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ORGANIZAÇÃO da justiça

e do ministério público
produzido por: Carlos Roberto de c. Jatahy e Anabelle Macedo Silva

5ª edição

ROTEIRO De CURSO
2008.2
Sumário
Organização da Justiça e do Ministério Público

Introdução ao Curso de Organização da Justiça e do Ministério Público..............................................................................4

Aulas 1 e 2: O PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO. A ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA. A MAGISTRATURA NACIONAL.


O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA..................................................................................................................................................6
1. O Poder Judiciário brasileiro....................................................................................................... 6
2. A organização judiciária.............................................................................................................. 7
3. A Magistratura nacional............................................................................................................ 11
4. A Independência do Poder Judiciário e suas garantias................................................................ 13
5. O Conselho Nacional de Justiça................................................................................................ 18

Aula 3: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL...........................................................................................................................................34


1. Introdução ............................................................................................................................... 34
2. Organização.............................................................................................................................. 34
3. Competência............................................................................................................................ 37
4. Súmula Vinculante.................................................................................................................... 47
5. Súmula impeditiva de recurso................................................................................................... 51

Aulas 4 e 5: O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA e a JUSTIÇA FEDERAL..............................................................................................54


1. O Superior Tribunal de Justiça.................................................................................................. 54
2. Composição.............................................................................................................................. 54
3. Organização.............................................................................................................................. 57
4. Competência............................................................................................................................ 59
5. Justiça Federal........................................................................................................................... 62
6. Tribunais Regionais Federais..................................................................................................... 66
7. Juizados Especiais Federais........................................................................................................ 67
8. Federalização dos crimes contra os direitos humanos e incidente de deslocamento de competência..... 69

Aula 6 E 7 - A JUSTIÇA COMUM ESTADUAL.......................................................................................................................................72


Estrutura do Poder Judiciário estadual........................................................................................... 72
Quinto constitucional................................................................................................................... 75

Aula 8: JUSTIÇAS ESPECIAIS INDIVIDUALIZADAS.............................................................................................................................83


1. Justiça Militar........................................................................................................................... 83
2. Justiça do Trabalho.................................................................................................................... 91
3. Justiça Eleitoral......................................................................................................................... 98

Aula 9, 10 E 11: O MINISTÉRIO PÚBLICO BRASILEIRO.................................................................................................................... 102


1. Introdução.............................................................................................................................. 102
2. Princípios institucionais.......................................................................................................... 102

Aula 12 – A POLÍCIA FEDERAL...................................................................................................................................................... 130


A Polícia Federal......................................................................................................................... 130
Conclusão................................................................................................................................... 139
Aula 13 – ADVOCACIA, DEFENSORIA PÚBLICA E ADVOCACIA PÚBLICA............................................................................................ 140
Advocacia.................................................................................................................................... 140
Advocacia pública....................................................................................................................... 143
Defensoria pública...................................................................................................................... 147
organização da justiça e do ministério público

Introdução ao Curso de Organização da Justiça e do Ministério


Público

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, visando evitar o arbítrio e


o desrespeito aos direitos fundamentais do homem, previu a existência dos poderes consti-
tuídos do Estado e da instituição do Ministério Público, independentes e harmônicos entre
si, repartindo entre eles as funções estatais e prevendo prerrogativas e imunidades para que
bem pudessem exercê-las, assim como criando mecanismos de controles recíprocos, sempre
como garantia da perpetuidade do Estado Democrático de Direito.
É a célebre Separação de Poderes, esboçada pela primeira vez por Aristóteles na obra
“Política”, detalhada, posteriormente, por John Locke, no “Segundo Tratado do Governo civil”
e, finalmente, consagrada por Montesquieu no “O Espírito das Leis”.
É no estudo de algumas dessas instituições que iremos nos ater neste semestre que se
inicia.
O curso de Organização da Justiça e do Ministério Público tem como objeto o
exame da estrutura constitucional e infraconstitucional das instituições que integram o Sis-
tema da Justiça Brasileira, ou seja:

– Poder Judiciário;
– Ministério Público; e
– as demais Instituições constitucionalmente incumbidas das funções essenciais à Jus-
tiça, que são: Advocacia Pública, Advocacia e a Defensoria Pública.

O Poder Judiciário é um dos Três Poderes clássicos previstos na Constituição (Art.


2º), e que tem como função a administração da Justiça e como verdadeiro mister a guarda
da Constituição.
Não se consegue conceituar um Estado Democrático de Direito sem a existência de
um Poder Judiciário, autônomo e independente, para o pleno exercício de suas funções.
Daí as garantias que seus membros gozam, asseguradas pela própria Constituição, como a
vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídios.
Já o Ministério Público, consagrado em nossa Constituição e situado fora da estru-
tura dos demais poderes da República, é instituição permanente, essencial à função juris-
dicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático de
Direito e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (Artigo 127 da CF). Para tanto,
também lhe foi conferida uma estrutura organizacional própria, com autonomia, indepen-
dência e garantias.
A Advocacia Pública, inovação da Constituição de 1988, é instituição que, direta-
mente ou por intermédio de órgão vinculado, representa a União, os Estados e os Municí-
pios, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe as atividades de consultoria e assessoramen-
to jurídico do Poder Executivo.
A advocacia é uma função essencial à justiça, que visa à garantia das liberdades e ao
cumprimento da ordem jurídica vigente, solucionando conflitos com base em normas e
princípios jurídicos pré-estabelecidos, através da mediação, ou por postulação perante os
órgãos administrativos ou jurisdicionais, sendo privativa de bacharel em ciências jurídicas,

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atendidas as demais qualificações exigidas em lei, que a desempenha com múnus público
em atendimento a ministério conferido pela Constituição Federal1.
Por fim, a Defensoria Pública, prevista na Constituição Federal como instituição
essencial à função jurisdicional do Estado, está incumbida da orientação jurídica e a defesa
em todos os graus, gratuitamente, dos necessitados.
Este é o panorama a ser vislumbrado.
O curso foi montado com base na constatação de que um bom profissional do direito
necessariamente precisa conhecer as instituições estatais que integram o sistema de Justiça,
a forma como operam, que funções institucionais desempenham e que competências lhes
foram atribuídas pelo constituinte e pelo legislador.
Só assim, tendo o domínio desses conceitos técnicos, o futuro profissional poderá ma-
ximizar a utilização do sistema em todas as suas instâncias, formando opinião e pensamento
crítico para o aprimoramento e transformação das estruturas examinadas.
Procura-se, por meio da utilização de diferentes metodologias, uma abordagem analí-
tica e uma visão crítica como elementos permeadores de todo o curso. O objetivo é a intera-
tividade dos alunos com o conteúdo apresentado e o caráter cooperativo que deve propiciar
uma aproximação maior entre alunos e professor.
Como o programa incorpora conteúdos dos mais variados, como ciência política, di-
reito constitucional, direito administrativo, teoria geral do processo e organização judiciá-
ria, algumas aulas serão mais expositivas enquanto outras serão mais abertas a discussões.
Em todos os momentos, porém, iremos adotar uma postura de incentivo ao aluno no esta-
belecimento de links com assuntos correlatos.
Durante todo o curso, casos práticos serão apresentados aos alunos, como forma de
aproximar a teoria estudada com a realidade social em que vivemos, mediante debates,
construções ideológicas e solução dos mesmos.
A Ciência do Direito, apesar de estudada de forma estratificada, requer uma visão
global para ser potencialmente compreendida. O que se idealiza é uma interdisciplinaridade
entre todos os ramos do Direito.
Durante o semestre, os alunos serão avaliados de acordo com os seguintes critérios:

– dois testes aplicados em sala de aula, abordando toda a matéria do curso, um na


metade e o outro ao final do semestre; e
– Programa “Conhecendo as Instituições”, que poderá acrescer até um ponto à nota
final do semestre. Este programa de atividades complementares propõe a realização
de visitas a algumas instituições que compõem a Sistema da Justiça em nosso Es-
tado (Ministério Público, Judiciário, Defensoria Pública ou Procuradoria Geral do
Estado), como instrumento de fixação e observação concreta do funcionamento das
estruturas estudadas.

Passemos, pois, ao conteúdo programático do nosso curso!


Sejam bem vindos e encarem com prazer o desafio de conhecer a estrutura do Poder
Judiciário e demais instituições essenciais à Justiça!
1
D´ÁVILA, Thiago Cássio.
Conceito e características da
advocacia. Disponível em jus2.
uol.com.br. Acesso em 07 de
dezembro de 2007.

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Aulas 1 e 2: O PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO. A ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA.


A MAGISTRATURA NACIONAL. O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA.

1. O PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO

Historicamente, o Poder Judiciário, apesar de estar no mesmo plano dos demais po-
deres, sempre teve uma menor participação nas decisões do Estado, em comparação com o
Executivo e o Legislativo. Isto porque, em muitos Estados da velha Europa, os juízes eram
meros servos da nobreza, atuando como longa manus do soberano. Subordinado, não podia
se desenvolver a contento.
A instauração do Estado de Direito (Estado Liberal, Constitucional) fez surgir a pri-
meira geração de direitos (direitos de liberdade, direitos civis e políticos), fazendo nascer
também a linguagem jurídica. Esta, por conter termos rebuscados e imprecisos (como, por
exemplo, “boa fé” e “mulher honesta”), provocou um distanciamento entre o Judiciário e o
povo, intermediado pelos advogados, que falavam a linguagem acessível aos magistrados.
Acrescente-se ainda que no Estado liberal e absenteísta, as questões eram relativas
às demandas individuais, em que somente se discutiam interesses particulares. Não havia
repercussão social nas decisões do Judiciário, mas já havia uma maior participação do Judi-
ciário nas questões diuturnas.
Com a instituição do Estado Social, em que o Estado passou a ser prestador de obriga-
ções (direitos sociais), criando direitos que deveriam ser providos, a inércia do Estado obri-
gava o indivíduo a buscar a solução de seus conflitos no Judiciário. Decorre daí o aumento
da demanda judicial e um conflito entre os poderes.
De fato, vamos assistir a conflitos entre o Executivo e o Judiciário na grande depressão
americana (quando a Suprema Corte quis interferir nas ações do presidente Roosevelt) e na
criação da Justiça Constitucional, quando o Judiciário interfere na decisão do Parlamento,
considerando uma lei inconstitucional.
A par disto, vamos ver a sociedade industrial criar um novo tipo de conflito. O conflito
meta-individual ou transindividual, com um número muito grande de interessados na sua
solução: as denominadas “class actions”. O Judiciário sai de uma posição secundária e subal-
terna para uma situação de protagonista, sendo capaz de produzir conseqüências profundas
nas relações sociais, políticas e do cotidiano. O juiz, antes inerte, passa a adotar uma postura
mais ativa, podendo, por exemplo, paralisar a construção de uma estrada que está afetando
o equilíbrio ecológico em uma determinada região; obrigando o Estado ao fornecimento de
medicamentos básicos aos hiposuficientes; determinando a Administração Pública a contra-
tar médicos e professores, visando a plena implementação de políticas sociais.
No Estado Democrático de direito hoje existente, em que o Estado, o direito e a
sociedade assumem um compromisso com a Constituição, o Judiciário passa a ter uma
importância maior, diante de seu maior ativismo judicial.
Conseqüentemente, surge a necessidade de um maior controle sobre o “Gigante ador-
mecido”. Afinal, controle faz parte da teoria dos “checks and balances”.
A Constituição Brasileira de 1988, seguindo esta tendência mundial dos países demo-
cráticos, conferiu ao Poder Judiciário lugar de destaque, confiando-lhe a tutela de direitos
subjetivos até mesmo contra o Poder Público e a função de efetivar os direitos e garantias
individuais, abstratamente inscritos em seu texto.

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O Poder Judiciário, consoante o artigo 2º da CF, possui a função precípua de julgar


os conflitos de interesse que surgem na sociedade, fazendo aplicar a Lei e o Direito ao caso
concreto. Deve, portanto, manter a paz social, impondo aos cidadãos o cumprimento das
leis do país, intervindo, quando provocado nos litígios existentes e solucionando os confli-
tos de interesse.
E como é feita essa pacificação? Mediante a atuação da vontade do direito objetivo
que rege o caso concreto. Assim, duas pessoas em conflito num processo judicial terão seus
problemas solucionados por meio da aplicação da lei ao caso concreto. É o juiz exercendo
a jurisdição.
Ressalve-se que a jurisdição é una. Como expressão do poder estatal, ela é eminen-
temente nacional e não comporta divisões. Porém, para uma distribuição racional do tra-
balho, é importante que se criem organismos distintos, para os quais serão destinadas de-
terminadas espécies de causas. São diversos os critérios determinantes na distribuição dos
processos: em razão da matéria, da qualidade da pessoa etc. É o Estado, fazendo a divisão
das Justiças, com vistas à melhor atuação da função jurisdicional. Trata-se da denominada
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA.

2. A ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA

Com efeito, a Organização Judiciária tem como objetivo estabelecer normas sobre a
constituição dos órgãos encarregados do exercício da jurisdição. Para análise da matéria,
deve-se partir de três premissas básicas:

(a) A estrutura judiciária brasileira é definida basicamente pela Constituição, sendo o


Capítulo III (Arts. 92 a 126) do título IV (Da Organização dos Poderes) da Carta
Maior o texto básico para a compreensão e estudo do tema;
(b) O Poder Judiciário brasileiro é, em razão da forma de Estado federativo adotado
pelo texto constitucional, dual. Com tal modelo, haverá um ramo da Justiça que é
administrado e mantido pela União e outro ramo administrado pelos Estados-mem-
bros da Federação brasileira; e
(c) A noção de que a ordem judiciária constitucional se estabelece em graus de jurisdição.

De fato, a primeira premissa denota que para se conhecer a estrutura do Poder Judi-
ciário brasileiro deve-se conhecer a Constituição Federal. Esta constatação é conseqüência
da garantia do Juiz Natural, também conhecida como “Princípio da naturalidade do Juízo”
(HC 73.801-MG, Celso Mello, DJU 27.06.1997), positivada no texto constitucional no
Artigo 5º, LIII (“Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competen-
te”.). Esta expressão significa que o juiz natural ou a autoridade competente, no Brasil, é o
órgão jurisdicional cujo poder derive de fontes constitucionais, de competência devidamen-
te indicada pela Constituição Federal.
Assim, só é legítimo o juízo previsto pela Constituição e reconhecido por ela como
natural, invalidando-se, em razão deste princípio, qualquer órgão jurisdicional criado à
margem da Carta Magna, também chamado de juízo de exceção (Art. 5º, XXXVII, da CF:
“Não haverá Juízo ou Tribunal de exceção”). Nesta dimensão, o Artigo 92 da Constituição
estabelece a estrutura do Poder Judiciário brasileiro, integrado por diversos órgãos, repu-

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diando todos aqueles que ali não se encontrem como integrantes do Poder Judiciário, ainda
que recebam a denominação de juiz ou tribunal. Logo, não integram esta estrutura – e, por-
tanto, não são órgãos do Poder Judiciário – o Tribunal Marítimo, os Tribunais de Contas,
da União e dos Estados e o Superior Tribunal de Justiça Desportiva.
A segunda premissa decorre do princípio do dualismo judiciário, por meio do qual
convivem, no mesmo sistema, um Poder Judiciário organizado pela União e o Poder Judi-
ciário organizado por cada Estado-membro da Federação. Há, portanto, em decorrência
de tal premissa, o Poder Judiciário da União (também chamado por muitos de Federal) e
diversos Poderes Judiciários Estaduais, formando o Poder Judiciário Nacional.
A União organiza e mantém as Justiças Especializadas (ou, Especiais) do Trabalho,
Eleitoral e Militar da União; e a Justiça Comum Federal e Comum do Distrito Federal e
Territórios. É de sua responsabilidade, também, o Supremo Tribunal Federal e o Superior
Tribunal de Justiça. Por sua vez, cada Estado-membro organiza, de acordo com sua Cons-
tituição, o respectivo Poder Judiciário local (Art. 125 da Constituição Federal), composto
da Justiça Comum Estadual e da Justiça Militar Estadual. Cabe ressaltar que as Justiças
administradas pela União possuem sua estrutura definida na Constituição Federal, sendo
sua organização judiciária definida em legislação federal. Já as Justiças Estaduais têm sua
estrutura definida nas Constituições Estaduais, respeitadas as diretrizes fixadas na Consti-
tuição Federal (Art. 125, caput). Sua organização judiciária é fixada por meio de legislação
estadual, em regra denominada Código de Organização Judiciária.
Finalmente, a terceira premissa, denominada princípio do duplo grau de jurisdição.
Por tal princípio, toda causa que ingressa no Sistema Judiciário está sujeita a um duplo
exame: o exame inicial, que é o julgamento originário da causa, e um exame posterior, que
possui caráter revisional do primeiro julgamento. Por este princípio, haverá a possibilidade
de duas decisões válidas e completas num mesmo processo, emanadas por juízes diferentes,
prevalecendo sempre a segunda sobre a primeira. Consoante decisão do STF, a formulação
do duplo grau de jurisdição exige que o exame inicial e o exame posterior, também cha-
mado de reexame, sejam promovidos por órgãos jurisdicionais diversos. Neste teor: “Para
corresponder à eficácia instrumental que lhe costuma ser atribuída, o duplo grau de jurisdição
há de ser concebido, à moda clássica, com seus dois caracteres específicos: a possibilidade de um
reexame integral da sentença de primeiro grau e que esse reexame seja confiado a órgão diverso do
que a proferiu e de hierarquia superior na ordem judiciária.”(ROHC nº 79.785-7/RJ. Min.:
Sepúlveda Pertence. DJU 22/11/2002).
Esta terceira premissa, denominada duplo grau de jurisdição, possui os seguintes
fundamentos:

(a) Satisfazer o inconformismo do vencido. Há uma relação de autoridade entre o


juiz, que fala em nome do Estado, e a parte, como cidadão, que tem que se curvar
às decisões da autoridade. Mas o inconformismo do vencido é um fator grave de
intranqüilidade social. A finalidade da jurisdição é não só atuar a vontade da lei,
como também pacificar os cidadãos para que eles voltem, encerrado o litígio, a viver
harmoniosamente num instinto de solidariedade. A instituição do recurso visa aten-
der a esse clamor, a essa revolta, a essa insatisfação do vencido, dando uma segunda
oportunidade de obter uma decisão favorável e, portanto, contribuindo para que ao
final dessa segunda decisão, mesmo que continue sendo desfavorável, voltem a viver
pacificamente.

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(b) Coibir o arbítrio do juiz. O juiz que sabe que sua decisão pode ser reformada
pelo tribunal superior, sente-se vigiado, controlado e cede com menos freqüência à
tentação do arbítrio. Já o juiz que sabe que sua decisão é irrecorrível, possui maior
tendência ao arbítrio, até mesmo em busca de uma justiça melhor que a justiça da
lei. Ele acaba vendo na irrecorribilidade, se não tiver um espírito crítico muito agu-
çado, um poder absoluto, fazendo a melhor justiça da sua consciência, que não é
necessariamente a justiça da lei.
(c) Melhorar a qualidade das decisões. O juiz pode ter examinado mal a prova, ou
a matéria ser muito complexa, ou ainda pode ter uma opinião jurídica que não é a
melhor, não é aceita pelos tribunais superiores. Uma segunda oportunidade de julga-
mento dá ao tribunal de superior instância a oportunidade de examinar a causa com
base na motivação do juiz de primeiro grau e outros fundamentos, além daqueles
expostos pelo juiz na sua decisão. Dois julgamentos aumentam a probabilidade de
acerto da decisão. Neste contexto, percebe-se que temos, portanto, na terminologia
brasileira, juízos, que são órgãos de primeiro grau, em regra monocráticos, ou seja,
o julgamento é realizado por um único juiz, e temos também os tribunais, órgãos
de segundo grau, cujo julgamento, em regra, se dá de forma colegiada. São órgãos
inferiores e superiores.

Observe o Organograma na página a seguir, que representa a Organização Judiciária


brasileira, com fundamento em dispositivos da Constituição Federal:
Este organograma acompanhará nosso estudo, quando analisarmos cada um dos ra-
mos da Organização Judiciária.
Após examiná-lo, responda?

Existe entre os juízos e os tribunais uma hierarquia?

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3. A MAGISTRATURA NACIONAL

A Magistratura é o conjunto de juízes que integram o Poder Judiciário.


Além das disposições constitucionais acima descritas, que organizam a estrutura da
Justiça no Brasil, existe ainda a Lei Complementar nº 35, de 14 de março de 1979, mais
conhecida como LOMAN, que estrutura a carreira da magistratura nacional, estabelecendo
as garantias, prerrogativas, deveres, direitos, vencimentos, vantagens, forma de ingresso,
dentre outras coisas. É a Lei Orgânica da Magistratura Nacional.
A magistratura é organizada em carreira.
A investidura se dá por meio de concurso público, exigência inserida no Artigo 37, II
da Constituição, para todos os cargos iniciais da magistratura nacional.
Já para o Supremo Tribunal Federal e Tribunais Superiores, a forma de investidura é
diversa, como veremos nas próximas aulas.
Para concorrer ao cargo de magistrado, o candidato deverá preencher os seguintes
requisitos:

1. Nacionalidade brasileira – aqui não existe distinção entre brasileiros natos ou na-
turalizados, sendo vedado somente o acesso aos estrangeiros.
2. Diploma de bacharel em Direito – curso de Direito em faculdade oficial ou reco-
nhecida pelo Ministério da Educação.
3. Três anos de atividade jurídica – inovação trazida pela Emenda Constitucional nº
45. Como a expressão “atividade jurídica” não é muito precisa, logo após a publica-
ção da Emenda, iniciou-se uma discussão a respeito de sua definição. A matéria hoje
se encontra regulamentadas pela Resolução nº 11 do Conselho Nacional de Justiça,
na forma que se coloca abaixo.

“Art. 1° Para os efeitos do artigo 93, I, da Constituição Federal, somente será compu-
tada a atividade jurídica posterior à obtenção do grau de bacharel em Direito.
Art. 2° Considera-se atividade jurídica aquela exercida com exclusividade por ba-
charel em Direito, bem como o exercício de cargos, empregos ou funções, inclusive
de magistério superior, que exija a utilização preponderante de conhecimento jurídico,
vedada a contagem do estágio acadêmico ou qualquer outra atividade anterior à colação
de grau.
Art. 3° Serão admitidos no cômputo do período de atividade jurídica os cursos de
pós-graduação na área jurídica reconhecidos pelas Escolas Nacionais de Formação e Aperfei-
çoamento de Magistrados de que tratam o artigo 105, parágrafo único, I, e o artigo 111-A,
parágrafo 2º, I, da Constituição Federal, ou pelo Ministério da Educação, desde que integral-
mente concluídos com aprovação.
Art. 4° A comprovação do tempo de atividade jurídica relativamente a cargos, em-
pregos ou funções não privativos do bacharel em Direito será realizada mediante certidão
circunstanciada, expedida pelo órgão competente, indicando as respectivas atribuições
exercidas e a prática reiterada de atos que exijam a utilização preponderante de conheci-
mento jurídico.
Art. 5° A comprovação do período de três anos de atividade jurídica de que trata o
artigo 93, I, da Constituição Federal, deverá ser realizada por ocasião da inscrição definitiva
no concurso.

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Art. 6° Aquele que exercer a atividade de magistério em cursos formais ou informais


voltados à preparação de candidatos a concursos públicos para ingresso na carreira da magis-
tratura fica impedido de integrar comissão do concurso e banca examinadora até três anos
após cessar a referida atividade de magistério.
Art. 7° A presente resolução não se aplica aos concursos cujos editais já tenham sido
publicados na data em que entrar em vigor.
Art. 8° Esta resolução entrará em vigor na data de sua publicação.
Ministro NELSON JOBIM
Presidente”

4. Regularidade no serviço militar


5. Estar no gozo dos direitos políticos – comprovação por meio de certidão fornecida
pela Justiça Eleitoral
6. Integridade física e mental – demonstrada por meio de um exame psicotécnico,
bem como por uma entrevista pessoal com a Banca Examinadora.
7. Boa conduta social – o candidato deve ter conduta ilibada perante a sociedade, não po-
dendo registrar antecedentes criminais que sejam incompatíveis com o exercício da função.
Mas veja! Não se trata de qualquer antecedente. Para ser impeditivo ao cargo de juiz deve
ser incompatível com as funções que um juiz de Direito irá assumir. Assim, por exemplo,
uma lesão corporal culposa no trânsito, em regra, não será causa impeditiva ao cargo.

No que se refere às provas, normalmente, o concurso é composto de quatro fases.


A prova preambular, também chamada de provão, é escrita, elaborada com questões
dissertativas ou de múltipla escolha. No Rio de Janeiro, a tradição é que a prova seja dis-
sertativa. Aprovado nesta fase eliminatória, o candidato passa para a segunda fase, também
eliminatória, onde responderá a questões dissertativas.
Vencidas essas duas fases, o candidato será submetido ao exame psicotécnico para só
então ingressar na terceira fase. Trata-se de argüição oral com a Banca do Concurso.
Por fim, a quarta e última fase, com a apresentação dos títulos que eventualmente
o candidato possua, é meramente classificatória, chegando-se ao final do concurso com a
classificação final.
Assim, os juízes iniciam a carreira em cargos inferiores, com possibilidade de acesso
a cargos mais elevados, segundo critérios de promoção, por antiguidade e merecimento,
alternadamente, conforme dispõe o Artigo 93, II da CF.
Se o magistrado desejar prosseguir na carreira, poderá obter promoções e chegar ao
segundo grau de jurisdição, quando passará a integrar o tribunal respectivo.
A aferição de merecimento será avaliada com base no desempenho, nos critérios obje-
tivos de produtividade e presteza no exercício da função, bem como a freqüência e aprovei-
tamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento.
Exemplo disso foi a introdução pela EC nº 45 de um critério impeditivo de promoção
do magistrado. Trata-se do juiz que injustificadamente retiver autos em seu poder além do
prazo legal2.
Há, também, outra forma pela qual um profissional do Direito pode vir a integrar a
magistratura. Por meio do instituto jurídico denominado “Quinto constitucional.”
O quinto constitucional tem previsão na Constituição Federal e estabelece a forma 2
Artigo 93, II, e da Constituição
de integração de advogados e membros do Ministério Público aos quadros dos tribunais Federal.

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estaduais (Art 94 da CF) e federais (art. 107,I; 111-A,I; 115,I; 123, Parágrafo único, I e II
da CF). A partir de uma de uma lista tríplice encaminhada pelo próprio Tribunal, o gover-
nador do estado escolherá um de seus integrantes para nomeação, matéria que estudaremos
mais profundamente no decorrer do curso.

4. A INDEPENDÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO E SUAS GARANTIAS

Como já estudado, o objetivo inicial da clássica separação das funções do Es-


tado e distribuição entre órgãos autônomos e independentes tem como finalidade a
proteção da liberdade individual, dos direitos fundamentais e do Estado Democrá-
tico de direito.
Para tanto, atribuiu-lhes um mecanismo de controles recíprocos, denominado freios e
contrapesos (checks and balances).
A estes órgãos (Legislativo, Executivo, Judiciário) a Constituição Federal confiou par-
cela da autoridade soberana do Estado, garantindo-lhes autonomia e independência.
O legislador constituinte, no intuito de preservar este mecanismo recíproco de con-
trole e a perpetuidade do Estado democrático, previu, para o bom exercício das funções
estatais, diversas prerrogativas, imunidades e garantias a seus agentes políticos.
As garantias conferidas aos membros do Poder Judiciário têm, assim, o condão de
conferir à instituição a necessária independência para o exercício da jurisdição.
Podemos então dividir tais garantias, para melhor visualização e estudo, em garantias
institucionais e garantias aos membros.
Ao Poder Judiciário como instituição, a Constituição assegura a prerrogativa do au-
togoverno. E em que consiste o autogoverno? Consiste na autonomia funcional, adminis-
trativa e financeira. É o exercício pelo Poder Judiciário de atividades normativas e admi-
nistrativas de auto-organização e auto-regulamentação. Compreende ainda a autonomia
financeira, consistente na prerrogativa de elaboração de proposta orçamentária e na gestão
das dotações pelos próprios tribunais.
É o próprio Judiciário ainda quem organiza suas secretarias e serviços auxiliares, elege
seus órgãos diretivos e elabora seus regimentos internos, concede licenças, férias e afasta-
mentos a seus membros e aos juízes e servidores, dá provimento, por concurso público, aos
cargos necessários à administração da Justiça etc.
Já as garantias conferidas aos membros do Poder Judiciário dividem-se em garan-
tias de independência e garantias de imparcialidade.
As primeiras se destinam a tutelar a independência do magistrado perante órgãos ou entida-
des estranhas ao Poder Judiciário ou até mesmo pertencentes à própria organização judiciária.
São elas: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios, todas elas dis-
ciplinadas no Artigo 95 da Constituição.
A vitaliciedade é a impossibilidade de perda do cargo senão por sentença transitada
em julgado, dentro de determinadas hipóteses previstas em lei.
Não é possível, portanto, após o vitaliciamento, a exoneração do magistrado de seu
cargo por mero procedimento administrativo.
Sua aquisição se dá após o chamado estágio probatório, ou seja, após dois anos de
efetivo exercício da carreira, mediante aprovação no concurso de provas e títulos.

FGV DIREITO RIO 13


organização da justiça e do ministério público

Durante este período de prova, o magistrado deverá prestar conta de sua atuação por
meio de relatórios periódicos, além das correições a que será submetido.
A Emenda Constitucional nº45 acrescentou mais um requisito. Trata-se da necessária
participação do magistrado em cursos oficial ou reconhecido por escola nacional de forma-
ção e aperfeiçoamento de magistrados3.
A inamovibilidade, por sua vez, consiste na impossibilidade de se remover membro
da instituição do órgão onde esteja lotado, sem a sua manifestação voluntária.
A inamovibilidade não sofre exceção sequer em caso de promoção, que não pode ocorrer
sem a aquiescência do magistrado. Em caso de interesse público, porém, reconhecido pelo voto da
maioria absoluta do Tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, dispensa-se essa anuência.
Por fim, a irredutibilidade de subsídios emerge da necessidade de se garantir ao juiz,
para o bom desempenho de suas relevantes funções institucionais, imunidade a eventuais
retaliações dos governantes no que concerne à diminuição de sua remuneração.
Ressalte-se, porém, que tal garantia não é impeditiva da incidência de quaisquer tribu-
tos sobre os vencimentos dos juízes.
As garantias de imparcialidade são impedimentos constitucionais dos juízes que
consistem em vedações que visam a dar-lhes melhores condições de imparcialidade, repre-
sentando, assim, uma garantia para os litigantes.
O juiz é impedido, consoante o Artigo 95, parágrafo único da CF, de:

“I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de


magistério;4
II - receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo;
III - dedicar-se à atividade político-partidária.
IV - receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas,
entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei;
V - exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três
anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração.5”

Este inciso V é mais uma inovação trazida pela Reforma do Judiciário – EC nº 45.
Trata-se da quarentena, imposta aos juízes e membros do Ministério Público6.
A finalidade da norma é preservar a imparcialidade-neutralidade dos juízes e tribunais
nos quais o ex-juix ou ex-promotor tenha atuado. O trabalho, como é sabido, cria laços de
amizade e companheirismo entre colegas da profissão. Surge daí a necessidade de se evitar o
tráfico de influência que poderia ocorrer nestes casos.
Parte dos estudiosos festeja a inovação, sendo um dos reclamos atendidos pelo constituin-
te derivado, como garantia de uma maior imparcialidade nas decisões do Poder Judiciário. 3
Artigo 93, II, c da Constituição
Outros, porém, criticam a forma como isto restou estipulado: Federal.
4
O CNJ aprovou a Resolução
34, de abril de 2007, que
“A norma não se apresenta apta a inibir o exercício da advocacia nos termos estipulados, regulamenta a atividade de
magistério pelo Magistrado.
vez que juízes e promotores poderão utilizar-se de outras pessoas para atuarem em seu nome. Basicamente, veda ao magis-
Ademais, não será pelo mero decurso do período de três anos (prazo temporal desacompa- trado o exercício de atividade
de magistério ligada à gestão.
nhado de qualquer outra exigência mais firme) que os possíveis laços de amizade e influência
5
Artigo 95, parágrafo único da
de um magistrado desaparecerão. Pelo contrário, o comum é que a mera passagem do tempo Constituição Federal.
os fortaleça, se já existiam realmente. Se não existiam, o problema não se põe e a restrição é 6
Artigo 128, §6º da Constitui-
inadmissível. Assim, a medida não se mostra eficaz na prática. ção Federal.

FGV DIREITO RIO 14


organização da justiça e do ministério público

Há um pressuposto sinistro, além disso, de que juízes e promotores, que até então eram
responsáveis pela prestação da Justiça, no dia seguinte passariam a adotar atitudes imorais e
desonestas, para atender a interesses pessoais escusos.
Por fim, impedir pura e simplesmente, o exercício da advocacia, por juízes ou promo-
tores que se aposentaram ou foram exonerados, significa restringir direitos individuais, o que
só tem sentido se for para salvaguardar o interesse público, o que não parece ser facilmente
demonstrável no caso em tela.7”

A OAB deverá passar a averiguar e controlar o triênio na atribuição da carteira funcio-


nal aos ex-integrantes do Judiciário e Ministério Público.
Outro impedimento, previsto na LOMAN, veda ao magistrado se “manifestar, por
qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de ou-
trem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a
crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério.8”
O CNJ através da Resolução n. 11, de 19 de dezembro de 2005, proibiu o exercício
pelo magistrado de funções nos Tribunais de Justiça Desportiva e em Comissões Disci-
plinares.
Visa-se com todas estas vedações obter a dedicação exclusiva do magistrado às suas
funções constitucionais.
O quadro abaixo é elucidativo:

- Autonomia funcional
Da instituição Autogoverno - Autonomia administrativa
- Autonomia financeira
- Vitaliciedade
Garantias de
- Inamovibilidade
independência
- Irredutibilidade de subsídios
- exercício de outro cargo ou função, salvo uma de
magistério;
- recebimento de custas e participações em
processos;
- dedicar-se à atividade político-partidária;
Garantias - receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios
ou contribuições de pessoas físicas, entidades
públicas ou privadas, ressalvadas as exceções
Dos membros previstas em lei;
Garantias de - exercer a advocacia no juízo ou tribunal do
imparcialidade qual se afastou, antes de decorridos três anos
(vedações) do afastamento do cargo por aposentadoria ou
exoneração;
- manifestar-se, por qualquer meio de
comunicação, opinião sobre processo pendente
de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo
depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças,
de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e
em obras técnicas ou no exercício do magistério;
- exercer funções nos Tribunais de Justiça
Desportiva e em Comissões Disciplinares.
7
TAVARES, André Ramos. Re-
forma do Judiciário no Brasil
Finalmente, cabe ressalvar que os magistrados, face ao regime jurídico especial que Pós-88. Saraiva, 2005, p.86.
possuem, têm ainda prerrogativas e deveres previstos na LOMAN, onde se destacam: 8
Artigo 36, III da Lei Comple-
mentar 35/79.

FGV DIREITO RIO 15


organização da justiça e do ministério público

Prerrogativas do Magistrado
“Art. 33 - São prerrogativas do magistrado:
I - ser ouvido como testemunha em dia, hora e local previamente ajustados com a au-
toridade ou Juiz de instância igual ou inferior;
II - não ser preso senão por ordem escrita do Tribunal ou do órgão especial competente
para o julgamento, salvo em flagrante de crime inafiançável, caso em que a autoridade fará
imediata comunicação e apresentação do magistrado ao Presidente do Tribunal a que esteja
vinculado (vetado);
III - ser recolhido a prisão especial, ou a sala especial de Estado-Maior, por ordem e à
disposição do Tribunal ou do órgão especial competente, quando sujeito à prisão antes do
julgamento final;
IV - não estar sujeito à notificação ou à intimação para comparecimento, salvo se expe-
dida por autoridade judicial;
V - portar arma de defesa pessoal.
Parágrafo único - Quando, no curso de investigação, houver indício da prática de crime por
parte do magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao Tribu-
nal ou órgão especial competente para o julgamento, a fim de que prossiga na investigação.

Deveres do Magistrado
“Art. 35 - São deveres do magistrado:
I - Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições
legais e os atos de ofício;
II - não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar;
III - determinar as providências necessárias para que os atos processuais se realizem nos
prazos legais;
IV - tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério Público, os advogados,
as testemunhas, os funcionários e auxiliares da Justiça, e atender aos que o procurarem, a qual-
quer momento, quanto se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência.
V - residir na sede da Comarca salvo autorização do órgão disciplinar a que estiver
subordinado;
VI - comparecer pontualmente à hora de iniciar-se o expediente ou a sessão, e não se
ausentar injustificadamente antes de seu término;
VIl - exercer assídua fiscalização sobre os subordinados, especialmente no que se refere
à cobrança de custas e emolumentos, embora não haja reclamação das partes;
VIII - manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.”

Todas estas garantias e deveres, que constituem uma “blindagem” para o exercício
pleno das atividades da magistratura, são imprescindíveis à democracia, à perpetuidade da
separação dos poderes e ao respeito aos direitos fundamentais, configurando suas ausências,
supressões ou mesmo reduções, obstáculos inconstitucionais ao Poder Judiciário, no exercí-
cio do seu mister constitucional.
Recentemente, em outubro de 2007, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal
decidiu afetar ao Plenário o julgamento do recurso extraordinário em que se discute se o
foro especial por prerrogativa de função estende-se ou não àqueles que se aposentam em
cargos cujos ocupantes ostentam tal prerrogativa. A matéria, ainda está para ser julgada,
agora pelo Plenário do STF e devemos estar atento a esta decisão que poderá inovar o en-
tendimento da questão junto ao Pretório Excelso.
FGV DIREITO RIO 16
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“Juiz Aposentado: Vitaliciedade e Prerrogativa de Foro


A Turma, em questão de ordem, decidiu, por maioria, afetar ao Plenário julgamento de
recurso extraordinário em que se discute se o foro especial por prerrogativa de função estende-
se ou não àqueles que se aposentam em cargos cujos ocupantes ostentam tal prerrogativa.
Trata-se, na espécie, de agravo de instrumento convertido em recurso extraordinário criminal
interposto, por desembargador aposentado, contra decisão da Corte Especial do STJ que de-
clinara de sua competência, em ação penal contra ele instaurada, ao fundamento de que, em
decorrência de sua aposentadoria, não teria direito à prerrogativa de foro pelo encerramento
definitivo da função. O ora recorrente sustenta a incidência do art. 95, I, da CF, assegurador
da vitaliciedade aos magistrados, sob a alegação de que esta somente poderia ser afastada por
sentença judicial transitada em julgado, na qual consignada a perda do cargo. Alega, ainda, que
a correta leitura do art. 105, I, a, da CF, incluiria também os desembargadores aposentados,
uma vez que interpretação diversa desse dispositivo o colocaria em situação inusitada, pois,
o submeteria, na qualidade de ex-presidente e ex-corregedor-geral, a juiz que eventualmente
tenha recebido alguma sanção disciplinar. Por fim, pleiteia o reconhecimento da negativa de
vigência aos artigos 5º, XXXV, LIV, LV, e § 2º e 93, IX, ambos da CF e, alternativamente,
requer sejam tidos como transgredidos os artigos 94, I e 105, I, da CF. Vencidos, quanto ao
deslocamento, os Ministros Carlos Britto e Cármen Lúcia que, tendo em conta a existência de
precedentes da Corte, consideravam que a matéria poderia ser decidida pela própria Turma.
RE 549560/CE, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 23.10.2007. (RE-549560)”
Informativo nº 485 do STF – de 22 a 26 de outubro de 2007.

Quanto aos Juízes de primeiro grau que são convocados pelos Tribunais de Justiça
para exercer a função de desembargador, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que eles
não possuem a prerrogativa de foro prevista no artigo 105 da Constituição Federal. A prer-
rogativa é vinculada ao cargo e não ao eventual exercício da função em substituição:

“PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. JUÍZA DE 1º GRAU EM SUBS-


TITUIÇÃO NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AUSÊNCIA DE PRERROGATIVA DE
FORO. AGRAVO IMPROVIDO.
1. Os Juízes de 1º grau em substituição nos Tribunais de Justiça não possuem a prerro-
gativa de foro assegurada pelo art. 105, inciso I, da Constituição da República.
2. Agravo regimental improvido.”
(AgRg na Representação nº 368 - BA (2007/0195172-5), Relator Ministro Arnaldo
Esteves Lima. Acórdão publicado em 15/05/2008)

Caso de sedimentação 1:

Magistrado tem que se explicar em CPI?


Após ter estudado bastante para seu concurso público, relembrando todo o material da gra-
duação da FGV (notadamente as aulas de Organização da Justiça e do MP!!) você se encontra no
exercício da magistratura federal. Recentemente, atuou em processo rumoroso, que lhe rendeu
bastante trabalho, tendo proferido 20 laudas de decisão para o deferimento de liminar em favor da
Empresa X, a qual litigava contra a Caixa Econômica Federal acerca de expressivo numerário que
teria sido irregularmente utilizado por esta estatal com violação a direitos contratuais da Empresa
X. Passados dois meses do deferimento da liminar, eis que surge uma correspondência do Senado

FGV DIREITO RIO 17


organização da justiça e do ministério público

Federal em seu gabinete, convocando-o a “prestar esclarecimentos perante a Comissão Parlamentar


de Inquérito dos Bingos”, tendo em vista ter você proferido decisão contra a CEF, em favor da Em-
presa X, ambas sob investigação da CPI. Está você obrigado a comparecer?Está obrigado a prestar
esclarecimentos acerca de sua decisão? Em caso de respostas negativas, o que você poderia fazer?

Leitura obrigatória

HC 86581/DF. Rel. Min. Ellen Gracie, 23/2/2006, disponível no sítio eletrônico do Su-
premo Tribunal Federal

Caso de sedimentação 2:

No dia 15 de junho de 2008, a polícia civil, por meio de interceptações telefônicas


devidamente autorizadas pelo Juiz de Direito da 34ª Vara Criminal da Capital, para investi-
gação de organização criminosa especializada no crime de falsificação de moeda (Artigo 289
do Código Penal - Falsificar, fabricando-a ou alterando-a, moeda metálica ou papel-moeda
de curso legal no país ou no estrangeiro. Pena: reclusão, de 3 a 12 anos, e multa), acaba por
descobrir, fortuitamente, o envolvimento direto de um magistrado na referida organização.
A polícia prossegue com as investigações, e no dia 13 de julho de 2008 logra êxito em
efetuar a prisão em flagrante de toda a organização, levando todos os acusados presos em
flagrante para a Delegacia de Polícia, onde os presos são identificados, ouvidos e encaminha-
dos imediatamente para a cela prisional local.
O delegado de Polícia comunica imediatamente a prisão ao Juiz de Direito da 34ª Vara
Criminal, e este, de ofício, determina a prisão preventiva de todos os presos.
Pergunta-se: Foi correta a forma como agiram o Delegado de Polícia e o Juiz da 34ª Vara
Criminal?

5. O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

Após a análise sobre o Poder Judiciário e a necessidade de sua imparcialidade e indepen-


dência, convém tratarmos da legitimidade de um controle externo sobre suas atividades.
A recente Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, denominada
Reforma do Judiciário, estabeleceu, como órgão do Poder Judiciário, o Conselho Nacional
de Justiça. Trata-se da implementação do controle externo da administração da Justiça em
nosso ordenamento, como ocorre já de há muito tempo em alguns países da Europa.
Diversas motivações nortearam o Congresso Nacional. Uma delas, de grande apelo
popular, dizia respeito à moralidade administrativa, sacrificada por atos de nepotismo, falta
de concursos públicos para contratação de assessores e abuso de poder encontráveis, em 9
Disponíveis para consulta
no site http://www.cnj.gov.
maior ou menor grau, na magistratura estadual e federal. br/index.php?option=com_co
As questões levantadas são tipicamente de administração da Justiça, encontrando no ntent&task=blogcategory&id
=95&Itemid=251
âmbito do Conselho recém criado um foro adequado para a sua discussão ampla. 10
Em exemplo disso, é a Emen-
Por isso, a competência do Conselho para o controle do cumprimento dos deveres fun- da Constitucional n. 50, que
cionais de juízes. Está previsto ainda o controle da atuação administrativa e financeira, com se originou da PEC 347/96, e
que o CNJ pediu, em seu rela-
a conseqüente elaboração anual de relatório9, propondo as providências necessárias sobre a tório de 2005 a prioridade do
Poder Legislativo para a sua
situação do Poder Judiciário no país e da prestação do serviço jurisdicional, sugerindo, inclu- aprovação (ver página 94 do
sive, alterações nas legislações e na própria Constituição10. Controle de atuação administrativa relatório).

FGV DIREITO RIO 18


organização da justiça e do ministério público

e financeira significam uma avaliação do serviço prestado. O sistema de Justiça e subsistemas


que o integram são considerados atualmente não simplesmente como o exercício de uma
potestade pública, mas como serviços públicos, suscetíveis de serem organizados, dirigidos
e avaliados da mesma maneira como podem sê-lo a saúde, a educação, o transporte etc. A
transparência é essencial. Esta competência teve como motivação a necessidade de o Estado
brasileiro oferecer às cidadãs e cidadãos do país uma administração de Justiça ágil, transparente
e eficaz para a proteção dos direitos e reparação das violações.
Neste cenário, foi criado o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão integrante do
Poder Judiciário brasileiro, com atuação em todo o território nacional, instalado em 14 de
junho de 2005, com sede em Brasília, e composto por 15 membros, nomeados pelo presi-
dente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal,
para um mandato de dois anos, admitida uma recondução. Em sua maioria (nove integran-
tes), o CNJ é composto por membros do próprio Poder Judiciário e pode ser dividido da
seguinte forma:

(a) Membros do Judiciário (9):


– um ministro do Supremo Tribunal Federal, indicado pelo respectivo tribunal;
– um ministro do Superior Tribunal de Justiça, indicado pelo respectivo tribunal;
– um ministro do Tribunal Superior do Trabalho, indicado pelo respectivo tribunal;
– um desembargador de Tribunal de Justiça, indicado pelo Supremo Tribunal Federal;
– um juiz estadual, indicado pelo Supremo Tribunal Federal;
– um juiz de Tribunal Regional Federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça;
– um juiz federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça;
– um juiz de Tribunal Regional do Trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho;
– um juiz do trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho;

(b) Membros das Funções essenciais à Justiça (4):


Ministério Público (2):
– um membro do Ministério Público da União, indicado pelo procurador-geral da
República;
– um membro do Ministério Público estadual, escolhido pelo procurador-geral da Repú-
blica dentre os nomes indicados pelo órgão competente de cada instituição estadual;
Advocacia (2):
– dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

(c) Membros da sociedade escolhidos pelo Legislativo (2):


– dois cidadãos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câ-
mara dos Deputados e outro pelo Senado Federal.

Para o Supremo Tribunal Federal, “a existência, no Conselho de membros alheios ao corpo da


magistratura, além de viabilizar a erradicação do corporativismo, estende uma ponte entre o Judici-
ário e a sociedade, permitindo a oxigenação da estrutura burocrática do Poder e a resposta a críticas
severas” (STF – Pleno – ADIN nº 3.367/DF – Rel. Min. César Peluso, decisão: 13-4-2005).
Doutrina e jurisprudência muito divergiam a respeito da constitucionalidade da criação
deste controle externo. A discussão passava principalmente por dois pontos: a independência
dos poderes (Art. 2º da CF) e a vulneração das cláusulas pétreas (Art. 60,§ 4º da CF).

FGV DIREITO RIO 19


organização da justiça e do ministério público

Pense, medite e responda:

Viola a criação do CNJ a independência entre os poderes e as cláusulas pétreas?


Até que ponto a criação desse órgão controlador não iria ferir a independência
dos poderes, tão preservada em nossa Constituição e que veio inclusive coberta pelo
manto da imutabilidade das cláusulas pétreas?

Ocorre que, como é cediço, as estruturas do Poder – Legislativo, Executivo e Judiciário
– vêm sofrendo um grande desgaste nas últimas décadas. Questões relevantes precisam ser
discutidas para a reestruturação do Estado e dos poderes públicos. O Parlamento não mais,
necessariamente, reflete a vontade popular, havendo necessidade de uma ampla reforma
política, principalmente no tocante ao sistema eleitoral.
No campo do Poder Executivo, problemas semelhantes se apresentam. A transforma-
ção do Estado Liberal para o Estado do Bem-Estar Social mudou completamente a relação
Executivo – Sociedade. São as privatizações, as agências reguladoras, a ingerência cada vez
maior do Estado na vida do particular...
Da mesma forma, é inegável também a crise no Judiciário brasileiro. O nosso Judiciá-
rio é considerado lento, ineficaz e caro. O Judiciário tornou-se protagonista de uma série de
conflitos, mas não vem sendo capaz de dar as tão almejadas respostas à sociedade.

Quais as causas para esta crise do Judiciário?

Uma das soluções encontradas para se acabar com a crise no Judiciário foi a sua Re-
forma, ocorrida em 2004, com a EC nº 45, que criou o então órgão de controle externo,
denominado Conselho Nacional de Justiça.
Tal criação já foi objeto de Ação de Declaração de Inconstitucionalidade, ADIN nº
3367, julgada em abril de 2005, tendo como relator o ministro Cezar Peluso, tendo sido
reconhecida a constitucionalidade do Conselho Nacional de Justiça.
Abaixo, a decisão da Suprema Corte:

“ADI 3367 / DF - DISTRITO FEDERAL


AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator(a): Min. CEZAR PELUSO
Julgamento: 13/04/2005 Órgão Julgador: Tribunal Pleno
(...) 2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Emenda Constitucional nº 45/2004.
Poder Judiciário. Conselho Nacional de Justiça. Instituição e disciplina. Natureza meramente ad-
ministrativa. Órgão interno de controle administrativo, financeiro e disciplinar da magistratura.
Constitucionalidade reconhecida. Separação e independência dos Poderes. História, significado e
alcance concreto do princípio. Ofensa a cláusula constitucional imutável (cláusula pétrea). Inexis-
tência. Subsistência do núcleo político do princípio, mediante preservação da função jurisdicional,
típica do Judiciário, e das condições materiais do seu exercício imparcial e independente. Prece-
dentes e súmula 649. Inaplicabilidade ao caso. Interpretação dos arts. 2º e 60, § 4º, III, da CF.
Ação julgada improcedente. Votos vencidos. São constitucionais as normas que, introduzidas pela
Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, instituem e disciplinam o Conselho
Nacional de Justiça, como órgão administrativo do Poder Judiciário nacional. (...)”

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organização da justiça e do ministério público

Como se pode observar, trata-se de um órgão cuja natureza é meramente administrati-


va. Órgão interno do Poder Judiciário de controle administrativo, financeiro e disciplinar da
magistratura. Não há infringência nas funções típicas do Judiciário. Preserva-se a imparciali-
dade e a independência do magistrado, apesar do mesmo passar a se submeter a um controle
administrativo externo por parte do CNJ. Esta decisão inova não somente em relação ao
CNJ, cuja constitucionalidade foi declarada, mas também reforça e centraliza na força do
Supremo Tribunal Federal todo o ordenamento jurídico-constitucional brasileiro. Torna o
STF não só a cúpula jurisdicional do Poder Judiciário brasileiro, como já tradicionalmente
estabelecido, como também, a partir da EC nº 45/04, sua cúpula administrativa, financeira
e disciplinar, pois todas as decisões do CNJ sobre o controle da atuação administrativa e
financeira dos tribunais e sobre a atuação funcional dos magistrados serão passíveis de con-
trole jurisdicional pelo STF, que fixará o último posicionamento. Leia a seguir o trecho da
decisão acerca deste ponto:

“(...)4. PODER JUDICIÁRIO. Conselho Nacional de Justiça. Órgão de natureza ex-


clusivamente administrativa. Atribuições de controle da atividade administrativa, financeira e
disciplinar da magistratura. Competência relativa apenas aos órgãos e juízes situados, hierar-
quicamente, abaixo do Supremo Tribunal Federal. Preeminência deste, como órgão máximo
do Poder Judiciário, sobre o Conselho, cujos atos e decisões estão sujeitos a seu controle juris-
dicional. Inteligência dos art. 102, caput, inc. I, letra “r”, e § 4º, da CF. O Conselho Nacional
de Justiça não tem nenhuma competência sobre o Supremo Tribunal Federal e seus ministros,
sendo esse o órgão máximo do Poder Judiciário nacional, a que aquele está sujeito. (...)”

Seria constitucional um Estado da Federação criar um órgão similar ao CNJ no


âmbito estadual?

Desta forma, três são os pontos caracterizadores do CNJ que afastam a possibilidade de
declaração de sua inconstitucionalidade sob alegação de interferência na separação de Poderes:

– é órgão integrante do Poder Judiciário;


– sua composição apresenta maioria absoluta de membros do Poder Judiciário;e
– existe possibilidade de controle de seus atos pelo órgão da cúpula do Poder Judiciá-
rio, o Supremo Tribunal Federal.

Resta, portanto, agora, saber quais são as tão discutidas atribuições do CNJ.
A Constituição Federal trouxe, em seu Artigo 103 –B, § 4º, um rol exemplificativo das
mais importantes atribuições do CNJ. Passam elas pelo controle da atuação administrativa e
financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes. Vejamos:
“§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder
Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras
atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:
I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magis-
tratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar
providências;
II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a
legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário,

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organização da justiça e do ministério público

podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências neces-
sárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas
da União;
III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário,
inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais
e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da
competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares
em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou
proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, asse-
gurada ampla defesa;
IV - representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública
ou de abuso de autoridade;
V - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e mem-
bros de tribunais julgados há menos de um ano;
VI - elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas,
por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário;
VII - elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a
situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensa-
gem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por
ocasião da abertura da sessão legislativa.”

Para uma maior aproximação do Conselho Nacional de Justiça com a sociedade, ga-
rantindo maior efetividade na sua atuação, a EC nº 45/2004 previu ainda no Art. 103-B,
§7º, a criação de Ouvidorias de Justiças, com competência para receber reclamações e de-
núncias de qualquer interessado contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, ou contra
seus serviços auxiliares, representando diretamente ao CNJ.
Questão que tem encontrado grande divergência jurisprudencial e doutrinária diz
respeito aos limites do poder normativo do CNJ. A Reforma do Judiciário lhe conferiu a
importante atribuição de zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do
Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua com-
petência, ou recomendar providências.

Porém, quais os limites destes atos regulamentares? Seriam eles regulamentos au-
tônomos? Teriam eles força de lei?

Por exemplo, no dia 18 de outubro de 2005, o CNJ expediu a Resolução nº 7, que


disciplina o exercício de cargos, empregos e funções por parentes, cônjuges e companheiros
de magistrados e de servidores investidos em cargos de direção e assessoramento, no âmbito
dos órgãos do Poder Judiciário, vedando a prática de nepotismo no âmbito de todos os
órgãos do Poder Judiciário, sendo nulos os atos assim caracterizados.
Pode o CNJ, por intermédio de mera resolução, coibir a prática de nepotismo?
Não haveria necessidade de lei para tanto?
Há que se explicitar qual o real objetivo do constituinte ao conferir tal poder regulamen-
tar ao CNJ. Seria um grande equívoco imaginar que a sociedade tivesse conferido ao CNJ o
poder de, mediante resoluções, substituir a vontade geral do povo, ou seja, substituir o Poder
Legislativo. Da mesma forma, seria errôneo o entendimento de que o CNJ poderia substituir o

FGV DIREITO RIO 22


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próprio Poder Judiciário, por meio de concessão de medidas liminares, por exemplo, de caráter
jurisdicional. Não pode o CNJ romper com os princípios da reserva da lei e da reserva de juris-
dição. O poder de expedir atos regulamentares tem um objetivo específico, qual seja, o controle
administrativo. Aliás, essa é a ratio essendi da criação do CNJ. Tratando-se de atos de fiscalização
administrativa, apenas podem dizer respeito à situações concretas. Essa é a distinção. A matéria
reservada à lei, geral e abstrata, diz respeito a previsão de comportamentos futuros. Já a matéria
reservada aos atos regulamentares do CNJ diz respeito as diversas situações que surjam da ativi-
dade concreta dos juízes, exercendo o CNJ um controle destas. São dois os limites, portanto:

• não pode expedir atos regulamentares com caráter geral de abstrato, em face da re-
serva de lei; e
• não pode se ingerir nos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, face a cláu-
sula de proibição de restrição a direitos e garantias fundamentais, que se sustenta na
reserva de lei.

Desta forma, os atos regulamentadores do CNJ esbarram assim na impossibilidade de


inovar e na impossibilidade de restringir direitos e garantias pessoais, funcionais e institu-
cionais. Deve se restringir, portanto, a emitir atos regulamentares de carárter fiscalizatório,
porém, somente em sede administrativa.

Pode o CNJ, por meio de um Procedimento Administrativo, anular concurso pú-


blico para Juiz de Direito substituto? E mais, poderia fazê-lo ex officio?

Ainda sobre o tema concurso público, assim decidiu o CNJ a respeito de limitação de
idade mínima para participar de concurso para ingresso na magistratura (www.cnj.gov.br):

O Conselho Nacional de Justiça decidiu afastar dispositivo que limita a idade mínima
para participação no concurso de número 179, de provas e títulos, para ingresso na magistratura
no Estado de São Paulo. A decisão foi tomada no dia 14 de março de 2007 em resposta ao pro-
cedimento de controle administrativo número 347, relatora a Conselheira Ruth Carvalho.
O requerente pedia a suspensão do dispositivo que limitava a participação no certame
somente daqueles que já haviam completado quarenta e cinco anos no último dia da inscrição.
A conselheira Ruth Carvalho já havia deferido liminar favorável ao requerimento e na sessão do
dia 14 confirmou sua decisão no mérito, sendo acompanhada em unanimidade pelo Plenário.
“A limitação de idade, em 45 anos, não coaduna com a interpretação sistêmica do orde-
namento jurídico pátrio e as disposições constitucionais, mais especificamente as do inciso I
do Artigo 37 e inciso XXX do Artigo 7º da Constituição Federal, além de representar afronta
aos princípios da isonomia, da razoabilidade e da legalidade, como se verá.
(...)
Certo é que a Constituição proíbe qualquer discriminação em razão da idade, notada-
mente no que se refere à inserção dos indivíduos no mercado de trabalho.
(...)
Assim, nota-se que, a legislação ordinária ou os editais de concursos públicos só pode-
rão fixar limites etários para ingresso no serviço público quando a natureza do cargo o exigir,
conforme o artigo 39, §3º. Ora, vê-se que o constituinte estipulou de forma clara e inconteste
que tais discriminações estão condicionadas à observância do princípio da razoabilidade.”

FGV DIREITO RIO 23


organização da justiça e do ministério público

(...)
Corroborando o exposto, o egrégio Supremo Tribunal Federal, após reiterado exame da
matéria, editou a Súmula nº 683, in verbis:
“O limite de idade para inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º,
XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a
ser preenchido.”
(...)
Ao final, importa acrescer que, ainda que possível em determinados casos estipulação
de idade mínima ou máxima para ingresso em cargo público, tal exigência dependerá de
expressa previsão legal, em razão do princípio da legalidade, consagrado no Artigo 37, caput
da Constituição da República.
Por todo o exposto, julgo procedente o pedido para afastar, em definitivo, o disposto na
letra “b”do Edital de abertura do 179º Concurso de Ingresso na Magistratura do Estado de
São Paulo, preservando-se o mais, até o final do concurso.”

Cumpre-nos ressaltar, porém, que o Supremo Tribunal Federal, apesar da criação do


Conselho Nacional de Justiça como órgão integrante do Poder Judiciário Brasileiro, con-
tinua sendo a Corte máxima deste Poder, sendo o órgão legitimado para o julgamento de
questões que envolvam decisões tomadas pelo CNJ ou regulamentos por este expedidos.
Em decisão recente, datada de 06 de julho de 2007, o Supremo Tribunal Federal
suspendeu decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que, por suspeita de irregulari-
dades, anulou concurso para juiz de direito em Rondônia. No caso, consta nos autos que o
XVIII Concurso para ingresso no cargo inicial de Juiz de Direito da carreira da magistratura
do Estado de Rondônia foi anulado pelo CNJ sob a alegação que a aprovação de duas candi-
datas que exerciam cargo de assessoras de desembargadores teria desrespeitado os princípios
da impessoalidade e da moralidade administrativa. Isto porque, alegou o CNJ em sua deci-
são, estes desembargadores fariam parte da comissão organizadora do concurso.
Segundo o ministro Ricardo Lewandowski, relator do Mandado de Segurança 26708
“ainda que se admita afronta aos referidos princípios constitucionais, essa circunstância, à
primeira vista, não contamina os 18 outros candidatos que lograram aprovação final no
certame”. Para o ministro, não se pode nem mesmo afirmar a existência das irregularidades
ou o favorecimento que embasaram a decisão do CNJ.
Assim, lembrando que a Constituição Federal assegura a todos os cidadãos o direito
de participação em concursos públicos, desde que atendidos os requisitos legais, o Ministro
deferiu em parte o mandado de segurança, suspendendo a decisão do Conselho Nacional
de Justiça. O relator ressalta, porém, que a nomeação e a posse dos 18 candidatos devem
aguardar o julgamento de mérito do mandado de segurança.
Outra importante decisão do Supremo Tribunal Federal foi proferida em sede de cog-
nição sumária no dia 01 de junho de 2007, determinando que CNJ observe o devido pro-
cesso legal em procedimento administrativo
O ministro Ricardo Lewandoswki, relator dos feitos, analisou dois Mandados de Segu-
rança (MS 26550 e 26663) contra o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), relativos ao Pro-
cedimento de Controle Administrativo (PCA) 440. Este procedimento foi instaurado para
apurar suposto descumprimento do teto constitucional pelo Tribunal de Justiça do Mato
Grosso. Segundo os autos das duas ações, o Conselho não estaria respeitando o preceito cons-
titucional do devido processo legal ao não possibilitar o contraditório e a ampla defesa.

FGV DIREITO RIO 24


organização da justiça e do ministério público

O Ministro ressaltou que o artigo 98 do RICNJ, que determina que seja ouvida a
autoridade que praticou o ato impugnado e, por edital, a oitiva dos eventuais beneficiários
de seus efeitos, no prazo de quinze dias. “A jurisprudência do Supremo não tem hesitado
em reconhecer que as garantias do due process of law (devido processo legal) também são
aplicáveis aos processos administrativos”, salientou também o ministro.
Por fim, Ricardo Lewandowski lembrou que se o ato impugnado em mandado de
segurança decorre de fatos apurados em processo administrativo, a competência do poder
Judiciário se limita ao exame da legalidade do ato, de possíveis vícios formais ou dos que
atentem contra os postulados constitucionais da ampla defesa e do devido processo legal.
Dessa forma, o ministro deferiu o pedido em parte, apenas para garantir aos magistrados
representados pela Amam o direito de manifestarem-se no prazo e nos termos do artigo 98
do RICNJ, antes que seja levado a julgamento o mérito do PCA 440.
Com a decisão, o Ministro determina que seja garantido aos magistrados o direito de
apresentar defesa escrita, antes que seja levado a julgamento pelo Conselho Nacional de
Justiça o PCA 440.
Tendo em vista o material exposto a respeito do tema “Conselho Nacional de Justiça”,
examine o caso a seguir:

Caso de sedimentação:

Carla, estudante de direito e filha de um desembargador do Tribunal de Justiça do


Estado do Rio de Janeiro, trabalhava diariamente como assessora no gabinete de seu pai no
Tribunal, ocupando um cargo em comissão, isto é, de livre nomeação pelo Tribunal, sem a
exigência do concurso público.
Ocorre que, em outubro de 2005, o Conselho Nacional da Justiça editou a Resolução
número 07, vedando a prática de nepotismo no âmbito de todo o Poder Judiciário, concei-
tuando ainda como nepotismo, dentre outras situações, o exercício de cargo de provimento
em comissão ou de função gratificada, no âmbito da jurisdição de cada Tribunal ou Juízo,
por cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o tercei-
ro grau, inclusive, dos respectivos membros ou juízes vinculados.
Irresignada, Carla foi obrigada a abandonar o cargo.
Pergunta-se: Poderia o CNJ editar referida Resolução, vinculando todo o Poder
Judiciário?
Anexo: Resolução nº 7 do CNJ

FGV DIREITO RIO 25


organização da justiça e do ministério público

Resolução n° 07, de 18 de outubro de 2005.

Disciplina o exercício de cargos, empregos e funções por parentes, cônjuges e compa-


nheiros de magistrados e de servidores investidos em cargos de direção e assessoramento, no
âmbito dos órgãos do Poder Judiciário e dá outras providências.

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas


atribuições,
CONSIDERANDO que, nos termos do disposto no art. 103-B, § 4°, II, da Consti-
tuição Federal, compete ao Conselho zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de oficio
ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou
órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se
adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei;
CONSIDERANDO que a Administração Pública encontra-se submetida aos princí-
pios da moralidade e da impessoalidade consagrados no art. 37, caput, da Constituição;
RESOLVE:

Art. 1° É vedada a prática de nepotismo no âmbito de todos os órgãos do Poder Judi-


ciário, sendo nulos os atos assim caracterizados.

Art. 2° Constituem práticas de nepotismo, dentre outras:


I - o exercício de cargo de provimento em comissão ou de função gratificada, no âmbi-
to da jurisdição de cada Tribunal ou Juízo, por cônjuge, companheiro ou parente em linha
reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros ou
juízes vinculados;
II - o exercício, em Tribunais ou Juízos diversos, de cargos de provimento em comis-
são, ou de funções gratificadas, por cônjuges, companheiros ou parentes em linha reta,
colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, de dois ou mais magistrados, ou
de servidores investidos em cargos de direção ou de assessoramento, em circunstâncias que
caracterizem ajuste para burlar a regra do inciso anterior mediante reciprocidade nas nome-
ações ou designações;
III - o exercício de cargo de provimento em comissão ou de função gratificada, no
âmbito da jurisdição de cada Tribunal ou Juízo, por cônjuge, companheiro ou parente em
linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, de qualquer servidor
investido em cargo de direção ou de assessoramento;
IV - a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de
excepcional interesse público, de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral
ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros ou juízes vincula-
dos, bem como de qualquer servidor investido em cargo de direção ou de assessoramento; V
- a contratação, em casos excepcionais de dispensa ou inexigibilidade de licitação, de pessoa
jurídica da qual sejam sócios cônjuge, companheiro ou parente em linha reta ou colateral
até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros ou juízes vinculados, ou servidor
investido em cargo de direção e de assessoramento.
§1º Ficam excepcionadas, nas hipóteses dos incisos I, II e III deste artigo, as nome-
ações ou designações de servidores ocupantes de cargo de provimento efetivo das carreiras

FGV DIREITO RIO 26


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judiciárias, admitidos por concurso público, observada a compatibilidade do grau de esco-


laridade do cargo de origem, ou a compatibilidade da atividade que lhe seja afeta e a com-
plexidade inerente ao cargo em comissão a ser exercido, além da qualificação profissional do
servidor, vedada, em qualquer caso, a nomeação ou designação para servir subordinado ao
magistrado ou servidor determinante da incompatibilidade.
§ 2° A vedação constante do inciso IV deste artigo não se aplica quando a contratação
por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse
público houver sido precedida de regular processo seletivo, em cumprimento de preceito
legal.

Art. 3° É vedada a manutenção, aditamento ou prorrogação de contrato de prestação


de serviços com empresa que venha a contratar empregados que sejam cônjuges, compa-
nheiros ou parentes em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive,
de ocupantes de cargos de direção e de assessoramento, de membros ou juízes vinculados ao
respectivo Tribunal contratante, devendo tal condição constar expressamente dos editais de
licitação.

Art. 4° O nomeado ou designado, antes da posse, declarará por escrito não ter relação
familiar ou de parentesco que importe prática vedada na forma do artigo 2°

Art. 5° Os Presidentes dos Tribunais, dentro do prazo de noventa dias, contado da pu-
blicação deste ato, promoverão a exoneração dos atuais ocupantes de cargos de provimento
em comissão e de funções gratificadas, nas situações previstas no art. 2°, comunicando a
este Conselho.
Parágrafo único Os atos de exoneração produzirão efeitos a contar de suas respectivas
publicações.

Art. 6° O Conselho Nacional de Justiça, em cento e oitenta dias, com base nas infor-
mações colhidas pela Comissão de Estatística, analisará a relação entre cargos de provimento
efetivo e cargos de provimento em comissão, em todos os Tribunais, visando à elaboração
de políticas que privilegiem mecanismos de acesso ao serviço público baseados em processos
objetivos de aferição de mérito.

Art. 7° Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Ministro NELSON JOBIM

FGV DIREITO RIO 27


organização da justiça e do ministério público

Finalmente, é importante um olhar crítico aos limites dos poderes do CNJ e de seu
congênere, o CNMP.
11
In www.leniostreck.com.br,
acesso em 20/06/06.
Para tanto, torna-se indispensável a leitura do texto abaixo, dos professores Ingo Sarlet, 12
Procurador de Justiça-RS;
Lenio Luiz Streck e Clémerson Cléve, acerca do assunto. Professor Titular da UNISINOS-
RS; Doutor em Direito (UFSC);
Pós-Doutor em Direito (Univer-
Os limites constitucionais das resoluções do Conselho Nacional de Jus- sidade de Lisboa).

tiça (CNJ) e Conselho Nacional do Ministério Público(CNMP)11 13


Juiz de Direito-RS, Professor
Titular da PUC-RS; Doutor em
Direito (Universidade de Mu-
Lenio Luiz Streck12 nique); Pós-Doutor em Direito
(Instituto Max Plank e Univer-
Ingo Wolfgang Sarlet13 sidade de Munique).
Clèmerson Merlin Clève14 14
Advogado do escritório
Clèmerson Merlin Clève - Ad-
vogados Associados. Professor
Os Conselhos Nacionais da Justiça (CNJ) e do Ministério Público (CNMP) foram Titular das Faculdades de
Direito da UniBrasil e da UFPr.
introduzidos pela Emenda Constitucional n. 45/04, representando uma espécie de carro- Mestre e Doutor em Direito.
chefe da assim denominada Reforma do Judiciário. Trata-se da implementação, stricto sensu, Pós-graduado pela Université
Catholique de Louvain (Bélgi-
de controle externo do Poder Judiciário e do Ministério Público. O CNJ está especificado ca).Professor Titular das Facul-
dades de Direito da UFPr e da
no artigo 103-B da Constituição15, em que, exaustivamente, estão elencadas as atribuições UniBrasil; Doutor em Direito
do órgão. Já o Conselho Nacional do Ministério Público está regulado no art. 130-A16, pela PUC-SP; Pós-Graduado
pela Université Catholique de
seguindo, no seu núcleo essencial, as diretivas fixadas para o seu congênere CNJ. Criam-se, Louvain – Bélgica.
assim, dois importantes órgãos que aproximam – estrutural e organicamente – as institui- 15
Art. 103-B. O Conselho Na-
ções (Magistratura e Ministério Público), como ocorre já de há muito em alguns países da cional de Justiça compõe-se
de quinze membros com mais
Europa. de trinta e cinco e menos de
sessenta e seis anos de idade,
A constitucionalidade lato sensu de ambos os Conselhos já foi afirmada pelo Supremo com mandato de dois anos,
Tribunal Federal. A discussão que se põe agora diz respeito aos limites do poder regula- admitida uma recondução,
sendo: (Incluído pela Emenda
mentar dos Conselhos, o que implica necessariamente discutir a natureza jurídica de suas Constitucional nº 45, de 2004)
resoluções, isto é, o questionamento acerca do poder de emitir resoluções com força de lei. (...)
§ 1º O Conselho será presidido
O cerne da discussão está no parágrafo 4º e inciso I do art. 103-B e no parágrafo 2º e pelo Ministro do Supremo Tri-
bunal Federal, que votará em
inciso I do art. 130-A: caso de empate, ficando excluí-
do da distribuição de processos
naquele tribunal.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA § 2º Os membros do Conselho
§4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder serão nomeados pelo Presi-
dente da República, depois
Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras de aprovada a escolha pela
maioria absoluta do Senado
atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: Federal.
I – zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magis- § 3º Não efetuadas, no prazo
legal, as indicações previstas
tratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar neste artigo, caberá a escolha
providências; ao Supremo Tribunal Federal.
§ 4º Compete ao Conselho o
controle da atuação adminis-
trativa e financeira do Poder
CONSELHO NACIONAL DO MINISTERIO PÚBLICO Judiciário e do cumprimento
§2º Compete ao Conselho Nacional do Ministério Público o controle da atuação ad- dos deveres funcionais dos
juízes, cabendo-lhe, além de
ministrativa e financeira do Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais de outras atribuições que lhe fo-
seus membros, cabendo-lhe: rem conferidas pelo Estatuto
da Magistratura:
I – zelar pela autonomia funcional e administrativa do Ministério Público, podendo I - zelar pela autonomia do
Poder Judiciário e pelo cumpri-
expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências. mento do Estatuto da Magis-
tratura, podendo expedir atos
regulamentares, no âmbito de
Tendo a mesma ratio, as diretrizes que norteiam ambos os Conselhos são idênticas, sua competência, ou recomen-
registrando-se apenas a especificidade constante no Conselho Nacional de Justiça, que es- dar providências;

FGV DIREITO RIO 28


organização da justiça e do ministério público

tabelece a competência de zelar pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, enquanto


II - zelar pela observância do
no caso do Conselho Nacional do Ministério Público essa questão não está explicitamen- art. 37 e apreciar, de ofício ou
te estabelecida. Essa sutil diferença – cujas conseqüências, poderão ter reflexos em outros mediante provocação, a legali-
dade dos atos administrativos
campos – não significa que haja tratamento diferenciado do constituinte derivado no que praticados por membros ou
órgãos do Poder Judiciário,
diz respeito à legitimidade de “legislar” por parte dos dois Conselhos, notadamente quando em podendo desconstituí-los,
causa restrições a direitos e garantias constitucionais, inclusive e notadamente – e isto sempre revê-los ou fixar prazo para
que se adotem as providências
foi muito caro para ambas as Instituições (Poder Judiciário e Ministério Público) – as garan- necessárias ao exato cumpri-
tias funcionais e institucionais. mento da lei, sem prejuízo da
competência do Tribunal de
Daí a necessária discussão acerca dos limites para a expedição de “atos regulamentares” Contas da União;
III - receber e conhecer das
(esta é a expressão constante na Constituição para os dois Conselhos). Com efeito, parece reclamações contra membros
um equívoco admitir que os Conselhos possam, mediante a expedição de atos regulamen- ou órgãos do Poder Judiciário,
inclusive contra seus serviços
tares (na especificidade, resoluções), substituir-se à vontade geral (Poder Legislativo) e tam- auxiliares, serventias e ór-
pouco ao próprio Poder Judiciário, com a expedição, por exemplo, de “medidas cautelares/ gãos prestadores de serviços
notariais e de registro que
liminares”. Dito de outro modo, a leitura do texto constitucional não dá azo a tese de que atuem por delegação do po-
der público ou oficializados,
o constituinte derivado tenha “delegado” aos referidos Conselhos o poder de romper com o sem prejuízo da competência
princípio da reserva de lei e de reserva de jurisdição. disciplinar e correicional dos
tribunais, podendo avocar pro-
Como se sabe, o que distingue o conceito de lei do de outros atos é a sua estrutura e a cessos disciplinares em curso e
sua função. Leis têm caráter geral, porque regulam situações em abstrato; atos regulamenta- determinar a remoção, a dispo-
nibilidade ou a aposentadoria
res (resoluções, decretos, etc) destinam-se a concreções e individualizações. Uma resolução com subsídios ou proventos
proporcionais ao tempo de
não pode estar na mesma hierarquia de uma lei, pela simples razão de que a lei emana do serviço e aplicar outras sanções
poder legislativo, essência da democracia representativa, enquanto os atos regulamentares administrativas, assegurada
ampla defesa;
ficam restritos à matérias com menor amplitude normativa. IV - representar ao Ministério
Este parece ser o ponto central da discussão. Se a atuação dos membros do Poder Público, no caso de crime con-
tra a administração pública ou
Judiciário e do Ministério Público está regulada em leis específicas (LOMAN, LOMIN’s de abuso de autoridade;
V - rever, de ofício ou mediante
estadual e federal, postas no sistema em estrita obediência à Constituição), parece, de pron- provocação, os processos disci-
to, inconcebível que o constituinte derivado, ao aprovar a Reforma do Judiciário, tenha plinares de juízes e membros
de tribunais julgados há menos
transformado os Conselhos em órgãos com poder equiparado aos do legislador. Ou seja, de um ano;
a menção ao poder de expedir “atos regulamentares” tem o objetivo específico de controle VI - elaborar semestralmente
relatório estatístico sobre pro-
externo, a partir de situações concretas que surjam no exercício das atividades de judicatura cessos e sentenças prolatadas,
por unidade da Federação, nos
e de Ministério Público. Aliás, não se pode esquecer que é exatamente o controle externo diferentes órgãos do Poder
que se constituiu na ratio essendi da criação de ambos os Conselhos. Judiciário;
VII - elaborar relatório anual,
No Estado Democrático de Direito, é inconcebível permitir-se a um órgão adminis- propondo as providências que
trativo expedir atos (resoluções, decretos, portarias, etc) com força de lei, cujos reflexos julgar necessárias, sobre a
situação do Poder Judiciário
possam avançar sobre direitos fundamentais, circunstância que faz com que tais atos no País e as atividades do
Conselho, o qual deve integrar
sejam ao mesmo tempo legislativos e executivos, isto é, como bem lembra Canotilho, mensagem do Presidente do
a um só tempo “leis e execução de leis”. Trata-se – e a lembrança vem de Canotilho – de Supremo Tribunal Federal a ser
remetida ao Congresso Nacio-
atos que foram designados por Carl Schmitt com o nome de “medidas”. Essa distinção nal, por ocasião da abertura da
de Schmitt é sufragada por Forsthoff, que, levando em conta as transformações sociais e sessão legislativa.
(...)
políticas ocorridas depois de primeira guerra, considerava inevitável a adoção, por parte 16
Art. 130-A. O Conselho Nacio-
do legislador, de medidas legais destinadas a resolver problemas concretos, econômicos e nal do Ministério Público com-
sociais. Daí a distinção entre leis-norma e leis de medida. Na verdade, as leis-medida se põe-se de quatorze membros
nomeados pelo Presidente da
caracterizam como leis concretas. A base da distinção nas leis concretas não é a contra- República, depois de aprovada
a escolha pela maioria absolu-
posição entre geral-individual, mas entre abstrato-concreto (K.Stern). O interesse estará ta do Senado Federal, para um
em saber se uma lei pretende regular em abstrato determinados fatos ou se se destina mandato de dois anos, admi-
tida uma recondução, sendo:
especialmente a certos fatos ou situações concretas. Também aqui a consideração funda- (Incluído pela Emenda Consti-
mental radicaria no fato de uma lei poder ser geral, mas pensada em face de determinado tucional nº 45, de 2004) (...)

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organização da justiça e do ministério público

pressuposto fático que acabaria por lhe conferir uma dimensão individual, porventura § 2º Compete ao Conselho
inconstitucional17. Nacional do Ministério Público
o controle da atuação adminis-
O fato de a EC 45 estabelecer que os Conselhos podem editar atos regulamentares trativa e financeira do Ministé-
não pode significar que estes tenham carta branca para tais regulamentações. Os Conselhos rio Público e do cumprimento
dos deveres funcionais de seus
enfrentam, pois, duas limitações: uma, stricto sensu, pela qual não podem expedir regula- membros, cabendo-lhe:
I - zelar pela autonomia fun-
mentos com caráter geral e abstrato, em face da reserva de lei; outra, lato sensu, que diz cional e administrativa do
respeito a impossibilidade de ingerência nos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. Ministério Público, podendo
expedir atos regulamentares,
Presente, aqui, a cláusula de proibição de restrição a direitos e garantias fundamentais, que no âmbito de sua competência,
se sustenta na reserva de lei, também garantia constitucional. Em outras palavras, não se ou recomendar providências;
II - zelar pela observância do
concebe - e é nesse sentido a lição do direito alemão – regulamentos de substituição de leis art. 37 e apreciar, de ofício ou
mediante provocação, a legali-
(gesetzvertretende Rechtsverordnungen) e nem regulamentos de alteração das leis (gesetzän- dade dos atos administrativos
dernde Rechtsverordnungen). É neste sentido que se fala, com razão, de uma evolução do praticados por membros ou
órgãos do Ministério Público
princípio da reserva legal para o de reserva parlamentar18. da União e dos Estados, poden-
Tratando-se, desse modo, de atos de fiscalização administrativa, estes apenas podem do desconstituí-los, revê-los ou
fixar prazo para que se adotem
dizer respeito à situações concretas. Neste caso, deverão observar, em cada caso, o respeito as providências necessárias ao
exato cumprimento da lei, sem
aos princípios constitucionais, em especial, o da proporcionalidade, garantia fundamental prejuízo da competência dos
do cidadão enquanto asseguradora do uso de meios adequados pelo poder público para a Tribunais de Contas;
III - receber e conhecer das re-
consecução das finalidades (previstas, como matriz máxima, na Constituição). Há, assim, clamações contra membros ou
uma nítida distinção entre a matéria reservada à lei (geral e abstrata) e aos atos regulamenta- órgãos do Ministério Público da
União ou dos Estados, inclusive
res. A primeira diz respeito a previsão de comportamentos futuros; no segundo caso, dizem contra seus serviços auxiliares,
sem prejuízo da competência
respeito as diversas situações que surjam da atividade concreta dos juízes e membros do disciplinar e correicional da
Ministério Público, que é, aliás, o que se denomina – e essa é a especificidade dos Conselhos instituição, podendo avocar
processos disciplinares em
– de “controle externo”. curso, determinar a remoção, a
Não se pode olvidar outro ponto de fundamental importância. A Constituição do disponibilidade ou a aposenta-
doria com subsídios ou proven-
Brasil estabelece no artigo 84, IV, in fine, o poder regulamentar do Chefe do Poder Execu- tos proporcionais ao tempo de
serviço e aplicar outras sanções
tivo, podendo expedir decretos e regulamentos para o fiel cumprimento das leis, tudo sob administrativas, assegurada
o controle e a vigilância do Poder Legislativo em caso de excesso (art. 49,V) e da jurisdição ampla defesa;
IV - rever, de ofício ou median-
constitucional nas demais hipóteses. Nesse sentido, fica claro que as exceções para a edição de te provocação, os processos
atos normativos com força de lei (art. 62) e da possibilidade de delegação legislativa (art. 68) disciplinares de membros do
Ministério Público da União ou
tão-somente confirmam a regra de que a criação de direitos e obrigações exige lei ou ato com força dos Estados julgados há menos
de um ano;
de lei, conforme se pode verificar na própria jurisprudência do STF (AgRg n. 1470-7)19. V - elaborar relatório anual, pro-
E mesmo a lei (stricto sensu) possui limites. É o que se chama de “limites dos limites” pondo as providências que jul-
gar necessárias sobre a situação
(Schranken-Schranken), como bem lembra Gilmar Ferreira Mendes, ao assinalar que da do Ministério Público no País
análise dos direitos fundamentais é possível extrair a conclusão errônea de que direitos, e as atividades do Conselho, o
qual deve integrar a mensagem
liberdades, poderes, garantias são passíveis de ilimitada limitação ou restrição. É preciso não prevista no art. 84, XI.
§ 3º O Conselho escolherá,
perder de vista, porém, que tais restrições são limitadas. Cogita-se aqui dos chamados limites em votação secreta, um Cor-
imanentes, que balizam a ação do legislador quando restringe direitos fundamentais. Esses regedor nacional, dentre os
membros do Ministério Públi-
limites, que decorrem da própria Constituição, referem-se tanto à necessidade de proteção co que o integram, vedada a
de um núcleo essencial (Wesengehalt) do direito fundamental, quanto à clareza, determina- recondução, competindo-lhe,
além das atribuições que lhe
ção, generalidade e proporcionalidade das restrições impostas20. forem conferidas pela lei, as
seguintes:
De frisar, por outro lado, que esse poder regulamentar conferido ao Poder Executivo I - receber reclamações e de-
(e não, por exemplo, ao Poder Judiciário ou ao Ministério Público) advém da relevante cir- núncias, de qualquer interes-
sado, relativas aos membros do
cunstância representada pela legitimidade do Presidente da República, eleito diretamente em um Ministério Público e dos seus
regime presidencialista (em países sob regime parlamentarista, essa legitimidade é do Gover- serviços auxiliares;
II - exercer funções executivas
no, confundindo-se o poder executivo com o legislativo). Mas, mesmo assim, esse poder re- do Conselho, de inspeção e
correição geral;
gulamentar – tanto no presidencialismo como no parlamentarismo – não pode criar direitos

FGV DIREITO RIO 30


organização da justiça e do ministério público

e obrigações21. Não é demais lembrar, neste ponto, o âmbito próprio do respeito aos direitos
fundamentais, característica básica do paradigma do Estado Democrático de Direito.
Portanto, as resoluções que podem ser expedidas pelos aludidos Conselhos não podem
criar direitos e obrigações e tampouco imiscuir-se (especialmente no que tange à restrições)
na esfera dos direitos e garantias individuais ou coletivas. O poder “regulamentador” dos
Conselhos esbarra, assim, na impossibilidade de inovar. As garantias, os deveres e as vedações
dos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público estão devidamente explicitados
III - requisitar e designar mem-
no texto constitucional e nas respectivas leis orgânicas. Qualquer resolução que signifique bros do Ministério Público,
inovação será, pois, inconstitucional. E não se diga que o poder regulamentar (transforma- delegando-lhes atribuições, e
requisitar servidores de órgãos
do em “poder de legislar”) advém da própria EC 45. Fosse correto este argumento, bastaria do Ministério Público.
§ 4º O Presidente do Conselho
elaborar uma emenda constitucional para “delegar” a qualquer órgão (e não somente ao Federal da Ordem dos Advoga-
CNJ e CNMP) o poder de “legislar” por regulamentos. E com isto restariam fragilizados dos do Brasil oficiará junto ao
Conselho. (...)
inúmeros princípios que conformam o Estado Democrático de Direito. 17
Cfe. CANOTILHO, J.J. Gomes.
Por derradeiro: regulamentar é diferente de restringir. De outra parte, assim como já se Direito Constitucional e Teoria
tem a sindicabilidade até mesmo em controle abstrato de atos normativos de outros poderes da Constituição. 7ª ed. Coim-
bra, Almedina, 2004, pp. 730
(leis em sentido material)22, como os regimentos internos dos tribunais, provimentos de e segs.
Corregedorias, etc, muito mais será caso de controle de constitucionalidade a hipótese de os 18
Conforme a lição do clássico
PIEROTH, Bodo; SCHLINK, Ber-
Conselhos virem a expedir resoluções restringindo direitos e garantias pessoais, funcionais e nhard. Grundrechte – Staats-
institucionais23. Muito mais do que uma mera e egoística disputa por prerrogativas – como recht II, 20 ed., Heildelberg:
C.F. Müller, 2004, p. 62 e segs,
habitualmente acabam sendo qualificadas, em terrae brasilis, tentativas legítimas e democrá- assim como, dentre outros
ticas de impugnação de uma série de medidas e reformas – está em causa, aqui, a defesa enfá- tantos, SACHS, Michael, Ver-
fassungsrecht II. Grundrechte,
tica e necessária dos elementos essenciais do nosso Estado Democrático de Direito, que, por Berlin-Heildelberg-New York,
Springer Verlag, p. 118 e segs.
certo, não há de ser um Estado governado por atos regulamentares, decretos e resoluções.
19
Ver, para tanto, LEITE SAM-
PAIO, José Adercio. A Constitui-
ção Reinventada. Belo Horizon-
te, 2002, pp. 461 e segs.
QUESTÕES ACERCA DA MATÉRIA:
20
Cfe. MENDES, Gilmar Ferreira.
Direitos Fundamentais e Contro-
1) Assinale a alternativa INCORRETA: le de Constitucionalidade. Brasí-
lia, IBDC, 1998, pp. 33 e segs.
(a) A Constituição Federal assegura ao Poder Judiciário autonomia administrativa e 21
Veja-se, nesse sentido,
financeira julgados do STF apontando
para claros limites no poder
(b) Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do res-
regulamentar: ADIn MC 1247;
pectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ADInMC 1945; ADInMC 1644;
ADIn 1469.
ato normativo do Poder Público
22
Nesse sentido, ver STRECK,
(c) Os juízes não podem dedicar-se à atividade político-partidária Lenio Luiz. Jurisdição Constitu-
(d) O Supremo Tribunal Federal é competente para alterar o número de membros dos cional e Hermenêutica – Uma
Nova Crítica do Direito. 2ª. ed.
tribunais inferiores, criar e extinguir cargos e fixar vencimentos de seus membros, dos Rio de Janeiro, Forense, 2004,
juízes e, onde houver, dos serviços auxiliares e os juízos que lhe forem vinculados. em especial capítulos 10 e
segs; tb. CLÈVE, Clèmerson
(e) Os juízes não podem receber custas ou participação em processo. Merlin. Fiscalização Abstrata de
Constitucionalidade no Direito
Brasileiro. 2 ed. São Paulo, Re-
2 )Analise as afirmações abaixo: (Magistratura – TJ/SP). vista dos Tribunais, 1999.

I. O Magistrado só poderá exercer uma função no Magistério se estiver em disponibi- 23


A respeito da distinção entre
direitos e garantias, bem como
lidade. do perfil das assim designadas
II. Desde seu ingresso na carreira, o Magistrado só poderá perder seu cargo por senten- garantias institucionais, v.
especialmente SARLET, Ingo
ça judicial transitada em julgado. Wolfgang. A eficácia dos direi-
tos fundamentais, 5a. ed, Porto
III. Somente poderão ingressar no STF os Ministros que exerceram durante dois anos Alegre, Livraria do Advogado,
suas funções no STJ. 2005.

FGV DIREITO RIO 31


organização da justiça e do ministério público

IV. Os Tribunais poderão declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do


Poder Público, pelo voto da maioria de seus membros ou dos membros do seu órgão
especial.
Pode-se afirmar que:
(a) Todas as afirmações estão incorretas;
(b) Todas as afirmações estão corretas;
(c) Apenas as afirmações I e II estão corretas;
(d) Apenas a afirmação III está correta.
(e) Apenas as afirmações III e IV estão corretas

3) Em relação às garantias da magistratura, é correto afirmar que: (OAB/Exame de Ordem).


(a) A vitaliciedade é sempre adquirida pelos magistrados após dois anos de exercício no
cargo;
(b) A inamovibilidade pode ser afastada por motivo de interesse publico;
(c) A irredutibilidade de subsídio torna os juízes imunes à tributação por meio do im-
posto sobre a renda e proventos de qualquer natureza;
(d) A Vitaliciedade impede definitivamente a perda do cargo pelos juízes.
(e) Nenhuma das respostas acima.

4) O Conselho Nacional de Justiça (Magistratura – TJ/SP – 177º Concurso):


(a) é composto por 15 (quinze) membros com mais de 30 (trinta) e menos de 66
(sessenta e seis) anos de idade, com mandato de dois anos, admitida uma recon-
dução.
(b) será presidido pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, que votará em caso de
empate.
(c) terá competência, caso a isso provocado, para rever os processos disciplinares de
juízes e membros de tribunais julgados há menos de 02 (dois) anos.
(d) será composto, dentre outros, por 02 (dois) membros do Ministério Público Esta-
dual, escolhidos pelo Procurador-Geral da República entre aqueles indicados pelo
órgão competente de cada instituição estadual.
(e) N.R.A

5) Há alguma exceção à garantia de inamovibilidade dos Juízes? Resposta objetivamen-


te justificada (TJ/SP - Magistratura)

6) Determinado agente público é notificado pelo órgão com atribuição do Ministério


Público do Estado do Rio de Janeiro para prestar esclarecimentos em inquérito civil que
apura o seu possível envolvimento na prática de atos de improbidade administrativa.
Irresignado com a situação, referido agente busca amparo no Conselho Nacional do
Ministério Público, argumentando que: (a) o juízo valorativo do membro do Minis-
tério Público em relação aos fatos é equivocado, já que todos os atos, no seu entender,
foram praticados para a salvaguarda do interesse público; (b) a investigação gera uma
ruptura do sistema constitucional de divisão dos poderes, pois afronta a total liberdade
política do Administrador, sendo manifestamente ilícita.
Após a regular tramitação do processo administrativo, o Conselho Nacional do Minis-
tério Público acolhe os argumentos apresentados para trancar o inquérito civil e, face

FGV DIREITO RIO 32


organização da justiça e do ministério público

à gravidade do fato, aplicar ao Promotor de Justiça a sanção de aposentadoria compul-


sória com proventos proporcionais ao tempo de serviço.
À luz desses fatos, questiona-se: é juridicamente correta a decisão do Conselho?
RESPOSTA OBJETIVAMENTE JUSTIFICADA.
(XXIX Concurso para ingresso no MP/RJ – 2007 – Direito Constitucional – Prova preli-
minar)

7) O Corregedor Nacional do Ministério Público recebe uma mensagem eletrônica


apócrifa noticiando que determinado Promotor de Justiça omite-se deliberadamente
no exercício de suas funções, deixando de oferecer ação penal contra indiciado com
quem supostamente manteria relações de amizade, embora todos os elementos para
o ajuizamento da denúncia estivessem presentes. Determinando a instauração direta
de procedimento disciplinar, o Corregedor Nacional constata a veracidade dos fatos
e aplica a sanção de remoção do membro do Ministério Público, com a conseqüente
designação direta de outro Promotor de Justiça para o oferecimento imediato da de-
núncia. As providências adotadas estão corretas?
RESPOSTA OBJETIVAMENTE JUSTIFICADA.
(XXX Concurso para ingresso no MP/RJ – 2008 – Princípios Institucionais do Ministério
Público – Prova Preliminar)

FGV DIREITO RIO 33


organização da justiça e do ministério público

Aula 3: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

1. Introdução

O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) são Tribu-
nais da União que possuem a especificidade de não pertencerem a qualquer das Justiças.
São, na verdade, órgãos cuja competência originária vem determinada de forma ex-
pressa na Constituição, além da competência para julgar recursos interpostos em causas que
já tenham exaurido todos os graus das Justiças comuns e especiais. São, neste último caso,
órgãos de superposição.
A principal distinção entre estes dois tribunais reside no fato do STF julgar questões exclu-
sivamente constitucionais, enquanto ao STJ compete as questões federais infraconstitucionais.
Quanto ao exercício desta competência de superposição, esses dois tribunais julgam os
recursos especial (STJ) e extraordinário (STF). São recursos de extrema excepcionalidade,
onde apenas questões de direito são apreciadas e não questões de fato.
E mais: somente exame do direito nacional (aplicação em todo o território brasileiro)
e não do direito local (estadual e municipal).
Há que se ressaltar, porém, que o sistema brasileiro não consagra a existência de uma
corte constitucional encarregada somente de resolver as questões constitucionais do proces-
so sem decidir a causa.
Esse é o modelo de Justiça constitucional europeu, que se fundamenta essencialmente
e, em regra, na noção de um Tribunal Constitucional com competência específica para co-
nhecer os litígios constitucionais.
O Supremo Tribunal Federal constitui-se, no sistema brasileiro, na corte constitucio-
nal por excelência, sem deixar de ser autêntico órgão judiciário.
O Supremo Tribunal Federal representa o ápice da estrutura judiciária nacional e arti-
cula-se quer com a Justiça comum, quer com as Justiças especiais.
Não chefia administrativamente os demais órgãos da jurisdição, face a independência
jurídica dos magistrados, mas sem dúvida os encabeça funcionalmente: o STF é a máxima
instância de superposição, em relação a todos os órgãos da jurisdição.

2. Organização

O Supremo Tribunal Federal, ao qual iremos nos ater agora de forma mais detalhada,
tem sede na Capital Federal e jurisdição em todo o território nacional.
Sua composição vem discriminada na Constituição Federal, Art. 101, num total de
11 membros.
Os ministros devem estar no gozo dos direitos políticos, ter mais de 35 anos e menos
de 65 de idade, notável saber jurídico e reputação ilibada.
Outro requisito para nomeação, encontra-se inscrito no art. 12, §3º, IV da Constitui-
ção, ao exigir sejam eles brasileiros natos.
O STF, assim como os outros tribunais, tem a prerrogativa de organizar sua atuação
interna mediante a elaboração do próprio regimento interno. O STF o fez fixando o seu
funcionamento no plenário ou em turmas. A distribuição dos 11 ministros se dá em duas
turmas, estando cinco ministros em cada uma delas, sendo certo que o presidente apenas
participa das sessões plenárias (RISTF, Art. 2º ao 4º)

FGV DIREITO RIO 34


organização da justiça e do ministério público

O ingresso ao Supremo Tribunal Federal não se faz por carreira, mas por nomeação do
Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal.
O Presidente da República, presentes os requisitos constitucionais para investidura, esco-
lhe livremente o candidato, que será sabatinado pelo Senado Federal, devendo ser aprovado pela
maioria absoluta de seus membros, para poder ser nomeado pelo chefe do Poder Executivo.
Vê-se, portanto, que o STF não exige a obrigatoriedade do bacharelado em ciências
jurídicas e, tão pouco, que seus membros sejam provenientes da magistratura. O critério
de escolha é eminentemente político, com a participação do chefe do Poder Executivo e do
Legislativo, por meio do Senado Federal.
Este critério vem gerando grandes discussões não só no meio jurídico mas também
no meio político e social, crise agravada pelo recente julgamento do chamado “Caso Men-
salão”, esquema montado para distribuir recursos para partidos aliados ao governo, provo-
cando a maior crise política no governo do Presidente Luis Inácio Lula da Silva. Naquele
momento, 7 (sete) dos 11 (onze) ministros que compõem o STF haviam sido indicados
pelo Presidente. Desta forma, pergunta-se:
Os critérios para a investidura do ministro do STF são justos? Leia o texto abaixo,
extraído da revista eletrônica Consultor Jurídico, de autoria de membro da magistratura.

Indicação ao Supremo
Ao invés de mudar, é melhor fazer o sistema funcionar
por Flávio Portinho Sirangelo

Está em curso o debate sobre o modo de provimento dos cargos de ministro do Supre-
mo Tribunal Federal. Já existe inclusive um projeto de emenda constitucional que tende a
restringir a ampla liberdade dada ao presidente da República para fazer a indicação. A Cons-
tituição prevê que os ministros do STF sejam nomeados pelo presidente da República, depois
de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.
Tudo decorre, na verdade, de um fato recente: o anúncio da iminente saída, por razões di-
versas, de alguns dos atuais ministros, o que daria ao presidente Lula, consideradas as nomeações já
feitas por ele até agora, o privilégio incomum de compor, na prática, a maioria da Suprema Corte.
A pergunta que tem sido feita é a seguinte: haverá risco de abalo à independência da
Corte Suprema e do próprio Judiciário se restar concentrado nas mãos de um único presiden-
te o poder de indicação da maioria dos juízes?
A resposta a esta indagação não é singela. Se é válida a premissa de que há um risco
para o equilíbrio dos poderes, diante da coincidência de várias sucessões de cadeiras no STF
durante um mesmo mandato presidencial, por que a atual Constituição — e bem assim as
constituições anteriores — já não teriam estabelecido um sistema diferente e mais controla-
do? A premissa, como se vê, não é necessariamente correta.
Na minha opinião, ao invés de mudar o que já existe — e correr o risco provável de
mudar para pior —, é mais razoável esperar que os ritos políticos de indicação, aprovação e
nomeação se cumpram efetivamente e se completem.
O processo de nomeação é um processo de natureza política, já que os juízes do STF
não integram qualquer tipo de carreira no serviço público, como ocorre, a contrário senso,
com os juízes das instâncias ordinárias. Por esta razão, é indispensável que o Senado faça uma
avaliação profunda e efetiva da indicação. Nesta atuação, o Senado é governo e exerce funções
executivas de governo, compartilhando-as com o presidente. É legítimo esperar, inclusive,

FGV DIREITO RIO 35


organização da justiça e do ministério público

que o Senado exerça a tarefa de recusar a indicação se ela se mostrar equivocada do ponto
de vista do interesse republicano e institucional, mesmo que se trate de alguém possuidor de
notável saber jurídico e reputação ilibada.
Nos Estados Unidos, não é incomum a recusa pelo Legislativo de indicações judiciais
feitas pelo chefe do Executivo. George Washington, o líder da independência e primeiro pre-
sidente dos EUA, teve, ele próprio, recusada pelo Senado americano uma indicação que fez
para a Suprema Corte. O candidato John Rutlege, segundo conta a história, era qualificado,
já exercia funções judiciais e havia sido inclusive um dos convencionais que escreveram a
Constituição, mas foi mesmo assim rejeitado pela maioria dos senadores porque se opusera
ao tratado de paz com o Reino Unido.
Durante os dois séculos seguintes, muitas indicações presidenciais para a Suprema
Corte dos Estados Unidos foram recusadas no Senado por inúmeras e variadas motivações.
Entidades e organizações reconhecidas como representativas da sociedade civil participam
ativamente e influenciam as decisões do presidente e dos senadores. Dentre as motivações de
recusa, sobressaem o comprometimento excessivamente ideológico ou partidário do candida-
to, que atingiram indiscriminadamente democratas e republicanos, liberais e conservadores.
George W. Bush, o todo-poderoso presidente atual, detendo a maioria republicana nas duas
casas do Congresso em boa parte do primeiro mandato e durante todo o mandato em curso, nem
assim vem conseguindo emplacar a totalidade das suas indicações para vagas de tribunais federais.
Mais do que isso: teve de amargar a retirada de uma indicação que fez para a Suprema Corte, no
final do ano passado, em face da resistência de entidades da sociedade civil e, principalmente,
porque o Senado sinalizou a virtual recusa daquela que havia sido nomeada pelo presidente.
No momento em que escrevo, o juiz federal Samuel Alito, que foi indicado em substi-
tuição àquela frustrada nomeação, vem sendo duramente combatido pelos principais líderes
democratas no Senado americano por meio de uma rigorosa sabatina. O interrogatório dos
senadores já ocupou uma boa parte deste mês de janeiro e o indicado ainda não conseguiu,
apesar de suas inegáveis qualidades pessoais como jurista, receber o sinal verde para assumir a
cadeira que lhe foi acenada pelo presidente.
Se é possível resumir o modo de atuação do Senado dos Estados Unidos em face de
indicações do presidente para a Suprema Corte, pode-se afirmar que ele tende, independente
de quem detenha a maioria ocasional, a rejeitar os chamados “ideológicos” e a buscar alguém
que mostre capacidade para comprometer-se com os valores fundamentais do país na tarefa
de interpretar e aplicar o direito.
Como adotamos aqui o mesmo modelo e a mesma sistemática para prover os cargos de
ministro do nosso Supremo Tribunal Federal, não faríamos mal se adotássemos práticas polí-
ticas semelhantes na análise do acerto ou do desacerto da indicação feita pelo presidente.
Revista Consultor Jurídico, 25 de janeiro de 2006

O que será então este notável saber jurídico? Vocês concordam com isso?

Apesar de ser uma tradição constitucional brasileira, este requisito sempre foi ques-
tionado e criticado na doutrina. Alguns defendem um mínimo de cinco juízes de carreira
na composição do STF. Outros entendem que esta expressão deveria ser substituída por
requisitos subjetivos, como, por exemplo, 10 anos de atividade profissional como advoga-
do, membro do Ministério Público, magistrado ou comprovação da qualificação de jurista,
através do título de doutor em Direito etc.

FGV DIREITO RIO 36


organização da justiça e do ministério público

GALERIA
Nomeados, os ministros passam DA COMPOSIÇÃO
a gozar de todas as garantiasATUAL
e impedimentos dirigi-
dos aos juízes togados, dispostos no Artigo 95 e parágrafo da Constituição.
Adquirem ainda uma prerrogativa especial, qual seja: nos crimes de responsabilidade,
são processados e julgados pelo Senado Federal (Art. 52, II, CR) e nos crimes comuns, pelo
próprio Supremo (Art. 102, I, b, CR).
Esta a atual composição do STF, consoante o sítio eletrônico da Corte (www.stf.gov.br):
Ministra Ellen Gracie
GALERIA DA COMPOSIÇÃO ATUAL
Presidente

Ministro Gilmar Mendes


Presidente
Ministro Ministro
Ministro
Ministro
Celso de Marco Cezar
Gilmar Mello Aurélio Peluso
Mendes
Ministro
Vice-
Ministro Ministro
Menezes Ministro Ministro Marco Ministra
Cezar Peluso Direito Ellen Gracie
Presidente Sepúlveda Celso de Mello Aurélio
Vice-Presidente
PertenceMenezes
Direito

Ministro Ministro Ministro Ricardo Ministra


Ministro
Joaquim Barbosa Eros Grau Lewandowski Cármen Lúcia
Carlos Britto

3. Competência Ministro Ministro Ministro Ministra


Ministro
Joaquim Eros Grau Ricardo Cármen
Carlos Britto Federal
A Constituição descreveu a competência do STFLewandowski
Barbosa nos artigos 102 e 103, Lúcia
di-
vidindo-a em dois grupos, conforme a maneira de acioná-lo: competência originária e re-
cursal.
No primeiro caso, o STF é acionado diretamente por meio de ações que lhe cabe
processar e julgar originariamente, ou, seja, será o STF o primeiro órgão jurisdicional a ter
contato com o conflito posto.
Já na competência recursal, o STF é acionado mediante recursos, ordinários ou extra-
ordinários, analisando a questão em última instância (competência recursal).

3.1 Competência originária:


3. Competência
Sua função básica é a de manter o respeito à Constituição e sua unidade substancial em
A Constituição
todo o país, Federal
garantindo a prevalência descreveu
das normas a competência
constitucionais do STF nos
no ordenamento jurídico,
artigos 102 e 103, dividindo-a em dois grupos, conforme a maneira
de acioná-lo: competência originária e recursal. FGV DIREITO RIO 37

1
organização da justiça e do ministério público

o que faz, principalmente, por meio do controle concentrado de constitucionalidade no


Direito Brasileiro.
Assim, compete ao STF processar e julgar as ações diretas de inconstitucionalidade, as
ações de inconstitucionalidade por omissão, as ações declaratórias de constitucionalidade e
a argüição de descumprimento de preceito fundamental.
Além disso, cabe ainda ao STF o julgamento de casos em que figurem como parte
– seja réu ou autor – as mais altas autoridades da República, quando direitos fundamentais
estiverem sendo ameaçados ou sob real violação, conforme preceitua a Carta Magna:.

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Cons-


tituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
d) o “habeas-corpus”, sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alíneas anterio-
res; o mandado de segurança e o “habeas-data” contra atos do Presidente da República, das
Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do
Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal;
i) o habeas corpus, quando o coator for Tribunal Superior ou quando o coator ou o pacien-
te for autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo
Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância;
q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atri-
buição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do
Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União,
de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal”

Por fim, ainda dentro da competência originária, cabe ao STF processar e julgar, ori-
ginariamente:

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Cons-


tituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente
b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente- Presi-
dente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da
República;
c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Esta-
do e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art.
52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes
de missão diplomática de caráter permanente;”

O STF já teve a oportunidade de se manifestar e deixou assentado que a expressão


“crimes comuns” abrange todas as modalidades de infrações penais, estendendo-se inclusive
aos delitos eleitorais e, até mesmo, as contravenções penais.

“Na formula “crimes comuns” compreendem-se todos os delitos, que não se capitulem
entre os denominados “crimes de responsabilidade”.
(HC 69344 / RJ - RIO DE JANEIRO - Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA - Jul-
gamento: 22/09/1992)

FGV DIREITO RIO 38


organização da justiça e do ministério público

“A locução crime comum compreende, na abrangência do seu sentido conceitual, os


delitos de natureza eleitoral. O congressista que os pratique submete-se, “ope constitutionis”,
a jurisdição penal originaria do supremo tribunal federal”
(Pet 673 / RJ - Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO - Julgamento: 01/07/1993)

Como se vê, a competência do STF abrange infrações penais comuns cometidas por
pessoas que possuem foro por prerrogativa de função, enquanto durarem seus mandatos ou
cargos, esteja ou não a infração relacionada com o exercício das funções.
Conseqüentemente, cessado o exercício deste mandato ou cargo, encerra-se também o
foro por prerrogativa de função, não subsistindo mais a competência do STF.
Cabe fazer aqui um breve histórico. Até pouco tempo atrás não era este o entendimento
dominante em nossa jurisprudência. O STF havia inclusive sumulado seu entendimento a
respeito:

“Sum. 394 - Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência


especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados
após a cessação daquele exercício.”

Essa era a regra da contemporaneidade da infração penal comum com o exercício do man-
dato. Perpetuava-se a competência do STF para o processo e julgamento dos crimes comuns
praticados, ainda quando cessados seus mandatos. Em 1999, entretanto, o plenário da Corte,
reformulando seu entendimento, cancelou a referida súmula, entendendo que a razão da Cons-
tituição de 1988, com a redação do Artigo 102, I, b, era proteger as pessoas no exercício do
mandato ou cargo. Era a dignidade da função que esteja sob proteção e não a pessoa em si.

“ Mas também não se pode, por outro lado, deixar de admitir que a prerrogativa de foro
visa a garantir o exercício do cargo ou do mandato, e não a proteger quem o exerce. Menos
ainda quem deixa de exercê-lo. (...)”
(Inquérito 687/SP – Informativo 159 do STF)

Além disso, o ministro Sydney Sanches trouxe ainda outros importantes argumentos,
mais de ordem prática, para explicar tal mudança de entendimento.

“(...) não se pode negar, por outro lado, que são eles trabalhosíssimos, exigindo dos Re-
latores que atuem como verdadeiros Juízes de 1º grau, à busca de uma instrução que propicie
as garantias que justificaram a Súmula 394.
30. Penso que, a esta altura, se deva chegar a uma solução oposta a ela, ao menos como
um primeiro passo da Corte para se aliviar das competências não expressas na Constituição,
mas que ela própria se atribuiu, ao interpretá-la ampliativamente e, às vezes, até, generosa-
mente, sem paralelo expressivo no Direito Comparado.
31. Se não se chegar a esse entendimento, dia virá em que o Tribunal não terá condições
de cuidar das competências explícitas, com o mínimo de eficiência, de eficácia e de celeri-
dade, que se deve exigir das decisões de uma Suprema Corte. Os riscos, para a Nação, disso
decorrentes, não podem ser subestimados e, a meu ver, hão de ser levados em grande conta,
no presente julgamento.”
(Inquérito 687/SP – Informativo 159 do STF)

FGV DIREITO RIO 39


organização da justiça e do ministério público

Estamos diante de uma forte mudança estrutural no que diz respeito à competência
das Cortes revisoras devido ao incontroverso acúmulo de processos em todos os níveis do
Poder Judiciário.
São cerca de quarenta e três milhões de processos que esperam para ser julgados pela
justiça brasileira14.
A situação do Supremo Tribunal Federal se agravou após a Constituição de 1988,
conforme demonstra a doutrina15:

“Mas foi a Constituição de 1988 que alterou sobremaneira a situaçãom dando nova di-
mensão ao Poder Judiciário que, além de ter se tornado bem maior (p. ex., com a criação do Su-
perior Tribunal de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais), assumiu uma competência mais
ampla, incluisive com intervenção nas políticas públicas do Poder Executivo. Tudo isto, aliado à
facilidade de levar os recursos atá às instâncias superiores, inclusive o Supremo Tribunal Federal,
fez com que a Justiça se tornasse, pouco a pouco, abarrotada de processos e exposta a críticas.
A partir dos anos noventa, várias tentativas de controlar a explosão de processos e a
conseqüente morosidade foram feitas. Entre outras, a criação de varas, aumento de tribunais,
fusão de tribunais de Justiça e Alçada, criação de Juizados Especiais, inclusive Federais, convo-
cações de juízes para atuar em segunda instância, mutirões, reformas do Código de Processo
Civil, reforma do Poder Judiciário pela Emenda Constitucional 45/2004. Sem sucesso. A
morosidade continua.”

De fato, o Supremo tem buscado das mais variadas formas reduzir o número de pro-
cessos que lhes chegam todos os anos. E são muitos, considerando o número ínfimo de
11 ministros. Observe na tabela abaixo, demonstrativo de movimentação de processos no
Supremo nos anos de 2000 a 2006.

Movimentação STF 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007* TOTAL
Processos recebidos 105.307 110.771 160.453 87.186 83.667 95.212 127.535 119.324 889.455
Processos distribuídos 90.839 89.574 87.313 109.965 69.171 79.577 116.216 112.938 755.593
Julgamentos 86.138 109.692 83.097 107.867 101.690 103.700 110.284 159.522 861.990
Acórdãos publicados 10.770 11.407 11.685 10.840 10.674 14.173 11.421 22.257 103.227
Obs: Julgamentos – engloba decisões monocráticas e decisões colegiadas.
Fonte: Relatórios Anuais e Sistema Informatizado do STF

Movimentação STF 2008* TOTAL


Proc. Protocolados 35.758 35.758
Proc. Distribuídos 27.242 27.242
Julgamentos 43.289 43.289
Acórdãos publicados 5.331 5.331
14
Justiça em números – indi-
cadores estatísticos do Poder
Dados obtidos junto ao sítio www.stf.gov.br em junho de 2008. Judiciário. Números divulgados
no dia 06 de junho de 2008
pela Ministra Ellen Gracie, en-
Por fim, cumpre ressaltar que neste julgamento, o Pretório Excelso determinou ainda tão Presidente do Conselho Na-
cional de Justiça e do Supremo
que os efeitos da revogação da Súmula 394 seriam ex nunc, ou seja, não retroativos, não Tribunal Federal.
afetando as decisões proferidas e atos praticados anteriormente de acordo com a súmula. 15
FREITAS. Vladimir Passos de.
Conforme exposição do ministro Celso de Mello, a competência originária do STF, qualifi- A morosidade continua. Deci-
sões são delegadas da primeira
ca-se como um “complexo de atribuições jurisdicionais de extração essencialmente constitucional”, não instância para o STF. Texto pu-
comportando a possibilidade de extensão, que extravasem os rígidos limites fixados em numerus clausus blicado no sítio www.conjur.
estadao.com.br. Acesso em 06
pelo rol exaustivo inscrito no Art. 102, I da Carta Política” (Petição nº 1026-4-DF – STF). de junho de 2008.

FGV DIREITO RIO 40


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3.1.1 Conflito de Competência


Último ponto a ser analisado em relação a competência originária do STF, diz respeito
ao conflito de competência que deve por ele ser dirimido.
Dispõe o Artigo 102, I, o da Constituição:

“o) os conflitos de competência entre o Superior Tribunal de Justiça e quaisquer tribu-


nais, entre Tribunais Superiores, ou entre estes e qualquer outro tribunal”

Assim, por exemplo:

STJ TSE TST TSM

TRF TJ TRE TRT Trib. Militar

STJ TSE TST TSM

STJ TSE TST TSM

TRF TJ TRE TRT Trib. Militar

Cumpre ressaltar que, apesar da omissão legal, tem competência ainda para resolver o
conflito entre Tribunais Superiores e um juiz pertencente a outro Tribunal.
Ex: Juiz Federal X TST. Como o STJ não é tribunal hierarquicamente superior ao
TST, cumpre ao STF dirimir tal conflito.
Disso conclui-se que o STF não tem competência para dirimir dúvidas de competên-
cia entre o STJ e o Tribunal Regional Federal ou o Tribunal de Justiça Estadual, visto ser
órgão hierarquicamente superior a estes. Onde há hierarquia jurisdicional não há conflito
de competência. A decisão do STJ vincula o TRF e os TJ Estaduais.

3.2. Competência recursal:

Ao STF foi atribuída ainda pela Constituição Federal a competência recursal para julgar:

3.2.1. Recurso Ordinário, nos casos de:


– crimes políticos;
– Hábeas Corpus, Mandado de Injunção, Mandado de Segurança e Hábeas Data,
decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, quando denegatória a de-
cisão, incluindo aqui tanto as decisões de mérito quanto as decisões que extinguem
o processo sem julgamento do mérito.
(Artigo 102, II, a e b, CR)

FGV DIREITO RIO 41


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3.2.2. Recurso Extraordinário


Meio idôneo para a parte interessada, no âmbito do controle difuso de constitucio-
nalidade, levar ao conhecimento do STF controvérsia constitucional concreta, suscitada nos
juízos inferiores.
Assim dispõe a Constituição:

“Art. 102
(...)
III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última
instância, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal”.

Essa competência constitucional extraordinária é mais um mecanismo para assegurar


a supremacia das normas constitucionais, possibilitando, portanto, ao Pretório Excelso so-
mente a análise jurídico-constitucional do recurso, e não o reexame da matéria fática.
Pela leitura da alínea a, já de início percebe-se que o constituinte não exige que a de-
cisão recorrida tenha provindo de um tribunal, o que nos faz concluir que o recurso extra-
ordinário é cabível até mesmo contra decisões proferidas por juiz singular, nas hipóteses em
que não existir recurso ordinário e dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais.
Três são os requisitos exigidos para a impetração do recurso:

A Prequestionamento – exige-se o debate e a existência de decisão sobre o tema jurídico


versado no recurso. O requisito justifica-se pela necessidade de verificar-se o enqua-
dramento do recurso num dos permissivos constitucionais, devendo ser indicado, na
petição de encaminhamento, obrigatoriamente, a hipótese constitucional permissiva.
Daí a necessidade do órgão recorrido ter se manifestado sobre a questão constitucio-
nal, emitindo juízo de valor sobre o tema. Deve, portanto, haver o esgotamento de
todos os meios possíveis de prequestionamento.
B Ofensa direta e frontal à Constituição. A decisão deve dar interpretação direta e
frontal diversa do texto constitucional. Não se admite alegação de ofensa reflexa. A via
reflexa se caracteriza quando a apuração da ofensa à norma constitucional depender
do reexame das normas infraconstitucionais aplicados pelo Poder Judiciário ao caso
concreto; ou ainda, quando para atingir a violação do preceito constitucional houver
necessidade de interpretação do teor e sentido da legislação infraconstitucional.
C Repercussão Geral das questões constitucionais – inovação trazida pela EC nº 45,
com a introdução do parágrafo terceiro ao texto do artigo 103 da CF. A matéria, recente-
mente regulada pela Lei 11.418, de 19 de dezembro de 2006, passou a exigir que o recor-
rente demonstre a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, de
cunho econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos
da causa, nos termos da aludida lei, a fim de que o STF examine a admissão do recurso
extraordinário. A medida, que já existe nos Estados Unidos, na Alemanha e no Japão,
funciona como uma espécie de filtro dos recursos extraordinários levados ao Supremo.
Veja a nova redação dada aos artigos 543-A e 543-B do CPC.

FGV DIREITO RIO 42


organização da justiça e do ministério público

Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do


recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão
geral, nos termos deste artigo.
§ 1º Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões
relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os inte-
resses subjetivos da causa.
§ 2º O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclu-
siva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral.
§ 3º Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a sú-
mula ou jurisprudência dominante do Tribunal.
§ 4º Se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro)
votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário.
§ 5º Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos
sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos
termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
§ 6º O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de ter-
ceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo
Tribunal Federal.
§ 7º A Súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada
no Diário Oficial e valerá como acórdão.
Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica
controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno
do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo.
§ 1º Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da
controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pro-
nunciamento definitivo da Corte.
§ 2º Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão
automaticamente não admitidos.
§ 3º Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão aprecia-
dos pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los
prejudicados ou retratar-se.
§ 4º Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal,
nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à
orientação firmada.
§ 5º O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições
dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral.

Tendo em vista que a Lei 11.418/06 produziu alterações somente no Código de Processo
Civil, surgiu na doutrina a tese que o requisito da repercussão geral somente poderia ser exigido
nos processos cíveis, os únicos até então regulamentados por lei como exige a Constituição.
O Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de analisar referida argumentação,
assim decidindo em favor da exigência do requisito aos recursos extraordinários em geral,
inclusive às causas criminais:

EMENTA: I. Questão de ordem. Recurso extraordinário, em matéria criminal e a exi-


gência constitucional da repercussão geral. 1. O requisito constitucional da repercussão geral

FGV DIREITO RIO 43


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(CF, art. 102, § 3º, red. EC 45/2004), com a regulamentação da L. 11.418/06 e as normas
regimentais necessárias à sua execução, aplica-se aos recursos extraordinários em geral, e, em
conseqüência, às causas criminais. 2. Os recursos ordinários criminais de um modo geral, e,
em particular o recurso extraordinário criminal e o agravo de instrumento da decisão que
obsta o seu processamento, possuem um regime jurídico dotado de certas peculiaridades
- referentes a requisitos formais ligados a prazos, formas de intimação e outros - que, no en-
tanto, não afetam substancialmente a disciplina constitucional reservada a todos os recursos
extraordinários (CF, art. 102, III). 3. A partir da EC 45, de 30 de dezembro de 2004 - que
incluiu o § 3º no art. 102 da Constituição -, passou a integrar o núcleo comum da disciplina
constitucional do recurso extraordinário a exigência da repercussão geral da questão consti-
tucional. 4. Não tem maior relevo a circunstância de a L. 11.418/06, que regulamentou esse
dispositivo, ter alterado apenas texto do Código de Processo Civil, tendo em vista o caráter
geral das normas nele inseridas. 5. Cuida-se de situação substancialmente diversa entre a L.
11.418/06 e a L. 8.950/94 que, quando editada, estava em vigor norma anterior que cuidava
dos recursos extraordinários em geral, qual seja a L. 8.038/90, donde não haver óbice, na
espécie, à aplicação subsidiária ou por analogia do Código de Processo Civil. 6. Nem há falar
em uma imanente repercussão geral de todo recurso extraordinário em matéria criminal, por-
que em jogo, de regra, a liberdade de locomoção: o RE busca preservar a autoridade e a uni-
formidade da inteligência da Constituição, o que se reforça com a necessidade de repercussão
geral das questões constitucionais nele versadas, assim entendidas aquelas que “ultrapassem os
interesses subjetivos da causa” (C.Pr.Civil, art. 543-A, § 1º, incluído pela L. 11.418/06). 7.
Para obviar a ameaça ou lesão à liberdade de locomoção - por remotas que sejam -, há sempre
a garantia constitucional do habeas corpus (CF, art. 5º, LXVIII). II. Recurso extraordinário:
repercussão geral: juízo de admissibilidade: competência. 1 . Inclui-se no âmbito do juízo
de admissibilidade - seja na origem, seja no Supremo Tribunal - verificar se o recorrente, em
preliminar do recurso extraordinário, desenvolveu fundamentação especificamente voltada
para a demonstração, no caso concreto, da existência de repercussão geral (C.Pr.Civil, art.
543-A, § 2º; RISTF, art. 327). 2. Cuida-se de requisito formal, ônus do recorrente, que, se
dele não se desincumbir, impede a análise da efetiva existência da repercussão geral, esta sim
sujeita “à apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal” (Art. 543-A, § 2º). III. Recurso
extraordinário: exigência de demonstração, na petição do RE, da repercussão geral da questão
constitucional: termo inicial. 1. A determinação expressa de aplicação da L. 11.418/06 (art.
4º) aos recursos interpostos a partir do primeiro dia de sua vigência não significa a sua plena
eficácia. Tanto que ficou a cargo do Supremo Tribunal Federal a tarefa de estabelecer, em seu
Regimento Interno, as normas necessárias à execução da mesma lei (art. 3º). 2. As alterações
regimentais, imprescindíveis à execução da L. 11.418/06, somente entraram em vigor no dia
03.05.07 - data da publicação da Emenda Regimental nº 21, de 30.04.2007. 3. No artigo 327
do RISTF foi inserida norma específica tratando da necessidade da preliminar sobre a reper-
cussão geral, ficando estabelecida a possibilidade de, no Supremo Tribunal, a Presidência ou
o Relator sorteado negarem seguimento aos recursos que não apresentem aquela preliminar,
que deve ser “formal e fundamentada”. 4. Assim sendo, a exigência da demonstração formal
e fundamentada, no recurso extraordinário, da repercussão geral das questões constitucionais
discutidas só incide quando a intimação do acórdão recorrido tenha ocorrido a partir de 03
de maio de 2007, data da publicação da Emenda Regimental n. 21, de 30 de abril de 2007.
(AI-QO 664567 / RS - RIO GRANDE DO SUL - QUESTÃO DE ORDEM NO
AGRAVO DE INSTRUMENTO

FGV DIREITO RIO 44


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Relator(a): Min. MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE. Julgamento: 18/06/2007. Órgão


Julgador: Tribunal Pleno)

Tratando-se de conceito juridicamente indeterminado, caberá ao Supremo Tribunal


Federal avaliar, diante do caso concreto, se o julgamento da questão constitucional tem
importância geral, nos aspectos de sua relevância política, econômica, social ou jurídica.
Nos informativos de jurisprudência publicados semanalmente pelo Supremo Tribunal Fe-
deral, já é possível encontrar espaço reservado à questões já analisadas e consideradas de repercus-
são geral, como as abaixo colacionadas, encontradas no Informativo 507, de maio de 2008:

“REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 575.093-SP


RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
COFINS - SOCIEDADES CIVIS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - LEI Nº
9.430/96 - PROCESSO LEGISLATIVO - ISENÇÃO - DISCIPLINA MEDIANTE LEI
ORDINÁRIA - RESERVA DE PLENÁRIO. Possui repercussão geral controvérsia sobre a
observância do processo legislativo e do princípio da reserva de Plenário, considerada revoga-
ção de isenção por meio de lei ordinária.”

“REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 576.464-GO


RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR ESTADUAL MILITAR.
TRANSFERÊNCIA DE OFÍCIO. INEXISTÊNCIA DE INSTITUIÇÃO DE ENSINO
SUPERIOR CONGÊNERE À DE ORIGEM. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GE-
RAL. Questão relevante do ponto de vista social e jurídico.”

A repercussão geral passou, portanto, a ser pressuposto constitucional de admissibili-


dade do recurso. Entendendo o STF, pela manifestação de dois terços de seus membros, que
o requisito não restou demonstrado, poderá recusar o recurso.
Essa demonstração cabe ao recorrente, em preliminar, para que o STF comece a análi-
se do recurso por esse ponto. É uma espécie de preliminar da preliminar, pois será analisada
antes mesmo das questões atinentes aos pressupostos processuais.
Criou-se um mecanismo de contenção dos recursos, permitindo que haja uma valora-
ção da matéria na esfera da admissibilidade, descartando-se as questões que não apresentem
relevância.
De qualquer forma, a referida lei esclarece que quando se tratar de impugnação à
jurisprudência dominante ou súmula do STF, sempre há repercussão geral e o recurso não
poderá ser inadmitido por esse motivo (Art. 543-A, § 3º do CPC). Trata-se de um caso
que a lei já define objetivamente a existência do requisito de admissibilidade do recurso
extraordinário.
Há ainda uma questão procedimental muito importante. Quando houver vários casos
idênticos no Tribunal de origem, deverá este remeter somente um deles, como exemplo, ao
Supremo. Os demais ficarão sobrestados até o pronunciamento do STF. Cria-se, desse modo,
uma espécie de Recurso Extraordinário retido. Note-se que, negado o recurso enviado como
exemplo, todos os demais serão automaticamente inadmitidos. Pelos parágrafos 1º e 2º do
Artigo 543-B, criou-se instâncias nos tribunais como se fossem sucursais do STF. Desta for-
ma, a inadmissão pela repercussão geral, aos poucos, impedirá a subida dos autos ao STF.

FGV DIREITO RIO 45


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Essa foi a solução encontrada pelo constituinte derivado para evitar que controvérsias
concretas insignificantes, de absoluta irrelevância jurídica, sejam submetidas à apreciação
do Supremo. É uma espécie de filtragem das matérias a serem definidas pelo STF via recur-
sal. Tal requisito serve para reduzir a distribuição de recursos extraordinários ao Supremo
Tribunal Federal e racionalizar o seu processamento em todo o Poder Judiciário. Ele per-
mite que uma única decisão em cada questão constitucional. Assim, a Corte não precisa se
pronunciar em outros processos com idêntica matéria. Ao mesmo tempo, convertidos em
última instância para as ações que envolvem questões de interesse exclusivo das partes, o
Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal Superior do Trabalho e os Tribunais de Justiça saem
fortalecidos.
É mais um mecanismo, como já estudado, na tentativa de reduzir o número de pro-
cessos que chegam ao STF todos os anos.
A análise dessa nova questão inaugura um sistema próximo do sistema americano, em
que os Ministros exercem um sistema de discricionariedade ao escolherem os processos que
vão julgar, e ao recusarem outros, in limine, que são classificados como questões menores.
O jurista André Ramos Tavares faz uma breve pesquisa de semelhante requisito no
direito comparado e sintetiza as hipóteses que possivelmente serão consideradas como de
repercussão geral em nosso ordenamento:

“Em síntese, e procurando aplicar as idéias anteriores à situação brasileira, deverá se


compreender como de “repercussão geral” (i) a temática que afete um grande número de
pessoas (Bianchi, 1994:184); (ii) que trate de “assuntos significativos” (Morello, 1997:4); (iii)
que possua um significado geral, socialmente relevante; que transcenda os interesses egoís-
ticos e pessoais das partes processuais envolvidas; que tenha “repercussão considerável sobre
o conjunto do ordenamento jurídico e político” (Favoreu, 1997:103). Ou, ainda, as causas
quando envolvam (i) aspectos econômicos de monta; (ii) temas já amplamente debatidos mas
ainda pendentes em diversas instâncias judiciais, com decisões contraditórias; (iii) assuntos
intrinsecamente relacionados a causas pendentes de julgamento no STF. Evidentemente, e
seria até desnecessário dize-lo, a enumeração não pretende ser exaustiva.24”

Quase um ano após a regulamentação da repercussão geral pela Lei 11.418/2007, o


Supremo Tribunal Federal devolveu apenas 26% dos recursos por falta deste requisito. Com
a utilização deste instituto o Pleno não precisou decidir questões de interesse meramente
individual tais como25:

– dano moral para torcedor que se sentiu prejudicado com o rebaixamento de seu time
(RE 565.138);
– se o Estado tem que indenizar por emitir CPF em duplicidade (RE 570.846);
– possibilidade de redução de multa quando a sentença já transitou em julgado (RE
556.385);
– obrigatoriedade da colocação de semáforos em faixas de pedestres (RE 565.506). 24
TAVARES, André Ramos. Re-
forma do Judiciário no Brasil
Pós-88. Saraiva. 2005, p.101.
Outra importante inovação trazida pela Emenda Constitucional nº 45/2004, em re- 25
COSTA, Priscyla. Relevância
lação ao cabimento do recurso extraordinário perante o STF, foi a ampliação das hipóteses Suprema. Disponível no sítio
www.conjur.estadao.com.
de cabimento, passando a dispor que o recurso será cabível, também, quando a decisão br. Acesso em o6 de junho de
2008.
recorrida tiver julgado válida lei local contestada em face de lei federal (alínea d). Essa

FGV DIREITO RIO 46


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competência, antes da alteração era do STJ, que conhecia a questão através do recurso
especial. Com isso, houve o reconhecimento de que conflito entre lei local e lei federal
implica controvérsia constitucional, não meramente legal, como se entendia. Andou bem
o constituinte derivado, pois a questão envolve a partilha e exercício de competências entre
os entes federativos.

Caso de sedimentação:

Anencefalia
PIEDADE, 27 anos, auxiliar de serviços gerais de empresa privada, mãe de Lucas, 3
anos, e Felizardo, 9 anos, grávida de cinco meses, descobre em exame de ultrassonografia re-
alizado no Hospital Municipal Fernandes Figueira ser anencefálico o feto que está gestando.
Realizados exames adicionais de confirmação, foram todos unânimes no diagnóstico. PIE-
DADE, desde a descoberta, encontra-se em quadro clínico de depressão severa, não tendo
condições para o trabalho. Restam ainda quatro meses de gestação até o parto, quando o feto
não terá qualquer condição de sobrevivência. Diante deste quadro, PIEDADE manifesta
expressamente desejo de não prosseguir com a gravidez, tendo implorado ao médico obstetra
que lhe atende no hospital municipal, que interrompa a gestação e seu sofrimento. O médico
informa à paciente sua impossibilidade de interromper a gestação, mas indignado com sua
impotência frente ao sofrimento da paciente (não por falta de recursos da medicina, mas pela
interpretação de normas penais) leva a questão para discussão da Presidência da Confedera-
ção Nacional dos Trabalhadores na Saúde - CNTS. A CNTS decide propor ação judicial para
levar ao Judiciário o conflito. Como poderia ser judicializado o caso pela Confederação?

4.Súmula Vinculante

Uma grande inovação da Emenda Constitucional nº 45, com certeza a maior delas, foi
a súmula vinculante, recentemente regulamentada pela Lei nº 11.417, de 19 de dezembro
de 2006. Objeto de acirradas discussões doutrinárias já há muitos anos, veio a ser instituída
finalmente em nosso ordenamento jurídico em 2004.

E o que vem a ser a Súmula vinculante?


Antes de mais nada, cabe fazer aqui uma distinção entre jurisprudência, súmula e a
nova súmula vinculante. A jurisprudência é a reiteração uniforme e constante de uma de-
cisão, sempre no mesmo sentido. É o que se chama de ubi idem ratio, ibi idem jus, ou seja,
onde houver a mesma razão, aplica-se o mesmo direito. Quando chega a surgir um consenso
quase absoluto sobre o modo de se decidir uma questão, o tribunal pode sintetizar tal enten-
dimento por meio de um enunciado objetivo, sintético e conciso, denominado súmula.
Nem a jurisprudência, nem a súmula possuem caráter cogente. É apenas uma orientação
para os juízes em seus próximos julgados. Eles estão livres para decidir de acordo com a sua
convicção pessoal, optando por aplicar o entendimento jurisprudencial sumulado ou não.
Na prática, sabe-se que acabam tendo grande influência nas próximas decisões, inclu-
sive com juízes diferentes, mas trata-se de uma faculdade do julgador.
Passemos, agora sim ao conceito de súmula vinculante, previsto pelo constituinte re-
formador, da EC nº 45/2004:

FGV DIREITO RIO 47


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“Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, me-
diante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria cons-
titucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito
vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta
e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou can-
celamento, na forma estabelecida em lei.
§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas de-
terminadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e
a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de
processos sobre questão idêntica.
§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou can-
celamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de
inconstitucionalidade.
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que
indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a
procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determi-
nará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.”

É, portanto, um enunciado sobre matéria constitucional, que já havia sido reitera-


damente julgada num determinado sentido, vindo a ser aprovado pelo Supremo Tribunal
Federal e vinculando toda a Administração Pública direta e indireta e os demais órgãos do
Poder Judiciário.
A idéia de instituir a súmula vinculante surgiu da necessidade de reforço à idéia de
uma única interpretação jurídica para o mesmo texto constitucional ou legal.
Isto porque nossa Constituição, por ser tão abrangente nos direitos que assegura, por
vezes se mostra ineficaz na prática diante de tantas omissões estatais, decisões divergentes
nos tribunais, morosidade, enfim, causas que levam ao enfraquecimento do Poder Judici-
ário, ao desprestígio do Direito. Foi a crescente insatisfação e a perda da legitimidade do
Judiciário que levou o constituinte derivado a instituir a súmula vinculante como forma de
restabelecer a segurança jurídica (por meio da diminuição do número de diferentes inter-
pretações jurídicas de uma mesma norma), o princípio da igualdade (a mesma interpretação
legal deve ser aplicada aos casos concretos semelhantes) e a celeridade jurídica (impedindo
a eternização dos conflitos sobre matérias que o STF já decidiu).
Além disso, por certo, foi criada com a finalidade de produzir uma drástica redução do nú-
mero de processos. Mais uma tentativa de reduzir os gigantescos números do nosso Judiciário.
A norma constitucional se refere a edição de uma lei federal para regulamentar a ma-
téria, que foi editada em dezembro de 2006 (Lei Federal nº 11.417/2006).

E as súmulas editadas pelo Supremo antes da EC nº 45? Será que elas ganharam
efeito vinculante automaticamente?
A Emenda 45 tratou do tema em seu artigo 8º, determinando que as súmulas anterior-
mente editadas pelo STF “somente produzirão efeito vinculante após sua confirmação por dois
terços dos seus integrantes e publicação na imprensa oficial”.

“EMENTA: Agravo regimental em reclamação. 2. Súmulas vinculantes. Natureza cons-


titucional específica (art. 103-A, § 3º, da CF) que as distingue das demais súmulas da Corte

FGV DIREITO RIO 48


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(art. 8º da EC 45/04). 3. Súmulas 634 e 635 do STF. Natureza simplesmente processual, não
constitucional. Ausência de vinculação ou subordinação por parte do Superior Tribunal de
Justiça. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.25”

“EMENTA: Embargos de declaração em agravo regimental em agravo de instrumento.


Inocorrência de omissão, contradição ou obscuridade. Efeitos infringentes. Impossibilidade.
2. Incidência imediata do efeito vinculante das atuais súmulas do STF após EC no 45/2004.
Argumento incabível. 3. Embargos de declaração rejeitados26”

E quais serão os requisitos exigidos para que estas súmulas anteriores ganhem
efeito vinculante? Será que basta o preenchimento dos dois terços dos integrantes do
STF? Ou será necessário observar todos os requisitos do Artigo 103-A?
Para Fernando Capez27 “todos os requisitos da EC nº 45/2004 deverão estar preenchidos,
pois não se podem criar duas categorias de súmula vinculante, uma com e outra sem conteúdo
constitucional.”
É o que parece que será realmente exigido tendo em vista jurisprudência encontrada
no acervo do Supremo Tribunal Federal acerca do tema:

“Tem-se que as súmulas anteriores devem preencher os requisitos previstos na Consti-


tuição para serem dotadas do efeito vinculante. Daí a necessidade, estabelecida pela própria
Emenda Constitucional, de as mesmas serem submetidas à nova apreciação do próprio Su-
premo Tribunal Federal (in “Passado e futuro da súmula vinculante: considerações à luz da
Emenda Constitucional no 45/2004”, Gilmar Mendes e Samantha Meyer Pflug, p. 16).28”

E o que acontecerá quando um ato administrativo ou uma decisão judicial desres-


peitar a súmula vinculante, seja contrariando, seja aplicando-a indevidamente?
Caberá reclamação perante o STF, conforme determina o parágrafo 3º do Artigo 103-A
da Constituição Federal. Julgada procedente, o Supremo anulará o ato administrativo ou cassará
a decisão judicial e determinará que outra seja proferida de acordo com a súmula vinculante.
A Lei 11.417/06 prevê a responsabilização civil, administrativa e até mesmo penal,
dos órgãos da administração pública que não observarem o comando da súmula vinculante.
Entretanto, não dispo sobre qualquer sanção aplicável aos membros do Judiciário, sob pena
de estar punindo o juiz por exercer algo inerente a sua profissão, ou seja, a interpretação de 25
Agravo Regimental na Re-
leis. Desta forma, garantiu-se ao magistrado “a liberdade de apreciar os elementos para de- clamação 3979/DF, rel. Min.
finir se a conclusão do processo deve ser harmônica ou não com o verbete”(Ministro Marco Gilmar Mendes, j.03.05.2006.

Aurélio in notícias do STF, 08 de fevereiro de 2007). 26


Embargos de Declaração no
Agravo Regimental no Agravo
O Ministro destacou que a única hipótese plausível para que os tribunais não apli- de Instrumento n. 414207/RJ,
rel. Min. Gilmar Mendes, j.
quem a súmula vinculante se dará quando houver por parte do magistrado, a percepção de 02.05.2006.
alguma peculiaridade no caso concreto. 27
CAPEZ, Fernando. Súmula
São muitas as divergências acerca do tema. Posições antagônicas vêm sendo tomadas vinculante. Jus navigandi, Te-
resina, ano 10, n.911, 31 dez.
pelos nossos juristas. 2005. Disponível em: http://
Em síntese, a discussão gira em torno dos seguintes argumentos: a adoção da súmula jus2.uol.com.br/doutrina/tex-
to.asp?id=7710. Acesso em 07
vinculante em nosso ordenamento, acabaria por engessar o Judiciário brasileiro, paralisando nov.2006.
a evolução do Direito e transformando nossos juízes de primeiro grau em simples máquinas 28
Agravo Regimental no Agra-
vo de Instrumento, n. 414207-
copiadoras de decisões já tomadas. RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, j.
Assim pensam alguns juristas como, por exemplo, Luiz Flávio Gomes: em 02.05.2006.

FGV DIREITO RIO 49


organização da justiça e do ministério público

“A inconstitucionalidade da súmula vinculante é evidente (cf. Gomes, L. Flávio, A


dimensão da magistratura no Estado de Direito, São Paulo, RT, 1997, p.202 e ss). Toda in-
terpretação, dada por um Tribunal a uma lei ordinária, por mais sábia que seja, jamais pode
vincular os juízes das instâncias inferiores, que devem julgar com absoluta e total indepen-
dência. A súmula vinculante viola a independência jurídica do juiz, isto é, sua independência
interna (dentro da e frente à própria instituição a que pertence).”

Ou ainda a boa argumentação de Renato Marcão:

“A súmula vinculante, além de outras sérias implicações que não comportam aborda-
gem nas linhas deste trabalho, mitigou de forma significativa os limites da coisa julgada e
impôs ao órgão jurisdicional de Superior Instância a tarefa de “dizer o direito em tese”, em
caráter genérico e universal, atribuição para a qual nunca esteve autorizado politicamente,
carecendo de legitimação democrática, a configurar, ainda, perigoso desvio de sua missão
de dizer o direito casos a caso, compondo os conflitos de interesse na exata medida de suas
realidades.”

Mas há também juristas renomados a favor da súmula vinculante:

“Não concordamos com esse posicionamento, nem tampouco nos parece que a edição
de súmulas vinculantes poderá acarretar o engessamento e conseqüente paralisia na evolução
e interpretação do Direito.
(...)
A EC nº 45/04 possibilitou ao supremo Tribunal Federal, assim como à Corte Suprema
Americana e à Câmara dos Lordes inglesa, a não vinculação ad eternum a seus próprios pre-
cedentes, podendo, a partir de novas provocações, reflexões e diversas decisões futuras, alterar
a interpretação dada em matéria constitucional e, consequentemente, proceder a revisão ou
cancelamento da súmula, o que impedirá qualquer forma de engessamento e paralisia na evo-
lução do Direito, sem, contudo, desrespeitar os princípios da igualdade, segurança jurídica e
celeridade processual.29”

Alexandre de Moraes e Fernando Capez concordam que como forma de não engessar a
atividade do julgador, este poderá, ao constatar que não há plena similitude entre a súmula
vinculante e a matéria no caso concreto que está sendo apreciada, concluir pela presença de
um elemento diferenciador e não aplicar a súmula, desde que o faça fundamentadamente.
É o que ocorre de maneira semelhante no direito norte-americano por meio de um
mecanismo processual chamado distinguishing, ou seja, é a distinção entre o caso concreto e
o precedente judicial, quando não será obrigatório o uso deste último.
Este é o cenário com o qual nos deparamos atualmente, sendo necessário aguardar que
o tempo transcorra para sabermos como irá se posicionar o Supremo, os juízes e a doutrina.
Eis as súmulas vinculantes já aprovadas pelo Supremo Tribunal Federal:

Súmula n.º 1 – FGTS


Ofende a garantia constitucional do ato jurídico perfeito a decisão que, sem ponderar
29
MORAES, Alexandre de.
as circunstâncias do caso concreto, desconsidera a validez e a eficácia de acordo constante Direito Constitucional. 20 ed.
de termo de adesão instituído pela Lei Complementar n.º 110/2001. Atlas. São Paulo. 2006, p.537.

FGV DIREITO RIO 50


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Súmula n.º 2 – Bingos e loterias


É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre
sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias.

Súmula n.º 3 – Processo administrativo no TCU


Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a
ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo
que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial
de aposentadoria, reforma e pensão.

Súmula Vinculante nº 4
Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como
indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser
substituído por decisão judicial.

Súmula Vinculante nº 5
A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não
ofende a Constituição.

Súmula Vinculante nº 6
Não viola a Constituição o estabelecimento de remuneração inferior ao salário míni-
mo para as praças prestadoras de serviço militar inicial.

Súmula Vinculante nº 7
A norma do § 3º do artigo 192 da Constituição, revogada pela Emenda Constitu-
cional nº 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicação
condicionada à edição de lei complementar.

Súmula Vinculante nº 8
São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-Lei nº 1.569/1977 e
os artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/1991, que tratam de prescrição e decadência de crédito
tributário.

Súmula Vinculante nº 9
O disposto no artigo 127 da Lei nº 7.210/1984 (lei de execução penal) foi recebido
pela ordem constitucional vigente, e não se lhe aplica o limite temporal previsto no caput
do artigo 58.

Súmula Vinculante nº 10
Viola a cláusula de reserva de plenário (cf. artigo 97) a decisão de órgão fracionário
de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.

FGV DIREITO RIO 51


organização da justiça e do ministério público

5. Súmula impeditiva de recurso

A reforma processual instituída por diversas leis promulgadas nos últimos anos, restou
por determinar a inadmissibilidade de apelações deduzidas contra sentenças apoiadas em
súmulas do STJ e do STF.
Trata-se da chamada súmula impeditiva de recurso, trazida ao ordenamento pela Lei
11276/2006, mais um instrumento processual criado para diminuir e dificultar o acesso aos
tribunais superiores.
Assim, a nova redação do Artigo 518, §1º do Código de Processo Civil:

“O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade


com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.”

Aqui, é o próprio magistrado de primeiro grau que, analisando a conformidade da


sentença recorrida com a súmula dos Tribunais Superiores, não receberá o recurso.
Sua manifestação dirige-se ao mérito do recurso sem que se trate de súmula vinculante
(até porque não existe essa figura com relação ao STJ).
A questão deve guardar simetria entre o decidido e o enunciado. Caso contrário, a
apelação deve prosseguir.
Duas novas situações surgem em relação a esta inovação.

Vamos supor que uma apelação seja recebida, chegando ao segundo grau. Ocorre
que o caso se enquadra perfeitamente ao Artigo 518, §1º do CPC, ou seja, seria caso
de aplicação da súmula impeditiva de recurso ainda em sede de juízo de primeiro grau.
deve o Ministério Público alertar sobre o fato em seu parecer?

Questão diferente ocorreria se o Ministério Público, ainda em primeiro grau, tomasse


ciência que o juiz de primeiro grau inadmitiu um recurso sob o fundamento da súmula im-
peditiva, quando não era caso de sua aplicação. Sendo o Parquet chamado a se manifestar,
qual o recurso cabível? na opinião de Luís Rodrigues Wambier, o recurso cabível é o agravo
de instrumento, sendo certo que as razões do agravo devem se dirigir ao Artigo 518, §1º
e não às razões da apelação, por força do princípio da dialeticidade. Desta forma, pode-se
discutir o alcance da súmula, que não atingiria o caso concreto, porque os fatos deste não se
ajustam à hipótese da súmula.
Uma novidade apontada por Cassio Scarpinella Bueno é a de que Recurso Extraordi-
nário ou Especial interpostos contra acórdão fundado em súmula do STF ou STJ pode ter
seu trânsito negado na origem por aplicação deste dispositivo.

Caso de sedimentação

Uma determinada entidade de classe impetra um mandado de segurança em favor de


seus associados, sem que para tanto tenha obtido a autorização individualizada de cada um
destes. O juiz competente para a causa, não conhece o mandado de segurança por entender
que falta à ação perfeição quanto à legitimidade ativa (requisito de autorização de cada
associado). A entidade de classe, então, faz uma reclamação ao STF sob o argumento que a
decisão judicial contraria a Súmula 629 do STF (A impetração de mandado de segurança co-

FGV DIREITO RIO 52


organização da justiça e do ministério público

letivo por entidade de classe em favor dos associados, independe da autorização destes), pedindo
a cassação da mesma e que outra seja proferida em respeito à súmula.
Pergunta-se: Procede a reclamação?

QUESTÕES DE CONCURSOS:

1) A instituição da súmula vinculante (Artigo 103-A da Constituição) pela Reforma do


Judiciário (EC 45/04) viola a independência funcional dos juízes? Resposta objetiva-
mente justificada
02. Assinale a assertiva INCORRETA: (Magistratura –TJ/RS 2000)
(a) Os Juízes togados singulares não podem declarar a inconstitucionalidade das leis
nacionais.
(b) O Presidente da República pode apor veto a projeto de lei aprovado no Congresso
Nacional, de iniciativa do Poder Judiciário, com fundamento em inconstituciona-
lidade.
(c) A Constituição Federal não prevê possibilidade de ação direta de inconstitucionali-
dade contra lei municipal que a ofenda.
(d) O controle concentrado da constitucionalidade pode ser exercido pelo Supremo
Tribunal Federal e pelos Tribunais de Justiça dos Estados.
(e) O Senado Federal tem a competência de suspender a execução de lei declarada in-
constitucional em decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.

FGV DIREITO RIO 53


organização da justiça e do ministério público

Aulas 4 e 5: O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA e a JUSTIÇA FEDERAL

1) O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

No organograma do Judiciário, logo abaixo do Supremo Tribunal Federal, cúpula de


todo o Poder Judiciário brasileiro, está o Superior Tribunal de Justiça, órgão previsto no
Artigo 92, II da Constituição Federal, também com sede na Capital Federal e jurisdição em
todo o território nacional. Alguns juristas30 criticam tal colocação topográfica, que daria ao
STJ uma proeminência hierárquica em relação aos demais Tribunais Superiores (TSE,TST
e STM). Não concordam, portanto, com o fato de ser o STJ, juntamente com o Supremo,
um órgão de superposição, como pensa Ada Pellegrini Grinover31.
O Superior Tribunal de Justiça, de fato, relaciona-se com a Justiça comum (Justiça Fe-
deral e Justiça Estadual), sendo o órgão de jurisdição máxima de tal Justiça. Com efeito, não
recebe causas oriundas das Justiças especiais (direito trabalhista, eleitoral e militar), apesar
de serem estas matérias de competência legislativa da União. Para estes juristas, mais correto
seria considerar o Superior Tribunal de Justiça como instância máxima para assuntos de
direito federal comum infraconstitucional, ou seja, é o Superior Tribunal de Justiça a última
instância da Justiça brasileira para as causas infraconstitucionais não relacionadas diretamen-
te à Constituição. Como órgão de convergência da Justiça comum, aprecia causas oriundas
de todo o território nacional, em todas as vertentes jurisdicionais não-especializadas.
O Tribunal é inovação da Constituição de 1988, sendo a�������������������������������
corte responsável por unifor-
mizar a interpretação da lei federal em todo o Brasil, seguindo os princípios constitucionais
e a garantia e defesa do Estado de Direito. Foi criado com a função de absorver parte da
competência que até então era afeta ao Supremo Tribunal Federal. O Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, regulamentando a transição entre a Constituição anterior e a
atual, dispôs em seu artigo 27 sobre a extinção do antigo Tribunal Federal de Recursos e a
criação do STJ. Instalado inicialmente sobre a presidência do STF, o STJ teve sua composi-
ção definida mediante dois critérios: aproveitamento dos ministros do TFR e nomeação de
ministros necessários para completar o número de 33 magistrados, definido na CR/88.

2) COMPOSIÇÃO

Composto por no mínimo 33 ministros, que serão nomeados pelo presidente da Re-
pública dentre brasileiros com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, notável saber
jurídico e reputação ilibada, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado
Federal. São os mesmos requisitos e condições especiais impostas para o cargo de Ministro
do Supremo Tribunal Federal, exceto o de tratar-se de brasileiro nato (Art. 12, § 2º e §3º,
IV). Estão excluídos da possibilidade de nomeação, portanto, somente os estrangeiros. A
composição atual do STJ conta hoje com o ministro Felix Fischer, que é natural de Ham-
burgo, Alemanha. O eminente ministro é, portanto, brasileiro naturalizado. 30
WAGNER Junior, Luiz Gui-
Existem regras pré-determinadas para a escolha de seus ministros, aplicando-se a regra lherme da Costa [et al]. “ Poder
Judiciário e Carreiras Jurídicas”,
do que poderíamos chamar de terço constitucional. Editora Del Rey, 2006, pág. 76
– 1/3 de juízes do Tribunal Regional Federal; e seguintes.

– 1/3 de desembargadores dos Tribunais de Justiça Estaduais; 31


GRINOVER, Ada Pellegrini [et
al]. Teoria Geral do Processo.
– 1/3, em partes iguais, dentre advogados e membros do Ministério Público Federal, Editora Malheiros, 22ª edição.
Estadual, do Distrito Federal e Territórios, alternadamente. É o “princípio constitucional da 2006.

FGV DIREITO RIO 54


organização da justiça e do ministério público

paridade entre as duas classes”, conforme disposto pelo min. Carlos Velloso32 no julgamento
de um mandado de segurança sobre semelhante questão.
E como deve ser resolvida a questão para o caso do Tribunal contar com um número
ímpar de vagas para o terço constitucional? Não teríamos como atingir a paridade plena
entre as classes. Como se resolver tal questão?
O Supremo, no mesmo julgamento supramencionado, determinando que quando for
ímpar o número de vagas destinadas ao terço constitucional, uma delas será, alternada e su-
cessivamente, preenchida por advogado e por membro do Ministério Público, de tal forma
que, também sucessiva e alternadamente, os representantes de uma dessas classes superem
os da outra em uma unidade.
Isso foi o que o então ministro do Supremo Tribunal Federal, min. Octavio Galotti,
chamou de “critério subsidiário de alternância.33”

“De toda essa evolução legislativa, pode deduzir-se que a instituição do quinto constitu-
cional restringiu-se, de início, à regra da cooptação, para os Tribunais, de representantes dos
dois ramos básicos da atividade forense, alheios aos quadros da magistratura.
Passou-se, em seguida, a garantir também o equilíbrio de oportunidade entre os concor-
rentes oriundos da advocacia e do Ministério Público, equilíbrio hoje traduzido no princípio
de igualdade do número de representantes de ambas as classes, só se apelando para o critério
subsidiário de alternância, na hipótese especial prevista no art. 100, §2º, da Lei Orgânica.
Digo que a paridade é o princípio geral e a alternância uma regra subsidiária, porque o
primeiro emana da Constituição e a segunda á explicitada em norma infra-constitucional; e
ainda porque a alternância é dirigida apenas àquela “hipótese excepcional”, assim qualificada
no parecer do Ministro Xavier de Albuquerque, e destinada ao preenchimento de vaga exce-
dente do número par imediatamente inferior.”

É o próprio Superior Tribunal de Justiça quem formula a lista tríplice para preenchi-
mento das vagas na corte destinadas a juízes de Tribunal Regional Federal e Tribunais de Jus-
tiça Estaduais e envia para o presidente da República realizar a escolha (Art. 26 do RISTJ).
Dentro deste contexto, um juiz de Tribunal Regional Federal foi escolhido pelo pre-
sidente da República, dentre os integrantes da lista tríplice, para ser ministro do Superior
Tribunal Justiça. Ao enviar sua mensagem de escolha para a devida sabatina no Senado Fe-
deral, o presidente da República foi surpreendido por um mandado de segurança impetrado
pela Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE. O argumento utilizado foi que este
magistrado passara a integrar os quadros do TRF pela regra do quinto constitucional, sen-
do originariamente pertencente aos quadros da advocacia. Isso gerou muita controvérsia e
indignação dentre os juízes federais, por entenderem que tal escolha teria ferido o princípio
instituído pelo Art. 93, III da Constituição.

Pergunta-se: procede tal argumentação? Estão corretos os juízes federais? Ou o


juiz escolhido tem o direito de ser nomeado, se assim entender o Senado Federal? 32
Mandado de Segurança n.
23972-7-DF, Pleno, rel. Min.
Carlos Velloso, j. 12.09.2001, DJ
Já para a escolha dos advogados e membros do Ministério Público que comporão o 29.08.2003.

terço oriundo do MP e da OAB, serão preparadas listas sêxtuplas por cada instituição, que 33
Mandado de Segurança n.
20597-1-DF, Pleno, rel. Min.
as encaminhará ao Superior Tribunal de Justiça, na forma do Art. 26, 1º do RISTJ, abaixo Octávio Galotti, j. 22.10.1986,
transcrito: DJ 05.12.1986.

FGV DIREITO RIO 55


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CAPÍTULO VII
SEÇÃO I
Art. 26. A indicação, pelo Superior Tribunal de Justiça, de Juízes, Desembargadores,
Advogados e membros do Ministério Público, a serem nomeados pelo Presidente da Repúbli-
ca, para comporem o Tribunal, far-se-á em lista tríplice.
§ 1º. Ocorrendo vaga destinada a Advogado ou a membro do Ministério Público, o
Presidente do Tribunal, nos cinco dias seguintes, solicitará ao órgão de representação da clas-
se que providencie a lista sêxtupla dos candidatos, observados os requisitos constitucionais
(Constituição, art. 104, parágrafo único).
§ 2º. Tratando-se de vaga a ser preenchida por Juiz ou Desembargador, o Presidente soli-
citará aos Tribunais Regionais Federais e aos Tribunais de Justiça que enviem, no prazo de dez
dias, relação dos magistrados que contem mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos
de idade, com indicação das datas de nascimento (Constituição, art. 104, parágrafo único).
§ 3º. Recebida a lista sêxtupla, ou esgotado o prazo indicado no parágrafo anterior,
convocará o Presidente, de imediato, sessão do Tribunal para elaboração da lista tríplice.
§ 4º. Para a composição da lista tríplice, o Tribunal reunir-se-á, em sessão pública, com
o quorum de dois terços de seus membros, além do Presidente.
§ 5º. Somente constará de lista tríplice o candidato que obtiver, em primeiro ou sub-
seqüente escrutínio, a maioria absoluta dos votos dos membros do Tribunal, observado o
disposto no artigo 27, § 3º.
§ 6º. Os candidatos figurarão na lista de acordo com a ordem decrescente dos sufrágios
que obtiverem, respeitado, também, o número de ordem do escrutínio. Em caso de empate,
terá preferência o mais idoso.
§ 7º. A escolha dos nomes que comporão lista tríplice far-se-á em votação secreta, rea-
lizando-se tantos escrutínios quantos forem necessários.
§ 8º. Para colocação dos nomes na lista, em caso de empate far-se-á o desempate em
favor do candidato mais idoso; se ainda persistir o empate, adotar-se-á o critério do tempo de
serviço público no cargo, para os magistrados e membros do Ministério Público, ou tempo
de inscrição na Ordem como advogado, para os advogados.”

O STJ, por sua vez, elaborará lista tríplice a ser encaminhada ao presidente da Repú-
blica para escolha e posterior sabatina pelo Senado Federal.

FGV DIREITO RIO 56


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3) ORGANIZAÇÃO

A organização do STJ pode ser representada pelo gráfico abaixo descrito:

Organograma do Superior Tribunal de Justiça

Tribunal Pleno Conselho da Justiça


33 Ministros Federal
(CF, art. 104) (105, parágrafo único, CF)

Corte Especial
21 Ministros

1ª Seção 2ª Seção 3ª Seção


10 Ministros 10 Ministros 10 Ministros

1ª Turma 2ª Turma 3ª Turma 4ª Turma 5ª Turma 6ª Turma


5 Ministros 5 Ministros 5 Ministros 5 Ministros 5 Ministros 5 Ministros

Obs.: A competência da Corte Especial, das seções e das Turmas, ratione matariae, é
definida no Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. O Tribunal Pleno só exerce
funções administrativas. O Conselho da Justiça Federal exerce a supervisão administrativa e
orçamentária da Justiça Federal de 1º e 2º graus.

Para que possa cumprir melhor sua missão institucional, o Superior Tribunal de Justi-
ça (STJ) foi organizado pelo critério da especialização. Três seções de julgamento, cada uma
delas composta por duas turmas, analisa e julga matérias de acordo com a natureza da causa
submetida à apreciação. Acima delas está a Corte Especial, órgão máximo do Tribunal. As
funções administrativas do STJ são exercidas pelo plenário, integrado pela totalidade dos
ministros da Casa.

3.1) Seções de julgamento:

Existem três seções especializadas de julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ).


Cada seção é formada por duas turmas especializadas, e cada turma é integrada por cinco
ministros. A Primeira Seção, composta por ministros da Primeira Turma e da Segunda Tur-
ma, aprecia matérias de Direito Público, com destaque para as questões administrativas e
tributárias, entre outras. A Segunda Seção, composta por ministros da Terceira Turma e da
Quarta Turma, decide sobre matérias de Direito Privado, examinando questões de Direito
Civil e Comercial. Já a Terceira Seção, composta por ministros da Quinta Turma e da Sexta
Turma, julga causas que envolvam matérias de Direito Penal, como habeas-corpus, bem

FGV DIREITO RIO 57


organização da justiça e do ministério público

como questões previdenciárias, mandados de segurança contra ministros de Estado e maté-


rias de Direito Público e Privado não cobertas pela Primeira e Segunda seções. É nas seções
especializadas que são julgados os processos de competência originária do STJ, aqueles que
têm início no próprio Tribunal. São exemplos de processos originários os mandados de
segurança, as ações rescisórias, os conflitos de competência e, ainda, os embargos de diver-
gência, que buscam uniformizar a interpretação do Direito entre as turmas de uma mesma
seção, quando estas divergirem.
Quando há divergência de interpretação do Direito entre as turmas de uma mesma se-
ção, os feitos são remetidos à respectiva seção. Nos casos em que há divergência de interpre-
tação entre turmas de diferentes seções, o exame da questão é remetido à Corte Especial.
No STJ, as turmas reúnem-se com a presença de, pelo menos, três ministros. Têm
prioridade de julgamento as causas criminais, havendo réu preso, e os habeas-corpus.

3.2) Plenário:

Constituído pela totalidade dos ministros do Tribunal, o Plenário é o órgão do Supe-


rior Tribunal de Justiça (STJ) que resolve as questões administrativas sob responsabilidade
dos magistrados. É o Plenário do STJ que dá posse aos membros do Tribunal e elege, a cada
dois anos, o presidente e o vice-presidente da Corte. É ali também onde se vota o Regimen-
to Interno do STJ e suas emendas, assim como os nomes que compõem as listas tríplices dos
juízes, desembargadores, advogados e membros do Ministério Público que devam compor
o Tribunal. Como a Corte Especial, o Plenário é dirigido pelo presidente do STJ, a quem
cabe fazer a convocação dos ministros quando houver matéria em pauta. Tanto quanto os
ministros do Supremo, os ministros do STJ, qualquer que seja a origem, uma vez empossa-
dos, ficam sob as garantias e vedações constitucionais, já estudadas, que são destinadas aos
juízes togados.

3.3) Conselho de Justiça Federal:

O Conselho da Justiça Federal (CJF), com sede em Brasília-DF, tem como missão pro-
mover e assegurar a integração e o aprimoramento humano e material das instituições que
compõem a Justiça Federal, sem prejuízo da autonomia necessária ao bom desempenho dessas
unidades. O Colegiado do CJF é formado por cinco ministros do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) e pelos presidentes dos cinco Tribunais Regionais Federais do país, sendo presidido pelo
presidente e vice-presidente do STJ. A competência do CJF está prevista no parágrafo único
do art. 105 da Constituição Federal – exercer a supervisão administrativa e orçamentária da
Justiça Federal de primeiro e segundo graus – e na Lei n. 8.472/1992. As propostas orçamen-
tárias aprovadas pelos Tribunais Regionais Federais (TRFs), propostas de criação ou extinção
de TRFs, de criação de novos cargos de juiz federal ou de varas federais são examinadas pelo
Colegiado do CJF e encaminhadas à apreciação do Superior Tribunal de Justiça. Passam pela
aprovação exclusiva do Colegiado do CJF as propostas de normatização de procedimentos
administrativos para a Justiça Federal, ou de fixação das políticas e diretrizes de atuação das
Secretarias do CJF. As decisões do Colegiado do CJF que fixam normas são objeto de Resolu-
ções, atos normativos cujo cumprimento é obrigatório em toda a Justiça Federal.
Por meio de seus atos administrativos, o CJF tem regulamentado uma série de ativida-
des essenciais à celeridade na prestação jurisdicional da Justiça Federal. Em decorrência da

FGV DIREITO RIO 58


organização da justiça e do ministério público

criação dos Juizados Especiais Federais, pela Lei 10.259/2001, o Conselho dotou-se, ainda,
de função jurisdicional.
Em setembro de 2002 começou a funcionar junto ao CJF a Turma Nacional de Uni-
formização da Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, órgão julgador colegiado que
aprecia, em grau de recurso, processos oriundos dos Juizados. A uniformização da Jurispru-
dência dos Juizados, promovida pela Turma Nacional, é de fundamental importância para
a garantia da celeridade e da segurança jurídica desses juízos.
A partir da entrada em vigor da Emenda Constitucional nº45, o CJF passou a ter
também poderes correicionais, cujas decisões terão caráter vinculante.

4) COMPETÊNCIA

O Superior Tribunal de Justiça é considerado o guardião do ordenamento jurídico fe-


deral. É o defensor da lei federal e unificador do Direito. Da mesma forma que o Supremo,
o STJ também possui competências originária e recursal.

Competência originária

Compete ao STJ processar e julgar originariamente os casos em que as altas autorida-


des da República, que não estejam sob a jurisdição do STF, tenham seus direitos fundamen-
tais ameaçados ou concretamente violados, ou quando estas mesmas autoridades estiverem
violando direitos fundamentais dos cidadãos.
Assim, compete ao STJ, processar e julgar, originariamente, consoante o Artigo 105
da CF:

“Art. 105 - Compete ao Superior Tribunal de Justiça


I – processar e julgar, originariamente:
a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e
nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Dis-
trito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos
Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros
dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União
que oficiem perante tribunais;
b) os mandados de segurança e os habeas data contra ato de Ministro de Estado, dos
Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica ou do próprio Tribunal;
c) os habeas corpus, quando o coator ou paciente for qualquer das pessoas mencionadas
na alínea “a”, ou quando o coator for tribunal sujeito à sua jurisdição, Ministro de Estado
ou Comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da
Justiça Eleitoral;
h) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atri-
buição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, excetu-
ados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da
Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal;

FGV DIREITO RIO 59


organização da justiça e do ministério público

Igualmente, compete ao STJ resolver conflitos de competência entre quaisquer tri-


bunais, ressalvada a competência do STF, bem como entre tribunal e juízes a ele não vincu-
lados e entre juízes vinculados a tribunais diversos.

STJ TSE TST TSM

TRF TJ TRE TRT TJM

Juízes Juízes Juiz Juiz


Federais Estaduais Eleitoral Trabalhista

Em 2005, como parte da reforma do Judiciário, o STJ assumiu também a competên-


cia para analisar algumas matérias internacionais, como a concessão de cartas rogatórias e o
processamento e julgamento da homologação de sentenças estrangeiras. Até então, a apre-
ciação desses pedidos era feita no Supremo Tribunal Federal (STF)34.

Competência Recursal

Recuso Ordinário constitucional


Compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar, em recurso ordinário:
a) os “habeas-corpus” decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regio-
nais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a
decisão for denegatória;
b) os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais
Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando denega-
tória a decisão; e
c) as causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo internacional, de
um lado, e, do outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País;

Recurso Especial
É uma modalidade de recurso cuja finalidade precípua é a defesa do direito federal e
a unificação da jurisprudência, preservação da unidade e da autoridade do direito federal.
Não abrange, porém, o exame da matéria de fato. Deve se restringir à análise jurídico-cons-
titucional do recurso. Compete ao STJ julgar, mediante recurso especial, as causas decididas
em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos
Estados, Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:
a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;
Isso é o mesmo que tê-la por inexistente, negar-lhe vigência, deixar de aplicá-la ou
violá-la. É obrigatória aqui a indicação do dispositivo legal violado. 34
O STF manteve a compe-
b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; tência para processar e julgar,
originariamente, o litígio entre
c) dar a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal. Estado estrangeiro ou organis-
A Súmula 13 do STJ ressalta que a divergência deve se dar entre tribunais diferentes. mo internacional e a União, o
Estado, o Distrito Federal ou o
Divergência entre julgados do mesmo tribunal não enseja recurso especial. Tal divergência, Território e a extradição soli-
citada por Estado estrangeiro
ainda, deve ser atual. Se o entendimento trazido à colação como paradigma já se encontra (Artigo 102, I, alíneas e e g da
superado no tribunal que o proferiu, o recurso não será admitido. Ressalte-se também aqui Constituição Federal).

FGV DIREITO RIO 60


organização da justiça e do ministério público

a necessidade de prequestionamento e conseqüente análise por parte do Tribunal Regional


Federal ou dos Tribunais Estaduais ou do Distrito Federal da questão federal a ser posterior-
mente analisada pelo Superior Tribunal de Justiça.
Recentemente, uma alteração foi produzida em nosso Código de Processo Civil a res-
peito do processamento do recurso especial. Trata-se da Lei 11.672, de 8 de maio de 2008,
cuja vacatio legis é de 90 dias, que introduziu o Artigo 543-C, desta forma redigido:

Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica


questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo.
§ 1o Caberá ao presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representati-
vos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspen-
sos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça.
§ 2o Não adotada a providência descrita no § 1o deste artigo, o relator no Superior
Tribunal de Justiça, ao identificar que sobre a controvérsia já existe jurisprudência dominante
ou que a matéria já está afeta ao colegiado, poderá determinar a suspensão, nos tribunais de
segunda instância, dos recursos nos quais a controvérsia esteja estabelecida.
§ 3o O relator poderá solicitar informações, a serem prestadas no prazo de quinze dias,
aos tribunais federais ou estaduais a respeito da controvérsia.
§ 4o O relator, conforme dispuser o regimento interno do Superior Tribunal de Justiça
e considerando a relevância da matéria, poderá admitir manifestação de pessoas, órgãos ou
entidades com interesse na controvérsia.
§ 5o Recebidas as informações e, se for o caso, após cumprido o disposto no § 4o deste
artigo, terá vista o Ministério Público pelo prazo de quinze dias.
§ 6o Transcorrido o prazo para o Ministério Público e remetida cópia do relatório aos
demais Ministros, o processo será incluído em pauta na seção ou na Corte Especial, devendo
ser julgado com preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e
os pedidos de habeas corpus.
§ 7o Publicado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, os recursos especiais sobres-
tados na origem:
I – terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a
orientação do Superior Tribunal de Justiça; ou
II – serão novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão
recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça.
§ 8o Na hipótese prevista no inciso II do § 7o deste artigo, mantida a decisão divergen-
te pelo tribunal de origem, far-se-á o exame de admissibilidade do recurso especial.
§ 9o O Superior Tribunal de Justiça e os tribunais de segunda instância regulamentarão,
no âmbito de suas competências, os procedimentos relativos ao processamento e julgamento
do recurso especial nos casos previstos neste artigo.”

O dispositivo simplifica o julgamento dos recursos múltiplos fundados em matérias


idênticas para que o recurso seja mais célere.
Com a nova lei, o trâmite dos recursos especiais passa a funcionar da seguinte manei-
ra: verificada a grande quantidade de recursos sobre uma mesma matéria, o presidente do
tribunal de origem (Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal) poderá selecionar um
ou mais processos referentes ao tema e encaminhá-los ao Superior Tribunal de Justiça. O
julgamento dos demais feitos idênticos fica suspenso até a decisão final da Corte superior.

FGV DIREITO RIO 61


organização da justiça e do ministério público

Trata-se de mais um mecanismo de contenção dos recursos, a exemplo do que aconte- 35


Em termos gerais, a ação
civil pública, instituída pela Lei
ce no Supremo Tribunal Federal, conforme já estudado acima, que tem por finalidade redu- 7.347/85, disciplina a respon-
zir o número de processos que chegam ao Superior Tribunal de Justiça, permitindo que esta sabilidade por danos causados
aos direitos transindividuais,
Corte julgue as questões mais relevantes para a sociedade, de forma mais célere, reduzindo assim entendidos o dano ao
substancialmente o número de julgamentos produzidos. meio ambiente, ao consumidor,
a bens e direitos de valor artís-
Tais inovações, como já visto, trazem em si controvérsias a respeito dos benefícios e tico, estético, histórico, turístico
e paisagístico. Trata-se de uma
malefícios que delas advém, seja pela celeridade, por um lado, seja pelo cerceamento da das funções institucionais do
defesa no caso concreto, de outro. Ministério Público, conforme
disposto no artigo 129, III da CF.
Cabe ressaltar os motivos que le-
Caso de sedimentação varam a introdução da ação civil
pública, ao lado da ação popular
(Lei 4717/65), em nosso ordena-
mento jurídico. Teve o legislador
Ação civil púbica proposta pelo MP para tratamento de saúde de criança. em mente, principalmente, a
Felizardo, 9 anos, residente em Porciúncula/RJ, sofre de enfermidade auditiva, cujo ampliação do acesso à justiça,
permitindo que inúmeras pes-
tratamento somente se encontra disponível na cidade do Rio de Janeiro. Acompanhado de soas lesadas pudessem vindicar
sua mãe Piedade, após ter procurado a Secretaria de Saúde do Município sem sucesso, diri- seus direitos de maneira mais
eficaz. Objetivou também aten-
giu-se ao seu gabinete, ou seja, à Promotoria de Justiça da Comarca de Porciúncula. Sendo der ao princípio da economia
processual, substituindo um nú-
profissional atuante, comprometido com a concretização dos direitos fundamentais e com mero incalculável de demandas,
a atuação socialmente responsável do direito, você propôs Ação Civil Pública35 em favor do com idêntico objeto, por ações
coletivas, visando a atender,
menino, para custeio das viagens rodoviárias num único processo, o maior
(Porciúncula x Rio) necessárias ao tratamento hospitalar já obtido na rede pública número de interessados. Levou
em conta ainda o princípio da
(Hospital da UFRJ). Com a ação, obteve sentença de procedência junto ao Juízo de segurança jurídica, evitando-
se inúmeras decisões judiciais
Porciúncula, a qual foi, entretanto, reformada pelo TJERJ, que deu provimento à Apelação contraditórias, proferidas em
interposta pelo Município de Porciúncula, sob o fundamento de que não teria o MP legi- processos individuais (MENDES,
2002, p. 27-36), privilegiando a
timidade para propor ACP em favor de uma criança, eis que se trataria de direito individu- possibilidade de uma única de-
al, insuscetível de tutela pela via da ação civil pública. Considerando o direito individual cisão judicial – mais facilmente
executável – atingir maior nú-
indisponível de Felizardo (direito à saúde), como poderia o Ministério Público recorrer da mero de jurisdicionados.
A lei 8.078/90 pormenorizou
decisão proferida pelo TJERJ? e conceituou os interesses
transindividuais na forma que
se segue:
Caso de sedimentação 2 “Art. 81. A defesa dos interes-
ses e direitos dos consumidores
e das vítimas poderá ser exer-
No dia 20 de novembro de 2006, o promotor de Justiça da 34ª Vara Criminal do Rio cida em juízo individualmente,
ou a título coletivo.
de Janeiro recebe em seu gabinete peças de informação relatando o crime de lesão corporal Parágrafo único. A defesa co-
gravíssima praticado por um desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de letiva será exercida quando se
tratar de:
Janeiro contra sua esposa. Estando certa a autoria e havendo justa causa para tanto, o pro- I - interesses ou direitos difusos,
motor de Justiça forma sua opinio delict e denuncia o desembargador pela prática do crime assim entendidos, para efeitos
deste código, os transindivi-
perante o juízo de primeira instância. O Juiz da 34ª Vara Criminal, por sua vez, recebe a duais, de natureza indivisível,
de que sejam titulares pessoas
denúncia, dando prosseguimento à ação penal. Ao ser citado, o desembargador aciona seus indeterminadas e ligadas por
advogados que impetram um hábeas corpus em favor do paciente. circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos co-
Pergunta-se: Para que tribunal foi endereçado o HC? Qual a fundamentação? letivos, assim entendidos,
para efeitos deste código, os
transindividuais, de natureza
5) JUSTIÇA FEDERAL indivisível de que seja titular
grupo, categoria ou classe de
pessoas ligadas entre si ou com
A estrutura orgânica da Justiça Federal é composta por juízes federais, em primeira a parte contrária por uma rela-
ção jurídica base;
instância, e pelos Tribunais Regionais Federais, em segunda instância. Com a promulgação III - interesses ou direitos in-
da Constituição Federal de 1988, houve a extinção do antigo Tribunal Federal de Recursos dividuais homogêneos, assim
entendidos os decorrentes de
e o segundo grau de jurisdição, no âmbito federal, passou a ser exercido pelos Tribunais origem comum.”

FGV DIREITO RIO 62


organização da justiça e do ministério público

Regionais Federais então criados. O objetivo foi a regionalização dos serviços jurisdicionais
do segundo grau da Justiça Federal.

E por que surgiu a Justiça Federal, em contraposição à Justiça Estadual?


Isso se deu em decorrência da proclamação da República, que também instituiu o re-
gime federalista, quando se visualizou a conveniência de distribuir as funções jurisdicionais
entre Estados e União. Reservou-se para a Justiça Federal a competência para julgamento
das causas em que a União é parte, tudo isto para que o Estado federal não ficasse com seus
interesses subordinados ao julgamento das magistraturas das unidades federadas.
É o “sistema da dualidade da Justiça - federal e estadual”36.
Há discussão doutrinária acerca de ser a Justiça Federal de natureza comum ou especializada.
Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dina-
marco37 entendem ser a Justiça Federal pertencente à Justiça comum. Isto porque, quanto a
Justiça Especial, a Constituição atribuiu competência para causas de determinada natureza,
ramos específicos do Direito como direito trabalhista, eleitoral e militar. Já a Justiça Comum
(Estadual e Federal) conhecem qualquer matéria que não esteja contida na competência das
Justiças especializadas.
Já para Athos de Gusmão Carneiro38, a Justiça Federal é uma Justiça Especializada já que
a competência desta última vem expressamente prevista na Constituição, o que também ocorre
com os outros ramos da Justiça administrados pela União (Militar, do Trabalho e Eleitoral).
Há ainda uma posição intermediária, de Arruda Alvim39, que entende que “a jus-
tiça federal pode ser considerada, em relação à estadual, como uma justiça de índole espe-
cializada. Todavia, a Justiça Federal é comum tendo em vista o critério das normas por ela
aplicadas.”
Os julgados do Supremo Tribunal Federal, por seu turno, referem-se sistematicamente
à Justiça comum Federal, priorizando, assim, a primeira corrente examinada40.
A Constituição Federal de 1988, em seu Ato de Disposições Constitucionais Transitó-
rios, fixou em cinco o número dos Tribunais Regionais Federais a serem criados.

“Art. 27- (...)


§ 6º - Ficam criados cinco Tribunais Regionais Federais, a serem instalados no prazo de
seis meses a contar da promulgação da Constituição, com a jurisdição e sede que lhes fixar
o Tribunal Federal de Recursos, tendo em conta o número de processos e sua localização
geográfica.” 36
CAVALCANTI, Themistocles
Brandão. Manual da Constitui-
ção, 2 ed., p. 205).
São cinco regiões que, em conjunto, cobrem todo o território nacional.
37
CINTRA, Antônio Carlos de
Em cumprimento à disposição constitucional, o extinto Tribunal Federal de Recursos Araújo [et al]. Teoria Geral do
editou a Resolução 1/88 que definiu: Processo. Malheiros. 22 ed.,
p. 160.
38
CARNEIRO, Athos de Gusmão.
a) O TRF da primeira região, com sede em Brasília e jurisdição sobre o Distrito Federal Jurisdição e Competência. 9ª
ed., p. 22.
e os Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso,
39
ALVIM, Arruda. Manuela de
Minas Gerais, Pará, Piauí, Rondônia, Roraima e Tocantins; direito processual civil. 7ed.,
b) O TRF da segunda região, como sede no Rio de Janeiro e jurisdição sobre os Estados V. 1, p 345.
do Rio de Janeiro e Espírito Santo; 40
Recurso Extraordinário n.
144.880-6-DF, rel. Min. Celso
c) O TRF da terceira região, com sede em São Paulo e jurisdição sobre os Estados de de Mello, j. em 31.10.2000, DJ
São Paulo e Mato Grosso do Sul; em 02.03.2001, p. 12.

FGV DIREITO RIO 63


organização da justiça e do ministério público

d) O TRF da quarta região, com sede em Porto Alegre e jurisdição sobre os Estados do
Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina; e
e) O TRF da quinta região, com sede em Recife e jurisdição sobre os Estados de Per-
nambuco, Alagoas, Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Sergipe.

Cada região é integrada por diversas seções judiciárias, tendo em vista que abrange vários
Estados. Cada seção judiciária é composta por varas federais, cujo número é variável, criadas
por lei e localizadas onde ela dispuser. Não ficam necessariamente sediadas apenas nas capitais
dos Estados. A tendência atual é a interiorização da justiça federal de primeira instância. As va-
ras federais são titularizadas por juízes federais de carreira. A Justiça Federal de primeiro grau,
portanto, é representada pelos juízes federais, presentes em todos os Estados e no Distrito
Federal. São juízes monocráticos ao lado dos quais funciona também o Tribunal do Júri.
O ingresso na magistratura federal se dá mediante concurso público de provas e títulos
para os cargos de juiz substituto, conforme exigência do já estudado Artigo 93, I da CF.
A Lei Orgânica da Magistratura Nacional exige do candidato à judicatura federal a idade
mínima de 25 anos. Por meio de promoção, por antiguidade ou merecimento, o juiz federal
substituto chega a juiz federal. Os juízes federais de carreira são responsáveis pelo julgamen-
to das causas federais arroladas no Artigo 109 da Constituição.
O Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de se manifestar acerca do rol de
competências e decidiu que “a competência da justiça federal está limitada mediante enumera-
ção exaustiva, pelo Artigo 109 da Constituição.41”

E o que deve fazer, por exemplo, um aposentado que deseje ingressar em juízo
com uma ação previdenciária, se a cidade onde ele vive com sua família não possui vara
federal? Terá ele que se locomover até a Capital do seu Estado?
É disso que trata o Art. 109, § 3º da CF:

“Art. 109 – (...)


§ 3º - Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos se-
gurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e
segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa
condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela
justiça estadual.”

São causas federais que podem ser julgadas em condições especiais, por juízes estaduais
de primeira instância. É o que a ministra Eliana Calmon convencionou chamar de “compe-
tência delegada da justiça estadual.”42 41
Conflito de Competência
14051/SP, Min. Humberto Go-
A condição constitucional para que a delegação se dê é que não haja vara federal ins- mes de Barros.
talada na Comarca em que o segurado/beneficiário é domiciliado. Veja que tal previsão é 42
STJ – Recurso Especial
um favor constitucional. Trata-se de uma faculdade, uma opção colocada à disposição do 517.719-RS, rel. Min Eliana
Calmon, j. 26.04.2005, DJ
segurado e não uma imposição. Assim, pode o beneficiário entender melhor ingressar no 13.06.2005.
juízo federal da capital do Estado, tendo que até lá se locomover, do que ingressar no juízo 43
STF – Recurso Extraordinário
estadual de sua cidade. Esta é sua opção e deve ser respeitada43. 239594-2-RS – rel. Min. Sepúl-
veda Pertence, j. 17.11.1998,
O Artigo 109, §3º autoriza ainda que a lei preveja a delegação de competência para outras DJ 12.02.1999.
causas. Foi o que fez a Lei nº 5010/1966, que ainda hoje organiza a Justiça Federal em primeiro 44
Conflito de competência n.
grau e já declarada recepcionada pela Constituição de 198844, ao dispor em seu artigo 15: 45199, rel. Min Castro Meira.

FGV DIREITO RIO 64


organização da justiça e do ministério público

“Art. 15. Nas Comarcas do interior onde não funcionar Vara da Justiça Federal (artigo
12), os Juízes Estaduais são competentes para processar e julgar:
I - os executivos fiscais da União e de suas autarquias, ajuizados contra devedores domi-
ciliados nas respectivas Comarcas;
II - as vistorias e justificações destinadas a fazer prova perante a administração federal,
centralizada ou autárquica, quando o requerente fôr domiciliado na Comarca;
III - os feitos ajuizados contra instituições previdenciárias por segurados ou beneficiá-
rios residentes na Comarca, que se referirem a benefícios de natureza pecuniária.”

Os recursos interpostos contra atos dos juízes federais de primeiro grau, bem como dos
juízes estaduais que se pronunciem no exercício da competência delegada, são processados
e julgados pelos Tribunais Regionais Federais da região na qual estejam os julgadores de
primeiro grau.

“Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais


II - julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos juízes federais e pelos juízes
estaduais no exercício da competência federal da área de sua jurisdição”

Essa é a competência recursal dos Tribunais Regionais Federais, porém, duas exceções
devem ser mencionadas. Quando os juízes federais julgam em primeiro grau os crimes
políticos, cabe ao Supremo Tribunal Federal julgar o recurso ordinário contra tal decisão,
funcionando, neste caso, como órgão de segundo grau.

“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:


IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços
ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as
contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Consti-
tuição, cabendo-lhe:
II - julgar, em recurso ordinário:
b) o crime político;”

De forma similar, quando os juízes federais julgam em primeiro grau as causas funda-
das em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional,
o recurso cabível também é o ordinário e compete ao Superior Tribunal de Justiça julga-lo,
na função de órgão de segundo grau de jurisdição.

“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:


III - as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou
organismo internacional;

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:


II - julgar, em recurso ordinário:
c) as causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um
lado, e, do outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País”

FGV DIREITO RIO 65


organização da justiça e do ministério público

Além da competência recursal mencionada, os Tribunais Regionais Federais possuem


ainda competência originária, estabelecida no Artigo 108, I da Constituição Federal.

“Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:


I - processar e julgar, originariamente:
a) os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça
do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público
da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral;
b) as revisões criminais e as ações rescisórias de julgados seus ou dos juízes federais da
região;
c) os mandados de segurança e os “habeas-data” contra ato do próprio Tribunal ou de
juiz federal;
d) os “habeas-corpus”, quando a autoridade coatora for juiz federal;
e) os conflitos de competência entre juízes federais vinculados ao Tribunal;”

Passemos então ao estudo da estrutura orgânica do Tribunal Regional Federal.

6) TRIBUNAIS REGIONAIS FEDERAIS

As manifestações dos Tribunais Regionais Federais são, em regra, colegiadas. São


proferidas em reunião plenária ou por meio de um de seus órgãos fracionários. O pleno
dos tribunais é composto pela totalidade de seus membros. Quando o tribunal é com-
posto por mais de vinte e cinco julgadores, pode ser constituído um órgão especial para
o exercício das atribuições delegadas da competência do pleno, conforme preceitua a
CF:

“Art. 93 (...)
XI nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores, poderá ser consti-
tuído órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros, para o
exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do tribu-
nal pleno, provendo-se metade das vagas por antigüidade e a outra metade por eleição pelo
tribunal pleno;”

Os tribunais se dividem ainda em turmas julgadoras, as quais se reúnem normalmente


em seções especializadas.
No Tribunal Regional Federal da segunda região, por exemplo, que abrange o Rio
de Janeiro e o Espírito Santo, são quatro seções e oito turmas com diferentes matérias de
especialização.
Os juízes que compõem os Tribunais Regionais Federais são chamados de desembar-
gadores federais e originam-se de duas classes:

6.1. Classe do quinto constitucional

É composta de advogados com mais de dez anos de efetiva atividade profissional e


membros do Ministério Público Federal com mais de dez anos de carreira, que são indi-

FGV DIREITO RIO 66


organização da justiça e do ministério público

cados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes45. A indicação,
desta forma, inicia-se na intimidade dos órgãos de representação de classe.
No caso dos advogados, a representação é feita pela Ordem dos Advogados do Brasil:

“Art. 44. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada de perso-
nalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade:
II - promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos
advogados em toda a República Federativa do Brasil.

Art. 54 – Compete ao Conselho Federal


XIII - elaborar as listas constitucionalmente previstas, para o preenchimento dos cargos
nos tribunais judiciários de âmbito nacional ou interestadual, com advogados que estejam em
pleno exercício da profissão, vedada a inclusão de nome de membro do próprio Conselho ou
de outro órgão da OAB;46”

No caso do Ministério Público, a lista sêxtupla é elaborada pelo Colégio de Procura-


dores da República:

“Art. 53. Compete ao Colégio de Procuradores da República:


II - elaborar, mediante voto plurinominal, facultativo e secreto, a lista sêxtupla para
a composição dos Tribunais Regionais Federais, sendo elegíveis os membros do Ministério
Público Federal, com mais de dez anos de carreira, que contém mais de trinta e menos de
sessenta e cinco anos de idade, sempre que possível lotados na respectiva região;47”

Encaminhadas as listas sêxtuplas, cabe ao Tribunal Regional Federal formar lista trípli-
ce, enviando ao presidente da República que, nos vinte dias subseqüentes, escolherá um de
seus integrantes para nomeação48.

2 – Classes da magistratura de carreira

Já a classe da magistratura de carreira é integrada por juízes federais que chegam ao tri-
bunal por meio de promoção, por antiguidade ou merecimento, devendo para tanto contar
com mais de cinco anos de exercício. É uma exigência constitucional (Art. 107, II da CF).
O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou sobre o tema e decidiu que nestes cinco 45
Artigo 107, I c/c Artigo 94,
ambos da Constituição.
anos também se computa o tempo de exercício no cargo de juiz substituto49. 46
Lei 8906/94 – dispõe sobre
o Estatuto da Advocacia e a Or-
dem dos Advogados do Brasil.

7) JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS 47


Lei Complementar 75/93
– dispõe sobre a organização,
as atribuições e o Estatuto do
Ministério Público da União.
A Justiça Federal é composta ainda, com apoio no Artigo 98, §1º da Constituição e
48
Art. 94 § único e Art. 107,
Lei nº10259/2001, pelo Juizados Especiais Federais, cíveis e criminais. Compete ao Jui- caput, c/c Art. 84, XVI, todos da
zado Especial Federal Criminal “processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal Constituição Federal.

relativos às infrações de menor potencial ofensivo, respeitada as regras de continência e conexão” 49


Mandado de Segurança n.
23789-0-PE, rel. Min. Ellen
(Art. 2º da Lei 10259/01), assim entendidos os crimes cuja pena máxima não ultrapasse 2 anos, Gracie, j. 30.06.2005, DJ
cumulada ou não com multa.” 23.09.2005.

FGV DIREITO RIO 67


organização da justiça e do ministério público

Aos Juizados Especiais Federais Cíveis compete processar e julgar causas de compe-
tência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as
suas sentenças, ressalvadas as matérias excluídas pelo parágrafo 1º do Artigo 3º da Lei nº
10259/2001. Dentro da estrutura dos Juizados existem ainda as Turmas Recursais, compe-
tentes para rever as decisões dos Juizados. Trata-se de órgão colegiado, composto por três
juízes, em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado.
Existem também as Turmas de Uniformização, competentes para julgar pedido de
uniformização baseado em divergência entre decisões de turmas de diferentes regiões ou da
decisão proferida em contrariedade à súmula ou jurisprudência dominante do STJ.
O acesso aos juizados federais cíveis é optativo nos Municípios onde não houver a Vara
do Juizado Especial Federal Cível, permitindo-se ao cidadão a livre escolha entre o procedi-
mento adotado pela Justiça comum ou aquele previsto para os juizados especiais. Já nos Mu-
nicípios que possuem vara do Juizado Especial Federal Cível, ele é obrigatório, conforme
art. 3°, § 3° da Lei 10.259/0150, excetuada as causas do §1° do mesmo artigo51. O processo
nesses juízos valoriza os critérios da oralidade, da simplicidade, da informalidade, da econo-
mia processual e da celeridade, buscando sempre que possível a conciliação das partes. Nos
juizados especiais valoriza-se a prática de atos processuais da maneira mais simples possível,
possibilitando, assim, a sua realização em horário noturno, conforme dispuserem as normas
locais de organização judiciária.
Exemplos da celeridade e economia processual existente nos Juizados Especiais Cíveis
podem ser divididos em duas classes: uma destinada a qualquer parte do processo, e outra à
União, autarquias, fundações e empresas públicas federais. Em relação às partes processuais,
no Juizado Especial Federal não se admite recurso que não seja da sentença e da concessão
ou denegação das medidas cautelares (art. 5°). Quanto à União, autarquias, fundações e
empresas públicas federais, elas são tratadas de maneira idêntica ao particular, não possuin-
do esses entes prazo diferenciado para a prática de qualquer ato processual ou recursal (art.
9°), possibilidade de essas pessoas conciliarem, transigirem ou desistirem (art. 10, Parágrafo 50
§ 3º No foro onde estiver
único e art. 11, Parágrafo único), a não obrigatoriedade do reexame necessário (art. 13) e o instalada Vara do Juizado
Especial, a sua competência é
pagamento de valor até 60 salários mínimos ser feito de forma integral e independentemen- absoluta.
te de precatório (art. 17, §§ 1° e 3°). Caso o valor ultrapasse os 60 salários mínimos, o paga- 51
§ 1º Não se incluem na com-
mento deverá ser realizado integralmente por precatório judicial, facultado ao exeqüente a petência do Juizado Especial
Cível as causas:
renúncia ao crédito excedente para receber integralmente e sem precatórios (art. 17, § 4°). I - referidas no art. 109, incisos
A regulamentação dos juizados pugna pela conciliação prévia das partes, desejando-se, II, III e XI, da Constituição Fede-
ral, as ações de mandado de
assim, que a demanda não prossiga em seus trâmites regulares, mas que antes seja solucionada segurança, de desapropriação,
de divisão e demarcação, po-
na audiência de conciliação. Para tanto, valoriza a presença dos conciliadores e dos árbitros, que pulares, execuções fiscais e por
são os primeiros juízes da causa: examinam previamente o pedido, reúnem-se com as partes e, improbidade administrativa e
as demandas sobre direitos ou
se possível, conseguem a conciliação, que será posteriormente submetida ao juiz togado. interesses difusos, coletivos ou
No caso dos Juizados Especiais Criminais, verificada a ocorrência de infração penal individuais homogêneos;
II - sobre bens imóveis da
de menor potencial ofensivo pela autoridade policial, um simples termo circunstanciado União, autarquias e fundações
públicas federais;
substitui o inquérito policial, garantindo-se, assim, o exercício do princípio da oralidade. III - para a anulação ou cance-
Juntamente com a autuação sumária, deve a autoridade policial encaminhar o autor do lamento de ato administrativo
federal, salvo o de natureza
fato e o ofendido ao juizado, cumprindo-lhe, ainda, diligenciar no sentido da realização previdenciária e o de lança-
dos exames periciais necessários. Caso não seja possível a realização imediata da audiência mento fiscal;
IV - que tenham como objeto a
preliminar, o juiz designa outra data, saindo as partes intimadas. A composição nos Juizados impugnação da pena de demis-
são imposta a servidores públi-
Criminais pode operar-se por meio da composição dos danos, em que o autor da infração cos civis ou de sanções discipli-
supre o prejuízo patrimonial por ele causado à vítima, e da transação, proposta do Ministé- nares aplicadas a militares.

FGV DIREITO RIO 68


organização da justiça e do ministério público

rio Público de aceitação pelo autuado de pena não privativa de liberdade. É possível ainda
que no momento do oferecimento da denúncia oral pelo Ministério Público seja feita a
proposta de suspensão condicional do processo, pelo qual o acusado ficará submetido a um
período de prova por dois a quatro anos.
Pelo exposto, induvidosamente, são duas as funções principais desempenhadas pelos
Juizados Especiais Cíveis e Criminais. A primeira é relativa ao acesso ao Poder Judiciário;
a segunda é, conseqüentemente, a de reverter o descrédito na Justiça ocasionado pela reco-
nhecida morosidade no andamento dos processos.

8) FEDERALIZAÇÃO DOS CRIMES CONTRA OS DIREITOS HUMANOS E INCIDENTE DE


DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA

A Emenda Constitucional nº 45 de 2004 trouxe uma importante inovação ao ordena-


mento jurídico brasileiro tendo sido objeto de grandes discussões doutrinárias.
Trata-se do Incidente de Deslocamento de competência para a Justiça Federal, previsto
no Artigo 109, §5:

“Art. 109 – (...)


5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da Repú-
blica, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados
internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o
Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslo-
camento de competência para a Justiça Federal.”

Com esta inovação, o Superior Tribunal de Justiça foi “alçado à condição de tribunal da
federação, responsável pela relevante tarefa de equacionar as dificuldades relacionadas ao cum-
primento judicial de obrigações relacionada aos direitos humanos, inclusive aquelas decorrentes
de tratados internacionais versando essa temática.52”
Como já mencionado, há grande discussão doutrinária acerca do novo instituto. Parte
da doutrina vê com bons olhos a alteração feita pela EC nº 45. Isto porque a União é a
responsável, internacionalmente, pelo cumprimento dos tratados internacionais em que o
Brasil seja parte. Ocorre que, antes da EC nº 45 não havia um mecanismo de controle da
União sobre a aplicação do tratado quando a Justiça Estadual era, no caso, a responsável
pela sua aplicação. Era um contra-senso. Outros, porém, vem taxando de inconstitucional
o instituto por violação ao princípio do juiz natural, pelo qual não só o juízo ou o tribunal
para a causa devem ser previamente identificados, como também regras prévias e objetivas
para a determinação da competência dos órgãos julgadores.
Tendo em vista a excessiva abertura da expressão “grave violação dos direitos humanos”
pode ocorrer de um processo judicial já instaurado vir a ser deslocado para a Justiça Federal
com base em critérios vagos e imprecisos, ferindo desta forma a garantia que seria conferida
pelo princípio do juiz natural. São quatro as condições fixadas pela Constituição, de forma
cumulativa:

1 – estar originalmente a competência atribuída à Justiça Estadual, podendo o processo


52
TAVARES, André Ramos. Re-
forma do Judiciário no Brasil
judicial estar em qualquer fase ou mesmo ainda ser apenas um inquérito policial; pós-88. Saraiva, 2005, p.49.

FGV DIREITO RIO 69


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2 – haver grave violação dos direitos humanos. Muito se critica a indefinição desta ex-
pressão por ser alta a discricionariedade conferida ao Superior Tribunal de Justiça.
Critérios objetivos deveriam ter sido definidos de forma a limitar essa prerrogativa
do Tribunal Superior.
3 – obter o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais dos
quais o Brasil seja parte. Basta que o Brasil seja signatário do tratado. A norma não
exige, portanto, que aquele processo específico de recepção do tratado ao ordena-
mento jurídico pátrio, previsto no Artigo 5º, §3º da CF, seja deflagrado.
4 – ser suscitado pelo procurador-geral da República. Essa legitimidade exclusiva também
tem sido criticada. Teria havido um retrocesso, contrariando a moderna orientação
da Constituição quanto à abertura para acionar o controle de constitucionalidade.

Caso de sedimentação:

No dia 05 de janeiro de 2008, uma cidade foi cenário de um terrível crime. Pessoas
estavam sendo escravizadas numa fazenda no interior do Estado, duas delas vindo a falecer
naquele mesmo dia. O acontecimento virou notícia nos jornais do Brasil e do mundo, de-
vido à crueldade a que eram submetidas essas pessoas.
Os autores foram presos em flagrante e o promotor de Justiça da comarca denunciou
os mesmos pelo crime imediatamente. O juiz competente recebeu a denúncia, dando pros-
seguimento à ação penal, já estando o júri marcado para outubro de 2008.
Em maio de 2008, porém, o procurador-geral da República suscitou perante o Supe-
rior Tribunal de Justiça um incidente de deslocamento de competência para a Justiça Fede-
ral, alegando se tratar o caso em questão de grave violação aos direitos humanos.
Pergunta-se: Deve o Superior Tribunal de Justiça deferir o deslocamento?

Caso de sedimentação 2:

Em 2003, no interior do Estado do Maranhão, ocorreu um homicídio. Um homem


foi brutalmente assassinado por cerca de dez índios Guajajara. O crime aconteceu em uma
pequena cidade, vizinha à reserva indígena. O delito teria sido motivado por questões de
disputa de terras e riquezas minerais, eis que a vítima era conhecida como segurança de um
fazendeiro da região, que teria interesse na exploração de riquezas existentes no interior da
reserva indígena. Os índios foram processados e julgados pela Justiça Estadual da pequena
cidade, tendo sido condenados pelo Tribunal do Júri. O defensor público da comarca im-
petrou habeas corpus perante o TJ do Estado do Maranhão sustentando a incompetência da
Justiça Estadual, tendo sido denegatória a decisão. O Superior Tribunal de Justiça (art.105,
II, a CR), por seu turno, conheceu e julgou improcedente o recurso ordinário em habeas
corpus interposto pelos índios. Na qualidade de famoso advogado especializado em causas
afetas aos Direitos Humanos, você, que se encontra de férias na região dos Lençóis Mara-
nhenses, é procurado pelo cacique Guajajara, para que avalie as possibilidades de defesa que
ainda restam aos Índios, visto que, segundo o chefe da tribo, estes não compartilhariam
dos mesmos valores e costumes da sociedade como um todo, encontrando-se em estágio de
desenvolvimento diverso.
Decidindo ajudá-los, que medida judicial proporia?

FGV DIREITO RIO 70


organização da justiça e do ministério público

Leitura obrigatória ao inteiro teor do acórdão proferido no RHC 84308, do STF,


cuja ementa segue abaixo:

INDIOS GUAJAJARA – CONDENAÇÃO PELA JUSTIÇA ESTADUAL


Nulidade Absoluta e Laudo Antropológico
A Turma deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus interposto por índios
Guajajara condenados por crime de latrocínio pela justiça estadual, sem que fossem realizadas
as perícias antropológica e biológica, para se aferir, respectivamente, o grau de incorporação à
sociedade e a idade dos pacientes. No caso concreto, os mencionados laudos não foram efeti-
vados ao argumento de que o tema estaria precluso, bem como de que seriam desnecessários,
haja vista a existência de outros elementos capazes de evidenciar o pretendido. Tendo em
conta que a questão de preclusão é puramente de direito, passível de análise em habeas corpus,
entendeu-se pelo afastamento do aludido óbice, uma vez que se trata de nulidade absoluta e
a ausência de requerimento da perícia somente poderia ser atribuída ao Ministério Público.
No ponto, asseverou-se que o grau de instrução e a maioridade não se presumem e que a
sua demonstração é ônus do Parquet, a quem caberia comprovar a legitimidade ad causam
dos pacientes. Ademais, ressaltando que a nulidade não decorre propriamente da falta de
perícia, que não se exige, quando não necessária, aduziu-se que nos autos não se encontram
demonstrados fatos que concretizem as conclusões das instâncias anteriores. RHC provido
para anular o processo a partir da decisão que julgou encerrada a instrução, permitindo-se a
realização de perícias necessárias para a verificação do grau de integração dos pacientes e para
aferir a idade de dois deles. Mantida, no entanto, a prisão, dado que, anulada a condenação,
restabelece-se o decreto da prisão preventiva antecedente, cuja validade não é objeto do recur-
so. RHC 84308/MA, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 15.12.2005. (RHC-84308)

FGV DIREITO RIO 71


organização da justiça e do ministério público

Aula 6 E 7 - A JUSTIÇA COMUM ESTADUAL

A Justiça Estadual é o ramo da Justiça comum competente para apreciar as matérias


que não estejam afetas constitucionalmente à Justiça especializada ou à Justiça Federal,
também pertencente à Justiça comum. Trata-se, portanto, de uma competência residual.
Conforme preceitua o Artigo 125 da Constituição Federal “os Estados organizarão sua Justiça
de acordo com a respectiva Constituição.” A matéria vem disciplinada não só na Constituição
Federal (Art. 93 – 100 e 125), como também na Lei Orgânica da Magistratura Nacional
(LC/35/79), na Constituição Estadual do respectivo ente federativo e pela sua Lei de Or-
ganização Judiciária.
A Constituição Estadual e a Lei de Organização Judiciária são editadas no exercício
do chamado poder constituinte derivado decorrente, sendo complementares à Constituição
Federal. Portanto, são elaboradas de forma autônoma pelo Estado- membro, respeitados os
princípios cogentes da Constituição Federal e da LOMAN.
No Rio de Janeiro a matéria é disciplinada nos Artigos 151 e seguintes da Constituição
Estadual, com as alterações realizadas pela Emenda Constitucional nº 37, de 1º de junho de
2006. A Constituição Estadual remete ainda para a Lei de Organização Judiciária (Resolu-
ção nº 1 de 1975 – CODJERJ) e para o Regimento Interno do Tribunal de Justiça.

ESTRUTURA DO PODER JUDICIÁRIO ESTADUAL.

A Constituição Federal prevê como órgãos do Poder Judiciário Estadual os Tribunais e


Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios. São, portanto, dois graus de jurisdição.
O segundo grau de jurisdição é integrado pelos Tribunais de Justiça, com sede na capital
do Estado e jurisdição em todo o território estadual. São órgãos colegiados compostos por
membros chamados desembargadores.
Dentro do próprio tribunal, para uma melhor prestação da Justiça, há subdivisões que
serão por nós rapidamente estudadas. No Rio de Janeiro, o Tribunal de Justiça compõe-se
de 170 (cento e setenta) desembargadores e tem como órgãos julgadores as Câmaras Isola-
das, a Seção Criminal, o Conselho da Magistratura, o Órgão Especial, a que alude o item
XI do artigo 93, da Constituição da República e, como integrante de sua estrutura adminis-
trativa, a Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro.
Ordinariamente, os desembargadores reúnem-se em órgãos fracionários denominados
Câmaras. Como órgãos colegiados que são, deliberam por maioria ou unanimidade. Os
desembargadores são distribuídos em vinte e oito (28) Câmaras, sendo 20 (vinte) cíveis
e 8 (oito) criminais, distinguindo-se as de igual competência, dentro de cada seção, por
números ordinais. As Câmaras Cíveis julgam recursos de decisões proferidas pelos juízes
de primeira instância em matéria cível, com exclusão dos Juizados Especiais Cíveis. Em
similitude, existem as Câmaras Criminais, que julgam recursos de decisões proferidas por
juízes de primeira instância em matéria criminal, com exclusão das decisões dos Juizados
Especiais Criminais.
A reunião de todas as Câmaras, em função de sua especialidade material gera um órgão
fracionário denominado Seção. No Rio de Janeiro existe uma Seção Criminal, presidida
pelo 2º vice-presidente do Tribunal de Justiça e constituída pelos dois desembargadores
mais antigos lotados em cada uma das Câmaras Criminais. A competência é específica para

FGV DIREITO RIO 72


organização da justiça e do ministério público

matéria criminal como, por exemplo, o julgamento de prefeitos por crimes comuns (Artigo
29, X da Constituição Federal). A reunião de todos os desembargadores forma o Tribunal
Pleno.
O quadro abaixo demonstra a organização do Tribunal de Justiça:

Tribunal
de Justiça

Órgão
Especial

Seção
Criminal

Câmaras Câmaras
Cíveis Criminais

Juizado da Infância Juízes de Tribunal de Justiça


e Juventude Direito Militar

Turmas Recursais Aud. Militar


(art. 98, CF e Lei 9.099/95) (art. 25, § 4º, CF)

Juizados Especiais Justiça de Paz


(art. 98, CF e Lei 9.099/95) (art. 98, II, CF)

OBS:
1. As atribuições dos órgãos de Justiça Estadual estão previstas nos Códigos de Orga-
nização Judiciária ( 1º e 2º instâncias ) e nos Regimentos internos dos Tribunais.
2. Tribunal de Justiça Militar Estadual ( art. 125 § 3°, CRFB ) só existe em alguns
Estados, onde foram implantados ( São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul ).

Cabe aqui uma explicação sobre a chamada Reserva de Plenário (Artigo 97 da Cons-
tituição Federal). Quando um juiz de direito no exercício da jurisdição de primeiro grau
se deparar com uma questão que exige, para o seu julgamento, um exame sobre a consti-
tucionalidade da lei, cabe a ele suspender o processo e remeter a questão constitucional ao
plenário. Só o Pleno é competente para verificar a (in)constitucionalidade de uma lei. Esse
exame vinculará o juiz da causa que julgará a questão tendo como premissa o que ficou
decidido pelo Pleno.
Há uma previsão na Constituição Federal (Art. 93, XI), específica para Tribunais de
Justiça que possuam mais de vinte e cinco desembargadores, permitindo a constituição de
um novo órgão, denominado Órgão Especial, para o exercício das atribuições administra-
tivas e jurisdicionais delegadas da competência do Tribunal Pleno. Metade das vagas do

FGV DIREITO RIO 73


organização da justiça e do ministério público

Órgão Especial será provida por antiguidade. A outra metade por eleição pelo Tribunal
Pleno.
As matérias reservadas à competência do Órgão Especial serão numeradas no regimen-
to interno do respectivo Tribunal de Justiça. Aliás, o Supremo Tribunal Federal já decidiu
que é do próprio Regimento Interno do Tribunal de Justiça a competência para a criação do
órgão especial, sendo desnecessário lei formal nesse sentido.

“EMENTA: I. STF: competência originária (art. 102, I, n): reconhecimento, na hipó-


tese em que os demais juízes de um dado tribunal impetram mandado de segurança visando
a assegurar sua própria participação no exercício de competências que a si mesmos se reserva-
ram com exclusividade os integrantes do Órgão Especial, ao qual tocaria conhecer da impe-
tração. II. Poder Judiciário: órgão especial dos Tribunais: competência do próprio Tribunal, e
não da lei, para criá-lo, que pressupõe, no entanto, composição efetiva superior a 25 juízes. 1.
A competência para criar o Órgão Especial se contém no poder dos Tribunais - segundo o art.
96, I, “a”, CF - para dispor, no regimento interno, “sobre a competência e o funcionamento
dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos” (ADIn 410/SC, m.c., Lex 191/166)
2. Só pode criar Órgão Especial o Tribunal integrado por mais de vinte e cinco juízes (CF, art.
93, XI): para esse fim, considera-se a composição já implementada da Corte, não bastando a
existência de vagas recém-criadas, mas ainda não preenchidas.
(Ação Ordinária n. 232-0-PE, Pleno, rel. Min Sepúlveda Pertence, j. 03.05.95, DJ
20.04.2001)”

São exemplos de matérias acometidas ao Órgão Especial os crimes cometidos por juí-
zes e membros do Ministério Público, dentre outras.

Caso de sedimentação

Carlos impetra uma ação ordinária em primeiro grau, pedindo a repetição de indébito
de imposto que indevidamente lhe foi cobrado, tendo como causa de pedir a inconstitu-
cionalidade da lei instituidora do referido imposto. O juiz competente para a causa, julga
improcedente o pedido de Carlos. Interposta a Apelação, o desembargador competente,
analisando o caso, julga procedente o pedido de Carlos, entendendo que a lei de fato é in-
constitucional por se tratar de imposto caracterizado como confiscatório.
Pergunta-se: É correta a decisão do desembargador?
Existem ainda outros órgãos na estrutura do Tribunal de Justiça.

A Presidência
À Presidência compete um extenso rol atividades administrativas (Artigo 30 do COD-
JERJ) e atividades jurisdicionais, quando de julgamento no Órgão Especial, no Tribunal
Pleno e no Conselho de Magistratura. Recebe o auxílio, em suas atividades, por três vice-
presidentes. Ao 1º vice-presidente compete a substituição do presidente quando se fizer
necessário e a distribuição cível, além de outras funções (Artigo 31 do CODJERJ). Ao
2º vice-presidente compete a substituição do 1º vice-presidente, a Presidência da Seção
Criminal e a distribuição criminal, dentre outras funções (Art.32 do CODJERJ). Ao 3º
vice-presidente compete a substituição do corregedor-geral de Justiça e o deferimento ou

FGV DIREITO RIO 74


organização da justiça e do ministério público

o indeferimento dos recursos especial e extraordinários, resolvendo-se os incidente que se


suscitarem (Art.32 do CODJERJ).

A Corregedoria-Geral de Justiça
É um órgão correicional. A correição consiste na inspeção dos serviços judiciários,
para que sejam executados com regularidade, e no conhecimento de denúncias ou pedidos
de providências. Compete à Corregedoria as funções administrativas de disciplina e fisca-
lização de toda atividade administrativa da primeira instância do Tribunal de Justiça, bem
como sobre todas as serventias extrajudiciais.
E o que são serventias extrajudiciais?
São os Cartórios de Notas, os Tabelionatos, os Cartórios de Registro de Imóveis, Re-
gistros de Títulos de Documentos e Registro Civil das Pessoas Naturais.

O Conselho de Magistratura
O Conselho da Magistratura é integrado pelo presidente, vice-presidentes, correge-
dor-geral e cinco desembargadores que não façam parte do Órgão Especial, eleitos por este,
em sessão pública e escrutínio secreto, para um mandato de dois anos. É o órgão censório
do Tribunal de Justiça. Compete a ela conhecer as representações em face de magistrados.
Os órgãos de segunda instância comunicarão ao Conselho da Magistratura os erros e irre-
gularidades passíveis de sanções disciplinares, praticados por magistrados. Qualquer pessoa
poderá representar, por petição, ao Conselho da Magistratura, por abusos, erros ou omis-
sões de magistrados, ou quaisquer auxiliares da Justiça.

Escola da Magistratura Estadual do Rio de Janeiro


Órgão integrante da estrutura administrativa do Tribunal de Justiça. Trata-se de uma
escola de formação e aperfeiçoamento de magistrados. Tem também sob sua responsabili-
dade Curso de Preparação à carreira da Magistratura.

QUINTO CONSTITUCIONAL

No que concerne à composição do Tribunal de Justiça, tem aplicabilidade a regra do


quinto constitucional, já estudado quando da análise do Supremo Tribunal Federal e Supe-
rior Tribunal de Justiça. Assim, um quinto dos lugares do tribunal será composto por advo-
gados em efetivo exercício da profissão e membros do Ministério Público, conforme se abra
a vaga no primeiro ou segundo quadro, todos de notório merecimento e idoneidade moral,
com dez anos pelo menos de prática forense, indicados em lista tríplice. Para apuração do
quinto, o número de desembargadores do tribunal será dividido por cinco, considerando-
se apenas o número de unidades alcançado, desprezadas quaisquer frações de unidades.
Tornando-se ímpar o número de vagas destinadas ao quinto constitucional, uma delas será,
alternada e sucessivamente, preenchida por advogado e por membro do Ministério Público,
de tal forma que, também sucessiva e alternadamente, os representantes de uma dessas clas-
ses superem os de outras em uma unidade.
Em recente decisão, o Supremo Tribunal Federal declarou a nulidade de listas sêxtuplas
elaboradas pela Ordem dos Advogados do Brasil e pelo Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo por desrespeitarem a norma inserta no artigo 94 da Constituição Federal de 1988:

FGV DIREITO RIO 75


organização da justiça e do ministério público

“EMENTA: I. Mandado de Segurança: processo de escolha de candidatos a cinco vagas


de Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, correspondente à cota no “quinto
constitucional” da advocacia: composição de lista sêxtupla pelo Tribunal de Justiça que, des-
prezando a lista sêxtupla específica organizada pelo Conselho Seccional da OAB para a pri-
meira das vagas, substituiu os seus integrantes por nomes remanescentes das listas indicadas
para as vagas subseqüentes e, dentre eles, elaborou a lista tríplice: contrariedade ao art. 94 e
seu parágrafo único da Constituição Federal: declaração de nulidade de ambas as listas, sem
prejuízo da eventual devolução pelo Tribunal de Justiça à OAB da lista sêxtupla apresentada
para a vaga, se fundada em razões objetivas de carência, por um ou mais dos indicados, dos
requisitos constitucionais, para a investidura e do controle jurisdicional dessa recusa, acaso
rejeitada pela Ordem. II. O “quinto constitucional na ordem judiciária constitucional bra-
sileira: fórmula tradicional, a partir de 1934 - de livre composição pelos tribunais da lista
de advogados ou de membros do Ministério Público - e a fórmula de compartilhamento de
poderes entre as entidades corporativas e os órgãos judiciários na seleção dos candidatos ao
“quinto constitucional” adotada pela Constituição vigente (CF, art. 94 e parágrafo único). 1.
Na vigente Constituição da República - em relação aos textos constitucionais anteriores - a
seleção originária dos candidatos ao “quinto” se transferiu dos tribunais para “os órgãos de
representação do Ministério Público e da advocacia”-, incumbidos da composição das listas
sêxtuplas - restando àqueles, os tribunais, o poder de reduzir a três os seis indicados pelo MP
ou pela OAB, para submetê-los à escolha final do Chefe do Poder Executivo. 2. À corporação
do Ministério Público ou da advocacia, conforme o caso, é que a Constituição atribuiu o pri-
meiro juízo de valor positivo atinente à qualificação dos seis nomes que indica para o ofício da
judicatura de cujo provimento se cogita. 3. Pode o Tribunal recusar-se a compôr a lista tríplice
dentre os seis indicados, se tiver razões objetivas para recusar a algum, a alguns ou a todos eles,
as qualificações pessoais reclamadas pelo art. 94 da Constituição (v.g. mais de dez anos de
carreira no MP ou de efetiva atividade profissional na advocacia.) 4. A questão é mais delicada
se a objeção do Tribunal fundar-se na carência dos atributos de “notório saber jurídico” ou
de “reputação ilibada”: a respeito de ambos esses requisitos constitucionais, o poder de emitir
juízo negativo ou positivo se transferiu, por força do art. 94 da Constituição, dos Tribunais
de cuja composição se trate para a entidade de classe correspondente. 5. Essa transferência de
poder não elide, porém, a possibilidade de o tribunal recusar a indicação de um ou mais dos
componentes da lista sêxtupla, à falta de requisito constitucional para a investidura, desde
que fundada a recusa em razões objetivas, declinadas na motivação da deliberação do órgão
competente do colegiado judiciário. 6. Nessa hipótese ao Tribunal envolvido jamais se há de
reconhecer o poder de substituir a lista sêxtupla encaminhada pela respectiva entidade de
classe por outra lista sêxtupla que o próprio órgão judicial componha, ainda que constituída
por advogados componentes de sextetos eleitos pela Ordem para vagas diferentes. 7. A solu-
ção harmônica à Constituição é a devolução motivada da lista sêxtupla à corporação da qual
emanada, para que a refaça, total ou parcialmente, conforme o número de candidatos desqua-
lificados: dissentindo a entidade de classe, a ela restará questionar em juízo, na via processual
adequada, a rejeição parcial ou total do tribunal competente às suas indicações.
(MS 25624 / SP - SÃO PAULO. MANDADO DE SEGURANÇA. Relator: Min.
SEPÚLVEDA PERTENCE. Julgamento: 06/09/2006. Órgão Julgador: Tribunal Pleno)”

FGV DIREITO RIO 76


organização da justiça e do ministério público

Primeiro grau de jurisdição

Logo abaixo dos Tribunais de Justiça estão os juízes de Direito e o Tribunal do Júri,
primeiro grau de jurisdição da Justiça Estadual.

O Tribunal do Júri

O Júri é instituição referida no Artigo 5º, XXVIII da Constituição Federal, compe-


tente para o julgamento de crimes dolosos contra a vida, quais sejam, o homicídio, o infan-
ticídio, o aborto e o induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio. É um órgão colegiado
especial. Seus julgamentos são proferidos por um colegiado e não monocraticamente. É es-
pecial porque em sua composição estão representantes do povo funcionando como jurados
que, juntamente com o juiz de direito, decidirão o caso. A primeira fase do julgamento se
perfaz perante o juiz togado e a segunda fase em Plenário, com julgamento pelos represen-
tantes do povo. No Rio de Janeiro são quatro tribunais do júri na Capital, designados por
números ordinais, e um em cada região administrativa onde tiverem sede de varas regionais.
A exceção fica na Comarca de Nova Iguaçu, onde haverá dois tribunais do júri, designados
por números ordinais, e em cada uma das demais comarcas, um tribunal do júri.

Os Juízos de Direito

Os juízos de direito são órgãos monocráticos, compostos por um único juiz. Sua com-
petência é determinada pelo código de organização Judiciária. Os juízos são distribuídos
pelo território estadual, localizando-se em comarcas, que são as unidades em que se divide
o território do Estado para efeito de administração da Justiça Estadual. A comarca não se
confunde com município. Enquanto o município é uma unidade político-administrativa, a
comarca é uma unidade judiciária, embora muitas vezes sejam equivalentes. Para a criação
e a classificação das comarcas, serão considerados os números de habitantes e de eleitores;
a receita tributária; o movimento forense e a extensão territorial dos municípios do Estado.
No Estado do Rio de Janeiro, as comarcas são classificadas em três entrâncias: especial,
segunda e primeira entrâncias. A entrância é um grau de classificação administrativa das
comarcas. Não há entre elas qualquer espécie de hierarquia. São comarcas de entrância es-
pecial: Capital, Campos de Goytacazes, Duque de Caxias, Niterói, Nova Iguaçu, Petrópolis,
São João de Meriti, São Gonçalo e Volta Redonda. As comarcas de primeira entrância são:
Armação de Búzios, Arraial do Cabo, Bom Jardim, Cambuci, Cantagalo, Carapebus/Quis-
samã; Carmo, Casimiro de Abreu , Conceição de Macabu, Cordeiro, Duas Barras, Enge-
nheiro Paulo de Frontin, Guapimirim, Iguaba Grande, Italva(Cardoso Moreira), Itaocara,
Itatiaia; Japeri, Laje de Muriaé, Mangaratiba, Mendes, Miguel Pereira, Natividade, Para-
cambi, Parati, Paty do Alferes, Pinheiral, Piraí, Porciúncula, Porto Real-Quatis, Rio Claro,
Rio das Flores, Santa Maria Madalena, São Francisco do Itabapoana, São José do Vale do
Rio Preto, São Sebastião do Alto, Sapucaia, Seropédica, Silva Jardim, Sumidouro, Tanguá
e Trajano de Moraes.
São comarcas de segunda entrância: Angra dos Reis, Araruama, Barra Mansa, Bar-
ra do Piraí, Belford Roxo, Bom Jesus do Itabapoana Cabo Frio, Cahoeiras de Macacu,
Itaboraí, Itaguaí, Itaperuna, Macaé, Magé, Maricá, Mesquita, Miracema, Nilópolis, Nova
Friburgo, Paraíba do Sul, Queimados, Resende, Rio Bonito, Rio das Ostras, Santo Antônio

FGV DIREITO RIO 77


organização da justiça e do ministério público

de Pádua, São Fidélis, São João da Barra, São Pedro da Aldeia, Saquarema, Teresópolis, Três
Rios, Valença e Vassouras.
A promoção dos juízes se dá de entrância em entrância até que, por antiguidade ou mere-
cimento, alternadamente, alcancem uma vaga no Tribunal de Justiça como desembargadores.
A comarca é o foro em que tem competência o juiz de primeiro grau. Em cada comar-
ca poderá haver um ou mais juízos, ou seja, uma ou mais varas. Pode ocorrer de uma comar-
ca possuir apenas uma vara. Na vara única todas as causas são decididas pelo mesmo juiz,
independentemente da matéria. Quando uma comarca possui mais de uma vara, teremos
varas especializadas em determinadas matérias conforme dispuser o Código de Organização
Judiciária. Pode haver assim Vara Cível, Fazendária, Empresarial, Criminal, dentre outras.
A comarca da Capital poderá ainda ser dividida em foro central e foros regionais.
Ex: Foro Regional da Ilha do Governador, da Pavuna, de Bangu, da Barra da Tijuca,
de Jacarepaguá, dentre outros.
Os juízes se dividem conforme a matéria. Os juízes de direito do cível têm sua com-
petência estabelecida no artigo 84 e seguintes do CODJERJ. A competência vem discri-
minada conforme a matéria para as quais sejam competentes, como por exemplo, Família,
Fazenda Pública, Órfãos e sucessões, Infância, Juventude e Idosos, dentre outros. Já os juízes
de direito em matéria criminal têm sua competência fixada no artigo 93 do CODJERJ.

Caso de sedimentação:

No quinto dia útil do mês de setembro de 2003, dia de pagamento de aposentados,


pensionistas e de pagamento de inúmeras empresas, os consumidores permaneceram mais
de duas horas em imensas filas em agência bancária localizada no centro da cidade do RJ.
Encontrava-se presente na fila o aposentado JOSEMAR, portador de necessidade especial
de locomoção, o qual, após demandar pela cadeira de rodas da agência, recebeu do funcio-
nário do banco resposta negativa quanto a existência de tal equipamento. Ante a situação
caótica verificada, fiscais da Secretaria Estadual de Defesa do Consumidor lavraram autos
de infração contra o Banco ante o descumprimento da Lei estadual n° 3.213/1999, que
impõe a Bancos o oferecimento, em suas agências, de cadeiras de rodas a clientes maiores
de 65 anos, que apresentem dificuldade de locomoção, bem como da Lei municipal n°
6.652/1998, que estabelece prazo máximo de vinte minutos na fila para atendimento a
clientes em agências bancárias.
• O Banco demanda da Federação Brasileira dos Bancos – FEBRABAN a propositura
de ação coletiva para defesa dos interesses dos Bancos, eis que as leis importariam
em custos adicionais para estes. Como atuaria na condição de advogado da FEBRA-
BAN?
• Na condição de Procurador do Estado do Rio de Janeiro, como atuaria para susten-
tar a legitimidade da atuação dos fiscais dos direitos do consumidor com base nas
leis atacadas pela FEBRABAN?

Varas Agrárias Especializadas

Não é nenhuma novidade para vocês a questão agrária, eis que muitos conflitos decor-
rentes da posse e propriedade da terra ocorreram em nosso país, por ser o Brasil uma nação
em desenvolvimento com caráter latifundiário. Quantas não foram as matérias jornalísticas

FGV DIREITO RIO 78


organização da justiça e do ministério público

dando notícia de conflitos por causa da terra. Movimentos foram criados, como o MST
(Movimento dos Sem-Terra) e tristes episódios foram assistidos, como em Eldorado dos
Carajás (PA) e no Pontal do Paranapanema (SP), dentre tantos outros. Daí a grande impor-
tância da inovação trazida pela Emenda Constitucional 45, de 2004, ao prever, no Artigo
126 da Constituição, a criação de varas especializadas para conflitos fundiários. A especia-
lização jurisdicional permite um conhecimento mais profundo sobre a área de atuação do
juiz; decisões mais adequadas e tecnicamente mais precisas, oferecendo uma maior garantia
de acerto; desenvolvimento e uso de uma metodologia própria; maior e melhor aproveita-
mento de magistrados com talento restrito à respectiva área, respeitando as aptidões naturais
do indivíduo. Essas são as vantagens trazidas com a referida inovação.
E o que vem a ser “questão agrária”?
Essa expressão vaga e ampla não restou conceituada pala Constituição Federal. Nesse
sentido, são importantes as conclusões trazidas por André Ramos Tavares53:

Assim, estariam incluídas como questões agrárias as controvérsias relacionadas ao domí-


nio e posse da terra e aquelas decorrentes da prática da atividade agrária e dos negócios com
os bens agrários. Já os conflitos fundiários podem ser considerados como aqueles relacionados
à disputa do solo, seus acessórios naturais e benfeitorias (...)
Indica Laranjeira (2000:390), exemplificativamente, algumas causas que seriam agrárias
por natureza, com as quais se pode concordar: (i) relativas ao cumprimento ou não da função
social da propriedade rural; (ii) as de política agrária; (iii) partilha, divisão, demarcação, par-
celamento, desmembramento e loteamento de imóveis rurais (iv) arrecadação de imóvel rural
abandonado; (v) questões decorrentes do imóvel rural instituído com bem de família”.

Espera-se com essas varas especializadas um maior engajamento da Justiça, que ela se
torne mais justa e eficaz neste tema tão importante para toda a sociedade.

Juízes de Paz

Em cada distrito e subdistrito das comarcas do interior e em cada circunscrição do


Registro Civil, na comarca da capital, haverá um juiz de paz e dois suplentes.
O juiz de paz será competente, nos limites territoriais das respectivas jurisdições para
habilitar e celebrar casamentos. Neste sentido, dispõe o Artigo 98, II da Constituição Fe-
deral:

“Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:


II - justiça de paz, remunerada, composta de cidadãos eleitos pelo voto direto, universal
e secreto, com mandato de quatro anos e competência para, na forma da lei, celebrar casa-
mentos, verificar, de ofício ou em face de impugnação apresentada, o processo de habilitação
e exercer atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional, além de outras previstas na le-
gislação.”

Apesar da Constituição Federal estabelecer eleição para o cargo, no Rio de Janeiro são
nomeados pelo governador do Estado, mediante escolha em lista elaborada pelo presidente 53
TAVARES, André Ramos.
Reforma do Judiciário no Pós-
do Tribunal de Justiça, conforme dispõe o Artigo 158 do CODJERJ: 88. Saraiva, São Paulo, 2005,
p. 151.

FGV DIREITO RIO 79


organização da justiça e do ministério público

“Art. 159 - O Juiz de Paz será nomeado pelo Governador do Estado, para servir pelo
prazo de quatro anos mediante escolha em lista tríplice organizada pelo presidente do Tribu-
nal de Justiça.”

O exercício do cargo de juiz de paz constitui serviço público relevante, assegurará o


direito a prisão especial em caso de crime comum, até definitivo julgamento e não causa
impedimento para o exercício simultâneo de cargo público, não sendo, no entanto, compu-
tado para qualquer efeito, o tempo de serviço prestado nessa função.

Justiças Militares Estaduais

Quanto as Justiças Militares Estaduais, prevista no Artigo 125, §§3º, 4º e 5º da Cons-


tituição Federal, iremos estudá-las juntamente com a análise da Justiça Militar.

Juizados Especiais

A Constituição Federal, em seu artigo 98, previu a criação dos Juizados Especiais Es-
taduais, tendo a Lei nº 9.099/1995 regulamentado a matéria.
A estrutura da Lei que regula os Juizados Especiais se assenta em alguns pilares fun-
damentais:
Acessibilidade – descentralização da Justiça: expediente noturno; dispensa de assistên-
cia advocatícia nos juizados cíveis; dispensa em primeiro grau do pagamento de custas, taxas
e despesas; obrigatoriedade de implantação de serviços de assistência judiciária.
Operosidade – equivalentes jurisdicionais como a conciliação e a arbitragem; juízes
leigos; concentração e informalidade do procedimento; preocupação com os costumes e
regras da vida da comunidade; afastamento da exigência de certeza, priorizando as possibi-
lidades e probabilidades.
Utilidade – prioridade para a celeridade como forma de atingir a efetividade do pro-
cesso; oralidade, simplicidade, informalidade e economia processual; execução no próprio
Juizado; cominação de multa diária para garantir a utilidade da sentença (astreinte).
Proporcionalidade – possibilidade de citação de pessoa jurídica mediante a entrega de cor-
respondência em mãos de recepcionista (mas a revelia só se produzirá se o contrário não resultar
da convicção do juiz); sacrifício do direito de defesa com minimização de suas conseqüência.
Os Juizados Especiais são compostos por juízes de direito - chamados de juízes togados
-, conciliadores, juízes leigos e Turmas Recursais. O juiz dirigirá o processo com liberdade para
determinar as provas a serem produzidas, para apreciá-las e para dar especial valor às regras
de experiência comum ou técnica. Os conciliadores e juízes leigos são auxiliares da Justiça,
recrutados, os primeiros, preferentemente, entre os bacharéis em direito, e os segundos, entre
advogados com mais de cinco anos de experiência. Os Juizados Especiais Cíveis são responsá-
veis pela conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim
consideradas as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo; as enumeradas
no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil; a ação de despejo para uso próprio e as
ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente a quarenta salários mínimos.
No âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro foram criadas as funções
de juiz leigo e conciliador através da alteração legal da Lei 2.556/96. A atividade veio regu-
lamentada na Lei 4.578 de 2005. A primeira seleção dos candidatos ao preenchimento das

FGV DIREITO RIO 80


organização da justiça e do ministério público

vagas, inicialmente um total de 50, já foi realizada, sendo permitida somente a inscrição dos
alunos da Escola de Magistratura do Rio de Janeiro (EMERJ). Puderam concorrer a uma vaga
alunos da EMERJ que estivessem cursando a partir do quarto período ou aqueles egressos da
escola formados no máximo há um ano. Os novos juízes atuarão nos Juizados Especiais Cí-
veis. Eles irão realizar audiências, conciliações, proferir sentenças, mas todos os seus atos serão
submetidos ao juiz togado.
A Ordem dos Advogados do Brasil constestou a constitucionalidade da Lei 4.578 através
de uma Representação de Inconstitucionalidade. O Órgão Especial do TJ, no entanto, julgou,
por maioria, improcedente tal ação por entender que a atividade de juiz leigo não se caracteri-
za como cargo público e, portanto, não depende de concurso para ser exercida.
Os Juizados Especiais Criminais são competentes para a conciliação, processo e julga-
mento das infrações penais de menor potencial ofensivo, assim consideradas as contravenções
penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, cumulada ou não
com multa, respeitadas as regras de conexão e continência.
O processo perante o juizado especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, infor-
malidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação
dos danos sofridos pela vítima, a aplicação de pena não privativa de liberdade e a concilia-
ção entre as partes. Da sentença proferida pelo juiz no âmbito do juizado especial, caberá
recurso para o próprio juizado a ser dirimido pelas chamadas Turmas Recursais. Prevista no
Artigo 41 e 82 da Lei 9.0099/95, a Turma Recursal é formada por três juízes no exercício
do primeiro grau de jurisdição. Não se trata, portanto, de um tribunal.
Da mesma forma que nos Juizados Especiais Federais já estudados, a regulamentação
dos juizados pugna pela conciliação prévia das partes, desejando-se, assim, que a demanda não
prossiga em seus trâmites regulares, antes seja solucionada na audiência de conciliação. Para
tanto, valoriza a presença dos conciliadores e dos árbitros, que são os primeiros juízes da causa:
examinam previamente o pedido, reúnem-se com as partes e, se possível, conseguem a conci-
liação, que será posteriormente submetida ao juiz togado. No caso dos Juizados Especiais Cri-
minais, verificada a ocorrência de infração penal de menor potencial ofensivo pela autoridade
policial, um simples termo circunstanciado substitui o inquérito policial, garantindo-se, assim,
o exercício do princípio da oralidade. Juntamente com a autuação sumária, deve a autoridade
policial encaminhar o autor do fato e o ofendido ao juizado, cumprindo-lhe, ainda, diligenciar
no sentido da realização dos exames periciais necessários. Caso não seja possível a realização
imediata da audiência preliminar, o juiz designa outra data, saindo as partes intimadas.
A composição nos Juizados Criminais pode operar-se por meio da composição dos
danos, em que o autor da infração supre o prejuízo patrimonial por ele causado à vítima, e
da transação, proposta do Ministério Público de aceitação pelo autuado de pena não priva-
tiva de liberdade. É possível ainda que no momento do oferecimento da denúncia oral pelo
Ministério Público seja feita a proposta de suspensão condicional do processo, pelo qual o
acusado ficará submetido a um período de prova por dois a quatro anos.
Pelo exposto, induvidosamente, são duas as funções principais desempenhadas pelos
Juizados Especiais Cíveis e Criminais. A primeira é relativa ao acesso ao Poder Judiciário;
a segunda é, conseqüentemente, a de reverter o descrédito na Justiça ocasionado pela reco-
nhecida morosidade no andamento dos processos.
Recentemente foi sancionada pelo Presidente da República a Lei denominada de “Ma-
ria da Penha”, elaborada tendo como principal objetivo evitar a banalização da violência
cometida contra as mulheres, o que sem sombra de dúvidas é bastante salutar.

FGV DIREITO RIO 81


organização da justiça e do ministério público

A Lei 11.340, de agosto de 2006 cria mecanismos para coibir a violência doméstica e
familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Con-
venção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.
De acordo com o artigo 14, deve haver a criação de Juízos especializados, denomina-
dos de “Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher”. Os Juizados, órgãos
da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no
Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execu-
ção das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e
julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.
No Estado do Rio de Janeiro, foram criadas pelo Tribunal de Justiça Estadual em
junho de 2007 dois Juizados especializados em violência doméstica e familiar contra a amu-
lher, em atendimento ao disposto na Lei 11.340/2006.

Caso de sedimentação

Sentença prolatada em sede de Juizados Especiais (Lei nº 9.099/1995). O sucumbente


impetra uma Apelação perante o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Pergunta-se: está correta a impetração deste recurso perante o Tribunal de Justiça?
Em caso negativo, qual seria o recurso correto? Para onde deveria ser endereçado? E da
decisão proferida no julgamento deste recurso? Cabível a impetração de outros recur-
sos? Quais? E para onde deverão ser endereçados?

QUESTÕES DE CONCURSO

Questão 1 – Quanto à organização do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro/


TJERJ, é correto afirmar que:
a) A competência do TJERJ encontra-se definida na Constituição do Estado, confor-
me os princípios estabelecidos na Constituição Federal de observância obrigatória
pelo constituinte estadual;
b) A Constituição Federal instituiu os Tribunais estaduais, elencando suas competên-
cias e estrutura organizacional;
c) A competência do TJERJ encontra-se detalhada na Constituição Federal, sendo a lei
de organização judiciária de iniciativa privativa do Presidente do Tribunal de Justiça
do Estado;
d) Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou
atos normativos estaduais em face da Constituição Federal;
e) Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou
atos normativos estaduais e municipais em face da Constituição Federal.
(Concurso para Técnico Administrativo do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro
– março de 2007)

FGV DIREITO RIO 82


organização da justiça e do ministério público

Aula 8: JUSTIÇAS ESPECIAIS INDIVIDUALIZADAS

1) JUSTIÇA MILITAR

A Justiça Militar também é conhecida como Justiça Castrense, em virtude do termo


latino castrum (uma fortificação que servia de acampamento militar romano, tido como
antecessor dos castelos medievais). Como já estudado, é uma Justiça especializada, adminis-
trada pela União, ao lado da Justiça do Trabalho e da Justiça Eleitoral.
Sua competência vem expressamente definida na Constituição Federal, nos artigos
122 a 124 e 125, parágrafo único, além da Lei nº 8457, de 1992, que organiza a Justiça
Militar da União e regula o funcionamento de seus serviços auxiliares.
A Justiça Militar da União tem como órgãos de sua composição o Superior Tribunal
Militar, a Auditoria de Correição, o Conselho de Justiça, os Juízes-Auditores e os Juízes-
Auditores Substitutos.
Para efeito de administração da Justiça Militar, o território nacional é dividido em
Circunscrições Judiciárias Militares.
Atualmente são 12 Circunscrições e cada Circunscrição possui uma ou mais Audito-
rias da Justiça Militar:

Circunscrição da Justiça Militar Número de Auditorias


1ª - Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo 4
2ª - Estado de São Paulo 2
3ª - Estado do Rio Grande do Sul 3
4ª - Estado de Minas Gerais 1
5ª - Estados do Paraná e Santa Catarina 1
6ª - Estados da Bahia e Sergipe 1
7ª - Estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba e Alagoas 1
8ª - Estados do Pará, Amapá e Maranhão 1
9ª - Estados do Mato Grosso do Sul e Mato Grosso 1
10ª - Estados do Ceará e Piauí 1
11ª - Distrito Federal e Estados de Goiás e Tocantins 2
12ª - Estados do Amazonas, Acre, Roraima e Rondônia 1

As Auditorias são competentes para conhecer os feitos relativos à Marinha, Exército


e Aeronáutica. Cada Auditoria tem um juiz-auditor e um juiz-auditor Substituto. Ambos
são juízes togados, integrantes da Magistratura Militar, tendo nela ingressado após regular
aprovação em concurso público de provas e títulos. O ingresso na carreira se dá no cargo de
juiz-auditor substituto, e, por meio de promoção, chega-se ao cargo de juiz-auditor.
A competência dos juízes –auditores vem definida no Artigo 30 da Lei nº
8457/1992:

“I - decidir sobre recebimento de denúncia, pedido de arquivamento, de devolução de


inquérito e representação;
II - relaxar, quando ilegal, em despacho fundamentado, a prisão que lhe for comunica-
da por autoridade encarregada de investigações policiais;
III - manter ou relaxar prisão em flagrante, decretar, revogar e restabelecer a prisão pre-
ventiva de indiciado, mediante despacho fundamentado em qualquer caso;

FGV DIREITO RIO 83


organização da justiça e do ministério público

IV - requisitar de autoridades civis e militares as providências necessárias ao andamento


do feito e esclarecimento do fato;
V - determinar a realização de exames, perícias, diligências e nomear peritos;
VI - formular ao réu, ofendido ou testemunha suas perguntas e as requeridas pelos
demais juízes, bem como as requeridas pelas partes para serem respondidas por ofendido ou
testemunha;
VII - relatar os processos nos Conselhos de Justiça e redigir, no prazo de oito dias, as
sentenças e decisões;
VIII - proceder ao sorteio dos conselhos, observado o disposto nos arts. 20 e 21 desta lei;
IX - expedir alvará de soltura e mandados;
X - decidir sobre o recebimento de recursos interpostos;
XI - executar as sentenças, inclusive as proferidas em processo originário do Superior
Tribunal Militar, na hipótese prevista no § 3° do art. 9° desta lei;
XII - renovar, de seis em seis meses, diligências junto às autoridades competentes, para
captura de condenado;
XIII - comunicar, à autoridade a que estiver subordinado o acusado, as decisões a ele
relativas;
XIV - decidir sobre livramento condicional;
XV - revogar o benefício da suspensão condicional da pena;
XVI - remeter à Corregedoria da Justiça Militar, no prazo de dez dias, os autos de in-
quéritos arquivados e processos julgados, quando não interpostos recursos;
XVII - encaminhar relatório ao Presidente do Tribunal, até o dia trinta de janeiro, dos
trabalhos da Auditoria, relativos ao ano anterior;
XVIII - instaurar procedimento administrativo quando tiver ciência de irregularidade
praticada por servidor que lhe é subordinado;
XIX - aplicar penas disciplinares aos servidores que lhe são subordinados;
XX - dar posse, conceder licenças, férias e salário-família aos servidores da Auditoria;
XXI - autorizar, na forma da lei, o pagamento de auxílio-funeral de magistrado e dos
servidores lotados na Auditoria;
XXII - distribuir alternadamente, entre si e o Juiz-Auditor Substituto e, quando hou-
ver, o Substituto de Auditor estável, os efeitos aforados na Auditoria, obedecida a ordem de
entrada;
XXIII - cumprir as normas legais relativas às gestões administrativa, financeira e orça-
mentária e ao controle de material;
XXIV - praticar os demais atos que lhe forem atribuídos em lei.”

Apesar do vasto rol de competências, não são responsáveis pelo julgamento dos crimes
militares isoladamente. O primeiro grau de jurisdição da Justiça Militar, fugindo à tradição
do Poder Judiciário, é um órgão colegiado. Trata-se do Conselho de Justiça, composto pelo
Conselho Especial de Justiça e pelo Conselho Permanente de Justiça. São eles responsáveis
pelo processo e julgamento dos casos de competência da Justiça Militar da União, os crimes
militares definidos em lei.
Em recente julgado, assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CONSTITUCIONAL E PE-


NAL MILITAR. CORRELAÇÃO DA CONDUTA COM TIPOS PREVISTOS NO CÓ-

FGV DIREITO RIO 84


organização da justiça e do ministério público

DIGO PENAL MILITAR. AUTORES MILITARES E VÍTIMA BOMBEIRO MILITAR.


COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR.
Os delitos previstos na denúncia, tipificados nos artigos 129, caput, 147 e 331, do Có-
digo Penal, possuem equivalência nos artigos 209, caput, 233 e 299 do Código Penal Militar,
como exige o art. 124 da CF/88 para os processos de competência da Justiça Castrense.
A qualificação como crime militar encontra guarida na combinação do previsto na
alínea ‘a’ do inciso II, do art. 9º, do CPM, que considera crime militar em tempo de paz,
aquele que tiver sido, em tese, praticado ‘por militar em situação de atividade ou assemelha-
do, contra militar na mesma situação ou assemelhado’, com a definição de bombeiro como
militar do art. 42 da CF/88.
Conflito conhecido para declarar competente a Justiça Militar da União para processar
e julgar o feito.”
(Conflito de competência n.º 62.095-RJ (2006/0008902-0), Ministro Relator Paulo
Medina, julgado em 14 de março de 2007, DJ em 02/04/2007)

Em outro processo, tendo como acusado e vítima agentes militares, assim decidiu o
STJ o conflito de competência entre a Justiça Comum e a Militar:

“PROCESSO PENAL. HOMICÍDIO CULPOSO. POLICIAL MILITAR. VEÍCU-


LO PARTICULAR. ACIDENTE DE TRÂNSITO FORA DO PERÍODO DE CASERNA.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM.
1. Cabe à Justiça Comum Estadual julgar homicídio decorrente de acidente automo-
bilístico em que o acusado e a vítima, embora agentes militares, não se encontravam em
exercício militar.
2. Ademais, diante de atividade de natureza individual e particular não se há por correto
cogitar-se de atividade militar ratione materiae.(Precedentes).
3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direto do Foro Distrital de
Ipuã, da Comarca de São Joaquim da Barra, SP.”
(Conflito de competência 26986 (1999/0070357-0), Ministro Relator Thereza de Assis
Moura, julgado em 14 de março de 2007, DJ em 26/03/2007, p. 192)

E o que são crimes militares?


Os crimes julgados pela Justiça Militar da União estão definidos no Código Penal Mi-
litar. De forma geral, em tempos de paz, eles podem ser definidos da seguinte forma:
– crimes militares contra o serviço militar e contra o dever militar;
– crimes contra autoridade ou disciplina militar;
– crimes contra militares;
– crimes contra a administração e contra o patrimônio militar;
– crimes cometidos em locais sob a administração militar;
– crimes contra a segurança externa do país.

Com os crescentes índices de criminalidade, o perfil dos crimes julgados pela Justiça
Militar da União foi ampliado. Antes, os casos de deserção, por exemplo, eram os mais
comuns.
Atualmente, é freqüente a tramitação, nas instâncias da Justiça Militar da União, de
crimes como tráfico e uso de drogas, roubo de armas e estelionato, dentre outros.

FGV DIREITO RIO 85


organização da justiça e do ministério público

Em recente decisão, datada de 23 de outubro de 2007, o Supremo Tribunal Federal assim


se manifestou a respeito da especialidade da legislação penal militar e da justiça castrense:

“EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL MILITAR E PROCESSUAL PENAL. CRI-


ME DE PORTE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE PARA USO PRÓPRIO PRE-
VISTO NA LEI N. 11.343/06: LEI MAIS BENÉFICA: NÃO-APLICAÇÃO EM LUGAR
SUJEITO À ADMINISTRAÇÃO MILITAR. ART. 290 DO CÓDIGO PENAL MILITAR.
PRECEDENTES. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. PRECEDENTES. HABEAS
CORPUS INDEFERIDO. 1. O art. 290 do Código Penal Militar não sofreu alteração pela
superveniência da Lei n. 11.343/06, por não ser o critério adotado, na espécie, o da retroativi-
dade da lei penal mais benéfica, mas, sim, o da especialidade. O fundamento constitucional do
crime militar é o art. 124, parágrafo único, da Constituição da República: tratamento diferen-
ciado do crime militar de posse de entorpecente, definido no art. 290 do Código Penal Militar.
2. Jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal reverencia a especialidade da
legislação penal militar e da justiça castrense, sem a submissão à legislação penal comum do
crime militar devidamente caracterizado. Precedentes. 3. Habeas corpus indeferido.
(HC 92462 / RS - RIO GRANDE DO SUL. HABEAS CORPUS. Relator(a): Min.
CÁRMEN LÚCIA. Julgamento: 23/10/2007. Órgão Julgador: Primeira Turma)”

O Conselho Especial de Justiça é competente para o julgamento dos oficiais54, sendo com-
posto por um juiz-auditor, quatro juízes militares (leigos), sob a presidência de um oficial-general
ou oficial-superior. Os juízes militares são escolhidos por sorteio dentre militares de posto superior
ao do acusado, por respeito a hierarquia militar, prevista no Artigo 14 da Lei nº 6880/1980.

“Art. 14. A hierarquia e a disciplina são a base institucional das Forças Armadas. A
autoridade e a responsabilidade crescem com o grau hierárquico.
§ 1º A hierarquia militar é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da
estrutura das Forças Armadas. A ordenação se faz por postos ou graduações; dentro de um
mesmo posto ou graduação se faz pela antigüidade no posto ou na graduação. O respeito à
hierarquia é consubstanciado no espírito de acatamento à seqüência de autoridade.”

Este conselho é constituído especialmente para cada processo, dissolvendo-se após a


conclusão dos trabalhos.

O Conselho Permanente de Justiça é competente para o julgamento dos praças, sendo


composto por um juiz-auditor, um oficial superior que será o presidente, e três oficiais de
posto até o capitão-tenente ou capitão. Este conselho é constituído para funcionar durante
três meses, coincidindo com o trimestre do ano civil.
Esses dois conselhos podem se instalar e funcionar apenas com a maioria de seus in-
tegrantes, sendo indispensável somente a presença do juiz auditor e do presidente. De suas
decisões caberá recurso ao Superior Tribunal Militar.
54
A exceção feita a essa regra
Na primeira instância podemos encontrar ainda a Auditoria de Correição. Trata-se de se refere aos oficiais generais,
cujo processo e julgamento
um órgão de fiscalização e orientação judiciário-administrativa, composto por um juiz-au- compete, originariamente, ao
Superior Tribunal Militar, con-
ditor corregedor, um diretor de secretaria e auxiliares que trabalham com o objetivo de uni- forme dispõe o artigo 6º, I, a,
formizar procedimentos e corrigir eventuais equívocos cometidos nas auditorias militares. Lei 8457/92.

FGV DIREITO RIO 86


organização da justiça e do ministério público

Superior Tribunal Militar

Órgão de segundo grau de jurisdição, o Superior Tribunal de Justiça tem sede na Ca-
pital Federal e jurisdição em todo o território nacional.
É composto por 15 (quinze) ministros:

– 3 (três) oficiais-generais da Marinha;


– 4 (quatro) oficiais-generais do Exército;
– 3 (três) oficiais-generais da Aeronáutica
– 5 (cinco) civis, sendo 3 (três) advogados (de notório saber jurídico e conduta ilibada,
com mais de 10 anos de efetiva atividade profissional) e 2 (dois) por escolha paritá-
ria, dentre juízes-auditores e membros do Ministério Público Militar.

São todos nomeados pelo presidente da República, depois de aprovada a indicação


pelo Senado Federal. A escolha do presidente é livre, não estando ele limitado a qualquer
lista tríplice ou sêxtupla. O Superior Tribunal Militar tem competência originária e recur-
sal. Sua competência originária veio definida no artigo 6º, I da Lei 8457/92:

“I - processar e julgar originariamente:


a) os oficiais generais das Forças Armadas, nos crimes militares definidos em lei;
b) revogado;
c) os pedidos de habeas corpus e habeas data, nos casos permitidos em lei;
d) o mandado de segurança contra seus atos, os do Presidente do Tribunal e de outras
autoridades da Justiça Militar;
e) a revisão dos processos findos na Justiça Militar;
f ) a reclamação para preservar a integridade da competência ou assegurar a autoridade
de seu julgado;
g) os procedimentos administrativos para decretação da perda do cargo e da disponibili-
dade de seus membros e demais magistrados da Justiça Militar, bem como para remoção, por
motivo de interesse público, destes últimos, observado o Estatuto da Magistratura;
h) a representação para decretação de indignidade de oficial ou sua incompatibilidade
para com o oficialato;
i) a representação formulada pelo Ministério Público Militar, Conselho de Justiça, Juiz-
Auditor e advogado, no interesse da Justiça Militar;”

Já a competência recursal do Superior Tribunal Militar está fixada no artigo 6º, II da


Lei 8457/1992:

II - julgar:
a) os embargos apostos às suas decisões;
b) os pedidos de correição parcial;
c) as apelações e os recursos de decisões dos juízes de primeiro grau;
d) os incidentes processuais previstos em lei;
e) os agravos regimentais e recursos contra despacho de relator, previstos em lei proces-
sual militar ou no regimento interno;
f ) os feitos originários dos Conselhos de Justificação;

FGV DIREITO RIO 87


organização da justiça e do ministério público

g) os conflitos de competência entre Conselhos de Justiça, entre Juízes-Auditores, ou entre


estes e aqueles, bem como os de atribuição entre autoridades administrativa e judiciária militares;
h) os pedidos de desaforamento;
i) as questões administrativas e recursos interpostos contra atos administrativos pratica-
dos pelo Presidente do Tribunal;
j) os recursos de penas disciplinares aplicadas pelo Presidente do Tribunal, Corregedor
da Justiça Militar e Juiz-Auditor;”

Eventual recurso ordinário ou extraordinário de decisão proferida nas causas de com-


petência originária será da competência do Supremo Tribunal Federal se ocorrerem as hipó-
teses dos incisos I e II do Artigo 102 da Constituição Federal.

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Cons-


tituição, cabendo-lhe:
II - julgar, em recurso ordinário:
a) o “habeas-corpus”, o mandado de segurança, o “habeas-data” e o mandado de injun-
ção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão;
b) o crime político;
III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última
instância, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.”

Eventualmente, será competente ainda a Justiça Militar da União para julgar civis. Isso
ocorrerá nos casos de cometimento de crimes contra o patrimônio e contra a administração
militar e crimes contra militares no exercício de funções militares.

Justiça Militar Estadual

Ao lado da Justiça Militar da União, a Constituição Federal prevê a possibilidade de


criação da Justiça Militar Estadual. É possível a criação por meio de lei estadual ordinária,
mediante proposta de iniciativa privada do Tribunal de Justiça Estadual.

“Há expressa reserva constitucional federal em favor da lei ordinária estadual, de inicia-
tiva exclusiva do Tribunal de Justiça, para a criação da Justiça Militar Estadual e, sendo certo
que, competindo a essa lei ordinária a criação dessa justiça, a ela também compete a sua orga-
nização (esta, com observância dos princípios estabelecidos na Constituição Federal) e a sua
extinção, não pode a Carta Magna Estadual criar, ou manter a criação já existente, organizar
ou extinguir a Justiça Militar Estadual.55”

A Justiça Militar Estadual é formada por juízes de direito e conselhos de Justiça, no


primeiro grau de jurisdição, sendo o Tribunal de Justiça Estadual seu órgão de segundo
55
ADIN n. 725-4-RS, Pleno,
grau. Nos estados em que o efetivo militar seja superior a 20 mil integrantes, é possível a rel. Min Moreira Alves, j.
criação do Tribunal de Justiça Militar, o segundo grau de jurisdição. 15.12.1997, DJ 04.09.1998.

FGV DIREITO RIO 88


organização da justiça e do ministério público

Compete aos juízes de direito no primeiro grau de jurisdição julgar, singularmente, os


crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares.
Ao Conselho de Justiça, sob a presidência do juiz de direito, compete processar e julgar
os demais crimes militares.
São dois os critérios, portanto:

– ratione materiae – ocorrência de crime militar, ou seja, os assim definidos de forma


concentrada no Código Penal Militar;
– ratione causae – qualidade do agente, que dever ser policial militar ou bombeiro.

É o que já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

“EMENTA: HABEAS CORPUS - CRIME COMETIDO POR CIVIL CONTRA O


PATRIMÔNIO DA POLICIA MILITAR DO ESTADO - INCOMPETENCIA ABSOLU-
TA DA JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL (CF, ART 125, PAR. 4.). - PRINCÍPIO DO JUIZ
NATURAL - NULIDADE DOS ATOS DECISORIOS PROFERIDOS PELA JUSTIÇA
MILITAR DO ESTADO - PEDIDO DEFERIDO. - A Justiça Militar estadual não dispõe
de competência penal para processar e julgar civil que tenha sido denunciado pela pratica
de crime contra a Policia Militar do Estado. Qualquer tentativa de submeter os réus civis
a procedimentos penais-persecutórios instaurados perante órgãos da Justiça Militar estadual
representa, no contexto de nosso sistema jurídico, clara violação ao princípio constitucional
do juiz natural (CF, art. 5., LIII). - A Constituição Federal, ao definir a competência penal da
Justiça Militar dos Estados-membros, delimitou o âmbito de incidência do seu exercício, im-
pondo, para efeito de sua configuração, o concurso necessário de dois requisitos: um, de ordem
objetiva (a pratica de crime militar definido em lei) e outro, de índole subjetiva (a qualificação
do agente como policial militar ou como bombeiro militar). A competência constitucional da
Justiça Militar estadual, portanto, sendo de direito estrito, estende-se, tão-somente, aos inte-
grantes da Policia Militar ou dos Corpos de Bombeiros Militares que hajam cometido delito
de natureza militar56.”

Assim, não é competente a Justiça Militar Estadual para julgar crimes comuns, ainda
que praticado por militar estadual. Cabe ressaltar que não é só porque um militar praticou
um crime comum que este vai se transformar automaticamente em crime militar.
Crimes militares são somente aqueles definidos no Código Penal Militar. Exemplo
disso é o crime de abuso de autoridade que, por não estar previsto no Código Penal Militar,
ainda quando praticado por militar, será julgado na Justiça comum. É o que dispõe a Sú-
mula 192 do STJ “Compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de
autoridade, ainda que praticado em serviço.”
Também não é competente a Justiça Militar Estadual para julgar crimes praticados por
civil. A Justiça Militar Estadual só julga policial militar e bombeiro militar. Para finalizar o
estudo sobre a Justiça Militar, devemos nos ater a uma última questão.
Por que órgão judicial serão julgados os crimes dolosos contra a vida previstos no
Código Penal Militar (homicídio, instigação, induzimento ou auxílio ao suicídio e ge-
nocídio)?
Muita dúvida já surgiu em torno do tema. Compete ao Júri ou à Justiça Castrense? A
56
Hábeas Corpus n. 70604-
SP, rel. Min. Celso de Mello, j.
Emenda Constitucional 45 de 2004 constitucionalizou a questão. 10.05.1994, DJ 01.07.1994.

FGV DIREITO RIO 89


organização da justiça e do ministério público

No Artigo 125§4º, ao tratar da Justiça Militar Estadual, ressalvou a competência do


júri, pelo que, hoje, crime doloso contra a vida praticado por militar contra civil deve ser
julgado pelo júri. Não tem a Justiça Militar Estadual competência para processar e julgar
tais crimes. Quanto a Justiça Militar da União, como a Constituição Federal não fez a
mesma ressalva, aplica-se a Lei nº 9299/1996, cuja constitucionalidade já foi atestada pelo
Supremo Tribunal Federal57 e que de igual forma excluiu da Justiça Castrense Federal a
competência para julgar tais crimes.
A questão, portanto, se encontra uniformizada tanto na Justiça Militar Estadual,
quanto da União, não tendo a Justiça Militar competência para julgar crimes dolosos con-
tra a vida.
O quadro abaixo é elucidativo:
JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL
Processa e julga os crimes militares e as
Processa e julga os integrantes das Forças ações judiciais contra atos disciplinares
Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica) praticados pelos oficiais e praças da
acusados de crime militar, definido no Código Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros,
COMPETÊNCIA
Penal Militar. Diferentemente da Justiça Militar bem como os crimes cometidos por
Estadual, a Justiça Militar da União pode julgar militares da reserva e reformados, nos
civis em casos especiais. casos especificados na legislação penal
militar.
O Superior Tribunal Militar, a mais alta corte
da Justiça Militar, compõe-se de 15 ministros
vitalícios, nomeados pelo presidente da Juízes de Direito, com exercício nas
República, depois de aprovada a indicação varas da Justiça Militar e nos Conselhos
pelo Senado Federal. Três dos indicados dever de Justiça (primeiro grau de jurisdição).
ser oficiais-generais da Marinha, quatro, do Na segunda instância, é composto
COMPOSIÇÃO
Exército, e três, da Aeronáutica, todos da ativa pelos Tribunais de Justiça Estaduais
e do posto mais elevado da carreira. Os outros ou pelos Tribunais de Justiça Militar,
cinco indicados devem ser civis, 3 advogados no caso dos estados em que o efetivo
e os outros 2, de forma paritária, dentre Juízes- militar seja superior a 20 mil.
Auditores e membros do Ministério Público
Militar.

Caso de sedimentação:

No dia 05 de abril de 2006, José, que voltava para casa após um dia de trabalho, foi
abordado por um desconhecido na estação de trem, que lhe ofereceu fios e cabos elétricos a
um preço bem convidativo, cerca de R$ 20,00. José, sabendo do alto valor que aquele ob-
jeto possui no mercado, sem qualquer questionamento sobre a procedência da res, aceitou a
oferta e então comprou os cabos acondicionados numa sacola plástica.
Momentos depois, quando já chegava em casa, policiais militares, sob fundada suspei-
ta, revistaram José e lograram êxito na apreensão da res e na prisão em flagrante de José.
No caso, os fios e cabos elétricos pertenciam a estabelecimento militar da União, con-
figurando-se o crime de receptação culposa: art. 255 do Código Penal Militar. José agiu cul-
posamente, ao desrespeitar o dever objetivo de cuidado, coincidentemente com a presente
suspeita de que a coisa não podia ter origem lícita.
Pergunta-se: A quem compete, portanto, o julgamento de José?

57
Recurso Extraordinário n.
260.404-MG, rel. Min. Moreira
Alves, j. 22.03.2001.

FGV DIREITO RIO 90


organização da justiça e do ministério público

2) JUSTIÇA DO TRABALHO

Prevista nos artigos 111 a 117 da Constituição Federal, com certeza este foi o ramo
do Judiciário que mais profundamente sofreu alterações com a Emenda Constitucional 45
– Reforma do Judiciário – não só no que tange à sua composição mas também à sua com-
petência. São órgãos da Justiça Trabalhista: o Tribunal Superior do Trabalho; os Tribunais
Regionais do Trabalho e os Juízes do Trabalho.
É uma das Justiças especializadas, ao lado da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral, sen-
do sua competência expressamente prevista na Constituição Federal. Antes de iniciarmos o
estudo de cada órgão em separado, é importante ressaltar que a Emenda Constitucional nº
24, de 9 de dezembro de 1999, extinguiu a participação de juízes classistas na Justiça Traba-
lhista em todas as instâncias. Não há mais juízes classistas no Tribunal Superior do Trabalho
ou no Tribunal Regional do Trabalho. No primeiro grau de jurisdição, o órgão colegiado
denominado Junta de Conciliação e Julgamento, transformou-se em Vara do Trabalho, cuja
jurisdição é exercida por um só juiz singular.

Tribunal Superior do Trabalho

O Tribunal Superior do Trabalho é o órgão de cúpula da Justiça do Trabalho. Em sua


composição estão 27 Ministros escolhidos da seguinte forma:

“Art. 111-A. O Tribunal Superior do Trabalho compor-se-á de vinte e sete Ministros,


escolhidos dentre brasileiros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos,
nomeados pelo Presidente da República após aprovação pela maioria absoluta do Senado
Federal, sendo:
I- um quinto dentre advogados com mais de dez anos de efetiva atividade profissional
e membros do Ministério Público do Trabalho com mais de dez anos de efetivo exercício,
observado o disposto no art. 94;
II- os demais dentre juízes dos Tribunais Regionais do Trabalho, oriundos da magistra-
tura da carreira, indicados pelo próprio Tribunal Superior. “

Aplica-se ao Tribunal Superior do Trabalho, como visto, a regra do quinto consti-


tucional, em respeito ao mandamento do Artigo 94 da Constituição. O diferencial aqui
é que em relação aos membros oriundos da magistratura de carreira, a Constituição
Federal não faz menção a lista tríplice, sendo a indicação feita diretamente pelo Tribu-
nal Superior do Trabalho ao Senado Federal. A nomeação dos membros se dará pelo
presidente da República, após aprovação pela maioria do Senado Federal. Funcionarão
junto ao Tribunal Superior do Trabalho a Escola de Formação e Aperfeiçoamento da
Magistratura do Trabalho, cabendo-lhe regulamentar os cursos oficiais para o ingresso
e promoção da carreira, e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho, cabendo-lhe
exercer a supervisão administrativa, orçamentária, financeira e patrimonial da Justiça
Trabalhista em primeiro e segundo graus, como órgão central do sistema, cujas decisões
terão efeito vinculante.
Em sua forma organizacional, o Tribunal Superior do Trabalho está dividido em:

FGV DIREITO RIO 91


organização da justiça e do ministério público

ÓRGÃO COMPOSIÇÃO COMPETÊNCIA


Totalidade dos Ministros do Dar posse à direção do Tribunal e
PLENÁRIO TST, ou seja, 27 Ministros. dar posse aos Ministros do Tribunal.
Questões administrativas,
argüições de inconstitucionalidade,
11 Ministros mais antigos do
mandados de segurança contra ato
Tribunal.
ÓRGÃO ESPECIAL de Ministro do Tribunal e contra ato
do Presidente do TRT.
Julgam dissídios coletivos,
embargos infringentes, recurso
9 Ministros, dentre o
ordinário, agravo de instrumento
presidente, o vice-presidente,
em recurso ordinário, agravo
o corregedor e os seis
regimental, mandado de segurança
SEÇÃO ESPECIALIZADA EM ministros mais antigos do
e recurso ordinário em mandado
DISSÍDIOS COLETIVOS Tribunal.
de segurança, todos decorrentes de
dissídios coletivos.
11 ministros, dentre o
presidente, o vice-presidente,
Julgamento de embargos de
o corregedor e 8 ministros
divergência e agravo regimental
integrantes das turmas.
em embargos.
SBDI I Quorum de sete ministros
para funcionar.
Ações rescisórias; mandados de
SEÇÃO ESPECIALIZADA segurança; agravos regimentais em
EM DISSÍDIOS ações rescisórias e em mandado de
INDIVIDUAIS 9 ministros, dentre presidente,
segurança; recursos ordinários em
vice-presidente, corregedor e
agravos regimentais e mandados
cinco integrantes de turmas.
de segurança; agravos de
Quorum de cinco ministros
instrumento em recursos ordinários
para funcionar
SBDI II e em agravos regimentais e
mandados de segurança; conflitos
de competência.

Tribunal Regional do Trabalho

Previsto no Artigo 115 da Constituição Federal, o Tribunal Regional do Trabalho é


órgão de segundo grau de jurisdição da Justiça Trabalhista.
Sua composição está prevista no Artigo 115 da seguinte forma:

“Art. 115. Os Tribunais Regionais do Trabalho compõem-se de, no mínimo, sete juízes,
recrutados, quando possível, na respectiva região, e nomeados pelo Presidente da República
dentre brasileiros com mais de trinta e menos de sessenta e cinco anos, sendo:
I - um quinto dentre advogados com mais de dez anos de efetiva atividade profissional
e membros do Ministério Público do Trabalho com mais de dez anos de efetivo exercício,
observado o disposto no art. 94;
II - os demais, mediante promoção de juízes do trabalho por antigüidade e merecimen-
to, alternadamente.”

Aplica-se aos Tribunais Regionais do Trabalho, como visto, a regra do quinto cons-
titucional, em respeito ao mandamento do Artigo 94 da Constituição. Duas importantes
inovações prometem conferir à Justiça do Trabalho a celeridade e eficiência tão almejadas:
a Justiça Itinerante (Art. 115, §1º) e a possibilidade de funcionar descentralizadamente por

FGV DIREITO RIO 92


organização da justiça e do ministério público

meio de Câmaras Regionais (Art 115, §2º), ambas já estudadas na primeira aula de nosso
curso. Os Tribunais Regionais do Trabalho funcionam em Plenário ou divididos em Turmas
e Grupos de Turmas, dependendo exclusivamente do seu tamanho e das disposições do seu
Regimento Interno.
O Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro, por exemplo, está dividido em:
Plenário (todos os desembargadores); Órgão Especial (13 desembargadores); Seções – são
duas: uma seção especializada pelos dissídios coletivos e a outra seção especializada pelos
dissídios individuais; e nove Turmas.
Funciona junto ao Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro, ainda, a Escola
de Magistratura da Justiça do Trabalho no Estado do Rio de Janeiro – EMATRA-RJ - com
as finalidades de preparação, formação, aperfeiçoamento e especialização dos magistrados
do trabalho.
Hoje, no Brasil, existem 24 Tribunais Regionais do Trabalho, sendo o maior, em nú-
mero de juízes, o de São Paulo, com 64 magistrados. Só Amapá, Roraima, Acre e Tocantins
não possuem ainda Tribunal Regional em sua área territorial, pertencendo a tribunais situ-
ados em outros Estados.

Juízes do Trabalho

O primeiro grau de jurisdição da Justiça do Trabalho é composta por juízes trabalhis-


tas que ingressam na carreira mediante aprovação em concurso público de provas e títulos.
Ingressam como juízes do trabalho substitutos e, por meio de promoção, por merecimento
ou antiguidade, alternadamente, chegam a juízes do trabalho. Há ainda a possibilidade do
jurisdicionado, domiciliado em comarca não abrangida pela Justiça do Trabalho, ingressar
em juízo junto à Justiça Estadual Comum, cujo juiz de direito terá competência para julgar
a causa, com recurso para o respectivo Tribunal Regional do Trabalho da Região58. Trata-se
de um grande incentivo e implemento do acesso à Justiça na área trabalhista.

Competência da Justiça do Trabalho

A competência da Justiça do Trabalho veio enumerada no Artigo 114 da Constituição


Federal, que trazemos à colação:

“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:


I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público ex-
terno e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios;
II - as ações que envolvam exercício do direito de greve;
III - as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalha-
dores, e entre sindicatos e empregadores;
IV - os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data , quando o ato questiona-
do envolver matéria sujeita à sua jurisdição; 58
“Art. 112. A lei criará varas da
Justiça do Trabalho, podendo,
V - os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o nas comarcas não abrangidas
disposto no art. 102, I, o; por sua jurisdição, atribuí-la
aos juízes de direito, com re-
VI - as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de curso para o respectivo Tribu-
trabalho; nal Regional do Trabalho.”

FGV DIREITO RIO 93


organização da justiça e do ministério público

VII - as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos


órgãos de fiscalização das relações de trabalho;
VIII - a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e
seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;
IX - outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.”

No que se refere ao inciso I do Artigo 114 supra descrito, cabe mencionar que o Supre-
mo Tribunal Federal, conforme noticiado no Informativo 422, conferiu interpretação con-
forme à Constituição para suspender da competência da Justiça do Trabalho a apreciação de
causas instauradas entre o Poder Público e os servidores a ele vinculados por típica relação
de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo.

“EC 45/2004 e Inciso I do Art. 114 da CF – 1 - O Tribunal, por maioria, referendou


liminar concedida em ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Associação dos Juí-
zes Federais do Brasil - AJUFE contra o inciso I do art. 114 da CF, na redação dada pela EC
45/2004, em que o Min. Nelson Jobim, então presidente, dera interpretação conforme ao alu-
dido dispositivo, para suspender “toda e qualquer interpretação ... que inclua, na competência
da Justiça do Trabalho, a ‘... apreciação ... de causas que ... sejam instauradas entre o Poder
Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter
jurídico-administrativo’ADI 3395/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 5.4.2006. (ADI-3395)
EC 45/2004 e Inciso I do Art. 114 da CF – 2 -Em seguida, entendeu-se estarem presen-
tes os requisitos para a manutenção da liminar concedida. Considerou-se pertinente a inter-
pretação conforme à Constituição emprestada pela decisão, em face do caráter polissêmico da
norma em análise. Salientou-se, no ponto, a decisão do STF no julgamento da ADI 492/DF
(DJU de 12.3.93), na qual se concluíra pela inconstitucionalidade da inclusão, no âmbito da
competência da Justiça do Trabalho, das causas que envolvam o Poder Público e seus servidores
estatutários, em razão de ser estranho ao conceito de relação de trabalho o vínculo jurídico de
natureza estatutária existente entre servidores públicos e a Administração. Afastou-se a alega-
ção de inconstitucionalidade formal, uma vez que a redação dada pelo Senado Federal à norma
e suprimida na promulgação em nada alteraria o âmbito semântico do texto definitivo, mas so-
mente tornaria expressa, naquela regra de competência, a exceção, concernente aos servidores
públicos estatutários, que o art. 114, I, da CF, já contém de forma implícita. Também reputou-
se presente o requisito do periculum in mora, visto que os possíveis transtornos e protelações
no curso dos processos causados por eventuais conflitos de competência, com danos às partes e
à própria Jurisdição, estariam a demonstrar o grave risco que poderia acarretar o indeferimento
da liminar. Vencido o Min. Marco Aurélio que não referendava a decisão.”

Já no que se refere ao inciso VI do mesmo Artigo, cabe ressaltar que a partir da Emen-
da Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, as ações de indenização, inclusi-
ve por dano moral, com base em acidente de trabalho, proposta por empregado contra
(ex)empregador, são da competência da Justiça do Trabalho.
Assim entendeu o Supremo Tribunal Federal:

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA JUDICANTE EM RAZÃO


DA MATÉRIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E PATRIMONIAIS
DECORRENTES DE ACIDENTE DO TRABALHO, PROPOSTA PELO EMPREGA-

FGV DIREITO RIO 94


organização da justiça e do ministério público

DO EM FACE DE SEU (EX-)EMPREGADOR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO


TRABALHO. ART. 114 DA MAGNA CARTA. REDAÇÃO ANTERIOR E POSTERIOR
À EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/04. EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PROCESSOS EM CURSO NA JUSTIÇA CO-
MUM DOS ESTADOS. IMPERATIVO DE POLÍTICA JUDICIÁRIA.
1. Numa primeira interpretação do inciso I do art. 109 da Carta de Outubro, o Su-
premo Tribunal Federal entendeu que as ações de indenização por danos morais e patrimo-
niais decorrentes de acidente do trabalho, ainda que movidas pelo empregado contra seu
(ex)empregador, eram da competência da Justiça comum dos Estados-Membros.
2. Revisando a matéria, porém, o Plenário concluiu que a Lei Republicana de 1988
conferiu tal competência à Justiça do Trabalho. Seja porque o art. 114, já em sua redação ori-
ginária, assim deixava transparecer, seja porque aquela primeira interpretação do mencionado
inciso I do art. 109 estava, em boa verdade, influenciada pela jurisprudência que se firmou na
Corte sob a égide das Constituições anteriores.
3. Nada obstante, como imperativo de política judiciária - haja vista o significativo
número de ações que já tramitaram e ainda tramitam nas instâncias ordinárias, bem como o
relevante interesse social em causa -, o Plenário decidiu, por maioria, que o marco temporal
da competência da Justiça trabalhista é o advento da EC 45/04. Emenda que explicitou a
competência da Justiça Laboral na matéria em apreço.
4. A nova orientação alcança os processos em trâmite pela Justiça comum estadual,
desde que pendentes de julgamento de mérito. É dizer: as ações que tramitam perante a
Justiça comum dos Estados, com sentença de mérito anterior à promulgação da EC 45/04,
lá continuam até o trânsito em julgado e correspondente execução. Quanto àquelas cujo
mérito ainda não foi apreciado, hão de ser remetidas à Justiça do Trabalho, no estado em que
se encontram, com total aproveitamento dos atos praticados até então. A medida se impõe,
em razão das características que distinguem a Justiça comum estadual e a Justiça do Trabalho,
cujos sistemas recursais, órgãos e instâncias não guardam exata correlação.
5. O Supremo Tribunal Federal, guardião-mor da Constituição Republicana, pode e
deve, em prol da segurança jurídica, atribuir eficácia prospectiva às suas decisões, com a de-
limitação precisa dos respectivos efeitos, toda vez que proceder a revisões de jurisprudência
definidora de competência ex ratione materiae. O escopo é preservar os jurisdicionados de
alterações jurisprudenciais que ocorram sem mudança formal do Magno Texto.
6. Aplicação do precedente consubstanciado no julgamento do Inquérito 687, Sessão
Plenária de 25.08.99, ocasião em que foi cancelada a Súmula 394 do STF, por incompatível
com a Constituição de 1988, ressalvadas as decisões proferidas na vigência do verbete.
7. Conflito de competência que se resolve, no caso, com o retorno dos autos ao Tribu-
nal Superior do Trabalho.59”

Indenização por Danos Decorrentes de Acidente do Trabalho: Competência


As ações de indenização propostas por empregado contra empregador, fundadas em aci-
dente do trabalho, são da competência da justiça do trabalho. Com base nesse entendimento, que
altera a jurisprudência consolidada pelo Supremo no sentido de que a competência para julga-
mento dessa matéria seria da justiça comum estadual, por força do disposto no art. 109, I, da CF,
o Plenário, em Conflito de Competência suscitado pelo TST - Tribunal Superior do Trabalho em
face do extinto Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, conheceu da ação e determinou a
59
Conflito de Competência
7204-MG, Pleno, rel. Min.
���������
Car-
remessa do feito à Corte suscitante. Entendeu-se que não se pode extrair do referido dispositivo los Britto, j. 29.06.2005.

FGV DIREITO RIO 95


organização da justiça e do ministério público

a norma de competência relativa às ações propostas por empregado contra empregador em que
se pretenda o ressarcimento por danos decorrentes de acidente de trabalho. Esclareceu-se que,
nos termos da segunda parte do inciso I do art. 109 da CF, excluem-se, da regra geral contida na
primeira parte — que define a competência dos juízes federais em razão da pessoa que integra a
lide — as causas de acidente do trabalho em que a União, entidade autárquica ou empresa públi-
ca federal forem interessadas, na condição de autora, ré, assistente ou oponente (CF: “Art. 109.
Aos juízes federais compete processar e julgar: I - as causas em que a União, entidade autárquica
ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou opo-
nentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça
do Trabalho;”). Afirmou-se que referidas causas consistem nas ações acidentárias propostas pelo
segurado contra o INSS, nas quais se discute controvérsia acerca de benefício previdenciário, e
que passaram a ser da competência da justiça comum pelo critério residual de distribuição de
competência (Enunciado da Súmula 501 do STF). Não se encaixariam, portanto, em nenhuma
das partes do mencionado dispositivo as ações reparadoras de danos oriundos de acidente do
trabalho, quando ajuizadas pelo empregado contra o seu empregador, e não contra o INSS, em
razão de não existir, nesse caso, interesse da União, de entidade autárquica ou de empresa pública
federal, exceto na hipótese de uma delas ser empregadora. Concluiu-se, destarte, ressaltando ser
o acidente de trabalho fato inerente à relação empregatícia, que a competência para julgamento
dessas ações há de ser da justiça do trabalho, a qual cabe conciliar e julgar os dissídios individuais
e coletivos entre trabalhadores e empregadores, e outras controvérsias decorrentes daquela rela-
ção. Asseverou-se que tal entendimento veio a ser aclarado com a nova redação dada ao art. 114
da CF, pela EC 45/2004, especialmente com a inclusão do inciso VI (“Art. 114. Compete à Jus-
tiça do Trabalho processar e julgar:... VI - as ações de indenização por dano moral ou patrimonial,
decorrentes da relação de trabalho;”). Acrescentou-se, ainda, que o direito à indenização em caso
de acidente de trabalho, quando o empregador incorrer em dolo ou culpa, está enumerado no
art. 7º da CF como autêntico direito trabalhista, cuja tutela, deve ser, por isso, da justiça especial.
Fixou-se, como marco temporal da competência da justiça laboral, a edição da EC 45/2004, por
razões de política judiciária. Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio, que estabelecia o termo
inicial dessa competência a partir da redação original do art. 114 da CF.60

Cumpre-nos trazer à colação, recente julgado do Superior Tribunal de Justiça a res-


peito de conflito de competência entre a Justiça do Trabalho e a Justiça Estadual Comum
(Vara Empresarial):

“Justiça Empresarial do Rio de Janeiro é competente para julgar as questões da falência


da Varig
Em decisão unânime, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconhe-
ceu a competência do juiz da 1ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro para julgar as
ações referentes à falência da Varig. A 1ª Vara sucedeu a 8º Vara Empresarial, que, por decisão
liminar do próprio STJ, já estava processando as ações da empresa.
O conflito de competência foi suscitado pelo Ministério Público do Estado do Rio de
Janeiro porque as Justiças estadual e trabalhista declararam-se competentes para julgar a ação
proposta na Justiça do Trabalho pelo Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA) e associações
de comissários, mecânicos de vôo e pilotos da Varig e da Nordeste Linhas Aéreas. Na ação
60
Noticiado no Informativo
foi pedido o bloqueio dos US$ 75 milhões levantados com o leilão da Unidade Produtiva da n. 394 do Supremo Tribunal
Varig (UPV) como garantia de pagamento das ações trabalhistas. Federal.

FGV DIREITO RIO 96


organização da justiça e do ministério público

Em seu voto, o ministro Ari Pargendler ressaltou que somente o Tribunal de Justiça
estadual poderá rever a decisão judicial que livrou a empresa Aéreo Transportes Aéreos S/A
– subsidiária da Varig Log e arrematante da Unidade Produtiva da Varig – de arcar com as
despesas trabalhistas. O juiz da 8ª Vara Empresarial se recusou a cumprir a decisão do juiz
da 33ª Vara do Trabalho, que havia determinado o bloqueio do dinheiro. O ministro Ari
Pargendler ressaltou que tal exigência não constava no edital do leilão.
Caso seja mantida a decisão de primeiro grau, a empresa Aéreo Transportes Aéreos S/A
poderá continuar a dispor do capital destinado ao plano de recuperação da empresa.”

Por fim, recentemente, o STJ decidiu que esta justiça especializada também é com-
petente para julgar ações relativas à representação sindical após a EC nº 45. O Ministro
Humberto Martins destacou que, “após o advento da EC nº 45/2004, passou a justiça
especializada a ser competente para julgar e processar os feitos que envolvam a cobrança de
contribuição sindical prevista no artigo 578 da Constituição das Leis Trabalhistas (CLT),
em ações propostas por sindicatos, federações ou confederações. O relator ressaltou que a
única exceção é referente aos casos em que existiam sentenças proferidas anteriormente ao
advento da EC nº 45/2004.”

Caso de sedimentação

No dia 10 de dezembro de 2004, João sofreu um acidente enquanto trabalhava. Tendo


procurado ajuda, o diretor da empresa o encaminhou para a enfermaria, a qual aconselhou
a remoção para o hospital mais próximo. A diretoria, porém, não permitiu a saída de João,
que ferido, foi obrigado a continuar o seu turno de trabalho. Tendo em vista o ocorrido e
estando ciente da Reforma do Judiciário (EC nº45/2004), no dia 28 de dezembro de 2004,
João ingressa com uma ação de reparação de danos morais e patrimoniais decorrentes de
acidente do trabalho na Justiça Trabalhista. O juiz trabalhista, em primeiro grau extinguiu o
feito por entender ser incompetente para o julgamento de referida ação. João, então, impe-
tra embargos de declaração, alegando a existência de omissão e de contradição na sentença
impugnada, porquanto essa interpretou o tema debatido - competência para o processo e
julgamento de ação de reparação de danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente do
trabalho - em desconformidade com o decido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal
no julgamento do CC 7.204/MG, Relator o Ministro Carlos Britto.
Pergunta-se: Qual o Juízo competente para julgar a ação?

FGV DIREITO RIO 97


organização da justiça e do ministério público

3) JUSTIÇA ELEITORAL

Prevista no Artigo 92, V da Constituição Federal, a Justiça Eleitoral é mais um órgão


do Poder Judiciário. É uma justiça especializada, ao lado da Justiça Militar e da Justiça do
Trabalho, pertencente também ao ramo da Justiça da União. São órgãos da Justiça Eleito-
ral: o Tribunal Superior Eleitoral; os Tribunais Regionais Eleitorais; os Juízes Eleitorais e as
Juntas Eleitorais. Trata-se de uma justiça sui generis tendo em vista sua total composição por
membros integrantes de outros órgãos judiciários. Não há ingresso diretamente na carreira
da magistratura eleitoral.
O Artigo 121 da Constituição Federal exige Lei Complementar para dispor sobre a
organização e competência dos Tribunais, Juízes de Direito e Juntas Eleitorais. Como o
Código Eleitoral que disciplina esta matéria é lei ordinária e datada de 1965 – Lei nº 4737
– procedeu-se à chamada recepção da referida Lei pela Constituição de 1988, como se
Lei Complementar fosse61. Para melhor organização, o território nacional foi dividido em
circunscrições eleitorais. Cada Estado e o Distrito Federal constituem uma circunscrição.
A circunscrição, por sua vez, é dividida em zonas eleitorais. Passemos agora ao estudo estra-
tificado de cada órgão.

Tribunal Superior Eleitoral

O Tribunal Superior Eleitoral é o órgão máximo da estrutura da Justiça Eleitoral. É o


ápice da estrutura. É composto por sete membros: três juízes dentre os ministros do Supre-
mo Tribunal Federal, eleitos por voto secreto; dois juízes dentre os ministros do Superior
Tribunal de Justiça, eleitos por voto secreto; dois juízes, dentre seis advogados de notável
saber jurídico e idoneidade moral, indicados pelo Supremo Tribunal Federal e nomeados
pelo presidente da República.
Como se pode ver, não se aplica aqui a regra do quinto constitucional, até porque a
própria Constituição já determinou uma composição bastante mista para o Tribunal.
A Constituição, no Artigo 119, II, fez somente duas exigências para os advogados
indicados: notável saber jurídico e idoneidade moral.
O Supremo Tribunal Federal, porém, julgando a questão em âmbito do Tribunal Re-
gional Eleitoral, decidiu ser também exigível 10 anos de efetivo exercício da atividade pro-
fissional. A Constituição Federal se omitiu quanto a este requisito somente quando tratou
da Justiça Eleitoral. Assim é constitucional tal exigência e este entendimento deve ser tam- 61
A matéria relativa à organi-
zação dos tribunais eleitorais,
bém aplicado ao Tribunal Superior Eleitoral. disciplinada no Código Elei-
A Constituição Federal faz uma limitação temporal ao exercício do cargo de ministro toral, foi recepcionada, com
forca de Lei Complementar,
do Tribunal Superior Eleitoral. Eles servirão por dois anos, no mínimo, e nunca por mais pela vigente Constituição, fir-
mando-se a jurisprudência do
de dois biênios consecutivos62. Tribunal Superior Eleitoral, ou-
trossim, no sentido de que os
parágrafos do art. 25 do Código
E porque isso? Eleitoral não foram revogados
Alexandre de Moraes63 traz a resposta, afirmando que o objetivo é a preservação da pela Lei 7.191/84 (Resoluções
12.391 e 18.318). (Recurso
imparcialidade do Judiciário e o afastamento das ingerências políticas nos Tribunais Eleito- Especial Eleitoral n. 12641-TO,
rel. Min. Paulo Roberto Saraiva
rais. Como Tribunal Superior, possui competências originárias e recursais determinadas no da Costa Leite, j. 29.02.1996.)
Código Eleitoral: 62
Artigo 121, 2º da CF.
63
MORAES, Alexandre de. Di-
“Art. 22. Compete ao Tribunal Superior: reito Constitucional. P. 547.

FGV DIREITO RIO 98


organização da justiça e do ministério público

I - Processar e julgar originariamente:


a) o registro e a cassação de registro de partidos políticos, dos seus diretórios nacionais
e de candidatos à Presidência e vice-presidência da República;
b) os conflitos de jurisdição entre Tribunais Regionais e juizes eleitorais de Estados
diferentes;
c) a suspeição ou impedimento aos seus membros, ao Procurador Geral e aos funcio-
nários da sua Secretaria;
d) os crimes eleitorais e os comuns que lhes forem conexos cometidos pelos seus pró-
prios juizes e pelos juizes dos Tribunais Regionais;
e) o habeas corpus ou mandado de segurança, em matéria eleitoral, relativos a atos do
Presidente da República, dos Ministros de Estado e dos Tribunais Regionais; ou, ainda, o
habeas corpus, quando houver perigo de se consumar a violência antes que o juiz competente
possa prover sobre a impetração;
f ) as reclamações relativas a obrigações impostas por lei aos partidos políticos, quanto à
sua contabilidade e à apuração da origem dos seus recursos;
g) as impugnações á apuração do resultado geral, proclamação dos eleitos e expedição
de diploma na eleição de Presidente e Vice-Presidente da República;
h) os pedidos de desaforamento dos feitos não decididos nos Tribunais Regionais den-
tro de trinta dias da conclusão ao relator, formulados por partido, candidato, Ministério
Público ou parte legitimamente interessada.
i) as reclamações contra os seus próprios juizes que, no prazo de trinta dias a contar da
conclusão, não houverem julgado os feitos a eles distribuídos.
j) a ação rescisória, nos casos de inelegibilidade, desde que intentada dentro de cento e
vinte dias de decisão irrecorrível, possibilitando-se o exercício do mandato eletivo até o seu
trânsito em julgado.
II - julgar os recursos interpostos das decisões dos Tribunais Regionais nos termos do
Art. 276 inclusive os que versarem matéria administrativa.”

As decisões proferidas pelo Tribunal Superior Eleitoral são irrecorríveis, salvo as que
declararem a invalidade de lei ou ato contrário à Constituição Federal e as denegatórias de
“habeas corpus” ou mandado de segurança, das quais caberá recurso ordinário para o Supre-
mo Tribunal Federal, interposto no prazo de 3 (três) dias64.

Tribunal Regional Eleitoral

Logo abaixo do Tribunal Superior Eleitoral estão os Tribunais Regionais Eleitorais,


órgãos de segundo grau de jurisdição. Existe um tribunal regional na capital de cada Estado
e um no Distrito Federal. Sua composição é de dois juízes dentre os desembargadores do
Tribunal de Justiça, escolhidos mediante eleição, pelo voto secreto do respectivo Órgão
Especial; dois juízes de direito, escolhidos entre os magistrados estaduais, mediante elei-
ção, pelo voto secreto; um juiz do Tribunal Regional Federal respectivo, ou, não havendo,
um juiz federal, escolhido, em qualquer caso, pelo aludido Tribunal Regional Federal; dois
juízes dentre seis advogados de notável saber jurídico e idoneidade moral, indicados pelo 64
Artigo 22, parágrafo único c/
c Artigo 281, ambos do Código
Tribunal de Justiça, por nomeação do presidente da República. Eleitoral.
O Tribunal Regional Eleitoral não é fracionado organicamente, sendo suas decisões 65
Artigo 28 do Código Elei-
proferidas por maioria de votos, em sessão pública, colegiadamente65. toral.

FGV DIREITO RIO 99


organização da justiça e do ministério público

Competência
Os Tribunais Regionais Eleitorais também possuem competência originária e recursal
previstas no Código Eleitoral:

“Art. 29. Compete aos Tribunais Regionais:


I - processar e julgar originariamente:
a) o registro e o cancelamento do registro dos diretórios estaduais e municipais de par-
tidos políticos, bem como de candidatos a Governador, Vice-Governadores, e membro do
Congresso Nacional e das Assembléias Legislativas;
b) os conflitos de jurisdição entre juizes eleitorais do respectivo Estado;
c) a suspeição ou impedimentos aos seus membros ao Procurador Regional e aos fun-
cionários da sua Secretaria assim como aos juizes e escrivães eleitorais;
d) os crimes eleitorais cometidos pelos juizes eleitorais;
e) o habeas corpus ou mandado de segurança, em matéria eleitoral, contra ato de auto-
ridades que respondam perante os Tribunais de Justiça por crime de responsabilidade e, em
grau de recurso, os denegados ou concedidos pelos juizes eleitorais; ou, ainda, o habeas corpus
quando houver perigo de se consumar a violência antes que o juiz competente possa prover
sobre a impetração;
f ) as reclamações relativas a obrigações impostas por lei aos partidos políticos, quanto a
sua contabilidade e à apuração da origem dos seus recursos;
g) os pedidos de desaforamento dos feitos não decididos pelos juizes eleitorais em
trinta dias da sua conclusão para julgamento, formulados por partido candidato Ministério
Público ou parte legitimamente interessada sem prejuízo das sanções decorrentes do excesso
de prazo.
II - julgar os recursos interpostos:
a) dos atos e das decisões proferidas pelos juizes e juntas eleitorais.
b) das decisões dos juizes eleitorais que concederem ou denegarem habeas corpus ou
mandado de segurança.”

As decisões do Tribunal Regional Eleitoral são irrecorríveis, salvo quando forem pro-
feridas contra disposição expressa da Constituição ou de lei; ocorrer divergência na inter-
pretação de lei entre dois ou mais tribunais eleitorais; versarem sobre inelegibilidade ou
expedição de diplomas nas eleições federais ou estaduais; anularem diplomas ou decretarem
a perda de mandatos eletivos federais ou estaduais; denegarem “habeas-corpus”, mandado
de segurança, “habeas-data” ou mandado de injunção, quando então será cabível recurso
ao Tribunal Superior Eleitoral66. Ressalve-se, por oportuno, que não cabe recurso direto do
Tribunal Regional Eleitoral ao Supremo Tribunal Federal, conforme já decidido pelo STF:

“No âmbito da Justiça Eleitoral, somente os acórdãos do Tribunal Superior Eleitoral é


que podem ser impugnados, perante o Supremo Tribunal Federal, em Recurso Extraordinário
(Art. 121, §3º, e 102, III, a, b e c, da CF).67”
66
Artigo 121, §4º da Constitui-
ção Federal.
Juízes Eleitorais e Juntas Eleitorais 67
Agravo Regimental no Agra-
vo de Instrumento n. 164491-
Abaixo do Tribunal Regional Eleitoral na estrutura orgânica da Justiça Eleitoral estão 6-MG, 1ª Turma, rel. ���������
Min. Syd-
ney Sanches, j. 18.12.1995, DJ
os juízes eleitorais e as juntas eleitorais. Quem exerce as funções de juiz eleitoral é um juiz 22.03.1996.

FGV DIREITO RIO 100


organização da justiça e do ministério público

de direito estadual, conforme determina o Artigo 11 da Lei Orgânica da Magistratura Na-


cional – a LOMAN.
Quando, na comarca, houver mais de uma vara da Justiça Estadual, é o Tribunal
Regional Eleitoral quem designa a qual incumbe o serviço eleitoral68, consoante critérios
estabelecidos nas Resoluções do TSE nº 20505/1999 e nº 21009/2002 e mediante aspectos
objetivos de rodízio e antiguidade. Os juízes eleitorais exercem jurisdição nas zonas eleito-
rais, conforme o Artigo 35 do Código Eleitoral.

Juntas Eleitorais

As Juntas Eleitorais são órgãos da Justiça Eleitoral competentes para apurar as eleições;
resolver impugnações e incidentes durante a apuração dos votos, expedir boletins de urnas;
e diploma de candidatos eleitos (no caso de eleições municipais).69 São compostas por um
juiz de direito e de dois a quatro membros escolhidos pelo Tribunal Regional Eleitoral den-
tre cidadãos de notória idoneidade, que exercem funções de juízes de fato. O voto de cada
um dos componentes da turma tem o mesmo valor.

Caso de sedimentação

Fernanda, filiada ao Partido X e filha do governador do Estado do Amazonas, eleito


no ano de 2004 pelo Partido Y, resolve se candidatar a governadora do Estado por discordar
veementemente da administração de seu pai, motivo de brigas familiares que levaram ao
rompimento entre os dois. Ocorre que, após efetuar o seu registro, Fernanda vê sua candi-
datura impugnada por um outro candidato.
Pergunta-se: qual terá sido o fundamento legal para a impugnação ao registro?
Fernanda, afinal, poderá ou não concorrer ao cargo?

68
Artigo 32, parágrafo único do
Código Eleitoral.
69
Artigos 40 e 41 do Código
Eleitoral.

FGV DIREITO RIO 101


organização da justiça e do ministério público

Aula 9, 10 E 11: O MINISTÉRIO PÚBLICO BRASILEIRO

1) INTRODUÇÃO

O Ministério Público, consoante o art.127, caput, da Constituição Federal, é insti-


tuição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da
ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Tal norma encontra-se inserida no capítulo constitucional dedicado às “Funções essenciais
à Justiça” ao lado da Advocacia-Geral da União e da Defensoria Pública. A finalidade da
existência do Ministério Público é a função de defesa da sociedade no regime democrático
instituído pela Carta de 1988. As palavras “permanente” e “essencial” geram reflexos impe-
ditivos ao próprio poder de reforma da Constituição, com a finalidade de extirpar do texto
constitucional o “Parquet”72, considerando-se, pois, o Ministério Público como cláusula
pétrea implícita à função jurisdicional do Estado71.
A Carta Magna deferiu ao Parquet a condição de guardião dos interesses sociais e indi-
viduais indisponíveis, vinculando-o assim à tutela (coletiva ou individual) dos direitos mais
expressivos da sociedade, aqueles de relevante valor social. Esses valores recebem atenção dos
membros do Ministério Público, seja quando estes se encarregam da persecução penal, dedu-
zindo em juízo a pretensão punitiva do Estado e postulando a repressão ao crime, seja quando
no juízo cível se ocupam de certas instituições como a família, de certos bens e valores funda-
mentais como o meio ambiente, ou de certas pessoas como os incapazes e os consumidores.
O Ministério Público, no Brasil, é configurado como instituição autônoma que não
integra o Poder Judiciário, embora desenvolva as suas funções essenciais, primordialmente, 70 A origem das expressões
“Parquet” e “Ministério Público”
no processo e perante os juízos e tribunais. A natureza jurídica da instituição e seu posi- advém da época do Reinado de
Felipe IV, o Belo, na França, em
cionamento na Carta de 1988 são questões que têm gerado controvérsia na doutrina. Na 1302, eis que os procuradores
visão do jurista Alfredo Valadão, o Ministério Público seria um verdadeiro Quarto Poder do do rei, em correspondências
que trocavam entre si, deno-
Estado72. Na verdade, não há que se falar em quarto poder. Trata-se de um órgão de extração minavam sua função como um
constitucional. ofício ou ministério público,
visando distinguí-lo do ofício
Oficiando os membros do Ministério Público junto ao Poder Judiciário, e compon- privado dos advogados, sendo
certo que, a expressão Parquet,
do-se este, como já estudado, de diversos ramos distintos, é compreensível que também o utilizada atualmente como
Parquet se apresente diversificado em vários organismos. Assim, temos o Ministério Público sinônimo da Instituição, tem
origem no estrado existente
da União, integrado pelo Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Mi- nas salas de audiência, onde
nistério Público Militar e Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios, além do os procuradores do rei podiam
sentar-se lado a lado com os
Ministério Público dos Estados, presente em cada uma das unidades federativas. magistrados.
71 O Artigo 85, II, da Carta Mag-
na e o Artigo 146, II, da Carta
Fluminense, por exemplo,
2) PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS consideram crimes de respon-
sabilidade, respectivamente,
do Presidente da República
Para a garantia de tão importantes funções, a instituição foi dotada de uma série de e do Governador do Estado,
qualquer ato atentatório ao
garantias e princípios, os quais analisaremos a partir de agora. O §1º do art.127 da Carta livre exercício do Ministério
Magna fixa os princípios institucionais do Ministério Público. Sua observância é cogente e Público.

qualquer ato que destoar deles será inválido, eivado de inconstitucionalidade. 72 Informado por MELLO JÚ-
NIOR, João Câncio de. A função
São três os princípios institucionais enumerados no texto da Carta Magna: a unidade; de controle dos atos da Admi-
nistração Pública pelo Minis-
a indivisibilidade; e a independência funcional. tério Público. Belo Horizonte:
Líder, 2001, p. 49.

FGV DIREITO RIO 102


organização da justiça e do ministério público

A Unidade Institucional

A unidade traduz a identidade do Ministério Público como Instituição. Seus mem-


bros não devem ser identificados na sua individualidade, mas sim como integrantes de um
mesmo organismo. Ao atuarem, oficiam em nome da Instituição. A Instituição se faz pre-
sente com o comparecimento de um de seus membros. “Unidade significa que os membros
do Ministério Público integram um só órgão sob a direção de um só chefe”73. Não há unidade,
porém, entre Ministérios Públicos de estados distintos, nem tampouco, entre o Ministério
Público estadual e o Ministério Público da União. A unidade significa também que, para
cada função institucional deferida ao Ministério Público na Constituição, só exista um
único ramo do Ministério Público apto para desempenhá-la, ou seja, para um determinado
caso concreto, apenas um ramo do Ministério Público terá atribuição para atuar.

Indivisibilidade

O princípio da indivisibilidade significa que os membros do Ministério Público


podem ser substituídos uns pelos outros, sem solução de continuidade das funções ins-
titucionais. Um membro do Ministério Público, observada a sistemática legal, poderá
substituir um outro quando se fizer necessário, como por exemplo, férias, licenças, im-
pedimentos, suspeições ou outros tipos de afastamentos, em nada comprometendo a ati-
vidade institucional, já que os atos devem ser compreendidos como se produzidos pela
instituição e não pelo seu agente. Para tanto, as substituições não podem ocorrer arbi-
trariamente, mas somente segundo a forma estabelecida em lei. A indivisibilidade está
estreitamente vinculada ao Princípio do Promotor Natural. Impede, portanto, a odiosa
designação do promotor de encomenda bem como as designações especiais para essa mo-
dalidade de substituição.

Independência Funcional

Princípio mais importante da Instituição, a independência funcional preconiza que


os membros do Parquet, no desempenho de suas atividades não estão subordinados a ne-
nhum órgão ou poder, mas somente à sua consciência, devendo sempre, fundamentar suas
manifestações processuais (art. 129, VIII, CRFB). No âmbito do Ministério Público só se
concebe hierarquia entre o chefe da instituição e seus integrantes no sentido administrati-
vo, nunca no sentido de índole funcional ou técnica. Os membros do Ministério Público
estão sujeitos a recomendações dos órgãos da administração superior. Tais recomenda-
ções podem ser de cunho administrativo ou mesmo de cunho institucional, entretanto,
não vinculam o membro da instituição, face ao princípio da independência funcional. As
recomendações administrativas, no entanto, se diferem das decisões administrativas da
Administração Superior, as quais devem ser obrigatoriamente atendidas pelo membro da
Instituição. Por exemplo: dever de atender às convocações, dever de encaminhar relatórios
periódicos etc.
Do princípio ora em análise, decorre também a imunidade quanto à responsabilidade
civil por seus eventuais erros de atuação. De fato, os membros do Parquet não podem ser 73 MAZZILLI, Hugo Nigro. Re-
gime Jurídico do Ministério Pú-
responsabilizados pelos atos que praticarem no estrito exercício de suas funções, a menos blico. 5ª ed. São Paulo: Saraiva,
que tenham agido com dolo ou fraude (art.85 do Código de Processo Civil). 2001, p. 155

FGV DIREITO RIO 103


organização da justiça e do ministério público

A despeito disso, crescente vem sendo o número de ações de ressarcimento movidas


diretamente contra o membro do Ministério Público, motivo pelo qual o Ministério Pú-
blico do Rio de Janeiro editou uma súmula para garantir a presença da Instituição como
assistente simples nestes processos, auxiliando a defesa do promotor74.

A indivisibilidade e a independência funcional

O princípio da indivisibilidade não implica a vinculação de pronunciamentos dos


agentes do Ministério Público no processo de um modo a obrigar que um membro da
instituição que substitui a outro observe a mesma linha de pensamento de seu antecessor.
Questão controvertida versa sobre a possibilidade de um membro do Ministério Público
recorrer de uma sentença que tenha acolhido o pedido de absolvição de outro promotor.
Exemplo: Um promotor X pede a absolvição do réu e logo depois sai de férias com sua
família. A sentença acolhe o pedido do Ministério Público, absolvendo o réu. O promotor
Y, substituto, tomando ciência da sentença, apela, pedindo a condenação do réu. Apesar
de divergente a matéria, o entendimento majoritário é pela possibilidade de manifestações
díspares, apoiado no princípio da independência funcional.

“I. Ministério Público: Sucumbência no provimento da apelação da defesa, apesar de


com ela se ter posto de acordo Promotor de Justiça. A independência funcional é, de fato, in-
compatível com a pretensão de que a concordância do Promotor com a apelação vinculasse os
órgãos da Instituição que oficiem junto ao Tribunal, de modo a inibi-los de interpor recurso
especial contra decisão que, provendo o recurso da defesa, desclassificou a infração.75”
“se um representante do MP manifestou-se na fase de alegações finais em prol da ex-
clusão de qualificantes, o que foi acolhido na sentença de pronúncia, um outro membro do
Parquet que o substitui no processo pode interpor recurso pugnando para que se preserve a
acusação inicial, não merecendo abrigo a tese de falta de interesse processual.76”

Princípio do promotor natural 74 Súmula 2 da Assessoria de


Assuntos Institucionais do
Ministério Público do Rio de
Janeiro.
Similar ao princípio do juiz natural, constitucionalmente tutelado no art. 5º, XXXVII
75 STF - HC 80.315-SP- 2000
e LIII, da CRFB, o princípio do promotor natural procura repelir, a partir da vedação de de- - Rel. Min. Sepúlveda Pertence
signações casuísticas, com propósitos políticos e pouco recomendáveis, efetuadas pela chefia - inf.206.

da instituição, a figura do “acusador de exceção”. Consagra uma garantia da ordem jurídica 76 STJ - 6ªTurma- Resp.
92.666RJ – Rel.Min.Vicente
destinada tanto a proteger o membro do Parquet, na medida em que lhe assegura a inamovi- Leal, 20.05.97: “Processo Pe-
bilidade, quanto a tutelar a própria coletividade, a quem reconhece o direito de ver atuando nal. MP. Princípio da Unidade
e da Indivisibilidade. Alcance.
em quaisquer causas apenas o promotor cuja intervenção se justifique a partir de critérios Vinculação de pronunciamento
de seus agentes. Inexistência.”
abstratos e predeterminados estabelecidos em lei. Antes de ser uma prerrogativa institucional,
77 Vide STF - HC 67759/RJ, Rel.
tal princípio é direito inalienável do cidadão de se ver processado por membro do Ministério Min.Celso de Mello.
Público isento e imparcial, que proverá a Justiça sem odiosas discriminações77. Tal princípio é 78 “O Promotor ou procurador
reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, bem como pelo Superior Tribunal de Justiça.78 não pode ser designado sem
obediência ao critério legal a
fim de garantir o julgamento
Garantias Institucionais imparcial e isento. O réu tem
direito público subjetivo de
conhecer o órgão do Ministé-
rio Público que vai lhe acusar,
Especificamente, em relação ao Ministério Público, a Constituição Federal assegurou, como ocorre com o juiz natu-
de forma expressa, a autonomia funcional e administrativa e, implicitamente, lhe garantiu ral.” (RSTJ 39/461)

FGV DIREITO RIO 104


organização da justiça e do ministério público

autonomia financeira. A Lei nº 8625/1993 – Lei Orgânica Nacional do Ministério Público


– em seu artigo 3º fez referência expressa à autonomia nessas três vertentes. O Artigo 127 §
2° da Constituição prevê que o Ministério Público goze de autonomia funcional e adminis-
trativa, podendo, portanto, estruturar-se na forma prevista na respectiva lei orgânica, prover
seus cargos diretamente, editar atos relativos ao seu quadro de pessoal, inclusive provendo
seus cargos e os de seu serviço auxiliar, enfim, reger seus destinos sem qualquer vinculação
a outro Organismo ou Poder. A Instituição está imune a qualquer influência externa no
exercício de sua atividade finalística.
Há limitações, entretanto, à autonomia administrativa prevista na própria Consti-
tuição. Com efeito, a nomeação do procurador-geral é realizada pelo chefe do Poder Exe-
cutivo; a destituição do procurador-geral é deliberada pelo Legislativo; e o membro da
Instituição vitalício somente pode perder o cargo por força de sentença judicial transitada
em julgado79.
No que concerne à autonomia financeira, a Carta Magna, diferentemente do trata-
mento conferido ao Poder Judiciário (Artigo 99 da CF), onde o termo é expressamente
previsto, optou por conferir à Instituição, no § 3º do Artigo 127, a iniciativa de elaboração
de sua proposta orçamentária, dentro dos limites estabelecidos na LDO (Lei de Diretrizes
Orçamentárias).

Teria havido alguma restrição ao Ministério Público face ao tratamento diferen-


ciado? Entendemos que não, com o apoio de Alexandre de Moraes80.
A autonomia financeira, como consectário da autonomia funcional e administrativa,
traduz-se na prerrogativa que o órgão possui de elaborar sua proposta orçamentária, preven-
do sua gestão financeira anual, assim como o Judiciário. Há que se fazer menção, ainda, a
autonomia legislativa, prevista no artigo 128 § 5º da Carta Magna, legitimando o respectivo
procurador-geral a deflagrar o processo visando a estabelecer a organização, as atribuições e
o estatuto de cada Ministério Público.

Competências e principais atribuições constitucionais

A atuação do Ministério Público na área penal

Sem sombra de dúvida, a persecução penal é uma das mais importantes atribuições
79 Artigo 128, §3º, §4º e §5º, I,
ministeriais, confundindo-se com a própria essência do Ministério Público. A Carta Mag- a, respectivamente, da Consti-
tuição Federal.
na, ao deferir privativamente ao Parquet o monopólio da persecução penal, baniu de nosso
80 MORAES, Alexandre de.
ordenamento os procedimentos penais ex officio, revogando o artigo 26 do CPP e todas as Constituição do Brasil Interpre-
leis especiais que permitiam a instauração da ação penal pública, sem denúncia do Parquet tada, p. 1523.

ou queixa, nas hipóteses legais. A ação penal, em regra, é de iniciativa pública incondicio- 81 Art. 24 do CPP.
nada, cabendo ao Ministério Público promovê-la, independentemente da manifestação da 82 “A ação penal que depende
de representação, reclama ma-
vontade de qualquer um que seja. Há casos, expressamente previstos em lei81, em que a nifestação de vontade do ofen-
iniciativa do Ministério Público dependerá da representação do ofendido82 ou da requisição dido para atuação do Ministé-
rio Público. Sem essa iniciativa,
do Ministro da Justiça. Há, ainda, a hipótese da ação penal ser promovida pelo próprio a ação penal nasce com vício
insanável.” (RSTJ 106/436)
ofendido ou por quem tenha qualidade para representá-lo. É a ação penal de iniciativa
privada, “onde ocorre uma espécie de substituição processual, em que se defende interesse alheio 83 MIRABETE, Júlio Fabbrini.
Código Penal Interpretado. São
em nome próprio”.83 Paulo: Atlas, 1999. p. 525

FGV DIREITO RIO 105


organização da justiça e do ministério público

A atuação do Ministério Público na área cível

A atuação ministerial no âmbito cível não pode ser estudada dissociada dos artigos 81
e 82 do Código de Processo Civil:

“Art. 81. O Ministério Público exercerá o direito de ação nos casos previstos em lei,
cabendo-lhe, no processo, os mesmos poderes e ônus que às partes.
Art. 82. Compete ao Ministério Público intervir:
I - nas causas em que há interesses de incapazes;
II - nas causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdi-
ção, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade;
III - nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural e nas demais
causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte.”

Tendo em vista os mencionados dispositivos, infere-se que a atuação do Parquet no


processo civil pode ser sintetizada em duas hipóteses: quando exerce o direito de ação,
conforme o Artigo 81 do CPC, será órgão agente e nos casos enumerados no artigo 82
do CPC, atuará como órgão interveniente. Nesse contexto, é importante observar que a
intervenção ministerial por força do artigo 82 do CPC não pode ser equiparada ao que a
doutrina convencionou chamar de funções custos legis, embora inúmeros autores o façam,
eis que a correta aplicação da lei deve ser verificada pelo membro da Instituição, conforme
mandamento constitucional (CF, Art. 127), qualquer que seja a sua participação processu-
al, seja ela como órgão agente ou interveniente. A atuação ministerial como órgão agente
advém de dispositivo constitucional (art.129, II e III da CRFB), bem como de inúmeros
textos legais, codificados ou não (vide CC/2003, CPC, L. 7347/85, L.8560/92, L.7853/89,
L.8429/92, L.8069/90 etc.).
Preliminarmente, cumpre fazer uma crítica ao art.81 do CPC, quando afirma que os
poderes e ônus do Parquet são idênticos aos das demais partes na relação processual. Ora,
qualquer que seja a atuação ministerial, existem algumas prerrogativas processuais ineren-
tes ao munus público desempenhado, que diferem o Parquet das demais partes, como por
exemplo, a intimação pessoal e o prazo em dobro, dentre outros.
A atuação do Ministério Público como órgão interveniente, de acordo com o Artigo
82 do CPC, está disposta em três hipóteses de intervenção do Parquet. O inciso I determi-
na a intervenção quando houver interesse de incapazes na causa. Muita divergência há na
doutrina quanto à natureza dessa intervenção. Para alguns, diante da hipossuficiência dos
incapazes, o Ministério Público intervém para reequilibrar o contraditório84. Para outros, a
atuação do Ministério Público é apenas fiscalizatória, desvinculada dos interesses do inca- 84 Barbi, Celso Agrícola. Comen-
tários ao Código de Processo
paz. Propugna pela correta aplicação da lei, ainda que isso signifique opinar contra o inte- Civil. V.1, 3ª ed. Rio de Janeiro:
resse da parte menor de idade85. Por fim, uma posição temperada86 afirma que o Ministério Forense, 1983, p. 378.

Público pode ter opinião livre não podendo, entretanto, tomar qualquer medida judicial em 85 Tornagui, Hélio. Comentários
ao Código de Processo Civil. São
desfavor do incapaz, como argüição de prescrição, por exemplo. No que concerne ao inciso Paulo: Revista dos Tribunais, v.
1, p. 281 e Alcides Mendonça
II do art.82, há consenso na doutrina de que a intervenção possui natureza fiscalizatória, em Lima. Atividade do Ministério
todas as causas e hipóteses ali descritas. Público no Processo Civil, Re-
vista do Processo, 10/72. v.1.
Por derradeiro, em relação ao inciso III, note-se que a primeira parte do dispositivo
86 Hugo Nigro Mazzilli. Regime
faz alusão a litígios coletivos pela posse de terra rural, enumerando, portanto, hipótese que Jurídico do Ministério Público,
torna obrigatória a intervenção do Ministério Público. Já na segunda parte, o dispositivo é p. 735.

FGV DIREITO RIO 106


organização da justiça e do ministério público

mais abrangente, vez que não enumera as hipóteses de intervenção, tão somente determi-
nando a atuação ministerial em caso de evidência de interesse público, seja pela natureza da
lide ou pela qualidade da parte. O dispositivo assume vital importância, eis que os artigos
84 e 246 do CPC preconizam a nulidade de qualquer feito, face a não intervenção do Mi-
nistério Público. Como não há norma disciplinando tais hipóteses, diversamente dos incisos
I e II, caberá ao Ministério Público, discricionariamente87, decidir se deverá ou não intervir,
submetendo sua decisão ao crivo do Judiciário,88 a quem competirá tão somente aferir a
legalidade, ou seja, o exercício regular deste poder discricionário.
Estas são as formas de intervenção do Ministério Público na área cível, sendo bastante
variada as áreas onde atua, como, por exemplo, no sistema de provedoria de fundações, na
Promotoria da Infância, Juventude e Idosos, nas Promotorias de Família, nas Promotorias
das massas falidas e liquidações extrajudiciais, na Promotoria de Fazenda Pública, dentre
outros.

Controle Externo da Atividade Policial

Função ministerial geradora de controvérsias é o controle externo da atividade policial.


A Lei Complementar nº 75/1993(LOMPU), em seu artigo 9º, veio disciplinar a matéria,
valendo lembrar sua incidência imediata em relação a todos os Ministérios Públicos Estaduais,
por força da aplicação subsidiária de suas normas, prevista no Artigo 80 da LONMP. A Lei
Complementar Estadual nº 106/2003 (LOMPRJ) também regulou a matéria, fazendo menção
genérica a tal dispositivo, em seu artigo 36. O controle externo permite ao Ministério Público
buscar um trabalho policial dedicado e bem conduzido, para que sejam fornecidos subsídios
capazes de gerar a justa causa necessária para o desencadeamento da ação penal pública. É
oportuno asseverar que tal controle possui índole técnica e tem por objetivo apurar omissões,
eventuais desvios de conduta das autoridades policiais e seus agentes e abuso de poder. Pedro
Roberto Decomain89, define, com acerto, tão importante função ministerial afirmando que
87 “O Art. 82, III é norma discri-
“o termo“controle” tem aqui o sentido de acompanhamento, observação, orientação, cionária. O titular deste poder
discricionário é o Ministério
e não de subordinação hierárquica. Cuida-se de possibilitar o acesso do Ministério Público a Público. Ao Judiciário cabe, ao
nível da legalidade, controlar
todas as atividades-fim exercidas pela polícia, em especial as de polícia judiciária, na medida
o exercício deste poder.” Ar-
em que antes de tudo são para ele voltadas. Naturalmente que, no exercício desse controle, ruda Alvim, A interpretação
do Artigo 82, III do Código de
cabe também ao Ministério Público verificar a ocorrência de eventuais desvios no exercício Processo Civil. Revista de Pro-
das funções da polícia, quer representem prejuízos para a coletividade (porque eventualmente cesso, 3:139-41. No mesmo
sentido. Milton Sanseverino, “O
não se apura crime ocorrido), quer para algum indivíduo em particular (que se torne vítima Ministério Público e o interesse
público no Processo Civil. RF,
de alguma forma de abuso de poder ou autoridade), tomando as providências que a hipótese
254:205-06. Contra: Antonio
possa recomendar para que tal situação tenha fim.” Cláudio Costa Machado, ob cit,
p. 384, entendendo que não há
discricionariedade do órgão do
Em maio de 2007 o Conselho Nacional do Ministério Público editou a Resolução nº Parquet mas mera aferição ou
não da existência do interesse
20 regulamentando o art. 9º da Lei Complementar nº 75/93 e o art. 80 da Lei nº 8.625/93, público, a ser demonstrado
em Juízo.
disciplinando, no âmbito do Ministério Público, o controle externo da atividade policial.
Inovando a legislação até então existente acerca do assunto, a resolução dispôs em 88 Celso Agrícola Barbi, ob. cit.,
Vol. 1, p. 381.
seu artigo 1º a respeito dos sujeitos passivos dessa atividade fiscalizadora do Ministério
89 DECOMAIN, Pedro Roberto.
Público. São eles não só os organismos policiais relacionados no artigo 144 da CF (polícia Comentários à Lei Orgânica
Nacional do Ministério Público.
federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícia civil, polícia militar e Florianópolis: Editora Obra Ju-
corpo de bombeiros militares), bem como as polícias legislativas ou qualquer outro órgão rídica. 1996. p. 184.

FGV DIREITO RIO 107


organização da justiça e do ministério público

ou instituição, civil ou militar, à qual seja atribuída parcela de poder de polícia, relacionada
com a segurança pública e persecução criminal.
Duas são as formas de se exercer o controle em estudo: através do controle difuso (por
todos os membros do Ministério Público com atribuição criminal, quando do exame dos
procedimentos que lhes forem atribuídos) ou através do controle concentrado (membros
com atribuições específicas para o controle externo da atividade policial, conforme discipli-
nado no âmbito de cada instituição).
Os órgãos do Ministério Público, no exercício das funções de controle externo da ati-
vidade policial têm livre acesso aos estabelecimentos prisionais, aos documentos relativos à
atividade-fim policial, bem como aos presos a qualquer momento90.
No exercício de suas atribuições rotineiras na fiscalização da atividade policial, incum-
be ao membro do Ministério Público; a) havendo fundada necessidade e conveniência, ins-
taurar procedimento investigatório referente a ilícito penal que tenha ocorrido no exercício
da atividade policial; b) instaurar procedimento administrativo visando sanar as deficiên-
cias ou irregularidades detectadas no exercício do controle externo da atividade policial; c)
apurar as responsabilidades decorrentes do descumprimento injustificado das requisições
que tenha feito; d) encaminhar cópias dos documentos ou peças de que dispõe ao órgão da
instituição com atribuição para a instauração de inquérito civil público ou ajuizamento de
ação civil por improbidade administrativa.91
Em suma, o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público tem como
objetivo a constatação da regularidade e adequação de procedimentos empregados na reali-
zação da atividade de polícia judiciária, bem como a integração das funções do Ministério
Público e da Polícia judiciária voltada para a persecução penal e o interesse público, de-
vendo o Parquet atentar, nesta atividade, para a prevenção da criminalidade; a finalidade,
a celeridade, o aperfeiçoamento e a indisponibilidade da persecução penal; a prevenção ou
a correção de irregularidades, ilegalidades ou abuso de poder relacionados com a atividade
de investigação criminal; e buscar superar as falhas na produção da prova, inclusive técnica,
para fins de investigação criminal.

CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Tendo em vista a independência e a autonomia do Ministério Público, muito se discu-


tiu sobre a necessidade de haver um controle externo da entidade, a fim de evitar eventuais
abusos cometidos por seus membros. A Emenda Constitucional nº 45 criou o Conselho
Nacional do Ministério Público, ao qual se aplicam, com algumas ressalvas, os mesmos
comentários feitos em relação ao Conselho Nacional de Justiça. Não é possível tratá-los,
porém, como se fossem sinônimos. O CNMP difere em alguns aspectos peculiares. Inicial-
mente, cabe ressaltar não se tratar de órgão que integra o Ministério Público, quer da União,
quer dos Estados. Também não se encontra inserido na estrutura de nenhum dos Poderes
Estatais. O CNMP, de forma similar ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas, é órgão
constitucional autônomo dissociado dos Poderes do Estado. É um órgão de “extração cons-
titucional” (Min. Carlos Ayres), ou seja, deriva da própria Constituição e não está vinculado
90
Artigo 5º, I, II e VII da Resolu-
nem ao Poder Executivo, nem ao Poder Judiciário e nem ao Poder Legislativo. Trata-se de ção nº 20 do CNMP.
mais uma inovação na linha evolutiva dos tradicionais mecanismos de checks and balances 91
Artigo 4º, §§ 1º, 2º e 3º da
que permeiam as relações entre os órgãos de soberania. Resolução nº 20 do CNMP.

FGV DIREITO RIO 108


organização da justiça e do ministério público

Composição do CNMP

Conforme disciplina o Artigo 130-A da Constituição Federal:

“Art. 130-A. O Conselho Nacional do Ministério Público compõe-se de quatorze mem-


bros nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria abso-
luta do Senado Federal, para um mandato de dois anos, admitida uma recondução, sendo:
I - o Procurador-Geral da República, que o preside;
II - quatro membros do Ministério Público da União, assegurada a representação de
cada uma de suas carreiras;
III - três membros do Ministério Público dos Estados;
IV - dois juízes, indicados um pelo Supremo Tribunal Federal e outro pelo Superior
Tribunal de Justiça;
V - dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil;
VI - dois cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela
Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal”

Trata-se de uma composição híbrida, havendo nítido desequilíbrio entre o Ministério


Público da União e os Ministérios Públicos Estaduais. De fato, enquanto o MPU tem cinco
representantes no Conselho, o MPE, dentre os 26 Ministérios Públicos Estaduais do Brasil,
tem apenas três representantes.

Atribuições do CONAMP

“Art. 130-A
(...)
§ 2º Compete ao Conselho Nacional do Ministério Público o controle da atuação ad-
ministrativa e financeira do Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais de
seus membros, cabendo-lhe:
I - zelar pela autonomia funcional e administrativa do Ministério Público, podendo
expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;
II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalida-
de dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Ministério Público da União e
dos Estados, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências
necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência dos Tribunais de Contas;
III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Ministério Público
da União ou dos Estados, inclusive contra seus serviços auxiliares, sem prejuízo da competência
disciplinar e correicional da instituição, podendo avocar processos disciplinares em curso, deter-
minar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcio-
nais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;
IV - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de membros do
Ministério Público da União ou dos Estados julgados há menos de um ano;
V - elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias sobre a
situação do Ministério Público no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar a
mensagem prevista no art. 84, XI.”

FGV DIREITO RIO 109


organização da justiça e do ministério público

Essas são as atribuições constitucionalmente conferidas ao Conselho Nacional do Mi-


nistério Público. O relacionamento do CNMP com as instituições controladas tem natu-
reza preventiva no que concerne a autonomia financeira e repressiva quanto à autonomia
funcional e administrativa. Ressalve-se que as sanções aplicáveis ao membro do Ministério
Público pelo conselho não abrangem a perda do cargo. O constituinte derivado preocupou-
se em enumerar exaustivamente as sanções aplicáveis pelo conselho, que são a remoção, a
disponibilidade e a aposentadoria (Artigo 130, §2º, III), não abrangendo, portanto, a perda
do cargo.

Corregedor Nacional do Ministério Público

Um dos integrantes do conselho será escolhido para atuar como Corregedor Nacional
do Ministério Público. A escolha será feita por votação secreta, da qual participarão todos os
integrantes do Conselho Nacional. As atribuições do corregedor estão voltadas às atividades
de cunho disciplinar e correicional, cabendo-lhe o recebimento e a colheita de informações
para fins de submissão ao conselho, órgão com atribuição para valorá-las e decidir. Sua ati-
vidade é instrumental e não finalística. Poderá ainda, no exercício de suas funções, realizar
inspeções em qualquer dependência do Ministério Público da União ou dos Estados, bem
como requisitar e designar membros do Ministério Público ou servidores, delegando-lhes
atribuições para a apuração das reclamações e denúncias.

Caso de sedimentação

O Conselho Nacional de Justiça recebeu uma reclamação anônima narrando o fato


de ter o Procurador-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, atuando conforme sua
iniciativa legislativa, proposto a criação de 10 cargos de confiança, sem submeter a pro-
posta ao Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça como determina a Lei nº
8625/1993, Artigo 10, III. Tendo em vista o relatado, e sendo competência do CNMP zelar
pela legalidade dos atos administrativos dos membros do Ministério Público da União e
dos Estados (Artigo 130-A, parágrafo 2º, II da CR/88), desconstituiu o ato e aplicou uma
sanção administrativa ao chefe da Instituição (suspensão por três dias), assegurada a ampla
defesa no procedimento administrativo.
Pergunta-se: Foi legal a atuação do CNMP?

ESTATUTO FUNCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Passemos agora ao estudo das Garantias, Vedações, prerrogativas e responsabilidades


dos membros do Ministério Público.

Garantias dos membros do Ministério Público

A par das garantias institucionais, o constituinte outorgou aos membros do Ministério


Público três garantias, visando o pleno e independente exercício das funções ministeriais,
previstas no artigo 128, §5º, I, “a” a “c” da CRFB, que agora serão analisadas:

FGV DIREITO RIO 110


organização da justiça e do ministério público

A Vitaliciedade
É a impossibilidade de perda do cargo após dois anos de efetivo exercício, senão por
sentença transitada em julgado, dentro de determinadas hipóteses previstas em lei.
A vitaliciedade dos membros do Parquet, preconizada no Artigo 128, § 5º, I “a” da CF
difere da estabilidade garantida aos servidores públicos, após três anos de efetivo exercício,
prevista no Artigo 41 da Carta Magna, porque somente poderá ser quebrada mediante
processo judicial, com decisão trânsito em julgado. Deve-se ressalvar que, para alcançar a vi-
taliciedade, o membro da instituição deverá contar com dois anos de exercício efetivo, isto,
é, não computados quaisquer períodos de férias, licenças ou afastamentos, consoante co-
mando insculpido no Artigo 53, caput, da LONMP. Enquanto não vitaliciado, o promotor
de Justiça pode perder o cargo mediante manifestação voluntária (pedido de exoneração) ou
ser demitido em processo administrativo disciplinar. Isto não ocorre após o vitaliciamento
quando, então, perderá o cargo somente por decisão judicial transitada em julgado.
Após ser vitaliciado, o promotor de Justiça somente poderá perder o cargo, consoante
determinado pela LONMP em seu Artigo 38 § 1º, por sentença judicial proferida em ação
civil própria e transitada em julgado, se ocorrerem quaisquer das seguintes hipóteses: aban-
dono do cargo por mais de trinta dias corridos; exercício da advocacia e prática de crime
incompatível com a função. A LC Estadual nº 106/2003 acresceu mais uma hipótese a este
rol: a prática de improbidade administrativa, em decorrência da Lei Federal n° 8.429/1992,
que não havia sido prevista na LONMP. Inovou também a legislação estadual ao estipular,
nos § 3º e 4° do aludido Art. 134, os crimes considerados incompatíveis com o exercício
funcional, a ensejar a perda do cargo do promotor vitaliciado. Assim, são considerados
incompatíveis com o exercício do cargo os crimes dolosos contra o patrimônio, contra a
administração e fé pública, os que importem lesão aos cofres públicos e aqueles previstos no
Artigo 5º, XLIII da Carta Magna.

A inamovibilidade
A inamovibilidade, preconizada no Artigo 128 § 5, I, “b” da Carta Magna e discipli-
nada nos Artigos 38, II da LONMP c/c 79, II da LC nº 106/2003, é a impossibilidade de
se remover um membro da Instituição do órgão onde esteja lotado, sem sua manifestação
voluntária, impedindo até a própria promoção sem a prévia aquiescência, salvo motivo de
interesse público, após manifestação do órgão colegiado competente.
Por não ser uma garantia de caráter absoluto, a inamovibilidade pode ser afastada por
decisão da maioria absoluta dos membros do Conselho Superior do Ministério Público,
em caso de interesse público (remoção compulsória), assegurada ao membro do Parquet a
ampla defesa e o devido processo legal (Arts 15, VIII da LONMP c/c 22 V da LC 106/03),
cabendo recurso de tal decisão ao Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça
(Art. 12, VIII “d” da LONMP c/c 74 § único da LC 106/03).

A irredutibilidade de subsídios
A irredutibilidade de subsídios foi outorgada aos membros do Ministério Público pela
Carta de 1988.

E o que vem a ser subsídio?


A Constituição Federal, em seu artigo 39, §4º dispõe ser o subsídio uma remuneração
exclusiva, fixada em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional,

FGV DIREITO RIO 111


organização da justiça e do ministério público

abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória. Para tanto, há que
se obedecer, em qualquer caso, os Artigos 37, X e XI.
A razão da irredutibilidade de vencimentos ou subsídios emerge da necessidade de se garantir
ao membro do Parquet, para o bom desempenho de suas relevantes funções institucionais, imuni-
dade às eventuais retaliações dos governantes no que concerne à diminuição de sua remuneração.

Foro Especial
Outro predicado constitucional dos membros do Parquet é o do foro especial por
prerrogativa de função. A CF, em seu artigo 96, III, outorga aos membros do MP Estadual
o foro por prerrogativa no TJ do Estado onde estiver vinculado. Trata-se de exceção do
princípio do “locus delicti comissi”, local do cometimento do crime, regra geral do Direito
processual, outorgada também pelos artigos 40, IV da LONMP c/c 81, V da LC 106/03.
Ressalte-se que os membros do Ministério Público da União possuem foro especial no STJ
(artigo 105, I, “a” da CRFB) ou nos TRFs (artigo 108, I, “a” da CRFB) de sua região. O
procurador-geral da República, por sua vez, é processado e julgado originariamente, nas
infrações penais comuns, perante o STF (Art. 102, I “b” da CF). Vale ressalvar que tal
garantia é de ordem absoluta, só havendo exceção na hipótese de crime eleitoral, quando
o promotor será julgado no TRE onde estiver vinculado. Assim, mesmo que cometa crime
de competência da Justiça Federal92, Militar ou ainda crime doloso contra a vida93, o juiz
natural do membro do Ministério Público Estadual (promotor ou procurador de Justiça)
será o Tribunal de Justiça do Estado onde estiver vinculado, pelo órgão definido para tanto
pelo regimento interno da Corte. No Rio de Janeiro, a competência é do Órgão Especial.
Há ainda duas questões interessantes sobre a matéria: o crime de responsabilidade prati-
cado pelo procurador-geral de Justiça, que tem por juiz natural, consoante o artigo 99, XIV da
Constituição Estadual, a Assembléia Legislativa do Estado, que será presidida, excepcionalmen-
te, pelo presidente do TJ e o julgamento do procurador geral da República, na mesma hipótese,
que será feito no Senado Federal e presidido pelo presidente do STF (art. 52, II da CRFB).
Ressalte-se, por oportuno, que o foro especial cessa quando o membro do Ministério
Público se aposenta, já que a garantia é destinada ao cargo e não ao seu ocupante.

Caso de sedimentação

Tendo prestado concurso público para ingresso no Ministério Público do Estado do


Rio de Janeiro, Juliana logrou êxito em ser aprovada nas provas e tomou posse como pro-
motora de Justiça substituta no dia 10 de maio de 2004.
Durante o tempo em que esteve submetida ao estágio probatório, Juliana entregou
regularmente os relatórios exigidos ao CEJUR (Centro de Estudos Jurídicos), atuando con-
forme os princípios reitores da Instituição. 92 “Compete aos Tribunais de
Justiça o julgamento de juizes
Ocorre que, no dia 20 de maio de 2006, sem que ainda houvesse sido oficialmente estaduais, mesmo que acusa-
vitaliciada pelo Conselho Superior do Ministério Público, Juliana praticou um ato de im- dos de crime de competência
da Justiça Federal (CF, Art.
probidade administrativa (Lei nº 8429/1992). 96, III)”(STF-Pleno –HC nº
77.558/ES)
Tendo em vista o ocorrido, foi instaurado um processo administrativo disciplinar,
93 “HC. Homicídio praticado por
respeitada a ampla defesa e o contraditório, e Juliana veio a perder o cargo no dia 10 de Promotor de Justiça. Compe-
junho de 2006. tência originária do Tribunal de
Justiça.”(STF – 1ª Turma – HC
Pergunta-se: Agiu corretamente o Conselho Superior? 73.112-1/MG –Min.: Ilmar
Galvão)

FGV DIREITO RIO 112


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As vedações constitucionais dos membros do Ministério Público

Percepção dos honorários ou verbas equivalentes


Ao membro do Ministério Público é vedado auferir a qualquer título ou pretexto,
honorários, porcentagens ou custas processuais, já que sua remuneração consiste nos ven-
cimentos ou subsídios, como anteriormente visto. No que concerne à sucumbência obtida
em ações por ele ajuizadas94, a Instituição – e não seu membro – pode cobrá-la, devendo o
montante ser creditado ao Fundo Especial do Ministério Público (Lei estadual nº 2.819, de
07 de novembro de 1997, art. 4o, inciso XII), destinado ao aperfeiçoamento institucional
do Ministério Público.

Exercício da Advocacia
O exercício da advocacia é vedado aos membros do Ministério Público, consoante os
Artigos 128 § 5º, II, “b” da CF. A prática da advocacia, para o membro vitalício do Parquet
enseja a perda do cargo, consoante previsto no Artigo 38 § 1º, II da LONMP c/c 134 I,
“b” da LC 106/03, gerando a demissão, mediante processo administrativo, daquele não vi-
talício. Ressalve-se que o Artigo 29 § 3º do ADCT resguardou aos membros do Ministério
Público Estadual o direito à advocacia, se ingressos na Instituição antes do advento da LC
40/8195. Isto porque a primeira lei orgânica do Ministério Público Estadual já vedava esta
atividade, sendo seguida, neste mister, pela LC 28/82, antiga Lei orgânica do Ministério
Público Fluminense (Art. 159, VIII) que apenas ressalvava o direito aos já inscritos em 15
de Dezembro de 1981. Note-se que os membros do Ministério Público da União, que não
possuíam qualquer vedação em seus respectivos estatutos, somente passaram a ter a restrição
com o advento da Carta Magna.

Participação em sociedades comerciais


Outra vedação ao membro do MP (Art. 128 § 5º, II, “c” da CF c/c Arts. 44, III da
LONMP e 119, III da LC 106/03) é a de exercer o comércio ou participar de sociedade mer-
cantil. Há ressalva, entretanto, para a condição de quotista ou acionista sem, no entanto, po-
der de gestão. O intuito da vedação é afastar o membro do Parquet das atividades estranhas
ao exercício funcional, permitindo, entretanto que participe de atividades empresariais, na
qualidade de mero capitalista, sem dispêndio de qualquer esforço gerencial ou de direção.

Exercício de outra função pública


A Constituição Federal, em seu Artigo 128 § 5º, II “d”, veda ao membro do Minis-
tério Público o exercício de qualquer outra função pública, salvo um magistério da mesma
natureza. A essência da vedação é evitar que o membro do Ministério Público possa desem-
penhar qualquer outra atividade, mesmo pública, salvo um magistério, em detrimento do
exercício daquelas funções institucionais deferidas ao Parquet.
94 Inclusive verba honorária.
Atividade político-partidária Confira-se Informativo STF
nº120, Agravo em Agravo Re-
Até o advento da Emenda Complementar nº 45/2004, os membros do Ministério gimental 189.430/SP, rel. Min.
Público podiam, nos casos previstos em lei, exercer atividade político-partidária. Para tanto, Sepúlveda Pertence.

uma série de requisitos e prazos deveriam ser obedecidos. A Emenda 45 inovou totalmente 95 Confira-se o Artigo 165 da
LC 106/03, que reitera a norma
o tema. Não há mais a ressalva constitucional. O constituinte vedou de forma absoluta a transitória do Artigo 29 § 3º
atividade político-partidária por membro do Ministério Público. do ADCT.

FGV DIREITO RIO 113


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As prerrogativas

As prerrogativas dos Membros do Ministério Público encontram previsão legal, res-


pectivamente, nos artigos 40 a 42 da LONMP e nos artigos 81 a 83 da LC 106/2003. Ini-
cialmente, cabe ressalvar que as prerrogativas não são privilégios outorgados aos membros
do Parquet, mas, na verdade, constituem atributo com a finalidade de assegurar o pleno
exercício das funções institucionais deferidas pela Carta Magna.

A prisão e a investigação do membro do Ministério Público


A Lei 8625 estabelece que o membro do Ministério Público somente poderá ser in-
vestigado, em caso de conduta delituosa, pelo Procurador Geral de Justiça. Desta forma, se
no curso da investigação surgem indícios de que quem cometeu o ilícito foi um Promotor,
deve a autoridade policial remeter os autos, imediatamente, sob pena de prática de abuso de
autoridade (art. 3º, “j”, da Lei nº 4898/1965), ao Procurador Geral de Justiça, não podendo
mais continuar nas investigações.96 A investigação prosseguirá por parte do procurador-ge-
ral de Justiça.. O feito é distribuído para um desembargador do órgão especial do Tribunal
de Justiça para servir de juiz natural à causa. Poderá o PGJ oferecer denúncia em face do
membro do parquet, ou determinar o arquivamento (não requer, determina) A prisão do
membro do MP pode se dar por ordem judicial proferida por autoridade competente.

Quem é a autoridade judiciária competente?


Se for uma decisão criminal, somente um desembargador integrante do Órgão Espe-
cial poderá mandar prender o promotor de Justiça, sendo dele a competência para julgar o
promotor. Já no caso do promotor não pagar a pensão alimentícia devida ou for depositário
infiel, poderá ser preso pelo juiz da vara de família ou da vara cível. Pode ocorrer também a
prisão em flagrante na hipótese de crimes inafiançáveis. Nesta hipótese, cabe à autoridade
policial lavrar o auto de prisão em flagrante, remetê-lo ao Tribunal de Justiça e apresentar o
membro do Parquet ao procurador geral de Justiça. A não apresentação no prazo hábil acar-
retará a perda da condição coercitiva de liberdade do instrumento flagrancial, sendo cabível
o relaxamento da prisão. Assim, a autuação é feita imediatamente, mas, a apresentação do
promotor de Justiça ao procurador-geral é indispensável para a regularidade do instrumento
flagrancial. A lei determina, portanto, um plus no que concerne à validade do flagrante. A
prerrogativa de ser investigado apenas pela chefia institucional não pode ser estendida aos
membros aposentados do Parquet. Com efeito, não se tratando de atributo pessoal, mas de
cunho institucional, o membro aposentado não pode utilizá-lo.

Intimação pessoal das decisões


A intimação pessoal do membro do Ministério Público está prevista nos artigos 41, IV da
LONMP e no artigo 82, III da LC nº106/2003. Antigamente, entendia-se que a prerrogativa
da intimação pessoal só era aperfeiçoada com o “ciente” do promotor. Não bastava a entrada
do processo no escaninho destinado ao Ministério Público na secretaria da vara ou mesmo
nas dependências do Ministério Público. A intimação deveria se dar mediante a entrega dos
autos, com vista, certificada pelo escrivão. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal era
pacífica nesse sentido, mas recentemente houve alteração no entendimento da Corte, no que
concerne ao cômputo do prazo processual, que para a nova tendência jurisprudencial inicia-se 96 Conforme art. 41, §único da
na data que o feito tiver ingressado nas dependências do Ministério Público. A entrega dos LONMP

FGV DIREITO RIO 114


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autos com vista continua em vigor. O que o STF mudou foi o cômputo do prazo processual.
A intimação continua se realizando por meio da entrega dos autos com vista ao promotor.
Ocorre que, considera-se como iniciado o cômputo do prazo processual no momento em que
os autos ingressam na secretaria da Promotoria de Justiça. Não está se exigindo mais, para o
início do prazo, o ciente do promotor de Justiça, como se dava anteriormente.

Porte de Arma
Dispõe o artigo 42 da LONMP sobre a licença legal para porte de arma que gozam os
membros do Ministério Público, prerrogativa esta que independe de qualquer ato formal
de licença ou autorização.

Caso de sedimentação

Lei da Mordaça – O MP pode falar com a imprensa?


Dois procuradores da República que investigam corrupção no governo federal foram
procurados por jornal de grande circulação para dar entrevista acerca do caso. Após a publi-
cação das declarações prestadas, onde foram analisadas as diligências já realizadas pelo MP
e os elementos de prova até então recolhidos, duas situações ocorreram:

• Uma assídua leitora do jornal, a velhinha de Taubaté, sentiu-se muito orgulhosa pela
atuação do MP contra a corrupção. Reacendeu-se nela, e em todos seus vizinhos,
após conhecer o trabalho que o MP vinha desenvolvendo, a esperança de que a im-
punidade e a corrupção no Brasil estão sendo combatidas com vigor.
• Os políticos envolvidos no escândalo de corrupção propuseram ação de responsa-
bilidade civil contra os dois procuradores da República (pessoalmente) buscando
elevados valores de indenização pelos danos morais decorrentes da publicação das
informações.

A- Na qualidade de advogado dos Procuradores da República, o que você alegaria


em resposta à ação proposta.
B- Na qualidade de advogado dos Políticos, o que alegaria na ação proposta.

A ESTRUTURA LEGISLATIVA E ORGANIZACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Como já visto, a Instituição é dividida, pelo Artigo 128 da Carta Maior, em duas
grandes vertentes: O Ministério Público da União, que se encontra disciplinado na LC
75/93 e que abrange o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho, o
Ministério Público Militar e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios; e os
Ministérios Públicos dos Estados, regidos por uma Lei Orgânica de cunho nacional (Lei
nº 8625/1993 – LONMP), que estabelece parâmetros, balizas e preceitos que devem ser
obrigatoriamente obedecidos pelos diversos Ministérios Públicos locais, respeitado é claro,
a autonomia decorrente do pacto federativo. Cada Ministério Público Estadual possui ainda
uma Lei Orgânica própria, consubstanciada formalmente em Lei Complementar Estadual,
cuja iniciativa é facultada aos respectivos procuradores-gerais de Justiça (art.128, par. 5º da
CF). A Lei Orgânica especificamente do Estado do Rio de Janeiro é a LC nº 106/2003.

FGV DIREITO RIO 115


organização da justiça e do ministério público

Ressalte-se que o Artigo 80 da LONMP autoriza a aplicação subsidiária, aos Ministérios


Públicos Estaduais, das normas previstas na Lei Orgânica do Ministério Público da União
(LC nº 75/1993), numa clara demonstração do legislador da existência de um pensamento
institucional monolítico a nível nacional acerca do Parquet.

Ministério Público da União

O Ministério Público da União é chefiado pelo Procurador-Geral da República, es-


colhido livremente pelo presidente da República, dentre os integrantes da carreira maiores
de 35 anos, com a chancela do Senado Federal, para mandato de dois anos, admitida sua
recondução ao cargo, respeitado o mesmo processo (art.128, parágrafo 1º da Carta da Re-
pública). O chefe do Ministério Público da União pode ser reinvestido indeterminadamen-
te em suas funções, obedecido o critério constitucional. Ressalve-se que o procurador-geral
da República pode ser integrante de qualquer uma das quatro carreiras que integram o
Ministério Público da União. A destituição do procurador-geral da República, no exercício
de sua investidura “pro tempore”, dar-se-á apenas por iniciativa do presidente da República,
mediante autorização do Senado Federal, por maioria absoluta de seus membros (CF, Art.
128, §5º).

O Ministério Público Federal

O Ministério Público Federal compreende o ramo do Ministério Público da União


que atua perante o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça, os Tribunais
Regionais Federais e juizes federais e os Tribunais e juizes eleitorais.97 É chefiado pelo Procu-
rador-Geral da República (Art. 45 da LC 75/93), investido em tais funções na forma acima
descrita e que acumula a chefia com a direção superior do Ministério Público da União e a
função de Procurador-Geral Eleitoral. Incumbe ao Procurador-Geral da República exercer
as funções do Ministério Público junto ao Supremo Tribunal Federal, manifestando-se pre-
viamente em todos os processos de sua competência.
A carreira do Ministério Público Federal possui três classes, que compreendem os cargos
de Procurador da República (oficiam perante as varas federais); os Procuradores Regionais
da República (oficiam perante os TRFs) e os Subprocuradores-Gerais da República(atuando
perante o STF, o STJ e o TSE (art.66 da LC 75/93). Certo é que, no STF e no TSE, os
subprocuradores-gerais atuam por delegação do PGR. Os procuradores da República são
lotados em ofícios, nas Procuradorias da República sediadas nos Estados e no Distrito Fe-
deral. Já os procuradores regionais da República são lotados nas Procuradorias Regionais da
República, sediadas nas cidades onde há Tribunais Regionais Federais (Rio de Janeiro, São
Paulo, Recife, Porto Alegre e Brasília).

O Ministério Público do Trabalho

O Ministério Público do Trabalho é o ramo do Ministério Público da União que


atua perante a Justiça do Trabalho, competindo-lhe, entre outras funções institucionais, a
promoção da ação civil pública, para a defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados
direitos sociais constitucionalmente garantidos; a promoção das demandas que lhe sejam
atribuídas pela Constituição Federal e pelas Leis trabalhistas, podendo inclusive propor 97 Art. 37, I da LC 75/93.

FGV DIREITO RIO 116


organização da justiça e do ministério público

ações para a declaração de nulidade de cláusulas de contrato, acordo coletivo ou convenção


coletiva que violem liberdades individuais ou coletivas ou ainda direitos individuais indis-
poníveis dos trabalhadores; e ainda oficiar em qualquer fase do processo trabalhista, por
iniciativa própria, do Juiz ou das partes.98
O Ministério Público do Trabalho tem por chefe o Procurador- Geral do Trabalho,
nomeado pelo Procurador-Geral da República, dentre integrantes da instituição, com mais
de trinta e cinco anos de idade e cinco na carreira, que integrem lista tríplice escolhida me-
diante votação plurinominal por toda a classe. A investidura se dá por dois anos, admitida
uma recondução, por igual período, respeitado o mesmo procedimento. A exoneração, an-
tes do término do mandato, dar-se-á por ato do procurador-geral da República, mediante
solicitação do Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho. O procurador-geral
do Trabalho tem assento perante o plenário do Tribunal Superior do Trabalho, propondo
as ações cabíveis e manifestando-se nos processos de sua competência99. O procurador-geral
do Trabalho é substituído, em suas faltas e impedimentos, pelo vice-procurador-geral do
Trabalho, por ele designado dentre os subprocuradores-gerais do Trabalho.100 .A carreira
do Ministério Público do Trabalho é constituída de três classes: os Procuradores do Traba-
lho, os Procuradores Regionais do Trabalho e os Subprocuradores-Gerais do Trabalho. Os
procuradores do Trabalho e procuradores regionais do Trabalho atuam perante os TRTs,
os primeiros especialmente nos litígios trabalhistas que envolvam interesses de menores e
incapazes101. Os subprocuradores-gerais do Trabalho oficiam perante o TST e na Câmara
de Coordenação e Revisão, órgão de coordenação e integração do exercício funcional da
instituição.

O Ministério Público Militar

O Ministério Público Militar é o ramo do Ministério Público da União que oficia


perante os órgãos da Justiça Militar da União, compreendidas as Circunscrições da Justiça
Militar, distribuídas, em número de onze, por todo o território nacional, compostas por
auditorias de Justiça Militar (primeira instância) e o Superior Tribunal Militar. Convém
ressaltar que, no Rio de Janeiro, consoante facultado pelo Artigo 125 § 3º da Carta Mag-
na, há Justiça Militar Estadual de primeira instância, constituída de Conselhos de Justiça
Militar102, competente para processar e julgar policiais militares e integrantes do Corpo de
Bombeiros Militar nos crimes militares definidos em Lei. Os membros do Ministério Públi-
co que atuam perante a Auditoria da Justiça Militar Estadual não pertencem ao Ministério
Público Militar e sim ao Ministério Público Estadual.
O chefe da Instituição é o Procurador-Geral da Justiça Militar, nomeado pelo Pro-
curador-Geral da República, dentre integrantes da instituição, com mais de trinta e cinco 98 Para o rol das funções insti-
anos de idade e cinco na carreira, que integrem lista tríplice escolhida mediante votação tucionais do Ministério Público
do Trabalho, confira-se o Art.
plurinominal por toda a classe. A investidura se dá por dois anos, admitida uma recondu- 83 da LC 75/93.
ção, por igual período, respeitado o mesmo procedimento. A exoneração, antes do término 99 Art. 90 da LC 75/93.
do mandato, dar-se-á por ato do procurador-geral da República, mediante solicitação do 100 Art. 89 da LC 75/93.
Conselho Superior do Ministério Público Militar. O procurador-geral da Justiça Militar 101 Arts. 110 a 112 da LC 75/93.
tem assento perante o Superior Tribunal Militar, propondo as ações cabíveis e manifes- 102 Art. 166 da Constituição do
tando-se nos processos de sua competência103. O procurador-geral da Justiça Militar é Estado do Rio de Janeiro.

substituído, em suas faltas e impedimentos, pelo vice-procurador-geral da Justiça Militar 103 Art. 120 e 121 da LC 75/93.

Trabalho, por ele designado dentre os subprocuradores-gerais da Justiça Militar.104 A car- 104 Art. 122 da LC 75/93.

FGV DIREITO RIO 117


organização da justiça e do ministério público

reira do Ministério Público Militar é constituída de três classes: os Promotores de Justiça


Militar, os Procuradores da Justiça Militar e os Subprocuradores-Gerais da Justiça Militar.
Os promotores e os procuradores da Justiça Militar atuam perante a primeira instância,
lotados em ofícios nas Procuradorias da Justiça Militar espalhadas por todo o território
nacional.105 Os subprocuradores-gerais da Justiça Militar oficiam perante o STM e na Câ-
mara de Coordenação e Revisão, órgão de coordenação e integração do exercício funcional
da instituição.106

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios é o ramo do Ministério Público


da União que oficia perante o Tribunal de Justiça e juízes do Distrito Federal e Territórios.
O chefe da Instituição é o Procurador-Geral de Justiça, que é nomeado pelo Presidente da
República107 e empossado pelo Procurador-Geral da República108, dentre integrantes da ins-
tituição, com mais de cinco anos na carreira, que integrem lista tríplice escolhida mediante
votação plurinominal por toda a classe. A investidura se dá por dois anos, admitida uma
recondução, por igual período, respeitado o mesmo procedimento. A exoneração, antes do
término do mandato, dar-se-á por deliberação da maioria absoluta do Senado Federal, me-
diante representação do presidente da República109. O procurador-geral de Justiça tem as-
sento perante o Plenário do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, propondo
as ações cabíveis e manifestando-se nos processos de sua competência110. É substituído, em
suas faltas e impedimentos, pelo vice-procurador-geral da Justiça, por ele designado dentre
os procuradores de Justiça.111
.A carreira do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios é constituída de três
classes: os Promotores de Justiça Adjuntos, os Promotores de Justiça e os Procuradores de
Justiça. Os promotores adjuntos e os promotores de Justiça atuam perante a primeira ins-
tância, lotados em ofícios nas Promotorias de Justiça.112 Os procuradores de Justiça oficiam
perante o Tribunal de Justiça e nas Câmaras de Coordenação e Revisão, órgãos setoriais de
coordenação e integração do exercício funcional da instituição.113

Ministério Público Estadual

Como já asseverado neste trabalho, uma das grandes vertentes do Ministério Público
Brasileiro é o Ministério Público dos Estados, regidos, cada qual, por duas ordens jurídicas:
A primeira, correspondente a Lei Orgânica Nacional (Lei nº 8625/1993 – LONMP), que
estabelece parâmetros, balizas e preceitos que devem ser obrigatoriamente obedecidos pelos
diversos Ministérios Públicos locais, respeitado é claro, a autonomia estadual em decor-
105 Arts. 144 e 146 da LC 75/93.
rência do pacto federativo. A segunda, específica para cada Ministério Público Estadual,
106 Art. 140 da LC 75/93.
consubstanciada em Lei Complementar Estadual, cuja iniciativa é facultada aos respectivos
107 Art. 156 da LC 75/93.
procuradores-gerais de Justiça (art.128, par. 5º da CF).
108 Art. 26, IV da LC 75/93.
A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público tem por objetivo estabelecer normas
gerais e princípios que devem ser seguidos por todos os Ministérios Públicos Estaduais, sen- 109 Art. 156 § 2º da LC 75/93.

do vedado a qualquer Ministério Público Estadual dispor, em sua Lei Orgânica, de modo 110 Art. 158 da LC 75/93.

diferente. Determina, ainda, a estrutura dos órgãos da administração superior do Ministério 111 Art. 157 da LC 75/93.

Público, fixando-lhes a competência e os mecanismos de controle interno da instituição, 112 Arts. 178 e 179 da LC 75/93.

além das atribuições dos seus membros e dispositivos acerca da autonomia do Parquet. 113 Arts. 167 e 175 da LC 75/93.

FGV DIREITO RIO 118


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Ressalte-se, por oportuno, que o Artigo 80 da LONMP autoriza a aplicação subsidiária, aos
Ministérios Públicos Estaduais, das normas previstas na Lei Orgânica do Ministério Público
da União (LC nº 75/1993).
O Ministério Público tem por chefe o Procurador-Geral de Justiça, nomeado
pelo governador do Estado, dentre integrantes da carreira, com mais de dois anos
de atividade, indicados em lista tríplice, para mandato de dois anos, permitida uma
recondução sendo observado o mesmo procedimento. O ingresso na carreira se dá
mediante concurso público de provas e títulos, em obediência ao disposto no Artigo
37 da Constituição Federal, no cargo de Promotor de Justiça Substituto, atuando pe-
rante o primeiro grau de jurisdição. Após dois anos de estágio probatório o promotor
de Justiça é vitaliciado e no decorrer da carreira, por merecimento ou antiguidade,
alternadamente, será promovido a procurador de Justiça, passando a atuar junto ao
segundo grau de jurisdição.

Ministério Público Eleitoral

O Ministério Público Eleitoral não é uma instituição dotada de autonomia adminis-


trativa, financeira e orçamentária, não constituindo ramo autônomo do Ministério Público,
com as prerrogativas previstas no Artigo 127 da Carta Magna. Trata-se, na verdade, de uma
função institucional afeta ao Ministério Público Federal, nos precisos termos do art.72 da
LC 75/93. O chefe do Ministério Público Eleitoral é o Procurador-Geral da República que,
nestas funções, recebe a denominação de Procurador-Geral Eleitoral114, competindo-lhe
exercer as funções do Ministério Público Eleitoral junto ao Tribunal Superior Eleitoral, po-
dendo para tanto designar, para auxiliá-lo neste mister, um vice-procurador-geral eleitoral,
dentre os Subprocuradores-Gerais da República além de membros do Ministério Público
Federal, para oficiarem naquela corte, sob sua aprovação.115
Em cada Estado da Federação e no Distrito Federal há um Procurador-Regional Elei-
toral, designado pelo procurador-geral eleitoral dentre os procuradores regionais da Repú-
blica, onde houver, ou procuradores da República já vitaliciados, para exercerem as funções
do Ministério Público Eleitoral perante os respectivos Tribunais Regionais Federais.116
As funções eleitorais junto aos juizes e juntas eleitorais são exercidas pelo Ministério
Público Estadual, por meio dos promotores de Justiça, que são denominados promotores
eleitorais.117

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas

A Carta Magna de 1988 previu, em seus Artigos 73 § 2º, I e 130, a existência de um


Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, gerando controvérsias acerca da natureza e
a autonomia dessa Instituição. O STF, entretanto, entendeu que ”O Ministério Público que
atua perante o TCU qualifica-se como órgão de extração constitucional, eis que sua existência
jurídica resulta de expressa previsão normativa constante da Carta Política...O Ministério Pú-
blico junto ao TCU não dispõe de fisionomia institucional própria e, não obstante as expressivas 114 Art. 73 da LC 75/93.
garantias de ordem subjetiva concedidas aos seus Procuradores pela própria Constituição (Art. 115 Arts. 73 §único e 74 § único
130), encontra-se consolidado na intimidade estrutural dessa Corte de Contas, que se acha in- da LC 75/93.

vestida – até mesmo em função do poder de auto-governo que lhe confere a Carta Política (Art. 116 Art. 76 da LC 75/93.

73, caput, in fine) – da prerrogativa de fazer instaurar o processo legislativo concernente à sua 117 Art. 78 da LC 75/93.

FGV DIREITO RIO 119


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organização, à sua estruturação interna, à definição de seu quadro de pessoal e à criação dos
cargos respectivos.”


A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DOS INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS

Inicialmente, cabe ressaltar os motivos que levaram a introdução desta categoria de


interesses em nosso ordenamento jurídico. Teve o legislador em mente, principalmente, a
ampliação do acesso à Justiça, permitindo que inúmeras pessoas lesadas pudessem vindicar
seus direito de maneira mais eficaz. Objetivou também atender ao princípio da economia
processual, substituindo um número incalculável de demandas, com idêntico objeto, por
ações coletivas, visando a atender, num único processo, o maior número de interessados.
Levou em conta ainda o princípio da segurança jurídica, evitando-se inúmeras decisões
judiciais contraditórias, proferidas em processos individuais118, privilegiando a possibi-
lidade de uma decisão judicial – mais facilmente executável – atingir maior número de
jurisdicionados.
Interesses difusos são aqueles em que uma parcela indeterminada de pessoas, ligadas
por uma mesma circunstância de fato, estão sendo atingidas nos seus direitos de natureza
indivisível, conforme preceitua o artigo 81, §único, I do Código de Defesa do Consumidor
(CDC).
No caso dos interesses coletivos, previstos no inciso II do §único do citado artigo, os
destinatários são determináveis, isto porque identificados por uma relação jurídica base,
sendo direitos coletivos de natureza indivisível, assim como os anteriores.
Diversamente dos interesses referidos anteriormente, os direitos individuais homogê-
neos são divisíveis, já que sua determinação é tão somente por advir de uma origem comum,
sendo seus titulares determináveis (artigo 81, § único, III do CDC)
Assim, percebe-se que esses direitos possuem pontos comuns e divergentes entre si.
Os interesses difusos e os interesses coletivos têm natureza indivisível, diferem pela origem
da lesão (circunstância de fato e relação jurídica fática) e pela abrangência do grupo (inde-
termináveis e determináveis). Os direitos coletivos e os individuais homogêneos, por sua
vez, igualam-se, no que diz respeito ao grupo lesado, sendo ambos determináveis; porém,
diferem quanto à divisibilidade do interesse (indivisíveis e divisíveis) e pela origem da lesão
(relação jurídica básica e origem comum).
O Ministério Público é o legitimado mais adequado para a defesa de todos os interes-
ses protegidos pela Lei da Ação Civil Pública, inclusive com as alterações impostas pela Lei
nº 8078/1990.
Legitimado adequado é aquele que, de forma mais idônea, pode defender em juízo o
interesse em jogo, idoneidade técnica, moral e econômica. Assim, não há dúvidas de que o
Ministério Público, dotado de garantias e prerrogativas constitucionais, além da autonomia
financeira, orçamentária e administrativa, é o legitimado mais apto à defesa dos anseios
sociais.
A Ação Civil Pública é pautada sobre os princípios da obrigatoriedade e da indisponi-
bilidade. Desta forma, verificando a existência dos elementos exigidos em lei para a propo- 118 MENDES, Aluisio Gonçalves
situra da Ação Civil Pública, o Ministério Público não tem discricionariedade para deixar de de Castro. Ações Coletivas no
direito comparado e nacional.
agir. Não se trata, portanto, de um direito, mas sim de um dever de agir. Inteligentemente, São Paulo, Editora Revista dos
o legislador tratou dos meios de controle de observância do princípio da obrigatoriedade Tribunais, 2002, p. 27-36.

FGV DIREITO RIO 120


organização da justiça e do ministério público

pelo membro do Ministério Público. Um deles se reflete na função atribuída ao Conselho


Superior (art. 9º e seus parágrafos da Lei 7347/85) de rever pedido de arquivamento for-
mulado por promotor de Justiça. Outro meio de controle encontra-se na legitimidade ativa
concorrente dos outros co-legitimados, que poderão propor Ação Civil Pública quando o
Ministério Público não o fizer, caso em que atuará como custos legis, na forma do art. 5º,
§1º da Lei 7347/85.

O inquérito civil

O inquérito civil é procedimento administrativo preparatório, previsto no artigo 8º


e seguintes da Lei nº 7347/1985, de cunho inquisitorial e que tem por objetivo dotar
o Ministério Público de instrumento investigatório para a apuração de fatos tidos como
infracionais a interesses meta-individuais e, conseqüentemente, embasar a Ação Civil Pú-
blica. Trata-se de procedimento prescindível, assim como o inquérito policial, sendo dis-
pensável, se for possível, a produção do lastro probatório por meio de peças de informação.
O inquérito civil não possui litigantes, muito menos partes, regendo-se pelo Princípio do
Informalismo. Assim, a jurisprudência dominante entende não ser possível obstaculizar o
procedimento do inquérito civil mediante Habeas Corpus ou Mandado de Segurança, eis
que o instrumento por si só não tem o condão de tolher a liberdade individual ou cons-
tranger fisicamente alguém. Por ser apenas um procedimento inquisitivo, em seu bojo não
pode ser praticado nenhum ato que cause constrangimento a cidadão, não se lhe aplicando
o princípio do devido processo legal. Diferentemente da Ação Civil Pública, que tem diver-
sos co-legitimados, o Inquérito Civil é exclusivo do Ministério Público, somente podendo
ser instaurado pelos Promotores de Tutela Coletiva e pelo Procurador-Geral de Justiça nas
hipóteses de sua atribuição originária (artigo 29, VIII da LONMP, quando a autoridade
reclamada for presidente de Tribunal de Justiça, presidente da Assembléia Legislativa ou
governador do Estado).
O Inquérito Civil é instaurado mediante portaria do promotor, com atribuição, que
pode agir de ofício ou em face de representação de qualquer do povo. Pode haver, ainda,
a requisição para a instauração do inquérito civil pelo Conselho Superior do Ministério
Público em hipóteses em que tenha rejeitado arquivamento de procedimento preparatório
anterior. Se o promotor sentir necessidade de “esclarecimentos complementares”, poderá
instaurar PPIC (Procedimento Preparatório de Inquérito Civil), pelo prazo de 90 dias, pror-
rogável por igual período (artigos 6º e 20 da Res. 1066/02), quando então, se não concluído
o procedimento, deverá ser instaurado o inquérito civil.
No curso da investigação, pode o promotor requisitar diligencias, notificar, inclusive co-
ercitivamente, testemunhas e outras providências visando a formação de seu conhecimento.
Finda a investigação, três providências podem ser tomadas pelo representante do Parquet:

a) ajuizamento da Ação Civil Pública no foro competente, que deverá ser acompanha-
da pelo próprio Promotor de Tutela Coletiva;
b) Celebração de Termo ou Compromisso de Ajustamento de Conduta, estipulando
cláusula penal em caso de descumprimento de suas obrigações;
c) Promoção de arquivamento do inquérito civil, fundamentadamente, submetendo
no prazo de três dias (artigo 9º, §1º da Lei nº 7347/1985), sob pena de falta grave,
sua decisão ao reexame necessário do Conselho Superior do Ministério Público.

FGV DIREITO RIO 121


organização da justiça e do ministério público

Ressalve-se que eventuais vícios do inquérito civil não maculam a Ação Civil Pública
posteriormente ajuizada, sendo certo ainda que mesmo neste caso, eventualmente, o inqué-
rito civil pode servir de lastro, ou seja, suporte probatório mínimo para a ação penal.
Após arquivado o inquérito civil, este poderá ser desarquivado por provocação do pro-
motor de Justiça com atribuição, ao Conselho Superior do Ministério Público.

Termo de Ajustamento de Conduta (Tac)

O Termo de Ajustamento de Conduta ou Compromisso de Ajustamento de Conduta


foi uma inovação trazida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8069, em 1990,
por meio de seu artigo 211 (“os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados
compromisso de ajustamento de conduta às exigências legais ...”). Naquele mesmo ano, o Có-
digo de Defesa do Consumidor (Lei 8078) acrescentou o parágrafo 6º à Lei da Ação Civil
Pública ( Lei 7347/85), expandindo de vez a utilização de tão importante instrumento
de operosidade das demandas coletivas. O Ministério Público deve participar diretamente
da atividade judicial ou extrajudicial por ser, constitucionalmente, aquele que deve zelar
pela ordem jurídica. Deve, assim, pautar sua atuação focando as formas mais produtivas
possíveis que assegurem o acesso a uma ordem jurídica justa. O Termo de Ajustamento de
Conduta é uma dessas formas.
Como bem salientou Paulo Cezar Pinheiro Carneiro119, “o compromisso de ajustamento
de conduta funciona, à semelhança da conciliação e da transação, como verdadeiro equivalente
jurisdicional, permitindo a solução rápida e amigável do conflito, seja na fase pré-processual seja
no curso do próprio processo”.
Mediante o Termo de Ajustamento de Conduta, o próprio interessado, por meio de
uma declaração unilateral, se obriga a ajustar a sua conduta àquilo que a lei determina. O
causador do dano assume uma obrigação que visa evitar ou reparar lesão a direito ou interes-
se público. Dada a grande aplicação que ganhou o Termo de Ajustamento de Conduta, sua
abrangência ultrapassou a mera obrigação de fazer ou não fazer, passando a alcançar, devido
a seu caráter consensual, até mesmo medidas compensatórias, como a medida de coerção
multa, como forma de buscar o cumprimento da obrigação nele assumida.

Caso de sedimentação

Caio e sua esposa Maria firmaram contrato de financiamento habitacional com a Caixa
Econômica Federal, com duração de 120 meses. Ocorre que, quando estava para efetuar o pa-
gamento da 15ª parcela, Caio foi informado por um amigo contador que os juros previstos no
contrato firmado eram abusivos pois, apesar de baseados em uma Lei sobre financiamentos, a
mesma era inconstitucional. Indignado, Caio procura o Ministério Público, que, analisando os
documentos apresentados, propõe uma ação civil pública contra a Caixa Econômica Federal, pos-
tulando a repetição de indébito dos valores pagos a maior por todos os contratados e à obrigação
de não mais inserir nos contratos futuros a referida cláusula, tudo isso tendo como causa de pedir
o reconhecimento da inconstitucionalidade da lei, para que o decisum surta efeitos erga omnes.
119 CARNEIRO, Paulo Cezar Pi-
Pergunta-se: é possível o pedido feito pelo Ministério Público mediante Ação Ci- nheiro. Acesso à Justiça: Juiza-
dos Especiais Cíveis e Ação Civil
vil Pública? Pública. 1ªed. Rio de Janeiro:
Forense, 1999, p. 119.

FGV DIREITO RIO 122


organização da justiça e do ministério público

A INVESTIGAÇÃO DIRETA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

A persecução criminal no nosso ordenamento jurídico divide-se, em regra, em duas


fases. A primeira, de cunho extraprocessual, com o inquérito policial ou consectários. A
segunda fase, de índole processual, com a ação penal. Questão controvertida versa sobre a
possibilidade do Ministério Público realizar, na fase extraprocessual, investigação direta. A
controvérsia se acentuou devido a decisão do Supremo Tribunal Federal, da lavra do minis-
tro Nelson Jobim, nos seguintes termos:

“A constituição Federal dotou o Ministério Público do poder de requisitar diligências


investigatórias e a instauração de inquérito policial (CF, art. 129, VIII).
A norma constitucional não contemplou a possibilidade do Parquet realizar e presidir
inquérito policial.
Não cabe, portanto, aos seus membros inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria
de crime, mas requisitar diligência neste sentido à autoridade policial. Precedentes.
O recorrente é delegado de polícia e, portanto, autoridade administrativa.
Seus atos estão sujeitos aos órgãos hierárquicos próprios da corporação, Chefia de Po-
lícia e Corregedoria.
Recurso conhecido e provido.”120

Inicialmente, o STF empreendeu análise histórica, concluindo que desde 1936 até os
dias de hoje, apesar das tentativas de modificação do modelo de investigação policial, nunca
foi concedido ao Ministério Público o poder de realizar diligências investigatórias. É inope-
rante o método histórico utilizado. A nova hermenêutica preconiza que nenhum método
de interpretação é capaz de, isoladamente, resolver em definitivo uma questão de tamanha
complexidade. Com a Constituição de 1988, o Ministério Público teve seu papel amplamente
aumentado, passando de Instituição vinculada e subordinada ao Poder Executivo, para um
perfil independente, recebendo o papel maior de guarda do Estado Democrático de Direito,
da defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Desta forma, há
um novo fundamento de validade a embasar a atuação da Instituição, não podendo, portanto,
o intérprete se utilizar de posicionamentos doutrinários, leis e julgados anteriores à Constitui-
ção de 1988 para concluir que o Ministério Público não possui poderes investigatórios.
Outro importante argumento utilizado foi o de ser competência exclusiva da Polícia
Judiciária a atividade investigatória, não tendo o Parquet essa função institucional. Ora, pela
simples leitura do artigo 144, §1º da Carta da República pode-se observar que a verdadeira
vontade do constituinte não foi de conferir exclusividade à Polícia no que tange à investi-
gação, mas sim delimitar o âmbito de atuação de cada uma das Polícias ali mencionadas,
reservando, em especial, para a Polícia Federal a apuração das infrações penais, a prevenção
e repressão ao tráfico de drogas e o exercício, com exclusividade, das funções de polícia
judiciária da União. Não deixou também o constituinte de ressalvar para a Polícia Civil as
funções de polícia judiciária e apuração de infrações penais, quando não colidentes com a
competência da União. Quis o legislador, portanto, apenas delimitar a atribuição de cada
uma delas, tanto é assim, que em seguida elencou as funções da Polícia Militar, Polícia Fer-
roviária e Rodoviária Federal. Na verdade, o poder de investigação não é exclusividade da
polícia, nem o seria desta e do Ministério Público. Existem outros órgãos do Estado para os
quais a lei prevê a possibilidade de realização de diligências investigatórias. 120 Hábeas Corpus 81326.

FGV DIREITO RIO 123


organização da justiça e do ministério público

Exemplos:

Constituição Federal de 1988


“Art. 58
§ 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação pró-
prios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas,
serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separada-
mente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato deter-
minado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério
Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.”

LC 64/90
“Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Elei-
toral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional,
relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação
judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de au-
toridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de
candidato ou de partido político(...)”

Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal


“Art. 43. Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Pre-
sidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou
delegará esta atribuição a outro Ministro.”

LC35/79 – Lei Orgânica da Magistratura Nacional


“Art. 33 – São prerrogativas do magistrado:
Parágrafo único - Quando, no curso de investigação, houver indício da prática de cri-
me por parte do magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos
autos ao Tribunal ou órgão especial competente para o julgamento, a fim de que prossiga na
investigação.”

Vale lembrar, também, não ser o inquérito policial indispensável ao lastro da peça
acusatória. O Artigo 12 do CPP é claro ao deixar patente a prescindibilidade do inquérito,
sendo certo que o Superior Tribunal de Justiça, apreciando a questão, inclusive assim já
decidiu.121 Para reforçar esta idéia de prescindibilidade do inquérito policial, lembre-se do
artigo 27 do CPP que permite que qualquer do povo provoque a iniciativa do Ministério
Público, fornecendo-lhe informações necessárias sobre o crime de seu conhecimento, ad-
mitido-se no ordenamento processual, portanto, inclusive, a investigação particular. O ar-
tigo 39, § 5º do CPP também não pode ser esquecido, visto que ele admite expressamente
que o Ministério Público dispense o inquérito se a representação recebida vier acompanha-
da de dados suficientes para que desde já, seja deflagrada a ação penal. Vale ressalvar, que
o artigo 28 e o artigo 67, I, ambos do CPP falam em “peças de informação”, corroborando
assim com a existência de investigação criminal fora da sede de inquérito policial.
Por tudo o que foi exposto, portanto, nos dias atuais, com a nova ordem constitucio-
121 RHC 9340 / SP, Relator Min.
nal vigente, não há que se falar em monopólio da Polícia no que tange ao poder de inves- José Arnaldo da Fonseca, j.
tigação criminal. 16/12/1999, quinta turma.

FGV DIREITO RIO 124


organização da justiça e do ministério público

O poder investigatório do Ministério Público encontra-se lastreado em diversos di-


plomas legais:

Constituição Federal de 1988


“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, re-
quisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar res-
pectiva;
VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indica-
dos os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;
IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua
finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades
públicas.”

LC 75/93
“Art. 8º Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos
procedimentos de sua competência:
I - notificar testemunhas e requisitar sua condução coercitiva, no caso de ausência in-
justificada;
V - realizar inspeções e diligências investigatórias;
VII - expedir notificações e intimações necessárias aos procedimentos e inquéritos que
instaurar;”

Lei 8625/93 – LONMP


“Art. 26. No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá:
I - instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos perti-
nentes e, para instruí-los:
a) expedir notificações para colher depoimento ou esclarecimentos e, em caso de não
comparecimento injustificado, requisitar condução coercitiva, inclusive pela Polícia Civil ou
Militar, ressalvadas as prerrogativas previstas em lei;
b) requisitar informações, exames periciais e documentos de autoridades federais, es-
taduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades da administração direta, indireta
ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios;
c) promover inspeções e diligências investigatórias junto às autoridades, órgãos e enti-
dades a que se refere a alínea anterior;
II - requisitar informações e documentos a entidades privadas, para instruir procedi-
mentos ou processo em que oficie;
IV - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de in-
quérito policial militar, observado o disposto no art. 129, inciso VIII, da Constituição Fede-
ral, podendo acompanhá-los;
4º A falta ao trabalho, em virtude de atendimento à notificação ou requisição, na forma
do inciso I deste artigo, não autoriza desconto de vencimentos ou salário, considerando-se
de efetivo exercício, para todos os efeitos, mediante comprovação escrita do membro do
Ministério Público.”

FGV DIREITO RIO 125


organização da justiça e do ministério público

Alguns juristas se insurgem contra o poder investigatório ministerial, tendo como


argumentação a suposta ausência de controle de legalidade dos seus atos. Mais uma vez não
merece prosperar tal questionamento. A própria Constituição assegurou no seu artigo 5º,
XXXV, como direito fundamental do homem, que a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito. Na hipótese de excesso ou subversão da lei por parte
do Ministério Público quando de suas investigações, lícito será ao ofendido a impetração
dos remédios constitucionalmente previstos para todos os casos de abuso de autoridade e
agressão a lei, quais sejam, o Habeas Corpus ou o Mandado de Segurança, devendo figurar
o Ministério Público como agente coator, já tendo o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
decidido neste sentido.122
Apesar de toda a previsão legal e opiniões doutrinárias e jurisprudenciais no sentido
de reconhecer ao Ministério Público o poder investigatório, se nada disso fosse suficiente
para se reconhecer ao Ministério Público tal poder investigatório, ainda assim, não prospe-
rariam os argumentos contrários a tal autorização diante da Teoria dos Poderes Implícitos.
Valendo-se da máxima de quem pode o mais pode o menos, Pinto Ferreira, invocando a
Teoria dos Poderes Implícitos, cunhada pela Suprema Corte norte-americana no julgamen-
to do caso McCulloch X Maryland, de aplicação corrente no direito constitucional pátrio,
segundo a qual, se o constituinte concede a determinado órgão ou instituição, uma função
(atividade-fim), implicitamente estará concedendo-lhe os meios necessários ao atingimento
do seu objetivo, sob pena de ser frustrado o exercício do múnus constitucional que lhe foi
cometido123. De fato, de que adiantaria a Constituição da República dotar o Ministério
Público de tamanha grandeza institucional, fornecer-lhe objetivos a serem conquistados, se
não lhe proporcionasse os meios para atingi-los?
Se o constituinte originário dotou o Ministério Público da privativa promoção da
ação penal, forneceu-lhe a faculdade, de quando entender necessário, requisitar informações
ou expedir notificações, por que haveria ele de se manter inerte diante de casos em que a
Polícia Judiciária se fizesse inoperante na promoção da investigação de que o Parquet tanto
necessita.

A Resolução nº 13 do CNMP

Em 13 de outubro de 2006 o Conselho Nacional do Ministério Público editou a Re-


solução nº 13 regulamentando o art. 8º da Lei Complementar 75/93 e o art. 26 da Lei n.º
8.625/93, disciplinando, no âmbito do Ministério Público, a instauração e tramitação do
procedimento investigatório criminal, e dá outras providências.
Dispõe a resolução que o procedimento investigatório criminal é instrumento de na-
tureza administrativa e inquisitorial, instaurado e presidido pelo membro do Ministério 122 Apelação Criminal
Público com atribuição criminal, e terá como finalidade apurar a ocorrência de infrações 4174/2000. Primeira Câmara
Criminal – Desembargador
penais de natureza pública, servindo como preparação e embasamento para o juízo de pro- Paulo Ventura – j. 27.03.2001.
positura, ou não, da respectiva ação penal. 123 Apud Ofício encaminhado
Ressalva a resolução, porém, que o procedimento investigatório criminal não é con- pela CONAMP – Associação
Nacional dos Membros do Mi-
dição de procedibilidade ou pressuposto processual para o ajuizamento de ação penal e não nistério Público ao Secretário
exclui a possibilidade de formalização de investigação por outros órgãos legitimados da da Reforma do Judiciário a pro-
pósito das investigações crimi-
Administração Pública. nais realizadas pelo Ministério
Público, in www.conamp.org.
Em poder de quaisquer peças de informação, o membro do Ministério Público poderá br/noticias/investiga.htm,
promover a ação penal cabível, instaurar procedimento investigatório criminal, encaminhar acesso em 10/09/03, p. 4.

FGV DIREITO RIO 126


organização da justiça e do ministério público

as peças para o Juizado Especial Criminal, caso a infração seja de menor potencial ofensivo,
promover fundamentadamente o respectivo arquivamento, ou requisitar a instauração de
inquérito policial.
O procedimento investigatório criminal poderá ser instaurado de ofício, por membro
do Ministério Público, no âmbito de suas atribuições criminais, ao tomar conhecimento de
infração penal, por qualquer meio, ainda que informal, ou mediante provocação.
Dispondo desta forma, resta clara a intenção do Conselho Nacional do Ministério Pú-
blico em regulamentar o poder investigatório do Ministério Público, restando normatizado o
que na prática já vinha ocorrendo mas sem um procedimento previamente determinado.
Em 10 de outubro de 2006, a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil ajuizou
no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI 3806 - sob o
fundamento de que a Resolução, além de violar a exclusividade da condução das investiga-
ções criminais pela polícia judiciária, ao legislar sobre matéria processual penal, confronta
a Constituição Federal em seu artigo 22, inciso I, por tratar-se de matéria de competência
privativa da União.
Em 21 de dezembro de 2006, a Ordem dos Advogados do Brasil ajuizou outra Ação Dire-
ta de Inconstitucionalidade – ADI 3836 – com os mesmos fundamentos acima explicitados.
Em pesquisa realizada em junho de 2008 contatou-se que ambas as ações ainda se
encontram em tramitação. Na ADI 3806, foi deferido o pedido da ADEPOL, funcionando
a associação como amicus curiae.

Caso de sedimentação

O governo do Estado do Rio de Janeiro realizou um convênio com uma instituição


financeira para a concessão de empréstimos, que seriam subsidiados pelo Estado, com base
em plano de governo, a empresas do setor portuário, tendo como objetivo a reativação do
referido setor. A instituição financeira realizou a operação na condição de executor da polí-
tica creditícia e financeira do Governo Estadual, que deliberou sobre sua concessão e ainda
se comprometeu a proceder à equalização da taxa de juros, sob a forma de subvenção econô-
mica ao setor produtivo. Ocorre que, o Ministério Público do Estado recebeu uma denún-
cia anônima por intermédio de sua Ouvidoria e instaurou um procedimento administrativo
para investigar a suspeita de fraude na concessão desses empréstimos. Face à documentação
inicialmente obtida e restando fundadas as suspeitas perpetradas pela denúncia anônima, o
Ministério Público determinou diretamente a Instituição financeira o fornecimento da lista
de beneficiários de liberação de recursos, em caráter emergencial, pedindo ainda esclareci-
mentos quanto à natureza das operações e a respectiva situação. O Banco, então, impetra
um mandado de segurança sob a alegação de não poder informar os beneficiários dos alu-
didos empréstimos, por estarem protegidos pelo sigilo bancário, previsto no art. 38 da Lei
nº 4.595/1964, e, ainda, ao entendimento de que dirigente da instituição financeira não é
autoridade, para efeito do art. 8º, da LC nº 75/1993. E mais: alega que o Ministério Público
deve requerer ao Poder Judiciário a quebra do sigilo bancário e não fazê-lo diretamente, já
que não tem poderes para tanto.
Pergunta-se: Tendo em vista o direito fundamental à intimidade e o poder de requi-
sição do Ministério Público, ambos assegurados constitucionalmente, como deve decidir o
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro?

FGV DIREITO RIO 127


organização da justiça e do ministério público

QUESTÕES DE CONCURSOS

Questão 1 - Sobre o Conselho Nacional do Ministério Público, é correto afirmar que:


a) é presidido sempre por membro do Ministério Público, alternando-se na função, a
cada biênio, um representante da União e um dos Estados;
b) Tem seus membros nomeados pelo Procurador-Geral da República, depois de apro-
vada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, para um mandato de dois
anos, admitida uma recondução;
c) Limita-se a receber e conhecer reclamações contra membros do Ministério Público;
d) Cabe-lhe rever e desconstituir os atos administrativos ilegais praticados por mem-
bros ou órgãos do Ministério Público da União e dos Estados;
e) Compete ao Corregedor nacional requisitar servidores do Ministério Público e, após
autorização do Congresso Nacional, requisitar membros do Ministério Público.
(Concurso para Técnico Administrativo do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro
– março de 2007)

Questão 2 – De acordo com as normas constitucionais, é correto afirmar que o Conse-


lho Nacional do Ministério Público:
a) Não possui poder regulamentar;
b) Tem legitimidade para propor ação judicial para demissão de membro vitalício;
c) É órgão subordinado diretamente ao Ministério Público da União;
d) Age apenas por provocação, por tratar-se de órgão excepcional de controle externo
do Ministério Público;
e) Pode aplicar sanções administrativas aos membros Ministério Público, incluindo
remoção compulsória.
(Concurso para Técnico Superior Processual do Ministério Público do Estado do Rio de
Janeiro – março de 2007)

2) Em caso de extinção de vara judicial junto à qual atua órgão de execução, o Promotor de
Justiça que dele era titular se submete a qual situação funcional? Explique as possibilidades
decorrentes dessa situação, com base nas garantias constitucionais e na disciplina normativa
institucional.
O acréscimo ou supressão da competência do juízo alteram imediatamente a atribuição do
órgão de execução?
RESPOSTA OBJETIVAMENTE JUSTIFICADA.
(XXX Concurso para Ingresso Ministério Público/RJ – 2008 – Princípios Institucio-
nais do Ministério Público - Prova específica)

3) O Corregedor Nacional do Ministério Público recebe uma mensagem eletrônica apócrifa


noticiando que determinado Promotor de Justiça omite-se deliberadamente no exercício de
suas funções, deixando de oferecer ação penal contra indiciado com quem supostamente
manteria relações de amizade, embora todos os elementos para o ajuizamento da denúncia
estivessem presentes. Determinando a instauração direta de procedimento disciplinar, o
Corregedor Nacional constata a veracidade dos fatos e aplica a sanção de remoção do mem-
bro do Ministério Público, com a conseqüente designação direta de outro Promotor de Jus-
tiça para o oferecimento imediato da denúncia. As providências adotadas estão corretas?

FGV DIREITO RIO 128


organização da justiça e do ministério público

RESPOSTA OBJETIVAMENTE JUSTIFICADA.


(XXX Concurso para ingresso no Ministério Público/RJ – 2008 - Princípios Institu-
cionais do Ministério Público - Prova preliminar)

4) Determinado agente público é notificado pelo órgão com atribuição do Ministério Pú-
blico do Estado do Rio de Janeiro para prestar esclarecimentos em inquérito civil que apura
o seu possível envolvimento na prática de atos de improbidade administrativa.
Irresignado com a situação, referido agente busca amparo no Conselho Nacional do Minis-
tério Público, argumentando que: (a) o juízo valorativo do membro do Ministério Público
em relação aos fatos é equivocado, já que todos os atos, no seu entender, foram praticados
para a salvaguarda do interesse público; (b) a investigação gera uma ruptura do sistema
constitucional de divisão dos poderes, pois afronta a total liberdade política do Administra-
dor, sendo manifestamente ilícita.
Após a regular tramitação do processo administrativo, o Conselho Nacional do Ministério
Público acolhe os argumentos apresentados para trancar o inquérito civil e, face à gravidade
do fato, aplicar ao Promotor de Justiça a sanção de aposentadoria compulsória com proven-
tos proporcionais ao tempo de serviço.
À luz desses fatos, questiona-se: é juridicamente correta a decisão do Conselho?
RESPOSTA OBJETIVAMENTE JUSTIFICADA.
(XXIX Concurso para ingresso no MP/RJ – 2007 – Direito Constitucional – Prova
preliminar)

FGV DIREITO RIO 129


organização da justiça e do ministério público

Aula 12 – A POLÍCIA FEDERAL

A POLÍCIA FEDERAL

O constituinte originário fez questão de estabelecer de forma expressa as diretrizes


principais da segurança pública em nosso país. Assim, dentro do Título destinado à Defesa
do Estado e das Instituições Democráticas, prevê a Carta Magna de 1988 um capítulo espe-
cífico sobre a Segurança Pública (Capítulo III), nos seguintes termos:

“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é


exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio,
através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.”

Salvo as três primeiras, as demais polícias são estaduais.


A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido
pela União e estruturado em carreira, destina-se a: I - apurar infrações penais contra a or-
dem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas
entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha
repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser
em lei; II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contraban-
do e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respec-
tivas áreas de competência; III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de
fronteiras; IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
A polícia rodoviária federal é um órgão permanente, organizado e mantido pela União
e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ro-
dovias federais.
A polícia ferroviária federal é um órgão permanente, organizado e mantido pela União
e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das fer-
rovias federais.
Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada
a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais,
exceto as militares.
Às polícias militares, por sua vez, cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem
pública.
Aos corpos de bombeiros militares, por fim, além das atribuições definidas em lei,
incumbe a execução de atividades de defesa civil.
A doutrina clássica costuma classificar a polícia em dois grandes ramos: a polícia ad- 124
CARVALHO FILHO, José dos
ministrativa e a polícia judiciária. Santos. Manual de Direito Ad-
ministrativo. 15ª edição, rev.
Segundo José dos Santos Carvalho Filho124: amp. e at., Lúmen Júris, 2006,
p. 69.

FGV DIREITO RIO 130


organização da justiça e do ministério público

“ A Polícia Administrativa á atividade da Administração que se exaure em si mesma,


ou seja, inicia e se completa no âmbito da função administrativa. Os mesmo não ocorre com
a Polícia Judiciária, que, embora seja atividade administrativa, prepara a atuação da função
jurisdicional penal, o que a faz regulada pelo Código de Processo Penal (arts. 4º e seguintes)
e executada por órgãos de segurança (polícia civil ou militar), ao passo que a Polícia Adminis-
trativa o é por órgãos administrativos de caráter mais fiscalizador.
Outra diferença reside na circunstância de que a Polícia Administrativa incide basica-
mente sobre atividades dos indivíduos, enquanto a polícia judiciária preordena-se ao indiví-
duo em si, ou seja, aquele a quem se atribui o cometimento do ilícito penal. (...)
Por pretender evitar a ocorrência de comportamentos nocivos à coletividade, reveste-se
a Polícia Administrativa de caráter eminentemente preventivo: pretende a Administração que
o dano social sequer chegue a consumar-se. Já a Polícia Judiciária tem natureza predominan-
temente repressiva, eis que se destina à responsabilização penal do indivíduo. (...)”

No âmbito estadual, portanto, nós temos a presença das polícias civis e militares. Às
polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública. Já as polícias
civis são dirigidas por delegados de polícia de carreira (ingressos por meio de concurso
público de provas ou de provas e títulos), incumbindo-lhes, ressalvada a competência da
União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
Em âmbito federal, consoante expressa previsão constitucional, é atribuição da Polícia
Federal exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. É no estudo
da polícia federal que iremos nos ater um pouco mais nesta aula.

A POLÍCIA FEDERAL

A Polícia Federal, nos termos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,


é órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira. Compõe a
segurança pública que, é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos e é exercida para
a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.
Como órgão específico singular, é autônomo administrativa e financeiramente e tem
por finalidade a execução, em todo o território nacional, das atribuições constitucionais
previstas no art.144, §1º, além das previstas em legislação complementar. (v. Decreto nº.
5834, de 06 de julho de 2006)

Origem

A origem do Departamento de Polícia Federal (DPF) é controvertida, tendo sido,


inclusive, missão de um grupo de trabalho o estudo e pesquisa de subsídios que possibilitas-
sem a decisão pelo Conselho Superior de Polícia da data real de criação do Departamento
de Polícia Federal.
O resultado deste trabalho foi publicado no livro editado com o objetivo de comemo-
rar os 60 (sessenta) anos do DPF; “Departamento de Polícia Federal – 60 anos – a serviço
do Brasil” em 2004.
O Conselho Superior de Polícia concluiu, de maneira simplificada, que a Polícia Fe-
deral foi criada pelo Decreto nº. 6378, de 28 de março de 1944, quando a Polícia Civil do

FGV DIREITO RIO 131


organização da justiça e do ministério público

Distrito Federal foi transformada em Departamento Federal de Segurança Pública objeti-


vando a federalização da atividade policial.
Em 1967, com o advento do Decreto-Lei nº. 200, há alteração de nomenclatura,
nos termos do art.210 daquele dispositivo legal. Art.210: “o atual Departamento Federal
de Segurança Pública passa a denominar-se Departamento de Polícia Federal, considerando-se
automaticamente substituída por esta denominação a menção à anterior constante de quaisquer
leis ou regulamentos.”
O decreto nº 6378, de 28 de março de 1944, vige até o dia 16 de novembro de 1964,
quando a Lei nº 4.483 determina a reorganização do Departamento. Esta é a data que parte
dos policiais federais acreditava ser a origem do DPF.

Atribuição constitucional

O art.144, §1º da Constituição da República Federativa do Brasil prevê dentre as atri-


buições da Polícia Federal, o exercício, com exclusividade, das funções de Polícia Judiciária
da União.
Neste contexto, destaque-se não haver dúvida acerca da atribuição constitucional para
a investigação policial. Atente-se que o Ministério Público tem, dentre suas atribuições
constitucionais, a de requisitar a instauração de procedimento policial, bem como diligên-
cias em procedimentos existentes.
Prevê a Carta Magna que compete à Polícia Federal, apurar infrações penais contra a
ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas
entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha
repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser
em lei. (Lei 10.446/2002)
É atribuição do DPF a prevenção e repressão ao tráfico ilícito de entorpecentes e dro-
gas afins, o contrabando e o descaminho de bens e valores, sem prejuízo da ação fazendária
e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência.
Por fim, o texto constitucional diz ser atribuição da Polícia Federal o exercício das
funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras.
Além das atribuições contitucionais existem outras atribuições da Polícia Federal, se-
não vejamos:
O Departamento de Polícia Federal, sem prejuízo dos demais órgãos da seguran-
ça pública, poderá atuar nas investigações dos crimes dispostos no art. 1º, caput, da Lei
10.446/02, desde que tais crimes tenham repercussão interestadual ou internacional, bem
como exijam repressão uniforme.
Os crimes previstos no dispositivo são: seqüestro, cárcere privado e extorsão mediante
seqüestro, praticado por motivação política ou em razão da função pública exercida pela ví-
tima; formação de cartel; violação a direitos humanos; furto, roubo ou receptação de cargas,
inclusive bens e valores, transportadas em operação interestadual ou internacional, quando
houver indícios da atuação de quadrilha ou bando em mais de um Estado da Federação.
Outros crimes não dispostos no caput, do art. 1º, da Lei 10.446/02, mas que também
tenham repercussão interestadual ou internacional dependem de determinação do Ministro
da Justiça para apuração pelo Departamento de Polícia Federal.
A Polícia Federal atua também quando há turbação e esbulho possessório dos bens
da União e das entidades integrantes da Administração Pública Federal, sem prejuízo da

FGV DIREITO RIO 132


organização da justiça e do ministério público

manutenção da ordem pública pelas Polícias Militares dos Estados. Instaura ainda inqué-
ritos relacionados aos conflitos agrários ou fundiários e os deles decorrentes, quando se
tratar de crime de competência federal, bem como previne e reprime esses crimes.
Cumpre destacar a relevância social e a importância jurídica dos trabalhos desenvolvi-
dos pelo DPF no exercício de suas atribuições.
A liberdade de iniciativa, inerente ao poder de investigar, traz conseqüências e reflexos
imediatos para a sociedade. Mais do que apurar fatos pretéritos, o exercício da polícia judi-
ciária da União permite o desenvolvimento de uma atividade bastante dinâmica. Quando
fundadas em atividades de inteligência, as investigações podem identificar e interromper
a atuação de organizações criminosas que causam, de maneira continuada, prejuízo direto
aos cofres públicos com reflexo danoso para toda a sociedade. A simples desarticulação de
tais organizações (portanto, antes mesmo de haver processo penal ou formação de culpa)
traz o efeito imediato de estancar as ações criminosas que atingem a Administração Pública
e a impedem de promover a sua função social. Por conseqüência, valores antes desviados
para enriquecer as contas da corrupção poderão finalmente chegar ao seu destino original,
beneficiando a população com a melhoria dos serviços públicos prestados, como a educação
e saúde.
Além de repercutir diretamente em favor da sociedade, a atividade da polícia judiciária
da União traz importantes conseqüências na esfera jurídica. As ações policiais provocam
constantes posicionamentos do Ministério Público e do Poder Judiciário, na medida em
que os inquéritos são concluídos e relatados. É nesse instante que as diversas teses jurídicas
sustentadas durante a fase de investigação, tanto no âmbito do direito formal quanto subs-
tancial (como, por exemplo, em matéria de produção de prova, adequação da tipificação
penal, etc.) serão apreciadas e decididas. Em outras palavras, o primeiro juízo em matéria
penal e processual penal (v. g. o exercício da subsunção e verificação da legalidade dos
procedimentos de investigação) é feito na esfera policial, ainda que condicionados a uma
apreciação posterior pelo Ministério Público e pelo Judiciário, o que evidencia o caráter de
carreira jurídica do cargo de delegado de polícia federal.

Estrutura organizacional

A estrutura organizacional do Departamento de Policia Federal está prevista na Porta-


ria 1825/2006. O DPF é composto de unidades centrais e descentralizadas cujas atribuições
estão disciplinadas na Instrução Normativa nº 13, de 15 de junho de 2005, que define as
competências específicas de cada unidade e as atribuições de seus dirigentes.
Faremos a seguir um detalhamento de alguns dos principais órgãos centrais da Polícia
Federal. Quanto as suas atribuições, bem como a composição dos demais, sugerimos a lei-
tura dos dispositivos normativos mencionados.
Nos termos do art. 2º da Portaria 1825/2006, o Departamento de Polícia Federal
estrutura-se da seguinte forma:

I - UNIDADES CENTRAIS
1. CONSELHO SUPERIOR DE POLÍCIA - CSP
2. GABINETE - GAB
2.1. Setor de Acompanhamento de Processos - SEAPRO
2.2. Divisão de Comunicação Social - DCS

FGV DIREITO RIO 133


organização da justiça e do ministério público

3. DIRETORIA-EXECUTIVA - DIREX
3.1. Coordenação de Operações Especiais de Fronteira - COESF
3.1.1. Divisão de Controle Operacional de Fiscalização - DICOF
3.1.2. Divisão de Estudos, Legislação e Pareceres - DELP
3.1.3. Divisão de Análise de Processos e Expedição de Documentos - DAPEX
3.2. Coordenação do Comando de Operações Táticas - COT
3.2.1. Serviço de Estratégias Táticas - SET
3.2.2. Serviço de Operações Táticas - SOT
3.3. Coordenação de Aviação Operacional - CAOP
3.3.1. Serviço de Manutenção - SMAN
3.3.2. Serviço de Operações Aéreas - SOAR
3.4. Coordenação-Geral de Defesa Institucional - CGDI
3.4.1. Divisão de Direitos Humanos - DDH
3.4.1.1. Serviço de Proteção aos Direitos Humanos e ao Depoente Especial - SPHE
3.4.2. Divisão de Assuntos Sociais e Políticos - DASP
3.4.2.1. Serviço de Repressão ao Trabalho Forçado - SETRAF
3.4.2.2. Serviço de Repressão a Crimes Contra Comunidades Indígenas - SEINC
3.4.3. Divisão de Segurança de Dignitários - DSD
3.4.3.1. Serviço Regional Sul - SERSUL
3.5. Coordenação-Geral de Polícia Fazendária - CGPFAZ
3.5.1. Serviço de Análise de Dados de Inteligência Policial - SADIP
3.5.2. Divisão de Repressão a Crimes Fazendários - DFAZ
3.5.3.. Divisão de Repressão a Crimes Previdenciários - DPREV
3.5.4. Divisão de Repressão a Crimes Contra o Meio-Ambiente e Patrimônio Histó-
rico - DMAPH
3.5.5. Serviço de Apoio Administrativo - SAD
3.5.6. Serviço de Estudos, Legislação e Pareceres - SELP
3.6. Coordenação-Geral de Polícia Criminal Internacional - INTERPOL
3.6.1. Setor de Logística - SELOG
3.6.2. Divisão de Cooperação e Operações Policiais Internacionais - DPI
3.6.2.1. Setor de Gerenciamento Operacional - SEGOP
3.6.2.2. Serviço de Difusões e de Procurados Internacionais - SDPI
3.7. Coordenação-Geral de Polícia de Imigração - CGPI
3.7.1. Setor de Análise de Dados de Inteligência Policiais - SADIP
3.7.2. Divisão de Controle de Imigração – DCIM
3.7.3. Divisão de Cadastro e Registro de Estrangeiros - DICRE
3.7.4. Divisão Policial de Retiradas Compulsória -DPREC
3.7.5. Divisão de Passaportes - DPAS
3.8. Coordenação-Geral de Controle de Segurança Privada - CGCSP
3.8.1. Setor de Apoio Administrativo - SAD
3.8.2. Serviço Regional da Amazônia - SERAM
3.8.3. Serviço Regional Oeste - SEROESTE

4. DIRETORIA DE COMBATE AO CRIME ORGANIZADO - DCOR


4.1. Divisão de Repressão ao Tráfico Ilícito de Armas - DARM
4.1.1. Serviço Nacional de Armas - SENARM

FGV DIREITO RIO 134


organização da justiça e do ministério público

4.2. Divisão de Repressão a Crimes Contra o Patrimônio - DPAT


4.2.1. Serviço de Análise de Dados de Inteligência Policial - SADIP
4.3. Divisão de Repressão a Crimes Financeiros - DFIN
4.3.1. Serviço de Inquéritos Especiais - SINQUE
4.4. Coordenação-Geral de Polícia de Repressão a Entorpecentes - CGPRE
4.4.1. Divisão de Operações de Repressão a Entorpecentes - DIREN
4.4.1.1. Serviço de Análise de Dados de Inteligência Policial - SADIP
4.4.1.2. Serviço de Apoio Técnico - SATE
4.4.1.3. Serviço de Projetos Especiais - SEPROE
4.4.1.4. Serviço de Canil Central - SECAN
4.4.2. Divisão de Controle de Produtos Químicos - DCPQ
4.4.2.1. Serviço de Registros e Licenças - SEREL
4.4.2.2. Setor de Investigação de Desvios de Produtos Químicos - SINPQ

5. CORREGEDORIA-GERAL DE POLÍCIA FEDERAL - COGER


5.1. Setor de Apoio Administrativo - SAD
5.2. Coordenação-Geral de Correições - CGCOR
5.2.1. Divisão de Correições Judiciárias - DICOR
5.2.2. Serviço de Estudos, Legislação e Pareceres - SELP
5.3. Coordenação de Assuntos Internos - COAIN
5.3.1. Serviço de Investigação - SINV
5.4. Coordenação de Disciplina - CODIS
5.4.1. Serviço de Apoio Disciplinar - SEDIS
5.4.2. Serviço de Acompanhamento de Procedimentos Disciplinares - SEPD

6. DIRETORIA DE INTELIGÊNCIA POLICIAL - DIP


6.1. Divisão de Operações de Inteligência Policial Especializada - DINPE
6.2. Divisão de Doutrina de Inteligência Policial e Treinamento - DINT
6.3. Divisão de Contra-Inteligência Policial - DICINT
6.4. Divisão de Inteligência Policial - DINPO
6.4.1. Serviço Antiterrorismo - SANTER
6.4.2. Serviço de Inteligência Policial - SIP

7. DIRETORIA TÉCNICO-CIENTÍFICA - DITEC


7.1. Instituto Nacional de Criminalística - INC
7.1.1. Divisão de Perícias - DPER
7.1.1.1. Serviço de Perícias em Informática - SEPINF
7.1.1.2. Serviço de Perícias Contábeis e Econômicas - SEPCONT
7.1.1.3. Serviço de Perícias Documentoscópicas - SEPDOC
7.1.1.4. Serviço de Perícias em Audiovisual e Eletrônicos - SEPAEL
7.1.1.5. Serviço de Perícias de Engenharia e Meio-Ambiente - SEPEMA
7.1.1.6. Serviço de Perícias de Laboratório e de Balística - SEPLAB
7.1.1.7. Serviço de Logística - SELOG
7.1.2. Divisão de Pesquisa, Padrões e Dados Criminalístico - DPCRIM
7.2. Instituto Nacional de Identificação - INI
7.2.1. Divisão de Identificação, de Informações Criminais e de Estrangeiros - DINCRE

FGV DIREITO RIO 135


organização da justiça e do ministério público

7.2.1.1. Serviço de Informações Criminais - SINIC


7.2.1.2. Serviço de Identificação de Impressões Digitais - AFIS
7.2.1.3. Serviço de Perícia Papiloscópica e de Representação Facial Humana - SEPAP
7.2.2. Divisão de Documentos de Segurança - DSEG
7.2.2.1. Serviço de Preparação e Expedição de Documentos Funcionais - SEPEX

8. DIRETORIA DE GESTÃO DE PESSOAL - DGP


8.1. CONSELHO DE ENSINO - CONEN
8.2. Coordenação de Recursos Humanos - CRH
8.2.1. Divisão de Estudos, Legislação e Pareceres - DELP
8.2.2. Divisão de Administração de Recursos Humanos - DRH
8.2.2.1. Serviço de Inspeção e Assistência Médica - SIMED
8.2.2.2. Serviço de Aposentadorias e Pensões - SEAP
8.2.2.3. Serviço de Cadastro - SECAD
8.2.2.4. Serviço de Lotação e Movimentação - SLM
8.2.2.4.1. Setor de Classificação de Cargos - SCC
8.2.3. Divisão de Pagamento - DPAG
8.2.3.1. Serviço de Assistência e Benefícios - SAB
8.3. Coordenação de Recrutamento e Seleção - COREC
8.3.1. Divisão de Planejamento e Execução de Concursos - DPLAC
8.4. Academia Nacional de Polícia - ANP
8.4.1. Setor de Comunicação Social - SCS
8.4.2. Coordenação de Altos Estudos de Segurança Pública - CAESP
8.4.2.1. Serviço de Estudos e Doutrina - SED
8.4.3. Coordenação de Ensino - COEN
8.4.3.1. Divisão de Desenvolvimento Humano - DIDH
8.4.3.1.1. Setor de Ensino Operacional - SEOP
8.4.3.1.2. Setor de Formação Policial - SEFORM
8.4.3.1.3. Setor de Especialização Policial - SEPOL
8.4.3.1.4. Serviço de Psicologia - PSICO
8.4.3.1.5. Serviço de Capacitação e Ensino à Distância - SECAED
8.4.3.1.6. Serviço de Execução de Cursos - SEEC
8.4.3.1.7. Serviço de Educação Física - SEF
8.4.3.1.8. Serviço de Armamento e Tiro - SAT
8.4.3.2. Serviço de Planejamento e Avaliação - SAVAL
8.4.3.2.1. Setor de Registro Escolar - SERES
8.4.3.3. Serviço de Apoio ao Ensino - SAE
8.4.3.3.1. Setor de Biblioteca - SEBIB
8.4.3.3.2. Setor de Audiovisual e Impressão - SAVI
8.4.3.3.3. Núcleo de Museu Criminal - MUSEU
8.4.4. Divisão de Administração - DAD
8.4.4.1. Setor de Manutenção de Instalações - SEMAI
8.4.4.2. Setor de Recursos Humanos - SRH
8.4.4.3. Setor de Material - SEMAT
8.4.4.4. Setor de Transporte - SETRAN
8.4.4.5. Serviço de Execução Orçamentária e Financeira - SEOF

FGV DIREITO RIO 136


organização da justiça e do ministério público

8.4.4.6. Serviço de Tecnologia da Informação - STI

9. DIRETORIA DE ADMINISTRAÇÃO E LOGÍSTICA POLICIAL - DLOG


9.1. Coordenação-Geral de Planejamento e Modernização - CPLAM
9.1.1. Divisão de Organização e Métodos - DO&M
9.1.1.1. Serviço de Padronização e Normatização - SEPAN
9.1.1.2. Serviço de Avaliação e Aperfeiçoamento Organizacional - SAORG
9.1.2. Divisão de Planejamento e Projetos - DPP
9.1.2.1. Serviço de Projetos - SEPROJ
9.1.2.2. Serviço de Planejamento e Controle - SEPLAC
9.1.3. Divisão de Projetos de Edificações e Obras - DEOB
9.1.3.1. Serviço de Fiscalização de Obras - SEFIS
9.2. Coordenação de Orçamento e Finanças - COF
9.2.1. Serviço de Controle de Receitas - SECONTRE
9.2.2. Serviço de Programação Orçamentária - SEPROG
9.2.3. Serviço de Programação Financeira - SEPROFIN
9.2.4. Serviço de Despesa de Pessoal - SEDESP
9.2.5. Serviço de Contabilidade - SECONT
9.3. Coordenação de Administração - COAD
9.3.1. Setor de Apoio Administrativo - SAD
9.3.2. Setor de Arquivo Central - SARQ
9.3.3. Setor de Relações Administrativas - SERA
9.3.4. Divisão de Material - DMAT
9.3.4.1. Serviço de Compras - SECOM
9.3.4.2. Setor de Almoxarifado - SEAL
9.3.4.3. Setor de Patrimônio - SEPAT
9.3.5. Divisão de Serviços Gerais - DSG
9.3.5.1. Setor de Artes Gráficas - SEGRAF
9.3.5.2. Setor de Transportes - SETRAN
9.3.5.3. Setor de Administração de Instalações - SAIN
9.3.6. Divisão de Licitações e Contratos - DICON
9.3.6.1. Serviço de Contratos e Convênios - SECC
9.3.7. Divisão de Execução Orçamentária e Financeira - DEOF
9.3.7.1. Serviço de Execução Orçamentária - SEOR
9.3.7.2. Serviço de Execução Financeira - SEFIN
9.3.7.3. Setor de Análise Documental - SADOC
9.3.7.4. Núcleo de Controle de Diárias e Passagens - NUDIP
9.4. Coordenação de Tecnologia da Informação - CTI
9.4.1. Setor de Apoio Administrativo - SAD
9.4.2. Divisão de Informática - DINF
9.4.2.1. Serviço de Desenvolvimento de Sistemas - SDS
9.4.2.2. Serviço de Suporte Técnico - SST
9.4.3. Divisão de Telecomunicações - DITEL
9.4.3.1. Serviço Técnico e Operacional - STO

FGV DIREITO RIO 137


organização da justiça e do ministério público

II - UNIDADES DESCENTRALIZADAS
1. SUPERINTENDÊNCIAS REGIONAIS - SR
2. CONSELHOS REGIONAIS DE POLÍCIA - CRP
3. DELEGACIAS DE POLÍCIA FEDERAL - DPF

ORGANOGRAMA

Forças tarefas

Integração de distintas agências oficiais, constituindo um só corpo operacional, atuando


de forma coordenada para enfrentamento de organizações criminosas de alto potencial ofen-
sivo e/ou a produção de conhecimento estratégico. (Conceito da portaria 624/02 – MJ)

FORÇAS TAREFAS
FLUXOGRAMA

Integração de distintas agências oficiais, constituindo um só


FORÇAS COM
COMBINADAS TAREFAS
corpo operacional, atuando de forma coordenada para enfrentamento
INTEGRADAS ESPECÍFICAS
DE
de organizações criminosas MODO
de alto potencial ofensivo e/ou a
COORDENADO
OPERANDO
produção de conhecimento
EM OBJETIVO
estratégico. (Conceito da portaria 624/02
CONJUNTO
– MJ)

Os trabalhos desenvolvidos pelas forças-tarefas, nas diversas FGV DIREITO RIO 138
áreas, como por exemplo, fazendária e previdenciária, têm, de modo

coordenado, operando em conjunto e com tarefas específicas,


organização da justiça e do ministério público

Os trabalhos desenvolvidos pelas forças-tarefas, nas diversas áreas, como por exem-
plo, fazendária e previdenciária, têm, de modo coordenado, operando em conjunto e com
tarefas específicas, atingido o objetivo de otimizar tempo, trabalho e recursos na busca da
responsabilização de integrantes de organizações criminosas que, muitas vezes, a partir de
desvio de verba pública, praticam diversos delitos, culminando com a lavagem de capitais.
Importante destacar, neste tema, que as instituições que compõe a força tarefa têm
atribuições distintas, todas elas de suma importância. No dia a dia de trabalho é necessário
o respeito à atuação de cada uma das instituições para que o trabalho seja bem desenvolvido
e o resultado alcançado seja satisfatório.
Por fim, destaque-se que o trabalho da força tarefa ou qualquer procedimento policial
não terá atingido seu objetivo material se as atuações do Ministério Público e da Justiça
Federal também não estiverem alinhadas. Isso significa que as diversas instituições, com-
pondo ou não a força tarefa, até pela natureza de suas atuações, devem buscar a realização
da Justiça, com a responsabilização dos autores de crime.

CONCLUSÃO

Objetivando apresentar de maneira breve a Polícia Federal ao aluno, o presente texto


demonstra suas atribuições constitucionais, sua estrutura orgânica, a importância da atua-
ção combinada das diversas instituições com o objetivo de prevenção e repressão a crimes.
Pretende-se mostrar estrutura de uma instituição que muitas vezes é conhecida apenas
pelo resultado que seus trabalhos alcançam na mídia e que teve sua credibilidade recente-
mente reconhecida em pesquisa sobre as instituições que compõem o aparelho criminal
estatal, estimulando o estudante de direito a conhecer mais uma Instituição da qual poderá
fazer parte após a sua formação.

Caso de sedimentação 1

No dia 17 de maio de 2007, João, estudante de Direito que se preparava para ir à aula
enquanto assistia os primeiros jornais da manhã pela televisão se deparou com a seguinte
notícia:

“A Operação Navalha da Polícia Federal, deflagrada às 6h desta quinta-feira, já deteve


46 suspeitos de participar de um esquema de desvio de recursos públicos federais, por meio
de fraudes em licitações. Entre os detidos estão ex-governadores, prefeitos e deputados, fun-
cionários públicos e empresários. Cerca de 400 policiais federais estão mobilizados na captura
dos suspeitos no Distrito Federal e em nove Estados (Alagoas, Bahia, Goiás, Mato Grosso,
Sergipe, Pernambuco, Piauí, Maranhão, São Paulo). Há ainda 84 mandados de busca e apre-
ensão a serem cumpridos”125

Interessado, João acessou a internet e leu ainda outras notícias acerca da operação:

“As investigações começaram em novembro de 2006. Segundo a PF, o esquema tinha


125
Notícia publicada no portal
três etapas: primeiro, garantia o direcionamento de verbas públicas para obras de interesse da do site Terra no dia 17 de maio
quadrilha; segundo, obtinha a vitória das empresas envolvidas nas licitações para executar as de 2007: www.terra.com.br.

FGV DIREITO RIO 139


organização da justiça e do ministério público

obras e, por fim, assegurava a liberação de pagamentos de obras superfaturadas, irregulares


ou mesmo inexistentes.
O grupo era organizado em três níveis. No primeiro, atuavam pessoas diretamente
ligadas à construtora Gautama. No segundo, estavam os auxiliares e intermediários, princi-
palmente os responsáveis pelo pagamento das propinas. No último havia autoridades públicas
que tinham a função de remover obstáculos à atuação da organização criminosa.
A quadrilha desviou recursos do Ministério de Minas e Energia, da Integração Nacio-
nal, das Cidades, do Planejamento, e do DNIT. Em nível estadual, as fraudes ocorreram nos
Estados de Alagoas, Maranhão, Sergipe, Piauí e Distrito Federal. Quanto a obras municipais,
estariam envolvidas autoridades de cidades Camaçari (BA) e Sinop (MT).”

Os mandados de busca e apreensão foram decretados pela Ministra do Superior Tribu-


nal de Justiça, Min. Eliana Calmon, tendo a mesma determinado o bloqueio de contas e a
indisponibilidade de bens imóveis dos integrantes do esquema, além do encaminhamento
de todos os presos na operação para Brasília.
Com base nestes dados João se pergunta: está correta a atuação da Polícia Federal neste
caso? Não seria hipótese de atuação da polícia civil presente em cada Estado da Federação?
O que, objetivamente, ocasionou a atuação da polícia federal?

Caso de sedimentação 2

Em novembro de 2007, João, estudante de Direito, ao se preparar para ir à aula en-


quanto lia os jornais, se deparou com a seguinte notícia:

“O criminoso conhecido como Zé, preso por tráfico internacional de drogas, interpôs
Hábeas Corpus junto ao Tribunal de Justiça contra denúncia oferecida por Promotor de
Justiça. Segundo o acusado, o membro do Parquet estaria impedido de funcionar na fase pro-
cessual tendo em vista que ele mesmo, pessoalmente, colheu as declarações das testemunhas
de acusação em seu gabinete, oferecendo posteriormente a exordial acusatória. Além disso,
a defesa de Zé alega ser da polícia federal a exclusividade das atividades de polícia judiciária
da União.”

João se questiona: O crime em questão - tráfico internacional de drogas -, não suscita


a atuação investigatória pela Polícia Federal? Não dispõe a Constituição de 1988 que a
função de polícia judiciária é de exclusividade da polícia federal? Procedem os argumentos
apresentados pela defesa do traficante internacional?

FGV DIREITO RIO 140


organização da justiça e do ministério público

Aula 13 – ADVOCACIA, DEFENSORIA PÚBLICA E ADVOCACIA PÚBLICA


ADVOCACIA

A Constituição de 1988 deu, pela primeira vez, estatura constitucional à advocacia,


institucionalizando-a no Título IV “Da Organização da Justiça”, ao lado do Ministério Pú-
blico e da Advocacia-Geral da União. Os advogados são “pessoas que, por seu conhecimento
do direito, legislação e jurisprudência, aconselham as partes litigantes e sustentam seus direitos
em juízo, esclarecem os juízes e, devidamente habilitados, com procuração legítima e bastante
das partes, dirigem a causa, alegando de fato e de direito tudo quanto convenha aos interesses de
seus constituintes126”.
O constituinte erigiu a princípio constitucional a indispensabilidade e a imunidade do
advogado, prescrevendo em seu artigo 133: “O advogado é indispensável à administração da Jus-
tiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”
A denominação advogado é privativa dos inscritos na Ordem dos Advogados do Bra-
sil, sendo o advogado profissional legalmente habilitado a orientar, aconselhar e representar
seus clientes, bem com a defender-lhes os direitos e interesses em juízo ou fora dele. A
Ordem dos Advogados do Brasil, criada pelo art. 17 do Dec. Nº 19.408/1930, é serviço
público, dotado de personalidade jurídica e forma federativa, tendo finalidades fixadas no
próprio Estatuto da Advocacia.

“I - defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os


direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida adminis-
tração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas;
II - promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos
advogados em toda a República Federativa do Brasil.”

Para inscrição em seu quadro é preciso ser bacharel em Direito, com diploma ou cer-
tidão de graduação em direito, obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e cre-
denciada e aprovação em Exame de Ordem. Para o regular exercício da profissão de advogado,
o interessado não poderá ainda ter qualquer impedimento ou incompatibilidade. O Estatuto
da OAB, Lei nº 8.906/1994, em seu artigo 27 distingue a incompatibilidade, que seria uma
proibição total, do impedimento, que é a proibição parcial para o exercício da advocacia.

“Art. 28 - A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes


atividades:
I - chefe do Poder Executivo e membros da Mesa do Poder Legislativo e seus substitutos
legais;
II - membros de órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos tribunais e con-
selhos de contas, dos juizados especiais, da justiça de paz, juizes classistas, bem como todos
os que exerçam função de julgamento em órgãos de deliberação coletiva da administração
pública direta ou indireta;
III - ocupantes de cargos ou funções de direção em órgãos da Administração Pública 126 Manual do advogado, 1926,
apud LANGARO, Luiz Lima.
direta ou indireta, em suas fundações e em suas empresas controladas ou concessionárias de Curso de deontologia jurídica,
serviço público; 2. ed, 1996.

FGV DIREITO RIO 141


organização da justiça e do ministério público

IV - ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a qualquer


órgão do Poder Judiciário e os que exercem serviços notariais e de registro;
V - ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a atividade
policial de qualquer natureza;
VI - militares de qualquer natureza, na ativa;
VII - ocupantes de cargos ou funções que tenham competência de lançamento, arreca-
dação ou fiscalização de tributos e contribuições parafiscais;
VIII - ocupantes de funções de direção e gerência em instituições financeiras, inclusive
privadas.
§ 1º - A incompatibilidade permanece mesmo que o ocupante do cargo ou função deixe
de exercê-lo temporariamente.
§ 2º - Não se incluem nas hipóteses do inciso III os que não detenham poder de decisão
relevante sobre interesses de terceiro, a juízo do Conselho Competente da OAB, bem como a
administração acadêmica diretamente relacionada ao magistério jurídico.
Art. 30 - São impedidos de exercer a advocacia:
I - os servidores da administração direta, indireta e fundacional, contra a Fazenda Pú-
blica que os remunere ou à qual seja vinculada a entidade empregadora;
II - os membros do Poder Legislativo, em seus diferentes níveis, contra ou a favor das
pessoas jurídicas de direito público, empresas públicas, sociedades de economia mista, fun-
dações públicas, entidades paraestatais ou empresas concessionárias ou permissionárias de
serviço público.
Parágrafo único - Não se incluem nas hipóteses do inciso I os docentes dos cursos
jurídicos.

São atividades privativas da advocacia a postulação a qualquer órgão do Poder Judi-


ciário e aos juizados especiais, bem como as atividades de consultoria, assessoria e direção
jurídicas (Art. 1º do Estatuto da OAB). Conclui-se, portanto, que as atividades dos advo-
gados podem se desdobrar em judicial (de caráter predominantemente contencioso) e ex-
trajudicial (eminentemente preventiva). Cumpre ressaltar que o Estatuto da Advocacia (Lei
nº 8906/1994) foi objeto de ação direta de inconstitucionalidade com relação a vários de
seus dispositivos, tendo o STF suspendido liminarmente a eficácia do artigo que prescreve
a obrigatoriedade de advogado perante os juizados especiais, por ter vislumbrado na norma
ofensa ao princípio constitucional do amplo acesso à Justiça (ADI 1127/DF – Medida
Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade – Min. Paulo Brossard – julgamento em
06/10/1994).
O advogado, na defesa judicial de seu cliente, age com legítima parcialidade institu-
cional.

“Art. 2º
§ 2º No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao
seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público”

Muito se discute a respeito da natureza jurídica da advocacia. Modernamente, fi-


xou-se o entendimento de que a advocacia é, ao mesmo tempo, ministério privado e indis-
pensável ao serviço público. Trata-se, portanto, do exercício privado de função pública e
social. Entre juízes de qualquer instância, advogados e membros do Ministério Público não

FGV DIREITO RIO 142


organização da justiça e do ministério público

há hierarquia nem subordinação, devendo-se todos consideração e respeito recíprocos.


Há que lembrar aqui, porém, que o princípio da indispensabilidade da intervenção do
advogado não é absoluto, como se poderia pensar. É possível que a lei em casos excepcio-
nais outorgue o ius postulandi a qualquer pessoa.
Isso já ocorre com o hábeas corpus, pois sua interposição há que ser feita à luz do prin-
cípio do direito de defesa assegurada constitucionalmente (Artigo 5º, LX), que inclui, sem
sombra de dúvida, o direito à autodefesa, e também na revisão criminal, conforme dispõe
o artigo 623 do Código de Processo Penal. Por fim, nesta exposição geral sobre a advocacia,
cumpre reforçar que a inviolabilidade do advogado, por seus atos e manifestações no exer-
cício da profissão, não é absoluta, sujeitando-se aos limites legais.
Foi o que decidiu o Supremo Tribunal Federal:

“RHC 69619 / SP - SÃO PAULO


RECURSO EM HABEAS CORPUS
Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO
Julgamento: 08/06/1993 Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA
EMENTA: PENAL. ADVOGADO. INVIOLABILIDADE. CRIME CONTRA A
HONRA: DIFAMAÇÃO. Cod. Penal, art. 139. Constituição, art. 133; Cod. Penal, art. 142,
I. I. - A inviolabilidade do advogado, referida no art. 133 da Constituição, que o protege, no
exercício da profissão, por seus atos e manifestações, encontra limites na lei. Recepção, pela
Constituição vigente, da disposição inscrita no art. 142, I, do Cod. Penal. II. - A imunidade
prevista no inciso I, do art. 142 do Cod. Penal, não abrange ofensa dirigida ao juiz da causa.
Precedentes do S.T.F. III. - No caso, a denuncia descreve crime em tese - difamação, art. 139
do Cod. Penal. IV. - Recurso improvido”.

Desta forma, haverá excesso impunível se a ofensa irrogada for vinculada à atividade
funcional e pertinente à pretensão que esteja o advogado defendendo em juízo. A imuni-
dade inexistirá quando a ofensa for gratuita, desvinculada do exercício profissional e não
guardar pertinência com a discussão da causa. Por exemplo, o Código Penal, em seu artigo
142, I, prevê que “não constituem injúria ou difamação punível: I - a ofensa irrogada em
juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador”.
São causas de exclusão do crime apenas com relação aos delitos que menciona - injúria
e difamação -, mas não quanto à calúnia, que omitira. Assim, a imunidade do advogado não
foi estendida à calúnia nem com a superveniência da Lei nº 8.906/1994, - o Estatuto da
Advocacia e da OAB -, cujo art. 7º, § 2º, só lhe estendeu o âmbito material - além da injúria
e da difamação, nele já compreendidos conforme o código, ao desacato.
Quanto ao desacato inclusive, o Supremo Tribunal Federal, na Adin nº 1127-8, rel.
Min Paulo Brossard, suspendeu liminarmente a eficácia da expressão “ou desacato” contida
no Artigo 7º, §2º do Estatuto da OAB, que alargava a abrangência da imunidade material
dos advogados. Da mesma forma, limita-se a imunidade do advogado quando a ofensa se
dirige contra magistrado:

“HC 82190 / RN - RIO GRANDE DO NORTE


HABEAS CORPUS
Relator(a): Min. GILMAR MENDES
Julgamento: 22/10/2002 Órgão Julgador: Segunda Turma

FGV DIREITO RIO 143


organização da justiça e do ministério público

EMENTA: HABEAS CORPUS. ADVOGADO DENUNCIADO PELA PRÁTICA


DE CRIMES DE DIFAMAÇÃO E INJÚRIA CONTRA MAGISTRADO. - Não há como se
trancar a ação penal se a conduta configura, em tese, crime. - A conduta do denunciado não en-
contra respaldo na imunidade profissional do advogado, que nem é absoluta, nem agasalha a ofensa
dirigida a magistrado. - Não há como, por meio de habeas corpus, investigar-se a existência ou
não do dolo, em face da inexistência de dilação probatória. - Habeas corpus indeferido.”

Por fim, cabe lembrar que a profissão de advogado tem assegurada, por lei, alguns di-
reitos que se constituem, na verdade, prerrogativas para o fiel e correto desempenho da fun-
ção. São exemplos destes direitos o Artigo 6º e 7º do Estatuto da OAB, Artigos 20 e 40 do
Código de Processo Civil. Por outro lado, também restaram previstos na legislação diversos
deveres e conseqüentes infrações a que se submetem os advogados. Eis alguns deles: Artigo
2º, 8º a 19, 44 a 46 do Código de Ética e Disciplina; Artigo 34 do Estatuto da Advocacia e
Artigo 14 e 39 do Código de Processo Civil.

ADVOCACIA PÚBLICA

A Constituição Federal de 1988 rompeu a tradição existente da representação judicial


da União ser atribuição do Ministério Público. Inovando substancialmente a instituição, o
constituinte originário reconheceu o Ministério Público como defensor da sociedade e criou
uma outra instituição diretamente ligada ao Poder Executivo, para defendê-lo. A Advoca-
cia-Geral da União, portanto, é organismo criado pela Constituição de 1988 e instituído
pela Lei Complementar nº 73/1993, que diretamente, ou por meio de órgão vinculado,
representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe as atividades de consultoria
e assessoramento jurídico do Poder Executivo. Como exceção, temos a execução da dívida
ativa de natureza tributária cuja competência foi constitucionalmente atribuída a Procura-
doria-Geral da Fazenda Nacional (Artigo 131, §3º).
O ingresso nas carreiras da Advocacia-Geral da União ocorre nas categorias iniciais,
mediante nomeação, em caráter efetivo, de candidatos habilitados em concursos públicos,
de provas e títulos, e obedecida a ordem de classificação. A Advocacia-Geral da União tem
por chefe o Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo presidente da República
dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada.
Essa liberdade de escolha se justifica pelo fato da necessária relação de confiança que deve
existir entre representado (presidente da República, como chefe do Poder Executivo Fede-
ral) e representante. Por isso, o Advogado-Geral da União está submetido à direta, pessoal e
imediata supervisão do presidente da República.
Tendo em vista esta especificidade, o Advogado-Geral da União não possui as mesmas
garantias que dispõe o Procurador Geral da República, não possuindo investidura garantida
por tempo determinado, podendo ser demitido ad nutum conforme conveniência do Poder
Executivo. São nomeações que se caracterizam por ser pessoais e políticas e, como tais, pos-
suem uma volatilidade que lhes é inerente.
Todavia, a Constituição reconhece o status especial dos Advogados Públicos, pois exer-
cem uma função essencial à Justiça. Daí a necessidade de que as Instituições de advocacia
pública tenham autonomia administrativa, financeira e orçamentária, para melhor cumprir
sua missão.

FGV DIREITO RIO 144


organização da justiça e do ministério público

A composição da Advocacia-Geral da União, consoante a LC nº 73/1993 compreende:

“Art. 2º - A Advocacia-Geral da União compreende:


I - órgãos de direção superior:
a) o Advogado-Geral da União;
b) a Procuradoria-Geral da União e a da Fazenda Nacional;
c) Consultoria-Geral da União;
d) o Conselho Superior da Advocacia-Geral da União; e
e) a Corregedoria-Geral da Advocacia da União;
II - órgãos de execução:
a) as Procuradorias Regionais da União e as da Fazenda Nacional e as Procuradorias da
União e as da Fazenda Nacional nos Estados e no Distrito Federal e as Procuradorias Seccio-
nais destas;
b) a Consultoria da União, as Consultorias Jurídicas dos Ministérios, da Secretaria-
Geral e das demais Secretarias da Presidência da República e do Estado-Maior das Forças
Armadas;
III - órgão de assistência direta e imediata ao Advogado-Geral da União: o Gabinete do
Advogado-Geral da União”.

Os pareceres do advogado-geral da União, aprovados pelo presidente da República e


publicados, vinculam a Administração Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados a
lhe dar fiel cumprimento (Artigos 39 e seguintes da LC 73/93). Da mesma forma ocorre
como as súmulas da Advocacia-Geral da União que têm caráter obrigatório quantos aos
órgãos jurídicos enumerados no Artigo 2º supra descrito e quanto aos órgãos jurídicos das
autarquias e fundações.

Caso de sedimentação:

Um partido político com representação no Congresso Nacional propõe uma Ação


Declaratória de Constitucionalidade perante o STF visando ver afastada a incerteza jurídica
quanto à constitucionalidade de uma lei estadual que exige, como uma das etapas do con-
curso público para professores, a submissão a exame psicotécnico.
O STF, após manifestação do procurador-geral da República, julga a ação procedente,
com base inclusive em sua súmula 686 (Só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a
habilitação de candidato a cargo público). O advogado-geral da União, então, tendo em
vista ser esta decisão irrecorrível (Art. 26 da Lei nº 9868/1999), ingressa com embargos de
declaração alegando ser obrigatória a sua intervenção no feito (omissão quanto a questão
de ordem pública).
Pergunta-se: procede a alegação do AGU?

Procuradoria Geral do Estado

Em simetria a este organismo representativo, porém, na esfera estadual, existem as


Procuradorias-Gerais do Estado. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal exer-
cerão a representação judicial e consultoria jurídica das respectivas unidades federadas e

FGV DIREITO RIO 145


organização da justiça e do ministério público

serão organizadas em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas


e títulos. A Emenda Constitucional nº 19/1998, inovou ao exigir a participação obrigatória
da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases do concurso.
Suas principais atribuições estão previstas no Artigo 132 da Constituição Federal e no
Artigo 176 a Constituição do Estado, destacando-se as de funcionar como órgão central do
sistema jurídico estadual, de supervisionar os serviços jurídicos da administração direta e
indireta no concernente às Autarquias, Fundações, Empresas Públicas e Sociedades de Eco-
nomia Mista no âmbito do Poder Executivo, de oficiar no controle interno da legalidade
dos atos da Administração Pública e de exercer a defesa dos interesses legítimos do Estado.
No caso do Estado do Rio de Janeiro, a organização e funcionamento da Procuradoria
Geral do Estado estão descritos na Lei Complementar Estadual nº15 de 1980, que dispõe
sobre a carreira de Procurador do Estado, seu modo de ingresso, cargos, direitos, deveres,
garantias e prerrogativas.
A estabilidade será adquirida pelos procuradores após três anos de efetivo exercício,
mediante a avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstan-
ciado das corregedorias.
A competência para legislar sobre a organização administrativa e judiciária da PGE
é da Assembléia Legislativa, sendo de iniciativa privativa do governador do Estado a lei
complementar que irá tratar da matéria. A Procuradoria Geral do Estado possui dotação
orçamentária própria, autonomia financeira e também administrativa. Possui ainda compe-
tência privativa para a cobrança judicial e extrajudicial da dívida ativa do Estado.

Procuradoria Geral do Município

Em simetria a Procuradoria Geral do Estado existe, nos Municípios, a Procuradoria


Geral do Município. No Rio de Janeiro, a previsão encontra-se na Lei Orgânica do Municí-
pio do Rio de Janeiro - Artigos 134-136 - e na Lei 788/85. A PGM/RJ é o órgão do Poder
Executivo ao qual compete a representação judicial do Município e de suas autarquias, a
cobrança administrativa e judicial da dívida ativa do Município, a defesa em juízo ou fora
dele, ativa ou passivamente, dos atos e prerrogativas do prefeito, o exercício de funções de
consultoria jurídica da Administração, defender em juízo ou fora dele o Legislativo muni-
cipal e responder a consultas por ele formuladas, dentre outras competências disciplinadas
no Art. 3º da Lei nº 788/1985.

“Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro


Título III - Da Organização dos Poderes
Capítulo III - Do Poder Executivo
Seção VII - Da Procuradoria-Geral do Município
Subseção I - Das Atribuições e Organização
Art. 134 - A representação judicial e a consultoria jurídica do Município, ressalvadas as
competências da Procuradoria-Geral da Câmara Municipal, são exercidas pelos Procuradores do
Município, membros da Procuradoria-Geral, instituição essencial à Justiça, diretamente vinculada
ao Prefeito, com funções, como órgão central do sistema jurídico municipal, de supervisionar os
serviços jurídicos da administração direta, indireta e fundacional no âmbito do Poder Executivo.
§ 1º - Os Procuradores do Município, com iguais direitos e deveres, são organizados
em carreira na qual o ingresso depende de concurso público de provas e títulos realizado pela

FGV DIREITO RIO 146


organização da justiça e do ministério público

Procuradoria-Geral do Município, assegurada em sua organização a participação da Ordem


dos Advogados do Brasil, observados os requisitos estabelecidos em lei complementar.
§ 2º - A Procuradoria-Geral oficiará obrigatoriamente no controle interno da legali-
dade dos atos do Poder Executivo e exercerá a defesa dos interesses legítimos do Município,
incluídos os de natureza financeiro-orçamentária, sem prejuízo das atribuições do Ministério
Público do Estado e da Procuradoria Especial do Tribunal de Contas do Município.
§ 3º - O exercício de cargos comissionados na Procuradoria-Geral do Município, exce-
tuados aqueles dos serviços de apoio, é privativo de Procuradores do Município.
§ 4º - A Procuradoria-Geral do Município prestará qualquer informação dos dados que
dispuser a qualquer do povo que o requerer.
§ 5º - Lei complementar disciplinará a organização e o funcionamento da Procurado-
ria-Geral, bem como a carreira e o regime jurídico dos Procuradores.

Título III - Da Organização dos Poderes


Capítulo III - Do Poder Executivo
Seção VII - Da Procuradoria-Geral do Município
Subseção II - Da Competência Privativa
Art. 135 - Além de outras competências estabelecidas em lei, compete privativamente
à Procuradoria-Geral do Município a cobrança judicial e extrajudicial da dívida ativa do
Município.

Título III - Da Organização dos Poderes


Capítulo III - Do Poder Executivo
Seção VII - Da Procuradoria-Geral do Município
Subseção III - Do Assessoramento Jurídico
Art. 136 - Integram o sistema jurídico municipal as Assessorias Jurídicas da administra-
ção direta, autárquica e fundacional do Município, as quais serão chefiadas preferencialmente
por Procurador do Município ou por Assistente Jurídico.
§ 1º - Os Assistentes Jurídicos do Poder Executivo e dos órgãos a este vinculados exer-
cem suas funções, sob supervisão da Procuradoria-Geral do Município, no sistema jurídico
municipal, sem representação judicial.
§ 2º - Ao Assistente Jurídico são reservadas as funções de assessoramento jurídico, ati-
vidade da advocacia cujo exercício lhe é inerente.
§ 3º - A carreira de Assistente Jurídico é composta de advogados aprovados em concur-
so público de provas ou de provas e títulos.”

Na área de urbanismo e do meio-ambiente, a PGM atua no plano administrativo e


no judicial para a proteção do patrimônio cultural e ambiental, para o desenvolvimento da
política habitacional, da regularização da ocupação do solo urbano, zoneamento e edifica-
ções. Na área tributária, a Procuradoria exerce a defesa do Tesouro em face do contribuinte,
e do Município enquanto contribuinte em face das demais entidades tributantes. As de-
sapropriações, necessárias à condução da política de obras e serviços públicos no âmbito
municipal, são conduzidas pela PGM, bem como as negociações de dissídios coletivos e
causas trabalhistas relativos ao pessoal celetista empregado pelo Município. Além disso, a
PGM atua na elaboração de contratos, licitações e convênios celebrados pela administração
municipal, zelando tanto pela otimização dos serviços públicos prestados pela prefeitura,

FGV DIREITO RIO 147


organização da justiça e do ministério público

como também pela garantia da legalidade nas relações do Município para com o seu quadro
de pessoal estatutário (servidores públicos). A PGM faz também a cobrança dos tributos
municipais inscritos em dívida ativa, isto é, os impostos e taxas não pagos, que precisam ser
cobrados de forma amigável ou através de execução judicial.
A direção da instituição compete ao Procurador Geral, com as prerrogativas de Secre-
tário Municipal, nomeado em comissão dentre bacharéis em Direito maiores de 35 anos. A
PGM, diretamente subordinada ao prefeito, será composta de procuradores e de órgãos que
integram a sua estrutura orgânica. O quadro de Procuradores do Município é constituído
de 75 (setenta e cinco) cargos distribuídos em categorias (1ª, 2ª e 3ª categorias). O ingresso
na carreira de Procurador do Município far-se-á na 3ª categoria, mediante concurso público
de provas e títulos, com a participação de representante da Ordem dos Advogados do Brasil,
podendo a ele concorrer bacharéis em Direito.
A PGE possui autonomia administrativa e financeira e disporá de dotação orçamen-
tária própria.

DEFENSORIA PÚBLICA

A Defensoria Pública, prevista na Constituição Federal como uma das instituições


essenciais à função jurisdicional do Estado, é competente pela orientação jurídica e a de-
fesa em todos os graus e gratuitamente dos necessitados. Segundo o Artigo 134 da CF, as
Defensorias são essenciais, perante todos os juízos e tribunais do país. Por esta razão não
só a União estruturará adequadamente a sua, como também os Estados deverão fazê-lo
(Art.134, §1º). Não obstante isso, poucos são os Estados brasileiros que já o fizeram. No
Estado de São Paulo, por exemplo, um dos maiores Estados do nosso país, com uma popu-
lação carente de número bastante expressivo, só no ano de 2006 veio a promulgar uma lei
complementar implantando a Defensoria Pública.

Quais os requisitos para se fazer jus a gratuidade de Justiça?


A pessoa que se enquadrar no conceito legal de necessitado, deve apresentar uma afir-
mação de hipossuficiência. É uma petição simples, sem formalidades, que será anexada à
petição inicial. Esta afirmação goza de presunção relativa, presumindo-se pobre, até prova
em contrário, quem afirmar essa condição nos termos desta lei, sob pena de pagamento até
o décuplo das custas judiciais.

“Lei nº1.060/1950
Art. 2º-
(...)
§2Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica
não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do
sustento próprio ou da família.”

Este é o conceito legal de necessitado econômico.

E no que consiste essa gratuidade?


O necessitado, com esta afirmação, fica dispensado de pagar as taxas judiciárias e os
selos; os emolumentos e custas devidos aos juízes, órgãos do Ministério Público e serven-

FGV DIREITO RIO 148


organização da justiça e do ministério público

tuários da Justiça; as despesas com as publicações indispensáveis no jornal encarregado da


divulgação dos atos oficiais; as indenizações devidas às testemunhas que, quando emprega-
dos, receberão do empregador salário integral, como se em serviço estivessem, ressalvado
o direito regressivo contra o poder público federal, no Distrito Federal e nos Territórios;
ou contra o poder público estadual, nos Estados; os honorários de advogado e peritos; as
despesas com a realização do exame de código genético – DNA que for requisitado pela
autoridade judiciária nas ações de investigação de paternidade ou maternidade.
Os benefícios da assistência judiciária compreendem todos os atos do processo até decisão
final do litígio, em todas as instâncias. Cabe ressaltar que a Lei nº 1060/1950, conhecida como
a Lei de Assistência Judiciária ou Lei de Gratuidade de Justiça, não é privativa da Defensoria Pú-
blica. Assim, todo e qualquer advogado pode requerer a gratuidade para seu cliente, desde que de
acordo com os requisitos da lei, quando, então, estará prestando assistência judiciária gratuita.

E como se estrutura a Defensoria Pública?


A Estrutura Nacional da Defensoria compreende a Defensoria Pública da União, a
Defensoria Pública do Distrito Federal e Territórios e a Defensoria Pública dos Estados. O
ingresso na classe inicial da carreira se perfaz mediante concurso público, em atendimento
à exigência constitucional (Art. 37 da CF). Em atendimento ainda ao disposto no Artigo
134, §1º da Constituição, foi promulgada a Lei Complementar nº 80, de 1994, chamada
Lei Orgânica da Defensoria Pública.
Esta Lei tem uma tríplice função, pois: (a) Organiza a Defensoria Pública da União;
(b) organiza a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios; e (c) prescreve nor-
mas gerais para a organização das Defensorias Públicas nos Estados.
No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, é a Lei Complementar nº 6 /1977 quem
organiza a Defensoria Pública no Estado.
A chefia da Defensoria Pública da União fica a cargo do Defensor Público-Geral,
nomeado pelo presidente da República, dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e
cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado
Federal, para mandato de dois anos, permitida uma recondução, precedida de nova aprova-
ção do Senado Federal. Diferentemente do que ocorre nas Defensorias Públicas dos Estados
que, pelo voto secreto e universal de seus membros, deverá formar lista tríplice, dentre in-
tegrantes da carreira, para escolha do Defensor Público Geral do Estado, cuja nomeação e
exoneração se dará na forma da Lei Complementar respectiva (LC 6/77).

Autonomia funcional, administrativa e orçamentária

Por fim, cumpre-nos falar um pouco sobre o grande salto que a Defensoria Pública
deu no cenário jurídico após a Emenda Constitucional nº 45/2004, com o acréscimo do
§2º do Art. 134:

§ 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e adminis-


trativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de
diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º.

Antes da Emenda, a autonomia funcional e administrativa tinha respaldo infracons-


titucional. Isso prejudicava a real autonomia da instituição. Já a autonomia financeira não

FGV DIREITO RIO 149


organização da justiça e do ministério público

existia. Hoje, atendendo os reclamos da doutrina, existe a iniciativa para a proposta orça-
mentária, o que deverá tornar este órgão mais fortalecido. Deve-se lembrar que, muitas
vezes, a Defensoria Pública em suas atividades se voltava contra o próprio Poder Executivo
ou fisco. Eram ações propostas em nome do assistido contra o Estado. Ocorre que este
mesmo Estado era o patrocinador da entidade. Era o Poder Executivo o responsável pelo re-
passe orçamentário à Defensoria Pública, o que tornava a situação, ao menos desconfortável
naquelas demandas em que o próprio patrocinador da entidade era por esta caracterizado
como réu.
Essa inovação, portanto, certamente permitirá um substancial aumento orçamentário
e conseqüentemente uma desejável efetiva e imparcial atuação. Desta forma, mostra-se de
imensurável importância a atuação da Defensoria Pública, intuindo-se sua imprescindibili-
dade para realização do Estado Democrático de Direito.

Legitimidade da Defensoria Pública nas ações coletivas lato sensu

No dia 16 de janeiro de 2007 foi publicada a Lei 11.448/2007, alterando o artigo 5º


da Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), legitimando para a sua propositura a Defen-
soria Pública.
Mas, quais são os direitos que podem ser legitimamente defendidos pela Defensoria
Pública? A questão passou a ser bastante discutida nos meios jurídicos.
A Defensoria Pública sustenta que o objetivo da lei foi incluir mais um órgão no rol
dos legitimados para a defesa dos interesses transindividuais, possibilitando o maior acesso
possível à Justiça. Desta forma, estaria a Defensoria Pública legitimada a defender quaisquer
interesse transindividual através da ação civil pública.
Outros organismos, ao contrário, entendem que a lei conferiu a Defensoria Pública a
legitimidade para propor ações civis públicas direcionados à tutela coletiva, genericamente
considerada, apenas de hipossuficientes, tendo em vista que essa é a sua legitimação consti-
tucional (Constituição da República, Título IV, Capítulo IV (artigos 127 a 135)cabendo à
Defensoria Pública a defesa dos hipossuficientes).
Nada impede, porém, superadas as divergências, a atuação litisconsorcial, por exem-
plo, da Defensoria Pública e do Ministério Público, na hipótese de haver cumulação de
pedidos. Assim, no caso de uma poluição de um rio com o rompimento de um dique e
conseqüente alagamento das casas ribeirinhas, poderia atuar o Ministério Público na defesa
do meio ambiente com o pedido de reparação ambiental, e a Defensoria Pública atuaria na
defesa das pessoas hipossuficientes que tiveram suas casas alagadas devido ao desastre eco-
lógico. Nada impediria, da mesma forma, a prevalecer este entendimento da legitimidade
genérica, que o Ministério Público e a Defensoria Pública ajuizassem conjuntamente uma
ação civil pública na defesa desses mesmos bens e pessoas lesadas.
Nesse sentido também é o entendimento do Ilustre Dr. Humberto Dalla Bernardina
de Pinho121: 121
PINHO, Humberto Dalla
Bernadino. A Legitimidade da
Defensoria Pública para a pro-
positura de Ações Civis Públicas:
“Nesse sentido, e tendo em vista que, em geral, normas definidoras de direito e garan- primeiras impressões e questões
tias devem ser interpretadas de forma extensiva, estamos em que a Defensoria Pública, ao controvertidas. Disponível em
www.humbertodalla.pro.br.
menos hoje, tem legitimidade para a tutela das três espécies de direitos (difusos, coletivos e Acesso em 17 de outubro de
individuais homogêneos). 2007.

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Caberá ao Defensor, no caso concreto, aferir se aquela situação demanda a atuação da


Defensoria Pública, levando em conta todas as circunstâncias que puder examinar, sobretudo
as econômicas, sociais, culturais e jurídicas.”

Entendemos que muito ainda há que se discutir acerca do tema. Uma norma regu-
lamentadora há de ser prontamente elaborada a fim de evitar que celeumas doutrinárias e
disputas políticas acabem por prejudicar a coletividade. Até que este norma seja editada,
entendemos que a previsão genérica é que deva prevalecer.
Caso se conclua que a Defensoria Pública só poderá atuar na seara coletiva em prol dos
necessitados, cabe lembrar que o Ministério Público atua como custos legis nas ações civis
públicas propostas por outros legitimados e continuará o fazendo em sede de ação proposta
pela Defensoria Pública. Desta forma, atuando a Defensoria em matéria que não seja refe-
rente a hipossuficientes, caberá ao Parquet, como custos legis, alertar para esta preliminar de
ilegitimidade ativa e, com isso, assumir o pólo ativo da demanda quando for necessário.
No dia 16 de agosto de 2007, a Associação Nacional dos Membros do Ministério
Público – CONAMP - ajuizou no Supremo Tribunal Federal uma ação direta de inconstitu-
cionalidade contestando a Lei 11.448/2007. A ADIn tem como relatora a Ministra Carmen
Lúcia e até junho de 2008 ainda não havia sido julgada.

Caso de sedimentação:

No dia 30 de outubro de 2005, Tício, que conduzia seu veículo distraidamente, subiu
na calçada e atropelou Mévio, morador de rua, lesionando-o em suas pernas gravemente.
Tício foi processado pelo crime de lesão corporal culposa praticada na direção de veículo
automotor (Artigo 303 da Lei nº 9503/1997), vindo a ser condenado em março de 2006.
Sabendo-se que a sentença penal condenatória transitada em julgado torna certa a obrigação
de indenizar o dano, sendo, portanto, título executivo judicial, o Ministério Público ajuíza
a ação de execução no juízo cível.
Diante da redação do Artigo 68 do Código de Processo Penal e do que acabamos
de estudar, pergunta-se: agiu corretamente o membro do Ministério Público ao impe-
trar a ação civil ex delito?

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Carlos Roberto Jatahy é Mestre pela UNESA. Autor das obras Curso de
Princípios Institucionais do MP, 2ª edição 2005, e Ministério Público- Legislação
Institucional, 2ª edição 2006, Rio de Janeiro: Ed. Roma Victor, 200X. É também
Bacharel em Direito pela UERJ. Leciona no Magistério Jurídico desde 1988.
É Procurador de Justiça no Estado do Rio de Janeiro desde 2002, sendo membro
do MPERJ desde 1988. Foi Subprocurador-Geral de Justiça 2003-2005.
É membro do Conselho Superior do MPERJ.

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FICHA TÉCNICA

Fundação Getulio Vargas

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PRESIDENTE

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VICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

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VICE-DIRETOR DE PÓS-GRADUAÇÃO

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PROFESSOR COORDENADOR DO PROGRAMA DE CAPACITAÇÃO EM PODER JUDICIÁRIO

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Coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade

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COORDENADOR ACADÊMICO DA GRADUAÇÃO

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COORDENADORA DE MARKETING ESTRATÉGICO E PLANEJAMENTO

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