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DA INCOSTITUCIONALIDADE DA ABSTENÇÃO DO VOTO

PARLAMENTAR
Vander Lúcio Gomes Penha
Advogado-Pós Graduado em Direito Público
Técnico Legislativo
www.twitter.com/vanderpenha
http://vanderpenha.blogspot.com

No ano de 2009, participando do Congresso Nacional da ABRASCAM, Associação


Brasileira de Servidores de Câmaras Municipais, ouvia atentamente a palestra do
Professor André Barbi, quando num dado momento o nobre palestrante abordou uma
questão que chamou minha atenção, dizendo que a seu ver, a possibilidade da abstenção
do voto, por parte dos parlamentares, prevista em muitos regimentos internos, de várias
casas legislativas, seria inconstitucional. Tal assertiva mereceu minha análise, primeiro
porque, de imediato, também comunguei com aquela tese, segundo, porque seria um
tema ainda pouco explorado no ambiente legislativo.

A abstenção é a possibilidade regimental que o parlamentar pode invocar quando não


deseja emitir sua posição com relação à uma determinada votação, geralmente com
relação à projetos de leis, ou seja, deixa de votar, não diz que sim nem que não, não é
contra nem a favor. É como se naquele pequeno lapso temporal necessário para emissão
do voto, o parlamentar não existisse.

Outra implicação que advém do uso da abstenção é com relação ao quorum. Quando
ocorrer a abstenção do voto, o “quorum” legal será determinado com a exclusão
daqueles que fizeram esta opção. É feita uma recontagem, excluindo da casa legislativa
o número daqueles que optaram pela abstenção.

Hely Lopes de Meirelles em sua monumental obra “Direito Administrativo Brasileiro”,


trata pioneiramente sobre o “Poder Dever” de agir das autoridades públicas, segundo o
grande tratadista:

“O poder-dever de agir da autoridade pública é hoje reconhecido pacificamente pela


jurisprudência e pela doutrina. O poder tem para o agente público o significado de dever
para com a comunidade e para com os indivíduos, no sentido de que quem o detém está
sempre na obrigação de exercitá-lo.”

A esse respeito Celso Antônio Bandeira de Mello, faz pequeno reparo, no sentido de
que a expressão mais correta a ser utilizada seria Dever-Poder, mas o sentido final dessa
asserção, também redunda na impossibilidade do agente político deixar de cumprir com
seus deveres, em virtude do poder que lhe foi outorgado, o qual é irrenunciável.

O fato é que, o parlamentar, seja Vereador, Deputado ou Senador, recebe do povo, o


qual passa a representar, o “Poder” de legislar e fiscalizar as ações do governo em seu
nome. Nesse sentido não pode abrir mão de suas funções, não pode ser omisso,
deixando de exercitar as atribuições inerentes ao cargo de agente político.

Nossa Constituição Federal prescreve em seu art. 44:


O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara
dos Deputados e do Senado Federal.

E no art. 48, estabelece como atribuição do Poder Legislativo, dispor sobre todas as
matérias de sua competência.

Portanto, como estamos falando em abstenção e ela ocorre durante o processo


legislativo, ou seja, quando do exercício da função de legislar, notamos claramente que
tal expediente abre um parênteses na atuação parlamentar, um vácuo, permitindo que o
parlamentar num momento específico abra mão de seu poder, deixe de cumprir com sua
atribuição constitucional de legislar, abandonando o Poder-Dever de agir, simplesmente
deixando de votar, embasado num dispositivo inconstitucional do regimento interno de
sua casa.

A título de exemplo podemos citar o Regimento Interno da Câmara Municipal de


Divinópolis, que infelizmente também prevê a possibilidade de abstenção, mas que
contraditoriamente estabelece:

Art. 42. São deveres do Vereador:

II - aceitar trabalho relativo ao desempenho do mandato;

Trata o dispositivo acima de exigir do parlamentar o exercício das atribuições que lhe
são inerentes, as quais ele não pode se recusar a desempenhar. Se é pacífico o fato de
que os parlamentares não podem se negar a participar de reuniões, não podem recusar a
nomeação para comissões especiais ou permanentes, não podem deixar de emitir os
pareceres que lhe competem, por consentâneo, não poderia lhe ser dada a oportunidade
de deixar de votar, pois o voto é a expressão da democracia colocada em suas mãos
quando da apreciação de proposições de interesse público.

Durante a tramitação de um projeto, existe um conjunto de procedimentos, a ser


observado, durante o qual o parlamentar pode tomar conhecimento da matéria,
apresentar emendas, sanar quaisquer dúvidas existentes, mesmo assim, ainda poderá
pedir o adiamento da discussão da matéria, por um prazo determinado, quando a mesma
constar na ordem do dia e o legislador ainda não tiver a devida segurança para votar,
não se justificando em momento algum a abstenção do voto.

Assim, fica claro o caráter inconstitucional e antidemocrático do expediente regimental


chamado “abstenção”, o que deve ser banido dos regimentos internos das casas
legislativas de nosso país, em níveis municipal, estadual e federal, pois o mínimo que se
pode esperar de um agente político eleito pelo voto popular é adoção de uma postura e
um posicionamento efetivo durante a apreciação das matérias, votando contra ou a
favor, mas votando.

Referências:

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 35ª Ed. Malheiros, p. 107.

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