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Meia hora para mudar a minha vida

“ Tens meia hora para mudar a tua vida “.


Agarrei o papel com força e exclamei um pequeno gracejo.
Olhei a professora de frente e tentei perceber a explicação para aquela frase.
Parecendo reparar, ela olhou para mim e falou alto para toda a turma:
- A partir desta frase têm de escrever uma continuação. Têm meia hora para mudar a
vossa vida. O que iriam fazer?
Levantei o braço, ainda confusa e a professora chamou-me:
- Mas oh professora! Temos meia hora para mudar a nossa vida? Não sei se estou bem a
perceber o que quer dizer.
A professora de Língua Portuguesa inspirou e expirou, esperou que os alunos no fundo
da sala se calassem e declarou:
- Dou-vos meia hora para ‘deambularem’ aí pela escola; mas só meia hora! Depois,
voltam para a sala e têm mais meia hora para escrever o texto. Quero textos
impressionantes! – respirou suavemente e continuou – Não se esqueçam que são os
últimos factores de avaliação deste último período, e alguns de vocês bem precisam!
Pensei orgulhosa, em como aquele discurso não era para mim.
- E aviso já que se tiverem negativa neste texto, podem já dizer adeus ao nono ano.
A preocupação invadiu-me.
- Vá, vá! Todos lá para fora!
Levantei-me e saí porta fora.
- Pst! – chamaram-me.
Virei-me e reparei que a Pequena Sofia estava atrás de mim.
- Olha lá, oh Daniela, o que é que tu vais fazer? – perguntou.
- Sinceramente? Não sei!
- Está bem… Ai, e tu não queres saber o que é que eu vou fazer? Olha, esquece,
esquece…
- Não, não! Diz!
Entusiasmada, começou logo a falar:
- Ai, eu vou comer todos os doces da máquina de doces e vou mudar a minha vida...!
- Mas Sofia, isso não muda a tua vida!
- Ah pois muda!
A professora colocou-se debaixo da ombreira da porta e disse:
- Vá, vá! Começam em três, dois, um… Já!
Comecei a correr com Mariana do meu lado esquerdo e a Carolina do lado direito, cada
uma delas com o papel que a professora tinha dado.
O meu estava todo amachucado.
Enquanto corria ia pensando em como é que uma vida pode mudar em meia hora.
Acho impossível tal coisa acontecer.
As maiores mudanças da minha vida foram o meu cão Billy ter morrido atropelado e a
mudança de casa do Porto para Lisboa.
Mas não foram mudanças de meia hora. Foram mudanças que levaram dias, talvez até
semanas.
Parei. A luz do exterior entrava avermelhada, anunciando o entardecer da última quinta-
feira de Maio; o calor invadia o corredor: despi o casaco e observei a janela.
Não sei porquê. Não sei porquê ter parado em frente de uma velha e vulgar janela.
Era apenas a minha mente a gritar para que ficasse ali, observando.
Voltei à Terra.
Avancei, mas lentamente.
Finalmente entendia. Entendia como se podia mudar uma vida em meia hora.
Comecei a correr de volta à sala, observando pelo caminho as pessoas sentadas nos
corredores, discutindo várias maneiras de se mudar a vida em meia hora.
Quando finalmente parei à frente da sala, a professora não pareceu surpreendida por me
ver.
- Daniela, já tens alguma ideia para a composição?
Acenei com a cabeça e depois entrei, sentando-me no meu lugar.
Retirei uma folha do meu dossiê, alisei-a bem direitinha – aquela folha branca teria um
lugar prestigiado no meu Caderno das Notas.
Comecei a redigir.
Quando acabei, entreguei-a à professora que me deu uma notícia desesperante:
- Terás que ler o teu texto para toda a turma…
Sentei-me, aflita.
Esperei que os outros alunos entrassem e escrevessem a sua composição, enquanto
ficava ali, pensando que não queria ler o meu texto para a turma. Iriam gozar comigo!
- A meia hora acabou e quero toda a gente a rever a composição, porque vão lê-la para a
turma! – exclamou a professora, fazendo-me ficar ainda mais nervosa. – Quem quer ser
o primeiro?
O silêncio espalhou-se e todos baixaram as cabeças. Ninguém queria ser o escolhido.
- Humm… - murmurou a professora olhando pela sala adentro – Que tal… a Daniela?
A minha cabeça levantou-se de imediato.
- Eu-u-u-u?!
- Sim, sim. Vem para aqui Daniela.
Levantei-me apreensiva, alisei a blusa e pus-me à frente do quadro. Aclarei a voz e
comecei.
- Meia hora para mudar a minha vida. – parei. Respirei durante fracções de segundos e
voltei à minha redacção – Nas mudanças do dia-a-dia, sentimos que estamos
desesperados por fazer algo a que não estamos habituados. Fazer snowboard, compor
um castelo de cartas, cozinhar. Algumas coisas estão fora da nossa zona de conforto e
são essas as coisas que mudam a nossa vida. – respirei – Para mudar a minha vida em
meia hora, seria apenas preciso um sorriso. Sorrisos são coisas incomuns, para mim.
Não são coisas que aparecem, não são comuns. O Sol também mudaria tudo. O Sol é
fundamental para mim, é a minha fonte de inspiração, algo indispensável no meu
mundo. – parei um momentos – Por isso se me perguntassem ‘Tens meia hora para
mudar a tua vida. O que farias?’, a minha resposta seria simples. Simples e básica. Se
pudesse mudar a minha vida em meia hora, eu sorriria e olharia o Sol, porque são
essas diferenças que fazem a minha vida mudar.
Levantei os olhos do papel e observei a turma.
Começaram a levantar as mãos. Todos.
Oh, iriam gozar comigo!
Mas não. Para minha surpresa começaram a bater palmas.
Um sorriso rasgou-se na minha cara.

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