva florestal acabada. A parte que é considerada legal
não há reserva de floresta legal. A fazenda tinha anda registro de trabalho escravo em
2003. O conceito da propriedade produtiva é meramente ideológico. É uma forma de
encobrir um festival de irregularidades. As áreas submetidas aos critérios previstos na
Constituição Federal não resistem à primeira investigação para se concluir que de
produtivo não tem nada.
FC – E quanto aos atos da Justiça com relação às ações dos movimentos que defendem
a reforma agrária na região?
169
FC – Foi o que ocorreu no caso da fazenda Maria Bonita?
170
FC – Quantas são as ocupações que aguardam a desapropriação de terras para reforma
agrária na região?
BA – Hoje no sul e no sudeste a gente estima em cem ocupações com uma população
aproximada de 12 mil famílias.
BA – A avaliação é que as tensões irão continuar. Mas, com uma ligeira mudança. A
expansão dessas frentes muda a relação com o camponês. O latifúndio antes resolvia os
seus interesses com o 38. As frentes de mineração e do agronegócio não agem assim.
Eles não sujam a mão desse jeito. Eles agem no sentido de criminalizar e difamar as
ações do movimento social. Além da impunidade. O processo ocorre através da
mobilização de vários advogados das grandes corporações que movem várias ações
contra os dirigentes. A justiça que nós temos ainda mantém uma visão preconceituosa
contra os movimentos sociais e considera que o poder econômico deve prevalecer. Hoje
temos uma dezena de dirigentes sendo processados. Precisamos acompanhar isso com
muito cuidado sob a pena desses dirigentes serem condenados e terem suas vidas
inviabilizadas. Outro lado é a campanha realizada pelas grandes corporações nas
empresas de comunicação através de reportagens parciais, enquanto os crimes por eles
cometidos são omitidos.
FC – Qual a saída?
171
EXTRATIVISMO MINERAL EM JURUTI: PASSIVOS SOCIAIS E
AMBIENTAIS E A PELEJA DOS NATIVOS CONTRA O GRANDE
PROJETO22
Juruti, município cravado a oeste do Pará, com mais de cem anos de existência,
dono de densa floresta repleta de castanheiras, escapou do anonimato por conta de
situação de conflito que envolve a mineradora estadunidense Alcoa, uma das maiores do
mundo do setor de alumínio, num extremo; e populações consideradas tradicionais do
outro.
22
Trabalho publicado originalmente do blog Furo e na página da rede www.forumcarajas.org.br em
fevereiro de 2009.
172
Ajudam a agitar a pororoca de tensões uma agenda de construção de cerca de 10
hidrelétricas e hidrovias. Isso sem falar na monocultura da soja e um porto de
escoamento do grão da também estadunidense Cargil.
173
GP – O reconhecimento da comunidade como população tradicional. Temos mais de
século de história. A empresa não reconhece a gente como população tradicional e nem
a nossa Associação de Comunidades Ribeirinhas do Distrito de Juruti Velho
(ACORJUV). A empresa queria que a titulação do INCRA fosse individual. Assim fica
mais fácil de manipular. O nosso pleito é a titulação coletiva.
GP – Isso. O nosso PAE foi criado em 2005. Somos mais de nove mil pessoas.
174
lago Juruti Velho. Desejamos ainda uma agenda de compromisso que contemple as 60
comunidades que moram no distrito de Juruti Velho.
GP – 109 mil hectares. Estamos numa frente de atuação chamada Juruti em Ação. Tem
pessoas e organizações do município e gente de fora da região. Movimentos sociais,
como a Via Campesina.
175
GP – Queríamos saber das audiências realizadas nas comunidades e informação sobre a
ação movida contra a Alcoa.
GP – Com o ITERPA a nossa agenda tem questões com duas glebas Curumucuri e
Mumuru.
GP – Primeiro que o secretário não foi falar com a gente. Ele mandou uma equipe
técnica. Nós não aceitamos. Há coisas em nossa agenda que o técnico não pode decidir.
Somente o secretário. Precisamos rever os PCA. Necessitamos de um marco legal sobre
a retirada da água do nosso lago.
GP – Avançamos com algumas coisas. Como a titulação da terra. O INCRA tem até o
dia 15 de abril para resolver o assunto. Com a Alcoa avançamos com relação ao
176
pagamento dos danos e prejuízos causados. Mas, com a empresa a gente fica com o pé
atrás. Na empresa é delicado confiar.
GP – Na verdade ela não queria pagar nada. A alegação dos advogados da empresa é
que a mineração é um processo devastador e que não tem que indenizar os moradores.
Estamos exigindo o que o código de mineração nos garante. Mesmo que ela pague os
nossos prejuízos, esse dinheiro não vai cobrir a destruição de 50 mil hectares de floresta
nativa.
GP – A licença de operação. O processo para a lavra exige três etapas. A licença prévia,
licença de instalação e a de operação. A licença de operação está condicionada ao
pagamento das indenizações.
GP – Temos um problema sério. Os técnicos da SEMA quando vão para o campo ficam
nas estruturas da Alcoa. Como vou fiscalizar um projeto e fico dentro da estrutura da
empresa? Não conhecemos os PCA. Eles ficaram de entregar os documentos até o dia
22 de fevereiro. E ficamos de discutir tudo no dia 02 de março com o secretário Ortega.
177
GP – É complicado. É muito grande e tem muita informação técnica. Mas, a gente
entendeu quando eles disseram que a gente não existe e nem a floresta. E que não vai
haver alteração em nossos rios e igarapés. As águas dos igarapés Fifi, Maranhão e Juruti
já estão sendo afetadas. Essas informações eles omitem. A empresa pisou na lei
brasileira. A gente compreende que seria necessário o EIA-RIMA para o porto, outro
para a rodovia e outro para a ferrovia.
Furo – Além da Alcoa, tem mais gente pressionando sobre os recursos naturais?
Furo – E no boletim de ocorrência feito pela Alcoa contra a ação de vocês, quais foram
as acusações?
23
Trabalho publicado originalmente em dezembro de 2008 no site da rede www.forumcarajas.org.br
178
O Maranhão é o principal estado exportador de mão-de-obra escrava. No sul do
estado grandes corporações como Bunge e Cargil hegemonizam o cultivo da
monocultura da soja. A mesma região registra vários casos de trabalho escravo e
imensas fazendas controladas por produtores oriundos do Sul do país em parceria com a
família Sarney. Açailândia e Balsas estão entre os municípios que mais desmatam no
estado, informam os dados do Instituto Brasileiro dos Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA). Respectivamente os municípios estão no oeste e sul do estado, região de pré-
Amazônia, onde incide o bioma cerrado.
179
história começou aqui no fim de 1970, com a presença dos sulistas para o cultivo da
soja. Depois vieram os paulistas e por último a turma do Mato Grosso. Isso se deu
graças aos incentivos do governo.
AG – Balsas, Tasso Fragoso e Alto Parnaíba são os municípios com maior incidência.
Para se ter uma ideia somente a fazenda Agroserra, na fronteira dos municípios de São
Raimundo das Mangabeiras outra parte em Fortaleza dos Nogueiras, controla 230 mil
hectares. A propriedade é da família Ticianeli, de origem paranaense. São três irmãos.
Soubemos que a família Sarney possui ações no grupo. Creio em que em 2005 cerca de
1.700 trabalhadores foram flagrados em condições degradantes de trabalho na produção
da cana.
AG – Outro dia fizemos umas imagens áreas. O rio Balsas se encontra totalmente
degradado e a sua mata ciliar em destroços. O desmatamento aqui é o mais perverso
possível. A prática é do correntão, que consiste em amarrar uma grande corrente em
dois tratores para a derrubada da mata nativa, no caso aqui, o cerrado.
180
Furo – A produção de carvão é indicada como fonte de trabalho escravo, aqui também é
assim?
AG – Aqui temos trabalho escravo nas fazendas de grão e cana e nas carvoarias. Em
2004 foram libertados 28 trabalhadores em São Raimundo das Mangabeiras na
produção de carvão vegetal, em 2005 foram libertados mais 20 em Tasso Fragoso, em
fazenda de soja. Em outubro foram soltos no município de Balsas em fazenda de soja
mulheres e crianças.
Furo – Na questão além da destruição da mata ciliar e do cerrado, que outro passivo a
monocultura da soja provoca?
AG – Venderam que Balsas ia ser o melhor lugar do mundo. Balsas é um bom lugar
para poucas pessoas, somente para os que possuem dinheiro. Para a gente fica o deserto,
a terra e a água poluída pelo veneno lançado pelos aviões.
181
Furo – O que dizia o laudo médico?
Furo – Como tem sido a ação dos movimentos sociais da região com relação a esses
passivos sociais e ambientais?
AG – Nos anos de 1980 era mais atuante. Já nos anos de 1990, quando Fernando
Henrique assume o governo, a gente avalia que engessou o movimento. Hoje os
sindicatos estão bitolados em encaminhar aposentadorias rurais. É a burocratização do
movimento e a perda do espírito de luta.
AG – Nos anos de 2000 tem-se registro de algumas ocupações que esperam pela
efetivação de projetos de assentamentos rurais. Isso de 2002 para cá. São os casos da
fazenda Taboão, no município de São Raimundo das Mangabeiras, fazenda Sucupira e
na fazenda Ponteira, ambas no município de Riachão. São mais de 200 famílias que
estão na terra. Ainda pressionamos o INCRA para a efetivação dos projetos de
assentamento.
182
AG – Em assembleia dos movimentos sociais aqui foi pedido o afastamento de quatro
funcionários que estavam em conluio com fazendeiros. Aqui a instituição é muito lenta.
Furo – Queria voltar ao assunto sobre trabalho escravo. E quanto aos acordos coletivos
em que os sindicatos de trabalhadores rurais (STR) integram o grupo que trata do
assunto, como se desenvolve?
AG – Primeiro que esses acordos coletivos de trabalho em sua maioria tem sido mero
faz-de-conta para mascarar o trabalho escravo. Às vezes os STR funcionam mais como
um desagregador dos trabalhadores. Voltemos ao caso da Agroserra. Em dois casos
houve manifestações dos trabalhadores contra a empresa. A fazenda produz soja e cana.
AG – A Agroserra que trouxe, tem 21 mil hectares cultivados, onde 16 mil são
irrigados. É a morte do rio Neri. A empresa do outro lado detona as cabeceiras do rio
Itapecuru. O lugar fica ali na Reserva Estadual do Mirador, uma ilha cercada de soja e
agora cana por todos os lados. Mais de 500 famílias estão sendo retiradas da reserva.
Quando da criação do parque na década de 1980, o governo se manifestou pela garantia
do reassentamento das famílias, que nunca ocorreu.
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