Você está na página 1de 77

osÉ Di-.---.

Ex-ministro da Casa Civil revela ansiedade pelo seu julgamento no STF


1

As transformações nos
modelos de trabalho e os'
impactoseconômicos e
sociais dessas mudanças
analisados por especialistas

i iia-

--
1
m I
CADERNODE EXERC~CIOS:A Sociologia nas questões da exploracão espacial e do meio ambiente
B
L C 1 -m -
SUMARIO ENTREVISTA
Ex-ministroda Casa Civil, JoséDirceu,fala sobre sua vida na
SOCIOLOGIA I EDIÇÃO 27
CAPA:SHuTTERsTocK

política e a espera pelojulgamento do Supremo Tribunal Federal

DE OLHOS VEPiCAD2S

12 Presentesem vários países, os reolity showsmóstram diferentes culturas de


pessoas encarceradassendo observadas por milhares de telespectadores

16 BRAVAGENTE
"Diretaslá" - A importânciadesse
movimento na redemocratizaçãodo País

'PEGISTRD
A oportunidade de reavaliar antigos e novos papéis pelo estágio
mais recente de organização profissional dos sociólogos

Si,C1U~0L35 L53C IL,"CIP


A trajetória e as pesquisas nas áreas da saúde e do
pensamento social brasileiroda socióloga Nísia Trindade Lima

rtwjAMENTOSOCIAL
A visão de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda
sobre os objetos centrais do pensamento social brasileiro

RESENHA
CADERNO DE EXERCICIOS 20 "Marxismo, Históriae RevoluçaoBrasileira: Encontrose Desencontros
SOCIOLOGNE'l SAL? CEPL.A de Augusto César

FEZ DIFERENÇA 1
Mercedes Sosa: a cantora
símboloda América Latina

SPCFEnACiE

52 Estrutura, interacão, sociedade e indivíduo:como


a teoria sociológica trabalha essas questões

W T O PODER
Igreja Catblica X Mudanças
~loraçãoespacial, meic apresentadaspelo século XXI
biente e sociedade
global: bem-vindoa uma It.,TEv5YC
interpretaçãosociológica As melhoresdicas para coleta de
em benefício da atualidac informaçõessobre Sociologia

4 I SOCIOLOGIA
EDITORá E S W 1 P o i por revisias

A revista Sociologia Ciência (k Vida chega a sua edição de número 27, abordando em
sua matéria de capa um tema recorrente da Sociologia: o mundo do trabalho. O impacto
das transformações no âmbito das organizações e, consequentemente, nos modos de pro-
dução e vínculos empregatícios gera incertezas e inseguranças quanto ao futuro. Como
questiona o sociólogo Richard Sennett, autor de "A corrosão do caráter: consequências
pessoais do trabalho no novo capitalismo" (1999),como se buscar objetivos de longo prazo
numa sociedade de curto prazo? Como se podem manter as relações duráveis?
Destacamos ainda a entrevista exclusiva concedida pelo ex-ministro da Casa Civil
José Dirceu. Superministro do governo Lula até o estouro do Mensalão, Dirceu relem-
bra o seu percurso na política desde os tempos de movimento estudantil e analisa os
principais fatos políticos em que esteve envolvido recentemente, da CPI Collor/PC Fa-
rias até a cassação do seu mandato de deputado federal em 2005. Por falar em poder,
confira o texto do sociólogo Luiz Eduardo Souza Pinto sobre os dilemas da Igreja Ca-
tólica no século XXI. No artigo, religiosos e especialistas falam sobre o papel do catoli-
cismo na modernidade.
A revista traz também um balanço da história das associações de sociólogos no Brasil
e uma matéria sobre a importância do movimento "Diretas Já" para a nossa consolida-
ção democrática, além do nosso já tradicional Caderno de Exercícios. ATACADO- REVISTASE UVROS
1.55) 11 4M61080-.mnbr

CENTRAL DE ATENDIMENTO
Boa leitura! Y :(*I11 E6.1m)FX(.55)113857.IgP3

Conselho Editorial
Aldo Fornazieri é mestre e doutor em UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul (COPPENFRJ,PUC-R], FGV-R]). Possui arti-
Ciências Políticas pela USR pós-graduado e doutora em Sociologia pela Universidade gose livrospublicados, entredes:Analysing
em Filosofia pela Universidade Federal desão Paulo. professoratitulardoDepar- the environmentalperfonance of the Bra-
do Rio Grande do Sul. licenciadoem Fisica tamento de Sociologia e do Programa de zilian industrial sector, (Ecological Econo-
pela Universidade Federal de Santa Maria, Pós-GraduaçBoem Sociologia da Universi- mics) e Os impactos ambientais industriais
diretor acadêmico e professor da Funda- dade Federal do Rio Grande do Sul. Integra da ALCA no Brasil, (Economia Aplicada).
Fbada B
çBo Escola de Sociologia e Política. Possui a atual diretoriada SociedadeBrasileira de Samuei Feldberg é bacharel em Ciência
artigos publicados no jornal O Estado de
São Paulo, jornal O Globo,]ornal da Tarde.
Sociologia. Tem livros e artigos publicados
na área da Sociologia do Trabalho.
Política com extensão em Histbria pela M
na revistaTeoria & Política, revista Teoria & Nildo Viana 4 bacharelem Ciências Sociais
Universidadede Tel Aviv, doutor em Ciência
Política pela USR pesquisadw do Núcleo
ANER
-.".r Oi..*l

Debatese rwista Perspectiva da Fundação (Uffi). especialista (UCB) e mestre em Filo- de Pesquisa em Relaç6es Internacionais e IMPRESSIO
E ACABAMENTO
Seade de São Paulo. sofia (Uffi), mestre e doutor em Sociologia membrodo Gwpo de Andlisede Conjuntura asam lmúll 0lg(raLlda
Nsiienmvr~m~mfuNm
Elisabeth da Fonseca Guimaraes 6 (UnB), professor da Universidade Federal Internacionalda USR colaborador do jornal
bacharel e licenciada em Ciências Sociais e de Goiás, organizador de coletaneas, autor Correio Braziliense, comentaristade política
doutora em Educar30pela UniversidadeEs- de diversosartigos em muitas publicaç&s e internacionalda Rádio Eldorado. RádioCBN
tadual de campinas, professora de Prática de livros, entre eles: Introduçãoão Sociologia e Rddio Auvi-verde de Bauni. colaborador
de Ens'nodeSociologia do cdrso deciências (Autêntica),EscritosMetodolbgicosde Mam da Folha Online, site UOLe siteTerra
Soc aisda UniversidadeFederaldeUkrlBn- (Alternativa). Universo Psiquico e reprodu- Tatiana Mattins Almeri é socióloga
dia - Faculdade de Arte, Filosofiae Ciências ção do capital (São Paulo, Editora Escuta. pela Federal de Santa Catarina, mestre em RESPONSABIUDADEAMBIENTAL
Sociais. membro do Cdegiado do Cuao de 2008) e Como assistir um filme? (Rio dela- Sociologia Política pela Pontifícia Univer-
E s i a r ~ i a ~ r r a ~ b a ? n e m ~ ~
neiro, Editora Corifw, 2009) e colabomdor wFçCIa*lsds~auBl(domrlo~~.
Ciências Sociais - Universidade Federal de sidade Católica de Sgo Paulo, professora
Uberlândia e Membro da Comissão de En- emvárias revistaseletrônicas e impressas da Universidade Paulista, leciona e faz
sino de Sociologia- SociedadeBrasileirade Paulo Roberto Martins 6 sociblogo, a coordenação do setor de estágios na
Sociologia.Contato:elisabeth@ufu.br. mestre em Desenvolvimento Agricola. Faculdade de Tecnologia. 6 articulista da REALUAÇAO
Gisela B. Taschner é bacharel. mestre doutor em Ciências Sociais pela Unicamp, revista Carreira&Neg&ios e colaboradora
e do~toraem Sociologia pela USR profes- pesquisador do Instituto de Pesquisas da revista Filosofia. FULL:
sora titular da Escoa de Administracâode Tecnol6gicas do Estadode M o Paulo (IPT). Thals Brito4 bacharel em CiênciasSociais
Empresas de São Paulo da FGV. fundadora coordenador da Rede de Pesquisa em Na- pela UNESP, mestre em Ciências Sociais-
e coordenadora do Centro de Estudos da notecnologia, Sociedade e Meio Ambiente w.hlluse.com.W) (11) 5M111W5
Antropologia pela PUC-SP,doutoranda em
Cultura edoConsumo(extinto)e docentro (RENANOSOMA), presidente do Sindicato Antropologia Social pela USF? professora DImicfExwulivo:EdgaW.Mn<MIEdilorW. Kaina
de Estudosdo Lazer e do Turismo da FGV, dos Soci6logos do Estado de São Paulo W.DIrdordoM:&eiFra~aWa~E~Kama
vice-presidente do Research Committee (Sinsesp) e coordenador da Sessão Brasil
de Antropologia, Sociologia Geral, Sociolo-
gia das Organizações, Antropologia, hica
-
flh MTB 45.W e Edga W MTB 47.499 Edltor-
no13. Sociology of Leisureda International de Sociólogos Sem Fronteiras. nUhimtb: oauei Rodi$un &ser0 FTOW GMw:
e Cidadania na Universidade Presbiteria- h@ F@. Mqramaçlo: Sanuel Morem e G M
Sociological Association, visiting fellow da Ronaldo Ser& da Motta é doutor em na Mackenzie, professora dos cursos de Seaba. ü ~ l a ã wChbw Cxxla. iluaíragdo:Lea-dm
Universidadede Londres (Goldsmiths) e da Economia pela University College London. pós-graduação. lato sensu, para o Senail '&quer Colabor6dxes &IJ d@a: Cahx flbarto
UnivenidadedoTexas(Austin). coordenador de Estudos de Mercado e Re- SP, colaboradora editorial da rwista Ca-
Lilola&Sana.~ÇenadaÇHVWaL~~
G<osso de W h a . LUr Eduardo %uza W. Nildo
Lorena Holzmann 6 bacharel em Ciên- gulação do IPEA e professor de Regulaçao dernos de Campo e colunista da revista V w . Ws& Gnoni. ç;Mndlr MaiW. Tama
cias Sociais e mestre em Sociologia pela Economica e Ambienta1 de diversos MBA eletdnica Pronto! MuomAPm(.YagoEuz4bbBuem&PaivsJunha

SOCIOLOGIA 15
Entrevista I

por Priscila Gotzoni *

O REU
A espera de seu julgamento, previsto para 2011, o ex-ministro
da Casa CivilJoséDirceu fala sobre sua trajetória política e
revela ansiedade pela decisão do Supremo Tribunal Federal
Nascido em Passa Quatro, uma pequena norte-americano Charles Burke Elbrick, Quando Luiz Inácio Lula da Silva foi
cidade do interior de Minas Gerais, o sequestrado por integrantes das eleito presidente da República em 2002,
ex-ministro da Casa CivilJoséDirceu organizaçbes guerrilheiras de esquerda José Dirceu logo assumiu uma posição
de Oliveira e Silva apaixonou-se cedo Acão Libertadora Nacional (ALN) e de protagonísmo em Brasília. Nomeado
pela política. Formado em Direito pela Movimento Revolucionário 8 de Outubro ministro-chefe da Casa Civil, era o
Pontifícia Universidade Católica de São (MR-E), Dirceu e mais 14 presos políticos homem forte do Governo Lula até as
Paulo (PUC-SP), teve destacada atuacão foram libertados pelos militares e denúncias do deputado federal Roberto
como lideranca do movimento estudantil expulsos do país. "Cassaram a minha Jeffersonprovocarem uma grande crise
nos "anos de chumbo"da ditadura militar. nacionalidade, me baniram do país", política, que culminou com a sua saída
No dia 12 de outubro de 1968, durante afirma Dirceu, que exilou-se em Cuba da equipe ministerial e a cassação do
o 30" Congresso da Uni20 Nacional dos e retornou na condição de clandestino seu mandato de deputado federai.
Estudantes (UNE), realizado em um para o Brasil.Após a anistia, ajudou a Nesta entrevista exclusiva paia a revista
sítio de Ibiúna-SP, Dirceu acabou preso fundar o Partido dos Trabalhadores, em Sociologia Ciência &Vida,]&-
e conduzido para o Departamento de 1980. Eleito deputado federal, participou conta como entrou para a palitícq
Ordem Política e Social (DOPS), da CPI que levou ao impeochmente a relembra sua vida em Cuba. farsua
No início de setembro de 1969, em suspensão dos direitos políticos do então avaliacão do caso PC Fariaserhepisódio
troca da libertação do embaixador presidente Fernando Collor de Mello, de sua cassação em 2005.

6 1 SOCIOLOGIA
SOCIOLOGIA 17
Entrevista I
Você nasceu na cidade de Passa "Desencadeamos uma revolucão cultural que
Quatro, no interior de Minas Ge-
rais. Lá,.você já tinha contato com poderia se comparar a Semana de Arte Moderna
a política? Mostrava inclinação se não tivesse sido tolhida pelo AI-5. Em 1968,
para essa vocaçãoltonte sobre
o seu primeiro contato com a vimos surgir um Brasil urbano e uma geração
política e a militância na esquerda. jovem que trabalha e é independente dos pais"
Quais fatores ali podem ter in-
f luenciado sua trajetória política?
Meu pai era civilista, da ala do deputado e depois de participar de todas as lutas, essa opressão e contra os padrões
Bilac Pinto (UDN-MG), e rompeu com o aos poucos fui aprendendo com as lide- conservadores, nasceu, efetivamente,
golpe na hora que a ditadura cortou figu- rancas de antes do golpe. Me filiei ao PCB minha atuacão política. Fui um dos
ras como o Lacerda e o Magalhães Pinto. [Partido Comunista Brasileiro] e depois a participantes da batalha da rua Maria
Uma ala da UDN, partido extinto pelo dissidência estudantil do PCB. Me lembro Antonia, em 3 de outubro de 1968, o
AI-2 em 1965, se descolou e foi para a que quando entrei na faculdade de Direito histórico, gravíssimo e sangrento con-
Frente Ampla, a união do JK, do Jango e do da PUC, em 1965, encontrei um cemitério. fronto entre estudantes da Faculdade
Lacerda, que foi extinta por decreto pela Fui um daqueles jovens que se opunham de Filosofia da USP [Universidade de
ditadura, Convivi com a política em casa, ao golpe militar dado um ano antes e um São Paulo] e uma minoria de estudantes
desde cedo. O sócio do meu pai na gráfica militante do movimento estudantil e da da Universidade Mackenzie, este lado
era do PTB, getulista. Aprendi a conviver rebelião de uma geração contra toda uma com o apoio de agentes infiltrados do
com a diversidade desde crianca. estrutura moral e de comportamento. DOPS e de membros do Comando de
Desencadeamos uma revolucão cultural Caca aos Comunistas (CCC). O conflito,
Você se formou em Direito na PUC. que poderia se comparar a Semana de forjado para justificar a ocupacão da
O que o levou a fazer este curso? Arte Moderna se não tivesse sido tolhida Faculdade de Filosofia da USP, principal
Detalhe sua liderança política na- pelo AI-5. Em 1968, vimos surgir um Brasil polo do movimento estudantil paulista,
quela época. urbano e uma geracãojovem que trabalha culminou na morte do secundarista
Minha opcão pelo Direito foi por via polí- e é independente dos pais. Come~oua José Carlos Guimarães, assassinado a
tica. Queria estudar direito constitucional surgir um Brasil rebelde e libertário que bala pela repressão aos 20 anos. Após
e internacional, além de penal. Na facul- misturava, por exemplo, as elites com esse triste episódio, fizemos clandesti-
dade, me dei conta de que os professores as classes populares nas universidades. namente o 30°Congresso da UNE, em
ensinavam como se vivêssemos numa Quando ingressei nessa luta, o movimento Ibiúna, "Caímos". Os registros da mídia
democracia e não falavam da ditadura, estudantil vivia um cenário desolador: o variam, mas o nosso cálculo é que mais
dos Atos Institucionais 1e 2, da repressão, golpe militar desfechado um ano antes de 800 estudantes foram presos, entre
das cassacões, da censura, das prisões, da fechara a maioria dos centros acadêmicos os quais eu.
proibicão de greves e manifestacões, do e instituicões de movimentos sindical e
fim das eleicões diretas. Comecei a pro- popular, estabelecera censura (ainda que Você foi um dos quinze presos libe-
testar e a militar, a reativar o Centro Aca- não institucionalizada) e até índex de rados por exigência do sequestro do
dêmico, a participar de cineclubes, feiras livros proibidos. embaixador norte-americano. Por
de livro, reuniões e debates. Tudo proibido favor, relate como foram essas nego-
pela ditadura. Depois participei das lutas O Brasil vivia o auge da repressão. ciações e o que chegou até você nessa
contra o aumento das anuidades, pela Fale sobre a famosa Batalha da época. Qualera a sua relação com o
reabertura da UNE e das UEEs, as uniões Maria Antonia. grupo que sequestrou o embaixador?
estaduais de estudantes, e dos centros A repressão permeava tudo: o ensino, Quando fomos presos durante o Congres-
acadêmicos, até ser eleito presidente do a relacão com os professores, a discri- so da UNE, primeiro fomos levados para
CA 22 de Agosto, da minha faculdade, minacão as mulheres, os movimentos e o Forte de Itaipu, na Praia Grande, que na
a PUC de São Paulo, e depois da UEE de agremiacões sociais e populares, enfim, época era comandado pelo então tenente-
São Paulo. Comecei a liderar minha classe toda a vida nacional. Da revolta contra coronel Erasmo Dias. Em seguida, fomos
para o 2" BC em São Vicente, e depois
passamos por uma delegacia na rua Onze
de Junho,e pelo quartel do Exército em
Quitaúna, bairro de Osasco. Lá eu fiquei
sabendo por um preso que chamávamos
de Cabeleira que seria um dos 15 presos
políticos trocados pela libertacão do
embaixador americano Charles Burke El-
brick, e banido do país. Cassaram a minha
nacionalidade, me baniram do país e me
colocaram em um avião para o México. Fui
recebido com outros companheiros pelo
governo mexicano. Ficamos em um hotel
que existe até hoje lá, no centro da Cidade
do México, Depois de um mês, fomos para
Havana, onde éramos hóspedes do gover-
no cubano. Não tínhamos informações so-
bre as negociações, e minha relacão com
a ALN era política.A não ser pela presença
na sua direção e nos grupos de combate
de dezenas de companheiros que haviam
lutado comigo no movimento estudantil,
eu não tinha contato e não era militante
da organização de Marighella, Alguns
deles reencontrei em Cuba, daía razão da
minha ida para a Casa dos 28, onde me
integrei ao grupo que estava em Cuba pela
ALN para treinamento militar.

Durante o exílio em Cuba, como era


a sua vida no país?Como era o seu
relacionamentocom os parentes e
colegas no Brasil, e quais foram os
momentos mais marcantes dessa
"Vivi o exílio e a clandestinidade e, fase? Depois, você voltou ao Brasil

1
-
duas vezes clandestinamente.
nas duas situacões, a repressão, Como foram esses retornos?
o endurecimento da ditadura, as Vivi o exílio e a clandestinidadee, nas duas

81 mortes e desaparecimentos políticos


situações, a repressão, o endurecimento
da ditadura, as mortes e desaparecimen-
provocados pela ditadura, a prisão e tos políticos provocados pela ditadura, a
prisão e tortura infringidas aos idealistas
tortura infringidas aos idealistas que que resistiam a ditadura, e a saga dos
resistiam a ditadura, e a saga dos milhares de brasileiros que, como eu,
foram obrigados a se exilar. Em Cuba
milhares de brasileiros que, como eu, reencontrei os companheiros da Ação
foram obrigados a se exilar" Libertadora Nacional e comecei a fazer

SOCIOLOGIA 19
Entrevista I
treinamento militar. Lá, estudei e trabalhei zação, assim como eu, muitos militantes
quando não estava fazendo treinamento de esquerda, de vários grupos, da luta
ou me preparando para voltar ao Brasil. política e da luta sindical, sentíamos
Nunca mantive contato com minha família a necessidade de nos organizarmos
durante o exílio e a clandestinidade, a não em um partido que representasse os
ser para avisar que estava vivo. De volta ao interesses dos setores progressistas e,
Brasil, lutei na clandestinidade entre 1971 principalmente, os interesses do povo
e 1972. Sem condições de permanecer brasileiro, do trabalhador brasileiro. Ha-

"Durante os anos que vivi no Paraná,


aproveitei para conhecer o Brasil e estudar,
ler, viajar. Só voltei a fazer contatos políticos
no meio do ano de 1979, quando já estava
claro que a anistia viria gracas a luta
democrática dirigida pelo MDB e a ascensão
das greves operárias lideradas por Lula"
no país, voltei para Cuba por decisão de via um movimento sindical belíssimo no
minha organização, o MOLIPO [Movimento ABCD paulista, que foi berço para esse
de Libertação Popular]. E vivi também partido. Esse ideário de transformação,
clandestinamente em Cruzeiro do Oeste, de construção do socialismo e de trans-
no Paraná, de 1975 a 1980, onde me casei formação ética da sociedade também
com Clara Becker e tive um filho,]osé Car- cativou setores progressistas da classe
los, hoje prefeito da cidade. Com a anistia média, da Igreja e mesmo do empresa-
em 1979, voltei a atuação política normal, riado, Fui um dos fundadores do Partido
ajudei a fundar e a organizar o PT. Durante dos Trabalhadores, fui seu dirigente por
os anos que vivi no Paraná, aproveitei para anos. De 1981 a 1983, fui secretário
conhecer o Brasil e estudar, ler, viajar, Só de Formação Política do PT paulista; de
voltei a fazer contatos políticos no meio do 1983 a 1987, secretário-geral do seu
ano de 1979, quando já estava claro que Diretório Regional; e de 1987 a 1993 fui
a anistia viria graças a luta democrática secretário-geral do Diretório Nacional.
dirigida pelo MDB e a ascensão das greves Em 1986 fui eleito deputado estadual
operárias lideradas por Lula. em São Paulo. Em 1990, fui eleito
deputado federal e em 1994, disputei o
Você foi um dos f undadores governo de São Paulo, recebendo dois
do Partido dos Trabalhadores. milhões de votos. Voltei a ser eleito de-
Explique-nossobre o início da for- putado federal em 1998 e 2002, quando
mação desse partido e quais eram fui o segundo mais votado do país. Em
as maiores dificuldades. Fale sobre 1995, assumi a presidência do PT, sendo
a sua atuação no partido no início reeleito por tres vezes. Na Última, em
e nos últimos tempos antes de sua 2001, fui escolhido diretamente pelos
cassação, em 2005. filiados em um processo inédito no
Com a anistia e o início da redemocrati- Brasil de eleições diretas para todas as

10 I S O C I O L O G I A
direcões de um partido político, e ocupei Durante o processo que culminou
a funcão até 2002, quando me licenciei com a sua cassação, em 2005,
para participar do governo do presidente como você enfrentou as acusa-
Lula. Fui integrante da coordenacão das ções? Hoje, de que forma você
campanhas de Lula 2 presidência em analisa essas acusações e o que
1989,1994 e 1998,tendo sido o coor- faria de diferente se pudesse vol-
denador-geral em 2002, Com a vitória tar no tempo?
de Lula, assumi a funcão de coordenador Logo após as entrevistas de Robertolef-
político da equipe de transicão. Quando ferson para a "Folha" e, principalmente
o presidente assumiu, fui nomeado mi- depois que o "Estadão" sugeriu a ele a
nistro da Casa Civil, cargo que ocupei de ideia - e ele comprou - de me apontar
janeiro de 2003 a junho de 2005. como "chefe da quadrilha", eu sabia que
seria cassado, sabia que a Câmara teria
Você participou ativamente da CPI de dar uma resposta e que a oposicão
que levou a saída do então presiden- não perderia a oportunidade de fazer
te Fernando Collor de Mello. Como tudo para me tirar o mandato. Nesse pe-
avaliaria hoje o caso PC Farias? ríodo, entre as denúncias e a votação da
Na Câmara dos Deputados, assinei, perda do mandato, eu fiz minha defesa
com Eduardo Suplicy, requerimento com todas as forças, mas também me
propondo a "CPI do PC" (Paulo César preparei para a vida longe do Executivo
Farias), que levou ao impeochmentdo e do Legislativo. Mais ainda, me preparei
presidente Fernando Collor de Mello. para enfrentar os próximos anos à espe-
Mas o que pedi era investigacão para ra do julgamento no Supremo Tribunal
os fatos que se denunciavam à época. Federal, que deve acontecer em 2011.
Collor renunciou para não ser cassado, Se considerarmos que o processo de
para não ser condenado num julgamen- cassacão foi em 2005, posso dizer que
t o político, e depois foi absolvido pelo falta pouco. No mais, já fui absolvido
Supremo Tribunal Federal. Como avalio em ação de improbidade administrativa
hoje? Hoje, o ex-presidente Collor, de- que corre na justiça Federal em Brasília;
pois de cumprir dez anos de suspensão todas as seis investigações abertas no
chamado caso Waldomiro Diniz - duas
CPls, dois inquéritos policiais e dois
"Logo após as entrevistas de procedimentos do MP - nada apontaram
RobertoJeffersonpara a 'Folha' e, contra mim e nem arrolado como teste-
munha eu fui; e sobrevivi a uma devassa
principalmente depois que o 'Estadão' de 17 meses feita pela Receita Federal,

I sugeriu a ele a ideia - e ele comprou que não encontrou nada de irregular
nas minhas contas, principalmente no
- de me apontar como 'chefe da que se refere a variação patrirnonial
incompatível. Praticamente recebi um
quadrilha', eu sabia que seria cassado" atestado de idoneidade. Só resta aguar-
dar o julgamento no Supremo.
de seus direitos políticos, 6 senador
pelo seu Estado, Alagoas, Assim, acre- Quaissão seus planos futuros?
dito que respondeu por seus atbs com Neste momento, aguardo ansiosamente
a cassação e a suspensão dos direitos meu julgamento no Supremo Tribunal
políticos por dez anos. Federal. i

* PriscilaGorzoni é jornalista e escreve para esta publicação SOCIOLOGIA 111


-
De olhos vendados I

12 I S O C I O L O G I A
C
omeçam novamente as apre- zoológico dos humanos a clausura passou veis a uma observação constante por outras
sentaçóes dos zoológicos dos a ser um desejo nacional. pessoas, que constroem mascaras sociais2.
humanos. Nesses zoológicos Ficar conhecido no Brasil inteiro de um dia E tudo isso por quê? Para que outras pes-
você pode observar os hábi- para o outro, ser um participante do zoológico soas, essas sim estão no topo da hierarquia
tos, OS costumes, as manei- humano, um deles mais conhecido como Big dos humanos, possam ganhar dinheiro
ras de relacionamentos, as bases da ali- Brother Brasil (BBB),tornou-se uma das me- como consequência da clausura.
mentação, as disputas entre grupos e tas da sociedade brasileira, e não só dela: na Isso já ocorreu anteriormente com ou-
como se comunicam. Você poderia imagi- esteira da globaiização, os zoológicos dos hu- tros seres humanos, na época da imi-
nar que um dia isso iria ocorrer? Algumas manos ocorrem em vários países. gração italiana ao Brasil. Passando pelo
pessoas ficariam trancadas - em uma ca- O senso comum sempre apresentou os porto de Dakar, existiam algumas gaio-
sa-jaula - e você poderia observar vários seres humanos como melhores que os ou- las que tinham famílias de negros presos,
pontos de suas intimidades. Quais seriam tros animais, como os detentores do topo e caso os imigrantes quisessem conhecer
as propostas de se fazer algo parecido com da hierarquia dos seres vivos do planeta pagavam uma quantia para - consciente
isso? Para que realmente serviriam esses Terra, mas a Antropologia e a Sociologia ou inconscientemente - dar estímulos a
tais zoológicos dos humanos? sempre estiveram em um caminho mais co- escravidão que tinha, utopicamente, aca-
O mais curioso é que os humanos que erente: somos todos seres necessários ao ci- bado (PATRON, 1928).
se submetem a essa exposição, ou me- c10 alimentar (e não pirâmide, a qual coloca Nesta época as discussões do íim da
Ihor, a essa clausura, sentem-se estrelas, os homens no topo. Afinal, quando morre- exploração com relação a escravidão fo-
personalidades, famosos, como se,
no momento da reclusão, fizessem
algo que tremesse um crescimento Na prática, clausura é uma pena escolhida
ou um acréscimo social a ponto de
se tornar um ídolo' nacional. socialmente aqueles que não seguem as normas e
Clausura? Palavra de significado
extremamente forte. aorém. consi-
, A
leis sociais. Portanto, clausura é uma punicão, algo
derado como elemento necessixio na que é visto de uma maneira neqativa
- socialmente,
tentativa de manter a ordem social.
aae~stênciadeclausuraéade- ~ ~ S ~ O C ~ S O ~ O Z O O ~ Ó ~ ~ C O ~ O S ~ U
quada ou ngo, temos teorias diferen-
ciadas que apresentam de maneira
passou a ser um desejo nacional
metódica e ampla pontos divergen-
tes, cada qual com suas contribuições. No mos, ninguém se alimenta do nosso corpo? ram muito intensas. Hoje, nas reflexóes da
entanto, a parte dessas contradiçóes teóri- Se estamos no topo seria porque ninguém, maioria da sociedade brasileira, é inadrnis-
cas, na prática, clausura é uma pena esco- nem os vermes, se alimentariam da gente; o sivel prender pessoas que nada fizeram de
lhida socialmente aqueles que não seguem que, como sabemos, não é o que ocorre) e, prejudicial segundo as regras sociais, po-
as normas e leis sociais. Portanto, clausura por isso, possuidores da mesma importãn-
é uma punição, algo que é visto de uma ma- cia no planeta. 2. As máscaras sociais implicam na 'ideia de interaçòes so-
neira negativa socialmente, mas no caso do Utilizo a expressão "zoológico dos huma- ciais, sobretudo a de interações simb(ilicas",no sentido de Gof-
fmm. Mas. acima de tudo, implica interaçàes sociais em um
nos" por ser um parãmetro social que pode espaço social especifico e historico, carregado de significados e
1. Figura que representa uma divindade que se adora/ Pes- ser visto dessa maneira: pessoas que estão relaçáes desiguais entre agentes portadores de diferentes capi-
soa a qual se prodigam louvores excessi\,osou que se ama apai- presas em um certo local, que são alimen- tais sociais. Implica. por fim, um campo, eivado de diferenças de
xonadamente. Diz-sede certas figuras que desf~tamde grande posição e estruturado. Dentro dessa matriz. o habitus gera dife-
popularidade (artistas de cinema, cantores populares, jogadores
tadas, estimuladas a praticar certas atua- renças continuas entre individuos como maneira de manjá-los
de futebol. etc.) Cf. HOUAISS, 2000. ções, que estão sob supervisão e susceti- estruturalmente' (MONTAGNER,2006).

SOCIOLOGIA 113
l-
Brava Gente

o ano de 1984, o Brasil che- dente da República em 1985. "Um, dois,


gou ao auge das mobilizações três, quatro, cinco mil! Queremos eleger
populares contra a Ditadura o presidente do Brasiln,'gritavam os pre-
Militar (1964-1985).Batizada sentes, em uníssono, puxados pelo locu-
de "Diretas Já", a campanha tor esportivo e mestre-de-cerimônias Os-
liderada do palanque por políticos, intelec- mar Santos. Bandeiras amarelas alusivas
tuais e artistas incentivou a população a a cor da campanha misturavam-se as do
sair as ruas para exigir o direito de votar. PT,do PC do B, do PCB e do PMDB. Outros
Esse momento de esperança e comunhão comícios semelhantes ocorreram por todo
contribuiu para a consolidação da Aber- o Brasil. "Nesse momento, mobilizou-se
tura Política, iniciada no ano seguinte, e milhões de pessoas em todo o País. Desta
para a retomada das eleições diretas para forma, a possibilidade de eleger um presi-
presidente em 1989. dente através do voto direto passou a ser
Apesar dessas conquistas, o profes- vista como a única forma para a superação
sor da Faculdade de Ciências Sociais da da crise econõmica e política que assolava
PUCSP, Luiz Antonio Dias, doutor em o Paísn, relata Dias.
História Social, reforça o caráter proces- Para compreender todo esse processo,
sual da democracia. A obtenção da de- e a formação de nossa democracia, é ne-
mocracia plena ainda está em anda- cessário deixar claro que antes das Diretas
mento. "Acreditamos que ao longo desse Já, o cenário político brasileiro era de um
processo de redemocratização, pontuado profundo desencanto deixado pela suces-
pelas lutas e manifestaçóes, ocorreu um são de governos militares. "A ausência de
amadurecimento dos eleitores, da popu- eleições diretas para presidente, para go-
lação de forma geral, que percebeu e am- vernadores (até 1982) e para prefeitos (dos
pliou suas possibilidades de ação. Como principais municípios) dava uma sensação
um bom vinho, a democracia necessita de inutilidade ao processo eleitoral, posto
de um tempo de maturação, a nossa tem que os atos do legislativo (única institui-
apenas vinte e cinco anos". De qualquer ção composta pelo voto direto) passam, co-
forma, a luta pelas "Diretas Já" de 1984, mumente, despercebidos pela maioria dos
passando pela eleição direta de Collor em eleitores", explica Dias.
1989 e as manifestações pelo seu afasta- O professor de História Social da PUC
mento em 1992, mostram que a popula- de São Paulo lembra que havia um des-
ção conhece o seu papel e sua importãn- gaste na relação da população com o re-
cia na consolidação democrática. gime militar, percebido no crescimento
"Como um A história das Diretas J á começa no de votos dados a oposição, representada
início de 1983, quando o deputado fede- pelo MDB até o retorno do pluriparti-
bom vinho, a ral Dante de Oliveira (PMDB-MT),que ha- darismo, em 1979. No pleito de 1974,
democracia via acabado de ser reeleito, descobriu que
as emendas por eleições diretas existentes
o MDB recebeu 39,8% dos votos para
a Câmara Federal; em 1978 recebeu
necessita de no Congresso estavam prejudicadas. Ur- 39,3% e em 1982, após a reforma par-
gia um projeto de lei bem fundamentado! tidária, a oposição representada nesse
um tempo de O parlamentar mato-grossense então for- momento pelo PT, PDT e PMDB conse-
rnatura~ãaa mulou uma proposta de emenda consti-
tucional (PEC),logo apelidada de Emenda
guiu quase 45% dos votos. "Além disso,
ao último governo militar, João Figuei-
nossa tem apenas Dante de Oliveira. redo (1979-1985), veio se juntar uma
O primeiro evento pelas Diretas J á acon- grave crise econômica, com queda do
vinte e cinco anos" teceu na Praça da Sé, em São Paulo, no Produto Interno Bruto, recessão, de-
LUIZ ANTONIO DIAS, DOUTOR dia do aniversário de 430 anos da cidade, semprego e alta inflacionária. O "mila-
EM HISTÓRIASOCIAL E 25 de janeiro de 1984. O grande comício gre econômico" havia chegado ao fim, e
PROFESSOR DA FACULDADE DE reuniu cerca de 300 mil pessoas dispostas a população via-se duramente punida",
CIÊNCIASSOCIAIS DA PUC-SP a reivindicar pelo direito de eleger o presi- complementa o professor.
"justamente por isso, a campanha 'Diretas I
Pode ser exagero do sociólogo Emir Sa- ]#tomou-se um importante elemento
der, quando ele afirma que pela primeira
vez existiu um consenso nacional, mas aglutinador na história recente do Brasil.
poucas vezes na história da República tan-
tas pessoas concordavam que a democracia
Ela teve o mérito de reunir em um único
devia reassumir o seu lugar. De acordo com palanqueas principais f o ~ a políticas
s do
uma pesquisa publicada pelo jornal Folha
de S. Paulo, em 26 de fevereiro de 1984, país, além das principais liderancasde
mais de 70% dos eleitores do PDS, nova si-
gla da Arena, queriam eleições diretas para
oposi~ãoao regime militar"
presidente. Isto é muito significativo, prin- LUIZ ANTONIO DIAS, DOUTOR EM HISTÓRIASOCIAL E
cipalmente se pensarmos que o PDS era o PROFESSOR DA FACULDADE DE CIÊNCIASSOCIAIS DA PUC-SP
partido de sustentação do governo militar
e contrário a eleição direta. Para Luiz An-
tônio Dias, "justamente por isso, a campa-
nha Diretas Ja' tornou-se um importante
elemento aglutinador na história recente
do País. Ela teve o mérito de reunir em um
único palanque as principais forças políti- Um passo para compreender a predomínio na história política
cas - PT, PMDB, PDT , PCB, PC do B - além nossa forma de democracia é brasileira. 'As características
das principais lideranças de oposição ao re- analisar a política brasileirae seus pessoais do soberano situam-se
gime militar, dentre as quais Lula, B b l a e governantes. Essa área semprefoi em um ponto muito acima das
Ulisses Guimarãesn. marcada por figuras carismáticas, estruturas partidáriase, em
Enquanto manifestação popular, a cam- como Getúlio Vargas e Juscelino alguns casos, ate mesmo acima
panha começou de forma bastante tímida, Kubitschek."A população, alheia a das 'regras racionalmente
em novembro de 1983, porém, rapidamente questões partidáriase ideológicas, estabelecidas', ou seja, acima das
ganhou impulso. As vésperas da votação da vota, quase sempre, no indivíduo, leis", exemplifica.
Emenda Dante de Oliveira, marcada para em seu carisma e acredita A eleição de Tancredo Neves, por
o dia 25 de abril de 1984, dois grandes co- piamente que o presidente exemplo, deve ser vista dentro
mícios ficaram marcados como simbolos poderá ser a soluçâio de todos os deste contexto.Apesar de ter sido
da celebração da cidadania. A 10 de abrii, problemas'; diz Luiz Antônio Dias. eleito por um Colégio Eleitoral,
no Rio de Janeiro, estimados 1,5 milhão de Fica fácil encaixar Max Weber Tancredo recebeuo apoio de
pessoas bradaram pelas Diretas em frente nessa observa~ão.Segundoo grande parte da população. Esta
a Igreja da Candelária. No dia 16, 1,7 mi- sociólogo, o Estadosó existe falta de identificaçãopartidária
lhão de paulistanos - e brasileiros de todos mediante a relação de dominação também servirá para explicar a
os Estados - uniram-se no Vale do Anhan- justificada por um ou mais dos eleição de Fernando Collor por
gabaú com o mesmo intuito. seguintes três elementos: a) uma sigla inexpressivacomo era
Além de atores, cantores, juristas e po- os costumes tradicionais; b) a o PRN. No entanto, Dias adverte:
líticos de diferentes legendas políticas, os autoridadefundada nos dons 'Rpesar do apoio e simpatiaque
jogadores do Sport Club Corinthians Pau- pessoais do indivíduo, chamado a populaçãonutria por Tancredo,
lista, Sócrates, Wladimir e Casagrande, de carisma, que seria o heroísmo a comemoração por sua vitória
líderes do movimento Democracia Co- particulardo soberano (eleito): c) não levou grandes multidõesas
rinthiana, também compareceram ao a legalidadeconferida pelas regras ruas, como ocorreu durante a
Anhangabaú. Em seu livro "Democracia racionalmente estabelecidas. campanha pelas diretas. Talvez,
Corinthiana: práticas de liberdade no fu- Deforma geral, na concepção numa demonstração de decepção
tebol brasileiro" (Educ, 2009), o sociólogo de Dias, o carisma e o heroísmo, por não terem participadoda
José Paulo Florenzano, professor do De- sob suas mais variadas formas, "festa eleitoral': as comemorações
partamento de Antropologia da PUC-SP, sempretiveram um forte tenham sido tão tímidas".
relata o diálogo ao microfone entre Os-

SOCIOLOGIA 119
-
Brava Gente

mar Santos e o Doutor Sócrates, capitão


da seleção brasileira na Copa do Mundo
de 1982 e sondado para &ar no futebol
europeu:
"Por algumas horas
Sócrates: - Se a emenda Dantede Oliveira
o Brasil de sudeste e foraprovada na Câmara e no Senado, nãovou
províncias da periferia embora do meu país.
Osmar Santos: - O que acontece se ela
fixaram os olhos passar, Doutor?
Sótrates: - Eu nãovouembora do meu país!
na TV e sonharam O público vai ao delírio. No entanto, no
com o resultado que aguardado dia 25, a emenda Dante de Oli-
veira acabou derrotada no Congresso Na-
acabou não vindo. A cional. Curiosamente, o placar h a l foi de
298 a 65 a favor das eleições diretas, com
experiência despertou mais de cinquenta deputados do PDS vo-
no povo a luta por tando a favor do projeto de lei de Dante.
A rejeição deveu-se a ausência do quórum
melhores dias através mínimo de dois terços para a autorização
de modificações na Constituição. Faltaram
do maior instrumento apenas 22 votos para o triunfo."A frustra-
democrático de ção pôde ser percebida diante da desmo-
bilizaçáo do movimento, que náo foi ca-
transformacão da nalizado de forma organizada para outras
lutas. Por outro lado, as lideranças envol-
sociedade: o voto" vidas acabaram agrupando-se para apoiar
RAMÃO FIGUEIRA GUTIERREZ, urna candidatura de oposição ao governo
ESPECIALIZADO EM DOCÊNCIA NO militar", esclarece Dias.
ENSINO SUPERIOR PELA CANDIDO Segundo o professor, este apoio acabou
MENDES E PROFESSOR DE HISTÓRIADO recaindo sobre Tancredo Neves, o candidato
COLÉGIOMARIA IMACULADA da "Aliança Democráticanno Colégio Eleito-
ral marcado para 15 de janeiro de 1985. Ar-
ticulador arguto, com trânsito livre entre go-
verno e oposição, Tancredo, indicado pelo

A derrota das "DiretasJá",a desencantodo eleitorado de superação do passado de ruptura. Dessa forma,
morte de Tancredo Neves com os políticos. "De fato, perdeu grande parte de a "Nova República"já
e a posse deJoséSarney, Tancredo Neves seria o sua força, assim como nasceu sob o símbolo do
acabaram impedindo aos elemento simbólico, após já havia ocorrido com a desencanto e da falta
olhos de grande parte da a negaçãodo Congresso derrota das DiretasJá. de representatividade/
população, a desejada de eleicões diretas para "Isso porque Sarney, legitimidade", conclui.
renovação política. Na presidente, de ruptura com egresso do PDS, partido O governo Collor começou
opinião de Luiz Antônio o regime militar", lembra. de sustentação do em meio ao auge da
Dias, estes fatos, aliados a Após o falecimento de governo, não teria a crise que caracterizou a
crise econômica, acabaram Tancredo, em 21 de abril legitimidade necessária economia brasileira nos
contribuindo para o de 1985, o simbolismo para uma representação anos 1980. O cenário

20 I SOCIOLOGIA
L Registro

HISTORIA E DESAFIOS
DE UMA TRAJETORIA
O estágio mais recente de organizacão profissionaldos sociólogos
reflete protagonismose virtualidades, reabre o debate e traz a
oportunidade de repensar antigos e novos papéis
por Sérgio SanandajMattos

s origens das diferentes "estimular o ensino e a pesquisa em origem A Associação Gaúcha dos Sociólogos
formas de constituição das Sociologia e desenvolver iniciativas úteis (PETERSEN, 1994),
organizações de sociólogos no ao desenvolvimento das ciências sociais'', O No Brasil, o movimento associativo dos
Brasil podem ser compreendidas Primeiro Congresso Brasileirode Sociologia sociólogosemerge, a partir de meados da
a partir de três orientações básicas. teve lugar em São Paulo, em junho de década de 1960 e iníciode 1970, quando
A primeira, de natureza científica, 1954, Em 1949, Arthur Ramos assume surgem as primeiras associaçõescivis
remonta a constituição da Sociedade de a direcão do Departamentode Ciências de sociólogos, por um lado, como forma
Sociologia de São Paulo (1934-1950); a Sociais da UNESCO, e participado congresso de resistência democráticada sociedade
segunda, a reorganização da Sociedade constituinte da InternationalSociological civil, particularmentena fase da crise
Brasileira de Sociologia (SBS,1950) e Association, realizado de 5 a 11de setembro da Sociologia e o estado de tensão da
ao caráter internacional da Sociologia, de 1949 na cidade de Oslo, Noruega. sociedade brasileira (1965 - 1979), e por
com a UNESCO, em 1949, estimulando a outro lado, no entanto, como formas de
formação de organizações científicas; e a SURGIMENTOS PELO BRASIL representação e estratégia simbólica de
terceira, sem abstrair aspectos científicos, afirmação, legitimação e identidadeno
desdobra seus papéis em uma perspectiva O Rio Grande do Sul foi pioneiro na espaço social e político brasileiro.A partir
profissional, a partir de meados da década congregação dos profissionaissociólogos, de 1961, começaram a tramitar no Senado
de 1960 até os dias atuais. pois em 1965 foi fundada a Associação e na Câmara projetos de regulamentação
A primeira entidade, de caráter Gaúcha dos Sociólogos.No dia 21de da profissão de sociólogo, É um fenomeno
essencialmente científica, surge em maio de 1965, uma assembleia realizada historicamenterecenteque posteriormente
1934.A Sociedade de Sociologia de no auditório dovelho edifício Castelo na na fase da profissionalização(1980)
São Paulo, fundada em 1934, que se Siqueira Campos, em Porto Alegre, reunindo adquire o status do reconhecimento
tornou, em janeiro de 1950, a Sociedade profissionais e estudantes de Sociologia, foi da profissão, e que a partir de 1985,
Brasileirade Sociologia, tem como objetivo responsávelpelo acontecimento que deu impulsionado pelosurgimento de entidades

22 I SOCIOLOGIA
profissionais, adquire conformaçõesde Sociedade Mineira de Sociologia, entidade do debate imprescindível3 transformacão
naturezasindical. surgida em 27 de outubro de 1967 e democrática da sociedade brasileira.
Entre 1976 e 1977, foram realizados transformada em entidade pré-sindical em A Associação dos Sociólogos do Brasil
sete encontros que reuniramas diversas 1983, em Belo Horizonte, as associacões (ASB) consistia em ser uma espécie de
entidades de sociólogosexistentes na de sociólogose os sociólogospresentesao federação de entidadesestaduais de
época. Em 1976, sob o governo militar VI1 encontro nacional realizado em Minas sociólogos - associaçõescivis, profissionais
do general Ernesto Geisel, é realizado Gerais nos dias 13 e 14, após seis encontros e sindicatos. No ato de fundação da
em Brasília, entre os dias 9 e 14 de julho, anteriores, resolveram tornar efetiva a Associação dos Sociólogos do Brasil - ASB,
durante a XXVII ReuniãoAnual da SBPC criação da sua primeira entidade nacional - foram aprovados os estatutos e eleitos
o I Encontro Nacionalde Associaçõesde Associação dos Sociólogos do Brasil (ASB), os seus diretores, respectivamente, para
Sociólogos e de Cientistas Sociais. Desse entidade que a nível nacional se propõe presidente a socióloga e servidora pública
evento, de iniciativa da Associação dos defender os direitos dos profissionaisda do Rio Grande do Sul, Maria LuizaJaeger,
Sociólogos do Estadode São Paulo (Asesp), área da sociologia, contribuir e participar que presidiu a entidade entre 1977 e
participamsociólogosdos Estadosdo 1980. Além dela, a diretoriafoi composta
Rio Grande do Sul, Bahia e MinasGerais. por cinco vice-presidentes, um para cada
Ainda nesse mesmo ano, são realizados região do País: Mariano Klantau de Araújo,
o II Encontro Nacional de Associagões de Os responsáveis vice-presidenteNorte, Délio Mendes, vice-
Sociólogos, entre os dias 30 e 31 de agosto, A carta de criação da Associação presidenteNordeste, JoseWalter Nunes,
na cidade de Belo Horizonte, e o III Encontro, dos Sociólogos do Brasil(ASB) vice-presidente Centro-Oeste, Wellington
na cidade de Porto Alegre-RS, entre os foi assinada pelos sociólogos Teixeira Comes, vice-presidente Sudeste,
dias 30 de outubro e 2 de novembro de representantesda Associação Eliana Graça Garcia, vice-presidente Sul,
1976. O IV Encontroacontece no dia 30 de Gaúcha dos Sociólogos, Maria Claudia N, Lima, secretária-geral,e
janeiro de 1977, na cidade de São Paulo; o A s ~ c i a ~ Regional
ão de Lincoln Moraes, tesoureiro.
V Encontro, entre os dias 8 e 9 de abril, na Sociólogos (Pard). Associação Com a criação da ASB, em 1977, intensifica-
cidade de Brasília; o VI Encontro, entre os dos Sociólogos do Distrito se a criacão de associações profissionais
dias 7 e 13 de julho, durante a realizacão da Federal,Associa$ão dos - pr6-sindicais, exigência na epoca para
XXVIII Reunião Nacional da SBPC, na cidade Sociólogos do Ceará, Associação se chegar a sindicato - em vários Estados,
de São Paulo; e o VI1 Encontro, que funda a dos Socióiogos de Pernambuco, inclusive naqueles com menor número de
Associacãodos Sociólogos do Brasil - ASB, Sociedade Mineira de Stxiologia sociólogos.
acontece entre os dias 13 e 14 de novembro e Sociedade Paranaense Nesta época, existiam apenasAssociações
de 1977, na cidade de Belo Horizonte. de Sociologia. Civis. Nem sequer a profissão havia
Em 14 de novembro de 1977, na sede da sido reconhecida.A Associaçãodos

SOCIOLOGIA 123
Sociólogos do Brasil - ASB cumpriu um ENCONTROS OFICIAIS 1986), Sociedade Brasileira:Crise e
grande papel articulando nacionalmente Perspectivas, (Salvador, 1988). A partir de
a luta pelo reconhecimento da profissão O primeirocongresso nacionaldos 1988, a Associaçãode Sociólogos do Brasil
e posteriormente pela regulamentação, sociólogos - o primeiro encontrode (ASB) tem como sucessora a Federação
além de ter participadodos embates profissionaise estudantesem toda a Nacional dos Sociólogos - FNS. Nesta
políticos contra o regime militar. Mais tarde, história da categoria - realizado em Belo época, existiam cinco sindicatos (Minas
coordenou também a luta pela criação das Horizonte, de 22 a 26 de maio de 1979, Gerais, São Paulo, Paraná, Rio Grande do
AssociaçõesProfissionais, as chamadas discutiu questões relevantesda sociedade Sul e Pernambuco), sete Associacões
Associaçõesde Profissões, de caráter pré- brasileira, e em particularos problemas que Profissionais(Rio deJaneiro, Santa Catarina,
sindical, que eram exigidas pelo Ministério tocam diretamenteos sociólogos, enquanto Rio Grande do Norte, Ceará, Pará, Bahia e
do Trabalho como etapa para a fundação e categoria profissional.O congresso Goiás) e três Associações Civis (São Paulo.
o reconhecimento de Sindicatos. contou com a expressiva presença de 653 ~ a h i ae Pernambuco).
congressistas.]á no V Congresso Nacional Na década de 1980, o papel da
dos Sociólogosfoi eleita e empossadaa
A "CARTA"
E a MRUIIIIC a "CarIa de Fundaçlo" d.
quarta diretoria da ASB.
A S ~ ~ ~ I a C ~ O d u S S o r l ~do
"NO cxerclclu dr rua pmllxrio o
l o IIrasII.
uus
, Com temário suficientemente amplo
CYIOKO~ d roiilrlbulr r para u cMihecl.
mciilo uliJrll\.o da realldadc. atuando para comportar as inquietações teóricas,
crlilcamrlirc ctli rrl.re.lo 1s csinilurss de
donlliinrnii i.slslviitrs na soei~dadc.c des. as imposi~õesda prática profissional e a
ta iorniii. l i ~ i i l o:i0 nlrel da prsqu~snc do
csludo iiinlr rs.ral. ciuanin . - - -
d:, n r w i m -
".*." diversidadede perspectivas de análise
dldrla ilns Ii~siiiiilcbr~s, or1eiilar.w no wn.
Ildo d r xar\'lr aias Itircrcsrrs da maloria da
po)iiilaC:io I'ur oiilrn Iado. siin pratica
para os processossociais, a Associa@o dos
Ianil>Cni l w l c 1~tir:iclcrli;ir.re pcla iii111.
ZaGio e l o r l n l c r i i i i ~ ~ i d
iinr uma Soriologla
Sociólogos do Brasil(ASB), antecessora
qiic Slri'J Iliir;i oliacurwer a rls8o da
rcall<fniic. ciiiilrllbuindo para manier a da FederacãoNacional dos Sociólogos,
slni;ir:io <Ir <I~~iiiitiacdo social e assegurar
. . . . . . . . .rh.
os urlvllC~ilos . . unta
. . . .minnv,i-i
...... promoveu diversos congressos que
"Kesse sciiiidn P iinporlanlr qucsllonar.
nios ;ir c:trnrirri~licas assumidas hoje discutiram temas como Sociedade e
w10 IrillbnIIi~~ do sorli~lil@n ..........
. . . . nn I<r:i<!l niin v".
Sociologia no Brasil(BH, 1979), Por uma
sc cnionlra. rlidh ~.nlPrCSaS.Iiinllado e cs.
t r a n ~ u l a d opela orientar50 1rcnocr:lilca
que Ihc (. Inlposla: a produci'io clcnlillca. a Sociedade Democrática, (Recife, 1980),
pesquisa. o estudo. suhmolidos a u m
modelo cconiimici>. social r polilico cal. Atuação Profissionale Prática Política do
cada na e s c I ~ s J o d aparliclpacBo popular.
C que n5o podr se perrnllir d crillca e o Sociólogo, (Brasília, 1981), Conjuntura e
debale de IdCias As mcsmas caracleris.
Llcas nlarram O Lrahalho de planc:imcnio
e a lorrnaclo do sociololo nos cursos dc
Prática Política do Sociólogo, (Fortaleza,
CIPnclas Soctals. nsrlsle.sc P leniailva
slslemilllca de csrazlor esscs curws onde
1982), Os Sociólogos e a Construcão
se 1mp6e uma Socioloeia rclr(lErad2 c Jé da Democracia, (Rio delaneiro, 1984),
formam profissionais completsmrntc des-
Preparados para o rscrrlclo da p r o l r ~ ~ á o .
a0 mesmo lelnpo. cslahe1ccr.sr I n d i aiirte
O Sociólogo e a Constituinte,(Curitiba,
de Ilmllaçbes c prcssors insii~urioiinii.
Para que o irabalho proftssionni ruriipra
u m papel de reprodulor 62': cnndirik>
WClalS domlnanics: ccrcela.sc a iiltord.idr
de CXPrCSsáo e o dlrciio n in1nrm~i:n.
chegando ao extremo dc inipedir a livre
ClrrulaFAadc Ilvros
"Dessa maneira. o socioloeo. prrcwu-
Dado com o exerclclo criilco de sua prooç-
680 e com a defesa dos I n l c r r r r s po-
pulares. que. pelo prbprlo caratcr dn ricn-
ela que pratica de\.e procurar captar. v+.
se Impossibllllado de exercer Ilsr<'menlc
sua pmflssao. ao lado de um prnndr con-
Ilngenle de pmlisslonols que ncm accrrr,
ao mercado dc irabalho mnsecur l r r . ern
decorrenela da dlscrimlnnC3o cslnhrle.
clda em rclacdoa pmflss3o
"Nesse senlkb. pclo ronhcclmrnlo da
realidade social em quees1.40tnscrldoc o?,
soclblofos. c o m calecoria profibslonal.
tnmbCm se colocam enlrc aqurlcs s<.lorn
da SoCICdadc que lulam por niclhorcc con.
dlfãcs de \.Ida para a populncão - Por
uma Jusla dlslrlhulclio dc rendas. por
mcIhOms condicirs de hahltaibo r Iran,.
porlcs. prlo dircllo d r 1~10sa rducai'io c
por uma uilllzacio rrarloiial dn> rccur.-0%
naiurals c por liherdndr.; dcnli,cr:siic:is
q u i paratitam L pwulacdo a drlcs3 de

24 1 S O C I O L O G I A
BIBLIOGRAFIA
. ... . ..: !..
., 5 ~~:~cioaorsw~~~ogas~O CARVALHO, Lejeune Mato Grosso X. &
9.. : . que icm sua &c JWdl~a
;. : :d-:i r. con!anda com nglonah un MATTOS, Sergio Sanandaj. Sociólogos&
2. . F:LizaO. Scu objellvo C d e l e n d e m
!-:c r. . Ca raiceoni e n p l a m a l a r a Sociologio. História das suas entidades no
.. ....""
n-A',L':."
Brasil e no mundo. Vol. I, São Paulo: Editora
WtlliwUn Telxelra G m u n c e pre.
.IdcnlC da ASB para a mio sudcsle con- Anita Garibaldi, 2005.
ta sue a w Moenova. ja tendo r~dodls-
NIMI M 1 : l m 0 sele enmniros de so.
R 0 *%to. quc tr3nscarrcu em CARVALHO, Lejeune Mato Grosso X. &
IUltP. M?9'R n i n ~ l oAnual a* SUPC. em MATMS, Sérgio S. Socidlogos e Sociologia:
S10 Paulo. ficou marcada a luilaaClo da
As#mI.CIo para o 6etlmo que f i i ~em
Belo I l ~ r m i cEntre ar aa!;enconirox a
Breve Cronologiado Historio do Ciência,
I-la bi deballda a nlvcl OSJdual. pelas da Organizocão Estodual e Nacionol e do
dlvcMÍ arlidaas - - -- d
-e - ---
.r 1. i . M
A M a lundacdo da ASU. rol íymvado Profissionolizoção no Brasil, Caderno da
U U t W P r o r l ~ r t uelcita
. a utrriarla
PmYUbrla c redl8lda a '.iaria dc Fun. Federação Nacional dos Sociólogos, n. 1,
d w . que (em nimoo5lctivo lundanien.
trr o airvmenlo da nora ~ r u i c l a c d ~ março, São Paulo:1997,19 p.
Um dar funt&s prrwipals da AS& C
re(gilamcatar a PmnWo. alem ac dckn- MARINHO, Marcelojacques Martins da
l de rroncudo. de tramlho
r de miW aiivldaaa intcimusu d~ Cunha.A Profissionoliza~ãada Sociologiono
NnBCmEtM
Brosil, Dados Revista de Ci@nciasSociais, Vol.
30, no. 2. Rio dejaneiro: IUPER], 1987.
PETERSEN,Aurea et al. Os socidlogos
do Rio Grande do Sul: umo tentativa de
recuperara história, Associacão Gaúcha dos
Sociólogos, Porto Alegre: 1994.19 p.: rnirneo

Associação dos Sociólogos do Brasil Chile, Uruguai e Brasil iniciam um Sociólogos, tendo como tema "Sociedade
(ASB) foi marcado por uma atuação processo de intercâmbio e articulação Brasileira: Crise e Perspectivas", realizado
no sentido de ampliar o processo de política, Em 1985, a ASB participou do em Salvador entre os dias 24 e 27 de
formação das associações profissionais. I Encontro das entidades do Cone Sul, maio de 1988 no Centro de Convencões,
Embora considerando que a producão realizado em Buenos Aires, em agosto por decisão congressual, surge a
científica tenha outros fóruns de de 1985. No início de 1985, desenvolveu Federação Nacional dos Sociólogos,
debates, é marcante, na década de 1980, iniciativas e articulações visando a organização composta pelos sindicatos
o papel da ASB em termos de intercâmbio participação dos sociólogos brasileiros estaduais de sociólogos do Brasil,
científico e aproximação com sociólogos na IV Conferência Nacional de Ciências sucedendo 21Associacão dos Sociólogos
e entidades da América Latina e Caribe. Sociais nos dias 25,26 e 27 de fevereiro do Brasil (ASB). O evento contou
No congresso da ALAS (XVI Congresso de 1985, no marco de comemoracão com a participação de cerca de 500
Latino-Americano de Sociologia, "La do 257" aniversário de fundação da profissionais de dez Estados, dentre os
democracia en América Latina", Rio de Universidade de Havana, e também em quais Anete Leal Ivo, diretora do Centro
janeiro, Brasil, Universidade Estadual do relação a V Conferência Científica de de Recursos Humanos da UFBa; Vinicius
Caldeira Brant, de São Paulo; Miriam
Costa de Oliveira, de Minas Gerais; Manuel
A Associa~aodos Soci~ólogosdo Brasil (ASB) Aires de Moura, de Pernambuco, Lejeune
Mato Grosso Carvalho, de São Paulo;
consistia em ser urna espécie de federacão entre outros.
Há todo um processo precedendo e
de entidades estaduais de sociólogos - acompanhando contextualmente a
dsocia~oescivis, profissionais e sindicatos concepcão de organização profissional,
social, política, de expressão nacional
dos sociólogos e, a partir de 1988, a
Rio de janeiro (UERJ),de 2 a 7 de marco Ciências Sociais, (Havana, fev., 1987). Associação de Sociólogos do Brasil
de 1986), em plena fase do processo de Posteriormente, com a transformação (ASB), tem como sucessora a Federação
redemocratizacão brasileiro, a Associacão em sindicato de cinco das associações Nacionaldos Sociólogos - F N 5 . i
dos Sociólogos do Brasil (ASB) organizou profissionais, a Associacão dos
o Encontro de Sociólogos da América do Sociólogos do Brasil - ASB passa a * SérgioSanandajMattos é sociólogo. professor e ex-
Sul, paralelamente ao congresso latino diretor da Associação dos Sociólogosdo Estado de 520
intensificar os debates visando a sua
Paulo (ASESP). É coautor do livro Sociólogos & Sociologia.
americano. Durante o congresso, as transformacão em federação. Históriasdas suas entidades no Brasil e no inundo (ss.
entidades de sociólogos da Argentina, No VI1 Congresso Nacional dos mattos@uol.com.br)

SOCIOLOGIA 1 25
~Qllb.
r,,,,
.
Trabalho

Um salto histórico sua mensagem para os operários era: substituído sempre que necessário, tal
"Deixem seus cérebros do lado de fora da como as máquinas.
empresa!". Isto gerou um antagonismo Este modelo persistiu confortavelmente
Não devemos nos alongar em buscas entre operários e gerentes, pois até o final dosanos 1960, ainda colhendo
sobre as relações de trabalho desde os confirmava a ideia de que só eles deveriam os frutos residuais da grande demanda
primórdios da humanidade, mas salta pensar, ficando os operários encarregados por bens e serviços surgida depois da
aos olhos o que se observa a partir da somente da execução. Usavam, Segunda Guerra Mundial. Com a primeira
Revolução Industrial, com o chamado portanto, somente sua forca crise do petróleo, no início da década de
"gerenciamento científico", modelo de física. A produtividade 1970, houve um período de recessão, e as
gestão criado por Frederick Taylor, no final era então um conceito I empresas norte-americanas começaram a
do século XIX. "timportante voltarmos até associado somente 1 ter que competir num mercado cada
esta época, porque aqui no Brasil, estamos 2 quantidade de vez mais agressivo e mundializado,

b
já no final da primeira década do século produção. enfrentando a concorrência
XXI e várias empresas ainda persistem Para os operários, a dos paises que agora se
adotando o modelo de gestão taylorista': alternativa era aceitar reerguiam: Alemanha e
afirma Maria Aparecida Araújo. esta situação, pois eram Japão.Porém, viu-se
O trabalho de Taylor baseou-se em suas remunerados e permaneciam nas
observações da rotina dos operários da empresas durante anos, fazendo as
Bethlehem Steel, vendo-os carregarem mesmas coisas. Apesar da falsa
seus caminhões de frete, com peças impressão de estabilidade, eles
fundidas de ferro. Ele analisou como se ressentiam por não terem
levantavam a carga, organizavam-se, status nem participacão
com que frequencia descarregavam e nas decisões. Segundo o
se dispí3s a Ihes ensinar como aumentar economista Cláudio Pelizari,
sua produtividade com O mesmo esforço. os conceitos tayloristas levaram
Naquela epoca a fábrica era um lugar a ganhos enormes, bem como
caótico, comparado aos padrões que hoje definiram os papéis de gerentes e
conhecemos. O engenheiro fazia o projeto. subordinados por muito tempo. Essa
o mecânico decidia como fazer a peça. assimetria manifestava-se nas atitudes
solicitava o material, passava as instru~ões centralizadoras e autocráticas. O
de feitura e esta ficava pronta. Não havia empregado era considerado um mero
controle de estoquese muito menos recurso que poderia ser sacrificado
produção programada. Tudo dependia do por motivos estratégicos, podendo ser
mecânico- chefe.
Taylor então transferiu a
autoridade deste mecânico-
chefe para o chefe de Saía-se do foco no produto,
produção e o resultado foi
um aumento espantoso na
para o foco no cliente e
produtividade, elevando-se em suas necessidades e
com isto o padrão de vida requisitos. Juntamente com
dos operários americanos,
que passaram a ser os esta mudanca de paradigma,
mais bem pagos no mundo veio a nova concepsão do
naquela época. Apesar disso,
o enfoque de Taylor teve
homem dentro das empresas
um lado desastroso, pois

30 1 S O C I O L O G I A
"A expressão 'capitalismo flexível'
que a pdtria de Henry Ford - e seu
modelo fordista - acostumara-se aos descreve hoje um sistema que é mais
modelos obsoletos de produtividade e
que visava somente ao lucro financeiro
que uma varia~ãodo mesmo tema.
imediato. Enfatiza-se a flexibilidade,Atacam-
Nesta época dois cidadãos norte-
americanos, Edward Demming se as formas rígidas da burocracia, e
e j.]uran. depois de fracassadas
tentativas de conscientizarem seus também os males da rotina cega. Pede-
compatriotassobre a necessidade de
mudar seus paradigmas de gestão,
se que os trabalhadores sejam ágeis,
encontraram grande receptividade estejam abertos a mudanças de curto
no Japão.Os japoneses não só os
ouviram como adotaram seu modelo, prazo, assumam riscos continuamente,
e dentro de alguns anos tornaram-se
os principais concorrentes da Ford e
dependam cada vez menos de leis e
LM, vendendo seus carros no próprio procedimentos formais"
mercado interno dos EUA.
Só na década de 1980 as empresas RICHARD SENNETT, SOCIÓLOGO E AUTOR DE "A CORROSÃO DO CARATER:
americanas acordaram para o que CONSEQUÊNCIAS PESSOAIS DO TRABALHO NO NOVO CAPITALISMO':
já se transformara numa espécie
de segunda revolução industrial.
Segundo o discurso das empresas,
a produtividade passou agora a ser
de Sennett, as relações impessoais de tra- - para uma nova relação entre o profissio-
vista não mais como a quantidade de
balho irão afetar diretamente as sociais e nal e o trabalho. Em seu texto "As transfor-
produtos e sim a união de quantidade
vice-versa. Estabelecendo relações superfi- mações do trabalho num mundo globali-
com qualidade, Saía-se do foco no
produto, para o foco no cliente e em ciais, descartáveis, cujos laços de lealdade zadon (Rev. Sociologias, n "4,.2000), Sónia
suas necessidades e requisitos. e compromissos são tão frouxos quanto a Laranjeira entende que a digitalização, por
Juntamente com esta mudança de efemeridade do curto prazo de trabalho. exemplo, representa uma mudança de pa-
paradigma, veio a nova concepção do "Em um regime que não oferece aos seres radigma, pois por intermédio dessa tecno-
homem dentro das empresas. Para humanos motivos para ligarem uns para logia estrutura-se uma nova lógica de ação
se fazer algo com qualidade é preciso os outros não pode preservar sua legitimi- sobre o mundo.
do comprometimentodas pessoas. dade por muito tempon,ressalta o autor. Um dos maiores sociólogos brasileiros
Elas é que fazem a qualidade. Elas é de todos os tempos, Octávio Ianni (1926-
que aumentam a produtividade, elas 2004) dedicou boa parte de seus estudos
é que fazem crescer o lucrd, elas é que para examinar o "enigma da modernidade-
fidelizam os clientes. Não po'tleexKtir A preocupação com as modificações e mundo" e as "teorias da globalizaçãon,por
qualidade sem que o homem exercite influências da globalização no mercado de sinal títulos de dois de seus livros publica-
sua criatividade.O cliente busca a trabalho e na vida social não são ressalta- dos pela editora Civilização Brasileira. No
inovação. A inovaçãcy'só acontece das apenas por Richard Sennett. Pesquisa- artigo "As ciências sociais e a modernida-
quando as pessoas não têm medo de dores como Sõnia Maria Guimarães Laran- de-mundo: uma ruptura epistemológica",
tentar fazer as coisas. Resumindo: jeira, professora titular do Departamento publicado em 2001 na Revista de Ciências
agora o cérebro tem que estar dentro de Sociologia e coordenadora do Programa Humanas da Universidade Federal do Pa-
das empresas. Obviamente, o "gênio de Pós-Graduação em Sociologia do Insti- raná (UFPR),Ianni analisa o mundo como
criativo"deve submeter-se As regras tuto de Filosofia e Ciências Humanas da sendo atravessado por uma ruptura his-
do mercado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul tórica tão avassaladora quanto um terre-
(IFCH- UFRGS), discorrem sobre a ques- moto inesperado, por isso capaz de trans-
tão a partir de enfoques variados, com o formar os modos de vida e de trabalho
intuito de refletir - e encontrar caminhos radicalmente, bem como suas formas de

S O C I O L O G I A 131
O

4 ou seis horas acabe trabalhando até dez inovacões e melhores formas de fazer

I horas. No fim de semana leva trabalho


para a casa, e quando está em férias liga
sempre para o escritório. Quando aos 55
muitascoisas do dia a dia. A criatividade
de um país ou de uma empresa é medida
pelo número de patentes registradas por
ou 60 anos se aposenta tem ainda 20 ou ano", lembra Cláudio F. Pelizari
30 anos de vida e, muitas vezes não sabe Segundo De Masi, o estímulo da
o que fazer. criatividade humana pode vir por n
A distinção entre tempo de estudo de atividades Iúdicas, devaneios,

1 quando jovem, tempo de trabalho na


maturidade e aposentadoria quando
velho 6 um contrassenso. A velhice não
imaginação ou até fora do local de
trabalho. Uma boa ideia não tem hora
para acontecer, pode acontecer no
se calcula em relacão ao nascimento, mas banho, num momento de introspecção,
em relação h morte; somente podemos no cinema ou brincando com uma
ser considerados velhos nos dois crianca. Mas essa criatividade em muitas
últirnosanos devida. Avida fisicamente situações se circunscreve dentro dos

' produtiva pode chegar a 80 anos,


portanto é razoável que o seja tamb6m
parâmetros da produtividade e daiógica
capitalista. Tem um caráter utilitarista
1 psiquicamente. É uma grande perda flagrante. Se a pessoa não se sente bem
para a sociedade como um todo que se no escritório, seja porque não há um
desperdice esse talento.
Quando De Masi fala em"6cio criativo",
bom clima, os gerentese colegas são
antipáticos e mal-educados, não existe
.
R-.
ressalta-se a forma como uma pessoa respeito e motivação, será muito difisil
deve utilizar0 seu tempo. Trabalho, que surjam novas ideias. Para as teorias
aprendizado e lazer devem se confundir administrativas contemporâneas,
em todas as fases da vida. "A grande obcecadas pela inovação, uma pessoa
importância da criatividade reside no criativa é uma promessa defuturo e .
fato de que é a partir dela que surgem lucratividade.

A. Araújo, autora do livro "Etiqueta empre- Para Rivero os trabalhadores atuais são
sarial - ser bem educado é..." (Qualimark), cada vez mais convidados a empreenderem
o lado "positivo" dessa nova relação é que, seus trabalhos, assumindo riscos e solu- PARA SABER MAIS:
trabalhando em casa, por exemplo, não se ções pró-ativas. "Entretanto este fenômeno
fica privado da convivência com a família, o mundial continua sendo muito desigual em MASI. Dornenico de. O ócio criativo.
Rio de Janeiro:Editora Sexante. 2000.
profissional pode determinar a quantidade determinados países e grupos. Parece-me
LEON, Vicki. Meu chefe é umsenhor
de tempo gasto na atividade profissional e uma marcha sem volta. É possível que ape-
deescrows. Rio dejaneiro: Editora
dividi-lo adequadamente entre o social e o sar das limitações, riscos, desigualdades, Globo, 2007.
familiar. Náo se fica muito exposto a vio- contradições, que estarnos vivendo neste SILVA, Deonísio. De onde vem os
lência das grandes cidades, não se sobre- momento no mundo do trabalho, possamos palovros.Editora Novo Seculo. 2009
carrega o trânsito, tem se uma ahmenta- encontrar u m novo mundo que surja nesta A corrosao do coratec consequêncios
@o mais balanceada e goza-se de períodos transição. Uma brecha para o homem re- pessoais do trabolho no novo
copitolismo (Editora Record, 1999).
de descanso intercalados com o trabalho. cuperar depois de perdido seu emprego,
ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do
O lado "negativon é que se fica mais ali- sua verdadeira profissão com compromisso
trobolho - Ensaio sobre o afifrnacõo
jado da convivência com a comunidade pela sua vocação e responsabilidade frente e a negocdo do trabalho. Boitempo
empresarial e, portanto, dos centros de de- a comunidade", finaliza. Editorial, 2000.
cisão. Neste sistema, deve-se também ter o Por todos os ângulos e em todos os seus DEJOURS,Christophe . A loucurado
dobro da disciplina no uso do tempo e von- sentidos e implicações (inclusive psicológi- trobolho. Editora Cortez, 2003.
tade férrea de realizar as tarefas propostas cas e psicopatológicas), as rápidas trans- HARVEY. Oavid. Condi@opos-
para não perder o foco. É muito fácil tam- formações no universo do trabalho consti- moderno.Editora Loyola, 1992.
bém começar a permitir que o familiar e o tuem u m objeto fundamental de reflexão. ANTUNES. Ricardo: BRAGA, Ruy.
Infoproletórios: degrodocão real do
social interfiram nas rotinas empresariais, Seja para os gurus da produtividade, aca- trobolho virtual. Boitempo Editorial,
prejudicando com isto a produtividade. dêmicos, patrões ou empregados. i 2009.

* Priscila Gorzoni é jornalista e escreve para esta publicacão. SOCIOLOGIA 135


Sociólogos & Sociologia 1

Pesquisadora
da Fundacão
Oswaldo Cruz, a
socióloga Nísia
Trindade Lima
fala sobre a sua
trajetória e de
suas pesquisas
nas áreas da
saúde e do
pensamento
social brasileiro

PARA A SAUDE por Lejeune Mato Grosso de Carvalho *

o longo de quase três anos, te- preservação do patrimônio histórico da Amaral. Após conversar com essa profes-
mos entrevistado sociólogos(as) saúde e à divulgação científica. Pesquisa sora, que era socióloga, optei por prestar
,proeminentes que atuam nas hoje a experiência de implantação do exame vestibular para as Ciências Sociais.
diversas áreas da Sociologia no mercado Sistema Único de Saúde. Também contribuiu nessa escolha meu
de trabalho. Uma dessas áreas é a da interesse por assuntos políticos, a des-
saúde, campo muito vasto da nossa Por que você decidiu fazer Ciên- peito, ou paradoxalmente principalmente
ciência. Uma delas 6 a DraNísia Trindade cias Sociais? por isto, de ter vivido durante a infância e
Lima, da Fundação Oswaldo Cruz. Sempre tive interesses muito diver- a adolescência sob o clima de censura e
Socióloga, nascida na cidade do Rio de sificados, mas. por volta dos 16 anos, ausência de democracia, durante os anos
Janeiro, sempre se interessou e pes- a definição pelas humanidadesficou do regime militar.
quisou a história das Ciências Sociais, a clara. Entretanto, oscilava entre estudar
Sociologia da cultura e o pensamento Letras, Literatura mais precisamente, ou Fale-nos, de forma resumida, como
social brasileiro. Cursou a graduação História. A decisão de estudar Ciências é a rotina de uma socióloga e pes-
na Universidade do Estado do Rio de Sociais decorreu de meu encantamento quisadora na Casa "Oswaldo Cruz",
Janeiro (UERJ),fez seu doutorado no com uma disciplina intitulada Problemas da Fundacão que tem o mesmd
Instituto Universitário de pesquisas do Econômicos, Políticos e Sociais do Mundo nome, que se dedica a histórii da
Rio de Janeiro (luperj) e ingressou na Contemporâneo, ministrada de forma saúde e da ciência no Brasil./
Fuhdação Oswaldo Cruz em 1987, como muito criativa e instigante por uma das A rotina de uma pesquisadora e profes-
pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz, minhas professorasdurante o Ensino Mé- sora de pós-graduacão, além de realizar
unidade dedicada à pesquisa histórica, 3 dio na Escola Estadual Ignácio do Azevedo atividade de pesquisa, ministro cursos e

38 1 SOCIOLOGIA
oriento estudantes candidatos aos títulos opõe à divisão da história das Ciências
de mestre e doutor(a) pela instituição. Sociais em duas fases - pré-científica e
Atualmente coordeno o projeto de pes- científica, identificando esta última com
quisa "Sob o signo do desenvolvimento: a institucionalização universitária - e
Ciências Sociais, educação sanitária e que ressalta a contribuição de diversos
alimentação (1945-1964)': que conta intérpretes de nossa formacão social e
com o apoio da Faperj pelo Edital Cientis- política, tratando-os efetivamente como
ta do Nosso Estado, e sou líder do grupo autores a oferecer contribuições rele-
de pesquisa Ciência, saúde e pensamento vantes para a análise social. Entre esses
social. Do grupo, participam pesquisa- intérpretes, dediquei-me ao estudo do
dores, estudantes de pós-graduação e papel de alguns médicos na elaboração
também estudantes de graduação por de retratos do Brasil, com destaque
intermédio do Programa de Iniciação para os que participaram do movimento
Científica (PIBIUFiocuz).Como não temos sanitarista da Primeira República e para
curso de graduação, o PIBIC nos permite a obra e a trajetória de Edgard Roquette-
algo muito importante - o contato com Pinto, tendo organizado com Dominichi
estudantes desse nível de ensino e a Miranda de Sá o livro "Antropologia
possibilidade de atrair jovens para as brasiliana: ciência e educação na obra de
linhas de pesquisa em curso na Casa de Edgard Roquette-Pinto" (Editora UFMGI
Oswaldo Cruz. Além dessas atividades, Editora Fiocruz, 2008). Procurei também
sou, em colaboração com Ricardo Ventura contribuir para uma linha de investigação
Santos, Editora Científica da Editora Fio- muito importante no debate contempo-
cruz, o que considero um reconhecimento râneo sobre as políticas de saúde, tendo
do papel que um sociólogo(a) pode realizado em colaboração com Cristina
desempenhar na atividade científica de Fonseca e Gilberto Hochman estudo
natureza inter e multidisciplinar, uma sobre a saúde na construção do Estado
"Minhas pesquisas
vez que as linhas editoriais da Fiocruz Nacional no Brasil, no qual procuramos têm se voltado para
incluem a pesquisa básica na área biomé- situar em perspectiva histórica os temas
dica, a pesquisa clínica, a saúde coletiva da reforma sanitária e da constituição, a reflexão sobre
e as abordagens em ciências sociais em 1988, do Sistema Único de Saúde. os intelectuais,
voltadas para a saúde. Atualmente realizo em colaboração com
Marcos Chor Maio pesquisa sobre os a atividade
Sabemos que tem feito pesquisas cientistas sociais que atuaram no Serviço científica e as
no campo das Ciências Sociais apli- Especial de Saúde Pública (Sesp), procu-
cadas a saúde. Conte-nos um pouco rando analisar seus papéis em programas representacões
desses resultadosque têm obtido.
Minhas pesquisas têm se voltado para a
de educacão sanitária e desenvolvimento
de comunidades rurais. O Sesp, agência
sobre o Brasil, tema
reflexão sobre os intelectuais, a atividade criada em 1942 por meio de acordo de ao qual venho me
cooperação entre os governos brasileiro
científica e as representações sobre o
Brasil, tema ao qual venho me dedicando e norte-americano, instituiu a Secão de
dedicando nos
nos últimos 20 anos e considero que Pesquisas Sociais em 1953, e a análise últimos 20 anos"
traz uma contribuição A perspectiva dos registros das atividades dos cien-
que há em "Paradigma e história: a tistas sociais que nela atuaram permite
ordem burguesa na ImaginaçãoSocial conhecer os limites e impasses inerentes
brasileira", de Wanderley Guilherme dos aos programas de mudança social dirigida
Santos, um marco importante. Parto, ou provocada que caracterizaram a déca-
desse modo, da abordagem que se da de 1950.

SOCIOLOGIA ( 39
Sociólogos & Sociologia I
Você coordena o CT de Pensamento consistiram na dificuldade de encontrar ênfase nos debates realizados durante
Social no Brasil da ANPOCS. Fale- material iconográfico e nas lacunas de os congressos brasileiros de Sociologia,
nos um pouco dos debates realiza- informacões que dificultavam expor de foram abordadas nas partes seguintes.
dos do 33O Encontro Anual dessa modo equilibrado os diferentes períodos Fotografias, publicacões e correspon-
entidade realizado em outubro de da história dessa instituicão. Felizmente dência foram exibidas tanto em painéis
2009, em Caxambu, Minas Gerais. contei com o apoio entusiasmado de como em vitrines confeccionadas para a
Assumi, em conjunto com Ângela Alonso, Tom Dwyer, então presidente da SBS, exposição de documentos diversos, tais
a coordenação do GT Pensamento Social e de Cláucia Villas-Bôas, presidente do como planos de aula de Sociologia ela-
neste último encontro da Anpocs. De XIV Congresso Brasileiro de Sociologia, borados nas décadas de 1930 e 1940,
2006 até aquele momento, o GT foi e conseguimos muitas informações e primeiros manuais e atas de fundacão e
coordenado por André Botelho e Lilia material com ex-presidentes e diretores. recriacão da SBS.
Schwarcz, que realizaram um trabalho de Pude também me beneficiar de livros A pesquisa realizada durante o processo
muito dinamismo com a organização de sobre a história do associativismo dos de concepcão e montagem da exposicão
fóruns acadêmicos e de obras coletivas sociólogos, como é o caso de "Sociólo- permitiu também a identificação de
a exemplo do livro "Um enigma chamado gos e Sociologia", escrito pelos sociólo- novas fontes e acervos. A necessidade
Brasil': Durante o 33" Encontro, o CT Pen- gos Lejeune Mato Grosso de Carvalho e de dar continuidade a esse esforço foi
samento Social discutiu intensamente Sérgio Sanandaj Mattos, e de uma agora reconhecida pelas assembleias realiza-
questões teóricas e metodológicas em já extensa producão acadêmica sobre a das durante o XIV Congresso da SBS e
torno de três temas: arte e sociedade; in- história das Ciências Sociais no Brasil, do 33' Encontro Anual da Anpocs, que
terpretações do Brasil e Ciências Sociais; na qual se incluem meus próprios tra- deliberaram pela realizacão de acões
e cultura e processo social. No que se re- balhos, e que têm entre suas obras de sistemáticas para preservar a memória,
fere aos debates mais gerais, alcançaram referência os dois volumes organizados reconstituir e divulgar a história da SBS.
grande repercussão as sessões dedica- por Sérgio Miceli.
das a conjuntura nacional e ao lugar das Na mostra, pretendeu-se expor as Quaisconselhos você daria para um
Ciências Sociais na política nacional de diferentes fases da SBS, desde sua profissional da Sociologia, nossos
ciência, tecnologia e inovacão. criacão por Fernando de Azevedo até jovens colegas sociólogos que en-
o momento atual. Na primeira parte, tram agora no mercado de trabalho,
Conte-nos como foi a exposição foram abordadas as atividades iniciais, que queira atuar especificamente
dos 60 anos da SBS, realizada em a relacão da entidade brasileira com a na sua área de pesquisa histórica de
julho de 2009 no Rio de Janeiro da International Sociological Association Ciências Sociaisvoltada para a drea
qual você foi a organizadora. (ISA), os primeiros congressos realiza- da saúde?
A exposicão representou um grande dos e o período em que as atividades Não acho que seja propriamente o caso
desafio, pois em pouco tempo tive que foram interrompidas durante o regime de aconselhar, mesmo porque com a
coordenar pesquisas em diferentes militar. A re-fundacão da SBS em 1985 profissionalizacão das Ciências Sociais e
acervos. Os problemas enfrentados e as atividades que se seguiram, com as mudanças no mundo do trabalho, os
jovens sociólogos experimentarão novos
desafios e poderão trilhar caminhos
bastante distintos daqueles de minha
geracão, Considero, entretanto, que o
"Considero positiva a combinacão de duas conhecimento da teoria sociológica,
atitudes equivocadamente contrapostas condição para uma visão mais ampla
sobre a disciplina, e a participação em
por alguns profissionais:visão mais ampla projetos de pesquisa desde a graduacão,
das Ciências Sociais e especializacão em por intermédio da iniciacão científica,
são fatores muito importantes. Ou seja,
um campo de pesquisa" considero positiva a combinacão de duas
atitudes equivocadamente contrapostas

40 1 S O C I O L O G I A
' R Sociologia que está nos livros
é imprescindível, mas também a
observagão da vida cotidiana e a
imersão nos debates intelectuais
mundo contemporâneo são cruciais
para o jovem sociólogo"

por alguns profissionais: visão mais ampla que se refere as distâncias sociais e cul-
das Ciências Sociais e especialização em turais e, de outro, à forma como eles têm
um campo de pesquisa.Além disso, diria representado seu lugar - o de exilados,
que a Sociologia que está nos livros 6 im- ou "desterrados na própria terra':
prescindível, mas também a observação Ao longo do trabalho, identifico a exis-
da vida cotidiana e a imersão nos debates tência de uma continuidade temática e
intelectuais do mundo contemporâneo de perspectiva de interpretação social
são cruciais para o jovem sociólogo. que nos permitiria falar de uma corrente
Para os que se interessam pela minha de pensamento voltada para o tema da
área de atuação, sugiro que se informem "incorporação dos sertões': Reunindo
sobre o Programa de Pós-Graduação em Euclides da Cunha, Vicente Licínio
História das Ciências e da Saúde (www. Cardoso, Roquette-Pinto, Belizário
ppghcs.coc.fiocruz.br). Outra referência Penna e Monteiro Lobato, entre outros
importante é o grupo de trabalho Pen- intelectuais, ela criou imagens fortes e
samento Social no Brasil, da Associação duradouras sobre o brasileiro do interior,
Nacional de Pós Graduação e Pesquisa além de apresentar propostas como as do
em Ciências Sociais (www.anpocs.br). saneamento do Brasil, da educação como
meio de incorporação social e do desen-
Por fim, fale-nos um pouco do seu li- volvimento de uma etnografia sertaneja.
vro intitulado "Um sertão chamado Construiu-se, assim, um repertório de te-
Brasil: intelectuais e representação mas e questões que continuaria presente
geográfica da identidade nacional". nas investigacões sociológicas que se
O livro decorreu do prêmio de publicação desenvolveram após 1930. O brasileiro do
para a melhor tese de doutorado em interior foi um dos objetos privilegiados
Sociologia, concedido pelo luperj em nos textos de cunho sociológico produ-
1998. Nele, procuro explicar as razões zidos na segunda metade do século XIX,
para a persistência e a ênfase com que a nas três primeiras décadas do século XX
oposição entre o Brasil do litoral e o dos e na fase de institucionalização univer-
"sertões"foi abordada no pensamento sitária das Ciências Sociais, que pode ser LejeuneMato Grosso
deCanialho é sociólogo,
social brasileiro. Argumento que a pre- aproximadamente demarcada entre os professor, escritor, arabista
sença do tema pode ser associada a duas anos de 1933 a 1964. Em suma, durante e presidentedo Sindicato
dos Sociólogosdo Estado
explicações complementares - de um o período em que o Brasil foi considerado de São Paulo (Sinsesp).
lado, a forma como os intelectuais per- o grande enigma a ser decifrado em seus Possui diversos livros e
artigos cientificos publicados
cebem os caminhos da modernidade na aspectos sácio-antropológicos, étnicos e sobre a profissão. E-mail:
sociedade brasileira, particularmente no culturais. i lejeunemgxc@uol.com.br
' Pensamento Social

O BRASIL E SEUS
I
INTERPRETES :ggl:e,g:e:e
por Daniel Rodrigues Aurélio Holanda pensaram as
Gilberto Freyre
Nascido em 15 de maco de 1900,
no bairro do Apipucos, no Recife (daí
seu apelido "Mestrede Apipucos"),
o antropólogo,sociblogoe escritor
Gilberto Freyre teve acesso a uma

A
s questões relativas a identi- educacão ilustrada na infância
dade e modernização consti- ejuventude. É autor de livros
tuem o objeto central do pen- considerados clássicos para os
samento social brasileiro. Das estudos de história e sociologia do
ormulações influenciadas pelo Brasil, dentre eles a trilogia"Casa-
grande & Senzala"(1933)."Sobrados
evolucionismo social (Silvio Romero, Rai-
e Mucambos"(1936)e"0rdem e
mundo Nina Rodrigues) a análise do pa-
Progresso" (1957).Conservador na
tronato político contida em "Os donos do
política, Freyre foi eleito deputado
poder", do jurista e historiador Rayrnundo constituinte pela União Democrática
Faoro, passando ainda pelo nacionalismo Nacional (UDN) em 1946 e aderiu ao
autoritário (Azevedo Amaral, Alberto Tor- golpe civil-militar de 1964. Faleceu
res), muito se refletiu sobre os dilemas de em Recife, no dia 18 de julho de 1987.
um suposto "caráter nacionaln- "quem so-
mos nós?" - e da relação do Brasil com o
modelo moderno democrático. Mas, a des-
peito da importância de todas essas con-
tribuições ao debate, o paradigma da abor-
dagem encontra-se na triade de obras de Sérgio Buarque
formação publicadas entre o pós-Revo-
lução de 1930 e o Estado Novo: "Casa-
de Holanda
O historiador Sérgio Buarque de
grande & Senzalan(Gilberto Freyre, 1933); Holanda (São Paulo, 11de julho de
"Raízes do Brasil" (Sérgio Buarque de Ho- 1902) produziu uma vasta obra
landa, 1936); e "Formação do Brasil Con- abrangendo a história, as ciências
temporâneo" (Caio Prado Jr., 1942). sociais e a crítica literária. mas é com
A trinca de teses mobiliza alguns temas- "Raízes do Brasil" (1936) que ele
chave, tais como a perspectiva de longa adentra ao panteão dos "intérpretes
duração (passagem da Colónia a Nação); do Brasil". Pai do compositor e
- os fatores de ordem histórico-cultural que escritorchico Buarque e da cantora
singularizariam o Brasil e o brasileiro; e a Miucha, Sérgio Buarque deu aulas
transplantação da cultura europeia, com na Universidade de São Paulo e na
seus ideários e instituições, cuja introdução Escola de Sociologia e Política de
em território "largamente estranhon a essa São Paulo. Ao contrário de Gilberto
tradição, afirma Sérgio Buarque no capítulo Freyre, vinculou-se politicamente a
"Fronteiras da Europa", de "Raizes do Bra- esquerda, participando da fundação
sil", faria-nos "uns desterrados em nossa do Partido dos Trabalhadores (PT)
terran. O arcabouço teórico e metodológico em 1980. Morreu em 24 de abril de
dessa geração de ensaístas também chama 1982, em São Paulo, cerca de três
a atenção, na medida em que eles realiza- meses antes de completar 80 anos.
ram a gradual transição do determinismo
biológico, outrora sobreposto a dinâmica

S O C I O L O G I A 143
m
Pensamento Social I
das culturas, para uma decisiva aproxima- observar na obra dos dois pensadores cer-
ção com a antropologia cultural e a socio- tos consensos, como o destaque dado a in-
logia weberiana. Mais adiante, serão en- fluência ibérica em nossa formação e a di-
globados o marxismo, a sociologia de Karl ficuldade, perceptível até os dias de hoje,
Mannheim, as técnicas da Escola de Chi- em demarcarmos uma fronteira entre as
cago e o funcionalismo na linha de Parsons, esferas pública e privada.
estas já na fase institucional e "cientifica" A densidade analítica é garantida pela
do fazer ciências sociais no (e do) Brasii. utilização de recursos da história cultural,
Para tentar sintetizar o contexto e as especialmente a alemã (a M t u r e as teo-
distinções desse universo relativamente rias decorrentes dela), já que a Alemanha,
extenso de teorias e métodos, pretendo en- sendo país de unificação recente e moder-
focar, brevemente, as obras de Sérgio Bu- nização tardia (final do século XIX), teria
arque e Gilberto Freyre. Considero que se deparado com alguns problemas simi-
ambas representam um ponto de transição lares aos nossos, guardadas as respecti-
entre a primeira fase do pensamento social vas e enormes diferenças. Gilberto Freyre
brasileiro - a qual esses autores superam serviu-se do culturalismo disseminado na
- e a ascensão das ciências sociais volta- Universidade de Columbia pelo antropó-
das para a pesquisa de campo e o esforço logo Franz Boas, um alemão radicado nos
científico. Se, por um lado, o ensaísmo de EUA. E Sérgio Buarque de Holanda, con-

Freyre e Buarque demonstraram aguda sensibilidade sociológica ao interpretar


a formaqão do Brasil, pois souberam articular as questões de "identidade" e
"moderniza~ão"com elegância de estilo e apuro documental, valendo-se de
fontes que vão da memorialística as correspondências, dos ofícios as a@es da
vida cotidiana, das obras de arte a alimentacão e ao vestuário

Freyre e Buarque rompe oportunamente forme esclarece o brilhante prefácio de An-


com o darwinismo social e as diatribes do tonio Cândido, teve o argumento de "Ra-
"conde" Joseph Arthur de Gobineau, por ízes do Brasil" suscitado a partir de sua
outro recebe forte critica de Florestan Fer- temporada em Berlirn, onde tomou contato
nandes, este preocupado em afirmar a So- com a história cultural produzida ali e com
ciologia como ciência strictu s e m , livre os fundamentos da Sociologia compreen-
dos recursos literários e de formas exter- siva de Max Weber.
nas a metodologia cientííica (segundo seu h curioso - e sintomático - como se bus-
entendimento, é claro). cou suplantar e/ou reler Freyre e Buarque
Freyre e Buarque demonstraram aguda por meio de outras teorias importadas: a
sensibilidade sociológica ao interpretar a escola francesa, o materialismo histórico,
formação do Brasil, pois souberam articu- o funcionalismo praticado por sociólogos
lar as questões de "identidade" e "moder- americanos. Essa prática explicita, aliás,
niza@~"com elegância de estilo e apuro as preocupações inerentes ao pensamento
documental, valendo-se de fontes que vão social brasileiro: descobrir as nossas pos-
da memorialística as correspondências, síveis singularidades a partir da compara-
dos oficios as ações da vida cotidiana, das ção com as teses produzidas segundo os
obras de arte a alimentação e ao vestuá- modelos externos, para então pensar a in-
rio. Descontada as diferenças conceituais serção das estruturas modernas na nossa
de ambos (elas são flagrantes), é possível realidade. Dai a prevalência da Psicologia

44 1 S O C I O L O G I A
O arcabouço teórico e metodológico dessa geracão de ensaístas
tambern chama a atençso, na medida em que eles realizarama
gradual transicão do determinismo biológico, outrora sobreposto
a dinâmica da; culturas, para pna decisiva aproximação com a
antropologia cultural e a sodologia weberiana
I

Social, da História e da Sociologia geradas conclusões buarquianas. O historiador


- em suas teorias, métodos e técnicas - no paulista era um tanto cético quanto ao "ho-
ventre do próprio modelo. mem cordial", apegado ao mundo domés-
tico e a "intimidadennas horas impróprias,
O BRASIL DE FREYRE E BUARQUE cujo modo de ser seria o entrave para o for-
talecimento institucionai, que necessita de
Os livros de Gilberto Freyre e Sérgio Bu- homens talhados para as relações formais
arque de Holanda contribuíram para uma e para o império das leis. Segundo Buar-
análise psicossocial do povo brasileiro. Seus que, "na tão malsinada primazia das con-
conceitos, de tão fascinantes e penetrantes, veniências particulares sobre os interesses
incorporaram-se, nem sempre com corre- da ordem coletiva revela-se nitidamente o
BIBLIOGRAFIA
ção, ao senso comum, ao nosso imagina- predomínio do elemento emotivo sobre o
CANDIDO,Antonio. A sociologia no
rio coletivo. Esta é uma das consequências racional" (2004, pg. 182). Brasil ln: Tempo Social. vol. 18.nol,
causadas pelas obras de vulto. Por sinal, O autor de "Casa-grande & Senzala" foi junho de 2006.
o talento de escritor os toma alvo de res- um entusiasta de nossa identidade resul- BASTOS. Elide Rugai.Gilberto Freyre -
salvas acadêmicas. A narrativa de Freyre é tante de uma nação multifacetada em sua Coso Grande &Senzoio. In: Introducão
ao Brasil - um banquete no tr6pico. vol.
frequentemente taxada de impressionista e construção social, étnica e cultural. Já Bu-
1.MOTA, LourencoDantas (org). São
não-científica. No entanto, Sérgio Buarque arque ponderaria: esse perfil não facilitaria Paulo: Senac, 4 ed., 2004.
reconhecerá, numa série de três ensaios a hegemonia de uma elite que se desdobra FREYRE. Gilberto. Coso-grondehr
para a Folha da Manhã publicados em na tarefa de se perpetuar? Que tipo de re- Senzola: introdu<ão a histório da
1951 (e disponíveis no site especial Banco volução haveríamos de promover? Aquela sociedade patriarcal no Brasil. Rio de
Janeiro.Record, 2001.
de Dados Folha), a fundamental contribui- voltada para a manutenção do status quo?
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raizes
ção "proustiana" de Freyre para os estudos Por essa razão, a "revolução brasileiranse-
doBrasil. Rio delaneiro: Companhia das
da formação da sociedade brasileira. A frui- ria "lenta e concertada", operada devagar, Letras, 26=ed., l g areimp., 2004.
ção estética, em suma, não anularia o po- no curso do tempo, na completa superação SALLUMJc,Brasílio. Sérgio Buarque
der argumentativo do sociólogo pernambu- dos efeitos da colonização. de Holando - Raizes do Brosil.In:
cano. O mesmo se aplica a prosa limpida e E natural associar a identidade nacional Introducão ao Brasil - u m banquete no
trópico, vol. 1.MOTA. Loureno Dantas
concisa do pai de Chico Buarque. aos símbolos patrióticos (bandeiras e hino)
(org). São Paulo:Senac, 4" ed.. 2004.
A divergência entre Freyre e Buarque e aos elementos culturais (samba, futebol).
RICUPERO.Bernardo. Sete Li~õessobre
está, porém, no valor atribuído a coloni- Contudo, é imprescindível ir além dos íco- os interpretocões do Brasil.São Paulo:
zação portuguesa. Em ambos fica patente nes, e estudar o modo como foi estabele- Alameda Editorial, Zaed., 2008.
que o homem ibérico possuía uma certa cido o dialogo entre a realidade e o pen-
inclinação, a "plasticidaden, para adap- samento sócio-político. Freyre e Buarque,
tar seus costumes ao clima, as gentes, a portanto, investem sobre os aspectos nu-
terra e a geografia nativa. Mas, aquilo que cleares da formação social brasileira e ex- *Daniel RodriguesAurt5lioé bacharel em
Sociologia e Políticapela Fundarbo Escola
Freyre vê como virtude, Buarque visualiza traem a matéria-prima de suas concepções de Soc~ologiae Politica de Sao Pailloe pbs
uma sina. A visão freireana é de que a pas- reveladoras e originais acerca de uma pos- graduado em Globalizaçào e Cultura pela
sagem de Colónia a Nação é um processo sível "identidade brasileira* e, principal- Escola Pos-Gracbadade Ciéiicias Sociais E
autor entre outros livros. de "Dossiê Getiilio
criador de uma sociabilidade original. Seu mente, das características e do devir do Vsrgas" (Universodos Livros. 2009) Blog
vaticínio é conservador se comparado as Brasil. i www danielraurelio.blogspotcom

S O C I O L O G I A 145
Resenha I

O MARXISMO
DE OLHO NO
BRASIL *
por Lejeune Mato Grosso de C a ~ a l h o

o marxismo nesses últimos


anos adquiriu uma dramática
atualidade.Depois de estar
ameaçado pelos arautos da
pós-modernidadede ser jogado num
museu ao lado de machadosde pedras,
ele "reapareceu" como instrumento
colocado a serviço da transformação
social e da construção de um mundo
melhor.
Como diz o autor: "O conjunto dos
textos se insere em um movimento mais
amplo iniciadoem meados da década de
1990 e que teve por motor a necessidade Brasildeveria ser um marxismo redimido
teórico essencial para entender a crise de interpretar a sociedade brasileira - sua dos desvios "economicistas". É claro, esse
porque passa o mundo atual. O próprio formação econômica, política, social e marxismo renovado, precisamentepor
projeto socialista - realizacãoprática cultural - a partir de uma perspectiva ser marxismo, não perde a referência dos
dos pressupostosteóricos e políticos do histórico-crítica do marxismo. Um níveis econômicos - determinantesapenas
marxismo - recobrou energia diante da movimento que, na ocasião, foi sintetizado em "última instância" - mas afirma que
falência da globalizaçãoneoliberal e das na consigna 'Marxismo mais Brasil: as sociedadesconcretas só podem ser
ideologiasque lhe deram suporte. Começava, assim, um processo que visava compreendidas pela articulação dinâmica
O livro de Buonicore se insere nessa nova a, entre outras coisas, cobrir uma lacuna das várias instâncias(ou estruturas) do real:
fase da luta teórica - e porque não dizer importante na formação dos militantes econômica, ideológica, política e cultural.
ideológica -travada em nosso país. É, da esquerda brasileira: a da articulação Nem as classes, nem a luta de classes, nem
em primeiro lugar, uma obra que visa do instrumentalteórico marxista, agora o Estado, nem a revoly ã o são resultados
afirmar a imprescindibilidadedo marxismo desprovido de sua carga dogmática, e naturais do simples desenvolvimentodas
para aqueles pesquisadores e militantes conhecimento do Brasil': forças produtivas.
que desejam conhecer e transformar a O marxismo dogmático - e esquemático É, justamente, através desse marxismo
realidade em que vivem. Essa, afinal, é - procurava reduzir a complexidade que o autor procurou analisar a evolução
uma das marcas essenciaise originais do do mundo às fórmulas simplistase e as contradiçõesda sociedade brasileira,
pensamentode Marx. Para o pensador entendia a complexa história humana tratando de temas como: a história das
alem'ão, a teoria não deveria ser separada como simples reflexo, sem mediação, das classes e da luta de classes, a formação
da prática.O desenvolvimentodo relações econômicas. Por isso mesmo, o do Estado, as diversas interpretações
conhecimento só teria sentido se ele fosse instrumento para análise da históriado da revolução e do povo brasileiro. Por

46 1 SOCIOLOGIA
fim, o livro traz uma original reflexão das "A história brasileira e o país que
leituras marxistas sobre a questão racial.
Cada um desses ensaios é aberto com a temos hoje são, em última instância,
apresentação breve dos pressupostos
teóricos marxistas que permitiriam
os resultados de séculos de uma
analisar essesfenômenos. E tudo isso acirrada luta de classes - ora
é feito em uma linguagem simples para
qualquer estudante ou trabalhador cruenta, ora incruenta, ora aberta,
consciente. Não devemos confundir, aqui,
simplicidade com falta de profundidade
ora mascarada (...).A Nacão tem as
teórica ou analítica. Nem todo marcas das lutas do nosso povo - dos
pensamento denso deve ser hermético.
No primeiroensaio, Buonicorefaz escravos, camponeses, operários,
uma rica resenhado pensamentodos
principais autores marxistasque trataram
intelectualidade progressista - as vezes
do problema da revoluçãoburguesa. derrotadas e as vezes vitoriosas, Mesmo
Comecando por Marx e Engels, passando
por Lênin, Gramsci e Lukács. O ponto quando derrotadas e banhadas em
culminante, no entanto, 6 o tratamento
dado ao estudo da chamada revolução
sangue, as lutas populares ajudaram a
brasileira,Ali apresenta, sem preconceito, empurrar a roda da história para frente"
as contribuições dos principais autores
AUCUSTO CESAR BUONICORE, AUTOR DE MARXISMO, HISTÓRIAE
marxistasbrasileiros, como Nelson Werneck
REVOLUCÃOBRASILEIRA:ENCONTROS E DESENCONTROS
Sodré, Caio Prado]r,]acob Ciorender e Carlos
Nelson Coutinho,
O autor chegou à conclusão que a revolução
burguesa no Brasil se deu pelo processo existência e a centralidade da luta das
que Lênin e outrosautoreschamaram de classes populares.Todo um capítulo do livro
"Via Ptussiana",O seu transcurso teria sido é dedicado a análise do desenvolvimento
longo e tortuoso. Teria existido "todo um das classes e da luta de classes em nosso
períodode transição que vai da década país. Quandotrata das nossastransições,
de 1880 até 1950 - e que, para alguns, ele afirma: 'R história brasileirae o país
ainda está inconcluso. Esse processoteve que temos hoje são, em última instância,
na Independência(1822), na Abolição da os resultados de séculos de uma acirrada
escravidão (1888), na proclamaçãoda luta de classes - ora cruenta, ora incruenta,
República(1989) e na Revoluçãode 1930 ora aberta, ora mascarada(...).A Nação
seus marcos decisivos': A'bia prussiana" teria tem as marcas das lutas do nosso povo
dadol'um forte teor conservadorao processo - dos escravos, camponeses, operários,
de transição capitalista no Brasil, impedindo intelectualidadeprogressista - as vezes
a realizaçãodo queseria uma das principais derrotadas e 2s vezes vitoriosas. Mesmo
tarefas de uma revoluçãodemocrática quando derrotadas e banhadasem sangue, ::Livro: Marxismo, História e
Revolu~ãoBrasileira: Encontros e
burguesa:a reformaagráriaantilatifundiária. as lutas popularesajudaram a empurrar a desencontros
O reflexo superestruturaldessa políticade roda da história para frente". Autor: Augusto César Buonicore
conciliação com o atraso foi a dificuldadede Assim, não existe nenhumavisão Editora: Anita Garibaldi
Ano: 2009
implantação de uma democracia estávele negativista sobre a nossa história, Páginas: 319
ampliada", Issoexplicariatambém a exclusão apenas a constatacão crítica dos limites Preço informado: RS35,OO
dos camponeses, que representavama desses processos que, em geral, não se
maioriada população, de uma série de completaram e mantiveramelementos do
direitossociais. atraso, como o latifúndio, a dependência Lejeune Mato Grosso de C a ~ a l hé0soci6log0,
professor, escritor e arabista. Lecionouna Unimepde1985
Mas, para Buonicore, falar em "via externa e a exclusão de parte de nosso até 2006. Presidehoje sindicatod dos Sociólogosdo Estado
prussiana"não significa desconhecera povo de uma cidadania plena. i de SE tendosidopresidente da FNSB de1996 a2002

SOCIOLOGIA 147
MERCEDES SOSA:
A VOZ DA ESPERANCA 3
Carisma, cultura popular e consciência social e política
marcaram a carreira da cantora símbolo da América Latina
por Yago Euzébio Bueno de Paiva Junho*
ilustração Leandro Valquer

N
o dia 4 de outubro de 2009, tino-americanos na procura de uma lin- O raciocínio do crítico está calcado na crí-
aos 74 anos, o coração latino- guagem própria para falar de nossos pro- tica aos mitos gerados pelo projeto moderno
americano de Mercedes Sosa blemas particulares. Embora irmanados no colonial: a civilização europeia se autodefi-
parou. E com ele fechou-se a subdesenvolvimento, os países da América nindo como superior em relação as demais
cortina de um dos maiores es- Latina guardam particularidades, fazendo civilizações. Derivando daí o aspecto salva-
petáculos pela afirmação social, política e com que as soluções para os desequiiibrios cionista que revestiu sua relação com os
cultural dos povos latinos. Voz, coragem e estruturais das diversas nacionalidades países recém-descobertos, tais como: a im-
paixão, para mim, são os termos que defi- não possam ser padronizadas. posição cultural, religiosa, hgui'stica e eco-
nem a cantora argentina. Dotada de um ta- Walter Mignolo, por exemplo, defende a nômica. Porém, a história da modernidade
lento impressionante e um wisma ímpar, construção teórica da razão pós-colonial inclui não só os impérios coloniais, mas
Mercedes Sosa encantou plateias do mundo como instrumento de anáiise das socieda- também "...a história silenciosa das perife-
inteiro. Herdeira cultural de Violeta Parra, des outrora coloniais. Sua lente, porém, rias..." (MIGNOLO, 1996, p. 14).
o folclore foi sua arma para valorizar o seu não mira as condições históricas do pós-co- Ligada aos países terceiro-mundistas, a
local de enunciação, para falar como Wal- lonial, até porque seria muito complicado razão pós-colonial quer acabar justamente
ter Mignolo. Este artigo homenagem tem enquadrar os Estados Unidos nessa concei- com o silêncio da margem. "A razão pós-co-
'. por objetivo analisar o trabalho de Mercedes tuaüzação. Ontem colonia. Hoje império. A lonial é entendida como um grupo diverso
Sosa sob o prisma dos Estudos Culturais. ênfase do ensaísta recai nos locais de enun- de práticas teóricas que se manifestam na
Interessante o projeto de intelectuais la- ciação do pós-colonial (MIGNOLO, 1996). raiz das heranças coloniais, na intersecção

48 1 S O C I O L O G I A
Dotada de
um talento
impressionante e
da história moderna europeia e as histó- ral distinto, por conseguinte cria produtos
um carisma ímpar,
rias contramodernas coloniaisn. simbólicos distintos. Por isso "... a nação - Mercedes Sosa
Essa reflexão faz com que a periferia seja entendida como comunidade imaginária -
um local de enunciação diferencial. Por segue tendo vigéncia em amplos setores da encantou plateias
conseguinte, relativiza o discurso metro-
politano sobre nós, desmistificando assim
cultura da América Latina ainda quando
já não se trate da nação em sua formula-
do mundo inteiro,
a divisão de tarefas intelectuais no mundo: ção homogeneizada do século XIX" (ACHU- Herdeira cultural
temos a cultura e o centro os sistemas te- GAR, 1996, 849).
óricos. A prática pós-colonial pressupõe A tal homogeneidade nada mais é do de Violeta Parra, o
quem fala e de onde se fala. Em outras pa-
lavras, há conexão entre produção teórica
que estratégia política de representação
do centro para encobrir a real heterogenei-
folclore foi sua arma
e "lugar geocultural". dade existente no mundo. Neste sentido, a para valorizar o seu
Não é possível um único lugar geocul- construção teórica da heterogeneidade la-
tural ser o gerador de discursos e valores. tino-americana configura-se um novo local local de enunciayão,
Por isso, as teorias pós-coloniais, afirma
Walter Mignolo, promovem "(...) a eman-
de enunciação.
A heterogeneidade é um conceito, tal
para falar como
cipação das categorias de conhecimento qual a razão pós-colonial, que se refere ao Walter Mignolo
fabricadas e estabelecidas na Europa, as Terceiro Mundo", articulando os dois la-
quais formam parte da modernidade e fo- dos da esfera cultural - a oraiidade e a es-
ram construídas, parcialmente, em cum- crita. Fruto do processo de formação des-
plicidade com a expansão colonial" (MIG- ses países, sua formulação encontra-se
NOLO, 1996, p.25). nas frestas das oposições centrolperiferia, O feminismo enquanto critica da razão
Chegamos a um ponto chave na reflexão local/universal. patriarcal, eis o recado de Richard.
sobre a possibilidade ou não de emancipa- "Repensando a Heterogeneidade na Os significantes homem e mulher são
ção dos povos situados a margem do capita- América Latina...", de Hugo Achugar, é um experiências recortadas pela linguagem
lismo mundial. A globalização traz consigo texto mais de dúvidas do que de certezas. em categorias mentais, quer dizer, são
a proposição de homogeneidade econõmica Todavia. fica a mensagem: os discursos so- convenções sociais, "construç6es discursi-
e financeira de todos os países do planeta. bre a América Latina produzidos no centro vasn. É a história feita pelo macho. "O Lo-
Resta saber se a consequéncia dessa estan- não são os únicos válidos. Pelo contrário, gos do Ocidente (consciência,espírito, his-
dardização na infraestnitura das socieda- carregados de valores que não são os nos- tória, técnicas e ideologias) representaria,
des é a uniformização nas suas superes- sos, esses discursos obstaculizam o real segundo alguns autores, o domínio mas-
truturas. Será que teremos uma central entendimento da dinâmica sócio-cultural culino de um projeto civilizador que tem
reguladora de ideias ditando as normas do lugar onde vivemos. se dedicado a reprimir seu outro lado mais
culturais para o resto do mundo? O projeto das navegações é um pro- obscuro e selvagem (natureza, corpo, in-
Hugo Achugar acredita que não. Para o jeto patriarcal, branco e cristão. Eviden- consciente, rito e mito) cuja natureza mais
teórico o que existe de fato são globaliza- temente, essa marca esta presente nos viva se expressa na oraiidade feminina e
ções diferenciadas. São diferenciadas por- sistemas representacionais criados para popdar..." (RiCHARD, 1996, p. 737).
que os diversos atores sociais das mais descrever o Novo Mundo. De acordo com O que se pretende é romper com a co-
diferentes nacionalidades não desempe- Nelly Richard, toda teoria é a "( ...) forma de nexão sexo - mulher, gênero-feminino. É
nham o mesmo papel na esfera econõmica consciéncia acerca do caráter discursivo preciso re-semantizar o conceito. Trans-
(ACHUGAR, 1996, p.' 848). Sem contar, é da realidade (...)" (RiCHARD, 1996, p. 735), formá-lo em um conceito sobre a margi-
claro, com as singulares heranças cultu- culminando com a organização de uma ide- nalidade, rompendo com a determina-
rais dos países periféricos. Achugar ques- ologia cultural; sendo que esta é produzida ção naturalista de homem e mulher. Uma
tiona com razão as teorizações que afir- e instnimentalizada pela linguagem. Se por forma de transgressão do império do mas-
mam a não pertinência da manutenção um lado, a teoria possibilita a cristalização culino que pode servir inclusive para os
da dicotomia centro e periferia. Pensar a de ideologias, por outro lado nos permite homens. Atenção: não é substituição - sai
globalização a partir da periferia é dife- seu questionamento. Reside aí o barato da o paradigma masculino e entra o femi-
rente de pensá-la no centro do capitalismo ensaísta: a possibilidade de rearticular os nino. Não! É, isto sim, uma reordenação
mundial. A periferia é um espaço cultu- "mecanismos significantes". dos signos em busca de uma convivência

S O C I O L O G I A 149
Fez Diferenca I
Elisabeth Burgos Debray foi transformado Alerta do texto de Menchú: a oraiidade
em livro nos anos 1980. Quando a Univer- foi para a margem após o processo de mo-
sidade de Stanford, nos Estados Unidos, o demização cultural. O testemunho de Ri-
Mercedes Sosa incluiu na bibliografia de um curso de gra- goberta Menchú, diz John Beverly, não
duação em Cultura Ocidental, a grita da pretende que escrita e oraiidade sejam in-
encarava a direita norte-americana foi geral, culmi- compativeis, mas realça que a articula-
música como sua nando com a intervenção do secretário de ção daquelas duas esferas podem servir as
educação do governo Reagan. "necessidades de luta, resistência, ou sim-
arma política. Beverly nos mostra algumas d e s da plesmente de sobrevivência, que estão en-
emocionante comoçáo reacionária da direi- volvidas em sua situação de enunciação"
Cantar equivalia tada ianque: o papel central da universidade (BEVERLY, 1996, p. 133).
a um discurso no projeto político que a partir da globaliza-
ção tenta enquadrar o "sujeito subalterno"; MÚSICA COMO ARMA POL~TICA
para despertar influência de setores da esquerda; incapa-
cidade dos "sistemas cognitivosnhegemôni- Haydée Mercedes Sosa vem a luz no
consciências, como cos nos meios acadêmicos de compreender ano da graça de 1935, no dia 9 de julho
na música "Si Se o subalterno; o problema da destemtoriaii- em San Miguel de Tucumán. Desde muito
zação e suas consequências nos planos po- cedo se apega as manifestaçóes artísticas
Calla El Cantor" lítico, hguistico e cultural e a incorporação folclóricas. Sua primeira experiência como
de estudos marginais no programa de en- cantora foi participando de um concurso
sino de literatura, tais como cinema e cul- promovido pela rádio LV12 de Tucumán.
tura popular (BEVERLY, 1996). Desse concurso consegue um contrato de
Os argumentos acima reunidos nos mos- dois meses com a rádio.
tram o quão problemático pode ser o sis- Nos íins do anos 1950aproxima-se de um
harmoniosa, na qual se prevaleça o res- tema educacional centrado única e exclu- grupo de intelectuaisque buscavam moder-
peito as diferenças. sivamente na cultura do livro. No processo nizar a música argentina. Em fevereiro de
Pós-colonialismo, Heterogeneidade, Fe- de colonização da América Latina, alfabeti- 1963, na cidade de Mendoza, surge o mo-
minino são formulações que tentam emba- zaçáo significou dominação cultural. Roger vimento Novo Cancioneiro, cujos expoentes
sar uma posição política e teórica para os Bastide narra esse movimento no Brasil: são Armando Tejada Gómez, Oscar Matus,
intelectuais latino-americanos. O trabalho "os jesuítas contudo logo compreenderam Tito Francia e Juan Carlos Sedero.
mais interessante seguindo esta linha de que não havia grande vantagem em aco- Segundo Maria Inês Garcia, profes-
raciocínio é o de John Beverly - "Post-lite- meter gerações já formadas, cristalizadas sora da Universidade Nacional de Cuyo,
ratura: Sujeito subalterno e impasse das em suas tradiçóes, e que conviria antes mi- o movimento pretendia modernizar a mú-
humanidadesn, que é a procura de uma ex- nar a civiüzação ameríndia, separando as sica nacional argentina, inspirando-se
pressão para a subalternidade. crianças dos pais, modelá-las nos colégios nas tradições folclóricas. Estavam atrás
Rigoberta Menchú é uma índia guate- e em seguida enviá-las como missionários de uma música nacional de conteúdo po-
malteca cujo testemunho a antropóloga da nova fén (BASTIDE, 1959, p. 16). pular, para traduzir o modo de ser e sen-

! y~_;l.:<.' , ~l*'.:*mcab-
- ?>',' , '-i .. .' ,R' .. .., x,c:7-" :.a - ;.,:;. I > :i,C:, - , ':*L.r ,wki$i . ,-.
b . .&;v6z de [àiafráif;fg&]ili: ?a.9.,' . p.i.
" -
@vi d o w l g ~ p > ; c.Lv?&.
'
c !;r.
E2II ' ~ ~ n c ~ o n ~ ~ . ç o n . f u f :..f &. ~ ~6;
~O -
.' c&*a
~ l ~ ~sudamg~cãna:ifg7iff&".':
, j;~
V!.r"& no canto-pOr.cá&gi(ll.g~. :.:.
q!:;; * .: t>" T<aed$f
p ~ e ~ ~v ~~~ (.. ~e~ ~ ) '? *: í ~. &~:
6 ,,&iiio(1$g6) .i'+. .- ;. .
:..,-":-i..
,node ,.,ja3zn*>(i975j
& i ..' ~ - ~ . - . . 294 JRS.
p ,gecantarf2ãmT&t@tf4~if .;.JW;
,
.A,(,!$j<flor& pu&i'oÍn9%->'I.:'*: : h
D . Con sabor ~erc&$k!s Y05ii(1968j~'!'~ v .'..ta"&amaid(1976)"i . :* .- ~ 3 %. ~ ' , r:?

D ,Mujeres argentin,$rl'(1!3&) . '' e$ dir&ti:Ci6n


del-"ient6(f976j*'';: '':. !L
.~.i,*b, .-~--..
'.'!'-.
D 'hlavidid con ~e&dés $d{$(l970) t, '6 cio daterra (1&7) -., . -.
:-$;

D ~ l ~ r ide
t ofa'tierra(l9fd)' " D "herc&Ies ~osa'fhteipretáa ~tafiiialpã~
D Homenaje a Violeta Parra (1971) Yupanqui(1977j . . pw':. - '- -,'
tir de amplas camadas populares. E mais: Ninguna razón que 10 condene a andar
com a música, objetivavam que o povo ar- sin manta
ACHUGAR Hugo. Repensando Lo
gentino tomasse consciência de sua situ- Si se calla e1 cantor muere la rosa heterogeneidadLotinoomericono
ação sócio-econômica-cultural. De que serve la rosa sin el canto (a prop6sito de lugares, paisajesy
O que possibilitou o surgimento do Can- Lkbe e1 canto ser a luz sobre os campos territorios).Revista Iberoamericana.
iluminando siempre a 10sabajo. Vol. I ,XII, n 176-177. p. 845 - 861, jul/
cioneiro Novo foi a modificação na estru-
dez. 1996.
tura urbana e social da Argentina: o início Que no calla e1 cantor porque e1 silencio
BASTIDE. Roger. Sociologia do Foklore
do processo de migração interna no início Cobarde apãna la maldade que oprime, Brasileiro. São Paulo: EditoraAnhernbi
dos anos de 1950 em virtude da industria- No saben 10s cantores de agachadas S.& 1959.
lização; a visão cosmopolita que começa a No callaránjamás defrente a1 crimén". BEVERLY,lohn Post-litemturo: Sujeito
influenciar os argentinos; consciência da subalterno.Revista Iberoamericana.Vol.
cultura regional nos meios intelectuais e a I, X11. n 176-177, p. 30 - 41, jul/dez. 1996.
Mercedes Sosa cumpriu esse papel de ser
nacionalizaçãoda classe média, que inicia a cantora da América Latina, levantando G A R ~ AMaria
, Inês. ElNuevo
Concionero - Aproximoción o uno
um processo de autocrítica em razão da sua voz pela união, confraternização, ami- expresión de modernismo en Mendoza,
internacionalização da economia argen- zade e solidariedade dos povos latinos. Seu s/d. Disponívelem: < h t t p : / / w . h i s t .
tina, levando o país a beira do abismo. trabalho constitui um local de enunciação puc.cl/iaspm/lahabana/articulosPDF/
MarialnesGarcia.pdf >. Acesso em: 27 de
O que chama a atenção nesse movi- pós-colonial. Sua música se encontra nas
dez de 2009.
mento é o fato de que seus agentes en- frestas centroJperiferia, local/universal.
MIGNOLO. Walter. Lo Roz6nPostcoloniol
tendiam que o folclore possibilitaria o co- Falar dos nossos problemas com uma - hemncios Coloniolesyteoríos
nhecimento real da Argentina. Buscando, linguagem própria. Estabelecer nós mes- postcolonioles.Gragoatd. N1, p.7-29.2
assim, construir um discurso próprio que mos um discurso sobre nossos problemas sem. 1996.
revelasse aos argentinos sua situação no e suas soluções. Todos juntos, respeitando RICHARD, Nelly. Feminismo,
Esperiencioy RepresenraciinRevista
mundo. A grande divulgadora do Can- as especificidades de cada país, de mãos
Iberoamericana.n, 176 - 177, p.733-744,
cioneiro Novo, sem sombra de dúvida, foi dadas Homens e Muiheres na constmção jul/dez 1996,
Mercedes Sosa. Entretanto, o movimento daquilo que Darcy Ribeiro chamava de Pá- TERRA. Disponívelem: http://
na voz de Mercedes Sosa transcendeu as tria Grande. letras.terra.com.br/mercedes-
fronteiras argentinas, transformando-se Encerro aqui com um trecho da música sosa/63291/#enviar-traducao>.Acesso
num grito de alerta para a união dos povos Canción Con Todos: em.29 de dez. de 2009.
Wikipedia. Disponívelem: http:!/
latino-americanos.
pt.wikipedia.org/wiki/Mercedes-Sosa>.
Mercedes Sosa encarava a música como "Salgo a cuminar Acesso em: 29 de dez. de 2009.
sua arma política. Cantar equivalia a um Por la cintura cósmica de1 sur
discurso para despertar consciências, Piso em Ia región
como na música "Si Se Calla E1 Cantor": Más ~egefalde1 tiempo y de Ea luz
Siento a1 caminar
"Que ha de ser de la uida si el que canta
No levanta su LVZ. em Ias tribunas
Por e1 pie sufre. por el gue no hay
Toda Ia piel de Ainerica em mi piel
Y anda em mi voz
Su caudal [. .In.
t
D Corazón Americano (1985)(com Milton D
(
.L 1..

Gestos de amor (1994)


. 61

a.,d
1
Nascimento e León Gieco) D Oro(1995)
D Mercedes Sosa '86 (1986) D Escondido en mi país (1996)
Mercedes Sosa '87 (1987) Alta fidelidad (1997) (com Charly García)
. --.
D D
D Gracias a Ia vida (1987) - -
i D. Aldespertar(l998)
D Amigos míos (1988) ... r . Yago Euzébio BuenodePaivalunho e
D Misa Criolla (2000) socibiogo e mestre em Teoria da Literatura
D En vivo en Europa (1990) +. D Acústico (2002) pela Un~versidadeFederaldeJuizde Fora É
professar deSociologiae Antropologia da
D
D
De mí(1991)
30 anos (1993)
,r> gft:LI D Argentina quiere cantar (2003) (com i- ..
Víctor Heredia e León Gieco) . .
d
..
Faculdade de Administragâoe Inforrnatica
(FAI) e do Instituto Wperiar de Educaçao
D Sino(1993) . .. D Corazón Libre (2005) - --
. .
.d' < -.
:r::-
.- (ISE)de Santa Rits d~ Spucaí - MG.
D Cantora (2009)
S O C I O L O G I A 151
I Sociedade I

A SOCIEDADE EM
QUEDA LIVRE?
I por EmersonSena da Silveira *

A sociedade sobrepõe-se ao indivíduo ou o contrário?


A resposta a essa pergunta passa pelo adequado
entendimento de como se dá a complexa relacão entre a
1 estrutura social e a interasão entre os indivíduos
52 1 SOCIOLOGIA
u ma imagem banalizada, di-
vulgada pela mídia e senso-
comum, compara a socie-
dade, e em algumas versões
o Estado e sua aparelhagem,
a um "tijoloncaindo sobre as cabeças dos
indivíduos ou um rolo compressor, em face
do qual pouca coisa pode exercer oposição,
exceto a mobilização permanente e cole-
tiva das gentes. A imagem é de que, "coi-
Essa percepcão de um "eu interior", oposto a
um "mundo externo", é típica das sociedades
com alto grau de individualizacão,
sociedades complexas que vivenciam o
"processo de individualizacão", Um complexo
processo que envolve, além de questões
tado", o indivíduo deve seguir as regras da sociais, a rnedia~ãodo simbólico, da cultura
sociedade, caso contrário, será punido de
duas formas: sanções formais (direito po-
sitivo moderno) e sanções informais (con- para ajudar na compreensão da realidade, ciais, a mediação do simbólico, da cultura.
trole social exercido pela família, grupos quanto para servir de baliza para as polí- O sociólogo norte-americano Peter Ber-
primários. etc.). ticas sociais e econõmicas. As teorias eco- ger (1996, p. 173, 179) aponta um dilema
A sociedade aparece com um enorme nômicas do livre-mercado desde Adam básico nas ciências sociais: qual é o limite
poder de determinação do comportamento Smith, e da Escolha Racional, não abrem entre as estruturas sociais e a liberdade e
das pessoas. Isso resvala em ideias como o mão dessa imagem. Porém, aos olhos de escolhas individuais? Os homens são com-
exercício tirânico da maioria sobre a mino- marxistas inveterados, o indivíduo é uma pletamente determinados? Eles têm mar-
ria. Evoca o famoso romance denominado invenção burguesa cuja função, maquia- gens de manobra para escolher? Ou essas
"1984", do escritor inglês, adepto do so- vélica, é dominar e entorpecer as consci- margens são limitadas pelas estruturas
cialismo, George Orwell, cuja personagem ências e impedir a "luta de classes". sociais? E a liberdade, onde fica?
principal é o Big Brother, O Grande Irmão, Obviamente as tintas estão carregadas, E importante frisar que a Sociologia não
expressão devidamente apropriada pela há uma caricatura. Provocação. Mas acen- tem uma Única teoria que explique tudo.
produtora holandesa Endemol e pela Rede tuar determinados traços pode aumentar Isso mostra a importância da diversidade
Globo de Televisão. Uma das ênfases do li- a sensibilidade a certas incongruências e de pontos de vista. E quem é que pode ter
vro é a ideia de uma sociedade que con- fragilidades de ambas as posições. ou pretende ter uma visão total e abso-
trola os mínimos movimentos dos indiví- Norbert Eiias, sociólogo alemão pouco luta de todos os fenômenos? Isso coloca o
duos, realizando uma "lavagem cerebral". debatido no âmbito da divulgação socioló- que é chamado de dilemas ou tensões na
A propósito da décima edição do BBB, o re- gica em nosso país, faz uma excelente cri- Sociologia':
ality-show "global", uma das passagens do tica ao que chama de antíteses ou dicoto- a) estudar a sociedade apartir dos grupos
livro mostra como o controle milimétrico é mias como esta: "indivíduo" e "sociedade", sociais ou dos indivíduos e suas ações?
feito sobre os indivíduos: aparelhos de TV e esta outra: "naturezan e "cultura". Es- b) Para que conhecer? Para transformar a
que funcionam como espiões, como "olhos" sas dicotomias não explicam de forma sa- sociedade ou para compreendê-la?
do Big Brother. tisfatória a realidade social e deslizam im- Correntes de pensamento, que atra-
Do outro lado, constrói-se, em exata perceptivelmente, ou acintosamente, para vessaram os séculos XVIII e XIX, defen-
inversão, a imagem da sociedade como uma oposição. Daí, ao invés de se falar "in- diam que o conhecimento e o desejo de
uma massa compacta, pronta a tritu- divíduo-e-sociedaden,impõe-se uma esco- mudança andavam juntos. Condorcet e
rar as pessoas, a imagem do individuo ii- iha: 'indivíduo ou sociedaden;e um impera- Montesquieu, filósofos franceses, queriam
vre, leve e solto. Seria ele que, por meio de tivo surge: ou bem você escolhe uma coisa, estudar as instituições da época para de-
suas ações e em interação com outros in- ou bem outra. A metaíisica popular, como monstrar sua irracionalidade e injustiça,
divíduos, cria o social, e toda a estrutura denomina Elias, aponta a sociedade como pois essas atentavam contra a liberdade
que dá suporte ao nosso mundo. O indiví- aquilo que impede as pessoas de desfru- do indivíduo. No século XK, Karl Marx de-
duo que pode optar por qualquer raio de tarem uma vida "autêntican. Na verdade, fendeu uma ideia importante: a "produção
ação porque possui liberdade de escolha e essa percepção de um 'eu interior', oposto intrinseca da desigualdade" no capitalismo
se move, sendo a sociedade, no máximo, o a um 'mundo externo', é tipica das socieda- I. Esse dilema i chamado tecnicamente da oposição entre
delírio de um sociólogo fanático, adorador des com alto grau de individualização, so- dois paradigmas: o individualismo e o holismo metodológim,ou
durkheimiano da sociedade. O indivíduo, ciedades complexas que vivenciam o "pro- seja, de qual fundamento se parte para expliw a sociedade:
do individuo ou da sociedade? Seja qual for o fundamento, ele
que aparece como "vítima", aparece ao cesso de individualização". Um complexo acaba sendo assumido como natural, e, portanto, burla a expli-
mesmo tempo como princípio social, tanto processo que envolve, além de questões so- cação sociol0gica.

S O C I O L O G I A 153
I Sociedade I

Quandoformas de viver, consideradascomo transformador de fato: não basta estudar,


mas é preciso agir, mudar a sociedade em
"anormais"por certa parcela da sociedade, direção aquilo que se crê que deva ser mu-
dado. Outros pensam que isso pode reti-
lanpm dúvidas sobre instituicõestradicionais, rar dela a neutralidade/objetividade, que
as pessoaspodem recusar-se a reexaminar devem caracterizar o conhecimento cienti-
fico. Ai, temem alguns, a Sociologia ficaria
suas próprias crengas e tenderão a rejeitar as presa demais aos compromissos políticos,
o que poderia produzir imagens erradas
proposicõesda Sociologia, por exemplo, mas sobre os objetos estudados ou colocar nela
poderãotambém discriminar e, por vezes, tendências que prejudiquem uma visão
compreensiva do fenômeno.
reprimir com violência esses modos de ser De qualquer forma, existiriam dois ní-
veis básicos de análise sociológica:
e que era necessikia uma posição política, a) nível macrossocial: estrutura, funcio-
e não apenas estudos teóricos. namento e dinâmica dos grandes fenõ-
Outra corrente segue a pressuposição menos e instituições sociais - burocracia,
de que as ciências humanas, como as na- igreja, Estado, família, aparato jurídico e
turais, devem perseguir apenas a neutra- militar, a escola e as sociedades. A abor-
lidade e a objetividade, ou seja, a ciência dagem macrossocial é uma óptica pela
social não se pode pronunciar sobre ques- qual os fenomenos são interpretados e
tões de valor (se uma sociedade deve ou explicados por causas e,ttemas, sociuis,
não aprovar medidas como a união civil e remetidos a esquemas teóricos nos
homossexual). O sociólogo francês Émile quais se enfatizam os aspectos institu-
Durkheim defendia tal ponto de vista. ciona!. formal! geral: global e "objetivo"
Nesse caso, acredita-se que os pesqui- das estruturas. Os comportanentos e as
sadores devem separar sua opinião da in- crenças individuais sào e,~plicadoscomo
vestigação e não deixar que suas crenças e oliuridus dessa estrutura maior;
valores morais, religiosos, estéticos interfi- b) níuel rnicrossocial: o plano da indivi-
ram em suas pesquisas e na forma como dualidade éfundarnental - negociação e
estudam os fenómenos sociais. Muitos de- acào. Cotidiano. Só existem a s grandes
fendem que a Sociologia tenha um papel "estruturas"porque essas são nzantidas

O passado define
nossas escolhas
amorosas?
Peter Be*, em stmdtgKã5:
uma vkão hwnanistaw(Vawi:
PeWpoik
19991,ao
Wa(,mEami-l

defini@o do situocão e signqca qve uma


situoQ7osocial é o que seus participam
,creem que ela seja Em outras palavras,
o realidade é uma questão de definigi7o.
Épor isso que o soció4oq dete analisar

54 1 SOCIOLOGIA
pelos agentes e suas negociações de sen- aceitar (ou nunca aceitam) o ponto de vista bastante para conhecer um fenômeno, um
tido feitas no dia a dia. Atencão: a pala- segundo o qual a falta de ambição possa, na evento, um fato. A TV e a Internet acele-
vra "negociacão" tem um sentido pejora- verdade, ser resultado de um processo social ram a sensação da imagem como elemento
tivo, mas não é esse o significado que a ao qual as ausências de oportunidades de indiscutível da verdade. A frase que con-
Sociologia busca ou para o qual este texto trabalho, de ascensão e de estímulo a criati- densa isso seria: "Eu vi na TV, na Inter-
aponta. Negociaçüo, aqui, tem o sentido vidade, ao empreendedorismo, estão ligadas net, por isso é verdade, por isso é real". No
de jogos de poder. entre si. E isso está na linguagem cotidiana entanto, as noções mais familiares são as
Mas esses dois níveis estão em complexa dos meios de comunicação,como a TV. mais "perigosas", porque são transmisso-
relação. Um não existe sem o outro. Am- Os fluxos de comunicação, na socie- ras de um conhecimento muitas vezes dis-
bos existem simultaneamente. Para esses dade atual, tornaram-se mais intensos, torcido da realidade, ou embaçam os olhos
dois niveis, desenvolvem-se dois tipos de muito mais dinâmicos e plurais. Por toda e impedem uma visão sociológica.
abordagem: parte, as pessoas estão expostas a diferen- Outros pensadores criticam as tendên-
aj Abordagem macrossocial; e tes valores e costumes, e isso pode levá-las cias teóricas que mostram os meios de co-
b) Abordagem microssocial. Ou seja: a olhar de outra forma para os seus pró- municação como "alienadoresn.Nos estu-
a] Lima abordagem que leva em conta a prios. Quando formas de viver, considera- dos atuais sobre recepção, não é razoável
estrutura, a dinàmica e oji~ncionamento das como "anormais" por certa parcela da supor que os indivíduos sejam "robôsnque
das instituiçc7es e fenõmenos da socie- sociedade, lançam dúvidas sobre institui- assimilem mecanicamente o que é produ-
dade e diz que tudo pode ser explicado ções tradicionais, as pessoas podem recu- zido nos meios de comunicação. Na ver-
pelas estruturas. sar-se a reexaminar suas próprias crenças dade, eles dão novos significados as men-
h) Uma aboi-dagem em que a açíio social, e tenderão a rejeitar as proposições da So- sagens e informações, de acordo com sua
a negociacão. o plano onde está situada ciologia, por exemplo, mas poderão tam- rede de relações e formas de pertencimento
a individualidade dos atores e agentes bém discriminar e, por vezes, reprimir com (classes sociais, religiosidades, nível cultu-
sociais são o mais iniportante para expli- violência esses modos de ser. ral e educacional e outros fatores dentro
car, inclusive: a s yrandes estruturas. Pierre Bourdieu, um dos maiores soció- desses níveis citados). É preciso lembrar
Concebe-se que o agente social detém logos franceses, disse que existem dois ti- que, na estrutura da teoria da comunica-
mais liberdade de ação. Muitos sociólogos pos de Sociologia: a espontânea e a critica ção, supõe-se a existência de dois polos,
importantes fazem essa abordagem. ou "científica". A primeira existe como mera entre os quais circula a mensagem: o emis-
opinião superficial. Todo mundo opina so- sor e o receptor.
CONSTRUÇÃO SOCIAL E SIMBÓLICA bre a família, o casamento, a morte, a vida, Bourdieu identifica um senso comum-
o Estado, o desemprego, a religião, o fute- popular e outro erudito. O primeiro está na
As pessoas que acreditam que a falta de bol. Cria-se uma ilusão: a do saber ime- mente e na boca da população em geral. O
ambição seja uma fraqueza tendem a não diato, ou seja, a opinião superficial seria o segundo, na mente e na boca de especialis-

I
1
-- ,S
j
se pode discordar de nonosancestrais, facilltondo-a bostonte na çoso k mois .
i"'
"
-I,
mmumemen2e é moi5 difkil nos IMarmos que se ajmtom m m e m catqwWs modo p m n e n t e e e x c t h num ú n b -- - 3 1

deu~lsf~Kasherarpsdosquedm sdcío-ec&rcUs e diffcultandoos cslsas muiher, c m quem de deve dividira leita o . - c c* i


. _I
ttalkps crkrdm em nossa pr&xio geqão. em qw nõo e x h essa rmmmkhia. Até banheiro e o Mia demiIhwes ck cafés-da- 2'
1 "i". .*
~gssepwnofu~tolparqc*eele mewnompontwmqu@"eEes"(os~ mnMfdprorkuEdopor um*uJo .f
mewnoemdreasp estão Wws) nlEofUwomnenhum tentotiw antesDomewnofornwmtadmesses , .-v- '
I

comcientepwo limituf a molho ckx


porticiipontes rie5se d f o m&px-ffco, "e&"
estrdm a!& m k erxlopgQu C m (qwj6 m m m ) eKrwwom a pauta de
exempb i m @ m u m cem: um coso/ quose to& @sse cem. A Me40 d@ que atm@o
.
sexuolpodesertrOduziidomemgBo definida p&-p&koda Cado m dos estágios -
nwndnticof&pemwbpc# é r e g u m porumrihMIs0ciaI. idmhm Neohum :: ..+ ' -
ck !m?@soreludados que exitaom a doSsirnrentouo~w~wmldesuc~
N m g j q B ó de damas aristocrónims par wIta pa m Aperisrs ~ i d ~ ~um com - lo o r
c -'
.i.*+.
l:
.-- osécuibXI/(m1100).Aidewk@1eum utra enõocm.borcekar
4
e .-
S O C I O L O G I A 155
Sociedade

tas que argumentam sem examinar critica- minação de classe defendida abertamente
mente as noções e conceitos de que lançam nas praças há, decerto, ódio e discrimina-
A ibefltidade não é mão. Aqui, o olhar sociológico se diferen-
cia desses tipos de senso comum: é preciso
ção dissimulados.
O comentário expressa mais implica-
algo "natural': mas é que se examinem os conceitos e noções ções, analisadas de forma muito arguta
usadas correntemente;é preciso investigar pelo filósofo Paulo Ghiraldelli (2010):
construída sua história, sua finalidade, os usos que se dias quando ouvimos o q i e um Boris Ca-
P@twBergw,mnol1Maagam
fazem dele e para qual finalidade. soy diz por detrás das cãmeras,. rzho te-
"ddssica"
Bourdieu defende que não é possível es- mos como não admitir que Ciro esth certo:
idma vis% human4S.a" OlazPs:
capar (liberdade total) das condições ob- e.nste unia "elite branca" no Brasil que
Pettdpdk 1999),afirma que:
jetivas da estrutura social. Os indivíduos sente profundo desprezo para com tudo
se movem, escolhem, vivem, morrem, op- que é do ànibito popular. E, ao final do
tam nos limites definidos por essas con- artigo diz: Caso queirarnos melhorar o
dições objetivas. Ela molda corpos, modos Brasil, ramos ter de Lier que os brasileiros
de pensar e agir, modos de amar e querer, - muitos -pensam como Bons Casoy. E
modos de se comunicar e cantar. Dando rrtencão nisso: não uamos mlpk-10 pelos
um exemplo, a partir do que defende essa seus cabelos brancos não! Alainardi, ria
perspectiva, carregado nas tintas no caso Globo, ainda não tem cabelos brnncos e
de uma opção amorosa entre duas pes- pensa a mesma coisa. .Va Band. vocês.já
soas (namoro, noivado, casamento, seja lá viram o tipo de precorzceito de classe con-
o que for) e levando-se em conta inúme- tra pobres que aparece rio CQC? Jcí uram
ros fatores étnicos, sociais, religiosos e ou- o menino Danilo Gerztili insi~ltandoos po-
tros, pergunta-se: qual a probabilidade de bres. jogando comida para eles? Xho?
um adepto fervoroso do Candomblé, mas Pois saibam que isso ocorreu sini! Esse
de classe social média ou baixa, namorar tipo de humor é rtecesscírio?(Fonte:http://
ou casar com uma adepta de uma igreja ~delli.pro.br/2010/01/bori~~~0y/).
pentecostal (Assembleia de Deus), mas de E como os conflitos ocorrem na socie-
classe média ou baixa, mantendo suas op- dade? É a sociedade que se sobrepõe ao in-
ções religiosas? Baixíssima probabilidade. divíduo ou este a sociedade? Uma resposta
Mas, para além dos fatores "objetivos", que não deve remeter para um dos polos,
existem muitas outras questões simbóli- mas englobar ao mesmo tempo os dois po-
cas e culturais (que são muito importantes 10s: indivíduo e sociedade.
e ao lado das quais me posiciono favora- A estrutura (ordem social, para
velmente) que, devido a questão de espaço, Durkheim; e estrutura económica, para
não podem ser abordadas aqui com mais Mam, por exemplo) seria maior que o indi-
detalhes. Fica para outro artigo. víduo, independente e dotada de leis. Esse
Essa condição objetiva da estrutura postulado está presente nas mais diversas
social pode, inclusive, criar uma espécie correntes e suscitaram reaçóes em contrá-
de "invisibilidade". Já foi mencionada em no: a ideia enfatizada passou a ser que os
alguns meios de comunicação a tese de seres humanos são naturalmente egoístas
mestrado de um psicólogo que passou a e competitivos (com desejos e aversões) e a
conviver com os garis como gari. E ao fa- ordem social, um ajuste artificial orientado
zer isso, seus conhecidos passaram a não por interesses calculados e racionais en-
"enxergá-lo". Um fato mais recente marca tre os homens.
a crueza dessa estrutura objetiva do so- Outro postulado, oposto a esse, é a ideia
cial: o malfadado comentário off-line do de que a sociedade não é maior que o indi-
jornalista Boris Casoy sobre os garis. Ex- víduo, ou anterior a ele, e essa estrutura é
pressa na verdade a visão de parcela da negociada, construída a partir dos indivi-
elite sobre as profissões braçais, fisicas, duos e de suas ações. A ideia de que os ho-
que historicamente foram, e ainda o são, mens são "naturalmente" egoístas, agres-
desprezadas. Se não há racismo e discri- sivos e competitivos tem suas origens no

56 ( S O C I O L O G I A
filósofo inglês, de 1600, Thomas Hobbes. A respeito as regras ("regras são regras", po-
ideia de que os homens fazem uma espécie deria responder) ou levar em consideração
de contrato (as chamadas teorias contra- as ponderações do motorista. De qualquer
tualistas) para instituírem uma ordem po- forma, a existência das regras é constru-
lítica, ou outro tipo de ordem, também vai ída a partir da interação entre o policial e
guiar muitas tendências. o motorista, já que, antes, essas regras e
Para o sociólogo Herbert Blumer, a so- normas eram pura abstração. BIBLIOGRAFIA
ciedade pode ser concebida como intera- Na perspectiva da microssociologia, essa BAUMAN, Zygmunt. Clobolizo~õo:
consequêncios humonos. Rio de
ção simbólica, ou seja, não existem es- regra. só existe quando os dois atores em Janeiro:JorgeZahar, 1999.
truturas que coagem os homens, existem questão, o motorista e o policial, travam . Identidade:entrevisto o
interações que eles estabelecem entre si a uma relação social concreta e negociam a Benedetto Vecchi. Rio de janeiro:
partir dos símbolos partilhados. Símbolos aplicação e, por vezes, a extensão e o sen- JorgeZahar, 2005.
remetem a estruturas de signos, de signi- tido da regra. Portanto, a regra não fica flu- BERGER Peter. Perspectivas
ficantes e significados. Remete a questões tuando no ar. Ela só existe concretamente, sociológicas:Umo visõo humonisto.
Petrópolis, Vozes, 1999.
da cultura. Essa perspectiva dá énfase aos quando os atores sociais estão em con-
CAILLÉ. Alain. Nem Holismo, nem
aspectos "encobertos"e subjetivos do com- tato. Outro postulado importante da cor-
Individualismo Metodológicos.
portamento, acreditando que o comporta- rente interacionista é a consideração dos Marcel Mauss e o paradigrna
mento humano só seria comportamento fatos sociais como realizações práticas me- da dádiva. Revista Brasileira de
em termos do que as situações simboli- diadas pela linguagem. Se alguém quiser Ciências Sociais, vol. 13, n. 38, p.
5-38. Sao Paulo Out. 1998.
DEMO. Pedro. Introdu@ío ò
Para o sociólogo Herbert Blumer, a
sociedade pode ser concebida como desigualdode sociol. São Paulo:
Atlas. 2002.

interacão simbólica, ou seja, não existem ELIAS, Norbert A sociedade dos


indivíduos. Rio de Janeiro:jorge
estruturas que coagem os homens, Zahar, 2002.
GHIRALDELLIJR,Paulo. Boris
existem interagões que eles estabelecem Cosoy, o filho do Brosil. Disponível
em: http:/lghiraldelli.pro.
entre si a partir dos símbolos partilhados brlZ010101/boriscasoy/.Acesso:
04/01/2010.

zam. Isso começa pelo próprio indivíduo, entender as relações sociais, o mundo, que
que não responderia meramente aos ou- preste atenção naquilo que as pessoas di-
tros, mas responderia também a si mesmo, zem, na forma como dizem, naquilo que
podendo tomar-se o objeto de suas pró- ocultam ao falar.
prias ações (vendo-se"de fora", ou seja, co- Por fim, a sociedade não é um tijolo que
locando-se no lugar ou no papel dos outros cai sobre as cabeças das pessoas, mas
e vendo-se a si próprio, ou agindo para si uma construção social e simbólica, fabri-
mesmo, daquela posição, tal como definida cada cotidianamente, em meio as intera-
socialmente). ções com outros atores sociais (o médico,
É o fato social que precisa ser expli- o professor, cuja identificação nunca é ob-
cado. Durkheim partia do fato social como jetiva e abstrata; o policial é o Fulano da
se fosse uma realidade que explicaria as Silva, morador de um bairro, que interage
outras realidades. Tome-se uma situação e mantém relações com outras pessoas,
cotidiana: um motorista estaciona com que possui uma história, que está imerso
pressa sob uma placa que diz: É proibido numa rede de relações).Mais do que tomar Emetson Senada Siiveira 6 antropólogo.
doutor em Ciência da Religtao - Uniu. Federal
estacionar. Vem um policial aplicar-lhe essas ideias como verdades, elas devem ser delutz de Fora (UFJF)Pós-doutorem

.
uma multa. Mas, o motorista procura con- tomadas como proposições de resposta ao Antropologia(CNPqIUFJFIPPOR)Publicou
vencer o policial a não multá-lo ("não vi a problema da sociedade, da dinâmica cria- o Iivm. "Corpo, emoção e rito' antmpoiogia
dos carismaticoscatólicos"(ArrnazemDigital,
placan, poderia dizer); o policial pode lan- dora da cultura, dos símbolos, das organi- 2008) Professor universitário (FMS. FACSUM,
çar mão de sua autoridade para manter o zações, da vida social enfim. FSB) E-rnail.emerson oesquisa@gmailcom

S O C I O L O G I A 157
L Santo Poder

A
Igreja Católica é hoje a ins-

CATOLICISMO tituição mais antiga ainda


em funcionamento no pla-

pois
neta,dee sua
doisfundação
milênioscon-
tinua a ser a maior organização que já
de-

existiu sobre a Terra. O centro desta

MODERNIDADE Igreja, o Vaticano, é considerado o me-


nor Estado independente do mundo,
no entanto, a extensão de sua influên-
cia alcança bilhões de pessoas em di-
versas línguas e culturas. Porém, toda
Os desafios da Igreja Católica diante das essa dimensão não está isenta de ame-
rápidas mudancas do século XXI e da tensão aças. Ao contrário, elas são constan-
tes. A Igreja necessita estar atenta as
entre tradicão e modernidade rápidas mudanças do século XXI e ao
por Luiz Eduardo Souza Pinto *
mesmo tempo se propor a ser uma
guardiã de valores mais tradicionais.
O choque entre tradição e moderni-
dade gera uma constante polêrnica, es-
pecialmente no que se diz respeito as
questões contraceptivas, ao celibato,
a ordenação de mulheres e ao relati-
vismo cultural.
O cardeal Joseph Ratzinger, hoje
Papa Bento XVI, quando ainda era
prefeito da Congregação para a Dou-
trina da Fé, considerou que a adminis-
tração do Vaticano não é muito dife-
rente do modelo adotado nas empresas
privadas, porém destacou que, na sede
da instituição, quando uma decisão é
tomada, é necessário ponderar toda a
história. Assim, o passado assume uma

58 ( S O C I O L O G I A
importância considerável, sendo o orienta-
dor das decisões do presente: os dois tem-
pos se comungam constantemente para se
projetar o futuro. Ainda hoje, o soberano
da Santa Sé considera que há um princí-
pio norteador da doutrina da instituição
que não pode ser alterado "de acordo com
OS ventos".
Apoiar a continuidade de seus valores
independentemente do tempo cronológico
é uma das tarefas da Igreja de Roma, tanto
que estudiosos do Vaticano dizem que o ' R religiosidade pacífica estabelece normas
tempo na Igreja é contado em séculos. So-
mente para se ter uma ideia, a Basílica de
e cria condicões para o rompimento com a
São Pedro, sede do trono papal, foi cons- indiferenqa gerada pelo individualismo, e a
tniida em 120 anos e foram necessárias
mais quatro décadas para finalizar a praça consequência de tudo isso é a solidariedade"
no seu entorno, cujas colunas represen- FRANCO GIOVANELLI, ORGANIZADOR DO MOVIMENTO
tam braços em volta da fé. Acrescente-se TESTEMLINHOS DA RESSURREICÃOPARA O 2 O MILÊNIO
que o latim é, ainda hoje, a língua oficial,
reafirmando a ligação com a história.
Presidente do Pontificio Comitê de Ci-
ências Históricas do Vaticano e autor de mudança, que está deslocando as estru- dência a ver o potencial de desastre global
diversos livros sobre o catolicismo e a re- turas e processos centrais das sociedades como uma expressão da ira de Deus. Pois
ligião cristã, publicados em dezenas de pa- modernas e abalando os quadros de refe- os riscos globais de grandes consequên-
íses, o Padre Bemard Ardura reconhece rência que davam aos indivíduos uma an- cias que todos nós corremos atualmente
que, do ponto de vista numérico, a popu- coragem estável no mundo socialn (Stuart são elementos básicos do caráter do des-
lação mundial cresce, em média, mais que Hail, 2006, p.7). controle da modernidade, e nenhum in-
o número de batizados no catolicismo. En- O Padre Ardura entende que a Igreja, divíduo ou grupo específico é responsável
tretanto, ele observa que essa questão não ao apresentar uma alternativa a essa so- por eles ou chamado a pôr as coisas em or-
é o ponto relevante, pois a essência dessa ciedade relativizada e sem referências só- dem" (Giddens, 1991, p. 133).
Igreja está em sua missão: despertar a hu- lidas, propõe uma orientação para um ser O sociólogo italiano Enzo Pace (2007)
manidade para a solidariedade cristã. De humano "desnorteadon. De acordo com acrescenta que a religião, como fonte dis-
acordo com Ardura, essa orientação ja- sua visão, as posições da Igreja Católica tribuidora de referências no mundo, está
mais poderá ser alterada para atender a buscam humanizar as relações sociais, por em crise. Ele avalia que as instituições re-
outros princípios, como, por exemplo, o isso, milênios depois de sua criação, suas ligiosas não são mais fontes propagadoras
mercado capitalista e consumista que ca- determinações ainda têm servido de mo- de sentido e imagens estáveis, cujas au-
racteriza este princípio de século. delo para a sociedade. "Hoje, mais do que toridades tinham o poder de provocar um
O Secretário observa que a sociedade nunca, a Igreja é chamada para se pro- sentimento de estabilidade diante das in-
tem experimentado progressos nos cam- nunciar sobre os grandes temas que aí%- certezas. Atualmente, de acordo com o so-
pos científico e tecnológico, mas passa gem a humanidade. E ela não se furta a ciológico, as instituições religiosas perde-
por um momento crítico no qual os seres esse papel". ram a capacidade de apresentar certezas.
humanos estão vivendo cada vez mais de O sociólogo inglês Anthony Giddens Essa constatação poderia ser compreen-
forma isolada e não compartilham mutu- sugere que nenhum grupo ou pessoa no dida como falência dos mecanismos de re-
amente as conquistas alcançadas, o que mundo atual está no controle das ações e produção simbólica e, por consequência,
gera uma crise existencial. Para o teórico das consequências. Assim, as situações vi- como o anúncio do fim da religião. A an-
cultural Stuart Hail, a crise de identidade é venciadas pelos seres humanos estão fora tropóloga e pesquisadora do Instituto de
um traço marcante da sociedade atual, de- do alcance de qualquer entidade ou insti- Estudos da Religião - Iser, Regina Novaes,
nominada por ele de pós-moderna. "A as- tuição, individual ou coletiva. Segundo ele, aponta para uma constatação diferente da
sim chamada 'crise de identidade' é vista "tão pouco surpreende que entre os que apresentada por Pace. Ela observa que "na
como parte de um processo mais amplo de mantêm crenças religiosas, haja uma ten- realidade as pesquisas acadêmicas e a mí-

S O C I O L O G I A 159
Santo Poder I
dia de forma geral apontam que a religião dade Salesiana de Roma, Joze Bajzek, cita
está muito presente tanto na esfera pú- que "na era pós-industrial a racionaliza-
blica quanto na biografia concreta de mi- ção económica se tornou o valor supremo
lhões de pessoas que buscam um sentido dos seres humanos, a ideia de desenvolvi-
religioso fora, a margem ou dentro de sua mento ficou restrita a esfera econõmica, e a
religião de origem" (Novaes,2006, p.136). riqueza passou a ser definida unicamente
como acumulação de capital, desta forma
A RESPONSABILIDADE DA IGREJA a vida é observada em uma única dimen-
são" (Bajzek, 2006, p.173). Giovanelli con-
Sobre a presença e responsabilidade da sidera que compreender os humanos ana-
Igreja no mundo atual, Ardura considera lisando prioritariamente o ponto de vista
que ela tem o papel de apontar novas vias econômico é destitui-lo de significado mais
e alternativas que visam melhorar a qua- abrangente e reduzir sua dimensão.
lidade de vida da população e não apenas O sacerdote americano Timothy Joseph
dos fiéis católicos. Na avaliação do secre- Ring, integrante da Associação Internacio-
tário, "a Igreja funda sua doutrina e orien- nal de Direito Pontificio Arautos do Evan-
tação na ética e na moral, por isso jamais gelho, em Roma, diz que a religiosidade
deixará de ser uma referência importante cria nas pessoas um sentimento de espe-
na sociedade. Quanto mais a humanidade rança, mesmo que elas habitem em uma
se afasta dos valores considerados nobres, sociedade marcada pelo crime, violência
mais necessária se toma a presença da e decepções, pois, para os que têm fé, as
Igreja no mundon. Em relação a fé, Ardura ações pessoais são orientadas para o ser-
avalia que ela tem um poder transforma- viço, despojamento e solidariedade fra-
dor, porque se enraíza na generosidade e terna. De acordo com o sacerdote, "aquele
na capacidade de amar, sentimento enfra- que acredita e pratica sua espintualidade
quecido no ser humano. cristã se eleva acima das trivialidades coti-
Integrante e organizador do movimento dianas, criando uma nova dimensão para
Testemunhos da Ressurreição para o 2" sua vida, além dos valores materialistas
"O cristianismo, Milênio, ligado a Congregação dos Salesia- e extremamente racionais que marcam o
historicamente, foi nos, com sede em Roma, Franco Giovanelli mundo atual". Giovaneili ainda considera
a h m a que a religiosidade e a fé, neste ini- que a racionalização e o materialismo da
fundamental para cio de milênio, são ainda mais importan- sociedade moderna podem corroer senti-
tes do que em outros tempos. De acordo mentos como a esperança e a crença em
nossa orientacão com ele, é notável a desagregação da fa- uma sociedade solidária, provocando a
ética e moral, mília, instituição necessária para a esta- morte de utopias. Para o doutor em teolo-
bilidade social, e dos valores éticos e mo- gia, João Batista Libanio, "é verdade que
Ele provocou um rais, necessários para a manutenção da se anuncia por todos os lados a morte
ordem. Giovanelii pontua que a falta de re- da utopia. J á de longa data. Mas utopis-
pensamento ferências pode fazer com que os seres hu- tas teimam em reafirmá-la. Discute-se se
humanista que manos retomem ao estado de natureza no a utopia é uma dimensão fundamental do
qual, segundo a concepção hobbesiana do ser humano e, portanto, nunca deletável.
foi vital para a século XVII, os indivíduos viviam isolados Hiberna algum tempo, mas sempre eclode.
e em luta permanente, vigorando a guerra Ou esconde-se num campo e desponta
constituicão de nossa de todos contra todos. Daí a expressão "o noutron (Libanio,2002, p.226).
sociedade" homem lobo do homem". No entendimento Na avaliação do reitor do Collegio San
do salesiano, "a religiosidade pacifica es- Norberto, de Roma, Padre Stephen Boyle,
IDA PROSÉRPIO TOSSI, ESTUDIOSA tabelece normas e cria condições para o a Igreja, mesmo estando em constante
DAS QUESTÕES DO CATOLICISMO E rompimento com a indiferença gerada pelo choque com alguns valores modernos
h *. CONSULTORA DE PROFESSORES DA
UNIVERSIDADE SALESIANA DE ROMA
individualismo, e a consequência de tudo e co-existindo com a ditadura do relati-
isso é a solidariedade". O professor de So- vismo, representa destacado significado
ciologia da Religião da Pontificia Universi- no mundo secularizado. De acordo com

60 1 S O C I O L O G I A
"Hoje, mais do que
nunca, a Igreja é
chamada para se
pronunciar sobre os
o reitor, o cristão deve buscar uma coe-
rência máxima entre a fé professada e a grandes temas que
vida cotidiana, por isso deve sair do iso-
lamento e buscar uma existência orien-
afligem a humanidade.
tada pela compaixão. Boyle avalia que "a E ela não se furta a
solidariedade é o ceme da mensagem de
Cristo. Temos consciência da nossa fragiii- esse papel"
dade como seres humanos, mas ao mesmo PADRE BERNARDO ARDURA,
tempo possuímos a compreensão de nossa PRESIDENTE DO PONTIF~CIOC O M I T DE
~
força quando estamos unidos pela compai- CIENCIAS HISTÓRICAS DO VATICANO
xão, esta deve ser a mensagem principal
da Igreja para a humanidade".
A Doutrina Social da Igreja, um con-
junto de ensinamentos reunidos para a
orientação dos fiéis, cita que a instituição nista que foi vital para a constituição de uma renovação a Igreja, pois o sentimento
religiosa católica deve ser sempre um ins- nossa sociedade". religioso dos latinos é bem mais forte do
trumento de ajuda aos povos. Nessa dou- A italiana também considera que a falta que o dos europeusn.
trina é observado que "a Igreja caminha de solidariedade, o isolamento e o individu- Na "Carta Encíclica Fides Et Radion, so-
com toda a humanidade ao longo da his- alismo são caractensticas marcantes da so- bre a s relações entre fé e razão, escrita sob
tória, ela vive no mundo e, mesmo sem ser ciedade denominada por alguns filósofos e o papado de João Paulo 11, o sumo pontífice
do mundo, é chamada a servi-lo seguindo sociólogos de pós-modema. "Neste tempo já apontava que a modernidade criava sen-
a própria vocação íntima. Apoia-se na pro- em que estamos vivendo, é possível detec- sação de incertezas, sobretudo entre os jo-
funda convicção de que é importante para tar que o tecido social está se rasgando e vens. A Encíclica cita que "não se pode ne-
o mundo reconhecer a Igreja como reaii- as pessoas estão se apartando uma das ou- gar que este período, de mudanças rápidas
dade e fermento da história, assim como tras. E para enfrentamos os milhares de de- e complexas, deixa sobretudo os jovens, a
para a Igreja não ignorar quanto tem rece- safios que nos são colocados precisaríamos quem pertence e de quem depende o fu-
bido da história e do progresso do gênero de união fraterna, como cita o Papa atual". turo, na sensação de estarem privados de
humano" (Compêndio da Doutrina Social Tossi aponta a enciclica social do Papa pontos de referência autênticos. A necessi-
da Igreja, 2006, p. 24). Bento XVI, "Caritas in Veritate", como uma dade de um alicerce sobre o qual construir
referência, pois ela trata da solidariedade a existência pessoal e social faz-se sen-
CONTRA O INDIVIDUALISMO em vários campos da vida humana. "Não tir de maneira premente, principalmente
se constitui uma sociedade com indivíduos quando se é obrigado a constatar o cará-
"A Igreja Católica ainda levanta sua vivendo separadamente. A sociedade é um ter fragmentário de propostas que elevam
voz em um mundo secularizado, mar- conjunto de pessoas vivendo em constante o efêmero ao nível de valor, iludindo assim
cado pelo individualismo, egoísmo, con- e consistente ajuda mútuan. Tossi ava- a possibilidade de se alcançar o verdadeiro
sumismo e busca excessiva pelo prazer". lia que a Igreja, tanto na Europa quanto sentido da existência" ("CartaEncíclica Fi-
Esta e a análise de Ida Prosérpio Tossi, em outros continentes, tem um impor- des Et Radio"). O Papa João Paulo I1 des-
uma italiana que há vinte e oitos anos vive tante papel social a cumprir. Mas a estu- creveu que sentiu a necessidade de intervir
em Roma. Estudiosa das questões do ca- diosa entende que atualmente o poder de sobre o tema fé e razão para que, no ter-
tolicismo, ela diz que a fé é um simbolo influência da Igreja tem se reduzido. "Mui- ceiro milênio da era cristã, a humanidade
de esperança para os povos. "A mensa- tas vezes a Igreja fala e orienta, mas não é tomasse consciência mais clara dos gran-
gem do cristianismo nos leva a acreditar escutada, principalmente entre os jovens des recursos que lhe foram concedidos.
no futuro, mas a partir do momento em que se educam por meio de informações na
que as pessoas deixam de colocar Cristo intemet e de outros meios de comunica- DESAFIO NO SÉCULO XXI
e sua mensagem como ponto de referên- ção e, cada vez menos, dão importância as
cia, há uma perda religiosa, ética e mo- questões religiosas, ao sagrado. Para boa Franco Giovanelli aponta que o indi-
ral". Tossi aíirma que a religião crist5 é parte dos jovens europeus, tudo aquilo que vidualismo excessivo, traço marcante
um dos alicerces da cultura ocidental. "O não dá prazer imediato ou recompensa fi- do ser humano da modernidade, é outra
cristianismo, historicamente, foi funda- nanceira não deve ser considerado. J á na forte ameaça ao catolicismo. Para ele, en-
mental para nossa orientação ética e mo- América Latina, a participação dos jovens quanto o principio que norteia o cristia-
ral. Ele provocou um pensamento huma- ainda anima os movimentos religiosos e dá nismo é o da doação, a lógica individua-

SOCIOLOGIA I61
Santo Poder I
"Temos consciência da nossa fragilidade
como seres humanos, mas ao mesmo tempo
possuímos a compreensão de nossa forca quando
estamos unidos pela compaixão, esta deve ser a
mensagem principal da Igreja para a humanidade"
PADRE STEPHEN BOYLE, REITOR DO COLLEGIO SANT NORBERTO DE ROMA

lista busca maxirnizar os ganhos e reduzir


as perdas provocando um egoísmo e uma
O catolicismo anos de tendência negativa. De fato,
os sacerdotes aumentaram ao longo forte tendência hedonista. Giovanelii diz
pelo mundo dos últimos oito anos, passando de que "o ser humano tem buscado ampliar
cerca de 405 mil, no ano 2000, para seus ganhos individuais além de realizar
O Anuário Pontifício 2009, divulgado no mais de 4 0 8 mil, no ano 2007. uma constante busca pelo prazer pessoal
primeiro semestre deste ano, aponta Segundo divulgação do Vaticano, o a todo custo, o que suprime o sentimento
que há aumento no número absoluto número de sacerdotes aumentou, religioso, esmagando a proposta cristã de
de adeptos ao catolicismo no mundo, sobretudo, na África e Asia no doação ao próximo, caridade e abnegação.
em particular na Oceania e Africa. NO período 2000-2007,27,6% e 21,2%, Toda essa conjuntura é u m desafio a Igreja
entanto, no continente americano respectivamente. Nas Américas, do século XXI".
se verifica uma redução no número permaneceu estável. já na Europa Dentre os desafios enfrentados pelo ca-
de fiéis desta Igreja. Assim, o volume e Oceania, registrou (no mesmo
tolicismo neste século atuai se destaca o
de católicos aumentou, alcançando a período) uma forte diminuição, -
crescimento vertiginoso das igrejas protes-
cifra total de 1bilhão e 147 milhões, 6,8% e - 5,5%, respectivamente. A
tantes e outras denominações religiosas
aproximadamente (em 2006 eram 1 quantidade de diáconos permanentes
que, ano após ano, ganham adeptos que
bilhão e 131milhões), acompanhando, continua mostrando crescimento.
anteriormente eram católicos. Muitas igre-
substancialmente, o ritmo de Aumentou, em 2007, mais de 4,1%,
crescimento demográfico (1,lYo)). jas abandonam o tradicionaiismo e rom-
em relação a 2006, passando de
Portanto, como foi divulgado pelo 34.520 para 35.942. A consistência pem com antigos preceitos religiosos para
Vaticano, o número de fiéis no mundo dos diáconos melhora em ritmos atrair seguidores no "mercado de féis". A
permanece, percentualmente, estável - contínuos tanto na Africa, Asia e acelerada mudança comportamental ob-
em torno de 17,3%. Oceania, onde eles não chegam ainda servada desde a segunda metade do ú1-
Dados da Santa Sé apontam que a 2% do total. timo século é outro ponto a que as autori-
é relevante o incremento de fiéis Na América e na Europa, onde, dades eclesiásticas católicas estão atentas.
batizados na Oceania (47%) e na Africa segundo dados de 2007, encontram- Muitas das alteraçôes ocorridas no padrao
(3%). Percentual menor, mas ainda se cerca de 98% do total de diáconos de comportamento de homens e mulhe-
positivo, é registrado na Asia (1,7%) e permanentes, eles aumentaram, res, iniciadas no século passado, são con-
na Europa (0,8%), enquanto apresenta de 2006 para 2007, cerca de 4%. trárias as normas e orientações da Igreja.
uma pequena redução na América (- Dados do Anuário Pontifício 2009 Como exemplos pode-se citar a adoção de
0,1%), que conta a metade dos católicos apontam que o número de candidatos meios contraceptivos, a maior liberdade
no mundo inteiro, boa parte deles no ao sacerdócio aumentou 0,4%, sexual e a aprovação da lei do divórcio.
Brasil. O Anuário tambem informou alcançando a cifra de quase 116 Mesmo em países cuja população, em sua
que o número de bispos passou, de mil. Também nesse caso, Africa maioria, é católica, como Espanha, Brasil
2006 a 2007, de 4.898 para 4.946.Já a e Ásia mostraram um sensível e Itália, o catolicismo vem perdendo parte
quantidade de sacerdotes mantém uma crescimento, enquanto a Europa e a de sua capacidade de influenciar compor-
tendência de crescimento moderado, América registraram uma diminuição,
tamentos.
iniciado no ano 2000, após mais de vinte respectivamente, de 2,1% e de 1%.
Giddens questiona a capacidade das
igrejas de manterem influência, riqueza e

62 1 S O C I O L O G I A
prestígio. 'Antigamente, as organizações 'Rquele que BIBLIOGRAFIA
religiosas podiam exercer uma influência
considerável sobre os governos e as agên- acredita e pratica BAJZEK,Joze:MILANESI, Ciancarlo.
Sociologia dello Religione.Torino:
cias sociais e impunham um alto respeito Elledici, 2006.
da comunidade. Até que ponto essa situ-
sua espiritualidade BENTO XVI. Corto Enciclico Deus
ação ainda ocorre? A resposta para esta cristã se eleva acima Coritos Est sobre o Amor Cristão.
Brasilia: Edigões CNBB, 2007.
questão esta clara. Mesmo que nos limi-
temos ao século XX, perceberemos que das trivialidades Catecismodo Igrejo Católico.São Paulo:
Edicaes Loyola, 2006.
as organizações religiosas sofreram uma
perda progressiva de grande parte da in- cotidianas, criando Compêndio do Doutrino Socíaldo Igrejo.
Tradução da Conferência Nacional dos
fluência social e política que tinham an- uma nova dimensão Bispos do Brasil. 530 Paulo, Paulinas,
2005.
teriormente" (Giddens, 2005, p.438). O
próprio Papa Bento XVI, em sua primeira para sua vida, GIDDENS. Anthony. As Conseqüências
do Modernidode.Tradução Raui Fiker.
enciclica denominada "Deus Caritas Est",
reconhece que a Igreja Católica não mais além dos valores São Paulo: Editora UNESP, 1991.
. sociologia.
exerce poder poiítico na sociedade ou toma materialistas e Tradução Sandra Regina Netz. Porto
o lugar do Estado. Entretanto, o Papa con- Alegre: Artmed, 2005
sidera a que instituição deve promover a extremamente HALL, Stuart. A IdentidadeCulturolno
justiça e lutar pelo bem comum. Bento XVi Pds-Modernidode.Traducão Tornaz
cita que'"a Igreja não pode nem deve to- racionais que marcam Tadeu da Silva, Guacira Lopes Louro.Rio
de janeiro: DP&A, 2006.
mar nas suas próprias mãos a batalha po- O mundo atual" joÃo PAULO II. Corto EncíclicoFides Et
lítica para realizar a sociedade mais justa Rutio, sobre os Relocõesentre Fé e Razão,
possível. Não pode nem deve se colocar no SACERDOTE TIMOTHY JOSEPH 530 Paulo: Edigões Paulinas. 2005.
lugar do Estado. Mas também não pode RING, SACERDOTE AMERICANO LIBANl0,JoãoBatista. A Religiõono
nem deve ficar a margem na luta pela jus- INTEGRANTE DA ASSOCIACÃO Iniciodo Milénio. São Paulo: Edições
INTERNACIONAL DE DIREITO Loyola. 2002.
tiça. Deve inserir-se nela pela via da argu-
POI\ITIF~CIOARAUTOS DO EVANGELHO NOVAES, Regina. Osjovens, os Ventos
mentação racional e deve despertar as for- seculorizontese o Espiíito do Tempo. In:
ças espirituais, sem as quais a justiça, que TEIXEIRA, Faustino; MENEZES, Renata.
sempre requer renúncias também, não po- As Religiõesno Brasil: Continuidades e
derá afirmar-se nem prosperar" ("Encíclica Rupturas.Petrópoles:Vozes, 2006.
Deus Caritas Estn, 28a). v50 a Roma ou aos locais onde ocorrem PACE, Enzo. ReligiOo e Globolizoçõo.In:
Oro, A.P. & STEIL C.A. (orgs.). Religiãoe
suas viagens apostólicas. A cada aparição Globalização. Petrópoles:Vozes. 2007.
O CATOLICISMO SOBREVIVE do Sumo Pontífice em locais públicos, pes-
soas das mais variadas correntes religio-
Santa e pecadora, a instituição mais an- sas se emocionam. Todos os dias, artigos,
tiga em atividade no planeta continua a livros e textos são publicados em milhares
exercer um importante papel no mundo de veículos de comunicaçã,o abordando
atual, mesmo diante da reduçao de sua assuntos relativos ao catolicismo.
influência na sociedade. Multissecular, A tradição diz que a Igreja teria sido fun-
ela conserva sua imponência e majestade dada por Jesus Cristo ao dar a Pedro, seu
traduzidas nas suas suntuosas catedrais, apóstolo, as chaves para ligar e desligar,
abadias e outros templos espalhados pelo na terra e nos céus. Se isso é mesmo uma
mundo, cuja beleza e simbologia atraem verdade, cabe a cada um decidir. Na era da
bilhões de pessoas das mais diversas ori- secularidade, do relativismo, do individua-
gens. Há ainda uma enorme riqueza cul- lismo e do consumismo, a palavra da Igreja
tural sob o domínio do Vaticano, abrigada ainda encontra refúgio. Por quanto tempo
em igrejas e dioceses: são obras de artes 'LuizEduardoSouza Pinto 6 bacharel
essa instituição permanecerá ativa talvez em Administração e Ciências Sociais
como quadros, pinturas e textos antigos. ninguém saiba precisar. Se é mesmo santa pela Universidade Estadual de Montes
O Papa, úitimo monarca absoluto da Eu- e pecadora, a resposta pode não parecer Claros, pós-graduadoem Pedagcgia
Empresariale lambem em Sociolcgia
ropa, é fonte de atraçáo para milhões de fácil, mas só o fato de existir há dois mil e Politica pela mesma universidade.
turistas e peregrhce que, todos os anos, anos já pode ser prova de um milagre. E-mail:eduardosouzait@yahoo.it

S O C I O L O G I A 163
Antenado por NiIdoViana*

FILMES
I A sociologia do desvio de Howard Becker
O preconceito e a rotulaçãoandam juntos. da produção e imposição das regras,
A sociologia e algumas outras disciplinas encerrando com uma reconsideração
contribuem no sentido de revelar os da "teoria da rotulacão",que é outra
mecanismosdos processos de rotulação e análise interessante dos processos
prody ã o do preconceito, e esta é a grande sociais e efeitos da linguagem sobre
contribuição da obra do sociólogo norte- a realidade social. Trata-se de uma
americano, Howard Becker, "Outsiders': obra extremamente interessante e
A ideia de que todos os grupos sociais importante para o estudo do "desvio",
produzem regras e buscam impô-lasé o Obviamente que a obra padece de
ponto de partida para definir o outsider problemas não resolvidos, teses
("marginal" oul'desviante"). Nessa breve criticáveis, limites analíticos, como
observação,já temos alguns elementos quase todas as obras. Porém, possui
que permitem compreender o "desvio" o mérito de apresentar uma temática
como fenômeno social, já que é o grupo socialmenterelevante e dar uma
que cria regras e as impõe, o que significa abordagem que serve de ponto
que sair delas é desvio. Estas regras podem de partida para outros voos mais
assumir várias formas, tal como a lei e a ambiciosos.Um maior entrelaçamento
moral. Aquele que desvia de tais regras teórico com a psicanálisee a psicologia
tem outra percepção do fenômeno. A partir seriam úteis para uma análise mais
destas considerações iniciais, realizando profunda, bem como uma maior
uma discussão sobre as definiçSesde atenção ao problema metodológico
desvio e analisando a reação dos outros, da totalidade e do desenvolvimento
Becker passa a resgatar o ponto de vista histórico.Apesar disso, a obra de Título: Outsiders - Estudos
daqueles que são consideradosoutsiders. Becker é uma referência aos estudos de Sociologia do desvio
sobre os "desviantes", e os seus limites Autor: Howard Becker
Como exemplos, estuda o caso de usuários Cidade: Rio de Janeiro
de maconha e músicos de jazz, para, na não comprometema importância da Editora:JorgeZahar
Última parte da obra, retomar o problema obra e a necessidadede sua leitura. Ano: 2008

::Titulo: O que 6 Justiça e Desigualdade Ambiental


JustiçaArnbiental
Autores: Henri A questão da justiça ambiental mantém relações
Acselard, Cecília indissolúveis com as relações sociais e saúde
Mello e Gustavo
Bezerra coletiva. A obra "O Que é justiça Ambiental"
Cidade: Rio de aborda esta questão pelo prisma da relacão
Janeiro entre justiça ambiental e desigualdade social.
Editora:
úararnond É uma obra importante para as sociologias
Ano: 2009 ambiental e do direito.
A Organização do
Trabalho no Século 20
Um livro introdutório e útil sobre o
desenvolvimento da organizacão do
trabalho, abordando o taylorismo,
fordismo e toyotismo, focalizando o
último devido a sua contemporaneidade.
Apesar de ter alguns limites, é uma boa
contribuição principalmente para os
iniciantes no estudo de sociologia do
trabalho.

= Tltulo: A Organização do
Trabalho no S6culo 20
Autor: Geraldo Augusto Pinto
Cidade: São Paulo
Editora: Expressão Popular
Ano: 2007

FILMES

1
Troca e Vaidadee
Coisificação r Competicão
O Diabo sob a forma Becky Sharp é uma
de Leland Gaunt
chega em uma
pequena cidade e abre
I garota de origem
humilde que busca,
por todos os meios,
uma loja que vende a ascensão social e
mercadorias, "coisas participa intensamente
úteis': Para possuir da competição das
as mercadorias, classes privilegiadas,
os indivíduos que permanecem
se destroem imperturbáveis, apesar

I mutuamente. Uma
metáfora das relações
sociais mercantis
da guerra e suas vítimas.
Uma reprodução fílmica
dos valores dominantes
e a caisificacão na e sociabilidade
::Titulo: Trocas Macabras sociedade moderna. Y Título: Feira das Vaidades moderna.
Diretor: Fraser C. Heston Diretor: Mira Nair
País: EUA País: EUA
Ano: 1993 Ano: 2004
Distribuidora: Colurnbia Pictures Distribuidora: Focus FeaturesiUIP

" NildoVianae gmfessor da UFC - Univers~dadeFederal abtordos livros


deGoi&.doutor tom Souologia/Un%~
'D Capitalismorid Era dd dcumula@o IntegraIal"[5ã0Paulo,ídé~as.eLetras,20O~);'ACancepcãoMateriaiistada Histbria do
riflema '(Porto Alegre Asterisco, 2009),"QsValores na SociedadeModerna"(Brasiiia, Themrus, 2007). entre ourros

SOCIOLOGIA 165
Cartas
Para informações, sugestões, elo-
gios ou reclamações, o atendimento
Sedução Sociológica ao leitor esta disponível de segunda
a sexta-feira, das 8h as 19h.
Sou doutorando em Sociologia e leciono no Instituto Social da Bahia - ISBA, no Can- Telefone: (11) 3 8 5 5 1 0 0 0
dido Portinari e na Rede Salesiano. Estas instituições há algum tempo já possuem a E-mail: atendimento@escala.com.br
Sociologia no ensino médio, e de forma gradativa adotamos a Revista Sociologia
Ciência & Vida como material didático complementar em todas as séries, tanto
Edicoeç Ai-itei lar.. ,
pelo ineditismo das matérias como pela coerência e pertinência que seus editores Adquira as edições anteriores de
dialogam com a sociologia e com as questões sociais. Além, claro, das sugestões que qualquer revista ou publicação da
Escala (sujeito a disponibilidade
são oferecidas aos leitores, a exemplo da matéria da última edição "Novas mídias,
de estoque).
projetos educacionais e a utilizacão da tecnologia em salas de aula", que ajudou
Telefone: (11) 3 8 5 5 1 0 0 0
muito a consolidacão do meu Plano de Ensino de Sociologia para 2010. Na oportu- Site: www.escala.com.br
nidade, agradeço ao conselho editorial da revista pela forma séria e sedutora que
socializam o conhecimento sociológico. Que continuem a oferecer ao seu leitor tão Assinaturas
importante contribuicão.
Assine as revistas da Editora Escala
Antonio Mateus de CarvalhoSoares, por e-mail e receba os exemplares com toda
comodidade, em seu endereço.
Além da Academia Telefone: (11) 3855.1000
E-mail: assinatura@escala.com.br
Escrevo-lhes para, primeiramente, parabenizar pela concepcão da Revista Socio- Site: www.assineescala.com.br
(consulte os títulos disponiveis)
logia Ciência & Vida. Sou cientista social pela UNESP/Araraquara, atuando na área
e no âmbito da educação (níveis médio e superior). Sou assinante da revista há mais Trabalhe :- I t: ,II;.
de um ano e a utilizo bastante em debates com amigos, colegas, alunos, etc. Indubi-
tavelmente, sua publicação e oferta ao público em geral são um divisor de águas no Preencha o formulário no site:
mercado editorial e educacional, uma vez que as lacunas acerca de temáticas como www.escala.com.br/cv.asp
as de nossa área ainda são sentidas. Com a Revista Sociologia Ciência & Vida
podemos atenuar parte desse vazio. Assim, agradeço a oferta do debate possível
com as matérias oferecidas pela revista.
Com os melhores cumprimentos, \-

CSCi i â
RogPrio Lins, por e-rnail Presente em sua vida

Caderno de exercícios
Caros amigos da Revista Sociologia Ciência &Vida,
gostaria de dizer que o caderno de exercícios das pági-
nas centrais tem me ajudado muito em minhas aulas Fale com a redac<;o
com a turma que conduzo no segundo ano do ensino Contato direto com a redação da
medio. Gostaria de sugerir um caderno inteiro sobre revista para que você nos envie
juventude brasileira, abordando a questão de nossa sugestões e comentários.
etnicidade e realidade socioeconômica. Os jovens
gostam de enxergar-se no contexto de suas aulas. Telefone: (11) 3 8 5 5 1 9 5 5
Endereço: Avenida ProfOIda
Jair TucciDWa (MG), por e-mail Kolb, 5 5 1
Casa Verde
CEP 02518-000
Desenvolvimento brasileiro São Paulo SP -
E-mail:
Mesmo com diversas vitórias, é triste ver que questões básicas para o crescimento sociologia@escala.com.br
de nosso IDH ((ndicede Desenvolvimento Humano) têm sido tratadascom tão pouco
caso, mesmo pela população. Embora a necessidade de mudança apontada para a Para aric:,lci ' 8

educação na edição 26 seja prioridade para os cidadãos brasileiros, eles são apenas
21% dos brasileiros que se pulverizam entre outros pontos de vista, Lamentável! Telefone: (11)3 8 5 5 2 1 7 9

juliana Amaral, por e-mail

66 1 S O C I O L O G I A
CADERNO DE EXERCICIOS 2C
SOCIOLOGIA EM SALA DE AULA
bE
i-'
L.
LI L* 1Y

. R~Q@.
. _ 'V
. SOClOLOGiA EM SAIA DE AULA

A fascinante
viagem científica
de Carl Sagan
Wr Carios A bErt3 Loiola de Scuza'

Ousado e inspirador, o pensamento de Carl Sagan


nos convida a refletir sobre as questões da exploração
espacial, do meio ambiente e da sociedade global

á muitas gerações, cientistas vêm Charles Danvin estabeleceu um paradigma


se empolgando diante da possi- duradouro, tal como Aibert Einstein, mas pa-
bilidade de um dia desvendar- raciigrnas conhecidos surgem no campo da ci-
, mos os mistérios que cercam os ência o tempo todo. A mudança não é necessa-
planetas mais prósimos do nosso sistema so- riamente ordeira ou agradável; frequentemente
lar e, futuramente, os sistemas solares mais pró- há grandes discussões, a medida que os cien-
ximos por meio da exploraç~ohumana do es- tistas lutam para proteger ou firmar suas repu-
paço. Parte desses ~nistériosfoi desvendada e tações. Pois até os cientistas podem resistir as
outros foram reformulados, pois em 'A estru- implicações de dados novos ou desordenados;
tura das revoluções científicas", Thomas Mun, os velhos paradigmas custam a morrer. Dentre
* Carlos Alberto Loiola de Souza é sugeriu que a ciência se desenvolve por meio de os paradigmas reformulados, está a questão da
sociólogo, historiador da Ciência,cretc:
financ&rodo Sindicato 30s Scciolmjos do mudanças em seus paradigmas. Uma vez acei- exploração espacial por meio de viagens inter-
Estado de %c Paulo (Sinses~).g ~ f e m r tos, os paradigmas enquadram todas as ques- planetárias, tendo como seu maior defensor o
de Economia da Fatec Zona Su:e de tòes e direcionam todas as pesquisas, até que o cientista Carl Sagan.
Geografn na Etec Zona Sul,membro
da SocieJadeAntrqmsofica mErasii próximo paradigma aparega e derrube as pre- O sucesso de Sagan na popularização do
(carlosIcio~a7@notrnailccin) missas existentes. cosmo deixou em segundo plano suas verda-
. . ,L= *?$,wtt
.r
L Ulya luaJC WI.4 m
- . p.i;&;3
A . çegundo ele em mudanças no governo,
~anos,Isso ' ipli@m > .
SOCIVLJGIA Ehi , ,,I DE, ,,,A

deiras conquistas como cientista, pensador e Da mesma maneira como fazem os bons es- foi um leitor de ficção científica, e mais tarde
escritor. Cientista produtivo, carismático, ga- critores de ficção científica, Sagan influenciou um cientista com ideias arrojadas. Segundo, tra-
nhador do Prêmio Pulitzer e astrônomo por toda uma geração de jovens cientistas, os quais balhou como um dos pioneiros da chamada era
formação, dava a impressão de senti-se i von- têm em suas mãos as alavancas do futuro e acre- espacial, fazendo parte de uma corporação li-
tade com disciplinas que iam da Matemática à ditam fervorosamente que chegou a hora de mu- gada à indústria bélica americana, com pro-
História. Seu fascínio pelo espaço oferecia se- dar o pensamento científico acerca da natureza postas como a possibilidade de vida em outros
gurança, mas também uma sensação de assom- do universo e de nosso papel dentro dele. Esses planetas e a pesquisa em inteligência extrater-
bro do desconhecido. Ele desenvolveu uma vi- mesmos cientistas de hoje continuam seus tra- restre. Por fim,divulgou, numa linguagem bem
são benigna do universo como sendo a última balhos por muitas razões: porque simplesmente próxima à da ficção científica, suas descober-
fronteira, um horizonte infinito, onde a huma- não podem liver sem ele; porque a NASA lhes tas sobre a importância da pesquisa espacial e
nidade poderia refqpr-se após arruinar este dá os meios de fazer aquilo que desejam desde as preocupações acerca do mundo em que vi-
planeta e/ou possivelmente destruir-se durante quando eram crianças e acompanhavam as no- vemos, num livro e programa de TV mundial-
este processo. tícias da corrida espacial, vendo John Giem en- mente conhecido no início dos anos 1980 como
O espaço sideral de Sagan oferecia campo trar em órbita; porque só a NASA tem bons COSMOS, para poder justificar nestes termos a
suficiente para alMat os males humanos. Ele foguetes, as bases de lançamento e a infraestru- importância da viagem espacial e o estabeleci-
via com pessimismo o f u m o da humanidade, tura para enviar sondas e homens ao espaço in- mento de colònias em outros corpos celestes.
caso nos confinássemos na Terra por muito terplanetário; porque um dia a NASA Ihes per-
tempo. Tinha quase certeza de que, cedo ou mitirá enviar algo projetado por eles ao espaço; LITERATURA E DIVULGAÇ~OCIENT~FICA
tarde, iríamos nos destruir. A única fuga possí- porque são entusiastas da exploração, coloniza-
vel desse sentimento de desesperança era a vas- ção e das viagens interplanetárias. Porque, em Vimos anteriormente que Carl Sagan jul-
tidão do espaço e a promessa de planetas dis- termos de exploração planetária, Sagan teve seu giva importante a oportunidade de divulgar ci-
tantes, onde a humanidade poderia recomeçar trabalho validado pela NASA aos olhos da co- ência através da ficção e que isso era necessá-
do zero. Essa visão de espaço como uma nova munidade científica do mundo. rio em nossa sociedade. Percebendo quase que
fronteira influenciou a NASA desde os seus pri- Qual a importância da exploração planetária ao mesmo tempo a importância da divulgação
mórdios, ao fornecer-lhe um rumo; além disso, para a História da Ciência e para a humanidade científica, vários autores propuseram, mas não
inspirou os cientistas mais jovens, ao ampliar o em geral, quando estudamos os artigos e liv~os de comum acordo e sim cada um a seu tempo,
contexto de suas pesquisas. Em meio a todos
- ~
de Carl Sagan, nos quais ele manifesta suas a fazê-la da melhor maneira possível. Assim
os atrasos burocráticos e batalhas orçamentá- opiniões sobre essas explorações por meio de quando Isaac Asimov se tornou professor da
rias, Sagan sempre soube o que estava em jogo voos interestelares inspirados e divulgados na Universidade de Boston, em 1952, escreveu um
na exploração espacial: em curto prazo, infor- ficção cienúfica? pequeno livro de bioquímica (ele já era escri-
mação, e, longo prazo, a sobrevivência da hu- Para nós, é importante saber que as influên- tor consagrado) para adolescentes, descobrindo
manidade. Ao longo de S L X ~carreira, Sagan cul- cias que Carl Sagan recebeu ao longo de sua que era mais fácil, para ele, escrever sobre ciên-
tivou um fascínio especial por Marte. Instigou a vida orientaram, e a outros também, no desen- cia do que sobre ficção, resolvendo, dessa ma-
NASA a explorar o planeta. E tinha fortes espe- volvimento de propostas que tinham como ob- neira, ensinar Ciência. Ele notou que as pes-
ranças de que houvesse vida em Marte. jetivo a exploração através das viagens espaciais soas tinham uma atitude paradoxal com relação
Em 1966, desanimada diante das áridas foto- ou interplanetárias, mas sem fazer uso de um às ciências, uma reverência irracional acompa-
grafias enviadas pelas naves h h k , a comuni- discurso que inaugurou as grandes navegações nhada de um medo igualmente irracional. E
dade científica conduiu que a chance de existir dos séculos IíV e XV.Estes projetos e estes ele sabia o porquê. Em lugar de ser vista como
vida em Marte era nula, mas Sagan, quase sozi- pesquisadores viveram num contexto histórico um conjunto de atividades que leva às hipóte-
nho entre os cientistas mais importantes, já espe- distinto da humanidade. A chamada era espa- ses e as retina, as ciências são consideradas pro-
culava que tal fenômeno talvez ainda fosse possí- cial, assim como a era atôrnica, são dois fatos vedoras de verdades. Daí a atitude equivocada:
vel. Apesar dessa crença na possibilidade de vida que ocorreram no século XX e produtos da Se- acredita-se demais e, quando não funciona, per-
extraterrestre,cientificamente ele sempre manteve gunda Guerra e da Guerra Fria e suas implica- de-se a crença e nada fica em seu lugar. Asirnov
um dos pés plantados em terra íirme. Insistia que ções para a Ciência e seus desdobramentos, já tomou para si a tarefa de mostrar que as ciên-
conclusões extraordinárias, tais como a existência estavam populacizados pela chamada (nos anos cias são acessíveis, belas e humanas. Desde que
de vida em Marte, exigem provas extraordinárias 1930) ficção científica. Os pesquisadores e suas se evite qualquer absolutismo, tudo estará bem,
e, na sua opinião, os tentadores indícios de que pesquisas científicas a respeito deste progresso o escritor acreditava na Ciência sendo colocada
a vida poderia existir em Marte não preenchiam também inspiraram uma nova geração de escri- em beneficio do seu povo.
ésses uitkios Ele escreveu sobre Marte para os tores e cientistas, como é o caso em questão de A partir de 1958, Asimov decidiu contri-
cientistas e os leitores em geral, misturando enge- Carl Sagan. Ele é importante neste aspecto por- buir para a popularização da ciência. Em um
nhosamente especulações e fatos científicos. que reúne alguns atributos especiais. Primeiro, de seus livros de divulgação, "Civilizações ex-
Meio Ambiente e Sociedade Global

maneira como
fazem os bons
escritores de
traterrenas", Asimov faz uma declaração sim- gação científica, primeiro como autor e, depois,
ples e objetiva sobre a exploração espacial: "Se como palestrante. Em maio de 1951, Clarke es- ficção científica,
a chave do paradoxo da esistência de muitas ci-
vilizações, num Universo em que, para todos os
creveu "A exploração do espaço", um livro que
sob muitos aspectos pode ser considerado pre-
Sagan influenciou
efeitos, estamos sozinhos, reside na provável cursor, porque as ideias nele contidas eram toda uma
dificuldade da exploração espacial; vamos exa- possíveis de realização e, em alguns casos, re-
minar mais detidamente o problema. Afinal, os almente foram realizadas, exatamente no mo- geração de
seres humanos consegiiirão colocar a primeira mento em que Sagan começava a trabalhar com
cápsula em órbita, iniciando assim a era espa- a indústria militar aeroespacial. O futuro mos- jovens cientistas,
cial, somente em 4 de outubro de 1957. An-
tes que a era espacial completasse uma dúzia de
traria que Clarke não estava errado, mesmo em
termos políticos.
os quais têm
anos, os homens pisaram na Lua. É um começo Uma vez que os futuros engenheiros e físi- em suas maos
bastante promissor. Certamente, agora pode- cos são atraídos para essas carreiras, em parte
mos ir mais longe... Enquanto escrevo, há son- por serem entusiastas da ficção científica, é na- as alavancas
das a caminho de Saturno, e para mais além. tural que o nome Clarke circule amplamente
Essa distante penetração de instrumentos hu- nos meios acadêmicos, mesmo nào sendo ele do futuro e
manos sem o envolvimento do homem não re-
úne, porém, a gloriosa auréola de façanhas que
um pesquisador de carreira. E é neste momento
que Carl Sagan, a convite de Clarke, vai a um
acreditam
associamos com a mística da esploração". Para jantar na casa de Stanley Kubrick para resolver fervorosamente
Carl Sagan, Asimov era um dos grandes mes- um problema, o de como mostrar os alieníge-
tres de sua era justamente porque, segundo ele, nas no flme que se chamaria "2001: uma odis- que chegou a
conseguiu levar para mill~òesde pessoas a im- séia no espaço". Sagan, muito educadamente,
portância da ciência de forma simples e obje- argumentou que o número de acontecimentos hora de mudar
uva, influenciando positivamente a vida delas.
Por sua vez, Sagan recebeu de Asimov uma de-
individualmente improváveis da história evolu-
cionária do homem era tão grande que não era
o pensamento
dicatória, publicada em um de seus livros sobre possivel que, em algum lugar do universo, al- científico acerca
astronomia e cosmologia. guém semelhante a nós pudesse alguma vez ter
hrthur Charles Clarke, cidadão emérito do evoluído de novo. E que qualquer representa- da natureza do
Sri Lanka e mais conhecido pelo seu livro que ção explícita de um ser extraterrestre avançado
deu origem ao antológico tilme "2001: uma teria necessariamente de ter pelo menos um ele- universo e de
odtsséia no espaço", já estava envolvido com a
questão das viagens espaciais antes de Asimov
mento de falsidade, e, que a melhor solução se-
ria sugerir e não mostrar explicitamente os es-
nosso papel
e bem antes de Sagan, e, aventurou-se na divul- traterrestres . dentro dele
20 SOCIOLOGIA EM SAiA DE AULA

Desde os anos 1950 e 1960, Carl Sagan sem- lia a possibilidade de existirem civilizaçòes tec- derna), que, todavia, h e j a r i a a universalidade
pre foi levando e atualizando suas ideias acerca nicamente avançadas em algum lugar da galáxia, tecnológica. Shlokovskii e Sagan, alguns anos
de UFOS, viagens espaciais, vida extraterrena, considerando como um dado mais importante, depois, consideravam que o ama1 fluxo de on-
biologia planetária. Sua participação em cor- e sobre o qual pouco se sabe, o tempo de ~ l d a das via rádio, que é diferente das emissões na-
porações e laboratórios militares e civis possi- de uma tal civilização. Se as civilizações des- turais, e a colocação em órbita de satélites arti-
bilitou especular enormemente acerca destes troem rapidamente a si mesmas após atingirem ficiais poderiam ser sinais de vida inteligente na
assuntos. Ele pode ser considerado um dos res- a fase tecnológica, num dado momento (muito escala cósmica. Também especularam sobre a
ponsáveis pela criação da esobiologia e da pla- parecido com o da Guerra Fria), poderia haver constituiçio de uma sociedade galáctica inter-
netologia, ou seja, o estudo sobre a vida em poucas civilizações para se ter um contato. Por coniunicante, com uma Enciclopédia e um Co-
outros planetas, e sobre os planetas. Também outro lado, se uma pequena fração das civiliza- des para regular as suas relações, pois a riqueza,
ajudou em programas de radioastronomia para ções aprender a 1%-er com armas de destruiçào a diversidade e o esplendor desse comércio, o
detectar a existência de sinais extraterrestres, coleuva e evitar catástrofes, quer naturais ou es- intercâmbio da mercadoria e das informações,
procurando satisfazer seu interesse em procurar pontâneas, esse número de civilizações pode ser de argumentos e artefatos, de conceitos e con-
a existência de outros seres inteligentes no uni- muito grande. fitos, devem continuamente estimular a curio-
verso. Em 1973, Sagan começa a escrever uma Isto de certa forma não deiua de ser uma es- sidade e ampliar a vitalidade das sociedades par-
série de livros que reúnem alguns de seus arti- pécie de interpretação sociológica a respeito ticipantes. A colonização da galáxia é, assim,
gos, entrevistas e ideias acerca do universo e do da nossa própria cidizaçào em relação a pos- imaginada como uma trajetória bastante plau-
mundo. Cada um deles é quase como um ma- síveis outras comunidades galáticas. Esta ideia sível para sociedades tecnológicas. Há aqui uma
nual inspirador para futuros escritores de ticção das ci~ilizaçõesfoi estipulada por Freeman Dy- perspectiva que confere ao comportamento de
científica. Seu primeiro livro, "Conexões cósmi- son em 1960. Dj-son supõe a esistência de ETs hipotéticos seres num fenômeno marcante da
cas" que era, para a época, um livro de divulga- em estágios de desenvohimento tecnológico si- cultura ocidental e, em especial, a moderna, e a
ção bastante ousado, tornar-se-ia um iivro clás- tuados rndhòes de anos à nossa frente. Os li- expansão e o controle crescente sobre a natu-
sico e inspiraria a nova geração de cientistas e mites de expansão e controle do meio dessas reza e outras sociedades.
entusiastas dos anos 1980. superinteligèncias derivariam apenas da dispo-
Neste livro, Sagan comenta sobre muitos tó- nibilidade local de matéria e energia. Para tais CI~NCIAPLANETARIA E MEIO AMBIENTE
picos da astroFísica da ciência do sistema solar ci~ilizações,seria possível, num prazo curto, o
até a colonização de outros mundos, formação concrole e ulllização de uma massa da magni- A ciência planetária foi para Sagan um apren-
do solo e procura por extraterrestres. Por exem- tude de Júpiter. Essa atividade em larga escala, dizado e ajudou a formação de um amplo ponto
plo, no terceiro capítulo ele diz que a primeira moux-ada pelo crescimento populacional, esti- de ~ l s t inteidisciplinar,
a extremamente útil para
tentativa séria de comunicação com civiliza- mularia as espécies inteligentes à formaçào de descobriir e tentar reduzir o perigo dessas ame-
ções extraterrestres começou em 3 de março de biosferas artificiais ao redor de suas estrelas. A açadoras catástrofes ambientais. Quando se
1972, com o lançamento da Pioneer 10, mas me- abordagem de Dyson parte de uma teoria sobre começa a conhecer outros mundos, como ele
ses antes do lançamento chamaram-lhe a aten- a natureza e a evolução de sociedades recnoló- conheceu, ganha-se uma perspectiva sobre a
ção sobre a possibilidade de se enviar algum gicas, com base numa análise histórica (nós) e fragilidade dos meios ambientes planetários e
tipo de mensagem; então, prontamente Sagari uma projecão futurológica (eles). Estrapolando sobre outros meios ambientes, bem diversos,
entrou em contato com o responsável chefe da a partir do ritmo de desenrolrimento industrial que são possíveis. E plausível, acreditava Sagan,
missão, que aceitou seu pedido. A ideia consis- em sua época, projeta velocidades de transfor- que haja catástrofes globais potenciais ainda
tia em basicamente colocar do lado de fora da mação e, logo, a espansào rumo ao espaço es- por descobrir. Se estas se confirmarem, Sagan
nave uma placa de ouro de 13 x 23 centíme- terior como saída para necessidades impostas apostava que os mesmos cientistas planetários
tros contendo informações sobre ciência, além pelo crescimento económico populacional. desempenhariam um papel central nesta ques-
de comunicar o local, a época e qualquer coisa Essa tese futurológica remete a natureza e tão. De todas as áreas da Matemática, da Tecno-
sobre a natureza dos construtores da nave es- ex-olução da própria sociedade, marcada pelo logia e da Ciência, a que tem maior cooperação
pacial. crescimento industrial acelerado e expansào internacional, pela frequência de artigos de pes-
As maiores críticas que recebeu não foram planetária, num movimento que caracterizou quisa é a área (que após a morte de Sagan pas-
em relação a algum dado científico, embora a história do Ocidente nos dois últimos sécu- sou a se chamar planetologia comparada) cha-
houvesse céticos a respeito dessa mensagem ser los. No núcleo da teoria de Dyson verifica-se mada a Terra e as Ciências Espaciais. O estudo
encontrada casualmente no espaço, mas Sagan a presença de uma forma particular de conce- deste mundo e de outros, pela sua própria natu-
teve que se defrontar com a reclamação do pú- ber as til-ilizações, seus ritmos e necessidades. reza, tenderia a não ser local ou nacionalista.
blico em jornais consen~adoressobre a repre- A projeção daí decorrente e construída como As pesquisas por serem internacionais per-
sentação da mulher e do homem na placa das uma exuapolação linear de certas peculiarida- mitem que se descubram outros trabaihos que
Pioneer 10 e 11. Em outro capítulo, Sagan ava- des locais e temporais (a história ocidental mo- complernentem os de outros pesquisadores de
I Meio Ambiente e

Para Sagan, a história da humanidade


começaria com o desenvolvimento do
planeta seguido da evolução da vida,
a sobrevivência no meio ambiente, o
surgimento da inteligência e a invenção

-
da tecnologia a compreensão das leis da
natureza, que podem ser reveladas por
experiências e que o seu conhecimento
~ o d ser
e usado tanto para salvar quanto
)ara destruir vidas, em ambos os casos,
?mescalas sem precedentes

outras nações; ou que para resolver um pro- cia-lhe extremamente prática e urgente para os próximo de Jupiter. A órbita desse cometa foi,
blema, precisam de dados ou de outras pers- habitantes da Terra. hlesrno que a perspectira entâo, determinada com alta precisão. Entre 16
pectivas não disponíveis em alguns países. E de explorar outros mundos não despertasse o e 22 de julho de 1994, todos os fragmentos co-
quando acontecia essa cooperação, os seres hu- menor interesse, mesmo que não tivessem um mecários, um depois do outro, colidiram com
manos (como diria Sagan), de diferentes par- mínimo de espírito aventureiro, mesmo que só Jupiter. Seus impactos com Júpiter foram es-
tes do planeta, trabalham, como parceiros, em se preocupassem consigo mesmos e de maneka petacirlares. Alguns militares na época, influen-
questões de interesse comum, por meio de uma bem limitada, ainda assim a exploração planetá- ciados talvez por alguns filmes, propunham a
linguagem científica mutuamente inteligível. ria constituiria um grande inrestirnenco, e para deflexão de asteroides e cometas empregando
Ele também acreditava ver o mesmo aconte- isso Sagan justificou a exploração espacial com novas armas nucleares ou motores de fusão nu-
cendo em outras questões não científicas o que algumas das catástroEes. cleares. Ka época em que Sagan escreveu "Pá-
já é bem mais difícil porque na política o inte- Em 1993, um grupo de caçadores de asteroi- lido Ponto Azul", havia uma estimativa de 2000
resse não é comum. Mas Sagan, avaliando os des e cometas, Carolyn e Eugene Shoemaker e asteroides maiores de um quilômetro denue
fatos, a utiiidade da exploração do espaço p r e - David Ly,descobriranl um que estava muito um numero de aproximadamente 200 mil com
CADERNO

iVIAGEM INTERPLANETÁRIA
Muito antes de Carl Sagan escrever seus 1783) distraía
livros, a questão das viagens interplane- a atenção
tárias ou interestelares já era comentada nos para a viagem pelo ar e
primeirosescritos comprovados na História mostrava convincentemente que o homem sor de Astronomia;
da Ciência. No século II a.C, já era sabido não poderia viver, sem certas precauçóes, o próprio projétil era descrito
que os planetas eram realmente mundos. A a grandes alturas. Esta atitude transparece pormenorizadamente.Um dos aspectos
partir da observação da própria Lua, chegou- na famosa história de Julio Veme, "Da Tena mais interessantes era o de possuir foguetes
se a fazer estimativas de suas dimensões a Lua" (1865). Embora grande parte da obra que o impulsionaram quando alcançassem o
e distância da Terra, obtendo valores que seja uma sátira aos americanos, este livro espaço vazio.
estavam próximos da verdade. Feito isso, era foi, segundo Clarke, o primeiro trabalho Veme compreendeu períeitamente - ao
natural especular sobre a natureza da Lua e importante de ficção científica, porque foi o contrário de tantos que o sucederam - que
imaginar se ela seria habitada. Também era primeiro baseado em princípioscientíficos o foguete podia funcionar no vácuo, no
natural, ou assim nos parece, que escreves- sólidos. Ele sabia que um corpo projetado da espaço onde não havia atmosfera. Para
sem histórias sobre viagens inicialmente Terra, desde que com velocidade suficiente, alguns, o livro de Julio Verne foi o primeiro
a esse mundo misterioso e romântico. No alcançatiaa Lua, mas em consequência, baseado em trabalhos científicos. Mesmo
alvorecer do século XIX, a história da viagem limitou-se a construir um canhão enome e a antes que a era modema de trabalhos
pelo espaço ainda encontrava obstáculos. disparar um projétil especialmente equipado, experimentaisem larga escala viesse
Muito se sabia acerca das diiiculdadese em cujo interior estavam os protagonistas. comprovar a precisão das predições desses
objeçóes do voo interplanetário;a ciência Todos os cálculos, o tempo gasto e as homens, o foguete havia sido aceito como
não avançava o suficiente para sugerir velocidades da viagem foram efetuados com motor das astronaves na maioria das
como vencê-las. A invenção do balão (em detalhe pelo cunhado de Veme, que era histórias de viagens interplanetánas. No iní-
diâmetro maior que cem metros em órbita da investigar se existem, de fato, recursos de valor dizendo que se no caso de ser comum o apa-
Terra. Sagan propunha a exploração desses as- comercial, metais ou minerais no asteroide. Se recimento de civilizações nos planetas por toda
teroides maiores de 1 km alegando que alguns algum dia enviarmos seres humanos a hfarte, os galáxia, poucas serão, ao mesmo tempo, dura-
astronautas já estiveram por tempo maiores que asteroides próximos da Terra forneceriam uma douras e não tecnológicas.
toda a viagem de ida e volta a alguns desses cor- meta intermediária conveniente e apropriada:
- -
Como o perigo dos asteroides e cometas deve
pos celestes. Também existia a tecnologia de fo- testar o equipamento e os planos de explora- se aplicar a todos os planetas habitados da galá-
guetes para chegar até lá. ção, enquanto se estuda um pequeno mundo xia, se é que eles existem, por toda parte os se-
Seria um passo muito menor do que ir a quase totaimente desconhecido. Esta expedição res inteligentes deveriam unificar politicamente
Marte ou, até mesmo sob vários aspectos, que seria, segundo Sagan, para adquirir uma experi- seus mundos natais, abandonar seus planetas e
voltar à Lua, entretanto se algo desse errado, a ência necessária. deslocar os pequenos mundos próximos. E que
dificuldade em voltar para casa seria a mesma sua opção definitiva, como a nossa, seria o voo
que estar num desses planetas. Sagan propu- RISCOS E BENEF~CIOS DA EXPLORAÇAO ESPACIAL espacial ou a extinção. Eis as justificativas de Sa-
lha, por exemplo, uma visita ao asteroide Ne- gan para se realizar o voo espacial:
reu. Esta viagem levaria dez meses para ir, pas- Sagan sempre esteve ciente dos riscos da ex-
sana trinta dias e voltaria com robôs ou seres ploração espacial e não escondia isso de nin- 1. Temos queimado combustiveis fósseis por
humanos. Com essa expedição, poderiam exa- guém, porque enviar pessoas ao espaço exige centenas de miihares de anos. Nos anos
minar a forma, constituição, o interior, a histó- uma razão muito boa e a compreensão realista 1960, havia queimado madeira, carvão, pe-
ria passada, a química orgânica, a evolução cós- de que, é quase certo, que iremos perder vidas. tróleo e gás natural, em tão grande escala,
mica e a possível ligação com os cometas desse Os astronautas e os cosmonautas sempre com- que os cientistas começaram a se preocupar
pequeno mundo. Poderiam trazer de preenderam essa realidade. Ainda assim, nunca com o crescente efeito estufa; os perigos
volta amostras para serem exami- houve, nem haverá falta de voluntários. Sagan do aquecimento global começaram lenta-
nadas com calma nos labo- dizia que outros sistemas planetários deveriam mente a se introduzir na consciência polí-
ratórios da Terra. enfrentar seus próprios riscos de impacto, por- tica, e os acordos não são razoáveis.
oderiam que depois que os planetas se formam, muitos 2. Os CFCs foram inventados nos anos 1920
desses planetesimais se tornam sobras. Segundo e 1930; em 1974, descobriu-se que ataca-
vam a camada protetora de ozônio. Quinze
civilização seriam de talvez 200 mil anos. E anos mais tarde, entrou em vigor a proibi-
se existirem, as civilizações extraterres- çào de sua produção em todo o mundo,
tres poderiam ter tempos de espera mesmo assim de marieira úmida.
muito diferentes, dependendo de 3. As armas nucleares foram inventadas em
fatores como características fi- 1945. Só em 1983 é que as consequências
sicas e químicas dos plane- globais da guerra termonudear foram com-
tas e sua biosfera, natu- preendias Em 1992, inúmeras ogivas nucle-
reza biológica e social ares estavam sendo desmontadas,porém ou-
tros países ainda desejam possuir algumas.
da taxa de co- 4. O primeiro asteroide foi descoberto em
1801. Propostas mais ou menos sérias para
deslocá-los foram imaginadas no início dos
anos 1980. O reconhecimento dos perigos
potenciais da tecnologia de deflexão dos
cio do século XX, dizia asteroides veio pouco depois.
o autodidata meio surdo e 5. A guerra biológica nos acompanha há sécu-
professor primário KonstantinTsi- los, mas seu casamento mortal com a bio-
olkovsky, o fundador da moderna pesquisa logia molecular só ocorreu recentemente, e
sobre viagens espaciais na recém-criada URSS, que, por ser mais barata do que a tecnologia nu-
em princípio, surgem a ideia, a fantasia e o conto, depois deles, clear pode ser fabricada em qualquer lugar.
o cálculo científicoe, então, os homens práticos tomam a ideia 6. Nós, seres humanos, já provocamos extin-
realidade. Tsiolkovsky disse isso um ano depois do nascimento ções de espécies numa escala sem prece-
de Cal1Sagan em 1931. dentes desde o final do período cretáceo.
Só na ultima década, no entanto, a magni-
tude dessas extinçòes se tornou clara e se
lei-antou a possibilidade de que, em nossa isso antes, ainda mais em escala global e por ser munidades humanas autossuficientes em mui-
ignorância das inter-relações da vida na dificil ainda mais pelas tecnologias perigosas es- tos mundos, nossa espécie ficaria imune à ca-
Terra, poderíamos estar pondo em perigo tarem muito difundidas e a corrupçào muito tástrofe. A diminuição da camada de ozônio em
o nosso próprio futuro. disseminada. Os grandes lideres estão mais pre- um mundo seria, pelo menos, um aviso para se
ocupados com o curto prazo e não o longo. Os ter cuidados especiais com essa camada prote-
Delvido a ação ou inação, e ao mau em- conilitos entre grupos étnicos, nações, Estados tora em outro. Um impacto cataclísmico num
prego de nossa tecnologia, vivemos um mo- e ideologias impediam (e impedem) que o tipo mundo deixaria, provavelmente, todos os ou-
mento estraordinário em que a nossa espé- correto de mudança global seja instituído. Sa- tros ilesos. Quanto maior for o número de hu-
cie poderia destruir a si mesma. No entanto, a gan também tinha dúvidas quanto a perceber manos fora da Terra, quanto maior a diversi-
mesma espécie tornou-se capaz de viajar para se realmente compreendia o perigo de forma dade de mundos que habitarmos, quanto mais
os planetas e estrelas. Sagan justifica esse mo- clara, ou que grande parte do que se ouve a res- variada a engenharia planetária, quanto maior o
mento dando uma sensação de uma história li- peito daqueles que têm interesse pessoal em mi- alcance de padrões e valores sociais, mais segura
near e inesorárel. Para Sagan, a história da hu- nirnizar as mudanças fundamentais. estará a espécie humana.
manidade começaria com o desenvolvimento Sua maior esperança era que acreditava nas Caso alguém crescesse nos subterrâneos de
do planeta seguido da evolução da vida, a so- mudanças sociais feitas pelos próprios homens um mundo com um centésimo da gravidade da
brevivência no meio ambiente, o surgirnento e que são duradouras. Desde tempos imemo- Terra e vendo os céus pretos pelas janelas, não
da inteligência, e a invenção da tecnologia à riais, trabalhamos não apenas em proveito pró- teria o mesmo conjunto de percepções, interes-
compreensào das leis da natureza, que podem prio, mas para nossos tilhos e netos. E qual se- ses, preconceitos e predisposições de um habi-
ser reveladas por experiências e que o seu co- ria a solução? Seguindo a linha de raciocínio de tante da superfície do planeta natal. O mesmo
nhecimento pode ser usado tanto para salvar Sagan, a resposta seria assim: "Se estivéssemos aconteceria se a pessoa vivesse na superfície de
quanto para destruir vidas, em ambos os ca- no espaço, entre os planetas, se houvesse co- Marte, ou em plena con~ulsãoda "terraforma-
sos, em escalas sem precedentes.
Num lampejo, criam dispositivos que alte-
ram mundos. Algumas cidizações planetárias
compreendem seu caminho, estabelecem limi-
tes para o que pode e 0 que não deve ser feito
e, em segurança, passam pelo tempo dos pe-
rigos. Como, afinal de contas, toda sociedade
planetária será ameaçada pelos impactos vindos
do espaço, roda ci~dizaçàosobrevivente é obri-
gada a empreender a viagem espacial. Nio por
um entusiasmo esploratório ou romântico, mas
pela mais prática das razòes imagináveis: man-
ter-se viva. E, uma vez no espaço, durante sécu-
los e rmlênios, deslocando pequenos mundos e
promovendo a engenharia de planetas, a espé-
cie se desprende de seu berço. Se existem, mui-
tas outras ci\-ilizaçòesacabario por se aventurar
muito longe de casa.
As piores perspectivas nào deveriam, pelo
menos para Sagan, serem causa para desespero,
e nem as melhores, para complacência. Se pu-
déssemos, acreditava Sagan, agarrarmos o des-
uno pela mão, poderíamos, talvez redirecio-
ná-10, modificá-lo ou evitá-lo. Sagan explicava
que deveríamos manter habitável o planeta
Terra com urgência, numa escala de décadas
ou até de centenas de anos. Isso implicaria, se-
guhdo ele, em mudanças no gotTerno,na indús-
tria, na ética, na economia e na religião. Sagan
tinha receio pelo fato de nunca termos feito
l

ii Meio Ambiente e Sociedade Global I

* EXERC~CIOPRÁTICO
De acordo com este texto, o defensor da exploração espacial a
MESTRADO
Este texto do Caderno de Exercícios é uma adaptação da
justifica com uma série de razões plausíveis. Faça um debate entre introdução de minha dissertação de Mestrado em História da
os alunos levantando os pontos principais de seu argumento a favor Ciência intlulada "Carl Sagan: a exploração e colonização de
e contra da exploração espacial e os meios para isso. É necessário planetas: ficção científica, ciência e divulgação", defendida
nesta primeira parte conhecer os problemas, pois eles estarão refor- em 2006 na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
mulados d e outra maneira no próximo texto sobre "Duna". (PUC-SP),sob orientação do Prof. Dr. Eduardo Cruz.

cio" de Vènus, ou em Tirà. Essa esrratégia una- poderim prever, mas também aqiiclas que nào REFERÊNCIAS
ginada por Sagan tinha um propósito: dividir a poderíamos prever. A Conquista da lua: de Galileu até hoje. Edição
populaçào em grupos menores que se autopro- Prosseguindo eni seu raciocínio, Sagan argii- Especial Veia. São Paulo: Abril. s.d.
pagam, cada um com forças c preocupacòes di- mentava que nào cra dispendioso para uma es- ASIMOV. 1. E@mdwes ck3 Mvro 10: Snentitic
ferentes, mas todos marcados pelo orgulho 10- cala de longo prazo para se realizar as coisas na American Brasil n 3 São Paulo: Ouetto.2005
cal. Isto segundo Sagati poderia ser a chave de Terra. Não era necessário dobrar os orçamen- .Antdege I 1956-1974ell1974.19ti9.
nosso próprio entendimento. Itsta também era tos tlas naç0es que exploram o espaco, e que Intrcd@. Rio de Janeiro. Nova Fronteira. 1992.
uma das justificativas que faltava para unia pre- se considerasse o mesmo gasto com os orça- ,No mundo da Tic& wer,Im.Rio

sença rio espaço: melhorar as nossas chances de mentos militares, este seria apenas uma fraqào de Janetro. Francim Alves. 1984.

sobrc~ivêncianào apenas às caristrofes que se deles. Tio logo fosse possível estaríamos as- CiARKE A.C.. BRADBUAY. R (0rgs.fMafe ea
m i e do 'o. a cwquisia de bíarfee o Uum
sentando humanos em asteroides próximos da do mnda.Guanabara Artenova 197'3.
Terra e estabelecendo bases em 3Iarte. )[esmo
A mpbrrpo &I e w c . São Paulo:
coni a tecnologia do hi do s6ciilo SS era pos- Melhwementos. 1959.
sível faze-10, num espaço dc tempo de uma vida MWR(~S. i. A n e ~ e s ~ m
~ !m
d&
em.
humana. E as tecnologias iriam se aperfeiçoar São Paulo: Ensaio 1993.
rapidamente. tornando-nos niais competentes C W E d a tdcmqfa.São Paulo:
em viagens espaciais. Ensaio 1996
Uni esforço sério para enviar seres huma- NWAES W A $saca do inwsse rh Rb 92 a Rin
os a outros mundos é relati\amerite tio barato - i0 Sáo Wla Estação Liberdade. 2002,
uma base por ano que nào poderia ria reali-
dade com~etirconi as agendas sociais mais ur-
ommasso~pelos
gentes na Terra. Se toniássemos esse caminho
drndnios.São Paulo: Gonlpãnhia das Letras.
da ajuda na recuperacào cliniática do planeta, 1997
seria muito mais real que em qualquer época an- .PalKk, ponto awt: wna v& do fvWa
terior de esploragào e descoberta. Sagari reme- da -h w xissgaç São Paulo. Companhia
morando a história pensou que, setii dúvida, a das Lavas, f 996.
esploraçào e colonizacio deveriam ser esclare- .CoUmoj. Rio be Janeiro: Frsincisco
cidas, pautadas por uni respeito aos ambientes Alves. 1
m

planetários e ao conhecimento científico que do


&H@%?$&a. Ção Paulo. Circulo

r LI- eles encerram. E seria correto que a esplora-


çào e a coloriizaçào de\-erim ser feitas equita-
do Livro, 1978.

tiramerite e transnacionalmeiite, por represen-


[antes de toda espécie humana. E nossa Iiistória TEI1Llftn.y: BILSON.E. (Orgs).0 u r ~ deo Cai
colonial passada nào é encorajadom nesse sen- Sagan Brasil& Universidade de Brasiíia,2001
rido; mas desta \.ez, o que rios moveria nào seria
o ouro, as especiarias, os escravos, netn a paisào
de converter o indígena para uma única fé rer- FILMOGRAFIA
Gontato (2007) Direçào: Robert Zemeckis.
dadeira, como aconteceu coni os exploradores
Roterrw Michael Goldenbg (baseado no livro
europeirs dos stculos S\' e SI?,e sim pela so- de Carl Sagan. Elenco. Jodie Fostere Matihew
brevivência da h~uilanidade. hlcConaughey. Gênero: Drama' F i M o Cientifica.
Jma interpretação

uma ficção científica c o m q


.
ara a compreensão de temas
&aógicos, sociais, econômicos e políticos
I

1 Ficção Científica e Sociedade

una, de Frank Herbert, é com- e sua família pudessem estar plenamente esta- de combater as incursões dos Fremem, assim
posto de uma série de 6 livros: belecidos e bem defendidos, as forças de Har- como vários motivos políticos, traz as tropas
"Duna", "O Messias de Duna", konnen assaltam o castelo e matam. Poucos es- imperiais e dos Harkonnen em grande número
"O Imperador Deus de Duna", capam. Entre os sobreviventes,incluem-se Paul a Arrakis. Com a ajuda de uma tempestade e ca-
"Os Filhos de Duna", "Os Hereges de Duna" e sua mãe Lady Jessica. Os Fremem, nativos valgando os Makers ou vermes de areia, os Fre-
e as "Herdeiras de Duna". No primeiro título do planeta, sob a orientação de Kynes, o eco- mem, comandados por Paul, derrotam as for-
da série, "Duna", o relato concentra-se sobre- logista planetário que lhes deu uma visão do fu- ças numericamente superiores, dispostas contra
tudo na esfera político-social, nas relações so- turo, ajudam Paul e sua mãe a fugir para mais eles. Depois de um combate formal com Feyd-
ciais, entre aspectos políticos e religiosos, en- longe. Depois de cruzar o deserto a pé, são cap- Rautha Harkomem, o qual ele mata, Paul de-
tre o indivíduo e a sociedade e os desafios de turados por outro grupo de Fremem; embora põe 0 imperador, casando-se com sua filha, as-
uma ecologia extremamente delicada. Concen- o líder esteja disposto a acolhê-los a título de segurando todavia que ela será a esposa apenas
tra-se de forma original na edificação da Histó- experiência, um de seus homens preferina ma- nominalmente. Deste modo, a vingança de Paul
ria -isso mesmo, História com "H" maiúsculo tá-los imediatamente, em cumprimento às tra- pela morte de seu pai é completada.
-, pois a possibilidade de alterar o futuro é a dú- dições da tribo. Embora o tema do desenvolvimento e as-

--
vida e a esperança de seres humanos que acre- Eventualmente, Paul é forçado a lutar com censão de Paul seja mais extensamente desen-
ditam ser possível a evolução de uma sociedade este homem, Jamis; ele luta e o mata em com- volvido e detalhado do que os demais, este
como a nossa, de maneira que no futuro possa- bate solene. Com isto, ele se impõe à uibo e não é de maneira alguma o único tema signi-
mos até abandonar a forma humana. É possível obtém o nome familiar e formal Fremem, de ficativo do romance. Além de proporcionar a
mudar a História da humanidade? Usul e Afuad'Dib. Pouco depois, Jessica tor- motivação para muitas das ações na ficção, o
Mais do que qualquer livro escrito até a época
de seu lançamento, em 1963, ele mostra o com-
promisso integral da ficção científica de caráter
L
mais sociológico do que tecnicista. Não por as- Mais do que qualquer livro escrito ate a época
pectos ecológicos, combate à política corrupta,
trama de amor, desenvolvimento dos poderes de seu lançamento, em 1965, ele mostra o
de Paul Atreides ou sensação a coisas além de
nossa experiência, mas antes pelo fato de Frank
compromisso integral da ficção científica de
Herbert ter criado uma civilizaçãogaláctica con-
sistente, coerente, ampla e com profundidade.
caráter mais sociológico do que tecnicista. Não
O enredo enfatiza a luta politica e o desenvolvi- por aspectos ecológicos, combate a política
mento de Paul Atreides. Ela começa com uma
manobra política, pois o imperador solicitou à corrupta, trama de amor, desenvolvimento dos
família Atreides que deixasse o planeta Caladan,
seu domínio ducal por virias gerações, e assu-
poderes de Paul Atreides ou sensação a coisas
misse o governo de Arrakis, tirando-o das mãos
dos Harkonnens, e supervisionasse a colheita
além de nossa experiência, mas antes pelo
ou "melaiige". Tanto os Harkonnen como o fato de Frank Herbert ter criado uma civilização
imperador tèm motivos para querer colocar o
Duque Leto Atreides numa posição mais vul- galáctica consistente, coerente, ampla
nerável, pois assim podem destrui-lo.
O papel ativo nesta parceria é desempenhado
e com profundidade
pelo Barão Vladimir Harkonnen, que introdu-
ziu um traidor no lar dos Atreides e tem adep- na-se a Reverenda Madre dos Fremem. Alcan- tratamento do poder político e da manobra po-
tos em Arrakis. Deste modo, antes que o duque çando rapidamente uma posição de comando lítica no romance é também importante tema-
entre eles, os conduz em incursões contra os ticamente. O ditado "o poder corrompe; o po-
Harkonnen que haviam se reapossado do pla- der absoluto corrompe absolutamente" faz jus
* Carlos Alberto Loiola de Souza é sociólogo,
neta. Paul também bebe a Água da Vida, um a este tema. Torna-se bem daro, por exemplo,
historiador da Ciência,diretor financeiro do Sindicato veneno utilizado para identificar as Reveren- que a razão principal de o imperador estar que-
dos Sociólogosdo Estado de São Paulo (Sinsesp), das Madres, que possuem o poder de transmu- rendo ajudar o Barão Harkonnen a destruir a
professor de ~conomiada Fatec Zona Sul e de
Geoarafia na Etec Zona Sul,membro da Sociedade tá-10; ele sobrevive e isto lhes traz toda a essên- Casa dos Arreides é que ele sente a ameaça dos
htrÕposófica no Brasil (carlosloiola7@hotmail.com) cia de seus poderes. Finalmente, a necessidade dois homens, e já que Leto é o mais competente
'- 7
iOCIC#OGiA EM SALA DE AULA

dos dois, ele precisa ser destruído; como conse- a do imperador, mas parece estar mais interes- ram corrompidos pelo seu poder.
quência, ele pode utilizar esta destnução como sado em uuiizá-Ia para preservar o equiiíírio do Embora o tema ecológico nào seja o princi-
uma ameaça contra o Barão para poder repri- que em obter poder para si próprio. pal ou o mais claramente desenvolvido do ro-
mi-lo. Em poucas palavras, o imperador está Outro exemplo de um bom líder que é pouco mance, há motivo para pensar que ele contém a
utilizando seu poder para presenrar esse po- corrompido pelo poder é Stilgar, o comandante ideia que deu impulso para escrever o romance.
der e para preservar o fluxo de dinheiro prove- dos Fremem. Ele impressiona Jessica imediata- Basicamente este tema compõe-se de vários
niente da especiaria. mente com o conhecimento que tem dos seus elementos: a natureza e o equiiíírio do planeta
O Barão Harkonnen também é corrupto e homens, com sua maneira de tentar desviá-los na época da história; as maneiras pelas quais as
um usuário de homens para seus objetivos pes- de ações que ele não aprova, com sua subrnis- pessoas se adaptaram a estas condições, tanto
soais. De certo modo, ele é até mais perigoso são à opinião da tribo, e com sua compreen- aqueles que convivem com elas como os que lu-
que o imperador, pois enquanto o imperador são de muitas coisas, inclusive da necessidade tam contra elas, e o sonho de um planeta verde,
tem todo o poder disponível, o Barão deseja- de mudança. Além disso, em todas as ações, ele inclusive o plano ecologicamente bem fundado
ria mais do que tem e está inclinado a utiiizar tem o mais alto interesse pelo bem-estar de sua para gradualmente transformar este sonho em
qualquer meio possível para obter esse poder. tribo; está disposto a permitir que seja morto, realidade. Cada um destes elementos é com-
Além disso, estes dois homens são explorado- se isto os ajudar no füturo. Apesar de ele lutar plexo em si mesmo. Obviamente, o fato prin-
res, preocupados em tirar tudo de Arrakis, tão por seu poder, não será pela mesma razão que cipal sobre este planeta é que ele é quase to-
rápido quanto puderem. Eles não têm preocu- o imperador lutaria pelo seu; Stilgar lutará a tirn talmente deserto, tendo apenas calotas polares
pação por exaurir o planeta e muito menos pe- de assegurar que o desafiador é digno de tomar de gelo muito pequenas. Água é uma substância
los homens e equipamentos que fazem o traba- seu lugar como líder e protegerá seu povo, não de grande interesse, especialmente entre os que
lho efeuvo de coher a especiaria. Na verdade, apenas para conservar o poder para si. Embora não possuem nem os recursos financeiros nem
parece que estes dois homens, e aqueles que os estes dois homens, Leto e Stilgar, possam não relações políticas para importar água de outros
cercam, realmente ajustam-se àquela citação. ser líderes perfeitos, não se pode dizer que fo- mundos. É insinuado que há água suficiente
Contrapostos a estes dois, encontramos
dois outros líderes que não se ajustam bem a
esse modo de ser. O Duque Leto htreides, por
exemplo, é muito mais preocupado com os ho-
mens do que com as máquinas ou a especiaria, iA FICÇÁO CIENT~FICANAS AULAS DE SOCIOLOGIA
se precisar fazer alguma escolha entre eles. Al- A ficção científica dos livros, ou dos a relação com a natureza, os modos
guns de seus planos, para Arrakis, incluem ma- filmes baseados ou não em obras de produção, a interação entre os
neiras de tornar mais segura a colheita de espe- literárias, pode ser um elemento homens...
ciaria sem que haja ameaça aos homens pelos interessante nas atividades em sala de Desde que ocorra a adequação temáti-
vermes do deserto. Ele também tenta comandar aula. Além do seu caráter alternativo e ca e didática e a correta mediação dos
pelo esemplo e não pelo temor. Procura mais recreativo, capaz de prender a atenção professores, filmes como "Blade Run-
harmonizar do que polarizar. Ele não é per- dos alunos, as obras de ficção cientifíca ner - o caçador de andróides" (1982),
feito, naturalmente, mas se esforça para consi- trazem em seus enredos e metáforas de Ridley Scott ou "Matrix" (1999), de
derar o elemento humano em vez de teoria abs- uma reflexão crítica a respeito de vários Andy e Lany Wachowski, podem ser
trata. Ele está bem ciente do poder que deve ser aspectos da vida social: os valores e considerados excelentes auxiliares para
obtido, formando uma força de combate igual as leis, a organização social e política, entendimento de determinadostemas.
Nossa proposta neste cademo de exer- ou Duna, afeta a maior parte das ações
cícios gira em tomo da questão central e está em seu único aspecto importante
de "Duna" que é: como você modificaria para o sistema governamental, que é o
um planeta deserto de uma maneira eco- fato único de que ele produz "melange",
logicamentebem fundada?A partir disto, uma especiaria que possui muitas pro-
alguém teria de conhecer o próprio plan- priedades incomparáveis que a tomam
eta, o modo de vida das pessoas que valiosa. A fiscalização desta especiaria
lá vivem, a razão pela qual este planeta pode conduzir a manobras políticas.
é importantee o plano para alterar as Mais que tudo isso, o cenário e as
atuais condições. Não é difícil deduzir a atitudes dos vários grupos criam um dos
ideia de que este não é o único planeta temas principaisdo romance, que pode
habitado, que alternativamentedaria ser chamado de tema ecológico. Há um
origem a algum sistema político, algum conflito entre agricultura e exploração,
meio de transporteentre planetas, um e entre adaptar-sea terra e adaptar-se
possível conflito entre os nativos e os a si mesmo. A respostaproporcionada
que estão em busca daquilo que faz o não é simples: ela propõe que pode ser
planeta ser interessante para os outros. tomado um pouco de cada ponto de
Este último pomenor exigiria que os vista, se a ecologia do planeta como um
nativos, que querem alterar o planeta, todo, inclusive as pessoas que vivem
busquem algum tipo de poder político lá, for levada em consideraçgo antes
se seu sonho é superar a oposição; que quaisquer mudanças sejam feitas
como consequência, isto requer um ou qualquer uso dos recursos seja feito,
líder de poderes extraordinários. Dado o pois de conduz aos conflitos políticos.
fato de que há um governo global para Deste modo, sob a denominação geral
este sistema de planetas habitados, de temas políticos, verificamos que a
os dados físicos das distâncias e as natureza do poder e seus efeitos sobre
dimensões das principaissubdiiisóes os que os possuem ou o desejam, a na-
políticas, o cenário tem um efeito sobre tureza da liderança sincera, as funções
o sistema govemamental; embora a de um sistema de controles e equilíbrios,
consequência lógica seja uma monar- e as relações entre a visão e autoridade
quia dada as condições. política efetiva estão entre os assuntos
O cenário específico, o planeta hakis, temáticos específicos tratados.
SOCIOLOGIA EM SALA DE AULA
BP

Embora o tema do
desenvolvimento
e ascensão de
Paul seja mais
extensamente
desenvolvido e
detalhado do que
os demais, este
não é de maneira
alguma o único
tema significativo
do romance, Além
de proporcionar
a motivação no planeta, para provocar uma mudança des- A paciência é uma característica de sobrevi-
para muitas das tas condiçòes, embora encontrá-la numa forma
utilizável é uma coisa muito diferente. De qual-
vência neste planeta, por isso eles estão perfei-
tamente adaptados ao longo período de tempo
ações na ficção, quer forma, planejamento extremamente cui- que é necessário para este plano funcionar. É
dadoso e meios muito sofisticados de obter Kynes quem fornece o plano básico, os meios
o tratamento do esta água são necessários para que qualquer es- de efetuar mudança de uma maneira ecologica-
forço nesse sentido seja bem-sucedido. E, natu- mente bem fundamentada, de modo que for-
poder político e da ralmente, muito cuidado é necessário, a h de mas de vida necessárias possam ou adaptar-se
manobra política preservar a vida que ainda existe lá.
Os Fremem não eram originalmente nativos
as condições alteradas ou ser substituídas por.
outras formas de vida que podem desempe-
no romance de Artakis, tendo sido levados para lá como nhar uma função similar no meio ambiente al-
escravos; entretanto, eles se adaptaram e tam- terado. 0 s Fremem acrescentam a devoção à
é também bém todo seu estilo de vida no planeta, devido causa e à aplicação particular dos planos que
ao seu desejo de sobreviver. Todos os seus es- tornarão este sonho uma realidade. Todos per-
importante forços neste sentido são concentrados em coi- cebem, entretanto, que a mudança não pode
tematicamente, sas relacionadas à água. Seus costumes fúne-
bres, seu tratamento para com estranhos, seus
ser completa, pois, o que torna importante o
planeta é a especiaria, e água é veneno para os
O ditado "o poder meios de transporte, suas armaduras; todas es- vermes do deserto que produzem a especiaria
tas coisas estão diretamente relacionadas as em sua forma inicial.
corrompe; o poder condições que eles enfrentam e à sobrevivên- Há também os temas religiosos: a vinda de
cia da tribo. Sua visão do futuro do planeta pa- um Messias profetizado e dos costumes dos
absoluto corrompe rece baseada em duas coisas: sua lembrança do quais os homens estão inconscientes para os
8absolutamenteHfaz mundo de onde vieram, que mantêm viva por
meio de um ritual, e as palavras de Kynes so-
propósitos e atividades de um princípio mais
elevado, mesmo quando pensam que têm con-
jus a este tema bre como eles podem tornar verde seu mundo. trole de suas ações e um propósito. W

16

Você também pode gostar