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Capítulo I — Disposições Gerais

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I

O NOVO CÓDIGO CIVIL

LIVRO IV
DO DIREITO DE FAMÍLIA
II
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Capítulo I — Disposições Gerais
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O NOVO CÓDIGO CIVIL

LIVRO IV
DO DIREITO DE FAMÍLIA

Coordenação Geral:
Heloisa Maria Daltro Leite

Coordenação Acadêmica:
Augusto Dourado
Maria da Conceição Lopes de Souza Santos

Autores:
Andréa Rodrigues Amin
Angela Maria Silveira dos Santos
Bianca Mota de Moraes
Daniela Farias Tavares
Galdino Augusto Coelho Bordallo
Heloisa Maria Daltro Leite
Katia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel
Leônidas Filippone Farrulla Junior
Lucia Maria Teixeira Ferreira
Lucia Mothé Glioche
Maria Beatriz P. F. Câmara
Maria Luiza De Lamare São Paulo
Nelcy Pereira Lessa
Patricia Silveira Tavares
Regina Ghiaroni
Roberta da Silva Dumas Rego
Virgilio Panagiotis Stavridis
IV IV
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O Novo
O Novo
○ ○
Código
○ ○
Código
CivilCivil
○ ○
— Do
○ ○
— Direito
Do Direito
○ ○ ○ ○
de Família
de Família
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Copyright © 2002 by Elso Vaz

To d o s o s d i r e i t o s r e s e r v a d o s e p r o t e g i d o s p e l a L e i 9 . 6 1 0 , d e 1 9 . 2 . 1 9 9 8 .
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de apostilas, sem autorização prévia, por escrito, da Editora.

Direitos exclusivos da edição em língua portuguesa:


Livraria Freitas Bastos Editora S.A.

Editor: Isaac D. Abulafia


Projeto gráfico: Freitas Bastos Editora
Gerente de Produção: Ricardo Quadros
Capa: Freitas Bastos Editora
Copydesk: Elso Vaz
Revisão de Texto: Hélio José da Silva
Sandro Gomes dos Santos
Editoração Eletrônica: Jair Domingos de Sousa
BAW Editoração Ltda.

CATALOGAÇÃO NA FONTE
DO DEPARTAMENTO NACIONAL DO LIVRO

N945
O novo código civil: livro IV do direito de família / Andréa
Rodrigues Amin...[et al.]; coord. Heloisa Maria Daltro Leite. –
Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2002.
576p.; 23 cm

ISBN: 85-353-0248-4

1. Direito civil – Brasil. 2. Direito de família – Brasil. I Amin,


Andréa Rodrigues. II. Leite, Heloisa Maria Daltro.

CDD: 346.81

Livraria Freitas Bastos Editora S.A.


Av. Londres, 381 cep 21041-030 Bonsucesso
Rio de Janeiro, RJ telefax (021) 2573-8949
e-mail: fbastos@netfly.com.br
Capítulo I — Disposições Gerais
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PREFÁCIO

No ano de 2003 terá vigência o novo Código Civil,


revogador daquele que terá regido as relações jurídicas de na-
tureza privada por quase um século.
Trata-se, portanto, de texto jurídico altamente peculiar e
de intenso significado, sendo digno de registro que a lei que o
implementa começou a ser elaborada ao final dos anos 60.
Para valorar ainda mais as especiais circunstâncias do
novo texto e as conseqüências que advirão tanto na ordem jurí-
dica pátria, como no cotidiano do cidadão brasileiro ou das pes-
soas físicas e jurídicas que aqui estão estabelecidas ou mantêm
relações ou negócios jurídicos, o Excelentíssimo Presidente da
República Fernando Henrique Cardoso sancionou a nova
codificação civil em solenidade realizada no Palácio do Planal-
to, a qual contou com a presença de representantes dos três Po-
deres constituídos, de diversas autoridades, em especial os ju-
ristas remanescentes da Comissão originariamente designada
para a elaboração do respectivo texto, e dos Procuradores-Ge-
rais de Justiça de todo o País.
Assim como foi honroso e emocionante estar presente à so-
lenidade de sanção do novo Código Civil, sinto-me imensamen-
te orgulhoso em apresentar esta obra, cujo conteúdo são as re-
flexões realizadas por colegas do Ministério Público fluminense,
acerca das normas que regerão o Direito de Família.
Pode-se afirmar a singularidade de ser esta a primeira vez
em que membros do Parquet se reúnem especialmente para a
edição de obra dessa natureza e magnitude.
O lançamento do livro dar-se-á ao mesmo tempo em que o
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, por intermédio
de sua Coordenação das Promotorias Cíveis e do Centro de Es-

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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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tudos Jurídicos da Procuradoria-Geral de Justiça, e contando


com o apoio da Fundação Escola do Ministério Público –
FEMPERJ –, promove o I Congresso Nacional de Promotores
de Justiça de Família, do qual também participarão juristas da
América do Sul, Europa e Oriente Médio, e cuja conferência de
abertura será proferida pelo Ministro JOSÉ CARLOS MOREIRA
ALVES, decano do Supremo Tribunal Federal e que integrou a
Comissão elaboradora do novo Código Civil.
Por todos os motivos, parabenizo os autores pela excelên-
cia dos textos e agradeço, em especial, à Procuradora de Justi-
ça Heloisa Maria Daltro Leite, que idealizou e coordenou o pro-
jeto, e aos Procuradores de Justiça Augusto Dourado e Maria
da Conceição Lopes de Souza Santos, que supervisionaram a
edição da obra.
Rio de Janeiro, 1 o de junho de 2002.

JOSÉ MUIÑOS PIÑEIRO FILHO


Procurador-Geral de Justiça
Capítulo I — Disposições Gerais
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APRESENTAÇÃO

A presente obra vem a lume no período da vacatio legis da


Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002; instituidora do novo
Código Civil Brasileiro, constituindo os trabalhos aqui reuni-
dos, circunscritos ao exame dos dispositivos inseridos na Parte
Especial — Livro IV: Do Direito de Família, fruto da dedicação,
persistência e, sobretudo, devoção dos autores, ilustres culto-
res do Direito, que, por certo, conscientes da importância do
Ministério Público no panorama jurídico nacional, se debruça-
ram, em análise esmerada, quanto ao tratamento hoje dispen-
sado aos temas em destaque, ora apontando a repetição de dis-
positivos já retratados pela Lei 3.071, de 01.01.1916, que nos
regerá até 31.12.2002, ora constatando os avanços e inovações
colhidos e reproduzidos pela nova sistemática que está prestes
a gerar seus aguardados efeitos.
Em qualquer caso, demonstrando, a um só tempo, a cons-
tante preocupação em desvelar aos leitores as várias visões que
velhos e novos institutos estão fomentando na comunidade ju-
rídica, como também, propiciando maior segurança àqueles que
por certo se predispuserem a conhecer o que, nesta oportunida-
de, representa contribuição do Parquet fluminense à interpre-
tação da ordem jurídica vigente, como exemplo de desprendi-
mento, fraternidade e solidariedade na distribuição e democra-
tização do conhecimento.
Em razão de convite indeclinável de nossos pares, cuja in-
discutível relevância para nós decorre do esforço que nos uniu
a todos, é com justificado orgulho e indisfarçável satisfação que,
como integrante do MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO
RIO DE JANEIRO, estamos vindo a público, na firme certeza e
com o inabalável propósito de estarmos contribuindo de forma

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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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judiciosa e profícua para a consolidação do Estado Democrático


de Direito no Brasil, o qual tem como substrato básico a FAMÍ-
LIA BRASILEIRA

Rio de Janeiro, maio de 2002


M ARIA DA C ONCEIÇÃO L. S. S ANTOS
Capítulo I — Disposições Gerais
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IX

INTRODUÇÃO
O novo Código Civil, embora atualize o Código anterior
dotando-o de institutos novos, também inclui em sua sistemáti-
ca matéria contida em leis especiais promulgadas após 1916,
devendo amoldar-se aos princípios constitucionais.
Incorpora ele, portanto, diversas normas que já se encon-
travam em plena vigência, com destaque para a área do Direito
de Família, na qual há muito se revelou impositivo um ordena-
mento legal que refletisse as mudanças culturais ocorridas no
século passado e que inspiraram princípios consagrados na
Constituição da República promulgada durante sua longa tra-
mitação.
A presente obra representa tentativa de abordagem críti-
ca do novedio diploma legal, no que concerne à sua missão de
atualizar o Código anterior e consolidar regras de leis esparsas,
sobretudo à luz dos referidos princípios constitucionais, entre
os quais se destacam os de repúdio a discriminações relativas à
mulher, a algumas formas de constituição da família e aos fi-
lhos. Quanto a estes, muito se salientou a importância da Dou-
trina de Proteção Integral, que abrange o Princípio do Melhor
Interesse da Criança e do Adolescente, norteamento para o
aplicador das leis referentes à família.
Pela exímia pena de ilustres membros do Ministério Pú-
blico fluminense, expôs-se o resultado da codificação, apontan-
do-se os louváveis acertos e as naturais imperfeições desta. Há
sugestões de interpretação dos dispositivos, com base no enten-
dimento doutrinário e jurisprudencial gerado pelo Código ante-
rior, pela legislação especial aproveitada e pelas próprias re-
gras constitucionais auto-aplicáveis, reconhecendo-se também
que muito ainda está para ser construído pelos juristas. A pers-
pectiva é positiva, mas realista, iluminada pela experiência prá-
tica decorrente da missão, que já vem sendo exercida pelo
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Parquet, de defesa dos interesses sociais e individuais indispo-


níveis, como é o caso daqueles referentes aos dos integrantes
da família, base da sociedade, que do Estado deve ter proteção
especial.
É por isso que, ao lado de elogios aos critérios utilizados
pelo legislador, existem, diante de algumas incongruências com
o novo sistema de valores, até mesmo indicações para supres-
são de dispositivos, como os artigos 1.575 e 1.705.
F o i t a m b é m c o r r e t a m e n t e a p o n t a d a , v a l e n o t a r, a
obsolescência do instituto da separação judicial, injustificável
resquício da resistência à implantação do divórcio no Brasil,
infelizmente mencionado na própria Constituição da República
(art. 226, § 6º), e de cuja reprovável permanência no ordena-
mento jurídico resultam soluções acomodadoras altamente
insatisfatórias, como o prazo de apenas um ano de ruptura de
vida em comum referido no § 1º do art. 1.572 do novo Código
(mormente se comparado com o prazo de dois anos do divórcio
direto) ou o procedimento meramente burocrático de conversão
de tal separação em divórcio.
Não podemos deixar de assinalar, ainda, a precisa refe-
rência feita a leis que tratam de temas abordados pelo novo
Código mas que com ele coexistirão. Entre elas temos a Lei de
Registros Públicos, decerto na parte relativa ao Registro Civil,
e principalmente o Estatuto da Criança e do Adolescente, raro
exemplo de excelência na produção legislativa pátria dos últi-
mos tempos.
O trabalho, assim, enriquece a série de relevantes estu-
dos produzidos pela comunidade jurídica nacional a respeito da
codificação prestes a entrar em vigor.
Como se pode perceber pelo que até aqui dissemos, a tare-
fa de coordenação de trabalhos tão esmerados representou, na
verdade, uma inestimável oportunidade de aprimoramento de
conhecimentos, que muito nos honrou.

Rio de Janeiro, maio de 2002


A UGUSTO D OURADO
Capítulo I — Disposições Gerais
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SUMÁRIO
PREFÁCIO .................................................................................................. v
APRESENTAÇÃO ..................................................................................... vii
INTRODUÇÃO ........................................................................................... ix
TÍTULO I – DO DIREITO PESSOAL ........................................................ 1
SUBTÍTULO I – DO CASAMENTO .......................................................... 3
Capítulo I – Disposições Gerais (arts. 1.511 – 1.516) .......................... 3
Capítulo II – Da Capacidade para o Casamento (arts. 1.517 – 1.520)
17
Capítulo III – Dos Impedimentos (arts. 1.521 – 1.522) ..................... 23
Capítulo IV – Das Causas Suspensivas (arts. 1.523 – 1.524) ........... 31
Capítulo V – Do Processo de Habilitação para o Casamento
(arts. 1.525 – 1.532) ........................................................................ 37
Capítulo VI – Da Celebração do Casamento (arts. 1.533 –
1.542) ................................................................................................. 47
Capítulo VII – Das Provas do Casamento (arts. 1.543 –
1.547) ................................................................................................. 63
Capítulo VIII – Da Invalidade do Casamento (arts. 1.548 – 1.564) . 67
Capítulo IX – Da Eficácia do Casamento (arts. 1.565 –
1.570) ............................................................................................... 111
Capítulo X – Da Dissolução da Sociedade e do Vínculo
Conjugal (arts. 1.571 – 1.582) ....................................................... 123
Capitulo XI – Da Proteção da Pessoa dos Filhos (arts. 1.583 – 1.590)
139
SUBTÍTULO II – DAS RELAÇÕES DE PARENTESCO .................... 165
Do Parentesco ..................................................................................... 169
Capítulo I – Disposições Gerais (arts. 1.591 – 1.595) ...................... 171
Capítulo II – Da Filiação (arts. 1.596 – 1.606) ................................. 181
Capítulo III — Do Reconhecimento dos Filhos (arts. 1.607 –
1.617) ................................................................................................... 219

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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Capítulo IV — Da Adoção (arts. 1.618 – 1.629) ..................................... 237


Capítulo V – Do Poder Familiar (arts. 1.630 – 1.638) ........................... 283
Seção I – Disposições Gerais (arts. 1.630 – 1.633) ........................... 283
Seção II – Do exercício do poder familiar (art. 1.634) ...................... 290
Seção III – Da suspensão e extinção do poder familiar (arts. 1.635 –
1.638) ......................................................................................... 296
TÍTULO II – DO DIREITO PATRIMONIAL .............................................. 311
SUBTÍTULO I – DO REGIME DE BENS ENTRE OS
CÔNJUGES ........................................................................................ 313
Capítulo I – Disposições Gerais (arts. 1.639 – 1.652) ...................... 313
Capítulo II – Do Pacto Antenupcial (arts. 1.653 – 1.657) ............... 333
Capítulo III – Do Regime da Comunhão Parcial (arts. 1.658 – 1.666)
339
Capítulo IV – Do Regime de Comunhão Universal (arts. 1.667 –
1.671) .............................................................................................. 349
Capítulo V – Do Regime de Participação Final nos Aqüestos
(arts. 1.672 – 1.686) ................................................................... 353
Capítulo VI – Do Regime de Separação de Bens (arts. 1.687 – 1.688)
373
SUBTÍTULO II – DO USUFRUTO E DA ADMINISTRAÇÃO
DOS BENS DE FILHOS MENORES ................................................ 381
Arts. 1.689 – 1.693 .............................................................................. 381
SUBTÍTULO III – DOS ALIMENTOS .................................................. 387
Arts. 1.694 – 1.710 .............................................................................. 387
SUBTÍTULO IV – DO BEM DE FAMÍLIA ........................................... 413
Arts. 1.711 – 1.722 ............................................................................... 413
TÍTULO III – DA UNIÃO ESTÁVEL .................................................... 427
Arts. 1.723 – 1.727 .............................................................................. 429
TÍTULO IV – DA TUTELA E DA CURATELA ..................................... 445
Capítulo I – Da Tutela (arts. 1.728 – 1.766) ..................................... 447
Seção I – Dos tutores (arts. 1.728 – 1.734) .................................. 447
Seção II – Dos incapazes de exercer a tutela (art. 1.735) .......... 469
Seção III – Da escusa dos tutores (arts. 1.736 – 1.739) ............. 475
Seção IV – Do exercício da tutela (arts. 1.740 – 1.752) .............. 481
Seção V – Dos bens dos tutelados (arts. 1.753 – 1.754) ............. 505
Seção VI – Da prestação de contas (arts. 1.755 – 1.762) ........... 513
Seção VII – Da cessação da tutela (arts. 1.763 – 1.766) ............ 527
Capítulo II – Da Curatela (arts. 1.767 – 1.783) ............................... 533
Seção I – Dos interditos (arts. 1.767 – 1.778) ............................. 535
Seção II – Da curatela do nascituro e do enfermo ou
portador de deficiência física (arts. 1.779 – 1.780) ................. 557
Seção III – Do exercício da curatela (arts. 1.781 – 1.783) ......... 563
Capítulo I — Disposições Gerais
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TÍTULO I
DO DIREITO PESSOAL
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Capítulo I — Disposições Gerais
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Subtítulo I
DO CASAMENTO

Capítulo I
DISPOSIÇÕES GERAIS

Maria Luiza de Lamare São Paulo


Promotora de Justiça Titular da Curadoria de Família e Infância e
Juventude da Comarca de Nova Friburgo — Estado do Rio de Janeiro
Roberta da Silva Dumas Rego
Promotora de Justiça Titular da Curadoria de Justiça da Comarca de Bom
Jesus de Itabapoana — Estado do Rio de Janeiro

Ao longo de um quarto de século, enquanto o Projeto do


Novo Código Civil dormitava no Congresso Nacional, o cenário
sociopolítico experimentava alterações profundas e significati-
vas, aptas a moldar um novo sistema jurídico, em grande parte
expresso na Carta Constitucional de 1988.
O processo de redemocratização, o advento de duas consti-
tuições, o progresso biotecnológico e a releitura das instituições,
por certo, trouxeram a necessidade de compatibilizar o projeto
há tanto elaborado com a nova realidade. E tantos eram os dis-
positivos inconstitucionais ou anacrônicos frente à legislação
extravagante atualmente em vigor, que se fez necessária a apro-
vação de resolução alterando o Regimento Comum do Congresso
Nacional com vistas a permitir as imprescindíveis adequações
constitucionais e legais.
Deparamo-nos, então, agora, com um fato incontestável: a
nova codificação é uma realidade, a despeito daqueles que duvi-
davam da utilidade ou da possibilidade de aprovar um Projeto
de Código Civil com quase três décadas de defasagem.
O Novo Código Civil foi elaborado em meio à intensifica-
ção da atividade econômica, decorrente da urbanização e da pre-
valência das relações de consumo, circunstâncias refletidas na
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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própria estrutura organizacional da codificação. Neste contex-


to, logo após a Parte Geral — na qual se destacam os direitos e
deveres das pessoas e se estabelecem as regras gerais da vida
civil — situa-se, no primeiro livro da parte especial, a discipli-
na das obrigações. A seguir, encontram-se o livro denominado
Direito da Empresa, a disciplina do Direito das Coisas e, só en-
tão, vêm regulados o Direito de Família e o Direito Sucessório.
Cumpre registrar que inúmeras regras constantes da Par-
te Geral do Código Civil, algumas tidas como princípios, regu-
lamentam preceitos fundamentais expressos na Carta Magna.
A Constituição Federal de 1988 trouxe avanços consideráveis à
ordem jurídica, com repercussão em todos os ramos do Direito,
em especial, no Direito de Família, mais sensível às modifica-
ções sociais.
O Livro IV da Parte Especial do Código Civil, que trata do
Direito de Família, foi elaborado pelo jurista Clóvis do Couto e
Silva e teve como Relatores o Deputado Cleverson Teixeira e o
Senador José Ignácio Ferreira.
Em consonância com valores consagrados pela sociedade
moderna, a formulação jurídica da família recepciona relações
advindas não apenas do casamento, mas de outros modelos es-
truturais, como o oriundo da união estável e a comunidade
monoparental (art. 226, parágrafo 4º, CF).
Parece sintomático que, das 332 emendas aprovadas, 138
tratam de dispositivos relacionados ao Direito de Família, re-
presentando 42% (quarenta e dois por cento) das alterações.
O cerne da tutela legal foi deslocado para as relações fa-
miliares, não porque a família constitui uma unidade de produ-
ção e reprodução de valores sociais, e sim por ser a célula pri-
meira a abrigar o indivíduo, conferindo-lhe dignidade e propician-
do-lhe o desenvolvimento da personalidade.
É certo que questões palpitantes deixaram de ser aborda-
das pelo Novo Código Civil, tais como reprodução assistida, união
civil homossexual, famílias monoparentais e tantas outras que
não puderam, em razão da falta de amparo regimental, compa-
tibilizar-se com os reclamos sociais.
Não se pode olvidar, contudo, que o Novo Código Civil re-
sulta de esforço para sistematizar o Direito de Família, sincro-
nizando-o com o arcabouço constitucional adotado e os valores
consagrados pela sociedade contemporânea. Em verdade, as ver-
dadeiras inovações decorrem da Constituição e de leis posterio-
res, tais como o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código
Capítulo I — Disposições Gerais
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de Defesa do Consumidor, a Lei de Investigação de Paternidade


e tantas outras, não restando grandes inovações a serem imple-
mentadas pelo Novo Código Civil. Em verdade, as alterações
legislativas devem refletir os reclamos sociais, e, na hipótese, o
que se verifica é a dissociação entre o texto anacrônico e as ques-
tões emergentes da atualidade.
Assim como grande parte dos Códigos da atualidade, o novo
Código Civil não define o casamento. Campeiam no campo dou-
trinário acirradas divergências quanto à conceituação e à natu-
reza jurídica de tal instituto.
Sem embargo daqueles que repudiam a caracterização do
casamento como contrato, podemos defini-lo como um negócio
jurídico por meio do qual um homem e uma mulher se vinculam
numa relação matrimonial, com vistas à comunhão de vida.
Dessarte, o casamento é ato de autonomia privada. Relevante
sublinhar, contudo, que a extensão da autonomia privada no
Direito de Família é mais restrita do que a existente no campo
das relações patrimoniais. Embora inquestionável a presença
da autonomia privada na liberdade de casar, na liberdade de
escolha do cônjuge e no plano dos efeitos patrimoniais do casa-
mento, quanto aos seus efeitos pessoais, prevalece a regra da
indisponibilidade.
A tendência legislativa, em compasso com a orientação ju-
risprudencial, vem abrindo espaço à disponibilidade, admitin-
do, por exemplo, a adoção pelo cônjuge do nome de família do
consorte, a manutenção do nome de família do ex-cônjuge no
divórcio, a determinação do domicílio etc.
A liberdade de casar é tida hoje como direito fundamental,
consagrado pelo art. 16 da Declaração Universal dos Direitos
do Homem e pelo art. 12 da Convenção Européia dos Direitos do
Homem.

Art. 1.511. O casamento estabelece comunhão


plena de vida, com base na igualdade de direi-
tos e deveres dos cônjuges.
Direito anterior: Art. 5º, 226, §5º, da Constituição Federal e art.
229 do Código Civil.
Ver também: Arts. 231, 233/235, 240, 243 e 246 do Código Civil.

Dois aspectos devem ser considerados.


Primeiro, a igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Contemplado pela Constituição Federal de 1988, o princí-


pio da isonomia gera influxos no ordenamento jurídico como um
todo e, em especial, no Direito de Família. Como uma das alte-
rações mais significativas, alinha-se no texto codificado a insti-
tuição da paridade dos cônjuges no exercício da sociedade con-
jugal, constituindo, em seus efeitos jurídicos, o “poder familiar”,
em substituição ao poder marital. Não se pode olvidar, contudo,
que as alterações no ordenamento civil, conquanto considerá-
veis, nada mais são do que projeções do texto constitucional. No
processo evolutivo, o marco não foi propriamente o Novo Código
Civil, mas sim a promulgação da Constituição Federal de 1988.
O Código Civil de 1916, influenciado pelo Direito Romano,
consagrava o modelo patriarcal, onde o varão desempenhava o
papel de chefe da família e a mulher sequer era dotada de plena
capacidade civil. Tal modelo somente foi ultrapassado muito
tempo depois, como decorrência de um processo lento e
gradativo. Com a revolução industrial e as guerras mundiais, a
mulher se viu obrigada a buscar colocação no mercado de traba-
lho e, por vezes, a assumir as rédeas da condução familiar.
No direito pátrio, o Estatuto da Mulher Casada represen-
tou um marco neste processo histórico, ao atribuir àquela capa-
cidade plena.
Em pleno século XXI, seria inaceitável que o ordenamento
jurídico deixasse de consagrar a já efetivamente reconhecida
igualdade entre homens e mulheres e, por conseguinte, os efei-
tos da adoção deste princípio sob todos os aspectos, atribuindo-
lhe plena efetividade. Para tanto, imprescindível conferir-lhes
igualdade de direitos e condições, respeitadas as peculiarida-
des de cada um dos consortes. Vale destacar que aos homens e
às mulheres são conferidos iguais direitos e deveres, o que não
significa a igualdade de atributos entre as pessoas. Tal ponde-
ração não deve ser olvidada a fim de que a paridade de direitos
lhes seja materialmente assegurada, deixando de figurar ape-
nas no campo formal. A licença-maternidade, por exemplo, tem
período de duração superior ao da licença-paternidade, em ra-
zão do aleitamento, e, por conseguinte, da necessária presença
física da mulher ao lado do bebê.
Segundo aspecto diz respeito à nova conformação do casa-
mento, cujo objetivo é estabelecer comunhão de vida entre os
cônjuges. O antigo Código Civil estabelecia que o casamento ti-
nha como finalidades a educação dos filhos, o convívio sexual e
o auxílio mútuo e recíproco. Elaborado em 1916, o Código Civil
Capítulo I — Disposições Gerais
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Brasileiro acolheu as influências do Direito Canônico, segundo


o qual o fim primário do casamento era a procriação e a educa-
ção da prole, e o secundário, a mútua colaboração e o remédio
contra a concupiscência. Tal entendimento não subsiste no vi-
gente Código Canônico, de 1983, que define o casamento como
“aliança matrimonial, pela qual o homem e a mulher constituem
entre si uma comunhão de vida toda”. Destarte, foi abolida a
hierarquia entre as finalidades do casamento, sendo valorizado
o elemento moral na vida de família.
Oportuno destacar a supressão, no projeto original do Novo
Código Civil, da expressão “e institui a família legítima”. Isto
se deu em virtude da proteção constitucional conferida à união
estável entre um homem e uma mulher e à comunidade forma-
da por qualquer dos pais e seus descendentes, como entidades
familiares merecedoras de reconhecimento do Estado. Atribuir
legitimidade exclusivamente à família advinda do casamento
seria burlar o dispositivo constitucional. A partir de 1988, a
Constituição Federal reconheceu que o casamento não é a única
forma de constituição da família, estendendo a proteção à união
estável e à comunidade monoparental.

Art. 1.512. O casamento é civil e gratuita a sua


celebração.
Direito anterior: Art. 226, § 1º, da Constituição Federal.

Casamento é negócio jurídico solene.


Entre os séculos X e XVIII, a Igreja conservou o monopólio
da disciplina do casamento. Com a reforma protestante, inau-
gurou-se o processo de secularização do vínculo matrimonial.
Assim, o casamento civil foi inicialmente introduzido nos paí-
ses protestantes, sob o influxo das idéias difundidas por Lutero
e Calvino, no sentido de negar a natureza sacramental do ma-
trimônio e defender sua disciplina e jurisdição pelo Estado.
No Brasil, somente em 1889, com a Proclamação da Repú-
blica, o casamento civil foi acolhido pela legislação, delineando-
se a separação do casamento civil e do religioso.
O Decreto nº 181, de 24 de janeiro de 1890, estabeleceu
que somente o casamento civil teria o condão de gerar efeitos
jurídicos. O dogma da soberania do Estado moderno influenciou
de tal forma o ordenamento jurídico da época que, em 26 de ju-
nho de 1890, foi expedido um decreto prescrevendo que “O casa-
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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mento civil, único válido nos termos do art. 108 do Decreto 181,
de 24 de janeiro último, precederá sempre as cerimônias religio-
sas de qualquer culto, com que desejam solenizá-la os nubentes.
O ministro de qualquer confissão que celebrar as cerimônias re-
ligiosas do casamento antes do ato civil será punido com seis
meses de prisão e multa da metade do tempo”. Com tal determi-
nação, pretendia o legislador desestimular a realização de ceri-
mônias religiosas sem o correspondente casamento civil, dei-
xando os nubentes a descoberto da proteção legal, além de pôr
em relevo a soberania Estatal. Em grande parte dos países oci-
dentais, o casamento civil obrigatório caracterizou um dos as-
pectos do cisma entre o Estado e a Igreja.
A obrigatória precedência da celebração do casamento ci-
vil não inibia os cônjuges de contraírem casamento religioso e
de fazê-lo segundo seu culto, embora nenhum valor jurídico fos-
se atribuído à solenidade religiosa, pois esta era facultativa.
O casamento civil obrigatório foi consagrado na Carta
Constitucional de 1891. Enquanto o Estado só emprestava efei-
tos jurídicos ao casamento civil, para o ordenamento religioso
era válido exclusivamente o casamento religioso, impondo aos
nubentes a dupla celebração. Tal situação arrastou-se até 1934,
quando a nova Constituição atribuiu efeitos civis ao casamento
celebrado em forma religiosa.
Cumpre salientar que não foi instituído outro tipo de ca-
samento, admitindo-se tão-somente formas de celebração do
casamento civil. Este é o sistema que perdura até os dias atuais.
Desta forma, buscou o legislador adequar o sistema matrimonial
às peculiaridades históricas e sócio-culturais do povo brasileiro,
tão profundamente marcado pela religiosidade.

Parágrafo único. A habilitação para o casamen-


to, o registro e a primeira certidão serão isen-
tos de selos, emolumentos e custas, para as
pessoas cuja pobreza for declarada, sob as pe-
nas da lei.

A gratuidade da celebração do casamento civil é assegura-


da pelo art. 226, § 1º da Constituição. O Código Civil cuidou,
portanto, de estendê-la aos atos necessários à formalização do
casamento, quais sejam, habilitação, registro e primeira certi-
dão. Tal determinação é consentânea com a diretriz adotada pela
Capítulo I — Disposições Gerais
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Carta Magna, visando à adoção de políticas públicas voltadas


para a proteção da família e ao incentivo ao casamento, como
decorre, por exemplo, do disposto no art. 226, § 3 º. Para que os
contraentes façam jus à gratuidade, basta a simples afirmação
de hipossuficiência financeira, tal como sucede nas hipóteses
de deferimento do benefício da justiça gratuita, previsto pela
Lei 1.060/50.
O Decreto 83.936, de 06 de setembro de 1979, aboliu a exi-
gência de atestado de pobreza, emitido por autoridade pública.
É certo que, no projeto original, havia previsão de reco-
nhecimento judicial de pobreza. A manutenção deste dispositi-
vo, além de dificultar o acesso à justiça em virtude do
assoberbamento da máquina judiciária, constituiria um incen-
tivo à não realização do casamento.
Aquele que se encontre em situação de pobreza limita-se a
declará-la, sujeitando-se, caso incorra no crime de falsidade ide-
ológica, às penas da lei.

Art. 1.513. É defeso a qualquer pessoa, de direi-


to público ou privado, interferir na comunhão
de vida instituída pela família.
Direito anterior: Art. 226, § 7º, da Constituição Federal.

A vedação da interferência na comunhão de vida instituí-


da pela família constitui política pública de respeito à dignida-
de familiar. Oportuno pôr em relevo que, inobstante a inserção
deste artigo nas disposições gerais do casamento, a proteção é
extensiva a todas as formas de entidade familiar, seja esta de-
corrente da união estável ou da comunidade monoparental.
Uma notável modificação introduzida pela nova lei diz res-
peito à codificação das disposições protetoras da organização fa-
miliar, como o planejamento familiar, livre decisão do casal, in-
tervindo o Estado tão-somente para propiciar recursos educacio-
nais e científicos ao exercício deste direito (art. 1.567). Nas pa-
lavras de Orlando Gomes, surgiu modernamente a socialização
dos deveres familiares, quando o Estado chama para si as obri-
gações que a lei sempre impôs aos cônjuges, auxiliando a cria-
ção dos filhos, mediante a concessão de abonos especiais. Orga-
nizando em larga escala a previdência social, ampara e socorre
os cônjuges mediante o auxílio-enfermidade. Descarrega, em
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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suma, nos ombros da sociedade encargos que outrora incumbi-


am ao marido. 1
Deve-se ressaltar a Lei nº 9.263/96, sobre Planejamento
Familiar, que não é uma forma de interferência nas decisões do
casal, mas a previsão da política social estatal de prevenção e
auxílio aos casais.

Art. 1.514. O casamento se realiza no momento


em que o homem e a mulher manifestam, peran-
te o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo
conjugal, e o juiz os declara casados.
Direito anterior: Art. 194 do Código Civil.

O consentimento matrimonial é elemento indispensável ao


casamento e a vontade dos contraentes voltada para o estabele-
cimento de plena comunhão de vida deve ser manifestada no
momento da celebração. Cuida-se do princípio da atualidade do
consentimento. Se o caráter personalíssimo do casamento im-
põe decisão pessoal dos nubentes e não admite representação
legal, a lei prevê hipótese de representação voluntária no casa-
mento celebrado mediante procuração.
O cunho estritamente pessoal do casamento decorre de sua
natureza familiar. Na esteira destas considerações, pode-se afir-
mar que o casamento não pode ser celebrado a termo ou sob
condição. Cláusulas neste sentido revelam-se incompatíveis com
a dignidade e a essência da relação afetiva e comunitária
advinda do casamento. Soma-se a estas razões a imprescindível
certeza quanto ao estado civil das pessoas, ditado pelo interes-
se público.
Se a vontade dos nubentes é elemento essencial do casa-
mento, a lei impõe que sua manifestação seja permeada de for-
malidades, com o propósito de alertá-los para a seriedade da
condição que pretendem assumir, de protegê-los de sua preci-
pitação, ao demandar mais acurada preparação e, portanto, maior
reflexão, e para facilitar a prova. Dentre as formalidades que
cercam o casamento, distinguem-se o processo preparatório e a
celebração propriamente dita, seguida pelo registro.

1 Introdução ao Direito Civil, atualizador Humberto Theodoro Júnior,


17ª ed., Ed. Forense, 2000, p.85/86.
Capítulo I — Disposições Gerais
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Em resumo, tanto a manifestação da vontade dos noivos


como a presença da autoridade são requisitos essenciais para a
realização do casamento, por força da natureza de ato jurídico
complexo. Assim, são partes, obrigatoriamente, os nubentes e o
juiz de paz.
A consumação se dá no momento em que a autoridade,
ouvindo a livre manifestação dos noivos, declara-os casados.

Art. 1.515. O casamento religioso, que atender


às exigências da lei para a validade do casa-
mento civil, equipara-se a este, desde que re-
gistrado no registro próprio, produzindo efeitos
a partir da data de sua celebração.
Direito anterior: Art. 226, § 2º, da Constituição Federal.

O instituto do casamento religioso, antes disciplinado pela


Lei 1.110/50, foi inserido no Código Civil.
Ao revés do sistema facultativo do tipo latino (ou católi-
co), em que se admite o matrimônio religioso tal como discipli-
nado pelo direito canônico, o sistema adotado pelo Brasil, de
influência anglo-saxônica, não reconheceu um verdadeiro e pró-
prio casamento religioso, na medida em que prevalece a unida-
de da lei matrimonial e da jurisdição do Estado. 2

2 “No Brasil, o casamento civil foi introduzido como medida política


associada às tendências republicanas. Na população, continuou a ser
usado o casamento religioso, estabelecendo-se, com raríssimas exce-
ções, a dualidade de atos. Todos os nubentes casavam duas vezes, uma
no civil e outra no religioso. A Constituição de 1934 veio permitir o
casamento religioso com efeitos civis. A de 1937 deixou toda a maté-
ria à legislação ordinária. Era indiferente ao modo da celebração. Podia
ser adotado, tão-só, o casamento civil, ou as duas formas, ou só o ca-
samento religioso. A Constituição de 1946 volveu à 1934.
Tal faculdade de variar de sistema põe diante de nós o problema da
técnica legislativa. Não nos parece que o Estado deva impor o casa-
mento civil, nem qualquer forma de casamento religioso. Tão-pouco,
visão sociológica das premissas permite que consideremos as religiões
como simples negócios privados, pois que, antes de serem fatos inte-
riores dos indivíduos, são processos sociais, cá fora. A melhor solução
é reconhecer o Estado a celebração segundo a religião dos nubentes,
ou segundo as regras de direito interconfessional, quando forem de
religiões diferentes, e permitir aos que não têm religião, ou que prefe-
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Ao estabelecer que o casamento é civil, a lei não retira dos


nubentes a faculdade de optar quanto à forma de prestar o con-
sentimento matrimonial, admitindo-o no contexto religioso, na
presença do ministro do culto ou, no ato da celebração civil, pe-
rante o Juiz. Independentemente da forma de celebração, é cer-
to que o casamento é civil, disciplinado pela legislação estatal.
O sistema adotado no Brasil desde 1934 garante idêntica
situação jurídica perante o Estado aos consortes, independen-
temente das diferenças entre os dois grupamentos sociais que
compõem a sociedade brasileira, sendo, portanto, mantido pelo
novo Código Civil. Aliás, a unidade da disciplina legislativa e a
faculdade de escolher entre a celebração civil e religiosa de ce-
lebração do casamento, ajustam-se perfeitamente à ordem cons-
titucional do País, cuja Carta Magna assegura a inviolabilida-
de da liberdade de consciência e de crença (art. 5º, VI).
Ao tempo da Constituição Federal de 1946, foi publicada a
Lei 1.110 /50 para disciplinar os efeitos civis do casamento reli-
gioso.
Na medida em que a Constituição Federal de 1988 assegu-
ra, em seu art. 226 §§ 1º e 2º, que “O casamento é civil e gratuita
a sua celebração” e “O casamento religioso tem efeito civil, nos
termos da lei”, a matéria continuou a ser regulada pela Lei 1.110/
50, até a edição do novo Código Civil.
Como autoriza a lei civil, os nubentes podem optar pela
celebração do casamento perante a autoridade religiosa, que
deve documentar a realização do ato lavrando assento do casa-
mento religioso com os requisitos do art. 70 da Lei 6.015/73 (Lei
de Registros Públicos).
Oportuno insistir que, pela análise do texto codificado,
dessume-se que, em matéria de formação da família pelo casa-
mento, escassas inovações podem ser reconhecidas no novo Có-
digo.
Na prática, devem os noivos promover, perante o oficial de
registro civil, a habilitação reclamada para o casamento civil e
apresentar a certidão de que estão habilitados a comparecerem
perante a autoridade religiosa apta para promover a solenida-

rem casar-se sem os efeitos religiosos, o casamento civil. Assim, per-


feitamente se conciliam os interesses das religiões, os dos indivíduos
e os do Estado, ressaltando o valor teórico e prático da solução
legislativa” (Pontes de Miranda, Tratado de Direito de Família, vol. I,
Direito matrimonial, 3ª ed., Max Limonad, 1947, p. 91).
Capítulo I — Disposições Gerais
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de, no prazo legal. Após o ato, que deve revestir-se da formali-


dade prevista na legislação civil, os interessados, no prazo le-
gal, realizarão o registro, expedindo então, o oficial, a certidão
competente.

Art. 1.516. O registro do casamento religioso


submete-se aos mesmos requisitos exigidos
para o casamento civil.
Direito anterior: Art. 71 da Lei nº 6.015.

Deve ser ressaltado que a Lei faculta apenas a realização


solene do ato de acordo com a confissão religiosa dos nubentes,
sendo certo que toda a documentação a ser apresentada peran-
te o oficial da habilitação é determinada e especificada pela le-
gislação civil. Os outros documentos impostos pela autoridade
religiosa, de acordo com a confissão dos noivos, são determina-
ções estranhas à legislação civil e peculiares a cada uma delas.
O rito a ser adotado no casamento religioso é determinado pe-
las “regras jurídicas extra-estatais de cada confissão”,3 desde que
observados os requisitos para a celebração do casamento civil
(manifestação dos cônjuges de que pretendem casar por livre e
espontânea vontade, na presença de testemunhas).

§ 1º O registro civil do casamento religioso de-


verá ser promovido dentro de noventa dias de
sua realização, mediante comunicação de qual-
quer interessado, desde que haja sido homolo-
gada previamente a habilitação regulada neste
Código. Após o referido prazo, o registro depen-
derá de nova habilitação.

A celebração do casamento religioso pode ocorrer com pré-


via habilitação ou não. Para que seja efetuado seu registro ci-
vil, no entanto, a habilitação se faz imprescindível. O parágrafo
primeiro do art. 1.516 cuida da hipótese de casamento religioso
precedido de habilitação.
Como dispõe o art. 1.525 da nova Codificação, o procedi-
mento de habilitação é inaugurado com a declaração dos inte-
ressados de que pretendem contrair casamento perante a auto-

3 Pontes de Miranda, obra cit., p. 225.


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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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ridade religiosa. Encerrado o procedimento preliminar, os noi-


vos recebem o certificado do oficial do Registro Civil, o qual os
habilita à realização do matrimônio.
O assento do casamento religioso deve ser entregue ao ofi-
cial do Registro Civil através do qual se processou a habilitação
para que realize a devida transcrição.
Qualquer interessado deve requerer, no prazo de noventa
dias, que se faça a transcrição da certidão do assento no regis-
tro civil.
O Código Civil praticamente reeditou o texto da Lei 1.110,
mantendo algumas lacunas que, ao longo do tempo, vêm sendo
alvo de crítica dos operadores do Direito. Uma falha há muito
tempo apontada é a circunstância de que as partes não estão
obrigadas a promover a transcrição do casamento religioso. A
rigor, o sistema conferia aos cônjuges disponibilidade dos efeitos
civis do casamento. A despeito de terem declarado no procedi-
mento de habilitação desejar os efeitos civis do casamento, os
cônjuges podiam simplesmente deixar de requerer a transcri-
ção, gerando até mesmo incerteza social quanto ao estado civil
das pessoas e os efeitos jurídicos dele decorrentes. A lei atual
substituiu a expressão poderá, presente no art. 73 de Lei de
Registros Públicos, pelo comando verbal expresso na palavra
deverá, ora inserta no parágrafo primeiro. A lei, todavia, não
prevê qualquer tipo de sanção para a omissão, salvo as conse-
qüências jurídicas comuns advindas da não inscrição de ato ju-
rídico sujeito a registro.
O parágrafo primeiro do art. 1.516 estatui também que
qualquer interessado poderá promover o registro civil do casa-
mento religioso, deixando de individualizar as pessoas legiti-
madas a fazê-lo. Seguindo a disciplina anterior, o Código Civil
não inovou também neste particular. A orientação que vem sen-
do adotada procura considerar interessadas apenas aquelas
pessoas que, no âmbito familiar, possam, da eficácia civil do
casamento religioso, extrair alguma “utilidade jurídica”, a exem-
plo dos filhos, cônjuges e ascendentes, em relação aos direitos
sucessórios e aos alimentos.
Segundo o sistema adotado, a transcrição do casamento
religioso é condição de eficácia dos efeitos civis, assumindo fei-
ção constitutiva e não meramente declaratória. A transcrição
do casamento religioso no registro público dentro do prazo de
noventa dias de sua realização confere efeitos civis desde a data
da celebração. O art. 7º da Lei 1.110 já assegurava a retroativi-
Capítulo I — Disposições Gerais
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dade dos efeitos do casamento civil à data da celebração religio-


sa. Neste caso, os efeitos civis decorrem da transcrição e não da
celebração propriamente dita.
Em resumo, pode o pedido de registro ser feito pelo próprio
celebrante, pelos nubentes pessoalmente ou através de procura-
dor.
O celebrante, no primeiro caso, envia ao cartório onde se
processou a habilitação civil informação completa relativa ao
ato solene, com todos os dados determinados no artigo 1.536 deste
Código.
Em sendo o caso de o pedido de registro ser feito pelos
nubentes, devem estes levar ao cartório de registro competente
a declaração do celebrante, também com todos os dados neces-
sários: hora e local da celebração, dia, mês e ano, nome comple-
to do celebrante e cargo ocupado na confissão religiosa a que
pertence, nomes completos, idades, profissões, domicílio e resi-
dência dos nubentes, seus pais e testemunhas do ato.
Uma interpretação sistemática da lei induz ao entendimen-
to de que o prazo de noventa dias se refere à eficácia do certifi-
cado de habilitação para o casamento. A transcrição do casa-
mento religioso no registro público pode ser feita extempo-
raneamente, desde que os interessados promovam nova habili-
tação, retroagindo os efeitos do casamento na forma do art.
1.515. Tanto assim que o parágrafo seguinte admite a transcri-
ção do casamento realizado sem a prévia habilitação, sendo
injustificável negar-lhe efeitos quando celebrado de acordo com
as formalidades legais.

§ 2º O casamento religioso, celebrado sem as


formalidades exigidas neste Código, terá efei-
tos civis se, a requerimento do casal, for regis-
trado, a qualquer tempo, no registro civil, medi-
ante prévia habilitação perante a autoridade
competente e observado o prazo do art. 1.532.

Caso haja a celebração do casamento religioso sem as for-


malidades preliminares, a transcrição do casamento religioso
fica condicionada à prévia habilitação perante o oficial do Re-
gistro Civil. O processo de habilitação inicia-se com o requeri-
mento dos nubentes, acompanhado da prova do ato religioso e
dos documentos relacionados no art. 1.525 deste Código.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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O procedimento de habilitação tem o escopo de verificar a


existência, à época da celebração, de algum impedimento que
inviabilize a transcrição.
Para o registro do casamento, devem constar do termo do
ato religioso os elementos elencados no art. 1.536 do Código
Civil, bem como o nome e a posição ocupada pelo celebrante na
confissão religiosa a que pertence.

§ 3º Será nulo o registro civil do casamento re-


ligioso se, antes dele, qualquer dos consorcia-
dos houver contraído com outrem casamento
civil.

Na sistemática anterior, o surgimento de impedimento


entre a celebração religiosa e o registro não obstava a transcri-
ção, da mesma forma que a morte de um dos nubentes não cons-
tituía empecilho ao registro do casamento realizado valida-
mente. Exemplificativamente, o casamento civil de um dos côn-
juges com terceiro entre a celebração do casamento religioso e
sua transcrição não a inviabilizava, sendo nulo o segundo ma-
trimônio. O parágrafo terceiro do art. 1.516 veio espancar, de
forma expressa, esta possibilidade, o que, de certo modo, se con-
trapõe à própria natureza jurídica do instituto. Como os efeitos
civis do casamento religioso retroagem à data da celebração,
deveria ser o segundo casamento eivado pelo vício da nulidade.
Os impedimentos ao casamento e suas causas suspensivas de-
veriam ser aferidas no momento da celebração religiosa, visto
que retroativos os efeitos civis decorrentes do registro. A opção
legislativa, contudo, encontra justificativa na necessária segu-
rança das relações jurídicas. A relevância do registro advém do
fato de este permitir a prova do casamento e do estado civil atra-
vés das certidões. Assim, não resta destituída de coerência a
posição legislativa ao conferir validade ao casamento que for
primeiro transcrito no Registro Civil.
Cuida-se de inovação no Código Civil, que silencia de vez
algumas vozes isoladas que ainda viam na transcrição do casa-
mento ato de natureza meramente declaratória.
Capítulo II — Da Capacidade para o Casamento
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Capítulo II
DA CAPACIDADE PARA O CASAMENTO

Art. 1.517. O homem e a mulher com dezesseis


anos podem casar, exigindo-se autorização de
ambos os pais, ou de seus representantes le-
gais, enquanto não atingida a maioridade civil.
Direito anterior: Art. 183, XI e XII, 185 e186 do Código Civil.
Ver também: Art. 5º, I da Constituição Federal e Arts. 1º; 3º,
inciso I e 5º, parágrafo único, inciso II; todos do Código Civil.

O dispositivo estabelece a idade núbil, ou seja, a partir da


qual é permitido contrair casamento.
A capacidade, como condição para o casamento, tem natu-
reza positiva: podem casar. Significa aptidão para constituição
de sociedade conjugal civil, em razão da idade, conjugando-a
com a vontade livre.
O antigo Código Civil dispunha que a mulher poderia ca-
sar-se a partir de dezesseis e o homem a partir de dezoito anos,
estabelecendo, outrossim, a necessidade de autorização dos pais
ou dos representantes legais daqueles para o casamento dos me-
nores de vinte e um anos. A distinção era justificada por moti-
vos fisiológicos e sociológicos. Primeiramente, porque se enten-
dia que, na mulher, a puberdade ocorria mais precocemente do
que nos homens, reconhecendo-lhe a capacidade para a concep-
ção a partir dos dezesseis anos. Segundo, porque, como ao ho-
mem era atribuído o papel de provedor do lar, supunha-se que
somente a partir dos dezoito anos se revelaria capaz de alcan-
çar maturidade e qualificação profissional que lhe permitisse
assumir o encargo familiar. Para compatibilizar o texto com a
igualdade de tratamento assegurada a homens e mulheres pela
Constituição Federal, a diferença de idade foi rechaçada pelo
novo ordenamento jurídico.

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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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A Carta Magna, em seu art. 226, § 5º, preceitua que “os


direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos
igualmente pelo homem e pela mulher”. Diante de tal comando,
não pôde subsistir o argumento até então invocado para a dis-
tinção do limite de idade para o casamento, sendo os encargos
de sustento da família partilhados pelo casal. Presumiu o legis-
lador que, aos dezesseis anos, jovens de ambos os sexos já pos-
suem suficiente maturidade física e mental para a responsabi-
lidade familiar.
Não se pode olvidar que o próprio ato matrimonial, volta-
do à comunhão plena de vida entre os cônjuges, requer dos
nubentes certo grau de maturidade, o que justifica o estabeleci-
mento da idade núbil inspirado no desenvolvimento pleno da
personalidade. Na esteira de tal assertiva, vale destacar o as-
pecto negativo da opção legislativa ao fixar a idade núbil aos
dezesseis anos (e não aos dezoito), em descompasso com a idéia
de completa maturidade psíquica. Tanto assim que a capacida-
de negocial só é conferida aos maiores de dezoito anos.
Segundo tendência observada em algumas legislações es-
trangeiras (italiana e alemã), uma solução coerente com a gra-
vidade do ato matrimonial é a coincidência entre a idade núbil
e aquela exigida para a capacidade geral.
O ordenamento jurídico estabelece uma incapacidade es-
pecífica em matéria de casamento, que não pode ser sanada pelo
instituto da representação, uma vez que a vontade de casar é
pessoal e deve ser manifestada pelo próprio nubente.
Os maiores de dezesseis anos, conquanto permaneçam su-
jeitos ao poder familiar até os dezoito, podem contrair casamen-
to. Podem, portanto, expressar validamente a vontade de casar,
devendo, porém, contar com a anuência dos pais ou represen-
tante legal.
Também com base na igualdade de direitos e deveres en-
tre os cônjuges, passou-se a exigir a autorização de ambos os
pais. O pai deixou de ter o poder de definir o futuro dos filhos
com exclusividade, partilhando com a mãe o poder familiar. A
expressão “pátrio poder” foi, inclusive, abolida do novo texto le-
gal, a fim de afastar, definitivamente, a idéia de que cabem ao
homem as determinações concernentes aos filhos. Havendo di-
vergência entre os genitores, a questão é decidida pelo juiz. Esta
exegese já vem norteando a aplicação da lei desde 1988.
Se antes a autorização dos pais era exigível aos menores
de vinte e um anos, hodiernamente só o é aos menores de dezoi-
Capítulo II — Da Capacidade para o Casamento
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19
○ ○

to, como decorrência da antecipação da maioridade civil. Aos


dezoito anos, o nubente atinge a plena capacidade civil, poden-
do casar, independentemente da manifestação dos pais ou de
seus representantes legais.
Oportuno ressaltar que o novo Código reduz para dezesseis
anos a possibilidade de emancipação do filho, passando ele a
gozar de plena capacidade civil. Ao lado da emancipação, exer-
cício de emprego público efetivo, colação de grau em curso de
ensino superior e estabelecimento civil ou comercial com econo-
mia própria, o casamento sempre constituiu causa de cessação
da incapacidade civil.

Parágrafo único. Se houver divergência entre os


pais, aplica-se o disposto no parágrafo único
do art. 1.631.

O poder familiar compete aos pais. Na falta ou impedimen-


to de um deles, o outro o exercerá com exclusividade. Na hipóte-
se de ambos os genitores terem tido declarada a ausência, te-
nham sido interditados, suspensos ou destituídos do poder fami-
liar, o poder de assentir será conferido a um tutor.
Impedimentos de fato ao exercício do poder familiar são,
para efeito do assentimento, equiparados aos impedimentos de
Direito. É o que ocorre, por exemplo, com o genitor acometido
por doença mental não interditado ou com o genitor que tenha
abandonado o lar encontrando-se em local ignorado, apesar de
não declarado ausente judicialmente. Nestes casos, a ocorrência
do impedimento de fato deve ser demonstrada no procedimento
de habilitação matrimonial, a ser submetido ao crivo do Ministé-
rio Público.
Ao contrário do que ocorria sob a vigência da lei anterior,
quando prevalecia a vontade do cônjuge com quem estivessem
os filhos pela lei atual, em caso de ruptura da vida em comum,
não há qualquer alteração no status jurídico entre pais e filhos,
exceto quanto ao direito de os primeiros terem os segundos em
sua companhia. Logo, para o casamento do menor de dezoito,
permanece imprescindível a autorização de ambos os pais, ain-
da que insubsistente a sociedade conjugal entre estes.
O poder de assentir no casamento dos filhos é considerado
atributo do poder familiar.
E, na forma do art. 1.519, entendendo injusta a denegação
de seus pais, ou tutor, poderá o menor pedir o necessário supri-
mento judicialmente.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Art. 1.518. Até a celebração do casamento, po-


dem os pais, tutores ou curadores revogar a au-
torização.
Direito anterior: Art. 187 do Código Civil.

A revogação da autorização deve ser feita, por escrito, pe-


rante a autoridade onde se processa a habilitação, com indica-
ção de motivo justo e posterior à autorização, ou de fato ou cir-
cunstância que ensejou o erro.
Se a revogação se der no momento da celebração, pode ser
feita oralmente.
Uma vez apresentada a revogação, deve ser suspensa a tra-
mitação da habilitação ou a celebração do ato, se apresentada
em tal momento, para que se apure a relevância da causa, de-
vendo ser decidida pelo juiz do registro civil competente, ouvi-
do o Ministério Público.
Questiona-se quanto à possibilidade de outrem revogar a
autorização, na falta ou impedimento daqueles que autoriza-
ram, em havendo uma causa superveniente. Somos no sentido
de que pode ser pedida a revogação pela pessoa ora represen-
tante do menor, através do procedimento próprio, explicitada a
circunstância superveniente.

Art. 1.519. A denegação do consentimento, quan-


do injusta, pode ser suprida pelo juiz.
Direito anterior: Art. 188 do Código Civil.

Não havendo hipótese legal de justa causa para a negati-


va da autorização, deverá haver apreciação judicial dos motivos
alegados, decidindo o juiz pela relevância ou não dos fatos e
circunstâncias, cabendo o ônus da prova a quem negou o con-
sentimento.
O assentimento dos titulares do poder familiar é forma de
integração da vontade do nubente menor de dezoito anos e pode
ser suprido por decisão judicial, quando injusta a recusa.
Havendo pedido de suprimento judicial, os pais serão cita-
dos para que esclareçam os fundamentos da denegação, deven-
do o juiz avaliar sua legitimidade.
Embora não haja critérios estabelecidos para aferir a jus-
tiça da decisão dos pais, o magistrado pode buscar orientação
nos elementos fornecidos no art. 1.637 do Código Civil, onde são
traçadas diretrizes para o exercício legítimo do poder familiar
Capítulo II — Da Capacidade para o Casamento
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21
○ ○

(segurança do menor e de seus haveres). O que não se admite é


o abuso do poder familiar, devendo este ser informado tão-so-
mente pelo interesse do menor.
Tradicionalmente, os tribunais pátrios suprem o assenti-
mento denegado pelos genitores nas hipóteses de vida em co-
mum entre os nubentes ou gravidez.
Data maxima venia, essas circunstâncias, por si só, não
caracterizam a injustiça da recusa ao assentimento. Por óbvio,
a natureza do matrimônio demanda maturidade que habilite os
nubentes à responsabilidade decorrente da sociedade conjugal.
A experiência é pródiga em demonstrar que casamentos prema-
turos culminam freqüentemente em divórcio. Assim, tanto o
suprimento de consentimento, como o suprimento de idade núbil
demandam cuidadosa ponderação das circunstâncias de cada
caso, a fim de que o enlace não seja efetivado com o propósito
único de tutelar a honra presumida ou conveniências sociais.

Art. 1.520. Excepcionalmente, será permitido o


casamento de quem ainda não alcançou a ida-
de núbil (art. 1.517), para evitar imposição ou
cumprimento de pena criminal ou em caso de
gravidez.
Direito anterior: Art. 214 do Código Civil.

Na redação original do Projeto do Código Civil, seria per-


mitido o casamento de menor incapaz para evitar imposição ou
cumprimento de pena criminal ou para resguardo da honra da
mulher que não atingiu a maioridade. Nestes casos, o juiz pode-
ria ordenar a separação de corpos, até que os cônjuges alcan-
çassem a idade legal.
Demonstrando estar atento à evolução social e aos valores
contemporâneos, o legislador entendeu que a falta de convivên-
cia conjugal comprometeria o próprio casamento, estando o dis-
positivo em franca dissonância com a diretriz traçada pela Car-
ta Magna, ao conferir especial proteção à família.
Inegável que a convivência de jovens que ainda não alcan-
çaram a idade núbil é freqüente e usualmente aceita no meio
social. Como se posicionou o eminente desembargador do Tribu-
nal de Justiça de São Paulo, Yussef Said Cahali, em audiência
pública perante a Comissão Especial de Reforma do Código Ci-
vil, “essa idade núbil, hoje, na prática, realmente não funcio-
na”. Negar a realidade social não altera o curso dos aconteci-
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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mentos. A lei deve espelhar as peculiaridades de seu tempo, sob


pena de se tornar nada mais do que letra morta e cair em des-
crédito.
A norma foi criada com o escopo de excepcionar a regra
geral que admite o casamento a partir dos dezesseis anos.
Visto ter a idade cronológica natureza jurídica de condi-
ção para a realização do casamento, pode tal condição ser su-
prida pelo juiz, em face de determinadas circunstâncias. O Có-
digo não determina idade mínima dispensável; assim, inexiste
limitação legal, desde que presente uma das situações expres-
samente previstas, quais sejam gravidez e imposição de pena a
evitar.
Resta a inafastável pergunta: e quanto ao menor que bus-
ca suprimento de idade núbil fora dos casos expressamente as-
sinalados?
Não se cuida aqui de resguardar a honra da mulher sem a
devida capacidade civil, e sim conferir especial proteção a uma
família em vias de formação. Evidentemente, situações como esta
preservam o traço da excepcionalidade, embora facetas da rea-
lidade apontem não raras situações em que adolescentes se unem
em relacionamentos não juridicamente formalizados. A alterna-
tiva seria negar o suprimento e incentivar a formação de uniões
informais, envolvendo interesses de pessoas em desenvolvimen-
to que, mais do que aquelas detentoras da plena capacidade ci-
vil, carecem de especial proteção do Estado.
Questões de ordem prática, portanto, aconselham o
abrandamento dos limites legais e a adoção de providências re-
lacionadas à proteção da nova família a ser formada, com ou
sem anuência judicial. Conveniente, portanto, a realização de
estudo social, avaliação psicológica e orientação familiar, medi-
das previstas no art. 101 da Lei 8.069 (Estatuto da Criança e do
Adolescente), como forma de adequar a aplicação da lei às dire-
trizes firmadas pela Constituição Federal, proporcionando efe-
tiva proteção ao menor e à família.
Capítulo III — Dos Impedimentos
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23
○ ○

Capítulo III
DOS IMPEDIMENTOS

Os impedimentos constituem causas obstativas da reali-


zação do casamento, determinando sua invalidade caso desres-
peitadas.
Na sistemática adotada pelo vetusto Código Civil, os im-
pedimentos classificavam-se em dirimentes absolutos, dirimen-
tes relativos e os meramente impedientes ou proibitivos. A in-
fringência aos primeiros acarretava a nulidade ou a anulabili-
dade do ato, conforme houvesse violação de norma de caráter
público ou privado. O casamento celebrado com infringência dos
impedimentos proibitivos, por sua vez, não era afetado em sua
validade, determinando apenas a incidência de sanções de na-
tureza civil.
Há autores que estabelecem uma distinção entre os obstá-
culos à realização do casamento com base em circunstâncias de-
terminantes de incapacidade ou em circunstâncias constitutivas
de impedimentos em sentido estrito. As primeiras obstariam o
enlace do incapaz com qualquer pessoa (casamento anterior e
falta de idade núbil, por exemplo) e as segundas vedariam o
casamento com pessoa determinada (impedimentos derivados
de parentesco, por exemplo). O Código, no entanto, despreza esta
classificação. O legislador, equivocadamente, inseriu no rol dos
impedimentos a proibição ao casamento em virtude de vínculo
anterior não dissolvido quando a questão está afeta à capacida-
de matrimonial.
Não se pode deixar de destacar que, em matéria de impe-
dimentos, houve avanço significativo do Novo Código Civil, sendo
conferido à matéria tratamento mais consentâneo com os inte-
resses que se busca preservar. Os impedimentos públicos ou ab-
solutos, tipificados como dirimentes ante situações nas quais
incida parentesco, casamento anterior ou relação entre o cônju-

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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

ge sobrevivente e o condenado por homicídio ou tentativa con-


tra o seu consorte, foram relacionados num só dispositivo legal.
Assim, não subsiste a clássica distinção doutrinária entre im-
pedimentos dirimentes absolutos, dirimentes relativos e os me-
ramente impedientes.
Outras hipóteses foram elencadas como causas suspensivas
do casamento, por não terem o caráter de definitividade e ver-
sarem questões meramente patrimoniais.
O presente Código Civil não estabeleceu impedimento ma-
trimonial aos incapazes de consentir ou manifestar, de modo
inequívoco, o consentimento. Inobstante a omissão legislativa,
é certo que a manifestação de vontade no casamento demanda
agente capaz e vontade livre. Assim, aqueles que, por enfermi-
dade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discerni-
mento para a prática dos atos da vida civil e os que, mesmo por
causa transitória, não puderem exprimir sua vontade não po-
dem casar. Em razão do caráter personalíssimo do casamento, o
representante legal (no caso, o curador) não pode manifestar a
vontade em nome do incapaz.
Decerto, era absolutamente despiciendo (para não dizer des-
provido de técnica) incluir questões relacionadas aos obstáculos à
manifestação de vontade no rol dos impedimentos, quando vícios
do consentimento constituem causas de nulidade ou anulabilida-
de dos atos jurídicos em geral, inclusive do casamento.

Art. 1521. Não podem casar.


Direito anterior: Arts. 183 e 207 do Código Civil.

Os incisos I a V correspondem aos usualmente chamados


impedimentos de parentesco. 4

4 “Cumpre distinguir a incapacidade matrimonial dos impedimentos,


geralmente confundidos. O conceito de legitimação, trazido do campo
do Direito Processual para o Direito Civil, esclarece a distinção. A
incapacidade significa inaptidão do indivíduo para casar com quem
quer que seja. No impedimento, consubstancia uma proibição que atin-
ge uma pessoa em relação a outra, ou as outras. Tal pessoa não é inca-
paz; tem capacidade para casar, apenas se lhe não permite que esco-
lha certa pessoa para, com ela, constituir o vínculo matrimonial. Tec-
nicamente, pois, não está legitimada a contrair com certas pessoas,
mas é livre de fazê-lo com todas as outras que não se acham compreen-
Capítulo III — Dos Impedimentos
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○ ○

A vedação ao casamento entre ascendentes e descenden-


tes, assim como entre irmãos (colaterais de segundo grau), é uni-
versalmente acolhida, com fundamento em valores éticos e na
consciência de questões eugênicas.
Na linha reta, o impedimento para o casamento perpetua-
se pelas gerações, ao passo que na linha colateral restringe-se
ao casamento entre irmãos (germanos ou não) e entre tio e so-
brinha (ou tia e sobrinho). Não há óbice legal ao enlace de pri-
mos (colaterais de quarto grau), inobstante as considerações de
ordem eugênica.
Oportuno mencionar que o impedimento existe sempre que
houver parentesco biológico, independentemente de reconheci-
mento formal. Por exemplo, a filha cuja paternidade não foi re-
conhecida não pode se casar com o pai, pois o casamento confi-
guraria incesto, com conseqüências inaceitáveis dos pontos de
vista ético e social.
Admite-se que a prova do vínculo de parentesco não reco-
nhecido seja apresentada para fim exclusivo de oposição de im-
pedimento matrimonial no processo de habilitação. Releva men-
cionar o art. 1º, IV, da Lei 8.560/92 (Lei de Investigação de Pa-

didas na proibição. Numa palavra, é impedida de casar com determi-


nada pessoa, mas não incapaz para o casamento. Por essa razão, deve-
se separar dos casos de incapacidade os de falta de legitimação.
Na disciplina dos impedimentos matrimoniais, a distinção entre im-
pedimentos dirimentes e simplesmente impedientes deve ser abolida.
Estes não constituem verdadeiros obstáculos ao casamento, não ha-
vendo razão para assim continuar a considerá-los.
Não é de acolher-se, outrossim, a divisão dos impedimentos diri-
mentes em impedimentos absolutos e relativos. Reduzem-se estes ca-
sos a de incapacidade relativa, decorrentes da necessidade de autori-
zação para a prática do ato, que exige para os menores, ou da existên-
cia de vício de consentimento. Falta-lhe, pois, a característica do im-
pedimento propriamente dito. Impedimento, genuinamente, é falta
de legitimação. Qualificam-se como tal exclusivamente os que costu-
mam denominar impedimentos dirimentes absolutos. Alteração de
pouca monta, mas que relevaria a preocupação de tornar claras e
acessíveis suas disposições, seria a referência, na enumeração das
pessoas, aos parentes entre os quais há proibição, pela sua designa-
ção, dizendo-se, por exemplo, que o sogro não pode se casar com a
nora, nem a sogra com o genro, em vez da referência, como no direito
vigente, aos parentes por afinidade, em linha reta.” * Orlando Gomes,
obra cit. p. 87.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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ternidade), segundo o qual qualquer manifestação expressa e


direta perante o juiz, ainda que o reconhecimento não seja o
objeto único e principal do ato que o contém, será tido como re-
conhecimento da paternidade. Como a habilitação será homolo-
gada pelo juiz, por força do art. 1.526 do Código Civil, a decla-
ração paterna será tomada como reconhecimento
Exceção ao princípio da indivisibilidade do estado emerge
da hipótese de filiação adotiva, uma vez que, conquanto a ado-
ção rompa os vínculos com a família biológica, os impedimentos
persistem, por questões morais e eugênicas.

II — os afins em linha reta;

Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do


outro pelo vínculo da afinidade que é determinada segundo o
modelo do parentesco consangüíneo, subdividindo-se em linhas
reta e colateral.
Tal como no parentesco consangüíneo, a afinidade em li-
nha reta gera impedimento ad infinitum, no ensinamento de
Pontes de Miranda.
Caio Mário, por sua vez, afirma que a afinidade (impedi-
mentum affinitatis) deve limitar-se ao 1º grau, já que afinidade
não gera afinidade, citando o Direito Romano: affinitas
affinitatem non parit. 5
Na linha colateral, ao contrário da afinidade em linha reta,
que é perpétua, não há impedimento por afinidade, porque esta
se extingue com a dissolução do casamento, citando-se como
exemplo a hipótese do cunhado, que deixa, com a separação ju-
dicial ou o divórcio, de ter esta qualidade.

III — o adotante com quem foi o cônjuge do ado-


tado e o adotado com quem o foi do adotante;

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 227, § 6º, con-


sagra a igualdade entre os filhos, havidos ou não da relação do
casamento, ou por adoção, conferindo-lhes os mesmos direitos e
qualificações, proibidas quaisquer expressões discriminatórias
relativas à filiação.

5 Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, vol. V, Di-


reito de Família, 3ª ed., Ed. Forense, 1974, p. 61.
Capítulo III — Dos Impedimentos
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○ ○

Sem embargo de opiniões divergentes, sob o influxo da or-


dem constitucional, mesmo a adoção regida pelo antigo Código
Civil conferia ao adotado o status de filho para todos os efeitos,
rompendo os vínculos com a família natural, exceto para os efei-
tos de impedimentos matrimoniais.
Nesta ordem de idéias, o art. 1.625 do novo Codex atribui
a situação de filho ao adotado, desligando-o de qualquer víncu-
lo com os pais e parentes consangüíneos, salvo quanto aos impe-
dimentos para o casamento. A exceção ocorre quando um dos
cônjuges ou companheiros adota o filho do outro. Neste caso,
mantêm-se os vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge ou
companheiro do adotante e os respectivos parentes.
Na verdade, o presente dispositivo era justificável no sis-
tema adotado pelo Código Civil de 1916, onde o parentesco re-
sultante da adoção limitava-se ao adotante e ao adotado. Hoje,
o adotado tem o status de filho, sendo vedada qualquer distin-
ção relativa à filiação, restando estabelecido o parentesco com a
família do adotante. Assim, desnecessário mencionar os impedi-
mentos em relação ao adotado, quando a ele se aplicam as dis-
posições relativas aos filhos naturais (impedimentos decorren-
tes do parentesco por consangüinidade).
Por questões naturais, a adoção rompe os vínculos entre o
adotado e sua família natural, exceto para fins de impedimen-
tos matrimoniais.

IV — os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e de-


mais colaterais, até o terceiro grau, inclusive;

O impedimento para casamento entre colaterais de tercei-


ro grau (tio e sobrinha, tia e sobrinho) admite dispensa. Cuida-
se aqui da única hipótese de dispensa de impedimento com pre-
visão na legislação pátria.
Admite-se o casamento de tio com sobrinha ou de tia com
sobrinho, desde que os interessados requeiram ao juiz compe-
tente para a habilitação a nomeação de dois médicos que ates-
tem a possibilidade da realização do matrimônio, sob o ponto de
vista eugênico, informando a inexistência de risco à saúde dos
contraentes e à prole. Este procedimento é regulado pelo Decre-
to-Lei 3.200/41.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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V — o adotado com o filho do adotante;

Pela adoção, o adotado é integrado na família do adotante,


passando a incidir todos os impedimentos advindos do parentes-
co por consangüinidade.

VI — as pessoas casadas;

Ao vedar o casamento de pessoas casadas, o legislador con-


sagra a monogamia, considerada princípio fundamental nos
países cujo direito positivo deita raízes na civilização ocidental.
A monogamia, assim, assume feição de interesse público,
assertiva sublinhada pela tipificação penal da bigamia.
A relevância conferida ao Direito pátrio à monogamia, como
princípio de ordem pública, tem considerável reflexo no Direito
Internacional Privado: com fundamento no art. 17 da Lei de
Introdução ao Código Civil, recusa-se eficácia a leis, atos e sen-
tenças de país estrangeiro que contrariem o princípio da
monogamia, eis que ofensivas à ordem pública e aos bons costu-
mes.
Na hipótese de ter sido celebrado o segundo casamento sem
que fosse suscitado o impedimento, pode este ser convalidado
caso o primeiro seja declarado nulo ou anulado, desde que não
se lhe atribua putatividade. Isto se dá em virtude da eficácia
retroativa da nulidade do primeiro casamento. Destarte, even-
tual ação de nulidade do segundo casamento pode ser suspensa,
até o julgamento de nulidade do primeiro, por ser esta questão
prejudicial (art. 265, IV, a, do Código de Processo Civil).
Quanto ao divorciado no exterior que pretende contrair ma-
trimônio no Brasil, o STF firmou entendimento no sentido de
ser necessária a homologação da sentença estrangeira de divór-
cio. Até mesmo porque o art. 483 do Código de Processo Civil
dispõe expressamente que “A sentença proferida por tribunal
estrangeiro não terá eficácia no Brasil senão depois de homolo-
gada pelo Supremo Tribunal Federal”. Admite-se, porém, que a
homologação da sentença de divórcio seja posterior à celebra-
ção do segundo casamento, convalidando-o, já que a decisão
homologatória tem eficácia retroativa. Na lição de Pontes de
Miranda, antes da homologação da sentença estrangeira de di-
vórcio, o segundo casamento não é nulo, e sim ineficaz no Bra-
sil, assim conservando-se até a homologação. Além dos divorcia-
Capítulo III — Dos Impedimentos
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29
○ ○

dos, são legitimados para requerer a homologação a pessoa ca-


sada com o divorciado e o filho advindo desta união.
Para a caracterização da bigamia, é irrelevante a ausên-
cia de transcrição do casamento realizado no estrangeiro no re-
gistro civil brasileiro.
Releva observar ainda a exclusão do adultério como causa
de impedimento do cônjuge adúltero ao novo casamento. Sem
embargo de posições em contrário, o amplo reconhecimento so-
cial constitui causa supralegal de exclusão de ilicitude, estando
o adultério em vias de descriminalização. Prova disto é a ine-
xistência de jurisprudência atualizada versando a respeito de
condenação criminal pela prática de adultério. Na sociedade mo-
derna, onde as relações se tornam cada dia mais superficiais e o
romance é difundido via internet, a manutenção do adultério
como crime constitui mera excrescência de um ordenamento
jurídico já obsoleto. Neste passo, andou bem o legislador ao afas-
tar o adultério como causa impeditiva da realização do casa-
mento, num Código que se pretende afinado com a realidade
social, até porque não deve o Direito manter um impedimento
utilizado, na maioria das vezes, como simples instrumento de
satisfação de ressentimentos.

VII — o cônjuge sobrevivente com o condenado


por homicídio ou tentativa de homicídio contra
o seu consorte.

O dispositivo alcança o crime consumado ou tentado. Sua


incidência não requer a participação de um dos cônjuges no cri-
me perpetrado contra o outro, bastando a condenação de um dos
nubentes por homicídio ou tentativa de homicídio contra pes-
soa que foi cônjuge do seu pretendente.
O impedimento não incide na hipótese de homicídio culpo-
so, já que ausente a intenção de matar.
Entre a consumação do crime e o trânsito em julgado da
sentença condenatória, pode ocorrer a celebração do casamen-
to, restando frustrado o objetivo da lei. Muito embora a decla-
ração de nulidade do vínculo produza efeitos ex tunc, o legisla-
dor português, visando a conferir maior efetividade ao disposi-
tivo legal, estabeleceu o impedimento fundado na simples pro-
núncia do nubente pelo crime de homicídio doloso contra o côn-
juge do outro, enquanto não houver despronúncia ou absolvi-
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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ção. Esta não foi, contudo, a solução adotada pelo sistema pá-
trio, em razão do princípio da presunção de inocência, com sede
constitucional.

Art. 1.522. Os impedimentos podem ser opostos,


até o momento da celebração do casamento, por
qualquer pessoa capaz.
Direito anterior: Arts. 189 e 190 do Código Civil.

Em se tratando da oposição de impedimentos, qualquer


pessoa capaz pode ajuizá-lo, por envolverem questões de ordem
pública. Embora não haja previsão legal expressa, a possibili-
dade de o Ministério Público formular oposição resta extreme
de controvérsias. Com o propósito de evitar a celebração de ca-
samento nulo ou anulável, a qualquer pessoa é permitido decla-
rar os impedimentos. Seria um despropósito vedar tal faculda-
de ao Ministério Público, que tem o dever de velar para que tais
impedimentos não sejam desconsiderados.
A oposição pode ser realizada até o momento da celebra-
ção do casamento, a qual, in casu, será suspensa.

Parágrafo único. Se o juiz ou o oficial de regis-


tro tiver conhecimento da existência de algum
impedimento, será obrigado a declará-lo.

A lei impôs ao juiz e ao oficial do registro a obrigação de


declarar fato de seu conhecimento, o qual impeça a realização
do casamento, perdendo tal iniciativa o caráter facultativo da
legislação anterior.
Capítulo IV — Das Causas Suspensivas
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○ ○

Capítulo IV
DAS CAUSAS SUSPENSIVAS

Art. 1.523. Não devem casar:


Direito anterior: Art. 183, XIII, XIV, XV do Código Civil.

Trata o artigo das causas suspensivas: são as situações,


expressamente elencadas, que momentaneamente não permitem
a realização do casamento. É certo que a própria legislação pre-
vê a solução para o impasse circunstancial, determinando que
se aguardem prazo ou condição, que, naquele dado momento,
desautorizam o enlace.
São situações particulares que atingem a família dos
nubentes ou a eles próprios e não, como os impedimentos
proibitivos e absolutos, à sociedade.
E, em sendo limitados os efeitos e conseqüências, a legiti-
mação para a oposição dessas circunstâncias fica também res-
trita às pessoas diretamente interessadas, na forma do art. 1.524.
Ao contrário da vedação expressa contida no artigo ante-
rior (não podem casar), o presente dispositivo preceitua que não
devem casar as pessoas nas circunstâncias abaixo relacionadas.

I — o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônju-


ge falecido, enquanto não fizer inventário dos
bens do casal e der partilha aos herdeiros;

O estabelecimento desta causa suspensiva tem por funda-


mento a proteção ao patrimônio dos filhos, evitando a confusão
que ocorreria na ausência de inventário dos bens do cônjuge fa-
lecido, resguardando o direito do filho ao quinhão hereditário.

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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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II — a viúva, ou a mulher cujo casamento se des-


fez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez
meses depois do começo da viuvez, ou da dis-
solução da sociedade conjugal;

No limiar do século anterior, não havia técnicas capazes


de precisar a paternidade das pessoas, razão pela qual, seguin-
do orientação romana, o Código Civil de 1916 adotou a presun-
ção pateris est quem nuptiae demonstrant. Com o aprimoramento
do conhecimento científico e os avanços no campo da genética,
permitindo a realização de exames indicativos da paternidade
com alta precisão, a presunção legal deixou de ter caráter abso-
luto.
O prazo internupcial tem por finalidade evitar dúvidas
quanto à paternidade, que se revela no conflito de presunções
legais com relação ao mesmo filho.
A gravidez na fluência do prazo não implica, por si só, cer-
teza quanto à paternidade. Na hipótese de comprovação da ine-
xistência de gravidez, a mulher fica liberada para contrair novo
matrimônio.
Caso o nascimento se dê na fluência deste prazo, a pre-
sunção legal é de imputar a paternidade ao ex-cônjuge ou ao
cônjuge falecido.
Esta causa suspensiva incide somente para as mulheres.
Tal dispositivo, contudo, não padece de inconstitucionalidade,
sendo apenas aparente a colidência com o disposto no art. 5º, I,
da Constituição Federal. Somente as mulheres são capazes de
gerar filhos e a suspensividade de novas núpcias tem o propósi-
to de afastar a turbatio sanguinis. A manutenção do prazo quan-
do houver nascimento de filho ou quando provada a inexistên-
cia de gravidez não se justifica, portanto. Tal certeza é plena-
mente possível diante de simples perícia.

III — o divorciado, enquanto não houver sido


homologada ou decidida a partilha de bens do
casal;

Enquanto pendente a partilha do patrimônio amealhado


durante o vínculo anterior, a pessoa divorciada fica sujeita a
esta causa suspensiva para realização de novo casamento.
A ausência de partilha do patrimônio no divórcio como cau-
sa suspensiva do casamento constitui uma inovação no Direito
Capítulo IV — Das Causas Suspensivas
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
33
○ ○

de Família e tem o objetivo de evitar confusão patrimonial da


antiga com a nova sociedade conjugal. A preocupação do legis-
lador em evitar a confusão entre patrimônios distintos é tam-
bém observada no inciso I do mesmo artigo.

IV — o tutor ou o curador e os seus descenden-


tes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobri-
nhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, en-
quanto não cessar a tutela ou curatela, e não
estiverem saldadas as respectivas contas.

A questão relativa à tutela e curatela também tem natu-


reza de garantia de direito patrimonial, visando a impedir pre-
juízo, seja em função de eventual má gestão na administração,
seja por potencial possibilidade de confusão de patrimônios,
tanto do tutelado ou curatelado, com o do tutor ou curador, res-
pectivamente, como os de seus parentes e afins.
Não raras vezes, o tutor ou curador exerce certa ascen-
dência ou autoridade sobre o tutelado ou curatelado, podendo
moldar-lhe a vontade de modo a adequá-la a propósitos pessoais.
Busca, portanto, o legislador evitar que, através do enlace, se
oculte a transferência fraudulenta ou indesejável do patrimô-
nio do tutelado ou curatelado e os administradores se isentem
de prestar contas da gestão.
Ao contrário do Código anterior, a lei não previu o afasta-
mento do óbice pela autorização do pai ou da mãe, manifestada
em escrito autêntico ou em testamento.

Parágrafo único. É permitido aos nubentes so-


licitar ao juiz que não lhes sejam aplicadas as
causas suspensivas previstas nos incisos I, III
e IV deste artigo, provando-se a inexistência de
prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para
o ex-cônjuge e para a pessoa tutelada ou
curatelada; no caso do inciso II, a nubente de-
verá provar nascimento de filho, ou inexistência
de gravidez, na fluência do prazo.

Cuidando-se de causas suspensivas, com preeminência de


interesses patrimoniais, o Código estabelece a possibilidade de
34
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

dispensar tais exigências, uma vez demonstrada a ausência de


prejuízo àquele cujo direito se busca tutelar (herdeiro, ex-côn-
juge, tutelado, curatelado). A dispensa demanda juízo de valor
a cargo do magistrado, ouvido o Ministério Público.
No que tange à possível gravidez da viúva ou daquela
mulher cujo casamento anterior foi dissolvido, visa o legislador
a refutar a confusão sangüínea, e o nascimento do filho do leito
anterior ou o decurso do tempo hábil de gestação liberam-nas
para a constituição de novo vínculo conjugal. Em consonância
com o desenvolvimento da ciência médica, permitiu o legislador
que a interessada em se casar antes do decurso do prazo possa
pedir judicialmente que não lhe seja aplicada a condição
suspensiva, desde que apresente provas médicas — ultra-
sonografia ou exame de sangue excludente de estado gravídico
— permitindo-se-lhe a realização imediata do casamento.
Nas hipóteses elencadas nos incisos I e III, a ausência de
prejuízo aos herdeiros ou ao ex-cônjuge deve ser comprovada
documentalmente, através da declaração de bens no inventá-
rio, do formal de partilha ou da sentença de divórcio onde há
decisão referente à partilha de bens. Oportuno mencionar que,
embora minoritariamente, algumas decisões condicionam a
dispensa da causa suspensiva à existência de formal de parti-
lha.
No que se refere ao tutor ou curador, o casamento com o
tutelado ou curatelado só é admitido após a devida prestação de
contas.

Art. 1.524. As causas suspensivas da celebra-


ção do casamento podem ser argüidas pelos
parentes em linha reta de um dos nubentes, se-
jam consangüíneos ou afins, e pelos colaterais
em segundo grau, sejam também consangüíneos
ou afins.
Direito anterior: Art. 190 I, II do Código Civil.

As causas suspensivas somente podem ser opostas pelas


pessoas expressamente admitidas pelo dispositivo legal, sendo
mantida a disciplina anteriormente aplicável aos impedimen-
tos proibitivos. A restrição se justifica porque as causas
suspensivas são estabelecidas para o resguardo de interesses
privados, a serem discutidos em âmbito familiar. A Lei 6.015
estabelecia que os impedimentos proibitivos poderiam ser indi-
Capítulo IV — Das Causas Suspensivas
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
35
○ ○

cados no prazo de quinze dias dos proclamas, não persistindo tal


determinação na disciplina do Novo Código Civil.
Apesar da ausência de previsão expressa, tem-se por legi-
timado para opor impedimento do prazo internupcial, nas hipó-
teses de nulidade ou anulação do casamento anterior, o marido
do casamento desfeito, uma vez que o interregno de dez meses
visa a evitar conflito de presunções de paternidade (turbatio
sanguinis). 6
Assim como nos casos de impedimento, a oposição das cau-
sas de suspensão do casamento deve ser feita por escrito, ao
oficial do Registro Público.
Caso sejam argüidas, as causas suspensivas impedem tem-
porariamente a celebração do casamento. Tal como ocorria sob
a égide do Código anterior, a infringência das causas suspensivas
acarreta sanção de natureza civil. Impõe o art. 1.641, I, do Có-
digo Civil o regime obrigatório da separação de bens às pessoas
que contraírem casamento com inobservância das causas
suspensivas.

6 Pontes de Miranda, obra cit., p.188. Sílvio Rodrigues, Direito Civil,


vol. 6, Direito de Família, Ed. Saraiva, 23ª ed.,1998, p. 52.
36
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Capítulo V — Do Processo de Habilitação para o Casamento
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37
○ ○

Capítulo V
DO PROCESSO DE HABILITAÇÃO
PARA O CASAMENTO

Art. 1.525. O requerimento de habilitação para o


casamento será firmado por ambos os nubentes,
de próprio punho, ou, a seu pedido, por procu-
rador, e deve ser instruído com os seguintes do-
cumentos:
Direito anterior: Art. 180 do Código Civil.
Ver também Art. 67 da Lei de Registros Públicos.

Os proclamas deitam suas raízes no Direito Canônico. O


Concílio de Latrão, datado de 1215, determinou que os sacerdo-
tes publicassem os futuros casamentos, a fim de que os fiéis
pudessem manifestar os impedimentos, orientação endossada
pelo Concílio de Trento, em 1563.
O procedimento de habilitação antecede à celebração do
casamento. Tal procedimento, cujo caráter era eminentemente
administrativo, é também disciplinado pelos arts. 67 a 69 da
Lei 6.015/73, que continuam em vigor no que não contrariarem
as disposições do novo Código Civil, que jurisdicionalizou o pro-
cedimento ao exigir a homologação do juiz.
Tramitando-se perante o oficial do Registro Civil do dis-
trito da residência de qualquer dos nubentes, o procedimento
preliminar ao casamento tem por finalidade aferir a capacidade
nupcial e a inexistência de impedimentos, assegurando, assim,
as principais condições de validade do vínculo matrimonial.
Os noivos devem dirigir-se ao oficial do Registro e decla-
rar a intenção de contrair matrimônio, requerendo o certificado
de habilitação. Para tanto, a Lei impõe a apresentação dos do-
cumentos abaixo relacionados:

37
38
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

I — certidão de nascimento ou documento equi-


valente;

A certidão de nascimento permite a perfeita identificação


do requerente — idade, filiação, local de nascimento — e assim
poderá ser avaliada sua capacidade para contrair matrimônio,
e, se for o caso, quem deve autorizá-lo.
Em boa hora foi feita a previsão de documento equivalente
ao invés da anterior prova equivalente. A prova em sentido am-
plo possuía sua importância histórica enquanto se permitia o
uso de certidão de batismo ou declarações religiosas para com-
provação de idade, as quais, a partir da vigência da Lei de Re-
gistros Públicos, perderam o caráter de atualidade ou pertinên-
cia, ou até fidedignidade.

II — autorização por escrito da pessoas sob cuja


dependência legal estiverem, ou ato judicial que
a supra;

A autorização, na forma do art. 1.517, deve ser dada pelos


pais, tutores ou curadores, excluindo-se o guardião por não pos-
suir ele o poder familiar. A concessão do consentimento para
casar está prevista no art. 1.634, III, do Código Civil, como uma
das formas de exercício do poder familiar.
Não necessita o emancipado, nos termos do art. 5º, pará-
grafo único, I, do Código Civil, de consentimento para o casa-
mento, já que, por uma ficção jurídica, lhe foi atribuída capaci-
dade plena para o exercício de qualquer dos atos da vida civil.
Havendo emancipação, esta deverá ser comprovada pelo regis-
tro no assento civil do emancipado, de acordo com o art. 29, da
Lei 6.015/73.

III — declaração de duas testemunhas maiores, pa-


rentes ou não, que atestem conhecê-los e afirmem
não existir impedimento que os iniba de casar;

As testemunhas que assinam a declaração devem ser qua-


lificadas, informado o nome completo, idade, estado civil, ende-
reço, domicílio e profissão, não havendo necessidade de serem
as mesmas testemunhas do ato solene de casamento.
Capítulo V — Do Processo de Habilitação para o Casamento
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
39
○ ○

Releva esclarecer que, aqui, as testemunhas atestam que


conhecem os nubentes e que não há causas impeditivas ou
suspensivas do matrimônio. As testemunhas do casamento, por
sua vez, têm o propósito de confirmar a realização do ato solene,
na conformidade da Lei.

IV — declaração do estado civil, do domicílio e


da residência atual dos contraentes e de seus
pais, se forem conhecidos;

A declaração do estado civil dos nubentes propicia aferi-


ção de impedimento ou eventual causa suspensiva.
A declaração de residência dos noivos e dos pais permite
determinar qual o registro civil competente para processar a
habilitação. Caso os nubentes residam em circunscrições diver-
sas, em uma e outra se registrará e publicará o edital.

V — certidão de óbito do cônjuge falecido, de


sentença declaratória de nulidade ou de anula-
ção de casamento, transitada em julgado, ou do
registro da sentença de divórcio.

A certidão de óbito do cônjuge falecido é prova do estado


de viuvez, apontando a capacidade para contrair matrimônio,
assim como a certidão de casamento com a devida averbação da
sentença de divórcio ou de dissolução do casamento anterior nulo
ou anulado. Também através destes documentos se aferirá a
possível existência de causas suspensivas, nos termos do art.
1.523.
No que tange às sentenças, devem vir acompanhadas de
certidão do trânsito em julgado e, se estrangeiras, com a devida
homologação do Supremo Tribunal Federal.
Não há mais previsão legislativa impondo àquele que resi-
diu fora do estado durante o último ano apresentação de prova
de inexistência ou cessação de impedimento para contrair ma-
trimônio no local de origem. A disposição era historicamente
compatível com as limitações dos meios de comunicação da épo-
ca, não se justificando nos dias atuais.

Art. 1.526. A habilitação será feita perante o ofi-


cial do Registro Civil e, após audiência do Mi-
nistério Público, será homologada pelo juiz.
40
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Este dispositivo trouxe inovação ao ordenamento jurídico


ao impor a jurisdicialização do procedimento de habilitação, mes-
mo na ausência de impugnação.
Se, mesmo antes da alteração legislativa, a intervenção
do Ministério Público era severamente criticada por alguns
membros do Parquet, por entenderem que sua atuação limita-
va-se à conferência de documentos, a burocratização introduzi-
da pelo novo sistema irá, por certo, produzir descontentamento
no meio jurídico e ao seio social.
Determinação como esta vem de encontro à política traçada
pela Constituição Federal, no sentido de estimular a formação
da sociedade conjugal por meio do casamento.
O procedimento de habilitação, por si só, já não era de todo
satisfatório, porque a publicidade que se pretendia conferir à
futura realização do casamento nunca passou de mera ficção.
Restou destituída de sentido prático a alteração do proce-
dimento de habilitação, tornando-se ele mais moroso e nem por
isso mais eficiente.
Cumpre questionar a aplicação do parágrafo segundo do
art. 67 da Lei 6.015/73. Antes do novo Código, havendo impug-
nação, os autos eram remetidos ao juiz, que decidia sem possi-
bilidade de recurso. Com a nova lei, os autos serão obrigatoria-
mente remetidos ao juiz para homologação, ainda que não te-
nha havido impugnação.
Se houver impugnação pelo Ministério Público, em hipóte-
se alguma poderá haver homologação, devendo o juiz proferir
decisão, com esteio no dispositivo legal mencionado no parágra-
fo anterior.
Quanto à expressão audiência do Ministério Público
inserta no presente artigo, deve ser compreendida no sentido
de manifestação ministerial e não como ato solene, com a pre-
sença dos interessados. Primeiramente, porque a realização de
audiência em cada procedimento de habilitação inviabilizaria
sua conclusão num lapso temporal razoável, assoberbando so-
bremaneira o Judiciário e desestimulando o casamento. Segun-
do, porque audiência guarda também a acepção de “apreciação”
ou “manifestação” de autoridade, o que se revela mais coerente
com o sistema adotado.

Art. 1.527. Estando em ordem a documentação,


o oficial extrairá o edital, que se afixará durante
Capítulo V — Do Processo de Habilitação para o Casamento
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
41
○ ○

quinze dias nas circunscrições do Registro Ci-


vil de ambos os nubentes e, obrigatoriamente,
se publicará na imprensa local, se houver.
Direito anterior: Arts. 181 e 182 do Código Civil e arts. 67 e 69 da
Lei de Registros Públicos.

Apresentados os documentos relacionados no art. 1.525,


confere-se publicidade ao pedido de habilitação com a lavratura
dos proclamas de casamento. O edital será então afixado du-
rante quinze dias em lugar ostensivo do cartório e publicado na
imprensa local, se houver. Ao estabelecer este procedimento pre-
paratório, pretende o legislador dar oportunidade a terceiros
para que apresentem causas de eventual impedimento matri-
monial de que tenham conhecimento. Não resta dúvida de que
os editais dificilmente são lidos, em especial nos grandes cen-
tros, o que justifica severas críticas ao sistema de publicação.
Neste sentido, já advertiam San Thiago Dantas e Miguel
Maria Serpa Lopes. 7
Argumenta J. M. Carvalho Santos que se a formalidade de
publicação não for cumprida não haverá nulidade quando não
advier prejuízo ao interesse público. Assim é porque, se nenhum
impedimento havia a ser oposto, a ausência de publicação não
implica vício. Eventual impedimento, não oposto oportunamen-
te, poderá fundamentar declaração de nulidade ou anulação do
casamento em ação própria. Permanece, contudo, a responsabi-
lidade do oficial do registro civil em face do descumprimento de
determinação legal.

7 “Não parece que alguém tenha, jamais, tido conhecimento de um ma-


trimônio a se realizar, por meio de proclamas, que só podem realmen-
te interessar àqueles que, já sabendo que se pretende realizar um
matrimônio, resolvem dedicar uma parte de seu tempo em pesquisar
diretamente a proclamação, mas, em todo caso, meio de publicidade
mais eficiente de publicidade não se concebeu ainda, e mantém-se a
prática comum aos meios de publicidade dos negócios jurídicos em
geral.” Direito de Família e das Sucessões, revisto e atualizado por
José Gomes Bezerra Câmara e Jair Barros, Ed. Forense,1991, p.161/
162.
“Fora de dúvida que atualmente os proclamas perderam a sua im-
portância e eficácia primitivas, precipuamente nas grandes cidades.
A afixação de proclamas não corresponde mais às necessidades da vida
contemporânea.” Tratado dos Registros Públicos, vol., 6ª ed., Brasília
Jurídica Ed., 1997, p. 267.
42
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Parágrafo único. A autoridade competente, ha-


vendo urgência, poderá dispensar a publicação.

A apresentação dos documentos necessários à habilitação


matrimonial é sempre imprescindível.
O dispositivo ora consolidado reedita o art. 181 do antigo
Código Civil, mantendo a mesma disciplina da Lei de Registros
Públicos (Lei 6.015/73), art. 67, § 1º. A lei admite que, em algu-
mas hipóteses, seja dispensada a publicação de editais, em ra-
zão de urgência na realização do casamento (parágrafo único do
art. 182 e art. 199).
A dispensa poderá ser autorizada pelo juiz, nos casos de
moléstia grave ou iminente risco de vida de um dos consortes,
de parto iminente da nubente, de ausência prevista em razão
de serviço público ou de viagem imprevista e demorada de um
dos cônjuges.
Quando um dos nubentes se acha em iminente risco de vida,
o casamento é celebrado com a dispensa do celebrante oficial e
das formalidades preliminares (art. 1.540). Em atenção ao fim a
que se destina o casamento nuncupativo admite-se, excepcio-
nalmente, que a verificação da existência de impedimentos ma-
trimoniais seja postergada, contentando-se a lei com a celebra-
ção.

Art. 1.528. É dever do oficial do registro escla-


recer os nubentes a respeito dos fatos que po-
dem ocasionar a invalidade do casamento, bem
como sobre os diversos regimes de bens.
Direito anterior: Não há previsão.

Inovação legislativa determinando que o oficial do regis-


tro civil deve esclarecer aos noivos quanto aos fatos que possam
tornar inválido o casamento, ou seja, acerca dos impedimentos,
e também sobre os regimes de bens e possibilidade de escolha,
se não houver determinação legal obrigatória do regime.
Embora não tenha sido mais abrangente a disposição, deve
o oficial também esclarecer quanto às causas suspensivas e a
possibilidade de mudança do regime escolhido, mediante pedi-
do judicial, prevista neste Código.
Os esclarecimentos devem se processar em linguagem sim-
ples e ao alcance da compreensão dos noivos.
Capítulo V — Do Processo de Habilitação para o Casamento
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
43
○ ○

Art. 1.529. Tanto os impedimentos quanto as cau-


sas suspensivas serão opostos em declaração
escrita e assinada, instruída com as provas do
fato alegado, ou com a indicação do lugar onde
possam ser obtidas.
Direito anterior: Arts. 189 e 190 do Código Civil.

O oficial do registro deve suspender a publicação dos


editais sempre que verificar a ocorrência de impedimento que
lhe cabe, de ofício, declarar. Estes impedimentos, na sistemáti-
ca do antigo Código Civil, eram os chamados dirimentes, incor-
rendo o oficial de registro em responsabilidade penal em caso
de omissão. Dispunha o art. 180 que “o oficial do registro não
publicará os editais sempre que a documentação (art. 180) for
insuficiente, irregular ou existir impedimento matrimonial”.
É possível ainda a oposição de impedimento através de ato
de comunicação ao oficial de registro, instaurando-se incidente
ocasional do procedimento de habilitação.
No direito anterior, os opoentes deveriam declarar a quali-
dade que lhes atribuía o direito de suscitar os impedimentos
proibitivos, ou provar a maioridade, no caso de impedimentos diri-
mentes, além de explicitar a causa da oposição e a prova dos fatos. O
Código atual mantém a obrigatoriedade de o opoente provar os fatos
alegados. A interpretação que se faz do presente dispositivo é no
sentido de imputar ao opoente o ônus de provar a admissibilidade
(seu direito de fazer a oposição) e o fundamento da oposição (cau-
sa obstativa do matrimônio), sendo, portanto, ainda imprescin-
dível a qualificação.
A oposição suspende o procedimento preliminar ao casa-
mento, o qual somente retomará seu curso quando e se o impe-
dimento for julgado improcedente pelo juiz.

Art. 1.530. O oficial do registro civil dará aos


nubentes ou a seus representantes nota da opo-
sição, indicando os fundamentos, as provas e
o nome de quem a ofereceu.
Direito anterior: Art. 191 do Código Civil.

A oposição de impedimentos instaura procedimento con-


traditório, com a possibilidade de os nubentes terem ciência de
todos os fatos a ele relacionados e também a de manifestação.
44
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

O oficial do Registro Civil, uma vez recebida a oposição,


deve dar ciência aos noivos ou a seus representante, se for o
caso, dos motivos consignados, as provas que existirem e a iden-
tidade de quem se opôs.

Parágrafo único. Podem os nubentes requerer


prazo razoável para fazer prova contrária aos
fatos alegados, e promover as ações civis e cri-
minais contra o oponente de má-fé.

De acordo com o art. 67, § 5º, da Lei 6.015, os nubentes


dispunham do prazo de três dias para indicar as provas que pre-
tendiam produzir. Embora o texto do Novo Código não o explicite,
é aconselhável a adoção do procedimento disciplinado pela Lei
de Registros Públicos, segundo a qual o oficial do Registro Pú-
blico remeterá os autos ao juiz que, em não havendo necessida-
de de outras provas, ouvirá o Ministério Público e os interessa-
dos, proferindo então sentença. Caso os documentos apresenta-
dos não habilitem o magistrado a pronunciar-se sobre o litígio,
promoverá a instrução processual, determinando a produção de
provas, assinalando para tal o prazo de dez dias, ouvindo o Mi-
nistério Público, os interessados e, então, decidindo. Para cada
um dos sujeitos processuais, a lei estabelece um prazo de dez
dias, embora seja este um prazo impróprio. Da sentença cabe
apelação. 8
Uma vez julgada improcedente a oposição de impedimen-
tos, a lei faculta aos nubentes a promoção de ações civis e cri-
minais contra o opoente de má-fé. A parte final deste dispositi-
vo legal, reproduzido da Lei 6.015, sempre foi alvo de críticas,
em virtude da sua desnecessidade, já que o art. 159 do Código
Civil estabelece genericamente a responsabilidade civil pelos
danos causados a terceiros.
O direito subjetivo de contrair matrimônio não pode ser
limitado fora das hipóteses legais, sendo penalizado o responsá-

8 “A oposição do impedimento não tem efeito conclusivo sobre a eficácia


do casamento, quer em sentido positivo, quer negativo. Assim é que
sua rejeição, e celebração da núpcia, não obsta à propositura de ação
de nulidade baseada no fato argüido. A decisão no processo de habili-
tação não faz coisa julgada.” Caio Mário da Silva Pereira, obra cit., p.
78.
Capítulo V — Do Processo de Habilitação para o Casamento
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
45
○ ○

vel por oposições descabidas, que violem legítimos interesses dos


nubentes.

Art. 1.531. Cumpridas as formalidades dos arts.


1.526 e 1.527 e verificada a inexistência de fato
obstativo, o oficial do registro extrairá o certifi-
cado de habilitação.
Direito anterior: Art. 181, § 1º do Código Civil.

Se, ao término do prazo de publicação, nenhum impedi-


mento houver sido oposto ou declarado de ofício pelo oficial do
registro civil, será conferida aos nubentes certidão de habilita-
ção.

Art. 1.532. A eficácia da habilitação será de no-


venta dias, a contar da data em que foi extraído
o certificado.
Direito anterior: Art. 181, § 1º do Código Civil.

Encerrado o processo de habilitação, ficam os nubentes ha-


bilitados a contrair matrimônio no prazo de noventa dias. Cui-
da-se de prazo de caducidade, em número de dias certos, dife-
rentemente da antiga previsão de três meses. Caso o casamento
não seja realizado dentro do prazo fixado, os noivos deverão pro-
mover nova habilitação.
46
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Capítulo VI — Da Celebração do Casamento
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
47
○ ○

Capítulo VI
DA CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO

Art. 1.533. Celebrar-se-á o casamento, no dia,


hora e lugar previamente designados pela au-
toridade que houver de presidir o ato, mediante
petição dos contraentes, que se mostrem habi-
litados com a certidão do art. 1.531.
Direito anterior: Art. 192 do Código Civil.

Com o encerramento do processo preliminar de habilita-


ção, os nubentes dirigir-se-ão ao Juiz de Paz do lugar onde foi
ela processada e requererão a designação de dia, hora e lugar
para a celebração do casamento.
Como anteriormente acentuado, o casamento é ato solene
e as formalidades que o envolvem têm por fim revelar aos
nubentes e à sociedade em geral seu alcance e significação. His-
toricamente, as cerimônias nupciais sempre foram marcadas
pelo ritualismo, com o propósito de conferir publicidade ao ato
matrimonial.
A autoridade que preside o ato do casamento é o juiz de
paz, hierárquica e funcionalmente subordinado ao juiz de direi-
to competente territorialmente para matéria de Registro Civil.
Os juízes de paz são agentes honoríficos, não integrantes da car-
reira da magistratura, que exercem função auxiliar da Justiça,
pública por delegação, sem caráter jurisdicional.
No Estado do Rio de Janeiro, através da resolução nº 06/97
do Conselho da Magistratura, foi regulado o exercício das fun-
ções de juiz de paz, autoridade que preside o ato do casamento,
hierárquica e funcionalmente subordinado ao juiz de direito com-
petente territorialmente na matéria de Registro Civil. Os juízes
de paz são agentes honoríficos, exercendo função auxiliar, não
integrantes da carreira da magistratura e que exercem função
pública por delegação, sem caráter jurisdicional.
47
48
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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São requisitos para o exercício: a indicação da pessoa, em


lista, pelo juiz de direito competente do RCPN (Registro Civil
das Pessoas Naturais), ser eleitor e estar quite com suas obri-
gações militares, se for o caso, ser bacharel em direito, ter resi-
dência no distrito ou circunscrição onde atua, não pertencer a
órgão de direção ou ação de partido político e não ser serven-
tuário, funcionário ou servidor da Justiça. Pode haver dispensa
de qualquer requisito, excepcionalmente, pelo Conselho da Ma-
gistratura, em circunstâncias peculiares da circunscrição onde
haverá a atuação.
O juiz de paz é nomeado pelo Presidente do Tribunal de
Justiça para o exercício pelo prazo de quatro anos, bem como os
suplentes. Ao final do lapso temporal, o juiz de direito compe-
tente remeterá relatório da atuação, sugerindo a renovação por
igual prazo ou a substituição.
Pode haver nomeação de juiz de paz ad hoc, nos casos de
falta, ausência ou impedimento do nomeado e seus suplentes.
O exercício das funções será remunerado unicamente por
ato praticado.
Nada impede que o juiz de direito, nos casos que pretenda,
oficie pessoalmente a cerimônia do casamento.

Art. 1.534. A solenidade realizar-se-á na sede do


cartório, com toda publicidade, a portas aber-
tas, presentes pelo menos duas testemunhas,
parentes ou não dos contraentes, ou, querendo
as partes e consentindo a autoridade celebrante,
noutro edifício público ou particular.
Direito anterior: Art. 193 do Código Civil.

A celebração do casamento é pública, simbolizando a expres-


são portas abertas a ostensiva publicidade que o ato solene requer.

§ 1º Quando o casamento for em edifício parti-


cular, ficará este de portas abertas durante o ato.

Quando a solenidade nupcial não é realizada em prédio


público, cumpre aos nubentes assegurar que o local mantenha
as portas abertas durante o ato.
A despeito da determinação legal, é certo que as cerimônias
de casamento, em especial nos grandes centros, ocorrem em lo-
cais reservados e com acesso restrito. Se, por um lado, dificil-
Capítulo VI — Da Celebração do Casamento
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○ ○

mente se poderia dizer clandestino um casamento realizado com


pompa e presença de inúmeros convidados, é certo que o acesso
social não se verifica nos moldes delineados na Lei Civil, dei-
xando o legislador, mais uma vez, de atentar para a realidade
social ao repetir velha fórmula descrita na Lei 1.110.

§ 2º Serão quatro as testemunhas na hipótese


do parágrafo anterior e se algum dos
contraentes não souber ou não puder escrever.

No ensinamento de Caio Mário da Silva Pereira, as teste-


munhas não são meramente instrumentárias, mas simbolizam
a presença efetiva da sociedade no ato solene e são a garantia
da realização do ato matrimonial conforme as prescrições da lei,
atestando que os noivos, de forma livre e espontânea, emitiram
sua vontade, na presença de celebrante apto.

Art. 1.535. Presentes os contraentes, em pessoa


ou por procurador especial, juntamente com as
testemunhas e o oficial do registro, o presidente
do ato, ouvida aos nubentes a confirmação de que
pretendem casar por livre e espontânea vontade,
declarará efetuado o casamento, nestes termos:
“De acordo com a vontade que ambos acabais
de afirmar perante mim, de vos receberdes por
marido e mulher, eu, em nome da lei, vos decla-
ro casados.”
Direito anterior: Art. 194 do Código Civil.

A celebração do casamento se dá com a presença simultâ-


nea dos nubentes, em pessoa ou por procuradores com poderes
especiais, do Juiz de Paz, das testemunhas e do oficial do Re-
gistro Civil.
Para o aperfeiçoamento do ato matrimonial é imprescindí-
vel a manifestação de vontade livre e atual dos nubentes. Há
quem sustente, porém, que o princípio da atualidade do mútuo
consenso sofre restrição pela admissibilidade do casamento por
procuração.
O momento fundamental da cerimônia de casamento é
aquele em que o Juiz questiona os nubentes quanto ao desejo
de persistirem eles na intenção de se casarem. Segue-se à per-
gunta a resposta de cada um dos contraentes.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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A recusa em se manifestar ou o silêncio dos nubentes deve


ser tomado como ausência de requisito e formalidade essencial,
suspendendo-se, então, a cerimônia.
Expresso o consentimento, o Juiz declara os nubentes ca-
sados, valendo-se dos termos legais.
Conferir à manifestação de vontade dos nubentes simples
pressuposto ou condição da declaração do celebrante, atribuin-
do-lhe mero o valor de elemento constitutivo do casamento como
expressão da soberania estatal, seria consagrar concepção
publicista do casamento, relegando o indivíduo a coadjuvante
do interesse estatal. Esta linha de idéia não encontra amparo
no ordenamento jurídico, confrontando-se com os princípios de-
terminantes da valorização da pessoa humana.
Apesar de, sob o ponto de vista formal, remanescer algu-
ma controvérsia, deve-se considerar a intervenção do celebrante,
a qual atesta o livre propósito dos nubentes em contrair matri-
mônio, elemento essencial do casamento, como ato jurídico e
solene que é.
É oportuno destacar que o casamento decorre da vontade
dos nubentes e não da declaração do celebrante, como expres-
são do interesse estatal na constituição da família. Na sempre
oportuna lição de Pontes de Miranda, a intervenção do
celebrante integra-se à forma do ato matrimonial.
A despeito de alguns doutrinadores sustentarem que o ca-
samento está concluído desde o momento em que os nubentes
prestam o consentimento, não há, no ordenamento jurídico pá-
trio, nenhum dispositivo que autorize esta interpretação. Tanto
assim que a lei prescreve que a retratação de um dos nubentes
em momento anterior à declaração do celebrante impõe a sus-
pensão da cerimônia. Só a partir do momento em que o Juiz de-
clara os nubentes casados é irretratável a declaração de vonta-
de emitida pelas partes. 9

9 “Outro ponto importante: em que momento está o matrimônio consu-


mado? No momento em que o juiz de casamento ouve a declaração
expressa dos nubentes de que dão o seu consentimento ao vínculo, ou
no momento em que o juiz de casamento pronuncia a fórmula solene?
O problema é discutido e se anula com certa simplicidade com aquela
controvérsia canônica, a respeito do momento do contrato ou do mo-
mento da bênção nupcial.
Alguns autores brasileiros mais rápidos inclinam-se pela afirmação
de que o consentimento pelas partes. Nisto, acompanham um pouco a
Capítulo VI — Da Celebração do Casamento
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Art. 1.536. Do casamento, logo depois de cele-


brado, lavrar-se-á assento no livro de registro.
No assento, assinado pelo presidente do ato,
pelos cônjuges, as testemunhas, e o oficial do
registro, serão exarados:
I — os prenomes, sobrenomes, datas de nasci-
mento, profissão, domicílio e residência atual
dos cônjuges;
II — os prenomes, sobrenomes, datas de nasci-
mento ou de morte, domicílio e residência atual
dos pais;
III — o prenome e sobrenome do cônjuge prece-
dente e a data da dissolução do casamento an-
terior;
IV — a data da publicação dos proclamas e da
celebração do casamento;
V — a relação dos documentos apresentados ao
oficial do registro;
VI — o prenome, sobrenome, profissão, domicí-
lio e residência atual das testemunhas;
VII — o regime do casamento, com a declaração
da data e do cartório em cujas notas foi lavrada
a escritura antenupcial, quando o regime não for
o da comunhão parcial, ou o obrigatoriamente
estabelecido.
Direito anterior: Art. 195 do Código Civil e art. 70 da Lei de
Registros Públicos.

Após a celebração do casamento, segue-se o assento, a ser


lavrado pelo oficial do Registro Civil, em livro próprio. Este as-

tradição do Direito Canônico, mas todos eles se fundam num exame


exegético e no texto legal do art.194 do Código Civil: presentes os
contraentes em pessoa ou pelo procurador especial juntamente com
as testemunhas e o oficial do registro e presidente do ato, ouvida, dos
nubentes a afirmação de que persistem no propósito de casar por li-
vre e espontânea vontade, o juiz declara efetuado o casamento nestes
termos: declaro efetuado. Concluem os autores que o casamento se
acha efetuado no momento em que ele faz a declaração. A declaração
é apenas de reconhecimento, visa mais a levar o ato ao conhecimento
do público, o ato para conhecimento da sociedade, do que afirmar a
existência. Assim argumentam os Drs. Clóvis Beviláqua e Carvalho
Santos.” San Thiago Dantas, obra cit., p.168/169.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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sento deve incluir, obrigatoriamente, os elementos indicados nos


incisos do artigo e deverá ser firmado pelo Juiz, pelos cônjuges,
testemunhas e oficial do Registro Civil. Cuida-se de repetição
da previsão legislativa anterior, com a exceção alusiva ao em-
prego de linguagem mais afinada com padrão português moder-
no mediante a substituição da expressão apelidos de família,
pela determinação de se consignarem os sobrenomes dos cônju-
ges, pais e testemunhas.
O art. 1.565, § 1 º , deste Código autoriza a adoção, por qual-
quer dos nubentes, do apelido de família do outro. Embora a
nova legislação não indique o nome que o homem e/ou a mulher
adotará a partir do casamento, como elemento a integrar o as-
sento deste, resta incontestável a necessidade da inclusão. Aliás,
a Lei de Registros Públicos, em seu art. 70, 8 º, já previa expres-
samente tal inclusão, autorizando-a somente para a mulher. A
isonomia conferida, neste particular, aos cônjuges impõe a
releitura do preceito legal, já que deve ser interpretada esten-
dendo-se seu alcance ao varão.
Visando a conferir ao ato a segurança jurídica erga omnes que
o caráter de perpetuidade lhe empresta, o registro constitui elemen-
to de prova do casamento, completando-lhe as formalidades.
O artigo precedente é suficientemente claro ao estatuir que
são os nubentes declarados casados pelo celebrante após o as-
sentimento, de modo que, para o aperfeiçoamento do ato, basta
a conjugação destes dois únicos elementos: a manifestação de
vontade dos contraentes e a declaração do presidente do ato.
Diante desta consideração, outra conclusão não se vislumbra
senão a de que o registro não determina a existência ou mesmo
a validade do casamento, limitando-se a servir-lhe de prova. 10

Art. 1.537. O instrumento da autorização para ca-


sar transcrever-se-á integralmente na escritura
antenupcial.
Direito anterior: Art. 196 do Código Civil.

Idêntica obrigatoriedade decorria da legislação anterior, de-


terminando-se a transcrição integral do instrumento de autori-
zação na escritura antenupcial.

1 0 “A falta do termo, entretanto, não macula a validade do casamento,


nem pesa como falha na celebração.” Caio Mário da Silva Pereira,
obra cit., p. 85.
Capítulo VI — Da Celebração do Casamento
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O pacto antenupcial possui natureza contratual, sendo o


ato pelo qual os noivos convencionam as cláusulas que, não con-
trariando regime estabelecido por imposição legal, regularão o
regime de bens do casamento.
O ato tem forma de escritura pública, devendo seguir, quan-
to às formalidades, a regra geral da capacidade dos agentes. As-
sim, se relativamente incapazes, os noivos devem obrigatoria-
mente ser assistidos pelos representantes legais. Há, contudo,
opiniões contrárias, sustentando ser dispensável a presença de
representantes legais no ato do pacto, por entenderem que a
autorização para o casamento do menor relativamente incapaz
traz em si permissão para que decidam o futuro econômico do
casal.
As disposições inseridas pelos noivos na escritura de pacto
não podem ser contrárias à Lei, nem retirar ou restringir direito
de qualquer dos cônjuges, tanto no âmbito patrimonial, como
em relação à prole, e ainda ao exercício do poder familiar. A exis-
tência de condição ou cláusula com tal característica, contudo,
não invalida o pacto, subsistindo este na parte não viciada. 11
Em relação à possibilidade de usar-se procuração na escri-
tura do pacto, pertinente o comentário do Mestre Caio Mário,
em sentido afirmativo. 12
Embora a avença seja reguladora do regime de bens no
matrimônio a ser posteriormente celebrado, a legislação não de-
termina prazo certo para a realização do enlace.
Se não se seguir o casamento entre os noivos pactuantes,
seja por falecimento de um deles, por desfazimento do noivado,
ou de qualquer outro motivo, o pacto não produzirá efeito e, in-
dependente de apreciação judicial, deixará de vigorar, já que é
acessório ao casamento.
Nula a escritura de pacto, não se convalida esta com o ca-
samento, submetendo-se o matrimônio ao regime legal de bens.
Anulável, entretanto, a avença antenupcial, pode re-ratificar-
se o ato, sanando-se o vício, retroagindo seus efeitos à data da
celebração do casamento.
Indispensável, ainda, a transcrição da escritura de pacto

11 Caio Mário da Silva Pereira, obra cit., p. 144.


1 2 “Admitido em nosso direito o casamento por procuração, conseqüen-
temente é de se aceitar a escritura antenupcial firmada pelo manda-
tário, com a observação, contudo, de que este há de se sujeitar ao que
o mandante estabeleceu.”
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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antenupcial no Registro Imobiliário do domicílio dos noivos para


que produza efeitos erga omnes.

Art. 1.538. A celebração do casamento será ime-


diatamente suspensa se algum dos contraentes:
I — recusar a solene afirmação da sua vontade;
II — declarar que esta não é livre e espontânea;
III — manifestar-se arrependido.
Direito anterior: Art. 197 do Código Civil.

Três são as hipóteses previstas como circunstâncias em que


a cerimônia deve ser imediatamente suspensa: recusa ou au-
sência da afirmação, por um ou por ambos os nubentes, de que
permanece na vontade de contrair o matrimônio; declaração de
um dos nubentes de que sua vontade não é livre e espontânea e,
por último, demonstração de arrependimento, por qualquer for-
ma.
Outros casos de suspensão previstos consistem nas hipó-
teses de revogação do consentimento necessário (art. 1.518) e
de oposição de impedimento legal, oralmente, até o momento do
ato.
No caso de revogação da autorização, deverá a autoridade
que preside o ato suspendê-lo e, em não havendo conformação
do nubente desautorizado, poderá o interessado peticionar ao
juiz competente. Neste caso, prossegue-se na forma do art. 1.519,
até que seja deferido o suprimento, quando então poderá ser
realizado o ato solene do casamento.
Na hipótese de ser oposto por qualquer pessoa presente
impedimento (art. 1.521) no momento do ato, deve a autoridade
oficiante conferir a “plausibilidade da argüição, a idoneidade
do oponente e a robustez da prova ou informação, suspendendo
a cerimônia. Não procederá assim por mera suspeita; será pru-
dente, cauteloso. Mas não poderá dar seguimento ao ato, em face
de oposição séria”. 13
“Se for apresentada (oposição) por pessoa competente, que
alegue um dos impedimentos expressos na Lei, declaração escri-
ta, assinada e instruída, da existência de algum. A Lei cominou

1 3 Obra cit., p. 143.


Capítulo VI — Da Celebração do Casamento
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penas ao juiz que celebrar casamento antes de levantados os


impedimentos opostos. Como fica salvo aos nubentes promover a
ação de indenização, se o impediente estiver de má-fé, é justo
que se atenda, até a última hora, a qualquer oposição escrita e
assinada pelo declarante e instruída com as provas do fato. Se a
pessoa for evidentemente incompetente, ou não for causa
impeditiva o que se alega, pode o juiz continuar a celebração”. 14

Parágrafo único. O nubente que, por algum dos


fatos mencionados neste artigo, der causa à sus-
pensão do ato, não será admitido a retratar-se
no mesmo dia.

O parágrafo único determina que, em caso de suspensão,


por ausência de emissão de vontade livre e espontânea, não se
poderão retomar no mesmo dia o ato ou a possível manifestação
de retratação. Não prevê a legislação prazo determinado, mas
temos que deve ser suspenso o ato por pelo menos vinte e quatro
horas.

Art. 1.539. No caso de moléstia grave de um dos


nubentes, o presidente do ato irá celebrá-lo
onde se encontrar o impedido, sendo urgente,
ainda que à noite, perante duas testemunhas
que saibam ler e escrever.
Direito anterior: Art. 198 do Código Civil.

Ordinariamente, o casamento civil ou religioso, como ato


solene, observa o procedimento previsto no art. 1.534 ou 1.516,
conforme o caso; todavia, no dispositivo sob comento se introdu-
ziu uma forma extraordinária para sua celebração.
O legislador não definiu o termo moléstia grave, não haven-
do igualmente enumeração exemplificativa de doenças, devendo
a gravidade ser atestada por médico. Na impossibilidade de apre-
sentação de documento comprobatório da condição mórbida do
doente, deve a autoridade avaliar informalmente tais condições
através de prova documental ou testemunhal. De toda sorte, será

1 4 Pontes de Miranda, obra cit., p. 215.


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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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do presidente do ato a decisão em relação à gravidade da doença


e da urgência, inclusive quanto à necessidade de ser celebrado o
ato à noite.
Não há exceção relativa ao número de testemunhas para o
casamento realizado na forma prevista nesse artigo, figurando
como único requisito a circunstância de que saibam ler e escre-
ver.
Ao contrário da legislação anterior, que determinava a rea-
lização do ato na casa do doente impedido de comparecer, o que
sempre foi objeto de interpretação ampliada, entendendo-se
que fosse qualquer lugar onde se encontrasse o nubente
d o ente — hospital ou casa de parentes —, o novo código de-
termina que o presidente do ato o realize no local onde se en-
contre o enfermo.

§ 1º A falta ou impedimento da autoridade com-


petente para presidir o casamento suprir-se-á
por qualquer dos substitutos legais, e a do Ofi-
cial do Registro Civil por outro ad hoc , nomea-
do pelo presidente do ato.

No Estado do Rio de Janeiro, a substituição da autoridade


competente para presidir o casamento (Juiz de Paz) será na pes-
soa de seus suplentes ordinariamente nomeados.
Sendo necessária a substituição do Oficial do Registro Ci-
vil, a nomeação recairá sobre cidadão escolhido exclusivamente
para aquele casamento pelo presidente do ato.

§ 2º O termo avulso, lavrado pelo oficial ad hoc ,


será registrado no respectivo registro dentro de
cinco dias, perante duas testemunhas, ficando
arquivado.

O termo avulso deverá ser lavrado pela pessoa nomeada


para exercer naquele casamento a função do Oficial de Registro
Civil, já que por ser extraordinária a nomeação não estará de
posse dos livros cartorários. Assim, diante da impossibilidade
de fazer o assento do casamento no livro próprio, o oficial ad
hoc lavra o termo de casamento, que deverá obrigatoriamente
ser registrado no livro específico. Devem testemunhar o ato duas
pessoas capazes.
Capítulo VI — Da Celebração do Casamento
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Art. 1.540. Quando algum dos contraentes esti-


ver em iminente risco de vida, não obtendo a
presença da autoridade à qual incumba presi-
dir o ato, nem a de seu substituto, poderá o ca-
samento ser celebrado na presença de seis tes-
temunhas, que com os nubentes não tenham
parentesco em linha reta, ou, na colateral, até
segundo grau.
Direito anterior: Art. 199 do Código Civil e art. 76 da Lei de
Registros Públicos.

O casamento denominado nuncupativo, realizado em vista


de circunstâncias que demandam cerimônia urgente, é também
conhecido como de in extremis ou in articulo mortis. O requisito
legal para sua realização é o iminente risco de vida de um dos
nubentes, ou seja, situação de efetivo perigo de morte próxima.
Em face de enfermidade gravíssima ou acidente que auto-
rize presunção de morte iminente de um dos nubentes e haven-
do impossibilidade de ser contatada a autoridade à qual incum-
biria presidir o ato, ou o suplente daquela autoridade, a legisla-
ção possibilita, excepcionalmente, a imediata realização do ca-
samento, sem apresentação de documentação, subordinando-o
a posterior processo de habilitação e comprovação do ato atra-
vés de prova testemunhal.
O casamento será realizado perante testemunhas, em nú-
mero de seis, com a restrição de não serem parentes dos noivos,
consoante já referido.
Necessário que, mesmo sob o risco da morte próxima, pos-
sam ambos os contraentes declarar expressamente, de forma
livre e espontânea, que desejam casar. O enfermo gravíssimo
precisa manifestar sua vontade de modo que as testemunhas
possam atestar o desejo consciente de contrair matrimônio com
o outro nubente.

Art. 1.541. Realizado o casamento, devem as tes-


temunhas comparecer perante a autoridade ju-
dicial mais próxima, dentro de dez dias, pedin-
do que lhes tome por termo a declaração de:
I — que foram convocadas por parte do enfer-
mo;
II — que este parecia em perigo de vida, mas em
seu juízo;
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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III — que, em sua presença, declararam os


contraentes, livre e espontaneamente, receber-
se por marido e mulher.
Direito anterior: Arts. 199, II e 200 do Código Civil.

Trata-se do procedimento necessário, que, no prazo deter-


minado, deve ser adotado pelas testemunhas.
Assim, as pessoas que assistiram ao ato devem apresentar-
se perante a autoridade judicial mais próxima do local onde foi
celebrado o casamento — no caso, o Juiz de Direito, mesmo que
sem competência em matéria de Registro Civil —, e requerer que
se tomem por termo as declarações prestadas.
As declarações devem ser expressas no sentido de que as
testemunhas foram chamadas pelo moribundo, e que este, em-
bora parecesse em perigo de vida, estava lúcido e consciente.
As testemunhas devem declarar ainda que ouviram de ambos
os contraentes a manifestação específica de que desejavam ca-
sar-se, livre e espontaneamente.

§ 1º Autuado o pedido e tomadas as declara-


ções, o juiz procederá às diligências neces-
sárias para verificar se os contraentes podiam
ter-se habilitado, na forma ordinária, ouvidos os
interessados que o requererem, dentro de quin-
ze dias.

Uma vez formalizado o procedimento com a autuação, o


Juiz de Direito competente deverá determinar as diligências
necessárias, isto é, juntada de todos os documentos que ordi-
nariamente deveriam ser apresentados para a habilitação, na
forma do art. 1.525, inclusive a publicação de proclamas.
Se, todavia, o Juiz de Direito que tomou por termo as pri-
meiras declarações das testemunhas não tiver competência para
decisão em matéria de Registro Civil, deve remeter as peças ao
Juízo competente, onde se processará o pedido.

§ 2º Verificada a idoneidade dos cônjuges para


o casamento, assim o decidirá a autoridade com-
petente, com recurso voluntário às partes.
Capítulo VI — Da Celebração do Casamento
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Juntos os documentos necessários, apreciada a prova tes-


temunhal e as questões relativas aos impedimentos ou às cau-
sas suspensivas, acaso opostas, o juiz decidirá.
Intervirá o Ministério Público no feito, podendo haver re-
curso, tanto do Parquet como das partes interessadas.

§ 3º Se da decisão não se tiver recorrido, ou se


ela passar em julgado, apesar dos recursos in-
terpostos, o juiz mandará registrá-la no livro de
Registro de Casamentos.

Após o trânsito em julgado da decisão, determinará o juiz


a inscrição do registro de casamento, com transcrição daquela.

§ 4º O assento assim lavrado retrotrairá os efei-


tos do casamento, quanto ao estado dos côn-
juges, à data da celebração.

Trata-se de expressa previsão dos efeitos do casamento a


partir da data de sua realização.

§ 5º Serão dispensadas as formalidades deste e


do artigo antecedente, se o enfermo convales-
cer e puder ratificar o casamento na presença
da autoridade competente e do oficial do regis-
tro.

Se o doente convalescer, todas as formalidades dos artigos


1.539 e 1.540 estarão dispensadas, bastando a ratificação, pelo
cônjuge convalescente, perante a autoridade judiciária compe-
tente e o Oficial do Registro Civil.
Embora Clóvis Bevilácqua sustentasse a necessidade de
um novo ato, não foi seguido pela maioria dos doutrinadores,
que entendiam ser a ratificação suficiente. Em não havendo ra-
tificação do cônjuge convalescente, “não tem valor este casamen-
to”.15
Na doutrina de Pontes de Miranda “se as testemunhas com-
pareceram e se o convalescente não impugnou o casamento, vale,

1 5 Caio Mário da Silva Pereira, obra cit., p. 88.


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pois a lei não exige ratificação — apenas a admite, para se dis-


pensarem as formalidades ligadas à nuncupatividade”. 16

Art. 1.542. O casamento pode celebrar-se medi-


ante procuração, por instrumento público, com
poderes especiais.
Direito anterior: Art. 201 do Código Civil.

Algumas legislações estrangeiras não admitem a hipótese


de casamento por procuração e outras só o admitem em casos
específicos de força maior. No direito pátrio, não há qualquer
restrição, desde que a procuração atenda às formalidades le-
gais.
É imprescindível que o instrumento de mandato especial-
mente outorgue poderes especiais ao mandatário para receber
em casamento, em nome do outorgante, contraente certo e de-
terminado.
Embora a lei não o exija, entendemos de conveniência que
o instrumento seja público, já que solene o ato em que o manda-
tário se fará representar. No caso de a procuração ser redigida
em língua estrangeira, somente será admitida se houver per-
missivo a este respeito na legislação pátria do mandante, de-
vendo nela constar expressamente a palavra casamento ou ex-
pressão equivalente, 17 traduzida a procuração por tradutor
juramentado.
Não é pacífica a idéia de que ambos os contraentes possam
casar-se por procuração, mas se for este o entendimento, é certo
que devem ser dois os mandatários.
Deve a procuração especificar o regime de bens que será
adotado no casamento; não constando expressamente, vigorará
o regime legal.
Não há exigência de demonstração da impossibilidade de
comparecimento do nubente para que seja permitido o uso do
mandato, podendo o instrumento ser usado para o requerimento
da habilitação (art. 1.525), para o ato solene ou para ambos,
dependendo dos específicos poderes inclusos expressamente no
instrumento.

1 6 Obra cit., p. 212.


1 7 Pontes de Miranda, obra cit., p. 194.
Capítulo VI — Da Celebração do Casamento
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
61
○ ○

Em se tratando de procuração, com o requisito essencial de


serem expressos os poderes especiais e determinados, não há pre-
visão da possibilidade de substabelecimento, ou de que o man-
datário possa contratar consigo mesmo em nome de seu noivo,
não sendo aplicável a regra geral do direito das obrigações.
Convém apontar que, se houver falecimento do mandante
e realizado o casamento sem que o mandatário ou o outro
contraente tenha notícia do fato, o ato será considerado
insubsistente.
De toda sorte, não há dispensa da cerimônia pública e so-
lene quando um dos nubentes estiver representado por pro-
curação. Assim realizar-se-á o ato na forma determinada na Lei,
presente um contraente, o procurador do outro, o oficial do re-
gistro, o celebrante e as testemunhas, na forma do art.1.535.
No momento da celebração, o procurador declara sua von-
tade em nome do representado. Sem embargo de alguma diver-
gência, o casamento por procuração não constitui exceção ao
princípio da atualidade da manifestação de vontade dos cônju-
ges, segundo o qual o assentimento é prestado no momento da
celebração. Também na hipótese do casamento por procuração,
o consentimento guarda acento de atualidade, não sendo expres-
são de uma vontade consumada no momento da outorga da pro-
curação. Tal concepção é reforçada pela posição doutrinária se-
gundo a qual o procurador pode recusar o assentimento em vir-
tude de fato desconhecido pelo mandante (por exemplo, causa
de invalidade do casamento, doença física e psíquica do nubente
ou gravidez da noiva) sempre que for presumível que o man-
dante, se tivesse conhecimento do fato, não se casaria.

§ 1º A revogação do mandato não necessita che-


gar ao conhecimento do mandatário; mas, cele-
brado o casamento sem que o mandatário ou o
outro contraente tivessem ciência da revogação,
responderá o mandante por perdas e danos.

A revogação do mandato é livre, independente de qualquer


outro requisito, salvo a previsão do § 4º. Se houver casamento
sem que o mandatário saiba da revogação, será tido por inexis-
tente porque ausente o requisito do consentimento, responden-
do o mandante pelas perdas e danos provocadas ao outro
contraente de boa-fé que ignorasse o fato impeditivo da realiza-
ção do matrimônio.
62
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Em regra, a revogação de procuração se dá por meio de


uma declaração receptícia de vontade, ou seja, somente produz
efeitos a partir do momento em que ingressa na esfera de co-
nhecimento do destinatário. Em se tratando de procuração ad
nuptias, contudo, a regra geral não encontra acolhida, em ra-
zão da natureza personalíssima do casamento.
A revogação da procuração ad nuptias opera efeitos no mo-
mento do ato, independentemente da notificação ao procurador
ou do seu conhecimento ou do outro nubente.
A incapacidade superveniente do representado e a revoga-
ção da procuração acarretam a inexistência do casamento pos-
teriormente celebrado pelo procurador, sendo imperioso preser-
var íntegra a liberdade nupcial do contraente.

§ 2º O nubente que não estiver em iminente ris-


co de vida poderá fazer-se representar no casa-
mento nuncupativo.

Se um dos nubentes estiver em iminente risco de vida, pode


o outro nubente se fazer representar por procuração no casa-
mento in articulo mortis. Esta é uma forma excepcional de cele-
bração de enlace.

§ 3º A eficácia do mandato não ultrapassará no-


venta dias.

O prazo de validade da procuração é determinado, deven-


do novo instrumento ser apresentado se não for celebrado o ca-
samento dentro do lapso temporal.

§ 4º Só por instrumento público se poderá re-


vogar o mandato.

Embora a legislação não exija expressamente instrumen-


to público para o casamento, como assinalado no comentário re-
ferente ao caput, a revogação deverá observar obrigatoriamen-
te tal formalidade.
Capítulo VII — Das Provas do Casamento
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
63
○ ○

Capítulo VII
DAS PROVAS DO CASAMENTO

As disposições relativas às provas do casamento foram qua-


se inteiramente extraídas do código anterior, não havendo alte-
ração substancial no tratamento conferido à matéria.

Art. 1.543. O casamento celebrado no Brasil pro-


va-se pela certidão do registro.
Direito anterior: Art. 202 do Código Civil.

A prova da celebração do casamento se faz através de cer-


tidão do Registro Civil.
O Registro Civil foi instituído em 31/12/1888, pelo Decreto
nº 9.986. Os casamentos anteriores àquela data podem ser pro-
vados através dos assentamentos das autoridades religiosas.

Parágrafo único. Justificada a falta ou perda do


registro civil, é admissível qualquer outra espé-
cie de prova.

A impossibilidade de apresentação da certidão de casamen-


to pode surgir em razão da perda ou deterioração do livro de as-
sentamento, pela destruição do cartório do registro civil ou mes-
mo pela má-fé ou desídia do oficial que tenha deixado de lavrar o
termo. Justificada a falta ou a perda do Registro Civil, admite-se
qualquer outra espécie de prova, seja através de título eleitoral,
de outro documento oficial, de registro em repartição pública, ou
mediante ação declaratória ou simples justificação judicial.

Art. 1.544. O casamento de brasileiro, celebrado


no estrangeiro, perante as respectivas autori-
dades ou os cônsules brasileiros, deverá ser re-
gistrado em cento e oitenta dias, a contar da
volta de um ou de ambos os cônjuges ao Brasil,
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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no cartório do respectivo domicílio, ou, em sua


falta, no 1º Ofício da Capital do Estado em que
passarem a residir.
Direito anterior: Art. 204 do Código Civil.

A prova do casamento realizado fora do Brasil se regerá


pela lei do país em que se realizou, em atenção ao princípio locus
regit actum.
Em se tratando de casamento de brasileiro, celebrado no es-
trangeiro perante as respectivas autoridades ou os cônsules bra-
sileiros, deve ser registrado, no prazo de cento e oitenta dias con-
tados do retorno de um ou de ambos os cônjuges ao Brasil. No que
não contrariar o Código Civil, permanece em vigor a Lei de Re-
gistros Públicos, aplicando-se à hipótese a disciplina do art. 32. O
registro consta de um termo firmado pelo oficial e pelo cônjuge
apresentante, no qual se insere a transcrição do documento ou,
sendo o caso, a tradução devidamente autenticada.
Mesmo o casamento realizado no estrangeiro pode ser pro-
vado através de justificação perante a Justiça brasileira quando
os interessados forem domiciliados no país. Na hipótese da justiça
brasileira ser instada visando a prova de casamento realizado no
estrangeiro, tem aplicação o disposto no art. 337 do CPC: “a parte
que alegar direito... estrangeiro ou consuetudinário, provar-lhe-
á o teor e a vigência, se assim o determinar o juiz”.

Art. 1.545. O casamento de pessoas que, na pos-


se do estado de casadas, não possam manifes-
tar vontade, ou tenham falecido, não se pode
contestar em prejuízo da prole comum, salvo me-
diante certidão do Registro Civil que prove que
já era casada alguma delas, quando contraiu o
matrimônio impugnado.
Direito anterior: Art. 203 do Código Civil.

A conceituação da posse do estado de casado é dada pela


doutrina, considerando-a como a situação daqueles que vivem
publicamente como marido e mulher, dispensando-se ostensi-
vamente o tratamento de casados e gozando de tal conceito no
meio social.
Com o intuito de proteger os filhos, a Lei preceitua que o
casamento das pessoas que faleceram na posse do estado de casa-
das não pode ser contestado em prejuízo da prole comum, exceto
mediante certidão do Registro Civil que prove o casamento an-
Capítulo VII — Das Provas do Casamento
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
65
○ ○

terior de alguma delas. Com esta disposição, a Lei, mais uma


vez, evidencia a adoção do sistema monogâmico.
Preservando-se o vínculo de pessoas que faleceram na pos-
se do estado de casadas, inverte-se o ônus da prova em favor do
casamento. Quem sustentar a inexistência do matrimônio de pes-
soas que viviam na posse do estado de casadas deve fazer a pro-
va do casamento anterior.
Além dos meios diretos de prova, admitidos no art. 143,
parágrafo único, a lei admite a comprovação indireta, através
da posse do estado de casado. Embora não constitua um meio de
prova do casamento propriamente dito (matrimonium non
praesumitur), a posse do estado de casado é aceita para sanar
qualquer eventual falha no assento matrimonial.
A prova pela posse do estado de casado tem caráter excep-
cional e é admitida apenas para beneficiar a prole comum, po-
dendo os filhos invocá-la para elidir eventual contestação à sua
condição de filhos havidos da relação de casamento.
Segundo o Código de 1916, a alegação da posse do estado
de casado somente era admitida após o falecimento dos pais. O
novo Código, observando orientação doutrinária consolidada, ad-
mitiu-a também nas hipóteses em que os supostos cônjuges não
possam manifestar sua vontade. Havendo, por exemplo, demên-
cia ou ausência dos pais ficam os filhos impossibilitados de obter
informações quanto ao casamento as quais lhes permitam a pro-
dução da prova direta.
A prova da posse do estado de casado é inócua diante da
exibição de certidão comprobatória de casamento anterior de
qualquer dos supostos cônjuges. Desta forma, a união posterior
não poderia ser caracterizada de modo diverso de união estável,
jamais se admitindo ser convertida em casamento.

Art. 1.546. Quando a prova da celebração legal


do casamento resultar de processo judicial, o
registro da sentença no livro do Registro Civil
produzirá, tanto no que toca aos cônjuges como
no que respeita aos filhos, todos os efeitos des-
de a data do casamento.
Direito anterior: Art. 205 do Código Civil.

Uma vez provada, por via judicial, a realização do casa-


mento, a sentença deverá ser inscrita no Registro Civil compe-
tente, produzindo, em relação aos cônjuges e aos filhos, efeitos
66
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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retroativos à data do enlace. Tal sentença tem natureza declaratória


e, embora sem previsão no art. 29 da LRP, seu registro no livro de
casamentos se impõe, por força do mandamento civil. Não se trata
de averbação pois a sentença prova a realização do próprio ato
matrimonial, cujo registro fora extraviado ou destruído.

Art. 1.547. Na dúvida entre as provas favoráveis e


contrárias, julgar-se-á pelo casamento, se os côn-
juges, cujo casamento se impugna, viverem ou ti-
verem vivido na posse do estado de casados.
Direito anterior: Art. 206 do Código Civil.

Apesar de a prova advinda da posse do estado de casado se


instituir em favor dos filhos, a lei possibilita sua adoção como ele-
mento decisivo em caso de dúvida em torno das provas do casa-
mento. Persistindo a controvérsia quanto ao casamento, decidir-
se-á por sua existência, desde que os supostos cônjuges tenham
vivido na posse do estado de casados, sendo reputados socialmen-
te marido e mulher. No magistério do eminente civilista Caio Mário
da Silva Pereira, “A regra in dubio pro matrimonio, sugerida pela
posse de estado, é acolhida para dirimir a incerteza se ocorreu ou
não o ato de sua celebração; mas inidônea para convalescer o ví-
cio que o invalida”.
Para efeito de Previdência Social, a prova do casamento pode
ser realizada demonstrando-se, mediante justificação judicial, com
audiência do Ministério Público (art. 1º do Decreto-lei nº 7.458,
de 23.04.1945), a posse do estado de casado.
Não se pode deixar de destacar, contudo, que as disposições
relativas à presunção do casamento, em face da posse do estado
de casado perderam um pouco o sentido, em razão da regulamen-
tação da união estável. A Lei atribuiu aos conviventes os mesmos
direitos dos cônjuges, bastando a prova da convivência duradou-
ra, pública e contínua entre um homem e uma mulher, estabelecida
com o objetivo de constituição de família. Este fato, somado à dis-
posição constitucional assegurando aos filhos, havidos ou não da
relação do casamento, ou por adoção, os mesmos direitos e quali-
ficações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relati-
vas à filiação (art. 227, § 6º, da CF), esvaziou sobremaneira a
aplicação do instituto. Sua inclusão no Código Civil (assim como
a preocupação do legislador em conferir proteção à pessoa dos
filhos) era perfeitamente compreensível — e até mesmo louvável
—, no sistema jurídico vigente em 1916. Hoje, contudo, sua ma-
nutenção no Código Civil não se justifica.
Capítulo VIII — Da Invalidade do Casamento
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
67
○ ○

Capítulo VIII
DA INVALIDADE DO CASAMENTO

Lucia Mothé Glioche


Promotora de Justiça Titular da Promotoria de Justiça de Proteção ao
Consumidor e Contribuinte da Comarca da Capital
do Estado do Rio de Janeiro

Sob a rubrica “Do casamento nulo e anulável”, o Código


Civil de 1916 tratava do presente tema no Capítulo VI, do Títu-
lo I, do Livro I, sendo certo que o tratamento diferenciado, no
que toca à terminologia, não representa modificação de conteú-
do, pois o termo “invalidade” engloba a nulidade e a anulabili-
dade.
Repetindo o Direito anterior, o Novo Código Civil não con-
templou a hipótese de inexistência do casamento. 18 Apesar de
alguns autores empregarem as palavras existência, validade e
ineficácia como sinônimos, 19 a doutrina 20 é majoritária em iden-

1 8 Saleilles, em 1911, realizou o estudo La Distinction entre l´Inexistence


et la Nullité du Mariage, publicado em Bullettin de la Sociéte d´Études
Législatives, no qual desenvolveu a teoria do casamento inexistente
criada pelo escritor alemão do século XIX, Zachariae von Ligenthal,
ao comentar o Código Civil francês de 1804. A teoria da inexistência
do casamento pode ser sustentada com base no art. 146 do Código
Civil francês que preceitua: “Il n´y a pás de mariage, lorsqu´il n´y a
pás de consentement”. Apesar da teoria não ser aceita pacificamente,
no particular do direito brasileiro, a teoria é proclamada.
1 9 Esta observação é feita por J. M. Leoni Lopes de Oliveira, in Direito
Civil — Teoria Geral do Direito Civil, volume 2, página 915, Rio de
Janeiro, Editora Lúmen Iures, 1999.
20 Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comen-
tado, Volume II, atualizada por Achilles Bevilaqua, Editora Paulo de

67
68
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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tificar elementos ou pressupostos para a existência do casamen-


to os quais não se confundem com seus requisitos de validade e
com sua ineficácia e que tampouco foram regulamentados pela
legislação civil.
Pontes de Miranda 21 e Clóvis Bevilácqua 22 mencionam dois
pressupostos para a existência do casamento: a diferença de sexo
e a celebração do ato. A orientação da maioria da doutrina, 23
porém, é de que a estes deve aditar-se também o consentimento
como terceiro pressuposto.
No Direito Comparado, as legislações adotam técnica idên-
tica à aqui esposada, pois raramente apontam e exigem de modo
expresso os elementos necessários à existência do casamento.
Pelo artigo 146 do Código Civil francês, não pode haver casa-
mento sem o consentimento: “Il n’y a pas de mariage, lorsqui’il
n’iy a pas de consentement”. Nos termos do art. 67 do Código
venezuelano, “el matrimonio no puede contraerse sino entre um
hombre y uma mujer.”
No que tange à diferença de sexo, a definição clássica de
matrimônio, como ato que visa à satisfação sexual e à procria-
ção, induz necessariamente à conclusão de que as pessoas não
sejam do mesmo sexo.

Azevedo Ltda., Rio de Janeiro, 12ª edição, 1960, pág. 54; Pontes de
Miranda, Tratado de Direito de Família, Volume I, Direito Matrimo-
nial, atualizado por Vilson Rodrigues Alves, Editora Bookseller, São
Paulo, 2001, pág. 313; Eduardo Espínola, A Família no Direito Civil
Brasileiro, atualizado por Ricardo Rodrigues Gama, Editora
Bookseller, São Paulo, 2001, pág. 68; Caio Mário da Silva Pereira,
Instituições de Direito Civil, Volume V, Editora Forense, Rio de Janei-
ro, 1990, pág. 79; Silvio Rodrigues, Direito Civil, Volume 6, Direito de
Família, Editora Saraiva, São Paulo, 18ª edição, 1993, pág. 81.
2 1 In Tratado de Direito de Família, Volume I, Direito Matrimonial, atua-
lizado por Vilson Rodrigues Alves, Editora Bookseller, São Paulo, 2001,
pág. 314.
22 Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comen-
tado, Volume II, atualizada por Achilles Bevilaqua, Editora Paulo de
Azevedo Ltda., Rio de Janeiro, 12ª edição, 1960, pág. 54.
23 Eduardo Espínola, A Família no Direito Civil Brasileiro, atualizado
por Ricardo Rodrigues Gama, Editora Bookseller, São Paulo, 2001,
pág. 68; Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil,
Volume V, Editora Forense, Rio de Janeiro, 1990, pág. 79; Silvio
Rodrigues, Direito Civil, Volume 6, Direito de Família, Editora Sarai-
va, São Paulo, 18ª edição, 1993, pág. 81.
Capítulo VIII — Da Invalidade do Casamento
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
69
○ ○

A Constituição da República, no § 5º do art. 226, ao deter-


minar que homem e mulher exercem igualmente os direitos e
deveres referentes à sociedade conjugal, exige, embora implici-
tamente, a diversidade de sexos. Se o casamento pudesse unir
pessoas de mesmo sexo, não seria necessária, in casu, a norma
constitucional referente a tal igualdade.
A união estável, como modalidade de família e equiparada
ao casamento pela Carta Magna de 1988, 24 exige expressamente
a diversidade de sexos, tornando implícita a mesma obrigatorie-
dade para o casamento. É exatamente em face de a diversidade
de sexos constituir pressuposto — e de sede constitucional — da
existência do casamento que a união de homossexuais não tem o
estado de casamento e nem a índole de família. 25
Em sendo hermafrodita um dos cônjuges, e diferente do
sexo do outro seu sexo preponderante, o casamento existe, em-
bora passível de anulabilidade por erro quanto a defeito físico
irremediável. 26 Se, após a celebração do casamento, um dos côn-
juges submete-se a cirurgia visando à alteração de seu sexo o
casamento existiu e existe. 27
Quanto à celebração, sendo o casamento negócio jurídico
solene constitui aquela pressuposto à existência deste. A dou-
trina 28 reconhece falta de celebração em duas hipóteses: quan-
do não é realizado o ato em si ou quando aquela é oficiada por
pessoa absolutamente incompetente (incompetência ratione
materiae 29). A primeira hipótese se caracteriza pela falta de pres-
suposto fático que conduz à inexistência do casamento. É exem-

2 4 Art. 226, § 3º. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a


união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, de-
vendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
2 5 Silvio de Salvo Venosa in Direito Civil — Direito de Família, V, pág.
100, São Paulo, Editora Atlas, 2001.
2 6 Pontes de Miranda, in Tratado de Direito de Família, Volume I, Direi-
to Matrimonial, atualizado por Vilson Rodrigues Alves, Editora
Bookseller, São Paulo, 2001, pág. 315.
2 7 Pontes de Miranda, in Tratado de Direito de Família, Volume I, Direi-
to Matrimonial, atualizado por Vilson Rodrigues Alves, Editora
Bookseller, São Paulo, 2001, pág. 316.
2 8 Pontes de Miranda, in Tratado de Direito de Família, Volume I, Direi-
to Matrimonial, atualizado por Vilson Rodrigues Alves, Editora
Bookseller, São Paulo, 2001, pág. 316.
2 9 Adiante, ao analisarmos o art. 1.550, VI, discorreremos sobre a in-
competência relativa — ratione loci.
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○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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plo o casamento encenado por atores no palco teatral. Na se-


gunda hipótese, há celebração do casamento; todavia, é ela rea-
lizada por quem não detém autoridade para fazê-lo. A título de
exemplificação citam-se o casamento religioso sem efeitos civis
e o casamento celebrado por autoridade não investida na fun-
ção de juiz de paz 30 ou por quem, mesmo investido nele, não
entrou no exercício de tal cargo. 31
No que respeita ao consentimento, como em todos os negó-
cios jurídicos, o casamento exige manifestação de vontade para
sua existência. Logo, inexiste casamento ante a ausência de ma-
nifestação de vontade, devendo ser esta absoluta para acarre-
tar sua inexistência, como ocorreria na hipótese em que a auto-
ridade celebrante declara casados os contraentes, apesar de um
dos nubentes negar inequivocamente, durante o ato, o consenti-
mento. Ao revés, existirá o casamento se, embora defeituosa,
houver manifestação de vontade. 32
Apesar de o Código Civil não regulamentar o casamento
inexistente, o exame aprofundado de tal questão não é despro-
vido de interesse prático, pois há tratamento diferenciado para
o casamento nulo e para o inexistente. 33
Na primeira hipótese, o juiz não poderá declarar a nulida-
de de ofício, pois esta depende de ação própria, a ser ajuizada
pelos a tal legitimidade, nos termos da lei, prevalecendo o casa-
mento — que poderá gerar efeitos se for putativo — até se ver
declarada judicialmente sua nulidade.
Nos casos de inexistência, desde que haja o competente
registro, pode haver interesse em obter declaração por senten-
ça. Todavia, não se exigirá medida judicial própria, facultado
ao juiz, de ofício, o reconhecimento. Por outro lado, a todo o tem-
po qualquer pessoa que demonstre legítimo interesse poderá

3 0 Pontes de Miranda, in Tratado de Direito de Família, Volume I, Direi-


to Matrimonial, atualizado por Vilson Rodrigues Alves, Editora
Bookseller, São Paulo, 2001, p. 316.
3 1 Pontes de Miranda, in Tratado de Direito de Família, Volume I, Direi-
to Matrimonial, atualizado por Vilson Rodrigues Alves, Editora
Bookseller, São Paulo, 2001, p. 317.
3 2 Ao comentarmos o art. 1.550, discorremos sobre as conseqüências da
vontade defeituosa no casamento.
33 Eduardo Espínola, A Família no Direito Civil Brasileiro, atualizado
por Ricardo Rodrigues Gama, Editora Bookseller, São Paulo, 2001,
pág. 72.
Capítulo VIII — Da Invalidade do Casamento
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
71
○ ○

ajuizar a ação. Ainda que de boa-fé por parte dos contraentes,


este casamento não gera efeitos, não se caracterizando como
putativo, pois é um nada para o mundo jurídico.
Para a declaração de inexistência do casamento, a lei não
exige nomeação de curador ao vínculo, mas Pontes de Miranda
recomenda-a. 34 Em ambas as ações, intervirá obrigatoriamente
o Ministério Público, por tratar-se de ação de estado (art. 82, II
do Código de Processo Civil).

Art. 1.548. É nulo o casamento contraído:


I — pelo enfermo mental sem o necessário dis-
cernimento para os atos da vida civil;
II — por infringência de impedimento.
Direito Anterior: Art. 207 do Código Civil.

Após análise dos elementos de existência do casamento,


devem-se apreciar seus requisitos de validade. Ausente um ou
mais de tais pressupostos, a lei declara a invalidade de o casa-
mento decorrer de nulidade ou anulabilidade, reconhecendo-se
em cada uma destas grau diverso entre si.
A análise do art. 1.548, a contrario sensu, evidencia dois
requisitos de validade para o casamento: ausência de enfermi-
dade mental que exclua o necessário discernimento para os atos
da vida civil e aquela relativa a impedimento matrimonial. A
lei atribui extremo relevo à observância desses requisitos. 35 Se
presentes, o casamento é válido, acarretando seu descumpri-
mento nulidade.
A maioria das legislações distingue casamento nulo de anu-
lável. Na França, a violação das proibições matrimoniais acar-
reta, em três casos indicados no art. 184 do Código Civil, nuli-
dade absoluta do matrimônio: se algum dos cônjuges não tiver a
idade núbil; na hipótese de bigamia e quando houver incesto.
Na Itália, é nulo o casamento ocorrendo violação de idade, biga-
mia, parentesco e delito, segundo o art. 117 do Código Civil. Pela
lei argentina, é absolutamente nulo o casamento que viola im-

3 4 Pontes de Miranda, in Tratado de Direito de Família, Volume I, Direi-


to Matrimonial, atualizado por Vilson Rodrigues Alves, Editora
Bookseller, São Paulo, 2001, p. 321.
35 Silvio Rodrigues, Direito Civil, Volume 6, Direito de Família, Editora
Saraiva, São Paulo, 18ª edição, 1993, p. 85.
72
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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pedimento decorrente de parentesco, também no caso de biga-


mia e se um dos nubentes tiver sido autor ou cúmplice do homi-
cídio do esposo do outro.
O Novo Código Civil, no que tange às nulidades do casa-
mento, inova em relação ao Direito Anterior.
A primeira novidade se observa no caput do art. 1.548.
O art. 207 do Código Civil de 1916, ao considerar nulo o
casamento, estabelecia ser este ineficaz para os contraentes e
filhos. O art. 1.548 do novo Código Civil não prevê a ineficácia,
porque o casamento pode ser nulo e putativo, gerando efeitos
para os filhos e para o cônjuge de boa-fé — como adiante se verá
na análise do art. 1.561.
A segunda novidade se configura na circunstância de ser
um dos contraentes portador de enfermidade mental, não pre-
visto na legislação de 1916 tal fator como causa de nulidade
para o casamento, valendo menção o posicionamento de Clóvis
Bevilacqua que defendia o reconhecimento da nulidade do casa-
mento se, no momento da celebração, o nubente se encontrasse
incapaz de consentir.
Não obstante a legislação de 1916 não estatuir a nulidade
dos casamentos celebrados com tal vício, previa-lhe a anulabili-
dade, por infração ao art. 183, IX, nos termos do art. 209, uma
vez que, sendo os portadores de enfermidade mental considera-
dos incapazes de discernir para a prática de todos os atos da
vida civil, eram reputados, ipso facto, incapazes de consentir
ou de manifestar de modo inequívoco o consentimento para o
matrimônio.
O artigo 1.550, IV do Novo Código Civil considera anulá-
vel o casamento em que um dos contraentes seja considerado
incapaz de consentir ou de manifestar de modo inequívoco o con-
sentimento, mas a disciplina referente aos enfermos mentais pas-
sou a figurar no artigo 1.548, I, considerando-se nulo o matri-
mônio em que um dos cônjuges apresenta tal patologia.
Destaque-se, outrossim, que o casamento do enfermo men-
tal sem discernimento para os atos da vida civil, provado o es-
tado de perturbação mental quando da celebração do casamen-
to, a despeito de estar ou não interditado, obtenha ou não o con-
sentimento de seu curador, é nulo.
Tal ponderação é relevante, pois, na vigência do Código
Civil de 1916, pela combinação dos arts. 209 com 183, IX, se o
enfermo mental incapaz de discernir não fosse interditado seu
casamento era anulável. Entretanto, sendo interditado, a anu-
Capítulo VIII — Da Invalidade do Casamento
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○ ○

labilidade seria pleiteada somente diante da ausência de con-


sentimento do curador e se esse não houvesse assistido à cele-
bração do casamento (arts. 183, XI, 207 e 212).
Assim, como o Novo Código Civil não mais considera cau-
sa de anulabilidade do casamento a hipótese instituída pelo in-
ciso XI do art. 183 do Código Civil de 1916 36 e não reproduziu o
antigo art. 212, 37 forçoso concluir que a validade do casamento
de portador de enfermidade mental não se submete à condição
de interditado do contraente, bem como no fato de o curador
haver consentido. Portanto, a despeito de não ter sido incluído
no rol do artigo 1.521, o enfermo mental sem o necessário dis-
cernimento para os atos da vida civil está impedido de casar,
sendo tal impedimento equiparado aos dirimentes públicos ou
absolutos do art. 1.521 do Novo Código Civil, inclusive porque
penalizados com a nulidade do casamento.
Defende-se aqui a existência de equiparação jurídica en-
tre enfermo mental, deficiente mental e as pessoas que, mesmo
por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade, pois
o artigo 3º, incisos II e III, do novo Código Civil consideram-nos
absolutamente incapazes. Essas são pessoas incapacitadas quan-
to a exprimir vontade e carentes do necessário discernimento
para a prática dos atos da vida civil. Por tal razão, seu casa-
mento é nulo, independentemente de estarem ou não interdita-
dos, havendo ou não autorização de seus representantes legais.
O matrimônio repousa no mútuo consenso dos interessa-
dos e, por ser ato pessoal e íntimo, requer manifestação de von-
tade livre, sem intervenção de terceiros. Se um dos nubentes
está privado da razão, a ponto de a lei considerá-lo absoluta-
mente incapaz, nulo se configurará seu casamento, pois a nuli-
dade decorre das condições pessoais que ostentam.
O casamento dos absolutamente incapazes e menores
impúberes somente não é nulo porque, além de existir regra
especial eivando de anulabilidade tal casamento — art. 1.550, I
— esta situação é menos grave, pois, além de ser matéria de
política legislativa a idade mínima para casar, tais menores al-

3 6 Art. 183, XI. Não podem casar: os sujeitos ao pátrio poder, tutela, ou
curatela, enquanto não obtiverem, ou lhes não for suprido o consenti-
mento do pai, tutor ou curador.
37 Art. 212. A anulação do casamento contraído com infração do n. XI do
art. 183 só pode ser requerida pelas pessoas que tinham o direito de
consentir e não assistiram ao ato.
74
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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cançarão simultaneamente maioridade e capacidade. Os demais


absolutamente incapazes têm a cura como circunstância deter-
minante e condicionante para a aquisição da capacidade.
A terceira novidade está no rol dos impedimentos. O art.
207 do Código Civil de 1916 considera nulo o casamento contraí-
do com os impedimentos matrimoniais absolutos ou dirimentes
públicos mencionados nos incisos I até VIII do art. 183. O Novo
Código Civil considera nulo o casamento quando presentes os
impedimentos do art. 1.521. O cotejo entre os incisos I até VIII
do art. 183 do Código Civil de 1916 e o art. 1.521 do Novo Códi-
go Civil demonstra que a lei nova não mais considera impedido
de casar o cônjuge adúltero com o seu co-réu, por tal condenado
e, portanto, não mais é nulo esse casamento. 38
Apesar de princípio clássico do Direito Francês mencionar
inexistência de nulidade sem texto, 39 autores, como Caio Mário
da Silva Pereira, 40 defendem as nulidades virtuais ou implícitas,
como aquelas não mencionadas expressamente no texto legal
compreendendo estas os casamentos cuja validade repugna ao
direito — como o casamento do deficiente mental sem o necessá-
rio discernimento para os atos da vida civil — e, não admitida
tal teoria, as espécies de casamento inexistente.

Art. 1.549. A decretação de nulidade de casa-


mento, pelos motivos previstos no artigo ante-
cedente, pode ser promovida mediante ação di-
reta, por qualquer interessado, ou pelo Ministé-
rio Público.
Direito anterior: Art. 208, parágrafo único, do Código Civil.

O casamento contraído pelo enfermo mental sem discerni-


mento necessário para os atos da vida civil e com impedimento

3 8 Tal impedimento nos foi legado pelo Código Canônico. A idéia era
presumir que o cônjuge supérstite teria aversão pelo assassino de seu
consorte, por isso havia o impedimento absoluto. Alguns autores, como
Orlando Gomes, criticavam a previsão legal. O Novo Código Civil não
considera mais tal presunção. Assim, se não ocorre tal aversão, é pos-
sível o casamento, pois não há mais vedação legal.
39 Pas de nullité sans texte.
40 Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, Volume V,
Editora Forense, Rio de Janeiro, 1990, p. 81.
Capítulo VIII — Da Invalidade do Casamento
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matrimonial é nulo (art. 1.548). O Novo Código Civil menciona


expressamente quem detém legitimidade ativa para propositura
de ação objetivando a declaração de nulidade desse casamento,
diferentemente do que previa o artigo 207 do Código Civil de
1916, que não dispunha sobre tal legitimidade. Ante a ausên-
cia, a doutrina, 41 de maneira unânime, entendia aplicável à hi-
pótese o disposto no parágrafo único do art. 208. 42 Eram, assim,
legitimados ativos qualquer interessado e o Ministério Público,
salvo se já falecido algum dos cônjuges.
Verifica-se, desde logo, o tratamento diferenciado quanto
ao casamento em relação aos demais negócios jurídicos. O pará-
grafo único do art. 168 do Novo Código Civil 43 faculta ao juiz
declarar de ofício a nulidade quando conhecer do negócio jurídi-
co. O casamento não é atingido por esta norma genérica. A re-
gra própria e especial para o casamento é a do art. 1.549 e este
não contempla a possibilidade de declaração da nulidade do ca-
samento ex officio pelo magistrado.
Qualquer interessado, primeiro legitimado ativo, não sig-
nifica qualquer pessoa. 44 Necessário perquirir, no caso concreto,
qual o interesse jurídico, econômico ou moral daquele que in-
tenta ação de nulidade do casamento. 45 Faculta-se aos cônjuges
a propositura da ação, não se lhes podendo negar, evidentemen-
te, interesse moral. Os colaterais sucessíveis, de igual forma
quando buscam exclusão do cônjuge quanto a eventual direito
sucessório. Os credores de um dos cônjuges também detêm inte-
resse econômico, caracterizado pela eventual comunicação das
dívidas do outro a qual venha a diminuir, de fato, a garantia

4 1 Eduardo Espínola, A Família no Direito Civil Brasileiro, atualizado


por Ricardo Rodrigues Gama, Editora Bookseller, São Paulo, 2001,
pág. 183 e Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil, Volume V, Direito de
Família, Editora Atlas, São Paulo, 18ª edição, 2001, pág. 101.
42 Art. 208. Parágrafo único. Antes de vencido esse prazo, a declaração
da nulidade poderá ser requerida: I — por qualquer interessado; II —
pelo Ministério Público, salvo se já houver falecido algum dos cônju-
ges.
43 Igual o teor do parágrafo único do art. 146 do Código Civil de 1916.
4 4 A interpretação do aludido artigo deve ser conjugada com o art. 3º do
Código de Processo Civil (Para propor ou contestar ação é necessário
ter interesse e legitimidade).
45 Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, Volume V,
Editora Forense, Rio de Janeiro, 1990, pág. 82.
76
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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prestada por este último. Os ascendentes e o primeiro cônjuge do


bígamo são dotados de interesse moral. A legitimidade dos des-
cendentes não é pacífica na doutrina. Alguns autores 46 defendem
a legitimidade ativa, sob o argumento do interesse moral, enquan-
to outros 47 a negam por inexistência de interesse moral.
Já quanto à legitimidade ativa do Parquet esta emana do
interesse social presente nos casos de nulidade. Como já salien-
tado, o casamento contraído com inobservância de impedimen-
to matrimonial e por enfermo mental sem discernimento neces-
sário para os atos da vida civil apresenta alta relevância para a
lei, tanto que penaliza com nulidade tal casamento. Nestas hi-
póteses, não se atendeu aos impedimentos de direito público,
surgindo, daí, o interesse e, portanto, a legitimidade para a atua-
ção do Ministério Público.
Durante a tramitação do Projeto do Novo Código Civil, pro-
curou-se limitar a legitimidade ativa do Ministério Público ape-
nas aos casos de nulidade resultante de infração aos impedi-
mentos matrimoniais. Sob o argumento, porém, de que os inte-
resses dos absolutamente incapazes são de ordem pública, 48 a
legitimidade ativa do Ministério Público passou, por emenda, a
abranger as duas hipóteses de nulidade.
Há inovação no que tange à legitimidade do Ministério
Público pois o Código Civil de 1916 a condicionava à hipótese
de estarem vivos os cônjuges. Justificava-se a limitação sob o
argumento de que, com a morte de um dos cônjuges, cessava a
razão que a sociedade poderia ter na declaração da nulidade. 49
Já existiam julgados sustentando a legitimidade ativa do
Parquet, mesmo em havendo morte de um dos cônjuges, enten-
dendo que a limitação só alcançava a nulidade no caso de in-
competência da autoridade celebrante. 50

4 6 Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, Volume V,


Editora Forense, Rio de Janeiro, 1990, pág. 82.
47 Eduardo Espínola, A Família no Direito Civil Brasileiro, atualizado
por Ricardo Rodrigues Gama, Editora Bookseller, São Paulo, 2001,
pág. 184.
4 8 Nos termos do art. 3º, II do Código Civil de 2002, os enfermos mentais
sem o necessário discernimento para os atos da vida civil são absolu-
tamente incapazes.
49 Maria Helena Diniz, Código Civil Anotado, Editora Saraiva, São Pau-
lo, 1995, pág. 204.
5 0 “Casamento — Ação de anulação — Bigamia — Legitimidade ad cau-
sam do Ministério Público ainda que já falecido um dos cônjuges —
Capítulo VIII — Da Invalidade do Casamento
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○ ○

A legitimidade ativa do Ministério Público é generalidade


nas legislações estrangeiras, como no Código Civil francês (art.
190), italiano (art. 125), suíço (art. 122), argentino (art. 86) e
venezuelano (art. 124).

Art. 1.550. É anulável o casamento:


I — de quem não completou a idade mínima para
casar;
II — do menor em idade núbil, quando não au-
torizado por seu representante legal;
III — por vício da vontade, nos termos dos arts.
1.556 a 1.558;
IV — do incapaz de consentir ou manifestar, de
modo inequívoco, o consentimento;
V — realizado pelo mandatário, sem que ele ou
o outro contraente soubesse da revogação do
mandato, e não sobrevindo coabitação entre os
cônjuges;
VI — por incompetência da autoridade cele-
brante.
Parágrafo único. Equipara-se à revogação a in-
validade do mandato judicialmente decretada.
Direito Anterior: Art. 209 do Código Civil.

O presente artigo menciona outros requisitos para a vali-


dade do casamento, além dos mencionados no art. 1.548. Ausen-
te um deles, o casamento será inválido. Agora, entretanto, a lei
tratou da invalidade do casamento de modo diverso: enquanto o
art. 1.548 prevê requisitos de validade que, ausentes, tornam o
casamento nulo, o art. 1.550 estabelece requisitos de validade
que, ausentes, fazem anulável o matrimônio, pois o interesse
não é, senão indiretamente, social.

Proibição legal que só atinge a hipótese de matrimônio celebrado pe-


rante autoridade incompetente” (TJSP, RT, 642/112). “Anulação de
casamento — Bigamia — Falecimento do cônjuge bígamo — Proposi-
tura da demanda pelo Ministério Público — Legitimidade — Vedação
legal que se restringe às hipóteses de casamento celebrado por auto-
ridade incompetente” (TJSP, JB, 150/354).
78
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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A anulabilidade visa a proteger direta e principalmente in-


teresse individual. 51 A análise dos incisos do presente artigo per-
mite concluir que as hipóteses de anulabilidade nele elencadas
são de vontade viciada. A ausência de vontade, como já salien-
tado, 52 torna o casamento inexistente. Presente a vontade, deve
ser externada de modo válido. Nestes casos, a lei considerou que
a vontade foi manifestada de modo defeituoso e, para resguar-
dar o interesse do emissor da vontade, considera o casamento
anulável.
No Código Civil de 1916, existiam os impedimentos diri-
mentes relativos ou privados (art. 183, IX até XII 53 ) que,
inobservados, tornavam o casamento anulável (art. 209 54). O
Novo Código Civil também prevê ser o casamento anulável em
certas circunstâncias, a despeito de não considerá-las impedi-
mentos matrimoniais, as quais, hoje, se vêem como causas de
anulabilidade do casamento e, por taxativas, não admitem in-
terpretação extensiva.
Nos termos do art. 1.517 do Novo Código Civil, a capacida-
55
de para o casamento se alcança, para ambos os sexos, aos 16
(dezesseis) anos. A contrario sensu, homens e mulheres meno-
res de 16 anos — impúberes e absolutamente incapazes — não
podem casar, nem através de seus representantes legais nem
autorizados por estes. Se tal casamento ocorrer, será anulável,
porque presume o legislador viciada a manifestação de vontade
por quem não tenha atingido tal idade mínima. O Código Civil
de 1916 também considerava anulável o casamento contraído
por quem não tinha alcançado a idade núbil.

5 1 Sílvio Rodrigues, Direito Civil, Volume 6, Direito de Família, Editora


Saraiva, São Paulo, 18ª edição, 1993, pág. 89.
5 2 Vide introdução ao Capítulo VIII.
5 3 Art. 183 – Não podem casar:... IX — As pessoas por qualquer motivo
coactas e as incapazes de consentir, ou manifestar, de modo inequívo-
co, o consentimento; X — O raptor com a raptada, enquanto esta não
se ache fora do seu poder e em lugar seguro; XI — Os sujeitos ao pátrio
poder, tutela, ou curatela, enquanto não obtiverem, ou não lhes for
suprido o consentimento do pai, tutor ou curador (art. 212); XII — As
mulheres menores de dezesseis anos e os homens menores de dezoito.
5 4 Art. 209. É anulável o casamento contraído com infração de qualquer
dos ns. IX a XII do art. 183.
55 Tecnicamente, o correto seria legitimidade para casar, pois trata-se
de impedimento legal para a prática de determinado ato, a despeito
de estar presente ou não a capacidade de fato.
Capítulo VIII — Da Invalidade do Casamento
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79
○ ○

Os maiores de 16 anos têm legitimidade para casar, neces-


sitando, todavia, enquanto não alcançarem a maioridade civil,
de autorização de seus representantes legais (art. 1.517), sob
pena da anulabilidade do casamento. Como os maiores de 16
(dezesseis) e menores de 18 (dezoito) anos são relativamente
incapazes, devem ser assistidos para a validade do ato. A assis-
tência equivale à autorização para casar. Sem a autorização, a
vontade não é manifestada de modo válido, tornando o casa-
mento anulável. O tratamento do Novo Código Civil não inovou
em relação ao Código Civil de 1916 (arts. 183, XII e 185).
Os vícios da vontade, nos termos dos arts. 1.556 a 1.558
impedem a livre manifestação desta que, acaso externada, o será
de modo defeituoso, tornando o negócio jurídico anulável. São
vícios da vontade 56 e aptos para anular os negócios jurídicos o
erro, o dolo, a coação, o estado de perigo e a lesão (art. 171 do
Novo Código Civil). A lei não os considerou causas de anulabili-
dade do casamento, cogitando apenas do erro e da coação. Irre-
levante o dolo em sede matrimonial. Sendo este o ato de induzir
a erro, constituiria “grave dano à estabilidade doméstica” a pos-
sibilidade de invocá-lo como causa de anulabilidade, já que, como
esclarece Caio Mário da Silva Pereira, 57 pode ocorrer, na fase
que antecede o casamento, a circunstância de os apaixonados
procurarem “disfarçar seus defeitos e ocultar suas falhas”.
O Código Civil alemão, no art. 1.334, admite o dolo como
causa de anulabilidade do casamento, mas condiciona que as
manobras dolosas sejam capazes de induzir a erro sobre circuns-
tâncias graves ou pontos de honra delicados, para que se carac-
terize o vício, no que era seguido pelo Código Civil suíço (art.
125).
Verifica-se, pela mera leitura dos artigos 156 e 157 do novo
Código Civil, que o estado de perigo e a lesão são vícios da von-
tade impossíveis de ocorrer em matéria de casamento. Idêntico
tratamento recebiam tais vícios do Código Civil de 1916.
O casamento não se revela simples contrato de cunho pa-
trimonial. Não é negócio jurídico que qualquer pessoa conside-
rada incapaz por lei possa, desde que autorizada por seu repre-
sentante legal, praticar. Deve-se analisar em separado cada um
dos gêneros de incapacidade, a fim de que se possa aferir quais

5 6 Chamados também de vícios do consentimento.


5 7 In Instituições de Direito Civil, Volume V, Editora Forense, Rio de
Janeiro, 1990, pág. 90.
80
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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estão sujeitos à anulabilidade matrimonial. Em se tratando de


enfermo mental ou deficiente mental sem discernimento para a
prática dos atos da vida civil, e de pessoa que, mesmo por causa
transitória, não pode exprimir sua vontade, a hipótese é de ca-
samento nulo, como já analisado, pois o art. 1.548 é regra espe-
cial em relação ao art. 1.550 ora comentado.
Em se tratando de absolutamente incapaz, menor de 16
(dezesseis) anos e impúbere, já aqui se ponderou quanto à anu-
labilidade de tal matrimônio (art. 1.550, I), independentemente
do consentimento dos representantes legais. No que respeita ao
relativamente incapaz, menor púbere (art. 4º, I), já se referiu
também ser o casamento anulável (art. 1.550, II), salvo se auto-
rizados pelos representantes legais. Quanto ao pródigo, ostenta
capacidade de manifestar seu consentimento de modo inequívo-
co. Sua incapacidade relativa não o impede de casar, inclusive
sem autorização de seu curador, pois, nos termos do art. 1.782,
só está privado de praticar sozinho atos de cunho patrimonial.
Quanto aos ébrios habituais, os viciados em tóxicos e os que,
por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido, bem
como quanto aos excepcionais, sem desenvolvimento mental com-
pleto, devem ser apreciados pelo juiz, no caso concreto, segundo
as condições pessoais daqueles para consentir de modo inequí-
voco ou não, considerando o julgador, inclusive, os limites da
curatela (art. 1.772). Se não puderem consentir de modo ine-
quívoco, o casamento será anulável, ante os termos do art. 1.550,
IV. A validade ou anulabilidade do casamento independe de ha-
ver ou não interdição e de eventual autorização do represen-
tante legal. Sob a égide do Código Civil de 1916, ao se interpre-
tar a condição dos incapazes mencionados no art. 183, IX, con-
sideravam-se apenas “o louco não interditado, o surdo-mudo sem
a devida educação ou o momentaneamente alienado por uma
causa mecânica, química ou psíquica”, 58 pois, em havendo inter-
dição, havia regra especial — arts. 183, XI, 59 209 60 e 212. 61 Por
5 8 Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, Volume V,
Editora Forense, Rio de Janeiro, 1990, pág. 85.
5 9 Não podem casar:... XI– Os sujeitos ao pátrio poder, tutela, ou curate-
la, enquanto não obtiverem, ou lhes não for suprido o consentimento
do pai, tutor ou curador (art. 212).
60 Art. 209. É anulável o casamento contraído com infração de qualquer
dos ns. IX a XII do art. 183.
61 Art. 212. A anulação do casamento contraído com infração do n. XI do
art. 183 só pode ser requerida pelas pessoas que tinham o direito de
consentir e não assistiram ao ato.
Capítulo VIII — Da Invalidade do Casamento
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81
○ ○

tais dispositivos legais, o casamento do incapaz interditado só


era anulável se o representante legal não tivesse consentido e
nem assistido a celebração do casamento.
O Novo Código Civil, todavia, não reproduziu o art. 183,
XI do Código Civil de 1916, o qual impedia o casamento dos su-
jeitos à curatela enquanto não obtivessem o consentimento do
curador ou seu suprimento judicial. O Código de 2002 inovou ao
tratar, em capítulo próprio, da “capacidade para o casamento”
(arts. 1.517 a 1.520), mencionando expressamente a necessida-
de, para os menores púberes, de consentimento de seus repre-
sentantes legais (pais, tutor ou curador) para a validade do ca-
samento (art. 1.550, II). Não mencionou, entretanto, a necessi-
dade de consentimento do curador para o casamento dos demais
incapazes. O tratamento inovador foi mais severo, pois vedou
que a autorização do representante legal tornasse válido o ca-
samento do incapaz. Justifica-se tal rigor, pois o casamento não
é negócio jurídico qualquer que possa admitir manifestação de
vontade através de representante legal. Todavia, como se exa-
minará no art. 1.560, I, é possível a ratificação tácita deste ca-
samento, se não proposta ação de anulabilidade no prazo legal.
Trata-se de hipótese nova de anulabilidade do casamento
a previsão de ser este realizado pelo mandatário, sem que ele ou
o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não so-
brevindo coabitação entre os cônjuges. Nos termos do art. 1.542,
possível o casamento celebrado mediante procuração. A revoga-
ção é causa de extinção do mandato (art. 682, I) e dando-se dela
ciência a terceiros e ao mandatário, a fim de que este não cele-
bre, em nome do mandante, o negócio jurídico. Pelas normas
genéricas do contrato de mandato (arts. 690 62 e 686 do novo
Código Civil), se o mandatário ignora a causa de extinção do
mandato, o negócio jurídico por ele celebrado é válido. Da mes-
ma forma, se apesar do mandatário saber da revogação, o outro
contratante dela não tem conhecimento, cabendo ao mandante
acionar o mandatário. Tais regras genéricas não se podiam apli-
car como solução ao casamento, diante de seu caráter persona-
líssimo. Todavia, o Código Civil de 1916 não dispõe sobre a hi-

62 Art. 686. A revogação do mandato, notificada somente ao mandatário,


não se pode opor aos terceiros que, ignorando-a, de boa-fé com ele
trataram, mas ficam salvas ao constituinte as ações que no caso lhe
possam caber contra o procurador.
82
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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pótese, razão pela qual a doutrina 63 sustenta a inexistência, por


falta de consentimento, do casamento.
O Novo Código Civil regulamenta, em se tratando de casa-
mento, de modo especial tal situação, ficando afastadas as re-
gras genéricas. O casamento celebrado pelo mandatário que não
sabia da revogação do mandato é anulável. Se o mandatário ti-
nha conhecimento de tal circunstância, mas o outro contratan-
te a ignorava, também anulável o casamento.
Para a anulabilidade do casamento é necessário, porém, o
requisito de não sobrevir coabitação entre os cônjuges. Se o man-
dato é revogado, o mandatário ou o outro contraente não sabem
da revogação e sobrevém a coabitação, o casamento é válido,
pois a coabitação funciona como confirmação do casamento anu-
lável contraído, uma vez que nos termos do art. 172 do Novo
Código Civil, a anulabilidade admite ratificação. Equipara-se à
revogação a invalidade do mandato judicialmente decretada, nos
termos do parágrafo único do art. 1.550.
Pressuposto à existência do casamento, como já se defen-
deu na introdução do presente capítulo, a celebração é indis-
pensável ao aperfeiçoamento daquele, gerando sua ausência, ob-
viamente, casamento inexistente.
A doutrina 64 cita duas situações em que o casamento seria
inexistente por falta de celebração. A primeira, quando não se
realiza o ato do casamento em si e, a segunda, quando esta é
realizada por pessoa absolutamente incompetente, ou seja, quan-
do há incompetência ratione materiae. É competente para cele-
brar casamento a justiça de paz, nos termos do art. 98, II da
Constituição da República. Mas, como essa regra constitucio-
nal não é considerada por alguns como auto-aplicável e, até a
presente data não foi regulamentada, são as leis de organiza-
ção judiciária que estabelecem quem será a pessoa investida na
função de juiz de paz, com competência para celebrar casamen-
to. Se pessoa não investida nesta função o realizar, haverá in-

Art. 690. Se falecer o mandatário, pendente o negócio a ele cometi-


do, os herdeiros, tendo ciência do mandato, avisarão o mandante, e
providenciarão a bem dele, como as circunstâncias exigirem.
63 Carlos Roberto Gonçalves, Sinopses Jurídicas, Volume 2, Direito de
Família, 4ª edição, Editora Saraiva, São Paulo, 1999, pág. 21.
6 4 Pontes de Miranda, in Tratado de Direito de Família, Volume I, Direi-
to Matrimonial, atualizado por Vilson Rodrigues Alves, Editora
Bookseller, São Paulo, 2001, pág. 316.
Capítulo VIII — Da Invalidade do Casamento
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83
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competência absoluta, ratione materiae, havendo-se o matrimô-


nio por inexistente.
Caso celebrado o casamento por pessoa que, ainda que in-
vestida na função de juiz de paz, o fizer fora do local onde possa
realizá-lo, haverá incompetência relativa, ratione loci, podendo
o casamento ser anulável, por aplicação imediata do art. 1.550,
IV do Novo Código Civil.
Ante os termos do art. 208, caput, do Código Civil de 1916,
o casamento celebrado por autoridade incompetente era nulo,
mas se a nulidade não fosse argüida no prazo decadencial de 2
(dois) anos, convalescia. Usou de melhor técnica o Novo Código
Civil, considerando o ato anulável, pois aquela era a única hi-
pótese civil de nulidade sanável (parágrafo único do art. 208 do
Código Civil de 1916). A bem da verdade, o dispositivo legal
analisado não exige expressamente, para a anulabilidade do
casamento, que a incompetência seja relativa. A posição que
prevalece dentre os autores é a defendida por Pontes de
Miranda, 65 pela inexistência do casamento, quando for a incom-
petência absoluta.

Art. 1.551. Não se anulará, por motivo de idade,


o casamento de que resultou gravidez.
Direito Anterior: Art. 215 do Código Civil.

Nos termos do art. 1.517, os menores de 16 anos não po-


dem casar. Descumprido o preceito legal, o casamento será anu-
lável (art. 1.550, I). A lei considerou que aqueles que não atin-
giram a idade nupcial presumem-se incapazes de procriar ou de
produzir uma prole sadia, em normais condições de vitalidade.66
Se da união resultou gravidez, a presunção está afastada. Ade-
mais, se a anulabilidade do casamento subsistisse, a lei não
estaria protegendo a família e a procriação, sendo tal proteção
a razão para que o presente artigo vede a anulação do casamen-

6 5 Pontes de Miranda, in Tratado de Direito de Família, Volume I, Direi-


to Matrimonial, atualizado por Vilson Rodrigues Alves, Editora
Bookseller, São Paulo, 2001, pág. 317.
66 Eduardo Espínola, A Família no Direito Civil Brasileiro, atualizado
por Ricardo Rodrigues Gama, Editora Bookseller, São Paulo, 2001,
pág. 199.
84
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

to dos menores em idade núbil de que resulta gravidez. Não hou-


ve qualquer inovação em relação ao Código Civil de 1916 (art.
209).
A gravidez pode ser anterior ou posterior à celebração do
casamento. Se, no curso da ação de anulabilidade, ocorrer a gra-
videz, fica prejudicado o pedido de anulação do casamento. É
necessária efetiva comprovação da gravidez. 67 Ainda que a gra-
videz seja interrompida, provado que esta ocorreu, o casamento
não poderá ser anulado, pois já ficou afastada a presumida in-
capacidade para a procriação.

Art. 1.552. A anulação do casamento dos meno-


res de dezesseis anos será requerida:
I — pelo próprio cônjuge menor;
II — por seus representantes legais;
III — por seus ascendentes.
Direito Anterior: Art. 213 do Código Civil.

A idade mínima para o casamento é de dezesseis anos (art.


1.517), para homens e mulheres. Se este for contraído por al-
guém que não atingiu tal idade legal, será anulável (art. 1.550,
I). São legitimados ativos para a propositura da ação de anula-
bilidade as pessoas mencionadas no presente artigo: o próprio
cônjuge menor, seus representantes legais (os pais, detentores
do poder familiar, ou o tutor, durante a tutela) e seus ascenden-
tes.
O Novo Código Civil inovou em relação à codificação ante-
rior, pois reduziu o rol de tais legitimados. Nos termos do inciso
III do antigo art. 213, podiam propor ação de anulabilidade os
parentes em linha reta, por consangüinidade (ascendentes e des-
cendentes) ou afinidade (enteados e sogros) e os colaterais em
segundo grau, por consangüinidade (irmãos) ou afinidade (cunha-
dos). 68 O inciso III do artigo 1.552 menciona apenas ascenden-
tes (inclui os avós, bisavós e, defendemos até mesmo os pais que

6 7 Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, Volume V,


Editora Forense, Rio de Janeiro, 1990, pág. 86.
68 Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comen-
tado, Volume II, atualizado por Achilles Bevilaqua, Editora Paulo de
Azevedo Ltda., Rio de Janeiro, 12ª edição, 1960, pág. 62.
Capítulo VIII — Da Invalidade do Casamento
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
85
○ ○

tenham perdido o poder familiar), excluindo a legitimidade ati-


va dos descendentes, dos parentes em linha reta por afinidade e
dos colaterais, por consangüinidade ou afinidade.

Art. 1.553. O menor que não atingiu a idade


nupcial poderá, depois de completá-la, confir-
mar seu casamento, com a autorização de seus
representantes legais, se necessária, ou com su-
primento judicial.
Direito Anterior: Art. 216 do Código Civil.

Em sendo o negócio jurídico anulável, admite-se sua con-


firmação ou ratificação (art. 172). O tratamento em matéria de
casamento é semelhante. Como já analisado, o casamento do
menor de 16 anos é anulável (art. 1.550, I), tendo legitimidade
ativa para argüi-la as pessoas mencionadas no art. 1.552. O côn-
juge menor goza do prazo de 180 dias para ajuizar a ação para
anular seu casamento, a contar de quando completar 16 anos
(art. 1.560, § 1º). No artigo em exame, porém, a lei possibilita ao
cônjuge menor, quando atinge a idade núbil, confirmar expres-
samente seu casamento.
Essa confirmação tem de ser manifesta e, por isso, deverá
ser apresentada perante o juiz celebrante e o oficial do Registro
ou seus substitutos, em termo assinado apenas pelo ratificante,
por tratar-se de ato unilateral, 69 na presença de duas testemu-
nhas, sendo certo que o Novo Código Civil não fixa formalmente
tais exigências. A confirmação terá efeito ex tunc.
A intenção da lei é, sendo intenção dos cônjuges manter
seu casamento, evitar que terceiros o anulem (inciso II e III do
art. 1.552). Por tal motivo, se já se anulou o casamento, não
mais se faculta ao menor tal confirmação, 70 restando-lhe, unica-
mente, casar-se de novo. 71

6 9 Eduardo Espínola, A Família no Direito Civil Brasileiro, atualizado


por Ricardo Rodrigues Gama, Editora Bookseller, São Paulo, 2001,
pág. 194; Maria Helena Diniz, Código Civil Anotado, Editora Sarai-
va, São Paulo, 1995, pág. 206.
70 Eduardo Espínola, A Família no Direito Civil Brasileiro, atualizado
por Ricardo Rodrigues Gama, Editora Bookseller, São Paulo, 2001,
pág. 193.
71 Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comen-
tado, Volume II, atualizado por Achilles Bevilaqua, Editora Paulo de
Azevedo Ltda., Rio de Janeiro, 12ª edição, 1960, pág. 61.
86
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Considerando que aos 16 anos ainda há menoridade civil,


será necessária a autorização dos representantes legais (pais
ou tutor) cabendo suprimento judicial se negada tal autoriza-
ção, que poderá ser dispensada em alguns casos, como na hipó-
tese de ocorrer a emancipação (art. 5º, parágrafo único) e de
casamento putativo (art. 1.561 — se o casamento é anulável,
mas foi contraído de boa-fé, gera efeitos, emancipando o cônju-
ge menor que poderá confirmar sua vontade, independentemente
de autorização).
A inovação trazida pela nova Codificação para a confirma-
ção do casamento anulado consiste na circunstância de que o
art. 1.553 só permite a confirmação do casamento do menor de
16 anos, enquanto o art. 211 72 do Código Civil anterior autori-
zava a qualquer incapaz ratificar seu casamento quando adqui-
risse a necessária capacidade. Assim, nos demais casos de casa-
mento anulável e incapacidade (art. 1.550, II e IV) não poderá
haver confirmação.
Não é cabível a aplicação do art. 172 do novo Diploma Le-
gal aos demais casamentos anuláveis, pois é norma genérica aos
negócios jurídicos, tendo o casamento recebido tratamento es-
pecífico por parte do legislador.
A não reprodução do art. 211 do Código Civil de 1916 de-
monstra que se torna juridicamente impossível a ratificação ex-
pressa 73 do casamento dos demais incapazes. Louvável a inova-
ção, pois tal ratificação é de rara aplicação prática, visto que
aos cônjuges interessados na manutenção de seu casamento
basta deixar fluir in albis o prazo decadencial para a propositu-
ra da ação de anulabilidade do casamento, com a vantagem de
esta ratificação tácita ser menos burocrática.

Art. 1.554. Subsiste o casamento celebrado por


aquele que, sem possuir a competência exigida
na lei, exercer publicamente as funções de juiz
de casamentos e, nessa qualidade, tiver inscri-
to o ato no Registro Civil.
Direito anterior: Não há previsão.

7 2 Art. 211. O que contraiu casamento enquanto incapaz pode ratificá-


lo, quando adquirir a necessária capacidade, e esta ratificação
retrotrairá os seus efeitos à data da celebração.
7 3 Veremos, na análise do art. 1.560, ser possível a ratificação tácita.
Capítulo VIII — Da Invalidade do Casamento
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87
○ ○

A despeito de menção legal expressa, o casamento exige,


como pressuposto de existência, a celebração. Uma das situa-
ções em que falta celebração — e o casamento é inexistente —
ocorre quando a autoridade celebrante é absolutamente incom-
petente. Hipótese diversa é a que trata de autoridade relativa-
mente incompetente, pois o casamento existirá mas será inváli-
do e anulável (inciso IV do art. 1.550).
O art. 1.554 traduz novidade do Código Civil de 2002, pois
prevê que o casamento, apesar de celebrado por quem não pos-
sui a competência exigida na lei, subsiste — pode ser válido.
A pessoa competente para celebrar casamento é o juiz de
paz. Sendo o casamento celebrado por outrem, faltará celebra-
ção e o casamento será inexistente. Essa inexistência não se
convalida com o tempo e nem é capaz de subsistir, ainda que
haja publicidade ou registro do ato, pois é um nada.
Por outro lado, se o casamento for celebrado por juiz de
paz, apesar de fora dos limites de sua competência territorial, o
casamento existe, pois a hipótese, agora, é de autoridade
celebrante relativamente incompetente. Assim, diante do inci-
so IV do art. 1.550, o casamento será anulável, podendo o de-
curso do tempo, como se apreciará no art. 1.560, II, convalidar
tal anulabilidade.
Para o reconhecimento de tal subsistência, são necessários
dois requisitos: o exercício público das funções de juiz de paz e o
registro do ato no Registro Civil. O primeiro torna clara a neces-
sidade de que a autoridade celebrante esteja investida na fun-
ção de juiz de paz (de casamentos). Caso contrário, seria abso-
lutamente incompetente e, como já analisado, a hipótese seria
de casamento inexistente. Para o aperfeiçoamento do primeiro
requisito, é indispensável o exercício público da função de juiz
de paz, ou seja, notório, do possível conhecimento de todos.
Quanto ao registro, se inexistente este, igual destino terá
o casamento. Louve-se o tratamento inovador da lei, pois a boa-
fé e a aparência devem prevalecer sobre as formalidades legais.
Ausentes tais requisitos, o casamento é anulável.

Art. 1.555. O casamento do menor em idade núbil,


quando não autorizado por seu representante le-
gal, só poderá ser anulado se a ação for propos-
ta em cento e oitenta dias, por iniciativa do inca-
paz, ao deixar de o ser, de seus representantes
legais ou de seus herdeiros necessários.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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§ 1º O prazo estabelecido neste artigo será con-


tado do dia em que cessou a incapacidade, no
primeiro caso; a partir do casamento, no segun-
do; e, no terceiro, da morte do incapaz.
§ 2º Não se anulará o casamento quando à sua
celebração houverem assistido os representan-
tes legais do incapaz, ou tiverem, por qualquer
modo, manifestado sua aprovação.
Direito Anterior: Art. 178, § 5º, II, do Código Civil.

Pelo teor do art. 1.517, o homem e a mulher podem casar a


partir dos 16 (dezesseis) anos. Não observada esta idade míni-
ma, o casamento será anulável (art. 1.550, I), tendo legitimida-
de ativa para a propositura da ação as pessoas mencionadas no
art. 1.552, as quais deverão valer-se do prazo de 180 (cento e
oitenta) dias previsto no art. 1.560, § 1º.
Alcançada a idade núbil, enquanto houver menoridade (me-
nores púberes — entre dezesseis e dezoito anos), o casamento
exige autorização dos pais ou dos representantes legais (tutor
ou curador), ante os termos do art. 1.517, caput, sob pena de ser
anulável (art. 1.550, II). O artigo preceitua os legitimados ati-
vos a argüir judicialmente essa anulabilidade, e de que prazo
dispõem. O primeiro legitimado ativo é o próprio menor, quan-
do alcançar os 18 (dezoito) anos, ou o incapaz, quando deixar de
sê-lo. Os segundos legitimados ativos são os representantes le-
gais do menor. Os terceiros e últimos, seus herdeiros necessários
(art. 1.845 — descendentes, ascendentes e cônjuge). O prazo
que os legitimados ativos dispõem para invocar a anulabilidade
é de 180 dias, mas o dies a quo do cômputo de tal não é idêntico
para todos, como se verifica do § 1º do artigo em exame. Para o
menor incapaz, o termo inicial é o dia da cessação de sua inca-
pacidade; no caso dos representantes legais do incapaz é o da
celebração do casamento e, para os herdeiros necessários, o da
morte do incapaz.
Como já se destacou na análise do art. 1.553, a lei não au-
toriza que o casamento dos menores entre 16 e 18 anos sem a
autorização dos pais ou representantes legais seja ratificado ex-
pressamente pelo menor, ao alcançar os 18 anos. Se, todavia,
deixa o menor escoar in albis o prazo legal para ajuizamento da
ação de anulabilidade, ratificar-se-á tacitamente seu casamen-
to.
Capítulo VIII — Da Invalidade do Casamento
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89
○ ○

Os homens e mulheres maiores de 16 (dezesseis) anos, en-


quanto não alcançarem a maioridade, necessitam de autoriza-
ção de seus pais ou representantes legais para casar.
Esta autorização, nos termos do art. 1.525, II, deve ser es-
crita e instruir o requerimento de habilitação para o casamen-
to. Sua ausência torna o casamento anulável (art. 1.550, II).
Ocorre, entretanto, que o parágrafo segundo do art. 1.555
veda seja anulado o casamento se houver autorização tácita, que,
evidentemente, embora não seja o instrumento hábil ao ato,
impede seja decretada sua anulabilidade.
Haverá autorização tácita quando os representantes legais
assistirem à celebração do casamento dos menores púberes ou
relativamente incapazes ou quando, por qualquer outro modo,
demonstrarem sua aprovação. A anulabilidade está obstada, pois
presume-se o consentimento 74 já que podiam ter oposto a causa
de anulabilidade matrimonial e não o fizeram.
O Código Civil de 1916 previa tão-somente a assistência
ao ato de celebração do casamento como autorização tácita, sendo
inovação a possibilidade de que outros comportamentos
evidenciadores da aprovação impeçam, da mesma forma, a anu-
lação do casamento.
Pelo Código Civil anterior, só os representantes legais dos
menores púberes tinham legitimidade ativa para propor ação
de anulabilidade do casamento celebrado sem suas autorizações.
Afinal, como era “deles o direito de consentir ou negar consenti-
mento ao enlace, deles, igualmente, o direito de alegar essa
mácula do ato”. 75
O Novo Código Civil amplia a legitimidade ativa, autori-
zando o próprio cônjuge menor a pleitear a anulabilidade. Em
decorrência do § 2º do artigo ora examinado, o cônjuge menor
somente poderá pleitear a anulabilidade se, a despeito de haver
consentido, seus representantes legais não o fizeram nem ex-
pressa nem tacitamente.

7 4 Sílvio Rodrigues, Direito Civil, Volume 6, Direito de Família, Editora


Saraiva, São Paulo, 18ª edição, 1993, pág. 93.
75 Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comen-
tado, Volume II, atualizado por Achilles Bevilaqua, Editora Paulo de
Azevedo Ltda., Rio de Janeiro, 12ª edição, 1960, pág. 61.
90
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Art. 1.556. O casamento pode ser anulado por


vício da vontade, se houve por parte de um dos
nubentes, ao consentir, erro essencial quanto à
pessoa do outro.
Direito Anterior: Art. 218 do Código Civil.

Em sendo a manifestação da vontade elemento formador


do negócio jurídico, mister que para sua validade tal manifesta-
ção não se apresente viciada. Dentre os vícios da vontade (ou do
consentimento) que tornam anulável o negócio jurídico (art. 171,
II) encontra-se o erro, expressamente regulamentado nos arts.
138 usque 144.
O erro deriva de equivocada concepção sobre o ato prati-
cado a qual, influenciando a formação da vontade, faz com que
esta se manifeste de modo diverso da real intenção. Nos termos
do art. 138, os erros capazes de anular o negócio jurídico podem
ser substanciais e escusáveis.
O primeiro é tipificado no art. 139, dentre os quais se en-
contra aquele que concerne à identidade ou à qualidade essen-
cial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde
que tenha influído nesta de modo relevante (inciso II — error in
persona).
O erro escusável é o que qualquer pessoa de atenção ordi-
nária é capaz de cometer.
No direito de família, tanto o erro substancial quanto o
escusável, ambos quanto à pessoa, receberam o mesmo trata-
mento, prevendo o artigo em análise a possibilidade de anula-
ção do casamento celebrado através de manifestação de vontade
que apresente tais vícios
Para que se anule o casamento por erro, mister a prova de
que tal vício presidiu a vontade do nubente ao consentir no ca-
samento, ou seja, necessário que o defeito seja anterior ao ato
nupcial. 76 Salienta Caio Mário da Silva Pereira que o erro deve
ser também determinante, pois “sem ele a pessoa não teria con-
sentido no casamento”, 77 pouco importando se houve ou não

7 6 Maria Helena Diniz, Código Civil Anotado, Editora Saraiva, São Pau-
lo, 1995, pág. 209; Sílvio Rodrigues, Direito Civil, Volume 6, Direito
de Família, Editora Saraiva, São Paulo, 18ª edição, 1993, pág. 94.
77 Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, Volume V,
Editora Forense, Rio de Janeiro, 1990, pág. 86.
Capítulo VIII — Da Invalidade do Casamento
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○ ○

malícia do cônjuge em induzir o outro a erro e se o enganado


procurou ou não aferir se as qualidades ostentadas correspon-
diam à realidade.

Art. 1.557. Considera-se erro essencial sobre a


pessoa do outro cônjuge:
I — o que diz respeito à sua identidade, sua hon-
ra e boa fama, sendo esse erro tal que o seu co-
nhecimento ulterior torne insuportável a vida em
comum ao cônjuge enganado;
II — a ignorância de crime, anterior ao casamen-
to, que, por sua natureza, torne insuportável a
vida conjugal;
III — a ignorância, anterior ao casamento, de de-
feito físico irremediável, ou de moléstia grave e
transmissível, pelo contágio ou herança, capaz
de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de
sua descendência;
IV — a ignorância, anterior ao casamento, de do-
ença mental grave que, por sua natureza, torne
insuportável a vida em comum ao cônjuge en-
ganado.
Direito Anterior: Art. 219 do Código Civil.

Dado o caráter especial do casamento como negócio jurídi-


78
co, o Código Civil de 1916 reputou conveniente particularizar
casos em que o erro anula o casamento, tendo o Novo Código
Civil mantido a mesma técnica e orientação. Deste modo, não é
qualquer erro quanto à pessoa que vicia o casamento, mas ape-
nas aqueles taxativamente previstos em lei.
Para a anulabilidade do casamento, necessário que o côn-
juge enganado demonstre a insuportabilidade da vida em co-
mum. O Código Civil de 1916 exige expressamente esse requisi-
to no inciso I do art. 219, defendendo parte da doutrina 79 que,

7 8 Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comen-


tado, Volume II, atualizado por Achilles Bevilaqua, Editora Paulo de
Azevedo Ltda., Rio de Janeiro, 12ª edição, 1960, pág. 67.
7 9 Sílvio Rodrigues, Direito Civil, Volume 6, Direito de Família, Editora
Saraiva, São Paulo, 18ª edição, 1993, pág. 94. Maria Helena Diniz,
Código Civil Anotado, Editora Saraiva, São Paulo, 1995, pág. 209;
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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em relação às demais hipóteses ali referidas, se deveria reco-


nhecer presunção absoluta de tal insuportabilidade.
Referido pressuposto se faz indispensável igualmente para
a separação judicial, sanção prevista no art. 1.572, caput. 80 Nes-
ta um dos cônjuges pode buscar o fim da sociedade conjugal impu-
tando ao outro qualquer ato que importe grave violação dos de-
veres do casamento. Como pondera, todavia, Yussef Said Cahali, 81
na anulação do casamento o requisito deve ser analisado com
maior rigor do que na separação judicial, pois o vínculo conju-
gal será desfeito.
O Novo Código Civil só não exige expressamente a insupor-
tabilidade na hipótese do inciso III do artigo em análise. Pare-
ce boa a inovação quanto à exigência da circunstância da
insuportabilidade nos demais incisos, por que passou a ser ne-
cessário, para a obtenção da anulação do casamento, que o côn-
juge enganado a demonstre antes mesmo de provar a existência
do vício.
A insuportabilidade é requisito para a anulabilidade do
casamento em todas as hipóteses de defeito hábil a anulá-lo.
Nos casos arrolados nos incisos I, II e IV, é ela requisito, pois
expresso na lei, a ser provado pelo cônjuge enganado ao ajuizar
a ação de anulabilidade. Não provada a insuportabilidade, per-
manece válido o casamento.
Na específica hipótese do inciso III, a insuportabilidade
mantém a condição de requisito, mas por constituir presunção
absoluta, dispensa prova. Exatamente por tratar-se de presun-
ção absoluta é que a Lei não a exigiu expressamente.
No que diz respeito ao erro quanto à identidade do outro
cônjuge, a identidade a que se refere a lei é a física e civil. 82 O
erro quanto à identidade física se caracteriza pelo fato de um

Sílvio Rodrigues, Direito Civil, Volume 6, Direito de Família, Editora


Saraiva, São Paulo, 18ª edição, 1993, pág. 209. Espínola Filho defen-
de a presunção, quanto à ignorância de crime inafiançável, in A Famí-
lia no Direito Civil Brasileiro, atualizado por Ricardo Rodrigues
Gama, Editora Bookseller, São Paulo, 2001, pág. 207.
8 0 Vide art. 5º, caput, da Lei 6.515/77 — Lei do Divórcio.
8 1 Yussef Said Cahali, Divórcio e Separação, Tomo 1, 8ª. ed. Ed. Rev.
Tribunais
82 Eduardo Espínola, A Família no Direito Civil Brasileiro, atualizado
por Ricardo Rodrigues Gama, Editora Bookseller, São Paulo, 2001,
pág. 203.
Capítulo VIII — Da Invalidade do Casamento
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○ ○

nubente supor casar-se com “Angelo”, quando, na realidade, es-


taria casando com “Rafael”. A incidência deste erro é quase im-
possível na prática, 83 podendo eventualmente dar-se no casa-
mento por procuração.
A identidade civil (ou social) é, segundo Clóvis Beviláqua, 84
“o conjunto de atributos ou qualidades essenciais, com que a
pessoa aparece na sociedade”, o que inclui a identidade psíqui-
ca, psicológica, filosófica, religiosa, psicossocial etc. Assim, a
gênese da expressão identidade do outro cônjuge adotada na lei
deixa clara a reunião dos diversos elementos da personalidade.
Logicamente, cada erro quanto à identidade civil deve ser ana-
lisado pelo juiz, diante das circunstâncias do caso concreto. Só
será anulável o casamento, se demonstrado que o erro quanto à
identidade civil tornou insuportável a vida em comum para o
cônjuge enganado. Por exemplo: o erro quanto à nacionalidade
do cônjuge só tornará anulável o casamento, se ficar demons-
trada incompatibilidade racial, étnica ou nacional entre a deste
e a do cônjuge enganado; na hipótese de o cônjuge ser divorcia-
do e não solteiro, o erro só tornará anulável o casamento se fi-
car demonstrado que a religião adotada pelo cônjuge enganado
impediria tal matrimônio.
No que tange ao erro quanto à honra e boa fama, Clóvis
Bevilácqua 85 ensina que honra é “a dignidade da pessoa, que
vive honestamente, que pauta seu proceder pelos ditames da
moral”, enquanto a boa fama seria “a estima social, de que a
pessoa goza, por se conduzir segundo os bons costumes”. Na rea-
lidade, estes conceitos serão apreciados e aquilatados pelo juiz,
segundo os usos e costumes da época do casamento e as peculiari-
dades do caso concreto, revelando-se bastante conveniente para
tal apreciação a demonstração da insuportabilidade da vida em
comum.

8 3 Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comen-


tado, Volume II, atualizado por Achilles Bevilaqua, Editora Paulo de
Azevedo Ltda., Rio de Janeiro, 12ª edição, 1960, pág. 69; Caio Mário
da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, Volume V, Editora Fo-
rense, Rio de Janeiro, 1990, pág. 87.
84 Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comen-
tado, Volume II, atualizado por Achilles Bevilaqua, Editora Paulo de
Azevedo Ltda., Rio de Janeiro, 12ª edição, 1960, pág. 70.
85 Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comen-
tado, Volume II, atualizado por Achilles Bevilaqua, Editora Paulo de
Azevedo Ltda., Rio de Janeiro, 12ª edição, 1960, pág. 70.
94
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Referentemente ao erro por ignorância de crime, como o


Código Civil de 1916 considerava que apenas os crimes
inafiançáveis permitiam a anulação do casamento, presumia de
modo absoluto que eles tornariam insuportável a vida em co-
mum para o cônjuge enganado. Assim era porque tais crimes
são apenados de modo mais severo e “o ato desta categoria des-
classifica a pessoa na ordem social, revela uma alma eticamente
inadaptada, e é de presumir que, se o outro cônjuge conhecesse
essas qualidades, não se teria casado”. 86
O Novo Código Civil, ao suprimir, em relação ao crime, a
menção a tal natureza, ou seja, a inafiançabilidade, passou a
exigir expressamente a comprovação, pelo cônjuge enganado,
da insuportabilidade. Carlos Roberto Gonçalves 87 já defendia
que, se o crime não fosse afiançável, caberia anulação do casa-
mento por erro quanto à identidade, honra ou boa fama.
Além da prova da prática do crime e da insuportabilidade,
são requisitos para permitir a anulabilidade do casamento, nessa
hipótese legal, a anterioridade e a ignorância. A primeira se
prova pela data da prática do crime, mas a comprovação refe-
rente à ignorância é praticamente impossível, dado que tem
natureza fática negativa, aqui residindo as defesas mais efica-
zes. O Código Civil de 1916 exigia a condenação por sentença
com trânsito em julgado, pela concepção de que somente ela tor-
naria certa a prática de crime, evitando imputações falsas. Não
há mais tal exigência por parte da nova lei civil, pois, afinal,
pode o juiz criminal reconhecer que o crime foi praticado, mas
deixar de condenar por considerar a prescrição ou a inimpu-
tabilidade ou por conceder o perdão judicial. Melhor orientação
a do Novo Código Civil, por permitir que a cautela do magistra-
do, no caso em concreto, analise se foi ou não praticado crime
antes do casamento.
Até aqui os erros referidos diziam respeito a qualidades
morais essenciais. 88

8 6 Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comen-


tado, Volume II, atualizado por Achilles Bevilaqua, Editora Paulo de
Azevedo Ltda., Rio de Janeiro, 12ª edição, 1960, pág. 71.
87 Carlos Roberto Gonçalves, Sinopses Jurídicas, Volume 2, Direito de
Família, 4ª edição, Editora Saraiva, São Paulo, 1999, pág. 42.
88 Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comen-
tado, Volume II, atualizado por Achilles Bevilaqua, Editora Paulo de
Azevedo Ltda., Rio de Janeiro, 12ª edição, 1960, pág. 71.
Capítulo VIII — Da Invalidade do Casamento
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
95
○ ○

O erro por ignorância de defeito irremediável ou de molés-


tia grave e o referente a doença mental grave são físicos. Não é
qualquer defeito de tais naturezas que permite a anulação do
casamento. Apenas o irremediável e, logicamente, embora o
Código Civil não mencione expressamente, que impeça os fins
do casamento. São exemplos as deformações dos órgãos genitais,
o pseudo-hermafroditismo, o sexo dúbio e a impotência, sendo
que esta última pode ser instrumental (copulativa ou coeundi)
e procriativa (generandi, para homens, e concipiendi, para mu-
lheres). A primeira é caracterizada pela inadaptação para a prá-
tica do ato sexual, o que frustra o matrimônio, tornando-o anu-
lável. 89 A segunda inviabiliza a reprodução, mas não inibe o con-
sórcio sexual, não anulando o casamento. Fica evidenciado que
a satisfação do débito conjugal é um dos fins do casamento, mas
a procriação não o é.
A simples presença da moléstia não é hábil, por si só, para
caracterizar o erro, sendo necessário demonstrar, ao mesmo tem-
po, sua gravidade e sua transmissibilidade. A gravidade de uma
doença é conceito vacilante, a ser delimitado pela potencial ca-
pacidade de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou não. A
transmissibilidade pode ocorrer por contágio ou por herança,
como a epilepsia e a alienação mental. 90 Não é necessário, toda-
via, que a doença seja incurável.
Erro substancial que torna o casamento anulável, aquele
derivado de ignorância de doença mental grave é novidade da
Lei Civil de 2002. O doente mental, absolutamente incapaz (art.
3º), sem o necessário discernimento para os atos da vida civil,
não pode casar, sob pena de nulidade matrimonial (art. 1.548).
A conseqüente ação de nulidade pode ser promovida por qual-
quer interessado, dentre os quais o próprio cônjuge. Por tal mo-
tivo, se este desconhecia a doença mental, não será necessária a
prova do erro para anular o casamento, porque regra especial já
o considera nulo.
Se a doença mental, por outro lado, não impedir o discer-
nimento, apenas reduzindo-o, fazendo o cônjuge relativamente
incapaz (art. 4º), o casamento é anulável (art. 1.550, IV). Den-

89 Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, Volume V,


Editora Forense, Rio de Janeiro, 1990, pág. 89.
90 Eduardo Espínola, A Família no Direito Civil Brasileiro, atualizado
por Ricardo Rodrigues Gama, Editora Bookseller, São Paulo, 2001,
pág. 207.
96
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

tre os legitimados ativos para pleitear a anulabilidade não está


o cônjuge sadio, visto que o art. 1.555 apenas contempla o inca-
paz, seus representantes legais ou seus herdeiros necessários.
O tratamento é igual, à luz do Código Civil de 1916, ha-
vendo, assim, tácito impedimento para que o cônjuge sadio anule
tal casamento. O motivo consiste em ter concordado com o casa-
mento, não podendo, posteriormente, invocar a anulabilidade
em seu proveito.
O Novo Código Civil admitiu a possibilidade de ocorrência
do erro quanto à doença mental, o qual tornaria anulável o ca-
samento. Se o cônjuge tinha conhecimento da doença mental,
não poderá pleitear a anulação deste, pois o art. 1.555 não lhe
confere legitimidade ativa a tal. Se, porém, desconhecia a pato-
logia mental, a posterior descoberta o legitima a requerer a
anulação do matrimônio por erro essencial previsto no inciso IV
do art. 1.557. Necessário que a doença mental seja preexistente
ao casamento. Se subseqüente a moléstia ao matrimônio, só res-
tará ao cônjuge, presentes os demais requisitos, pleitear a se-
paração judicial remédio (art. 1.572, § 2º).
O Código Civil de 1916 considera como erro essencial a
ignorância pelo marido do defloramento da mulher. A falta da
virgindade induziria à presunção de procedimento incorreto ou
leviano. Os autores, porém, já consideravam que o defloramento
não era atestado de imoralidade e, desde a isonomia constitucio-
nal entre homens e mulheres, 91 o entendimento já era pela im-
possibilidade de anulação. Destaque-se, todavia, que a ocultação
dolosa de prática sexual anterior pode gerar no cônjuge enga-
nado aversão ao outro, possibilitando a anulação do casamento
por erro quanto à identidade, honra e boa fama. 92

Art. 1.558. É anulável o casamento em virtude


de coação, quando o consentimento de um ou
de ambos os cônjuges houver sido captado
mediante fundado temor de mal considerável e
iminente para a vida, a saúde e a honra, sua ou
de seus familiares.
Direito Anterior: Art. 183, IX, e 209 do Código Civil.

9 1 Arts. 5º, I, e 226, § 5º, da Constituição da República de 1988.


9 2 Carlos Celso Orcesi da Costa, Tratado do Casamento e do Divórcio —
1º Volume, Editora Saraiva, 1987, São Paulo.
Capítulo VIII — Da Invalidade do Casamento
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
97
○ ○

A coação é um dos vícios da vontade (ou do consentimento)


que torna o negócio jurídico anulável (arts. 151 e 171 do Código
Civil) é a pressão física ou moral exercida sobre a pessoa, seus
bens ou honra, para obter a prática do ato negocial, admitindo
as modalidades física ou moral.
A coação física (vis compulsiva) se caracteriza pelo cons-
trangimento corporal hábil a anular toda a capacidade de que-
rer, implicando ausência total de consentimento. A coação mo-
ral (vis compulsiva) atua sobre a vontade do sujeito, não a ani-
quilando, porém fazendo-a optar entre anuir a um negócio que
lhe é exigido ou sujeitar-se ao dano de que é ameaçado. Somen-
te a segunda espécie de coação foi considerada como vício do
consentimento, hábil a anular o negócio jurídico, já que o Códi-
go Civil menciona fundado temor de dano (art. 151).
Em matéria de casamento, o tratamento é diferente.
O art. 183, IX, do Código Civil de 1916 considera impedi-
mento matrimonial dirimente privado o casamento das pessoas
por qualquer motivo coactas. A infração a esse impedimento tor-
na o casamento anulável (art. 209).
A coação contemplada nesses artigos não era meramente
moral, exatamente pelo uso da expressão qualquer motivo.
Quem, por motivo permanente ou transitório, se vê coacto não
pode validamente casar. 93 Física ou moral a coação, 94 em qual-
quer das duas circunstâncias é passível de anulação o casamen-
to, sendo certo que a presença daquela em matéria matrimonial
é cada vez mais reduzida.
Para a caracterização da coação o Código de 1916 impõe
observar se presentes os requisitos da coação previstos na Par-
te Geral, 95 razão pela qual não eram considerados como tal o
simples temor reverencial e o exercício normal de um direito.
O Novo Código Civil também considerou a coação causa de
anulabilidade, nos arts. 1.550, III, e 1.558, abrangendo a física
ou a moral, pois, apesar de não ter sido utilizada a expressão

9 3 Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comen-


tado, Volume II, atualizado por Achilles Bevilaqua, Editora Paulo de
Azevedo Ltda., Rio de Janeiro, 12ª edição, 1960, pág. 19.
94 Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, Volume V,
Editora Forense, Rio de Janeiro, 1990, pág. 57.
95 Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, Volume V,
Editora Forense, Rio de Janeiro, 1990, pág. 57.
98
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

por qualquer motivo coacta, a nova expressão fundado temor de


mal evidencia que este pode ser a violência ou a ameaça. Não
será mais necessário, contudo, ao juiz, para caracterização da
coação, valer-se dos requisitos da Parte Geral, pois agora estão
pormenorizados no art. 1.558 do Novo Código Civil.
O primeiro requisito para o reconhecimento da coação é que
esta seja fundada, ou seja, gere justificado temor. Para tanto, é
necessária a comprovação substancial da coação, não sendo su-
ficientes condutas que, ainda que hábeis em tese para coagir,
não estejam demonstradas de modo efetivo.
O segundo requisito é que o mal sugerido pela coação seja
considerável. Apesar de o exame da coação ser casuístico, pois
são levadas em conta as circunstâncias da pessoa coagida — sexo,
idade, estado civil etc. — é necessário que tal mal seja hábil
para gerar no homem comum do povo o mesmo temor. Se o ho-
mem médio, colocado em posição idêntica ‘à do coagido, não se
sentir sujeito à mesma ameaça ou passível da mesma violência,
não há mal considerável e portanto válido será o casamento.
O mal deve ser iminente, terceiro requisito para caracteri-
zar a coação. A pessoa que sofre coação está em estado de coação,
ou seja, sofre aflição em sua vontade, a qual perdura até o mo-
mento da celebração do casamento, não podendo o mal ter acon-
tecido no passado ou mesmo estar ocorrendo. A iminência exige
que este esteja prestes a ocorrer, não podendo ser mal futuro.
Outro requisito caracterizador da coação é quanto ao bem
jurídico a ser potencialmente atingido pelo mal: vida, saúde e hon-
ra. Os direitos que têm por objeto tais bens jurídicos são conside-
rados direitos da personalidade, razão pela qual incide o art. 12
do novo Código Civil, que autoriza, além da sanção da anulabili-
dade do casamento, a reparação quanto ao dano moral sofrido.
Por fim, para caracterizar a coação indispensável que o mal
seja ao próprio nubente ou a seus familiares. Não é necessário
que a coação atinja ambos os cônjuges, sendo suficiente para a
caracterização do vício sua presença em face de um deles.
É também requisito para que o casamento seja anulável
por coação a insuportabilidade, como será analisado nos comen-
tários ao artigo a seguir.

Art. 1.559. Somente o cônjuge que incidiu em


erro, ou sofreu coação, pode demandar a anula-
ção do casamento; mas a coabitação, havendo
Capítulo VIII — Da Invalidade do Casamento
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
99
○ ○

ciência do vício, valida o ato, ressalvadas as hi-


póteses dos incisos III e IV do art. 1.557.
Direito Anterior: Art. 210 e 220 do Código Civil.

Segundo regra genérica prevista na Parte Geral do Código


Civil (art. 177), a anulabilidade não pode ser conhecida ex officio,
necessitando invocação pelo interessado.
No presente artigo comentado, a lei considera o cônjuge
atingido pelo defeito como único interessado para invocar a anu-
labilidade do casamento eivado de vício do consentimento — erro
e coação, não havendo inovação por parte do novo Código Civil,
no que tange a essa legitimidade ativa.
A novidade da Lei Civil de 2002 está no requisito comum
para a configuração da coação e do erro essencial hábeis a anu-
lar o casamento — falta de coabitação após a ciência do vício.
Tal pressuposto deve estar presente em qualquer caso de coa-
ção e, nos casos de erro fulcrados nos incisos I e II do art. 1.557,
pois a lei expressamente exclui os incisos III e IV. Com a falta
de coabitação fica claramente configurada a insuportabilidade
da vida em comum.
Quando se analisa o erro essencial em matéria de casa-
mento, evidencia-se que a insuportabilidade é requisito para a
configuração do erro, nas hipóteses dos incisos I e II do art.
1.557, e que havia, por parte do cônjuge enganado, ao propor a
ação, presunção relativa a tal insuportabilidade. A continuação
da coabitação, mesmo que o cônjuge tenha ciência do vício que
torna o casamento anulável, é a demonstração concreta e ine-
quívoca de que tal vício não foi suficiente para tornar insupor-
tável a vida em comum. A permanência do cônjuge atingido pela
coação ou pelos erros acima mencionados no lar conjugal revela
ratificação tácita.
Nas hipóteses dos incisos III e IV do art. 1.557, há presun-
ção absoluta da insuportabilidade, razão pela qual a lei dispen-
sou tal prova, e, por isso, a legitimidade ativa do cônjuge enga-
nado não está condicionada à demonstração de que não houve
coabitação após a descoberta do vício.

Art. 1.560. O prazo para ser intentada a ação de


anulação do casamento, a contar da data da ce-
lebração, é de:
I — cento e oitenta dias, no caso do inciso IV
do art. 1.550;
100
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

II — dois anos, se incompetente a autoridade


celebrante;
III — três anos, nos casos dos incisos I a IV do
art. 1.557;
IV — quatro anos, se houver coação.
§ 1º Extingue-se, em cento e oitenta dias, o di-
reito de anular o casamento da menor de
dezesseis anos e do menor de dezoito, contado
o prazo para o menor do dia em que perfez essa
idade; e da data do casamento, para seus repre-
sentantes legais ou ascendentes.
§ 2º Na hipótese do inciso V do art. 1.550, o pra-
zo para anulação do casamento é de cento e oi-
tenta dias, a partir da data em que o mandante
tiver conhecimento da celebração.
Direito Anterior: Arts. 178, § 5º, II e III; 178, § 7º, I, 208.

O presente artigo fixa os prazos decadenciais para a pro-


positura das ações de anulabilidade de casamento.
Art. 1.560, inciso I. Homens e mulheres maiores de 16
(dezesseis) anos podem casar, necessitando do consentimento de
ambos os pais, se menores púberes, ou de seus representantes
legais, se incapazes (art. 1.517). Se o incapaz de consentir ou
manifestar o consentimento de modo inequívoco casa, o casa-
mento será anulável, como previsto no art. 1.550, IV.
O prazo, comum a todos os interessados, para a propositu-
ra da ação é de 180 (cento e oitenta) dias, a contar da celebra-
ção do casamento (art. 1.560 IV).
Houve modificação em relação ao direito anterior, pois era
de seis meses o lapso temporal, na forma do art. 178, § 5º, II, do
Código de 1916, estabelecendo-se distinção quanto ao termo ini-
cial de tal prazo, conforme legitimado ativo o incapaz, seu re-
presentante legal ou seus herdeiros necessários.
O Novo Código Civil não menciona, ao menos expressamen-
te, os interessados em arguir tal anulabilidade. Por tal motivo,
defende-se aqui a aplicação do art. 177, que legitima qualquer
interessado, cuja identificação se fará no caso concreto, para
propor ação de anulabilidade, não se podendo restringir a legi-
timidade às pessoas mencionadas no art. 1.555, caput, a ser apli-
cado por analogia. A um porque o representante legal do relati-
vamente incapaz não é o único interessado, podendo até mesmo
Capítulo VIII — Da Invalidade do Casamento
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
101
○ ○

eventual credor ter interesse econômico na ação. A dois porque


os herdeiros necessários somente terão legitimidade se, no curso
do prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da celebração do
casamento, houver morte.
Art. 1.560, inciso II. A celebração é elemento essencial para
a existência do casamento. Havendo celebração, o casamento
existe, devendo-se indagar sobre a competência da autoridade
celebrante. Competente esta, o casamento é válido. Se absoluta-
mente incompetente, é caso de ausência de celebração — casa-
mento inexistente. Na hipótese de competência relativa, anulá-
vel o casamento.
O prazo para ajuizar a demanda é de 2 (dois) anos, a con-
tar da celebração do casamento, não havendo inovação em rela-
ção ao Código Civil de 1916 (art. 208).
Uma vez mais, o Código Civil de 2002 não regulamentou
claramente quanto aos legitimados ativos para a propositura da
ação, devendo aplicar-se o art. 177, de caráter genérico.
Art. 1.560, inciso III. O erro substancial torna o casamen-
to anulável (art. 1.557), possuindo apenas o cônjuge que incor-
reu no erro legitimidade ativa para a propositura da conseqüen-
te ação (art. 1.559). O prazo para a propositura é de 3 anos, a
partir da celebração do casamento. Houve inovação em relação
ao Código Civil anterior, pois o prazo era de 2 anos.
Curioso destacar que o Novo Código Civil criou hipótese
nova de erro substancial e, ao contrário do Código Civil de 1916,
não fixou dies a quo diferenciado para a propositura dessa ação.
Forçoso concluir, assim, que a figura do novo erro substancial só
poderá ser reconhecida e, conseqüentemente, aplicada aos casa-
mentos que ocorrerem até 2 anos antes da entrada em vigor do
Novo Código Civil.
Art. 1.560, inciso IV. Se o casamento for eivado de coação,
como vício do consentimento, será anulável (art. 1.558), tendo
apenas o cônjuge que sofreu a coação legitimidade ativa para
intentar ação de anulabilidade (art. 1.559), cujo prazo de pro-
positura desta é de 4 (quatro) anos a contar da celebração do
casamento.
Houve inovação em relação ao direito anterior, que fixava
o prazo em 2 anos — Decreto-lei 4.529/42 que havia revogado o
inciso I do parágrafo 5º do art. 178 do Código Civil de 1916 —
além de determinar como dies a quo aquele em que cessasse a
coação.
102
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Art. 1.560, §1º. A idade núbil é de 16 anos (art. 1.517),


sendo passível de anulabilidade o casamento dos que não conta-
rem com essa idade mínima (art. 1.550, I). Nos termos do art.
1.552, são dotados de legitimidade para ajuizar a ação de anu-
labilidade o próprio cônjuge menor, seus representantes legais e
seus ascendentes. O presente parágrafo confere o prazo deca-
dencial de 180 dias para que esses interessados ajuízem a ação.
O termo inicial do prazo não é igual para todos os legitima-
dos, estabelecendo a lei que aquele ocorrerá para o menor, no
dia em que este completar 16 anos e, para os demais, no dia do
casamento.
Houve modificação legislativa em relação ao Código Civil
anterior, pois este fixava prazo de 6 meses para a propositura
da ação (art. 178, § 5º, III), não tendo sido, entretanto, alterado
o termo inicial do prazo.
Art. 1.560, § 2º. O inciso V do art. 1.550 preceitua a anula-
bilidade do casamento celebrado pelo mandatário em que este
ou o outro nubente desconheciam a revogação do mandato e não
seguido tal matrimônio de coabitação entre os cônjuges. Fixa o
presente parágrafo tanto o prazo decadencial para a propositu-
ra da ação quanto seu termo inicial: 180 dias, a contar da data
em que o mandante tiver conhecimento da celebração. É tam-
bém a presente regra jurídica que fixa o interessado único para
a propositura dessa ação — o mandante.

Art. 1.561. Embora anulável ou mesmo nulo, se


contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o
casamento, em relação a estes como aos filhos,
produz todos os efeitos até o dia da sentença
anulatória.
§ 1º Se um dos cônjuges estava de boa-fé ao
celebrar o casamento, os seus efeitos civis só
a ele e aos filhos aproveitarão.
§ 2º Se ambos os cônjuges estavam de má-fé ao
celebrar o casamento, os seus efeitos civis só
aos filhos aproveitarão.
Direito Anterior: Art. 221 do Código Civil.

No casamento inexistente, por faltar um ou mais dos ele-


mentos essenciais, não se produzem efeitos, independentemente
da boa ou má-fé dos cônjuges.
Capítulo VIII — Da Invalidade do Casamento
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
103
○ ○

Os negócios jurídicos anuláveis geram efeito até a sua anu-


lação e os nulos são ineficazes. No presente artigo se regula-
menta o denominado casamento putativo, que excepciona a re-
gra genérica antes mencionada.
Na definição de Eduardo Espínola, 96 casamento putativo
vem a ser aquele que se constituiu com infração de algum impe-
dimento dirimente, ou por erro essencial sobre a pessoa, ou ain-
da sem as formalidades imperativas da lei, ignorando, ou não
podendo evitar, os cônjuges, ou um deles, a causa da nulidade
ou da anulabilidade”. Trata-se de uma ficção jurídica 97 oriunda
do direito canônico. A lei, apesar do vício de nulidade ou anula-
bilidade do casamento, visando a prestigiar a boa-fé e proteger
os filhos, atribui àquele efeitos até a data da sentença que o
invalida.
Segundo Caio Mário da Silva Pereira, 98 a boa-fé consiste
na ignorância da causa de sua nulidade, revelando-se indispen-
sável a comprovação daquela para admitir-se putativo o casa-
mento, gerando, com isso, efeitos para os cônjuges, tendo ela o
condão de apagar os defeitos do casamento.
O matrimônio gera inevitavelmente efeitos para os filhos
(§2º do art. 1.561), independente da boa ou má-fé dos cônjuges,
podendo-se afirmar, assim, que o casamento nulo e o casamento
anulável são, em relação aos filhos, sempre putativos.
Pelo art. 704 do Código Civil alemão, o casamento anulado
por coação gera efeitos para o cônjuge que a sofreu, pois, apesar
de não ignorar o vício de seu casamento, não estava agindo de
má-fé ao realizá-lo, e sim, impelido pela vis. Essa concepção
germânica poderia talvez ser adotada entre nós, a fim de ampliar
o conceito da boa-fé, admitindo-se putativo todo casamento anu-
lável em virtude de coação.
A boa-fé resulta da ignorância e do erro (há equiparação
das figuras pelo art. 138 do Código Civil). Esse erro deve ser
escusável, como já exigia o direito canônico, não se reconhecen-

9 6 Eduardo Espínola, A Família no Direito Civil Brasileiro, atualizado


por Ricardo Rodrigues Gama, Editora Bookseller, São Paulo, 2001,
pág. 216.
9 7 Sílvio Rodrigues, Direito Civil, Volume 6, Direito de Família, Editora
Saraiva, São Paulo, 18ª edição, 1993, pág. 110.
98 Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, Volume V,
Editora Forense, Rio de Janeiro, 1990, pág. 91.
104
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

do a putatividade no caso de erro grosseiro decorrente da negli-


gência. Clóvis Bevilácqua 99 defende que apenas o erro de fato é
hábil para justificar a declaração de putatividade do casamen-
to, pois não admite o jurista a possibilidade de alguém ignorar a
lei. Autores mais modernos, como Sílvio Rodrigues, 100 entretan-
to, já defendem a possibilidade de o erro de direito autorizar a
putatividade do casamento, exigindo, todavia, a comprovação
da boa-fé. O Novo Código Civil considera expressamente, no art.
139, II, o erro de direito como uma das modalidades de erro subs-
tancial hábil a anular qualquer negócio jurídico. Assim, defen-
de-se a aplicação desta regra genérica ao casamento, facultan-
do-se seu emprego para reconhecimento da putatividade.
No momento da celebração do casamento, deve o cônjuge
usar de boa-fé, não importando se, mais tarde, toma ciência do
vício, a despeito da opinião em contrário de autores civilistas
mais antigos como Coelho da Rocha. 101
É vedado ao Juiz reconhecer ex officio a putatividade do
casamento, cabendo ao cônjuge de boa-fé, mediante postulação
naquele sentido, optar ou não pelos seus efeitos, 102 tendo em vis-
ta consistir tal instituto num favor da lei. Diante, entretanto, do
pedido e da comprovação da boa-fé, não pode o juiz deixar de
declarar a putatividade, pois opera por força de lei.
Uma vez anulado ou declarado nulo o casamento, retor-
nam os cônjuges ao estado anterior à celebração, como se ja-
mais se tivesse realizado o enlace conjugal, 103 não se produzindo
nenhum dos efeitos que a lei atribui ao matrimônio.
Putativo o casamento nulo ou o anulável, é ele eficaz até a
declaração de nulidade ou anulação, rompendo-se com estas o
vínculo conjugal de modo igual ao que ocorre através do divór-

9 9 Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comen-


tado, Volume II, atualizado por Achilles Bevilaqua, Editora Paulo de
Azevedo Ltda., Rio de Janeiro, 12ª edição, 1960, pág. 74.
100 Silvio Rodrigues, Direito Civil, Volume 6, Direito de Família, Editora
Saraiva, São Paulo, 18ª edição, 1993, pág. 115.
101 Apud Silvio Rodrigues, Direito Civil, Volume 6, Direito de Família,
Editora Saraiva, São Paulo, 18ª edição, 1993, pág. 114.
102 Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, Volume V,
Editora Forense, Rio de Janeiro, 1990, pág. 91.
103 Eduardo Espínola, A Família no Direito Civil Brasileiro, atualizado
por Ricardo Rodrigues Gama, Editora Bookseller, São Paulo, 2001,
pág. 216.
Capítulo VIII — Da Invalidade do Casamento
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
105
○ ○

cio ou da morte. Os efeitos pessoais e patrimoniais decorrentes


do casamento putativo são gerados para o(s) cônjuge(s) de boa-
fé. Os efeitos pessoais relevantes que o casamento putativo pro-
duz são o direito ao nome de casado (art. 1.565, §1º) e a emanci-
pação (art. 5º, parágrafo único, inciso I). Dentre os efeitos pa-
trimoniais, destaque-se a manutenção das doações antenupciais,
a vigência do regime de bens e o recebimento de herança (caso a
morte ocorra antes da invalidação do casamento).
Quanto aos filhos, os efeitos se produzem como se válido
fosse o casamento. Assim, os filhos gozam da presunção da pa-
ternidade (art. 1.597), sujeitando-se ao poder familiar (art.
1.630), garantindo-se-lhes os direitos sucessórios (art. 1.829).
O cônjuge de má-fé, apesar de não ter direitos decorrentes
do casamento sequer em relação aos filhos, não pode eximir-se
de seus deveres. 104
No que tange a terceiros, são mantidos os efeitos jurídicos
dos negócios celebrados, se de boa-fé ambos os cônjuges. Ha-
vendo má-fé por parte de um destes, deverá ser perquirida a
subjetividade do terceiro. 105 Caso este último apresente idêntica
conduta, desfaz-se o negócio. Agindo de boa-fé, mantém-se ín-
tegro o ato.
O Código Civil de 2002 não tratou da matéria de modo di-
ferente do que preceituava o anterior, apenas explicitou que,
diante da má-fé de ambos os cônjuges, os efeitos da putatividade
são conferidos exclusivamente aos filhos (parágrafo segundo).
Não se trata de inovação substancial para o tema, mas, acolhi-
mento da previsão constitucional que veda a discriminação en-
tre os filhos oriundos ou não do casamento (art. 227, § 6º).

Art. 1.562. Antes de mover a ação de nulidade


do casamento, a de anulação, a de separação
judicial ou a de dissolução de união estável,
poderá requerer a parte, comprovando sua ne-
cessidade, a separação de corpos, que será con-
cedida pelo juiz com a possível brevidade.
Direito Anterior: Art. 223 do Código Civil.

104 Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, Volume V,


Editora Forense, Rio de Janeiro, 1990, pág. 93.
105 J. M. de Carvalho Santos, Código Civil brasileiro interpretado. 3ª edi-
ção, Volume 4, Freitas Bastos, 1942, pág. 255.
106
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

O casamento impõe deveres a ambos os cônjuges, dentre os


quais os de fidelidade recíproca e vida em comum no domicílio
conjugal (art. 1.566). A infração a qualquer dos deveres conju-
gais por parte de um dos cônjuges autoriza o outro a pleitear a
separação judicial na modalidade sanção (art. 1.572), a fim de
pôr fim à sociedade conjugal.
Como já analisado nos artigos precedentes, no caso de o
casamento ser nulo ou anulável, faculta-se ao interessado plei-
tear em juízo a declaração de nulidade ou sua anulação. Não é
conveniente que o cônjuge interessado na invalidação do casa-
mento permaneça sob o lar conjugal enquanto a ação está em
curso, pois a convivência poderá, inclusive, elidir o fundamento
de seu pedido (como é a hipótese do art. 1.550, IV, em que o
casamento só pode ser anulado se, além do desconhecimento da
revogação do mandato, não houver ocorrido coabitação).
No artigo sub examine, autoriza-se a ruptura do dever de
vida em comum, podendo o cônjuge legitimado ativamente para
a ação de invalidade pleitear a separação de corpos, de modo
que seu afastamento do domicílio conjugal não constitua moti-
vo para seu consorte requerer a separação judicial sanção.
A mesma medida cautelar poderá ser utilizada, em se tra-
tando de ação de separação judicial litigiosa ou de dissolução
litigiosa de união estável. Não seria razoável que a Lei impu-
sesse que cônjuge inocente e culpado permanecessem sob o mes-
mo teto, com potencial e até efetivo perigo aos conviventes. Au-
toriza o artigo 1.562 do Novo Código Civil a separação de corpos
para evitar que um cônjuge abandone o lar conjugal e o outro
venha a pleitear, ao pretexto e ao argumento de tal abandono, a
separação judicial.
O art. 888, inciso VI do Código de Processo Civil igual-
mente estatui a possibilidade do afastamento temporário de um
dos cônjuges da morada do casal, antes ou no curso da ação
principal, referindo tal possibilidade jurídica entre as denomi-
nadas medidas cautelares.
O Código Civil de 1916, no seu artigo 223, também tratava
do tema.
Na forma do artigo 1.562 do novo Código Civil, deve o côn-
juge interessado, ao pleitear a ação de separação de corpos, de-
monstrar em Juízo a imperiosidade de tal medida, pois tendo
esta natureza cautelar, exige, como outra qualquer de mesma
índole, para sua concessão evidência inequívoca dos pressupos-
tos tradicionais do fumus boni iuris e do periculum in mora (art.
Capítulo VIII — Da Invalidade do Casamento
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
107
○ ○

798 do Código de Processo Civil), circunstâncias que facultarão


ao julgador sua concessão liminar
A comprovação da necessidade pode ocorrer por qualquer
meio de prova, devendo o juiz motivar, em sua decisão que con-
cede ou nega a separação de corpos, os elementos fundamen-
tadores de seu decisum. Vê-se, neste aspecto, inovação em rela-
ção ao Código Civil de 1916 que determinava a exibição de do-
cumentos para a comprovação da necessidade da separação de
corpos.
A separação de corpos só pode ser requerida pela parte in-
teressada, ou seja, pelo cônjuge ou companheiro inocente e com
legitimidade ativa para a propositura da ação principal.
Pela redação do artigo 1.562, só é cabível o ajuizamento
da ação de separação de corpos antes de proposta a ação princi-
pal. Defende-se aqui, todavia, interpretação sistemática, para,
conjugando o art. 1.562 do Código Civil com o art. 888, IV do
Código de Processo Civil, possibilitar a propositura da ação de
separação de corpos antes ou durante a ação principal.
A maior inovação do referido artigo em relação ao Código
Civil de 1916 é a previsão da possibilidade da separação de cor-
pos, em sendo a ação principal de dissolução de união estável.
Sob o argumento do tratamento de família conferido à união
estável a partir da Constituição da República de 1988 (art. 226,
§ 3º), a jurisprudência 106 já admitia a medida, realizando inter-
pretação extensiva da palavra cônjuge utilizada pelo Código de
Processo Civil (art. 888, VI). Reconhece-se, ainda, entretanto,
por parte de alguns certa resistência na admissibilidade de tal
ação, pois a lei não exige, ao menos expressamente, coabitação
entre os companheiros.
Sustenta Clóvis Beviláqua a admissibilidade da ação uni-
camente se os cônjuges não estão separados de fato, pois, “se os
cônjuges não mais residiam no mesmo lar, esta providência per-
de a sua razão de ser”. 107 Defendem Pontes de Miranda 108 e Síl-
vio Rodrigues 109 a ilegalidade de tal posição, porque pode ainda

106 A favor da demanda na união estável: “Não atingindo terceiros, pode


a medida cautelar de afastamento do lar, prevista no art. 888, VI, do
CPC, ser estendida à união estável. Para a concessão da liminar, su-
ficientes os requisitos de aparência do bom direito e perigo de dano
pela demora, verificados mediante cognição superficial do Magistra-
do” (Ac. Un. da 7ª Câm. do TJRS de 09.08.1995, no Ag 595078740, rel.
Des. Paulo Heerdt; RJTJRS, v. 175, T. I, p. 392).
108
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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haver interesse na obtenção da medida para revestir de


juridicidade separação antes apenas de fato, permitindo, por
exemplo, o livre acesso de um dos cônjuges à morada do outro.

Art. 1.563. A sentença que decretar a nulidade


do casamento retroagirá à data da sua celebra-
ção, sem prejudicar a aquisição de direitos, a
título oneroso, por terceiros de boa-fé, nem a
resultante de sentença transitada em julgado.
Direito Anterior: Não há previsão.

Pelo exame do art. 1.561, conclui-se que o casamento in-


válido putativo é eficaz para os filhos e para o(s) cônjuge(s) de
boa-fé, produzindo efeitos até a data da sentença de nulidade
ou anulação.
A eficácia da sentença declaratória de putatividade do ca-
samento se opera ex nunc, mencionando-se como exemplo o fato
de que os bens serão partilhados entre os cônjuges em conso-
nância com o regime matrimonial adotado pelos cônjuges no
casamento que se invalidou.
Quando o casamento inválido não é putativo, a regra legal
sub examine disciplina a hipótese, guardando semelhança com
o art. 182 da Parte Geral do Código Civil, o qual preceitua o
retorno das partes ao estado anterior à sua celebração, uma vez
invalidado o negócio jurídico, como se o ato nunca houvesse ocor-
rido. Não sendo possível o retorno ao statu quo ante, o lesado
será indenizado com o equivalente ao prejuízo sofrido.
Em matéria de casamento, o artigo 1.563 determina a efi-
cácia ex tunc da decisão, pois retroagirá à data da celebração do
casamento, ou seja, os cônjuges retornaram ao estado em que
antes se encontravam, pessoal e patrimonialmente. Por exem-

107 Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comen-
tado, Volume II, atualizado por Achilles Bevilaqua, Editora Paulo de
Azevedo Ltda., Rio de Janeiro, 12ª edição, 1960, pág. 77.
108 Pontes de Miranda, in Tratado de Direito de Família, Volume I, Direi-
to Matrimonial, atualizado por Vilson Rodrigues Alves, Editora
Bookseller, São Paulo, 2001, pág. 385.
109 Sílvio Rodrigues, Direito Civil, Volume 6, Direito de Família, Editora
Saraiva, São Paulo, 18ª edição, 1993, pág. 107.
Capítulo VIII — Da Invalidade do Casamento
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109
○ ○

plo, com a invalidação do casamento não putativo, os bens


retornarão para seus antigos titulares.
Apesar de a invalidação do casamento retroagir à data de
sua celebração, duas situações merecem análise especial.
A primeira é a dos terceiros. O art. 1.563 estabelece que os
direitos de terceiros adquiridos de boa-fé não serão prejudicados
pelos efeitos da invalidação. A intenção da lei é nobre: não pre-
judicar, pela invalidação do casamento, aqueles que com os côn-
juges contrataram, desconhecendo a causa desta. É o caso das
vendas e doações feitas pelos cônjuges a terceiros. Se estes sa-
biam da causa de invalidação do casamento, serão chamados
para restituir ao monte suas aquisições, a despeito de incorpo-
rados os direitos a seus patrimônios.
A segunda situação foi a das aquisições resultantes de sen-
tença transitada em julgado. Se, por exemplo, imóvel é adjudi-
cado por sentença a terceiro, é mantida a determinação judi-
cial, independentemente da boa-fé do terceiro adquirente, não
sendo possível a desconstituição de seus efeitos pelo alcance da
sentença que invalida o casamento.

Art. 1.564. Quando o casamento for anulado por


culpa de um dos cônjuges, este incorrerá:
I — na perda de todas as vantagens havidas do
cônjuge inocente;
II — na obrigação de cumprir as promessas que
lhe fez no contrato antenupcial.
Direito anterior: Art. 232 do Código Civil.

Este dispositivo legal não é novidade do Novo Código Ci-


vil, pois já existia no de 1916, embora impropriamente situado,
como criticava Clóvis Beviláqua. 110
Com efeito, tratando-se de casamento putativo deveria in-
serir-se entre as normas que tratam de tal instituto, e não nas
disposições gerais dos efeitos jurídicos do casamento.

110 Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comen-
tado, Volume II, atualizado por Achilles Bevilaqua, Editora Paulo de
Azevedo Ltda., Rio de Janeiro, 12ª edição, 1960, pág. 88.
110
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Tal inadequação, embora mais tênue, subsiste, pois a nor-


ma deveria vir em seguida ao artigo 1.561.
Se o casamento é inválido e apenas um dos cônjuges esta-
va de boa-fé, para este e para os filhos o casamento é eficaz. O
cônjuge de má-fé, com a invalidação do casamento, é considera-
do responsável pela causa de nulidade ou anulabilidade. Culpa-
do, perde todas as vantagens havidas do cônjuge inocente, obri-
gando-se, in totum, a cumprir as disposições do pacto
antenupcial.
Dentre as vantagens econômicas do casamento está o di-
reito de receber alimentos, o de tornar-se herdeiro, garantia de
eventuais direitos previdenciários, como dependente, e o de
manter a aquisição das doações propter nuptias que recebeu de
terceiros, ainda que não implementada a condição imposta: o
casamento. São mantidas as promessas feitas para incentivar o
outro cônjuge a convolar núpcias, pois o cônjuge culpado permi-
tiu sua celebração, a despeito de ter conhecimento da causa de
invalidação.
Capítulo IX — Da Eficácia do Casamento
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111
○ ○

Capítulo IX
DA EFICÁCIA DO CASAMENTO

Eficácia é a aptidão que o ato apresenta para produzir efei-


tos jurídicos. A despeito da controvérsia existente entre os ju-
ristas acerca da natureza jurídica do casamento, não se duvida
que é manifestação de vontade a buscar a produção de efeitos.
Em sendo o casamento válido — ou sendo putativo — é hábil
para produzir os efeitos jurídicos queridos pelas partes. Aliás,
como o casamento inaugura uma relação jurídica permanente
entre os cônjuges, sujeita-os a uma série de efeitos.
Três são as ordens de efeitos que o casamento gera: 111 os
sociais, os pessoais e os patrimoniais. O presente capítulo regu-
lamenta efeitos pessoais do casamento. A partir do art. 1.639 do
Código Civil, estão seus efeitos patrimoniais.

Art. 1.565. Pelo casamento, homem e mulher as-


sumem mutuamente a condição de consortes,
companheiros e responsáveis pelos encargos
da família.
§ 1º — Qualquer dos nubentes, querendo, po-
derá acrescer ao seu o sobrenome do outro.
§ 2º — O planejamento familiar é de livre deci-
são do casal, competindo ao Estado propiciar
recursos educacionais e financeiros para o exer-
cício desse direito, vedado qualquer tipo de
coerção por parte de instituições privadas ou
públicas.
Direito Anterior: Art. 240 do Código Civil.

111 Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, Volume V,


Editora Forense, Rio de Janeiro, 1990, pág. 96.

111
112
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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O principal efeito do casamento é o social e consiste na cria-


ção da família. 112 O casamento inaugura, para os cônjuges, uma
nova família, quebrando os laços com a família anterior, 113 inde-
pendentemente de procriação. A família é o primeiro organismo
em que a pessoa manifesta suas vontades, estabelecendo rela-
ções jurídicas, sendo a base da sociedade, como mencionado no
art. 226, caput, da Constituição da República.
Implicitamente, o artigo sub examine contempla esse efei-
to, ao mencionar que, pelo casamento, os cônjuges assumem a
condição de responsáveis pelos encargos da família. Tal efeito
estava previsto implicitamente também no art. 229 114 do Código
Civil de 1916.
Há outros efeitos sociais do casamento, mas que não estão
expressamente previstos no capítulo que examinamos. Do casa-
mento nasce o status de casado, situação jurídica de um cônju-
ge em relação ao outro e que é fator de identificação na socieda-
de. O casamento tem o condão de implicitamente e por determi-
nação legal emancipar o cônjuge menor de 18 (dezoito) anos, 115
tornando-o hábil, perante toda a sociedade, a praticar pessoal-
mente os atos da vida civil. Consideramos como último efeito
social do casamento o estabelecimento do vínculo de parentesco
por afinidade entre um cônjuge e os parentes do outro. 116
Com a criação da família através do casamento, deste emer-
gem para os cônjuges efeitos de ordem pessoal, três dos quais
se prevêem no presente artigo.
Consortes e responsáveis pelos encargos da família. Como
a Constituição Federal de 1988 conferiu igualdade, em direitos
e obrigações (art. 5º, I), entre homens e mulheres, inclusive nos
que decorrem da sociedade conjugal (art. 226, § 5º), o Código
Civil de 2002 deu-lhes a condição de consortes, companheiros e
responsáveis pelos encargos da família oriunda do casamento.

112 Antes da Constituição da República de 1988, somente o casamento


criava a família. Pelos parágrafos terceiro e quarto de seu art. 226,
união estável e monoparentalidade também criam família (ou entida-
de familiar).
113 Os laços de parentesco não cessam e nem os laços morais.
114 Art. 229. Criando a família legítima, o casamento legitima os filhos
comuns, antes dele nascidos ou concebidos.
115 Art. 5º, parágrafo único, inciso II, do Novo Código Civil.
116 Art. 1.595 do Novo Código Civil.
Capítulo IX — Da Eficácia do Casamento
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Pelo Código Civil de 1916, a família oriunda do casamento


era chefiada pelo marido, exercendo a mulher o papel de cola-
boradora deste (art. 233), 117 atribuindo-se com isso direitos e de-
veres de natureza diversa ao marido e à mulher. Esta exercia,
durante o casamento, papel subordinado ao do marido, detendo
este o chamado poder marital. Pelo tratamento inovador, não
haverá mais direitos nem deveres desiguais entre um e outro. A
posição da mulher é igual à do marido, ou seja, a de colaborado-
ra, atribuindo-se a ambos a condição de responsáveis pelos en-
cargos da família.
Direito ao sobrenome do outro. O casamento gera novo es-
tado civil para os cônjuges. Como o nome identifica a pessoa na
sociedade, a lei permite a mudança daquele, de modo a eviden-
ciar a alteração do estado civil.
Pelo direito anterior,118 somente à mulher se facultava a
mudança de nome, sendo-lhe permitido optar entre manter o
nome de solteira ou adotar o de casada, não havendo qualquer
imposição neste sentido.
Observando princípio constitucional de igualdade entre ho-
mens e mulheres, e em conseqüência aos cônjuges, o novo Códi-
go Civil permite a qualquer dos nubentes a mudança de nome.
Assim, ao criar a possibilidade da adoção do sobrenome do côn-
juge para ambos, empregou a palavra “acrescer”, já existente
no Código Civil de 1916. Conclui-se, desta forma, ser o acrésci-
mo do nome mera faculdade jurídica, vedado a um cônjuge exi-
gir do outro a adoção de seu sobrenome.
O emprego da palavra “acrescer” revela, para Sílvio
Rodrigues, 119 que um cônjuge não pode abandonar o próprio so-
brenome, ao tomar o do cônjuge. Esta não é a opinião de Arnoldo
Wald, 120 que sustenta que o cônjuge, ao acrescer o sobrenome do
outro, pode conservar o seu próprio ou não. Considerando que a
lei menciona o direito de acrescer o sobrenome, mas não possibi-

117 Art. 233, caput, primeira parte. O marido é o chefe da sociedade con-
jugal, função que exerce com a colaboração da mulher, no interesse
comum do casal e dos filhos.
118 Art. 240, parágrafo único. A mulher poderá acrescer aos seus os ape-
lidos do marido.
119 Sílvio Rodrigues, Direito Civil, Volume 6, Direito de Família, Editora
Saraiva, São Paulo, 18ª edição, 1993, pág. 154.
120 O Novo Direito de Família, Editora Saraiva, 13ª edição, 2000, São
Paulo, pág. 80.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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lita retirar o próprio sobrenome, compartilhamos da primeira


opinião, inclusive porque, quando o nubente suprime seu
patronímico, substituindo-o pelo do cônjuge, a mudança pode
ser de tal ordem que dificulte a identificação da pessoa na socie-
dade.
Apesar de o Novo Código Civil regulamentar a união está-
vel 121 e a partir desta, tal qual no casamento, instituir-se uma
família, não prevê a nova codificação a possibilidade de um com-
panheiro acrescer o sobrenome do outro. Nos termos do art. 57,
§ 2º, da Lei 6.015/73 — Lei de Registros Públicos — já se susten-
ta essa possibilidade jurídica em favor da companheira. Ocorre
que o citado dispositivo possibilita apenas à mulher a adoção do
sobrenome do homem, parecendo vedá-la a este quanto ao
patronímico da mulher.
Outrossim, a Lei só permite a adoção do sobrenome se a
mulher viver com homem solteiro, desquitado ou viúvo, sendo
razoável concluir-se quanto a sua proibição nos casos de divór-
cio ou casamento seguido de separação de fato. É bem verdade
que, por interpretação — já que a Constituição da República
considerou a união estável como família e determinou que a lei
facilitasse sua conversão em casamento — pode-se sustentar que
o homem adote o sobrenome de sua companheira.
Decidir o planejamento familiar. Essa previsão legal tem
sede constitucional. 122

Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:


I — fidelidade recíproca;
II — vida em comum, no domicílio conjugal;
III — mútua assistência;
IV — sustento, guarda e educação dos filhos;
V — respeito e consideração mútuos.
Direito Anterior: Art. 231do Código Civil.

Diante da isonomia constitucional entre homem e mulher


refletida na sociedade conjugal (arts. 5º, I e 226, § 5º CF) e con-
sagrada no Novo Código Civil (art. 1.565), dispensável mencio-
nar que de ambos os cônjuges os deveres, bastando indicar que
são deveres dos cônjuges. Usou o Novo Código Civil técnica idên-

121 Arts. 1.723 a 1.727.


122 Art. 226, § 7º, da Carta Magna.
Capítulo IX — Da Eficácia do Casamento
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○ ○

tica à do anterior, sendo que neste justificava-se a expressão,


pois existiam deveres exclusivos para o marido e para a mu-
lher.
As imposições contidas no presente artigo são deveres cuja
inobservância poderá acarretar sanção ao cônjuge, tanto que,
eventualmente, resultará na propositura de ação de separação
judicial por iniciativa do outro (art. 1.572, caput).
A despeito de o novo Código Civil não contemplar expres-
samente a possibilidade de tal sanção, esta pode vir a ser im-
posta com fundamento nos arts. 186 e 927 do mesmo Diploma
Legal, uma vez que o descumprimento dos deveres conjugais
previstos no artigo 1.566, como deveres legais, constitui ato ilí-
cito, ensejador, ao menos, de dano moral.
Por fim, constituindo os deveres conjugais matéria de or-
d e m p ú b l i c a , v e d a - s e a o s c ô n j u g e s m o d i f i c a r, p o r p a c t o
antenupcial, com a finalidade e a pretexto de se isentarem do
cumprimento de tais deveres, a previsão legal a este respeito.
Fidelidade recíproca. A fidelidade é expressão natural do
caráter monogâmico do casamento, 123 sendo a norma revestida
da intenção de ditar o procedimento do casal. 124 Pelos nossos cos-
tumes e desenvolvimento histórico, assim como o casamento con-
solida vínculo afetivo e espiritual entre os cônjuges, deve fazê-
lo também quanto ao vínculo físico. Para a plenitude deste últi-
mo, mister exclusiva e recíproca dedicação, pelos cônjuges, de
seus corpos. A fidelidade é, desse modo, conseqüência natural
do casamento.
A infidelidade ocorre nos atos de traição, nos quais se rom-
pe o compromisso pela palavra empenhada, violando-se, ao me-
nos moralmente, o animus de união ampla, em comum. 125
Duas são as modalidades de infidelidade: material e mo-
ral. 126 A primeira ocorre com o adultério, que importa em estabe-
lecer relacionamento sexual com outro parceiro. O conceito de

123 Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comen-
tado, Volume II, atualizado por Achilles Bevilaqua, Editora Paulo de
Azevedo Ltda., Rio de Janeiro, 12ª edição, 1960, pág. 87.
124 Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, Volume V,
Editora Forense, Rio de Janeiro, 1990, pág. 100.
125 Carlos Celso Orcesi da Costa, Tratado do Casamento e do Divórcio, 1º
Volume, Editora Saraiva, 1987, pág. 303.
126 Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, Volume V,
Editora Forense, Rio de Janeiro, 1990, pág. 101.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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infidelidade moral foi elaborado pela doutrina para representar


qualquer ato de um dos cônjuges ofensivo à integridade moral
do outro, constituindo injúria grave. Esta construção doutriná-
ria não mais se justifica no Novo Código Civil, pois, como se exa-
minará adiante, tem expressa previsão. Ressalte-se que, para a
infidelidade material, subsiste a sanção penal, constituindo o
adultério crime punido com detenção de 15 (quinze) dias a 6
(seis) meses (art. 240 do Código Penal).
Vida em comum, no domicílio conjugal. Há dois aspectos
na previsão desse dever. A lei impõe aos cônjuges a unidade de
domicílio, conhecida como coabitação, cabendo ao marido e à
mulher o dever de compartilhar o mesmo teto — que é o domicí-
lio conjugal. O art. 1.569 do Novo Código Civil fixa hipóteses de
exceção a tal dever.
Além disso, prevê a Lei o dever de vida em comum, que é o
debitum conjugale. As relações sexuais constituem uma das pri-
meiras razões da vida conjugal e, em sintonia com o dever de
fidelidade, um cônjuge há de dispor do corpo do outro.
Mútua assistência. A expressão revela a origem e o funda-
mento da obrigação alimentar entre os cônjuges, não sendo, en-
tretanto, seu único significado, pois a palavra assistência deve
ser interpretada em sentido amplo, para compreender, não só o
dever de auxílio material, mas também o moral e afetivo. Inclui
todo o tipo de comportamento que demonstre apoio, socorro e
auxílio durante a vida conjugal. Esse dever traduz o sentimen-
to de solidariedade, estima e reverência que há de existir entre
os cônjuges e que justifica os efeitos patrimoniais do casamento
— como o regime de bens e o direito sucessório.
Sustento, guarda e educação dos filhos. Em rigor, a previ-
são contida no inciso IV não constitui efeito do casamento, e
sim da filiação, do poder familiar. Guardando a mesma técnica
do Código Civil anterior, a nova legislação considerou como de
ambos os cônjuges tal obrigação, de modo a não ensejar qual-
quer dúvida de que aquela deve ser compartilhada entre o ma-
rido e a mulher. Outra não pode ser a conclusão, diante do dis-
posto no art. 1.631 do Novo Código Civil, que expressamente
outorga o exercício do poder familiar a ambos os pais. Os deve-
res de sustento, guarda e educação dos filhos formam o conteú-
do do poder familiar, nos termos do art. 22 do Estatuto da Crian-
ça e do Adolescente (Lei 8.069/90).
Respeito e consideração mútuos. A previsão expressa des-
se dever é inovação do Código Civil de 2002, pois, na legislação
Capítulo IX — Da Eficácia do Casamento
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
117
○ ○

anterior, não constava entre as obrigações de ambos os cônju-


ges. Não se imagine, porém, que tal dever não existia anterior-
mente entre os cônjuges, já que incluído no dever de fidelidade.
Como antes analisado, ocorria infidelidade moral quando um
cônjuge praticava conduta que consistia em injúria grave para
com o outro. O Novo Código Civil passa a exigir, expressamen-
te, que um cônjuge se abstenha de praticar comportamento in-
jurioso em relação ao outro, já que deve guardar respeito e con-
sideração para com ele. O descumprimento desse dever, portan-
to, corresponde à injúria grave ou à infidelidade moral criada
pela doutrina.
Ressaltamos que, diferentemente do art. 5º da Lei do Di-
vórcio (Lei 6.515/77), a cabeça do art. 1.572 não considera a
conduta desonrosa de um cônjuge como causa para o outro plei-
tear a separação judicial sanção. Todavia, é mantido tal funda-
mento para a separação judicial, uma vez que constitui violação
de dever do casamento.

Art. 1.567. A direção da sociedade conjugal será


exercida, em colaboração, pelo marido e pela
mulher, sempre no interesse do casal e dos fi-
lhos. Parágrafo Único — Havendo divergência,
qualquer dos cônjuges poderá recorrer ao juiz,
que decidirá tendo em consideração aqueles in-
teresses.
Direito Anterior: Art. 233 do Código Civil.

Como analisado anteriormente, o casamento tem o princi-


pal efeito de criar a família, estabelecendo a sociedade conju-
gal. Pelo Código Civil de 1916, a direção daquela era atribuição
do marido, exercendo a mulher o papel de colaboradora (art.
233). No atual, a direção da sociedade conjugal cabe conjunta-
mente aos cônjuges, como não poderia deixar de ser, em face da
previsão constitucional de isonomia entre eles. Passam ambos
a exercer a função de colaboradores mútuos, deixando de exis-
tir o papel de chefia.
Tratando-se de norma imperativa e cogente que traduz tra-
tamento constitucional, não pode o pacto antenupcial dispor de
modo diverso, elegendo marido ou mulher para exercer sozinho
a direção da sociedade conjugal.
Na direção da sociedade conjugal devem os cônjuges
nortear seus comportamentos pelo interesse do casal e dos fi-
118
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

lhos. Todos os atos decisórios praticados durante a vida domésti-


ca devem guardar este aspecto. Torna evidente a lei que o inte-
resse de um dos cônjuges não se sobrepõe ao do outro.
Logicamente, a atividade de direção exercida em conjunto
não é simples e conflitos podem surgir entre os consortes. Ciente
de tal fato, a lei possibilita que qualquer dos cônjuges se socorra
do juiz, a fim de dirimir eventuais impasses. Na decisão, o ma-
gistrado levará em conta os mesmos interesses que devem ser
observados pelos cônjuges: os do casal e os dos filhos. Pelo Códi-
go Civil de 1916, como, em decorrência do poder marital, cabia
ao marido a chefia e a maioria das responsabilidades, prevale-
cia sua vontade diante de qualquer conflito quanto à direção da
sociedade conjugal.

Art. 1.568. Os cônjuges são obrigados a concor-


rer, na proporção de seus bens e dos rendimen-
tos do trabalho, para o sustento da família e a
educação dos filhos, qualquer que seja o regi-
me patrimonial.
Direito Anterior. Arts. 233 e 277 do Código Civil.

Tem-se aqui mais uma decorrência da isonomia constitucio-


nal entre o homem e a mulher. Pelo Código Civil de 1916, como
o marido exercia o papel de chefe da sociedade conjugal, compe-
tia-lhe a manutenção da família. A mulher só era obrigada a
contribuir para as despesas com os rendimentos de seus bens e
se casada pelo regime da separação. Nos demais regimes admi-
tia-se que, no pacto antenupcial, estipulassem os cônjuges de
modo diferente, respondendo a mulher com seus bens ou sim-
plesmente isentando-se da contribuição. O Novo Código Civil
obriga o marido e a mulher a concorrerem para o sustento da
família e para a educação dos filhos com seus bens e rendimen-
tos, de forma proporcional a estes e não igualitária. Indepen-
dentemente do regime de bens adotado, a obrigação opera para
ambos os cônjuges.
Por tratar-se de norma cogente, parece vedada estipula-
ção, ainda que por pacto antenupcial, na qual se exclua um dos
cônjuges da obrigação de concorrer para o sustento comum ou
que disponha sobre tal sustento de forma não proporcional.
Capítulo IX — Da Eficácia do Casamento
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
119
○ ○

Art. 1.569. O domicílio do casal será escolhido


por ambos os cônjuges, mas um e outro podem
ausentar-se do domicílio conjugal para atender
a encargos públicos, ao exercício de sua pro-
fissão, ou a interesses particulares relevantes.
Direito Anterior: Art. 233, III, do Código Civil.

O casamento impõe aos cônjuges o dever de coabitação no


mesmo domicílio.
Ante os termos do Código Civil de 1916, deferia-se ao ma-
rido a prerrogativa na fixação do domicílio conjugal, como
corolário da função de chefe da sociedade conjugal. À mulher
restava a possibilidade de recorrer ao juiz, caso o domicílio elei-
to pelo marido a prejudicasse.
No Código Civil de 2002, a igualdade entre os cônjuges,
decorrente da própria isonomia constitucional entre homem e
mulher, torna compartilhável entre ambos os cônjuges o exercí-
cio da direção da sociedade conjugal (art. 1.567). Neste diapasão,
a eleição do domicílio comum cabe aos cônjuges, devendo obser-
var-se em tal escolha os parâmetros do citado artigo, a fim de
atender ao interesse do casal e dos filhos. Divergindo os cônju-
ges, deverão recorrer ao juiz, nos termos do parágrafo único do
artigo comentado.
Inovação do Código Civil de 2002 é a faculdade concedida
ao cônjuge de afastar-se do domicílio conjugal. Com fundamen-
to no dever estatuído no art. 1.566, II, a regra é a unidade de
domicílio, daí decorrendo a coabitação para os cônjuges. O pre-
sente artigo não cria exceção ao cumprimento deste dever, per-
mitindo, no entanto, que os cônjuges, em situação excepcional,
adotem, durante o casamento, domicílios diversos. A exceção
legal aqui apontada permite, tão-somente, o afastamento de um
cônjuge em relação ao outro, para fins específicos, circunstân-
cia que traz em si implícita a idéia da transitoriedade em tal
afastamento.
Cumprida a finalidade que motivou a ausência do cônjuge
do domicílio familiar, deverá aquele retornar, sob pena de,
descumprindo dever conjugal, dar causa à separação judicial.
Três os motivos que permitem a ausência do lar conjugal:
encargos públicos, exercício da profissão e interesses particula-
res relevantes.
Na primeira hipótese, apesar de se impor aos cônjuges o
dever de coabitação, possível que um daqueles necessite ausen-
120
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

tar-se para cumprimento de encargo público, valendo como exem-


plo a viagem do cônjuge com a finalidade de cumprir obrigação
eleitoral, se não alterado tempestivamente seu domicílio eleito-
ral, sendo certo que o exercício do voto tem caráter obrigatório.
Quanto ao segundo motivo aqui também se nota exceção,
pois o exercício da profissão de um dos cônjuges exige, por ve-
zes, que o mesmo se ausente do domicílio. Esta circunstância se
configura, por exemplo, quando o marido, convidado a assumir
cargo profissional mais vantajoso para o casal e para os filhos,
em local diverso e distante da residência conjugal, e a despeito
de não só ter filhos em idade escolar regularmente matricula-
dos, mas também mulher empregada em local próximo da resi-
dência, se veja obrigado a aceitar o emprego oferecido, não sen-
do razoável o retorno diário para o domicílio conjugal, em razão
da distância.
No que tange à última hipótese, pode-se reconhecer uma
infinidade de situações, já que se trata de norma de manifesto
elastério. A escolha do domicílio não pode levar em conta inte-
resses particulares apenas do marido ou da mulher, devendo
sempre prevalecer o da família: casal e filhos. Feita a eleição,
pode ocorrer que interesse particular de um dos cônjuges justi-
fique sua ausência do domicílio. É o exemplo da mulher que,
residindo em imóvel de propriedade do casal e próximo ao local
de trabalho do marido e dos filhos, tenha que se ausentar para
tratar de parente doente, residente em local afastado, revelan-
do-se por demais inconveniente, gravoso ou complexo o retor-
no diário.

Art. 1.570. Se qualquer dos cônjuges estiver em


lugar remoto ou não sabido, encarcerado por mais
de cento e oitenta dias, interditado judicialmente
ou privado, episodicamente, de consciência, em
virtude de enfermidade ou de acidente, o outro
exercerá com exclusividade a direção da família,
cabendo-lhe a administração dos bens”.
Direito Anterior: Art. 251 do Código Civil.

Pelo Código Civil de 1916, a chefia da sociedade conjugal


cabia ao marido. Em sua falta, todavia, a mulher assumia o
papel, cabendo-lhe a direção da sociedade conjugal e a adminis-
tração dos bens do casal.
Capítulo IX — Da Eficácia do Casamento
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
121
○ ○

O Novo Código Civil prevê situação semelhante, no artigo


que ora analisamos. A chefia da sociedade conjugal pertence a
ambos os cônjuges que zelarão pelo interesse do casal e dos fi-
lhos. Todavia, em situações excepcionais taxativamente previs-
tas aqui, será a chefia da sociedade conjugal exercida exclusiva-
mente por um deles, sem a necessidade de suprimento judicial.
Cônjuge em lugar remoto ou não sabido. Não é preciso que
tenha sido declarada a ausência do cônjuge. Se um dos cônjuges
está em lugar que o outro ignora, não poderia a direção da socie-
dade conjugal ficar obstada. Justifica-se a investida, pleno iures
do cônjuge presente no domicílio conjugal no papel de chefe e
administrador.
Encarcerado por mais de cento e oitenta dias. É um caso
em que o cônjuge também não pode exercer a chefia junto com o
outro. Não exige a lei que o encarceramento decorra de senten-
ça condenatória. Por tal motivo, defendemos seu cabimento, in-
clusive, para a prisão coercitiva do depositário infiel (art. 5º,
LXVII, da Constituição da República). Desde que haja decisão
judicial estabelecendo o encarceramento pelo prazo superior a
cento e oitenta dias, o cônjuge assume a chefia da sociedade
conjugal. Se não houver decisão judicial estabelecendo o prazo,
o cônjuge só assumirá a chefia após o encarceramento comple-
tar o prazo legal. Antes dessa data, o cônjuge precisará, para os
atos decisórios da chefia da sociedade conjugal, do suprimento
judicial.
Interdição judicial. Após a interdição, o cônjuge tem sua
capacidade de fato limitada. Não pode mais praticar os atos da
vida civil sozinho, exercendo-os através de seu curador. Sendo
os atos de direção da sociedade conjugal atos da vida civil, o
cônjuge interditado judicialmente não pode praticá-los. Inde-
pendentemente do cônjuge sadio ter promovido a interdição ou
exercer a curatela de seu consorte, passará a exercer a chefia
da sociedade conjugal, com a decretação da interdição de seu
consorte. Não seria razoável que o curador, como terceiro na
relação jurídica do casamento, manifestasse a vontade em nome
do cônjuge interditado ou em conjunto com o cônjuge interdita-
do. Enquanto não houver sentença transitada em julgado, a di-
reção da sociedade conjugal incumbe ao casal, sendo necessá-
rio, eventualmente, para a prática de certos atos, o suprimento
judicial.
Privado, episodicamente, de consciência, em virtude de en-
fermidade ou de acidente. É uma hipótese nova, em relação ao
122
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Código Civil de 1916. É certo que o art. 3º, III, do Novo Código
Civil estabelece ser absolutamente incapaz os que, mesmo por
uma causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. Aque-
les que estão privados de consciência, por enfermidade ou aci-
dente, estão sujeitos à interdição, pois não podem expressar sua
vontade. Mas, se não fosse criada a presente hipótese, seria ne-
cessário, para que o cônjuge exercesse a chefia da conjugal,
que o outro fosse interditado e a sentença transitasse em julga-
do. Em estando expressamente prevista a situação, um cônju-
ge, diante de doença ou fato acidental que retire do outro a cons-
ciência, assumirá, de pleno direito, o papel de chefe da socieda-
de conjugal.
Capítulo X — Da Dissolução da Sociedade e do Vínculo Conjugal
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
123
○ ○

Capítulo X
DA DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE
E DO VÍNCULO CONJUGAL

Maria Beatriz P. F. Câmara


Promotora de Justiça Titular da 10ª Curadoria de Família
da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro

Entre os ramos jurídicos, no Brasil, o Direito de Família é


um dos que tem apresentado maiores transformações em face
da necessidade de urgente adaptação das regras jurídicas às
mutações sociais. Tendo em vista a desatualização do Código
Civil de 1916 em relação a estas, as adaptações de tal área da
ciência jurídica, visando a amoldar-se aos anseios sociais, vi-
nham sendo promovidas através de legislação esparsa, poden-
do-se elencar, dentre outras, a Emenda Constitucional de 1977
que ensejou a publicação da Lei 6.515/77, instituidora do divór-
cio no Brasil, abolindo o anterior conceito da indissolubilidade
do vínculo matrimonial, e abrindo caminho para a emancipação
feminina, a paridade jurídica da mulher no âmbito conjugal, a
igualdade entre os filhos, qualquer que seja a respectiva ori-
gem, o reconhecimento da sociedade conjugal de fato como enti-
dade familiar, etc.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, sobreveio
radical mudança nas normas que disciplinavam as relações de
família, alterando-se o papel atribuído às entidades familiares
e o conceito de unidade familiar, ampliando-se este último para
abranger, além do matrimônio, a união estável e a família
monoparental.
Segundo o prof. Gustavo Tepedino, 127 “verifica-se do exa-
me dos artigos 226 a 230 da CF que o centro da tutela constitu-

127 Tepedino, Gustavo. Temas de Direito Civil, 2ª ed.2001, Editora Reno-


var, p.369-390.
123
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○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

cional se desloca do casamento para as relações familiares (mas


não unicamente dele decorrentes) e que a milenar proteção da
família como instituição dá lugar à tutela essencialmente
funcionalizada à dignidade de seus membros”.
As modificações introduzidas pelo novo Código Civil, na
área do Direito de Família, foram modestas e acanhadas diante
da tendência natural e necessária de ajustamento da Lei à reali-
dade dos fatos e às necessidades sociais, não enfrentando a
novel codificação questões como, por exemplo, alteração de
sexo, modificação do registro civil, união entre pessoas do mes-
mo sexo, e “mãe de aluguel”.
Analisando e comparando o novo Código com o Direito es-
trangeiro, verifica-se inclusive que, na matéria relativa à dis-
solução do casamento, manteve o novo Código Civil a separação
e o divórcio, equiparando-se ao direito francês, que admite a
separação de corpos e o divórcio, permitindo, outrossim, a con-
versão da primeira no segundo, bem como a separação baseada
na culpa.
Segundo a Desembargadora Maria Berenice Dias, merece
crítica esse sistema, que onera as partes, nem sempre dotadas
de recursos financeiros necessários ao custeio das despesas de-
correntes da dupla etapa a que são obrigadas a cumprir para
obterem de forma plena e completa o fim do vínculo matrimonial,
já que, enquanto o casamento só se desfaz pelo divórcio, a sepa-
ração dissolve apenas a sociedade conjugal. Acrescente-se ain-
da o fato de que injusta e onerosa demora se impõe às partes,
gerada pela multiplicidade de demandas perante um Judiciário
já sobrecarregado, cuja escassez de juízes mais se agrava em
virtude do aumento de dissídios, sendo certa ainda a carência
de meios materiais aos magistrados para célere prestação da ju-
risdição. Ressalte-se, ainda, que pelo fato de nem todos os Esta-
dos da Federação disporem de Defensoria Pública, o mais justo e
razoável seria permitir a concessão direta de divórcio, tornando
desnecessária a prévia separação, com vistas a minimizar os
custos e exonerar o Judiciário da apreciação de mais uma ação
desnecessária.
Enfatize-se, ainda, que a Lei do Divórcio se tornará letra
morta com a entrada em vigor do novo Código Civil. Neste par-
ticular, cotejados os artigos de cada um destes Diplomas Le-
gais, evidencia-se que os que não foram reproduzidos restaram
simplesmente revogados, devendo o Código de Processo Civil
regular os ritos processuais pertinentes alterando-se o teor dos
Capítulo X — Da Dissolução da Sociedade e do Vínculo Conjugal
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
125
○ ○

artigos 1.120 a 1.124 deste, inclusive para fazer acrescer ao ter-


mo separação, ali constante, a palavra divórcio.

Art. 1.571. A sociedade conjugal termina:


I — pela morte de um dos cônjuges;
II — pela nulidade ou anulação do casamento;
III — pela separação judicial;
IV — pelo divórcio.
§ 1º O casamento válido só se dissolve pela
morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio,
aplicando-se a presunção estabelecida neste
Código quanto ao ausente.
§2º Dissolvido o casamento pelo divórcio dire-
to ou por conversão, o cônjuge poderá manter
o nome de casado; salvo, no segundo caso, dis-
pondo em contrário a sentença de separação ju-
dicial.
Direito anterior: Art. 2º da Lei 6.515/77 e art. 25, parágrafo único,
da Lei do Divórcio.

Repetindo comando anterior, ratifica o novo Código que a


sociedade conjugal termina pela separação, mas só a morte e o
divórcio dissolvem o casamento.
Como mencionado na introdução ao presente trabalho, to-
talmente dispensável a manutenção da exigência de duas vias
judiciais para pôr termo ao casamento, devendo-se ressaltar a
profunda semelhança entre o estado de separado e o de divorci-
ado, remanescendo unicamente impedimento para um novo ca-
samento.
Não obstante o artigo 1.571 reproduza a Lei do Divórcio,
gera perplexidade ao incluir parágrafo sobre alteração de nome.
Neste sentido, melhor redação apresentou a Lei 6.515/77, que,
nas hipóteses de separação e de conversão em Divórcio, dispõe
em seção autônoma sobre o nome do cônjuge. Abstraído, no en-
tanto, o aspecto formal da norma, a redação do parágrafo se-
gundo, quanto ao conteúdo, evidencia um abrandamento, pois,
adequada aos princípios constitucionais de igualdade entre os
cônjuges, permite que qualquer deles mantenha o nome de ca-
sado, em não dispondo em contrário a separação judicial, revo-
gado, assim, o comando inserto na legislação anterior, o qual
determinava a volta ao nome de solteiro, com as exceções pre-
vistas.
126
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Com relação à parte final do parágrafo primeiro, deve esta


ser suprimida, uma vez que totalmente inócua. No texto primi-
tivo do anteprojeto do novo Código Civil figurava um inciso V,
que introduzia a admissibilidade da declaração de ausência como
uma das causas de dissolução da sociedade conjugal. Tal inciso
acabou sendo suprimido seguindo sugestão do Desembargador
Yussef Said Cahali, do Tribunal de Justiça de São Paulo, que
ponderou e alertou sobre sua inutilidade prática, uma vez que
obviamente haveria preferência pela possibilidade de adotar-se
o simples decurso do prazo para obtenção do divórcio direto.
Concluindo o legislador por abolir o inciso V, não mais se
aproveitando a presunção de morte do ausente como causa de
dissolução da sociedade, totalmente ociosa e desnecessária tor-
nou-se a parte final do parágrafo primeiro.

Art. 1.572. Qualquer dos cônjuges poderá pro-


por a ação de separação judicial, imputando ao
outro qualquer ato que importe grave violação
dos deveres do casamento e torne insuportável
a vida em comum.
§1º A separação judicial pode também ser pedi-
da se um dos cônjuges provar ruptura da vida
em comum há mais de um ano e a impossibili-
dade de sua reconstituição.
§2º O cônjuge pode ainda pedir a separação ju-
dicial quando o outro estiver acometido de do-
ença mental grave, manifestada após o casa-
mento, que torne insuportável a continuação da
vida em comum, desde que, após uma duração
de dois anos, a enfermidade tenha sido reco-
nhecida de cura improvável.
§3º No caso do parágrafo 2º, reverterão ao côn-
juge enfermo, que não houver pedido a separa-
ção judicial, os remanescentes dos bens que
levou para o casamento, e, se o regime dos bens
adotado o permitir, a meação dos adquiridos na
constância da sociedade conjugal.
Direito Anterior: Art. 5º e §§ 1º, 2º e 3º da Lei do Divórcio.

O caput do artigo 1.572, assim como o artigo 1.573, do novo


Código Civil aborda a separação litigiosa. A separação falência
Capítulo X — Da Dissolução da Sociedade e do Vínculo Conjugal
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
127
○ ○

é tratada no parágrafo primeiro e a separação remédio no pará-


grafo segundo, ambos do referido artigo 1.572.
Ademais, mantém o novel Diploma Legal o que a doutrina
chama de separação remédio. O parágrafo terceiro, repetindo o
§ 3º do art. 5º da Lei 6.515/77, estabelece espécie de indenização
compatível somente com a comunhão universal, único regime
que permite meação dos bens anteriores e posteriores ao casa-
mento. Como bem salientado pelo professor Arnoldo Wald, 128 nos
demais regimes, ou há meação anterior — e, portanto, não há
bens levados para o casamento (comunhão parcial) — ou não há
bens comuns posteriores às núpcias (separação total)”.
Ressalte-se, ademais, que o parágrafo segundo, ao reduzir
o prazo de cinco para dois anos nos casos de separação judicial
fundada em doença incurável do cônjuge, tornou tal disposição
ineficaz, uma vez que o próprio Código Civil autoriza os cônju-
ges separados de fato a promoverem diretamente o divórcio, sem
se sujeitarem à norma prevista neste parágrafo, que poderia
ter sido eliminada do novo Código.

Art. 1.573. Pode caracterizar a impossibilidade


da comunhão de vida a ocorrência de algum dos
seguintes motivos:
I — adultério;
II — tentativa de morte;
III — sevícia ou injúria grave;
V — abandono voluntário do lar conjugal, du-
rante um ano contínuo;
V — condenação por crime infamante;
VI — conduta desonrosa.
Parágrafo único. O juiz poderá considerar ou-
tros fatos que tornem evidente a impossibilida-
de da vida em comum.
Direito anterior — Art. 5º caput da Lei 6.515/77.

Conforme ensinamento de Pontes de Miranda, 129 o Código


Civil de 1916 somente reconhecia como pressupostos para a ação
de desquite os que o art. 317 apontava. Excetuadas estas hipó-

128 Wald, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. IV, Direito de
Família, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1998, 11ª ed., p. 141.
129 Pontes de Miranda. Tratado de Direito de Família, Volume II, Direito
Matrimonial (Continuação), 1ª ed., 2001, Editora Bookseller, p. 450.
128
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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teses existia apenas o desquite por mútuo consentimento dos côn-


juges, nos estritos termos do art. 318. O art. 5º da Lei 6.515/77
revogou o mencionado art. 317, ao admitir como causa suficien-
te à desconstituição da sociedade conjugal a prática de conduta
desonrosa ou qualquer ato, positivo ou negativo, que implique
grave violação dos deveres do casamento ou que tornem insu-
portável a vida em comum.
O novo Código, ao contrário do sistema genérico estabele-
cido pela Lei do Divórcio, adotou sistema híbrido, em que mes-
cla norma de caráter genérico, como a contida no parágrafo úni-
co ora comentado, a outras de caráter exemplificativo,
retornando ao sistema casuístico estabelecido pelo revogado art.
317 do Código Civil de 1916, o que caracteriza retrocesso. Como
bem salientado pela eminente professora Regina Beatriz Tavares
da Silva Papa dos Santos, 130 o sistema aberto de causas culposas
tinha o mérito de proporcionar solução naquelas hipóteses em
que os cônjuges se encontram emocional e afetivamente aparta-
dos em virtude do clima de aversão e desentendimento que se
instalou no lar”.
Foi redundante o Código ao estabelecer a prática de crime
infamante como causa de separação judicial fundada na culpa,
uma vez que esta conduta penalmente punível constitui, na rea-
lidade, injúria grave, não se justificando sua previsão específi-
ca.
Tal argumento pode ser manejado também com relação ao
abandono, que, na realidade, constitui injúria grave.
Não existe critério preordenado para definição dos fatos
que tornam insuportável a vida em comum. Deverá o juiz, caso
a caso, aferir se a conduta imputada constitui descumprimento
dos deveres conjugais e se aquela tornou evidente a impossibi-
lidade da vida em comum, sempre se levando em conta a condi-
ção socioeconômica e cultural dos cônjuges.
A redação anterior da Lei do Divórcio constituía avanço,
pois tornava mais simples o reconhecimento e a identificação das
hipóteses ensejadoras da separação, abrangendo as tradicionais
previstas para o desquite, bem como aditando-lhes previsão de

130 Papa dos Santos, Regina Beatriz Tavares da Silva. Artigos intitulados,
“Dever de Assistência Imaterial entre cônjuges e Causas Culposas da
Separação Judicial” — Repertório de Jurisprudência e Doutrina so-
bre Direito de Família, Aspectos constitucionais, civis e processuais,
Volume 2, 1995, Editora Revista dos Tribunais, p. 229-250.
Capítulo X — Da Dissolução da Sociedade e do Vínculo Conjugal
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ato ou conduta do cônjuge que cause a insuportabilidade da vida


em comum, conferindo, assim, à referida lei maior abrangência.
Ao admitir ainda a dissolução pela separação litigiosa, ado-
tou o novo Código posição antagônica à tendência moderna de
interferência mínima do Estado nas relações familiares, sobre-
tudo quando estabelecidas entre partes maiores e capazes.
Acompanhando a legislação estrangeira, verifica-se que a
busca da causa da separação já não goza do prestígio de que
antes desfrutava, perdendo espaço no mundo forense, não ape-
nas porque é difícil atribuir a um só dos cônjuges a responsabi-
lidade pelo desfazimento do vínculo afetivo, mas também por-
que indevida a intromissão do Estado na vida das pessoas.
Como bem salientado pelo prof. Rodrigo da Cunha Perei-
131
ra, “é preciso demarcar o limite da intervenção do Direito na
organização familiar para que as normas estabelecidas por ele
não interfiram em prejuízo da liberdade do “ser” sujeito. A
imputação de culpa, para obtenção da separação, infringe a
Constituição no que se refere à garantia do direito à privacida-
de e intimidade, impondo-se que as partes revelem seus compor-
tamentos e seu modo de vida em seus lares, e que, apesar do
clima insuportável de convivência, se não comprovada a culpa,
deverão permanecer casadas”.
Na prática cotidiana do Direito de Família, verifica-se que
a única intenção dos cônjuges em promover a ação de separação
judicial litigiosa é a imputação da culpa, para que, caracteriza-
da e reconhecida esta pelo Poder Judiciário, possam ser requeri-
dos e obtidos alimentos. Inovando com acerto, o novo Código, no
parágrafo único do art. 1.704, admitiu, como o direito francês, o
deferimento de alimentos indispensáveis à subsistência, inclusi-
ve ao “cônjuge culpado”, o que, mais uma vez, afasta a necessi-
dade da atribuição de culpa para a separação.
Por outro lado, em caso de ofensa material ou moral entre
os cônjuges, conta o ofendido com ação de reparação de dano
moral ou material, adotando-se, no Direito de Família, a res-
ponsabilidade civil, que já era admitida no anterior Código, em
casos de dissolução do casamento, com relação aos danos diretos
ou imediatos decorrentes de direta e imediata violação dos deve-
res conjugais.

131 Pereira, Rodrigo da Cunha. Uma Abordagem Psicanalítica, 1971,


Editora Del Rey, p.2, Belo Horizonte.
130
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Poderia o novo Código ter introduzido a figura da


prestation compensatoire, do Direito Francês, que prevê a inde-
nização dos danos indiretos ou mediatos, como, por exemplo, a
disparidade econômica que o divórcio gera entre os cônjuges ou
o sofrimento que o rompimento pode acarretar a um deles.
Discorrendo ainda sobre a atribuição da culpa para a dis-
solução da sociedade conjugal, não se poderia deixar de citar o
brilhante trabalho do prof. Gustavo Tepedino,132 que analisando
a Constituição da República, que promoveu a democratização
da família e a sua funcionalização à realização da personalida-
de de seus integrantes, ensina que “todas as normas que privi-
legiavam o vínculo matrimonial em detrimento dos componentes
da estrutura familiar perderam sua base de validade ou não fo-
ram recepcionadas pela Constituição de 1988”.
Tal tese se aplica também às normas atinentes à separa-
ção, não sendo consentido imputar sanções pelo simples fato de
ocorrer a ruptura do vínculo matrimonial, sem que se identifi-
que, especificamente, a prática de ato ilícito. Assim, todas as
hipóteses que dizem respeito ao papel da culpa devem ser ana-
lisadas à luz de uma espécie de “carta de alforria constitucio-
nal”.
Ressalte-se ainda que, assim como a Lei do Divórcio, o novo
Código contém dispositivo que admite, provado o rompimento da
vida em comum há mais de um ano, a separação sem imputação
de culpa, medida judicial que na prática forense nunca ou qua-
se nunca é utilizada.
O professor Caio Mário 133 estabelece a diferença entre a
ruptura da vida em comum e o abandono, figuras que não se
confundem, pois é totalmente possível que, residindo as partes
na mesma casa, ocorra a ruptura da vida em comum. Tal ruptu-
ra, segundo o autor citado, pode ser provada por qualquer meio,
não está condicionada a qualquer fator material ou violência
física, podendo decorrer da conduta ou do procedimento do côn-
juge. Trata-se de hipótese em que o desejável bom ambiente con-
jugal deixou de existir, destruindo-se a comunidade de vida.
Devem-se levar em conta, no exame da questão, os aspectos
material e psíquico. Para o mencionado autor, o primeiro resulta

132 Tepedino, Gustavo. Temas de Direito Civil, 2ª ed.2001, Editora Reno-


var, p. 387.
133 Silva Pereira, Caio Mário. Instituições de Direito Civil, Volume V, 11ª
ed., Editora Forense, p. 150.
Capítulo X — Da Dissolução da Sociedade e do Vínculo Conjugal
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do fato de estarem os cônjuges afastados um do outro; o segun-


do residiria na motivação intencional, ou seja, o afastamento
não pode ocorrer por causa estranha à vontade dos nubentes,
ou de um deles.
Cabe lembrar que, de modo diverso da litigiosa, a separa-
ção por lapso temporal pode ser requerida por aquele que, em
princípio, deu causa à ruptura da vida em comum, tornando
menos penosa, com isto, a solução da questão familiar, sobretu-
do, quando se leva em conta que, muitas vezes, o outro cônjuge,
por decoro ou para proteger os filhos comuns, não toma a iniciati-
va na separação judicial.
Apesar de suprimido da redação do § 1º do art. 1.572 o vo-
cábulo “consecutivo”, que constava do art. 5º, § 1º da Lei do Di-
vórcio, deve-se interpretar o novo dispositivo no mesmo sentido.
Assim, necessário que o requerente prove o decurso de um ano
contínuo de ruptura da vida em comum, não se admitindo, nem
mesmo, eventual reconciliação temporária, circunstância que o
descaracterizaria.

Art. 1.574 Dar-se-á a separação judicial por mú-


tuo consentimento dos cônjuges se forem ca-
sados por mais de um ano e o manifestarem pe-
rante o juiz, sendo por ele devidamente homo-
logada a convenção.
Parágrafo único. O juiz pode recusar a homolo-
gação e não decretar a separação judicial se
apurar que a convenção não preserva suficien-
temente os interesses dos filhos ou de um dos
cônjuges.
Direito anterior: Arts. 4º e 34 § 2º, ambos da Lei nº 6.515/77.

O presente artigo, contrariando a sistemática da Lei do


Divórcio, encontra-se perdido entre as regras que regulamen-
tam a separação litigiosa.
Dois anos de casamento era o requisito mínimo quanto ao
lapso temporal para que se pudesse pleitear a separação por
mútuo consentimento. Este prazo foi reduzido para um ano pelo
art. 1.574 do Novo Código Civil. Reconhece-se nisso considerá-
vel avanço, não se justificando o decurso de prazo em dobro para
a separação consensual sobretudo se considerarmos que a le-
gislação anterior já admitia a concessão de separação após trans-
curso de um ano da ruptura da vida em comum.
132
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Mesmo diante deste avanço, permanece sem justificativa a


fixação de prazo, qualquer que seja, para pôr fim ao casamento,
tendo em vista que a Constituição Federal de l988 preocupou-se
mais em preservar o interesse das pessoas do que o matrimônio.
O art. 34, § 2º, da Lei do Divórcio trazia expressa a regra
segundo a qual o juiz podia recusar a homologação e não decre-
tar a separação judicial, se comprovar que a convenção não pre-
serva suficientemente os interesses dos filhos ou de um dos côn-
juges, regra repetida no parágrafo único do artigo ora comenta-
do.
Segundo o Desembargador Yussef Said Cahali, 134 esse dis-
positivo, “representa confessadamente simples tradução do art.
232, segunda parte, do Código Civil francês, mostrando-se infe-
liz tal tradução, pois ao juiz, para usar da faculdade de recusa à
homologação, não cabe, segundo os elementares princípios do
processo, o comprovar inconvenientes acaso prejudiciais, mas
simplesmente constatá-los”.
Neste sentido, houve sensível progresso e bom senso do novo
Código, ao usar, ao invés de comprovar, o verbo apurar. Esta
faculdade assegurada ao juiz deve ser exercida, no entanto, com
extrema prudência, sob pena de violação ostensiva da vontade
convencional dos cônjuges, dos princípios de liberdade destes e
da interferência mínima do Estado nas questões de família. Deve
ater-se o magistrado à preservação dos interesses da prole, os
quais podem ser resolvidos pela via própria, nada justificando a
subsistência de um casamento falido e de um lar já desfeito.

Art. 1.575. A sentença de separação judicial im-


porta a separação de corpos e a partilha de
bens.
Parágrafo único. A partilha de bens poderá ser
feita mediante proposta dos cônjuges e homo-
logada pelo juiz ou por este decidida.
Direito anterior: Art. 7º §§ 1º e 2º da Lei 6.515/77.

Incorre este artigo no mesmo erro da legislação anterior, já


que, a toda evidência, não é a sentença que “importa” na sepa-

134 Cahali, Yussef Said. Divórcio e Separação, tomo I, 8ª ed, Editora Re-
vista dos Tribunais, p. 347.
Capítulo X — Da Dissolução da Sociedade e do Vínculo Conjugal
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ração de corpos. Por outro lado, com a introdução do art. 1.581,


que prevê a admissibilidade da partilha após o divórcio, torna-
se LETRA MORTA, neste particular, o disposto no caput do art.
1.575.
O jurista Pontes de Miranda 135 observava, já sob a égide
da Lei do Divórcio, que o juiz não pode obrigar a que na separa-
ção consensual, mesmo no divórcio consensual, se promova des-
de logo a partilha, já que um acordo pode não ser possível no
momento ou, por outro lado, ser de conveniência para os cônju-
ges que tal partilha só se faça a posteriori.

Art. 1.576. A separação judicial põe termo aos


deveres de coabitação e fidelidade recíproca e
ao regime de bens.
Parágrafo único. O procedimento judicial da se-
paração caberá somente aos cônjuges, e, no
caso de incapacidade, serão representados pelo
curador, pelo ascendente ou pelo irmão.
Direito anterior: Art. 3º e § 1º da Lei 6.515/77.

O presente artigo apenas limitou-se a suprimir a expres-


são “como se o casamento fosse dissolvido”.
Assim, como preconizava o § 1º da Lei do Divórcio, o artigo
1.576 consagra o caráter pessoal da ação de separação, dispon-
do em seu parágrafo único, sobre a maneira de exercer-se a re-
presentação na hipótese de incapacidade, tanto para a separa-
ção litigiosa como para a consensual, prestigiando, como a legis-
lação anterior, a figura da substituição processual.

Art. 1.577. Seja qual for a causa da separação


judicial e o modo como esta se faça, é lícito aos
cônjuges restabelecer, a todo tempo, a socie-
dade conjugal, por ato regular em juízo.
Parágrafo único. A reconciliação em nada pre-
judicará o direito de terceiros, adquirido antes
e durante o estado de separado, seja qual for o
regime de bens.
Direito anterior — Art. 46 e parágrafo único da Lei 6.515/77.

135 Pontes de Miranda. Tratado de Direito de Família, Volume II, Direito


Matrimonial (Continuação), 1ª ed., 2001, Editora Bookseller, p. 497.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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O conteúdo do artigo acima repete matéria já disciplinada


pela Lei do Divórcio.
No ordenamento jurídico em vigor, o ato de reconciliação,
que se processa mediante requerimento nos autos da separação,
restaura integralmente a anterior situação matrimonial,
reassumindo cada cônjuge todos os direitos e deveres que a sen-
tença de separação judicial fizera cessar. O regime matrimonial
dos bens restabelece-se entre os cônjuges com o trânsito em jul-
gado da sentença e opera erga omnes com a averbação no regis-
tro civil. Não há escolha de novo regime; restabelece-se o ante-
rior.
O novo Código, no § 2º do artigo 1.639, admite a alteração
do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido mo-
tivado de ambos os cônjuges, após apuração quanto à procedên-
cia das razões invocadas, ressalvados os direitos de terceiros.
Trata o dispositivo ora comentado de procedimento de ju-
risdição voluntária, devendo, em princípio, ser restaurado o ca-
samento nos moldes em que foi realizado.
Não obstante, em razão dos princípios da celeridade e da
economia processual, entende-se aqui que, apesar do formalis-
mo do Direito de Família, nada impede que a regra do § 2º do
artigo 1.639, em interpretação extensiva, possa, mediante a com-
provação dos requisitos necessários, aplicar-se às hipóteses de
reconciliação.

Art. 1.578. O cônjuge declarado culpado na ação


de separação judicial perde o direito de usar o
sobrenome do outro, desde que expressamente
requerido pelo cônjuge inocente e se a altera-
ção não acarretar:
I — evidente prejuízo para a sua identificação;
II — manifesta distinção entre o seu nome de
família e o dos filhos havidos da união dissol-
vida;
§ 1º O cônjuge inocente na ação de separação
judicial poderá renunciar, a qualquer momento,
ao direito de usar o sobrenome do outro.
§ 2º Nos demais casos caberá a opção pela con-
servação do nome de casado .
Direito anterior: Arts. 17 e 18 da Lei 6.515/77.
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Tentou o legislador abrandar a norma antes estabelecida,


admitindo que o cônjuge declarado culpado mantivesse o nome
de casado, fixando, no entanto, como condição, o consentimento
do cônjuge inocente. Tal exigência, porém, é, sem dúvida, in-
constitucional.
O presente artigo exaure toda a matéria relativa ao nome
a ser adotado pelos cônjuges quando da dissolução da sociedade
conjugal, tendo o Código inovado ao permitir, apesar da neces-
sidade de concordância do outro cônjuge, que o culpado conti-
nue a usar o nome de casado, revogando, portanto, a regra esta-
belecida na Lei do Divórcio, que previa a obrigatoriedade, para
a mulher, da perda do patronímico do marido, quando da con-
versão da separação em divórcio.
Como bem expressado pelo prof. Gustavo Tepedino, 136 “a re-
gulamentação do nome após a dissolução da sociedade conjugal,
mostra-se plasmada pela idéia de culpa, vinculando a manuten-
ção do nome de família, atributo da identificação pessoal da
mulher — e incrivelmente sempre tratado, diga-se de passagem,
como nome do marido —, ao seu comportamento durante o casa-
mento, e, pior ainda, subtraindo-lhe o sobrenome como uma san-
ção, não só na separação culposa, mas na separação remédio”.
O direito ao nome é atributo da personalidade, integrando
o direito à identidade. Quando do casamento, se se adota o nome
do outro cônjuge, passa tal patronímico a incorporar a persona-
lidade do adotante, não lhe podendo ser retirado, pelo simples
fato do rompimento da vida em comum e ao arbítrio do outro
cônjuge.
Como bem assinalado pela desembargadora Maria Berenice
Dias, 137 “a alteração do nome quando do casamento ocorreu atra-
vés de permissivo legal, não estando tal alteração subordinada
a qualquer condição, passando a integrar a personalidade do
adotante, não podendo agora, com a separação, depender da con-
dição da autorização do outro, para sua mantença”.
No mesmo sentido, o prof. Gustavo Tepedino 138 questiona a
constitucionalidade da solução legal, que viola o direito à iden-
tificação pessoal da mulher, afirmando, que, afinal, com o casa-
mento, o nome de família integra-se à personalidade da mulher,
não mais podendo ser considerado como nome apenas do marido.

136 Tepedino, Gustavo. Temas de Direito Civil, 2ª ed. 2001, Editora Reno-
var, p. 376.
137 Dias, Maria Berenice. Da Separação e do Divórcio.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Na realidade, mesmo com a posição mais liberal do atual


Código, acompanhando a disposição constitucional de igualdade
entre os cônjuges, a solução correta seria a alteração do nome
exclusivamente por escolha do cônjuge, tendo em vista que mui-
tas vezes se revelará difícil prova das hipóteses previstas nos
incisos antes enumerados, e a modificação do nome poderá alte-
rar a identificação pessoal, que é, sem dúvida, atributo de sua
personalidade.
Na legislação italiana, que praticamente afastou a culpa,
o art. 156 autoriza o juiz a alterar o sobrenome sempre que sua
manutenção possa acarretar prejuízos à ex-mulher ou ao ex-
marido.

Art. 1.579. O divórcio não modificará os direitos


e deveres dos pais em relação aos filhos.
Parágrafo único. Novo casamento de qualquer
dos pais, ou de ambos, não poderá importar res-
trições aos direitos e deveres previstos neste
artigo.
Direito anterior: Art. 27 e parágrafo único da Lei 6.515/77.

Sem comentários. Mera repetição da legislação anterior,


antes citada.

Art. 1.580. Decorrido um ano do trânsito em jul-


gado da sentença que houver decretado a se-
paração judicial, ou da decisão concessiva da
medida cautelar de separação de corpos, qual-
quer das partes poderá requerer sua conversão
em divórcio.
§1º. A conversão em divórcio da separação ju-
dicial dos cônjuges será decretada por senten-
ça, da qual não constará referência à causa que
a determinou.
§2º. O divórcio poderá ser requerido, por um ou
por ambos os cônjuges, no caso de comprova-
da separação de fato por mais de dois anos.
Direito anterior: Arts. 25, 35, 36 e 40 da Lei 6.515/77.
Capítulo X — Da Dissolução da Sociedade e do Vínculo Conjugal
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O artigo 1.580 e seus parágrafos tratam da conversão da


separação em divórcio, bem como do chamado divórcio direto.
Esta matéria era anteriormente tratada nos artigos 25, 35 e 36
da Lei 6.515/77, sendo certo que esta última, além do requisito
temporal, exigia para a conversão o cumprimento, pelo reque-
rente, de todas as obrigações assumidas à época da separação.
A jurisprudência já se vinha orientando no sentido de que
o art. 36, parágrafo único, II, da Lei do Divórcio, não teria sido
recepcionado pela nova ordem constitucional, afirmando-se
que, como ensina Yussef Said Cahali, 139 em sua obra Divórcio e
Separação, 9º ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais,
2000, p. 1.073/1.077, “com a promulgação da Constituição Fe-
deral de 1988, a regra contida no inciso II, do referido pará-
grafo, teria perdido eficácia”.
O novo Código, acertadamente, adequando-se aos ditames
do § 6º do art. 226 da CF/88, condicionou apenas ao decurso de
tempo a conversão da separação em divórcio.
Esclareça-se que a derrogação do art. 36, parágrafo único,
inciso II, da Lei 6.515/77 não visa a premiar o inadimplente,
extinguindo as obrigações assumidas ou impostas ao requerente
da conversão, permanecendo, ao contrário, incólumes as obriga-
ções e ressalvada sua exigibilidade através das vias
procedimentais adequadas.

Art. 1.581. O divórcio pode ser concedido sem


que haja prévia partilha de bens.
Direito anterior: Art. 31 da Lei 6.515/77.

Acompanhando posicionamento quase unânime da juris-


prudência e adaptando a legislação às novas regras da Consti-
tuição Federal, que não impõe restrição à concessão do divórcio,
a não ser o decurso do tempo de separação de fato do casal, o
presente dispositivo revoga o art. 31 da Lei do Divórcio, permi-
tindo, sem prévia partilha de bens, a concessão deste, e enfatiza
a impropriedade do art. 1.575.

138 Tepedino, Gustavo. Temas de Direito Civil, 2ª ed.2001, Editora Reno-


var, p.377.
139 Cahali, Yussef Said. Divórcio e Separação, 9ª ed., Ed. Revista dos
Tribunais, 2000, São Paulo, p. 1.073/1.077.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Art. 1.582. O pedido de divórcio somente com-


petirá aos cônjuges.
Parágrafo único. Se o cônjuge for incapaz para
propor a ação ou defender-se, poderá fazê-lo o
curador, o ascendente ou o irmão.
Direito anterior: Art. 24 e parágrafo único da Lei 6.515/77.

Este artigo repete a legislação anterior, prevendo a figura


da substituição processual através da legitimação extraordiná-
ria. Tal legitimação é exceção à regra dos artigos 1.767 e se-
guintes do novo Código, que, em caso de incapacidade, exige a
instauração de processo de interdição, com nomeação de curador.
Tal exceção, já prevista na legislação anterior, se justifica em
face das peculiaridades do Direito de Família.
Capítulo XI — Da Proteção da Pessoa dos Filhos
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139
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Capítulo XI
DA PROTEÇÃO DA PESSOA DOS FILHOS

Ângela Maria Silveira dos Santos


Promotora de Justiça Titular da 3ª Promotoria de Infância e Juventude
da Comarca de Duque de Caxias – Estado do Rio de Janeiro

O tema da proteção da pessoa dos filhos, tratado no Códi-


go Civil, é por demais delicado, por estar intimamente ligado ao
desfazimento da sociedade conjugal e, por via reflexa, ao desti-
no dos filhos, porque a guarda destes, menores ou incapazes, se
constitui em um dos deveres dos pais.
Como conseqüência de tal matéria, a questão da proteção
da pessoa dos filhos vem sofrendo interferência direta de todas
as transformações sociais da família moderna, de tal forma que
a legislação vive em constante mutação, sempre objetivando ade-
quar-se às novas situações.
Para melhor compreensão, necessário se faz sejam traçadas
algumas breves considerações acerca do assunto.

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA LEGISLAÇÃO REFERENTE


AO INSTITUTO.

A primeira regra a disciplinar essa matéria, dentro da le-


gislação brasileira, foi o Decreto 181, de 1890, onde o art. 90 140
estabelecia que, no caso de ruptura da relação conjugal, o Juiz,
na sentença, deveria, desde logo, não só entregar os filhos co-
muns e menores ao cônjuge inocente, como também fixar a cota

140 Art. 90 – “A sentença do divórcio mandará entregar os filhos comuns e


menores ao cônjuge inocente e fixará a cota com quem o culpado deve-
rá concorrer para a educação deles, assim como a contribuição do
marido para a sustentação da mulher, se esta for inocente e pobre”.

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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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com que o genitor culpado deveria concorrer para a educação


deles e, finalmente, a contribuição do marido para o sustento da
mulher, se esta fosse inocente e pobre.
O Código Civil de 1916, 141 a princípio, cuidou dessa matéria
basicamente em dois dispositivos, onde estatuía, em síntese:
a ) No art. 325, na dissolução amigável, prevaleceria o que
os cônjuges acordassem sobre a guarda dos filhos.
b) No art. 326, na dissolução judicial, com culpa de um ou
de ambos os cônjuges, obedecer-se-ia ao seguinte esque-
ma: 1) ao cônjuge inocente caberia a guarda dos filhos
menores; 2) na hipótese de culpa de ambos os cônjuges,
a guarda dos filhos ficaria: I — com a mãe, no caso das
filhas menores e dos filhos homens até 06 anos de ida-
de; II — com o pai, no caso dos filhos do sexo masculino,
após completarem 06 anos de idade; III — havendo mo-
tivos graves, o juiz, em qualquer caso e a bem dos fi-
lhos, regularia de maneira diferente o exercício da guar-
da; 3) no caso de anulação do casamento e, havendo fi-
lhos comuns, deveriam ser aplicadas as regras antes
mencionadas.

141 Texto original do Código Civil de 1916:


Art. 325. No caso de dissolução da sociedade conjugal por desquite
amigável, observar-se-á o que os cônjuges acordarem sobre a guarda
dos filhos.
Art. 326. Sendo o desquite judicial, ficarão os filhos menores com o
cônjuge inocente.
§ 1º. Se ambos forem culpados, a mãe terá o direito de conservar em
sua companhia as filhas, enquanto menores, e os filhos, até a idade
de seis anos.
§ 2º. Os filhos maiores de seis anos serão entregues à guarda do pai.
Art.327. Havendo motivos graves, poderá o Juiz, em qualquer caso,
a bem dos filhos, regular por maneira diferente da estabelecida nos
artigos anteriores a situação deles para com os pais.
Parágrafo único. Se todos os filhos couberem a um só cônjuge, fixará
o Juiz a contribuição com que para o sustento deles haja de concorrer
com o outro.
Art. 328. No caso de anulação do casamento, havendo filhos comuns,
observar-se-á o disposto nos arts. 326 e 327.
Art. 329. A mãe que contrai novas núpcias não perde o direito a ter
consigo os filhos, que só lhe poderão ser retirados, mandando o Juiz,
provado que ela, ou o padrasto, não os trata convenientemente (arts.
248, n. I, e 393).
Capítulo XI — Da Proteção da Pessoa dos Filhos
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141
○ ○

O Decreto-lei 3.200/41 foi a primeira norma a disciplinar a


guarda do filho natural, determinando que ficasse sempre sob
os cuidados do pai, salvo se o juiz decidisse de modo diverso,
tendo por principal objetivo o interesse do menor.
O Decreto-lei 9.701, de 03.09.45, 142 teve por objetivo regu-
lamentar a situação da guarda dos filhos menores dentro do des-
quite judicial, quando não concedida à pessoa dos pais. Obser-
ve-se que o legislador, nesta fase, além de se manter atrelado
ao aspecto da culpa, ao determinar que o filho ficasse sob a guar-
da da família do cônjuge inocente, ainda que não mantivesse
relações com o cônjuge culpado, deixa claro que o interesse dos
pais se sobrepunha aos interesses dos filhos.
O Decreto-lei nº 9.701/46 teve por escopo garantir o direito
do cônjuge culpado à visitação, na hipótese em que a guarda
dos filhos ficasse a cargo de pessoa estranha, notoriamente idô-
nea, de preferência da família de qualquer dos genitores. Ape-
sar de a lei ter-se referido somente à hipótese de concessão da
guarda a pessoa diversa dos pais, a doutrina e jurisprudência,
através de interpretação extensiva, ampliaram o alcance da nor-
ma, a fim de garantir, em qualquer situação, o direito de visitação
também ao cônjuge não detentor da guarda, desvinculando-se
da questão da culpa.
A Lei 4.121/62, 143 Estatuto da Mulher Casada, alterou so-
mente em parte os dispositivos do Código Civil, até porque man-
teve as normas referentes à separação amigável, alterando ape-
nas as regras destinadas a disciplinar a separação com culpa de

142 Art.1º. No desquite judicial, a guarda de filhos menores, não entregue


aos pais, será deferida a pessoa notoriamente idônea da família do
cônjuge inocente, ainda que não mantenha relações sociais com o côn-
juge culpado, a quem, entretanto, será assegurado o direito de visita
aos filhos.
143 Lei nº 4.121, de 27.08.1962: deu nova redação ao art. 236, do Código
Civil
Art. 326....
§ 1º. Se ambos os cônjuges forem culpados, ficarão em poder da mãe
os filhos menores, salvo se o juiz verificar que de tal solução possa
advir prejuízo de ordem moral para eles.
§ 2º. Verificado que não devem os filhos permanecer em poder da
mãe nem do pai, deferirá o juiz a guarda a pessoa notoriamente idô-
nea, da família de qualquer dos cônjuges, ainda que não mantenham
relações sociais com o outro a quem, entretanto, será assegurado o
direito de visita.
142
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

ambos os cônjuges. Nessa situação, os filhos menores ficariam


sob os cuidados da mãe, sem distinção de idade e sexo, desde
que não gerasse prejuízos de ordem moral aos filhos. Previa,
ainda, a possibilidade do deferimento da guarda dos filhos me-
nores a pessoa diversa dos pais, desde que restasse evidenciado
que a companhia destes era prejudicial aos filhos, embora lhes
garantisse o direito de visita.
A Lei 5.582/70 alterou o disposto no Decreto-lei 3.200/41,
ao estabelecer que, na hipótese de filho natural, reconhecido
por ambos os genitores, a guarda seria deferida à mãe, salvo se
tal medida causasse prejuízo ao menor. Previa, também, a hipó-
tese de colocação dos filhos sob a guarda de pessoa idônea, di-
versa da pessoa dos pais, de preferência da família de qualquer
deles. Estabelecia, por fim, que em havendo motivos graves,
poderia o juiz decidir de forma diferente, sempre objetivando o
melhor interesse do filho menor.
Note-se que, como não havia, naquela época, previsão de
um tratamento igualitário para todos os filhos, precisou-se edi-
tar lei extravagante, a fim de regulamentar tal situação. Como
podemos observar, esta norma praticamente repetiu as regras
relativas à guarda dos filhos considerados legítimos, pelo só fato
de também ter por objeto a regulamentação da guarda do filho
menor.

144 Lei nº 6.515, de 26-12-77, que revoga os arts. 325 a 328, do Código
Civil, regulamentando a proteção da pessoa dos filhos, no capítulo I,
seção II, em seus arts. 9º a 16, dispondo:
Art. 9º. No caso de dissolução da sociedade conjugal pela separação
judicial consensual (art. 4º), observar-se-á o que os cônjuges acorda-
rem sobre a guarda dos filhos.
Art.10. Na separação judicial fundada no caput do art. 5º, os filhos
menores ficarão com o cônjuge que a ela não houver dado causa.
§ 1º. Se pela separação judicial forem responsáveis ambos os cônju-
ges, os filhos menores ficarão em poder da mãe, salvo se o juiz verifi-
car que de tal solução possa advir prejuízo de ordem moral para eles.
§ 2º. Verificado que não devem os filhos permanecer em poder da
mãe nem do pai, deferirá o juiz a sua guarda a pessoa notoriamente
idônea da família de qualquer dos cônjuges.
Art.11. Quando a separação judicial ocorrer com fundamento no § 1º
do art. 5º, os filhos ficarão em poder do cônjuge em cuja companhia
estavam durante o tempo de ruptura da vida em comum.
Art.12. Na separação judicial fundada no § 2º do art. 5º, o juiz defe-
rirá a entrega dos filhos ao cônjuge que estiver em condições de assu-
mir, normalmente, a responsabilidade de sua guarda e educação.
Capítulo XI — Da Proteção da Pessoa dos Filhos
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143
○ ○

A Lei nº 6.515/77, 144 ao tratar do divórcio, praticamente re-


vogou os artigos do Código Civil referentes à proteção da pessoa
dos filhos, pois regulamentou toda a matéria de forma expressa,
ou seja, tratou de todas as hipóteses decorrentes da dissolução
da sociedade conjugal, relativas à guarda dos filhos, com culpa
ou não, estabelecendo: a) na dissolução consensual, atender-se-
á ao que os cônjuges acordarem sobre a guarda dos filhos; b)
nas dissoluções litigiosas fundadas no caput do art 5º, a guarda
será concedida ao cônjuge que não deu causa à separação; c) se
ambos forem culpados, os filhos ficarão com a mãe; d) se o juiz
verificar que os filhos não podem ficar nem com o pai nem com a
mãe, a guarda será deferida a pessoa idônea da família de qual-
quer dos cônjuges; e) no caso de ruptura em razão de lapso tem-
poral, os filhos permanecerão em poder do cônjuge com quem se
encontravam no momento da separação; f) no caso de doença
mental grave, a guarda dos filhos se concederá ao cônjuge sa-
dio; g) em qualquer hipótese, a bem dos interesses dos filhos, o
Juiz poderá disciplinar a guarda até de forma diferente das hi-
póteses antes aqui mencionadas; h) no caso de anulação do ca-
samento, havendo filhos comuns, serão aplicadas as mesmas re-
gras acima.
Observe-se que o legislador, ao traçar todas estas regras,
teve por objetivo atender aos interesses dos filhos e não aos in-
teresses dos pais, tanto que tais normas permitem ao juiz deci-
dir de forma contrária à estabelecida pelos pais na separação
consensual, desde que convencido de que o acordo previamente
ajustado não preserve efetivamente os interesses da prole. Em-
bora o legislador, mais uma vez, se tenha reportado ao Princípio

Art.13. Se houver motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a


bem dos filhos, regular por maneira diferente da estabelecida nos
artigos anteriores à situação deles com os pais.
Art.14. No caso de anulação do casamento, havendo filhos comuns,
observar-se-á o disposto nos arts. 10 e 13.
Parágrafo único. Ainda que nenhum dos cônjuges esteja de boa-fé ao
contrair o casamento, seus efeitos civis aproveitarão aos filhos co-
muns.
Art.15. Os pais, em cuja guarda não estejam os filhos, poderão visitá-
los e tê-los em sua companhia, segundo fixar o juiz, bem como fiscali-
zar sua manutenção e educação.
Art.16. As disposições relativas à guarda e à prestação de alimen-
tos aos filhos menores estendem-se aos filhos maiores inválidos.
144
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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do Melhor Interesse, este continuava a ser aplicado de forma


tímida, tanto que somente podia ser implementado nas hipóte-
ses de acordo nas separações consensuais, já que, nas separa-
ções judiciais, o juiz tinha que se ater às normas preestabelecidas
e estas não se pautavam pelo interesse dos filhos e sim dos pais.
Neste dispositivo legal, foi ampliado o direito de visitação e
o de fiscalização, bem como foram estendidas todas as disposições
referentes à guarda de filhos menores aos maiores e inválidos.
A Lei 6.697/79 — Código de Menores — limitou-se, em um
único artigo, a tratar da matéria relativa à guarda, cingindo-se
a definir o que se deveria entender por “terceiro encarregado
da guarda de menor”, dispondo: — “pessoa que, não sendo pai,
mãe ou tutor tem, por qualquer título, a responsabilidade da
vigilância, da direção ou educação dele, ou voluntariamente o
traz em seu poder ou companhia”.
A Constituição Federal de 1988, 145 ao estabelecer nova or-
dem jurídica constitucional e ao formalizar o Pacto Político So-
cial da Nova República, deu início a um novo período Democrá-
tico Social, tanto que esta Constituição foi denominada por
Ulisses Guimarães de “Constituição Cidadã”.
Na trilha deste período de metamorfose, o texto da nova
Constituição introduziu também os Princípios básicos da Con-

145 Constituição Federal de 05.10.1988:


Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do
Estado
§ 3º. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união está-
vel entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei
facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º. Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade
formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º. Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exer-
cidos igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 7º. Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da
paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do
casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e cientí-
ficos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva
por parte de instituições oficiais ou privadas.
Art.227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saú-
de, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultu-
ra, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvos de toda forma de negligên-
cia, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Capítulo XI — Da Proteção da Pessoa dos Filhos
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
145
○ ○

venção Internacional sobre os Direitos da Criança e do Adoles-


cente e trouxe para sua esfera de proteção a parcela da socieda-
de constituída pelas crianças e adolescentes. Para tanto, esten-
deu a eles os direitos fundamentais relativos a qualquer pessoa
humana.
A partir de então, crianças e adolescentes foram erigidos à
condição de cidadãos, não do ponto de vista político-jurídico, mas
sob o ângulo social. Como conseqüência de tais conquistas, cri-
anças e adolescentes devem, hoje, ser subjetivamente respeita-
dos, pois deixaram de ser objetos de aplicação do direito para se
transformarem em sujeitos de direitos.
Nesta lógica seqüencial de aquisição de direitos, o legisla-
dor constituinte, preocupado com a efetivação destes, ampliou
a esfera de responsabilidade em relação às crianças e adoles-
centes, estabelecendo que o primeiro responsável é a família,
depois a sociedade e, por último, o Estado, equiparando, ainda,
todos os filhos, inclusive os adotivos.
A Lei 8.069/90 146 — Estatuto da Criança e do Adolescente –
que teve por objetivo regulamentar as regras traçadas na Cons-

146 Estatuto da Criança e do Adolescente — Lei nº 8.069, de 13.07.90


Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guar-
da, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da crian-
ça ou adolescente, nos termos desta Lei.
§ 1º. Sempre que possível, a criança ou adolescente deverá ser previ-
amente ouvido e a sua opinião devidamente considerada.
§ 2º. Na apreciação do pedido levar-se-á em conta o grau de paren-
tesco e a relação de afinidade ou de afetividade, a fim de evitar ou
minorar as conseqüências decorrentes da medida.
Art. 29. Não se deferirá colocação em família substituta a pessoa
que revele, por qualquer modo, incompatibilidade com a natureza da
medida ou não ofereça ambiente familiar adequado.
Art. 30. A colocação em família substituta não admitirá transferên-
cia da criança ou adolescente a terceiros ou a entidades governamen-
tais ou não-governamentais, sem autorização judicial.
Art. 31. A colocação em família substituta estrangeira constitui me-
dida excepcional, somente admissível na modalidade de adoção.
Art. 32. Ao assumir a guarda ou a tutela, o responsável prestará
compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo mediante
termo nos autos.
Art. 33. A guarda obriga a prestação de assistência material, moral
e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detento o
direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais.
146
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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tituição Federal, ao incorporar a seu texto essa nova política


referente às crianças e aos adolescentes, concretizou não só os
direitos fundamentais definidos na Carta Magna, como também
ressaltou o valor intrínseco da criança e do adolescente como
ser humano, além do respeito à sua condição peculiar de pessoa
em desenvolvimento.
Dentro desse panorama, o legislador estatutário inseriu
em seu texto a Doutrina da Proteção Integral, que em razão de
sua abrangência, por se aplicar a qualquer criança ou adoles-
cente, independentemente de sua condição financeira, religião,
cor e sexo, acabou incorporando o Princípio do Melhor Interesse
da criança, já existente em nosso Direito anterior.
Dentre as inúmeras inovações trazidas pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente, temos a garantia ao direito à convi-
vência familiar como um dever da família, da sociedade e, por
último, do Estado.
Nesse diapasão, o legislador estatutário, cauteloso como
sempre, no art. 28, elencou a guarda em uma das formas de co-
locação em família substituta, disciplinando-a de modo porme-
norizado, dando a ela status de instituto autônomo ao
desvinculá-la da separação dos pais.
Assim, com o advento do Estatuto, o estudo da guarda pas-
sou a ser analisado sob dois ângulos: o do Direito de Família,
como um direito-dever natural e originário dos pais, e o do Esta-
tuto da Criança e do Adolescente — ECA, tendo por objetivo re-
gularizar a posse de fato do menor em relação a pessoa diversa

§ 1º. A guarda destina-se a regularizar a posse de fato, podendo ser


deferida, liminar ou incidentalmente, nos procedimentos de tutela e
adoção, exceto no de adoção por estrangeiro.
§ 2º. Excepcionalmente, deferir-se-á a guarda, fora dos casos de tu-
tela e adoção, para atender a situações peculiares ou suprir a falta
eventual dos pais ou responsável, podendo ser deferido o direito de
representação para prática de atos determinados.
§ 3º. Parágrafo revogado pela Lei 9.528 de 10-12-1997, coibindo as
transferências de guardas judiciais apenas para fins de recebimento
de benefícios previdenciários.
Art. 34. O Poder Público estimulará através de assistência jurídica,
incentivos fiscais e subsídios, o acolhimento, sobre a forma de guar-
da, de criança ou adolescente órfão ou abandonado.
Art. 35. A guarda poderá ser revogada a qualquer tempo, mediante
ato judicial fundamentado, ouvido o Ministério Público.
Capítulo XI — Da Proteção da Pessoa dos Filhos
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147
○ ○

dos pais deste, sem que ocorra necessariamente a perda ou sus-


pensão do poder familiar (pátrio poder).
Após esse breve relato acerca da evolução legislativa refe-
rente à matéria, concluímos que, apesar de o Princípio do Me-
lhor Interesse da Criança estar previsto em nosso ordenamento
jurídico desde 1941, o interesse da criança em si somente pas-
sou efetivamente a sobrepor-se aos interesses dos pais a partir
de 1977 e, ainda assim, de forma tímida, dentro da separação
consensual, pois somente nessa hipótese a Lei faculta ao Juiz
não homologar o acordo estabelecido pelos pais, se ficar conven-
cido de que ele poderá trazer sérios prejuízos para a criança ou
adolescente.
Observe-se que o legislador civilista não se reportou às
demais hipóteses de separação, até porque, em relação a elas, a
Lei traçava as diretrizes a serem seguidas, sempre prevalecen-
do os interesses dos pais sobre os filhos.
Esta situação somente foi modificada a partir de 1988, com
a promulgação da Constituição Federal e do advento da Lei
8.069/90, quando a criança deixou de ser percebida como um
ser em que faltam as qualidades dos adultos, para ser encarada
como uma pessoa que se encontra num estágio de desenvolvi-
mento pessoal, período em que se vislumbram as melhores qua-
lidades do homem.
Como conseqüência dessa transformação, as crianças pas-
saram a ser consideradas como sujeito de direitos, cabendo à
sociedade cercá-las de cuidados especiais, dentre eles o direito
de ser sempre priorizada. Assim, num confronto de seus direi-
tos com os direitos de um adulto, prevalecerá sempre o delas.
A Lei nº 10.406, de 10.01.2002, que instituiu o novo Códi-
go Civil, teve por objetivo atualizar a codificação então vigente,
dotando-a de novos institutos, reclamados pela sociedade atual,
deixando a cargo da legislação extravagante questões que ain-
da são objeto de dúvida. Assim, dentro de sua metodologia, o
legislador civilista, ao regulamentar a matéria relativa à prote-
ção da pessoa dos filhos, nos artigos 1.583 a 1.590, procurou
incorporar à Lei os princípios da evolução ocorrida, nos últimos
anos, tanto no campo legislativo como no campo social, colocan-
do os filhos, e não seus pais, como prioridade no ordenamento
jurídico.

Art. 1.583. No caso de dissolução da sociedade


ou do vínculo conjugal pela separação judicial
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○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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por mútuo consentimento ou pelo divórcio di-


reto consensual, observar-se-á o que os cônju-
ges acordarem sobre a guarda dos filhos.”
Direito anterior: art. 9º, da Lei nº 6.515, de 26.12.1977.

Segundo Antônio Luís Chaves de Camargo 147 guarda é “o


instituto que obriga o responsável à prestação de assistência
material, moral e educacional ao menor, conferindo ao seu de-
tentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais”.
Apesar de o instituto da guarda estar intimamente ligado
ao do poder familiar, não se esgota neste nem com ele se con-
funde, podendo subsistir com ou sem o poder familiar, donde se
conclui que, da mesma forma que não cessa o poder familiar
para o cônjuge que não ficou com a guarda de seus filhos, tam-
bém não há perda do poder familiar sobre o filho, quando a guar-
da é conferida a terceiros, por ordem judicial ou não.
A guarda, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescen-
te, constitui-se na primeira forma de colocação em família subs-
tituta, e como tal, tem por objeto ou finalidade regularizar a
posse de fato de uma criança ou adolescente, conferindo a seu
detentor o direito de opor-se a quem quer que seja, inclusive aos
pais.
Assim, sob a ótica do Estatuto, se a guarda visa a proteger
a criança ou adolescente em manifesto estado de abandono, tal
medida pode ser concedida de ofício ou a requerimento de qual-
quer interessado.
O Estatuto prevê três modalidades de guarda: provisória,
que se subdivide em liminar e incidental, podendo ser concedi-
da no curso dos procedimentos de tutela e adoção; definitiva,
que resulta de sentença que põe fim a processo e, por fim, pecu-
liar, que visa a prevenir situações peculiares ou a falta even-
tual dos pais.
O legislador estatutário, consciente das dificuldades en-
frentadas pela autoridade competente no momento da aprecia-
ção do pedido de guarda, em face do insuficiente posicionamen-
to legal objetivando evitar ou minorar as conseqüências disso,
traçou algumas linhas mestras a serem observadas no momento
da colocação em família substituta, dentre elas o grau de paren-
tesco e a relação de afinidade ou de afetividade.

147 Citado por Antônio Chaves, in Tratado de Direito Civil, Direito de


Família, vol. 05, Tomo II, p. 405/406, RT, 1993, SP.
Capítulo XI — Da Proteção da Pessoa dos Filhos
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Em decorrência dos princípios norteadores do Estatuto e


da adoção da Doutrina da Proteção Integral, as normas previs-
tas na Lei 8.069/90 deverão ser seguidas por todas as autorida-
des competentes, inclusive os Juízes da Vara de Família, sempre
que estiverem decidindo quanto ao futuro de alguma criança ou
adolescente.
No campo do Direito de Família, a guarda, por se encon-
trar intrinsecamente ligada ao poder familiar, vem sofrendo in-
fluência direta da nova concepção deste instituto, pois, enquan-
to no passado o conceito do poder familiar estava estreitamente
vinculado ao conjunto de direitos dos pais sobre os filhos, hoje
esse conceito está jungido a um conjunto de deveres dos pais
sobre os filhos.
Assim, como resultado desta evolução conceitual, a guar-
da passou a constituir-se num dever dos pais e não mais num
direito destes em relação aos filhos e, por via reflexa, o dever
da guarda se ampliou, passando a consistir na obrigação do pai
ou da mãe em prestar assistência material, moral e educacio-
nal, ou seja, na obrigação de ter consigo o filho menor, reger-lhe
a conduta e ainda protegê-lo.
O conceito de família também se modificou ao longo des-
ses anos, como conseqüência direta das mudanças operadas no
meio social, tanto que hoje o conceito de família não mais está
vinculado ao conceito antigo da família tradicional, ou seja, da-
quela formada pela comunidade dos pais e filhos, unidos em
razão do casamento ou do companheirismo, e sim ligado ao con-
ceito de família moderna, que é mais abrangente, pois, além de
englobar o grupo familiar antigo, envolve também a família for-
mada pela comunidade do pai ou mãe e seus filhos, surgindo
então a chamada família monoparental.
A guarda, por estar intimamente ligada ao conceito de po-
der familiar e ainda ao conceito de família propriamente dita,
seguiu também a mesma escala de evolução destes institutos e,
como conseqüência, permitiu à doutrina e à jurisprudência a
criação de outras modalidades de guarda, surgindo, então, as
denominadas compartilhada ou conjunta, dividida e alternada.
Se indagarmos o que motivou a criação desses gêneros de
guarda, chegaremos à seguinte conclusão: Como é notório, a guar-
da tradicional ou exclusiva sempre teve lugar num contexto his-
tórico-social em que o homem era o único responsável pelo sus-
tento da família, cabendo à mulher tão-somente a administração
do lar, sob o comando do marido, chefe da sociedade conjugal.
150
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Assim, neste contexto de privilégio para o homem, era per-


feitamente razoável a aplicação de regra relativa à proteção da
pessoa dos filhos menores ou incapazes, através da qual cabia
ao pai a guarda destes nas hipóteses do desfazimento da socie-
dade conjugal.
Com o tempo, esta obrigação passou às mães e, hoje, em
face do Princípio do Melhor Interesse dos Filhos, pode ficar a
cargo de um ou de outro cônjuge, admitindo-se, até mesmo, que
fique a criança sob a guarda de terceiro, desde que comprovado
que a companhia dos pais traz reais prejuízos ao desenvolvi-
mento psicossocial dos filhos.
Atualmente, em decorrência das várias conquistas
auferidas pela mulher no campo constitucional, dentre elas a
equiparação de seus direitos com os direitos dos homens, ope-
rou-se profunda transformação na economia doméstica, a ponto
de as mulheres estarem, sob o ângulo financeiro, a cada dia que
passa, assumindo integralmente a liderança do lar, transforman-
do-se no “cabeça do casal”.
Tal transformação acabou por provocar o rompimento da
antiga estrutura familiar, produzindo reflexos no comportamento
dos filhos menores e incapazes — que se constituem na parcela
mais frágil e vulnerável da família — especialmente diante da
diuturna ausência da mãe.
Os reflexos na família hodierna não se cingiram apenas a
atingir a pessoa dos filhos, de vez que, a partir de então, se
deflagrou uma série de questionamentos quanto ao conceito tra-
dicional do instinto maternal e paternal e quanto ao modelo tra-
dicional de guarda exclusiva, que, na maioria das vezes, se con-
centrava na pessoa das mães e, mesmo assim, já vinha sinali-
zando sintomas de fragilidade, mostrando-se algumas vezes fa-
lho e insuficiente.
Esta situação está tão presente nos nossos dias que, inclu-
sive, já se está refletindo nos nossos Tribunais, como se vê nos
acórdãos abaixo:

“GUARDA DE MENOR”. INTERESSE DE MENOR.


PREVALÊNCIA ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCEN-
TE. RECURSO NÃO CONHECIDO.
Ação de guarda. Regularização de situação de fato em re-
lação a menina menor de 7 anos de idade. Disputa entre a guardiã
e a genitora que busca reaver a guarda após prolongada ausên-
Capítulo XI — Da Proteção da Pessoa dos Filhos
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○ ○

cia. Laudos social e psicológico preconizando a devolução à mãe


biológica, após período de adaptação, com manifestação da cri-
ança no sentido de desejar ficar com a mãe de criação. Sentença
que defere a guarda a esta, considerando o melhor interesse do
menor” (Apelação Cível Proc. Nº 2000.001.15932, de 02.10.2001,
5ª Câm. Cív., Des. ROBERTO WIDER).

GUARDA DE MENOR. MENOR IMPÚBERE. INTERESSE


DE MENOR. PREVALÊNCIA
Agravo de Instrumento. Manutenção da guarda. Em se tra-
tando de guarda de menor impúbere, a decisão deve preservar,
antes de tudo, os superiores interesses do menor e não dos pais.
Ficando suficientemente comprovado que a menor, desde que
nasceu, foi criada pelo agravado, estando muito bem criada e
educada, freqüentando bom colégio, deve ser mantida esta situa-
ção, até a decisão de mérito, ainda mais se a mãe biológica nun-
ca se interessou pela filha e a levou para local perigoso e insalu-
bre, impondo-se a liminar. Desprovimento do recurso” (Agravo
de Instrumento, Proc. Nº 2000.002.08678, julgado em
12.09.2000, 10ª Câm. Cív., Des. SYLVIO CAPANEMA).

O legislador constituinte, sensível a esta transformação da


família moderna, atentando para a evolução social, ampliou o
conceito de poder familiar (pátrio poder), determinando que ele
será exercido em igualdade de condições, tanto pelo homem quan-
to pela mulher. Desta equiparação de obrigações emergiram dois
princípios: da paternidade responsável e o da co-responsabilida-
de entre os pais na criação dos filhos.
Diante de tais princípios e até mesmo em virtude do novo
texto constitucional, que ampliou o poder familiar, surgiram
novas modalidades de guarda, também vinculadas à proteção
da pessoa dos filhos. Seu propósito consiste em possibilitar aos
pais o exercício do poder familiar em igualdade de condições,
diferentemente da finalidade da guarda que ainda é exercida
nos dias de hoje, onde aquele que detém a guarda do filho con-
serva todos os direitos em relação a este, enquanto que aquele
que não é o detentor da guarda, mantém tão-somente os direitos
de visita e fiscalização, além da obrigação alimentar.
Podemos assim, de forma sintética, conceituar essas novas
classificações:
152
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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GUARDA COMPARTILHADA ou CONJUNTA — É aquela


que tem por finalidade permitir aos pais, em relação aos filhos,
a manutenção dos vínculos de afinidade e afetividade existen-
tes antes da separação do casal pois, através dela, os pais, em-
bora separados, continuam detendo a guarda simultânea do fi-
lho, dividindo as responsabilidades na criação deste, sem que
haja supremacia de um sobre o outro.
Se ambos detêm a mesma responsabilidade, natural que
ambos partilhem das mesmas obrigações. Assim, por exemplo,
como as crianças e os adolescentes necessitam de um ponto de
referência para a sua própria segurança e formação, também
aqui os pais deverão estabelecer residência fixa para o filho,
podendo ser a casa da mãe ou pai, mas, apesar disso, persistirão
as obrigações do dia-a-dia em relação a ele. Quanto à visitação,
tal qual ocorre na guarda exclusiva, os pais deverão
regulamentá-la, de forma não contenciosa, podendo ser estipu-
lada livremente, visando a adequar as suas disponibilidades à
do filho, sempre fundados no melhor interesse da criança.
Segundo estudo do psicanalista Sérgio Eduardo Nick: 148
“As principais vantagens da guarda conjunta, segundo
Arditti, são três: ela promove um maior contato com ambos os
pais após o divórcio, e as crianças se beneficiam de um relacio-
namento mais íntimo com eles (Greif, 1979); o envolvimento do
pai no cuidado dos filhos após o divórcio é facilitado (Bowman &
Ahrons, 1985); e as mães são menos expostas às opressivas res-
ponsabilidades desse cuidado, o que as libera para buscar ou-
tros objetivos de vida (Rothberg, 1983). Quanto às desvanta-
gens, ainda segundo Arditti, elas se centram na praticidade de
tais arranjos quando há conflito continuado entre os pais
(Goldstein, Freud e Solnit, 1979; Johnson, Kline e Tschann,
1989); na exploração da mulher se a guarda compartilhada é
usada como um meio para negociar menores valores de pensão
alimentícia (Weitzman, 1985); na viabilidade da guarda con-
junta para as famílias de classe socioeconômica mais baixa
(Richards e Goldenberg, 1985)”.
De todo modo, a guarda compartilhada, prima facie, é a
que mais atende aos interesses dos filhos, pois é exercida como

148 A Nova Família. Problemas e Perspectivas, Ed. Renovar, 1997, p.137,


RJ.
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se os pais ainda permanecessem na constância da relação conju-


gal. Entretanto, chegamos à conclusão de que, para que essa
modalidade venha efetivamente a ser aplicada, há que existir
por parte dos pais, no momento imediato à ruptura do relacio-
namento, um grau de amadurecimento muito grande.
É notório que, na maior parte das vezes, os pais se tornam
tão insatisfeitos com a separação que não conseguem desvincular
os problemas oriundos do fim do relacionamento das questões
que envolvem os filhos, especialmente no que dizem respeito à
guarda e alimentos. Rompem o vínculo conjugal e, por equívoco,
acabam por atingir o elo estabelecido com os filhos.
Segundo o psicólogo Sérgio Eduardo Nick, 149 essa modali-
dade de guarda compartilhada “refere-se à possibilidade dos fi-
lhos de pais separados serem assistidos por ambos os pais. Nela,
têm os pais efetiva e equivalente autoridade legal para toma-
rem decisões importantes quanto ao bem-estar de seus filhos e,
freqüentemente, mantêm uma paridade maior no cuidado a eles
do que os pais com guarda única”.
GUARDA DIVIDIDA — Embora alguns autores, dentre eles
Guilherme Calmon Nogueira da Gama, 150 transcrevendo opinião
de Waldyr Grisard Filho, considerem a guarda dividida como a
hipótese que “apresenta-se mais favorável ao menor, enquanto
viver em um lar fixo, determinado, recebendo a visita periódica
do genitor que não tem a guarda”, não se deve admiti-la como
um novo instituto.
A guarda dividida, diferentemente do que querem fazer
crer doutrinadores que sustentam e defendem tal modalidade,
mais parece a tradicional guarda exclusiva, competindo inclusi-
ve aos pais acordarem acerca da residência do filho e do regime
de visitação.
GUARDA ALTERNADA — É aquela em que cada um dos
genitores detém a guarda do filho alternadamente, de acordo
com limite espaço-temporal preestabelecido, sem que haja in-

149 Citado por Waldyr Grisard Filho, Guarda Compartilhada, pág. 440,
in Direito de Família — Aspectos constitucionais, civis e processuais,
vol. 04, Coord. Tereza Arruda Alvim e Eduardo de Oliveira Leite, 1999,
RT, SP.
150 Direito de Família Brasileiro, p. 163, 2001, Ed. Juarez de Oliveira,
SP.
154
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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terferência de um ou outro dos pais no período que não lhe foi


estipulado, ou seja, cada genitor exercerá a guarda com todos os
atributos desta no período que lhe couber. Este período poderá
ser de seis meses, um ano ou uma semana, dependendo da von-
tade dos pais.
Merece ser questionado o sucesso dessa modalidade de
guarda. Primeiro porque a alternância não atende ao princí-
pio do melhor interesse do filho. Além disto, essa inconstância
na vida da criança ou do adolescente irá refletir-se na sua
formação, dificultando a aquisição de bons hábitos e valores
sociais determinados e, provavelmente, terá conseqüências no
seu desenvolvimento psíquico, transformando-o num ser in-
seguro.
Importante, ainda, frisar que para que a guarda alterna-
da efetivamente tenha bom êxito é preciso que os cônjuges pos-
suam similar padrão de vida, tanto do ponto de vista financeiro
quanto moral, de maneira que os filhos possam experimentar
continuamente, estejam sob os cuidados de um ou outro dos pais,
as mesmas oportunidades e orientações.
Dessas três modalidades de guarda, a que apresenta mais
evidentes vantagens ao filho é a compartilhada, pois, na verda-
de, a criança quase não sofrerá com os traumas e conseqüências
da separação de seus pais. De todo modo, como já sustentado,
esse tipo de guarda exige dos pais estabilidade emocional, no
sentido de serem capazes de delimitar, sem confundir, as dificul-
dades oriundas do fim do relacionamento conjugal com aquelas
que envolvem a guarda do filho.
A apuração de tal estabilidade emocional, aliás, é conside-
rada a grande dificuldade a ser enfrentada pelos juízes das Va-
ras de Família. Sem conhecerem as partes, fundados unicamen-
te no senso de justiça, além de seus conhecimentos teóricos, ne-
cessitam analisar acordo de guarda por eles proposto, a fim de
homologá-lo ou não.
A falta de regulamentação, associada à falta de um meca-
nismo de controle, poderá ensejar que alguns pais inescrupulosos,
a pretexto de estabelecer acordo que tenha alegadamente por
principal fundamento o melhor interesse dos filhos, acabem es-
tabelecendo um pacto em que seus interesses se sobreponham
aos daqueles.
A omissão do legislador civilista foi tão marcante, que em
janeiro de 2002, o Deputado Federal Tilden Santiago divulgou
Capítulo XI — Da Proteção da Pessoa dos Filhos
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projeto de lei 151 que teve por objetivo definir a guarda compar-
tilhada, bem como estabelecer os casos em que será possível.
Dessa forma, chega-se à conclusão de que o legislador des-
perdiçou ótima oportunidade de regulamentar essas modalida-
des de guarda, não se podendo continuar indiferente a algo que
já vem sendo aplicado, na prática, por algumas famílias.
Ademais, ao delinear na Lei brasileira as condições míni-
mas para a concessão de tais modalidades de guarda, frutos do
direito estrangeiro, de certa forma o legislador estaria democra-
tizando tais modelos, até agora utilizados por poucas e abasta-
das famílias.
Pode-se, assim, concluir que o art. 1.583 do NCC pratica-
mente repetiu o teor do disposto no art. 325 do Código Civil de
1916, revogado pelo art. 9º da Lei nº 6.515/77.
Como se observa, o legislador, nesse dispositivo, apenas
se valeu da oportunidade para atualizar a legislação em rela-
ção à moderna terminologia no campo do desfazimento das re-
lações conjugais, utilizando-se das expressões “dissolução da so-
ciedade conjugal ou do vínculo conjugal pela separação judicial
por mútuo consentimento ou pelo divórcio direto consensual”,
com o propósito de regulamentar as relações jurídicas relativas
à união conjugal reconhecidas no nosso ordenamento jurídico.

151 1. Esta Lei define a guarda compartilhada, estabelecendo os casos


em que será possível.
2. Acrescentem-se ao Art. 1.583 da Lei 10.406, de 10 de janeiro de
2002, os seguintes parágrafos:
“Art. 1.583
§ 1º O juiz, antes de homologar a conciliação, sempre colocará em
evidência para as partes as vantagens da guarda compartilhada.
§ 2º Guarda compartilhada é o sistema de co-responsabilização do
dever familiar entre os pais, em caso de ruptura conjugal ou da convi-
vência, em que os pais participam igualmente da guarda material dos
filhos, bem como os direitos e deveres emergentes do poder familiar”.
3. O Art. 1.584 da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, passa a
vigorar com a seguinte redação:
“Art. 1.584 — Declarada a separação judicial ou o divórcio ou sepa-
ração de fato sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda
dos filhos, o juiz estabelecerá o sistema da guarda compartilhada, sem-
pre que possível, ou, nos casos em que não haja possibilidade, atri-
buirá a guarda tendo em vista o melhor interesse da criança.
§ 1º A guarda poderá ser modificada a qualquer momento atendendo
sempre ao melhor interesse da criança.
Art. 4º Esta lei entra em vigor no dia 10 de janeiro de 2003.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Quanto ao mais, manteve o mesmo critério já utilizado an-


teriormente, no sentido de fazer prevalecer, em princípio, o acor-
dado pelos pais, desde que este acordo não traga prejuízos aos
filhos.
Importante frisar, por fim, que este acordo, tal como no
direito anterior, não faz coisa julgada material, mas apenas coi-
sa julgada formal e, como tal, poderá ser alterado através de
ação de modificação de cláusula.

Art. 1.584. Decretada a separação judicial ou o di-


vórcio, sem que haja entre as partes acordo quan-
to à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem
revelar melhores condições para exercê-la.
Parágrafo único. Verificando que os filhos não de-
vem permanecer sob a guarda do pai ou da mãe,
o juiz deferirá a sua guarda à pessoa que revele
compatibilidade com a natureza da medida, de pre-
ferência levando em conta o grau de parentesco
e relação de afinidade e afetividade, de acordo
com o disposto na lei específica.
Direito anterior: Não há previsão.

Este dispositivo demonstra não só a origem do Princípio


do Melhor Interesse, utilizado na Inglaterra através do institu-
to do parens patriae, bem como retrata a recepção deste princí-
pio através do Decreto 99.710/90, que teve por objetivo ratificar
o compromisso assumido pelo Brasil por ocasião de sua partici-
pação na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança
e do Adolescente, ocorrida em 1989, na ONU.
Tânia da Silva Pereira, 152 fazendo histórico do “princípio
do melhor interesse”, traz citação de Daniel B. Griffith, que de-
fine o parens patriae como “a autoridade herdada pelo Estado
para atuar como guardião de um indivíduo com uma limitação
jurídica”.
Pela análise do caput desse dispositivo, conclui-se que o
juiz está autorizado a exercer o parens patriae sempre que ve-

152 O “melhor interesse da criança”, in O Melhor Interesse da Criança:


um debate interdisciplinar, p.01 e 02, Coord. da Autora, 2000, Ed.
Renovar, RJ.
Capítulo XI — Da Proteção da Pessoa dos Filhos
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rificar que os interesses dos filhos não estão ou não foram devi-
damente respeitados pelo acordo estabelecido por seus pais.
A preocupação do juiz não poderá cingir-se, apenas, à con-
trovérsia entre os litigantes, mas deverá se ater, especialmente,
ao bem-estar do filho menor ou incapaz, de forma que os seus
interesses se sobreponham aos interesses de seus pais. Para uma
solução mais correta e justa, o juiz poderá valer-se, inclusive, de
equipes interprofissionais na elaboração de laudos psicológicos
e sociais.
Quanto ao parágrafo, verifica-se que a orientação do di-
reito moderno é no sentido de ser resguardado e respeitado sem-
pre o espaço psicomaternal e paternal em relação aos filhos, tanto
que este dispositivo somente se aplica às hipóteses em que res-
tar efetivamente comprovada a falta de condições dos genitores
para manter os seus filhos em sua companhia.
Observa-se também que o legislador, na esteira das nor-
mas estabelecidas no Estatuto da Criança e do Adolescente, ao
tratar da guarda dos filhos na separação litigiosa, ampliou o
leque de pessoas capazes de assumir essa obrigação, de vez que
passou a permitir que os filhos fiquem sob a guarda de pessoa
notoriamente idônea, da família de qualquer dos cônjuges, não
importando se pertencente à família do cônjuge culpado ou não,
devendo ser levado em conta, tão-somente, o grau de parentesco
e relação de afinidade e afetividade, donde se conclui que o le-
gislador, de forma expressa, começou a preocupar-se, efetiva-
mente, com o bem-estar dos filhos.
Como a guarda se constitui em um dos atributos do poder
familiar, não se confundindo e nem se exaurindo nesse poder, o
pai ou a mãe não detentores da guarda permanecem com o di-
reito de visitas e fiscalização, além da obrigação alimentar.
Quanto ao direito de visita, necessário ressaltar que este
não pertence somente aos pais, detendo-o, especialmente, os fi-
lhos. Os pais têm o dever de guarda de seus filhos e, quando
ocorre a separação, aquele que não fica em companhia do filho
tem o dever de visitá-lo, já que este direito pertence ao filho.
Trata-se de um direito fundamental da criança, vez que o art.
229, da Constituição Federal determina ser um dever dos pais a
assistência ao filho menor, podendo-se entender que a visitação
se inclui em forma de assistir o desenvolvimento emocional do
filho. Da mesma forma, o Estatuto da Criança e do Adolescente
disciplina, em seu art. 22, que os pais têm o dever de cumprir e
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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fazer cumprir as obrigações judiciais, tendo, portanto, que visi-


tar seu filho, mesmo a contragosto.
Assim, o julgador, ao estabelecer o período de visitação, não
poderá perder de vista não só o bem-estar do filho, mas também
a garantia de tranqüilidade deste, porque tanto o afeto quanto
a segurança se constituem nos pressupostos fundamentais para
o equilíbrio emocional do ser humano, principalmente na fase
da infância ou da adolescência, tornando-se desaconselhável a
ruptura desse intercâmbio afetivo entre genitores e filhos.
Partindo-se desta premissa, na hipótese de acordo entre os
genitores no qual estabelecem que a visitação será exercida de
forma livre, entende-se não ser de bom alvitre a interferência
do juiz, pois quanto maior a convivência entre pais e filhos,
maiores benefícios serão trazidos ao desenvolvimento psíquico e
mental daqueles que são, em última análise, o centro da ques-
tão, sendo lamentável que, na maioria das ações referentes à
guarda de filhos, a disputa seja travada mais em razão de inte-
resses outros, até mesmo mágoas deixadas pela separação dos
genitores, do que em razão dos interesses dos filhos.
Assim, podemos estabelecer três conclusões lógicas das mo-
dificações introduzidas: 1) este dispositivo teve por objetivo pôr
fim ao grande dilema que costuma ocorrer nas Varas de Famí-
lia, principalmente, quando há resistência em relação à guarda
dos filhos pelos pais. O legislador, agora, valeu-se da oportuni-
dade para adequar a Lei Civil ao texto da Constituição Federal
e do Estatuto da Criança e do Adolescente. Para tanto, se utili-
zou dos mesmos parâmetros já contidos no Estatuto da Criança
e do Adolescente, reportando-se também ao grau de parentesco,
relação de afinidade e afetividade. 2) Também nesse dispositivo
o legislador sepultou de vez o velho princípio da culpa, não só
pelo fato de não se ter reportado a ele, como também por haver
estabelecido como diretriz fundamental o melhor interesse dos
filhos. 3) Hoje, a prioridade repousa sempre no bem-estar e in-
teresse do filho menor ou incapaz e não mais no interesse de
seus pais.

Art. 1.585. Em sede de medida cautelar de sepa-


ração de corpos, aplica-se quanto à guarda dos
filhos as disposições do artigo antecedente.
Direito anterior: Não há previsão.
Capítulo XI — Da Proteção da Pessoa dos Filhos
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A grande inovação deste artigo é de ordem processual e


não material, na medida em que se permitiu ao Juiz, mesmo em
não havendo pedido expresso quanto à guarda dos filhos, deci-
dir acerca desta, não importando tal decisão em julgamento ultra
petita.
Para tanto, indispensável que se configurem os pressupos-
tos necessários à concessão de qualquer medida cautelar, quais
sejam: fumus boni iuris e periculum in mora.
O legislador civilista ampliou a margem de discricio-
nariedade dos juízes das Varas de Família, com o propósito não
só de evitar, em face do princípio da economia processual, a pro-
positura de mais uma ação cautelar ou ordinária, mas também
objetivou resguardar os interesses e o bem-estar dos filhos aci-
ma de qualquer outro interesse.
Apesar de se tratar de “inovação” no âmbito do Direito
Civil, não o é no âmbito do Direito Processual Civil, até porque
o legislador processualista, no capítulo referente aos Procedi-
mentos Especiais de Jurisdição Voluntária, já previa, desde a
sua reforma de 1973, certa discricionariedade dos juízes, ao per-
mitir, no art. 1.107 do Código de Processo Civil, “o poder de in-
vestigar livremente os fatos e ordenar de ofício a realização de
quaisquer provas”.

Art. 1.586. Havendo motivos graves, poderá o


juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regu-
lar de maneira diferente da estabelecida nos
artigos antecedentes a situação deles para com
os pais.
Direito anterior: Não há previsão.

Através de análise puramente gramatical, conclui-se que


este artigo não trouxe qualquer novidade, pois se limita a repe-
tir o texto do art. 327, do Código Civil de 1916 e do art. 13, da
Lei nº 6.515/77.
Como o estudo da hermenêutica determina que, para se
chegar à ratio legis não nos devemos utilizar tão-somente de
uma única forma interpretativa, sob pena de atrofiar seu real
alcance, ao utilizarmos da interpretação histórica, verificamos
que o citado dispositivo legal não tem o condão de reproduzir o
momento histórico e social de 1916, mas sim o do 3º milênio, no
qual os filhos menores e incapazes deixaram de ser considera-
dos como “coisa pertencente aos pais” para serem sujeitos de di-
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reitos primordiais, tendo como meta a supremacia de seus inte-


resses sobre os demais, inclusive, os dos primeiros. Para tanto, o
juiz deverá valer-se, sempre, de uma análise profunda do caso
concreto, levando em conta as condições especiais de cada côn-
juge, principalmente o grau de afetividade e afinidade em rela-
ção aos filhos.
Correto o pensamento de Áurea Pimentel Pereira, 153 que
ensina que “o arbítrio que se confere ao juiz para a solução do
problema de guarda dos filhos menores não tem limite, ou me-
lhor, só conhece como limite o “bem dos filhos” e dentro desse
limite deve ser exercitado”.
Mediante o uso deste poder discricionário do juiz, é que se
poderá, por exemplo, negar a guarda de uma criança de tenra
idade a genitora toxicômana.

Art. 1.587. No caso de invalidade do casamento,


havendo filhos comuns, observar-se-á o dispos-
to nos arts. 1.584 e 1.586.
Direito anterior: Não há previsão.

Como ato jurídico, o casamento pode ser considerado nulo


ou anulável, quando há infração aos dispositivos legais (NCC,
arts. 1.548 e 1.550).
Tanto o texto primitivo do Código Civil quanto o texto re-
lativo à Lei do Divórcio se referiam apenas aos casos de anula-
ção do casamento, deixando de mencionar os casos de nulidade,
sendo certo que esta omissão ensejou inúmeras críticas.
Sustentavam os críticos que os artigos, redigidos sem ob-
servância de boa técnica legislativa, utilizavam somente a ex-
pressão “anulação”, não se admitindo, assim, a incidência de
tais dispositivos legais às hipóteses de nulidade de casamento.
Tal situação levou o intérprete da lei a ter de utilizar-se
de exegese extensiva para atingir o necessário e apropriado al-
cance da mesma.
O atual legislador, ao redigir o art. 1.587, aperfeiçoou o
texto anterior, introduzindo a expressão “invalidade”, mais
abrangente, pondo fim, desta forma, às antigas discussões dou-
trinárias e jurisprudenciais quanto ao alcance da palavra utili-
zada.

153 Divórcio e Separação Judicial, 9ª ed. Atualizada e ampliada, p. 70,


1998, ed. Renovar, RJ.
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Quanto ao mais, não houve qualquer alteração.

Art. 1.588. O pai ou a mãe que contrair novas


núpcias não perde o direito de ter consigo os
filhos, que só lhe poderão ser retirados por
mandado judicial, provado que não são trata-
dos convenientemente.
Direito anterior: Não há previsão.

Causa perplexidade a preocupação do legislador em editar


tal dispositivo, porquanto trata unicamente de um direito na-
tural, ou seja, de o pai e a mãe terem consigo os filhos, sendo o
novo casamento, por si só, irrelevante para determinar o exer-
cício da guarda e proteção dos filhos.
Justificava-se a inclusão de tal norma no Código Civil de
1916, em razão da condição da mulher àquela época, quando se
fazia necessário que o legislador preservasse a condição de mãe,
mesmo ao contrair novas núpcias. Contudo, hoje não mais exis-
te tal preconceito e, por conseguinte, trata-se de redundância
jurídica, repetição legislativa desnecessária, seja para o homem
ou para a mulher.
Tanto isto é verdade que as leis extravagantes ao Código
Civil sequer aventaram acerca da matéria, o que leva a concluir
que tal dispositivo importa em retrocesso legislativo e não em
evolução.
O novo casamento, por si só, não leva, obviamente, à pre-
sunção da prática de maus-tratos, pois estes podem verificar-se
independentemente de novas núpcias, como, por exemplo, quan-
do os filhos são agredidos física ou moralmente ou explorados
indevidamente pelos próprios pais, parentes ou terceiros, nes-
tas duas últimas hipóteses com o consentimento dos genitores.
Deve-se sempre ter em mente que a prioridade, em qual-
quer situação, é o bem-estar do filho menor ou incapaz. Ressal-
te-se a existência de casos em que o padrasto ou a madrasta se
relacionam melhor com os menores ou incapazes do que seus
pais biológicos.

Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não


estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em
sua companhia, segundo o que acordar com o
outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como
fiscalizar sua manutenção e educação.
Direito anterior: Não há previsão.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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O legislador, ao tratar desta matéria, foi sábio em não li-


mitar o seu âmbito de aplicação como ocorreu no direito anterior,
quando esse direito se restringia apenas aos filhos frutos do ca-
samento.
Tal limitação obrigava o intérprete do direito a utilizar-se
da técnica de exegese extensiva, a princípio para evitar injusti-
ças e, posteriormente, com o advento da Constituição Federal de
1988, para se adequar ao novo instituto da união estável e to-
dos os efeitos decorrentes desta, bem como ao direito dos filhos
havidos fora do casamento, equiparados que foram aos então
considerados legítimos.
A visitação importa no direito não apenas de o genitor ter
a companhia de seu filho, mas, especialmente, de este ter a com-
panhia de seus genitores, porquanto um dos objetivos da visita
daquele que não tem a guarda de seus filhos é o de fortalecer os
laços de amizade entre eles, enfraquecidos pela separação do
casal.
Como os pais não perdem o poder familiar em face da con-
cessão da guarda, fica mantido o direito de visitas e o poder de
fiscalizar a manutenção e educação dos filhos que se encontram
no poder do outro ou de terceiros. Trata-se de um direito natu-
ral e, como tal, não pode ser sonegado aos pais, embora muitas
vezes estes direitos se transformem em questões tormentosas tra-
vadas nos tribunais, em virtude da falta de sensibilidade dos
pais que acabam utilizando-se dos filhos para atingir seus pró-
prios interesses.

Art. 1.590. As disposições relativas à guarda e


prestação de alimentos aos filhos menores es-
tendem-se aos maiores incapazes.
Direito anterior: art. 16 da Lei nº 6.515, de 26.12.77.

Tal dispositivo foi introduzido em nosso ordenamento ju-


rídico através do art. 16 da Lei nº 6.515, de 26.12.77 e, desde
então, esta norma vem sendo preservada, dada a necessidade
de se garantir a defesa das pessoas portadoras de necessidades
especiais, consideradas juridicamente incapazes.
Verifica-se a preocupação do legislador em amparar não
apenas o filho menor, mas o maior incapaz, pois, além de asse-
gurar os mesmos direitos quanto à guarda, deixa clara a obriga-
ção alimentar.
Capítulo XI — Da Proteção da Pessoa dos Filhos
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O legislador atual, imbuído dos princípios inseridos na


Constituição Federal, ratificou a igualdade de tratamento entre
os filhos, principalmente em relação àqueles despidos das neces-
sárias condições físicas e mentais para exercerem seus direitos.
A partir de 1977, nota-se uma preocupação nítida do le-
gislador em proteger o filho maior e incapaz, fazendo bem o
legislador civilista em repetir o dispositivo ora analisado.
A despeito de o Capítulo referente à Proteção à Pessoa dos
Filhos se encontrar no Subtítulo Do Casamento, a matéria aqui
tratada melhor situar-se-ia naquele referente ao Poder Fa-
miliar, pois a proteção à pessoa dos filhos é um dos atributos
deste, independentemente da forma de constituição da família.
Como esta pode-se ter a impressão de que o Capítulo da
Proteção à Pessoa dos Filhos é aplicável apenas quando da
dissolução do casamento. Não se olvide porém que a família não
se constitui tão-somente através do casamento. Igualmente, não
é apenas este que se desfaz, pois as demais modalidades de união
podem fracassar, trazendo conseqüência para a pessoa dos filhos
delas oriundos.
Assim tais regras se aplicam a todas as formas de dissolu-
ção da família, sob pena de ferir-se norma constitucional, ao tra-
tar-se de forma distinta os filhos oriundos do casamento ou não.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Capítulo I — Disposições Gerais
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Subtítulo II
DAS RELAÇÕES DE PARENTESCO

Lucia Maria Teixeira Ferreira


Promotora de Justiça Titular da 9ª Curadoria de Família
da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro

O século XX foi marcado por expressivas mudanças nas re-


lações sociais, políticas e econômicas, as quais redirecionaram
as relações familiares. Nas primeiras décadas do século passado,
notadamente com o advento do Código Civil de 1916, estas rela-
ções tinham por fundamento uma ordem de valores fundamen-
tada num tipo de família de caráter patriarcal, matrimonializada
e hierarquizada, na qual se buscava a segurança e a preserva-
ção da filiação oriunda do casamento.
A partir das inúmeras e dinâmicas transformações sociais
no mundo, 154 o Direito de Família foi sendo influenciado, paula-
tinamente, por novos ideais de pluralismo, igualdade, afetivi-
dade e solidariedade, passando a reconhecer, nestes parâme-
tros, princípios voltados à proteção da dignidade dos membros
da família, especialmente os filhos e a mulher.
Todo este redirecionamento funcionou como embasamento
para as profundas transformações introduzidas no Direito de
Família brasileiro e no panorama dos direitos da criança e do

154 Cabe registrar que o objetivo deste estudo é analisar as transforma-


ções ocorridas na legislação brasileira, no que tange às relações de
parentesco, que foram influenciadas por mudanças de costumes, ques-
tões econômicas, políticas e, especialmente, nas últimas décadas do
século XX, por outros fatores decorrentes do avanço da biotecnologia.
Não se propõe a autora pesquisar as especificidades destas últimas
mudanças citadas, nem tampouco as diferenças e o impacto por elas
trazidos às diferentes formas de sociedade.

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adolescente pela Constituição Federal de 1988. No que toca à


disciplina jurídica da filiação, era esta marcada anteriormente
por injustificáveis desigualdades de tratamento entre as diver-
sas categorias de filhos existentes — legítimos e ilegítimos (na-
turais, incestuosos e adulterinos), havendo sido abolidas do nos-
so ordenamento jurídico com a edição da Carta Magna de 1988.
Outra inovação relevante introduzida pela nova Ordem
Constitucional no campo do Direito da Filiação foi a Doutrina
Jurídica da Proteção Integral, que considera crianças e adoles-
centes sujeitos de direitos universalmente reconhecidos e mere-
cedores da garantia de prioridade absoluta por parte da família,
da sociedade e do Estado.
Com a adoção do princípio da igualdade de filiação (art.
227, § 6 º, da Constituição Federal), rompeu-se a visão hierar-
quizada e matrimonializada da família, passando a paternida-
de a ser um direito e uma necessidade do filho, como sujeito de
direitos, razão pela qual foram abolidos todos os impedimentos
que os filhos nascidos de uma relação extramatrimonial enfren-
tavam para ver declarada sua verdadeira paternidade. 155
É de se ponderar que o Direito de Família já vinha rece-
bendo, anteriormente, alterações introduzidas pela legislação
posterior ao Código Civil brasileiro e pelo trabalho construtivo
da jurisprudência, que não se manteve alheia às modificações
da sociedade brasileira ao longo do século XX e aos importantes
acontecimentos econômicos, socioculturais, políticos, científicos
e religiosos que influenciaram o cotidiano das famílias brasilei-
ras.
Este estudo tem por proposta analisar o tratamento dado
pelo novo Código Civil às relações de parentesco, à luz da Cons-
tituição Federal, pois entendemos que a incidência dos princí-
pios constitucionais no Direito Civil é incontestável, em face da
natureza normativa dos enunciados da Constituição. 156 Nesta
linha, serão apresentados os comentários aos artigos 1.591 a

155 O art. 227, § 6º, da Constituição Federal dispõe que “os filhos, havi-
dos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos
direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discrimi-
natórias relativas à filiação”.
156 Ressaltamos que nos filiamos à corrente doutrinária dominante, re-
presentada por diversos autores contemporâneos, como Norberto
BOBBIO, que sustenta que os princípios são autênticas normas jurí-
dicas, dotadas de todas as suas características.
Subtítulo
Capítulo I II——Disposições
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Das Relações
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de Parentesco
Gerais
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1.617, que regulam as relações de parentesco (capítulos I, II e


III) no novo Código Civil brasileiro.
Da existência de pluralidade de normas jurídicas, ineren-
te a qualquer ordenamento jurídico, extrai-se uma de suas prin-
cipais características, como expõe Norberto Bobbio: 157 a unidade
das suas normas. Para que possa haver a unidade, é necessária
a existência da superioridade hierárquica da norma constitucio-
nal, pois esta assegura a unidade formal do ordenamento jurí-
dico. Daí decorre uma das principais atividades da interpreta-
ção constitucional: o controle da constitucionalidade, que trata
de aferir a validade de uma norma infraconstitucional perante
a Constituição.

157 Norberto BOBBIO, Teoria do Ordenamento Jurídico. 7ª ed. Brasília:


Editora Universidade de Brasília, 1996, Cap. II — p. 37/70.
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Capítulo I — Disposições Gerais
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DO PARENTESCO

No Direito de Família, as relações jurídicas são identifica-


das através de três vínculos:
a) O vínculo conjugal, que une os cônjuges. Atualmente,
além das relações conjugais, existem também aquelas
fundadas na união estável;
b) O vínculo de parentesco;
c) O vínculo de afinidade.

Muitos autores destacam que parentesco e afinidade são


vínculos que não se confundem, apesar de grande parte da dou-
trina civilística brasileira adotar terminologia que os equipara.
Como um dos maiores representantes da última corrente, te-
mos o grande jurista Pontes de Miranda:
“Parentesco é a relação que vincula entre si pessoas que
descendem uma das outras, ou de autor comum (consan-
güinidade), que aproxima cada um dos cônjuges dos parentes
do outro (afinidade), ou que se estabelece, por fictio iuris, entre
o adotado e o adotante”. 158

Representando pensamento doutrinário diverso, que não


admite a idéia de parentesco por afinidade, estão os ensinamen-
tos de Arnoldo Wald:
“A afinidade não é parentesco, consistindo na relação en-
tre um dos cônjuges e os parentes do outro. É um vínculo que
não tem a mesma intensidade que o parentesco e se estabelece
entre sogro e genro, cunhados, etc.” 159

158 PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito de Família, Vol. III. 1ª


edição, atualizada por Vilson Rodrigues Alves. Campinas: Bookseller,
2001, p. 23.
159 Arnoldo WALD. O novo Direito de família. 13ª edição revista e atuali-
zada. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 34.
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O novo Código Civil, contudo, tal qual o Código Civil de


1916, não se preocupou em distinguir as noções de parentesco e
afinidade, deixando de demarcar as importantes diferenças
quanto aos efeitos jurídicos entre os dois conceitos. 160
O vínculo de parentesco abrange o parentesco de linha reta
(ascendente e descendente), que é ilimitado, e o parentesco em
linha colateral ou transversal. O parentesco na linha colateral,
diferentemente do parentesco na linha reta, não é ilimitado. Ele
decorre da descendência de um único tronco comum, sem que
exista relação de ascendência e descendência entre parentes.

160 É oportuno observar que, quando da tramitação do Projeto de Código


Civil no Senado Federal, foi apresentada a Emenda de nº 221, do
Senador José Fragelli, que visava a acrescentar à designação do sub-
título “Das Relações de Parentesco” a expressão “E da Afinida-
de”. Tal emenda foi, porém, rejeitada, justificando o Relator Josaphat
Marinho “que não há dúvida, pois, de que o vocábulo ‘parentesco’ abran-
ge a ‘afinidade’, sendo desnecessário modificar a designação do subtí-
tulo” (Diário do Senado Federal, Suplemento “A” ao nº 208. Brasília:
Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 15.11.1997, p. 94).
Capítulo I — Disposições Gerais
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Capítulo I
DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1.591 São parentes em linha reta as pessoas


que estão umas para com as outras na relação
de ascendentes e descendentes.
Direito anterior: Art. 330 do Código Civil.

Pela análise exegética deste dispositivo, que o novo Código


Civil reproduz, sem modificações, do Código anterior, entende-se
por linha reta ascendente ou descendente de acordo com o modo
em que se observa a relação de parentesco: ascendente referindo-
se às gerações anteriores e descendente, às posteriores.
Além disso, deve-se observar que as pessoas podem ter pa-
rentes ascendentes ou colaterais maternos ou paternos: mater-
nos, quando o vínculo procede da mãe e paternos quando o vín-
culo se origina do pai.

Art. 1.592 São parentes em linha colateral ou


transversal, até o quarto grau, as pessoas pro-
venientes de um só tronco, sem descenderem
uma da outra.
Direito anterior: Art. 331 do Código Civil.

O artigo 331 do Código Civil de 1916 estabelecia que eram


“parentes, em linha colateral, ou transversal, até o sexto grau,
as pessoas que provêm de um só tronco, sem descenderem uma
da outra”.
Guilherme Calmon esclarece que, desde 1946, passou a ser
considerada a limitação do parentesco na linha colateral até o
quarto grau, não apenas para efeitos sucessórios:
“Desse modo, forçoso é concluir que a limitação do paren-
tesco na linha colateral ao quarto grau existia desde 1942, em
tempo bastante anterior à apresentação do Projeto do Código

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Civil em 1975. Cumpre destacar que algumas reportagens pu-


blicadas recentemente na imprensa escrita apontaram, equivo-
cadamente, que a redução do parentesco ao quarto grau seria
uma das regras inovadoras do Projeto, o que, como visto, não é
realidade (entre outras: O Globo, 17.08.2001, Caderno O País,
p.3; Jornal do Commercio, 19.08.2001, Direito e justiça, p. B-13;
Jornal do Commercio, 17.08.2001, Direito e justiça, p. B-11).” 161

Persistiram, contudo, dúvidas acerca da existência de pa-


rentesco na linha colateral em grau superior àquele previsto
para fins sucessórios ou de resguardo a interesses da persona-
lidade. De fato, muitos doutrinadores continuaram afirmando
que o parentesco na linha colateral permanecia até o sexto grau,
com exceção do parentesco para fins sucessórios, inclusive por-
que o texto do artigo 331 do Código Civil de 1916 não foi modifi-
cado expressamente. 162
No novo Código Civil, o legislador aboliu a dúvida que exis-
tia anteriormente, pois o texto final do Projeto do Código Civil
estabelece, de maneira uniforme, o quarto grau como limitação
do parentesco na linha colateral, para todos os fins, sem qual-
quer distinção.
Em 1975, na redação original do Projeto do Código Civil, a
regra pertinente ao parentesco em linha colateral era a seguin-
te: “São parentes em linha colateral, ou transversal, até o sexto
grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem
uma da outra”.
A redação deste dispositivo modificou-se a partir da emen-
da nº 452-R, do Relator, Senador Josaphat Marinho, passando
a: “São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto
grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descender
uma da outra”. A fundamentação da referida emenda (nº 452 –
R), perante a Casa Revisora, dispõe que:

161 Guilherme Calmon Nogueira da GAMA, Das Relações de Parentesco.


In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha e DIAS, Maria Berenice (org.). Di-
reito de Família e o novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2001,
p. 92
162 Artigo 331 — “São parentes, em linha colateral, ou transversal, até o
sexto grau, as pessoas que provêm de um só tronco, sem descenderem
uma das outras”.
Capítulo I — Disposições Gerais
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“A emenda reduz o parentesco do sexto para o quarto grau.


Busca uniformizar o sistema, uma vez que no artigo 12, ao cui-
dar da defesa dos direitos da personalidade, legitima para efetivá-
la, no parágrafo único, ‘o cônjuge sobrevivente, ou qualquer pa-
rente da linha reta, ou da colateral até o quarto grau’. E no
artigo 1.866 prescreve que ‘se não houver cônjuge sobreviven-
te, nas condições estabelecidas no artigo 1.853, serão chamados
a suceder os colaterais até o quarto grau”.163

A supracitada emenda, na Câmara dos Deputados, passou


a corresponder à emenda modificativa nº 202, cujo parecer é o
seguinte:
Segundo o Relator-Geral do Projeto do Código Civil, Depu-
tado Ricardo Fiúza, “a proposta do Senado diminuiu o grau de
parentesco previsto originalmente, de ‘sexto’ para ‘quarto’,
compatibilizando-se com a linha sucessória no parentesco cola-
teral que vai até o quarto grau, como referido pelo art. 1.851.
Destacou-se, ademais, ‘a tendência à limitação dos laços
familiares na sociedade moderna’:
Clóvis Beviláqua já acentuava essa inclinação (Projecto do
Código Civil Brazileiro, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1902,
Vol. 1, p. 46). Orlando Gomes, em seu anteprojeto de Código
Civil que data da década de 60 (Projeto de Código Civil — Co-
missão Revisora do Anteprojeto apresentado pelo Prof. Orlando
Gomes, Serviço de Reforma de Códigos, 1965), quando quis de-
finir direitos e obrigações decorrentes dos laços de parentesco,
chegou a delimitá-los ao terceiro grau da linha colateral. Justi-
ficava-se o mestre afirmando que a família moderna requeria,
‘positivamente, tratamento legal mais afeiçoado à sua composi-
ção e tessitura’ (ob. cit., p. 11).
O parecer exarado no Relatório do Senado reconheceu que
‘a delimitação, do parentesco na linha colateral no sexto grau
— reflexo da instituição familiar do fim do século XIX e início
do século XX — deixa de ter razão de ser às vésperas do novo
milênio’.
Entende-se correta a alteração, merecendo, apenas, repa-
ro o emprego do verbo ‘descender ’ adotado pela Emenda, deven-
do prevalecer aquele do texto da Câmara.

163 Justificativa constante da Emenda do Relator nº 452-R, publicada no


Diário do Senado Federal, Suplemento “A”, p. 127.
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Acolhe-se a emenda, por via de subemenda, assim redigida:


‘Art. 1.597 — São parentes em linha colateral ou transver-
sal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco,
sem descenderem uma da outra”. 164

Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, confor-


me resulte de consangüinidade ou outra origem.
Direito anterior: Não há previsão.

Inicialmente, cumpre destacar que o artigo 332 do Código


Civil de 1916 dispunha que: “o parentesco é legítimo ou ilegíti-
mo, segundo procede, ou não, de casamento; natural, ou civil,
conforme resultar de consangüinidade, ou adoção”.
É importante registrar que este artigo não foi recepcionado
pela Constituição Federal de 1988, que introduziu, no ordena-
mento jurídico brasileiro, o princípio da igualdade da filia-
ção, através do artigo 227, § 6º. Apesar da clareza do dispositi-
vo constitucional, que proibiu designações discriminatórias re-
lativas à filiação, o legislador infraconstitucional editou a Lei
7.841, de 17.10.1989, que revogou expressamente o artigo 358
do Código Civil, e a Lei nº 8.560, de 29.12.1992, a qual, através
do seu artigo 10 165 revogou expressamente o artigo 332 do Códi-
go Civil anterior.
Voltando ao Projeto do Código Civil, a redação original do
artigo 1.597 — datado de 1975 — reproduzia o artigo 332 do
Código Civil de 1916: “Art. 1.597 — O parentesco é legítimo, ou
ilegítimo, segundo procede, ou não de casamento; natural ou ci-
vil, conforme resulte de consangüinidade, ou adoção”. Além deste
artigo, na redação original e mesmo após a modificação do Pro-
jeto pelo Senado, havia diversos artigos regulamentando a an-
tiga classificação de parentesco como legítimo e ilegítimo e o ul-
trapassado instituto da legitimação, os quais foram posterior-
mente suprimidos.
No Senado Federal, a redação original do artigo 1.597 foi
modificada pela Emenda nº 203 (correspondente à subemenda à
Emenda nº 222), que deu ao artigo 1.597 a seguinte redação:

164 Parecer final do Relator-Geral do Projeto do Código Civil, Deputado


Ricardo Fiúza, que transcreve, inclusive, o resumo da justificativa da
Emenda nº 452, do Senado Federal, p. 233.
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“Art. 1.597. O parentesco é natural ou civil, conforme re-


sulte de consangüinidade ou adoção”.

A referida Emenda do Senado foi aprovada pela Câmara


dos Deputados quando o Projeto retornou a esta última. O
embasamento ofertado pelo Deputado Antônio Carlos Biscaia,
responsável pela emissão do parecer parcial sobre a constitu-
cionalidade, juridicidade, técnica legislativa e mérito das pro-
posições e das emendas do Senado Federal ao Livro IV do Proje-
to nº 634-C, de 1975, para opinar por tal aprovação, foi que: “A
emenda acabou com a distinção entre parentesco legítimo e ile-
gítimo, hoje inconstitucional, que o texto da Câmara continha.
Pela aprovação da emenda”.
Na redação final do Projeto do Código Civil, o supracitado
artigo foi mais uma vez modificado, passando a ter a seguinte
redação e numeração:
“Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme re-
sulte de consangüinidade ou outra origem”.

É de se ponderar que a inclusão da expressão “outra ori-


gem”, em substituição ao termo “adoção”, traz uma nova clas-
sificação para as relações de parentesco. Além do parentesco
natural e da adoção, temos relações de parentesco entre pessoas
que não têm essas formas de vínculo, como, por exemplo, o que
ocorre quando se lança mão de técnica de reprodução assistida
heteróloga (v. art. 1.597, V).
Como sustentado anteriormente, 166 atualmente se consa-
gram novos valores referentes ao vínculo de filiação, nos quais
ganha contorno e conteúdo a idéia de que a paternidade e a ma-
ternidade não são apenas relações jurídicas, ou meramente bio-
lógicas, sendo fundamental a presença do afeto nas relações
paterno-filiais.
Segundo o ilustre Professor Luiz Edson Fachin, “a disci-
plina jurídica das relações de parentesco entre pais e filhos não
atende, exclusivamente, quer valores biológicos, quer juízos so-
ciológicos. É uma moldura a ser preenchida, não com meros con-

165 Artigo 10 da lei 8.560/1992: “São revogados os arts. 332, 337 e 347 do
Código Civil e demais disposições em contrário”.
166 V. artigo da autora intitulado Tutela da Filiação, na obra coordenada
pela Professora Tânia da Silva PEREIRA, O melhor interesse da crian-
ça: um debate interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
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ceitos jurídicos ou abstrações, mas com vida, na qual pessoas


espelham sentimentos”. Fachin nega um conceito unívoco de
paternidade, revelando, “através do significado plural das re-
lações paterno-filiais, a ampliada dimensão e relevância da nova
tendência do direito de família”. 167
Têm-se, assim, no art. 1.593 do novo Código, elementos
para a construção de um conceito jurídico de parentesco em sen-
tido amplo, no qual o consentimento, o afeto e a responsabilida-
de terão papel relevante, numa perspectiva interdisciplinar.

Art. 1.594. Contam-se, na linha reta, os graus de


parentesco pelo número de gerações, e, na co-
lateral, também pelo número delas, subindo de
um dos parentes até ao ascendente comum, e
descendo até encontrar o outro parente.
Direito anterior: Art. 333 do Código Civil.

O artigo 1.594 não traz qualquer inovação, uma vez que


reproduz o artigo 333 do Código Civil anterior ao especificar
como se dá a contagem de graus de parentesco.
Grau é a distância que existe entre dois parentes. Na li-
nha reta, contam-se os graus de parentesco pelas gerações. Desta
forma, o pai e o filho são parentes do 1º grau; o avô e o neto, no
2º.
No parentesco colateral, a contagem dos graus é um pouco
diferente. Como esclarece Pontes de Miranda, “os parentes em
linha transversal não descendem uns dos outros, mas de tronco
comum, de modo que, para se medir a distância que separa dois
parentes colaterais, se têm de considerar duas linhas distintas,
que possuem o seu ponto de convergência no autor comum”.168
Desta forma, se queremos saber qual é o grau de parentesco
entre Joãozinho e seu tio José, temos duas linhas a medir: 1ª)
subimos na linha reta até o ascendente comum dos dois, Pedro
(avô de Joãozinho e pai de José), contando dois graus entre João-
zinho e seu avô, Pedro; 2ª) depois, medimos a outra linha, que
vem do avô ao tio de Joãozinho, José, que é filho de Pedro. Após
esta operação, constatamos que Joãozinho e José são parentes
em terceiro grau.

167 Paternidade — relação biológica e afetiva. Belo Horizonte: Del-Rey,


1996, p. 29 e 19.
168 Op. cit., p. 27.
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Parentes colaterais em terceiro grau (Joãozinho e José)

Pedro

Pai ou Mãe José

Joãozinho
(Fig. 1)

Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado


aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade.
§ 1º O parentesco por afinidade limita-se aos as-
cendentes, aos descendentes e aos irmãos do
cônjuge ou companheiro.
§ 2º Na linha reta, a afinidade não se extingue com
a dissolução do casamento ou da união estável.
Direito anterior: Caput — Art. 334 do Código Civil.
§ 1º. Não há previsão.
§ 2º. Art. 335 do Código Civil.

A novidade trazida por este artigo do novo Código Civil é a


previsão expressa do estabelecimento do vínculo de afinida-
de entre o companheiro e os parentes do seu convivente.
Isto porque, sendo a afinidade um vínculo consagrado no orde-
namento jurídico, o qual decorre, obviamente, da Lei, não havia
previsão no Código Civil e na legislação extravagante para es-
tabelecimento da relação de afinidade no âmbito da união está-
vel.
Contudo, mesmo antes do reconhecimento da união está-
vel como entidade familiar, falava-se em afinidade ilegítima, “na
medida em que as uniões entre homem e mulher, ainda que não
legalizadas pelo casamento, sempre criam estreitas relações
entre os parentes que as mantêm, de tal porte que gera impedi-
mento diretamente para casamento. Deve-se à marcante influ-
ência do Direito Canônico sua inserção na legislação brasileira,
fato que não se verifica em outros sistemas”. 169

169 Heloisa Helena BARBOZA, A filiação em face da inseminação artifici-


al e da fertilização “in vitro”. Rio de Janeiro: Renovar, 1993, p.17.
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Orlando Gomes, ao comentar que o vínculo de afinidade,


apesar de inexistir previsão legal, também se associava às rela-
ções concubinárias, esclarece que:
“O casamento putativo não gera afinidade, uma vez que a
boa-fé somente produz efeitos em relação aos cônjuges e a pro-
le, jamais a respeito de terceiro. O vínculo de afinidade também
não se forma em razão de concubinato ou de cópula ilícita, dado
que não é possível encontrar no efeito o que na causa não exis-
te. Prevalecendo, entretanto, as razões determinantes da cria-
ção desse vínculo, tem-se entendido que, para certos efeitos, deve
ser irrelevante a circunstância de ser lícita ou ilícita a união
carnal. Proíbe-se, em conseqüência, o casamento do filho com a
concubina paterna e do pai com a companheira do filho, admi-
tindo-se, portanto, a afinidade ilegítima. No direito pátrio, não
podem casar os afins em linha reta, seja o vínculo legítimo ou
ilegítimo”. 170
A afinidade produz efeitos jurídicos, ainda que menores,
comparativamente aos efeitos decorrentes do parentesco, como,
por exemplo, no Direito Processual, no Direito Eleitoral, nos im-
pedimentos naturais e na curatela.
No tocante aos alimentos, tem-se entendido, atualmente,
que não há dever alimentar entre os parentes por afinidade,
como, por exemplo, entre o sogro e a nora. Neste sentido, traze-
mos à colação a seguinte decisão: “Alimentos. A obrigação ali-
mentar decorre da lei, não se podendo ampliar a pessoas por ela
não contemplada. Inexiste esse dever em relação à nora” (STJ,
3ª Turma, RMS 957-0/BA, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, ac.
09.08.1993, DJU 23.08.1993, p. 16.575).
Certamente, com a introdução de uma nova sistemática
trazida pelo novo Código Civil para a matéria dos alimentos,
modificando a estrutura normativa deste instituto, a questão
do dever alimentar entre os afins demandará novas reflexões.
Outrossim, a partir da modificação trazida pelo artigo
1.595 do novo Código Civil, todos os efeitos jurídicos decorren-
tes da relação de afinidade existentes no âmbito do casamento,
passam a vigorar também no âmbito da união estável.
Na linha reta, a afinidade jamais se extingue, nem mesmo
com a dissolução, qualquer que seja o motivo, da união estável

170 Direito de Família. 11ª ed. Revista e Atualizada por Humberto


Theodoro Júnior. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 318.
Capítulo I — Disposições Gerais
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ou do casamento. Outrossim, a afinidade na linha reta recebe o


mesmo tratamento dado ao parentesco em linha reta, inexistin-
do limitação de grau.
Orlando Gomes esclarece que o vínculo de afinidade em
linha reta pode decorrer de três circunstâncias: 1º) em virtude
do casamento por ele contraído, o marido será afim em 1º grau
dos descendentes e ascendentes da sua mulher; 2º) em virtude
do casamento contraído pelos filhos, será afim, em 1º grau, das
esposas destes; 3º) em virtude do casamento contraído pelos seus
ascendentes, será afim em 1º grau do cônjuge do seu ascenden-
te. 171
Na linha colateral, a afinidade é limitada ao 2º grau (ir-
mãos do cônjuge/companheiro) e se extingue com a dissolução
do casamento.

171 Op. cit., p. 319.


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Capítulo II — Da Filiação
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181
○ ○

Capítulo II
DA FILIAÇÃO

Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação


de casamento, ou por adoção, terão os mesmos
direitos e qualificações, proibidas quaisquer de-
signações discriminatórias relativas à filiação.
Direito anterior: Art. 227, §6º da Constituição Federal.

Das relações de parentesco, a relação jurídica mais impor-


tante é a filiação, que consiste na relação que se estabelece en-
tre pais e filhos, designada como maternidade e paternidade.
A redação original do Código Civil brasileiro marcava di-
ferença entre os chamados filhos legítimos, ilegítimos, naturais
e adotivos, estabelecendo tratamento discriminatório com rela-
ção às três últimas classes de filiação, em nome da proteção le-
gislativa à família legítima. 172
A filiação legítima era proveniente do casamento válido. A
ilegítima decorria da relação extramatrimonial.
Os filhos ilegítimos eram considerados:
a) filhos naturais, quando seus pais eram pessoas sem im-
pedimento legal para o casamento;
b) filhos espúrios, quando seus pais tinham algum impe-
dimento legal para o casamento. Os filhos espúrios com-
preendiam os filhos adulterinos (quando pelo menos
um dos pais, no momento da concepção, se encontrava

172 Recomendamos a leitura do seguinte artigo acerca do histórico da


evolução jurídica da filiação, com as principais mudanças legislativas
que ocorreram após a edição do Código Civil de 1916: O Direito de
Família brasileiro no final do século XX, de Heloisa Helena BARBOZA.
In BARRETO, Vicente (org.). A nova família; problemas e perspecti-
vas. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 87-112.

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182
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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casado com terceira pessoa) e os filhos incestuosos


(nascidos de relação sexual entre parentes próximos, em
grau proibido quando ao casamento — art. 183, I a V). 173
O artigo 358 do Código Civil vedava o reconheci-
mento dos filhos espúrios (adulterinos ou inces-
tuosos).

O filho natural podia ser reconhecido, na constância ou


não do casamento, “a contrario sensu, por força da disposição
contida no hoje revogado artigo 358 do Código Civil”. 174 Com re-
lação aos filhos adotivos o texto original do Código Civil não
permitia a adoção às pessoas que já tivessem filhos sangüíneos.
Até a edição da Constituição de 1988, houve, inegavelmen-
te, importante evolução da disciplina da filiação. Ainda existia,
porém, a supremacia do vínculo familiar legítimo sobre os di-
reitos e a dignidade do filho extramatrimonial.
A Constituição de 1988 promoveu uma importante mudan-
ça de paradigmas quando introduziu no ordenamento jurídico
brasileiro o sistema da igualdade de filiação 175 e a doutrina da
proteção integral dos direitos infanto-juvenis, consolidando-se

173 Lafayette refere-se a outra classe de filhos, os sacrílegos, que seriam


fruto de “impedimento resultante de investidura de ordens sacras
maiores ou de entrada em ordem religiosa aprovada”. O Código Civil
não estabeleceu tal categoria de filho porque “em nosso Direito, des-
de que foi proclamada a República, que nenhuma relação tem com as
ordens religiosas, tais distinções desapareceram completamente”
(Lafayette Rodrigues Pereira, Direitos de Família, p. 300).
174 Ricardo LIRA, “Breve estudo sobre as entidades familiares”, In: A nova
família: problemas e perspectivas, p. 32.
175 A Professora Maria Celina Bodin DE MORAES analisa que “o ordena-
mento jurídico brasileiro, em comparação com outros ordenamentos
do sistema romano-germânico, caracteriza-se pelo avanço na prote-
ção dos direitos dos filhos, sendo o primeiro destes o reconhecimento
do estado de filiação (...). Assim é que, no Brasil, ao contrário do que
ocorre em muitos outros países, são reconhecíveis, sem qualquer res-
trição, não apenas os filhos adulterinos como também os incestuosos,
tendo sido vitorioso o argumento ético-político de que a proteção da
pessoa do filho deve justamente independer do tipo de relação exis-
tente entre seus pais” (Recusa à realização do exame de DNA na in-
vestigação de paternidade e direitos da personalidade. In: BARRETO,
Vicente (org.). A nova família: problemas e perspectivas. Rio de Ja-
neiro: Renovar, 1997, p. 179).
Capítulo II — Da Filiação
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183
○ ○

o entendimento de que a tutela da filiação deve merecer priori-


dade absoluta, condicionada pelo princípio do melhor interesse
da criança, sendo de responsabilidade da família, da sociedade
e do Estado.
O texto original do Projeto do Código Civil, através do ar-
tigo 1.602, tinha a seguinte redação: “São legítimos os filhos
concebidos na constância do casamento, ainda que anulado ou
mesmo nulo, independente da boa ou má-fé de seus pais”.
No Senado Federal, o texto acima foi ligeiramente modifi-
cado, conforme se vê a seguir: “Preservam-se os direitos dos fi-
lhos concebidos na constância do casamento, mesmo anulado ou
nulo, independentemente da boa-fé ou má-fé dos seus pais”.
Quando o Projeto foi enviado novamente à Câmara dos Depu-
tados, detectou-se a inconstitucionalidade do supracitado artigo
1.602. Por conseguinte, foi proposto pela Câmara um novo tex-
to, transformando-se no artigo 1.601, o qual posteriormente se
converteu, com a mesma redação, no artigo 1.596: “Os filhos,
havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão
os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer desig-
nações discriminatórias relativas à filiação”. É importante re-
gistrar que a reprodução do art. 227, § 6º, da Constituição Fe-
deral, através do artigo 1.596 do novo Código, seria desnecessá-
ria, diante do fenômeno da aplicação direta das normas consti-
tucionais no campo do Direito Civil.
Considerando a importância do tema, trazemos à colação
a justificativa do novo texto proposto pela Câmara, apresenta-
da pelo Relator-Geral do Projeto:
O direito dos filhos está preservado, independentemente
da origem, havidos ou não do casamento, pelo que afigura-se
ociosa a disposição, no alcance que pretende, contemplado o tra-
tamento constitucional dado a todos eles, na dicção do já repor-
tado artigo 227, § 6º, da Constituição Federal.
O Relator parcial, em seu parecer, cuidou de apresentar
subemenda de redação, atento a esse mandamento constitucio-
nal, para inserir no texto codificado o princípio de proteção dos
filhos em face dos seus direitos e qualificações, como, aliás, con-
siderado por demais disposições atualizadas do projeto.
É de fato necessário, a toda evidência, o ajuste do artigo à
Constituição, pelo que acolhe-se a Emenda do Senado por
subemenda de redação, a fim de adequá-lo, nos termos seguin-
tes: “Art. 1.601 — Os filhos, havidos ou não da relação de casa-
mento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações,
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proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à


filiação”. 176

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constân-


cia do casamento os filhos:
I — Nascidos 180 (cento e oitenta) dias, pelo me-
nos, depois de estabelecida a convivência con-
jugal;
II — Nascidos nos 300 (trezentos) dias subse-
qüentes à dissolução da sociedade conjugal,
por morte, separação judicial, nulidade e anula-
ção do casamento;
III — Havidos por fecundação artificial ho-
móloga, mesmo que falecido o marido;
IV — Havidos, a qualquer tempo, quando se tra-
tar de embriões excedentários, decorrentes de
concepção artificial homóloga;
V — Havidos por inseminação artificial he-
teróloga, desde que tenha prévia autorização do
marido.
Direito anterior: caput — Art. 338, do Código Civil.
Inciso I — Art. 338, inciso I, do Código Civil.
Inciso II — Art. 338, inciso II, do Código Civil.
Inciso III — Não havia previsão.
Inciso IV — Não havia previsão.
Inciso V — Não havia previsão.

1. A Presunção de Paternidade e o Princípio da


Igualdade de Filiação

O art. 1.597 do novo Código Civil reproduz parcialmente a


regra do artigo 338 do Código Civil anterior referente à presun-
ção pater is est quem nuptiae demonstrant, segundo a qual se
presume filho o concebido na constância do casamento dos pais.
Como no Código anterior, a presunção se aplica apenas aos
filhos concebidos na constância do casamento e não da união
estável. Certamente, o art. 1.597 traz importantes inovações,
que, por sua complexidade, exigirão estudos mais específicos e
aprofundados. Por tal motivo, ressalte-se que o presente traba-

176 Relatório final do Projeto do Código Civil do Relator-Geral, p. 85-86.


Capítulo II — Da Filiação
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○ ○

lho busca apresentar algumas reflexões iniciais sobre os proble-


mas emergentes das dificuldades na interpretação do artigo 1.597,
tentando apontar possíveis soluções.
Cumpre destacar que o princípio da igualdade da fi-
liação pode gerar divergências na Doutrina e na Jurisprudên-
cia, visto que muitas vozes respeitadas deverão sustentar que a
presunção de paternidade deve ser aplicada também no âmbito
da união estável. Trata-se de problema delicadíssimo, pois é
certo que não se pode discriminar os filhos em razão de sua ori-
gem.
No tocante à interpretação do supracitado princípio cons-
titucional, existe aspecto ainda muito controvertido na Doutri-
na. O ilustre civilista João Baptista Villela 177 admite que, mes-
mo sem a utilização de designações discriminatórias, enquanto
houver casamento, “continua existindo a necessidade de demar-
car duas categorias de filho: os que nascem dentro do casamen-
to e os que nascem fora do casamento”.
Na mesma linha de Villela, Sérgio Gischkow Pereira con-
clui que:
“A única classificação possível entre filhos biológicos seria
aquela que considerasse uma diferença que, lamentavelmente,
permanece: a diferença entre os havidos no casamento e os nas-
cidos fora do casamento. Esta distinção é inafastável, pelo me-
nos enquanto não for abolido o casamento. Poderíamos falar em
filhos matrimoniais e filhos extramatrimoniais. Os extrama-
trimoniais podem se ver forçados a ingressarem com ação de
investigação de paternidade, o que produz profunda diferença
prática. Aliás, a classificação, no rigor técnico, padece de uma
falha, pois denomina de ‘filho’ quem não poderia ainda ser as-
sim cognominado, pois não reconhecido como tal, quer voluntá-
ria, quer contenciosamente”. 178

177 O Modelo Constitucional da Filiação: verdades e superstições. In: Re-


vista Brasileira de Direito de Família, Vol. 1, n. 2. Porto Alegre: Sín-
tese, IBDFAM, julho – setembro, 1999, p. 121 – 142.
178 A Igualdade Jurídica na Filiação Biológica em face do Novo Sistema
de Direito de Família no Brasil, In: Teresa Arruda Alvim WAMBIER
e Eduardo de Oliveira LEITE (coord.). Repertório de Doutrina sobre
Direito de Família: Aspectos Constitucionais, Civis e Processuais. São
Paulo: Revistas dos Tribunais, V. 4, p. 395.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Não há como discordar dos ensinamentos desses ilustres


juristas, uma vez que, como ainda existe o casamento no orde-
namento jurídico, permanece a diferença quanto aos sistemas
de estabelecimento da filiação.
O sistema de determinação da filiação nas relações do ca-
samento foi mantido, com algumas alterações, pelo novo Código
Civil, que acrescentou à regulamentação alusiva à presunção,
no artigo 1.597, três incisos inovadores que iremos comentar pos-
teriormente. Além disso, nos próximos artigos analisaremos as
diferenças entre a nova conformação da presunção pater is est
no novo Código Civil, uma vez que, no Código anterior, a pre-
sunção de paternidade do marido era quase absoluta.
É importante registrar que a rigidez da presunção pater is
est estabelecida pelo Código Civil anterior já vinha sendo miti-
gada pela doutrina e pela jurisprudência. Nos incisos seguintes,
teceremos comentários sobre as alterações na conformação le-
gislativa da presunção supracitada introduzidas pelo novo Có-
digo Civil.
Por derradeiro, deve-se dizer que a redação final do artigo
1.597 (renumerado, pois na Câmara tinha o número 1.602) se
deu através da Emenda nº 208 da Câmara Federal, conforme a
justificativa que se segue:
“A Emenda oferece melhor redação ao ‘caput’ e ao inciso I
do dispositivo.
No que concerne ao inciso II, é de manter-se, porém, a sua
redação original, semelhante à do artigo 338 do Código Civil de
1916, porquanto não se poderá contemplar a hipótese de divór-
cio, sabido que este ocorre, necessariamente, pelo menos um ano
após prévia separação judicial dos cônjuges ou após dois anos de
separação de fato, ou seja, quando, em qualquer das duas hipó-
teses, os cônjuges já não estão mais coabitando.
A redação dada pela Câmara ao citado inciso é a seguinte:
II — Os nascidos dentro dos trezentos dias subseqüentes à
dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial
ou anulação.

Quanto ao inciso III, manifestou-se o relator parcial, com


lucidez oportuna à realidade atual diante de modernas técnicas
de reprodução humana medicamente assistida, afirmando o se-
guinte:
Capítulo II — Da Filiação
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‘(...) pode parecer polêmico, mas é ele adequado, pois tal


presunção servirá para a hipótese de um marido que autoriza a
sua mulher a fazer inseminação artificial, mas antes de nascer
a criança eles venham a romper o casamento e tal marido não
querer mais assumir aquela paternidade, por ele antes desejada
e autorizada’.

De fato, a inserção do inciso é contemporânea com os avan-


ços da medicina, nessa área, atendendo, destarte, quanto à si-
tuação em que separado o casal, venha a mulher efetivar propó-
sito de novo filho havido de concepção artificial (caso de em-
brião excedentário).
Resta considerar, entretanto, a necessidade de se estabele-
cer a condicionante de autorização à hipótese de se tratar de
inseminação artificial heteróloga, a que é feita com sêmen do
terceiro e não do marido.
No caso da inseminação artificial homóloga, não há negar
inafastável a responsabilidade do cônjuge varão em assumir a
paternidade, esteja ele ou não em convivência conjugal, dispen-
sando-se, a tanto, a sua autorização, para a presunção, certo
que concebido o filho, artificialmente, no período de vida a dois,
estão a salvo os direitos do nascituro, desde a concepção (art. 2º
do texto consolidado), inclusive o de ser gerado e de ser gestado
e nascer.

‘Art. 1.602. Presumem-se concebidos na constância do ca-


samento os filhos:
I — nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de
estabelecida a convivência conjugal;
II — nascidos nos trezentos dias subseqüentes à dissolu-
ção da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nuli-
dade ou anulação do casamento;
III — havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo
que falecido o marido;
IV — havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de em-
briões excedentários, decorrentes de concepção artificial
homóloga”. 179

179 Parecer do Relator-Geral do Projeto do Código Civil, Deputado Ricardo


Fiúza, p. 86-87.
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2. Pater is est : Presunção Milenar Herdada dos Romanos

A milenar presunção pater is est, herdada dos romanos, foi


a fórmula encontrada para resolver o dilema da filiação com o
advento da sociedade patriarcal: “Como ter certeza da paterni-
dade se ela é incerta, enquanto a mãe é sempre certa (mater
semper certa est)?” 180 Como se sabe, os romanos resolveram a
questão criando a célebre presunção pater is est, ainda atual,
apesar dos seus vinte e um séculos de existência.
É certo que as noções quanto ao tempo rigoroso da gesta-
ção remontam aos filósofos e médicos gregos da Antigüidade:
Aristóteles, Platão, Pitágoras e Hipócrates, que já sabiam que o
tempo de duração da gravidez mediava o mínimo de seis e o
máximo de dez meses. Estas noções foram conhecidas e adota-
das pelos juristas romanos.
Atualmente, mesmo com os modernos exames genéticos de
identificação humana, através dos quais se pode afirmar com
certeza quase absoluta a origem biológica do indivíduo, perma-
nece, no ordenamento jurídico, o estabelecimento da paternida-
de fundado na presunção pater is est.
De acordo com a regra pater is est, presume-se concebi-
do na constância do casamento dos pais o filho nascido após
179 dias da celebração do casamento ou até 300 dias depois de
dissolvida a sociedade conjugal.
Pontes de Miranda esclarece que “é de sumo interesse aten-
tar-se na contagem dos prazos, desprezando-se o dia a quo e
computando-se o dia ad quem”. 181 Contudo, “se o casamento se
contraiu por procuração, o prazo se haverá de computar a partir
de quando se estabeleceu a ‘convivência conjugal’ e não do dia
em que as núpcias foram celebradas”. 182

180 Eduardo de Oliveira LEITE. O exame de DNA: Reflexões sobre a pro-


va científica da filiação. In: WAMBIER, Tereza Arruda Alvim e LEI-
TE, Eduardo de Oliveira (coord.). Repertório de Doutrina sobre Direi-
to de Família. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 04, 1999, p. 189.
181 Op. cit., p. 50.
182 Caio Mario da Silva PEREIRA. Instituições de Direito Civil. Vol. V.
11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997 (2ª tiragem), p. 175.
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3. Reprodução Humana Assistida — Inseminação


Artificial Homóloga

O inciso III do artigo 1.597 e ainda o IV e o V trazem ino-


vações ao preverem a influência das técnicas de reprodução
humana no estabelecimento da paternidade através da presun-
ção pater is est.
Com relação às novas técnicas de reprodução humana,
Heloísa Helena Barboza esclarece que:
“Entende-se por inseminação artificial (...) a obtenção da
fecundação, que é sempre natural, por processos mecânicos e
com a utilização de recursos médicos, através da introdução do
esperma no interior do canal genital feminino, sem ocorrência
do ato sexual. Em outras palavras, é a introdução de esperma
no aparelho genital de uma mulher por todos os outros meios
que não a relação sexual.
Denomina-se inseminação artificial homóloga, “artificial
insemination homologous”, “inseminación con semen del cónyuge
o compañero”, “marito-fecondazione”, “artificial insemination by
husband (AIH)”, a que é feita com o esperma do marido, tendo
em vista que, embora seja o casal biologicamente apto a procriar,
eis que mantida a produção de sêmen, há impossibilidade da
inseminação natural intravaginal, por não ser possível manter
a relação sexual, em face de anomalia física do marido ou da
mulher”. 183 (...)
“Entende-se por fertilização in vitro (FIV) a técnica me-
diante a qual se reúnem in vitro os gametas masculino e femini-
no, em meio artificial adequado, propiciando a fecundação e for-
mação do ovo, o qual, já iniciada a reprodução celular, será im-
plantado no útero materno.” 184
Por conseguinte, mesmo que não existisse a previsão ex-
pressa do artigo 1.597, III, do novo Código Civil, não haveria
maiores dúvidas no tocante à aplicação da presunção legal no
caso de inseminação artificial homóloga, pois, nesta hipótese,
coincidem a paternidade biológica e a paternidade legal,
pois a inseminação é feita com o próprio esperma do marido.
É importante afirmar que os avanços tecnológicos devem
ser balizados por princípios éticos e jurídicos, visto que envol-

183 Op. cit., p. 45.


184 Op. cit., p. 73.
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vem a dignidade da pessoa humana e o melhor interesse do


nascituro.
Por tal motivo, uma das perplexidades que surgem diante
do supracitado dispositivo legal é a possibilidade de se realizar
o procedimento médico mesmo após o falecimento do marido ou
após a dissolução da sociedade conjugal. Surgirão, certamente,
questões polêmicas envolvendo aspectos éticos, religiosos e jurí-
dicos. A princípio, entendemos que o pai deve estar vivo no mo-
mento da realização do procedimento médico porque não seria
ético realizá-lo após o falecimento do marido.
Outra questão polêmica que envolve a realização de tal
procedimento após a morte do marido diz respeito aos direitos
sucessórios. Como a abertura da sucessão ocorre no instante
da morte do de cujus, transmitem-se, sem solução de continui-
dade, a propriedade e a posse dos bens do falecido aos seus her-
deiros sucessíveis, legítimos ou testamentários, que estejam vi-
vos naquele momento, independentemente de qualquer ato.
Diante da possibilidade de realização de procedimento de
reprodução assistida após a morte do marido/pai biológico, ape-
nas os filhos vivos do de cujus participariam da sucessão. Por
outro lado, não se pode falar em proteção do nascituro pela via
testamentária, uma vez que, no momento da morte do de cujus,
ainda ocorrera a concepção e, por conseguinte, não existiria o
nascituro. Desta forma, a criança nasceria sem a proteção jurí-
dica dos direitos sucessórios, o que acarretaria distorção em vir-
tude do sistema de igualdade da filiação, previsto no artigo 227,
§ 6º, da Constituição Federal.
Todas estas questões merecem estudos aprofundados e, cer-
tamente, terão sérias repercussões não só no mundo jurídico,
mas também na sociedade.

4. Reprodução Assistida Embriões Excedentários

Atualmente, sabe-se que os embriões excedentários —


aqueles que não são utilizados na fecundação in vitro — podem
ser crioconservados indefinidamente. Na Europa, existem mi-
lhares de seres humanos em fase embrionária congelados, aguar-
dando solução adequada para o seu destino. A polêmica em tor-
no da possibilidade de destruição de tais embriões não envolve
apenas aspectos jurídicos, tendo ampla repercussão nas ques-
tões médicas, religiosas, psicológicas e éticas. 185
Capítulo II — Da Filiação
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De acordo com o Código Civil anterior, a criança que nas-


cesse após trezentos dias da morte do marido não seria legítima
porque se presumiria a sua concepção após a dissolução do ca-
samento. Desta forma, não seria aplicável à espécie a presunção
pater is est.
Como esclarece Eduardo de Oliveira Leite:
“Para o direito francês, se o genitor morreu antes da trans-
ferência do embrião, a criança não poderá lhe ser vinculada, da
mesma forma como ocorre no caso de criança concebida “post
mortem” por inseminação com o esperma do marido. A criança é
considerada natural da mãe e, legalmente, não poderá herdar
de seu “pai”, nem usar seu nome.

Não nos parece ser esta a solução mais razoável, nem a


mais justa. Se o embrião já se encontrava congelado em fase de
desenvolvimento “in vitro”, a criança pode ser considerada con-
cebida no dia da transferência no útero materno.
Pouco importa se o congelamento ocorreu um ou dez dias
após a coleta dos óvulos ou após o contato dos gametas. O que é
relevante, face ao procedimento, é a permanência da mesma von-
tade que existia no momento da procriação.
E sob esta ótica é possível assimilar-se a fecundação in vitro
à concepção.” 186

185 Quanto à questão do destino a ser dado aos embriões excedentes, a


solução depende da extensão atribuída ao conceito de nascituro, o qual
é passível de proteção jurídica através de duas teorias que se defron-
tam: a teoria genético-desenvolvimentista e a teoria concepcionista.
Para maior aprofundamento do tema, v. Eduardo de Oliveira LEITE,
Procriações Artificiais e o Direito. São Paulo: RT, 1995.
Por outro lado, deve-se ressaltar que a Lei 8.974, de 05 de janeiro de
1995, regulamenta normas para uso de técnicas de engenharia gené-
tica e liberação no meio ambiente de OGM, criando ainda tipos pe-
nais referentes às seguintes condutas: a)manipulação genética de cé-
lulas germinais humanas; b) intervenção em material genético hu-
mano in vivo, exceto para tratamento de defeitos genéticos; c) produ-
ção, armazenamento ou manipulação de embriões humanos destina-
dos a servirem como material biológico disponível; d) intervenção in
vivo em material genético de animais, excetuados os casos em que
tais intervenções se constituam em avanços significativos para a
ciência e a tecnologia; e) liberação ou descarte de OGM no meio ambien-
te, em desacordo com as normas regulamentares.
186 Op. cit. p. 393.
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Ao ampliar os incisos do artigo 338 (presunção pater is est)


do Código Civil anterior, ficam sem sentido as hipóteses do arti-
go 340 do referido diploma legal (inocorria a presunção pater is
est quando os cônjuges não haviam tido relações sexuais ou es-
tavam separados). Melhor esclarecendo: diante de uma
inseminação artificial homóloga ou de uma concepção artificial
homóloga de embrião, mesmo que se prove a ausência de
coabitação por qualquer motivo, até mesmo pela morte
do marido ou a separação dos cônjuges, estes argumen-
tos não prevalecerão, na medida em que a paternidade
será atribuída ao pai biológico, que doou o seu material
genético e consentiu no momento da realização da fecun-
dação “in vitro” e da formação do embrião.
Ressaltem-se, mais uma vez, os problemas que se apre-
sentam diante da possibilidade da realização do procedimento
médico de implantação do embrião no útero materno após a
morte do marido (v. comentário ao inciso III do art. 1.597 —
fecundação artificial homóloga).
Por derradeiro, deve-se destacar que tramitam atualmen-
te no Congresso Nacional seis Projetos de Lei que visam à regu-
lamentação jurídica dos procedimentos de reprodução humana
assistida, conforme a relação abaixo:
a) PLS 90/1999, do Senador Lúcio Alcântara. Ementa:
“Dispõe sobre a reprodução assistida”.
b ) PL 2.855/1997, do Deputado Confúcio Moura. Ementa:
“Dispõe sobre a utilização de técnicas de reprodução
humana assistida”.
c) PL 3.638/1993, do Deputado Luiz Moreira. Ementa: “Ins-
titui normas para a utilização de técnicas de reprodu-
ção assistida. Incluindo as questões relativas à fertili-
zação ‘in vitro’, inseminação artificial e barriga de alu-
guel — Gestação de substituição ou doação temporária
do útero”.
d) PL 4.664/2001, do Deputado Lamartine Posella. Emen-
ta: “Dispõe sobre a proibição ao descarte de embriões
humanos fertilizados ‘in vitro’, determina a responsa-
bilidade sobre os mesmos e dá outras providências”.
e ) PL 4.665/2001, do Deputado Lamartine Posella. Emen-
ta: “Dispõe sobre a autorização da fertilização humana
‘in vitro’ para os casais comprovadamente incapazes de
gerar filhos pelo processo natural de fertilização e dá
outras providências”.
Capítulo II — Da Filiação
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
193
○ ○

f ) PL 6.296/2002, do Deputado Magno Malta. Ementa:


“Proíbe a fertilização de óvulos humanos com material
genético proveniente de células de doador do gênero fe-
minino”.

5. Inseminação Artificial Heteróloga

A Professora Heloísa Helena Barboza, ao discorrer sobre


inseminação artificial heteróloga, esclarece que:
“Entende-se por inseminação artificial heteróloga a que se
realiza em mulher casada com sêmen de terceiro que não o do
marido”.187

Como destaca a ilustre civilista, a inseminação artificial


com doador atinge os princípios em que sempre se fundamentou
a paternidade. Na grande maioria das legislações, inclusive no
anterior Código Civil, as relações sexuais se mostravam como
condição ou pressuposto para a atribuição da paternidade.
“A presença de um terceiro na relação familiar enseja pro-
blemas de diferentes ordens a envolver o marido, a mulher, o
doador, a esposa deste, e a criança. De pronto se constata a difi-
culdade de se estabelecer a paternidade no caso, especialmente
por recomendarem os que a admitem absoluto sigilo quanto à
identidade do doador. Caberia aplicar-se aqui também a pre-
sunção de paternidade, mesmo diante da certeza de que o mari-
do não é o pai? Ou terá o doador do sêmen — pai biológico — a
qualidade jurídica de pai do ser humano fruto de sua “contri-
buição espermática?” 188

A solução apresentada pela Professora Heloisa Helena


Barboza para o problema da paternidade no caso do filho nasci-
do de inseminação artificial heteróloga, 189 com consentimento do
marido, seria considerar que a paternidade no caso não se as-
senta em uma realidade biológica, sendo similar a uma adoção:

187 Op. cit., p. 55.


188 Op. cit., p. 55.
189 Na obra já citada, a professora Heloisa Helena Barboza traça amplo
painel sobre o tratamento do tema no Direito Comparado, especial-
mente nas páginas 55/67.
194
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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“Todos os que admitem a inseminação artificial heteróloga


insistem em que deve ser mantido sigilo absoluto sobre a identi-
dade do doador, assim como esse não deve reconhecimento do
destino do seu sêmen. A recomendação é razoável e não é incom-
patível com o sistema que vislumbramos.
Considerando que o material fecundante em tal hipótese
normalmente é oriundo de um banco de sêmen, a identidade do
doador possa ser substituída por um número, sugerido para con-
trole da utilização do sêmen. Deverão ser fornecidos, porém,
dados quanto às características físicas do doador: tipo de san-
gue, cor da pele e dos olhos, tipo de cabelo etc. O consentimento
do doador para a futura adoção seria concedido, a priori, na hora
da doação, mediante ato formal, que seria pressuposto para a
atribuição da paternidade ao marido.
Indispensável salientar que não estamos propondo um pro-
cesso de adoção, mas um procedimento similar, com característi-
cas próprias, inspirado naquele”. 190

A Resolução 1.358, de 19 de novembro de 1992, do Conse-


lho Federal de Medicina, que regula normas éticas para utiliza-
ção das técnicas de reprodução assistida, dispõe, no item I, 3:
“O consentimento informado será obrigatório e extensivo
aos pacientes inférteis e doadores. Os aspectos médicos envol-
vendo todas as circunstâncias da aplicação de uma técnica de
RA serão detalhadamente expostos, assim como os resultados já
obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta.
As informações devem também atingir dados de caráter biológi-
co, jurídico, ético e econômico. O documento de consentimento
informado será em formulário especial, e estará completo com a
concordância, por escrito, da paciente ou do casal infértil”.
Trazemos à colação importante advertência apresentada por
Juliane Fernandes Queiroz, que alerta para a necessidade de se
promulgar norma reguladora que exija, de todas as clínicas de
reprodução humana, a formalização do Termo de Consentimen-
to Informado para todos os casais envolvidos na realização das
técnicas:
“O rigorismo na exigência de sua formalização, inclusive
com apuração de responsabilidades civil e penal àqueles profis-
sionais que realizarem as técnicas de procriação, sem o prévio
consentimento, permitirá uma adaptação mais branda da

190 Op. cit., p. 64-65.


Capítulo II — Da Filiação
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
195
○ ○

biotecnologia de reprodução aos moldes do sistema jurídico. Caso


contrário, pode-se estar comprometendo as gerações vindouras
no estabelecimento de um dos mais importantes atributos da
personalidade: o estado de filho”. 191
O novo Código Civil, no artigo 1.597, V, espera solucionar
a questão acerca da paternidade jurídica dos filhos, da relação
de casamento, gerados em inseminação artificial heteróloga, ao
dispor que: “Presumem-se concebidos na constância do casamen-
to os filhos: (...) havidos por inseminação artificial heteróloga,
desde que tenha prévia autorização do marido”.
É de se ponderar que essa nova modalidade de filiação tam-
bém se aproxima da adoção, pois se fundamenta nos conceitos
de paternidade sócio-afetiva, uma vez que o pai jurídico — o
marido da mãe —, ao dar o seu consentimento, admite como fi-
lho o ente gerado com material genético de outrem (doador do
sêmen). A paternidade não poderia mais ser negada sob o argu-
mento da não existência da relação biológica, ficando o filho
amparado pela presunção estabelecida neste artigo.
Fundamental que se edite posteriormente legislação que
cuide de outros aspectos relevantes, inclusive quanto aos re-
quisitos formais necessários a que o doador do sêmen consinta,
no ato da doação, com a atribuição da paternidade ao marido,
renunciando a qualquer tipo de vínculo para com a criança.
Além disso, é de se ponderar que o novo Código silencia
quanto à possibilidade de revogação do termo de consentimento
do marido enquanto não sobrevier a gravidez. Inocorrendo a gra-
videz, não há que se falar em concepção, não havendo proteção
jurídica diante da inexistência do concepto. Caberá à Doutrina
e à Jurisprudência a solução para esses casos, de vez que os
tratamentos de reprodução assistida não costumam ter bom êxito
na primeira tentativa, demorando às vezes anos para a ocor-
rência da gravidez.
O novo Código também não regulamenta os casos de re-
produção assistida, na hipótese de se tratarem de conviventes.
Como no caput do art. 1.597 se faz a previsão da presunção pater
is est aplicada apenas às relações de casamento, podem surgir
discussões quanto ao estabelecimento da paternidade dos filhos
gerados em inseminação artificial homóloga e heteróloga, quan-
do os pais estejam vivendo em união estável.

191 Juliane Fernandes QUEIROZ. Paternidade: aspectos jurídicos e téc-


nicas de inseminação artificial. Belo Horizonte: Del-Rey, 2001, p. 104.
196
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Certamente, mais uma vez se torna fundamental o papel


construtivo da Jurisprudência e o bom senso da Doutrina. Na
hipótese de o pai (convivente) não proceder voluntariamente ao
registro do filho, entende-se que não seria possível a aplicação
da presunção pater is est (v. comentário ao caput do art. 1.597).
A solução tradicional de impor ao filho e à mãe o ônus de se
provar a coabitação ou o liame biológico não seria a mais justa,
porque o consentimento dado pelo companheiro na inseminação
deveria ter validade para fins de registro civil da paternidade
da criança gerada através deste processo.
Por derradeiro, é lícito supor que surgirão outros graves
problemas relacionados à inseminação artificial heteróloga, em
que pese ao esforço do legislador em promover a regulamenta-
ção jurídica do estabelecimento da filiação nos casos envolvendo
técnicas de reprodução humana assistida. Um deles seria a dis-
cussão acerca do direito à revelação da real origem genética,
pois se relaciona à questão do sigilo da identidade do doador.
Além disso, a ciência médica alerta para o perigo de um só doa-
dor ser o pai biológico de milhares de filhos, o que, supostamen-
te, acarretaria eventuais problemas genéticos.

Art. 1.598. Salvo prova em contrário, se, antes


de decorrido o prazo previsto no inciso II do art.
1.523, a mulher contrair novas núpcias e lhe
nascer algum filho, este se presume do primei-
ro marido, se nascido dentro dos 300 (trezen-
tos) dias a contar da data do falecimento deste
e, do segundo, se o nascimento ocorrer após
esse período e já decorrido o prazo a que se
refere o inciso I do art. 1.597.
Direito anterior: Art. 340 do Código Civil.

As hipóteses do artigo 340 do anterior Código Civil, que


regulavam os fundamentos jurídicos da ação negatória de pa-
ternidade, já vinham sendo consideradas defasadas, tanto pela
doutrina quanto pela jurisprudência. Neste sentido, assentou o
Superior Tribunal de Justiça:
“Paternidade. Contestação
As normas jurídicas hão de ser entendidas, tendo em vista
o contexto legal em que inseridas e considerando os valores ti-
Capítulo II — Da Filiação
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
197
○ ○

dos como válidos em determinado momento histórico. Não há como


interpretar-se uma disposição, ignorando as profundas modifi-
cações por que passou a sociedade, desprezando os avanços da
ciência e deixando de ter em conta as alterações de outras nor-
mas, pertinentes aos mesmos institutos jurídicos.
Nos tempos atuais, não se justifica que a contestação da
paternidade, pelo marido, dos filhos nascidos de sua mulher, se
restrinja às hipóteses do artigo 340 do Código Civil, quando a
ciência fornece métodos notavelmente seguros para verificar a
existência do vínculo de filiação”. (REsp 194.866/RS — Rel. Min.
Eduardo Ribeiro — Terceira Turma — Julgado em 20.04.1999,
DJ de 14.06.1999, p. 00188).
No tocante ao artigo 1.598 do novo Código Civil, é de se
ponderar que esta norma regula conflito de presunções, enquan-
to que, no Direito Português, se optou por deferir a presunção
ao segundo marido, nos termos do artigo 1.834 do Código Civil
Português:
“Art. 1834º Dupla presunção de paternidade
1 — Se o filho nasceu depois de a mãe ter contraído novo
casamento sem que o primeiro se achasse dissolvido ou dentro
dos trezentos dias após a sua dissolução, presume-se que o pai
é o segundo marido.
2 — Julgada procedente a acção de impugnação de pater-
nidade, renasce a presunção relativa ao anterior marido da mãe
(Redacção do Dec.-Lei nº 496/77, de 25-11)”.
Para verificação da paternidade posta em questão, têm sido
utilizados os exames de identificação humana pelo DNA.192 Quan-
to a estes exames, os especialistas afirmam que se podem alcan-
çar até 99,9999% de certeza e confiabilidade quanto à paterni-
dade/maternidade biológica no caso de um resultado positivo e
100% no caso de um resultado negativo. 193

192 No tocante aos exames de DNA, a Lei nº 10.317, de 06 de dezembro de


2001, “altera a Lei nº 1.060, de 05 de fevereiro de 1950, que estabele-
ce normas para a concessão de assistência judiciária aos necessita-
dos, para conceder a gratuidade do exame de DNA, nos casos que es-
pecifica”.
193 Dados apresentados pelo Dr. Sérgio Danilo J. PENA, no artigo “De-
terminação de Paternidade pelo Estudo Direto do DNA: O Estudo da
Arte no Brasil”. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (org.). Direito de
Família e do Menor. Belo Horizonte: Del-Rey, p. 243/259. V. também
Salmo Raskin, Investigação de Paternidade — Manual Prático do DNA.
Curitiba: Juruá, 1999.
198
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Os Tribunais brasileiros têm reconhecido a confiabilidade


desses índices do exame de DNA. Apenas a título ilustrativo,
indicamos os seguintes acórdãos:
“AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE — PERÍ-
CIA TÉCNICA: EXAME DE DNA
1. A falibilidade humana não pode justificar o desprezo pela
afirmação científica. A independência do juiz e a liberdade de
apreciação da prova exigem que os motivos que apoiaram a de-
cisão sejam compatíveis com a realidade dos autos, sendo impos-
sível desqualificar esta ou aquela prova sem o devido lastro para
tanto. Assim, se os motivos apresentados não estão compatíveis
com a realidade dos autos há violação ao art. 131 do CPC.
2. Modernamente, a ciência tornou acessíveis meios pró-
prios, com elevado grau de confiabilidade, para a busca da ver-
dade real, com o que o art. 145 do CPC está violado quando tais
meios são desprezados com supedâneo em compreensão equivo-
cada da prova científica.
3. Recurso conhecido e provido, em parte” (REsp 97148/
MG — Rel. Min. Waldemar Zveiter — Terceira Turma — Julga-
do em 20/05/1997, DJ de 08/09/1997, p. 42492).

“DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL — INVESTIGA-


ÇÃO DE PATERNIDADE — Prova genética — DNA — Requeri-
mento feito a destempo — Validade — Natureza da demanda —
Ação de Estado — Busca da verdade real — Preclusão — Ins-
trução probatória — Inocorrência para o juiz — Processo civil
contemporâneo — Cerceamento de defesa — Art. 130, CPC —
Caracterização — Produção antecipada de provas — Colheita
de material do morto antes do sepultamento — Possibilidade —
Recurso provido.” (REsp 140665/MG — Rel. Min. Sálvio de Fi-
gueiredo Teixeira — Quarta Turma — Julgada em 17.09.1998,
DJ de 03.11.0998, p. 00147).

Contudo, algumas vozes autorizadas têm demonstrado fun-


dada preocupação com a “verdadeira sacralização e divinização
do exame de DNA, alçado à fórmula milagrosa de resolução de
todos os problemas pertinentes à investigação dos vínculos de
filiação.” 194

194 Voto proferido por Sérgio Gischkow Pereira na Apelação Cível nº


595074709, apud Rolf MADALENO, A sacralização da presunção na
investigação de paternidade, In Jornal Síntese, julho de 1999, p. 10/
18.
Capítulo II — Da Filiação
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
199
○ ○

Art. 1.599. A prova da impotência do cônjuge


para gerar, à época da concepção, ilide a pre-
sunção da paternidade .
Direito anterior: Art. 342 do Código Civil.

No Código Civil anterior, com referência à regra do artigo


342 (“Só em sendo absoluta a impotência, vale a sua alegação
contra a legitimidade do filho”), a maioria da doutrina entendia
que esta impotência seria a instrumental.
Contudo, a doutrina e a jurisprudência já vinham sinali-
zando que, na negatória de paternidade, investiga-se se houve
possibilidade ou não de geração de filhos. Tal situação está liga-
da somente à impotência generandi. Neste sentido, decidiu o Tri-
bunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:
“Anulação de casamento — Erro essencial quanto à pessoa
do outro cônjuge. Mulher que tinha comportamento sexual pro-
míscuo e ignorado do seu parceiro, muito mais velho que ela e
com quem veio a se casar. Comportamento que se evidenciou ao
aparecer ela grávida — dois meses após o casamento, certa a
impotência generandi do marido. Interpretação do art. 219 do
Código Civil. Negatória de paternidade. Filho adulterino a matre.
Registro de nascimento feito pela mãe, declarando o marido como
pai da criança. Marido portador de impotência generandi, tor-
nando certa a impossibilidade da paternidade que lhe foi atri-
buída, tal como se confirmou em prova pericial. Presunção de
paternidade que não pode prevalecer e que não encontra limite
temporal para a sua contestação”. (TJRJ — 2º Câmara Cível nº
3.767/908 — Rel. Des. Murillo Fábregas).

Deve-se ressaltar que o novo Código estabeleceu que a impo-


tência não precisa ser absoluta. Por outro lado, o artigo 1.599 do
novo Código deve ser interpretado em consonância com o disposto
no artigo 1.597, visto que as modernas técnicas de reprodução as-
sistida solucionam atualmente problemas relacionados à impotên-
cia masculina. Como se sabe, mesmo diante da impotência couendi,
esta não é suficiente para o desfazimento do vínculo filial, como,
por exemplo, na hipótese de inseminação artificial homóloga, quan-
do o sêmen do marido é utilizado para a fecundação da esposa.

Art. 1.600. Não basta o adultério da mulher, ain-


da que confessado, para ilidir a presunção le-
gal da paternidade .
Direito Anterior: Art. 343 do Código Civil.
200
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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O artigo 1.600 do novo Código Civil repete, com pequena


alteração, o artigo 343 do Código anterior, reafirmando que não
basta o adultério da mulher nem a confissão desta para refutar
a presunção de paternidade.
No sistema do Código Civil anterior, uma das característi-
cas da regulamentação da presunção pater is est era a rigidez
dos meios probatórios. Numa interpretação construtiva, o Supe-
rior Tribunal de Justiça, desde o início da década de 1990, já
vinha reconhecendo o princípio da liberdade de prova nas ações
negatórias de paternidade, admitindo a amplitude dos meios
probatórios nessas ações:
“Direito civil — Ação negatória de paternidade — Presun-
ção legal (Cód. Civ. Art. 340) — Prova — Possibilidade — Di-
reito de Família — Evolução — Hermenêutica — Recurso co-
nhecido e provido — I- Na fase atual da evolução do Direito de
Família é injustificável o fetichismo de normas ultrapassadas
em detrimento da verdade real, sobretudo quando em prejuízo
de legítimos interesses de menor. II- Deve-se ensejar a produ-
ção de provas sempre que ela se apresentar imprescindível à
boa realização da justiça. III- O Superior Tribunal de Justiça,
pela relevância da sua missão constitucional, não pode deter-
se em sutilezas de ordem formal que impeçam a apreciação das
grandes teses jurídicas que estão a reclamar pronunciamento
e orientação pretoriana” (RESP 4.987-RJ — Rel. Min. Sálvio
de Figueiredo Teixeira — Julgado em 04.06.1991, DJ de
28.10.1991).

6. Ação Negatória de Paternidade

Art. 1.601. Cabe ao marido o direito de contes-


tar a paternidade dos filhos nascidos de sua
mulher, sendo tal ação imprescritível.
Direito anterior: Caput. Arts. 178, §§ 3º e 4º, e 344 do Código Civil.
Parágrafo único: Art. 345 do Código Civil.

O texto original do Projeto do Código Civil preservava a


regra da decadência das ações negatórias de paternidade, con-
forme transcrição seguinte:
Art. 1.610. Cabe ao marido o direito de contestar a legiti-
midade dos filhos nascidos de sua mulher.
Capítulo II — Da Filiação
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201
○ ○

§ 1º — Decairá desse direito o marido que, presente à épo-


ca do nascimento, não contestar, dentro em dois meses, a filia-
ção.
§ 2º — Se o marido se achava ausente, ou lhe ocultaram o
nascimento, o prazo para repúdio será de três meses; contado do
dia de sua volta à casa conjugal, no primeiro caso, e da data do
conhecimento do fato, no segundo.
O texto original foi objeto de duas Emendas: a de número
231, que substituiu o vocábulo legitimidade por paternidade, e
a Emenda de número 232, que acrescia ao texto o vocábulo pri-
vativamente, atribuindo apenas ao marido o direito de contes-
tar a paternidade dos filhos de sua mulher. Não se aceitou a
última Emenda, conforme a justificativa às Emendas 231 e 232
do Senado:
“O projeto prevê que, contestada a filiação, passará aos her-
deiros do marido o direito de tornar eficaz a contestação (art.
1.611). Se não parece prudente estender a faculdade da impug-
nação com a amplitude sugerida pelos Drs. Álvaro Villaça e Re-
gina Beatriz Tavares, também não se deve adotar fórmula rígi-
da que possa excluir o ingresso dos herdeiros em ação proposta.
Por igual não se afigura próprio declarar imprescritível esse di-
reito, como propõem os juristas paulistas, até porque o Projeto
prevê que ‘decairá’ dele ‘o marido que, presente à época do nas-
cimento, não contestar, dentro em dois meses, a filiação’ (§ 1.º do
art. 1.610). As Emendas porém, coordenadas, abrem margem a
que, por subemenda, se conjuguem num só texto os artigos 1.610
e 1.611”. 195

O Relator Parcial do Projeto do Código Civil na Câmara,


Deputado Antônio Carlos Biscaia, apresentou o seguinte pare-
cer, objetivando a modificação do texto que o Senado já havia
alterado:
“Sobre este dispositivo, cuja redação o Senado melhorou
em relação ao texto original, é necessário uma análise mais pro-
funda; se não vejamos.
As inovações constitucionais e legais sobre o reconhecimen-
to da filiação têm como suporte a busca da verdade real, moti-
vando o entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido
da imprescritibilidade das ações relativas à filiação, incluindo

195 Parecer final do Relator-Geral do Projeto do Código Civil, Deputado


Ricardo Fiúza, p. 241.
202
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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nestas a negatória de paternidade. Tal entendimento leva à tese


de que estariam revogados os dispositivos legais que estabeleciam
prazos decadenciais para o exercício desses direitos. Neste sen-
tido, compreende-se a natureza do estado de família, no qual se
enquadra o de filiação, como de ordem pública, não devendo com-
portar relações fictícias, salvo na hipótese de adoção. Com base
nestes mesmos argumentos, editou o STF a Súmula 149, que
preleciona: ‘É imprescritível a ação de investigação de paterni-
dade, mas não o é a de petição de herança’. Se imprescritível a
investigação de paternidade, também o é a negatória.
Este entendimento também se justifica diante dos acele-
rados progressos científicos no tocante ao tema, que permitem
o conhecimento seguro do real estado de filiação.
Outra questão relevante refere-se à legitimidade da ação,
de caráter personalíssimo, não sendo admissível sua iniciativa
por outra pessoa, mesmo que herdeiro ou curador. Entretanto,
uma vez intentada a ação, poderão os últimos lhe dar continui-
dade. Impõe-se, assim, a manutenção do referido parágrafo como
parágrafo único.
Deve-se ainda analisar a igualdade entre marido e mulher,
observando se não seria adequado atribuir à mulher legitimi-
dade para a negatória de paternidade.
Por fim, o art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente
(Lei nº 8.069/90) já introduziu em nossa legislação a impres-
critibilidade da ação de reconhecimento do estado de filiação,
com a seguinte redação: ‘O reconhecimento do estado de filia-
ção é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, po-
dendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qual-
quer restrição, observado o segredo de Justiça’.
Por estas razões, opinamos pela aprovação da emenda do
Senado, na forma da seguinte subemenda:
Art. 1.610. Cabe ao marido o direito de contestar a pater-
nidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação
imprescritível.
Parágrafo único — Contestada a filiação, os herdeiros do
impugnante têm direito de prosseguir na ação”. 196

196 Parecer parcial sobre a constitucionalidade, juricidade, técnica legis-


lativa e mérito das proposições e das Emendas do Senado Federal ao
Livro IV do Projeto nº 634-C, de 1975 (Emenda nº 213, correspondente
à subemenda às Emendas nº 231 e 232).
Capítulo II — Da Filiação
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
203
○ ○

A modificação proposta pelo Relator Parcial foi aprovada


e, no texto final do Código Civil, o dispositivo foi renumerado,
passando a ser o artigo 1.601 e parágrafo único.
É de se ponderar que, no Código Civil anterior, o prazo
decadencial para propor a ação negatória de paternidade já vi-
nha sendo considerado ultrapassado por parte da doutrina e da
jurisprudência, especialmente diante do disposto no artigo 27
do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), o qual
estabelece que: “O reconhecimento do estado de filiação é direito
personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exer-
citado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição,
observado o segredo de justiça”.
O novo Código Civil regulamentou, através do artigo 1.601,
o que já vinha sendo firmado pela doutrina majoritária e pela
4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ou seja, a impres-
critibilidade das ações negatórias de paternidade.
Além disso, o artigo 1.601 atenua a presunção pater is est
ao excluir a legitimidade ativa exclusiva do marido nas ações
negatórias de paternidade. De fato, no sistema do Código ante-
rior, cabia privativamente ao marido o direito de contestar a
paternidade dos filhos de sua mulher (art. 344). O novo Código
excluiu o vocábulo privativamente ao dispor, no art. 1.601, que
“cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos
nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível”.
Na doutrina, a partir do advento da Constituição de 1988,
a tese da imprescritibilidade das ações negatórias de paterni-
dade vinha ganhando cada vez mais novos adeptos. Para o
doutrinador Euclides de Oliveira, são imprescritíveis as ações
de reconhecimento por iniciativa do filho ou por vontade do pai,
assim como as pretensões de contestar, negar a relação parental
e anular o correspondente de registro civil. Para o autor, estas
ações passaram a ser possíveis principalmente em função da
evolução dos exames, que permitem o conhecimento seguro do
real estado de filiação, fazendo ruir os antigos “jogos de presun-
ção”. “Trata-se de matéria de interesse público, com reflexos no
Direito de Família e Personalidade e no campo patrimonial (ali-
mentos e sucessão hereditária)”. 197
Na da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, especial-
mente no final da década de 1990, firmou-se o entendimento de

197 Imprescritibilidade das ações relativas à filiação (artigo da internet,


In: http://www.damasio.com.br).
204
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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que estaria superado o prazo decadencial previsto no § 3º do


artigo 178 do Código Civil anterior, como, por exemplo, nos
acórdãos abaixo:
“Direito civil — Investigação da paternidade — Decadên-
cia superada (interpretação atual do § 3º do art. 178 do Código
Civil) — Recurso reconhecido e provido — Pelas especiais pecu-
liaridades da espécie, admite-se a ação da paternidade, mesmo
quando ultrapassado o prazo previsto no § 3º do art. 178 do Có-
digo Civil.
O aplicador da lei não deve se deixar limitar pelo conteúdo
que possa ser percebido da leitura literal e isolada de uma certa
regra legal, a ponto de lhe negar sentido e valor.
‘As decisões judiciais devem evoluir constantemente, refe-
rindo, é certo, os casos pretéritos, mas operando passagem à re-
novação judicial do Direito (Nélson Sampaio)” (REsp 146548/
GO; 1997/0061381-0 — Relator Min. Barros Monteiro — Quar-
ta Turma — Julgado em 29.08.2000, DJ de 05.03.2001; p. 00167,
RSTJ vol. 00142; p. 00324).

“Direito civil — Ação negatória da paternidade — Deca-


dência — Recurso conhecido e provido — O tempo não determi-
na a extinção do direito de o marido propor a ação negatória da
paternidade. Precedente (Resp 146.548/GO, 4º Turma, Rel. Min.
Cesar Asfor Rocha).” (Resp 278845/MG; 2000/0096378-0 — Rel.
Min. Ruy Rosado de Aguiar — Quarta Turma — Julgado em
20.12.2001, DJ de 28.05.2001 p. 00202).

Este entendimento, contudo, ainda não estava pacificado


no Superior Tribunal de Justiça porque a 3ª Turma daquele
Colendo Tribunal ainda tinha precedentes contrários à tese da
imprescritibilidade das ações negatórias:

“Paternidade — Contestação — Decadência — Código Ci-


vil, art. 178, § 3º — Admitindo-se a contestação da paterni-
dade, ainda quando o marido coabite com a mulher, o prazo de
decadência haverá de ter, como termo inicial, a data em que dis-
ponha ele de elementos seguros para supor não ser o pai de filho
de sua esposa.” (REsp 194866/RS — Rel. Min. Eduardo Ribeiro
— Terceira Turma — Julgado em 20.04.1999, DJ de 14.06.1999,
p. 00188).

“Ação do marido para contestar a legitimidade do filho de


sua mulher — Prazo de decadência — É o estabelecido no art.
Capítulo II — Da Filiação
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205
○ ○

178, § 3º, do Código Civil, se era presente o marido — A ação


negatória não se transforma, quando contestada, em investi-
gatória, de modo a se tornar imprescritível — Recurso especial
conhecido e provido.” (REsp 37588/SP — Rel. Min. Nílson Naves
— Terceira Turma — Julgado em 07.03.1995, DJ de 13.11.1995,
p. 38672).

Verificamos, outrossim, em alguns Tribunais Estaduais,


como no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, precedentes
que adotavam o mesmo posicionamento da 3ª Turma do STJ,
aplicando o § 3º do artigo 178 do Código de 1916, com base no
princípio do melhor interesse da criança.
Lamenta-se que, por decisão de política legislativa, tenha
prevalecido na redação final do novo Código o entendimento ju-
risprudencial adotado pela 4ª Turma do Superior Tribunal de
Justiça, consagrando-se, no direito legislado, a tese da
imprescritibilidade das ações negatórias.
Enfatizando a relevância do modo através do qual um sis-
tema de direito positivo regula o estabelecimento da paternida-
de dos filhos nascidos do casamento e a força da presunção legal
de paternidade do marido (que pode ser maior ou menor, depen-
dendo do ordenamento jurídico enfocado), o jurista português
Guilherme de Oliveira afirma que:
“Se a impugnação da paternidade presumida é fácil, a pa-
ternidade jurídica tende a coincidir com a paternidade biológi-
ca; se a lei restringe o direito de impugnar, então a paternidade
jurídica é imposta pelo sistema, embora em alguns casos o mari-
do não seja, provavelmente, o pai real”. 198

É de se ponderar que o Código Civil português estabelece


os prazos e as hipóteses ensejadoras da ação de impugnação da
paternidade presumida, além de limitar o número de legitima-
dos ativos (o marido da mãe, a mãe, o filho ou o Ministério Pú-
blico), nos termos dos artigos 1.838 a 1.842:

“Art. 1838º Impugnação da paternidade


A paternidade presumida nos termos do artigo 1826º não
pode ser impugnada fora dos casos previstos nos artigos seguin-
tes. (Redacção do Dec.-Lei nº 496/77, de 25-11)

198 Guilherme de OLIVEIRA. Critério Jurídico da Paternidade. Coimbra:


Livraria Almedina, 1998, p. 47.
206
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Art. 1839º Fundamento e legitimidade


1. A paternidade do filho pode ser impugnada pelo marido
da mãe, por esta, pelo filho ou, nos termos do artigo
1841º, pelo Ministério Público.
2. Na acção o autor deve provar que, de acordo com as cir-
cunstâncias, a paternidade do marido da mãe é mani-
festamente improvável.
3. Não é permitida a impugnação de paternidade com fun-
damento em inseminação artificial ao cônjuge que nela
consentiu (Redacção do Dec.-Lei nº 496/77, de 25-11).

Art. 1840º Impugnação da paternidade do filho concebido


antes do matrimônio
1. Independentemente da prova a que se refere o nº 2 do
artigo anterior, podem ainda a mãe ou o marido impug-
nar a paternidade do filho nascido dentro dos cento e
oitenta dias posteriores à celebração do casamento,
excepto:
a) Se o marido, antes de casar, teve conhecimento da
gravidez da mulher;
b) Se, estando pessoalmente presente ou representado
por procurador com poderes especiais, o marido con-
sentiu que o filho fosse declarado seu no registro do
nascimento;
c) Se por qualquer outra forma o marido reconheceu o
filho como seu.
2. Cessa o disposto na alínea a do número anterior se o
casamento for anulado por falta de vontade, ou por
coacção moral exercida contra o marido; cessa ainda o
disposto nas alíneas b e c quando se prove ter sido o
consentimento ou reconhecimento viciado por erro so-
bre circunstâncias que tenham contribuído decisivamen-
te para o convencimento da paternidade, ou extorquido
por coacção (Redacção do Dec.-Lei nº 496/77, de 25-11).

Art. 1841º Acção do Ministério Público


1. A acção de impugnação de paternidade pode ser propos-
ta pelo Ministério Público a requerimento de quem se
declarar pai do filho, se for reconhecida pelo tribunal a
viabilidade do pedido.
2. O requerimento deve ser dirigido ao tribunal no prazo
de sessenta dias a contar da data em que a paternidade
do marido da mãe conste do registro.
Capítulo II — Da Filiação
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207
○ ○

3. O tribunal procederá às diligências necessárias para


averiguar a viabilidade da acção, depois de ouvir, sem-
pre que possível, a mãe e o marido.
4. Se concluir pela viabilidade da acção, o tribunal orde-
nará a remessa do processo ao agente do Ministério
Público junto do tribunal competente para a acção de
impugnação (Redacção do Dec.-Lei nº 496/77, de 25-11).

Art. 1842º Prazos


1. A acção de impugnação de paternidade pode ser inten-
tada:
a) Pelo marido, no prazo de dois anos contados desde
que teve conhecimento de circunstâncias de que pos-
sa concluir-se a sua não paternidade;
b) Pela mãe, dentro dos dois anos posteriores ao nasci-
mento;
c) Pelo filho, até um ano depois de haver atingido a maio-
ridade ou de ter sido emancipado, ou posteriormente,
dentro de um ano a contar da data em que teve co-
nhecimento de circunstâncias de que possa concluir-
se não ser filho do marido da mãe.

2. Se o registo for omisso quanto à maternidade, os prazos


a que se referem as alíneas a e c do número anterior
contam-se a partir do estabelecimento da maternidade.
(Redacção do Dec.-Lei nº 496/77, de 25-11)”.

Como o novo Código Civil brasileiro facilitou demasiada-


mente a impugnação da paternidade presumida, suprimindo os
prazos para a impugnação e eliminando as causas que davam
ensejo à negatória, a paternidade jurídica tende a coincidir com
a paternidade biológica.
O legislador brasileiro opta, por conseguinte, pelo critério
biologista da paternidade, em detrimento da paternidade socio-
afetiva, a qual, em muitos casos, corresponderia à posse de
estado de filho e atenderia melhor ao interesse da criança.
A adoção do biologismo pelo novo Código é marcante em
outros dispositivos, em especial, em face da exclusão de algu-
mas expressões e artigos do Código anterior. Deve-se destacar
que a supressão do artigo 339 do Código de 1916 reforça a in-
tenção do legislador no sentido de atenuar a presunção pater
is est e de privilegiar o vínculo biológico.
208
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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O art. 339 do Código anterior estabelecia que:


Art. 339. “A legitimidade do filho nascido antes de decorri-
dos os 180 (cento e oitenta) dias de que trata o nº I do artigo
antecedente não pode, entretanto, ser contestada:
I — se o marido, antes de casar, tinha ciência da gravidez
da mulher;
II — se assistiu, pessoalmente, ou por procurador, a lavrar-
se o termo de nascimento do filho, sem contestar a paternidade”.
No texto original do Projeto do Código Civil, havia um ar-
tigo que reproduzia o artigo 339 supracitado:
Art. 1.604 do texto original do Projeto — “A legitimidade
do filho nascido antes de decorridos os 180 (cento e oitenta) dias
de que trata o n. I do artigo antecedente não pode, entretanto,
ser contestada:
I — se o marido, antes de casar, tinha ciência da gravidez
da mulher;
II — se assistiu, pessoalmente, ou por procurador, a lavrar-
se o termo de nascimento do filho, sem contestar a paternidade.”

No Senado Federal foi apresentada, pelo Senador Nélson


Carneiro, a Emenda nº 209 (correspondente à Subemenda à
Emenda nº 226), que substituiu o vocábulo legitimidade por pa-
ternidade, esclarecendo a justificação que a Constituição proí-
be distinção entre os filhos, não cabendo mais referências à le-
gitimidade. Ponderou-se, ainda, que a intenção do marido é con-
testar a paternidade.
O Relator Parcial do Projeto do Código Civil na Câmara
(Direito de Família), Deputado Antônio Carlos Biscaia, opinou
pela supressão deste artigo 1.604, argumentando que este não
se coaduna “com a atual evolução do Direito de Família, tanto
mais quando em detrimento da verdade real e em prejuízo aos
legítimos interesses do menor”. 199
A proposta de supressão do referido dispositivo foi apro-
vada pela Câmara dos Deputados, conforme Parecer do Relator
Geral do Projeto do Código Civil, Deputado Federal Ricardo
Fiúza:

199 Parecer parcial sobre a constitucionalidade, juridicidade, técnica le-


gislativa e mérito das proposições e das emendas do Senado Federal
ao Livro IV do Projeto nº 634-C, de 1975, p. 59.
Capítulo II — Da Filiação
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209
○ ○

“O dispositivo em exame tem objetivo definido de impedir a


atribuição de prole ilegítima à mulher casada, no modelo do Có-
digo Civil de 1916, onde no seu artigo 338, adota-se a presun-
ção ‘pater est quem justae nupciae demonstrant”.

O texto da Câmara não sofreu alteração do seu conteúdo,


cuidando a Emenda, apenas, de melhorar a redação.
O relator parcial hostiliza o dispositivo, ante a perda do
seu sentido, quando o exame genético de DNA é solução avança-
da para identificar a paternidade, com grau de certeza pratica-
mente absoluto, não podendo, daí, prosperar a presunção.
É expressivo reconhecer a relevância do artigo, no escopo
próprio do seu tempo, destinado a tutelar o interesse dos filhos
concebidos na constância do casamento ao tempo em que a le-
gislação projetou-se na direção de proteger o filho adulterino ‘a
patre’ ou ‘a matre’, quando este então submisso a uma nítida
discriminação legal contra a filiação ilegítima.
Correto, porém, o entendimento de não mais coadunar-se
o dispositivo com a atual evolução do Direito de Família, a subs-
tituir a verdade ficta pela verdade real, amparado pelo acesso
aos modernos meios de produção de prova.
Há de prevalecer os legítimos interesses do menor quanto
à sua verdade real biológica, ínsito do princípio da dignidade
humana, descortinado na valoração constitucional, afastada atual-
mente toda a distinção entre os filhos havidos ou não do casa-
mento.
Aliás, o Superior Tribunal de Justiça tem admitido o ques-
tionamento da paternidade, mesmo nas hipóteses de presunção
legal dos artigos 337 e 338 do Código Civil vigente, valendo re-
ferência do acórdão da lavra do eminente Min. Sálvio de Figuei-
redo (REsp. nº 4.987, Quarta Turma, julgado em 04.06.1991).
(...)De salientar, assim, que o art. 339 do atual Código quan-
do veda a contestação da paternidade dos casos que menciona,
não mais se harmoniza com o tratamento dado à matéria pela
orientação dos Tribunais, como antes exposto, inadmissível por-
tanto a repetição da regra no projeto.
Nos termos do parecer do relator parcial, somos pela su-
pressão do dispositivo.” 200

200 Parecer final do Relator-Geral do Projeto do Código Civil, Deputado


Ricardo Fiúza, p. 238-239.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Mencione-se ainda que se identifica na doutrina 201 e na ju-


risprudência o entendimento de que, mesmo sem se valer da ação
negatória, o marido — ou qualquer pessoa que tenha legítimo
interesse moral ou econômico — pode propor a ação anulatória
do registro civil, com base no erro ou falsidade, fulcrado no art.
348 do Código Civil:
“Apelação Cível — Impugnação de paternidade com fulcro
em fato superveniente. Direitos constitucionais da personali-
dade, dignidade e identidade civil. Prevalência da verdade ma-
terial sobre a formal. Interesse público evidente. Interpretação
coerente em prol do atual ordenamento jurídico vigente. Erro
no registro público exclui a decadência da negatória da paterni-
dade. O processo não é fim em si mesmo. Afastado o rigorismo
formal e o apego exagerado à legislação antiga. A certeza da
filiação é interesse de pais e filhos. Prosseguimento do feito com
a devida instrução probatória, acolhendo ou não o mérito do
pedido. Sentença que se reforma. Recurso provido” (TJRJ —
Apelação Cível 16165/98 — Relator Des. Manoel Carpena
Amorim — Julgada em 11.06.1999).
“Embargos infringentes. Filho adulterino a matre, regis-
trado pela mãe. Diante do novo tratamento dado à matéria pela
Constituição Federal, nada impede que o pretenso pai, ultra-
passado o prazo de decadência para a ação negatória, possa plei-
tear a nulidade do registro em face da prova produzida.” (TJRJ
— 1º Grupo de Câmaras — Embargo Infringente nº 105/90 na
Apelação Cível nº 4826/98 — Rel. Des. Genarino Carvalho).

O parágrafo único do artigo 1.601 é norma que não apre-


senta qualquer inovação, visto que aos herdeiros do marido é
lícito continuar a ação negatória iniciada pelo último, se este
vier a falecer no curso da ação. Segundo Maria Helena Diniz,

201 Conforme assinala Gustavo TEPEDINO (A disciplina jurídica da fi-


liação na perspectiva civil-constitucional. In: Direito de Família Con-
temporâneo, Sálvio de Figueiredo (org.). Direitos de Família e do Me-
nor. 3ª edição. Belo Horizonte: Del-Rey, 1993, p. 559), “o fato é que,
sob a ótica da Constituição, as ações de estado, expressão processual
dos direitos da personalidade, são imprescritíveis. A pessoa humana
poderá, a qualquer tempo, ajuizar ação de impugnação da paternida-
de de molde a cancelar a presunção legal e, mediante a ação de inves-
tigação de paternidade — que poderá ser cumulada à ação negatória
— determinar o vínculo biológico de filiação”.
Capítulo II — Da Filiação
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
211
○ ○

aos herdeiros se transferem “o domínio e a posse da herança,


tendo, por tal motivo, interesse econômico em dar prosseguimento
à ação”. 202
Deve-se ressaltar que, além do interesse econômico apon-
tado pela ilustre professora paulista, as ações de estado relaciona-
das ao vínculo de filiação envolvem a existência de legítimo in-
teresse moral.

Art. 1.602. Não basta a confissão materna para


excluir a paternidade.
Direito anterior: Art. 346 do Código Civil.

Como já mencionado no comentário ao artigo 1.600, nem


mesmo a confissão materna do adultério serve como prova ab-
soluta para excluir a paternidade. Como a presunção legal de
paternidade visa a beneficiar o filho e não os pais, é fundamen-
tal que se produzam outras provas, não se aceitando, única e
exclusivamente, a confissão materna do adultério, uma vez que
esta poderia ser fruto de vingança da mãe contra o marido.
Ademais, de acordo com a concepção da paternidade como
relação não só biológica, mas também afetiva, outros elementos
e fatos ganham maior importância do que a confissão materna
na avaliação das provas produzidas em ação negatória de pa-
ternidade.

Art. 1.603. A filiação prova-se pela certidão do ter-


mo de nascimento registrada no Registro Civil.
Direito Anterior: Art. 5º, LXXVI, “a”, da Constituição Federal;
Cap. IV da Lei dos Registros Públicos (artigos 50 a 66).

Obs.: No Código Civil anterior, o artigo 347 dispunha que “a fi-


liação legítima prova-se pela certidão do termo do nasci-
mento, inscrito no registro civil”. Este artigo foi revogado
expressamente pelo artigo 10 da Lei 8.560/92, tendo em
vista a abolição das designações discriminatórias referen-
tes à filiação.

202 Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 318.


212
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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A certidão do termo de nascimento, registrado no cartório


de Registro Civil, de conformidade com os artigos 50 e seguintes
da Lei dos Registros Públicos (Lei n. 6.015, de 31.12.1973) e
com o artigo 10 da Lei nº 8.560, de 29.12.1992, constitui a prova
específica do nascimento, da idade, da identidade e da filiação,
tanto na ação de vindicação de estado, como em qualquer caso
em que haja contestação da filiação.
Deve-se destacar, outrossim, que, de acordo com o artigo
113 da Lei de Registros Públicos, qualquer pretensão envolven-
do a anulação ou a reforma do assento de nascimento deve deci-
dir-se em processo contencioso.
No assento de nascimento também se devem anotar o casa-
mento e o óbito (artigo 107, caput, da LRP), a mudança do nome
da mulher pelo casamento, pela separação judicial ou pelo di-
vórcio (artigo 107, § 1º), a emancipação, a interdição e a decla-
ração de ausência (artigo 107, § 1º).
O artigo 47 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
8.069/90) prevê a abertura, através do mandado judicial do Juízo
da Vara da Infância e da Juventude que deferiu a adoção, de
novo assento de nascimento para a criança adotada, que tem o
seu registro original cancelado.
Por derradeiro, o artigo 5º da Lei 8.560/92 dispõe que “no
registro de nascimento não se fará qualquer referência à natu-
reza da filiação, à sua ordem em relação a outros irmãos do mes-
mo prenome, exceto gêmeos, ao lugar e cartório do casamento
dos pais e ao estado civil destes”.

7. Erro ou Falsidade do Registro

Art. 1.604. Ninguém pode vindicar estado contrá-


rio ao que resulta do registro de nascimento,
salvo provando-se erro ou falsidade do registro.
Direito Anterior: Art. 348 do Código Civil.

A redação do artigo 1.604 do novo Código Civil é idêntica


ao texto do artigo 348 do Código Civil anterior.
O artigo 348 foi, contudo, alterado pelo Decreto-Lei nº
5.860, de 30.09.1943. A redação original do art. 348 do Código
Civil brasileiro era a seguinte:
“Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta
do registro de nascimento”.
Este artigo estava inserido no Código Civil brasileiro no
Capítulo intitulado “Da Filiação Legítima”: Capítulo II do Título
Capítulo II — Da Filiação
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213
○ ○

V, do Livro I (“Do Direito de Família”), da Parte Especial do Có-


digo.
Estevam de Almeida informa que este artigo no projeto
Beviláqua ostentava outra redação e sofreu algumas mutilações:
“O alcance do artigo, antes das mutilações, era este: o filho
que tivesse no registo de seu nascimento o título de filho de A e
B, casados, e, ao mesmo tempo, posse conforme a este título, não
poderia accionar para ser declarado não ser essa a sua filiação,
como também, nessas mesmas condições, terceiros lhe não pode-
riam contestar o estado. Como está o artigo, simplesmente sig-
nifica que o filho que tem, no registo de seu nascimento, a decla-
ração de sua filiação não pode pretender que se declare judicial-
mente o contrário.
O fundamento jurídico de tal dispositivo, no effeito
irrefragável que liga ao registo, é a repugnância de se presumir
nos dois cônjuges o acto fraudulento de se attribuirem um filho
que não é delles.
(...) A bem clarear o sentido do dispositivo em commento,
occorre uma observação, aliás em correlação com a já feita, em
outro passo. Não significa elle mais do que quem no registo de-
vidamente formalizado está como filho de A e B, na verdade o é.
Todavia a legitimidade é sempre impugnável neste sentido: os
indigitados Paes não eram casados, ou então o filho lhes não
nasceu nos períodos fixados no art. 338, ns. I e II.” 203

Pontes de Miranda ressaltou que o Código Civil deu tão


grande valor ao registro de nascimento, que proibiu, no art. 348,
vindicar-se estado contrário ao que dela resulta. Ponderou, en-
tretanto, que:
“Isso não quer dizer que as comunicações prevaleçam con-
tra sentenças passadas em julgado.
Atendendo a isso, o Decreto-lei nº 5.860, de 30 de setembro
de 1943, art. 1º, corrigiu o Código Civil, no sentido do que escre-
vemos na 1ª edição: ‘Ninguém pode vindicar estado contrário ao
que resulta no registo de nascimento, salvo provando-se erro ou
falsidade do registo.” 204

203 Manual do Código Civil Brasileiro — Direito de Família — vol. VI,


org. por Paulo de Lacerda, p. 75-76.
204 Tratado de Direito de Família — Volume III — Parentesco. 3ª ed. São
Paulo: Max Limonad, 1947, p. 58-59.
214
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Pode-se observar que, após a Constituição de 1988, a dou-


trina e os tribunais passaram a interpretar extensivamente o
art. 348, com o entendimento de que tal dispositivo se inseria no
contexto amplo da filiação, em face da abolição das categorias de
filhos legítimos e ilegítimos. Justificou-se que a norma foi recep-
cionada pela nova ordem constitucional dentro de um novo fun-
damento de validade.
No tocante à aplicação do art. 348 (e agora do artigo 1.604),
inclusive na hipótese dos filhos nascidos de uma relação matri-
monial, Gustavo Tepedino adverte que:
“Não se pode transformar o art. 348 em apanágio para todas as
hipóteses de desconstituição da paternidade presumida, já que o dis-
positivo autoriza a nulidade do registro exclusivamente nas hipóteses
de erro ou falsidade, não se aplicando à atribuição legal de paternida-
de do marido derivada de relação conjugal válida, hipótese em que, a
toda evidência, não se poderia cogitar de erro ou falsidade. Nesses
casos, a imprescritibilidade das ações de estado, decorrente dos princí-
pios caracterizadores da nova ordem pública constitucional, parece
suficiente para autorizar a desconstituição da presunção e a determi-
nação da verdade biológica, ainda que inocorrendo erro ou falsidade
do primeiro registro, que se pretende cancelar.”205

8. Posse de Estado de Filho

Art. 1.605. Na falta, ou defeito, do termo de nas-


cimento, poderá provar-se a filiação por qual-
quer modo admissível em direito:
I — Quando houver começo de prova por escri-
to, proveniente dos pais, conjunta ou separa-
damente;
II — Quando existirem veementes presunções
resultantes de fatos já certos.
Direito anterior: Art. 349 do Código Civil.

O artigo 1.605 do novo Código Civil reproduz, quase inte-


gralmente, o artigo 349 do Código anterior. Na realidade, o novo
texto legal suprimiu apenas a expressão “filiação legítima”, subs-
tituindo-a pelo termo “filiação”.

205 A Disciplina Jurídica da Filiação na Perspectiva Civil-Constitucio-


nal. In: Rodrigo da Cunha PEREIRA (org.) Direito de Família Con-
temporâneo. Belo Horizonte: Del-Rey, 1997, p. 562.
Capítulo II — Da Filiação
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215
○ ○

O novo Código Civil, da mesma forma que o Código ante-


rior, não consagra expressamente a “posse de estado de filho”,
que é mencionada implicitamente no artigo 1.605, inciso II (an-
tigo artigo 349, II), apenas para admitir que seja usada, suple-
tivamente ao registro como meio de prova de que há filiação.
A matéria ligada à posse de estado é controvertida, tanto
no nosso Direito como no ordenamento jurídico estrangeiro. Caio
Mário da Silva Pereira ensina que, na verificação formal da posse
de estado, é preciso de pronto estabelecer que esta somente po-
derá fundamentar, em si mesma, o reconhecimento compulsório
da paternidade, se a lei expressamente o estatuir. Na falta de tal
preceito, não é possível. Neste caso, “desloca-se o problema para
outro plano, a saber se, não sendo fundamento (a posse de esta-
do), poderá constituir prova da paternidade”. 206
É importante ressaltar que, no Código Civil anterior, a in-
vestigação de paternidade se assentava em fatos determinados
(numerus clausus). Como a enumeração era taxativa, a ação só
tinha cabimento naqueles casos expressamente admitidos no art.
363 do Código anterior.
“Os filhos ilegítimos de pessoas que não caibam no art.
183, ns. I a VI, têm ação contra os pais, ou seus herdeiros, para
demandar o reconhecimento da filiação:
I — Se ao tempo da concepção a mãe estava concubinada
com o pretendido pai.
II — Se a concepção do filho reclamante coincidiu com o
rapto da mãe pelo suposto pai, ou suas relações sexuais com
ela.
III — Se existir escrito daquele a quem se atribui a pater-
nidade, reconhecendo-a expressamente”.

O novo Código Civil não reproduziu a regra do art. 363


supracitado, levando à interpretação de que, no sistema do novo
Código, a investigação de paternidade é livre, podendo ter ou-
tras hipóteses que conduzirão ao reconhecimento coercitivo da
paternidade.
É lícito sustentar, numa interpretação construtiva, que a
posse de estado de filho pode dar ensejo à investigação de pater-
nidade e ao reconhecimento judicial forçado. Por outro lado, a

206 Reconhecimento de paternidade e seus efeitos. 5ª ed. Rio de Janeiro:


Forense, 1997, p. 119.
216
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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posse de estado de filho também pode servir como elemento


impeditivo da desconstituição da paternidade.
Eduardo de Oliveira Leite afirma que:
“A posse de estado equivale ao que se chama filiação socio-
lógica. Forma eloqüente de reconhecimento de paternidade, a
posse de estado é prevista nos Códigos Civis francês e italiano, e
do Código Civil francês foi transplantada para o Código Civil
brasileiro. ‘Como é indubitável que o Código de Napoleão é fon-
te e inspiração do nosso’, diz Aguiar Moura, ‘parece que ao le-
gislador brasileiro se afigurou a posse de estado, quando fala de
veementes presunções de fatos já certos no inciso do art.
349”. 207

A jurisprudência raramente menciona a posse de estado e,


se o faz, confere a esta caráter de prova secundária. A noção de
posse de estado é relevante também quando se discute a pater-
nidade em ações de investigação de paternidade, nas quais não
se encontra comprovado o concubinato da mãe do autor da ação
com o réu. Poder-se-ia reconhecer a paternidade na identifica-
ção dos elementos da posse de estado, ou seja, quando o investi-
gado tratou publicamente o filho como seu, mantendo-lhe o sus-
tento na qualidade de pai.
Defendendo a posse de estado de filho como elemento
impeditivo da desconstituição da paternidade, citam-se alguns
julgados de importantes Tribunais brasileiros, como o Tribunal
de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, na Apelação Cível n.
8.891/97, cujo Relator foi o ilustre Desembargador Marcus Faver
(5ª Câmara Cível — julg. em 24.03.1998).
É de se ponderar que o novo Código não trouxe as inova-
ções esperadas pelos doutrinadores que defendem a paternida-
de socioafetiva, que se capta juridicamente na expressão da posse
de estado de filho. Luiz Edson Fachin defende brilhantemente
esta tese:
“Embora não seja imprescindível o chamamento de filho,
os cuidados na alimentação e na instrução, o carinho no trata-
mento, quer em público, quer na intimidade do lar, revelam no
comportamento a base da paternidade.
A verdade sociológica da filiação se constrói. Essa dimen-
são da relação paterno-filial não se explica apenas na descen-
dência genética, que deveria pressupor aquela e serem coinci-
dentes”. 208

207 Op. cit., p. 206.


Capítulo II — Da Filiação
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217
○ ○

9. Ação de Prova de Filiação: Investigação de Paternida-


de/Maternidade

Art. 1.606. A ação de prova de filiação compete


ao filho, enquanto viver, passando aos herdei-
ros, se ele morrer menor ou incapaz.
Parágrafo único. Se iniciada a ação pelo filho,
os herdeiros poderão continuá-la, salvo se jul-
gado extinto o processo
Direito anterior: caput — Arts. 178, §6º, XII, 363 e 350 do Código
Civil; Arts. 2º, §§ 4ºe 5º da Lei 8.560/92; Art. 27 da Lei 8.069/90
(ECA).
Parágrafo único. Art. 351 do Código Civil e Súmula nº 149, do
Supremo Tribunal Federal.

O artigo 1.606 reconhece ao filho “ação de prova de filia-


ção” enquanto viver, passando-a aos herdeiros, se morrer me-
nor ou incapaz. Se iniciada a ação pelo filho, poderão os suces-
sores continuá-la, salvo se julgado extinto o processo.
A professora Heloísa Helena Barboza observa que, “se con-
siderada a sua localização, essa ‘ação de prova de filiação’ pare-
ce respeitar à filiação presumida; será razoável dar-lhe inter-
pretação ‘extensiva’, na medida em que restou incompleta a in-
vestigação da paternidade/maternidade”. 209
Adotando a posição da ilustre civilista, pode-se concluir
que o artigo 1.606 regula a ação de investigação de paternida-
de/maternidade, mesmo diante de sua imprópria inserção no
novo Código, no Capítulo “Da Filiação”, porque não existe mais
a antiga “ação de prova de filiação legítima”, regulada no direi-
to anterior (art. 350 do Código de 1916).
Com a abolição do conceito de legitimidade, a matéria se
refere, exclusivamente, à ação que decorre da filiação; ou seja,
a ação de estado que cabe aos filhos (legitimidade ativa) contra
os pais ou seus herdeiros (legitimidade passiva) para demandar
o reconhecimento de filiação.

208 Op. Cit., p. 37.


209 Direito de Família no Projeto de Código Civil: Considerações sobre o
“Direito Pessoal”. In: Revista Brasileira de Direito de Família. Ano
III, nº 11. Porto Alegre: Síntese, IBDFAM, v. 3, n. 11, out-dez., 2001,
p. 28-29.
218
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Como já explicitado, os filhos nascidos dentro do casamen-


to beneficiam-se do estabelecimento da paternidade através da
presunção pater is est, razão pela qual prescindem tanto da ini-
ciativa do pai em promover o reconhecimento voluntário quanto
da propositura da ação de investigação de paternidade (reco-
nhecimento judicial ou forçado).
É de se ponderar que o anterior Código Civil, no artigo
363, estabelecia os casos em que seria possível a fundamenta-
ção do pedido de investigação de paternidade (concubinato da
mãe com o suposto pai, rapto da mãe pelo suposto pai ou rela-
ções sexuais deste com a mãe ou ainda escrito particular do su-
posto pai, reconhecendo a paternidade). O novo Código op-
tou por não regular os fundamentos que dão ensejo à in-
vestigação de paternidade/maternidade.
Como o novo Diploma Legal revogou expressamente o Có-
digo Civil anterior e a Primeira Parte do Código Comercial,
impõe-se análise quanto a possível revogação tácita dos demais
textos legislativos anteriores ao Código.
É de se ponderar que um dos problemas mais sérios rela-
cionados à interpretação do novo Código são as questões refe-
rentes ao Direito Intertemporal.
Nas primeiras reflexões aqui lançadas, firmou-se o enten-
dimento, com fulcro no art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução ao
Código Civil (Decreto-Lei nº 4.657, de 04.09.1942), de que o novo
Código Civil não revogou a Lei 8.560/92, já que não há incompa-
tibilidade entre o Código e esta Lei especial.
É importante ressaltar que, além do filho, ou dos seus her-
deiros nos casos previstos na Lei, o Ministério Público possui
legitimação extraordinária e concorrente para propor ação de
investigação de paternidade nas hipóteses previstas na Lei
8.560/92. Nélson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery
esclarecem, com muita propriedade, que esta “hipótese é de legi-
timação extraordinária (CPC, art. 6º), em vista de tratar-se de
questão de estado (filiação), portanto, indisponível. A CF 127
caput atribuiu ao MP a defesa dos direitos individuais indispo-
níveis, aqui incluído o direito de investigar a paternidade, obje-
to da LIP”. 210

210 Código de Processo Civil e Legislação Processual Civil Extravagante


em Vigor. 4ª edição. São Paulo: RT, 1999, p. 2.235.
Capítulo III — Do Reconhecimento dos Filhos
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219
○ ○

Capítulo III
DO RECONHECIMENTO DOS FILHOS

Art. 1.607. O filho havido fora do casamento


pode ser reconhecido pelos pais, conjunta ou
separadamente.
Direito anterior: Art. 355 do Código Civil.

Obs.: O artigo 355 foi superado pelo art. 227, § 6º, da Constitui-
ção Federal, pelo artigo 26 da Lei 8.069 (Estatuto da Crian-
ça e do Adolescente) e pela Lei 8.560/92, visto que foram
abolidas as designações discriminatórias da filiação.

Não casados os pais, necessário o reconhecimento espon-


tâneo ou coativo (judicial) da paternidade do filho.
O art. 1.607 do novo Código Civil trata do reconhecimen-
to voluntário dos filhos nascidos fora do casamento.
Inicialmente, deve-se analisar o reconhecimento de mater-
nidade, o qual, a rigor, deverá observar as mesmas exigências e
formalidades legais impostas ao reconhecimento voluntário de
paternidade.
Na prática, contudo, tudo se simplifica, como bem assina-
la o professor Caio Mário da Silva Pereira:
“É que a maternidade, cuja certeza já o romano proclama-
va (mater semper certa est), ostenta-se por sinais visíveis e apa-
rentes, com a gravidez, o parto especialmente. Embora a situa-
ção jurídica do filho, em relação a sua mãe, seja uma resultante
do ato de reconhecimento, a garantia de seus direitos contenta-
se com a notoriedade, dispensadas outras provas ou títulos”. 211

211 Op. cit., p.62.

219
220
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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É importante observar, no tocante ao reconhecimento vo-


luntário da paternidade, que este obedece a exigências especiais,
no plano subjetivo, formal e objetivo. O requisito formal é estri-
to: o reconhecimento só tem validade e eficácia quando obedece
as exigências legais necessárias para a formalização dos instru-
mentos previstos em lei (V. artigo 1.609 do novo Código). Quan-
to ao requisito objetivo, este se refere à atribuição do status ao
filho.
No plano subjetivo, o reconhecimento de paternidade, por
ser ato eminentemente pessoal, não pode ser realizado por ou-
tra pessoa, ainda que ascendente do suposto pai.
Como ilustra Caio Mário, é incabível e inválido ato de re-
conhecimento em que figurou como declarante o avô, proclaman-
do a situação jurídica de um filho natural de filho seu. Não se
deve confundir esta situação com a possibilidade de um avô re-
conhecer um filho seu, pré-morto, admitindo, neste ato, o filho
deste como progênie sua. “Para que tal ocorra validamente, mis-
ter se faz tratar-se de filho legítimo ou de filho natural reconhe-
cido, o que não cabe é reconhecer diretamente o neto, suprindo a
declaração de vontade de quem é o pai”. 212
Além disso, como ato jurídico ou ato de vontade, o reco-
nhecimento pressupõe a capacidade do declarante, admitindo-
se, ainda, que o relativamente incapaz possa efetuar o reconhe-
cimento da paternidade, sem a assistência de quem quer que
seja, por via testamentária ou junto ao assento de nascimen-
to. 213
Quanto à natureza jurídica do reconhecimento voluntário,
diverge a doutrina, entendendo a maioria dos autores que se
trata de ato jurídico, com caráter declaratório, pois nasce de
uma realidade biológica.
Sustenta o mestre Caio Mário da Silva Pereira que o reco-
nhecimento de paternidade é ato jurídico “lato sensu, por via
do qual se evidencia a paternidade ou maternidade preexistente,
conferindo-lhe, então, a produtividade de seus efeitos, alguns
dos quais com caráter retroativo”. 214
O reconhecimento voluntário de paternidade tem atribu-
tos reconhecidos, dos quais podemos destacar os seguintes:

212 Op. cit., p. 63.


213 V. Caio Mário da Silva PEREIRA, op. cit., p. 63.
214 Op. cit., p. 60.
Capítulo III — Do Reconhecimento dos Filhos
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○ ○

irrevogabilidade, renunciabilidade, validade erga omnes,


indivisibilidade, incondicionalidade e retroatividade. 215

Art. 1.608. Quando a maternidade constar do ter-


mo do nascimento do filho, a mãe só poderá
contestá-la, provando a falsidade do termo, ou
das declarações nele contidas.
Direito anterior: Art. 356 do Código Civil.

O artigo 1.608 do novo Código Civil reproduz integralmente


o texto do artigo 356 do Código de 1916. Em face do princípio
mater semper certa est, etiam si vulgo conceperit, do termo de
nascimento poderá não constar o nome do pai, mas sempre de-
verá conter o nome da mãe, excetuando-se as situações de crian-
ças abandonadas, nas quais não se sabe a identificação mater-
na.
Por conseguinte, constando a maternidade do termo de nas-
cimento do filho, esta só poderá ser contestada através de ação
de contestação de maternidade, na qual se deve comprovar a
falsidade do termo ou das declarações nele contidas.
Atualmente, diante do avanço das técnicas de reprodução
assistida, surgem situações novas que o novo Código Civil, la-
mentavelmente, deixou de regulamentar, como, por exemplo, na
fertilização in vitro, em que a mulher teve embrião implantado,
utilizando-se, no procedimento, óvulo de outra mulher.
Como esclarece Eduardo de Oliveira Leite, a maternida-
de, nesta situação, é, biologicamente, uma maternidade “dividi-
da”:
“Face à sistemática do direito positivo brasileiro a mulher
que dá à luz é necessariamente — na concepção do legislador —
aquela que forneceu o óvulo; ela é mãe, ao mesmo tempo, pela
concepção e pela gestação; ela é gestatrix e genitrix retoman-
do as expressões empregadas por Cornu.

No direito atual, como é desejo do casal a quem foi feita a


doação, e de acordo com a vontade da doadora do óvulo, a mãe é
aquela que gerou a criança, porque é ela que tem o parto, é ela
que dá à luz. Nascida a criança, o registro de nascimento, que

215 V. Caio Mário da Silva PEREIRA, op. cit., p. 66-73.


222
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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serve para provar a filiação legítima, é estabelecido por uma


declaração do estado civil”. 216
E se a doadora do óvulo tentar reivindicar a maternidade,
respaldada na prova pelo teste de DNA, o qual indicaria a ma-
ternidade biológica da doadora do óvulo e não da mãe gestatrix?
O novo Código Civil preocupou-se em regulamentar a pre-
sunção de paternidade do marido nos casos de fertilização in
vitro heteróloga (v. art. 1.597, V, supra), mas silenciou no to-
cante à maternidade da mãe que gera o filho que não tem o seu
material biológico.
Tratando-se de fertilização in vitro heteróloga, na qual são
utilizados esperma e óvulo que não são do casal, embora a mu-
lher casada dê à luz um filho que biologicamente não é seu nem
de seu marido, entende-se que a presunção de paternidade que
milita em favor do marido também favorecerá o estabelecimen-
to da maternidade em favor da mulher gestatrix.
Eduardo de Oliveira Leite entende que “a doadora de óvu-
lo, quando doa a um casal, está abdicando voluntariamente de
sua maternidade jurídica, da mesma forma como quem entrega
uma criança para adoção está renunciando a todo e qualquer
direito de filiação até aquele momento existente”. 217
Nesta linha de raciocínio, seria possível invocar o parto
como determinador da verdadeira mãe? Como bem assinalou
Paolo Vercellone, 218 a situação é controvertida, pois, segundo as
leis atuais, a única mãe é aquela que pariu a criança, pois esta
só podia ser o resultado da evolução de um óvulo produzido pelo
próprio corpo daquela mulher.
Porém, tal pressuposto não mais é verdadeiro quando apre-
ciamos o problema da “mãe de substituição”, que possibilita a
um casal a “produção” de seu próprio filho biológico sem a ne-
cessidade de a mulher submeter-se a gravidez ou parto.
Nos Estados Unidos, a “locação” do útero em diversos ca-
sos concretos gerou significativos problemas que chegaram ao
Judiciário, com sérias repercussões.
No Brasil, a Resolução nº 1.358/92, do Conselho Federal
de Medicina, estabelece que as doadoras temporárias do útero

216 Op. cit., p. 396.


217 Op. cit., p. 397.
218 As Novas Famílias. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (org.). Direi-
tos de Família e do Menor. 3ª edição. Belo Horizonte: Del-Rey, 1993, p.
27-40.
Capítulo III — Do Reconhecimento dos Filhos
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223
○ ○

devem pertencer à família da doadora genética, num parentesco


até o 2º grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do
Conselho Regional de Medicina. Outrossim, a doação temporá-
ria do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial (Item
VII, 1 e 2). 219

Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos


fora do casamento é irrevogável e será feito:
I — No registro do nascimento;
II — Por escritura pública ou escrito particular,
a ser arquivado em cartório;
III — Por testamento, ainda que incidentalmente
manifestado;
IV — Por manifestação direta e expressa peran-
te o juiz, ainda que o reconhecimento não haja
sido objeto único e principal do ato que o con-
tém.
Parágrafo único. O reconhecimento pode prece-
der o nascimento do filho ou ser posterior ao
seu falecimento, se ele deixar descendentes.
Direito anterior: Art. 357, caput; art. 26 da Lei 8.069/90; art. 1º da
Lei 8.560/92.

Obs.: O artigo 357 foi revogado implicitamente pelo artigo 26 do


Estatuto da Criança e do Adolescente.

A relação jurídica paterno-filial fora do matrimônio só se


estabelece por ato de vontade do pai através do reconhecimento
voluntário ou forçado (judicial). Antes da Lei 8.560, de 29 de
dezembro de 1992, o reconhecimento voluntário de paternidade
só poderia ser implementado através da manifestação de vonta-
de formalizada, por meio de escritura pública ou testamento,
no termo do Registro Civil. Esta Lei, no seu artigo 1º, acrescen-
tou duas novas modalidades de reconhecimento de paternida-
de: mediante escrito particular e por manifestação expressa e
direta perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido
o objeto único e principal do ato que o contém.

219 Atenção para o uso indevido do termo doadora temporária do útero.


Não há doação do útero; na verdade, há recepção de embrião, logo a
“doadora temporária do útero” deveria ser denominada “receptora
temporária de embrião” até o nascimento a termo do feto.
224
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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O artigo 1.609, caput, do novo Código Civil reproduz inte-


gralmente o dispositivo supracitado (artigo 1º da lei 8.560/92).
J. M. Leoni Lopes de Oliveira esclarece que, na hipótese
do inciso II do artigo 1º da Lei 8.560/92 (escritura pública ou
escrito particular, a ser arquivado em cartório), “o reconheci-
mento produz todos os seus efeitos, independentemente de qual-
quer ato posterior. Isso ocorre porque o reconhecimento está cer-
cado de formalidades, como a escritura pública, ou por instru-
mento particular arquivado em cartório, em que se dá a inter-
venção de funcionário público, como o tabelião ou o oficial do
Registro Civil”. 220
Deve-se lembrar que o escrito particular já era admitido
pelo artigo 363 do Código Civil anterior como fundamento para
a ação de investigação de paternidade.
A Lei 8.560/92, que autorizou este tipo de reconhecimen-
to, determina o arquivamento do escrito particular. Marco Au-
rélio Sá Viana considera que o mencionado documento deverá
conter os mesmos requisitos exigidos para a escritura pública,
trazendo a qualificação do declarante e do filho. Segundo o au-
tor, é indispensável que a filiação “seja objeto específico do ins-
trumento, porque se perde muito em segurança e estabilidade, e
admitir perfilhação por esse meio, de modo incidente ou acessó-
rio, como se dá com a escritura pública, é ensejar manobras que
a lei não pretendeu” . 221

1. Reconhecimento do Nascituro

Como previsto no direito anterior, o novo Código autoriza


tanto o reconhecimento antecipado, desde que, nesta hipótese,
o filho já esteja concebido, quanto o póstumo, que se dá após o
falecimento do filho. É importante ressaltar que, nesta hipóte-
se, o reconhecimento tem efeito retroativo à concepção. 222
Tânia da Silva Pereira destaca a importância do tema:
“A proteção cada vez maior ao nascituro, já presente no
Código Civil, principalmente no que tange aos seus interesses

220 J. M. Leoni Lopes de OLIVEIRA. A nova lei de investigação de pater-


nidade. 4ª edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 1999, p. 220.
221 Da investigação de paternidade. Belo Horizonte: Del-Rey, 1994, p. 46.
222 Quanto à questão da adoção do nascituro, v. comentário ao art. 1.623
(item IV — nascituro), de Galdino Augusto Coelho Bordallo.
Capítulo III — Do Reconhecimento dos Filhos
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225
○ ○

patrimoniais, é hoje preocupação maior da Doutrina e dos tex-


tos legais.
Tendo a Constituição Federal declarado a inviolabilidade
do direito à vida (art. 5º – CF) e tendo o Estatuto assegurado à
gestante o atendimento pré e perinatal (art. 8º – ECA), não com-
porta mais discussão o direito a alimentos ao nascituro como
extensão do art. 397-CC e corroborado pelo art. 229-CF, da Lei
nº 5.478 de 25.07.1968 e do CPC, quando for o caso.
Merece, também, especial consideração o procedimento es-
pecial de averiguação oficiosa da paternidade prevista na Lei
nº 8.560/92, no art. 2º e parágrafos”. 223

2. Irrevogabilidade do Reconhecimento

Art. 1.610. O reconhecimento não pode ser revo-


gado, nem mesmo quando feito em testamento.
Direito anterior: Art. 1º, III, da Lei 8.560/92.

Um dos atributos do reconhecimento voluntário de filia-


ção é a irrevogabilidade, ou seja, uma vez pronunciada a decla-
ração volitiva de reconhecimento e transformada esta num ato
jurídico perfeito, não poderá o declarante tornar sem efeito a
declaração, revogando-a. Contudo, o reconhecimento é passível
de anulação, dentro das hipóteses que ensejam a invalidade
dos atos jurídicos.
É de se ponderar que o novo Código Civil perdeu a oportu-
nidade de suprir omissão já detectada no Código Civil anterior,
uma vez que não regulamentou especificamente as hipóteses
de nulidade ou anulabilidade do reconhecimento de filiação. Des-
ta forma, costuma-se aplicar, nas ações para invalidação do re-
conhecimento voluntário da paternidade, a teoria geral das nu-
lidades e anulabilidades dos atos jurídicos.
O professor Caio Mário da Silva Pereira destaca que “se o
reconhecimento é feito no assento de nascimento, prevalece des-
de logo, e somente perderá eficácia se vier a ser ele anulado. O
mesmo dir-se-á do que reveste a forma de ato autêntico”. 224

223 Direito da Criança e do Adolescente — Uma proposta interdisciplinar.


Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 436.
224 Caio Mário da Silva PEREIRA. Reconhecimento de paternidade e seus
efeitos. 5ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 66.
226
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Até o advento da Lei do Divórcio (Lei 6.515, de 26 de de-


zembro de 1977), a Doutrina se dividia acerca da possibilidade
de revogação de reconhecimento de paternidade feito através
de testamento, porque o testamento é um ato essencialmente
revogável. Caio Mário sintetiza as divergências doutrinárias
existentes na época ao informar que:
“A doutrina entendia que se devia distinguir: a) feita a
perfilhação em testamento público e revogado este vale o ato
como escritura pública de reconhecimento; b) efetuado, porém,
por forma particular ou cerrada, a revogação do testamento não
podia ter o préstimo de um reconhecimento formal. Valia, toda-
via, como escrito emanado do pai, hábil a instruir ação de in-
vestigação de paternidade. E isto porque o reconhecimento, na
hipótese, corre a sorte do testamento, somente produzindo as suas
conseqüências jurídicas após a morte do testador, submetido às
formalidades da abertura e publicação. Alguns autores, toda-
via, se insurgem contra esta tese, e argumentam que o testamen-
to é ato de última vontade, e portanto o reconhecimento que con-
tenha participa da sua natureza condicional e revogável, e não
produz efeito jurídico senão subordinado à morte do testador e
à vigência ao tempo desta”. 225

O artigo 51 da Lei do Divórcio pôs fim à controvérsia


supracitada, dispondo que “ainda na vigência do casamento,
qualquer dos cônjuges poderá reconhecer filho havido fora do
matrimônio, em testamento cerrado, aprovado antes ou depois
do nascimento do filho, e, nessa parte, irrevogável”. Este dispo-
sitivo deu nova redação ao artigo 1º da Lei 883/49.
Consagrou-se, desta forma, a doutrina defendida pelo pro-
fessor Caio Mário da Silva Pereira, pois se o testamento consti-
tui ato revogável, o reconhecimento não o é. Este último implica
confissão e esta, uma vez feita, é irretratável, salvo se inquinada
de vício ou defeito.
É de se ponderar que o artigo 51 da Lei do Divórcio refere-
se ao testamento cerrado, visto que, como mencionado anterior-
mente, o artigo 358 do Código Civil — que foi revogado expres-
samente pela Lei 7.841, de 17 de outubro de 1989 — vedava o
reconhecimento dos filhos adulterinos ou incestuosos.

225 Instituições do Direito civil, vol. V. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
1997, p. 192.
Capítulo III — Do Reconhecimento dos Filhos
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
227
○ ○

Com a imposição constitucional da não discriminação en-


tre filhos, eliminou-se qualquer impedimento para que o pai ou
a mãe, mesmo casados, promovam o reconhecimento voluntário
de filho havido fora do casamento.
Com o princípio da igualdade da filiação, não seria mais
lógica nem cabível a exigência do testamento cerrado para tal
finalidade, razão por que a Lei 8.560/92, no seu artigo 1º, III,
prevê que uma das modalidades do reconhecimento dos filhos é
através de qualquer espécie de testamento, ainda que o reco-
nhecimento seja manifestado incidentalmente.

Art. 1.611. O filho havido fora do casamento, reco-


nhecido por um dos cônjuges, não poderá residir
no lar conjugal sem o consentimento do outro.
Direito anterior: Art. 359 do Código Civil.

Obs.: O artigo 15 do Decreto-Lei 3.200, de 19.04.1941, comple-


mentou o artigo 359 pela forma seguinte: Art. 15 — se um
dos cônjuges negar consentimento para que resida no lar
conjugal o filho natural reconhecido do outro, caberá ao
pai ou à mãe, que o reconheceu, prestar-lhe, fora do seu
lar, inteira assistência, assim como alimentos correspon-
dentes à condição social em que viva, iguais aos que pres-
ta ao filho legítimo se o tiver.

O artigo 1.611 do novo Código Civil reproduz o artigo 359


do anterior, excluindo apenas a designação discriminatória “fi-
lho ilegítimo”, substituindo-a por filho havido fora do casamen-
to. Percebe-se que o escopo da norma continua sendo a preser-
vação da harmonia conjugal, fazendo a Lei mera concessão ao
filho que não é fruto daquele casamento, e sim de relação
extramatrimonial de um dos cônjuges. Tal concessão se justifi-
ca porque se permite ao genitor reconhecer o filho, não ficando
assegurado a este último, na hipótese de o cônjuge do
reconhecente não aceitar a presença da criança, o pleno direito
à convivência familiar previsto no artigo 227 da Constituição
Federal e regulamentado pelo Estatuto da Criança e do Adoles-
cente.
Fica claro, assim, lamentavelmente, que o valor prepon-
derante para o novo Código Civil, neste artigo, é a chamada “paz
conjugal”, privilegiando os mesmos valores tradicionais do Di-
228
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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reito de Família do início do século passado, em detrimento dos


superiores interesses da criança.
Neste diapasão, questiona-se, inclusive, a constitucionali-
dade do supracitado dispositivo legal, pois entende-se que con-
traria a doutrina jurídica da proteção integral da criança e do
adolescente, inserida no ordenamento jurídico brasileiro pela
Constituição Federal de 1988.

Art. 1.612. O filho reconhecido, enquanto menor, fi-


cará sob a guarda do genitor que o reconheceu, e,
se ambos o reconheceram e não houver acordo, sob
a de quem melhor atender aos interesses do menor.
Direito anterior: Art. 360 do Código Civil e art. 16 do Decreto-Lei
3.200/1941, alterado pela Lei 5.582/70.

O artigo 1.612 do novo Código Civil, no texto final, passou


a incluir o vocábulo guarda, em substituição às palavras poder
e autoridade, constantes das versões anteriores do Projeto, como
referência ao instituto pertinente à matéria versada no dispo-
sitivo.
O artigo 1.612 faz menção ao princípio do melhor interesse
da criança como orientador dos conflitos envolvendo guarda de
filhos menores.
Como esclarece, com muita propriedade, o professor Gus-
tavo Tepedino, o critério hermenêutico The best interests of the
child, do Direito anglo-saxão, tem conteúdo normativo específi-
co informado pela cláusula geral de tutela da pessoa humana
(art. 1º, III, da Constituição de 1988) e determinado especial-
mente no artigo 6º da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do
Adolescente). 226
O douto civilista ressalta que o legislador fixa como crité-
rio interpretativo de todo o Estatuto a tutela incondicionada da
formação da personalidade do menor, mesmo em detrimento da
vontade dos pais. Ressalta ainda que a criança e o adolescente
são chamados a participar com voz ativa na própria educação,
determinando a Lei um controle ostensivo dos pais e educadores

226 Art. 6° da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) — Na


interpretação desta lei, levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela
se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais
e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como
pessoas em desenvolvimento.
Capítulo III — Do Reconhecimento dos Filhos
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
229
○ ○

em geral, reprimindo não só os atos ilícitos, mas também os abu-


sos de direito. 227
Diante da enorme incidência de conflitos familiares, sepa-
rações e divórcios, a preservação dos direitos dos filhos, mesmo
diante das terríveis disputas entre os pais, é extremamente re-
levante.
O direito que os filhos têm de serem ouvidos e de terem
suas opiniões consideradas e respeitadas pelos pais foi objeto
de importante decisão do Supremo Tribunal Federal, cujo tre-
cho da ementa abaixo se transcreve:
“As paixões condenáveis dos genitores, decorrentes do tér-
mino litigioso da sociedade conjugal, não podem envolver os fi-
lhos menores, com prejuízo dos valores que lhes são assegura-
dos constitucionalmente. Em idade viabilizadora de razoável
compreensão dos conturbados caminhos de vida, assiste-lhes o
direito de serem ouvidos e de terem as opiniões consideradas
quanto à permanência nesta ou naquela localidade, neste ou na-
quele meio familiar, a fim e, por conseqüência, de permanece-
rem na companhia deste ou daquele ascendente, uma vez
inexistam motivos morais que afastem a razoabilidade da defi-
nição. Configura constrangimento ilegal a determinação no sen-
tido de, peremptoriamente, como se coisas fossem, voltarem a
determinada localidade, objetivando a permanência sob a guar-
da de um dos pais. O direito a esta não se sobrepõe ao dever que
o próprio titular tem de preservar a formação do menor, que a
letra do art. 227 da Constituição tem como alvo prioritário” (Ac.
2ª Turma — Supremo Tribunal Federal — HC nº 69.303, de
30.06.92 — Rel. Min. Néri da Silveira — DJU de 20.11.92, p.
21.612).

Deve-se ressaltar que a guarda compartilhada surge como


modalidade de guarda ainda pouco utilizada no Brasil, mas que
pode revelar-se extremamente valiosa, pois abre a possibilida-
de de se afastar do modelo onde os cônjuges são adversários
para aquele que privilegia a cooperação entre eles. Desta for-
ma, rompe-se com a idéia de disputa pela prole e de guarda como
posse. 228

227 A disciplina jurídica da filiação na perspectiva civil – constitucional.


In: Pereira, Rodrigo da Cunha (org.). Direito de Família Contemporâ-
neo. Belo Horizonte: Del-Rey, 1997, p. 574-575.
228 Para uma ampla análise sobre a guarda compartilhada, v. Sérgio
Eduardo NICK, Guarda compartilhada: um novo enfoque no cuidado
230
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Contudo, entendemos que, em algumas situações, a guar-


da compartilhada pode não ser indicada, como nos casos em que
os pais continuam vendo a disputa pela guarda dos filhos como
um espaço de conflito, e nos casos em que as crianças são muito
pequenas ou inseguras, necessitando de contexto mais estável.
É extremamente relevante o apoio da equipe interdisciplinar,
que vai orientar o magistrado e o Ministério Público, sugerindo
a solução que melhor contemple os interesses da criança.

Art. 1.613. São ineficazes a condição e o termo


apostos ao ato de reconhecimento do filho.
Direito anterior: Art. 361 do Código Civil.

O artigo 1.613 reproduz o artigo 361 do Código anterior,


que se refere a atributos do reconhecimento: a incondicio-
nalidade e a indivisibilidade.
O reconhecimento determina o estado de filho e, por isso,
é irrevogável e perpétuo, sem comportar condição de qualquer
espécie, resolutiva nem suspensiva. Não comporta, também, ter-
mo ou qualquer cláusula que venha a restringir ou alterar os
efeitos admitidos legalmente.

Art. 1.614. O filho maior não pode ser reconheci-


do sem o seu consentimento, e o menor pode im-
pugnar o reconhecimento, nos 4 (quatro) anos que
se seguirem à maioridade, ou à emancipação.
Direito anterior: Arts. 178, 9, VI, e 362 do Código Civil.

O Código Civil, assim como o anterior, filiou-se às legisla-


ções que não fazem do reconhecimento voluntário de paternida-
de um ato simplesmente unilateral, porque se exige o consenti-
mento da pessoa que se pretende reconhecer, se maior. Sendo

aos filhos de pais separados ou divorciados. In: BARRETO, Vicente


(org.). A nova família; problemas e perspectivas, p. 127-168. V. tam-
bém Eliana Riberti NAZARETH. Com quem eu fico, com papai ou com
mamãe? Considerações sobre a guarda compartilhada — Contribui-
ções da Psicanálise ao Direito de Família. In: Direito de Família e
Ciências Humanas — Caderno de Estudos nº 1. São Paulo: Editora
Jurídica Brasileira LTDA., 1997.
Capítulo III — Do Reconhecimento dos Filhos
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
231
○ ○

menor, aquele que foi reconhecido pode impugnar o reconheci-


mento alegando simplesmente não estar de acordo com ele, sem
necessidade de demonstrar sua falsidade ou qualquer outro ví-
cio.
Com base no artigo 27 do Estatuto da Criança e do Adoles-
cente, 229 jurisprudência recente da 4ª Turma do Superior Tribu-
nal de Justiça entendia que se aplicava o prazo decadencial pre-
visto nos artigos 362 e 178, § 9º, VI, do Código de 1916, apenas
se o direito do filho à impugnação do reconhecimento já estava
extinto quando do surgimento da nova legislação (Lei 8.069/90).
Contudo, nos demais casos, a 4ª Turma do Superior Tribu-
nal de Justiça pacificou o entendimento de que estariam revo-
gados os artigos supracitados do anterior Código Civil, que fi-
xavam em 04 (quatro) anos o prazo para propositura da ação de
impugnação ao reconhecimento, contados da maioridade ou da
emancipação do filho.
Neste sentido, trazemos à colação as seguintes decisões:
“EMENTA: Filiação. Legitimidade. Ação de investigação
de paternidade. Decadência da ação de impugnação no regime
anterior de 1998 e à Lei 8.069/1990, o filho que não impug-
nasse, no prazo de quatro anos, o reconhecimento da paterni-
dade — Legitimado que fora quando do casamento de sua mãe,
não poderia promover ação de investigação de paternidade con-
tra outrem. Precedentes do STJ. Recurso conhecido, pela di-
vergência, mas improvido, voto vencido. Decisão: por maioria,
vencido o Min. Fontes de Alencar, conhecer do recurso pelo
dissídio, mas lhe negar provimento”. (Resp 83685/MG; 4ª, Tur-
ma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, decisão de 18.12.1996 —
RSTJ, vol. 97, p. 271).

“EMENTA: Direitos de família e processual civil. Investi-


gação de paternidade cumulada com anulação de registro civil.
Regime anterior ao art. 27 do Estatuto da Criança e do Adoles-
cente. Decadência da ação de impugnação do reconhecimento.
Arts. 178, § 9º, VI, 348 E 362, CC. Orientação da Turma. Recur-
so provido. Segundo orientação que veio a ser adotada pela Tur-
ma, em face do Estatuto da Criança e do Adolescente tem-se por

229 Artigo 27 da Lei 8.069/90 — O reconhecimento do estado de filiação é


direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exer-
citado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, obser-
vado o segredo de justiça.
232
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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revogados os arts. 178, § 9º, VI e 362, do Código Civil, que fixa-


vam em quatro anos o prazo da ação de impugnação ao reconhe-
cimento, contado da maioridade ou da emancipação. Aplica-se,
no entanto, o prazo decadencial se o direito do filho de impug-
nar o reconhecimento já estava extinto quando do surgimento
da nova legislação. Vistos, relatados e discutidos estes autos,
acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de
Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a
seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provi-
mento. Votaram com o Relator os Ministros Barros Monteiro, César
Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Aldir Passarinho Júnior”
(Resp. 127638/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo
Teixeira, decisão de 26.10.1999 — RT, Vol.777, p. 220).

Mesmo diante da incidência do prazo decadencial previsto


no artigo 178, §9º, VI e 362 do Código Civil de 1916, admitia o
Superior Tribunal de Justiça que o filho, tanto o “legítimo” quan-
to o “natural”, pleiteasse, com fulcro na falsidade, a investiga-
ção de paternidade e a anulação do registro civil, sendo impres-
critíveis tais ações. Ademais a ação objetivando demonstrar a
falsidade do ato não se condiciona a que o reconhecido tenha
atingido maioridade ou sido emancipado. Neste sentido:
“EMENTA-Inicial-Inépcia-Alegação rejeitada. Hipótese em
que os fundamentos do pedido estão suficientemente expostos,
não se configurando qualquer prejuízo para o exercício da defe-
sa. Reconhecimento de paternidade — Menor — Impugnação. O
termo inicial fixado no artigo 362 do Codigo Civil refere-se à
impugnação ao reconhecimento facultada ao menor, após tor-
nar-se capaz, e que depende apenas de manifestação de sua von-
tade em recusar a perfilhação. O ajuizamento de ação,
objetivando demonstrar a falsidade do ato, não se condiciona a
que o reconhecido tenha atingido a maioridade ou sido emanci-
pado. Por unanimidade, não conhecer do recurso especial” (Resp.
44425/SP, 3ª Turma, Rel. Ministro Eduardo Ribeiro, decisão de
21.03.1995, DJ de 10/04/95, pg. 9.272).

Por derradeiro, é interessante observar que o artigo 1.614


do novo Código reproduz integralmente o artigo 362 da
Codificação de 1916. Neste aspecto, o novo Código não incorpo-
rou o entendimento jurisprudencial majoritário.
Capítulo III — Do Reconhecimento dos Filhos
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233
○ ○

Art. 1.615. Qualquer pessoa, que justo interes-


se tenha, pode contestar a ação de investiga-
ção de paternidade, ou maternidade.
Direito anterior: Art. 365 do Código Civil.

Maria Helena Diniz esclarece que o pedido de investiga-


ção de paternidade ou de maternidade movido contra o suposto
pai ou a suposta mãe poderá ser “impugnado por qualquer pes-
soa que tenha justo interesse econômico ou moral, como, por
exemplo, a mulher do réu, seus filhos matrimoniais ou não-
matrimoniais reconhecidos anteriormente, parentes sucessíveis
ou qualquer entidade obrigada ao pagamento de pensão aos her-
deiros do réu ou da ré”. 230
Atualmente, o entendimento doutrinário e jurisprudencial
majoritário dá-se no sentido de que a ação de investigação de
paternidade-maternidade terá como réu o suposto pai ou os seus
herdeiros e não o espólio. Neste sentido, já se pronunciou o Su-
perior Tribunal de Justiça:
“Ação de investigação de paternidade. Falecido o que se
pretende seja o pai, como réus deverão figurar os herdeiros e
não o espólio” (Relator Min. Eduardo Ribeiro, Revista do Supe-
rior Tribunal de Justiça, vol. 26, ano 3, p. 407).

J. M. Leoni Lopes de Oliveira aborda questão interessan-


te que se apresenta quando, na ação de investigação de paterni-
dade, o suposto pai é falecido e todos os herdeiros renunciaram
à herança:
“O Direito francês, (...), prevê a hipótese, resolvendo que
nesse caso a ação será proposta em face do Estado; ‘L´action en
recherche de paternité est exercée contre le père prétendu ou
contre sés hérirties; si les hérirties ont renoncé à la succession,
contre l´État” (art. 340-3, CCF).
No Direito brasileiro, não temos norma regulamentando a
questão. Todavia, somos de opinião que na hipótese de todos os
herdeiros terem renunciado à herança, ainda assim, a ação deve
ser proposta em face dos herdeiros renunciantes. A investigação
de paternidade, como visto, é ação de estado, e não ação que
vise bens da herança do investigado. Ora, os herdeiros renunci-

230 Código Civil Anotado. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 332.
234
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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antes, apesar de terem renunciado à herança, podem ter inte-


resse em contestar a ação de investigação de paternidade, que
tem como efeito, caso o pedido seja julgado procedente, outros
que os simplesmente patrimoniais, como, por exemplo, o nome
de família”. 231

Art. 1.616. A sentença que julgar procedente a


ação de investigação produzirá os mesmos efei-
tos do reconhecimento; mas poderá ordenar que
o filho se crie e eduque fora da companhia dos
pais ou daquele que lhe contestou essa quali-
dade.
Direito Anterior: Art. 366 do Código Civil.

As ações de investigação de paternidade são ações


declaratórias, pois visam a estabelecer a relação jurídica da
paternidade do filho, afirmando a existência de um estado de
filiação.
Como alerta o Professor Caio Mário da Silva Pereira:
“Mas a ação de investigação de paternidade considerada
em si, investigação simples, é puramente declaratória, visa a
acertar a relação jurídica da paternidade do filho, afirmar a
existência de uma condição ou estado, sem constituir para o autor
nenhum direito novo, nem condenar o réu a uma prestação. Nem
ao menos seu objeto será compelir o réu a admitir a relação jurí-
dica da paternidade, porque, declarada por sentença esta rela-
ção, o estado de filho fica estabelecido erga omnes, não depen-
dendo de execução o dever de admiti-lo o réu. Este terá reconhe-
cido o estado do filho apenas, independentemente de sua vonta-
de, porque, uma vez declarado o estado de filho, com a proce-
dência da ação, a relação jurídica da filiação importa o modo
particular da existência civil do autor, que ele adquire adversus
omnes, e inter omnes está o réu, vencido na ação.
(...)
Nunca será demais repetir que, na ação de investigação de
paternidade, cumpre dissociar o estado que se declara, da con-
seqüência patrimonial que se persegue”. 232
É de se ponderar que a ação de investigação de paternida-

231 Op. cit., p. 132-133.


Capítulo III — Do Reconhecimento dos Filhos
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235
○ ○

de costuma ser cumulada com ações patrimoniais de alimentos


ou petição de herança. Verifica-se, nesta cumulação, duplo ca-
ráter: declaratório e condenatório, porque seu objeto, além da
declaração da existência de uma relação de parentesco (ação de
estado), é a pretensão à condenação do réu numa prestação.
Como bem assinala o Mestre Caio Mário, “quer se trate de
reconhecimento espontâneo quer se trate de reconhecimento com-
pulsório, um e outro visam à declaração da paternidade, ao
acertamento da relação jurídica da paternidade, à fixação do
estado de filiação jurídica, ou seja, à legalização de uma situa-
ção de fato anterior”. 233
Outrossim, quanto à parte final do artigo 1.616, também
deve ser observado o princípio do melhor interesse da cri-
ança (v. comentário ao artigo 1.612 supra), a fim de que a cri-
ança fique sob a guarda de quem melhor puder atender às suas
necessidades (emocionais e físicas).

Art. 1.617. A filiação materna ou paterna pode


resultar de casamento nulo, ainda mesmo sem
as condições do putativo.
Direito anterior: Art. 367 do Código Civil.

A manutenção, pelo novo Código (art. 1.617), do disposto


no artigo 367 do Código Civil de 1916 indica que o legislador
ainda não incorporou à nova legislação o princípio, extraído da
Constituição, da desvinculação do estado de filho do estado ci-
vil dos pais.
Como bem observou a ilustre Professora Heloísa Helena
Barboza, no sistema do Código Civil anterior, “a situação jurí-
dica dos pais, especialmente seu estado civil, era determinante
do status de filho”, o que gerava inúmeros prejuízos para o filho
que não fosse oriundo do casamento (filho ilegítimo). Ressalta a
douta civilista que, com a nova ordem constitucional, “a situa-
ção jurídica dos pais deixou de ser pressuposto determinante da
filiação (...). Em outras palavras, a relação pais/filhos não mais
está contida no relacionamento, a qualquer título entre os pais,

232 Reconhecimento de paternidade e seus efeitos. 5ª ed. Rio de Janeiro:


Forense, 1997, p. 53.
233 Op. cit., p. 57.
236
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

e os deveres que esses têm perante os filhos não mais decorrem


de um relacionamento”. 234
Deve-se enfatizar que a Constituição, no seu artigo 229,
estabelece que os pais têm o dever de assistir, criar e edu-
car os filhos menores; os filhos maiores têm o dever de ajudar
e amparar os pais na velhice, na carência ou na enfermidade.
Conclui-se, portanto, que o artigo 1.617 não tem razão de
ser no novo panorama jurídico aqui apreciado, uma vez que tal
norma tinha pertinência no sistema do Código Civil anterior,
quando ainda existente a presunção de legitimidade, que foi
suprimida pelo princípio da igualdade da filiação (art. 227, § 6º,
da Carta Magna).

234 O Estatuto da Criança e do Adolescente e a disciplina da filiação no


Código Civil. In: Tânia da Silva PEREIRA (org.). O Melhor Interesse
da Criança: um debate interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1999,
p.118-120.
Capítulo IV — Da Adoção
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
237
○ ○

Capítulo IV
DA ADOÇÃO

Galdino Augusto Coelho Bordallo


Promotor de Justiça Titular da 2ª Promotoria de Infância e Juventude
da Comarca de Duque de Caxias — Estado do Rio de Janeiro

Art. 1.618. Só a pessoa maior de 18 (dezoito)


anos pode adotar.
Parágrafo único. A adoção por ambos os cônju-
ges ou conviventes poderá ser formalizada, des-
de que um deles tenha completado dezoito anos
de idade, comprovada a estabilidade da família.
Direito anterior: Art. 368, CC de 1916, e art. 42, caput e § 2º do
Estatuto da Criança e do Adolescente.

1. Conceito e Natureza Jurídica

O termo adoção se origina do latim, de adoptio, significan-


do em nossa língua, na expressão corrente, tomar alguém como
filho.
Juridicamente, a adoção tem recebido da doutrina concei-
to diversificado, fugindo ao âmbito deste trabalho discussão so-
bre tal diversidade. Arnoldo Wald 235 conceitua a adoção como um
ato jurídico bilateral que gera laços de paternidade e filiação
entre pessoas para as quais tal relação inexiste naturalmente.
De Plácido e Silva 236 a conceitua como ato jurídico, solene, pelo

235 Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. IV, pág. 183, 8ª ed. revista e
ampliada e atualizada com a colaboração de Luiz Murillo Fábregas,
RT, São Paulo, 1991.
236 Vocabulário jurídico, p. 40, 16ª ed., atualizada por Nagib Slaibi Filho
e Geraldo Magela Alves, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1999.
237
238
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

qual uma pessoa, maior de vinte e um anos, adota como filho


outra pessoa que seja, pelo menos, dezesseis anos mais moça que
ela.
Em obra sobre o Direito da Criança e do Adolescente, José
de Faria Tavares 237 conceitua o instituto como ato judicial com-
plexo (...) que transforma, por ficção jurídica, sob total discri-
ção, um estranho em filho do adotante, para todos os fins de
direito e para sempre.
Todos os conceitos, porém, por mais diversos, confluem para
um ponto comum: a criação de vínculo jurídico de filiação. Nin-
guém discorda, portanto, de que a adoção confere a alguém o
estado de filho. A esta modalidade de filiação dá-se o nome de
parentesco civil, pois desvinculado do laço de consangüinidade,
sendo parentesco constituído pela lei, que cria uma nova situa-
ção jurídica, uma nova relação de filiação.
Com relação à natureza jurídica da adoção, também a dou-
trina traz posições distintas. Há cinco correntes que tentam
explicar a natureza jurídica da adoção. A primeira corrente de-
fende a adoção como uma instituição; a segunda entende a ado-
ção como um ato jurídico; a terceira corrente explica a adoção
como um ato de natureza híbrida; a quarta corrente vê na ado-
ção um contrato; a quinta corrente conceitua a adoção como um
ato complexo.
Em face da dimensão deste trabalho, que não comporta
que se discorra sobre as correntes acima mencionadas, referir-
se-á a apenas duas delas. 238 A primeira corrente, que alude à
natureza contratual da adoção, foi defendida pela maioria da
doutrina civilista no século XIX. Nela se justifica a natureza
contratual da adoção por encerrar, em sua formação, a manifes-
tação de vontade das pessoas envolvidas. Esta corrente ampa-
rou o texto do Código Civil Brasileiro de 1916. Foi abandonada,
por não se enquadrar na concepção moderna de contrato, já que
a adoção não admite a liberdade na estipulação de seus efeitos

237 Direito da Infância e da Juventude, p. 149, ed. Del Rey, Belo Horizon-
te, 2001.
238 Sobre as cinco correntes mencionadas, remetemos ao excelente traba-
lho sobre adoção, dissertação de mestrado de Patrícia Silveira Tavares,
ainda inédito, p. 15-17, intitulado A Adoção após a Constituição Fe-
deral de 1988, aprovada pela banca examinadora em 19 de abril de
2002. Por todos, Chaves, Antônio, Da Adoção, p. 29-31, Del Rey, Belo
Horizonte, 1995, discorre sobre as correntes doutrinárias sobre a na-
tureza jurídica da adoção.
Capítulo IV — Da Adoção
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
239
○ ○

e por não possuir conteúdo essencialmente econômico, caracte-


rísticas inerentes à conceituação hodierna do contrato.
A segunda vê a adoção como ato complexo. 239 Para sua for-
malização, a adoção passará por dois momentos: o primeiro, de
natureza negocial, onde haverá a manifestação das partes inte-
ressadas, afirmando quererem a adoção; um segundo momento,
onde haverá a intervenção do Estado, que verificará da conve-
niência, ou não, da adoção. O primeiro momento se dá na fase
postulatória da adoção, enquanto que o segundo se dará ao fim
da fase instrutória do processo judicial, com a prolação da sen-
tença. Para que se consume e se aperfeiçoe a adoção, se fará
necessária a manifestação da vontade do adotante, do adotando
e do Estado.
Esta é, a nosso ver, a melhor corrente.

2. Evolução

O instituto da adoção teve expressiva evolução, desde os


seus primórdios, no Direito Ancião, até os dias de hoje.
A adoção existe desde as civilizações mais remotas, com a
finalidade de dar filhos a quem não podia tê-los, a fim de que a
religião da família fosse perpetuada. Encontramos menção a ela,
por exemplo, nos Códigos de Hamurábi, Manu, 240 no Deutero-
nômio, na Grécia Antiga e em Roma, onde o instituto teve seu
apogeu.
Era empregada com o intuito de manter os cultos domésti-
cos, pois as civilizações mais remotas entendiam que os mortos
deviam ser cultuados por seus descendentes, a fim de que sua
memória fosse honrada. Assim, aquele que não tivesse filhos e
isto acarretasse o risco da extinção da família poderia adotar.
No direito romano, a adoção teve seu ápice, vindo a ser
mais bem disciplinada. Os romanos, além da função religiosa,
davam à adoção papel de natureza familiar, política e econômi-
ca. Na Roma antiga, aquele que entrava para uma nova família

239 Adotam esta posição, entre outros: Tavares, José de Faria, ob. cit.;
Oliveira, J. M. Leoni Lopes de, Guarda, Tutela e Adoção, p. 151/2, 4ª
ed., Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2001.
240 Aquele a quem a natureza não deu filhos pode adotar um, para que
não cessem as cerimônias fúnebres, Código de Manu, IX, 10, citado
por Fustel de Coulanges, em A Cidade Antiga, p. 50, 4ª ed., Martins
Fontes, São Paulo, 1998.
240
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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tinha rompido o vínculo com a família anterior, passando a ser


um estranho para esta. 241
Sua existência foi ameaçada durante o período da Idade
Média, pois as regras da adoção iam de encontro aos interesses
reinantes naquele período, pois se a pessoa morresse sem her-
deiros, seus bens seriam herdados pelos senhores feudais ou pela
Igreja. Foi nesta época escassamente praticada, sendo utiliza-
da como um instrumento cristão de paternidade e de proteção,
sendo que quase nenhum direito era conferido ao adotado.
Retornou às legislações no Direito Moderno, com a elabo-
ração do Código de Napoleão, em França, em 1804. Napoleão foi
um dos defensores da inserção da adoção no Código Civil então
em elaboração, pois como não conseguia ter filhos com sua Im-
peratriz, pensava em adotar. Após o advento do Código de
Napoleão, o instituto da adoção voltou a inserir-se em todos os
diplomas legais ocidentais, haja vista a grande influência do
Código Francês nas legislações modernas dos demais países.
Com seu retorno aos textos legais, a adoção transformou-
se em mecanismo para dar filhos a quem não podia tê-los. Com
o passar dos tempos, seu sentido se alterou, passando, nos dias
de hoje, a significar o dar uma família a quem não a possui.
Podemos efetivamente afirmar que a adoção evoluiu de um ca-
ráter potestativo para um caráter assistencialista.
Em nosso país, a adoção sempre foi prevista em lei. Existia
nas Ordenações Filipinas, que vigeram em nossa terra após a
Independência.
O Código Civil de 1916 previu a adoção nos seus arts. 368
a 378, localizados no Título V (Relações de Parentesco), Livro I
(Do Direito de Família), da Parte Especial.
Em 08 de maio de 1957, a Lei nº 3.133 veio alterar o Códi-
go Civil, a fim de atualizar o instituto e fazer com que este ti-
vesse maior aplicabilidade. Em 02 de junho de 1965, foi pro-
mulgada a Lei nº 4.655, que veio atribuir nova feição à adoção,
fazendo com que os adotados passassem a ter integração mais
ampla com a família (trata-se da legitimação adotiva).
Com o advento do Código de Menores (Lei nº 6.697/79), fi-
cou estabelecida em nosso sistema legal a adoção simples e a
adoção plena. A adoção simples era aplicada aos menores de 18
anos, em situação irregular, aplicando-se os dispositivos do Có-

241 Conforme Fustel de Coulanges, ob. cit., p. 51.


Capítulo IV — Da Adoção
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241
○ ○

digo Civil no que fossem pertinentes, sendo realizada através


de escritura pública. A adoção plena era aplicada aos menores
de 07 anos de idade, mediante procedimento judicial, tendo ca-
ráter assistencial, vindo a substituir a figura da legitimação
adotiva. Havia, ainda, a figura da adoção dos maiores de 18
anos de idade, que se regia pelas regras do Código Civil.
A Constituição Federal de 1988 trouxe nova roupagem para
o Direito de Família, e, conseqüentemente, para a adoção. Em
decorrência desta nova disciplina da matéria, surge a Lei nº
8.069, de 13 de julho de 1990 — Estatuto da Criança e do Ado-
lescente, que traz, em seu bojo, nova sistemática para a adoção
de crianças e de adolescentes. Passa-se a ter dois regramentos:
a adoção regida pelo ECA, restrita a crianças e adolescentes e
promovida judicialmente e a adoção de maiores de 18 anos, re-
gulada pelo Código Civil e instrumentalizada através de escri-
tura pública.

3. A Constituição Federal

A interpretação e aplicação do Direito Civil não pode ser


realizada apartada do texto constitucional.
Deve considerar-se que não se pode ter o Código Civil como
fonte única do Direito Civil, como no início da vigência da
Codificação de 1916, naquela época reputado o único diploma
legal a tutelar as relações de direito privado, qual uma Consti-
tuição do direito privado, tudo na esteira da concepção indivi-
dualista em voga no séc. XIX.
Com o passar do tempo, com a modificação das relações
sociais, verificou-se maior intervenção estatal na economia e,
conseqüentemente, nas relações privadas. Leis extravagantes
começaram a ser elaboradas para que a Sociedade pudesse se
reequilibrar. Assim, o Código Civil perdeu sua condição de ex-
clusivo regulador das relações sociais privadas, passando a os-
tentar abrangência cada vez menor e leis extravagantes, de iní-
cio consideradas leis de emergência, adquiriram preponderân-
cia.
Um segundo momento se deu no desenvolvimento do Di-
reito Civil, quando os textos constitucionais passaram, pouco a
pouco, a definir princípios relacionados a temas ligados ao di-
reito privado. Assim, matérias como a função social da proprie-
dade, a organização da família, dentre outros, passaram a figu-
242
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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rar nos textos das Constituições modernas, integrando o que


passou a chamar-se nova ordem pública constitucional. 242
Com este novo enfoque, com esta nova sistemática, que,
em nosso Direito, se iniciou com a Constituição Federal de 1946,
faz-se necessária releitura da legislação civil, principalmente
do Código Civil, à luz destes novos princípios constitucionais.
A Constituição Federal de 1988 trouxe, no Título VIII,
Capítulo VII, regras concernentes ao Direito de Família, regu-
lando a estrutura da entidade familiar, sua proteção, bem como
a proteção à pessoa dos filhos. Dispôs, desta forma, nos arts.
226 a 230, acerca dos princípios básicos que regulam o Direito
de Família, não se podendo interpretar as regras da legislação
ordinária e nem serem elaboradas novas leis, sem que se esta-
beleça cotejo e adaptação ao texto constitucional, para que não
haja discrepância com a Lei Maior. Neste sentido, a lição de
Gustavo Tepedino: 243
Pode-se dizer, portanto, que na atividade interpretativa o
civilista deve superar alguns graves preconceitos, que o afastam
de uma perspectiva civil-constitucional. Em primeiro lugar, não
se pode imaginar, no âmbito do direito civil, que os princípios
constitucionais sejam apenas princípios políticos. Há que se eli-
minar do vocabulário jurídico a expressão “carta política”, por-
que suscita uma perigosa leitura que acaba por relegar a Cons-
tituição a um programa longínquo de ação, destituindo-a de seu
papel unificador do direito privado.

Com a nova sistemática constitucional, houve mudança


mais do que significativa com referência à hipótese de coloca-
ção dos filhos no seio da família. No sistema anterior à Consti-
tuição Federal de 1988, os filhos pertenciam às famílias, sem
que tivessem qualquer direito, pois, na hierarquia familiar, fi-
cavam em plano inferior. Na nova sistemática, com a consagra-
ção do princípio da igualdade trazido para a família, combinado
com o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana
(art. 1º, III, da Constituição Federal), a família se torna insti-

242 No sentido do texto, esclarecendo como se deu a evolução do Direito


Civil, até se chegar à fase do Direito Civil Constitucional, remetemos
ao trabalho de Gustavo Tepedino, Premissas Metodológicas para a
Constitucionalização do Direito Civil, in Temas de Direito Civil, ed.
Renovar, Rio de Janeiro, 1999.
243 Ob. cit., p. 17/18.
Capítulo IV — Da Adoção
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○ ○

tuição democrática, deixando de ser encarada sob o prisma pa-


trimonial e passando a receber enfoque social, o que se denomi-
na despatrimonialização da família. Isto faz com que os filhos
passem a ser tratados como membros participativos da família,
tornando-se titulares de direitos. O filho passa a ser o centro de
atenção da família e, no dizer de Gustavo Tepedino,244 no que
tange à filiação, o extenso conjunto de preceitos reguladores do
regime patrimonial passa a ser informado pela prioridade ab-
soluta à pessoa dos filhos.
Por ser uma forma de filiação, criando um parentesco
eletivo, a adoção também foi alcançada pela nova sistemática
constitucional, passando a ser tutelada pelos princípios antes
referidos. Em decorrência, o filho adotivo passa a ser tratado
sem nenhuma distinção do filho biológico, pois o regime atual
faz com que não haja mais nenhuma “sanção” a ser aplicada
àquele filho que não se origina da procriação dentro do casa-
mento.

4. O Novo Código Civil e a Legislação Extravagante

Com a defasagem do texto constante do Código Civil de


1916, surge legislação especializada, reflexo das alterações tra-
zidas pelo texto constitucional. Estas normas extravagantes
exibem o sinal da intervenção do legislador em todos os setores
da vida social. São normas que, ao revés de se limitarem a re-
gular aspectos especiais de certos temas, os disciplinam de for-

244 A Disciplina Jurídica da Filiação na Perspectiva Civil-Constitucio-


nal, in Temas de Direito Civil, p. 553, Renovar, Rio de Janeiro, 1999.
Ao tratar das relações de parentesco e enfocá-las em consonância com
a nova sistemática constitucional, Guilherme Calmon Nogueira da
Gama ensina que: As relações familiares, portanto, são funcio-
nalizadas em razão da dignidade de cada partícipe. A efetividade das
normas constitucionais implica a defesa das instituições sociais que
cumpram o seu papel maior. A dignidade da pessoa humana, colocada
no ápice do ordenamento jurídico, encontra na família o solo apropri-
ado para seu enraizamento e desenvolvimento; daí a ordem constitu-
cional dirigida ao Estado no sentido de dar especial e efetiva proteção
à família, independentemente de sua espécie (Das Relações de Paren-
tesco, in Direito de Família e o Novo Código Civil, p. 85, coord. Maria
Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira, Del-Rey, Belo Horizonte,
2001).
244
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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ma integral. É a denominada era dos estatutos, 245 que prosperou


a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988.
Uma das representações infraconstitucionais das normas
e princípios na Lei Maior é o Estatuto da Criança e do Adoles-
cente — Lei nº 8.069/90. Seu texto regula, de forma sistemática
e exaustiva, as regras de proteção a estas pessoas em formação,
trazendo regramento que, seguindo a esteira constitucional, de-
mocratiza a família, deixando de ser instituição hierarquizada.
Temos agora novo Código Civil, Lei nº 10.406, de 10 de ja-
neiro de 2002, que vem regulamentar todo o direito privado.
Dado o tempo de tramitação do anteprojeto, iniciado em 1975,
inúmeras modificações se impuseram, a fim de adequá-lo à nova
sistemática constitucional.
Há que verificar-se qual o papel deste novo texto no siste-
ma legislativo brasileiro. Como vem a substituir o Código Civil
de 1916, figurará como constituição do direito privado? Não vi-
vemos mais numa sociedade individualista como a existente nos
fins do séc. XIX e início do séc. XX. É impossível que o Novo
Código Civil queira ter a pretensão de trazer em seu bojo integral
regulamentação do direito privado, sob pena de virmos a ter
grande retrocesso nas conquistas alcançadas no último lustro.
Não se deve temer que o Novo Código Civil queira ser a
única lei a regular as relações jurídicas privadas, pois como se
verifica pela exposição de motivos do mesmo, temos que
compreendê-lo como lei básica, mas não global, do direito priva-
do. 246 Ainda na exposição de motivos, é dito que não há, pois,
que se falar em unificação do Direito Privado a não ser em suas
matrizes, isto é, com referência aos institutos básicos, pois nada
impede que do tronco comum se alonguem e desdobrem, sem se
desprenderem ramos normativos específicos, que, com aquelas
matrizes, continuam a compor o sistema científico do Direito
Civil ou Comercial. 247
Se não bastassem os argumentos constantes da própria ex-
posição de motivos, ao se examinarem as justificativas das emen-
das dos parlamentares, mais especificamente em relação ao pre-

245 Tepedino, Gustavo. Premissas Metodológicas..., cit., p. 08.


246 Exposição de Motivos do Senhor Ministro de Estado da Justiça, in
Novo Código Civil, Exposição de Motivos e Texto Sancionado, p. 19,
Ed. Senado Federal, Brasília, 2002.
247 Ob. cit., Exposição de Motivos do Senhor Ministro de Estado da Justi-
ça, p. 33.
Capítulo IV — Da Adoção
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245
○ ○

sente tema, verifica-se que as alterações foram propostas e in-


cluídas no texto em comento a fim de adaptá-lo ao Estatuto da
Criança e do Adolescente. O legislador, partindo de sua visão
de que as leis extravagantes se revelavam bastante adequadas
ao fim a que se propunham, disciplinando de modo satisfatório
temas polêmicos, em especial a adoção, cuidou de usar os prin-
cípios constantes de tais diplomas legais como fundamento aos
artigos do Novo Código Civil.
Assim, o Novo Código Civil, por não ter a pretensão de re-
gular todo o direito privado, deverá conviver pacificamente com
toda a legislação extravagante existente, desde que esta não lhe
seja contrária.
Desta forma, o melhor entendimento é o de que o Estatuto
da Criança e do Adolescente continua em vigor.
Considerando que, no que toca à regulamentação da ado-
ção, o Estatuto da Criança e do Adolescente é mais minucioso
do que o Novo Código Civil e que ambos continuarão vigendo
simultaneamente, de forma complementar, prevalecerão as nor-
mas estatutárias sempre que omissas a esse respeito as novas
regras do Código Civil.

5. Maior de 18 Anos

O artigo 5º do Novo Código Civil dispõe que a menoridade


cessa aos 18 anos. Assim, é esta, ou seja, a maioridade do
adotante, a condição quanto à pessoa exigida pelo caput do arti-
go em comento.
Nem sempre foi assim.
Na primeira redação do art. 368 do CC de 1916, a idade
mínima para se adotar era de 50 anos. Com o advento da Lei nº
3.133/57, que veio a adaptar o instituto da adoção aos novos
tempos, foi alterado o texto do art. 368, passando tal idade a
ser de 30 anos. O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu
art. 42, disciplina que os maiores de 21 anos podem adotar.
Agora, o novo texto legal passa a dispor de forma coerente
com o ECA, abrindo a todos que atingem a maioridade a facul-
dade de adotar. A regra preserva a concepção do legislador ao
elaborar o ECA, pois 21 anos era, sob a égide do Código Civil de
1916, o termo inicial da maioridade, i.e., a plena capacidade para
a prática dos atos da vida civil. Em decorrência da nova regra,
encontra-se derrogado o art. 42 da Lei nº 8.069/90, no que con-
cerne à idade mínima para se adotar.
246
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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A pessoa natural, aos 18 anos, pode livremente praticar


todos os atos da vida civil. Assim, nenhum empecilho há em que
possa adotar. Estes os argumentos que militam em prol da fixa-
ção da nova idade, a toda evidência, corretos.
Não há, porém, qualquer obrigatoriedade em observar-se
o critério aqui exposto. Nem sempre se deve permitir que, ape-
nas por ter atingido a maioridade, possa uma pessoa praticar
alguns atos da vida civil. Entre estes casos figura a adoção.
Terá uma pessoa, com 18 anos de idade, amadurecimento
para adotar criança com, no máximo, dois anos de idade, já que
há de ser respeitada a regra do art. 1.619, do NCC? Terá a mes-
ma pessoa vida suficientemente estabilizada, como exige a re-
gra do parágrafo único do artigo em comento? A situação atual
do País e do jovem brasileiro de 18 anos evidenciam que não.
Na adoção, como em qualquer outro instituto do Direito
de Família, não se pode aplicar cega e friamente a Lei, devendo
o operador do Direito manejá-la tendo em mira os fins a que se
destina. A adoção tem finalidade assistencial: dar uma família
a quem não a possui.
O fato de que uma pessoa com 18 anos de idade pode vir a
ter um filho não é fundamento lógico para que seja permitido
que adote. Um filho natural pode surgir sem que seja progra-
mada a sua concepção, como sói acontecer na maioria esmaga-
dora das situações, principalmente entre os jovens. A gravidez
e o nascimento de um filho são um “acidente” de percurso e,
mesmo irresponsáveis, os pais têm que cuidar de seu filho e,
quando não, os avós o fazem.
O simples fato da procriação não significa que haverá um
cuidado efetivo para com o filho concebido, se não não teríamos
nenhuma criança ou adolescente abandonado.
Totalmente diferente da biológica, a adoção é uma modali-
dade de assunção de paternidade que, obviamente, não decorre
do acaso. É paternidade extremamente responsável, pois esco-
lhida, pensada, amadurecida, muitas vezes por longo período.
Representa o maior exemplo da paternidade socioafetiva, aque-
la que se reveste de maior autenticidade e, por isso, verdadeira
na mais significativa acepção do termo. Nas palavras de Rodrigo
da Cunha Pereira, 248 a verdadeira paternidade é a adotiva e está

248 Pai, por que me abandonastes?, in O Melhor Interesse da Criança: um


debate Interdisciplinar, Coord. Tânia da Silva Pereira, p. 580, Reno-
var, Rio de Janeiro, 2000.
Capítulo IV — Da Adoção
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○ ○

ligada à função, escolha, enfim, ao desejo. Só uma pessoa ver-


dadeiramente amadurecida terá condições de adotar, de fazer
esta escolha, de ter um filho do coração.
Não haverá, provavelmente, processo de adoção em que o
autor tenha apenas 18 anos de idade, já que não ostentará os
requisitos da Lei. Melhor teria andado o legislador se tivesse
fixado idade mais elevada para habilitação à adoção.
O parágrafo único do artigo em análise permite a adoção
pelos cônjuges ou companheiros, desde que um deles tenha al-
cançado a idade de 18 anos e comprovem a estabilidade da fa-
mília. Da mesma forma que o caput, o parágrafo é regra de qua-
se impossível aplicação.
O que se entenderá por estabilidade da família? Será fi-
nanceira ou referente ao relacionamento entre os membros da
família adotante, para que se comprove se esta última é forte,
sólida e duradoura? E como se avaliará que a união é sólida?
Qual o tempo mínimo de convivência que se exigirá para que se
tenha demonstrada a estabilidade?
Não se pode trabalhar com regras prontas, pois o Direito
não é ciência exata. Para que se afira a estabilidade de uma
relação familiar, necessária avaliação individualizada.
Certo é que a situação financeira do(s) adotante(s) não é
fator decisivo para a verificação da possibilidade de efetivar-se
a adoção, pois não adianta a inserção de alguém em família subs-
tituta de confortável situação financeira, se nenhum afeto, ne-
nhum amor for transmitido ao novo filho.
Para a avaliação da estabilidade familiar, é imprescindí-
vel a atuação da equipe interprofissional, a fim de que venham
a colher-se subsídios que possam indicar a existência desta cor-
reta exigência legal.
Com relação a casais de tenra idade, com um ou ambos os
cônjuges ainda adolescentes, verifica-se, com base no trabalho
diário com ações de adoção, que será impossível comprovar-se a
estabilidade da família.

Art. 1.619. O adotante há de ser pelo menos 16


(dezesseis) anos mais velho que o adotado.
Direito anterior: Art. 369, CC de 1916, e art. 42 § 3º do Estatuto
da Criança e do Adolescente.

Tal regra impõe diferença de idade que tem o escopo de


conferir cunho biológico à família civil que está sendo cons-
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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tituída, já que a substituta há que ser semelhante e mesmo idên-


tica à família biológica. Destaque-se o caráter peremptório da
norma, cuja inobservância implicará o indeferimento do pedido
de adoção.
Este comando já constava do corpo do Código Civil de 1916,
permanecendo no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Carvalho Santos, 249 ao comentar o texto original do art. 369
do Código Civil de 1916, afirma que a diferença é essencial para
a ilusão da paternidade ou maternidade.
A diferença de dezesseis anos entre adotante e adotado
evitará que se confundam os limites que há entre o amor essen-
cialmente filial e paterno em relação àquele, entre homem e
mulher, onde a atração física pode ser preponderante, fator que
induvidosamente poderá produzir reflexos prejudiciais à nova
família que se está formando.
Com esta diferença mínima evita-se, por exemplo, que uma
pessoa de 25 anos de idade queira adotar outra com 17 anos;
com esta idade pode-se adotar uma pessoa com, no máximo, 09
anos de idade. O adotante que tiver 18 anos de idade poderá
adotar uma criança com, no máximo, 02 anos de idade.
Evita-se igualmente com tal exigência realização de ado-
ção com motivo escuso, configurado este através de pretextada
demonstração de amor paternal pelo adotante para com o ado-
tado para mascarar interesse sexual por aquela pessoa, enco-
brindo intenção inconfessável.

Art. 1.620. Enquanto não der contas de sua admi-


nistração e não saldar o débito, não poderá o tutor
ou o curador adotar o pupilo ou curatelado.
Direito anterior: art. 371, CC de 1916 e art. 44 do Estatuto da
Criança e do Adolescente.

É certo que o tutor ou curador, por ter contato direto com


o tutelado ou curatelado, com estes mantém vinculo de afetivi-
dade de tal expressão que chega a estabelecer amor paterno-
filial. Não há óbice na adoção de seu pupilo, mas, antes, deven-
do, entretanto, demonstrar que exerceu seu munus com zelo e
correção, apresentando a respectiva prestação de contas.

249 Código Civil Brasileiro Interpretado, vol. VI, p. 10, 12ª ed., Freitas
Bastos, Rio de Janeiro, 1989.
Capítulo IV — Da Adoção
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249
○ ○

Esta regra visa a proteger a pessoa do tutelado ou cura-


telado da má administração acaso realizada pelo tutor ou
curador, que pode interessar-se pela adoção unicamente com o
intuito de ocultar má administração, ou mesmo para apropriar-
se dos bens do incapaz. A adoção não pode servir de instrumen-
to a que tutores e curadores deixem de exercer suas responsabi-
lidades como administradores de bens de terceiros.
Questão comprovadamente importante deve-se argüir:
Estão obrigados, tutor ou curador, a transferir a outrem a tute-
la ou curatela, para que possam dar início a processo de adoção
do tutelado ou curatelado?
Não constitui requisito essencial à propositura da ação de
adoção dispensa do tutor ou curador do exercício de suas fun-
ções, bastando que prestem contas de seu cargo. Preservada a
ética, melhor seria que o fizessem e que outrem passasse a exer-
cer o munus. Assim não sucedendo, porém, de nenhum vício pa-
decerá a adoção, até por ser obrigatória a intervenção do Minis-
tério Público em todas as ações de adoção por haver em jogo
interesse de incapaz e por se tratar de ação de estado (art. 82, I
e II, do CPC e art. 201, III, da Lei nº 8.069/90), que fiscalizará
a correta aplicação da lei, protegendo, destarte, os interesses
do adotando.
Na hipótese de não exoneração do adotante de seu munus,
será obrigatória a nomeação de Curador Especial para defesa
dos interesses do adotando (art. 9º, I, do CPC), diante de even-
tual conflito de interesses entre este e seu representante legal,
ficando este último impedido de fornecer o necessário consenti-
mento à adoção.

Art. 1.621. A adoção depende do consentimen-


to dos pais ou dos representantes legais, de
quem se deseja adotar, e da concordância des-
te, se contar mais de doze anos.
§ 1º O consentimento será dispensado em rela-
ção à criança ou adolescente cujos pais sejam
desconhecidos ou tenham sido destituídos do
poder familiar.
§ 2º O consentimento previsto no caput é
revogável até a publicação da sentença cons-
titutiva da adoção.
Direito anterior: Art. 372, Código Civil, e art. 45 do Estatuto da
Criança e do Adolescente.
250
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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1. Consentimento

Para a realização de qualquer adoção, indispensável o con-


sentimento dos pais ou do representante legal do adotando, pois
detentores do poder familiar. Esta exigência se aplica a qual-
quer processo de adoção, tanto de criança e adolescente como
de adulto.
A expressão representante legal do adotando diz respeito
somente a menores de idade, uma vez que a figura do represen-
tante legal só existe para pessoas naturais que não possuem
plena capacidade para os atos da vida civil.
Quanto ao interdito, caso seja maior de idade, sua adoção
observará a norma para adoção de maiores.
Por outro lado, quando o dispositivo legal se refere a pais
do adotando, está indicando tanto os menores quanto os maio-
res de 18 anos, pois entre pais e filhos haverá reciprocamente
vínculo vitalício de parentesco decorrente da filiação, existin-
do, portanto, interesse por parte dos pais na não ruptura deste
vínculo.
Perfeitamente aplicável a regra do art. 166 e seu parágra-
fo único da Lei nº 8.069/90.
Dever-se-ão ouvir em juízo os pais biológicos que aderi-
ram ao pedido, a fim de ratificarem a concordância e para se-
rem esclarecidos quanto às implicações legais do ato por eles
praticado. Deve-se realizar de imediato tal oitiva, ou seja, an-
tes de deferido qualquer dos requerimentos formulados pelo
adotante e das determinações para o início da instrução. Tal
diligência ensejará a que, caso os pais manifestem diante da
autoridade judiciária sua discordância do pedido, se determine
ao autor que emende a inicial para adequá-la à nova situação
surgida.
Apesar de constituir este o entendimento da melhor dou-
trina, 250 não é o que tem sucedido no dia-a-dia forense. Os pais
biológicos são ouvidos somente quando da audiência de instru-
ção.
Não sendo obtido o consentimento dos pais ou represen-
tantes legais, deverá o juiz decidir tomando como base, caso seja
o adotando menor, o princípio do melhor interesse da criança e

250 Peluso, Antônio César, Comentário ao art. 166 do ECA, in Estatuto


da Criança e do Adolescente Comentado, Coord. de Munir Cury et alli,
p. 482, Malheiros, SP, 1992.
Capítulo IV — Da Adoção
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251
○ ○

do adolescente, previsto no art. 1.625, NCC, e em sendo maior, o


das melhores relações pessoais.

2. Concordância do Adotando

Deve-se sempre realizar a oitiva do adolescente, pois sua


opinião há que ser considerada quando da decisão. É determi-
nação legal que deve ser cumprida pelo juiz.
Não só o adolescente deve ser ouvido, mas também a crian-
ça, conforme comando do § 1º do art. 28 do Estatuto da Criança
e do Adolescente.
Esta regra não diz respeito à possibilidade de o juiz ouvir
a criança ou adolescente, mas à de estes poderem manifestar
sua vontade. Assim, sempre que o adotando puder expressar
sua manifestação de vontade, deverá o juiz ouvi-lo.
Como argumenta Luiz Paulo Santos Aoki, 251 é o reconheci-
mento do direito da criança e do adolescente de expressar sua
opinião a respeito daquilo que fatalmente os atingirá, pois, de-
pendendo do entrosamento maior ou menor com a família subs-
tituta, poderá o julgador aferir a conveniência da sua colocação
naquele meio.
Para decidir, o magistrado não poderá deixar de levar em
conta a opinião do adotando, usando-a como um dos fundamen-
tos para decidir. O juiz é livre para decidir, de acordo com o seu
convencimento e levando em consideração o melhor interesse
da criança e do adolescente, podendo entender que a adoção não
será a decisão mais benéfica para aquele, que ela não apresen-
ta reais vantagens para o menor. Não está adstrito a fazer o
que deseja o adotando, pois nem sempre sua vontade é o fiel
retrato do que será melhor para ele. Para contrariar, entretan-
to, o teor das declarações do adotando, deverá fundamentar sua
decisão, a fim de justificar conclusão diversa da vontade expres-
sada por aquele.
Ouvir a criança e o adolescente é de suma importância não
só nos processos de adoção, mas em qualquer processo de colo-
cação em família substituta, pois só aqueles podem revelar as-
pectos que tenham passado despercebidos, inclusive dos técni-

251 Comentário ao art. 28 do ECA, in Estatuto da Criança e do Adoles-


cente Comentado, coord. Munir Cury et alli, p. 113, Malheiros, SP,
1992.
252
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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cos, ou propositalmente ocultados. A oitiva deve ser realizada


sem a presença dos requerentes da medida e dos pais biológicos,
a fim de que a criança não se sinta intimidada ou constrangida,
sofrendo influência em suas respostas, permanecendo na sala
apenas o Ministério Público e os advogados. Sendo necessário, o
Juiz poderá determinar a presença de membro da equipe
interprofissional do juízo, para que a oitiva da criança ou ado-
lescente ocorra com apoio técnico. Em algumas audiências, no
momento da oitiva da criança/adolescente objeto do pedido, si-
tuações gravíssimas são reveladas, que fazem com que medidas
emergenciais sejam tomadas no momento, a fim de salvaguar-
dar a integridade física e psicológica da criança, importando,
por vezes, no imediato reconhecimento da improcedência do pe-
dido.

3. Dispensa do Consentimento

A regra do parágrafo primeiro tem como objetivo evitar


retardamento indevido no processo, por conta da impossibilida-
de de obter suprimento de autorização de pais desconhecidos e
destituídos do poder familiar.
Neste ponto, andou bem o legislador, pois a paralisação do
feito é totalmente contrária ao espírito do instituto da adoção,
que é o de atender ao melhor interesse do adotando.
Considerando que o artigo faz menção à destituição do
poder familiar e que, como é cediço, a lei não diz mais do que
nela está expresso, não se aplica o disposto no parágrafo pri-
meiro à hipótese de suspensão do poder familiar, situação em
que a obtenção do consentimento dos pais biológicos é necessá-
ria.
Com relação aos pais biológicos desconhecidos, claro está
que o consentimento não poderá ser obtido. Entretanto, deverá
ser proposta a competente ação de destituição de poder familiar,
cumulada com a ação de adoção, sendo os pais citados por edital,
na forma do art. 231, I, do CPC.

4. Revogabilidade do Consentimento

Não constitui novidade, pois não havia dúvida de que tan-


to os pais como o representante legal do adotando poderiam re-
Capítulo IV — Da Adoção
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253
○ ○

vogar o consentimento, já que se pode alterar toda manifesta-


ção de vontade, especialmente no que diz respeito ao arrependi-
mento quanto à concordância de que o filho seja assistido por
família substituta.
Com o texto do parágrafo segundo, o legislador enfoca a
adoção do ponto de vista dos pais biológicos, devendo-se ressal-
tar que, de regra, os estudiosos da adoção consideram estes como
vilões, que abandonaram seu filho indefeso, principalmente
quando se trata de criança de tenra idade. Raramente há preo-
cupação na análise do instituto da adoção a partir dos motivos
que levaram os pais biológicos a entregarem o filho em adoção
ou mesmo que fator os levou a considerar mais benéfico passas-
se aquele a integrar uma nova família, ao invés de continuar no
seio da família natural.
Trata-se aqui daqueles pais que decidem entregar seu fi-
lho para adoção e não daqueles que simplesmente o abandonam
à própria sorte, pois há sensível diferença prática e teórica en-
tre “entrega” e “abandono”.
O pai e a mãe que decidem entregar seu filho para adoção
estão, na verdade, praticando um ato de amor, pois entendem
que a criança poderá gozar de mais amplas oportunidades, se
for criado por outra família. Tal decisão exige dos pais amadu-
recimento, consciência, reflexão e, sobretudo, coragem e grande
amor pelo filho que conceberam.
Ao decidirem entregar seu filho para criação por outra fa-
mília, e sabendo que, possivelmente, nunca mais terão contato
com este, os pais estão, eles próprios, em situação de abandono,
já que marginalizados pela sociedade, diante das inúmeras difi-
culdades que a vida lhes apresenta. 252 Na 2ª Promotoria de Jus-
tiça da Infância e da Juventude de Duque de Caxias, já ocorreu,
infelizmente, semelhante situação, quando um casal se dirigiu
à Vara da Infância a fim de entregar a filha recém-nata, pois
vivia em situação de penúria extrema e não teria como dar a ela
o mínimo conforto. Quem terá coragem de afirmar que esta ati-
tude não demonstra amor extremo dos pais para com este filho?
Assim, o legislador reputou conveniente não deixar dúvi-
da de que podem os pais biológicos desistir do consentimento, a

252 Sobre este ponto de vista, existe estudo recente, divulgado no Boletim
IBDFAM nº 13, jan/fev. 2002, de Maria Antonieta Pisano Motta,
intitulado Mães abandonadas: a entrega de um filho em adoção, pu-
blicado pela Cortez Editora.
254
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

fim de terem o filho de volta. Com a revogação do consentimen-


to, sempre expressa, não se admitindo, pois, revogação tácita, a
criança/adolescente retornará à família natural, já que a famí-
lia substituta é exceção, conforme dispõe o Estatuto da Criança
e do Adolescente, em seu art. 19.
Com a revogação da concordância, deflagrar-se-á, em re-
gra, novo litígio, devendo o juiz decidir com base no princípio do
melhor interesse da criança.
A despeito de haver disposição legal considerando excep-
cional a colocação em família substituta, dever-se-á sempre apli-
car o princípio aqui mencionado, conforme artigo 1.625 do NCC,
isto porque criar-se o menor no seio da família natural pode não
ser o mais conveniente para este, inclusive porque eventual-
mente terá o adotado maior identificação com a família substi-
tuta, já estando integrado nesta, constituindo indesejável vio-
lência o retorno à família natural. Para uma solução justa, deve
utilizar-se o imprescindível trabalho da equipe interprofissional,
de inestimável valia.
O dies ad quem para a revogação do consentimento é o da
publicação da sentença, pois é neste momento que o Juízo cum-
pre e acaba o ofício jurisdicional, nos exatos termos do art. 463,
do CPC. Portanto, até o momento em que a sentença seja entre-
gue em mãos do escrivão para publicação, poderão os pais bioló-
gicos revogar seu consentimento. Após, não mais poderão fazê-
lo. É certo que poderão recorrer da decisão, na tentativa de vê-
la reformada.

Art. 1.622. Ninguém pode ser adotado por duas


pessoas, salvo se forem marido e mulher, ou se
viverem em união estável.
Parágrafo único. Os divorciados e os judicial-
mente separados poderão adotar conjuntamen-
te, contanto que acordem sobre a guarda e o
regime de visitas, e desde que o estágio de con-
vivência tenha sido iniciado na constância da
sociedade conjugal.
Direito anterior: Art. 370, CC de 1916 e art. 42, § 4º do Estatuto
da Criança e do Adolescente.
Capítulo IV — Da Adoção
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255
○ ○

1. Adoção por Duas Pessoas

Esta regra já existia no Código Civil de 1916 e, mais uma


vez nos valemos da lição de Carvalho Santos, 253 ao comentar o
art. 370, do CC de 1916:
“A regra geral é a de que ninguém pode ser adotado por
duas pessoas. Assim, não é possível que dois irmãos, ou duas
irmãs, ou um irmão e uma irmã, ou duas pessoas quaisquer
adotem o mesmo filho simultânea ou sucessivamente. O que se
justifica, porque a adoção imita as relações naturais entre pais
e filhos”.

Uma única pessoa pode pleitear adoção, haja vista que esta
tem como objetivo dar filhos a quem não podia tê-los. Na época
da promulgação do Código Civil de 1916 e até recentemente,
não gerava boa repercussão social o fato de que pessoas não ca-
sadas tivessem filhos. Assim, os solteiros, para tornarem con-
creto o sentimento de paternidade que traziam latente, teriam
que lançar mão da adoção.
Há que utilizar-se semelhante raciocínio na atual pers-
pectiva da adoção: a assistencialista. A exigência de que o re-
querente da adoção seja casado importa em obstáculo a que
se retirem crianças e adolescentes de uma vida de infortúnios
para colocá-los no seio de uma família. Enfim, não se pode ter
como pressuposto à postulação da adoção o estado civil do re-
querente.
Como se verifica, a regra é que uma única pessoa postule a
adoção, constituindo exceção a existência de dois adotantes, cir-
cunstância que só ocorrerá se casados ou vivendo em união es-
tável estes.
Deve-se destacar, de princípio, que o emprego da locução
união estável é muito mais próprio, tanto prática quanto juridi-
camente, do que o termo concubinos utilizado pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente. A inserção da primeira se fez para
compatibilizar o Novo Código com o texto constitucional (art.
226, § 3º), sendo certo que este último apenas deu foros legais e
formais à situação que sempre ocorreu em nossa sociedade, qual
seja, à existência de casais em “união estável” (obviamente sem
serem casados), circunstância que pudores do legislador oculta-
vam ou ignoravam.

253 Ob. cit., p. 17.


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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Assim, a figura da família monoparental, muito festejada


pelos doutrinadores e aplicadores do Direito por ter sido reco-
nhecida pelo constituinte (art. 226, § 4º, CF), já era prevista
pelo legislador infraconstitucional, nos casos de adoção, desde
o início do século XX, apenas não sendo utilizada com esta deno-
minação.

2. Adoção por Divorciados

O parágrafo único do artigo em comento repete por inteiro


o parágrafo 4º do art. 42 da Lei nº 8.069/90, além de não repre-
sentar novidade, pois regra semelhante já era prevista no art.
34 da Lei nº 6.697/79 (Código de Menores).
Nos dias atuais, apenas a religião encara a idéia de que o
casamento é união indissolúvel. Sempre houve — e haverá —
relacionamentos desfeitos, deixando, em muitas hipóteses, seus
frutos: os filhos. Com a separação, o casal terá de pactuar sobre
a guarda destes.
Tanto o já adotado como o adotando são filhos na mais pro-
funda acepção do vocábulo, pois o sentimento dedicado àquela
criança/adolescente em nada difere daquele que se tem por um
filho biológico. Ora, se não se pode impedir o divórcio a casais
com prole natural, por que vedar-se a adoção a pares em proces-
so de separação.
Não seria razoável que o legislador impedisse que casais
em fase de dissolução do casamento viessem a concretizar uma
adoção, pois se estaria praticando discriminação, sem respaldo,
obviamente, na Lei Magna, sendo o único prejudicado o adotan-
do, por deixar de ganhar uma família.
O único pressuposto para a consumação da adoção é o de
que a convivência dos adotantes com o adotando se tenha inicia-
do antes da dissolução da vida em comum. Esta exigência é to-
talmente pertinente, pois a paternidade emergente da adoção
precisa ser exercitada com a convivência diária, para que, com
isto, o sentimento venha a se fortalecer e ficar cada dia mais
intenso, pois estamos diante de relação de filiação que não é
biológica (onde o amor vem do fato de o filho ser parte dos pais),
mas socioafetiva, na qual o papel da afetividade é decisivo, de-
correndo da vontade de amar e servir a este filho que foi esco-
lhido. A paternidade adotiva fundamenta-se nos mais fortes ali-
cerces do relacionamento humano: consentimento, afeição, amor
Capítulo IV — Da Adoção
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257
○ ○

e responsabilidade. Esta paternidade só fincará suas âncoras


nos corações dos envolvidos, se houver a convivência, que se
deverá manter após a separação dos pais.

3. Estágio de Convivência

Em todos os artigos destinados à adoção, a única menção


feita ao estágio de convivência se dá no parágrafo único deste
artigo.
O legislador perdeu a oportunidade de produzir regulamen-
tação mais precisa sobre o estágio de convivência, preferindo
deixar que aquela ficasse a cargo do Estatuto da Criança e do
Adolescente (art. 46).
O estágio de convivência é o período de avaliação da nova
família, a ser acompanhado pela equipe técnica do Juízo, com o
intuito de verificar-se quanto à adaptação recíproca entre ado-
tando e adotante. Esta aferição se faz extremamente necessá-
ria, pois não basta que o adotante se mostre pessoa equilibrada
e que nutre grande amor pelo próximo, uma vez que breve e
superficial contato nas dependências do Juízo não garante aqui-
latarem-se as condições necessárias de um bom pai ou boa mãe.
Indispensável à realização de acompanhamento do dia-a-dia da
nova família, a fim de ser verificado o comportamento de seus
membros e como enfrentam os problemas diários surgidos pela
convivência.
Muitas vezes as pessoas que, à primeira vista, se mostram
perfeitas para criarem e educarem indivíduo em formação são
as que mais surpreendem por sua inadaptação para agirem como
pai e mãe. Inúmeros são os casos, onde surpreendentemente se
percebeu que pessoas de aparente extremo equilíbrio, exibiam
reações indicadoras de total inaptidão para a paternidade ou
maternidade ao enfrentarem situação de dificuldade com a crian-
ça ou adolescente que pretendiam adotar.
Nestas situações, a equipe técnica do Juízo deverá acom-
panhar de forma mais minuciosa a família, dando-lhe o trata-
mento adequado para superação da crise. Evidenciando-se, pe-
los estudos e pareceres da equipe interprofissional, que a ado-
ção não será a melhor solução para o caso, dever-se-á julgar
improcedente o pedido.
Da mesma forma, este acompanhamento se presta à veri-
ficação quanto à adaptação do adotando à família substituta.
258
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Enfatize-se, não basta a escolha do adotando pelo adotado. A


adoção se reveste de alta relevância sociojurídica, de óbvios re-
flexos na vida dos envolvidos, que, como seres humanos, trazem
sentimentos, vontades, traumas, ressentimentos.
A adaptação do adotando à família substituta não é, evi-
dentemente, automática, pois que há que adequar-se o perfil
daquela pessoa que se está inserindo num novo ambiente fami-
liar, por vezes completamente estranho, aos hábitos do adotante.
Ademais, há por parte de alguns aplicadores do direito temerá-
ria perspectiva de suporem que qualquer lar substituto será me-
lhor do que a situação anteriormente vivida pelo adotante. Tal
visão, porém, não é verdadeira, havendo inúmeras situações de
conflito no seio da família adotiva. O estágio de convivência ser-
virá aos mesmos fins antes mencionados, acompanhando a equi-
pe interprofissional o período de adaptação do adotando, auxili-
ando-o, bem como ao adotante a superar seus problemas.
O legislador não especifica a duração do estágio de convi-
vência nem poderia fazê-lo, pois não há como aquilatar-se o tem-
po necessário ao acompanhamento da vida do adotando em sua
nova família. Há de avaliar-se de per si cada situação, devendo
o juiz fixar o prazo de forma casuística, atento ao conteúdo dos
relatórios e pareceres apresentados pela equipe interpro-
fissional. Neste sentido o caput do art. 46 da Lei nº 8.069/90.
Do mesmo modo que cabe ao juiz fixar o prazo de duração
do estágio de convivência, pode dispensá-lo na hipótese de ter o
adotando idade igual ou inferior a um ano ou se já estiver na
companhia dos adotantes por período que permita a comprova-
ção de que o vínculo afetivo já se encontra cristalizado (art. 46,
§ 1º, Lei nº 8.069/90).

4. Adoção por Casal Homossexual

Esta questão está sendo objeto de acirrados debates no


Brasil e no exterior. É tema extremamente delicado, que torna
veementes as discussões, com críticas recíprocas entre os adep-
tos de cada corrente.
Primeiramente, ressalte-se que não deveria haver óbice
legal na adoção por parte de homossexual, já que a questão da
preferência sexual, como requisito ou pressuposto a tal iniciati-
va violaria flagrantemente o princípio constitucional da igual-
dade. Ademais, independente de previsão legal, relatos de psi-
Capítulo IV — Da Adoção
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259
○ ○

quiatras e psicólogos demonstram que a orientação sexual dos


pais não influencia os filhos.
O legislador perdeu preciosa oportunidade para, moderni-
zando a legislação, regulamentar a adoção por casal homosse-
xual. Não se pode esquecer, porém, que o NCC é lei oriunda de
anteprojeto antigo, o qual esteve paralisado por quase trinta
anos no Congresso Nacional. Não se pode esquecer que expres-
siva parcela dos membros do Poder Legislativo Federal se com-
põe de representantes de segmentos conservadores da socieda-
de, trazendo preconceitos que, a toda evidência, não devem ser
elementos informadores de qualquer legislação moderna.
Com base na legislação em vigor, responder-se-á negati-
vamente à pergunta sobre a possibilidade atual de realização
de adoção por parte de casal de pessoas do mesmo sexo. Tal tipo
de união não é casamento e não caracteriza a união estável no
sentido atual que lhe empresta a Lei, pois a forma de convivên-
cia entre pessoas heterossexuais pode ser transformada em ca-
samento, o que não ocorrerá com a união homossexual. Tal in-
terpretação se faz a contrário senso do comando contido no art.
1.622, NCC, bem como diante da norma constitucional prevista
no parágrafo 3º do art. 226.
Inegável o fato da existência de relacionamentos duradou-
ros entre pessoas do mesmo sexo, ao qual pode-se denominar
família, mas família social, não regulamentada, ou seja, não
reconhecida pelo legislador. É necessária urgente regulamen-
tação de tais uniões, pois existem e o Direito não pode negar
este fato. É imperioso que o projeto254 de lei em curso no Con-
gresso Nacional, que regulamenta a parceria civil entre pessoas
do mesmo sexo, seja desde logo votado, pois o legislador não pode
se armar de preconceitos para ignorar um fato social.
Qualquer discussão, no momento, sobre a possibilidade de
adoção por casal homossexual irá de encontro a óbices legais. O
primeiro argumento, muito bem desenvolvido por Maria Celina
Bondin de Moraes em palestra proferida no III Congresso Bra-
sileiro de Direito de Família, organizado pelo IBDFAM, diz res-
peito à inexistência de regulamentação da união entre pessoas
do mesmo sexo.

254 Trata-se do projeto de lei de autoria da Dep. Marta Suplicy. Existe,


também, em trâmite no Congresso Nacional, o PL 5.252/01, de auto-
ria do Dep. Roberto Jefferson, que propõe a ampliação do conceito da
parceria civil.
260
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

A relação entre os parceiros deverá estar regulamentada,


com estipulação dos direitos e obrigações, a fim de que se possa
aceitar que terceira pessoa, o adotado, venha a dela participar,
pois este também será titular de direitos e obrigações para com
os adotantes, não se concebendo que terceiro integre relação que
não tem suas linhas básicas regulamentadas.
O segundo argumento diz respeito ao termo utilizado para
designar a união entre pessoas do mesmo sexo. A expressão par-
ceria civil, utilizada pelos projetos em curso no Congresso Na-
cional, demonstra que, pelo menos por enquanto, não se está a
reconhecer esta relação como união estável, o que acarreta a
exclusão desta das hipóteses previstas para a adoção por mais
de uma pessoa.
Necessário, diante do exposto, que se altere a regra do
caput do art. 1.622 do NCC, para dele constar expressão legal
que venha a designar a união civil entre pessoas do mesmo sexo.
Também deverá ser alterada a Lei de Registros Públicos
para que se dê solução à tormentosa questão da certidão de nas-
cimento do adotado, no que tange a qual dos integrantes do ca-
sal se atribuirá a paternidade ou maternidade, tudo com vistas
a espancar discriminação para com o filho adotado por pessoas
do mesmo sexo.
No que concerne aos elementos que devem constar do as-
sento de nascimento, para que não haja nenhuma distinção en-
tre os filhos de pessoas de sexos diferentes e os filhos de pessoas
de idêntico sexo, não se fará nele inscrever qualquer expressão
que indique o sexo dos genitores, sob pena de se estar violando
o princípio da igualdade, previsto no caput, do art. 5º da Consti-
tuição Federal.
Não podemos e não devemos pensar na filiação como fator
biológico, como nos ensina Luiz Edson Fachin. 255
A disciplina jurídica das relações de parentesco entre pai
e filhos não atende, exclusivamente, quer valores biológicos, quer
juízos sociológicos; é uma moldura a ser preenchida, não com
meros conceitos jurídicos ou abstrações, mas com a vida, na qual
pessoas espelham sentimentos.

A filiação adotiva em nada diverge da filiação biológica. O


vínculo jurídico que criam é real. A criação do vínculo de filia-
ção é exclusiva do Direito, pois só este tem o condão de estabele-

255 Da Paternidade, p. 29, Del-Rey, Belo Horizonte, 1996.


Capítulo IV — Da Adoção
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261
○ ○

cer relações humanas que geram direitos e obrigações. E a


filiação, enquanto fato humanamente relevante, é vínculo de
deveres e direitos; não procriação biológica. Assim, só o direito
é capaz de criar filiação. 256 Desta feita, a filiação não é uma ques-
tão biológica, mas uma questão jurídica, pois só o Direito é ca-
paz de criar filiação. 257
Foi o homem que estabeleceu as normas de filiação, re-
gras que inexistem na natureza, ou seja, independentemente
de qualquer ordem natural. Assim, não se constitui absurdo ju-
rídico que, em assento de nascimento, conste o nome de dois
homens ou de duas mulheres como genitores de uma pessoa.
Até este momento, a filiação jurídica imita a procriação biológi-
ca, mas apenas porque as regras criadas pelo homem assim o
determinam.
O tema comporta debate mais amplo, que não cabe nos li-
mites deste trabalho. A polêmica está lançada, com muitos pon-
tos jurídicos contrários e favoráveis. Por ser o Direito reflexo
dos anseios e da vontade da Sociedade, resta apenas esperar
demonstração da vontade social neste tema, não podendo o le-
gislador furtar-se de enfrentar a questão e regulamentá-la.

Art. 1.623. A adoção obedecerá a processo judi-


cial, observados os requisitos estabelecidos
nesse Código.
Parágrafo único. A adoção de maiores de 18 (de-
zoito) anos dependerá, igualmente, da assistên-
cia efetiva do Poder Público e de sentença
constitutiva.
Direito anterior: Art. 375, CC de 1916, e Art. 47 do Estatuto da
Criança e do Adolescente.

256 Moraes, Walter. Adoção e Verdade, p. 119 e segs., RT, São Paulo, 1974.
257 Como mais um argumento para que não reste nenhuma dúvida de que
a filiação é jurídica, e não biológica, lembramos a regra existente no
direito revogado, de distinção dos filhos. Nenhum direito era reconhe-
cido aos filhos adulterinos e incestuosos, que eram filhos oriundos de
procriação, biológicos, portanto. Não possuíam nenhum direito, não
podendo ser, sequer, reconhecidos juridicamente. Se a filiação não fosse
uma criação jurídica, não se poderia colocar nenhum impedimento a
que determinada classe de filhos viesse a ser rechaçada em seus di-
reitos para com seus genitores, pois todos os filhos havidos da procri-
ação são biológicos.
262
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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1. Processo Judicial

A regra do caput está em consonância com a norma do art.


227, § 6º, da Constituição Federal, seguindo, também, a linha
adotada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, fazendo com
que a adoção só se realize através de processo judicial.
A regra constitucional referida redundou na impossibili-
dade de que a adoção se realizasse por formas diversas, unifi-
cando-se em uma só, a judicial.
Inicialmente, o sistema jurídico contemplou duas espécies
de adoção, a que se realizava por escritura pública (prevista para
os maiores de 18 anos de idade nas regras do CC de 1916, que
permaneceram em vigor após 1988) e a adoção judicial (prevista
na Lei nº 8.069/90, para as crianças e adolescentes). Os estudio-
sos do assunto e os operadores do Direito nunca julgaram ade-
quado este duplo sistema, pois a adoção por escritura pública
não se coadunava com a regra constitucional de que aquela se-
ria, na forma da lei, assistida pelo Poder Público. Com a adoção
realizada através de escritura, sem a participação do Estado,
não se cumpria a determinação constitucional.
Mais uma vez, o legislador determina que a adoção será
judicial, demonstrando que a assistência do Poder Público se
realizará através da intervenção do Poder Judiciário. A adoção
através de processo judicial é meio mais rigoroso de se realizar
a colocação em família substituta, pois os envolvidos serão acom-
panhados pelo Judiciário e sua equipe interprofissional e pelo
Ministério Público, o que fará com que grande parte dos proble-
mas que só posteriormente surgiriam sejam detectados ainda no
curso do processo, o que é muito mais benéfico.
Verifica-se que o legislador seguiu a tendência de unifi-
car, num único procedimento fiscalizado pelo Poder Público, a
adoção, aplicando-se tal regra inclusive para o maior de 18 anos
de idade, extinguindo-se assim a adoção por escritura pública,
situação que deveria ter ocorrido há muito.

2. Adoção de maiores

O parágrafo único encerra comando que deve ser celebra-


do como um grande acerto do legislador, pois põe termo à
esdrúxula figura da adoção por escritura pública para maiores
de 18 anos de idade, prevista no Código Civil de 1916. Não mais
Capítulo IV — Da Adoção
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
263
○ ○

existem modalidades diversas de adoção em função da idade do


adotando.
Deve ser ressaltado que, com o advento do ECA, se extin-
guiu a adoção por escritura pública para as crianças e adoles-
centes (art. 47 da Lei nº 8.069/90). Com o texto do Novo Código
Civil, passa-se a ter aplicação efetiva do princípio constitucional
da igualdade, pois o procedimento da adoção será o mesmo para
todas as pessoas, findando a distinção que havia com relação à
idade do adotando, bem como se dando efetiva aplicação ao dis-
posto no art. 227, § 5º, da Constituição Federal, que determina
que a adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei.
Em comentário ao parágrafo único deste artigo, com o texto
constante do anteprojeto original, Tânia da Silva Pereira 258 259
afirma que não se justifica procedimento judicial quando ambos
são maiores de idade; a condição fixada no § 5º, do artigo 227 da
CF, ao exigir que a adoção deve ser assistida pelo Poder Público,
na forma da lei, pode ser suprida pelo Ministério Público (grifo
nosso). Deve-se discordar deste posicionamento, pois esta inter-
pretação contraria o texto integral do art. 1.623, já que o caput,
cuja redação não foi alterada, dispõe que a adoção obedecerá a
processo judicial e a interpretação do parágrafo único há que
fazer-se em consonância com o caput.
Não se pode entender que a adoção para os menores de 18
anos seja realizada com intervenção judicial e a dos maiores de
18 anos não o seja, sob pena de ser violado, como já dito acima,
o princípio da igualdade. Ademais, como pode ser realizada a
adoção dos maiores de 18 anos de idade apenas com a interven-
ção do Ministério Público, se será necessário o cancelamento do
registro de nascimento original do adotando e realização de novo
registro, o que só se dá com determinação judicial?
Indispensável a ação de adoção para a efetivação do pa-
rentesco civil, o qual só terá eficácia após o trânsito em julgado
da sentença que julgar o pedido procedente, determinando-se o
cancelamento do registro original e a realização de novo regis-

258 Da Adoção, in Do Direito de Família e o Novo Código Civil, coord.


Rodrigo da Cunha Pereira e Maria Berenice Dias, p. 134, Del-Rey, BH,
2001.
259 Redação do anteprojeto: A adoção para os maiores de 18 anos depen-
derá, igualmente, de processo judicial com a intervenção do Ministé-
rio Público.
264
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

tro de nascimento, conforme art. 47 e seus parágrafos 1º e 2º, do


ECA.
Com relação ao juízo competente para a propositura da
ação de adoção dos maiores de 18 anos, será este o das Varas de
Família, pois a competência da Varas especializadas da Infân-
cia e Juventude se restringe aos menores de 18 anos, conforme
dispõem os arts. 1º, 2º, 146 e 148, III, todos da Lei nº 8.069/90. 260
Será obrigatória a intervenção do Ministério Público, sob pena
de nulidade, por se tratar de ação de estado (art. 82, II, CPC).
No pólo passivo da relação processual, devem figurar os
pais biológicos do adotando.
Tendo o filho atingido a maioridade, nenhuma dúvida exis-
te de que cessou o poder familiar, conforme determinam os arts.
1.630 e 1.635, III, ambos do NCC. Apesar de não deterem ne-
nhum poder sobre a pessoa do filho maior, os pais ainda mantêm
com ele relação de parentesco natural (art. 1.596, NCC), que é
vitalícia, possuindo aqueles direito e interesse na oposição ao
rompimento do vínculo de filiação. Acrescente-se que o art. 1.621
do NCC determina que a adoção dependerá do consentimento
dos pais biológicos ou do representante legal do adotando, en-
tendendo-se que tal norma deve ser aplicada a qualquer ado-
ção, logo, também nos casos em que o adotando for maior de
idade. Por fim, ressalte-se que a expressão “representante le-
gal” constante do texto do art. 1.621 do NCC refere-se aos me-
nores, mas a expressão “pais” diz respeito a todo adotando.
A paternidade não se extingue no momento em que o filho
completa a maioridade civil. Na hipótese de os pais biológicos só

260 O parágrafo único do art. 2º da Lei nº 8.069/90 dispõe que aplicar-se-


á, excepcionalmente, as regras do Estatuto para as pessoas de idade
entre 18 e 21 anos. O art. 40 do mesmo diploma legal, que determina
que para a propositura da ação de adoção, o adotando deverá contar
com, no máximo, dezoito anos de idade na data da propositura da ação,
salvo se estiver, sob a guarda ou tutela do autor da ação. Estas regras
de excepcionalidade perderam sua razão de ser, em face da redução da
maioridade para dezoito anos. Desta forma, com a derrogação dos
artigos supramencionados, a competência da Vara da Infância cessa-
rá com o alcance dos 18 anos por parte do adotando, passando a ser o
juízo da Vara de Família, o competente. Não se pode esquecer que
estamos tratando de competência em razão da matéria, que é absolu-
ta, não podendo ser derrogada pela vontade das partes e nem pelo
órgão jurisdicional.
Capítulo IV — Da Adoção
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
265
○ ○

se poderem opor à adoção de filho menor, ter-se-á esdrúxula si-


tuação: discordando da adoção os pais biológicos de adolescente,
adotante e adotando aguardariam a maioridade deste último para
reiterar o pedido, sem a possibilidade de oposição dos pais, não
obstante ainda existente o vínculo de filiação. Assim, os pais
que, no dia anterior teriam legitimidade para se opor à adoção,
deixam de tê-lo pela simples passagem do tempo. Certo que não.
Os pais biológicos de adotando maior de 18 anos detêm le-
gítimo interesse em se manifestarem no processo de adoção,
uma vez que o vínculo de filiação será cancelado, o que os afeta-
rá diretamente, além de poderem ter justo motivo para se opo-
rem ao pedido.
Com relação ao conteúdo da contestação, este será restri-
to, pois apesar de os pais biológicos discordarem de que seu fi-
lho, maior de idade, se torne filho de outrem, poucos argumen-
tos poderão invocar, diante da cessação do poder familiar.
Natural que se dispense o estágio de convivência, cuja fi-
nalidade é a avaliação quanto às condições emocionais do
adotante necessárias para bem criar e orientar criança/adoles-
cente, bem como se há efetiva adaptação entre as pessoas en-
volvidas. No caso de adotante e adotando serem pessoas plena-
mente capazes para os atos da vida civil, tendo total discerni-
mento quanto ao entendimento da seriedade do ato cuja efeti-
vação se pretende, o processo já se inicia com a certeza de total
entrosamento paterno-filial, nada havendo que se possa desco-
brir através de acompanhamento técnico.
A regra inscrita no § 1º do art. 42 da Lei 8.069/90 estatui a
vedação de adoção por ascendentes e irmãos do adotando. Com
relação à legitimidade para adotar, é de se questionar se tal
norma há de ser aplicada à adoção dos maiores de idade. Em
face da sistemática do instituto da adoção, a resposta é positi-
va.
O parágrafo único há que ser entendido em conjunto com o
caput, que determina que a adoção observará os requisitos do
NCC. Pode-se, assim, entender que, de agora em diante, apli-
cam-se indistintamente as regras do NCC e do ECA, desde que
compatíveis com a adoção que se requer, de maiores ou menores
de 18 anos de idade. A este argumento se junta a mens do legis-
lador. Ao examinar-se as emendas propostas pelo Senado Fede-
ral, observa-se que objetivavam adequar o texto do NCC ao do
Estatuto da Criança e do Adolescente, donde se conclui quanto
à possibilidade da vigência simultânea de tais normas.
266
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Ademais, a vedação da adoção por ascendentes ou irmãos


é genérica, não discriminando limite quanto à capacidade do ado-
tando, referindo-se, tão-somente, a parentesco próximo, a fim
de evitar, pelo que se depreende, inversões nas relações de pa-
rentesco.

3. Sentença Constitutiva

P r e t e n d e u o l e g i s l a d o r, m a i s u m a v e z , e m e v i d e n t e
distorção do aspecto estritamente legislativo de sua função, clas-
sificar os institutos jurídicos.
Classificou a sentença que concede a adoção como
constitutiva. Sentença constitutiva é aquela que cria, extingue
ou modifica uma situação jurídica, após sua prolação.
Nenhuma dúvida existe de que, com a adoção, cria-se um
estado jurídico novo para adotante e adotado, já que se rompe
um vínculo de parentesco para que se crie outro, em seu lugar,
de imediato. O adotando corta todos os liames jurídicos para
com seus pais biológicos e demais parentes, passando a estabe-
lecer nova relação de parentesco com a família substituta. Como
a situação gera efeitos apenas com o trânsito em julgado da sen-
tença constitutiva, aqueles se produzem ex nunc.
Desta vez o legislador acertou em sua classificação, ape-
sar de a técnica mais correta de legislar ser aquela em que o
legislador se restringe à sua função, deixando para a doutrina
a classificação. Melhor seria que o texto do parágrafo único ter-
minasse na palavra “sentença”.

4. Nascituro

O novo Código, diferentemente do texto anterior, não faz


menção à adoção de nascituro. A despeito das diversas opiniões,
não mais cabe tal modalidade de adoção, pois o conceito de cri-
ança, fornecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, refe-
re-se a ser humano que tem de zero a doze anos incompletos de
idade, logo, já nascido. Tal definição, evidentemente, não é atri-
buível ao nascituro. Ademais, a sobrevivência do nascituro ao
parto é incerta. Pelo espírito do instituto, não se pode sujeitar a
adoção a fato futuro e incerto, como é o referente ao nascimento
de pessoa em gestação.
Capítulo IV — Da Adoção
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267
○ ○

Acresça-se que é exigido o estágio de convivência, entre o


adotante e o adotado, o que será impossível de acontecer com
relação ao nascituro. A adoção do mesmo já estará concluída
quando de seu nascimento, o que impedirá por completo a reali-
zação do estágio, tão importante para se saber se haverá adap-
tação entre o adotante e o adotado e se aquele possui as condi-
ções necessárias para bem cuidar de uma criança.
A doutrina dominante 261 entende que o regime da Consti-
tuição Federal de 1988 não recepcionou, no que concerne à ado-
ção do nascituro, o texto da Lei Civil de 1916. Se a atual Lei
sequer faz menção à possibilidade da adoção do nascituro, con-
clui-se que esta não mais é possível.
Considerando que a adoção é irrevogável e concebendo-se
a admissibilidade desta em relação a nascituro, estar-se-á, de
certa forma, “legalizando” a prática conhecida como “barriga de
aluguel” e se subtraindo à mãe biológica o direito de arrepen-
der-se na entrega de seu filho para colocação em família substi-
tuta. Ademais, pelo simples exame do ECA (art. 19), verifica-se
que a colocação em família substituta é exceção, devendo sem-
pre apoiar-se a manutenção da criança e/ou adolescente no seio
da família natural.
A exegese legal é o derradeiro argumento quanto à impos-
sibilidade da adoção de nascituro. Não se deve querer dizer mais
do que o quis o legislador, cabendo interpretação literal e siste-
mática da lei. Claro está que o legislador não desejou preservar
no universo jurídico a adoção do nascituro.
Nos moldes atuais, a adoção do nascituro é vedada em nos-
so direito.
Excelente medida. 262

261 Tavares, José de Faria, ob. cit., p. 73 e segs.; Chaves, Antônio. Ob. cit,
p. 164 e segs.
262 O fato de não mais haver possibilidade de adoção de nascituro em
face da nova legislação não importa em dizer que os direitos deste
deixaram de ser preservados. Como exemplo tem-se a regra do art.
1.609 do NCC, que prevê a possibilidade de reconhecimento de filho
antes do advento de seu nascimento. Sobre a mencionada norma, re-
mete-se ao comentário constante nesta obra, realizado pela Promoto-
ra de Justiça Lúcia Maria Teixeira Ferreira.
268
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Art. 1.624. Não há necessidade do consentimento


do representante legal do menor, se provado
que se trata de infante exposto, ou de menor
cujos pais sejam desconhecidos, estejam desa-
parecidos, ou tenham sido destituídos do po-
der familiar, sem nomeação de tutor; ou de ór-
fão não reclamando por qualquer parente, por
mais de um ano.
Direito anterior: inexiste previsão semelhante no CC de 1916 e
art. 45, § 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

A parte inicial do dispositivo em comento não traz novida-


de, pois a regra já se encontra no Estatuto da Criança e do Ado-
lescente, salvo a figura de infante exposto, ou seja, o enjeitado,
abandonado por sua família. Aduza-se que esta expressão pare-
ce constituir impropriedade redacional, pois que idêntica seman-
ticamente ao conceito de criança abandonada, ao qual somos
levados com a menção aos pais desconhecidos e desaparecidos.
Por outro lado, o que o artigo 1.624 dispensa é o consenti-
mento dos pais. O fato de serem desconhecidos ou estarem em
local incerto e não sabido não importa na dispensa de proposi-
tura de ação para destituição do poder familiar, pedido que se
cumulará com o de adoção, devendo, a fim de que se observe o
princípio do contraditório e da ampla defesa, proceder-se à cita-
ção editalícia dos genitores, nos termos do art. 231, I, do CPC.
Da mesma forma, os pais biológicos, já destituídos do po-
der familiar através de ação própria fulcrada em algum dos fun-
damentos previstos no art. 1.638 do NCC, tiveram, naquela opor-
tunidade, evidenciada a ausência de condições para ter o filho
em sua companhia, razão por que não mais detêm o poder fami-
liar. Assim, com razão o legislador. Descabida a exigência de sua
concordância com o pedido de adoção.
A parte final do dispositivo merece elogio, pois soluciona
problema que vinha causando prejuízo aos menores, ocorrente
no dia-a-dia das Varas da Infância: saber-se o prazo a esperar
para que uma criança abrigada possa ser inserida no cadastro
das aptas a serem adotadas.
O período de um ano fixado pelo legislador tem o condão
de proteger a criança/adolescente, estando em total consonân-
cia com o princípio do melhor interesse destes. Este prazo, bas-
tante razoável, proporciona aos membros da família, externando
os sentimentos de solidariedade e de amor que alimentam os
Capítulo IV — Da Adoção
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
269
○ ○

vínculos familiares, buscarem solução visando à integração da


criança ao seio familiar. A falta de iniciativa dos parentes pelo
período assinalado induz à convicção e mesmo caracteriza o aban-
dono familiar.
Por outro lado, decorrido tal período, está o Ministério Pú-
blico ou qualquer parente legitimado a adotar as medidas judi-
ciais cabíveis para a colocação da criança em lar substituto, fin-
dando-se a injustiça de manter-se a criança eternamente
abrigada, apenas porque possui parente que a visita esporadi-
camente, sem que demonstre este qualquer interesse em tê-la
consigo.
A expressão reclamado significa menor que é visitado pe-
los parentes no local onde se encontra abrigado, sem que estes
demonstrem, mínima que seja, qualquer intenção no sentido de
desligar o jovem do abrigo onde se encontra. Sublinhe-se que,
mesmo que os parentes permaneçam visitando o menor, se não
externarem iniciativa de tê-lo na família, será ele considerado
pessoa apta a ser inserida em grupo familiar substituto.

Art. 1.625. Somente será admitida a adoção que


constituir efetivo benefício para o adotando.
Direito anterior: inexiste previsão semelhante no CC de 1916 e
art. 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

1. Princípio do Melhor Interesse da Criança e do


Adolescente

Já aqui se comentou que os filhos deixaram de ocupar mero


papel secundário de integrante do complexo familiar, para pas-
sar a titular de direitos e deveres, como membro individualiza-
do daquele. Vigora hoje a perspectiva de que a criança e o ado-
lescente são pessoas em desenvolvimento, abandonando-se a vi-
são outrora aceita que os considerava adultos incompletos. As-
sim, imperiosa sua proteção, adotando-se cuidados especiais,
porque não atingida ainda a maioridade. Em momento de deci-
são de algum conflito no qual esteja envolvida, em face de tal
prioridade, o interesse da criança e do adolescente há que ser
sempre preservado.
O Princípio do Melhor Interesse tem origem na figura do
parens patriae do antigo direito inglês, vinculado à guarda de
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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pessoas incapazes e de suas eventuais propriedades. 263 As legis-


lações sempre utilizaram este princípio para nortear os julga-
mentos que envolvessem disputa sobre filhos, a fim de proteger
os incapazes.
No âmbito internacional, a Convenção Internacional dos
Direitos da Criança, aprovada pela Assembléia Geral das Na-
ções Unidas em 1989, ratificada pelo Brasil e vigendo através
do Decreto nº 99.710/90, traz, em seu art. 3.1 o Princípio do Me-
lhor Interesse quando dispõe que todas as ações relativas às
crianças e adolescentes, levadas a efeito por instituições públi-
cas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades ad-
ministrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primor-
dialmente, o interesse maior da criança.
Apesar de a tradução oficial utilizar o termo maior, o ori-
ginal da Convenção o designa como the best interest of the child,
utilizando, portanto, o qualitativo ao invés do quantitativo, ex-
pressão que caiu na preferência de toda a doutrina pátria. 264
No direito interno, tanto o art. 10 da Lei do Divórcio (Lei
nº 6.515/77) quanto o art. 5º do revogado Código de Menores
(Lei nº 6.679/79) aplicavam tal princípio, preservando o inte-
resse dos filhos e enfatizando que a proteção ao interesse do
menor se sobreporia a qualquer outro bem ou interesse juridi-
camente tutelado.
A Constituição Federal de 1988 acolheu o princípio em seu
art. 227, vindo tal tese a ser adotada pelo Estatuto da Criança e
do Adolescente, cuja finalidade maior é a proteção do interesse
das pessoas em formação.
O legislador civil, seguindo a tradição de nosso direito,
trouxe para o NCC, de forma expressa, o mesmo princípio, não
o fazendo apenas no que concerne à adoção, mas também no
capítulo que dispõe sobre a proteção da pessoa dos filhos (arts.
1.583 a 1.590).

263 Pereira, Tânia da Silva, O “Melhor Interesse da Criança”, in O Melhor


Interesse da Criança: um debate Interdisciplinar, coord. da autora, p.
01, Renovar, Rio de Janeiro, 2000.
264 Por todos, Pereira, Tânia da Silva, ob. cit., p. 06; Barboza, Heloísa
Helena, O Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescen-
te, p. 203 e segs, in A Família na Travessia do Terceiro Milênio —
Anais do II Congresso Brasileiro de Direito de Família do IBDFAM,
Del-Rey, Belo Horizonte, 2000.
Capítulo IV — Da Adoção
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271
○ ○

Deve-se ressalvar que a aplicação do princípio do melhor


interesse é eminentemente subjetiva, pois não há como estipu-
lar critérios únicos e objetivos para a solução de todos as hipóte-
ses. Apenas de forma casuística se poderá avaliar qual o melhor
interesse para criança/adolescente, dependendo sua correta apli-
cação da sensibilidade e experiência do Juiz e do Promotor de
Justiça, sendo certo que nem sempre haverá coincidência entre
o desejo exposto pela criança/adolescente quando de sua oitiva
em juízo e a decisão judicial.
Em suma, numa adoção a decisão judicial será sempre in-
formada pelas circunstâncias que efetivamente constituírem
reais vantagens para a criança ou adolescente, atentando-se
para que se resguardem fatores que lhes possibilitem integral
desenvolvimento como pessoas, nos expressos termos do art. 43
do ECA, devendo ser aquilatada a conveniência de sua manu-
tenção na família biológica ou inserção em família substituta.

2. Doutrina da Proteção Integral

O art. 227 da Constituição Federal determina prioridade


absoluta na proteção dos direitos fundamentais da criança e do
adolescente. Tal conquista se deu nos moldes da ocorrida na
maior parte dos demais direitos fundamentais, os quais por te-
rem natureza histórica contingente dependerão de cada socie-
dade e do momento histórico vivido por esta. Cada período da
História se caracterizará pela luta em defesa de novas liberda-
des contra velhos poderes, fazendo com que, de forma gradual,
surja a necessidade de tutela a novos direitos.
Para esta doutrina, a população infanto-juvenil, em qual-
quer situação, deve ser protegida e seus direitos garantidos, além
de terem reconhecidas prerrogativas idênticas às dos adultos. 265
O Estatuto da Criança e do Adolescente é expresso em seu art.
1º, complementado pelos arts. 4º, 5º e 6º.
A Doutrina da Proteção Integral vem complementar a do
Melhor Interesse, como nos ensina, de forma primorosa, Heloi-
sa Helena Gomes Barboza: 266

265 Pereira, Tânia da Silva, ob. cit., p. 14.


266 Ob. cit, p. 206.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Razoável, por conseguinte, afirmar-se que a doutrina da


proteção integral, de maior abrangência, não só ratificou o prin-
cípio do melhor interesse da criança como critério hermenêutico
como também lhe conferiu natureza constitucional, como cláu-
sula genérica que em parte se traduz através dos direitos fun-
damentais da criança e do adolescente expressos no texto da
Constituição Federal.

Art. 1.626. A Adoção atribui situação de filho ao


adotado, desligando-o de qualquer vínculo com
os pais e parentes consangüíneos, salvo quan-
to aos impedimentos para o casamento.
Parágrafo único. Se um dos cônjuges ou com-
panheiros adota o filho do outro, mantêm-se os
vínculos de filiação entre o adotado e o cônju-
ge ou companheiro do adotante e os respecti-
vos parentes.
Direito anterior: Arts. 376, 377 e 378, CC de 1916 e art. 41 do
Estatuto da Criança e do Adolescente.

1. Atribui Situação de Filho

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer


natureza. Assim dispõe, ao tratar do princípio da igualdade, o
art. 5º da Constituição Federal.
O artigo 1.596 do NCC, assim como o art. 20, da Lei nº
8.069/90, tratam do princípio da isonomia entre os filhos, con-
firmando a norma constitucional prevista no art. 227, § 6º, da
CF. Este também o teor do artigo em comento. Desde o advento
da Carta Magna de 1988, portanto, é inadmissível discrimina-
ção entre filhos, qualquer que seja a natureza destes.
Em virtude de, com a adoção, estabelecer-se, com a famí-
lia substituta, vínculo jurídico de filiação, rompido óbvia e au-
tomaticamente aquele com a família natural, o filho adotivo se
integrará à família substituta sem qualquer distinção, mínima
que seja, em relação aos filhos biológicos já existentes ou a exis-
tir.
A ruptura dos vínculos com a família biológica é total, não
restando qualquer tipo de relacionamento jurídico. Neste senti-
do a adoção mantém as mesmas características de seus
Capítulo IV — Da Adoção
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○ ○

primórdios, quando o filho saía de sua família natural, ingres-


sava na adotiva, cortando todos os vínculos existentes, haven-
do, até mesmo, a proibição de participar das cerimônias fúne-
bres na família biológica.

2. Impedimentos Matrimoniais

Este é o único vínculo que permanece entre o adotado e


sua família natural.
O NCC, mantendo a tradição de nosso Direito, arrolou em
seu art. 1.521 as hipóteses de impedimentos matrimoniais, re-
ferente, a maior parte delas, à proibição de casamento entre as
pessoas próximas, ligadas por laços de parentesco, principal-
mente na linha reta.
Os impedimentos matrimoniais, antes de constituírem co-
mando jurídico formal, têm fundamento moral e religioso. Não
há, do ponto de vista da natureza, qualquer óbice à procriação
entre filhos e pais. Entretanto, para evitar o nascimento de crian-
ças com doenças congênitas, bem como a descendência portado-
ra de problemas físicos ou mentais, estabeleceu a Lei tais impe-
dimentos matrimoniais.
A mesma preocupação ética existente para com os impedi-
mentos decorrentes do parentesco biológico se estendem ao pa-
rentesco civil. Se há impedimento de casamento nas relações de
parentesco biológicas, o mesmo há que ocorrer nas relações de
parentesco adotivas, em face do princípio da igualdade, já men-
cionado. Este impedimento tem que ser aplicado à adoção, sob
pena de subverter-se a essência e a finalidade do instituto.

3. Adoção Unilateral

A regra do parágrafo único trata da figura da adoção uni-


lateral, na qual, através da adoção, será alterada uma das li-
nhas de parentesco, a materna ou a paterna.
É permitida a adoção dos filhos de um dos cônjuges ou com-
panheiro pelo outro.
O legislador reconhece as situações afetivas incidentes
quando um dos pais biológicos reconstrói sua vida, tornando-se
o novo companheiro deste verdadeiro auxiliar na criação do fi-
lho daquele, surgindo, em decorrência deste convívio, sentimento
paternal que vem a fazer com que ambos desejem jurisdi-
274
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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cionalizar esta filiação socioafetiva. Tal situação é bastante co-


mum, havendo casos de o adotante ser o único pai ou mãe que o
adotando conheceu em sua vida. Nada mais justo, portanto, que
autorize o legislador a legalização, passando a ser de direito, o
que, de fato, existe de longa data.
Quanto ao registro de nascimento do adotado, o nome do
adotante passará a constar de uma das linhas de filiação, man-
tido intacto o assentamento referente ao genitor biológico.

Art. 1.627. A decisão confere ao adotando o so-


brenome do adotante, podendo determinar a mo-
dificação de seu prenome, se menor, a pedido
do adotante ou do adotado.
Direito anterior: Lei nº 3.313 de 08 de maio de 1957, e art. 47, §
5º, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

1. Sobrenome do Adotante

Nenhuma novidade existe neste artigo. O fato de que o ado-


tando passará a utilizar os patronímicos do adotante nada mais
é do que conseqüência do princípio da isonomia entre os filhos.
Como dispõe o art. 1.626, do NCC, a adoção atribui situação de
filho ao adotado. Natural que aquele que, adotado, integra fa-
mília substituta deseje exibir, doravante, patronímico represen-
tativo de sua nova condição.

2. Modificação do Prenome

O prenome é sinal de identificação da pessoa, seu cartão


de visitas, a forma como é conhecido por todos na sociedade,
decorrendo daí a norma da imutabilidade deste, a qual atende
aos interesses superiores da sociedade.
A exceção autorizada pelo legislador, de todo correta, no
sentido da alteração do prenome do adotando menor de idade,
justifica-se por ser muito comum que os adotantes chamem a
criança por nome diverso daquele constante em seu registro,
passando a identificar-se o pequeno ser ainda em formação pelo
novo vocábulo.
Capítulo IV — Da Adoção
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275
○ ○

Ressalte-se, ainda, que a possibilidade de alteração do pre-


nome de menor deve ser apreciada com reserva. Devem o Juiz e
o Ministério Público, antes de autorizada a modificação, verifi-
car por qual nome atende a criança: aquele constante do regis-
tro ou o indicado pelos adotandos. Tal cuidado, que deverá ser
tomado mais amiúde quanto maior for a idade da criança, evi-
tará que o adotado venha a apresentar problema de auto-iden-
tificação.
Melhor seria que o legislador tivesse, como regra, vedada
a troca do prenome, apenas permitindo sua alteração nas ado-
ções de crianças de tenra idade, nas hipóteses em que estas ain-
da não se auto-identificassem pelo prenome constante de seu
registro civil.
Quanto ao adolescente, assim como ao maior de idade, não
se vislumbra hipótese em que seja cabível a alteração do preno-
me, pois ambos já são por este identificados no meio social, im-
portando sua alteração até mesmo na possibilidade de ser a
adoção utilizada como meio de descumprir obrigações ou tentar
furtar-se à aplicação de pena decorrente de condenação em juízo
criminal.

Art. 1.628. Os efeitos da adoção começam a par-


tir do trânsito em julgado da sentença, exceto
se o adotante vier a falecer no curso do proce-
dimento, caso em que terá força retroativa à data
do óbito. As relações de parentesco se estabe-
lecem não só entre o adotante e o adotado,
como também entre aquele e os descendentes
deste e entre o adotado e todos os parentes do
adotante.
Direito anterior: Art. 176 do Código Civil, art. 41, art. 42, § 5º, art.
47, § 6º, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

1. Efeitos da Adoção

A adoção produz duas modalidades de efeitos: os pessoais


e os patrimoniais.
Os primeiros dizem respeito à relação de parentesco entre
adotando, adotante e a família deste. Como dispõe o art. 1.626,
anteriormente comentado, a adoção atribui situação de filho ao
adotado, sem a possibilidade de qualquer distinção. Pelo fato de
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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o adotado passar a integrar família substituta, seu relaciona-


mento jurídico não se dará apenas com o adotante, mas com toda
a família deste.
A Carta Magna de 1988 previu o estabelecimento de rela-
ções de parentesco entre o adotado e a família do adotante, de-
correndo de tal norma constitucional regra de igual conteúdo
constante do Estatuto da Criança e do Adolescente e, agora, a
parte final do art. 1.628 do Novo Código Civil. Assim, todos os
membros da família do adotante passam a ser parentes do ado-
tado.
Os efeitos patrimoniais dizem respeito ao direito a alimen-
tos e à sucessão.
Passando a ser filho do adotante, a este transfere-se a
guarda do adotado, havendo, em conseqüência, dever de sus-
tento. Assim, se o pai deixa de prover a subsistência do filho,
este, como se filho natural fosse, fará jus à percepção de ali-
mentos.
Falecendo o adotante, participará da sucessão, na quali-
dade de descendente, o adotando ou o filho já adotado, receben-
do seu quinhão na partilha dos bens deixados pelo adotante por
ocasião de sua morte. Da mesma forma, sucederá o adotado aos
parentes do adotante, obedecidas as regras sucessórias.

2. Adoção post Mortem

Trata o presente artigo da adoção póstuma, que é a que se


concede após a morte do adotante, desde que este tenha tido
condições de manifestar, de forma inequívoca, seu desejo de
adotar.
Prevista também no Estatuto da Criança e do Adolescen-
te, esta modalidade de adoção só passou a figurar em nosso di-
reito após o advento da Constituição Federal de 1988, com a
implementação da adoção judicial.
A adoção é ato de amor, que acontece nos corações do
adotante e do adotado, ocorrendo anterior e independentemen-
te do ato judicial que faz produzir os efeitos jurídicos. Assim,
justa e adequada a possibilidade da adoção póstuma.
A legislação anterior permitia a ocorrência, por vezes co-
mum, de irreparável injustiça. Após estabelecidos profundos e
irreversíveis laços de afetividade entre adotando e adotante, com
a morte prematura deste último no curso do processo, ficava o
Capítulo IV — Da Adoção
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277
○ ○

“filho” desprovido não só do direito à sucessão, mas especialmente


do reconhecimento judicial da filiação, já, de fato, efetivamente
estabelecida, retornando ao anterior estado de abandono em que
se encontrava.
Com a previsão legal da adoção póstuma, bastará inequí-
voca manifestação de vontade do adotante para que o processo,
apesar da morte do autor, prossiga até seu termo, com o julga-
mento do mérito. Basta que a ação tenha sido proposta antes da
morte do autor, para que se tenha tal iniciativa como manifes-
tação expressa de sua vontade.
Nesta hipótese, por expressa determinação legal, os efei-
tos da sentença, que é de natureza constitutiva, retroagem ao
momento da morte do autor, de modo a não haver qualquer rom-
pimento no vínculo já estabelecido entre adotante e adotando.

Art. 1.629. A adoção por estrangeiro obedecerá


aos casos e condições que forem estabelecidos
em lei.
Direito anterior: Arts. 46, § 2º, 51 e 52 do Estatuto da Criança e
do Adolescente.

A adoção internacional é tratada pelo Estatuto da Criança


e do Adolescente — Lei nº 8.069/90 — e pela Convenção de Haia
relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de
Adoção, de 1993 — Decreto nº 3.087/99. Há que se cotejar, por-
tanto, atendendo-se à norma contida no art. 1.629 do NCC, os
três diplomas legais.
A Convenção de Haia 267 vige em nosso ordenamento jurídi-
co por força do Decreto 3.087/99, tendo de aplicar-se juntamen-
te com o Estatuto da Criança e do Adolescente e o NCC, tendo

267 A Convenção de Haia foi elaborada no sentido de sanar os problemas


relacionados com corrupção, busca de lucro com a adoção, falsificação
de registros de nascimento, compra de crianças dos pais biológicos,
entre outros, além de tentar uma regulamentação uniforme no que
concerne aos requisitos para reconhecimento das adoções pelos diver-
sos países que recebiam as crianças adotadas. Os objetivos da Con-
venção são expostos em seu art. 1º, pretendendo, com eles, estabele-
cer uma nova legislação multilateral para todos os Estados Contra-
tantes que se propõem a solucionar os problemas apontados pela Con-
venção. Visa interromper os abusos que se davam em algumas situa-
ções de adoção internacional, assegurando que os interesses dos me-
nores prevaleçam em qualquer situação.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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plena aplicabilidade e devendo ser respeitada, a fim de que as


adoções internacionais possam se concretizar.
Sob o argumento de que a criança apta à adoção deve ser
mantida no território nacional, a fim de que não perca contato
com sua origem, cultura e língua, durante determinado período
a adoção internacional foi apreciada com reserva pelos juristas.
Com o tempo, a xenofobia começou a desvanecer, atenuando-se
a aversão a esta modalidade do instituto.
Não devemos ter oposição à adoção internacional, encará-
la como forma de omissão, como se estivéssemos deixando de
proteger nossas crianças e, até, abrindo mão de nossa sobera-
nia, pelo fato de permitirmos que brasileiros se tornem cida-
dãos de país estrangeiro. Nesse particular, oportunas as pala-
vras de Antônio Chaves: 268
Outra corrente, da qual fazemos parte, tomada de pavor
pelo espetáculo de miséria, doença, abandono em que fazem jus
tantas centenas de milhares de criaturas, lutando em meio à
promiscuidade, como animais selvagens pela própria subsistên-
cia e, para tanto, levadas à criminalidade, entende que, enquanto
não estivermos em condições de retirá-las da rua, acolher, man-
ter e educar todo esse contingente, o melhor será transigir provi-
soriamente com esses brios, pensar nelas, e admitir, pelo menor
por enquanto, que encontrem o abrigo e o afeto que merece todo
ser humano, mesmo em lares estrangeiros.

Ressalte-se, ademais, que a adoção internacional, como


qualquer modalidade de colocação em família substituta, é ex-
cepcional (arts. 19 e 31, ambos do ECA e Convenção de Haia,
art. 4º, alínea ‘b’). Logo, deve-se fazer empenho no sentido de
que a criança/adolescente permaneça no seio de sua família
natural. Se impossível, passa-se à colocação em família substi-
tuta brasileira, só se devendo cogitar da colocação em lar es-
trangeiro, na hipótese de frustrarem-se aquelas tentativas. As-
sim procedendo, estar-se-á aplicando o princípio da subsi-
diariedade da adoção internacional, sustentado pela Conven-
ção de Haia.
Tratando-se de questão de direito internacional, deve-se
estabelecer qual a legislação aplicável para a adoção. O Brasil

268 Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado — Comentários


Jurídicos e Sociais, p. 159, Coord. Munir Cury et alli, Malheiros, São
Paulo, 1992.
Capítulo IV — Da Adoção
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○ ○

adotou o critério distributivo. As leis pessoais regulam a capaci-


dade tanto do adotante quanto do adotado, i.e., a lei do país do
adotante regula sua capacidade para adotar e a do adotando
sua capacidade para ser adotado. A lex fori regulará o procedi-
mento da adoção e a forma como esta se efetivará, enquanto
que a lei pessoal das partes irá regular os efeitos da adoção. O
art. 7º, da LICC e arts. 2º, I, 14 e 15, da Convenção de Haia
indicam a distribuição dos requisitos de cada legislação.
Os requisitos para adotar deverão ser preenchidos pelo
adotante em seu país de residência habitual, 269 denominado pela
Convenção de “país de acolhida” (art. 51, § 1º, do ECA e arts. 14
e 15, da Convenção de Haia), enquanto a lei brasileira indicará
os pressupostos a serem preenchidos pela criança/adolescente
para que possa ser adotada (art. 16 da Convenção). Pelo fato de
a adoção ser realizada em nosso território, denominado “país de
origem” pela Convenção, aplicar-se-ão, para o deferimento da-
quela, as regras do Direito Brasileiro. Assim, se houver alguma
incompatibilidade entre os requisitos impostos ao adotante e os
exigidos por nossa legislação, deverá realizar-se adaptação, a
fim de que a adoção possa ser concretizada, atendendo a legisla-
ção pátria, bem como a estrangeira.
A Convenção de Haia cria a figura da Autoridade Central
(art. 6º e segs.), órgão responsável pelo cadastramento das crian-
ças aptas à adoção, bem como dos interessados em adotar. Cada
Estado Contratante deverá manter uma Autoridade Central,
encarregada das adoções internacionais, cabendo-lhe a análise
da documentação apresentada pelos adotantes, de modo a veri-
ficar-se se preenchem os requerentes os requisitos legais exigi-
dos para o ato. O art. 52 do ECA já faz menção a esta Autorida-
de Central, denominada Comissão Estadual Judiciária de Ado-
ção — CEJA (ou CEJAI, como preferem alguns).
Assim, a Autoridade Central do país dos postulantes re-
mete a documentação referente a estes, a qual será analisada
pela CEJA, concedendo este órgão, se for o caso, certificado de
habilitação dos postulantes a adoção de criança brasileira (art.
52, do ECA).
Há necessidade de que o adotante estrangeiro seja repre-
sentado por um Organismo Credenciado, que são as agências de

269 A Convenção não faz uso da expressão domicílio para indicar o local
onde vivem o adotante e o adotando, preferindo a expressão residên-
cia habitual, o que difere da prática do Direito Brasileiro.
280
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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adoção internacional, as quais, tendo por finalidade adequar as


crianças aptas à adoção às pessoas nestas interessadas, existem
em todo o mundo. Tais organismos não podem ter fim lucrativo,
e constituem exigência da Convenção de Haia para que alguém
possa adotar em país diverso daquele onde tem residência habi-
tual (arts. 11, 12 e 13). 270
O art. 4º, alínea ‘a’, da Convenção de Haia determina que
a criança deverá ser adotável. Este termo deixa claro que a crian-
ça submetida a um processo de adoção internacional deverá os-
tentar as condições necessárias a ser colocada em família substi-
tuta.
Com isto, o entendimento predominante nas Varas da In-
fância foi o da liberação, para adoção, somente das crianças e
adolescentes cujos pais já foram destituídos do poder familiar.
Exagera-se neste entendimento. Não se faz necessário que
o adotando esteja previamente destituído do poder familiar para
que se possa iniciar o processo de adoção. Basta que o adotando
se encontre nas situações previstas no art. 1.624, do NCC.
Evidencia-se que a grande maioria das crianças e adoles-
centes abrigados se encontra na situação descrita no menciona-
do art. 1.624. Assim, despiciendo o prévio ajuizamento de ação
de destituição do poder familiar para que se possa aceitar a
adoção da criança/adolescente por estrangeiro, até porque não
há óbice processual no acolhimento da cumulação de pedidos,
sendo certo que tal cumulação ocorre correntemente.
Para que se inicie o processo de adoção, necessário que os
adotantes estejam no Brasil, pois o art. 46, § 2º do Estatuto da
Criança e do Adolescente exige a realização de estágio de convi-
vência, em nosso país, no curso da ação. Incidirá, assim, a regra
do art. 28 da Convenção de Haia, em lugar da do art. 21, que
indica hipótese de transferência do adotando ao país do adotante
antes de ultimada a adoção. O referido artigo 28 dispõe que a lei

270 Esta exigência, da adoção internacional ser realizada através de um


organismo credenciado, fez com que ocorresse uma paralisação dos
pedidos de adoção perante a CEJA. Esta paralisação ocorreu em de-
corrência da necessidade de que os organismos se credenciassem, pri-
meiramente perante o Ministério da Justiça e, depois, perante as
CEJAs de cada Estado Membro. No momento atual, os pedidos de
adoção internacional já voltaram a tramitar perante a CEJA, pelo
menos no Estado do Rio de Janeiro, de acordo com as regras da Con-
venção de Haia.
Capítulo IV — Da Adoção
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281
○ ○

do Estado de origem da criança prevalecerá sempre que vetar,


antes da adoção, o deslocamento do adotando para o Estado de
acolhida.
Merece destaque o artigo 17, alínea “d”, da Convenção de
Haia, que dispõe que só se autorizará adoção pelo país de ori-
gem da criança, se restar demonstrado que esta poderá ingres-
sar no país de acolhida e nele residir definitivamente. Este co-
mando soluciona problema freqüente, de não ser a adoção acei-
ta no país dos adotantes e, fato mais grave, não se permitir o
ingresso do adotando, considerado estrangeiro.
O art. 29 da Convenção de Haia veta contato entre os pais
biológicos e a família substituta estrangeira antes da verifica-
ção de que a criança pode ser adotada (art. 4º, da Convenção).
Tal proibição se dá para evitar eventual alegação de coação por
parte dos pais biológicos, no que toca à concordância do pedido
dos estrangeiros.
Fato extremamente benéfico para as nossas crianças, a
Convenção de Haia, conforme art. 23, 1, equiparou, em todos os
Estados Contratantes, os efeitos da adoção.
Assim, se nosso sistema confere situação de filho ao ado-
tado, este ingressará no país de acolhida garantido pelo princí-
pio da igualdade.
Muito se tem a falar sobre adoção. Só o tempo nos dará as
respostas corretas. O aplicador do Direito e o estudioso da ado-
ção não podem esquecer que esta nada mais é do que um ato de
amor, de vida, e nas palavras de Mahatma Gandhi: A vida é
somente vida quando existe o amor.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Capítulo V — Do Poder Familiar
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Capítulo V
DO PODER FAMILIAR

Seção I
Disposições Gerais

Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel


Promotora de Justiça Titular da 11ª Curadoria de Família
da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro

Nos primórdios das civilizações, a família era uma insti-


tuição que tinha essencialmente bases religiosas. A família era
uma pequena sociedade com seu chefe e seu governo. O pai, ho-
mem forte que protegia o grupo familiar, detinha a autoridade
de fazer-se obedecer. Era o sacerdote, o herdeiro do lar, o
continuador dos avós, o tronco dos descendentes, o depositário
dos ritos misteriosos do culto e das fórmulas secretas da ora-
ção.
A expressão pater possuía diversos significados. Na reli-
gião aplicava-se a todos os deuses; na linguagem do foro, a todo
homem que tivesse autoridade sobre uma família e sobre um
domínio (pater familias); para os escravos, a expressão era usa-
da como seu senhor (dominica potestas). A palavra pater, por-
tanto, não encerrava significado de paternidade, mas de poder,
autoridade, de dignidade majestosa.
Ao pai de família, pelas antigas leis gregas e romanas, foi
conferido o poder (potestas) absoluto e ilimitado sobre os inte-
grantes do grupo familiar. No que concerne ao filho (patria
potestas), o pai podia repeli-lo ao nascer, vendê-lo e condená-lo
até a morte. 271

271 Sobre as origens do poder familiar consultar FUSTEL DE COU-


LANGES, A Cidade Antiga, 4ªedição, 2ª tiragem. São Paulo: Martins
Fontes, 2000, p. 85-121.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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A família brasileira contemporânea teve como antecedente


o modelo desta estrutura familiar proveniente da civilização ro-
mana. O pater familias detinha o papel de senhor, sacerdote e
magistrado. Os membros da primitiva família romana, incluin-
do os escravos, estavam sob a autoridade e o poder do pater. Era
o titular de todos os bens da família. A comunidade familiar oci-
dental viveu largo período sob a forma patriarcal.
O Código Civil de 1916 adotou a expressão “pátrio poder”
durante décadas para definir a autoridade do pai sobre os fi-
lhos, apesar do sem-número de críticas doutrinárias. A mudan-
ça da denominação era essencial à adequação do instituto ao
novo perfil de Direito de Família do século XXI.
O principal fator da mudança foi o advento da Constitui-
ção Federal de 1988. O Princípio da Dignidade da Pessoa Hu-
mana, erigido ao ápice do ordenamento jurídico, ensejou que as
relações familiares passassem a ser equacionadas em razão da
dignidade de cada partícipe.
A começar pelo estabelecimento de que “homens e mulhe-
res são iguais em direitos e obrigações” (art. 5º, I, da CF/88) e
que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são
exercidos igualmente pelo homem e pela mulher” (art. 226, § 4º
da CF/88), já não se justifica a manutenção de designação indi-
cativa da superioridade paterna no âmbito familiar.
Forçosamente ultrapassada a concepção de que o pátrio
poder consiste na subordinação dos filhos aos pais, a autorida-
de dos pais transmudou-se em poder de proteção.
A nova denominação — Poder Familiar — acolhida pelo
Código Civil ora examinado traduziu a necessidade de atualiza-
ção da ultrapassada expressão “pátrio poder”, originária do di-
reito romano. “Se antes já era condenável, agora é insustentá-
vel. Diante da posição legal de igualdade entre o homem e a
mulher na sociedade conjugal, não deve manter-se designação
que tradicionalmente indica superioridade do pai. Mais do que
a denominação autoridade parental, porém, parece preferível,
por sua amplitude e identificação com a entidade formada por
pais e filhos, a locução poder familiar, constante das pondera-
ções do professor Miguel Reale. É, também, de mais fácil com-
preensão pelas pessoas em geral”. 272

272 Emenda Modificativa nº 26 do Relatório Preliminar do Deputado Fe-


deral Ricardo Fiúza.
Capítulo V — Do Poder Familiar
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○ ○

Com efeito, várias legislações européias já afastaram, há


muito, a vinculação deste munus à figura paterna. Legislações
como a francesa e a italiana, por exemplo, utilizam a qualifica-
ção autorité parentale e potestà genitoria para designar como
titulares da autoridade sobre os filhos somente os genitores.273
Nada obstante a manutenção da palavra “poder” na ex-
pressão brasileira do instituto, certo é que não se discute mais
ser a função na qual os pais revestem exercida no exclusivo in-
teresse dos filhos.
Interessante ressaltar que o próprio autor do Código Civil
de 1916, o saudoso Clóvis Bevilaqua, ao definir o “pátrio poder”
destacou, à época, a preocupação com o interesse maior da pro-
le. Em suas observações, o festejado doutrinador nos ensina:
“Pátrio poder é o complexo dos direitos que a lei confere ao pai,
sobre a pessoa e os bens dos filhos. No Direito moderno, esse
conjunto de direitos é apenas tutelar, no sentido de que a sua
organização visa mais ao interesse do filho, que, por sua idade,
necessita de um guia protetor, do que o interesse do pai, como
no antigo Direito. A autoridade dos pais é um poder familiar,
quer dizer, uma autoridade, que mantém os laços da família, e
dentro do círculo das relações desta se circunscreve; todavia, está
sobre ela vigilante o poder social para impedir os abusos, quer
de ordem moral, quer de ordem econômica”. 274
A doutrina da proteção integral incorporada à Constitui-
ção Federal de 1988 no art. 227 significa que crianças e adoles-
centes são sujeitos de direitos perante a família, a sociedade e
o Estado.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), con-
junto de normas que se aplicam a todas as crianças e adolescen-
tes, representa real avanço na garantia dos direitos menoristas
estabelecidos na Constituição Federal, em especial dos direitos
fundamentais expressos no referido art. 227.
Afastou-se de vez a concepção de menores como objeto de
intervenção por parte do mundo adulto. As crianças e os adoles-
centes, quaisquer que sejam, são também titulares de todos os
direitos humanos (art. 3º da Lei 8.069/90) e de direitos especiais

273 ELIAS, Roberto João. Pátrio Poder. São Paulo: Editora Saraiva, 1999,
p.12-14.
274 BEVILAQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Co-
mentado. Rio de Janeiro: Editora Paulo de Azevedo Ltda.,1952,p. 357.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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decorrentes da condição peculiar de pessoas em processo de de-


senvolvimento (art. 6º da Lei 8.069/90).
Nesta nova senda do Direito de Família, o poder familiar
deve pautar-se pelo princípio da prioridade absoluta, 275 no prin-
cípio do interesse maior da criança 276 e, ainda, ser exercido com
responsabilidade pela família, ambiente natural para o cresci-
mento e bem-estar de seus membros, em especial dos filhos.
Ao adotar a expressão “Poder Familiar” fixou a Lei Civil a
autoridade aos componentes da família menor, definida como
entidades familiares pela Constituição Federal de 1988. 277
Seja constituída pelo casamento, pela união estável ou por
família monoparental, seja a família natural, biológica ou con-
sangüínea (art. 25 da Lei 8.069/90) ou cuja prole seja advinda
do vínculo civil da adoção (art. 227, § 5º, da Constituição Fede-
ral/88 e art. 19 da Lei 8.069/90), a família moderna é a comuni-
dade mais adequada à formação e ao desenvolvimento da perso-
nalidade de seus participantes de maneira que exprime função
instrumental para a melhor realização dos interesses afetivos e
existenciais de seus componentes.
O poder familiar, portanto, é instituto de relevância ím-
par no estudo da estrutura da família, pois, na convivência en-
tre pais e filhos, estará presente, no absoluto número de vezes,
o feixe de obrigações parentais.
Assim, modernamente, o poder familiar é a instituição des-
tinada a proteger os filhos, na qual poderes e prerrogativas são
outorgados aos pais para facilitar o cumprimento destes deve-
res e tem nestes a sua exata medida. 278

275 Art. 227 da Constituição Federal c/c art. 4º da Lei 8.069/90.


276 Art. 3º da Convenção Internacional dos Direitos da Criança aprovada
em 20.09.89 na Assembléia Geral das Nações Unidas, ratificada pelo
Brasil através do Decreto 99.710/90.
277 Art. 226 da Constituição Federal de 1988: “A família, base da socie-
dade, tem especial proteção do Estado. § 1º O casamento é civil e
gratuita a celebração. § 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos
termos da lei. § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a
união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, de-
vendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º Entende-se,
também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer
dos pais e seus descendentes”.
278 GOMES, Orlando. Direito de Família. 7ª edição, 2ª tiragem, Rio de
Janeiro: Forense, 1990, p. 367
Capítulo V — Do Poder Familiar
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287
○ ○

Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder fa-


miliar, enquanto menores.
Direito anterior: Art. 379 do Código Civil.

A base de alteração na redação inicial do artigo sustenta-


se na Constituição Federal. O art. 227, § 6º, consagrou o princí-
pio da igualdade entre os filhos, não permitindo a manutenção
da odiosa discriminação dos filhos nascidos fora do casamento.
De igual forma, seguiram esta tendência o artigo 20 da
Lei 8.069/90 e artigos 5º e 6º da Lei 8.560/92. Desta maneira, o
uso da palavra “filhos” basta ao entendimento de todos.
A menoridade de que trata o artigo comentado foi modifi-
cada para 18 anos (art. 5º do NCC), acompanhando posi-
cionamento da legislação internacional. A representação do fi-
lho pelos pais, munus do poder parental, alcança também a fase
de concepção (nascituro), apesar de faltar personalidade ao fi-
lho, dado que adquirida somente com o nascimento com vida (art.
2º do NCC).
Depois de atingidos os 18 anos, os filhos, apesar de conti-
nuarem a ser obviamente filhos pelo vínculo do parentesco, não
estão mais sujeitos à autoridade dos pais e a serem por estes
representados.
Por outro lado, os filhos que atingirem a maioridade aos
18 anos, mas não possuírem discernimento mental capaz de fir-
mar autonomia e independência de vida (art. 1.767 do NCC),
poderão ser representados pelos pais (§1º do art. 1.775 do NCC)
através do instituto da curatela.

Art. 1.631. Durante o casamento e a união está-


vel, compete o poder familiar aos pais; na falta
ou impedimento de um deles, o outro o exerce-
rá com exclusividade.
Parágrafo único. Divergindo os pais quanto ao
exercício do poder familiar, é assegurado a qual-
quer deles recorrer ao juiz para solução do de-
sacordo.
Direito anterior: Art. 380 do Código Civil e art. 21 da Lei 8.069/90.

Como dito, a igualdade entre homens e mulheres, entre


cônjuges e companheiros, estabelecida pela Lei Maior (art. 5º, I
e 226, § 5º) com reflexos no poder familiar exercido sobre os fi-
288
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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lhos, já se encontrava consagrada em leis especiais (art. 21 da


Lei 8.069/90 e art. 2º da Lei 9.278/96).
O exercício do poder familiar é comum aos genitores, não
se modificando tanto nos casos de separação judicial/divórcio
(no casamento) quanto na dissolução de sociedade de fato ou
união estável dos pais, exceto no que concerne à guarda.
Havendo discordância quanto ao exercício deste poder, é
assegurado aos pais o direito de recorrer à autoridade judiciá-
ria para a solução da divergência (art. 21 do ECA), podendo ser
nomeado Curador Especial ao filho, o qual o representará e ve-
lará por seus interesses, quando colidirem os interesses dos pais
com os do menor (parágrafo único do art. 142 do ECA).
Vê-se, pois, que a titularidade do poder familiar é restrita
aos genitores, não sendo permitida a delegação ou transferên-
cia a qualquer outro parente. Legislações há, como a do México,
em que o pátrio poder, em casos de filhos advindos de matrimô-
nio, é exercido pelo pai e a mãe, pelo avô e avó paternos e pelo
avô e avó maternos. 279
A nova legislação prevê ainda que o poder familiar, em caso
de falta ou de impedimento de um dos pais durante o casamen-
to ou a união estável, seja exercido de forma exclusiva por um
daqueles. Parece que o legislador pretendeu disciplinar o poder
familiar durante o afastamento do lar, justificado ou não, por
prolongado lapso de tempo, de um dos genitores.
A falta ou o impedimento injustificado do pai ou da mãe
na vida da prole poderão ser julgados, através de ação própria,
com a finalidade de solucionar não só a questão da dissolução
da sociedade conjugal ou do companheirismo, mas também acer-
ca da exclusividade no exercício do poder familiar em favor de
quem já o vem exercendo.
Justificado, porém, o afastamento, como no caso de doen-
ça ou de prisão, garante a nova regra exclusividade àquele que
estiver exercendo diretamente o poder familiar. Ressalte-se que,
qualquer que seja a natureza do afastamento da mãe ou do pai,
o(a) genitor(a) responsável e sua prole constituem família
monoparental.

2 7 9 ELIAS, Roberto João. Pátrio Poder. São Paulo: Ed. Saraiva, 1999,
p. 22.
Capítulo V — Do Poder Familiar
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○ ○

Art. 1.632. A separação judicial, o divórcio e a


dissolução da união estável não alteram as re-
lações entre pais e filhos senão quanto ao di-
reito, que aos primeiros cabe, de terem em sua
companhia os segundos.
Direito anterior: Art. 381 do Código Civil e artigos 9º a 16 e 27 da
Lei 6.515/77.

Como dito antes, no caso de afastamento dos cônjuges e


dos conviventes do seio familiar, a prole ficará sob a guarda fí-
sica de um deles.
O dispositivo em comento incluiu a regra para os casos de
divórcio e de dissolução de união estável, visto que as conseqüên-
cias para os filhos são rigorosamente as mesmas.
As mudanças jurídicas acarretadas aos genitores, como al-
terações na qualificação civil, na propriedade dos bens comuns
e, por vezes, do nome da mulher não podem e nem devem inter-
ferir nas relações entre pais e filhos. Este princípio expresso no
dispositivo, aparentemente óbvio, teve por finalidade afastar
qualquer conseqüência de discussões intraconjugais no âmbito
de relacionamentos pais/filhos.
Se os cônjuges ou os conviventes não cumprirem seus mú-
tuos deveres e do conflito resultar o rompimento do vínculo, a
culpa de qualquer deles ou de ambos no fracasso do casamento
não deverá atingir os filhos. A regra do art. 1.584 do NCC será a
de atribuir a guarda “a quem revelar melhores condições para
exercê-la”.
Não se pode, todavia, olvidar que situações existem nas
quais a omissão nos deveres conjugais prejudica direito funda-
mental dos filhos, como, por exemplo, o dever de contribuição
para a manutenção da família. Nesta hipótese, o caso deve ser
examinado também sob o aspecto do exercício do poder familiar
adotando-se, então, empregar medidas para sanar os abusos.
O novo Código Civil incluiu o capítulo “Da proteção da pes-
soa dos filhos” no Subtítulo I “Do Casamento”, matéria que vi-
nha sendo regulamentada pela Lei 6.515/77 (Lei do Divórcio).
Melhor seria, todavia, que as regras de proteção da pessoa dos
filhos fossem incluídas nas disposições gerais do poder famili-
ar. Note-se que aquelas normas cuidam principalmente da guar-
da dos filhos, que é expressão do poder familiar.
A evolução estabeleceu critérios de escolha do titular da
guarda exclusivamente relacionados com o princípio do melhor
290
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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interesse da criança, objetivando garantir a esta o direito à con-


vivência familiar completa (artigos 1.584 e 1.586 do NCC).

Art. 1.633. O filho, não reconhecido pelo pai, fica


sob poder familiar exclusivo da mãe; se a mãe
não for conhecida ou capaz de exercê-lo, dar-
se-á tutor ao menor.
Direito anterior: Art. 383 do Código Civil.

A exceção prevista no NCC, em seu art. 1.633, de que o


filho não reconhecido pelo pai ficará sob o poder familiar exclu-
sivo da mãe, está em perfeita consonância com o conceito atual
de família monoparental do art. 226, § 4º, da Constituição Fede-
ral: “comunidade formada por qualquer dos pais e seus descen-
dentes”.
Ressaltamos aqui a indispensável extensão do texto civil
à figura paterna que, obviamente, também possui o direito de
exercer o munus, mesmo sozinho, em caso do não-reconhecimen-
to materno.
Por fim, recomenda a norma legal que, sendo a genitora
desconhecida ou incapaz de exercer a autoridade, deve ser no-
meado tutor à criança ou ao adolescente, criando mais uma hi-
pótese de aplicação do instituto da tutela.

Seção II
Do exercício do poder familiar

Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa


dos filhos menores:
I — dirigir-lhes a criação e educação;
II — tê-los em sua companhia e guarda;
III — conceder-lhes ou negar-lhes consentimen-
to para casarem;
IV — nomear-lhes tutor por testamento ou do-
cumento autêntico, se o outro dos pais não lhe
sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o
poder familiar;
V — representá-los, até aos dezesseis anos, nos
atos da vida civil, e assisti-los, após essa ida-
de, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes
o consentimento;
Capítulo V — Do Poder Familiar
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291
○ ○

VI — reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;


VII — exigir que lhes prestem obediência, respeito
e os serviços próprios de sua idade e condição.
Direito anterior: Art. 384 do Código Civil, art. 22 da Lei 8.069/90
e art. 2º, da Lei nº 9.278/96.

Pela profundidade e perenidade do vínculo do qual se ori-


gina esta autoridade, o poder familiar é alvo de muitas críticas
acerca de sua amplitude. O instituto engloba os direitos e deve-
res previstos nos artigos 1.634 do Código Civil e, quanto aos
bens, os previstos nos arts. 1.689 e 1.693. A estes deveres adita-
se, por evidente, o disposto nos arts. 227 e 229 da Constituição
Federal de 1988 e artigos 15 e 22 da Lei 8.069/90, por serem
perfeitamente compatíveis à nova lei.
A ambos os pais, sejam biológicos ou adotivos, incumbem o
exercício e o adequado cumprimento daqueles ônus antes men-
cionados, consoante disposto nos artigos 1.566, inciso IV, 1.567,
1.579 e 1.583/1.590 do Novo Código Civil, art. 21 do ECA e art.
2º da Lei 9.278/96.
Apesar de não estar elencado no artigo em questão, o pri-
meiro dever dos pais, ao nascer o filho, é conferir-lhe um nome,
registrando-o no Cartório de Registro de Pessoas Naturais com
os dados completos da criança, a fim de que esta seja pronta-
mente identificada e ligada a uma família pelo vínculo de filia-
ção e parentesco.
O nome é um direito da personalidade, nele compreendi-
dos o prenome e o sobrenome (art. 16 do NCC), e constitui direi-
to fundamental da pessoa a uma identidade. O reconhecimento
do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e
imprescritível, podendo ser exercido contra os pais ou seus her-
deiros, sem qualquer restrição (art. 27 do ECA).
Se a criança ou o adolescente não for registrado, por omis-
são, abuso ou falta dos pais (art. 98, II do ECA), o Juízo da
Infância e da Adolescência, além da aplicação de medidas prote-
tivas (art. 101 do ECA), determinará a regularização do seu re-
gistro civil. Inexistindo este registro, o assento de nascimento
será feito à vista dos elementos disponíveis (art. 102 e §§ do
ECA). Ao lado desta medida, parece aconselhável, ainda, deva
ser aplicado o disposto no artigo 1.633, dando-se tutor ao menor.
A sonegação, supressão e alteração do estado de filiação de
uma criança constituem crimes previstos nos artigos 241 a 243
do Código Penal.
292
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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O dever de sustento significa a provisão, a subsistência ma-


terial e moral, fornecimento de alimentação, vestuário, abrigo,
medicamentos, ou seja, propiciar condições para sobrevivência e
desenvolvimento do filho. É resultante do poder familiar. Existe
enquanto os filhos são menores de 18 anos e subsiste à autori-
dade. Com a maioridade ou emancipação rompe-se, então, o po-
der familiar e, portanto, cessa o dever de sustento.
Mesmo que o filho menor de idade exerça atividade labo-
rativa ou disponha de recursos financeiros para manter-se, aos
pais incumbe o dever de sustentar a prole. Não é um dever recí-
proco. Somente é obrigatório entre pais e filhos e não entre fi-
lhos e pais. Ressalte-se que o dever alimentar existente entre
filhos e pais, após a maioridade, baseia-se unicamente no vín-
culo do parentesco. 280
O Código de Menores previa expressamente que “a perda
ou a suspensão do pátrio poder não exonera os pais do dever de
sustento dos filhos”. O Estatuto da Criança e do Adolescente
nada fala a respeito. Contudo, a lei menorista afirma no art. 41
que cessa com a adoção o vínculo de parentesco. Portanto, se
não há adoção, mas apenas perda ou suspensão do pátrio poder,
o liame de parentesco permanece, tanto assim é que não são
retirados do registro civil do filho os nomes dos pais destituí-
dos.
Assim, em apertada síntese, se houver decisão destituin-
do ou suspendendo o poder familiar, o dever de alimentar o fi-
lho subsiste ex vi legis (artigos 1.694, 1.696 e 1.701 do NCC)
como obrigação decorrente do vínculo de parentesco, não impor-
tando se outrem esteja exercendo a sua guarda. 281

280 CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 3ªedição. São Paulo: Ed.Revista
dos Tribunais, 1999, p.684/685.
281 Em entrevista ao Boletim IBDFAM de setembro/outubro de 2001, p.4,
o professor JOÃO BAPTISTA VILLELA estabeleceu interessante di-
ferença entre o dever alimentar dos pais biológicos e o exercício do
poder parental: “... a procriação é uma proposta de paternidade. Se o
procriador ou a procriadora não a aceita, não estão aptos para o exer-
cício da paternidade ou da maternidade. Mas devem responder civil-
mente pelo ônus de terem posto uma pessoa no mundo, atribuindo-lhe
o necessário para o seu sustento. Caberá à sociedade empenhar-se para
que esta criança “rejeitada” (ainda que “alimentada”) encontre quem
a acolha como filho. Este, esta ou estes serão seus pais. Os demais
continuam apenas procriadores...”
Capítulo V — Do Poder Familiar
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293
○ ○

Em segundo lugar, o poder familiar engloba a guarda que


é um direito e um dever. A guarda consiste no poder de manter
o filho junto de si, disciplinando-lhe as relações, representan-
do-o ou assistindo-o nos atos da vida (art. 8º do Código de Pro-
cesso Civil; artigos 3º, inciso I, 4º, inciso I, art. 76, parágrafo
único do NCC; artigos 19 e 142 da Lei 8.069/90).
A guarda tem por finalidade resguardar a própria vida do
filho, pelo exercício de vigilância sobre ele. Ao “direito à vida”
da criança e do adolescente, referido no art. 227, caput, da CRFB,
corresponde o dever dos pais de procurar a proteção do filho
contra risco de vida.
Na dissolução da sociedade conjugal ou da união estável,
o ideal é que os genitores possam estipular livremente a guarda
e a visitação do filho, com bom senso e harmonia. Nos casos de
litígio na separação dos pais, a guarda do filho, com muita fre-
qüência, transforma-se em lide autônoma e complexa na qual a
criança é exposta aos problemas conjugais dos pais e a situa-
ções constrangedoras de visitação. A ausência de culpa do pai
ou da mãe, como é sabido, não é o melhor parâmetro para indi-
car o guardião. Desta maneira, o novo Código Civil traçou crité-
rios específicos no Capítulo XI — “Da Proteção da Pessoa dos
Filhos”. Ao Magistrado de Família cabe analisar com acuidade
os elementos subjetivos e objetivos do caso concreto, decidindo
sempre no melhor interesse do filho do ex-casal.282
Na prática da Curadoria de Família, a nossa orientação
aos pais tem sido pautada, sempre que possível, no sentido da
guarda compartilhada do filho menor joint custody. 283 Isto por-
que o art. 227 da Constituição Federal de 1988 e artigos 4º, 16,
V e 19 da Lei 8.069/90 afirmam o dever dos pais de propiciar ao
filho o direito à convivência familiar. Este direito somente é ple-
namente garantido se ao menor assegurar-se o contato fácil e
direto com a m b o s o s g e ni t o r e s. A gu a r d a c o m p a r t ilh a d a
desmembra-se em guarda física (direito de convivência ou

282 Acerca do tema EDUARDO DE OLIVEIRA LEITE em Famílias


Monoparentais, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997,
p.197, indica alguns pontos de referência para a fixação do “interesse
do menor”.
283 Acerca da importância da inclusão da Guarda Compartilhada no Di-
reito de Família Brasileiro ler estudo de SÉRGIO EDUARDO NICK,
da Sociedade Brasileira de Psicanálise, publicado em A Nova Famí-
lia: Problemas e Perspectivas, Organizador Vicente Barreto, Rio de
Janeiro, Renovar, 1997, p.127/168
294
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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custódia) e guarda jurídica (poder de decisão de ambos os pais).


A essência da guarda compartilhada é a cooperação e o diálogo
entre os pais, separando-se os papéis e funções de ex-cônjuges,
mas, ao mesmo tempo, mantendo-se o poder familiar pleno. 284
A guarda, contudo, em casos extremos, pode ser separada
da autoridade parental e transferida para terceiros, como pre-
vê o art. 129, VIII, do ECA, sem que os genitores sejam suspen-
sos ou destituídos do poder familiar. A permanência do filho na
companhia de terceiros poderá ser reavaliada a qualquer tem-
po, pois o ideal é que a criança ou o adolescente retornem ao
convívio dos pais (art. 33 e seguintes do ECA).
Estando o filho, todavia, sob a guarda de estranhos, sem
autorização judicial ou dos pais, desde que o poder familiar per-
maneça com os pais, o mecanismo jurídico adequado para que a
criança ou adolescente volte ao seio familiar será a medida cau-
telar de busca e apreensão.
O novo Código Civil inova prevendo expressamente que o
juiz poderá atribuir a guarda dos filhos, em sede de separação
judicial ou de divórcio, a “quem revelar melhores condições para
exercê-la” (art. 1.584), e, verificando que os filhos não devem
permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, o magistrado defe-
rirá a guarda “à pessoa que revele compatibilidade com a natu-
reza da medida, de preferência levando em conta o grau de pa-
rentesco e relação de afinidade e afetividade, de acordo com o
disposto na lei específica” (parágrafo único do art. 1.584).
Confere também o art. 1.586, em casos mais graves, poder
discricionário ao juiz para fixar, de maneira diversa, a bem dos
filhos, a situação destes em relação aos pais.
Dúvida não há, pois, de que, nas hipóteses antes mencio-
nadas, em que o filho se afasta do seio familiar por determina-
ção judicial, as normas legais a serem seguidas serão as da Lei
8.069/90, específicas para a colocação em família substituta.
Praticando o filho menor atos que ensejem dano a outrem,
caberá ao guardião (pai ou mãe) responder civilmente, através
de seus bens, para ressarcir os prejuízos causados a terceiro (art.
932, I do NCC). O incapaz, contudo, responde pelos prejuízos que
causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obriga-
ção de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. A indeni-

284 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada. Um novo modelo


de responsabilidade parental. São Paulo: Editora Revista dos Tribu-
nais, 2000.
Capítulo V — Do Poder Familiar
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295
○ ○

zação não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as


pessoas que dele dependem (art. 928 do NCC).
O dever de educar, por seu turno, consiste em orientar o
filho menor, desenvolvendo-lhe a personalidade, aptidões e ca-
pacidades para adquirir independência, autonomia financeira
e reto caráter. Aos pais incumbe propiciar à prole instrução bá-
sica ou elementar, ensino em seus graus subseqüentes, na me-
dida de suas condições socioeconômicas, inclusive, no que con-
cerne à orientação espiritual. 285
Vinculadas à educação, há a correção e a disciplina, que
significam o castigo moderado aos filhos, impondo limites ne-
cessários à boa convivência familiar e social. Os pais devem
observar regras mínimas de respeito, liberdade e dignidade do
filho (art. 227 da Constituição Federal c/c 18 da Lei 8.069/90),
sob pena de responderem civil e penalmente por seus atos. O
respeito e a colaboração devem ser mútuos.
Neste diapasão, o inciso VII do artigo 1.634, resquício da
ultrapassada concepção do pátrio poder romano, deve adequar-
se aos novos princípios norteadores do direito de família. O di-
reito de os pais exigirem dos filhos que lhes prestem os serviços
próprios da idade e condição deve ser interpretado com as nor-
mas estatutárias acerca do trabalho infantil (artigos 60 e segs.
do ECA) e demais regras referidas no parágrafo anterior.
Os dispositivos referentes às demais obrigações parentais
alusivas aos bens dos filhos passaram a constar do Título “Do
Direito Patrimonial”, Subtítulo II. Este último também contém
normas relativas ao exercício do poder familiar, as quais foram
apartadas das demais para atender a critério, de discutível apuro
técnico, de dividir o Direito de Família em Direito Pessoal e
Direito Patrimonial. Aliás, tendo em vista que a Seção “Do Exer-
cício do Poder Familiar” se encontra no Título “Do Direito Pes-
soal” (tanto que por isso lhe foram suprimidas as normas rela-
tivas aos bens dos filhos), o artigo 1.634 não deveria consignar
“quanto à pessoa dos filhos menores”. Tal como escrito, o dispo-
sitivo é mera cópia do artigo 384 do Código Civil anterior, no
qual, porém, se seguiam imediatamente normas relativas aos
deveres dos pais quanto aos bens dos filhos, justificando, as-
sim, que antes se explicitasse claramente a natureza do direito
tutelado.

285 Art. 55 da Lei 8.069/90 — “Os pais ou responsável têm a obrigação de


matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino.”
296
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Seção III
Da suspensão e extinção do poder familiar

Art. 1.635. Extingue-se o poder familiar:


I — pela morte dos pais ou do filho;
II — pela emancipação, nos termos do art. 5º, pa-
rágrafo único;
III — pela maioridade;
IV — pela adoção;
V — por decisão judicial, na forma do artigo
1.638.
Direito anterior: Art. 392 do Código Civil e artigo 24 da Lei 8.069/90.

Primeiramente impõe-se conveniente estabelecer-se a dis-


tinção semântica entre as expressões “suspensão”, “extinção”,
“perda” e “destituição do poder familiar”. Tais expressões fo-
ram utilizadas pelo Código Civil de 1916 com significados dife-
rentes, posteriormente acolhidas pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente e mantidas no novo Código Civil.
A suspensão e a destituição são as sanções mais graves
impostas aos pais através de sentença, os quais, após o devido
processo legal e o crivo do contraditório, tiverem seus atos ca-
racterizados como atentatórios aos direitos do filho (art. 129, X
c/c artigos 155/163 da Lei 8.069/90).
A diferença entre a suspensão e a destituição se estabele-
ce pela graduação da gravidade das causas que as fundamen-
tam e a duração da penalidade. Enquanto a suspensão é provi-
sória e fixada ao prudente critério do magistrado, dependendo
do caso concreto e no interesse do menor, a perda do poder fami-
liar pode revestir-se de caráter irrevogável, como no caso de
transferência do poder familiar pela adoção.
Ressalte-se que os artigos referentes à suspensão do po-
der familiar, como no Código Civil de 1916, estão inseridos
topologicamente após tratar da hipótese de extinção. Melhor
seria que as disposições a ela concernentes fossem inseridas
antes da extinção, posto que suas conseqüências são mais bran-
das. Contudo, a nova lei permaneceu na mesma linha, manten-
do os dispositivos da suspensão após traçar as formas de extin-
ção.
Dispunha o Código Civil anterior que a extinção do poder
familiar ocorria em hipóteses taxativas, todas de natureza irre-
versível e não associadas da ação ou da omissão abusiva dos
Capítulo V — Do Poder Familiar
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297
○ ○

titulares do poder familiar. O novo texto legal, contudo, incluiu


na relação de modos de extinção os casos de perda. A inovação
legislativa colocou sob o mesmo gênero “extinção” a cessação na-
tural e a judicial.
Como o poder parental tem duração limitada no tempo, al-
cançada a maioridade civil aos 18 anos de idade, cessa o munus
automaticamente, consoante disposto expressa e desnecessaria-
mente no inciso III.
Ocorre que, durante o exercido, fatos naturais podem inter-
ferir no prosseguimento deste dever. A morte de ambos os pais ou
do filho põe fim ao poder familiar. O menor de 18 anos, então,
terá como resposta legal mais adequada à sua situação ser aco-
lhido em família substituta, sob a modalidade de tutela, visando
o preenchimento do espaço deixado por seus responsáveis legais
(art. 1.728 do NCC), até que atinja a maioridade civil.
Desnecessário comentar que o falecimento de um dos geni-
tores não tem o condão de cessar o poder familiar do outro, haja
vista que ambos (pai e mãe) detêm este poder e atuam conjunta-
mente. O exercício de tal poder é entretanto pessoal. Ter-se-ia,
então, uma hipótese de família monoparental.
A vontade dos pais e do filho também pode acarretar a ex-
tinção do poder familiar, desde que preenchidos determinados
requisitos legais. É o caso da emancipação, que objetiva a ante-
cipação da maioridade civil do menor de 18 anos, tornando-o
apto para os atos da vida civil. Para tanto, o adolescente, após
16 anos completos, deverá estar capacitado nos termos do art.5º,
I para lidar diretamente com sua vida para, então, os pais lhe
concederem este direito.
A adoção permaneceu incluída no elenco das causas de ex-
tinção. Após o advento da Lei 8.069/90 — Estatuto da Criança e
do Adolescente — a adoção passou a ter caráter irrevogável (art.
48) e o vínculo de filiação formado a partir daí prescinde de an-
terior extinção do pátrio poder (§ 1º do art. 45).
Para melhor compreender-se a inserção da adoção como
causa de extinção do poder familiar, deve-se perquirir qual a
hipótese a que se referiu o legislador. Na primeira delas, o ado-
tando é órfão e, portanto, extinto está o poder familiar (cessação
natural prevista no art.1.635, I). Na segunda hipótese, o ado-
tando já completou 18 anos ou emancipou-se (cessação natural
do art. 1.635, II). Na terceira hipótese, os pais do adotando são
destituídos do poder familiar (art.1.635, V c/c art. 1.638 e art.
24 do ECA). Assim em princípio, não haveria necessidade da
previsão legal de extinção por adoção.
298
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Na realidade, o processo de adoção não é só causa de ex-


tinção do poder familiar. Consiste em um ato judicial que atri-
bui vínculo de parentesco. Em alguns casos, no entanto, a ado-
ção é julgada concomitantemente com o pedido de perda do po-
der familiar.
O legislador, ao manter a adoção nos casos de extinção do
poder familiar, cuidou da adoção com o consentimento dos pais
(artigos 45, caput, e 166 e parágrafo único do ECA). Nesta hipó-
tese, os pais biológicos “delegariam ou transfeririam” o poder
familiar para outra família. Estaríamos frente a uma “renún-
cia” imprópria, não obstante a figura da delegação do pátrio
poder existente no antigo Código de Menores (artigos 21 a 23)
não ter sido prevista pela Lei 8.069/90.
Diante do caráter de munus público, 286 o poder familiar e
os seus atributos são irrenunciáveis, visto que surgem por vir-
tude da lei e permanecem independentemente da vontade de
quem os tem, uma vez que não são criados para o seu serviço e
utilidade, mas em vista de um fim superior. 287
Caio Mário da Silva Pereira, com mestria, esclarece: “a
patria potestas, como direito de família puro, é indisponível, no
sentido de que o pai não pode abrir mão dele; é inalienável, quer
dizer, não pode ser transferido; é irrenunciável e incompatível
com a transação; é imprescritível, vale dizer, dele não decai o
genitor pelo fato de deixar de exercitá-lo. Somente pode perdê-
lo o pai na forma da lei”. 288
Com o advento da Lei 8.069/90 e, conseqüentemente, com
a disciplina da concordância dos pais biológicos com o ato judici-
al da adoção do filho, a doutrina e a jurisprudência passaram a
entender que a regra da indisponibilidade do poder familiar com-
portaria esta exceção. Assim, mediante acordo de vontades es-
tabelecido em audiência, os pais biológicos poderiam despojar-
se do direito ao poder familiar, com base nos permissivos legais
do parágrafo único do art. 166 do ECA c/c parágrafo único do
art. 447 do Código de Processo Civil. 289

286 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Direito de Família. São Paulo:


Editora Saraiva,1995. p. 358
287 RUGGIERO Roberto de. Instituições de Direito Civil. São Paulo: Edi-
tora Saraiva. 1958, volume II, p. 28
288 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de
Janeiro: Forense, 2001, volume V, p. 253
Capítulo V — Do Poder Familiar
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○ ○

A natureza desta manifestação de vontade dos pais bioló-


gicos configura-se, portanto, como pressuposto à colocação em
família substituta do filho na modalidade de adoção (art. 45 do
ECA).
Os genitores biológicos, expressa e espontaneamente, na
presença do Magistrado e do Ministério Público, manifestam a
concordância com a adoção do filho, depois de advertidos acerca
das conseqüências deste ato (parágrafo único do art.166 do ECA).
Acerca da natureza jurídica da manifestação de concordân-
cia dos pais, o membro do Ministério Público paulista José Luiz
Mônaco da Silva* afirma tratar-se de causa de extinção do pá-
trio poder sobre a qual o juiz não estará obrigado a dispor na
sentença de adoção, uma vez que o só deferimento desta última
acarretará automaticamente a extinção de tal poder, tendo em
vista a impossibilidade de coexistência simultânea entre os ins-
titutos.
Ressalte-se que, mesmo com a anuência dos genitores bio-
lógicos, a adoção somente é deferida depois de verificada a pre-
sença de todas as condições legais objetivas (art. 39 e seguintes
c/c art. 165 e seguintes do ECA) e se a medida apresenta reais
vantagens para o adotando e se funda em motivos legítimos (art.
43 do ECA). Destaca-se, ainda, que, no curso do processo, são
avaliados os vínculos socioafetivos do menor com sua família bi-
ológica e a razão de a mesma ter desejado colocá-lo em família
substituta, tudo com o fito de evitar que se caracterize a prática
do crime previsto no artigo 238 do ECA.
Destarte, apesar de assemelhar-se a uma “renúncia”, a
anuência dos pais biológicos é formalidade que dependerá de
decisão judicial para ter efeito jurídico desconstitutivo de filia-
ção.
Desta maneira, se a adoção não se concretizar, os pais bio-
lógicos mantêm íntegro e intacto o seu poder familiar. Caso a
adoção se formalize o vínculo de parentesco anterior será
desconstituído e transferido para a família adotiva. Vê-se que
não se trata de mera extinção do poder familiar, mas causa
translativa de vínculo de parentesco. 290

289 AZEVEDO, Luiz Carlos. Estatuto da Criança e do Adolescente Comen-


tado. São Paulo: Malheiros Editores,1992. p. 474/475.
* Revista Justitia, do Ministério Público do Estado de São Paulo, nº 176.
290 PEREIRA, Caio Mário da Silva Pereira, op. cit., p.260.
300
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Art. 1.636. O pai ou a mãe que contrai novas núp-


cias, ou estabelece união estável, não perde,
quanto aos filhos do relacionamento anterior, os
direitos ao poder familiar, exercendo-os sem
qualquer interferência do novo cônjuge ou com-
panheiro.
Parágrafo único. Igual preceito ao estabelecido
neste artigo aplica-se ao pai ou à mãe solteiros
que casarem ou estabelecerem união estável.
Direito anterior: Art. 393 do Código Civil e art. 27 e parágrafo
único da Lei 6.515/77.

Em havendo a posteriori casamento ou união estável do


genitor ou genitora, estes não perderão o poder familiar sobre
os filhos, conforme previsto expressamente no art. 1.636 e pará-
grafo único. Evidentemente que o interesse da criança deve ser
observado e a alteração da qualificação civil do titular do poder
familiar não deve interferir no exercício desta função.
Observe-se, entretanto, que, no novo ambiente familiar, o
filho deve sentir-se seguro e estável, devendo o(a) genitor(a)
guardião(a) evitar a presença de pessoas usuárias de drogas e
de álcool (art. 19 do ECA).

Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua au-


toridade, faltando aos deveres a eles inerentes
ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz,
requerendo algum parente, ou ao Ministério Pú-
blico, adotar a medida que lhe pareça reclamada
pela segurança do menor e seus haveres, até
suspendendo o poder familiar, quando convenha.
Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exer-
cício do poder familiar ao pai ou à mãe condena-
dos por sentença irrecorrível, em virtude de cri-
me cuja pena exceda a dois anos de prisão.
Direito anterior: Art. 394 do Código Civil; artigos 129, X, e 157
da Lei 8.069/90 e art. 92, II do Código Penal.

O art. 6º da Declaração Universal dos Direitos da Criança


é incisivo ao afirmar que “para o desenvolvimento completo e
harmonioso de sua personalidade, a criança precisa de amor e
compreensão. Criar-se-á, sempre que possível, aos cuidados e
sob a responsabilidade dos pais, e, em qualquer hipótese, num
Capítulo V — Do Poder Familiar
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○ ○

ambiente de afeto e de segurança moral e material; salvo cir-


cunstâncias excepcionais, a criança de tenra idade não será apar-
tada da mãe”.
Neste mesmo tom, a Constituição Federal de 1988, em seu
art. 227, e o art. 19 do ECA garantem a toda criança e a todo
adolescente o direito à convivência familiar, ou seja, ser criado
e educado no seio de sua família.
Nada obstante haver o art. 1.513 do NCC proibido ao Es-
tado intervir na comunhão de vida instituída pela família, é
evidente que a intervenção para proteção de seus competentes é
perfeitamente admissível diante do dever do Poder Público de,
ao lado da sociedade e da família, zelar pelos direitos funda-
mentais dos menores.
Assim, a nova Lei Civil manteve a suspensão do poder fa-
miliar como medida protetiva de prole, com caráter temporário
e obtida somente através de decreto judicial, que determinará o
tempo necessário de interrupção do exercício dos direitos dos
pais. Depois de expirado este período, o(s) pai(s) terão restau-
rado tal poder.
Com efeito, o Estatuto da Criança e do Adolescente, no art.
157 já previa a possibilidade de, liminarmente, decretar-se a
suspensão do pátrio poder até o julgamento definitivo da causa,
ficando a criança ou o adolescente confiado a pessoa idônea, me-
diante termo de responsabilidade.
Evidenciada a possibilidade de eventual prejuízo ao me-
nor com a permanência deste no convívio daquele que exerce o
poder familiar, o Juiz pode conceder a suspensão ante a presen-
ça do fumus boni iuris e do periculum in mora. O pedido poderá
ser formulado preliminar ou incidentalmente no processo de Des-
tituição do Poder Familiar ou através de Medida Cautelar
Inominada promovida pelo Ministério Público, por qualquer fa-
miliar ou pessoa que seja detentora de legítimo interesse.
Outra Medida Cautelar que visa à segurança de menores
de 18 anos vítimas de violência, maus-tratos, opressão ou abuso
sexual é a prevista no art. 130 da Lei 8.069/90 (ECA). 291 Neste
caso, o afastamento do agressor da moradia comum é medida

291 Art.130 do ECA: “Verificada a hipóteses de maus-tratos, opressão ou


abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciá-
ria poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agres-
sor da moradia comum”.
302
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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necessária a ser pleiteada em conjunto com a suspensão do po-


der familiar.
Se a suspensão do poder familiar for decretada em face de
ambos os pais, mister garantir ao filho um representante legal
ao qual incumbirá a guarda da criança ou do adolescente. 292

Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder fami-


liar o pai ou a mãe que:
I — castigar imoderadamente o filho;
II — deixar o filho em abandono;
III — praticar atos contrários à moral e aos bons
costumes;
IV — incidir, reiteradamente, nas faltas previs-
tas no artigo antecedente.
Direito anterior: Art. 395 do Código Civil; artigos 24 , 129, X,
155/163, 249 da Lei 8.069/90, arts. 136, 244, 246, do Código
Penal e art. 437 da Consolidação das Leis do Trabalho.

A perda ou destituição do poder familiar ocorre nos casos


de castigos imoderados, abandono, atos contrários à moral e aos
bons costumes e incidência reiterada nas faltas antecedentes e,
ainda, quando comprovado o descumprimento injustificado dos
deveres inerentes ao pátrio poder (art. 24 do ECA).
Importante frisar que a Lei 8.069/90, ao contrário do Có-
digo de Menores, deixou bem claro que a falta ou a carência de
recursos materiais não poderá ensejar a suspensão ou perda do
poder familiar (art. 23). Assim, a caracterização do abandono
intelectual e o material, que constituem crimes definidos nos
artigos 244 e 246 do Código Penal, deve ser irrefutável.
A conduta paterna embasadora da destituição do poder
familiar deve ser sempre voluntária, ainda que não dolosa.
No exercício do poder familiar, cabe aos pais a educação
dos filhos com carinho e diálogo, empregando medidas correti-
vas moderadas somente quando extremamente necessário. O di-

292 Art.157 do ECA: “Havendo motivo grave, poderá a autoridade judiciá-


ria, ouvido o Ministério Público, decretar a suspensão do pátrio poder,
liminar ou incidentalmente, até o julgamento definitivo da causa, fi-
cando a criança ou o adolescente confiado a pessoa idônea, mediante
termo de responsabilidade.”
Capítulo V — Do Poder Familiar
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○ ○

reito do filho ao respeito, previsto no art. 227 da CF/88 e arts.


15 e 17 do ECA, consiste na inviolabilidade da integridade físi-
ca, psíquica e moral da criança e do adolescente. Qualquer tipo
de meio coercitivo aplicado ao filho, o qual venha ou possa re-
dundar em lesão ao direito e ao respeito, deve ser prontamente
repudiado e punido.
Na conjuntura atual da família brasileira de baixa renda,
o abandono de filho menor deve ser examinado cum grano salis
pelo intérprete da Lei. Lamentável, mas notório, o abandono de
milhares de famílias pelo Poder Público em nosso país, redun-
dando em desemprego dos pais, fome e miséria dos filhos. A con-
figuração, pois, da culpa ou do dolo dos pais no caso de falta de
condições materiais à subsistência dos filhos deve ser precedida
obrigatoriamente da aplicação de medidas protetivas à prole (art.
101 do ECA) e à família carente (art. 129 do ECA), bem como de
prestação de assistência social objetivando a proteção da família
(art. 203, inciso I, da Constituição Federal).
Esgotadas as tentativas de promoção da família, através
de inclusão daquela em programas oficiais e comunitários e de
auxílio (art. 129, incisos I até VII, do ECA) e verificada a relu-
tância e a negligência dos genitores em proporcionar aos filhos
meios de subsistência, saúde e instrução obrigatória, estará,
então, tipificado o abandono.
A prática de atos contrários à moral e aos bons costumes
também poderá ensejar a aplicação de medida drástica. Assim,
poderão ser destituídos do poder parental os pais que utilizam
substâncias entorpecentes ou bebidas alcoólicas e que permi-
tem que os filhos convivam ou sejam entregues a pessoas vio-
lentas, drogadas ou mentalmente doentes (art. 245 do Código
Penal). Da mesma forma, serão punidos os pais pela prática dos
atos descritos no art. 247 do Código Penal, ou seja, autorizem os
filhos a freqüentarem casas de jogatina, espetáculos de sexo e
prostituição ou, ainda, que mendiguem ou sirvam a mendigo
para excitar a comiseração pública (art.247 do Código Penal).
Através da Emenda 248 do Senado Federal, a reiteração
nas faltas ensejadoras de suspensão foi inserida no rol de cau-
sas de destituição do poder familiar.
Além destas hipóteses taxativas, a Lei nº 8.069/90, em seu
art. 24, dispõe que poderá a perda e a suspensão do poder fami-
liar fundamentar-se na hipótese de descumprimento injustifica-
do do dever de sustento, guarda e de educação dos filhos meno-
res. Por ser compatível com as novas regras civis do poder fami-
304
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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liar, entende-se mantido art. 24 do ECA como fundamento para


estas ações.
Deve-se atentar para a legislação que rege a organização
judiciária local, em especial quanto ao deslinde de eventual con-
flito de competência para o julgamento de Ação de Destituição
do Poder Familiar. No Rio de Janeiro, a questão se encontra
pacificada pelo Tribunal de Justiça. 293
Resumidamente, as ações de destituição do pátrio poder
somente tramitarão perante as Varas da Infância e da Juventu-
de, na hipótese de falta, omissão de ambos os pais, sempre vi-
sando à colocação da criança em família substituta (art. 148,
parágrafo único, alínea b do ECA).
Assim é que, depois de evidenciado o abandono de criança
ou adolescente abrigado em entidade, e após esgotados os re-
cursos de manutenção na família de origem (art. 92, incisos I e
II, do ECA), o Ministério Público promoverá a ação em tela (art.
201, III, do ECA). Não havendo, contudo, pessoa ou casal inte-
ressado em adotar o abrigado, o Ministério Público deverá re-
querer a suspensão do processo evitando que a criança ou o ado-
lescente, ao final, seja o maior prejudicado com a averbação da
medida em seu assentamento de nascimento, sem qualquer pers-
pectiva de colocação em família substituta.
Por outro lado, no que toca à competência da Vara de Fa-
mília, as ações de destituição do poder estão restritas aos casos
nos quais a criança ou o adolescente estiver sob a guarda do
outro genitor ou guardião e, ainda, quando cumulada com pedi-
do de tutela, o menor não esteja em estado de abandono 294
O procedimento especial de destituição do poder familiar
está disciplinado nos artigos 155 até 163 da Lei 8.069/90. Por
ser a medida mais grave (art. 129, inciso X, do ECA) e de cará-
ter mais urgente, o legislador possibilitou a concessão liminar
ou incidental da suspensão do poder familiar (art. 157), fixou
prazos mais curtos para a contestação (10 dias) e para a prolação

293 Processo nº 1995.001.03462, 4ª Câmara Cível julgado em 08.08.95,


Relator Des. Roberto Wider; Processo nº 1997.029.00019, Conselho
da Magistratura, julgado em 05.06.97, Relator Des. Antônio Eduardo
F. Duarte e Processo nº 1998.002.08683, 1ª Câmara Cível, julgado em
08.09.1999, Relatora Desª Letícia Sardas.
294 Processo nº 1996.008.00173 (Conflito de Competência), 9ª Câmara
Cível, julgado em 08.05.96 (Relator Ruy Monteiro de Carvalho); pro-
cesso nº 1995.008.00055 (Conflito de Competência), 7ª Câmara Cível,
julgado em 29.08.95, Relatora Desª Áurea Pimentel Pereira.
Capítulo V — Do Poder Familiar
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○ ○

da sentença (5 dias), além de determinar que as partes, em suas


peças processuais, forneçam desde logo o rol de testemunhas
(arts.156, IV, e 158).
A falta de contestação não induz os efeitos da revelia por-
que o poder familiar, como assinalado anteriormente, tem na-
tureza indisponível, devendo o conjunto probatório revestir-se
de tal robustez, que justifique até a sua suspensão ou a perda
daquele.
O art. 28, parágrafo 1º, do ECA prevê a oitiva sempre obri-
gatória quando a criança ou o adolescente puder exprimir sua
vontade, devendo sua opinião ser devidamente considerada. Por
se cuidar de ação drástica, o conhecimento pelo magistrado do
desejo da criança afigura-nos indispensável, seja ouvindo-a re-
servada e diretamente, seja através de oitiva através de equipe
social e psicológica. O direito do menor de expressar sua opi-
nião está relacionado com seu direito ao respeito, à dignidade e
à liberdade (arts. 15 e 16, II do ECA). 295
A sentença que suspender ou destituir os genitores do po-
der familiar deverá ser averbada no livro de registro de nasci-
mentos da circunscrição onde nasceu o filho. 296
Como anteriormente salientado, a perda do poder familiar
não afeta o laço de parentesco existente entre pais e filho, sub-
sistindo os direitos e obrigações dele decorrentes.
A única exceção prevista expressamente em lei diz respei-
to à transferência do poder familiar no caso de adoção. 297 Nesta
hipótese, os pais naturais são desligados do poder familiar, sal-
vo quanto aos impedimentos matrimoniais (art. 1.626 do NCC c/
c 41 da Lei 8.069/90). A recuperação deste poder somente será
possível através de pedido judicial de adoção ou de tutela, visto
que o registro de nascimento anterior foi alterado e o vínculo é
irrevogável.
O poder familiar é instituto regido por normas de ordem
pública e é fundamental que o Poder Público coopere neste pa-
pel, dotando a família de condições para exercer estes deveres

295 OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes. Guarda, Tutela e Adoção.Rio de Janei-


ro: Editora Lúmen Júris Ltda., 2000. p.15.
296 Art. 102 da Lei nº 6.015/73 e art. 264 da Lei 8.069/90.
297 O art.49 da Lei 8.069/90: “A morte dos adotantes não restabelece o
pátrio poder dos pais naturais” não foi derrogado pela NCC pois o
capítulo acerca da adoção é silente a respeito e a norma menorista é
compatível com a natureza irrevogável do instituto.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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em favor dos filhos. Acerca da estatização da família, Orlando


Gomes já identificava de duas maneiras a crescente ingerência
do Estado nas relações familiares: substituindo a família em nu-
merosas e importantes funções, como a função educativa e a fun-
ção alimentar, e controlando-a no exercício das funções que con-
serva. 298
Nesta esteira, destaca-se a atuação das Promotorias da In-
fância e da Juventude e dos Curadores de Família, que detêm
atribuição de fiscalizar o exercício do poder familiar e promo-
ver ações em face do Estado para a proteção da família (art.
201,V do ECA) e contra os pais, no melhor interesse dos filhos
(arts.1.637 e 1.692 do NCC, art. 201, incisos III e X, do ECA e
art. 82, II do CPC, art.2º, § 4º e 5º da Lei 8.560/92). 299
Possuindo atribuição concorrente com os Conselhos Tute-
lares (art. 194 do ECA), as Promotorias de Justiça da Infância e
da Juventude podem, em caso de descumprimento dos deveres
inerentes ao poder familiar, propor Representação em face dos
pais, quando tipificada a infração administrativa prevista no
art. 249 do ECA. 300
A competência para a referida ação é absoluta dos Juízos
da Infância e da Juventude (art. 148, VI, do ECA), estando o
procedimento especial disposto nos artigos 194 a 197 da mesma
lei. Muito utilizada na Justiça Menorista do Estado do Rio de
Janeiro, a pena pecuniária dela advinda pode ser cumulada,
quando requerida no pedido inicial, com aplicação de outras me-
didas protetivas do art. 101 do ECA e medidas em face dos pais
previstas no art. 129, I até VII, do ECA. Há possibilidade, ain-
da, de aplicação conjunta desta multa e a destituição do pátrio
poder.301

298 GOMES, Orlando. Direito de Família, 4ª edição. Rio de Janeiro:Editora


Forense,1981, p.13/14
299 No Rio de Janeiro, a Resolução nº 600 de 12 de julho de 1994 da Pro-
curadoria Geral de Justiça dispõe acerca da atuação do Ministério
Público no procedimento de averiguação oficiosa previsto na Lei nº
8.560/92.
300 Art. 249 da Lei 8.069/90: “Descumprir, dolosa ou culposamente, os
deveres inerentes ao pátrio poder ou decorrente de tutela ou guarda,
bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tute-
lar: Pena: multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o
dobro em caso de reincidência”.
301 Processo nº 1996.029.00692, Conselho da Magistratura, julgado em
18.09.97, Relator Desembargador Antônio Eduardo F. Duarte.
Capítulo V — Do Poder Familiar
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307
○ ○

Em qualquer caso, o membro do Parquet deve manter-se


sempre atento à real intenção dos genitores e ao interesse do
filho. Acautelar-se acerca das possibilidades de os pais exerce-
rem o poder parental. Estar vigilante para distinguir entre os
pais que “podem mas não exercem o pátrio poder” e aos que “que-
rem mas não podem exercer o pátrio poder”. 302
A verificação da ocorrência de dolo (intenção) ou culpa (ne-
gligência) por parte dos pais é fator fundamental para justifi-
car a propositura de ação cível ou penal em face dos genitores,
especialmente quando se decide a transferência do poder fami-
liar, como nos casos de adoção.
A prudência afigura-se-nos indispensável na medida em
que, mais uma vez, a legislação civil se calou acerca da recupe-
ração do poder familiar.
A pouca doutrina pátria que enfrentou a questão é unâni-
me em afirmar a possibilidade de restabelecimento do direito
quando cessadas as razões que motivaram a perda. 303 Legisla-
ções Civis estrangeiras, no entanto, prevêem a restauração de
maneira expressa. 304
O restabelecimento do poder familiar, entretanto, deve ser
examinado sob duas óticas. A primeira consubstancia-se na per-
da da autoridade parental com a transferência do poder familiar
aos pais adotivos. Nesta hipótese, a lei expressamente estabele-
ce o término definitivo do vínculo com os pais biológicos porque
findo também o parentesco. 305
Na segunda situação, os pais destituídos e o filho continuam
sendo parentes consangüíneos em 1º grau e linha reta, apesar
da perda do poder familiar. Desta forma, sendo de natureza
continuativa a relação jurídica entre pais/filho, poderá ser alte-
rada se sobrevier modificação no estado de fato e de direito (art.
471, I, do Código de Processo Civil). Evidentemente que, se de-
cisão judicial determinou a perda do poder familiar, somente
através de outro pronunciamento judicial de natureza revisional

302 SÊDA, Edson. Construir o Passado. São Paulo: Malheiros Editores


Ltda.,1993, p.34/35.
303 Orlando Gomes (Direito de Família, Forense, 7ª edição, p.378); Ro-
berto João Elias (Pátrio Poder, Saraiva, p.101-104) e Caio Mário da
Silva Pereira (Instituições de Direito Civil, Forense, p. 261).
304 Códigos Civis Francês, Italiano, Português, Espanhol, Argentino e
Peruano.
305 Art. 49 do ECA: “A morte dos adotantes não restabelece o pátrio po-
der dos pais naturais”.
308
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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será possível restabelecê-lo. Para tanto, fundamental que os mo-


tivos causadores da perda tenham cessado e que o filho expres-
se inequívoca anuência ao retorno para o convívio com os pais
biológicos.
O tema é bastante delicado, visto que os pais destituídos,
por vezes, se transmudaram em verdadeiros estranhos para o
filho. O restabelecimento do poder familiar deve orientar-se
sempre por perícia multidisciplinar e, principalmente, tendo em
vista o melhor interesse do filho.
Derradeiramente, mister mencionar que outras leis cria-
ram hipóteses de perda do poder familiar e estas normas convi-
viam sem confronto com o Código Civil até então. Nesta esteira,
encontramos a Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei
nº 5.452/43), que, não permitindo a atividade laborativa de me-
nores em locais e serviços perigosos, insalubres ou prejudiciais
à sua moralidade (art. 405), pune os genitores negligentes do
adolescente empregado com multa ou destituição do poder fami-
liar.
A competência para a imposição da penalidade pecuniária
será dos Delegados Regionais do Trabalho (art. 438 c/c artigos
626/634). No que tange à competência quanto à aplicação da
perda do poder familiar, permanecerá sob a égide da Justiça da
Infância e da Juventude ou das Varas de Família, dependendo
da situação familiar do menor trabalhador, tendo em vista que
o procedimento concernente a esta matéria foi traçado por lei
federal posterior (Lei 8.069/90), que permanece vigorando.
Outra hipótese de perda do poder familiar prevista fora
da legislação civil é a constante do Código Penal. Prevê o De-
creto-lei nº 2.848/40 a incapacidade para o exercício do pátrio
poder quanto ao pai ou à mãe que praticarem crimes dolosos
contra o filho, sujeitos à pena de reclusão (art. 92, II). Este efei-
to da condenação deve ser motivadamente declarado na senten-
ça pelo juízo criminal que julgar os pais. Esta medida, de cunho
evidentemente preventivo, visa a fazer cessar a situação que
ensejou a prática do fato delituoso. Verifica-se, portanto, que a
Lei exige a intenção, o dolo na atuação dos pais. Ao lado da pre-
sença dos requisitos objetivos e subjetivos do fato delituosos,
deve-se, com a devida cautela, reservar-se esta sanção para os
casos de clara gravidade e prejuízo imediato à vítima menor. A
condenação deve ser incompatível com o exercício do poder fa-
miliar. Desta forma, quando a condenação for por crime culposo,
a sanção não terá aplicação.
Capítulo V — Do Poder Familiar
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
309
○ ○

Mesmo não aplicado este efeito pela sentença criminal, nada


impede que, em face da independência da responsabilidade pe-
nal em relação à civil, possa ser proposta ação de destituição do
pátrio poder perante o juízo cível (art. 66 do Código de Processo
Penal).
Assevere-se que a incapacidade em tela, uma vez declara-
da, tem caráter permanente e somente poderá ser declarada
extinta através do instituto da reabilitação consoante normas
traçadas no CP, vedada, no entanto, a reintegração à situação
anterior.
310
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Capítulo I — Disposições Gerais
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○ ○

TÍTULO II
DO DIREITO PATRIMONIAL
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Capítulo I — Disposições Gerais
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313
○ ○

Subtítulo I
DO REGIME DE BENS ENTRE OS CÔNJUGES

Capítulo I
DISPOSIÇÕES GERAIS

Leônidas Filippone Farrula Junior


Promotor de Justiça Titular da Curadoria de Família do Fórum Regional
de Santa Cruz — Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro

Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de cele-


brado o casamento, estipular, quanto aos seus
bens, o que lhes aprouver.
§ 1º O regime de bens entre os cônjuges come-
ça a vigorar desde a data do casamento.
§ 2º É admissível alteração do regime de bens,
mediante autorização judicial em pedido moti-
vado de ambos os cônjuges, apurada a proce-
dência das razões invocadas e ressalvados os
direitos de terceiros.
Direito Anterior: Arts. 230 e 256, caput, do Código Civil.

As normas insculpidas no caput e no parágrafo primeiro


não trouxeram qualquer alteração às já existentes nos atuais
artigos 230 e 256, caput. A única modificação diz respeito àque-
la constante do parágrafo 2º, qual seja, a adoção do Princípio da
Mutabilidade Relativa dos Regimes de Bens em detrimento do
Princípio da Imutabilidade, até então previsto na parte final do
artigo 230.
Com a aludida norma, o Brasil vem alinhar-se a diversos
países, como França, Portugal, Itália, Bélgica, Holanda, Espa-
nha, dentre outros, onde já se vigora dispositivo de igual natu-
reza à citada alteração.
313
314
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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É verdade que exceções à regra da imutabilidade já exis-


tem no Direito Brasileiro, como, por exemplo, a possibilidade
de se estabelecer, em pacto antenupcial, que o advento de prole
ensejará a conversão do regime de separação em comunhão de
bens, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (RF,
124:105).
A discussão acerca da mutabilidade do regime de bens vem
de há muito, com fortes argumentos embasando cada entendi-
mento. Contra a mutabilidade citam-se Caio Mário da Silva Pe-
reira, Sílvio Rodrigues e Jefferson Daibert; diversamente, favo-
ráveis à alteração, doutos de igual envergadura como Orlando
Gomes e Carvalho Santos.
Argumentam os primeiros, basicamente, que a revogabi-
lidade do regime poderia dar ensejo tanto à fraude contra ter-
ceiros, como à hipótese de um dos cônjuges tentar a obtenção de
vantagens patrimoniais em relação ao outro, utilizando-se de
sua ascendência sobre o mesmo.
Contrapõem a isto os favoráveis à mudança o argumento
de que atualmente não mais existe inferioridade entre os cônju-
ges no casamento, pois homens e mulheres se encontram em
igualdade de condições, e, quanto a potencial prejuízo causado
a outrem, a hipótese seria submetida ao Poder Judiciário, pro-
piciando disciplinar a situação. Sustentam ainda que, quando
as pessoas vão casar-se, não raro, se sentem constrangidas em
estabelecer regras acerca do regime de bens a adotar ou, se o
fazem, não têm conhecimento suficiente quanto ao que se reve-
la mais benéfico para o casal. Assim, só após o casamento e com
a convivência diária é que se poderia aferir quanto ao acerto ou
adequação de escolha.
Os argumentos favoráveis à mutabilidade acima mencio-
nados não condizem necessariamente com a realidade, pois até
hoje há casais cujos integrantes não estão necessariamente em
igualdade de condições, seja material ou emocionalmente, máxi-
me quando os bens advêm de família. Tal hipossuficiência acar-
reta, inclusive, diminuição da capacidade de discernimento por
parte daquele menos aquinhoado, podendo, inclusive, constituir-
se em “poder de barganha” em caso de eventual separação/di-
vórcio somente desejada(o) por apenas um dos cônjuges.
No tocante a terceiros, o controle judicial, por si só, não é
suficiente para elidir eventual fraude. Afinal, estando os cônju-
ges em conluio, por mais precauções que venha adotar o Magis-
trado, é possível que prejuízos sejam causados a terceiros. Ou
Capítulo I — Disposições Gerais
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315
○ ○

aqueles mesmos podem, em especial no que toca ao aspecto jurí-


dico e à valoração social, ser os prejudicados. Basta ter-se em
mente hipótese em que uma pessoa, casada sob o regime da se-
paração de bens, solicita empréstimo bancário e a instituição
financeira condiciona a celebração do mútuo à adoção, por par-
te do mutuário, do regime universal de bens, pois a esposa da-
quele é detentora de expressivo patrimônio, suficiente para sal-
vaguardar a solução da obrigação (exemplo oferecido por Sueli
Silveira Lobo da Silva Lima). 306 Tal exemplo, inversamente, po-
der-se-ia estender também à prestação de fiança/aval, aceitas
em razão do patrimônio comum, sem a necessária cautela de se
ter cada cônjuge, de per si, como fiador/avaliador.
Com relação ao argumento de que os nubentes se sentem
constrangidos em discutir sobre o regime de bens, não há ga-
rantia alguma de que este constrangimento se extinguirá com
as núpcias.
Por fim, no que tange à inexperiência dos cônjuges quanto
ao discernimento do que se revelaria melhor acerca do aspecto
patrimonial e apesar do risco potencial, em virtude da pouca
convivência, de escolha equivocada, mais importante, sem dú-
vida, é preservar a segurança das relações jurídicas, seja entre
marido e mulher, seja entre estes e terceiros.
Saliente-se ainda que a norma em exame poderá consti-
tuir-se em fonte de conflitos conjugais, pois, a partir do momen-
to em que o pedido de modificação necessita ser promovido por
ambos os cônjuges, conforme expressa previsão legal, se um não
desejar, este poderá sofrer pressão incontornável por parte do
outro, que beira a coação, suficiente para ameaçar a paz conju-
gal.
Ultrapassada a discussão acerca da conveniência da
mutabilidade, algumas questões surgem do dispositivo em exa-
me.
A primeira delas é saber se somente aqueles que se casa-
rem após a entrada em vigor do novo Código Civil poderão alte-
rar o regime de bens. A resposta é afirmativa, sob pena de se
ferir o ato jurídico perfeito e, por conseguinte, a norma
insculpida no inciso XXXVI, do artigo 5º, da Constituição da

306 Lima, Sueli Silveira Lobo da Silva. “O Princípio da Imutabilidade dos


Regimes de Bens entre os Cônjuges”, tese de mestrado defendida na
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 1981.
316
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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República, onde está cristalizado o Princípio da Irretroatividade


das Leis. Afinal, é com as núpcias, que o casamento se aperfei-
çoa e assim, as questões patrimoniais decorrentes destes se re-
gulam pela legislação vigente quando da sua celebração.
Acresça-se, ainda, que, de acordo com o disposto no artigo
2.039 do diploma legal vindouro, “o regime de bens nos casa-
mentos celebrados na vigência do Código Civil anterior, Lei nº
3.071, de 1º de janeiro de 1916, é o por ele estabelecido”. De
fato, a redação deste dispositivo deixa a desejar, pois, a partir
de sua literalidade, não é de todo insensato interpretar-se que
somente os regramentos de cada regime permanecerão regulan-
do os casamentos já celebrados quando da entrada em vigor do
novo Código e que os demais o serão por este, incluindo-se aí o
Princípio da Mutabilidade. Todavia, quando a nova lei mencio-
n a “ é o p o r e l e e s t a b e l e c i d o” , s e e s t á r e f e r i n d o a t o d o o
ordenamento atinente aos regimes de bens, abrangendo tam-
bém as normas correlatas, como, por exemplo, a disposta no ar-
tigo 230, onde é previsto o Princípio da Imutabilidade.
Outro ponto a ressaltar-se é que, para se pleitear a altera-
ção do regime, ao contrário do que ocorre na França, onde é
exigido o tempo mínimo de 02 (dois) anos de casados, o novo
dispositivo do Código Civil não impõe qualquer lapso temporal.
A ausência de tal requisito traz um inconveniente, qual seja, a
de que requerimentos sejam feitos precipitadamente, sem que
se tenha exigido amadurecimento maior do casal para determi-
nar o que lhe seja melhor.
Questiona-se, igualmente, os motivos ensejadores da mu-
dança de regime admitida no § 2º, pois a lei é omissa nesse as-
pecto. Tal omissão gera grande subjetivismo de interpretação,
sendo certo que parâmetros deverão ser estabelecidos pela juris-
prudência e pela doutrina.
A legislação francesa somente permite a aludida alteração
se houver prejuízo, ainda que indireto, ao interesse da família,
incluindo-se nesta todos os filhos do marido e da mulher. Procu-
ra-se elidir, assim, que a alteração ocorra por mero capricho dos
esposos ou mesmo que possa trazer prejuízos de natureza here-
ditária a filhos de relacionamentos múltiplos, havidos por cada
um dos nubentes.
Diversos cuidados deverão, outrossim, adotar-se nos pro-
cedimentos de mudança de regime. Por exemplo, para evitar-se
o favorecimento de um cônjuge em relação ao outro, é indispen-
Capítulo I — Disposições Gerais
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317
○ ○

sável saber se ambos ostentam plena capacidade de discerni-


mento e se conhecem as conseqüências do pedido. Ainda, neces-
sário verificar-se todo o patrimônio envolvido, devendo vir aos
autos, por exemplo, declaração de rendimentos de cada qual,
certidões cartorárias tanto pessoais quanto de bens imobiliários
etc. Para afastar eventual fraude a terceiros, seria aconselhá-
vel verificar se os requerentes têm filhos, dívidas, se são sócios
de alguma pessoa jurídica, perquirindo-se, igualmente, quanto
à saúde financeira desta. Seria de boa cautela também proce-
der-se à citação editalícia de eventuais terceiros interessados,
preservando-se o Princípio da Publicidade, norteador da eficá-
cia dos atos jurídicos.
Uma vez deferido o pedido, a alteração deverá ser averbada
na certidão de casamento, assim como no RGI da situação dos
bens envolvidos e do domicílio do casal (artigo 167, da Lei nº
6.015/73). Tal averbação deverá ser feita igualmente na Junta
Comercial, se comerciante pelo menos um dos cônjuges (artigo
37, Lei nº 4.726/65). Ressalte-se que em relação ao casal, os efei-
tos da mudança se operam a partir da decisão judicial favorável
e, em relação a terceiros, da averbação no Registro Civil de Pes-
soas Naturais.
É de salientar-se ainda que a alteração do regime revoga
automaticamente o pacto antenupcial, pois se trata de posterior
manifestação de vontade do casal.
Cumpre, por fim, analisar se é obrigatória a intervenção
do Ministério Público em tais procedimentos.
Trata-se de jurisdição voluntária. Tal fato, por si só, não
enseja a presença ministerial. A despeito dos argumentos em
sentido contrário, entendemos que a norma insculpida no artigo
1.105 do Código de Processo Civil deve ser interpretada em con-
sonância com a do artigo 82 do mesmo diploma legal. Afinal, se
o Parquet só atua, havendo lide, nas hipóteses mencionadas nes-
se dispositivo, o mesmo deve ocorrer na ausência de pretensão a
que se ofereceu resistência.
A princípio, ao se analisar o inciso II, do artigo 82, poder-
se-ia entender que, como o Ministério Público intervém nas cau-
sas concernentes ao casamento — e o regime de bens é afeto a
este — a intervenção ministerial seria obrigatória. Todavia, é
preciso ter-se em mente que a mudança de regime é questão
meramente patrimonial e, por conseguinte, disponível, salvo se
houver interesse de incapaz, o que por si só justificará a
interveniência do Parquet nos referidos procedimentos.
318
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Art. 1.640. Não havendo convenção, ou sendo ela


nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens en-
tre os cônjuges, o regime da comunhão parcial.
Parágrafo único. Poderão os nubentes, no pro-
cesso de habilitação, optar por qualquer dos re-
gimes que este código regula. Quanto à forma,
reduzir-se-á a termo a opção pela comunhão par-
cial, fazendo-se o pacto antenupcial por escritu-
ra pública, nas demais escolhas.
Direito anterior: Art 258, caput, do Código Civil.

A norma em tela estabelece o regime legal, isto é, na au-


sência de expressa manifestação dos nubentes acerca do regime
a ser adotado ou sendo aquela nula ou ineficaz, vigorará o da
comunhão parcial, porque não existe casamento sem regime de
bens, já que este tem como principal objetivo a disciplina do
patrimônio familiar, além do regramento das relações econômi-
cas entre cônjuges.
Tal norma se reveste de indiscutível importância tendo em
vista que não é comum em nosso país a celebração de pacto
antenupcial.
Fez bem o legislador em manter a comunhão parcial como
o regime legal supletivo, visto que, em princípio, por determi-
nar a comunicação apenas dos bens adquiridos a título oneroso
após o enlace, atende o referido regime aos interesses da maio-
ria dos nubentes.

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação


de bens no casamento:
I — das pessoas que o contraírem com inob-
servância das causas suspensivas da celebra-
ção do casamento;
II — da pessoa maior de sessenta anos;
III — de todos os que dependerem, para casar,
de suprimento judicial.
Direito anterior: Art. 258, parágrafo único, incisos I, II e IV, do
Código Civil.

No Direito pátrio vige o princípio da liberdade de escolha


do regime de bens pelos nubentes. Em se quedando estes omis-
sos, ou configurando-se opção nula ou ineficaz, incidirá o regi-
me legal supletivo, consoante indicado no artigo anterior.
Capítulo I — Disposições Gerais
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○ ○

Há situações, todavia, em que o legislador determina o re-


gime necessário a regular aqueles casamentos. É o chamado re-
gime legal obrigatório, que, de acordo com o dispositivo em tela,
é o da separação de bens. Nesta hipótese, deixa-se de facultar
aos nubentes que convencionem acerca de seus bens e interes-
ses econômicos no casamento, sob pena de nulidade, ut artigo
1.655 do Codex vindouro. Trata-se de exceção ao Princípio da
liberdade de escolha do regime de bens e ao da liberdade dos
pactos antenupciais. É vedada igualmente qualquer doação en-
tre os consortes, seja antes ou depois do casamento, evitando-se
assim qualquer burla à norma em destaque.
São as seguintes as hipóteses do regime obrigatório legal:
I — Pessoas que se casarem sem respeitar as causas
suspensivas para o casamento, isto é:
a ) o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido,
enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der
partilha aos herdeiros (artigo 1.523, inciso I, NCC);
b ) a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser
nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do come-
ço da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal
(artigo 1.523, inciso II, NCC);
c) o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou
decidida a partilha dos bens do casal (artigo 1.523, inci-
so III, NCC);
d) o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascenden-
tes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tute-
lada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou
curatela, e não estiverem saldadas as respectivas con-
tas (artigo 1.523, inciso IV, NCC).

Verifica-se assim que mudou o rol antes estabelecido pelo


inciso I do parágrafo único do artigo 258 do atual Código Civil.
Outra novidade veio através do parágrafo único do artigo
1.523 do NCC, isto é, a possibilidade de o Magistrado, nos casos
previstos nos incisos I, III e IV desse dispositivo, deixar de apli-
car a causa suspensiva, desde que inexista prejuízo para o her-
deiro, para o ex-cônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada,
e, na hipótese do inciso II, se a nubente provar nascimento de
filho ou inexistência de gravidez na fluência do prazo de dez
meses após a viuvez ou ao desfazimento do casamento por ser
este nulo ou anulável.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Destarte, se deferida a não aplicação da causa suspensiva,


na forma aqui mencionada deixará, por desdobramento lógico,
de ser obrigatória a separação de bens, pois não existe conseqüên-
cia sem causa.
Acresça-se ainda que a ratio dos incisos I, III e IV do arti-
go 1.523 do NCC é justamente a de evitar-se a comunicação de
patrimônio entre os nubentes. Assim, se demonstrada a ausên-
cia de prejuízo para aquele que, em tese, seria mais vulnerável,
não há motivo para manter-se a separação legal, visando, ain-
da, a proteção do futuro consorte. Por igual razão, o entendi-
mento jurisprudencial atual é no sentido de não ser obrigatório
o regime da separação legal quando inexistem bens a inventariar
(RT,141:177, 155:815).

II — Quando pelo menos um dos nubentes for maior de


sessenta anos. Retirou, aqui, o legislador a diferença feita pelo
Código Civil de 1916 entre homens e mulheres, coadunando-se
assim com a Constituição Republicana de 1988. Pretende-se, com
isto, evitar o casamento por mero interesse patrimonial.
Promove-se crítica a esta norma pelo fato de restringir a
liberdade de escolha de pessoas auto-suficientes e ainda em ple-
na capacidade de discernimento. Inequívoco o excessivo zelo do
legislador, não mais cabível nos tempos atuais, quando é notó-
rio que a expectativa de vida do brasileiro se ampliou.
Nesse sentido, é o entendimento do professor Sílvio
Rodrigues: 307
“Tal restrição, a meu ver, é atentatória da liberdade indi-
vidual. A tutela excessiva do Estado, sobre pessoa maior e ca-
paz, decerto é descabida e injustificável. Aliás, talvez se possa
dizer que uma das vantagens da fortuna consiste em aumentar
os atrativos matrimoniais de quem a detém. Não há inconvenien-
te social de qualquer espécie em permitir que um sexagenário,
ou uma qüinquagenária ricos, se casem pelo regime da comu-
nhão, se assim lhes aprouver”.

Merece, outrossim, reparo a ausência de previsão legal re-


ferente à não obrigatoriedade da separação legal quando o ca-
samento sobrevier a uma comunhão de vida por determinado
lapso temporal, conforme estabelecido pelo artigo 45 da Lei do

307 Rodigues, Sílvio. Direito Civil — Direito de família, 18ª edição, São
Paulo, Saraiva, 1993, v. VI, p.178.
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Divórcio (Lei nº 6.515/77). Tal omissão, decerto, não estimulará


a conversão da união estável em casamento, o que contraria o
disposto no parágrafo 3º, do artigo 226, da Constituição da Re-
pública. Assim, de bom alvitre seria inserir no aludido disposi-
tivo parágrafo estabelecendo que aqueles que convivem por pelo
menos cinco anos não estariam obrigados a submeter-se ao re-
gime em exame.

III — Quando for necessário suprimento judicial para ha-


ver casamento. Ao contrário do Código Civil de 1916, o novo
Codex não faz remissão expressa às hipóteses em que se prevê a
interferência do Poder Judiciário. Remetemos, entretanto, aos
artigos 1.517, parágrafo único, e 1.519, ambos do novo Código
Civil, onde há previsão de suprimento judicial.
Mencionadas as situações em que se faz necessária a se-
paração legal indaga-se se, com a entrada em vigor do novo di-
ploma legal, ainda se aplicará o disposto no verbete da Súmula
nº 377 do Supremo Tribunal Federal, que assim determina: “no
regime da separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos
na constância do casamento”.
Saliente-se que a aludida súmula tem por base as normas
insculpidas nos artigos 258, parágrafo único, e 259, ambos do
Código Civil de 1916. Nesse sentido, destaca-se o voto do Min.
Moreira Alves: 308
“A Súmula 377 visou a dar solução à controvérsia sobre se
ao regime da separação legal de bens (parágrafo único do artigo
258 do Código Civil) se aplicava a rega do artigo 259 do mesmo
Código, apesar de esta aludir a “silêncio de contrato” e o regime
da separação legal de bens não resultar de convenção ante-
nupcial. E a solução que deu foi a de aplicar o disposto no cita-
do artigo 259 ao referido regime de bens. Esse o motivo por que,
na referência dessa súmula, se encontram mencionados os arti-
gos 258 e 259 do Código Civil”.

Ocorre que a norma do artigo 259 do Código de 1916 não


foi recepcionada no novo Código Civil, razão pela qual se tem
aquela como revogada. Forçoso concluir, por conseguinte, que a
súmula em tela perderá seu fundamento e, com isso, deixará de
ser aplicada.

308 AGRAG — 70303/RJ, STF. Min. Rel. Moreira Alves, 2ª Turma, public.
DJ 13.06.1977, p.161.
322
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
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Seguindo essa linha de raciocínio, deve-se destacar que,


ante a revogação do dispositivo acima, embasador da criação ju-
risprudencial, não haverá mais a comunhão de aqüestos no re-
gime de separação de bens.
Sublinhe-se, entretanto, que a inocorrência da comunica-
ção dos aqüestos não significa que, em havendo esforço comum
na aquisição de determinado bem, este não tenha que ser divi-
dido. A única diferença é que tal hipótese estará regulada pelo
Direito das Coisas. Nesse diapasão o entendimento do professor
Zeno Veloso: 309
“(...) temos emitido opinião de que, embora casados sob o
regime da separação obrigatória, nada impede que os cônjuges,
associando-se, juntando recursos ou economias, adquiram um
bem em comum, estabelecendo-se condomínio, composse, que, no
caso, não serão regidos pelo Direito de Família, mas pelo Direi-
to das Coisas. Nada impede, também, que os cônjuges recebam
uma doação de terceiros, ou um legado, em partes iguais ou de-
siguais, estabelecendo-se, do mesmo modo, o condomínio sobre o
bem doado ou legado. Pelas mesmas razões e iguais fundamen-
tos, estendemos nosso parecer ao caso de pessoas casadas sob o
regime convencional da separação absoluta”.

Art. 1.642. Qualquer que seja o regime de bens, tan-


to o marido quanto a mulher podem livremente:
I — praticar todos os atos de disposição e de ad-
ministração necessários ao desempenho de sua
profissão, com as limitações estabelecidas no
inciso I do art. 1.647;
II — administrar os bens próprios;
III — desobrigar ou reivindicar os imóveis que te-
nham sido gravados ou alienados sem o seu con-
sentimento ou sem suprimento judicial;
IV — demandar a rescisão dos contratos de fiança
e doação, ou a invalidação do aval, realizados pelo
outro cônjuge com infração do disposto nos
incisos III e IV do art. 1.647;

309 Veloso, Zeno. “Regimes matrimoniais de bens”. In: Pereira, Rodrigo


da Cunha (Coord.). Direito de família contemporâneo. Belo Horizon-
te: Del-Rey, 1997, p.128.
Capítulo I — Disposições Gerais
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○ ○

V — reivindicar os bens comuns, móveis ou imó-


veis, doados ou transferidos pelo outro cônju-
ge ao concubino, desde que provado que os
bens não foram adquiridos pelo esforço comum
destes, se o casal estiver separado de fato por
mais de cinco anos;
VI — praticar todos os atos que não lhes forem
vedados expressamente.
Direito anterior: Arts. 235 e 242, ambos a contrario sensu, e
artigo 248, incisos II, III, IV e VII, todos do Código Civil.

No que tange aos incisos III, IV e V, a legitimação para


propor as devidas ações é do cônjuge prejudicado e de seus her-
deiros, conforme artigo 1.645 do novo Código Civil.
Enfatize-se, outrossim, que, nas hipóteses dos incisos III
e IV, terceiro de boa-fé terá direito regressivo contra o consorte
culpado ou seus herdeiros, caso o pedido autoral nas aludidas
ações seja julgado procedente, ut artigo 1.646 do novo Codex.
No concernente ao inciso V, o concubino não terá direito
de pleitear indenização do cônjuge faltoso, pois seria enriqueci-
mento sem causa, quiçá ilícito, o que é vedado pelo nosso direito.
Ainda no mesmo dispositivo, houve retrocesso por parte
do legislador, pois não acompanhou a evolução jurisprudencial.
Tem-se entendido atualmente que pode haver união estável com
prazo de convivência inferior a cinco anos, assim como se tem
admitido que bens adquiridos após a separação de fato não se
comunicam, independentemente do regime, razão pela qual a
presunção em prol do cônjuge deve ser abandonada. Na verda-
de, basta suprimir-se o lapso temporal de cinco anos.
Na mesma linha de idéia do inciso V, há a norma insculpida
no artigo 550 do NCC, qual seja: “a doação do cônjuge adúltero
ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por
seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a
sociedade conjugal”.

Art. 1.643. Podem os cônjuges, independente-


mente de autorização um do outro:
I — comprar, ainda a crédito, as coisas neces-
sárias à economia doméstica;
II — obter, por empréstimo, as quantias que a
aquisição dessas coisas possa exigir.
Direito anterior: Art. 247, incisos I e II, do Código Civil.
324
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Pelo Código Civil de 1916, há capítulo que trata dos direitos


e deveres do homem e outro da mulher. Ocorre que o legislador,
ao elaborar o novo diploma legal, não poderia ignorar a igualda-
de entre os membros da sociedade conjugal, estabelecida no pará-
grafo 5º do artigo 226 da Constituição Republicana de 1988. As-
sim, os aludidos capítulos foram suprimidos, sendo tais matérias
inseridas nas disposições gerais dos regimes de bens, com as devi-
das alterações, adequando-se à nova ordem constitucional.
Deste modo, o presente artigo, assim como alguns a seguir,
foram modificados apenas para guardar consonância com o dis-
posto na Lei Maior, conforme aduzido no parágrafo anterior. Daí
a razão por que a autorização prevista no dispositivo legal em
tela, que, pelo Código de 1916, é dada somente à mulher, passa
a ser concedida aos cônjuges, independentemente da anuência
do outro. Por decorrência, as dívidas daí advindas obrigam soli-
dariamente a ambos, conforme artigo 1.644 do novo Código Ci-
vil.
Cabe esclarecer apenas o que se entende por economia do-
méstica. Segundo o Dicionário Michaelis, uma das acepções do
vocábulo economia é a “boa administração ou ordem da casa, de
estabelecimento, bens particulares ou públicos”. 310
Assim, pode-se concluir que os cônjuges podem, sem ne-
cessitar da autorização do outro, realizar todos os atos com o
fim de adquirir os bens essenciais para o bom funcionamento do
lar conjugal.
E quais seriam esses bens?
Como parâmetro, pode ser adotada a norma insculpida no
parágrafo único, do artigo 1º, da Lei nº 8.009/90, que estabelece
a impenhorabilidade do bem de família, assim como de todos os
móveis que o guarnecem, desde que quitados e indispensáveis à
vida. Destarte, não seriam, por exemplo, considerados como
necessários à economia doméstica os aparelhos de ar-condicio-
nado (em sentido contrário: REsp 299.392-RS. Rel. Min. Gilson
Dipp, public. DJ 09.04.2001, p.381) e DVD.

Art. 1.644. As dívidas contraídas para os fins do


artigo antecedente obrigam solidariamente am-
bos os cônjuges.
Direito anterior: Art. 254 do Código Civil.

310 Michaelis 2000: moderno dicionário da língua portuguesa, São Paulo,


Editora Melhoramentos, 2000, p.760.
Capítulo I — Disposições Gerais
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325
○ ○

Veja-se comentário ao artigo 1.643, no tocante à atualiza-


ção para adequar-se ao disposto no 5º, do artigo 226, da Consti-
tuição da República.
Em face do que dispõe a norma em análise, o credor das
dívidas contraídas para os fins do artigo anterior pode deman-
dar contra qualquer dos cônjuges, ainda que a responsabilidade
pelas despesas familiares, ante previsão em pacto antenupcial,
seja de apenas um deles.
Assim, se o cônjuge demandado não for aquele responsá-
vel, terá ele direito regressivo em face do efetivamente obriga-
do, conforme estabelecido no contrato pré-nupcial.

Art. 1.645. As ações fundadas nos incisos III, IV


e V do art. 1.642 competem ao cônjuge prejudi-
cado e a seus herdeiros.
Direito anterior: Art. 249 do Código Civil.

Veja-se comentário ao artigo 1.643, no que tange à igual-


dade entre os consortes.
O prazo para propor as ações previstas nos incisos III e IV
do artigo 1.642 tem natureza decadencial e é o previsto no arti-
go 1.649, conforme se pode depreender da leitura dos aludidos
dispositivos e do artigo 1.647. Em relação ao prazo, houve redu-
ção de quatro (artigo 178, parágrafo 9º, do Código Civil de 1916)
para dois anos a contar da dissolução da sociedade conjugal.
Assim, para saber se deverá prevalecer o primeiro ou o
segundo, remetemos ao artigo 2.028 do novo Código Civil.
No tocante ao inciso V do artigo 1.642, a conjugação acima
formulada não é possível, pois a norma desse dispositivo não é
repetida no artigo 1.647.
A solução se encontra na remissão do inciso sob exame ao
disposto no artigo 550 do novo Codex, como ocorre no Código de
1916, consoante artigos 248, inciso IV, e 1177.
Saliente-se apenas que tal conjugação, por este diploma
legal, é feita através de remissão expressa, o que já não existe
no Código vindouro. Tal omissão, em princípio, pode levar à con-
clusão de não ser possível coadunar o artigo 1.642, inciso V, com
o artigo 550. Afinal, concubino, de acordo com o artigo 1.727 do
NCC, é aquele impossibilitado de se casar. O fato, todavia, de a
pessoa não poder contrair novo matrimônio não significa, por si
só, que, se mantiver novo relacionamento, seja adulterina, pois
o dever de fidelidade conjugal cessa com a separação judicial.
326
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Entretanto, por se tratar de normas com a mesma linha de idéia,


possível criar o liame acima.
Assim, frise-se que embora hoje, esta é a solução mais ade-
quada para estabelecer-se o prazo de adoção da medida previs-
ta no inciso V, do artigo 1.642, inclusive por ser idêntico às hipó-
teses dos incisos III e IV do mesmo dispositivo.

Art. 1.646. No caso dos incisos III e IV do art.


1.642, o terceiro, prejudicado com a sentença
favorável ao autor, terá direito regressivo con-
tra o cônjuge, que realizou o negócio jurídico,
ou seus herdeiros.
Direito anterior: Art. 250 do Código Civil.

Consulte-se comentário ao artigo 1.643, com relação à pa-


ridade entre os cônjuges.
Cabe esclarecer que, se o terceiro não houver agido de boa-
fé, não será possível indenização, pois ninguém se pode benefi-
ciar da própria torpeza.

Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, ne-


nhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro,
exceto no regime da separação absoluta:
I — alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;
II — pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens
ou direitos;
III — prestar fiança ou aval;
IV — fazer doação, não sendo remuneratória, de bens
comuns, ou dos que possam integrar futura meação.
Parágrafo único. São válidas as doações nupciais fei-
tas aos filhos quando casarem ou estabelecerem eco-
nomia separada.
Direito anterior: Arts. 235, 236 e 242 do Código Civil.

Deve-se destacar, inicialmente, que este dispositivo é a


aglutinação dos artigos 235 e 242 do Código Civil de 1916, onde
são elencados os atos que os cônjuges só podem praticar mediante
consentimento do outro ou autorização judicial. Por aquele di-
ploma legal, a mulher está mais sujeita do que o homem a
vedações, conforme se depreende da análise dos dispositivos antes
destacados. Com o advento do novo Código Civil, tal diferença
Capítulo I — Disposições Gerais
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
327
○ ○

deixará de existir, o que atende à norma insculpida no artigo


226, parágrafo 5º, da Constituição da República.
A mens legis, segundo Maria Helena Diniz, 311 é a de “asse-
gurar não só a harmonia e segurança da vida conjugal, mas tam-
bém preservar o patrimônio familiar, forçando os consortes a
manter o acervo familiar, porque a renda para manutenção da
família, geralmente, advém desse, e, assim, evita-se a dissipa-
ção, garantindo, conseqüentemente, uma certa receita”.
A outorga conjugal deverá ser provada da mesma forma
que o ato para o qual foi tal outorga concedida, consoante o ar-
tigo 220 do novo Codex.
No tocante ao inciso I do artigo sob exame, o legislador
exigiu a manifestação de ambos os cônjuges para os atos de alie-
nação ou instituição de gravame consistente em ônus real (isto
é, hipoteca, penhor ou anticrese) apenas para os bens imóveis,
deixando de fora os móveis, isto porque “a segurança econômica
da família repousa, sobretudo, na conservação da propriedade
imobiliária e direitos que lhe são relativos”. 312 Ocorre que, atual-
mente, bens móveis podem atingir valores elevadíssimos, às ve-
zes superiores aos primeiros, como, por exemplo, um automóvel
da marca Ferrari, cujo valor se situa muito acima de
R$300.000,00 (trezentos mil reais). Assim, nesta hipótese, po-
derá resultar não prestada a intenção do legislador, que é de
evitar uma diminuição significativa do patrimônio conjugal.
Cabe anotar, outrossim, que a norma insculpida no artigo
978 do novo Código Civil, que é “o empresário casado pode, sem
necessidade de outorga conjugal, qualquer que seja o regime de
bens, alienar os imóveis que integrem o patrimônio da empresa
ou gravá-los de ônus real” (grifou-se), não é exceção ao inciso
em tela. Saliente-se que o bem alienado pertence à empresa,
pessoa jurídica dotada de personalidade jurídica própria, isto
é, distinta da dos seus sócios, razão pela qual descabida a exi-
gência de outorga conjugal. Nesse sentido: RT, 135:437.
Igualmente se faz desnecessária a autorização do consorte,
“se o imóvel pertence ao espólio e vai ser alienado para solução
do passivo, embora casado o inventariante, que é herdeiro úni-
co, prescinde-se da intervenção de sua esposa (RT, 110:65)”. 313

311 Diniz, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro — direito de


família, Ed. Saraiva, São Paulo, 2002, 17ª edição, vol. 5, p.183/184.
312 Monteiro, Washington de Barros. Curso de direito civil — direito de
família, Ed. Saraiva, São Paulo, 1989, 27ª edição, vol 2, p.120.
313 Diniz, Maria Helena, op. cit., p.185.
328
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Impõe-se destacar ainda que a norma insculpida no artigo


1.656 (“no pacto antenupcial, que adotar o regime de participa-
ção final nos aqüestos, poder-se-á convencionar a livre disposi-
ção dos bens imóveis, desde que particulares” — grifou-se), que
inicialmente pode aparentar contradição ao dispositivo sob exa-
me, na verdade se trata de exceção a este. Tem-se, deste modo,
mais uma hipótese em que é despicienda a outorga uxória além
daquelas previstas no artigo 1.647. Frise-se que a ocorrência de
tal fato se dá em virtude de a disponibilidade irrestrita ser re-
ferente apenas aos bens particulares de cada cônjuge.
Nesse mesmo sentido, isto é, de outra previsão legal dis-
pensando a outorga uxória, e pelas mesmas razões, há o artigo
1.665, que assim dispõe: “a administração e a disposição dos bens
constitutivos do patrimônio particular competem ao cônjuge pro-
prietário, salvo convenção diversa em pacto antenupcial” (des-
tacou-se).
Destarte, diverge-se da crítica articulada pelo Instituto
Brasileiro de Direito de Família — IBDFAM 314 que, ao comen-
tar o artigo 1.665, assim se pronuncia:
“há manifesta contradição entre o art. 1.665 e o art. 1.647.
Enquanto o art. 1.647, inc. I, exige consentimento de ambos os
cônjuges para os atos de disposição dos bens imóveis, em todos
os regimes de bens, exceto no regime de “separação absoluta”, o
art. 1.665, tratando do regime da comunhão parcial, autoriza
que cada cônjuge pratique atos de disposição de seus bens parti-
culares (móveis ou imóveis) independentemente de autorização
do outro. É preciso, pois, compatibilizar os dois dispositivos, in-
cluindo no art. 1.665 a exigência de que no regime de comu-
nhão parcial de bens haja autorização do cônjuge para disposi-
ção de bens imóveis integrantes do patrimônio particular” (grifo
no original).

Na verdade, o legislador não observou a boa técnica


redacional legislativa, pois a regra e suas exceções devem estar
previstas, para evitar divergências, em conjunto e não de forma
esparsa, como se fez com relação às hipóteses em que se exige a
outorga do casal. Entretanto, apesar de tal falha, vedada a con-
clusão de serem contraditórios os dispositivos acima enfocados

314 Seleção de críticas pontuais e propostas de alteração do livro IV do


novo Código Civil, suscitadas por associados do Instituto Brasileiro
de Direito de Família — IBDFAM, http://www.gontijo-familia.adv.br,
download feito em 10.02.2002.
Capítulo I — Disposições Gerais
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329
○ ○

(artigos 1.647, 1.656 e 1.665), pois, em todos, a mens legislatoris


é no sentido de dispensar a autorização do cônjuge quando se
tratar de disposição de bens particulares.
Outra solução para não dar margem a perplexidades, se-
ria a de substituir a parte final do caput, do artigo 1.647, isto é,
“exceto no regime da separação absoluta” por “exceto quanto aos
bens particulares”.
Com relação ao inciso II, a propositura de eventual ação,
tendo como objeto bens ou direitos imobiliários, deverá ser pro-
movida por ambos os cônjuges, sob pena de nulidade, o mesmo
ocorrendo se o demandado for pessoa casada, já que se faz ne-
cessária a outorga de cada um dos cônjuges. No mesmo diapasão,
há o artigo 10 do Código de Processo Civil, e, seguindo esse ra-
ciocínio, tem-se o artigo 350, parágrafo único, desse Diploma
Legal, que assim dispõe: “nas ações que versarem sobre imóveis
ou direitos sobre imóveis alheios, a confissão de um cônjuge não
valerá sem a do outro”.
O artigo 16 do Decreto-lei nº 3.365/41 estabelece exceção à
norma sob análise. Nesta hipótese, ação de desapropriação por
utilidade pública, a citação de apenas um dos cônjuges, por si
só, é o suficiente para evitar qualquer nulidade.
Washington de Barros Monteiro, por sua vez, entende que
“essa outorga tornar-se-á também dispensável se a ação é de
natureza pessoal, embora diga respeito a imóveis, como a de
despejo, a de consignação em pagamento, a renovatória de con-
trato de locação, a relativa a compromisso de compra e venda, a
cominatória para prestação, ou abstenção, de fato, a imissão de
posse, o executivo hipotecário”. 315
No concernente ao inciso III, foi incluída nesta norma a
necessidade de outorga conjugal também para o aval. Houve aqui
evolução legislativa, pois, se exigida a anuência do casal para
prestar fiança, não menos razoável tal exigência naquela hipó-
tese.
No que tange ao inciso IV, se a intenção é a de preservar o
patrimônio familiar, seria de boa cautela ter como válida, ape-
nas para bens de pequena monta, a doação remuneratória sem
outorga uxória. Nesse sentido é o entendimento da Dra. Juliana
Gontijo, 316 que sustenta ainda que a exceção estabelecida pelo

315 Monteiro, Washington de Barros, op. cit., p.123.


316 Gontijo, Juliana. Críticas pontuais e sugestões de alteração ao livro
II do novo Código Civil, http://www.gontijo-familia.adv.br, download
feito em 10.02.2002.
330
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

artigo em tela, excluindo a necessidade de outorga do casal quan-


do se tratar do regime de separação absoluta, não se deveria
dar, pois a solidariedade familiar estaria comprometida.

Art. 1.648. Cabe ao juiz, nos casos do artigo an-


tecedente, suprir a outorga, quando um dos côn-
juges a denegue sem motivo justo, ou lhe seja
impossível concedê-la.
Direito anterior: Art. 237 do Código Civil.

A única alteração da norma diz respeito à adequação pro-


movida pelo legislador, respeitando a igualdade entre os cônju-
ges preconizada no artigo 226, parágrafo 5º, da Lei Maior, con-
soante já comentado quando da análise do artigo 1.643.
No mesmo sentido do dispositivo em exame, tem-se o arti-
go 11 do Código de Processo Civil.

Art. 1.649. A falta de autorização, não suprida


pelo juiz, quando necessária (art. 1.647), torna-
rá anulável o ato praticado, podendo o outro
cônjuge pleitear-lhe a anulação, até dois anos
depois de terminada a sociedade conjugal.
Parágrafo único. A aprovação torna válido o ato,
desde que feita por instrumento público, ou par-
ticular, autenticado.
Direito anterior: Art. 239 e 252 do Código Civil.

Nenhuma novidade adveio, neste particular, com o novo


Código Civil, a não ser a possibilidade de ambos os cônjuges
pugnarem judicialmente a anulação de ato praticado sem sua
autorização em prazo decadencial idêntico. Mais uma vez a
mudança aqui ocorrida se deve à paridade entre homens e mu-
lheres, conforme explicitado nos comentários ao artigo 1.643.
Tendo em vista a redução do prazo para a propositura da
ação pelo cônjuge mulher (de quatro para dois anos), não se pode
esquecer a norma insculpida no artigo 2.028 do novo Codex, que
regula qual deverá prevalecer, isto é, se o do Código Civil de
1916 ou o da Codificação vindoura.
Outrossim, sublinhe-se que a falta de outorga de um dos
cônjuges para o ato atacado pode ser alegada por este em defe-
Capítulo I — Disposições Gerais
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
331
○ ○

sa, em recurso da sentença e em embargos de terceiro. Não irá


prosperar, porém, tal alegação, se ficar demonstrado que o ato
praticado sem sua autorização o beneficiou, ainda que indire-
tamente. Nesse raciocínio, citem-se as normas dispostas nos arti-
gos 1.663, parágrafo 1º, e 1.677, ambos do novo Código Civil.
Uma vez anulado o ato, terceiro de boa-fé prejudicado terá
direito de pleitear indenização em face do cônjuge culpado ou
seus herdeiros.

Art. 1.650. A decretação de invalidade dos atos


praticados sem outorga, sem consentimento, ou
sem suprimento do juiz, só poderá ser deman-
dada pelo cônjuge a quem cabia concedê-la, ou
por seus herdeiros.
Direito anterior: Art. 239 do Código Civil.

Nenhuma inovação foi trazida por esse dispositivo, salvo


a imperiosa adaptação em face da igualdade entre homens e mu-
lheres garantida por norma constitucional. Nesse sentido, veja-
se comentário ao artigo 1.643.

Art. 1.651. Quando um dos cônjuges não puder exer-


cer a administração dos bens que lhe incumbe, se-
gundo o regime de bens, caberá ao outro:
I — gerir os bens comuns e os do consorte;
II — alienar os bens móveis comuns;
III — alienar os imóveis comuns e os móveis ou imó-
veis do consorte, mediante autorização judicial.
Direito anterior: Art. 251, parágrafo único, do Código Civil.

As modificações aqui introduzidas foram decorrentes do


artigo 226, parágrafo 5º, da Constituição da República. A res-
peito, vide comentário ao artigo 1.643.

Art. 1.652. O cônjuge, que estiver na posse dos bens


particulares do outro, será para com este e seus her-
deiros responsável:
I — como usufrutuário, se o rendimento for comum;
II — como procurador, se tiver mandato expresso ou
tácito para os administrar;
332
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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III — como depositário, se não for usufrutuário, nem


administrador.
Direito anterior: Art. 260 do Código Civil.

Nesse dispositivo, a única alteração foi no sentido de se


adequar o novo Código Civil à Constituição Republicana de 1988,
isto é, a norma insculpida se dirige aos cônjuges e não somente
ao marido, como previsto no Código de 1916. A respeito, veja-se
anotação ao artigo 1.643.
Capítulo II — Do Pacto Antenupcial
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
333
○ ○

Capítulo II
DO PACTO ANTENUPCIAL

Daniela Faria Tavares


Promotora de Justiça Titular da Curadoria de Justiça do Fórum Regional
de Campo Grande — Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro

Art.1.653. É nulo o pacto antenupcial se não for


feito por escritura pública e ineficaz se não lhe
seguir o casamento.
Direito anterior: Art. 256 do Código Civil.

O novo Código Civil tratou do pacto antenupcial em um


capítulo próprio, ao contrário do atual, que disciplina este ins-
tituto nas disposições gerais do título “Do regime dos bens en-
tre os cônjuges”.
Poucas foram as alterações normativas introduzidas no
tocante ao pacto antenupcial.
A Lei exige que os nubentes firmem, por escritura pública,
pacto antenupcial em que estabeleçam qual o regime de bens
que regerá o casamento na hipótese de não ser o da comunhão
parcial (art. 1.640, parágrafo único do novo Código Civil).
O art.1.639 admite, outrossim, que os cônjuges pleiteiem,
mediante pedido motivado, a alteração do regime de bens do
casamento, a ser concedida através de autorização judicial.
Portanto, a mais importante modificação legislativa em re-
lação ao pacto antenupcial consiste na possibilidade de os côn-
juges modificarem o seu conteúdo.
Em relação ao artigo comentado, o legislador corrigiu a
terminologia empregada pelo atual Código Civil ao estatuir a
ineficácia do pacto antenupcial se não se lhe seguir o casamen-
to. Como ensina o Professor Orlando Gomes: “...Em verdade,
porém, não há nulidade propriamente dita, senão ineficácia. O
casamento é condição suspensiva do pacto antenupcial; os efei-
333
334
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

tos do pacto começam, realmente, com a sua celebração e não se


produzem se os nubentes não se casam”. 317
O professor Zeno Veloso, observando que a nova lei não
determinou prazo, após a elaboração do pacto antenupcial, para
a realização do casamento, considera conveniente a norma pre-
vista no art. 1.716 do Código Civil português, que estabelece
que a convenção antenupcial caduca se o casamento não for ce-
lebrado dentro de um ano, propondo, então, a inclusão de um
dispositivo legal similar.318
O mestre Caio Mário da Silva Pereira entende que: “... na
falta de termo expresso, pode qualquer pactuante promover a
declaração da caducidade do pacto após o decurso de tempo que
seria razoável para o matrimônio, induzindo-se de sua exten-
são demasiada o propósito contrário às núpcias”. 319
Na falta da regulamentação legal, Zeno Veloso aponta para
a solução apresentada por Pontes de Miranda, que ensina: 320
“Já vimos que os pactos antenupciais caducam se não lhes
segue o casamento. O casamento, a que ele se refere, — é claro; e
não outro, ou qualquer casamento. Ainda mais: o mesmo casa-
mento entre as mesmas pessoas; porque as pessoas podem ser as
mesmas sem ser o mesmo o casamento, e. g., se nenhuma relação
tem o noivado de agora com o do tempo do pacto, uma vez que
um dos noivos se casou com outrem e, enviuvando, se vai casar
com a pessoa que com ele assinou, outrora, o pacto antenupcial,
ou se roto o noivado por explícita vontade dos noivos, volvem
esses a noivar sem o caráter da reconciliação e com outros intui-
tos de regramento de bem. Tudo se resolve por uma questão de
hermenêutica.”

Art. 1.654. A eficácia do pacto antenupcial, rea-


lizado por menor, fica condicionada à aprova-
ção de seu representante legal, salvo as hipó-
teses do regime obrigatório de separação de
bens.
Direito anterior: Não há previsão.

317 Orlando Gomes, ob. cit, p. 178.


318 Zeno Veloso, ob. cit., p. 86.
319 Zeno Veloso, ob. cit., p. 86.
320 Zeno Veloso, ob. cit., p. 87.
Capítulo II — Do Pacto Antenupcial
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
335
○ ○

A norma contida no dispositivo em análise é inovadora, pois


não há no Código Civil atual regulamentação similar. Configu-
ra-se, porém, absolutamente desnecessária a previsão contida
na parte final, pois no regime da separação obrigatória (art.1.641
do novo Código) não se faculta aos cônjuges a escolha de qual-
quer regime de bem, sob pena de nulidade, já que este é imposto
por determinação legal.
A teor do que estabelece o art. 1.640, também do novo es-
tatuto, se o pacto antenupcial celebrado pelo menor não for ob-
jeto de posterior ratificação manifestada por parte do seu repre-
sentante legal, o regime de bens que regerá o casamento será o
da comunhão parcial.

Art. 1.655. É nula a convenção ou cláusula dela


que contravenha disposição absoluta de lei.
Direito anterior: Art. 257 do Código Civil.

A norma do art. 1.655 do novo Código Civil repete a dispo-


sição do art. 257 do atual Código, tendo, tão-somente, excluído o
inciso I, que está absorvido pelo segundo inciso.
Na realidade, a única modificação é a de que o novo Códi-
go Civil fulmina de nulidade estipulação que contrarie disposi-
ção da Lei, diferentemente do atual, que considera como
inexistente qualquer pacto ou avença eivada deste vício.

Art. 1.656. No pacto antenupcial, que adotar o


regime de participação final nos aqüestos, po-
der-se-á convencionar a livre disposição dos
bens imóveis, desde que particulares.
Direito anterior: Não há previsão.

Esse dispositivo refere-se ao regime de participação final


nos aqüestos, que não encontra regulamentação no atual Códi-
go Civil e está disciplinado nos arts. 1.672 a 1.686 do novo Códi-
go.
O art.1.656 permite a cada um dos cônjuges excepcionar a
regra da necessidade de autorização do outro para a alienação
dos bens imóveis particulares, prevista no art. 1.647, I, também
do novo Código, desde que se estipule no pacto antenupcial a
possibilidade da livre disposição daqueles bens.
336
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Vale trazer à baila o comentário do professor Álvaro Villaça


Azevedo e da advogada Regina Beatriz Tavares da Silva Papa
dos Santos sobre o art. 1.647 do novo código, no sentido de que
não há razão, desde que se ponha a salvo o bem de família, para
que só seja permitido ao cônjuge dispor de seus bens particula-
res no caso do regime da separação de bens, porque nos regimes
de comunhão parcial e da comunhão universal também existem
bens particulares. 321
Da mesma forma, no regime da participação final nos
aqüestos, também se reconhece a possibilidade de os cônjuges
possuírem bens particulares, pelo que também não há razoável
motivo que justifique a proibição de disporem livremente des-
ses bens.
Partilhando de tal entendimento tem-se que o melhor tra-
tamento legal seria permitir aos cônjuges, qualquer que seja o
regime adotado, a livre disposição dos bens particulares, sem a
exigência de fixar no pacto antenupcial cláusula que previsse
expressamente tal permissivo.
Entretanto, se o legislador, da mesma forma que o fez no
art. 1.665 do novo Código, pretendeu conferir esta faculdade
aos cônjuges, ainda que condicionada à prévia manifestação no
pacto antenupcial, melhor técnica legislativa teria utilizado se
incluísse a norma descrita no artigo 1.654 no capítulo que trata
das Disposições Gerais, em seguida ao artigo 1.647 ou no corpo
deste, como exceção. Tal medida possibilitaria interpretação sis-
temática do tema.

Art. 1.657. As convenções antenupciais não te-


rão efeito perante terceiros senão depois de
registradas, em livro especial, pelo oficial do Re-
gistro de Imóveis do domicílio dos cônjuges.
Direito anterior: Art. 261 do Código Civil.

O art. 1.657 do novo Código Civil é mera repetição da nor-


ma prevista no art. 261 do Código Civil atual.
Como bem ressaltaram o professor Álvaro Villaça Azevedo
e a advogada Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos,
melhor teria sido que a nova lei tivesse acrescentado a necessi-

321 Álvaro Villaça Azevedo e Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos
Santos, ob. cit., p.19/20.
Capítulo II — Do Pacto Antenupcial
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
337
○ ○

dade do registro do pacto antenupcial no Registro de Imóveis,


da localização dos bens comuns e dos bens particulares para
ampliar a proteção dos terceiros. 322

322 Álvaro Villaça Azevedo e Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos
Santos, ob. cit., p. 22.
338
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Capítulo III — Do Regime da Comunhão Parcial
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339
○ ○

Capítulo III
DO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL

Virgilio Panagiotis Stavridis


Promotor de Justiça Titular da 2ª Curadoria de Justiça
da Comarca de Duque de Caxias — Estado do Rio de Janeiro

Art. 1.658. No regime da comunhão parcial, co-


municam-se os bens que sobrevierem ao casal,
na constância do casamento, com as exceções
dos artigos seguintes.
Direito anterior: Não há previsão.

O legislador, seguindo a mesma técnica legislativa já uti-


lizada no capítulo referente ao regime da comunhão universal
de bens, criou neste capítulo uma norma que disciplina a regra
geral do regime da comunhão parcial, estabelecendo que se opera
a comunicabilidade dos bens adquiridos após o casamento.
Na nova sistemática, ao contrário da redação original do
Código Civil de 1916, o capítulo da comunhão parcial antecede
o da comunhão total, uma vez que o primeiro é considerado o
regime legal, conforme artigo 1.640. Mais minuciosa descrição
das disposições quanto ao regime é esboçada nos artigos subse-
qüentes, onde são identificados os bens que deverão ou não com-
por o patrimônio comum dos cônjuges. Extrai-se assim a con-
clusão de que, após o casamento celebrado sob o regime da co-
munhão parcial de bens, passam a existir patrimônios de três
origens na vida dos cônjuges: a) o patrimônio comum decorren-
te do casamento; b) o patrimônio particular ou pessoal do mari-
do e c) o patrimônio particular ou pessoal da mulher. Idêntica
assertiva vale para o regime da comunhão universal. O
patrimônio comum não é um condomínio, pois nenhum dos côn-
juges pode dispor de sua parte nem exigir a divisão dos bens
339
340
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

comuns, salvo quando se dissolver também a sociedade conju-


gal. Os cônjuges não são proprietários de coisas individualiza-
das, mas do conjunto de bens. 323

Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:


I — os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os
que lhe sobrevierem, na constância do casamento,
por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu
lugar;
II — os bens adquiridos com valores exclusivamente
pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos
bens particulares;
III — as obrigações anteriores ao casamento;
IV — as obrigações provenientes de atos ilícitos, sal-
vo reversão em proveito do casal;
V — os bens de uso pessoal, os livros e instrumen-
tos de profissão;
VI — os proventos do trabalho pessoal de cada côn-
juge;
VII — as pensões, meios-soldos, montepios e outras
rendas semelhantes.
Direito anterior: Arts. 269 e 270 do Código Civil.

Aglutinaram-se os artigos 269 e 270, com pequenas alte-


rações.
No que se refere ao inciso I, incluiu-se, em sua parte final,
a expressão “e os sub-rogados em seu lugar”. Parece-nos desne-
cessária a alteração, de vez que o inciso imediatamente seguin-
te já prevê a hipótese. Considerando que os bens adquiridos por
apenas um dos cônjuges, mediante sucessão ou doação a ele ex-
clusivamente, são considerados particulares, ocorrendo sua ali-
enação e sub-rogação em outros bens, estariam eles protegidos
pela norma do inciso II.
O inciso III repete integralmente a redação anterior, man-
tendo o tratamento diferenciado quanto ao regime da comunhão
universal. Dispõe o artigo 1.668, III, que, no caso de estas mes-
mas obrigações anteriores ao casamento advirem de despesas
com seus aprestos ou reverterem em proveito comum, deverão

323 Orlando Gomes, in Direito de Família, Editora Forense, 8ª edição,


página 189.
Capítulo III — Do Regime da Comunhão Parcial
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
341
○ ○

comunicar-se, ficando assim o patrimônio comum do casal res-


ponsável por sua liquidação. Desta forma, no regime da comu-
nhão parcial, mesmo que as obrigações anteriores tenham
advindo de despesas com aprestos do casamento ou tenham ge-
rado proveito comum, deverão ser suportadas pelo patrimônio
particular do devedor ou de sua metade ideal e variável no tem-
po do patrimônio comum. 324
No inciso IV foi acrescentada a expressão “salvo reversão
em proveito do casal”. Assim, quando um dos cônjuges praticar
ato ilícito (artigos 927 e seguintes), anterior ou posterior ao ca-
samento, as obrigações que advierem de tal ato não deverão co-
municar-se, restando ao cônjuge que o praticou responder com
seus bens particulares e com a metade ideal do patrimônio co-
mum. Na hipótese de sofrer a constrição de um bem, poderá o
cônjuge que não praticou o ato ilícito eximir-se da responsabi-
lidade, evitando assim que sua metade ideal e seus bens particula-
res respondam pelo ato, salvo, obviamente, conforme ressalvado
na parte final do dispositivo, no caso de o ato ilícito haver trazi-
do algum proveito ao casal.
O inciso V recebeu nova redação, passando a dispor, acura-
damente, que roupas, jóias e retratos de família podem e devem
ser entendidos como objetos de uso pessoal, sendo desnecessá-
ria a repetição das expressões.
Com a inclusão do inciso VI, o legislador corrigiu equívoco
remanescente desde a aprovação da Lei 4.121/62. Consta da re-
dação do artigo 271, VI, do Código Civil de 1916 que os frutos
civis do trabalho devem entrar na comunhão. Tal dispositivo é
incompatível com o disposto no artigo 263, XII, que afirma que
tais bens estavam excluídos do regime da comunhão universal
e, ainda, do disposto no artigo 269, IV, que dispõe que todos os
bens excluídos do regime da comunhão universal devem ficar,
também, fora do regime da comunhão parcial. No que se refere
ao alcance da disposição, parece que não quis o legislador dei-
xar dúvidas quanto à não comunhão dos rendimentos decorren-
tes do trabalho, assalariado ou não, de cada cônjuge. Utilizou a
expressão proventos, que, apesar de ter, atualmente, sentido
técnico-jurídico de rendimentos decorrentes da aposentadoria
do empregado ou do servidor público, quer exprimir, num senti-
do mais amplo e comum, salário, vencimentos, subsídio ou qual-
quer rendimento, seja de trabalho assalariado ou não, e ainda

324 Orlando Gomes, na obra citada.


342
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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os rendimentos decorrentes da aposentadoria. Assim, entende-


se que qualquer verba percebida como ganhos decorrentes de
atividade laborativa do cônjuge esteja excluída da comunhão,
compondo apenas seu patrimônio particular.
No inciso VI foi repetida a redação anterior, excluindo-se
apenas a expressão “tenças”. A alteração mostra-se acanhada.
Poderiam ter sido suprimidos ou alterados os termos “meios-
soldos” e “montepios”, não mais utilizados por nossa legislação,
já substituídos por aposentadoria por invalidez e pensão por
morte, respectivamente.
Na nova redação do artigo não se reeditou a possibilidade
de exclusão dos rendimentos dos bens de filhos anteriores ao
casamento. Por óbvia, a referência era desnecessária.
Por fim, foi extinto, tanto no regime da comunhão parcial
como no da comunhão total, o instituto dos bens reservados da
mulher, previsto nos artigos 246, parágrafo único, 263, XII, e
269, IV, todos do Código Civil de 1916, dispositivos cuja redação
foi dada pela Lei 4.121/62, conhecida como Estatuto da Mulher
Casada. Com o advento da Constituição de 1988, que, em seu
artigo 226, § 5º, dispôs sobre a igualdade de deveres e direitos
entre homens e mulheres na sociedade conjugal, a doutrina logo
passou a admitir que o instituto dos bens reservados da mulher
teria sido revogado. 325

Art. 1.660. Entram na comunhão:


I — os bens adquiridos na constância do casamento
por título oneroso, ainda que só em nome de um dos
cônjuges;
II — os bens adquiridos por fato eventual, com ou
sem concurso de trabalho ou despesa anterior;
III — os bens adquiridos por doação, herança ou le-
gado, em favor de ambos os cônjuges;
IV — as benfeitorias em bens particulares de cada
cônjuge;
V — os frutos dos bens comuns, ou dos particulares
de cada cônjuge, percebidos na constância do casa-
mento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.
Direito anterior: Art. 271 do Código Civil.

325 Arnoldo Wald, in Curso de Direito Civil Brasileiro, 9ª edição, editora


Revista dos Tribunais, página 98.
Capítulo III — Do Regime da Comunhão Parcial
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○ ○

Poucas foram as alterações no dispositivo, conforme iden-


tificação abaixo:
O inciso III repete o contido no artigo 271, III, deixando
apenas de fazer referência ao artigo 269, I. A referência era
desnecessária. É fácil identificar a diferença entre os bens rece-
bidos por cada cônjuge em virtude de doação ou sucessão e aque-
les recebidos por ambos os cônjuges pelos mesmos motivos.
O inciso V repete integralmente o contido no artigo 271, V,
do Código Civil de 1916. Os frutos dos bens comuns certamente
devem também integrar este patrimônio comum. Não se vê, en-
tretanto, razão para que os frutos dos bens particulares de cada
cônjuge também passem a integrar este mesmo patrimônio. 326
Deveria seguir-se o mesmo princípio dos rendimentos decorren-
tes do trabalho. Assim, de acordo com o texto de lei, temos,
exemplificando, que os rendimentos e dividendos 327 do aluguel
de um imóvel ou de ações de alguma empresa, adquiridos por
um dos cônjuges antes do casamento, deverão reverter para o
patrimônio comum.
A nova redação do texto, conforme comentário ao artigo
anterior, corrigiu omissão do legislador que data do Estatuto
da Mulher Casada, suprimindo o dispositivo que impunha de-
verem constar da comunhão os frutos civis do trabalho ou in-
dústria de cada cônjuge ou de ambos. Tal dispositivo deveria
ter sido revogado expressamente pela Lei 4.121/62, que o fez
quanto ao regime da comunhão universal, esquecendo-se, en-
tretanto, quando da disciplina do regime da comunhão parcial.
Mesmo após a lei referida, o dispositivo permaneceu, deixando
de ser aplicado em virtude de incompatibilidade com o disposto
no artigo 269, IV, do Código Civil de 1916. Felizmente, já se
sanou o erro. Hoje estatui o artigo 1.659, inciso VI, que não
entram na comunhão os rendimentos decorrentes do trabalho
dos cônjuges.

Art. 1.661. São incomunicáveis os bens cuja


aquisição tiver por titulo uma causa anterior ao
casamento.
Direito anterior: Art. 272 do Código Civil.

326 Álvaro Villaça Azevedo e Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos
Santos, in RT 731, página 23.
327 Arnoldo Wald, na obra citada, fls. 428/437.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Não houve qualquer inovação no texto.

Art. 1.662. No regime da comunhão parcial, pre-


sumem-se adquiridos na constância do casa-
mento os bens móveis, quando não se provar
que o foram em data anterior.
Direito anterior: Art. 273 do Código Civil.

A única alteração é a exclusão da expressão “com documen-


to autêntico”, que seguia a palavra “provar”. O texto se coaduna
com todo o sistema de direito material e processual vigente. O
contrato de compra e venda de bens móveis não exige uma for-
ma especial para sua realização, podendo ser provada sua exis-
tência de diversas formas (artigos 212 a 232 e artigos 332 e 402
do Código de Processo Civil). Pelo dispositivo, cria-se presunção
iuris tantum de aquisição dos bens móveis na constância do ca-
samento, salvo a produção de prova em contrário.

Art. 1.663. A administração do patrimônio comum


compete a qualquer dos cônjuges.
§ 1º As dívidas contraídas no exercício da adminis-
tração obrigam os bens comuns e particulares do côn-
juge que os administra e os do outro em razão do
proveito que houver aferido.
§ 2º A anuência de ambos os cônjuges é necessária
para os atos, a título gratuito, que impliquem cessão
do uso ou gozo dos bens comuns.
§ 3º em caso de malversação dos bens, o Juiz poderá
atribuir a administração a apenas um dos cônjuges.
Direito anterior: Art. 274 do Código Civil.

O caput do presente dispositivo vem disciplinar os coman-


dos constitucionais de igualdade genérica entre homens e mu-
lheres (artigo 5º, I) e de igualdade de direitos e deveres referen-
tes à sociedade conjugal (artigo 226, § 5º). A igualdade de direi-
tos e deveres entre os cônjuges na sociedade conjugal e a exis-
tência de patrimônio comum pressupõem o estabelecimento de
regras para sua administração, bem como as conseqüências de
tal administração. No regime original do Código Civil de 1916,
e ainda no Estatuto da Mulher Casada, atribuía-se ao marido o
direito e dever de administração dos bens do casal, cabendo ao
Capítulo III — Do Regime da Comunhão Parcial
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
345
○ ○

cônjuge mulher a prática de tal ato somente em hipóteses ex-


cepcionais (artigo 251 do Código Civil de 1916).
O parágrafo primeiro tem redação pouco diferente do arti-
go 274 do Código Civil de 1916. Simplesmente adapta o disposi-
tivo para a realidade atual, quanto à igualdade de deveres en-
tre os cônjuges na sociedade conjugal, estabelecendo as mes-
mas conseqüências que já eram previstas na referência
legislativa anterior.
O parágrafo segundo apresenta norma que nos parece mal
colocada, pois o comando deveria ter sido editado como inciso
do artigo 1.647, uma vez que se trata de ato que somente pode
ser praticado pelo cônjuge com a autorização do outro. Na hipó-
tese de inexistir tal autorização, cabe ao cônjuge que não a for-
neceu o ajuizamento da ação anulatória prevista no artigo 1.649.
A sociedade conjugal é composta de apenas duas pessoas,
que detêm os mesmos deveres e direitos, conforme comando con-
tido nos artigos 5º, I, e 226, § 5º da Constituição da República.
Não raramente podem ocorrer desentendimentos entre os côn-
juges e, sem a previsão de prevalência de uma vontade sobre a
outra, o caminho é requerer ao Juízo competente provimento
decisório sobre a questão controvertida, conforme previsto no
parágrafo terceiro e como preceitua esse mesmo Código em inú-
meras outras oportunidades.

Art. 1.664. Os bens da comunhão respondem pe-


las obrigações contraídas pelo marido ou pela
mulher para atender aos encargos da família, às
despesas da administração e às decorrentes de
imposição legal.
Direito anterior: Não há previsão.

A redação do dispositivo nasceu da interpretação que se


vinha emprestando ao artigo 3º da Lei 4.121/62 (Estatuto da
Mulher casada), em conjunto com outras disposições da legisla-
ção civil. Pacificou-se a jurisprudência em nosso país no sentido
de que se presume (presunção iuris tantum) que a dívida con-
traída por um dos cônjuges na constância do casamento o foi em
benefício da família, respondendo os bens comuns do casal pela
solução das obrigações daí emergentes. Desta forma, o cônjuge
que não praticou o ato que deu ensejo à dívida teria o ônus de
comprovar em Juízo, para a defesa ou salvaguarda de sua me-
tade ideal, que a dívida não foi assumida em benefício da famí-
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○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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lia. Não conseguindo produzir tal prova, a totalidade dos bens


comuns deverá suportar o pagamento da obrigação.
A presunção, que anteriormente decorria de entendimen-
to jurisprudencial, tem agora, no Novo Código Civil, disposição
expressa que a consubstancia. Assim, o que a jurisprudência
entendia como benefício de família passou a ser definido pela
nova legislação como encargo de família. A nova legislação foi
além, não só mencionando os encargos de família, mas também
abrangendo expressamente duas outras hipóteses em que os
bens da comunhão irão responder por obrigações contraídas por
um dos cônjuges, a saber: as hipóteses de despesas de adminis-
tração dos bens comuns, citando-se como exemplo o da taxa de
administração, quando uma empresa administra um imóvel de
propriedade comum dos cônjuges para fins de locação, e as de
despesas decorrentes de imposição legal, que podemos
exemplificar através dos impostos e taxas.
Sendo assumidas por apenas um dos cônjuges dívidas de-
correntes das três hipóteses aqui previstas, servirá de garantia
o patrimônio comum, não cabendo ao cônjuge que não praticou
o ato pretender resguardar sua meação.

Art. 1.665. A administração e disposição dos


bens constitutivos do patrimônio particular com-
petem ao cônjuge proprietário, salvo convenção
diversa em pacto antenupcial.
Direito anterior: Arts. 235, I, 242, II, e 276 do Código Civil.

O dispositivo vem estabelecer a plena liberdade de admi-


nistração e disposição dos bens particulares, sejam eles móveis
ou imóveis, excepcionando a norma contida no artigo 1.647, que
deveria ter previsto expressamente a hipótese. No regime ante-
rior, no que se refere aos bens imóveis, mesmo que particulares
de cada cônjuge, necessária se mostrava a autorização do outro
para alienação e oneração.

Art. 1.666. As dívidas, contraídas por qualquer


dos cônjuges na administração de seus bens
particulares e em benefício destes, não obrigam
os bens comuns.
Direito anterior: Não há.
Capítulo III — Do Regime da Comunhão Parcial
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347
○ ○

Pelas dívidas assumidas em decorrência da administração


de bens particulares, e desde que somente em benefício destes
mesmos bens, não é possível atribuir responsabilidade patrimo-
nial ao cônjuge não-proprietário. Assim, a metade ideal dos bens
comuns e os bens particulares do cônjuge proprietário não res-
pondem por tais dívidas. O dispositivo, entretanto, deixa enten-
der que, caso o benefício da dívida não esteja adstrito ao
patrimônio particular do proprietário, poderá haver implicação
do patrimônio do outro cônjuge. No nosso entendimento, a nor-
ma deve ser compatibilizada com a do artigo 1.664, responden-
do os bens comuns nas hipóteses previstas, em especial se a dí-
vida foi assumida em virtude de encargos de família.
348
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Capítulo IV — Do Regime de Comunhão Universal
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349
○ ○

Capítulo IV
DO REGIME DE COMUNHÃO UNIVERSAL

Art. 1.667. O regime da comunhão universal im-


porta a comunicação de todos os bens presen-
tes e futuros dos cônjuges e suas dívidas pas-
sivas, com as exceções do artigo seguinte:
Direito anterior: Art. 262 do Código Civil.

Não houve qualquer inovação no texto. A adoção do regi-


me da comunhão universal de bens pressupõe a celebração de
pacto antenupcial através de escritura pública (artigos 1.639,
1640 e 1.653).

Art. 1.668. São excluídos da comunhão:


I — os bens doados ou herdados com a cláusula de
incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar;
II — os bens gravados de fideicomisso e o direito do
herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condi-
ção suspensiva;
III — as dívidas anteriores ao casamento, salvo se
provierem de despesas com seus aprestos, ou rever-
terem em proveito comum;
IV — as doações antenupciais feitas por um dos côn-
juges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade;
VI — os bens referidos nos incisos V a VII do artigo
1.659.
Direito anterior: Art. 263 do Código Civil.

Quanto ao inciso I, há conjugação das redações contidas


no artigo 263, incisos II e XI, do Código Civil de 1916. Tanto a
incomunicabilidade como a impenhorabilidade decorrem da ina-
lienabilidade, que somente pode ser instituída em relação aos
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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bens adquiridos por intermédio de ato de doação, herança ou


legado (artigo 1.911). A redação do artigo 1.911 decorre da dúvi-
da que surgiu quanto aos limites da cláusula da inalienabilidade,
que levou o Supremo Tribunal Federal a editar o Enunciado de
Súmula de nº 49, com a seguinte redação: “a cláusula da inalie-
nabilidade incluiu a incomunicabilidade dos bens”.
O inciso II repete a redação contida no artigo 263, III, do
Código Civil de 1916. A substituição fideicomissária encontra-
se regulada nos artigos 1.951 a 1.960. Os bens gravados de
fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário estão, por
razões óbvias, excluídos do patrimônio comum dos cônjuges. Os
primeiros porque se traduzem em propriedade resolúvel e, ocor-
rendo a morte do fiduciário, certo tempo ou certa condição, de-
verá haver a transferência da propriedade ao fideicomissário
(artigo 1.951). Já o herdeiro fideicomissário somente é detentor
de uma expectativa de direito, que somente irá integrar seu
patrimônio com o implemento da condição suspensiva.
O inciso III repete integralmente a redação anterior. A no-
vidade está na não repetição do disposto no artigo 264 do Códi-
go Civil de 1916. Tal norma dispunha que, excluídas as exce-
ções, respondia, para pagamento de tais obrigações, apenas o
patrimônio levado para o casamento pelo devedor. Agora se deve
aplicar a regra geral. Como tais dívidas não se comunicam, ga-
rantem o pagamento o patrimônio particular do devedor e a sua
metade ideal nos bens comuns.
Por intermédio de uma remissão o legislador exclui, ain-
da, do regime da comunhão universal os seguintes bens:
V — os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de
profissão;
VI — os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
VII — as pensões, meios-soldos, montepios e outras ren-
das semelhantes.
Para facilitar a interpretação do comando, deveria evitar-
se a remissão a outros dispositivos, procedendo-se à sua repeti-
ção. 328 Trata-se, entretanto, de técnica adotada pelo legislador.
Os comentários sobre os dispositivos já foram esboçados ao exa-
minar-se o regime da comunhão parcial de bens.

328 Álvaro Villaça Azevedo e Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos
Santos na obra já referida.
Capítulo IV — Do Regime de Comunhão Universal
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
351
○ ○

Na redação dada pelo Novo Código Civil não foram repeti-


das as disposições contidas nos incisos IV, V, VI, X e XII do arti-
go 263 do Código Civil de 1916.
Os incisos IV e V referiam-se à exclusão da comunhão de
bens dotais. O novo Código Civil não mais disciplina o regime
dotal de bens no casamento, agora extinto, pelo que justificada
se encontra a não repetição da norma.
No que se refere à comunhão universal de bens, inovou o
legislador não mais excluindo da comunhão as obrigações de-
correntes de atos ilícitos praticados por um dos cônjuges, seja
antes ou depois do casamento. Assim, passaram a comunicar-se
as dívidas decorrentes de ato ilícito, sendo elas anteriores ou
posteriores ao casamento, respondendo pelo pagamento a inte-
gridade do patrimônio comum e os bens particulares do cônjuge
que o praticou.
O inciso X previa a exclusão da fiança prestada pelo mari-
do, sem outorga da mulher, relativamente à comunhão de bens,
criando verdadeira presunção iuris tantum de incomunicabi-
lidade da dívida dela decorrente. A despeito de ainda ser exigível
a autorização de um cônjuge ao outro para a fiança e o aval,
conforme artigo 1.647, III, o ato se mostra anulável, cabendo ao
cônjuge prejudicado ação anulatória, ou apresentação de em-
bargos para garantia de sua meação, caso a fiança não tenha
sido prestada com o propósito de atender a encargos de família,
despesas de administração de bens comuns ou decorrentes de
imposição legal, conforme artigo 1.664. Imaginemos a hipótese
em que o marido presta fiança num contrato celebrado por uma
empresa de propriedade de ambos os cônjuges. Não há como se
negar que tal fiança foi prestada para garantia do direito do
credor e com a finalidade de viabilizar a continuação das ativi-
dades da empresa dos cônjuges, tendo em vista que é a pessoa
jurídica quem garante os encargos de família.
Por fim, o inciso XII previa a instituição dos bens reserva-
dos da mulher, já referidos quando da apreciação do regime da
comunhão universal de bens.

Art. 1.669. A incomunicabilidade dos bens enu-


merados no artigo antecedente não se estende
aos frutos, quando se percebam ou vençam du-
rante o casamento.
Direito anterior: Art. 265 do Código Civil.
352
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Da mesma forma que no regime da comunhão parcial, ago-


ra no regime da comunhão universal, o legislador entendeu tra-
tarem-se de bens comuns os frutos advindos do patrimônio par-
ticular de cada cônjuge, valendo, em virtude da identidade de
situações, o comentário ao artigo 1.660, V, deste Código.

Art. 1.670. Aplica-se ao regime da comunhão uni-


versal o disposto no capítulo antecedente,
quanto à administração dos bens.
Direito anterior: Art. 266 do Código Civil.

O legislador quer referir-se às regras sobre administração


dos bens comuns e particulares, as quais se encontram no capí-
tulo referente ao regime da comunhão parcial de bens. Parece
que o dispositivo disse menos do que deveria ter dito. Conside-
rando a identidade de situações, uma vez que tanto no regime
da comunhão universal como no regime da comunhão parcial
existem bens comuns e bens particulares, devem ser aplicadas
também as mesmas regras de disponibilidade e responsabilida-
de patrimonial em virtude das dívidas assumidas por apenas
um dos cônjuges, como as contidas nos artigos 1.663, § 1º, 1.664,
1.665 e 1.666 deste Código.

Art. 1.671. Extinta a comunhão, e efetuada a di-


visão do ativo e do passivo, cessará a respon-
sabilidade de cada um dos cônjuges para com
os credores do outro.
Direito anterior: Art. 268 do Código Civil.

Nota-se apenas na nova redação a exclusão da expressão


final “por dívidas que este houver contraído”. Parece-nos corre-
ta a exclusão. A expressão nada esclarece, mas apenas repete o
que se conclui da leitura do dispositivo. Considerando que a
norma se refere expressamente aos “credores do outro”, enten-
de-se que o crédito foi concedido a apenas este, não tendo havi-
do intervenção do outro cônjuge no negócio. Caso o outro cônju-
ge também tenha participado do negócio jurídico, estarão am-
bos os cônjuges vinculados à obrigação, garantindo seu paga-
mento por intermédio de seus bens particulares identificados
após a extinção do vínculo.
Capítulo V — Do Regime de Participação Final nos Aqüestos
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
353
○ ○

Capítulo V
DO REGIME DE PARTICIPAÇÃO FINAL
NOS AQÜESTOS

Bianca Mota de Moraes


Promotora de Justiça Titular da Curadoria de Justiça
da Comarca de Rio Bonito — Estado do Rio de Janeiro

Art. 1.672. No regime de participação final nos


aqüestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio,
consoante disposto no artigo seguinte, e lhe cabe, à
época da dissolução da sociedade conjugal, direito à
metade dos bens adquiridos pelo casal, a título one-
roso, na constância do casamento.
Direito anterior: Não há previsão.

Esta é uma das várias inovações que este Código trouxe


para o ordenamento jurídico brasileiro. Extintas as disposições
acerca do regime dotal, foi mantido um total de quatro tipos de
regimes de bens no casamento.
No presente caso, o que vemos é uma forma híbrida, que
dá origem a relacionamento patrimonial entre os cônjuges, na
vigência do casamento, semelhante ao que ocorre quando o re-
gime é o da separação de bens, aproximando-se, contudo, no
momento da dissolução da sociedade conjugal, da configuração
prevista para a comunhão parcial.
Regimes com aspectos similares podem ser encontrados,
por exemplo, em países como a Hungria, Alemanha, França, No-
ruega, Finlândia, Dinamarca e Suécia.
Entre nós, há quem considere que este regime apresenta
maior consonância com o princípio da igualdade dos cônjuges,

353
354
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

tendo sido sugerida a sua adoção como regime-regra por Clóvis


V. do Couto e Silva. 329
Por outro lado, também encontramos quem advogasse a
exclusão de todo o capítulo do regime da participação final, como
se lê na sugestão oferecida por Álvaro Villaça Azevedo e Regina
Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos. 330
O argumento que sustentou esta segunda posição foi o de
que situações imorais poderiam advir da feição que ali restaria
assumida por tal regime, no qual, segundo o raciocínio desen-
volvido pelos autores mencionados, os cônjuges seriam, em cer-
tas circunstâncias, instados a manter ou a dissolver o casamen-
to por “interesses exclusivamente econômicos”.
Sem embargo da nobreza da preocupação, há que conside-
rar-se que, uma vez preservada a existência de patrimônio pró-
prio, no qual se integram bens adquiridos antes e depois do casa-
mento, como efetivamente dispôs o Novo Código ao tratar do regi-
me de que ora se cuida (art. 1.673), não há que se temer pelo
abalo da affectio societatis por motivos meramente patrimoniais
em proporções tais que recomendassem o abandono do regime.
É induvidoso que riscos de tal monta sempre existirão, até
porque a criatividade do ser humano é algo verdadeiramente
ilimitado e situações podem, realmente, ser imaginadas, forja-
das, planejadas. Não se pode olvidar, porém, e o assunto será
abordado adiante de forma minuciosa, que é precisamente nes-
tas circunstâncias que se encontram, na vigência do Código de
1916 e com a interpretação jurisprudencial que decorre do ver-
bete nº 377 da Súmula do STF, os cônjuges que casaram sob o
regime obrigatório da separação (art. 258, parágrafo único).
É de se registrar a contribuição oferecida por Álvaro Villaça
Azevedo e Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, 331
no sentido de que o regime determinado pela lei nos casos de
imposição deveria ser o da comunhão parcial e não o da separa-

329 SILVA, Clóvis V. do Couto e. Direito Patrimonial de família no Projeto


do Código Civil Brasileiro e no Direito Português. In: Revista Direito
e Justiça. Lisboa: vol. 1, p. 149, 1980.
330 AZEVEDO, Álvaro Villaça; SANTOS, Regina Beatriz Tavares da Sil-
va Papa dos. Sugestões ao Projeto de Código Civil — Direito de Famí-
lia — 2ª Parte. In: Revista dos Tribunais, nº 731, p. 25, setembro de
1996.
331 AZEVEDO, Álvaro Villaça; SANTOS, Regina Beatriz Tavares da Sil-
va Papa dos. Obra citada, p.18-19
Capítulo V — Do Regime de Participação Final nos Aqüestos
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
355
○ ○

ção, exatamente em razão do entendimento jurisprudencial ex-


presso no referido enunciado, e em simetria com a abolição do
sistema da participação final dos aqüestos pelos mesmos
sugerida.
Mantidos, contudo, os dispositivos a respeito de ambos os
temas, oferece-se, agora, diferente opção aos nubentes não al-
cançados pela limitação do artigo 1.641, sendo certo que a esco-
lha depende da submissão à forma prescrita pelo artigo 1.640,
parágrafo único (pacto antenupcial por escritura pública), sob
pena de se fazer incidir o regime que subsidiariamente emerge
por força da lei, e que continuou a ser o da comunhão parcial,
como previu o artigo 1.640, caput.
É certo, por outro lado, que os contraentes deverão rece-
ber do oficial do Registro todas as informações acerca dos diver-
sos regimes, conforme preconiza o artigo 1.528, a fim de que
estejam perfeitamente conscientes dos respectivos prós e con-
tras, não obstante a novel possibilidade de posterior alteração,
nos termos do que prevê o artigo 1.639, § 2º.
Relativamente ao efeito das convenções antenupciais pe-
rante terceiros, consigna-se a exigência formulada no artigo
1.657.
Destarte, o Novo Código inaugura o regime estabelecendo,
quando da dissolução da sociedade conjugal, o direito à metade
dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso.
A primeira observação que se afigura pertinente quando
se avaliam os efeitos práticos da previsão de mais um regime, a
fortiori tendo este caráter misto, diz respeito, como acima ante-
cipamos, ao entendimento da jurisprudência que se vinha con-
solidando há longos anos, havendo sido cristalizada no verbete
nº 377 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, o qual não mais
poderá subsistir.
A participação final de aqüestos tem, como já dito, seus
alicerces calcados ora em componentes típicos da separação de
bens, ora em característicos da comunhão parcial, parecendo
que a própria razão de sua existência e forma seja a de propor-
cionar aos cônjuges opção que ofereça, a um só tempo, seguran-
ça quanto aos bens adquiridos por cada um deles, antes e depois
do casamento, liberdade de administração e alienação quanto a
estes bens e direito à metade naquilo que for resultado de esfor-
ço comum.
De acordo com a melhor interpretação do tema, infere-se
que o objetivo da construção pretoriana ensejadora do posicio-
356
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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namento jurisprudencial supramencionado não foi outro senão


o de alcançar precisamente tal resultado, numa época em que
somente por este caminho a ele se poderia chegar, já que a le-
gislação não previa regime com estes parâmetros.
Saliente-se, desde logo, que não impressiona a argumen-
tação de que o posicionamento expresso no verbete nº 377 do
Supremo Tribunal Federal se refere somente ao denominado
“regime legal da separação”.
Se este Código prevê novo regime, é certo também que de-
terminaria a sua aplicação para os casos em que pretendesse
fazer incidir os seus efeitos de maneira impositiva. Se buscasse
algum tipo de participação de aqüestos no regime da separação
legal, não teria repetido a opção legislativa anterior, como o fez
no artigo 1.641. Estabeleceria, simplesmente, que para os casos
ali elencados o regime obrigatório seria o da participação final,
ora em estudo.
Ademais, imperioso constatar que o teor do artigo 259 do
Código Civil de 1916, principal fundamento da aludida inter-
pretação jurisprudencial, não foi repetido neste Novo Código, o
que só vem a corroborar o que se sustenta.
Não se pode deixar de mencionar, por outro lado, que, no
Projeto 634/75, mesmo após a aprovação pelo Senado Federal,
havia disposição que deixava ainda mais evidente a nova siste-
mática.
Esta se consubstanciava no artigo 1.669, 332 em que era ex-
pressamente determinado que o regime obrigatório da separa-
ção de bens se daria sem a comunhão de aqüestos.
O anterior artigo 1.669 veio a tomar o número 1.641 no tex-
to que se tornou definitivo e perdeu a expressão “sem a comu-
nhão de aqüestos”, a qual deixava o dispositivo em clara sintonia
com o sistema introduzido pela adoção deste novo regime.

332 Art. 1.669. É obrigatório o regime da separação de bens no casamen-


to, sem a comunhão de aqüestos:
I — Das pessoas que o contraírem com inobservância das causas
suspensivas da celebração do matrimônio;
II — Da pessoa maior de sessenta anos;
III — De todos os que dependerem, para casar, de suprimento judi-
cial.
Capítulo V — Do Regime de Participação Final nos Aqüestos
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
357
○ ○

Deve-se igualmente trazer à baila a informação de que a


justificativa apresentada pela Câmara dos Deputados 333 para a
supressão referida foi exatamente a de se pretender a manuten-
ção do entendimento jurisprudencial contido no Enunciado nº
377 do Supremo Tribunal Federal.
Consideramos, no entanto, que não atentaram nossos le-
gisladores para o fato de que a simples supressão daquela ex-
pressão não atingiria o efeito desejado caso não se abolisse tam-
bém o capítulo relativo ao regime da participação final de
aqüestos, pois este traria, como trouxe, nova interpretação acer-
ca do tema.
O Projeto trazia, assim, em sua inteireza, a previsão do
novo tratamento que se deve dar à situação dos que se casam
pelo regime da separação de bens, tanto a convencional (lem-
bremos a exclusão do que dispunha o artigo 259), quanto a obri-
gatória (com a expressão que veio a restar suprimida) e, embora
a obviedade com que o expunha não tenha sido mantida, o certo
é que a pretensão inicial foi alcançada, não mais sendo cabível
falar-se em comunhão de aqüestos para os casados pela separa-
ção a partir da vigência do Novo Código.
Ressalve-se, porém, que aqui não estamos apontando para
a impossibilidade de que os cônjuges venham a estabelecer
outra(s) forma(s) de comunhão, regida(s) não pelo Direito de
Família, mas, por exemplo, pelo Direito das Obrigações ou das
Coisas (condomínios, composses, etc.).
Para maiores digressões sobre a matéria, remete-se o lei-
tor aos artigos que tratam do regime de separação de bens, nes-
ta obra comentados pela ilustre Promotora de Justiça Dra.
Daniela de Faria Tavares.
Em um segundo momento, cabe delinear-se o panorama
do regime da participação final de aqüestos sob os matizes do
cotejo entre este e o regime da comunhão parcial, já que, em um
primeiro olhar, ambos se mostram muito parecidos.
Na participação final de aqüestos não é presumida a co-
municação dos bens adquiridos após o casamento, como se vê
nos artigos 1.658 e 1.660, I, relativos à comunhão parcial; esta
conclusão emerge não só do teor do artigo que ora se comenta,
mas também dos artigos 1.673, 1.680 e 1.681, sendo indubitável
que as presunções são obras de exclusividade do legislador. Re-

333 Relatório Final do Projeto nº 634/75, Deputado Ricardo Fiúza, item


49, Emenda nº 251.
358
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

força esta interpretação a própria nomenclatura dada ao regi-


me, pois se optou por indicá-lo como o da participação final e
não o da comunhão final nos aqüestos.
Note-se ainda que o artigo 1.658 faz alusão a bens que
sobrevierem ao casal e o 1.672 se refere a bens adquiridos pelo
casal.
Decorre daí que será necessária apuração daquilo que, no
caso de dissolução da sociedade conjugal, sofrerá divisão entre
os cônjuges (artigo 1.674).
Aqui não basta que os bens sejam adquiridos depois do ca-
samento, nem que o sejam a título oneroso; é preciso, além dis-
to, que sejam adquiridos pelo casal. E a lei não presume que o
foram; é necessária, em caso de litígio, a produção probatória, a
menos, obviamente, que o(s) bem(ns) já tenha(m) sido
adquirido(s) em nome dos dois.
Esta liquidação é, como bem focaliza Zeno Veloso, 334 o pon-
to para o qual convergem as críticas relativas ao presente regi-
me.
A resistência se nos afigura procedente, pois, como se verá,
o cálculo da participação final dos aqüestos se reveste de cará-
ter indiscutivelmente tormentoso, sendo certo que a fase em que
tal cálculo ocorre (dissolução da sociedade conjugal) contribui
sobremaneira para o litígio, já que os envolvidos, em sua gran-
de maioria, estão abalados emocional e psicologicamente.
Portanto, aos que vierem a optar pelo novo regime, faz-se
o alerta de que, quando os bens forem adquiridos com esforço
comum providenciem, tanto quanto possível e para que se evi-
tem questionamentos, a inscrição do nome de ambos no título
aquisitivo.
Quanto às dívidas, salientamos possuírem os regimes so-
luções diversas, como se vê nos artigos 1.663, § 1º, e 1.677.
Por outro ângulo, cabe consignar que, com referência à
união estável, determinou o legislador, no artigo 1.725, a apli-
cação, no que couber, do regime da comunhão parcial, assim fi-
cando, então, a hipótese: no casamento regido pela participação
final, a prova se dará, em sendo o caso (leia-se: não sendo
adotadas as cautelas pertinentes), quanto ao esforço comum na

3 3 4 VELOSO, Zeno. Regimes Matrimoniais de Bens . In: Rodrigo da


Cunha Pereira (Coord.). Direito de Família Contemporâneo — Dou-
trina, Jurisprudência, Direito Comparado e Interdisciplinaridade. Belo
Horizonte: Del-Rey, 1997, p. 207.
Capítulo V — Do Regime de Participação Final nos Aqüestos
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
359
○ ○

aquisição dos bens; na união estável, ao revés, a necessidade de


produção probatória recairá sobre a sua própria caracterização,
que é um antecedente imprescindível à incidência das regras
da comunhão parcial.
Destarte, não se considera que os companheiros estejam
em situação mais cômoda que os cônjuges optantes pelo regime
ora em análise, como poderia, ab initio, parecer.
Registre-se, por derradeiro, a existência de norma inserida
nas Disposições Finais e Transitórias e que se relaciona direta-
mente com o tema em análise, dispondo, com o único objetivo de
espancar qualquer tipo de dúvida, que, para os casamentos ce-
lebrados na vigência do Código anterior, o regime de bens é o
por ele estabelecido (artigo 2.039).

Art. 1.673. Integram o patrimônio próprio os bens


que cada cônjuge possuía ao casar e os por ele
adquiridos, a qualquer título, na constância do
casamento.
Parágrafo único. A administração desses bens
é exclusiva de cada cônjuge, que os poderá li-
vremente alienar, se forem móveis.
Direito anterior: Não há previsão.

Neste artigo o Novo Código delimita o que é considerado


patrimônio próprio, estabelecendo que tal patrimônio fica sob a
administração exclusiva do cônjuge ao qual pertencer. Imperio-
so atentar-se para a expressão “a qualquer título”, dada a sua
clareza e abrangência, que não permite maiores digressões nem
argüição de complexidade em lides judiciais. Note-se, também,
que o artigo se refere a bem adquirido pelo cônjuge, propositada
e diferentemente do que prevê o dispositivo anterior, que utiliza
a expressão “bens adquiridos pelo casal”.
No que tange à alienação, restou injustificada a restrição
quanto à possibilidade de que se opere somente para os bens
móveis de forma livre, independente de previsão no pacto
antenupcial. Tal fato acabou por se tornar mais um dos diferen-
ciais entre este e o regime da separação de bens. O artigo 1.656
exige, para o regime de participação final nos aqüestos, expres-
sa convenção quanto à livre disposição dos bens imóveis parti-
culares de cada um dos cônjuges. Tal exigência não se impõe ao
regime de separação de bens, no qual a liberdade para aliena-
ção é irrestrita, conforme o disposto nos artigos 1.647 e 1.687.
360
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Relativamente a este ponto, consideramos haver o legisla-


dor perdido o ensejo de evitar interpretações distorcidas sobre o
regime em tela, principalmente considerando que, em sendo novo,
já naturalmente poderá propiciá-las e que uma difusão errônea
dos seus fundamentos poderá acarretar equívocos nas opções
realizadas pelos nubentes.
Ora, a real vantagem da participação final nos aqüestos
seria exatamente a de conferir ampla liberdade aos cônjuges na
administração dos seus bens particulares, sem prejudicar a apu-
ração do que foi adquirido pelo casal, no caso de dissolução da
sociedade conjugal. Tudo isto logicamente em automática de-
corrência da opção pelo regime por intermédio do pacto
antenupcial, que por si, já não recebe, assim como o testamen-
to, a desejável chancela da prática usual em nosso país.
Assim, a exigência de que esta liberdade, no que se refere
aos imóveis, seja ainda previamente convencionada pelos noi-
vos no referido pacto, como o faz o já indicado artigo 1.656, pa-
rece-nos distanciada de nossos costumes e até mesmo do princi-
pal objetivo deste novo regime de bens, que é o da ausência de
interferência de um dos cônjuges nos negócios do outro, e, con-
seqüentemente, o da diminuição dos conflitos entre ambos du-
rante o matrimônio.
Vamos além, mais uma vez com Álvaro Villaça e Regina
Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, 335 para refletir que,
seja qual for o regime, cuidando-se de bens particulares, não é
plausível tal limitação.
É de ser salientado, ainda neste viés, que, quanto ao imó-
vel que venha a ser destinado à residência familiar, este sim
carecedor da maior atenção pelo ordenamento jurídico, até em
face de possíveis interesses de menores em jogo, poderão os côn-
juges, a qualquer tempo, sem que lhes seja exigido, portanto,
ajuste quando dos aprestos do casamento, instituí-lo como bem
de família, incidindo, para a respectiva alienação, as cautelas
previstas no artigo 1.717, inclusive a salutar oitiva do Parquet.
Seria, é bem verdade, mais interessante, se acaso adotas-
se a ampla disposição dos bens acima defendida, que a
abrangência da proteção alcançasse sempre o bem destinado à
moradia da família, independentemente de ser este formalmen-
te instituído nos moldes dos arts. 1.711 e 1.714, o que pode ter

335 AZEVEDO, Álvaro Villaça; SANTOS, Regina Beatriz Tavares da Sil-


va Papa dos. Obra citada, p.19-20.
Capítulo V — Do Regime de Participação Final nos Aqüestos
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361
○ ○

sido a vontade do legislador ao utilizar a expressão “desde que


particulares”, no art. 1.656, do Novo Código.
É necessário mencionar que, no capítulo das disposições
gerais do direito patrimonial, também existem regras, aplicá-
veis ao presente regime, de permissão e de restrição para os
cônjuges quanto à administração de bens e interesses, nos arti-
gos 1.642 e 1.647.

Art. 1.674. Sobrevindo a dissolução da sociedade con-


jugal, apurar-se-á o montante dos aqüestos, excluin-
do-se da soma dos patrimônios próprios:
I — os bens anteriores ao casamento e os que em
seu lugar se sub-rogaram;
II — os bens que sobrevieram a cada cônjuge por
sucessão ou liberalidade;
III — as dívidas relativas a esses bens.
Parágrafo único. Salvo prova em contrário, presumem-
se adquiridos durante o casamento os bens móveis.
Direito anterior: Não há previsão.

Consideramos, aqui, primeiramente, inevitável a remis-


são ao artigo 1.571, que fixa as hipóteses de dissolução de soci-
edade conjugal e que sofreu sensível alteração se comparado ao
artigo 2º da Lei 6.515/77, que antes dispunha sobre a matéria,
de vez que, com a nova redação, se permitiu que fosse aplicada,
para o efeito da mencionada dissolução, a presunção de morte
do ausente, prevista no art. 6º.
Por outro lado, observamos que a única conclusão a que se
pode chegar quanto a tal norma é a de que esta se constitui
apenas em regra de evidência, já que o objetivo que parece ter
sido o do legislador, qual seja, o de afastar completamente da
apuração final os itens elencados nos incisos I, II e III, já havia
sido, ao menos em nosso sentir, assegurado com a norma do art.
1.672.
Com relação ao parágrafo único, é de ser destacado que
uma coisa é presumir-se a época em que foram adquiridos os
bens, e outra é saber-se quem efetivamente participou na com-
pra, tópico sobre o qual, como já dissemos acima, não há nenhu-
ma presunção.
Este artigo enuncia o procedimento liquidatório que se im-
porá aos cônjuges no caso de dissolução da sociedade conjugal e,
362
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

portanto, coloca o operador do Direito diante do primeiro de uma


série de penosos passos que se deverão percorrer até a ultima-
ção da partilha.
É a partir daqui que o regime da participação final nos
aqüestos pode vir a se tornar contraproducente, pois se na teo-
ria o que se procurou foi conferir maior justiça nas relações
patrimoniais do casal, na prática se acabou regando a árvore já
tão frondosa das disputas judiciais na área de família, como
veremos a seguir.
Na verdade, o que se pretendeu foi que, na época da disso-
lução da sociedade conjugal, primeiramente sejam somados os
patrimônios de cada cônjuge, nos moldes da definição do art.
1.673. De tal soma são excluídos os bens mencionados neste ar-
tigo 1.674, levando-se em consideração, no entanto, a presun-
ção, prevista no parágrafo único, quanto aos móveis. Seriam
acrescidos, após, os valores dos bens alienados em detrimento
da meação. Do apurado, pagar-se-iam as dívidas comuns peran-
te terceiros e de um para com o outro. Ao final, sofreria a divisão
por metade entre os cônjuges apenas aquilo que tivesse sido
adquirido a título oneroso e pelo casal.
Só a prática poderá mostrar o que se alcançará efetiva-
mente, necessitando contar-se com a coragem dos nubentes em
optar por este regime.
Rolf Madaleno, 336 ao analisar as regras quanto à liquida-
ção no Novo Código Civil, conclui que o presente regime é o de
uma sociedade de ganhos e não de bens, seguindo a mesma li-
nha de entendimento exposta por Zeno Veloso, 337 quando escla-
rece: “Em outros sistemas, que já descrevem este regime, a par-
ticipação não é nos bens adquiridos, em si; portanto, não se for-
ma uma massa a ser partilhada, e o que ocorre é um crédito em
favor de um dos cônjuges, contra o outro, para igualar os acrés-
cimos, os ganhos obtidos durante o casamento”.

336 MADALENO, Rolf. Do regime de bens entre os cônjuges. In: Maria


Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira (Coordenadores). DIREI-
TO DE FAMÍLIA E O NOVO CÓDIGO CIVIL. Belo Horizonte: Del-Rey,
2001, p.177.
3 3 7 VELOSO, Zeno. Regimes Matrimoniais de Bens . In: Rodrigo da
Cunha Pereira (Coord.). Direito de Família Contemporâneo — Dou-
trina, Jurisprudência, Direito Comparado e Interdisciplinaridade. Belo
Horizonte: Del-Rey, 1997, p. 205.
Capítulo V — Do Regime de Participação Final nos Aqüestos
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
363
○ ○

Art. 1.675. Ao determinar-se o montante dos aqüestos,


computar-se-á o valor das doações feitas por um dos
cônjuges, sem a necessária autorização do outro;
nesse caso, o bem poderá ser reivindicado pelo côn-
juge prejudicado ou por seus herdeiros, ou declara-
do no monte partilhável, por valor equivalente ao da
época da dissolução.
Direito anterior: Não há previsão.

Relaciona-se intimamente este dispositivo com o art. 1.647,


IV, parte final, do novo Código Civil.
Não havendo a autorização ali exigida — e que já é censu-
rável pela própria natureza do regime em tela, pois é moldado à
luz da independência financeira entre os cônjuges — fica aber-
to este temerário caminho da reivindicação do bem pelo cônjuge
prejudicado, que só vem abalar a segurança das relações jurídi-
cas.
A parte final do artigo, por sua vez, traz imprecisão que
pode vir a gerar longos conflitos processuais: a uma porque a
apuração do valor de um bem em data posterior à da sua negoci-
ação, que, conforme o caso, poderá ser bem distante do momento
vivido pelos litigantes (sublinhe-se, inclusive, a remissão do ar-
tigo aos herdeiros do cônjuge prejudicado!), por si só já é
sinalizadora de eventuais divergências; a duas, porque a pró-
pria época na qual deverá ser realizada tal apuração pode tor-
nar-se objeto de discussão entre as partes, pois o artigo fala sim-
plesmente em “dissolução”.
Atentemos para o fato de que o artigo 1.683 indica que a
verificação do montante dos aqüestos se dará à época em que
cessou a convivência, que, como de sabença geral, é coisa diver-
sa da dissolução da sociedade conjugal (art. 1.571, Novo Código
Civil) e, ainda, da dissolução do vínculo matrimonial (art. 1.571,
§ 1º, do Novo Código).
A solução que se afigura é a de que a dissolução menciona-
da no presente artigo deve ser interpretada como referente à
sociedade conjugal.
Assim se conclui porque parece que, se o escopo do legisla-
dor foi assegurar, por um lado, que a participação nos aqüestos
ficasse imune ao vírus da dúvida no que toca à separação de
fato (por isso é que fincou o término da convivência como divisor
de fronteiras entre os terrenos do que pode ser objeto de parti-
364
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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lha e do que não pode), por outro visou ele a preservar o real
conteúdo econômico do patrimônio até a época da dissolução da
sociedade conjugal, pois é somente nesta ocasião que o direito à
mencionada participação pode ser exercido.
Observemos, em abono desta tese, a redação do artigo
1.672, que aponta o momento da dissolução da sociedade conju-
gal como aquele no qual se apresenta a possibilidade de ser per-
quirido o direito ali assegurado, qual seja, o de obter a metade
dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância
do casamento (leia-se: durante a convivência).
Assim, além de considerar-se este entendimento muito mais
prático no que diz respeito à produção probatória, afigura-se
realmente mais justo que os bens sofram atualização até a épo-
ca em que efetivamente nasce o direito de obtê-los e não somen-
te até a data em que o casal deixou de conviver.

Art. 1.676. Incorpora-se ao monte o valor dos


bens alienados em detrimento da meação, se
não houver preferência do cônjuge lesado, ou
de seus herdeiros, de os reivindicar.
Direito anterior: Não há previsão.

Neste dispositivo, o debate residirá em definir quais os bens


que, alienados, poderiam ensejar “detrimento da meação”, já que
os cônjuges, a rigor, terão livre administração do patrimônio pró-
prio, conforme o teor do parágrafo único do artigo 1.673.
Tais bens são aqueles que os cônjuges sabem terem sido
adquiridos com a participação de ambos, embora estejam em
nome de apenas um deles.
Embora não vigore aqui a presunção quanto a tal partici-
pação (como ocorre no regime da comunhão parcial — art. 1.660,
inciso I, do Novo Código), o certo é que a Lei possibilita a prova
do esforço comum e, uma vez evidenciado este, confere o legisla-
dor a proteção contida neste artigo para efeito da apuração fi-
nal.
Quanto aos bens nos quais já conste o nome de ambos, pa-
rece-nos óbvia a necessidade de que a alienação ocorra com a
anuência dos dois, mas, em todo caso, é bom ressaltar que, caso
assim não ocorra, incidirá também o disposto na norma que ora
se comenta.
Capítulo V — Do Regime de Participação Final nos Aqüestos
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
365
○ ○

Alerta-se neste ponto para a sugestão apresentada por Rolf


Madaleno, 338 com o fim de preservar a operosidade de normas
como a presente no regime da participação final nos aqüestos:
“Para assegurar a compensação de bens ou a recompensa
pecuniária pelo valor equivalente do patrimônio desviado (arts.
1.675 e 1.676), muitas vezes, com o início do processo de separa-
ção, convém sejam requeridas medidas cautelares para a segu-
rança da divisão final dos aqüestos o mais igualitária possível”.
Exemplifica o mencionado autor, após, com as medidas de
arrolamento de bens e de bloqueio judicial de economias, entre
outras.

Art. 1.677. Pelas dívidas posteriores ao casamen-


to, contraídas por um dos cônjuges, somente este
responderá, salvo prova de terem revertido, par-
cial ou totalmente, em benefício do outro.
Direito anterior: Não há previsão.

Aqui reside mais uma diferença entre este regime e o da


comunhão parcial.
Havendo, in casu, previsão apenas de um “patrimônio pró-
prio” e da sua respectiva administração, também não foi mencio-
nada a obrigação de bens comuns, como dispõem os artigos 1.663
e 1.666, deixando o legislador, em princípio, exclusivamente para
o cônjuge que as contraiu a responsabilidade pelas dívidas as-
sumidas.
Assim, a prova do aproveitamento pelo outro consorte fica
como subsidiária e excepcional, novamente sendo afastada qual-
quer presunção ou decorrência automática.
Registre-se, por outro lado, que não há como vislumbrar a
possibilidade de que a dívida que se reverta em benefício da
família não seja, também, da responsabilidade de ambos os côn-
juges, embora assumida por um só.

338 MADALENO, Rolf. Do regime de bens entre os cônjuges. In: Maria


Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira (Coordenadores). DIREI-
TO DE FAMÍLIA E O NOVO CÓDIGO CIVIL. Belo Horizonte: Del-Rey,
2001, p.174/175.
366
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Consideramos estarem as circunstâncias de tal modo inter-


ligadas, que, beneficiada a família, está também, sem dúvida,
beneficiado o outro cônjuge, incidindo a respeito o disposto nes-
te artigo.
É de ser consignada, ainda, a incidência dos artigos 1.643
e 1.644 em relação ao presente regime, visto que aqueles se en-
contram nas Disposições Gerais. Tais dispositivos estabelecem a
obrigação solidária entre os cônjuges pelas dívidas oriundas das
aquisições relativas à economia doméstica.
Sobre o que se deva entender por economia doméstica, re-
mete-se aos comentários pertinentes nesta obra, referentes aos
artigos 1.639 a 1.652, de autoria do ilustre Promotor de Justiça
Dr. Leônidas Filippone Farrula Junior.

Art. 1.678. Se um dos cônjuges solveu uma dívida do


outro com bens do seu patrimônio, o valor do paga-
mento deve ser atualizado e imputado, na data da dis-
solução, à meação do outro cônjuge.
Direito anterior: Não há previsão.

Mais uma vez, o legislador menciona a palavra “dissolu-


ção”, que, até para manter coerência com o raciocínio que aqui
já se desenvolveu (artigo 1.675), se afirma ser a da sociedade
conjugal.
Este artigo não suscitará maiores controvérsias teóricas,
pois é auto-explicativo e visa a impedir que um cônjuge, por sal-
dar dívidas do outro, fique prejudicado na apuração final.
Na prática, porém, poderão levantar-se várias questões
intrincadas, podendo ser angustiante, em diversos casos, a pro-
dução probatória, pois, para a efetiva aplicação da norma, será
preciso um controle, digamos, “contábil”, muito minucioso du-
rante o casamento, coisa que, em regra, não acontece.
De qualquer modo, é de bom alvitre ressaltar que as dívi-
das aqui mencionadas não são aquelas que, embora assumidas
pelo outro, reverteram em benefício do próprio cônjuge que as
pagou, da família, ou foram referentes às despesas com econo-
mia doméstica, porque para estas há disposições legais próprias,
como destacado anteriormente.

Art. 1.679. No caso de bens adquiridos pelo tra-


balho conjunto, terá cada um dos cônjuges uma
Capítulo V — Do Regime de Participação Final nos Aqüestos
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○ ○

quota igual no condomínio ou no crédito por


aquele modo estabelecido.
Direito anterior: Não há previsão.

A leitura deste dispositivo pode causar inicial perplexida-


de, podendo ele ser reputado completamente despiciendo, já que
tudo que nele está dito parece óbvio diante da análise até aqui
realizada.
Após reflexão, todavia, observa-se que não é bem assim.
Na verdade, melhor seria que fosse editado como parágra-
fo do artigo anterior, pois a ele está intrinsecamente ligado.
No artigo 1.678 menciona-se o pagamento de dívida de um
dos cônjuges com bem do patrimônio do outro (leia-se: bem sobre
o qual não incidiria participação final); aqui o que se pretendeu
foi exatamente criar previsão legal para o caso em que tal paga-
mento seja efetuado com bem que seria objeto de partilha poste-
rior, pois que adquirido com esforço comum.
Neste caso, portanto, o cônjuge que solveu a dívida, na
verdade, não a adimpliu por inteiro, mas apenas por metade, já
que o cônjuge devedor teria o direito de receber os outros cin-
qüenta por cento do bem que foi utilizado para o pagamento.
Destarte, justo é que aquele que pagou dívida do seu
consorte, com bem sobre o qual ambos teriam participação final,
fique investido no crédito relativo apenas à metade do débito,
pois sua contribuição no referido pagamento se deu neste per-
centual.
Esta interpretação indica a real utilidade do artigo.
Saliente-se que eventuais diferenças na participação de
cada um na aquisição do bem são aqui, de forma salutar, com-
pletamente desprezadas, porque assim também o foram no arti-
go 1.672, o que significa que, provado o esforço conjunto, desin-
teressa perquirir se um contribuiu com vinte por cento e o outro
com oitenta, pois ambos terão sempre direito à metade.

Art. 1.680. As coisas móveis, em face de tercei-


ros, presumem-se do domínio do cônjuge deve-
dor, salvo se o bem for de uso pessoal do ou-
tro.
Direito anterior: Não há previsão.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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A norma assegura o interesse de terceiros, que não podem,


logicamente, ficar adstritos a discussões travadas no seio famili-
ar quanto à titularidade dos bens para a garantia dos seus cré-
ditos, na forma do artigo 591 do Código de Processo Civil.
Observa-se ainda, pela simples leitura do dispositivo, que
se entende por terceiro um credor e não simplesmente uma pes-
soa estranha ao relacionamento matrimonial.
Salienta-se tal circunstância em face da previsão levada a
efeito no artigo 1.642, inciso V, que confere ao cônjuge prejudi-
cado o direito de reivindicar bens comuns, móveis ou imóveis,
preenchidas as condições ali estabelecidas, quando doados ou
transferidos a concubino — sabendo-se que o concubinato, no
Novo Código, recebeu a definição contida no artigo 1.727.

Art. 1.681. Os bens imóveis são de propriedade


do cônjuge cujo nome constar no registro.
Parágrafo único. Impugnada a titularidade, ca-
berá ao cônjuge proprietário provar a aquisição
regular dos bens.
Direito anterior: Não há previsão.

Fica ratificado, com o teor deste artigo, o entendimento de


que não há presunção de esforço comum no regime da participa-
ção final.
Note-se, neste viés, que não há qualquer menção a bem
adquirido antes ou depois do casamento, sendo o comando apli-
cável a ambas as situações.
De outro ângulo, no entanto, é de observar-se que o pará-
grafo único, além de abrir ensejo à impugnação da titularidade
e de não a limitar, pelo menos não formalmente, ao outro cônju-
ge, ainda estabeleceu que, uma vez ofertada a impugnação, ca-
berá ao cônjuge proprietário a prova quanto à regularidade da
aquisição dos bens.
Atente-se em que a prova in casu, não se dará quanto à
propriedade em si, já que esta decorre de registro (artigos 1.245
a 1.247, do Novo Código), mas sim quanto à regularidade da
respectiva aquisição, ou seja, quanto à efetiva participação na
compra daquele bem.
O intuito foi somente o de apurar se é devida pelo cônjuge
proprietário àquele que, embora não figure no registro imobiliá-
rio, também tenha contribuído para a sua aquisição, a metade
Capítulo V — Do Regime de Participação Final nos Aqüestos
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○ ○

do valor do bem, vindo a partilha a retratar, o mais fielmente


possível, a participação de cada um na formação do patrimônio,
repelindo-se o enriquecimento ilícito.
É certo, entretanto, que a norma do parágrafo único é mais
uma dentre aquelas deste capítulo que podem vir a facilitar as
celeumas intermináveis entre as partes nas Varas de Família e
que, portanto, não recomendam a adoção deste regime de bens.

Art. 1.682. O direito à meação não é renunciá-


vel, cessível ou penhorável na vigência do regi-
me matrimonial.
Direito anterior: Não há previsão.

Esta norma tem por escopo evitar a ocorrência de fraudes


na partilha, bem como o de resguardar o relacionamento conju-
gal de conseqüências indesejáveis advindas do fato de um dos
cônjuges ter a possibilidade de obter do outro a renúncia ao di-
reito de meação.
Certo é, por outro lado, que a liquidação poderia revestir-
se de complexidade ainda maior, caso tal vedação não existisse,
pois a renúncia poderia ser trazida com freqüência, por exem-
plo, em contraposição à prova do esforço comum, minando, des-
ta forma, um dos principais propósitos da instituição do regime:
o de dividir por metade o patrimônio que resultar da sociedade
instituída com o casamento.

Art. 1.683. Na dissolução do regime de bens por


separação judicial ou divórcio, verificar-se-á o
montante dos aqüestos à data em que cessou a
convivência.
Direito anterior: Não há previsão.

Há menção a este dispositivo no comentário ao artigo 1.675.


Neste tópico almejou-se prevenir a “contaminação” sofri-
da, em geral, pelo patrimônio oriundo do casamento com os bens
adquiridos durante eventual separação de fato.
Toda a apuração acerca do monte a ser objeto de partilha
deverá, portanto, reportar-se à data em que cessou a convivência,
embora, como já assinalado, a atualização dos valores correspon-
dentes vá ocorrer até a data da dissolução da sociedade conjugal.
370
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Art. 1.684. Se não for possível nem conveniente a divi-


são de todos os bens em natureza, calcular-se-á o va-
lor de alguns ou de todos para reposição em dinheiro
ao cônjuge não proprietário.
Parágrafo único. Não se podendo realizar a reposição
em dinheiro, serão avaliados e, mediante autorização
judicial, alienados tantos bens quanto bastarem.
Direito anterior: Não há previsão.

Este dispositivo demonstra a preocupação do legislador em


apontar soluções para os previsíveis impasses aos quais podem
chegar os cônjuges ou o Juiz da causa quando da partilha.
Assim, e com o fim de que nenhum dos consortes reste pre-
judicado em casos de divisão incômoda, é que foi prevista, in-
clusive, a necessidade de autorização judicial para alienação dos
bens que constituirão capital para a reposição em dinheiro, pos-
sibilitando isonomia naquilo que caberá a cada qual.

Art. 1.685. Na dissolução da sociedade conjugal por


morte, verificar-se-á a meação do cônjuge de confor-
midade com os artigos antecedentes, deferindo-se a
herança aos herdeiros na forma estabelecida neste
Código.
Direito anterior: Não há previsão.

Reputa-se oportuno assinalar aqui, em breve registro, as


profundas alterações que o Novo Código Civil trouxe para o Di-
reito das Sucessões.
Uma das mais sérias destas transformações diz respeito,
exatamente, ao novo posicionamento jurídico do cônjuge, que
passou a ostentar a qualidade de herdeiro necessário, conforme
se poderá aferir da leitura do artigo 1.845. 339
Também é de substancial importância a nova roupagem
que recebeu a ordem de vocação hereditária, como se pode com-
provar principalmente nos artigos 1.829 a 1.832, 340 sendo certo

339 Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascenden-


tes e o cônjuge.
340 Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I — aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente,
salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal,
Capítulo V — Do Regime de Participação Final nos Aqüestos
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○ ○

que os casados sob o regime da participação final nos aqüestos,


não se encontram em quaisquer das exceções previstas no inciso
I do artigo 1.829, subsumindo-se, no entanto, às condições do
artigo 1.830.
Delineado o novo panorama, é de se perquirir se a meação
do cônjuge sobrevivente será apurada nos próprios autos do in-
ventário.
Dada a complexidade de que, em regra, se reveste a liqui-
dação da participação final, acabará por ser aplicada,
reiteradamente, a parte final do artigo 984 do Código de Pro-
cesso Civil, remetendo-se o cônjuge sobrevivente para os meios
ordinários.

Art. 1.686. As dívidas de um dos cônjuges, quan-


do superiores à sua meação, não obrigam ao
outro, ou a seus herdeiros.
Direito anterior: Não há previsão.

Deve-se lembrar que a meação aqui é a apurada nos moldes


dos artigos antecedentes referentes ao novo regime, pois estavam
habituados de assim denominar tudo aquilo que constitui a me-
tade dos bens cuja origem é superveniente ao casamento.

ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único);


ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver
deixado bens particulares;
II — aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III — ao cônjuge sobrevivente;
IV — aos colaterais.
Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge so-
brevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados
judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo pro-
va, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa
do sobrevivente.
Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de
bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na
herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destina-
do à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a
inventariar.
Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso
I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça,
não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for
ascendente dos herdeiros com que concorrer.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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A conclusão a que se chega é que o regime, tal como está,


apresenta mais inconvenientes do que vantagens.
A árdua liquidação, o excesso de jurisdicionalização dela
decorrente, a falta de real liberdade de administração dos bens
durante o matrimônio, a necessidade de minucioso controle so-
bre as aquisições do casal, comprometem em muito a praticidade
de se ter um patrimônio próprio durante o casamento e o direi-
to à meação quando da dissolução da sociedade conjugal.
O regime da comunhão parcial ainda é o que melhor res-
guarda, ao menos na grande maioria dos casos, os interesses de
ambos os cônjuges, em especial pela sua maior praticidade.
Capítulo VI — Do Regime de Separação de Bens
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373
○ ○

Capítulo VI
DO REGIME DE SEPARAÇÃO DE BENS

Daniela Faria Tavares


Promotora de Justiça Titular da Curadoria de Justiça do Fórum Regional
de Campo Grande na Comarca do Rio de Janeiro

Art. 1.687. Estipulada a separação de bens, es-


tes permanecerão sob a administração exclusi-
va de cada um dos cônjuges, que os poderá li-
vremente alienar ou gravar de ônus real.
Direito anterior: Art. 276 do Código Civil.

Antes do exame da alteração legislativa introduzida na


norma comentada, referente à possibilidade de os cônjuges alie-
narem ou gravarem de ônus real livremente os seus bens, ainda
que imóveis, indispensável é a análise da modificação mais rele-
vante trazida pelo novo Código Civil ao regime da separação de
bens, ou seja, a revogação do art. 259 do atual Código, o qual
dispõe: “Embora o regime não seja o da comunhão de bens, pre-
valecerão, no silêncio do contrato, os princípios dela, quanto à
comunicação dos adquiridos na constância do casamento”.
Como se sabe, a jurisprudência predominante em nossos
Tribunais, adotando a Súmula nº 377 do Supremo Tribunal Fe-
deral, 341 vem-se orientando no sentido de que o princípio da co-
munhão dos bens adquiridos no casamento, previsto naquele dis-
positivo legal, também deve, por eqüidade, ser estendido ao re-
gime da separação legal (obrigatória ou compulsória) de bens.

341 Súmula 377 do STF. No regime de separação legal de bens comuni-


cam-se os adquiridos na constância do casamento.

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374
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Não há consenso na doutrina quanto a este entendimento.


Parece ao Ilustre Professor Caio Mário da Silva Pereira
que o legislador só quis estabelecer a regra da comunhão para o
caso da separação convencional de bens, e, portanto, tal princí-
pio não deve ser aplicado na separação legal. 342
Já o Professor Orlando Gomes, com base no art. 259 do
atual Código Civil e na Súmula nº 377 do STF, leciona que os
princípios da comunhão parcial prevalecem no regime da sepa-
ração obrigatória. 343
O melhor entendimento acerca do tema, contudo, é o ex-
posto por Sílvio Rodrigues, que censura a amplitude da súmula
sob o fundamento de que a comunhão dos bens adquiridos du-
rante o casamento só merece ser admitida se restar demonstra-
do que houve o esforço comum dos cônjuges para sua aquisição,
circunstância que tem por fim evitar que um cônjuge enriqueça
ilicitamente em detrimento do outro, tanto no caso de o regime
ser o da separação convencional em que os nubentes tenham
previsto no pacto antenupcial a não comunicação dos bens ad-
quiridos durante a constância do casamento, como na hipótese
da separação legal. 344
Na sistemática legal do novo Código Civil, a discussão tra-
vada pela doutrina e jurisprudência não persistirá, nem
tampouco o Enunciado da Súmula nº 377 do STF.
A revogação do atual art. 259 vem em boa hora e exprime
a necessidade social de menor ingerência do Estado na relação
familiar, propiciando aos nubentes a livre escolha pelo regime
da separação de bens em sua inteireza.
Desta maneira, o legislador vislumbra a realidade de nos-
sos tempos. A ascensão da mulher no mercado de trabalho e a
relevância de sua participação na sociedade moderna propicia-
ram a transformação da relação familiar e do casamento.
Rolf Madaleno, professor e presidente do IBDFAM-RS, sa-
lienta a opinião de Carlos Vásquez Iruzubieta sobre o assunto:
“diz tratar-se de um sistema que respeita ao máximo a persona-
lidade e a autonomia da mulher, já que sua incapacidade fática
fora uma constante sociocultural em quase todos os recantos do
universo global. Em razão da igualdade jurídica entre o homem

342 “Instituições de Direito Civil”, vol. V., 2ª ed., Ed. Forense, p.128.
343 “Direito de Família”, 14ª ed., Ed. Forense, p.176.
344 “Direito Civil, Direito de Família”, vol. 6, 19ª ed., Ed. Saraiva, p.169/
170.
Capítulo VI — Do Regime de Separação de Bens
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375
○ ○

e a mulher, afigura-se a separação de bens como o regime das


futuras uniões conjugais ou concubinárias, na medida em que
cada um dos cônjuges ou conviventes irá concorrer com suas eco-
nomias pessoais para atender às cargas específicas da sociedade
afetiva, mantendo intactos os seus bens ou suas fortunas no caso
da separação...” 345
No novo ordenamento jurídico, os cônjuges permanecerão
com seu patrimônio próprio durante o casamento e em ocorren-
do a dissolução deste, cada um terá direito tanto àquilo de que
já era detentor antes de casar como ao que adquiriu exclusiva-
mente em seu nome na constância do casamento.
Por outro lado, o que precisa restar esclarecido é que, com
a entrada em vigor do novo código, resguardado estará o direito
a qualquer dos cônjuges de postular do outro a indenização por
eventual colaboração na compra de bem adquirido por apenas
um deles durante o casamento celebrado pelo regime da sepa-
ração de bens (convencional ou legal).
A ação, entretanto, em que um cônjuge postulará do outro
tal direito deverá ser ajuizada no juízo cível, tendo em vista
que o direito que se perquire não guarda vínculos com o direito
de família, já que está amparado pelas normas que regulamen-
tam a sociedade civil (art. 1.363 do atual Código Civil). Aí está o
cerne da questão. A revogação do atual art. 259 do Código Civil
implica a impossibilidade de qualquer dos cônjuges postular do
outro a partilha do bem que não esteja no seu nome.
Neste aspecto, vale a transcrição do julgado mencionado
na obra do Mestre Sílvio Rodrigues (RJTJSP, 9/27; RT,449/90):346
“Se, por iguais motivos, tem-se entendido comunheira do
patrimônio formado em comum a concubina ou a amásia com-
panheira, com melhor razão há que se valorizar, para os fins da
comunhão dos aqüestos, o comportamento da esposa que, mes-
mo casada em regime de separação de bens, tenha contribuído
para a aquisição das coisas que venham a constituir o patrimônio
nominal do marido. Ora, se a matéria foge ao direito de família,
não haveria por que deixar de aplicar a mesma hermenêutica,
em sendo convencional o regime da separação, tenham ou não
os cônjuges, no pacto antenupcial, acordada a não comunicação
dos bens que cada um deles viesse a adquirir na constância do
casamento.”

345 “Direito de Família e o Novo Código Civil”, Ed. Del-Rey, p.179.


346 Sílvio Rodrigues, ob.cit., p.170.
376
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Especificamente em relação à alteração introduzida na parte


final do caput do art. 1.687 do novo Código Civil, a qual possibi-
lita aos cônjuges casados pelo regime da separação de bens, a
livre disposição destes, inclusive dos imóveis, sem a necessidade
de consentimento do outro, tem-se que esta modificação seguiu
a regulamentação de vários países, que há muito previam tal
possibilidade. Ora, em sendo o regime de casamento o da sepa-
ração de bens, não há qualquer razão para a necessidade do
consentimento do outro cônjuge com vistas à disposição de bem
imóvel, que, afinal, é de exclusiva propriedade de um deles.
Aliás, o art.1.647, inciso I, do novo Código Civil também faz
referência à desnecessidade, no regime da separação de bens, da
autorização do outro cônjuge para alienar ou gravar de ônus real
os bens imóveis. Abre-se aqui parênteses para consignar que a
nova terminologia adotada pelo mencionado artigo foi alvo de crí-
tica do professor Zeno Veloso, que, para evitar a interpretação
errônea do termo, com razão, sugeriu a supressão do adjetivo “ab-
soluta” do caput do art.1.647 do novo código. Embora a proposta
não tenha sido acolhida pelo legislador, dúvida não há, como bem
ressaltou o aludido Professor, de que: “o regime de separação de
bens, na sistemática do Projeto, já é absoluta. Provavelmente, o
adjetivo absoluta foi inserido para explicitar que a exceção refe-
rida no artigo cabe quando o regime de bens for o da comunhão
parcial, que muitos chamam de separação parcial”. 347
Na prática, entretanto, a mencionada alteração legislativa
poderá acarretar sérias repercussões, na medida em que o le-
gislador não protegeu o bem de família legal.
A despeito de o novo Código Civil haver sistematizado as
regras referentes ao bem de família voluntário (arts.1.711 a
1.722), o professor Álvaro Villaça Azevedo e a advogada Regina
Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos 348 já haviam sinaliza-
do a importância de se pôr a salvo o bem de família, como o faz,
por exemplo, o Direito Português, que exclui a possibilidade de
um cônjuge dispor do imóvel destinado à moradia da família
sem a anuência do outro, qualquer que seja o regime de bens
(art.1.682, § 2º, do Código Civil português). 349

347 “Enumerados ao Projeto de Código Civil”, Ed. Grafisa, Belém-Pará,


1985, p.76/103.
348 ( In “Sugestões ao Projeto de Código Civil Direito de Família” — RT-
setembro de 1996 — p. 20 — 85º ano).
Capítulo VI — Do Regime de Separação de Bens
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377
○ ○

Na falta de dispositivo legal semelhante, o legislador dei-


xou de conferir ao bem de família legal (Lei nº 8.009/90) a cláu-
sula de inalienabilidade e, em última análise, de proteger a mo-
radia da família, especialmente no caso do casamento celebrado
pelo regime da separação de bens.
Nos regimes da comunhão (universal e parcial) e da parti-
cipação final nos aqüestos, tal omissão não acarreta prejuízo,
pois o art.1.647 do novo Código Civil prevê a indispensável au-
torização de um cônjuge para que o outro possa alienar qual-
quer bem imóvel, restando ao interessado buscar judicialmente
o suprimento da outorga conjugal.
Aliás, a falta de norma específica em relação ao bem de
família legal está em dissonância com o que estabelece o art.
1.831 do novo Código, que revoga o disposto no art.1.611, § 1º,
do atual Código e garante ao cônjuge sobrevivente, qualquer
que seja o regime de bens, o direito real de habitação relativa-
mente ao imóvel destinado à residência da família, desde que
seja o único daquela natureza a inventariar, demonstrando que,
no âmbito do direito hereditário, o legislador atentou para a re-
levância do resguardo do direito à moradia.

Art. 1.688. Ambos os cônjuges são obrigados a


contribuir para as despesas do casal na propor-
ção dos rendimentos de seu trabalho e de seus
bens, salvo estipulação em contrário no pacto
antenupcial.
Direito anterior: Art. 277 do Código Civil.

O art. 277 do atual Código Civil dispõe que a mulher é


obrigada a contribuir para as despesas do casal.
Esse mandamento legal foi estipulado para excepcionar a
regra do art. 233, IV, também do atual Código, a qual impõe ao
marido o dever de sustento da família. O legislador considerou
que, no regime da separação de bens, não seria justo que a mu-
lher assumisse o status de mera colaboradora do marido, como
prevê o art. 233, caput, do atual Código, mas que, ao revés, vies-

349 “Art. 1.682º — A, 2. A alienação, oneração, arrendamento ou consti-


tuição de outros direitos pessoais de gozo sobre a casa de morada da
família carece sempre do consentimento de ambos os cônjuges.
378
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

se a efetivamente dividir com ele, na proporção de seus rendi-


mentos, a responsabilidade pelos gastos com a manutenção da
família.
O novo Código, atentando para os ditames da Constitui-
ção Federal de 1988, revoga o capítulo que disciplina separada-
mente os direitos e deveres do marido e da mulher (arts. 233 a
255 do atual Código) e determina, no seu art. 1.567, que a dire-
ção da sociedade conjugal será exercida por ambos.
A norma inserta no artigo comentado igualmente retrata
a realidade social que a Constituição Federal acolheu ao esta-
belecer que os direitos e deveres referentes à sociedade conju-
gal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher (art.
226, § 5º da CF).
Entretanto, a crítica que se faz ao art. 1.688 do novo Códi-
go é a de que, na verdade, este repete a norma do art. 1.568,
também do novo estatuto, que dispõe que qualquer que seja o
regime patrimonial, os cônjuges são obrigados a concorrer, na
proporção de seus bens e dos rendimentos do trabalho, para o
sustento da família e educação dos filhos.
A regra do art. 1.568, tratada no capítulo que disciplina a
eficácia do casamento, é regra geral e aplica-se a todos os regi-
mes de bens.
Analisando os dois dispositivos legais, parece evidente que,
ao referir-se às despesas da família no art. 1.568, o legislador
também abrangeu as despesas realizadas pelo casal (art. 1.688).
A ratio legis não é estatuir no regime da separação de bens
tratamento legal diferenciado entre as despesas que seriam rea-
lizadas com a família e aquelas efetuadas com o casal.
De igual modo, parece que a ressalva expressa na parte
final do art. 1.688 é desnecessária, uma vez que, em qualquer
regime de bens, os cônjuges poderão pactuar a forma e o quantum
com que cada um irá contribuir para as despesas da família,
excetuando a regra do art. 1.568, desde que não estipulem cláu-
sula que contrarie disposição absoluta de lei.
O legislador preocupou-se em adaptar a redação do art. 277
do atual Código Civil à nova ordem constitucional. Não
compatibilizou, contudo, a norma do art. 1.688 com o novo Códi-
go Civil, que já prevê no art. 1.568 idêntico regramento.
Examinando o regime da separação de bens, no ensaio “Su-
gestões ao Projeto de Código Civil Direito de Família”, o profes-
sor Álvaro Villaça Azevedo e a Dra. Regina Beatriz Tavares da
Silva Papa dos Santos mencionaram a necessidade da inclusão
Capítulo VI — Do Regime de Separação de Bens
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379
○ ○

de artigo que dispusesse sobre a responsabilidade dos cônjuges


pela dívida assumida por um deles em benefício da família, as-
sim se pronunciando os eminentes autores: “...caso cada um dos
cônjuges contraia dívida para atendimento a encargos familia-
res é justo que o patrimônio do outro cônjuge responda por isso,
não somente no que se refere ao consorte, mas, também, no que
diz respeito ao terceiro e credor”. 350
No tocante ao regime da separação de bens, a nova lei nada
menciona.
No entanto, os arts. 1.643 e 1.644 do novo Código, insertos
no capítulo das Disposições Gerais, aplicáveis a todos os regimes
de bens, estabelecem que obrigam solidariamente os cônjuges
às obrigações contraídas para fazer frente às despesas necessá-
rias à economia doméstica.
A despeito de haver o legislador restringido no art. 1.644 o
gênero da despesa, especificando que seriam as destinadas à
economia doméstica, o princípio, abraçado pela doutrina e ju-
risprudência, no sentido de que ambos os cônjuges respondem
pela dívida contraída por um deles a qual o tenha sido em bene-
fício da família, deve, por medida de justiça, prevalecer na vi-
gência do novo Código.
Esse princípio, aliás, foi expressamente acolhido pelos arts.
1.664 e 1.677 do novo Código, disciplinadores estes dos regimes
da comunhão parcial e da participação final nos aqüestos.

350 Ob. cit., p. 26.


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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Subtítulo II — Do Usufruto e da Administração dos Bens de Filhos Menores
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○ ○

Subtítulo II
DO USUFRUTO E DA ADMINISTRAÇÃO DOS BENS
DE FILHOS MENORES

Art. 1.689. O pai e a mãe, enquanto no exercício


do poder familiar:
I — são usufrutuários dos bens dos filhos;
II — têm a administração dos bens dos filhos
menores sob sua autoridade;
Direito anterior: Arts. 385 e 389 do Código Civil.

A Constituição Federal de 1988, retratando os anseios da


sociedade, proclamou que os direitos e deveres referentes à so-
ciedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela
mulher e reconheceu como entidade familiar a comunidade for-
mada por qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226, §§ 4º
e 5º CF).
O ordenamento jurídico constitucional reformulou o con-
ceito de família, abolindo a figura e o conceito de chefe desta,
antes focada no homem, e estabeleceu no art. 229 que ambos os
pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores.
O novo Código Civil, atendendo aos ditames da Constitui-
ção Federal, suprimiu a expressão “pátrio poder”, substituindo-
a por “poder familiar”, e, na forma do que estabelecem os arts.
1.631 e 1.689, conferiu a ambos os pais exercício daquele.
Ao contrário da sistemática do atual Código Civil, que dis-
ciplina a administração e o usufruto dos bens dos filhos meno-
res no capítulo que trata do pátrio poder, o novo Código regula-
menta estes institutos no subtítulo II do título que cuida do re-
gime patrimonial.
No tocante ao usufruto dos bens dos filhos, o novo Código
também aboliu a penalidade prevista no art. 225 da atual
Codificação, a que faz referência o art. 389 do atual Diploma

381
382
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Legal, que estabelece que o viúvo ou a viúva — com filhos do


cônjuge falecido —, que se casar antes de providenciar o inven-
tário dos bens e a respectiva partilha aos herdeiros, perde o di-
reito ao usufruto dos bens destes filhos.
A nova legislação apenas procurou adequar o dispositivo
comentado à ordem constitucional vigente. O artigo 1.689 do
novo Código não trouxe, entretanto, qualquer inovação, já que
repetiu as normas dos arts. 385 e 390 do atual Código, as quais
regulamentam tanto o poder de administração dos pais quanto
aos bens dos filhos menores como o direito de estes mesmos pais
usufruírem dos referidos bens.

Art. 1.690. Compete aos pais, e na falta de um


deles aos outros, com exclusividade, represen-
tar os filhos menores de dezesseis anos, bem
como assisti-los até completarem a maioridade
ou serem emancipados.
Parágrafo único. Os pais devem decidir em co-
mum as questões relativas aos filhos e a seus
bens; havendo divergência, poderá qualquer de-
les recorrer ao juiz para a solução necessária.
Direito anterior: Arts. 380 e 384, inciso V, do Código Civil.

Este artigo repete as normas contidas nos arts. 380 e 384,


inciso V, do atual Código Civil.
O caput do artigo apenas acrescenta que a assistência dos
pais se dará até a maioridade ou a emancipação dos filhos, o
que se afigura ser redundante.
O parágrafo único do art. 1.690 seria desnecessário, já que
o parágrafo único do art.1.631, também do novo Código, disci-
plinado na seção que regulamenta as disposições gerais do po-
der familiar, dispõe que, divergindo os pais quanto ao exercício
do poder familiar, é assegurado a qualquer deles ajuizamento
de pedido para que o juiz solucione o litígio.

Art. 1.691. Não podem os pais alienar, ou gravar


de ônus real os imóveis dos filhos, nem contra-
ir, em nome deles, obrigações que ultrapassem
os limites da simples administração, salvo por
necessidade ou evidente interesse da prole,
mediante prévia autorização do juiz.
Subtítulo II — Do Usufruto e da Administração dos Bens de Filhos Menores
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
383
○ ○

Parágrafo único. Podem pleitear a declaração de


nulidade dos atos previstos neste artigo:
I — os filhos;
II — os herdeiros;
III — o representante legal.
Direito anterior: Arts. 386 e 388 do Código Civil.

A redação do artigo 1.691 é praticamente idêntica à do ar-


tigo 386 do Código Civil de 1916. O novo texto apenas excluiu a
expressão “hipotecar”, que se encontrava antes da expressão “ou
gravar de ônus real”. A supressão da expressão se justifica. A
hipoteca, junto a anticrese e a promessa de compra e venda re-
gistrada constituem as formas de se gravar com ônus real de um
bem imóvel.
Sobre a questão da autorização judicial exigida no caput
do art. 1.691 cabe aqui registrar as considerações feitas pelo
Promotor de Justiça Virgílio Panagiotis Starvridis:
“O caput do art. 1.691 estabelece que no que tange ao
exercício da administração dos bens dos filhos, somente três atos
necessitam de autorização judicial: a alienação de imóveis, a
instituição de ônus reais sobre estes e a contratação de obrigações
que ultrapassam os limites da simples administração.
Entretanto, a experiência tem demonstrado que em outras
situações além das três assinaladas, seria recomendável a
intervenção judicial.
Não é raro o incapaz receber grandes quantias em
dinheiro. Isto ocorre, geralmente, em duas situações. A primeira
hipótese é quando do recebimento de seguro de vida deixado por
falecimento de um dos seus pais. Por diversos motivos, como o
alto valor e a preocupação com a efetiva e regular quitação, ge-
ralmente as companhias de seguro exigem alvará judicial em
favor do representante do beneficiário incapaz autorizando-o a
receber o benefício.
A segunda hipótese trata do recebimento de verba fixada
em sentença que julgou procedente pedido ofertado em demanda
que visa à reparação dos danos materiais e morais decorrentes
de responsabilidade civil, seja ela contratual ou extracontratual.
Não há qualquer previsão legal no que toca à necessidade de
autorização judicial quanto à destinação ou emprego da verba
recebida, cabendo ao pai ou à mãe, com exclusividade, decidir
sobre sua aplicação.
384
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Se por um lado o senso comum indica inexistir pessoa mais


capacitada que os pais para escolher, a melhor forma de utiliza-
ção daquele dinheiro, certo que muitas vezes deparando-nos com
seu emprego irregular ou inadequado.
Até mesmo pela falta de informação, não se adotam as
cautelas necessárias para aquisição da propriedade de imóveis,
acabando por se adquirir, ao invés do domínio, a posse destes.
Em outras oportunidades adquirem-se imóveis ou constituem-se
empresas que vêm a integrar o patrimônio apenas do pai, da
mãe ou de outra pessoa, ao invés de se incorporarem ao do menor
beneficiário do seguro.
Assim sendo, vislumbro a omissão do legislador que
d e v e r i a , a m e u v e r, t e r e x t r a í d o n o n o v o C ó d i g o C i v i l a
necessidade da autorização judicial para o emprego daquelas
verbas recebidas pelo menor, destinando-lhe aplicações seguras,
como aquisições seguras ou caderneta de poupança. Ressalto que
relativamente a pequenas importâncias, não se faz necessário
tal resguardo, uma vez que são usualmente empregadas para os
gastos rotineiros do incapaz.
Finalmente no que se refere a quaisquer outros valores,
já existe determinação de depósito em caderneta de poupança
até a maioridade do beneficiário, conforme previsão da Lei Fe-
deral 6.858/80, salvo para aquisição de imóvel, que só se proces-
sará mediante autorização judicial”.

Art. 1.692. Sempre que no exercício do poder fa-


miliar colidir o interesse dos pais com o do fi-
lho, a requerimento deste ou do Ministério Pú-
blico o juiz lhe dará curador especial.
Direito anterior: Art. 387 do Código Civil.

O art. 1.692 do novo Código Civil é a exata repetição do


que estabelece o art. 387 do atual Código.

Art. 1.693. Excluem-se do usufruto e da administra-


ção dos pais:
I — os bens adquiridos pelo filho havido fora do ca-
samento, antes do reconhecimento;
II — os valores auferidos pelo filho maior de
dezesseis anos, no exercício de atividade profissio-
nal e os bens com tais recursos adquiridos;
Subtítulo II — Do Usufruto e da Administração dos Bens de Filhos Menores
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○ ○

III — os bens deixados ou doados ao filho, sob


a condição de não serem usufruídos ou admi-
nistrados, pelos pais;
IV — os bens que aos filhos couberem na herança,
quando os pais forem excluídos da sucessão.
Direito anterior: Arts. 390 e 391 do Código Civil.

Da mesma forma que o dispositivo anterior, o art. 1.693


praticamente repete as normas dos arts. 390 e 391 do atual Có-
digo Civil.
O novo Código apenas procurou conferir melhor feição
redacional ao inciso II do art. 391, ao fixar, no inciso II do arti-
go em tela, a exclusão do usufruto, dos valores auferidos pelo
filho no exercício da atividade profissional.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Subtítulo III — Dos Alimentos
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Subtítulo III
DOS ALIMENTOS

Nelcy Pereira Lessa


Promotora de Justiça Titular da 1ª Curadoria de Família
da Comarca de Niterói — Estado do Rio de Janeiro

Tem-se afirmado doutrinariamente que “alimentos são


prestações que visam a atender às necessidades vitais, atuais
ou futuras, de quem não pode provê-las por si”. 351 Na concepção
de Clóvis Beviláqua, “a palavra alimentos tem, em Direito, uma
acepção técnica, de mais larga extensão do que na linguagem
comum, pois compreende tudo o que é necessário à vida: sus-
tento, habitação, roupa e tratamento de moléstias”. 352 De fato, o
Código Civil de 1916, em seu art. 1.687, dispondo sobre o legado
de alimentos, diz que a expressão “abrange o sustento, a cura, o
vestuário e a casa, enquanto o legatário viver, além da educa-
ção, se ele for menor”. No novo Código Civil, o legado de alimen-
tos é tratado no art. 1.920, que repete o texto do código ante-
rior, 353 restando induvidosa a prevista verba para educação, se o
alimentando for menor (caput do art. 1.701).
Importante verificar que a obrigação alimentar pode ori-
ginar-se no parentesco, no casamento, nas relações da união
estável, no testamento, no contrato e na indenização por ato
ilícito. É, todavia, no Direito de Família que se vê a sua rele-

351 Maria Helena Diniz, Código Civil Anotado, Editora Saraiva, 2ª edi-
ção, em comentário ao art. 396 do C. Civil, p. 354.
352 Clóvis Beviláqua, Direito de Família, § 78, p. 535, 2ª edição, Ramiro
M. Costa, 1905.
353 Art. 1.920 — O legado de alimentos abrange o sustento, a cura, o ves-
tuário e a casa, enquanto o legatário viver, além da educação, se ele
for menor (C. Civil).

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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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vância, já que fundada a obrigação nas relações familiares, em


razão do parentesco, do casamento ou da convivência, destacan-
do-se aqui a denominação dos alimentos devidos em virtude de
uma obrigação legal de legítimos.
Como ressalta Yussef Cahali, da diversidade de princípios
que se procurou reunir na redação definitiva do Projeto do Có-
digo Civil, algumas inovações se apresentam polêmicas, pois “de-
fine-se o legislador pelo caráter patrimonial da obrigação ali-
mentícia; equipara o cônjuge aos parentes, no direito de pedir
alimentos, para fazê-los irrenunciáveis em qualquer caso, e
remanescendo a obrigação alimentícia mesmo quando dissolvi-
da a sociedade conjugal pela separação judicial, até em benefí-
cio do cônjuge responsável por esta separação”. 354
Com efeito, o novo Código Civil introduziu nova sistemáti-
ca em matéria de alimentos. Assim é que no art. 1.694 encontra-
mos agrupadas normas que cuidam dos alimentos provenientes
do Direito de Família, independentemente da origem da obriga-
ção, merecendo as várias hipóteses, aparentemente, o mesmo tra-
tamento.
Francisco José Cahali entende que “esta modificação es-
trutural repercute na interpretação das regras e princípios so-
bre a matéria, indicando venha a prevalecer o tratamento estri-
tamente idêntico da pensão independentemente da origem da
obrigação”. 355
Assim, se por um lado foram mantidos alguns princípios
(o da reciprocidade da obrigação alimentar, sua extensão inde-
finida entre parentes em linha reta e a proporcionalidade entre
necessidade e possibilidade), deve-se registrar que o novo texto
legal trouxe marcante distinção entre alimentos quanto à sua
natureza: alimentos naturais ou necessários (necessarium vitae)
que são os indispensáveis à vida e os alimentos civis ou côngruos
(necessarium personae), que se destinam à manutenção da qua-
lidade de vida do credor.
Na verdade, a nova lei dispõe sobre situações em que os
alimentos serão fixados levando-se em conta não só o binômio
necessidade/possibilidade, mas também a causa do pedido, pois
se a situação de fato em que se encontra o credor deriva de cul-

354 Dos Alimentos, Editora Revista dos Tribunais, 3ª ed.,1999, p. 52.


355 Francisco José Cahali, Dos Alimentos, em Direito de Família e o novo
Código Civil, Ed. Del-Rey – IBDFAM, p. 182.
Subtítulo III — Dos Alimentos
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389
○ ○

pa sua, os alimentos serão fixados no mínimo, tão-somente para


sua subsistência.

Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou


companheiros pedir uns aos outros os alimen-
tos de que necessitem para viver de modo com-
patível com a sua condição social, inclusive
para atender às necessidades de sua educação.
§ 1º — Os alimentos devem ser fixados na pro-
porção das necessidades do reclamante e dos
recursos da pessoa obrigada.
§ 2º — Os alimentos serão apenas os indispen-
sáveis à subsistência, quando a situação resul-
tar de culpa de quem os pleiteia.
Direito anterior: Arts. 231, inc. IIII, 396 e 400 do C. Civil, arts. 19,
20 e 26 da Lei 6.515, de 26.12.77, art. 1º da Lei 8.971, de 29.12.94,
e art. 7º da Lei 9.278, de 10.05.96.

O caput do artigo 1.694 já retrata a nova estrutura do ins-


tituto, reunindo, num só dispositivo legal, as diversas hipóte-
ses de ocorrência da obrigação alimentar. Quando o legislador
fez menção a parentes, deve-se entender aí os familiares con-
sangüíneos, acrescentando a este vínculo os da afinidade e da
adoção (Subtítulo II — Das Relações de Parentesco — arts. 1.591
a 1.638). Em se tratando de filhos menores, o dever de prestar
alimentos, por decorrência do poder familiar (anterior pátrio
poder), é irrestrito, como se pode confirmar pela leitura dos ar-
tigos 1.566, 1.568 e 1.724, nos quais resta clara a responsabili-
dade de ambos os genitores pelo sustento dos filhos, ainda que
proporcionalmente às condições de cada um. É também eviden-
te a obrigação alimentar em relação aos filhos maiores incapa-
zes (art. 1.590).
No tocante à obrigação alimentar entre os cônjuges (ou con-
viventes), seu fundamento está no dever de mútua assistência,
que se lê no artigo 1.566, inc. III (onde estão elencados os deve-
res de ambos os cônjuges), e no artigo 1.724 (que trata das rela-
ções pessoais entre os companheiros).
Em consonância com o texto do art. 1.920 (legado de ali-
mentos), a pensão alimentícia prevista no art. 1.694 deve tam-
bém cobrir as despesas com a educação. A diferença é que no
art. 1.920 há limitação de tempo, isto é, serão os alimentos de-
390
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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vidos, enquanto menor o legatário. O texto do artigo em comen-


tário, no projeto primitivo inicial, trazia também a limitação de
que seriam os alimentos devidos enquanto menor o alimentário.
No entanto, aprovou-se a emenda supressiva de nº 274 que,
correspondendo à Emenda nº 321, deu nova redação ao caput do
art. 1.722 (renumerado para 1.694):
Texto anterior do art. 1.694: Podem os parentes ou os côn-
juges pedir uns aos outros os alimentos de que necessitam para
viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive
para atender às necessidades de sua educação, quando o
beneficiário for menor. 356
A justificativa da emenda supressiva da condição tempo-
ral “quando o beneficiário for menor” foi a de que “os juízes têm
entendido que os filhos maiores, que freqüentam cursos secun-
dários e universitários e não têm recursos para prover a pró-
pria subsistência, podem receber alimentos, mesmo os fixados
quando menores, nos dissídios entre os pais”. Acrescenta a jus-
tificação que a forma proposta no final do artigo “poderia preju-
dicar esse entendimento”.
Yussef Cahali, no entanto, argumenta que a supressão de
tal ressalva estendeu a todos os alimentários, parentes ou côn-
juges o direito à verba para cobrir as necessidades com a educa-
ção. Justifica-se tal preocupação, pois na tradição de nosso Di-
reito, a verba destinada à educação integrava a pensão alimen-
tar devida a filho menor, com base no dever de sustento, guarda
e educação da prole. Cessada a menoridade, a concessão de ali-
mentos haveria de ser buscada em função de relação de paren-
tesco, segundo as regras gerais. 357
Interessante notar que a legislação anterior regulava o
dever alimentar advindo daquele referente à mútua assistência
entre cônjuges, preconizado no art. 231, inc. III, do Código Civil
e art. 19 da Lei do Divórcio, em que o consorte responsável pela
separação devia ao outro, se deles necessitasse, alimentos para
sua subsistência. Havia também previsão do dever alimentar

356 Tal entendimento tem sua base no Regimento do Imposto de Renda,


em seu art. 82, § 3º (Dec. 58.400, de 10.05.1966), refletindo dispositi-
vo da lei 1.474, de 26.11.1951, reforça interpretação de que os filhos
maiores, até 24 anos, quando “ainda estejam cursando estabelecimento
de ensino superior, salvo a hipótese de possuírem rendimentos pró-
prios” (3ª C. Cível do TJSP, em 30.09.71, RJTJSP 18/201).
357 Dos Alimentos, Editora Revista dos Tribunais, 3ª ed.,1999, p. 41.
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na dissolução da união estável, no caso de efetiva necessidade


(art. 7º da Lei 9.278, de 10.05.96). Já os alimentos regulados no
Titulo V — Das Relações de Parentesco (artigos 396 a 405 do
Código Civil) deixavam clara, incondicionada e irrestrita a obri-
gação alimentar dos pais em relação aos filhos, enquanto meno-
res e incapazes.
Rolf Madaleno faz distinção entre dever e obrigação ali-
mentar, resumindo que “existe dever alimentar relativo entre
cônjuges e concubinos e de parentes distanciados em grau da
sociedade doméstica e viceja uma obrigação alimentar irrestrita,
quando cuida de dar sustento, educação, saúde, lazer e forma-
ção aos descendentes, enquanto sob o pálio do pátrio poder”. 358
O texto do caput do art. 1.694 traz ainda mais uma inova-
ção referente à necessidade que tem o credor dos alimentos “para
viver de modo compatível com a sua condição social”. No enten-
der do Relator das Emendas na Câmara dos Deputados, o dis-
positivo não prevê a manutenção do mesmo padrão, tratando
apenas da compatibilidade do modo de vida com a condição so-
cial.
Os dois parágrafos abrandaram a assertiva genérica do
caput. Assim é que o § 1º trata da adequação do valor dos ali-
mentos observada a proporcionalidade entre as necessidades de
quem pede e os recursos da pessoa obrigada, repetindo a regra
do art. 400 do anterior C. Civil.
O parágrafo segundo inova com a introdução do conceito
de alimentos estritamente necessários pois, no caso de ser o cre-
dor culpado por sua situação de dificuldade, os alimentos serão
apenas os indispensáveis à sua subsistência.
José Francisco Cahali prevê que haverá de se aguardar o
posicionamento da doutrina e da jurisprudência no tocante à
aplicação da norma do § 2º, pois a inclusão do dispositivo obriga
a perquirir culpa de quem pleiteia os alimentos, embora sendo
parente. 359 Melhor seria, aliás, a supressão do parágrafo, já que
seria esdrúxulo envolver na demanda de alimentos entre pa-
rentes a perquirição de culpa. 360

358 Direito de Família, Aspectos Polêmicos, Ed. Livraria do Advogado, 2ª


ed., 1999, p. 51.
359 José Francisco Cahali, ob. cit. nota 3557, p.185.
360 Comissão de Acompanhamento ao Novo Código Civil, IBDFAM.
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Art. 1.695. São devidos os alimentos quando


quem os pretende não tem bens suficientes,
nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria
mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode
fornecê-los, sem desfalque do necessário ao
seu sustento.
Direito anterior: Art. 399, caput do Código Civil. 361

Em condições normais, cada pessoa deveria, com o produ-


to de seu trabalho ou rendimentos, prover seu próprio sustento,
tendo a obrigação caráter subsidiário. Acrescente-se que, em
princípio, deverá o reclamante alienar bens próprios para su-
prir suas necessidades. Existem, contudo, situações em que a
solução mais simples não é a melhor, principalmente se for o
caso de pessoa possuidora de bens improdutivos ou de difícil
exploração, 362 ou, ainda, se não se revelar razoável a exigência
de que o alimentando converta seus bens em valores suficientes
às suas necessidades, v.g., em caso de dificuldade no mercado
imobiliário.
Nos termos da lei, para que se exijam alimentos, é preciso
que a pessoa a quem se pede possa prestá-los, sem prejuízo ao
seu sustento. Assim, se o requerido não pode suportar o encar-
go, não deverá sofrer a imposição de prestar alimentos.
Note-se que o atual texto não traz a palavra “parente”, que
aparecia no texto anterior. Assim, dever-se-á apreciar a regra
tendo em conta o liame jurídico que une os pólos, se são paren-
tes de grau mais afastado, cônjuges ou companheiros ou pais e
filhos. Quando se tratar de alimentos pleiteados por filhos sob
o poder familiar (o pátrio poder), a obrigação se fundamenta no
dever de sustento e não se altera diante da precariedade econô-
mica do requerido nem da alegação de desemprego ou eventual
impossibilidade material, ou seja, a prestação pode ficar
descumprida, mas persiste.

361 O texto do artigo 1.695 repete, com a supressão do termo “parente”, o


teor do art. 399 do Código Civil anterior. Suprimiu-se também, é ver-
dade, e em boa hora, o parágrafo único que lhe fora acrescentado pela
Lei nº 8.648, de 20.04.93, que restringia o comando do art. 229 da
Const. Federal, afastando o princípio da reciprocidade, já que previa
que a obrigação de sustentar os pais idosos e sem recursos cabia aos
filhos maiores e capazes.
362 TJSP, RT392/154.
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Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é


recíproco entre pais e filhos, e extensivo a to-
dos os ascendentes, recaindo a obrigação nos
mais próximos em grau, uns em falta de outros.
Direito anterior: Art. 397 do Código Civil.

Trata o dispositivo da reciprocidade específica entre pais


e filhos, sendo o direito à prestação de alimentos extensivo a
todos os ascendentes, com a determinação de que os mais próxi-
mos preferem aos mais distantes.
Desta forma, quem precisar de alimentos há de pedir, em
primeiro lugar, ao pai ou à mãe; na falta destes, aos avós pater-
nos ou maternos e, na ausência destes, aos bisavós e assim su-
cessivamente. 363 Assim, a ação de alimentos contra o ascenden-
te de um grau mais remoto somente será possível, com a prova
de que o de grau mais próximo não pode prestá-los.
Existe também reciprocidade quanto ao direito à presta-
ção de alimentos entre parentes, cônjuges e companheiros, que
é explicitada no caput do art. 1.694, pois ali se estabelece que
poderão eles pedir alimentos uns aos outros, não se estenden-
do, logicamente, o direito aos ascendentes, como acontece no
caso dos filhos.
Merece destaque a observação de Clóvis Beviláqua sobre
aplicação restrita da norma contida no antigo art. 397 (atual
1.696), que não se refere aos alimentos devidos entre os cônju-
ges, nem pelos pais aos filhos, durante a menoridade. “Quando
afirma o art. 397 que os devem prestar reciprocamente, pais e
filhos, refere-se à progênie fora do pátrio poder”. 364 Assim, sem
maior relevância se maior, emancipado, casado ou solteiro o fi-
lho.

Art. 1.697. Na falta dos ascendentes cabe a obri-


gação aos descendentes, guardada a ordem de
sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim
germanos como unilaterais.
Direito anterior: Art. 398 do Código Civil.

363 M. Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro, Ed. Saraiva, 5º


vol., 17ª edição, p. 469.
364 Código Civil, II, p. 302, apud Yussef Cahali, ob. cit. nota 357, p.139.
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“Não havendo ascendentes, compete a prestação de alimen-


tos aos descendentes, ou seja, aos filhos maiores, independente-
mente da qualidade da filiação (CF/88, art. 229)”. 365 e366 Assim,
quem precisar de alimentos, deverá pedir, de início, ao pai ou à
mãe. Na falta destes, aos avós paternos ou maternos, ou, ainda,
aos bisavós. Não havendo ascendente, deverá o legitimado diri-
gir-se aos descendentes, ou seja, aos filhos maiores, guardada a
ordem de sucessão e, na falta destes, aos irmãos germanos ou
unilaterais.

Art. 1.698. Se o parente, que deve alimentos em pri-


meiro lugar, não estiver em condições de suportar
totalmente o encargo, serão chamados a concorrer
os de grau imediato; sendo várias as pessoas obriga-
das a prestar alimentos, todas devem concorrer na
proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação
contra uma delas, poderão as demais ser chamadas
a integrar a lide.
Direito anterior: Art. 397 do Código Civil (em parte).

O presente dispositivo constitui inovação do Código Civil,


revelando-se, aliás, um dos artigos mais criticados e censura-
dos entre os estudiosos. Com efeito, ao lado da auspiciosa nor-
ma de direito material que estabelece a possibilidade de serem
pleiteados alimentos complementares, constitui o dispositivo “in-
devida incursão no direito processual, ao prever causa específi-
ca de intervenção de terceiro no processo e, o que é pior, sem
identificar o respectivo instituto processual, requisitos e efeitos
desta intervenção”. 367 Na verdade, já se propôs a supressão da
parte final de tal norma (“e intentada a ação contra uma delas,
poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.”), 368 havendo
até quem entenda que melhor é a exclusão de todo o artigo.
No tocante ao conteúdo do direito material, deve-se dizer
que a norma acolheu orientação já corrente na doutrina e na
jurisprudência, pois não é rara a propositura de ação de ali-

365 e 366 M. Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro, 5º volume,


17ª edição/2002, p. 400 e 469.
367 José Francisco Cahali, ob. cit. nota 355, p. 185.
368 Comissão de Acompanhamento ao Novo Código Civil, IBDFAM.
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mentos em face dos avós, objetivando obrigá-los à prestação de


alimentos aos netos, na falta ou incapacidade dos pais destes. 369
No direito anterior, contudo, acionados para prestar ali-
mentos aos netos, os ascendentes defendiam-se, por exemplo,
com o argumento de que apenas seriam devedores de alimentos
na hipótese de falecimento ou incapacidade total do genitor do
menor.
Com o novo Código Civil, o princípio da complementaridade
está expresso, pois se o primeiro acionado não puder suportar o
encargo em sua totalidade, os parentes de grau imediato pode-
rão ser chamados a concorrer, na proporção dos respectivos re-
cursos. Vê-se, desta maneira, que a obrigação é divisível em
partes que não serão necessariamente iguais, diante da possi-
bilidade de cada um dos devedores, obrigando-se cada qual à
prestação de alimentos em valores diferentes entre si, a despei-
to de ostentarem o mesmo grau de parentesco.
A ação de alimentos poderá ser proposta contra apenas uma
das pessoas obrigadas, a quem será reservada “a faculdade de
promover a instauração do litisconsórcio passivo, chamando as
demais pessoas obrigadas a integrar a lide; respondendo cada

369 1. ALIMENTOS — Complementação pelo avô. O avô está obrigado a


complementar os alimentos sempre que as necessidades do menor
não puderem ser integralmente satisfeitas pelos pais. (STJ — REsp
268.212 — MG — 3ª T. — Rel. Min. Ari Pargendler — DJU 27.11.2000)
2. ALIMENTOS — Suplementação pelo avô paterno. Inadmissibili-
dade. Pais que se encontram em plena capacidade financeira de con-
cedê-los. “Se admissível a ação de alimentos contra o avô, ocorre a
carência dessa ação se qualquer dos genitores do menor tem
patrimônio hábil para sustentá-lo, pois o avô só está obrigado a pres-
tar alimentos ao neto se o pai deste não estiver em condições de
concedê-lo, estiver incapacitado ou for falecido; assim, a ação de ali-
mentos não procederá contra ascendente de um grau sem prova que o
mais próximo não pode satisfazê-la.” Exegese do art. 397, do Código
Bevilaquiano. Apelo conhecido e provido em parte. Decisão unânime.
(TJGO- AC 52.799-2/188 — 2ª C.Cív. — Rel. Des. Fenelon Teodoro
Reis — J.08.06.2000)
Obs.: a carência de ação referida no acórdão supra não é incontestá-
vel, isto é, não foi muito técnica a referência, como se vê em outro
acórdão:
“Correta a decisão que afastou a preliminar de carência da ação. A
prova da incapacidade financeira do pai do autor é matéria de mérito,
vedada sua apreciação no saneador” (TJSP, 7ª C.Cív., Rel. Leite Cintra,
01.01.95, JTJ 176/22).
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qual dos chamados, na proporção dos respectivos recursos, e ino-


corrente solidariedade passiva, o juiz decidirá de modo unifor-
me para todas as partes, sendo-lhe defeso ordenar, de ofício, que
o autor promova a citação de todos os litisconsortes, posto que
não são necessários”. 370

Art. 1.699. Se, fixados os alimentos, sobrevier


mudança na situação financeira de quem os
supre, ou na de quem os recebe, poderá o inte-
ressado reclamar do juiz, conforme as circuns-
tâncias, exoneração, redução ou majoração do
encargo.
Direito anterior: Art. 401 do C. Civil, art. 15 da Lei de Alimentos,
art. 28 da Lei do Divórcio e art. 471 do CPC.

O presente artigo traz, como já o fazia no direito anterior,


a consagração dos princípios da proporcionalidade e da periodi-
cidade da pensão alimentícia, pois se foram os alimentos fixa-
dos na proporção das possibilidades do devedor e das necessi-
dades do reclamante (§ 1º do art. 1.694, cf. art. 400 do C. Civil
anterior), o respectivo quantum será alterado, se houver modi-
ficação da situação de fato. Não significa que haverá alteração
no direito à percepção dos alimentos, mas adaptação da cláusu-
la rebus sic stantibus à realidade, justamente para que sejam
preservadas as condições dos envolvidos mantendo-as no mesmo
padrão.
Ainda confirmando a norma de direito material, tem-se o
disposto no artigo 15 da Lei de Alimentos (Lei 5.478/68), atra-
vés do qual “a decisão judicial sobre alimentos não transita em
julgado e pode a qualquer tempo ser revista, em face da modifi-
cação da situação financeira dos interessados”. Também o § 1º
do art. 471 do Código de Processo Civil dispõe que o juiz poderá
ser chamado a examinar questões já decididas se ocorrer modi-
ficação no estado de fato entre as partes.

Art. 1.700. A obrigação de prestar alimentos


transmite-se aos herdeiros do devedor, na for-
ma do art. 1.694.
Direito anterior: Art. 402 do Código Civil e art. 23 da Lei 6.515/77.

370 Yussef Cahali, ob. cit. nota 357, p. 171.


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Desde a edição da Lei do Divórcio, em 1977, tornou-se tor-


mentosa a discussão acerca da transmissibilidade da obrigação
de prestar alimentos, pois enquanto o texto do art. 402 do Códi-
go Civil dispunha que “a obrigação de prestar alimentos não se
transmite aos herdeiros do devedor”, o art. 23 da Lei 6.515/77
estatuía exatamente o contrário: “a obrigação de prestar ali-
mentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art.
1.796 do Código Civil”.
Instalou-se a dúvida: se a lei mais nova revogara o art.
402 do Código Civil, ou apenas o derrogara. No sentido da revo-
gação total cite-se a jurisprudência constante de RJTJESP 82/
38, TJSC-RJ 199/146. Pela revogação parcial indica-se a deci-
são publicada em RT 574/68, que entendeu que o art. 23 da Lei
do Divórcio incidiria apenas em caso de separação judicial e di-
vórcio, pois na ementa do referido Diploma Legal consta que
“regula os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casa-
mento, seus efeitos e respectivos processos, e dá outras provi-
dências”. Assim é que a Lei do Divórcio dispõe, dentre outros
temas, sobre regime de bens, homologação de sentença estran-
geira, autorização para casar e atualização de prestação alimen-
tícia, de qualquer natureza (art. 22), donde decorre o entendi-
mento esposado por Mílton Fernandes no sentido de que “o art.
23 não distingue entre alimentos decorrentes do parentesco ou
do casamento. O intérprete não pode fazer qualquer diferencia-
ção: ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemos”. 371
Na verdade, o texto original do Projeto, que resultou no
dispositivo em comentário, trazia redação exatamente igual à
do antigo artigo 402: “a obrigação de prestar alimentos não se
transmite aos herdeiros do devedor”. É que o Anteprojeto do
Código Civil apresentado em 1972 reafirmava o teor do art. 402
do Código Civil anterior, sendo aprovado com aquela redação
pela Câmara dos Deputados em 1984. Parecia, assim, tranqüilo
o entendimento da intransmissibilidade da obrigação.
No Senado, foi apresentada a Emenda 322, optando o le-
gislador pela transmissibilidade da obrigação alimentar, com o
prestígio da unidade das normas do Código, “sobretudo as de
sentido social”. Procurou-se, com a aprovação da Emenda, a
compatibilização do dispositivo alterado com a norma do art. 23
da Lei do Divórcio. Ocorre que este estipula sobre a transmissi-

371 “A Lei do Divórcio — Efeitos na Filiação e na Herança”, Amagis III/


58, apud Yussef Cahali, ob. cit. nota 357, p. 88.
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bilidade da obrigação alimentar aos herdeiros do obrigado, “na


forma do art. 1.796 do Código Civil”. E o art. 1.796 referido diz
que “a herança responde pelo pagamento das dívidas do faleci-
do; mas feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual
em proporção da parte que lhe coube na herança”.
O artigo 1.700, no entanto, contrariando a justificativa do
Relator no sentido de aproximar o conteúdo de tal norma ao
teor do art. 23 da Lei do Divórcio, reproduz parcialmente este
dispositivo, fazendo remissão, entretanto, ao art. 1.694, que
regula a obrigação alimentar em geral.
Se pretendia o Relator da Emenda que o dispositivo legal
se aproximasse do teor do art. 23 da Lei do Divórcio, a redação
do art. 1.700 deveria remeter ao art. 1.997 que, reproduzindo o
texto do artigo 1.796 do Código de Beviláqua, trata do paga-
mento das dívidas do falecido, restringindo à força do quinhão
de cada herdeiro o cumprimento da obrigação.
A forma como está redigido o artigo 1.700 permite concluir
que o credor poderá pedir alimentos tanto aos parentes, como
ao viúvo ou convivente daquele que faleceu ou, ao contrário, os
parentes, o viúvo ou o convivente supérstite poderão pleitear
alimentos aos herdeiros do devedor destes. A melhor interpre-
tação quanto à remissão ao artigo 1.694 é a de que a obrigação é
transmissível aos herdeiros do devedor e deverá fixar-se nos li-
mites do binômio necessidade/possibilidade, envolvendo, tam-
bém, os casos de simples subsistência, na hipótese de culpa do
credor (§§ 1º e 2º do art. 1.694).
No intuito de evitar polêmicas que certamente surgirão
em futuro próximo, o IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito
de Família propôs nova redação ao art. 1.700: “A obrigação de
prestar alimentos, decorrente do casamento ou da união está-
vel, transmite-se aos herdeiros do devedor no limite dos frutos
do quinhão de cada herdeiro”. 372

372 Justificativa para a proposta de nova redação do art. 1.700:


“Primeiro, convém limitar a transmissão da obrigação alimentar
apenas quando proveniente de casamento ou de união estável, na li-
nha do que tem sido majoritariamente reconhecido pela jurisprudên-
cia, na interpretação dos arts. 23, da Lei 6.515/77, e 402, do atual
CCB. Com relação aos parentes, ou serão eles próprios herdeiros tam-
bém, ou, em geral, terão grau de parentesco com herdeiros que os le-
gitime a postular estes alimentos em razão do próprio parentesco.
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Art. 1.701. A pessoa obrigada a suprir alimentos po-


derá pensionar o alimentado, ou dar-lhe hospedagem
e sustento, sem prejuízo do dever de prestar o neces-
sário à sua educação, quando menor.
Parágrafo único — Compete ao juiz, se as circuns-
tâncias o exigirem, fixar a forma do cumprimento da
prestação.
Direito anterior: Art. 403 do Código Civil e art. 25 da Lei de
Alimentos.

O novo Código Civil praticamente reproduziu o texto do


art. 403 do Código de Bevilácqua. No texto anterior, constava
do caput: “a pessoa obrigada a suprir alimentos poderá pensio-
nar o alimentando ou dar-lhe ‘em casa’ hospedagem e sustento”,
o que gerou a exegese de que o alimentante teria que acolher o
credor em sua própria casa, não podendo abrigá-lo em asilo ou
em lar alheio. 373
No texto atual, não consta a locução “em casa”. Explica-
se: de acordo com o Novo Dicionário AURÉLIO, 374 [24] o termo hós-
pede significa “aquele que se aloja temporariamente em casa
alheia”. Deve-se, então, entender que a expressão “dar hospe-
dagem em casa” seria redundante, pois a palavra hospedagem
já traz ínsita a idéia de casa, lar. Assim, bem procedeu o legis-
lador em suprimir a locução “em casa” no atual texto legal.
Com efeito, o alimentante poderá escolher a maneira de
cumprir a obrigação: fornecendo valores ao alimentando, sob
forma de pensão, ou dar-lhe hospedagem, sustento e os meios
necessários à educação deste, quando menor. Como nos ensina
Maria Helena Diniz, o dispositivo legal “prescreve uma obriga-
ção alternativa (CC, art. 252), cabendo a escolha ao devedor,
que se libera do encargo cumprindo uma ou outra obrigação”. 375

Depois, o tema da transmissão alimentar sabidamente tem trazido


grandes dissídios doutrinários e jurisprudenciais. Para tentar
solucioná-los, sugere-se traçar o âmbito da transmissão, limitando-
os aos ‘frutos do quinhão de cada herdeiro’ de modo a não tornar insu-
portável a obrigação, compelindo o alimentante até mesmo a desfa-
zer-se de seus bens para adimplir o pensionamento”.
373 Orlando Gomes, Direito de Família, Forense, 3ª edição, p. 342.
374 Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, Aurélio Buarque de
Holanda Ferreira, Ed. Nova Fronteira, 1ª edição, 14ª impressão, p.
734.
375 Curso de Direito Civil Brasileiro, 5º volume , 17ª edição/2002. M. He-
lena Diniz, p. 473.
400
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Acresceu-se, porém, ao caput do artigo, a expressão “sem


prejuízo do dever de prestar o necessário à sua educação, quan-
do menor”. Deve-se lembrar o comentário aqui formulado ao art.
1.694, quando se mencionou a supressão da expressão “quando
o beneficiário for menor”, naquele dispositivo. 376
Não se considera absoluto, no entanto, o direito de esco-
lha, pois o parágrafo único do art. 1.701 dispõe que “compete ao
juiz, se as circunstâncias o exigirem, fixar a forma do cumpri-
mento da obrigação”. Verificará o juiz, no seu prudente arbí-
trio, se a oferta é conveniente ao incapaz ou prejudicial à sua
saúde ou formação moral. Tratando-se, no entanto, de alimen-
tando capaz, a prestação não pecuniária dependerá de sua con-
cordância, como se verifica no art. 25 da Lei de Alimentos: “a
prestação não pecuniária estabelecida no art. 403 do Código
Civil, só poderá ser autorizada pelo juiz se a ela anuir o alimen-
tando capaz”.
Neste ponto, sobre a conveniência de o alimentante forne-
cer abrigo ao filho, deve-se remeter ao disposto no art. 1.611,
pois “o filho havido fora do casamento, reconhecido por um dos
cônjuges, não poderá residir no lar conjugal sem o consentimen-
to do outro”.

Art. 1.702. Na separação judicial litigiosa, sen-


do um dos cônjuges inocente e desprovido de
recursos, prestar-lhe-á o outro a pensão alimen-
tícia que o juiz fixar, obedecidos os critérios
estabelecidos no art. 1.694.
Direito anterior: Art. 320 do Código Civil e art. 19 da Lei do
Divórcio.

Assim dispunha o art. 320 do Código de 1916: “no desquite


judicial (litigioso), sendo a mulher inocente e pobre, prestar-lhe-á
o marido a pensão alimentícia que o juiz fixar”.
A Lei do Divórcio, no art. 54, revogou expressamente o re-
ferido art. 320 do Código Civil de Beviláqua e dispôs em seu art.
19 que “o cônjuge responsável pela separação judicial prestará
ao outro, se dela necessitar, a pensão que o juiz fixar”. A inova-
ção trazida pela então nova lei já era benéfica, pois passara a

376 Vide notas de rodapé referentes aos comentários ao artigo 1.694.


Subtítulo III — Dos Alimentos
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reconhecer ao homem o direito à percepção de alimentos, o qual


anteriormente apenas era deferido à mulher, estendendo, as-
sim, ao cônjuge varão a condição de eventual credor. Passou-se,
assim, da expressão “mulher inocente” (como credora) para “côn-
juge responsável” (como devedor). Na verdade, constava do pro-
jeto inicial da Lei do Divórcio a expressão “cônjuge inocente”
para aquele que poderia pedir alimentos ao cônjuge culpado,
mas por idiossincrasia ocasional contra os adjetivos inocente/
culpado, optou-se pelo adjetivo “responsável” na redação do dis-
positivo, ficando: “o cônjuge responsável pela separação judici-
al...” (art. 19 da Lei do Divórcio). A modificação trouxe certa
perplexidade aos intérpretes: responsável era simplesmente
quem propôs a ação de separação ou aquele que foi culpado por
ela? A dúvida foi sanada com o entendimento de que o cônjuge
responsável é aquele considerado culpado na ação de separação
litigiosa.377
Neste ponto, o texto atual foi mais feliz, pois recuperou do
anterior artigo 320 a expressão “cônjuge inocente”, que, carente
de recursos, poderá pedir alimentos ao outro. Assim, o funda-
mento da obrigação deixa de ser decorrente do dever de mútua
assistência (CC art. 1.563, inc. III) para embasar-se naquele
oriundo da obrigação alimentar.
É como ressalta Yussef Cahali: “aquele dever de assistên-
cia (obrigação de fazer), transformado em dever de socorro (obri-
gação de dar) e se substituindo pelos alimentos indenizatórios,
deixa de ser recíproco, remanescendo como cominação exclusi-
va imposta ao cônjuge responsável pela separação; a contrario
sensu, a pretensão aos alimentos tem como pressuposto neces-
sário a ausência de responsabilidade do beneficiário pela sepa-
ração judicial decretada”. 378
Aplicar-se-á o dispositivo por ocasião do processo de sepa-
ração judicial litigiosa, no qual, provada a culpa de um dos côn-
juges, pedidos os alimentos e demonstrada a necessidade des-
tes, fixá-los-á o juiz de modo a serem suportados pelo vencido
em benefício do vencedor. Dispõe ainda a lei a estrita observân-
cia dos critérios estabelecidos no art. 1.694, isto é, a necessidade
do alimentando, a possibilidade econômica do alimentante e a
proporcionalidade entre as necessidades do credor e os recursos

377 Yussef Cahali, ob. cit. nota 357, p. 382/383.


378 Ob. cit. nota 357, p. 386.
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do devedor; sendo o seu parâmetro a condição social do cônjuge


inocente desprovido de recursos. 379
Para Francisco José Cahali, os dispositivos que cuidam da
obrigação alimentar decorrente da separação judicial devem ser
aplicados às hipóteses de dissolução da união estável, já que o
primeiro artigo do subtítulo “Dos Alimentos” do novo Código
estatui que os conviventes podem reclamar, reciprocamente, a
pensão alimentícia. 380

Art. 1.703. Para a manutenção dos filhos, os côn-


juges separados judicialmente contribuirão na
proporção de seus recursos.
Direito anterior: Arts. 20 e 28, ambos da Lei do Divórcio.

A primeira ilação que se tira deste dispositivo legal é a


expressa igualdade de tratamento entre homem e mulher, que
“são iguais em direitos e obrigações”, conforme já previra o art.
5º, inc. I, da Constituição de 1988. Os pais, assim, devem, am-
bos, sustentar os filhos, o que, em sede constitucional, se vê
também nos artigos 226, § 5º, e 229 (parte inicial). Com efeito,
os pais têm para com os filhos o dever de sustento, que decorre
do “poder familiar”, tratado nos artigos 1.630 a 1.638.
Na verdade, durante a tramitação do Projeto do Novo Có-
digo, proferiu-se parecer aconselhando a substituição da expres-
são “pátrio poder” por “poder familiar”, porque se buscava ade-
quar técnica e redação do projeto à inovação constitucional que
equipara homem e mulher, já que a expressão “pátrio poder”
poderia indicar suposta superioridade do pai.
O artigo 1.566, inciso IV, atribui a ambos os cônjuges o
dever de sustento, circunstância abrandada no artigo 1.568, pre-
vendo este que “os cônjuges são obrigados a concorrer, na pro-
porção de seus bens e dos rendimentos do trabalho, para o sus-
tento da família e a educação dos filhos, qualquer que seja o
regime patrimonial”. Tal dever se encontra igualmente na par-
te final da redação do art. 1.724, que trata das relações da união
estável, inclusive quanto aos filhos comuns.

379 Maria Berenice Dias, Direito de Família e o novo Código Civil. Del-
Rey/IBDFAM, p. 75.
380 Francisco José Cahali, ob. cit. nota 357, p. 190/191.
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Ocorrendo a dissolução da sociedade ou do vínculo conju-


gal, a situação dos filhos, embora se possa prever quanto a es-
tes eventual instabilidade psicológica, não deverá ser abalada
no que tange aos direitos e deveres que lhes devotam os pais. É
como se vê no caput do art. 1.579, em que “o divórcio não modi-
ficará os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos” e no
art. 1.590, onde se enfatiza a extensão da obrigação aos filhos
maiores incapazes. Aliás, mesmo que sejam os filhos maiores
capazes, a obrigação alimentar pode surgir após a extinção do
poder familiar, com fundamento nas relações de parentesco (art.
1.694).
Enfim, com base no disposto no § 6º do art. 227 da Carta
Magna, reputa-se conveniente leitura mais ampla do texto do
art. 1.703: “em caso de dissolução da sociedade conjugal, do ca-
samento ou da união estável, os genitores contribuirão, na pro-
porção de seus recursos, para a manutenção dos filhos”, ou, mais
simplesmente, como propõe a Comissão do IBDFAM encarrega-
da de acompanhar as diretrizes firmadas pelo Novo Código Ci-
vil: “para a manutenção dos filhos, os genitores contribuirão na
proporção de seus recursos”.

Art. 1.704. Se um dos cônjuges separados judi-


cialmente vier a necessitar de alimentos, será o
outro obrigado a prestá-los mediante pensão a
ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido decla-
rado culpado na ação de separação judicial.
Parágrafo único. Se o cônjuge declarado culpa-
do vier a necessitar de alimentos, e não tiver
parentes em condições de prestá-los, nem apti-
dão para o trabalho, o outro cônjuge será obri-
gado a assegurá-los, fixando o juiz o valor in-
dispensável à sobrevivência.
Direito anterior: Não há previsão.

Enquanto o art. 1.702 cuida de obrigação alimentar a ser


apreciada por ocasião da ação de separação judicial, o presente
dispositivo (art. 1.704), como bem observou e denominou Fran-
cisco José Cahali, trata de necessidade superveniente, ou seja, a
possibilidade de vir o cônjuge separado judicialmente a pleitear
alimentos do outro. 381

381 Francisco José Cahali, ob. cit. nota 357, p. 188.


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A regra é, de fato, atribuir-se obrigação alimentar ao côn-


juge culpado em favor do cônjuge inocente. Se, porém, após a
separação judicial em que não se haja fixado alimentos, um dos
cônjuges deles vier a necessitar, a situação resolver-se-á de duas
maneiras, conforme o caso, com previsão no art. 1.704:
1. em se tratando do cônjuge inocente, o outro será obri-
gado a lhe prestar a pensão a ser fixada pelo juiz;
2. caso se trate do cônjuge culpado pela separação, e se
não tiver parentes em condições de prestar-lhe alimen-
tos, nem tiver aptidão para o trabalho, o outro cônjuge
será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor in-
dispensável à sobrevivência.

Interessa aqui a classificação dos alimentos quanto à sua


natureza como civis, os destinados à manutenção da qualidade
de vida do credor, e naturais, os estritamente necessários à sub-
sistência do alimentando. A hipótese prevista no caput do art.
1.704 prevê a fixação de alimentos civis, enquanto a do pará-
grafo único se refere à prestação de alimentos necessários, na-
turais, tão-somente.

Art. 1.705. Para obter alimentos, o filho havido


fora do casamento pode acionar o genitor, sen-
do facultado ao juiz determinar, a pedido de
qualquer das partes, que a ação se processe em
segredo de justiça.
Direito anterior: Art. 51 da Lei do Divórcio.

O direito do filho à obtenção de alimentos já fora assegu-


rado no art. 1.694. Assim, o disposto no art. 1.705, além de dis-
pensável, é visivelmente discriminatório, pois a Constituição
Federal, em seu artigo 227, § 6º, garante igualdade de direitos e
deveres aos filhos, não se justificando a necessidade de disposi-
tivo para regulamentar o que já é decorrência lógica da regra
geral. Ademais, já se prevê segredo de justiça nas ações dessa
natureza, qualquer que seja a origem da filiação, diante do
estatuído no art. 155, inciso II, do Código de Processo Civil.
Tal contradição só pode encontrar explicação na demora
da tramitação do Código, cujo anteprojeto original precedeu a
Lei do Divórcio e também a Constituição de 1988. Muitos dos
artigos do Projeto da nova Codificação, quando da redação do
relatório, já se encontravam amplamente defasados em relação
Subtítulo III — Dos Alimentos
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à legislação extravagante então em vigor e não mais poderiam


ser alterados na Câmara, por não terem sido objeto de emendas
no Senado.
Com inteira razão o professor Caio Mário da Silva Pereira,
em sua mensagem de alerta àqueles que assumirão, no seu coti-
diano, o desafio de aplicar o novo Código, advertindo para a
constitucionalização do Direito Civil, sobretudo no âmbito da
Família. 382

Art. 1.706. Os alimentos provisionais serão fi-


xados pelo juiz, nos termos da lei processual.
Direito anterior: Art. 224 do Código Civil, art. 7º da Lei 8.560/92
e art. 5º da Lei 883/49.

No capítulo que tratava do casamento nulo e anulável, o


texto legal do antigo art. 224 já previa que, uma vez concedida
a separação (de corpos), a mulher poderia pedir alimentos provi-
sionais, que lhe seriam arbitrados na forma do art. 400 (Código
Civil de 1916).
O texto atual dispõe que “os alimentos provisionais serão
fixados pelo juiz, na forma da lei processual”. Com efeito, os
alimentos provisionais são regulamentados nos artigos 852 a
854, na Seção VII (Dos Procedimentos Cautelares Específicos)
do Código de Processo Civil, que assim dispõe:

Art. 852. “É lícito pedir alimentos provisionais:


I — nas ações de desquite e de anulação de casamen-
to, desde que estejam separados os cônjuges;
II — nas ações de alimentos, desde o despacho da pe-
tição inicial;
III — nos demais casos expressos em lei.
Parágrafo único. No caso previsto no nº I deste artigo,
a prestação alimentícia devida ao requerente abrange,
além do que necessitar para sustento, habitação e ves-
tuário, as despesas para custear a demanda.

382 Texto de Apresentação do Livro: Direito de Família e o Novo Código


Civil — Del-Rey/IBDFAM.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Como acentua Cahali, “a rigor, os componentes da preten-


são alimentar provisional são determinados pelo direito mate-
rial, só se compreendendo a extrapolação a que se propôs o le-
gislador do processo diante da inexistência de especificação do
Código Civil a respeito”. 383
O novo Código Civil especifica a abrangência dos alimen-
tos provisionais, que, embora sejam deferidos, por sua nature-
za cautelar e urgente, sem que se faça análise mais apurada de
cada caso, devem ser fixados com vistas no disposto no art. 1.694
e seu § 1º, no quantum indispensável a uma vida compatível
com a condição social do alimentando, inclusive no que toca ao
suprimento das necessidades de educação deste, se menor o be-
neficiário. Na verdade, atualmente os itens que devem compor
a prestação alimentícia, expressos no parágrafo único do art.
852 do Código de Processo Civil, devem estender-se aos demais
casos, pois não se poderia imaginar que fossem fixados para a
mantença do menor alimentos provisionais em valor insuficien-
te a tanto. A estes componentes deve somar-se verba necessária
às despesas da demanda, entendendo-se como tais as do proces-
so cautelar e do processo principal.
No tocante ao conteúdo subjetivo todos os que podem pe-
dir alimentos, em tese, também poderão valer-se da cautela es-
pecífica dos alimentos provisionais.
A primeira hipótese de cabimento de alimentos provisionais
(inc. I, do art. 852, CPC) dirige-se aos cônjuges, sendo, ainda,
discutível a possibilidade de sua extensão aos conviventes. 384
Seguindo a regra do procedimento cautelar, vê-se que tal
requerimento pode ser oferecido antes, ou no curso do processo
principal. Assim, estando separado de fato do outro, pode um
dos cônjuges pedir alimentos provisionais ao outro, antes de
intentar a ação de separação judicial ou mesmo no curso do pro-
cesso. A medida pleiteada será, então, preparatória ou inciden-
tal, conforme o caso (art. 796, CPC).
No segundo caso (inc. II), em que se prevê a fixação de
alimentos provisionais em ação de alimentos, embora se haja
debatido sobre possível derrogação do art. 4º da Lei de Alimen-
tos pela edição do Código de Processo de 1973, verifica-se que a
concessão de alimentos provisórios assemelha-se à antecipação

383 Yussef Cahali, ob. cit. nota 357, p. 880.


384 JTJ 198/192.
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de tutela, própria do processo da ação de alimentos, medida que


não é cautelar.
A terceira hipótese (inciso III) reúne os demais casos ex-
pressos em Lei. Neste grupo podemos citar o próprio dispositi-
vo em comentário, artigo 1.706 do Código Civil e o art. 7º da Lei
8.560/92.
Nos outros casos em que se prevêem alimentos provi-
sionais, estes não têm caráter antecipatório, pois se deverá pro-
por a ação principal no prazo de 30 dias da efetivação da medi-
da, na hipótese de se tratar de medida preparatória. É lógico
que, se a pretensão principal for a de obtenção de alimentos,
pode-se dizer que os provisionais anteciparam a decisão final.
Veja-se que, mesmo na hipótese de propositura necessária
de ação de alimentos por via ordinária, pode ser mais convenien-
te o pedido de antecipação de tutela previsto no art. 273 do CPC
do que a propositura de ação cautelar preparatória ao processo
principal, porque se o autor não possui prova preconstituída da
obrigação alimentar para se valer da ação especial de alimentos
(RTJ, 64/526, 115/1.231; STF-Pleno: Amagis 8/459), também não
disporá de condição à concessão de liminar em processo cautelar
específico e preparatório.

Art. 1.707. Pode o credor não exercer, porém lhe


é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo
o respectivo crédito insusceptível de cessão,
compensação ou penhora.
Direito anterior: Art. 404 do Código Civil e Súmula 379 do STF.

Na legislação civil anterior, cuidava-se do direito aos ali-


mentos com base no parentesco separadamente dos alimentos
provenientes do dever de mútua assistência do casamento. As-
sim, havia entendimento no sentido de que o art. 404 do anterior
Código Civil, que determinava ser irrenunciável o direito aos
alimentos, não se aplicava aos cônjuges. O Supremo Tribunal
Federal, no entanto, editou a Súmula 379, definindo que “no
acordo de desquite, não se admite renúncia aos alimentos, os
quais poderão ser pleiteados ulteriormente,verificados os pres-
supostos legais”.
Sucede que o Pretório Excelso na edição da Súmula 379
posicionou-se conforme postulados e princípios usuais e cristali-
zados, anteriores à Lei do Divórcio. A partir de então, a matéria
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encontrou campo fértil para polêmica com divergências entre os


Tribunais Estaduais, que, em sua maioria, deixaram de seguir a
orientação da Súmula 379, passando a prestigiar o entendimen-
to esposado pelo Superior Tribunal de Justiça. É que, com a pro-
mulgação da Constituição de 1988, mais se robusteceu o enten-
dimento de que era possível a renúncia aos alimentos, em vista
da proclamação do princípio igualitário entre os cônjuges (art.
226, § 5º).
De qualquer forma, o texto do artigo 1.707, durante sua
tramitação, teve de passar por modificações para adequação sis-
têmica, resultando em melhor disciplina sobre a matéria. Para
fundamentar seu parecer, o Relator socorreu-se da lição de Ma-
ria Helena Diniz sobre as características do direito à prestação
de alimentos:
a) é um direito personalíssimo, sua titularidade não passa
a outra pessoa;
b) é transmissível, conforme disposto no art. 1.700, do Có-
digo Civil;
c) é incessível — o crédito não pode ser cedido a outrem
(art. 1.700, in fine);
d) é irrenunciável — pode-se deixar de exercer, mas não
se pode renunciar ao direito aos alimentos (art. 1.707);
e) é imprescritível — ainda que se deixe de exercer por lon-
go tempo, não se perde o direito (CC art. 206 § 2º);
f) é impenhorável — pois destina-se a prover a mantença
do necessitado, não responde por dívidas (CC art. 1.707,
in fine);
g) é incompensável — se o devedor de alimentos se tornar
credor do alimentando, não poderá opor-lhe o crédito,
quando lhe for exigida a obrigação (CC, art. 373, II);
h) é intransacionável — o direito de pedir alimentos não
pode ser objeto de transação, mas as prestações em atra-
so sim;
i) é atual, porque o direito de pedir alimentos visa a sa-
tisfazer necessidades atuais e futuras e não as necessi-
dades passadas do alimentando. 385

Como afirma Yussef Cahali, o Projeto do novo Código Civil


convalida a Súmula 379 do STF ao incluir os cônjuges ao lado
dos parentes, entre as pessoas legitimadas a pedir alimentos (art.

385 M.Helena Diniz, nota 357, 17ª edição, p. 463/465.


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1.694), afirmando que pode o credor abster-se de exercê-lo, sen-


do-lhe, porém, vedado abdicar do direito aos alimentos (art.
1.706); assegurando ao cônjuge não responsável pela separação
o direito de pedir posteriormente os alimentos necessários ao
outro, se deles necessitar, ou mesmo os alimentos indispensá-
veis, se foi considerado responsável pela separação judicial (art.
1.704 e parágrafo). 386
Na verdade, melhor seria que o legislador houvesse res-
tringido a aplicação da norma aos casos de obrigação alimentar
derivada do parentesco, adotando entendimento majoritário na
doutrina e jurisprudência, inclusive do STJ.

Art. 1.708. Com o casamento, a união estável ou


o concubinato do credor, cessa o dever de pres-
tar alimentos.
Parágrafo único. Com relação ao credor, cessa
também o direito a alimentos, se tiver procedi-
mento indigno em relação ao devedor.
Direito anterior: Art. 29 da Lei do Divórcio.

Na hipótese prevista no caput do art. 1.708, o dever de pres-


tar alimentos cessa para o devedor com o casamento, a união
estável ou o concubinato do credor. São condições objetivas e
facilmente verificáveis.
Quanto ao parágrafo único, para que cesse o direito do cre-
dor à percepção de alimentos, deverá o devedor acioná-lo atra-
vés de ação exoneratória, por simetria ao art. 1.815, que dispõe
que a exclusão do herdeiro ou legatário, em qualquer dos casos
de indignidade, será declarada por sentença, produzindo prova
do procedimento indigno do credor para com o autor, salvo se o
fato alegado como procedimento indigno já evidenciar-se incon-
troverso em outro processo (civil ou criminal).
Veja-se que na hipótese de ser o credor de alimentos venci-
do na ação de exoneração, por procedimento indigno em relação
ao devedor (parágrafo único do art. 1.708), estará o alimentário
na situação prevista no parágrafo 2º do art. 1.694, podendo plei-
tear de outro parente que possa ocupar o lugar do devedor, na
forma do disposto no artigo 1.695.

386 Yussef Cahali, ob. nota 357, p. 346.


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Sobre a indignidade do alimentando, lembra Yussef Cahali


que vem de longe (do Direito Romano e de antiga jurisprudên-
cia francesa) a tendência de ser a indignidade do credor dada
como causa de extinção da obrigação alimentar, assentando-se
o entendimento de que o filho que houvesse cometido contra os
genitores ofensa grave, à qual a lei impusesse a pena de
deserdação, perderia também o direito aos alimentos. Acrescenta
que, no entanto, “a doutrina mais recente tem impugnado esse
entendimento: o direito sucessório e a obrigação alimentar fun-
dam-se em bases jurídicas diversas, como também diversas são
as finalidades a que tendem; essa forma de vinculação do direi-
to de alimentos ao direito sucessório, aplicada nesses termos,
implicaria na eliminação do caráter de reciprocidade dos ali-
mentos, porquanto privado deles por indignidade, ainda assim
estaria obrigado a ministrá-los ao ofendido...” 387
Na verdade, em face do disposto no atual texto legal (p.
único do art. 1.708 c/c 1.696), seria justamente a aplicação do
princípio da reciprocidade à hipótese o elemento propiciador do
direito do devedor ofendido a pleitear alimentos daquele que
fora declarado indigno em relação ao autor.

Art. 1.709. O novo casamento do cônjuge deve-


dor não extingue a obrigação constante da sen-
tença de divórcio.
Direito anterior: art. 30 da Lei do Divórcio.

Há também previsão de que “o divórcio não modificará os


direitos e deveres dos pais em relação aos filhos” e que “novo
casamento de qualquer dos pais, ou de ambos, não poderá im-
portar restrições aos direitos e deveres previstos neste artigo (CC,
art. 1.579 e parágrafo único)”.
A jurisprudência mais antiga esposava entendimento de
que “os encargos que livremente se impôs o alimentante com a
constituição de novo lar não podem ser levados em conta de al-
teração de sua fortuna”; 388 “se o alimentante pode suportar no-
vos encargos com a constituição de nova família, que o faça, mas

387 Yussef Cahali, ob.cit.nota 357, p. 991/992.


388 5ª C. Cív., TJRJ, AC 9.214, 11.09.1979, apud. Yussef Cahali, ob.
cit.nota 357, p. 986.
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○ ○

sem exclusão ou redução dos anteriores, aos quais, por lei, está
obrigado”. 389 Assim, não se modificará a obrigação alimentar com
o novo casamento do devedor, mas o valor da prestação pode ser
reduzido, conforme o caso. 390
Na verdade, confrontando-se o texto do art. 30 da Lei do
Divórcio (se o cônjuge devedor da pensão vier a casar-se, o novo
casamento não alterará sua obrigação) com o art. 1.709 do novo
Código Civil, verifica-se, pela redação do dispositivo anterior,
que a preocupação, àquela época, era impedir a modificação da
obrigação em si, não o seu valor. O novo texto, já traduzindo a
evolução da jurisprudência, preocupa-se com a determinação de
que a obrigação alimentar não pode extinguir-se pelo novo ca-
samento do devedor de alimentos.
Com efeito, se a lei permite o divórcio, não pode impedir
que a pessoa divorciada se case novamente. E se o objeto da
pensão alimentícia depende não só das necessidades de quem
recebe, mas também dos recursos de quem presta (CC, art. 1.694
§ 1º), não faz sentido a expressa disposição de inalterabilidade
da pensão no momento em que o obrigado passa a ter, legitima-
mente, novos encargos sobre si; 391 até porque a obrigação de

389 4ª C. Cív. , TJPR, RT 580/192.


390 ALIMENTOS. Pedido de redução. Cabimento. Como o alimentante
constituiu nova família, com o nascimento de dois filhos que já estão
ingressando na escola e que apresentam problemas de saúde, deman-
dando maiores despesas, cabível a pretensão revisional, pois houve
indiscutível redução de sua capacidade econômica. Embora o divórcio
não modifique os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos, os
alimentos devidos pelos pais podem ser alterados a qualquer tempo,
caso sobrevenha mudança na capacidade econômica. Inteligência dos
arts. 27 e 28 da Lei nº 6.515/77 e art. 401 do CCB. Obrigação
alimentária não é escravidão nem pode impedir alguém de constituir
nova família, não se podendo admitir distinção entre filhos, sendo
inaceitável privilegiar os do primeiro casamento ou união em detri-
mento dos demais, o que é vedado pela Lei Maior (art. 227, § 6º, da
CFB). A apelada faz jus aos alimentos, não apenas por ser filha e
menor, mas por estar também dando continuidade aos seus estudos,
sendo obrigação do pai dar-lhe condições de concorrer no mercado de
trabalho e buscar a realização pessoal e profissional, mas o quantum
deve ser readequado às possibilidades do alimentante, em vista de
todos os seus encargos familiares. Recurso provido em parte. (TJRS
— AC 70.000.437.129 (SJ) — 7ª C. Cív. — Rel. Des. Sergio Fernando
de Vasconcellos Chaves — J. 22.03.2000).
391 Yussef Cahali, ob. cit. nota 357, p. 988.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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prestar alimentos possui o caráter de mutabilidade do quantum,


que pode sofrer variações quantitativas ou qualitativas, confor-
me se alterem os pressupostos. 392

Art. 1.710. As prestações alimentícias, de qual-


quer natureza, serão atualizadas segundo índi-
ce oficial regularmente estabelecido.
Direito anterior: Art. 22 da Lei do Divórcio.

O texto original do Projeto trazia impropriedades que se


corrigiram a tempo. Constava, assim, “as prestações alimentí-
cias de qualquer natureza serão corrigidas monetariamente obe-
decendo à variação nominal da Obrigação Reajustável do Te-
souro Nacional — ORTN”. Ora, extintas que foram a correção
monetária e a ORTN, a expressão “índice oficial regularmente
estabelecido” pode subsistir por tempo indeterminado. 393
Cuida o dispositivo unicamente da atualização da presta-
ção alimentícia, em vista de possível desvalorização da moeda,
não se confundindo com revisão do valor dos alimentos.
Não se vislumbra, contudo, obstáculo na adoção de crité-
rio diverso de atualização do valor nominal dos alimentos, pois
estes podem ser fixados em percentual a incidir sobre os ganhos
do alimentante, como prevê a efetivação executiva da sentença
ou do acordo mediante desconto em folha (art. 17 da Lei de Ali-
mentos e art. 734 do CPC), sendo também possível a fixação da
pensão alimentícia tomando-se por base o valor do salário míni-
mo, inobstante a literalidade do inc. IV do art. 7º da Constitui-
ção, como tem se posicionado o STF, já que nenhum outro pa-
drão seria mais adequado à estipulação de alimentos, porque
estes devem atender igualmente às necessidades vitais básicas
(moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higie-
ne, transporte e previdência social). 394

392 M. Helena Diniz, Ob. citada nota 357, 17ª edição, p. 465/466.
393 Emenda nº 281, do Sen. Fernando Henrique Cardoso.
394 Segundo a jurisprudência dominante no C. Supremo Tribunal Federal
e nessa Corte, admissível é fixar-se a prestação alimentícia com base
no salário mínimo” (RSTF 96/322).
Subtítulo IV — Do Bem de Família
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○ ○

Subtítulo IV
DO BEM DE FAMÍLIA

Patrícia Silveira Tavares


Promotora de Justiça Titular da Curadoria de Justiça
da Comarca de Queimados — Estado do Rio de Janeiro

Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade fa-


miliar, mediante escritura pública ou testamen-
to, destinar parte de seu patrimônio para insti-
tuir bem de família, desde que não ultrapasse 1/
3 (um terço) do patrimônio líquido existente ao
tempo da instituição, mantidas as regras sobre
a impenhorabilidade do imóvel residencial
estabelecida em lei especial.
Parágrafo único. O terceiro poderá igualmente
instituir bem de família por testamento ou doa-
ção, dependendo a eficácia do ato da aceitação
expressa de ambos os cônjuges beneficiados
ou da entidade familiar beneficiada.
Direito anterior: Arts. 70 e 73, 1ª parte, do Código Civil de 1916.

O bem de família voluntário ou convencional 395 não é novi-


dade no Direito Brasileiro, tendo merecido disciplina nos arti-
gos 70 a 73 do Código Civil de 1916, posteriormente comple-
mentados pelo Decreto-Lei nº 3.200/41 (Lei de Organização e
Proteção à Família) e pela Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros
Públicos).
O instituto encontra sua origem histórica no homestead,
figura jurídica criada no início do século XVIII, na então Repú-

395 A adjetivação é feita com o propósito de distinguir essa espécie de


bem de família de outras previstas em leis especiais.
413
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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blica do Texas, com o objetivo de isentar a pequena propriedade


destinada ao abrigo da família de qualquer espécie de execução.
Embora delineado de forma distinta no Direito pátrio, res-
tou intocável em sua essência, constituindo em mecanismo le-
gal de proteção do lar familiar e, conseqüentemente, da pessoa
na família, a partir da indisponibilidade de certa parcela de seu
patrimônio.
Representando o bem de família caso especial de indispo-
nibilidade de determinados bens, com vista ao resguardo da
morada familiar, observa-se que a opção legislativa de regulá-
lo no Título II do Livro IV da Parte Especial do Código, dedica-
do ao Direito Patrimonial da Família, é a que melhor se harmo-
niza com o espírito do instituto. 396
Inovou o novo Código Civil quanto à legitimidade para ins-
tituição do bem de família, afastando a expressão “chefe de fa-
mília”, referida no Código Civil de 1916, para fazer alusão ex-
pressa aos cônjuges e à entidade familiar.
Assim agindo incorporou ao texto codificado as modifica-
ções já introduzidas no ordenamento pátrio pela Constituição
de 1988, notadamente no que se refere à posição dos cônjuges
na sociedade conjugal e ao reconhecimento da união estável e
da família monoparental como espécies de entidade familiar,
distintas do casamento. 397
Outra inovação legislativa está na possibilidade de tercei-
ro instituir bem de família.
Nesta hipótese, servem de instrumento para o ato o testa-
mento ou a doação, restando sua eficácia condicionada à aceita-
ção expressa dos beneficiários, aos quais é transmitida a
titularidade do domínio do bem.

396 Vale salientar que no Código Civil de 1916 as disposições legais


concernentes ao bem de família foram introduzidas no Livro II da Parte
Geral, destinado aos bens, fato que foi alvo de críticas pela doutrina.
Sobre o assunto, cf., entre os tratadistas, BEVILÁQUA, Clóvis. Códi-
go Civil dos Estados Unidos do Brasil. v. I. 2ª ed., p. 299-300;
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil — Parte
Geral. 5ª ed., p. 166; RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil — Parte Ge-
ral. v. I. 22ª ed., p. 157-158 e, na doutrina especializada, AZEVEDO,
Álvaro Villaça de. Bem de Família. 4ª ed., p. 90-93 e VELOSO, Zeno.
Bem de família. Revista de Informação Legislativa, nº 107, p. 204,
jul./set. 1990.
397 V. artigo 226, parágrafos 3º, 4º e 5º, da CRFB/88.
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○ ○

Aplicam-se, quanto à forma e ao momento da aceitação, no


que couber, as normas previstas nos artigos 539 e 1.804 e ss. do
novo Código Civil.
O Código Civil de 2002, de forma semelhante ao anterior e
ratificando a norma prevista no artigo 260 da Lei nº 6.015/73,
elegeu a escritura pública como instrumento para a instituição
do bem de família.
A inovação legislativa traduz-se na possibilidade de sua
instituição mediante testamento, caso em que o ato somente pro-
duzirá seus efeitos após a morte do instituidor.
O descumprimento desta formalidade tem como conseqüên-
cia a nulidade do ato, na forma do artigo 166, inciso IV, do novo
texto codificado.
Em se tratando de bem de família instituído por terceiro
por meio de doação, questão que pode ser suscitada é se esta
poderá ser promovida por instrumento particular. A melhor orien-
tação parece ser no sentido de que a doação, nesta hipótese es-
pecífica, deverá ser realizada mediante instrumento público, de
modo a preservar a harmonia entre as normas contidas no caput
e no parágrafo único do dispositivo legal em tela.
Ao contrário do Código Civil de 1916, que é omisso quanto
à matéria, o novo Código Civil instituiu limite máximo de valor
para o bem de família.
A preocupação do legislador em fixar critério valorativo
para a composição do bem de família, entretanto, não é recente
no Direito pátrio, revelando-se, inicialmente, no artigo 19 do
Decreto-Lei nº 3.200/41 que, após sucessivas alterações
legislativas, determinou, afinal, que “não há limite de valor para
o bem de família desde que o imóvel seja a residência dos inte-
ressados por mais de 2 (dois) anos”. Na ausência, contudo, de
qualquer dispositivo legal estabelecendo, o valor do bem, nos
casos de residência no imóvel pelo prazo inferior a 2 (dois) anos,
tornou ineficaz a limitação pretendida pela lei. 398

398 O art. 19 do Decreto-Lei nº 3.200/41, em sua redação original, fixou


cem mil cruzeiros como teto para o valor do imóvel instituído como
bem de família. Posteriormente, em virtude do processo inflacioná-
rio, este patamar foi elevado, inicialmente, para um milhão de cru-
zeiros, por força da Lei nº 2.514/55, e, posteriormente, para 500 (qui-
nhentas) vezes o maior salário mínimo vigente no País, por meio da
Lei nº 5.633/71. Por fim, a Lei nº 6.742/79, alterando o referido dispo-
sitivo legal para a redação acima transcrita, ensejou, novamente, a
ausência de limitação de valor para o bem de família.
416
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Nesse passo, o limite de valor para o bem de família so-


mente volta a viger no Direito brasileiro com o Código Civil de
2002, sendo fixado até o limite de 1/3 (um terço) do patrimônio
líquido do instituidor, existente à época de sua instituição.
A opção legislativa, no entanto, não está imune a críticas.
Não obstante o esforço elogiável no sentido de evitar abusos,
atualmente, não poderá uma família proprietária de um único
imóvel ou, ainda, de dois imóveis de valor aproximado entre si,
fazer jus ao benefício, aproveitando-lhe, tão-somente, as nor-
mas constantes da Lei nº 8.009/90.
Além do texto codificado, responsável pela disciplina do
bem de família voluntário, existem, no ordenamento jurídico
pátrio, outras leis destinadas a regular distintas hipóteses do
instituto.
Na legislação especial, destaca-se como mais importante a
Lei nº 8.009/90, que introduziu no ordenamento jurídico brasi-
leiro o denominado bem de família legal, consistente no imóvel
residencial próprio do casal ou da entidade familiar que, junta-
mente com outros bens a este vinculados, tem como regra a sua
impenhorabilidade.
Consideram-se, ainda, casos especiais de bem de família,
os previstos nos seguintes diplomas legais: a) Decreto-Lei nº
1.351, de 16.06.1939, relativo ao bem de família de fronteira; b)
Lei nº 2.378, de 24.12.1954, referente ao bem de família dos
expedicionários e, c) Decreto-Lei nº 3.200, de 19.04.1941, que
trata do bem de família oriundo de mútuo para casamento.

Art. 1.712. O bem de família consistirá em pré-


dio residencial urbano ou rural, com suas per-
tenças e acessórios, destinando-se em ambos
os casos a domicílio familiar, e poderá abran-
ger valores mobiliários, cuja renda será apli-
cada na conservação do imóvel e no sustento
da família.
Direito anterior: Art. 70, 1ª parte, do Código Civil de 1916.

De acordo com o novo Código Civil, podem constituir objeto


do bem de família não só o prédio residencial urbano ou rural,
de que trata a codificação anterior, como também outros bens a
este vinculados, como suas pertenças e acessórios.
Subtítulo IV — Do Bem de Família
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○ ○

Como pertenças devem-se compreender todos aqueles bens


que, não constituindo partes integrantes do imóvel, destinam-
se, de forma duradoura, ao seu uso, serviço ou aformoseamento,
tais como armários, mobília e eletrodomésticos. Como bens aces-
sórios, compreendem-se aqueles cuja existência tem como pres-
suposto o bem principal, podendo-se citar como exemplo a casa
em relação ao terreno. 399
A ampliação do objeto do bem de família ainda envolve
valores mobiliários, cuja renda deverá ser aplicada na conser-
vação do imóvel e no sustento da família. 400
Além de limitar o objeto do bem de família, o legislador
preocupou-se em atribuir-lhe destinação específica.
Em se tratando de prédio residencial urbano ou rural, de-
verá ter como finalidade o domicílio familiar. Os valores mobili-
ários, por sua vez, deverão estar sempre vinculados ao imóvel
residencial, devendo sua renda ser revertida em favor da ma-
nutenção deste e do sustento da família.
A destinação específica dos objetos que compõem o bem de
família tem como pressuposto a sua função primordial de ga-
rantia da subsistência familiar, seja a partir da afetação de de-
terminado prédio para fixação de sua residência, seja mediante
reserva de valores mobiliários para a conservação do imóvel e
sustento da família, salvaguardando seus membros de eventual
deterioração ou desvalorização do bem.

Art. 1.713. Os valores mobiliários, destinados


aos fins previstos no artigo antecedente, não
poderão exceder o valor do prédio instituído em
bem de família, à época de sua instituição.
§ 1º. Deverão os valores mobiliários ser devida-
mente individualizados no instrumento de ins-
tituição do bem de família.

399 Quanto à definição legal de bens acessórios e pertenças, v. artigos 92


e 93 do novo Código Civil.
400 Sobre valores mobiliários, v. Lei nº 6.385/76 (Mercado de valores mo-
biliários e Comissão de Valores Mobiliários) e Lei nº 10.198/01(Mer-
cados de títulos ou contratos de investimento coletivo).
418
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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§2º. Se se tratar de títulos nominativos, a sua


instituição como bem de família deverá constar
dos respectivos livros de registro.
§3º. O instituidor poderá determinar que a ad-
ministração dos valores mobiliários seja confi-
ada a instituição financeira, bem como discipli-
nar a forma de pagamento da respectiva renda
aos beneficiários, caso em que a responsabili-
dade dos administradores obedecerá às regras
do contrato de depósito.
Direito anterior: Não há previsão.

Em se tratando de bem de família constituído por valores


mobiliários, o novo Código Civil estabelece outra limitação de
valor, além da prevista no artigo 1.711. De acordo com o caput
do artigo 1.713, não poderão os valores mobiliários ter valor
superior ao bem imóvel a que estão vinculados. A norma tem
como fundamento não apenas o caráter acessório destes bens,
mas também a sua finalidade única de auxílio na conservação
do imóvel e no sustento da família.
Os parágrafos seguintes estabelecem normas procedimen-
tais a respeito da instituição e administração de tais bens, que
poderão ser confiados a instituição financeira, mediante aplica-
ção das regras relativas ao contrato de depósito. 401
Na hipótese de liquidação ou falência da instituição finan-
ceira responsável pela administração dos valores mobiliários, o
artigo 1.718 do Código Civil os deixa salvaguardados em rela-
ção à arrecadação, autorizando a sua transferência para outra
instituição, aplicando-se, no que couber, as normas concernentes
ao pedido de restituição. 402

Art. 1.714. O bem de família, quer instituído pe-


los cônjuges ou por terceiro, constitui-se pelo
registro de seu título no Registro de Imóveis.
Direito anterior: Art. 73 do Código Civil de 1916.

401 Sobre contrato de depósito, v. artigos 627 a 652 do novo Código Civil.
402 A respeito do assunto, v., ainda, Decreto-Lei nº 7.661/45 (Lei de Fa-
lências) e Lei nº 6.024/74 (Intervenção e liquidação extrajudicial de
instituições financeiras).
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A lei estabelece como indispensável para a constituição do


bem de família o registro de seu título no Registro de Imóveis,
de modo que, sem o cumprimento desta formalidade, não pode-
rá o ato, validamente, produzir seus efeitos. 403
O mandamento legal tem como escopo conferir publicida-
de ao ato de constituição do bem de família, preservando, as-
sim, os interesses daqueles que, de alguma forma, estejam vin-
culados juridicamente ao instituidor ou aos beneficiários.
As normas concernentes ao procedimento de inscrição en-
contram-se previstas nos artigos 260 a 265 da Lei nº 6.015/73,
cuja vigência e eficácia não restarão afetadas com o novo Códi-
go.
De acordo com os referidos dispositivos legais, a constitui-
ção do bem de família deve obedecer ao seguinte rito: a) apre-
sentação do título ao oficial do registro, que, inexistindo motivo
para dúvida, providenciará a respectiva publicação; b) Decurso
do prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação, para recla-
mação de eventuais interessados; c) Não havendo reclamação
ou, em havendo, tendo sido determinado o registro do título pelo
Poder Judiciário, transcrição de seu conteúdo no Livro de Regis-
tro Auxiliar e posterior inscrição na matrícula do imóvel.
Caso o bem de família seja instituído mediante testamen-
to, ficará a cargo do testamenteiro o cumprimento destas for-
malidades.

Art. 1.715. O bem de família é isento de execu-


ção por dívidas posteriores à sua instituição,
salvo as que provierem de tributos relativos ao
prédio, ou de despesas de condomínio.
Parágrafo único. No caso de execução pelas dí-
vidas referidas neste artigo, o saldo existente
será aplicado em outro prédio, como bem de fa-
mília, ou em títulos da dívida pública, para sus-
tento familiar, salvo se motivos relevantes acon-
selharem outra solução, a critério do juiz.

403 De acordo com o artigo 166, incisos IV e V, do novo Código Civil é nulo
o negócio jurídico quando não revestir a forma prescrita em lei ou for
preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua
validade.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Direito anterior: Arts. 70, 2ª parte, e 71 do Código Civil de 1916.


Aperfeiçoando a redação do texto codificado anterior, a dis-
posição legal em apreço institui como primeiro efeito do bem de
família a sua impenhorabilidade, excepcionando o princípio se-
gundo o qual o patrimônio do devedor deve responder por suas
dívidas.404
A norma concernente à impenhorabilidade do bem de fa-
mília não é, contudo, absoluta, existindo 03 (três) hipóteses nas
quais é admitida a penhora do bem, com o propósito de coibir
abusos em sua instituição, bem como garantir determinadas
espécies de credores.
A primeira diz respeito à execução por dívidas anteriores
à constituição do bem de família; a segunda relaciona-se à exe-
cução por dívidas tributárias vinculadas ao imóvel que consti-
tui seu objeto e, por fim, a terceira, referente à execução oriun-
da de despesas de condomínio relativas ao imóvel, consistindo
esta última inovação no Direito pátrio.
Outra novidade da lei está na determinação da aplicação
do saldo remanescente da execução em prol dos beneficiários,
por meio da instituição de novo bem de família, títulos da dívi-
da pública ou outra medida, a critério do juiz.

Art. 1.716. A isenção de que trata o artigo ante-


cedente durará enquanto viver um dos cônju-
ges, ou, na falta destes, até que os filhos com-
pletem a maioridade.
Direito anterior: Art. 70, parágrafo único, do Código Civil de 1916.

Complementando o dispositivo legal anterior, o artigo 1.716


estabelece que a impenhorabilidade do bem de família somente
deve perdurar enquanto forem vivos os cônjuges e menores os
filhos.
A despeito da omissão legal, por força do artigo 226, pará-
grafos 3º e 4º, da Constituição de 1988 e da própria interpreta-
ção sistemática da lei, deve a norma ser estendida às espécies
de entidades familiares.
Questão que se coloca consiste em saber se este efeito do
instituto subsiste nas hipóteses de filhos maiores, porém inca-

404 Sobre impenhorabilidade do bem de família v. também artigo 649,


inciso I, do CPC e artigo 10, parte final, da Lei nº 6.830/80.
Subtítulo IV — Do Bem de Família
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pazes. A melhor orientação, a despeito da omissão legal, é no


sentido da permanência do benefício, não só em razão da função
protetiva do bem de família, mas também por força do artigo
1.722 da lei, a qual somente admite a sua extinção nas hipóte-
ses de filhos maiores não sujeitos à curatela.

Art. 1.717. O prédio e os valores mobiliários,


constituídos como bem de família, não podem
ter destino diverso do previsto no artigo 1.712
ou serem alienados sem o consentimento dos
interessados e seus representantes legais, ou-
vido o Ministério Público.
Direito anterior: Art. 72 do Código Civil de 1916.

Preocupa-se o art. 1.717 em frisar a destinação específica


do bem de família, proibindo-lhe outro destino diverso do esta-
belecido no artigo 1.712.
A fixação do domicílio no imóvel e a reversão da renda dos
valores mobiliários em benefício da entidade familiar são, por-
tanto, requisitos essenciais para a caracterização do instituto.
Havendo desvio da destinação específica do bem, perderá
a constituição sua eficácia, podendo, todavia, os beneficiários,
valer-se do disposto no artigo 1.719, parte final, como forma de
resguardar seus interesses. 405
Outra conseqüência da instituição do bem de família con-
siste na inalienabilidade dos bens que o compõem.
A restrição legal, entretanto, é acidental, admitindo-se a
sua alienação caso haja consentimento dos interessados e de
seus representantes legais. Como interessados devem compre-
ender-se todos os membros da entidade familiar beneficiada com

405 Em relação ao tema, cumpre registrar que parte da doutrina e da


jurisprudência fundada no Direito anterior, por vezes flexibiliza o ri-
gor desta norma, admitindo a subsistência do instituto em algumas
hipóteses nas quais a família, mesmo sem fixar residência no imóvel,
continua a depender do mesmo para a sua subsistência. Sobre o as-
sunto, cf., na doutrina, o entendimento de J.M. Carvalho Santos (Có-
digo Civil Brasileiro Interpretado — Parte Geral. v. II. 5ª ed., p. 194 e
ss.), admitindo, sem sua extinção, a locação e o arrendamento do bem
de família. Na jurisprudência, cf., quanto ao bem de família legal, os
arestos oriundos do julgamento do REsp. nº 98.958-DF e do REsp. nº
159.213-ES, ambos admitindo a locação do bem de família e a utili-
zação da renda para a subsistência dos membros da família.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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a constituição do bem de família.


Cumpre ressaltar que o consentimento dos interessados não
exclui, porém, a necessidade de mandado judicial para aliena-
ção do bem, uma vez que tal ato importará, em última análise,
na extinção do benefício.
Em havendo incapacidade civil dos filhos, a alienação do
bem também deverá contar com a nomeação de curador especial,
na forma da legislação civil e processual. 406
A despeito do silêncio do Código Civil de 1916 quanto à
intervenção do Ministério Público nos procedimentos referen-
tes à alienação do bem de família, aquela já se fazia necessária,
não só por força da relevância social do instituto, mas também
em virtude da eventual presença de interesses de incapazes.
A alusão expressa no dispositivo legal em apreço, no en-
tanto, é salutar, na medida em que reforça a necessidade da
atuação ministerial nestes casos, na qualidade de fiscal da Lei.

Art. 1.718. Qualquer forma de liquidação da en-


tidade administradora, a que se refere o § 3º do
art. 1.713, não atingirá os valores a ela confia-
dos, ordenando o juiz a sua transferência para
outra instituição semelhante, obedecendo-se,
no caso de falência, ao disposto sobre pedido
de restituição.
Direito anterior: Não há previsão.

Ver comentários ao artigo 1.713.

Art. 1.719. Comprovada a impossibilidade da ma-


nutenção do bem de família nas condições em
que foi instituído, poderá o juiz, a requerimento
dos interessados, extingui-lo ou autorizar a sub-
rogação dos bens que o constituem em outros,
ouvidos o instituidor e o Ministério Público.
Direito anterior: Art. 21 do Decreto-Lei nº 3.200/41.

Transportando para o Código Civil disposição análoga cons-


tante do Decreto-Lei nº 3.200/41, o dispositivo legal em referên-

406 Sobre os casos de nomeação de curador especial, v. artigo 1.692 do


novo Código Civil e artigo 9º do Código de Processo Civil.
Subtítulo IV — Do Bem de Família
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cia versa sobre a extinção do bem de família nas hipóteses em


que não é mais possível a sua manutenção, nas condições em
que foi instituído.
Andou bem o legislador em não especificar tais hipóteses,
deixando a cargo do juiz a verificação, ou não, de sua ocorrên-
cia.
Podem-se, no entanto, vislumbrar, de antemão, alguns
exemplos, tais como a impossibilidade de manutenção do bem
de família em razão da necessidade de fixação de domicílio em
outro local ou até mesmo de sua locação, para custeio de outra
morada.
A extinção do bem de família depende, ainda, da prévia
audiência do instituidor e do órgão do Ministério Público.
Alternativa colocada à disposição do juiz, nas hipóteses
em que se verifica a impossibilidade de manutenção do bem de
família, é a sua sub-rogação por outros bens.
A opção se justifica em benefício dos próprios membros da
entidade familiar, que, por vezes, restarão melhor atendidos em
seus interesses, mediante substituição do objeto que compõe o
bem de família, e não com sua extinção.
Ficará a critério do magistrado, ouvido o Ministério Pú-
blico, a determinação da medida que mais se aproxima da fun-
ção social do instituto.

Art. 1.720. Salvo disposição em contrário do ato


de instituição, a administração do bem de famí-
lia compete a ambos os cônjuges, resolvendo o
juiz em caso de divergência.
Parágrafo único. Com o falecimento de ambos os
cônjuges, a administração passará ao filho mais
velho, se for maior, e, do contrário, a seu tutor.
Direito anterior: Não há previsão.

Como não poderia ser diferente, em face do princípio da


igualdade insculpido no artigo 226, parágrafo 5º, da CRFB/88,
compete a ambos os cônjuges — e, por extensão, aos conviven-
tes — a administração do bem de família, cabendo ao magistra-
do a solução de eventuais divergências.
Como atos de administração se compreendem todos aque-
les que visam à manutenção e à melhoria do imóvel, bem como
os destinados à aplicação da renda proveniente dos valores mo-
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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biliários a este vinculados.


Questão que deve colocar-se em relação ao dispositivo le-
gal em tela está na constitucionalidade da norma constante de
seu parágrafo, à luz do princípio da igualdade plena entre os
filhos, previsto no artigo 227, parágrafo 6º da CRFB/88. A me-
lhor orientação é no sentido da constitucionalidade do disposi-
tivo, proibindo-se, contudo, qualquer interpretação que, por sim-
ples critério etário, implique discriminação. Assim, havendo dois
filhos maiores, poderá a administração do bem de família ser
conferida a qualquer deles, e não, obrigatoriamente, ao mais
velho, decidindo o juiz na hipótese de divergência.

Art. 1.721. A dissolução da sociedade conjugal


não extingue o bem de família.
Parágrafo único. Dissolvida a sociedade conju-
gal pela morte de um dos cônjuges, o sobrevi-
vente poderá pedir a extinção do bem de famí-
lia, se for o único bem do casal.
Direito anterior: Art. 20 do Decreto-Lei nº 3.200/41.

Esclarecendo algumas dúvidas suscitadas pela doutrina e


pela jurisprudência, nos casos de dissolução ou extinção do vín-
culo do casamento, a disposição em exame estabelece expressa-
mente que a dissolução da sociedade conjugal não tem o condão
de extinguir o bem de família. 407
A norma em apreço é inspirada na necessidade de prote-
ção dos membros da família, mesmo após a separação ou morte
dos cônjuges ou conviventes, especialmente, quando menores
ou incapazes.
Nesse diapasão, até que sejam verificadas algumas das hi-
póteses de extinção do bem de família, previstas em lei, não
poderá tal bem ser objeto de partilha, quer por ato inter vivos,
quer em virtude da morte de um dos cônjuges ou conviventes.
O parágrafo único do artigo em referência preocupa-se, no
entanto, em frisar a possibilidade de extinção do bem de famí-
lia em razão da morte de um dos cônjuges, caso seja este o único
bem do casal, aplicando-se, nesta hipótese, a norma contida no
artigo 1.719 da lei.
407 De acordo com o art. 1.571 do novo Código Civil, são hipóteses de
dissolução da sociedade conjugal: a) a morte de um dos cônjuges; b) a
nulidade ou anulação do casamento; c) a separação judicial e, por fim,
d) o divórcio.
Subtítulo IV — Do Bem de Família
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425
○ ○

Art. 1.722. Extingue-se, igualmente, o bem de fa-


mília com a morte de ambos os cônjuges e a mai-
oridade dos filhos, desde que não sujeitos a
curatela.
Direito anterior: Art. 70, parágrafo único, do Código Civil de 1916.

Complementando a norma prevista no art. 1.716, institui


o art. 1.722 hipótese legal de extinção do bem de família.
Decerto, falecendo ambos os cônjuges — ou conviventes —
e na ausência de filhos menores ou incapazes, não mais se justi-
fica a permanência do instituto, na medida em que a entidade
familiar, tal como existente à época da afetação dos bens que o
compõem, não subsiste.
Questão que surge em relação à referida disposição legal
está em saber se há extinção do bem de família nas demais hi-
póteses, distintas da maioridade, nas quais se opera a capaci-
dade civil dos filhos. A orientação que melhor atende ao espíri-
to do instituto é no sentido da extinção do bem de família tam-
bém nestes casos, uma vez que sua função protetiva perdura,
tão-somente, enquanto vivo o casal ou necessitarem de amparo
seus filhos.
426
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Título III — Da União Estável
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TÍTULO III
DA UNIÃO ESTÁVEL
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Título III — Da União Estável
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Andréa Rodrigues Amim


Promotora de Justiça Titular da 1ª Promotoria de Infância e Juventude
da Comarca de Duque de Caxias — Estado do Rio de Janeiro

A União Estável, gênero de família social das mais impor-


tantes dentro de nossa sociedade, ganhou status formal
juridicidade com a Constituição da República de 1988, ao tute-
lar, em seu artigo 226, três espécies de entidades familiares: a
matrimonial, a monoparental e a decorrente de união estável.
O Novo Código Civil inova em relação ao atual Código ao
consolidar esta nova forma constitucional de família não pre-
vista na norma geral, ainda que já regulada por leis especiais.
Será, porém, que tal inovação se revelou realmente benéfica
diante das disposições legais e reconhecimento jurisprudencial
de que já dispúnhamos? Este o objeto de análise deste capítulo.
Antes, oportuno se fazer breve retrospecto por que passa-
ram os já consagrados princípios que conferiram juridicidade à
família estável até os nossos dias, para que se possa melhor
compreendê-la.
Ainda que recentemente normatizada, a união estável os-
tenta tempo de existência igual ou mesmo maior que a família
matrimonial. Sem nos determos na História Antiga mais remo-
ta, partiremos da evolução histórica da união estável a contar
da Proclamação da República no Brasil, momento em que o Es-
tado se dissociou da Igreja, acabando esta por ser uma das gran-
des incentivadoras da união estável.
Em época na qual cabia à Igreja Católica cuidar das rela-
ções de status, sendo de sua atribuição celebrar os casamentos,
registrá-los nos livros paroquiais, assim como o fazia em rela-
ção aos nascimentos e óbitos, constituiu grande ruptura a de-
terminação de nova ordem jurídica onde não mais haveria reli-
gião oficial, cabendo ao Estado regular e celebrar os casamen-
tos. Estes só passariam a produzir efeitos jurídicos se fossem

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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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civis, não bastando o casamento religioso. Isto se deu através do


Decreto 181, de 24 de janeiro de 1861.
A Igreja, medindo forças com o Estado, cuidou de boicotar
a nova ordem, pregando entre os fiéis que o casamento civil era
insignificante perante DEUS, razão pela qual só seria conside-
rado casado aquele que o fizesse sob as normas religiosas. Em
assim sendo, as mais nobres famílias da época se negavam a
casar-se segundo a norma civil, mantendo a tradição religiosa,
o que acabou dando origem a alguma das “mais nobres” famíli-
as de nossa história, fruto, evidentemente, de “uniões estáveis”.
Não só entre os mais abastados, porém, a união estável se
popularizou. Nas classes dos menos favorecidos, o alto custo de
se casar no civil fê-los preferir o casamento religioso, ou mesmo
a simples união entre os casais. Oportuno ainda acrescer um
dado complicador: o princípio da indissolubilidade do vínculo con-
jugal, de caráter eminentemente religioso, mas consolidado em
sede constitucional, através do qual separados de fato ou mes-
mo desquitados não poderiam pôr fim ao primeiro casamento,
restando como solução, para garantia de uma relação afetiva
entre os casais, a união estável.
O número de famílias de fato cresceu assim como os con-
flitos oriundos dessa família social. A jurisprudência não se
mostrou insensível e, aos poucos, foram sendo concedidos efei-
tos à união estável sem, contudo, reconhecê-la como entidade
familiar, já que contrária à ordem constitucional da época.
De início, negou-se às relações concubinárias onde um dos
concubinos ainda era casado reconhecimento de quaisquer di-
reitos delas emergentes, mesmo que separado de fato tal
concubino, pois um ato ilícito não poderia ser gerador de direi-
tos e prerrogativas.
Ultrapassada esta primeira fase de negação de efeitos à
união estável, reconheceu-se a existência de sociedade de fato
para a entrega de parte dos bens à companheira do falecido, se
solteiro, viúvo ou desquitado, não sendo indispensável a prova
da contribuição (Súm. 380 STF). Algumas poucas decisões
(TJDF) admitiram pensão à concubina quando injustamente
abandonada, enquanto outros arestos se limitaram a compensar
os serviços prestados. Também admitida a legitimidade para o
ajuizamento de ação de responsabilidade civil por morte de con-
vivente (Súm. 35 STF). O STF cuidou ainda de distinguir a
concubina da companheira, não exigindo para prova da união
estável convivência sobre o mesmo teto (Súm. 382).
Título III — Da União Estável
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○ ○

Em resumo, a companheira tinha o ônus da prova da socie-


dade de fato em duas circunstâncias: provando esforço comum,
obtinha a partilha dos bens adquiridos durante a união ou, não
exercendo atividade produtiva, teria de fazer prova dos serviços
prestados, obtendo por eles uma indenização (contrato civil, art.
1.216 e seguintes).
Por fim, às vésperas da Constituição da República, promul-
gada em 1988, o esforço comum já não se caracterizava tão-so-
mente pelo trabalho remunerado, mas também pelo esforço mo-
ral, cabendo ao Julgador determinar o quantum a ser comparti-
lhado entre os companheiros.
Com a nova Carta Constitucional a união estável encon-
trou tutela no artigo 226, § 3º. Não sendo norma auto-aplicável,
foi regulada, inicialmente, pela Lei 8.971/94 e, após, pela Lei
9.278/96. A despeito dos fortes debates à época da vigência des-
ta última acerca da revogação da lei anterior, atualmente, às
vésperas da entrada em vigor do NCC, é majoritário o entendi-
mento de que ambas as leis vigoram, naquilo que a Lei nº 8.971/
94 não se mostra incompatível com a Lei nº 9.278/96.

Art. 1.723. É reconhecida como entidade famili-


ar a união estável entre homem e mulher, confi-
gurada na convivência pública, contínua e du-
radoura e estabelecida com o objetivo de cons-
tituição de família.
Direito anterior: Art. 1º da Lei 9.278/96.

O artigo consolidou o conceito de união estável anterior-


mente previsto na Lei 9.278/96, consagrando critérios
jurisprudenciais utilizados para definição da família estável.
Da diversidade de sexo — Analisando separadamente cada
requisito exigido para perfeita caracterização da união estável,
defrontamo-nos, desde logo, em questão nova, polêmica, e que
vem ganhando a cada dia maior importância dentro do cotidia-
no forense. É indispensável a diversidade de sexo para configu-
rarmos união estável? Em outras palavras: Pode casal homosse-
xual pleitear o reconhecimento de união estável, seja para fins
sucessórios, patrimoniais ou garantir direito a alimentos?
A questão é de extrema complexidade e suficiente até para
toda uma monografia específica sobre o tema. Não é esta a pro-
posta do presente trabalho. Cinge-se este a apontar o problema,
ofertando um norte para o aplicador, mas, sem a pretensão de
oferecer conclusão peremptória.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Uma das primeiras a discorrer sobre o tema foi Maria


Berenice Dias, 408 que assinala: “se duas pessoas passam a ter
vida em comum, cumprindo os deveres de assistência mútua, em
um verdadeiro convívio estável caracterizado pelo amor e pelo
respeito mútuo, com o objetivo de construir um lar, tal vínculo,
independentemente do sexo de seus participantes, gera direitos
e obrigações que não podem ficar à margem da lei”.
Identifica a autora lacuna em nossa Lei, a qual deve ser
integrada através de processo analógico. “Na ausência de nor-
ma para solução de conflitos, principalmente com referência a
temas que requerem uma avaliação valorativa, a solução não
pode apoiar-se exclusivamente na opinião preconcebida do
julgador, calcada em posturas individuais de aceitação ou
rechaço. O magistrado precisa buscar resposta em outras rela-
ções jurídicas cujas circunstâncias de fato guardem identidade
com a situação posta em julgamento.” 409 E conclui: “as leis regu-
ladoras do relacionamento entre um homem e uma mulher po-
dem e devem ser aplicadas às relações homossexuais. Constitu-
em elas uma unidade familiar que em nada se diferencia da
nominada união estável”. 410
Na concepção da jurista há, em resumo, uma lacuna na
ordem constitucional a ser suprida pelo processo analógico.
Quanto a este, não haveria que questionar-se sobre o indispen-
sável caráter heterossexual dos componentes da união estável,
pois fere princípios basilares de nossa Constituição, como os de
igualdade e de dignidade da pessoa humana. Em verdade, aponta
uma inconstitucionalidade entre normas constitucionais e, via
de conseqüência, da legislação infraconstitucional, qual seja:
Leis 8.971/94, 9.278/96 e o NCC.
Ainda que avançada, a tese aqui exposta é minoritária. A
doutrina aborda a hipótese, mas não a alça à categoria de união
estável, mesmo reconhecendo nas uniões homossexuais a ocor-
rência da afetividade comum nas relações familiares.
A relação estável homossexual deverá seguir os caminhos
já traçados pela entidade familiar estável, passando inicialmente
pelo reconhecimento como sociedade de fato e, só após, median-
te reiterado posicionamento jurisprudencial em seu prol, a oxi-

408 Maria Berenice Dias. União Homossexual — O Preconceito & a Justiça


— Ed. Livraria do Advogado. Porto Alegre, 2000, p. 77.
409 Idem, p. 87.
410 Idem, p. 84
Título III — Da União Estável
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433
○ ○

genar nosso sistema legislativo, passará a ter reconhecimento


jurídico. 411412
Tratar as relações estáveis homossexuais no campo
obrigacional atende, porém, à nova ordem constitucional fun-
dada em um Estado Democrático de Direito, a proteger a pes-
soa com garantia de sua individualidade? Atenderia esta forma
de conceber a relação jurídica, nitidamente patrimonial, ao prin-
cípio da socialidade com respeito ao pluralismo típico deste Es-
tado de Direito? Parece-nos que não.
Não mais se podem fechar os olhos para o conflito social
cuja solução urge obter. Cada vez mais são distribuídas aos
Juízos de Família ações pretendendo reconhecer ou dissolver
uniões estáveis homossexuais, e, diante da ausência de norma
reguladora, os pedidos são normalmente considerados juridica-
mente impossíveis, restando aos autores o juízo cível para dis-
solução de algo que estes casais não formam: pura e simples-
mente sociedades de fato.
Segundo Orlando Gomes, 413 “pessoas que reúnem esforços
ou capitais para empreendimento comum de finalidade econô-
mica formam uma sociedade, mediante contrato”. Analisando
as relações estáveis homossexuais à luz deste conceito, tem-se
que o que leva os parceiros a se unirem é, antes de mais nada,
laços de afetividade e sexualidade, que impõem uma convivên-
cia em comum. O advento de interesses econômicos a partir desta
união ocorrerá num segundo momento, constituindo apenas efei-
to secundário, não essencial para a caracterização desta rela-
ção de afeto.
Em se tratando de relação de afeto, podemos dizer que se
aproxima mais do Direito Familiar do que do Obrigacional. Po-
demos ir além e afirmar tratar-se de uma entidade familiar. Se-
gundo Guilherme Calmon, 414 “a família, antes de mais nada, é
uma realidade, um fato natural, uma criação da Natureza, não
sendo resultante de uma ficção criada pelo homem.” Se por ele

411 Luiz Edson Fachin, Elementos Críticos do Direito de Família, Rio de


Janeiro: Ed. Renovar.
412 Guilherme Calmon Nogueira da Gama, O Companheirismo, uma es-
pécie de família, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998.
413 Orlando Gomes, Contratos, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1999, p. 391
— 18ª edição.
414 Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Direito de Família Brasileiro,
São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001, p. 23.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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for reconhecida, passa a modelo típico de família, como o é a


família matrimonializada. Se não houver reconhecimento, con-
tinuará sendo família, mas apenas no mundo dos fatos.
Em sendo família, qualquer conflito originário desta rela-
ção de fato tem por Juízo competente o Familiar. Não há que se
limitar a competência do Juiz de Família apenas para as enti-
dades familiares constitucionais, pois não é pacífica a interpre-
tação do artigo 226 da Carta Constitucional de 1988: o rol é
taxativo ou enunciativo?
Atualmente, o que deve estabelecer a competência das
Varas de Família não são apenas os modelos legais de família,
pois isto seria muito simplista. Ao revés, além destes, toda re-
lação onde se vislumbre “comunidade afetiva, resultante da vida
em comum e da conjugação de mútuos esforços, constituída a
partir do entrelaçar de sexo e afeto, presentes na construção co-
tidiana da vida de cada um dos partícipes da relação” 415 é obje-
to da atividade jurisdicional do Juiz de Família. 416
Superada esta questão, permaneceria o óbice da impossi-
bilidade jurídica do pedido, já que não reconhecida como união
estável a união homossexual. A solução, talvez, esteja em se ad-
mitir que a família homossexual é família autônoma e distinta
da união estável, ainda que possuam pertinências.
Segundo ROGER RAUPP RIOS, 417 “a união estável distin-
gue-se das uniões homossexuais precisamente em virtude do re-
quisito da diversidade sexual entre os companheiros, expressa-
mente consignado no texto do artigo 226, § 3º, bem como na de-
terminação constitucional de se facilitar sua conversão em ca-
samento, aspecto que também afasta as uniões homossexuais da
união estável”.
Esta exigência da diversidade de sexo, entretanto, não
impede o reconhecimento da união homossexual como família,
visto que a própria norma constitucional nos dá os instrumen-
tos necessários à solução do problema. Se não há regulamenta-
ção, estas uniões estão formalmente à margem do ordenamento,
que é a lei escrita. Entretanto, a tutelá-las encontramos o princí-
pio da dignidade da pessoa humana e da igualdade, garantes de
uma individualidade típica do Estado Democrático de Direito.

415 Roger Raupp Rios, A Homossexualidade no Direito. Porto Alegre: Li-


vraria do Advogado, 2001, p. 108.
416 Neste sentido AI nº 599075496 — TJRS.
417 Ob.cit, nota 8, p. 123.
Título III — Da União Estável
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Enquanto não regulada, enquanto família social, família


de fato, pode o aplicador socorrer-se dos princípios constitucio-
nais para garantir a estas comunidades afetivas o direito a se-
rem o que são: famílias homossexuais, com identidade e indivi-
dualidade próprias.
Oportuna a lição de ROGER RAUPP RIOS: 418 “ao invés de
se procurar no respectivo capítulo da Ordem Social, que trata
da família, um rol exemplificativo ou taxativo de espécies de
comunidades familiares, importa perguntar-se quais os princípios
diretivos ali presentes, cuja concretização poderá fornecer uma
resposta para o problema ora estudado”.
Sempre oportuno recordar, em resumo, que o Direito exis-
te para a sociedade, moldando-se às suas necessidades e não o
inverso. Cabe à jurisprudência o reconhecimento formal, embo-
ra casuístico, desta espécie de família, que, longe de ser nova,
tem o direito de sair da marginalidade, exigindo não só decisões
que a reconheçam, como ainda legislação que a incorpore ao sis-
tema jurídico.
Países como Dinamarca, Suécia e Noruega dispõem de leis
prevendo e regulando estas uniões. Em nosso país, temos o Pro-
jeto de Lei nº 1.151/95, de autoria da ex-Deputada Federal Mar-
ta Suplicy, ainda não apreciado pelo Congresso Nacional, o qual
pretende instituir a parceria civil, primeira iniciativa no senti-
do de sensibilizar nossos legisladores para problema que aflige
não só os que o vivenciam, como ainda aqueles que militam no
dia-a-dia das Varas de Família.

Convivência pública, contínua e duradoura — Manteve o


legislador do novo Código requisitos já presentes no artigo 1º
da Lei 9.278/96, no que andou bem, pois consolidou um longo
trabalho jurisprudencial de formação conceitual da união está-
vel.
Ao exigir tão-somente convivência pública, contínua e du-
radoura, não afastou o reconhecimento de outras característi-
cas importantes, também levadas em conta, principalmente no
momento da prova da união estável. Pode-se citar a convivência
more uxorio e a existência de filhos que, por si só, não induzem
o reconhecimento da união estável, mas somados aos demais ele-
mentos são fatores ponderáveis na caracterização desta.

418 Ob. cit., nota 8, p. 119.


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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Quanto ao aspecto temporal, não se exige prazo mínimo de


convivência para união estável, ao contrário do previsto no arti-
go 1º da Lei 8.971/94, já revogado. Importante que este prazo
seja livre, pois cada união tem sua própria história. Limitar seu
reconhecimento a um certo número de anos seria como diminuir
a efetividade da tutela constitucional.
Ainda assim, apenas como parâmetro, tem sido utilizado o
prazo de cinco anos de união para caracterizá-la como estável, o
que, por certo, não inviabiliza o reconhecimento de uniões com
prazos menores, mas nem por isso menos estáveis.

Objetivo de constituir família — Aqui reside o elemento


anímico, sem o qual, ainda que presentes os requisitos objeti-
vos, não se poderia reconhecer a união estável.
GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA elenca dois
requisitos subjetivos, quais sejam: convivência more uxorio e a
affectio maritalis, ou seja, o animus de constituir família. 419
Nosso legislador, contudo, só exigiu este último, ainda que a
convivência more uxorio também deva ser levada em conta como
auxiliar na prova da affectio maritalis.
Esta, na definição do prefalado autor, representaria “o ele-
mento volitivo, a intenção dos companheiros de se unirem, cer-
cados de sentimentos nobres, desinteressados, com pureza
d’alma, congregando amor, afeição, solidariedade, carinho, res-
peito, compreensão, enfim, o germe e o alimento indispensáveis,
respectivamente, à constituição e mantença da família”. 420
Como todo componente ligado ao psiquismo, sua verifica-
ção depende da prova de elementos externos, objetivos, concre-
tos, sem a qual, dificilmente conseguiremos alcançar o verda-
deiro querer dos agentes.

§ 1º. A união estável não se constituirá se ocor-


rerem os impedimentos do art. 1.521; não se apli-
cando a incidência do inciso VI no caso de a
pessoa casada se achar separada de fato ou ju-
dicialmente.
Direito anterior: Não há previsão.

419 Ob.cit., nota 5, p. 171.


420 Idem, p. 174.
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437
○ ○

O presente parágrafo é inovação que já encontrava res-


paldo na doutrina especializada no tema. Podemos dividir sua
análise em duas partes: a primeira, referente aos impedimentos
para constituição da união estável e a segunda alusiva à famí-
lia estável formada por convivente(s) separado de fato ou por
decisão judicial.

Dos impedimentos — A lei anterior era omissa acerca de


eventuais impedimentos para constituição da união estável.
Analisava-se a possibilidade da aplicação analógica dos impe-
dimentos matrimoniais também para esta nova família. Caso
admitida, aplicar-se-iam todos os impedimentos (dirimentes
públicos, privados e impedientes) ou cada qual deveria ser ana-
lisado de per si, verificando sua adequação à realidade própria
da união estável?
A nova lei pacifica a divergência doutrinária e juris-
prudencial. Ainda que tenhamos espécies distintas de família
— matrimonial e estável —, com regras próprias e autônomas,
percebe-se que, em alguns pontos, o legislador do novo Código
as aproximou, impondo o mesmo tratamento. É o que verifica-
mos em matéria de impedimentos matrimoniais.
Não poderia ser diferente, já que o próprio texto constitu-
cional elegeu a família matrimonializada como a ideal — o que
é objeto de algumas críticas — a ponto de determinar a facilita-
ção da conversão da união estável em casamento. Ou seja, se a
união estável poderá ser convertida em casamento, só poderão
ser consideradas estáveis as uniões onde não exista impedimento
para o enlace matrimonial. A ressalva é feita pelo próprio texto,
ao excluir a incidência do inciso VI em relação às uniões está-
veis, o que permite aos separados — de fato e judicialmente —
serem incluídos nesta classe familiar.
Em suma, a exigência de se respeitar em sede de união
estável os impedimentos para o casamento cumpre a função de
preparar esta última para um futuro matrimônio. Seria, na fe-
liz expressão de LUIZ EDSON FACHIN, a véspera do acesso ao
casamento. 421

Dos separados – de fato ou judicialmente — Tiveram dife-


rentes tratamentos os separados de fato dos judicialmente sepa-

421 Luiz Edson Fachin. Elementos Críticos do Direito de Família. Rio de


Janeiro: Renovar, 1999, p. 63.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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rados. Estes, desde o início, receberam a tutela constitucional


conferida à nova entidade familiar. Aqueles, foram rechaçados
do sistema protetivo da união estável, conforme redação
excludente do já revogado art. 1º da Lei 8.971/94.
Penitenciando-se da retrógrada posição, o legislador de
1996 recuperou o conceito de união estável há muito defendido
pela doutrina e jurisprudência, não mais exigindo requisitos ob-
jetivos para configuração desta espécie de família. 422
O NCC manteve este posicionamento ao não aplicar o inciso
VI do art. 1.521 à união estável.

§2º As causas suspensivas do art. 1.523 não im-


pedirão a caracterização da união estável.
Direito anterior: Não há previsão.

Ainda que em alguns pontos a união estável receba o mes-


mo tratamento que a família matrimonial, como, por exemplo,
na aplicação dos impedimentos para o casamento, o mesmo não
ocorre com as causas suspensivas, indiferentes na caracteriza-
ção da família estável.

Art. 1.724. As relações pessoais entre os com-


panheiros obedecerão aos deveres de lealdade,
respeito e assistência e de guarda, sustento e
educação dos filhos.
Direito anterior: Art. 2º da Lei 9.278/96.

O “estado de companheirismo” não se limita a criar os de-


veres buscados pelos companheiros, mas também os impostos
pelo regramento legislativo. Aproximam-se as famílias matri-
monial e estável, no que diz respeito aos efeitos pessoais das
duas entidades.

422 Lei 8.971/94 — Art. 1º A companheira comprovada de um homem sol-


teiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele viva
há mais de 5 (cinco) anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do
disposto na Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não consti-
tuir nova união e desde que prove a necessidade.
Lei 9.278/96 — Art. 1º É reconhecida como entidade familiar a convi-
vência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher,
estabelecida com objetivo de constituição de família.
Título III — Da União Estável
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439
○ ○

O direito anterior já estabelecia deveres recíprocos, numa


similitude com o artigo 231 do Código Civil, excepcionada a coa-
bitação. Mutatis mutandis, os deveres foram mantidos, ressal-
tando-se a lealdade e o respeito como substitutos da fidelidade
conjugal.

Ainda que análogos os deveres, se violados estes, o trata-


mento que se lhes dá é diverso.

Em sede matrimonial, a violação dos deveres conjugais


enseja pedido de separação judicial litigiosa, conforme artigo
1.572 do NCC, servindo, em alguns casos, para caracterizar a
impossibilidade da comunhão de vida onde algumas hipóteses
são enunciadas pelo artigo 1.573 do novo diploma.

No que toca à união estável, a quebra dos deveres não im-


porta em qualquer sanção. Poderá levar à dissolução ou à ma-
nutenção da família estável, a depender exclusivamente do que-
rer dos companheiros.

Oportuna a lição de MARCO AURÉLIO S. VIANNA: “o ca-


samento pode ser atacado, mediante ação de separação judicial,
mas a união estável não se altera pelo não cumprimento de qual-
quer daqueles direitos / deveres. É permitido dissolver a união
estável sem noção de culpa, pela simples vontade dos conviven-
tes, ou de um deles, com efeitos patrimoniais definidos. Não é
preciso sequer declinar a causa que leva um dos conviventes a
pedir judicialmente a dissolução”. 423

Talvez se tenha, aqui, um dos motivos pelos quais se opta


pelo não-casamento. Segundo RODRIGO DA CUNHA PEREI-
RA, “objetivamente, podemos apontar como principal conseqüên-
cia, ou efeito jurídico desse tipo de casamento, a liberdade de
rompimento da relação. A união estável pode ser dissolvida li-
vremente, sem qualquer justificação e independentemente de
processo judicial”. 424

423 Marco Aurélio S. Vianna — Da união estável — São Paulo: Saraiva,


1999, p. 32.
424 Rodrigo da Cunha Pereira — Concubinato e União Estável — Belo
Horizonte: Del-Rey, 2001, p. 48.
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Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato es-


crito entre os companheiros, aplica-se às rela-
ções patrimoniais, no que couber, o regime da
comunhão parcial de bens.
Direito anterior: Art. 5º da Lei 9.278/96.

A previsão de regime de bens para os companheiros coroa


a trajetória da conjugação de esforços dentro do núcleo de afeto
iniciada com o reconhecimento jurisprudencial da família está-
vel como sociedade de fato, cujo ponto alto foi a Súmula 380 do
STF.
À Constituição da República coube retirar o instituto do
campo obrigacional, transferindo-o para o campo familiar. Ao
legislador especial coube presumir o esforço comum dos compa-
nheiros na formação patrimonial durante a união estável.
Por fim, chega-se ao NCC que afastou a presunção do arti-
go 5º da Lei 9.278, para conceder aos companheiros um regime
legal de bens, assemelhando a união estável ao casamento.
O que, portanto, mudará? A partir da entrada em vigor da
nova lei, não mais se admitirá a prova de que não houve contri-
buição da companheira(o) na formação do patrimônio constituí-
do durante a constância da união estável. O único ônus será a
comprovação da existência desta união, seu termo inicial e o
patrimônio efetivamente adquirido durante este período. Feita
tal prova e dissolvida a união cada companheiro terá direito à
sua meação.
Esta regra é excepcionada em caso de celebração de con-
trato escrito entre os companheiros, no qual terão estes plena
liberdade para disporem acerca dos efeitos patrimoniais da união.
Seria este contrato similar ao pacto antenupcial? Em sua
finalidade, sim. De resto, possui características próprias.
Não sendo estabelecida forma para o contrato, este segui-
rá a regra da liberdade de forma, podendo ser celebrado por es-
critura pública ou documento particular.
Também não se impõe a unicidade do pacto, não havendo,
ao que parece, restrição a uma pluralidade de contratos. Podem
os companheiros, por exemplo, estabelecer no pacto um regime
da comunhão de bens para os imóveis que vierem a ser adquiri-
dos durante a união, nada impedindo que o pactuado venha a
ser excepcionado por outro contrato de mesma natureza quanto
Título III — Da União Estável
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441
○ ○

a um imóvel determinado que tenha sido adquirido apenas por


um dos companheiros.
Nem se argumente que se estaria garantindo mais direitos
aos companheiros que aos casados, pois estes estariam sob a égide
do princípio da imutabilidade do regime. Se hoje esta situação
admite discussão, com a entrada em vigor do NCC não mais o
será, pois a nova lei cuidou de excepcioná-lo no § 2º do artigo
1.639. Acresça-se que se trata de um contrato e, portanto, apli-
cável o princípio da autonomia da vontade das partes, gozando
a família estável de maior liberdade na formação das regras
patrimoniais. Esta seria mais uma “vantagem” da “família in-
formal” em contraste com a “família solene”.
Alguma perplexidade poderá surgir em razão de uniões es-
táveis sucessivas, com formação patrimonial. Cada qual gerará
seus próprios efeitos, sejam pessoais ou patrimoniais, e a solu-
ção para que não haja confusão da massa patrimonial oriunda
de cada união será encontrada no campo probatório.
Para a hipótese, imprescindível será o estabelecimento dos
termos a quo e ad quem do estado de companheirismo, o que, na
prática, nem sempre é fácil.

Art. 1.726. A união estável poderá converter-se


em casamento, mediante pedido dos companhei-
ros ao juiz e assento no Registro Civil.
Direito anterior: Art. 8º da Lei 9.278/96.

A norma visa a cumprir a determinação final do art. 226, §


3º, da Carta Constitucional. O legislador do NCC alterou o siste-
ma de conversão administrativa adotado na Lei 9.278/96, cujo
requerimento era dirigido ao oficial do Cartório do Registro Ci-
vil e a cada Estado cabia regular este proceder. 425
Com a nova redação passa-se a adotar o modelo judicial de
conversão, que, em comparação com a norma anterior, parece
tê-la dificultado, fato que levou RODRIGO DA CUNHA PEREI-
RA a defender a inconstitucionalidade do art. 1.726. 426

425 Provimento 20/00 da Corregedoria de Justiça do Tribunal de Justiça


do Estado do Rio de Janeiro.
426 Rodrigo da Cunha Pereira — Direito de família e o novo código civil
— Belo Horizonte: Del-Rey, 2001, p. 217.
442
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Não parece clara a alegada inconstitucionalidade. Seja pelo


modelo antigo de conversão, onde o requerimento era feito ao
oficial, seja pelo novo modelo, onde os companheiros recorrerão
à jurisdição voluntária para obterem a conversão, suprime-se a
celebração do casamento, o que, de certa forma, é considerado
um acanhado “facilitador” da transformação familiar.
Considerando nossa realidade forense — poucos magistra-
dos, procedimentos lentos e inchaços das serventias — a reda-
ção da nova lei representou retrocesso, com aumento da deman-
da judicial. Como explicação tenhamos talvez o fato de a habili-
tação de casamento também ser judicial, com a homologação do
pedido pelo Juiz. Exigir o mesmo proceder para a conversão da
união estável seria manter uma coerência com a primeira fase
do ato jurídico solene casamento.
A nova lei não soluciona algumas questões que continua-
rão em aberto: os efeitos da conversão serão retroativos ao iní-
cio da união estável, ou serão ex nunc? Se retroativos, o regime
de bens escolhido pelos companheiros para reger os efeitos
patrimoniais do casamento revogaria eventual pacto de convi-
vência contrário firmado durante a união estável? Caso admiti-
da a retroatividade do regime, como ficariam as relações jurídi-
cas patrimoniais firmadas com terceiros?
Caberá mais uma vez à jurisprudência interpretar a nor-
ma pro forma, a qual nada acrescentou ao direito em vigor, cum-
prindo apenas o papel de trazer para o NCC a determinação
constitucional contida no parágrafo 3º, fine, do art. 226.

Art. 1.727. As relações não eventuais entre o ho-


mem e a mulher, impedidos de casar, constitu-
em concubinato.
Direito anterior: Não há previsão.

É norma excludente de relações que não podem ser quali-


ficadas como estáveis, seja porque esvaziariam a tutela já
conferida a outras entidades familiares, seja porque não seriam
verdadeiras famílias.
A finalidade foi distinguir companheiros de concubinos:
aqueles, solteiros, viúvos, divorciados, separados de fato ou ju-
dicialmente, que estabelecem relação pública, contínua e dura-
doura com intenção de formar família; concubinos, os que
vivenciam situação marginal ao casamento ou mesmo à união
estável, desprovidos de proteção.
Título III — Da União Estável
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443
○ ○

J. FRANKLIN ALVES FELIPE acentua que “o concubinato


mantido com uma família dupla, de conhecimento de ambos a
existência de outra legítima ou mesmo concubinária, não pode
receber as benesses legais (RT 649/52), seja no campo da parti-
lha de bens (exceto se, concretamente, a parte que se diz prejudi-
cada, demonstrar desconhecimento da outra família) seja no
campo da indenização por serviços prestados. É que afronta a
moral média da população este tipo de comportamento, que vio-
lenta a própria entidade familiar, não podendo ser beneficiado
quem faz de sua vida uma forma de colecionar conquistas e dela
tirar proveito: um Casanova (...) não se pode atribuir efeito jurí-
dico a uma relação concubinária estabelecida ante impedimen-
to incontornável para o matrimônio entre companheiros. Se a
autora, conhecendo o impedimento, não obstante manteve liga-
ção amorosa com o falecido, incorreu no risco de ficar à margem
da mínima tutela jurídica, não se aplicando ao caso o princípio
que veda enriquecimento ilícito à custa da pobreza alheia. A
manutenção, ao lado da família, de outra, espúria, configura
forma de ligação concubinária não sancionável juridicamente,
pois aí se trata de verdadeira concubinagem”. 427
Em síntese, só se faz objeto da tutela constitucional a união
pura, “em que presentes os atributos necessários à produção de
efeitos conforme os estabelecidos para fins do art. 226, § 3º, da
CF”. 428 A união impura, denominada concubinato, é desprovida
de proteção, assumindo aqueles que decidem viver esta espécie
de relação a responsabilidade por seus atos, sem possibilidade
de invocar proteção legal.
A análise do capítulo relativo à união estável nos leva a
refletir sobre qual seria a fisionomia desta família.
Em alguns pontos, aproxima-se da família matrimonial,
durante séculos base única de nossa sociedade, e que goza de
injustificável, mas compreensível preferência constitucional
como reminiscência de uma sociedade preconceituosa que acei-
ta a família estável desde que tenha oportunidade de se “redimir
do pecado” com a possibilidade de conversão em casamento.
Noutros pontos vislumbra-se uma distância proposital
entre as duas entidades familiares, mantendo-se, de certa for-
ma, um dos atrativos da família estável: sua informalidade, traço

427 J. Franklin Alves Felipe. Adoção, guarda, investigação de paternidade


e concubinato. 7. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 100.
428 Ob. cit, nota 12 , p. 41.
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de liberdade almejada por muitos dos que optam por esta forma
de relação afetiva.
A família estável, porém, foi esquecida nos demais livros
que formam o NCC. Em institutos como emancipação e prescri-
ção, a família estável foi ignorada, mantendo-se à margem da
sistematização jurídica. No Direito Sucessório foi completamente
discriminada, o que já tem dado margem a severas e robustas
críticas. Em suma, sua trajetória sempre foi amoldada pela ju-
risprudência, com o sempre presente e indispensável auxílio da
doutrina. Seu caminhar é lento, mas seguro. É caminho sem
volta.
Capítulo I — Da Tutela
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TÍTULO IV
DA TUTELA E DA CURATELA
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Capítulo I — Da Tutela
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Capítulo I
DA TUTELA
Heloisa Maria Daltro Leite
Procuradora de Justiça Titular da 4ª Procuradoria de Justiça junto à 12ª
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

Seção I
Dos tutores
Art. 1.728. Os filhos menores são postos em tutela:
I — com o falecimento dos pais, ou sendo estes jul-
gados ausentes;
II — em caso de os pais decaírem do poder familiar.
Direito anterior: Art. 406 do Código Civil.

O instituto da tutela não sofreu, na roupagem que lhe con-


feriu o ordenamento jurídico civil recém-editado, transformações
capazes de lhe alterar a substância, merecendo destaque, po-
rém, algumas novas figuras (poder familiar e protutor) que se-
rão abordadas a seu tempo.
Segundo Pontes de Miranda, “tutela é o poder conferido
pela Lei, ou segundo princípios seus, à pessoa capaz, para pro-
teger a pessoa e reger os bens de menores que estão fora do
pátrio poder”. 429
Merece transcrição, também, definição de Clóvis Bevilaqua
ao lecionar que a “tutela é encargo civil, conferido a alguém pela
lei, ou em virtude de suas disposições, para que administre os
bens, proteja e dirija a pessoa do menor que não se acha sob a
autoridade de seu pai ou de sua mãe”. 430

429 Tratado de Direito de Família, Vol. III, Ed. Bookmaker, 2001, ed. atuali-
zada por Vilson R. Alves, p. 303.
430 Apud “Direito da Criança e do Adolescente, Tânia da Silva Pereira,
Ed. 1996, p. 246.
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Mera leitura destas duas tradicionais definições do insti-


tuto da tutela permite perceber que, preteritamente, ao
conceituar-se tutela, a ênfase repousava na pessoa capaz que
desempenharia o encargo de tutor, fato demonstrado, inclusive,
na redação adotada pelos Mestres, sempre iniciada pela figura
do maior, capaz que assumiria o munus.
O decurso do tempo e as discussões que se desenvolveram
durante o século recém-findo produziram, todavia, textos inter-
nacionais que reconhecem a importância da criança e do ado-
lescente, em relação à das pessoas capazes, como seres em for-
mação.
Neste sentido, cronologicamente, temos a Declaração de
Genebra (1924) que concluiu pela necessidade de proporcionar
à criança proteção especial, a Declaração Nacional dos Direitos
Humanos das Nações Unidas (1948), que garante o direito a cui-
dados e assistência especiais à infância e a Convenção Ameri-
cana de Direitos Humanos, que prevê que “todas as crianças
têm direito às medidas de proteção que a condição de menor
requer, por parte da família, da sociedade e do Estado (art. 19)”,
texto ratificado pelo Brasil e confirmado na edição do Estatuto
da Criança e do Adolescente.
Assim, nas últimas décadas, houve uma reengenharia no
instituto da tutela, na esteira da transformação da estrutura
familiar, da sociedade como ente organizado, tendo sempre por
escopo a proteção integral da criança e do adolescente a ela sub-
metida.
Em exposição sobre o conceito de tutela, dispõe José Luiz
Mônaco da Silva, Promotor de Justiça do Estado de São Paulo:
“Para nós, a tutela é, a exemplo do pátrio poder, um instituto de
caráter nitidamente protetivo, idealizado com o inescondível
propósito, único aliás, de resguardar a pessoa e os bens de me-
nores de 21 anos, desprovidos de representação legal”. 431
Deste modo, a tutela no Novo Código Civil permanece, como
antes afirmado, com idêntica roupagem jurídica, muito similar
ao texto do dispositivo legal de 1916. A diferença repousa, de-
corrido quase um século da edição do Código anterior, na ênfase
à proteção do menor, à formação integral deste, à garantia de
seu direito de participar de família substituta como se sua fosse,
ainda que não parental.

431 A Família Substituta no Estatuto da Criança e do Adolescente, Ed.


Saraiva, 1995, p. 66.
Capítulo I — Da Tutela
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○ ○

Tutela, assim, permanece sendo o instituto que objetiva pro-


teger e cuidar de menor não submetido ao poder familiar, quer
em função da morte ou ausência dos pais, quer em razão da de-
cretação da perda ou suspensão do poder familiar em procedi-
mento judicial próprio ou em decorrência de cumprimento de
pena, 432 nomeando-se pessoa capaz, que possa dirigir-lhe a vida,
administrar-lhe os bens, pugnar por seus direitos.

Art. 1.729. O direito de nomear tutor compete aos


pais, em conjunto.
Parágrafo único. A nomeação deve constar de
testamento ou de qualquer outro documento au-
têntico.
Direito anterior: Art. 407 do Código Civil.

Trata este dispositivo da denominada tutela testamentá-


ria.
Em relação ao Código de 1916, foram os avós do menor
excluídos da possibilidade de nomear tutor, restando-a apenas
aos pais.
Presume o legislador que estes últimos, em razão do amor
natural que em si trazem, decidirão o melhor para seus filhos,
buscando indicar para o desempenho do munus pessoa capaz de
proteger, amar, cuidar das crianças ou adolescentes como se pais
fossem, dando continuidade ao carinho e à proteção que aquele
que nomeia, pai ou mãe, dedica aos seus amados.
Importante ressaltar, todavia, que o atual legislador im-
pôs a ambos, pai e mãe, conjuntamente, a nomeação de tutor a
seus filhos, suprimindo a possibilidade, consagrada na lei ante-
rior, de inicialmente caber ao pai e, sucessivamente, à mãe a
instituição de tutor de seu agrado. A decisão, assim, deverá ser
adotada por ambos, de comum acordo.
Natural que assim fosse.
Relata o Professor Ricardo Pereira Lira, traçando peque-
no histórico da família brasileira até a Constituição de 1988:
“O Código, em matéria de família, não consagrou um po-
der marital, mas, ainda assim, entregou ao cônjuge varão a che-
fia monocrática da sociedade conjugal. Considerou a mulher ca-

432 Art. 1.638, art. 1.637, parágrafo único, ambos do Novo Código Civil.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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sada relativamente incapaz. (...) Ela só exercia o pátrio poder


na falta do pai.
A Lei 4.121, de 1962 (Estatuto Civil da Mulher Casada),
iniciou um processo de democratização da sociedade conjugal,
eliminando algumas discriminações existentes contra o cônjuge
mulher no casamento. Paralelamente, por outro lado, foi sendo
humanizada a situação dos filhos. O processo iniciado com a
mencionada lei desaguou afinal na Constituição de 1988, mar-
co legislativo da família contemporânea”. 433

Assim, restou estabelecido, hodiernamente, o novo insti-


tuto do poder familiar (em substituição ao anterior pátrio po-
der), exercido conjuntamente por ambos os cônjuges, não mais
havendo razão para manutenção da ordem legal preteritamente
estabelecida.
Se por morte, ausência ou decretação de suspensão ou per-
da do poder familiar, falta à família um dos pais, ao outro, ne-
cessariamente, caberá sua administração, inclusive no que diz
respeito aos filhos menores comuns. Nesta última hipótese (sus-
pensão ou perda de poder familiar), inclusive, cabe a nomeação
através de manifestação de última vontade exclusivamente por
aquele (mãe ou pai) que detém o poder familiar, interpretação
que se alcança por extensão do disposto no art. 1.730, não de-
vendo prevalecer a determinação legal da nomeação em conjun-
to, constante da parte final do dispositivo legal comentado.
É incontestável que o legislador, ao referir-se a “pais” no
artigo 1.729, refere-se àqueles que estão no exercício do poder
familiar.
Conquanto a decretação da suspensão ou perda do poder
familiar não retire do ascendente a qualidade de mãe ou pai
biológico, certo que tal qualidade os acompanhará em qualquer
circunstância (mesmo diante do descumprimento de seus deve-
res ou nas demais hipóteses previstas no art. 1.638 e 1.637, pa-
rágrafo único do Novo Código Civil) e não mais poderão tanto o
pai quanto a mãe, exercer os direitos decorrentes do poder fa-
miliar, entre eles o previsto neste artigo, de nomeação de tutor
a seus filhos.

433 Breve estudo sobre as entidades familiares in A Nova Família: Pro-


blemas e Perspectivas, Ed. Renovar, 1997, p. 29.
Capítulo I — Da Tutela
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Na hipótese de tratar-se de testamento, necessário será que


haja expressa concordância daquele que não testou, pai ou mãe,
sob pena de não prevalecer a verba testamentária ou o docu-
mento autêntico no qual foi instituído o tutor, devendo este,
quanto a tal parte, ser declarado nulo. Mais ainda, em caso de
declaração de nulidade do testamento, se a manifestação de von-
tade quanto à tutela nele contida não for atacada pela nulida-
de, deve a indicação prevalecer para o fim de ser a pessoa insti-
tuída tutora nomeada para o desempenho do encargo.
Neste sentido, lição de Caio Mário da Silva Pereira: “Se a
nulidade é por defeito formal, o testamento não pode produzir
conseqüências jurídicas ligadas ao ato de última vontade. Se
contém um reconhecimento, este, entretanto, é eficaz, aprovei-
tando-se o ato naquela característica”. 434
Ademais, a instituição de tutor testamentário, seja atra-
vés de manifestação dos pais, em conjunto ou de apenas um de-
les, é negócio jurídico unilateral (não depende de aceitação da
outra parte, podendo o tutor apenas escusar-se do encargo),
revogável a qualquer tempo.
O dies a quo para o exercício regular da tutela testamen-
tária, por parte do tutor designado é o da intimação deste do
despacho que determina o cumprimento do testamento. Em tal
oportunidade, será pois intimado 435 o tutor indicado para dizer
se aceita o munus ou alegar uma das razões de escusa previstas
no art. 1.736 da Nova Lei Substantiva. Tratando-se de docu-
mento autêntico, inicia-se o exercício do encargo a partir do dia
em que se trouxer ao conhecimento público sua existência, legi-
timando, assim, o tutor indicado.
Na prática, sucederá que o tutor instituído através de do-
cumento autêntico necessitará de termo judicial para represen-
tar o menor, o que o obrigará a vir a Juízo. Ainda assim, a au-
sência da formalidade do termo não torna ineficazes os atos pra-
ticados por tutor que passa a exercer a tutela a ele concedida
pelo referido documento, nos limites do art. 1.747 da Nova Lei
Substantiva, imediatamente após a morte ou ausência declara-
da dos pais do menor.
Importante, também, definir-se, do ponto de vista jurídi-
co, o que se conceitua por documento autêntico. Deve ele aten-

434 Reconhecimento da paternidade e seus efeitos. Ed. Forense, 1993, p.


71.
435 Art. 1.187, III, do Código de Processo Civil.
452
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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der aos requisitos e pressupostos impostos aos atos jurídicos per-


feitos, preservando a fidedignidade em relação à manifestação
de vontade dos pais do menor.
Não importa a forma e o meio por que venha a ser expres-
sa a manifestação de vontade. Os modernos meios de comunica-
ção, inclusive com corriqueira utilização da informática, admi-
tem que haja documento não impresso, apenas gravado. Pode-
rá, por exemplo, pai ou mãe em estado terminal, através de gra-
vação em memória de computador, acessível somente através
de senha de seu conhecimento exclusivo, nomear tutor ao filho.
Caberá ao Juízo, através das modernas técnicas periciais, de-
clarar a autenticidade daquela manifestação de vontade, não
expressa através de tradicional documento, mas tão autêntica
quanto aquela formalizada através de escritura particular im-
pressa e firmada pelo declarante.
Por fim, discute-se a possibilidade de nomeação de mais
de um tutor, sendo a hipótese mais comum enfrentada nos Tri-
bunais aquela referente a um casal de tutores indicados pelos
pais do menor.
A corrente majoritária interpreta a manifestação de von-
tade como sendo de nomeação sucessiva, não admitindo assu-
mam duas pessoas tutela da mesma criança, adolescente ou gru-
po de irmãos simultaneamente.
Em princípio, afigura-se-nos juridicamente sustentável tal
interpretação. Em tese, melhor que o menor tenha um só tutor,
responsável por sua formação, orientação, garantidor de seus
direitos e administrador de seus bens.
Ocorre, todavia, que a prática tem demonstrado que a vida
não é tão simples. Há, no âmbito da justiça comum, casos mais
corriqueiros do que se pode imaginar, nos quais os pais, através
de manifestação de última vontade, indicam um casal para o
exercício da tutela por entenderem, obviamente, que a decisão
é a que melhor atende à necessidade de seus filhos. Admitir que
o Juiz de Direito, no caso concreto, nomeie sucessivamente os
integrantes do casal indicado, por entender que a Lei utiliza o
termo “tutor” no singular, é desrespeitar a manifestação de úl-
tima vontade dos pais. Quem melhor que os próprios pais para
avaliar o que seja mais adequado para seus filhos?
Em um casal é comum a mulher cuidar dos afazeres liga-
dos diretamente ao dia-a-dia do menor (matriculá-lo na escola,
levá-lo ao médico...), cabendo ao homem sua representação ofi-
cial (inclusão em plano de saúde, autorização para viajar, re-
Capítulo I — Da Tutela
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presentação judicial). Para ambos é necessária a tutela formal-


mente concedida.
O que ocorrerá se a criança ou adolescente está inserido
em sua família natural, composta por pai, mãe e filhos, e não
em família substituta? Ambos os pais exercem, concomitan-
temente, o poder familiar e, havendo divergência quanto à ad-
ministração dos bens, aplica-se o disposto no art. 1.690, pará-
grafo único, utilizando-se, quanto à pessoa do filho, a previsão
do parágrafo único do art. 1.631, ambos do Novo Código Civil.
Igual solução se adotará se a tutela for deferida a casal.
Havendo divergência na condução da educação do tutelado ou
na administração de seus bens, poderão os tutores recorrer à
via judicial para, com fulcro nos mesmos artigos, aplicados ana-
logicamente, buscarem a solução necessária.
Assim, não há oposição, inclusive legal (a lei não exclui a
hipótese expressamente, havendo mesmo referência a “tutores”,
no plural, no artigo 1.768, I, do Novo Código Civil), que a tutela
seja exercida por casal (desde que viva more uxorio), fator que
só contribuirá para minimizar situação de eventual problema
ou dificuldade da criança ou adolescente desatendido por seus
pais naturais, seja pela morte ou ausência, seja pela destituição
de pátrio poder.
Cabe transcrição de comentário do Promotor de Justiça
José Luiz Mônaco da Silva, seguramente formado a partir do
desempenho de suas atribuições institucionais na defesa
diuturna da criança e do adolescente: “Tudo gravitará em torno
dos interesses do menor. Assim, se autoridade judiciária enten-
der, à vista dos elementos probatórios existentes nos autos, que
a nomeação de duas pessoas representará solução mais adequa-
da e eficaz ao pleno exercício da tutela, deverá agir dessa ma-
neira, sem levar em conta a existência de posições doutrinárias
em sentido contrário. Acresce sublinhar que o bem-estar do
menor suplantará qualquer outro interesse juridicamente tute-
lado”. 436
Aplicando o Direito de modo mais favorável ao menor, es-
tar-se-á dando cumprimento à doutrina da “proteção integral
da criança e adolescente”, amparada pelo Estatuto da Criança
e do Adolescente e ratificada pelo Brasil em 1992, ao vincular-
se ao “Pacto de San José”, fruto da Convenção Americana dos
Direitos Humanos.

436 Ob.cit., nota 431, p. 73.


454
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Cabível, também, tutela instituída sob condição pelos pais,


nada havendo na Lei que a impeça. Assim que, por exemplo, se
os pais designarem uma irmã mais velha do menor para o exer-
cício da tutela, mas condicionarem o dies a quo para tal exercí-
cio a término de curso superior, deverá o magistrado, respei-
tando a manifestação de última vontade dos pais, nomear tutor
legítimo ou dativo, até que a condição ocorra, assumindo a de-
signada, então, o munus.
Fundamental, nestas hipóteses de tutela sob condição ou
por tempo determinado (p. ex. Caio exercerá a tutela de Ticius
até que o menor complete 16 anos), que o Juiz leve em conta a
vontade dos pais dentro dos limites da doutrina da proteção in-
tegral, ou seja, a manifestação quanto à designação de tutor,
não sendo pura e simples, prevalecerá desde que não traga pre-
juízo ao menor.

Art. 1.730. É nula a nomeação de tutor pelo pai


ou pela mãe que, ao tempo de sua morte, não
tinha o poder familiar.
Direito anterior: Art. 408 do Código Civil.

Repete o legislador norma anteriormente prevista, alte-


rando-se a figura do pátrio poder pelo assim denominado poder
familiar.
O conceito de poder familiar repousa nas modificações
trazidas pela vida moderna à família.
Recentemente, do ponto de vista jurídico, a família se cons-
tituía e se formava através do casamento indissolúvel, tendo o
marido como chefe da sociedade conjugal, sobrepondo-se à mu-
lher e aos filhos, não colocando em primeiro plano a felicidade
de seus membros. O objetivo primordial era a manutenção do
vínculo, valendo até a exclusão dos filhos fora do casamento
gerados.
Hoje, de forma diversa, reconhece a Carta Magna a famí-
lia composta por somente dois membros (pai ou mãe e filho),
bem como aquela decorrente de união estável, 437 avançando na
conceituação antropológica e social de entidade familiar.
Orlando Gomes, citando o jurista francês Carbonnier,
elenca os seguintes princípios referentes à família moderna:

437 Constituição Federal, art. 226, §§ 3º e 4º.


Capítulo I — Da Tutela
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455
○ ○

“A estatização caracteriza-se pela crescente ingerência do


Estado nas relações familiares, por dois modos: substituindo a
família em numerosas e importantes funções, como a função
educativa e a função alimentar; controlando-a no exercício das
funções que conserva.
A retração observa-se na substituição da família patriar-
cal, existente apenas nos retratos de bodas de ouro, pela família
conjugal constituída de pai, mãe e filhos menores, com tendên-
cia a se transformar na família segmentar, a grande novidade
na evolução familiar, adiante conceituada.
A proletarização verifica-se pela mudança do caráter das
relações patrimoniais da família, determinante do desapareci-
mento de seu aspecto capitalista, ainda na classe média. O gru-
po doméstico deixou de ser entidade plutocrática para se fixar
em relações do tipo alimentar que se traduz em direitos e obri-
gações incidentes em salários ou rendimentos outros do traba-
lho.
A democratização revela-se na irresistível tendência para
transformar o casamento numa sociedade do tipo igualitário, e
a família numa companionship (Burgess), cujo processo em cur-
so acompanha o duplo movimento de emancipação da mulher e
do filho. Nesse grupo democratizado, os sentimentos evoluíram
e mudou a atitude psicológica.
Por desencarnação entende o mestre francês a substituição
em importância do elemento carnal ou biológico pelo elemento
psicológico ou afetivo e a conscientização de que, na formação
do homem, pesa mais a educação do que a hereditariedade. Mais
do que a voz do sangue, fala a coexistência pacífica, senão a
camaradagem.

Por último, a dessacralização do casamento, que o atinge


uma vez realizado e se consuma na facilidade com que se rompe
o vínculo, nos favores legais e jurisprudenciais ao concubinato e
na indistinção entre filhos legítimos e ilegítimos, inclusive os
adulterinos”. 438
Estas tendências evidenciam a radical alteração sofrida
pela estrutura familiar. No lugar da obediência cega, impõe-se
a respeitosa; em substituição ao poder absoluto do pai e mari-
do, a convivência pacífica, harmoniosa, baseada no amor decor-
rente dos relacionamentos parentais.

438 Curso de Direito Civil, Direito de Família, Ed. Saraiva, p. 1.


456
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Aliás, este o elemento que impõe semelhança entre a famí-


lia do início do século, contemporânea ao Código Civil de 1916 e
a atual, que orientou o legislador hodierno. A família moderna
passou a depositar suas relações na afeição estabelecida entre
seus membros, afastando definitivamente a hierarquia entre os
cônjuges ou conviventes e a desigualdade entre os filhos. Como
conclui o Deputado Ricardo Fiúza, autor do Relatório Prelimi-
nar submetido ao Senado Federal, antes da votação das emen-
das pela comissão especial da Câmara dos Deputados, “a
afetividade, o projeto de vida comum é a sua (da família) pró-
pria razão de ser”.
Assim, natural que o legislador, diante dos conceitos sociais
da família, adapte a nova lei à realidade, afastando o poder ma-
rital e o pátrio poder, substituindo-os pelo poder familiar,
objetivando a tutela do interesses do casal, dos filhos e da socie-
dade conjugal como um todo e no exercício dos direitos e deveres
a ela referentes.
O poder familiar, assim, impõe direitos e deveres aos pais
em relação a seus filhos, sendo certo que, tratando o artigo 1.730
da tutela testamentária, não se poderia admitir que aquele que
não detém o poder familiar, que dele esteja afastado em razão
de decretação judicial de sua perda, possa instituir tutor em fa-
vor de filho.
Quanto à suspensão do poder familiar, merece o texto le-
gal interpretação.
Há casos em que a suspensão decorre de maus-tratos, abu-
so de autoridade, destruição dos bens dos filhos (art. 1.637).
Nestas hipóteses, a suspensão fulcra-se no indevido exercício
do poder familiar. Há inegável e incontestável prejuízo ao me-
nor caso permaneça o pai, ou mãe, no exercício do poder fami-
liar, razão por que é dele afastado. Assim, a previsão legal do
caput do art. 1.637 está diretamente ligada ao tratamento dis-
pensado ao filho menor, cabendo a aplicação imediata do dis-
posto no art. 1.730.
Por outro lado, o parágrafo único do art. 1.637 dispõe que:
“Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao
pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude
de crime cuja pena exceda a 2 (dois) anos de prisão”.

Nestes casos, deve o julgador realizar prévia avaliação, de


molde a que se verifique se a condenação decorre da prática de
crime doloso cuja vítima tenha sido o filho menor. Se, por exem-
Capítulo I — Da Tutela
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457
○ ○

plo, um dos genitores é condenado pela prática do delito previs-


to no art. 133 do Código Penal (abandono de incapaz), cabe apli-
cação imediata e integral do disposto no art. 1.730 do Novo Có-
digo Civil.
Se, todavia, a condenação decorre de crime que não atin-
giu de alguma forma o filho menor, seus bens ou direitos, não
deve o Juiz, de forma peremptória, desconsiderar a indicação
do pai ou mãe suspenso do exercício do poder familiar. Isto por-
que a regra do parágrafo único do art. 1.637 visa a proteger a
criança ou adolescente durante o período de cumprimento de
pena pelo pai ou mãe, de maneira que possa o menor ter sua
vida diária administrada por terceiro, maior e capaz, apto para
fazê-lo.
Ora, excluídas as hipóteses do caput do art. 1.637 do Códi-
go Civil, não é justo ou mesmo razoável considerar-se que, tão-
somente por estar condenado por sentença irrecorrível em vir-
tude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão, o pai ou a
mãe perderam a capacidade de amar o filho e, conseqüentemen-
te, de buscar a melhor solução para a vida daquele, especial-
mente quando se trata de manifestação de última vontade.
Por estas razões, deve o aplicador do Direito, diante do
caso concreto, aceitar a indicação pelo genitor oferecida, verifi-
cando que a intenção do pai ou mãe é a de integral proteção do
filho, não obstante suspenso do exercício do poder familiar em
razão de condenação por sentença irrecorrível, em virtude de
crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.
Na mesma esteira de raciocínio, na hipótese de pai ou mãe
instituírem tutor e, após, vierem a perder ou terem suspenso o
exercício do poder familiar, tem-se que a designação é ineficaz,
nada impedindo que o Juiz a considere para avaliação de nomea-
ção de tutor dativo.

Art. 1.731. Em falta de tutor nomeado pelos pais


incumbe a tutela aos parentes consangüíneos
do menor, por esta ordem:
I — aos ascendentes, preferindo o de grau mais
próximo ao mais remoto;
II — aos colaterais até o terceiro grau, preferin-
do os mais próximos aos mais remotos, e, no
mesmo grau, os mais velhos aos mais moços;
em qualquer caso o juiz escolherá entre eles o
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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mais apto a exercer a tutela em benefício do me-


nor.
Direito anterior: Art. 409 do Código Civil.

Trata este dispositivo da denominada “tutela legítima”, ou


seja, aquela que é instituída pela Lei, na falta de manifestação
de última vontade dos pais.
O Novo Código Civil, com a modificação trazida a este dis-
positivo, normatizou situações já sedimentadas pela Jurispru-
dência e Doutrina, ratificando determinação já estabelecida no
Estatuto da Criança e do Adolescente.
Na verdade, de forma inteligente, confere caráter genérico
às classes (ascendentes e colaterais), fixou ordem de prioridade
relativa em cada uma delas (o mais próximo ao mais remoto, o
mais velho ao mais moço), definindo, na hipótese de dúvida, mais
uma vez, a situação em favor do menor (“o juiz escolherá entre
eles o mais apto a exercer a tutela do menor”).
Confirmou o novo texto legal princípio já estabelecido no
Código Civil anterior ao definir a ordem de nomeação do tutor
legítimo não propter spem succedendi, mas levando-se em con-
sideração a proximidade e o amor estabelecido entre tutor e tu-
telado, aplicando-se, assim, o moderno princípio do proter
naturalem amorem.
Aos parentes caberá a tutela legítima, devendo ser respei-
tada a preferência em favor dos afetivamente mais próximos da
criança ou adolescente, entre aqueles que tenham capacidade
para assumir o encargo, critério, aliás, já estabelecido no art.
28, § 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual, ine-
quivocamente, atenderá melhor aos anseios do tutelado.
Assim, a ordem do artigo 1.731 não é absoluta, devendo
ser recebida como flexível, meramente exemplificativa. Na ver-
dade, deve ser interpretada como mera orientação ao aplicador
do Direito. Este, aliás, reiterado posicionamento adotado pela
jurisprudência pátria ao decidir quanto à aplicação do art. 409
do Código Civil de 1916 (RT, 305:803; 320:185; 566:56), tendo a
2ª Turma do STF, no RE 8338, admitido a nomeação de terceiro
como tutor, sob cuja guarda de fato o menor se encontrava há
vários anos, em detrimento da avó que reivindicava a tutela em
juízo.
Merece transcrição ementa de alguns julgados recentes de
nossos Tribunais:
Capítulo I — Da Tutela
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○ ○

“Pátrio Poder — Pai que não reconhece imediatamente a


filiação, sendo evidente o desinteresse inicial pelo filho. Posterior
reconhecimento com evidente intuito de se prevalecer do pátrio
poder. Destituição decretada em primeiro grau. Tutela — ordem
de nomeação prevista no art. 409 do CC mera indicação, caben-
do ao Juiz escolher segundo o interesse do menor — 1. O pátrio
poder institui-se em benefício do filho e não para o privilégio do
pai. O desinteresse, manifestado pelo não reconhecimento ime-
diato da paternidade, induz abandono. 2. Na nomeação do au-
tor, preponderará o interesse do menor, constituindo mera indi-
cação a ordem preestabelecida, a qual pode ser alterada, desde
que motivadamente. (TJPR — AC 20.093-1 — 4ª C. Cível — Rel.
Des. Troiano Netto — 17.06.1992 — RJ 184/64)”;

“Julgamento antecipado da lide — admissibilidade — tute-


la — pretensão pela avó paterna — formalismo que é contrário
à prioridade de atendimento urgente da criança, regularizada
sua situação no ambiente familiar em que crescerá — possibili-
dade de inversão da ordem estabelecida pelo artigo 409 do Códi-
go Civil, se necessária ao interessado incapaz — Recurso não
provido. (TJSP — AC 159.315-1 — São Paulo — Rel. Des. Marcus
Andrade — J. 27.02.1992)”;
“Tutela — Pretensão da avó materna sobre as netas — In-
vocação da ordem prevista no artigo 409, I, do Código Civil —
Regra abrandada pelo artigo 28, § 2º, do Estatuto da Criança e
do Adolescente — Conveniência da criança com os tios, nomea-
dos para o encargo — solução adequada à situação existente
desde a morte dos pais — sentença mantida (TJSP — AC 27.776-0
— Piracicaba — Rel. Des. Lair Loureira — J. 26.10.1995)”.

Importante ainda frisar que, antes de nomear o tutor legí-


timo, se observada exclusivamente a ordem legal, deverá o juiz
verificar se não incide sobre ele algum motivo de incapacidade,
competindo ao magistrado julgador ainda avaliar a idoneidade,
como no caso da tutela dativa. Caso falte ao indicado qualquer
das condições para o exercício da tutela, deve ser preterido, pro-
movendo-se a avaliação sobre o imediatamente posterior na or-
dem de vocação.
Por fim, importante reconhecer que a situação econômica
do candidato à tutoria não pode constituir elemento definidor
da sua capacidade para o desempenho do munus, devendo sem-
pre ser preterida em favor de sua condição moral e da afetividade
que nutra pelo menor.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Art. 1.732. O juiz nomeará tutor idôneo e resi-


dente no domicílio do menor:
I — na falta de tutor testamentário ou legítimo;
II — quando estes forem excluídos ou escusa-
dos da tutela;
III — quando removidos por não idôneos o tu-
tor legítimo e o testamentário.
Direito anterior: Art. 410 do Código Civil.

Esta a terceira das espécies de tutela, denominada tutela


dativa. Sua incidência se dará sempre que, não havendo mani-
festação de última vontade dos pais, inexista parente interes-
sado em seu exercício ou, existindo, seja considerado incapaz
para assumir o encargo.
A decisão de escolha do tutor dativo é do magistrado, que
deverá sobre o assunto ouvir previamente o Ministério Público,
devendo recair sempre sobre pessoa idônea, capaz e residente
no domicílio do menor.
Merece destaque o requisito referente ao domicílio.
Pontes de Miranda leciona que a “exigência de ser o tutor
pessoa do lugar em que resida o menor, ou por melhor dizer, em
que residam seus pais, tem como fundamentos racionais: a) que
a sociedade, em que viviam os pais do menor, exerce, só por si,
séria fiscalização sobre o exercício da tutela; b) que os interesses
do menor devem ser os mesmos dos seus pais, e estão, portanto,
no lugar da residência, onde o tutor de fora não poderia, senão
dispendiosamente, exercer, a contento, a administração dos
bens.” 439
Respeitada a judiciosa lição, a vida moderna, nos médios e
grandes centros urbanos, tem descaracterizado o controle social
de que trata Pontes de Miranda na letra “a” supra-transcrita.
Excetuando-se as pequenas cidades do interior do Brasil, onde
a comunidade local ainda exerce algum compreensível tipo de
controle social sobre os cidadãos ali residentes e nas quais os
fatos ocorridos na Comarca corriqueiramente alcançam os “ou-
vidos” do magistrado e do Promotor de Justiça, não há como o
vizinho ou amigo dos pais falecidos manterem controle sobre o
tratamento dispensado pelo tutor ao pupilo, a não ser aquele
natural que qualquer cidadão exerceria caso fatos graves, rei-
terados e conhecidos ocorressem na relação entre ambos.

439 Ob.cit. nota 429, p. 333.


Capítulo I — Da Tutela
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○ ○

Quanto à segunda hipótese, mencionada no item “b”, tem-


se que grande parte dos pedidos de tutela que chegam ao Poder
Judiciário refere-se a crianças que não possuem, em sua imensa
maioria, qualquer patrimônio ou direito, quando muito, fazem
jus a percepção de módica quantia referente à pensão
previdenciária. Assim que, genericamente, também não se vis-
lumbram interesses de acentuada expressão econômico-finan-
ceira, que devam ser preservados no local de residência dos pais.
Estes argumentos, evidentemente, não afastam o ideal que
é manter-se o menor no local onde sempre viveu, entre os ami-
gos comuns, na escola que já freqüentava antes do afastamento
dos pais, no ambiente que domina com serenidade. Somente
assim, em tese, tentar-se-á minorar nos filhos as repercussões
negativas quando da perda dos pais. Devem ser considerados os
aspectos emocionais em jogo quando a família a que pertencia o
menor se desfaz, tendo-se por família até mesmo aquela com-
posta apenas pelo genitor e o filho.
Por estas razões, há casos em que a mudança de endereço
é benéfica para o menor, podendo ser citados como exemplo fa-
tos anteriores ao afastamento dos pais, traumáticos para os fi-
lhos, tais como maus-tratos e abuso sexual (no caso de perda do
poder familiar) ou convivência com doença grave e longa (no
caso de morte).
Nestas hipóteses, deverá o Juiz, se possível com apoio téc-
nico de psicólogos e assistentes sociais e verificando que a alte-
ração de domicílio não trará prejuízo ao menor, afastar o requi-
sito previsto no caput do art. 1.732 referente ao domicílio do
tutor dativo e nomear tutor que, não obstante com domicílio dis-
tante da cidade onde vive o menor, possa bem desempenhar o
munus, sempre em favor do tutelado, providenciando a mudan-
ça deste último para o local da residência de sua família substi-
tuta.

Art. 1.733. Aos irmãos órfãos dar-se-á um só tu-


tor.
§ 1º No caso de ser nomeado mais de um tutor
por disposição testamentária sem indicação de
precedência, entende-se que a tutela foi come-
tida ao primeiro, e que os outros lhe sucederão
pela ordem de nomeação, se ocorrer morte, in-
capacidade, escusa ou qualquer outro impedi-
mento.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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§ 2º Quem institui um menor herdeiro, ou lega-


tário seu, poderá nomear-lhe curador especial
para os bens deixados, ainda que o beneficiário
se encontre sob o poder familiar, ou tutela.
Direito anterior: Art. 411 do Código Civil.

O artigo comentado é simples reprodução do art. 411 do


Código Civil de 1916, com singela alteração de caráter
redacional, tanto semântico quanto jurídico, que não altera o
conteúdo do dispositivo revogado.
Nele busca o legislador manter juntos os irmãos que per-
dem seus pais. O objetivo encerra inquestionável razoabilidade.
A criança ou adolescente que sofrem a perda dos pais, quer pela
morte ou ausência, quer pela perda ou suspensão do poder fa-
miliar, não podem ser punidos outra vez mais, desta feita pelo
Estado, com a separação daqueles que continuam sendo sua úl-
tima referência da família natural, os irmãos.
Desse modo, deve o Juiz ter como fim, sempre que possí-
vel, a nomeação de um só tutor aos órfãos, de modo que o espíri-
to de família, como núcleo de desenvolvimento da personalida-
de das crianças e adolescentes, seja mantido, ao menos, através
da convivência entre os irmãos sangüíneos ou não.
A família moderna é, não raras vezes, em seu último está-
gio, fruto de diversas relações estáveis anteriores dos pais, sen-
do em nossa sociedade muito comum haver meios-irmãos, uns
originários de casamento anterior ou posterior da mãe, outros
de relação diversa do pai. Acresçam-se a esta entidade familiar
aqueles que, filhos do companheiro ou companheira de um dos
pais, são criados desde tenra idade como se irmãos fossem, man-
tendo com os participantes daquele núcleo familiar relações mais
estreitas do que as estabelecidas com parentes oriundos de vín-
culo de sangue.
Em tal hipótese, tão comum nas Varas de Família e de
Órfãos, o Promotor de Justiça bem como o Magistrado devem
atentar, com sensibilidade e apoiados em parecer técnico da
equipe interdisciplinar, para a melhor solução em favor dos “ir-
mãos”, não considerados estes somente aqueles filhos de um
mesmo pai ou mesma mãe. O caput do artigo, dentro do possí-
vel, deve ser aplicado também em favor destes.
Há, entretanto, casos em que os irmãos já vêm sendo cria-
dos e educados por pessoas diversas, antes mesmo da morte ou
afastamento dos pais, cabendo aí, pela mesma finalidade — pre-
Capítulo I — Da Tutela
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○ ○

servação da saúde afetiva, mental e social do menor —, a manu-


tenção do status quo familiar.
Conclui-se que o conteúdo da norma contida no caput do
artigo comentado, que trata da tutela dativa, não apresenta ín-
dole cogente, devendo ser interpretado como mera recomenda-
ção ao aplicador do Direito. Neste sentido, lição do mestre Pon-
tes de Miranda, ao comentar o art. 411 do Código Civil de 1916,
quando ensina: “A 1ª parte refere-se ao tutor dativo e nem sem-
pre poderá o juiz nomear um só tutor para todos os irmãos; e.g.,
se um dos menores ficou, no estrangeiro, com o avô, com quem
vivia, e o outro ou outros residem no Brasil, onde era o domicí-
lio do pai, e nenhuma conveniência e somente contra-indicações
há para a designação do avô para a tutela do menor ou menores
que viviam no Brasil e para a designação de outra pessoa para
o menor que fica com o avô. O art. 411 é, pois, recomendação ao
juiz, para os casos comuns”. 440
O § 1º do art. 1.723, por sua vez, refere-se tão-somente à
tutela testamentária, não devendo ser aplicada às demais mo-
dalidades de tutela, uma vez que específica sua previsão.
A hipótese legal pode incidir sempre que os pais indiquem,
sem discriminação, mais de um tutor para o desempenho do
munus, não cabendo, pelo que se depreende do texto legal, a
interpretação de que a cada um dos irmãos caberia a tutoria de
um dos indicados. A eles será a outorgada sucessivamente no
caso de morte, incapacidade, escusa ou qualquer outro impedi-
mento do designado anterior.
Por outro lado, no comentário já referido, Pontes de
Miranda adverte que “o que nomeou tutor pode ter querido que
haja mais de um por ser mais conveniente aos menores. Na fal-
ta de tal distribuição é que incide o art. 411, 2ª parte”, atual-
mente, o §1º do artigo 1.733.
Em suma, deve ser sempre respeitada a vontade dos pais
quando nomearem mais de um tutor aos filhos, desde que abso-
lutamente esclarecido a quem caberá cada tutelado. Se de difí-
cil ou obscura interpretação, deve o magistrado atentar para o
melhor para os órfãos, tendo o dispositivo como não cogente.
Importante frisar, ainda, que tal parágrafo certamente não
acarreta a impossibilidade de serem nomeadas duas pessoas,
casadas ou conviventes, para o desempenho simultâneo da tu-
tela dos órfãos. As razões apresentadas no comentário supra,

440 Ob. cit., nota 429, p. 306.


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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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relativo ao art. 1.729 do Novo Código Civil, devem ser integral-


mente ratificadas no que diz respeito ao § 1º do art. 1.733.
Não se pode olvidar que o dispositivo tem como objetivo a
proteção dos órfãos e a manutenção destes no mesmo ambiente
familiar. Assim, a nomeação de casal para o desempenho da tu-
toria atende integralmente a tal finalidade. Conferir a respon-
sabilidade da educação e cuidado da criança ou adolescente e a
administração de seus bens e direitos a casal é restaurar o mais
próximo possível a “família” na vida do órfão, é aproximá-lo do
ideal.
Por fim, o § 2º do art. 1.733, também anteriormente pre-
visto no Código de 1916, estabelece uma espécie de fiscalização
ou mitigação do poder do tutor ou, até mesmo, daqueles que es-
tão no exercício do poder familiar.
A primeira indagação que se faz após a leitura do parágra-
fo diz respeito à possibilidade de instituir-se divisão ou partição
à tutela ou, mais grave, ao poder familiar.
Importante memorar que visa a tutela à proteção da pes-
soa do tutelado e, conseqüentemente, à proteção de seus bens e
administração de seus direitos. É pois a criança ou adolescente o
objeto maior do instituto.
Admite a lei que aquele que deseja beneficiar menor com
verba testamentária ou legado designe um curador especial para
os bens deixados.
Ora, o exercício da curatela se dará nos limites dos bens
destinados ao menor. Se admissível é a analogia, o curador es-
pecial equivale a um protutor dativo, instituído por quem deseja
beneficiar o menor e o qual terá por finalidade administrar os
bens e fiscalizar o desempenho do tutor ou dos pais (na hipótese
de estar um deles no exercício do poder familiar) quanto à admi-
nistração dos bens herdados ou daquele recebido por legado.

Art. 1.734. Os menores abandonados terão tu-


tores nomeados pelo juiz, ou serão recolhidos
a estabelecimento público para este fim desti-
nado e, na falta desse estabelecimento, ficam
sob a tutela das pessoas que, voluntária e gra-
tuitamente, se encarregarem da sua criação.
Direito anterior: Art. 412 do Código Civil.
Capítulo I — Da Tutela
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
465
○ ○

Andou muito mal o legislador do Novo Código Civil na ma-


nutenção do texto anterior, já desatualizado, impróprio e inade-
quado.
Desde logo imprescindível verificar-se que a nomenclatu-
ra “menor” foi substituída, desde 1990, ano de vigência da Lei
8.069, por “criança ou adolescente”. Mais grave ainda o termo
“menor abandonado”. A criança que vagueia pela rua (e esta
parece ser a idéia do legislador de 1916), sem estar submetida
ao exercício do poder familiar, deve, desde logo, receber medida
de proteção do Conselho Tutelar, representação da sociedade,
expressão da democracia participativa, capaz de promover, por
exemplo, a matrícula e freqüência obrigatórias em estabeleci-
mento de ensino fundamental (art. 101, III, do ECA). Assim,
em tese, nunca deverá estar a criança ou adolescente “abando-
nada” e, se na rua se encontra, tal situação é, também, respon-
sabilidade e atribuição do Poder Público.
Ademais, já não se “recolhe” criança ou adolescente a es-
tabelecimento público.
Dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente:
“Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no
art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre ou-
tras, as seguintes medidas: (...)
VII — abrigo em entidade”.

Desta forma não se trata, efetivamente, de mera questão


semântica. O encaminhamento a abrigo, que não será ato ex-
clusivo do Juiz, podendo ser realizado pelo Conselho Tutelar, 441
não ocorrerá necessariamente em estabelecimento público, uma
vez que a nossa realidade comporta inúmeras organizações e
entidades não-governamentais que desenvolvem excelente tra-
balho de abrigo de criança e adolescente em situação de risco
ou situação de proteção especial.
Ainda que assim não fosse, não se “recolhe” criança ou ado-
lescente, nomenclatura mais consentânea e conforme ao surra-
do jargão usual no processo penal, não cabendo sua utilização
no direito de família ou no da criança e do adolescente, que pos-
suem finalidade essencialmente protetiva.
Melhor teria caminhado o legislador se houvesse, simples-
mente, retirado do texto legal a norma contida no art. 1.734.

441 Art. 136, I, do ECA.


466
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

O Estatuto da Criança e do Adolescente deve manter-se


intocado. É ele legislação reconhecidamente afinada com os no-
vos tempos, e que utiliza terminologia própria e adequada, ten-
do sido seu projeto fruto da participação democrática daqueles
que atuavam, e atuam, diuturnamente na área da criança e do
adolescente. Em seu bojo foram ratificadas integralmente as
normas internacionais de proteção integral. Tais fatos autori-
zam a Lei 8.069/90 a permanecer como única legislação destina-
da a normatizar o universo que envolve a criança ou adolescen-
te em situação de risco ou de proteção especial.
O professor Antônio Carlos Gomes da Costa, pedagogo con-
temporâneo ao período de elaboração do Estatuto, leciona: “Guar-
dando rigorosa consistência com a Convenção Internacional dos
Direitos da Criança e com a Constituição da República Federa-
tiva do Brasil, o Estatuto reconhece seus destinatários como
sujeitos de direito, pessoas em condição peculiar de desenvolvi-
mento e prioridade absoluta das famílias, da sociedade e do
Estado. (...) Tais modificações deverão em primeiro lugar impe-
dir que as crianças e os adolescentes sejam tratados como obje-
tos de intervenção disciplinar, técnica ou jurídica por parte da
família, da sociedade e do Estado; em segundo lugar, deverão
promover a consideração e o respeito das suas potencialidades
e limitações em cada fase do seu desenvolvimento pessoal e so-
cial; finalmente elas deverão reconhecer a natureza prioritária
do atendimento por órgão ou serviço de qualquer poder (...)”. 442
Parece, lamentavelmente, que o Congresso Nacional não
se houve com a indispensável sensibilidade no exame e aprecia-
ção de questão tão delicada e de tal envergadura e relevância, a
qual, evidentemente, está a merecer revisão, a partir de como
foi aprovada, devendo ser modificado com urgência o texto final
do Novo Código Civil, retirando de seu bojo o art. 1.734.
Não obstante, essencial frisar a questão decorrente da com-
petência para o pedido de tutela, quando a criança ou adoles-
cente se encontre em uma das hipóteses descritas no art. 98 do
ECA.
Quando da edição do Estatuto da Criança e do Adolescen-
te, muito se discutiu quanto ao conflito de competência entre as
Varas de Órfãos, de Família e de Infância e Juventude para
apreciação de pedido de tutela de criança ou adolescente.

442 A mutação Social, in Brasil, Criança, Urgente, a Lei 8.069/90, Ed.


Columbus Cultural, 1990, p. 39.
Capítulo I — Da Tutela
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
467
○ ○

Embora vinculada a definição da competência aos Códigos


de Organização e Divisão Judiciárias locais, comportando o tema
discussão, tem-se hoje, no Estado do Rio de Janeiro, solidificada
a competência na forma e hipóteses abaixo:
1 — Tratando-se de criança ou adolescente em situação
enunciada no art. 98 do ECA, sem parente conheci-
do, é o Juiz da Infância e Juventude o competente
para o pedido;
2 — Tratando-se de criança ou adolescente cujos pais fa-
leceram ou têm sua ausência declarada judicialmen-
te, a competência repousa nos Juízos de Órfãos;
3 — Ocorrendo a hipótese de suspensão ou perda de pátrio
poder e sendo a tutela requerida por parente da crian-
ça ou adolescente, deverá o pedido ser apreciado pelo
Juízo de Família.

Neste sentido, inúmeros julgados dos Tribunais pátrios, des-


tacando-se:
“Tutela – Competência do Juízo de Família — Conflito de
competência . Pedido de tutela cumulada com destituição de pátrio
poder. Não se tratando de menor em estado de abandono, por
quaisquer das hipóteses legais, a competência para processar e
julgar pedido de tutela e destituição de pátrio poder é das Varas
de Família e não de Juízo da Infância e da Juventude, cuja com-
petência é limitada aos cuidados com menores em estado de aban-
dono. Se o encontra proteção na guarda, mesmo que de fato, de
familiar, componente direto ou indireto da constelação familiar,
não se caracteriza o estado de abandono, desde que não compro-
vados maus-tratos no desenvolvimento dessa guarda. Conflito
conhecido para declarar a competência da 1ª Vara de Família da
Comarca de Nova Iguaçu.’(TJRJ — CC 173/96 — Cód.
96.008.00173 — Nova Iguaçu — 9ª C. Cív — Rel. Des. Ruy
Monteiro de Carvalho — J. 08.05.1996).

“Conflito de competência — Pedido de tutela — Menor ór-


fão mas em situação considerada regular — Convivência no lar
dos tios requerentes da tutela — Competência da vara de famí-
lia — Conflito procedente — Cabe à Vara de Família o conheci-
mento e processamento de pedido de tutela de menor em situa-
ção considerada regular.”(TJMS — CC — classe B — VII — Nº
57.526-3 — Campo Grande — 3ª TC — Rel. Des. João Carlos
Brandes Garcia — J. 25.03.98).
468
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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“Conflito de competência — Juízo da vara de órfãos versus da


infância e juventude da capital — Ambos se recusam a tomar
conhecimento da competência — Decisões que se colidem — Tu-
tela — Orfãos de pai e mãe — Tio que assume a tutela — Ado-
lescente não sujeito ao estatuto da criança e do adolescente —
Competência da vara de órfãos e sucessões da capital — Confli-
to de competência suscitado pela MM. Juíza da Vara de Infân-
cia e da Juventude de Vitória. Face declínio de competência do
M.M. Juiz da Vara de Órfãos e Sucessões também de Vitória.
Ambos se recusam a tomar conhecimento da competência em
processo já findo, dependendo do arquive-se. Adolescentes ór-
fãos de pai e mãe. Tio que assume a tutela. Não se trata de ado-
lescentes sujeitos ao Estatuto da Criança e do Adolescente. À
vara de menores somente tocam os casos que reclamem a atua-
ção paternalista do Juizado de Menores em relação ao menor em
situação irregular. Aplicação no caso do art. 148, parágrafo úni-
co, alínea “a”, do mencionado Estatuto. Competência da Vara de
Órfãos e Sucessões da Capital.” (TJES — CC 100.940.013.210
— Rel. Des. Paulo Nicola Copolillo — J. 14.03.95).

“Tutela — Menor órfão de pai — Art. 98 — Inc. II — Art.


101 — Estatuto da criança e do adolescente — Juizo competente
— Pedido de tutela. Juízo competente. O pedido de tutela de
menores órfãos de pai, embora tendo mãe viva, deve ser apreci-
ado à luz do art. 98, inc. II c/c art. 101, ambos do Estatuto da
Criança e do Adolescente, pelo Juízo de Menores, dada a omis-
são evidente da genitora, residente que é no exterior.” (TJRJ —
CC 93/94 (reg. 260795) — Cód. 94.008.00093 — 8ª C. Civ. —
Rel. Des. Laerson Mauro — J. 16.05.95).
Seção II — Dos Incapazes de Exercer a Tutela
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469
○ ○

Seção II
Dos incapazes de exercer a tutela

Art. 1.735. Não podem ser tutores e serão exo-


nerados da tutela, caso a exerçam:
I — aqueles que não tiverem a livre administra-
ção de seus bens;
II — aqueles que, no momento de lhes ser
deferida a tutela, se acharam constituídos em
obrigação para com o menor, ou tiverem que fa-
zer valer direitos contra este, e aqueles cujos
pais, filhos ou cônjuges tiverem demanda con-
tra o menor;
III — os inimigos do menor, ou de seus pais, ou
que tiverem sido por estes expressamente ex-
cluídos da tutela;
IV — os condenados por crime de furto, roubo,
estelionato, falsidade, contra a família ou os
costumes, tenham ou não cumprido pena;
V — as pessoas de mau procedimento, ou fa-
lhas em probidade, e as culpadas de abuso em
tutorias anteriores;
VI — aqueles que exercerem função pública in-
compatível com a boa administração da tutela.
Direito anterior: Art. 413 do Código Civil.

Trata o presente artigo das hipóteses de impedimentos do


exercício da tutela. Tais impedimentos são enumerados de for-
ma genérica, devendo sempre vir acompanhados dos respecti-
vos elementos de prova. A incapacidade superveniente permite
aos legitimados o oferecimento de pedido de remoção. 443
O inciso primeiro diz respeito, basicamente, aos incapa-

443 Art. 1.194, do CPC.


469
470
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

zes, tais como os interditos, os ausentes, os pródigos, bem como


se pode estender o impedimento aos falidos, insolventes, con-
cordatários.
O Código Civil português, valendo-se de melhor técnica
legislativa, elenca entre os incapazes para o exercício da tutela:
os menores não emancipados, os interditos e os inabilitados, os
notoriamente dementes, ainda que não estejam interditos ou
inabilitados. O texto pode ser adotado como exemplificativo em
relação ao sucinto teor do inciso primeiro do artigo sub examen,
no Novo Código Civil.
E acrescenta, ainda, a codificação lusa que os inabilitados
por prodigalidade, os falidos ou insolventes, e bem assim os ini-
bidos ou suspensos do poder paternal ou removidos da tutela,
quanto à administração de bens, podem ser nomeados tutores,
desde que sejam apenas encarregados da guarda e regência da
pessoa do menor.
Merece, de igual modo, ser ratificada doutrinariamente a
parte final do artigo 1.933, item 2, do Código Civil português.
Embora o legislador pátrio não haja previsto expressamente,
ocorrem hipóteses em que, não obstante esteja o candidato a
tutor privado do exercício pleno da administração de seus bens,
é pessoa idônea, capaz de bem formar o órfão, que com ele man-
tém profundos laços de afetividade. Ademais, não se pode olvi-
dar que, como já afirmado, a maior parte dos requerimentos de
tutela que chegam aos Tribunais diz respeito a crianças e ado-
lescentes sem qualquer patrimônio, quando muito, detentores
de direito à pensão previdenciária, não havendo o que ser admi-
nistrado pelo tutor.
Assim, constituída robusta prova nos autos quanto à ca-
pacidade do provável tutor para a regência da vida do menor,
não possuindo este último patrimônio a ser administrado, deve
o Juiz julgar de acordo com o que seja melhor para a criança ou
adolescente, ainda que a conclusão seja a de instituir tutor pes-
soa que não detém a administração de seus bens, hipótese em
que deverá fazê-lo com a ressalva de que ao tutor caberá pres-
tar contas de sua administração mais amiudadamente, suge-
rindo-se ocorra semestralmente.
É certo que o art. 1.751 do Novo Código Civil, mera trans-
crição do anterior art. 430 do Código Civil de 1916, estabelece a
necessidade de o tutor, antes de assumir a tutela, declarar tudo
o que o menor lhe deva, a fim de que possa cobrar enquanto
exercer a tutoria.
Seção II — Dos Incapazes de Exercer a Tutela
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
471
○ ○

Ora, tal dispositivo merece interpretação conjunta com a


descrição contida no inciso II do art. 1.735, no que diz respeito
aos que tiverem que fazer valer direitos contra o tutelado e aque-
les cujos pais, filhos ou cônjuges tiverem demanda contra o me-
nor.
Diante de tal exegese conjunta, parece ficar evidente que
caso o tutor, seus pais, filhos ou cônjuge possuam direitos em
face do tutelado, deverá o primeiro declará-los antes de assumir
a tutela, não cabendo, enquanto a exerça, a cobrança da dívida.
Se o fizer, deverá o Ministério Público, ou outro legitimado, ajui-
zar pedido de remoção fundado no inciso II do art. 1.735 do Novo
Código Civil.
Os incisos IV e V do artigo 1.735 do Novo Código Civil di-
zem respeito à qualidade moral do tutor: não pode este ter sido
condenado por crime de furto, roubo, estelionato, falsidade, con-
tra a família ou os costumes, não devendo ser pessoa de mau
procedimento, ou probidade discutível ou duvidosa. Não podem,
igualmente, exercer o encargo os culpados de abuso em tutorias
anteriores.
Conceitue-se como pessoas de mau procedimento aquelas
envolvidas com o uso de drogas, fato corriqueiro nos dias atuais,
já exaustivamente discutido na área da psicologia infantil, ha-
vendo comprovadas razões pelo reconhecimento do prejuízo que
a convivência com as drogas pode acarretar à criança e, princi-
palmente, ao adolescente, ambos no que respeita à formação de
personalidade.
Importante frisar que o Estatuto da Criança e do Adoles-
cente, em seu art. 19, garante à criança o direito de viver em
ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substân-
cias entorpecentes.
Por “falhas de probidade” entendem-se os atos que, não
obstante não constituam tipo penal, são considerados socialmente
inadequados ou não recomendáveis, fora dos padrões éticos e
sociais. Dizem respeito à moral e estão diretamente ligados à
cultura e hábitos daqueles que estão envolvidos na tutela. É
definição de caráter genérico que deve ser apreciada pelo
aplicador do Direito a cada caso concreto que se apresente para
decisão.
Por fim, o inciso VI refere-se àqueles que exerçam função
pública incompatível com a boa administração da tutela. Não se
pode dizer que a previsão seja atual. Os modernos meios de co-
472
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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municação e de transportes, os avanços tecnológicos permitem a


muitos pais naturais manter controle absoluto sobre a vida de
seus filhos, administrando-a sem prejuízo à formação dos meno-
res. Não há, a nosso ver, profissão pública que possa produzir
ou criar incapacidade à adequada administração da tutela.
Eduardo Espínola, comentando o Código Civil de 1916, afir-
ma: “Quais as funções públicas incompatíveis com a boa admi-
nistração da tutela não é fácil precisar. Referências se encon-
tram no direito anterior aos religiosos, aos magistrados,
escrivães, oficiais de justiça, aos doutores em geral. Não há ra-
zão para excluí-los, bem como outros funcionários, do exercício
da tutela, sem apreciar as condições especiais de cada caso. Pre-
ferível fora considerar essa incompatibilidade como razão de
escusa, e não de incapacidade ou exclusão”. 444
Melhor agiria o atual legislador, aproveitando a oportuni-
dade da nova redação da lei, se houvesse excluído de tal dispo-
sitivo a previsão da aludida incapacidade, absolutamente ina-
dequada aos tempos atuais, não havendo qualquer justificati-
va, tênue que seja, para sua manutenção.
De qualquer forma, o art. 29 da Lei 8.069/1990 — Estatu-
to da Criança e do Adolescente — dispõe de forma solar e gené-
rica: “Não se deferirá colocação em família substituta a pessoa
que revele, por qualquer modo, incompatibilidade com a natu-
reza da medida ou não ofereça ambiente familiar adequado”,
norma que deve ser aplicada em conjunto com a nova lei subs-
tantiva.
Por fim, oportuno destacar que, para a devida instrução
do processo, deve o requerente informar na petição inicial do
pedido de tutela os seguintes dados. 445
1 — qualificação completa do requerente e de seu even-
tual cônjuge ou companheiro, com expressa anuência
deste;
2 — indicação de eventual parentesco do requerente e de
seu cônjuge, ou companheiro, com expressa anuência
deste;
3 — qualificação completa da criança ou adolescente e de
seus pais, se conhecidos;

4 4 4 A Família no Direito Civil Brasileiro, Ed. Gazeta Judiciária, 1954,


p. 486.
445 Art. 165 do ECA, Lei 8.069/90.
Seção II — Dos Incapazes de Exercer a Tutela
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473
○ ○

4 — indicação do cartório onde foi inscrito o nascimento,


anexando, se possível, uma cópia da respectiva certi-
dão;
5 — declaração sobre a existência de bens, direitos ou ren-
dimentos relativos à criança ou ao adolescente.

Merece mais acurado exame a questão da anuência do côn-


juge, determinada no inciso I, do art. 165, do ECA.
Nos dias atuais, “cônjuge” deve ser interpretado como aquele
que com o requerente mantém relação estável. Assim, o(a) con-
vivente deverá concordar com a tutela requerida pelo com-
panheiro(a).
Isto porque o espírito da Lei é evitar que o órfão se torne,
na família substituta, objeto e razão de brigas e desacertos. A
concordância da(o) companheira(o) do(a) tutor(a) induz à con-
clusão de que, ao menos em razão da presença pura e simples
do menor, não haverá litígio.
Cabe transcrição de lição do Promotor de Justiça José Luiz
Mônaco da Silva sobre o assunto: “Digna de aplausos a lei
menorista ao condicionar a concessão da medida à prévia e ex-
pressa anuência daquelas pessoas, providência legal cuja fina-
lidade maior é sem sombra de dúvidas evitar o surgimento de
brigas no âmbito familiar por conta dessa colocação em família
substituta. Em suma, o desiderato legal é pôr o menor a salvo
de brigas ou desarmonias familiares que, decerto, emergiriam
se o casal não comungasse da mesma opinião”. 446
Acrescenta ainda o Membro do Parquet: “Resta saber se o
requerimento de colocação em família substituta prescindirá ou
não da anuência do outro cônjuge, na hipótese de o requerente
encontrar-se separado apenas de fato de sua mulher, isto é, se
não se achar legalmente separado dela?”
Ora, pelos mesmos motivos anteriormente sustentados pelo
ilustre colega paulista, o cônjuge separado de fato não necessi-
ta apor sua anuência expressa no pedido de tutela ofertado pelo
cônjuge de quem se encontra afastado. Este também o entendi-
mento de José Luiz Mônaco: “A solução será evocar o bom sen-
so. Havendo separação de fato, a colocação em família substitu-
ta prescindirá de prévia anuência de um dos cônjuges”.
Ainda, para instruir o pedido, deve o requerente apresen-
tar os seguintes documentos, por cópia:

446 Ob.cit. nota 431, p. 11.


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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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1 — documento de identidade do requerente e de eventual


cônjuge ou companheiro;
2 — atestado de saúde física e mental do requerente;
3 — certidão de nascimento do menor;
4 — certidão de óbito ou sentença que declarou a suspen-
são ou decretou a perda do poder familiar do pai vivo,
ou a ausência, se desaparecido;
5 — documentos que comprovem a residência do menor e
do requerente;
6 — certidão escolar do menor (se estiver em idade esco-
lar);
7 — certidão negativa em nome do requerente, expedida
pelos cartórios de distribuição cível e criminal da
comarca onde tenha domicílio (há comarcas, como a
da capital do Estado do Rio de Janeiro, que possuem
Cartório de Registro de Interdições e Tutelas, hipó-
tese em que também deverá ser apresentada certi-
dão expedida por esta serventia).

Sempre que possível, deverá o Juízo determinar a realiza-


ção de estudo social por equipe interdisciplinar, 447 dando-se ên-
fase ao trabalho desenvolvido pelos assistentes sociais, especial-
mente nas visitas domiciliares, oportunidades em que estes pro-
fissionais, ouvindo vizinhos, amigos e os próprios interessa-
dos, funcionam como os verdadeiros olhos do Juiz e do Ministé-
rio Público.

447 Art. 151 do ECA, Lei 8.069/90.


Seção III — Da Escusa dos Tutores
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475
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Seção III
Da escusa dos tutores

Art. 1.736. Podem escusar-se da tutela:


I — mulheres casadas;
II — maiores de sessenta anos;
III — aqueles que estiverem sob sua autoridade
mais de três filhos;
IV — os impossibilitados por enfermidade;
V — aqueles que habitarem longe do lugar onde
se haja de exercer a tutela;
VI — aqueles que já exercerem tutela ou curatela;
VII — militares em serviço.
Direito anterior: Art. 414 do Código Civil.

O novo dispositivo legal em quase nada altera o anterior,


art. 414 do Código Civil de 1916. Na verdade, apenas acrescen-
ta em relação à mulher a condição de casada e reduz de cinco
para três o número de filhos previstos no inciso III.
Ressalte-se, desde logo, que o elenco disposto no art. 1.736
é meramente exemplificativo. Havendo motivo, diverso das hi-
póteses relacionadas, que justifique a escusa, deve ser o pedido
considerado.
Da mesma forma, é importante fixar a distinção entre in-
capacidade para a tutoria (art. 1.735) e possibilidade de escusa
da tutela, prevista neste artigo. Leciona Pontes de Miranda: “A
incapacidade importa proibição absoluta para se exercer a tu-
tela. Os antigos escritores a denominavam excusatio necessá-
ria. A escusa é a dispensa concedida por justa causa ao que po-
deria ser tutor, se quisesse: excusatio voluntária”. 448
Quanto ao inciso I, olvidando o atual legislador a equipa-
ração, constitucionalmente prevista, dos direitos do homem e da

448 Ob. cit. Nota 429, p. 342.


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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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mulher, facultou somente às mulheres casadas a possibilidade


da escusa. Ora, como subtrair à mulher solteira e também ao
homem o mesmo direito?
O Procurador de Justiça J. M. Leoni Lopes de Oliveira já
argumentava: “Diante do princípio da isonomia entre os sexos,
estabelecido no art. 5º, I, da Constituição Federal, não mais pode
subsistir a hipótese do item I, visto que tal privilégio tem por
fundamento o sexo, o que, atualmente, é vedado pela ordem cons-
titucional”. 449
Perdeu o legislador a oportunidade de adaptar a lei subs-
tantiva civil à norma constitucional. Não só deixou de fazê-lo,
como agravou a situação ao estabelecer, incluindo, neste parti-
cular, diferença entre a mulher casada e a solteira.
Assim, parece-nos imperioso o reconhecimento da inconsti-
tucionalidade do inciso I do art. 1.736 do Novo Código Civil.
Por fim, quanto à questão referente ao local de moradia do
menor, de que trata o inciso V, remete-se aos comentários ao
artigo 1.732, antes esboçados.

Art. 1.737. Quem não for parente do menor não


poderá ser obrigado a aceitar a tutela, se hou-
ver no lugar parente idôneo, consangüíneo ou
afim, em condições de exercê-la.
Direito anterior: Art. 415 do Código Civil.

Mais uma vez o legislador, ao elaborar o Novo Código, que


somente veio a repetir o artigo 415 do Código Civil de 1916,
demonstra sua preocupação em manter a preferência pela colo-
cação do menor em família substituta integrada por seus pró-
prios parentes.
Parentes, segundo dispõe o art. 1.591 e 1.592 do Novo Có-
digo Civil, são “em linha reta as pessoas que estão umas para
com as outras na relação de ascendentes e descendentes” e “em
linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas pro-
venientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra”.
Admite-se ainda a afinidade, por alguns doutrinadores con-
ceituada como espécie de parentesco, embora estas definições
não devam ser confundidas. O parentesco estabelece vínculos

449 Guarda, Tutela e Adoção, Ed. Lúmen Júris,1997, p. 126.


Seção III — Da Escusa dos Tutores
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477
○ ○

mais intensos que a afinidade; pode-se citar, por exemplo, os


que envolvem direitos previdenciários.
Não obstante, o art. 1.595 do Novo Código Civil dispõe que
cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo
vínculo da afinidade, o que importa dizer que o art. 1.737 tam-
bém deve ser aplicado a todos os parentes, ainda que o paren-
tesco decorra do casamento ou união estável.
O Estatuto da Criança e do Adolescente prescreve que toda
criança ou adolescente tem o direito a ser criado e educado no
seio de sua família e, excepcionalmente, em família substitua,
assegurada a convivência familiar e comunitária”. 450
Em esclarecedor estudo sobre o direito da criança e do ado-
lescente à convivência familiar, a Prof. Tânia da Silva Pereira
resume: “A família tem um passado, vive um presente com as
suas complexidades e contradições e tem regras que provavel-
mente passarão para o futuro. Este modelo, que tenderá a se re-
petir nas gerações subseqüentes, é um ponto de interesse tam-
bém para uma análise da afetividade nas relações familiares, o
que terá um reflexo considerável na tutela jurídica da convivên-
cia familiar e comunitária visando, sobretudo, à proteção e de-
senvolvimento da população infanto-juvenil. A família constrói
sua realidade através da história compartilhada de seus mem-
bros e caberá ao Direito, diante das novas realidades alternati-
vas, criar mecanismos de proteção visando especialmente às pes-
soas em fase de desenvolvimento”. 451
Assim, obrigados a prestar o munus são os parentes, se-
jam os laços decorrentes do parentesco natural, civil ou decor-
rente de afinidade, admitidos, evidentemente, os impedimentos
e escusas previstos nos artigos 1.735 e 1.736 do novo Código
Civil, de modo que seja o órfão integrado entre aqueles que com
ele possuem a mesma realidade.
O estranho, desse modo, poderá escusar-se da tutela, ale-
gando haver parentes capazes para o encargo, não sendo o Juiz
obrigado a acatar a escusa se entender que o parente não será o
melhor tutor para o órfão.

450 Lei 8.069/90, art. 19.


451 Direito de Família Contemporâneo, Ed. Del-Rey, 1997, p. 656.
478
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Art. 1.738. A escusa apresentar-se-á nos dez dias


subseqüentes à designação, sob pena de en-
tender-se renunciado o direito de alegá-la; se o
motivo escusatório ocorrer depois de aceita a
tutela, os dez dias contar-se-ão do em que ele
sobrevier.
Direito anterior: Art. 416 do Código Civil.

Andou mal o Legislador do novo Código Civil. A mudança


trazida ao presente artigo, em relação ao Código Civil de 1916,
diz respeito ao dies a quo para apresentação da escusa.
O art. 416 do Código Civil de 1916 fixava o prazo de dez
dias a partir da intimação do tutor. O novo dispositivo legal
menciona designação.
Ora, designação não é ato judicial que se faça, necessaria-
mente, na presença dos interessados. Para que sobre ele repou-
se a necessária publicidade, deverá o Juiz fazer publicar o ato
no Diário Oficial ou jornal oficial da Comarca ou, ainda, deverá
intimar pessoalmente o designado.
A lei adjetiva define intimação como “o ato pelo qual se dá
ciência a alguém dos atos e termos do processo, para que faça
ou deixe de fazer alguma coisa”. 452
Ademais, o art. 1.187 do CPC dita: “O tutor ou curador será
intimado a prestar compromisso no prazo de cinco dias conta-
dos: I– da nomeação feita na conformidade da lei civil; II – da
intimação do despacho que mandar cumprir o testamento ou o
instrumento público que o houver instituído”.
Conclui-se que melhor técnica processual imprimiu Clóvis
Bevilaqua quando se referiu, no Código Civil de 1916, à
intimação, visto que esta é a diligência que efetivamente dá co-
nhecimento da designação ao tutor. Este, enquanto não intima-
do, poderá suscitar a escusa sob o argumento de que desconhe-
cia, até aquela data, sua designação para o desempenho do
munus. Assim, ainda que a atual lei mencione mera designa-
ção, somente após a intimação, ou qualquer outro ato que pro-
duza inequívoca ciência do tutor, é que deverão ser contados os
dez dias para a apresentação de sua escusa.
Merece comentário, ainda, questão relativa ao prazo. O
Código de Processo Civil em vigor, em seu artigo 1.192, fixou o

452 Art. 234, do CPC.


Seção III — Da Escusa dos Tutores
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479
○ ○

prazo de cinco dias para o oferecimento da escusa. Assim, desde


a edição da lei adjetiva, prevaleceu o prazo menor, de cinco dias,
em detrimento do fixado no art. 416 do Código Civil de 1916.
Agora, com a vigência do Novo Código Civil, sem que se
tenha aproveitado a oportunidade para a unificação dos prazos,
mantém o legislador a redação do dispositivo anterior, no qual
é outorgado ao tutor o prazo de 10 dias para a escusa.
Ora, o art. 2º, § 1º, do Decreto-Lei 4.657/42, Lei de Intro-
dução ao Código Civil, determina: “A lei posterior revoga a ante-
rior quando expressamente o declare, quando seja com ela in-
compatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tra-
tava a lei anterior”.
Assim, o prazo para apresentação da escusa de tutela pas-
sa a ser de dez dias a contar da intimação ou ato inequívoco de
ciência da designação ou, se já aceita a tutela, do dia em que
sobrevier o motivo da escusa.
Pode ocorrer que o motivo da escusa ocorra já no exercício
da tutela (ex: o tutor alcança 60 anos, tem o terceiro filho ou,
portador do vírus da Aids, passa a apresentar os sintomas, o
que o torna debilitado fisicamente, a ponto de não mais supor-
tar o encargo de educar e manter o menor). Neste caso, a sen-
tença que recebe a escusa é constitutiva negativa, cabendo seus
efeitos somente ex nunc.
Os atos praticados pelo tutor, ainda que já incidente o
motivo que autorizou o pedido de escusa, são perfeitos, não po-
dendo, ao menos por essa razão, ser questionados.

Art. 1.739. Se o juiz não admitir a escusa, exer-


cerá o nomeado a tutela, enquanto o recurso
interposto não tiver provimento, e responderá
desde logo pelas perdas e danos que o menor
venha a sofrer.
Direito anterior: Art. 417 do Código Civil.

Dispõe o art. 1.193 do CPC: “O juiz decidirá de plano o


pedido de escusa. Se não a admitir, exercerá o nomeado a tutela
ou curatela enquanto não for dispensado por sentença transita-
da em julgado”.
Quer o juiz admita, quer negue a escusa, o recurso a ser
interposto é o de agravo, uma vez que o processo de tutela con-
tinuará em andamento.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Ademais, embora tenha o tutor apresentado, em Juízo, jus-


tificativa de escusa para o encargo, se entender o Juiz que esta
não é cabível, não a admitirá e determinará permaneça o reque-
rente no exercício da tutela, em benefício do próprio menor, até
decisão final. Em conseqüência, sobre seus atos incidirá o dis-
posto no caput do art. 1.752 do Novo Código Civil, ou seja, res-
ponderá pelas perdas e danos que o menor venha a sofrer em
razão de sua administração, mas também, da mesma forma,
dever-lhe-á ser dado o direito de reembolso pelo que compro-
vadamente despendeu no exercício da tutela.
De toda a sorte, ainda que esta seja a interpretação cabí-
vel do dispositivo comentado, melhor será que, havendo possi-
bilidade, nomeie o juiz para assumir o munus outra pessoa que
não a que se escusou do encargo, uma vez que a imposição do
exercício da tutela é, certamente, prejudicial ao menor, porque
retira da relação que deve ser estabelecida entre tutor e tutela-
do os laços de afetividade, necessários para a boa formação da
criança ou adolescente.
Seção IV — Do Exercício da Tutela
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481
○ ○

Seção IV
Do exercício da tutela

Art. 1.740. Incumbe ao tutor, quanto à pessoa do me-


nor:
I — dirigir-lhe a educação, defendê-lo e prestar-lhe
alimentos, conforme os seus haveres e condições;
II — reclamar do juiz que providencie, como houver
por bem, quando o menor haja mister correção;
III — adimplir os demais deveres que normalmente
cabem aos pais, ouvida a opinião do menor, se este
já contar doze anos de idade.
Direito anterior: Art. 424 do Código Civil.

O Novo Código Civil incluiu o inciso III, acrescentando-o


aos incisos I e II, que se limitam a repetir o texto do Código
Civil de 1916.
O inciso II é texto obsoleto, merecendo, assim como reco-
mendado em outros artigos integrantes do texto sancionado do
Novo Código, ser objeto de reforma legislativa visando sua ex-
clusão.
Efetivamente, a nosso ver, não é encargo do juiz providen-
ciar correção do menor tutelado. Se o tutor entende que o pupi-
lo não vem atendendo a suas determinações e orientações deve,
como qualquer dos pais naturais o faria, buscar ajuda técnica
de profissionais aptos para apoiar e orientar o menor e não, como
deixa entrever a lei, movimentar a máquina judiciária, já tão
sobrecarregada, para alcançar reprimenda ao tutelado.
O inciso III, por outro lado, vem atender à nova visão da
tutela, imposta pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, dis-
pondo este:
“Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á median-
te guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação
jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei”.
481
482
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Indiscutível, desse modo, que a tutela é modalidade de co-


locação em família substituta, cabendo aí a aplicação dos prin-
cípios que a regem ainda que se trate de tutela civil, e não
estatutária, impondo necessariamente a guarda.
Este também o posicionamento de Mônaco da Silva, quan-
do afirma: “Hoje em dia, no entanto, entendemos, à luz do art.
28 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que a tutela impli-
ca necessariamente dever de guarda, ainda que o menor se en-
contre em situação absolutamente regular, com todos os seus
direitos constitucionais e legais preservados. Vale dizer: mesmo
que a tutela escape da alçada da Vara da Infância e da Juventu-
de, à míngua de causa capaz de subjugá-la ao enunciado do art.
98, ainda assim, o tutor terá o pupilo sob sua guarda”. 453
Ainda mais, a identificação entre a tutela estatutária e a
civil se tornou tão intensa, que o referido inciso III apresenta
teor normativo semelhante ao parágrafo único do art. 28 do ECA,
que prevê: “Sempre que possível, a criança ou adolescente deve-
rá ser previamente ouvido e a sua opinião devidamente conside-
rada”.
Na verdade, o inciso III acabou por abranger os deveres
impostos aos tutores no inciso I, já que entre os deveres impos-
tos aos pais, 454 estão o de velar pela educação do tutelado,
defendê-lo e prestar-lhe alimentos.
Assim que ao tutor caberá a educação do tutelado como se
pai fosse, sendo certo que “formas diferentes serão escolhidas
para assistir, criar e educar os filhos, segundo os pais sejam con-
servadores ou liberais, sofisticados ou simples e, evidentemente,
nos limites de suas posses, segundo sejam pobres ou ricos. E as-
sim por diante.
O princípio básico é o de que cabe aos pais se autodeter-
minarem quanto a essa assistência, criação e educação dos fi-
lhos. Assistir é promover as condições materiais para a proteção
dos filhos: dar segurança, alimentação, vestuário, higiene, con-
vivência etc. Criar é promover as adequadas condições biológi-
cas, psicológicas e sociais que garantam o peculiar desenvolvi-
mento que caracteriza a criança e o adolescente. Educar é de-
senvolver hábitos, usos, costumes tais que integrem os filhos na
cultura de sua comunidade, através de padrões éticos aptos para
o exercício da cidadania”. 455
453 Ob.cit. nota 2, p.70.
454 Art. 229 da Constituição Federal e Art. 1.634 do Novo Código Civil.
455 Seda, Edson, Construir o Passado, Malheiros Editores, 1993, p. 30.
Seção IV — Do Exercício da Tutela
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483
○ ○

Da mesma forma se dará com o tutor. Nesta hipótese, en-


tretanto, restarão estabelecidos os limites impostos pela Lei
Civil, submetendo-se o tutor à fiscalização do Poder Judiciário
e do Ministério Público, uma vez que, embora assemelhados, o
instituto da tutela não se confunde com o do poder familiar, este
último mais amplo e inerente somente aos pais.

Art. 1.741. Incumbe ao tutor, sob a inspeção do


juiz, administrar os bens do tutelado, em pro-
veito deste, cumprindo seus deveres com zelo
e boa-fé.
Direito anterior: Art. 422 do Código Civil.

O artigo anterior diz respeito aos cuidados dispensados à


pessoa do tutelado.
O presente dispositivo, por sua vez, refere-se aos bens do
tutelado. Assim, insuscetível de reparo a atitude do legislador
quando retirou do texto anterior — art. 422 do Código Civil de
1916 — a expressão “reger a pessoa do menor, velar por ele”, de
que já trata o artigo 1.740 do Novo Código Civil, acrescentando
que o tutor deve cumprir seus deveres com zelo e boa-fé.
O termo “inspeção do juiz” não parece tratar da modalida-
de de prova — inspeção judicial — prevista no art. 440 e se-
guintes, do Código de Processo Civil, 456 tendo caminhado mal a
redação deste artigo, neste particular.
A inspeção referida diz respeito ao controle judicial que o
magistrado pode e deve exercer permanentemente nos casos de
tutela, especialmente através de prestação de contas periódi-
ca 457 a ser oferecida pelo tutor ou seus sucessores e de autoriza-
ção para determinados atos. 458 No mais, a função do protutor,
figura introduzida no Novo Código Civil, acaba por incumbir-se
de fiscalização que antes era exclusiva do juiz.
Ainda, os termos “zelo” e “boa-fé” parecem ter sido utiliza-
dos sem a preocupação quanto ao uso de linguagem jurídica.
Assim, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira define zelo como

456 Art. 440. O Juiz, de ofício ou a requerimento da parte, pode, em qual-


quer fase do processo, inspecionar pessoas ou coisas, a fim de se es-
clarecer sobre fato, que interesse à decisão da causa.
457 Art. 1.755 a 1.762 do Novo Código Civil.
458 Art. 1.748 do Novo Código Civil.
484
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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sendo: “pontualidade e diligência em qualquer serviço” e boa-fé


como: “certeza de agir com o amparo da lei, ou sem ofensa a ela”,
ou “ausência de intenção dolosa”. 459

Art. 1.742. Para fiscalização dos atos do tutor,


pode o juiz nomear um protutor.
Direito anterior: Não existe previsão.

Protutor é figura jurídica inédita na legislação pátria, ins-


tituída no Novo Código Civil, para a proteção do tutelado e seus
bens.
A protutoria consiste na nomeação judicial de terceiro para
exercer a fiscalização dos atos do tutor, assim considerados os
de administração de bens, bem como aqueles que digam respei-
to à pessoa do menor, sua criação, educação e assistência.
O protutor desempenha o papel de longa manus do juiz
para tais finalidades, permitindo que o magistrado, através de
nomeação de alguém de sua confiança, possa acompanhar de
forma amiudada a administração da pessoa do tutelado e seus
bens.
Esta a razão por que ao juiz é facultada a nomeação. Se,
diante dos elementos constantes do processo, verificar o magis-
trado que não há necessidade da nomeação do protutor, quer
porque o menor não possui bens, quer porque o tutor mantém
com o pupilo profunda relação de afetividade ou confiança, não
necessitará fazê-lo.
A figura do protutor é prevista no Código Civil Português, 460
e tem idêntica finalidade, sendo certo que, no país irmão, tal
encargo é exercido por um dos vogais do Conselho de Família.
Entre as funções do protutor no Direito lusitano está a de
cooperar com o tutor no exercício das funções tutelares, substi-
tuí-lo nas suas faltas e impedimentos, bem como funcionar como
curador especial quando houver ação judicial na qual os inte-
resses do tutor e tutelado colidam, 461 não cabendo, entretanto,
por ausência de expressa previsão legal, a aplicação pátria de
idênticos encargos.

459 Novo Aurélio, Ed. Nova Fronteira, 3ª ed., 1999, p. 2.105 e 309.
460 Art. 1.955 do Código Civil Português.
461 Art. 1.956 do Código Civil Português.
Seção IV — Do Exercício da Tutela
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485
○ ○

Da mesma forma, a legislação civil italiana 462 prevê a no-


meação de protutor para fiscalização do exercício da tutoria, com
a finalidade de representar o menor quando seus interesses co-
lidirem com os do tutor, detendo a legitimidade para requerer a
remoção do tutor nomeado, praticando os atos urgentes e ne-
cessários à conservação dos bens e administração da pessoa do
tutelado, enquanto não designado novo tutor.
A previsão do art. 1.742 não especifica as condições para a
nomeação e desempenho do encargo, devendo interpretar-se no
sentido de que as regras aplicáveis ao tutor também deverão
sê-lo ao protutor, nos limites do exercício de cada uma das fun-
ções.
Deste modo, as condições para o exercício da tutela (e.g.
capacidade) e os impedimentos descritos no art. 1.735 serão res-
peitados pelo magistrado quando da escolha do protutor, bem
como caberá ao Ministério Público, ou a quem tenha legítimo
interesse, requerer a remoção do protutor, legitimação outorga-
da pelo art. 1.194 do CPC, no que é aplicável.
Ademais, para que a finalidade da nova figura jurídica
possa ser integralmente alcançada, impossível que o protutor
seja parente, qualquer que seja o grau de parentesco, do tutor
nomeado.
Merece o protutor, de acordo com o trabalho desempenha-
do, nos termos do disposto no § 1º do art. 1.752 do Novo Código
Civil, perceber gratificação módica, obviamente, em valor infe-
rior ao fixado em favor do tutor.
Por fim, eventuais prejuízos causados ao tutelado pelo
protutor deverão, diante do contido no § 2º do mesmo artigo 1.752,
ser suportados solidariamente por todos os que contribuíram para
a ocorrência do dano, cabendo a apuração e reparação através
de ação judicial própria, perante o Juízo que deferiu a tutela, a
ser ajuizada pelo tutelado, o Ministério Público ou quem tenha
legítimo interesse.

462 Art. 360. Funzioni del protutore:Il protutore rappresenta il minore


nei casi in cui l’interesse di questo è in opposizione con l’interesse del
tutore (380). Se anche il protutore si trova in opposizione d’interessi
col minore, il giudice tutelare nomina un curatore speciale. Il protutore
è tenuto a promuovere la nomina di un nuovo tutore nel caso in cui il
tutore è venuto a mancare o ha abbandonato l’ufficio. Frattanto egli
ha cura della persona del minore, lo rappresenta e può fare tutti gli
atti conservativi e gli atti urgenti di amministrazione.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Art. 1.743. Se os bens e interesses administrati-


vos exigirem conhecimentos técnicos, forem
complexos, ou realizados em lugares distantes
do domicílio do tutor, poderá este, mediante
aprovação judicial, delegar a outras pessoas fí-
sicas ou jurídicas o exercício parcial da tutela.
Direito anterior: Não existe previsão.

Da mesma forma que no artigo anterior, a previsão conti-


da no art. 1.743 é inédita na legislação pátria. Poderia a figura
jurídica ser chamada de co-tutor, uma vez que admite o disposi-
tivo a partilha da tutela quer em razão da especialização neces-
sária à administração dos bens e interesses do tutelado, quer
pela distância entre o local onde está estabelecido o bem e o
domicílio do menor e seu tutor.
É certo, porém, que a partilha do encargo em favor de ter-
ceiro é admitida somente em relação aos bens e interesses do
menor, não se aplicando à sua pessoa.
A co-tutoria pode ser deferida em favor de pessoa física ou
pessoa jurídica. Se pessoa física, a ela, da mesma forma que ao
protutor, se aplicarão os dispositivos legais referentes à pessoa
do tutor (capacidade e impedimentos), devendo ser acrescida aos
requisitos gerais a especialização, no caso da primeira figura do
co-tutoria, e o local do domicílio, tratando-se da segunda.
Novidade, entretanto, se verifica na possibilidade de no-
meação de pessoa jurídica para o desempenho da co-tutoria.
Cabendo a designação em razão de necessidade de conhecimen-
tos técnicos, caberá à associação, sociedade ou fundação provar
sua especialização, bem como comprovar nos autos sua regular
existência. Se a hipótese é de pessoa jurídica instalada no local
onde estão localizados os bens ou interesses do menor, basta
que comprove sua capacidade para exercer a administração e
sua sede.
Em qualquer caso, assumindo pessoa jurídica a co-tuto-
ria, deverá oferecer caução (parágrafo único do art. 1.745), bem
como a ela serão impostas todas as obrigações e deveres e direi-
tos imputados ao tutor (arts. 1.747/1.762).
Embora o artigo não especifique, deve o magistrado, quan-
do da autorização para a delegação de poderes, fazê-lo de forma
específica, minuciosa, discriminando os bens e interesses que
serão administrados pelo co-tutor e seu prazo (se a termo).
Seção IV — Do Exercício da Tutela
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Ainda, por dever de cautela, sendo certo que a possibilida-


de de nomeação de co-tutor faz presumir a existência de razoá-
vel patrimônio em nome do tutelado, deve o juiz determinar a
realização de avaliação judicial prévia do bem (ainda que por
carta precatória, se necessário), perícia contábil, ou qualquer
outro meio de prova que permita, quando da cessação da co-
tutoria, a verificação de eventuais prejuízos ocasionados pela
administração realizada pelo co-tutor, não obstante o disposto
no art. 1.745.

Art. 1.744. A responsabilidade do juiz será:


I — direta e pessoal, quando não tiver nomeado
o tutor, ou não o houver feito oportunamente;
II — subsidiária, quando não tiver exigido ga-
rantia legal do tutor, nem o removido, tanto que
se tornou suspeito.
Direito anterior: Arts. 420 e 421 do Código Civil.

Condensou o Novo Código em um só dispositivo as hipóte-


ses de responsabilidade do juiz, previstas em dois artigos distin-
tos no Código Civil de 1916, tratando o inciso I da responsabili-
dade direta e pessoal do magistrado e o inciso II da responsabi-
lidade subsidiária em relação aos atos do tutor, quando não hou-
ver exigido a garantia ou, ainda, quando a remoção do tutor se
evidenciava como única solução em favor do menor, e o magis-
trado não a determinou a tempo, permitindo a ocorrência de pre-
juízo pelo tutelado.
O artigo comentado deve ser interpretado com o auxílio da
norma genérica prevista no art. 133 do Código de Processo Ci-
vil. Dispõe a lei adjetiva:
“Responderá por perdas e danos o juiz, quando:
I — no exercício de suas funções, proceder com dolo ou frau-
de;
II — recusar, omitir, retardar, sem justo motivo, providên-
cia que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte.
Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as hipóteses
previstas no nº II só depois que a parte, por intermédio do escri-
vão, requerer ao juiz que determine a providência e este não lhe
atender o pedido dentro de dez dias”.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Por outro lado, têm entendido nossos Tribunais 463 que o


magistrado, no exercício da função, equivale ao agente referido
no § 6º do ar t . 3 7 da C o nst i t ui ç ã o F e d e r a l, 4 64 c a b e n d o o
ajuizamento da ação de responsabilidade em face do Estado, e
ainda, no caso de dolo ou culpa, a denunciação da lide. 465
Esta a hipótese da tutela. Havendo demora na prestação
jurisdicional, comprovado o prejuízo ao tutelado, bem como a
ocorrência das condições da lei processual, poderá a parte pre-
judicada ou qualquer legitimamente interessado na defesa do
interesse do menor, propor ação de indenização em face do Es-
tado.

Art. 1.745. Os bens do menor serão entregues


ao tutor mediante termo especificado deles e
seus valores, ainda que os pais o tenham dis-
pensado.
Parágrafo único. Se o patrimônio do menor for
de valor considerável, poderá o juiz condicionar
o exercício da tutela à prestação de caução bas-
tante, podendo dispensá-la se o tutor for de re-
conhecida idoneidade.
Direito anterior: Art. 423 do Código Civil.

Veio o artigo 1.745 tornar menos complexas ou onerosas as


exigências para o oferecimento de garantia na tutela. Agiu bem
o legislador ao retirar da lei substantiva a necessidade de espe-
cialização de hipoteca legal.
Tal procedimento, desde há muito, vinha sendo criticado
pela Doutrina e pelos aplicadores do Direito, diante da dificul-
dade de se encontrar tutor que admitisse assumir o munus, ten-
do seus bens imóveis comprometidos pela hipoteca legal.

463 “Responsabilidade civil do Estado. Ato de magistrado. Ação de inde-


nização contra o Estado em razão de dano irreversível causado à par-
te em virtude de omissão ilegal verificada em ato jurisdicional. Inte-
ligência do art. 37, XI, § 6º da CF/**. Procedência da ação.” (RJ 179/
81, maioria)
464 § 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus
agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito
de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
465 Art. 70, III, do CPC.
Seção IV — Do Exercício da Tutela
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○ ○

Washington de Barros Monteiro, com a experiência de quem


exerceu a magistratura por longos anos, afirma, referindo-se ao
art. 418 do Código Civil de 1916: “O Código é bastante rigoroso
nessa matéria; se o mesmo fosse inflexivelmente aplicado, difícil
se tornaria, na maior parte dos casos, a obtenção de pessoas que
se dispusessem a aceitar o encargo, porque, em regra, ninguém
vê de bom grado a oneração dos próprios bens”. 466
No mesmo sentido, trabalho de autoria de Giovanni Ferri,
Promotor de Justiça no Estado do Paraná, no qual sustenta: “Efe-
tivamente a exigência civilista visa a resguardar o patrimônio
do tutelado de eventuais dilapidações. Todavia, não se pode ele-
var a hipoteca legal a uma barreira intransponível para a con-
secução da tutela. Se, por um lado, a especialização visa a dar
segurança aos bens do tutelado, por outro, muitas vezes esbarra
frontalmente aos interesses do tutor. Os pouquíssimos interes-
sados em assumir o encargo da tutela já são instados a partici-
par de uma maratona judicial para concretizá-la, e muitas ve-
zes acabam recusando o munus em virtude da exigência”. 467
O Estatuto da Criança e do Adolescente, desde 1990, ad-
mite a dispensa da caução (no caso hipoteca legal) sempre que o
tutelado não possuir bens ou rendas ou se os rendimentos fo-
rem suficientes somente para a mantença do tutelado. 468
Há, no mesmo dispositivo da Lei 8.069/90, previsão quan-
to a estarem os bens imóveis devidamente registrados no Re-
gistro de Imóveis. Neste caso, tão-somente o registro já garante
proteção à eventual dissipação do patrimônio do menor, uma
vez que qualquer alteração dependerá de autorização judicial.
Neste sentido, Mônaco da Silva aduz: “No primeiro caso mos-
tra-se dispensável a especialização de bens em hipoteca legal
porque a existência de escritura pública, devidamente registra-
da no cartório da circunscrição imobiliária competente, é sinal
indicativo de que o tutor, ainda que alimente a idéia de dilapidar
os imóveis do pupilo, ficará manietado, sem condições de aliená-
los. Aliás, é da índole do Código Civil proteger ao máximo o
patrimônio do menor...” 469

466 Curso de Direito Civil, Ed. Saraiva, 1979, Vol. 2, p.310.


467 Revista Igualdade, Ed. 14 — www.mp.pr.gov.br/institucional/capaio/
caopca/IGUAL/14.
468 Art. 37 e parágrafo único da Lei 8.069/90.
469 Ob. cit. nota 431, p. 75.
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Esta índole, embora afastada a exigência da especializa-


ção de hipoteca legal, foi integralmente mantida no Novo Códi-
go Civil, através do oferecimento de caução suficiente a garan-
tir o patrimônio do menor, se este apresentar valor considerá-
vel.
Caberá ao juiz determinar o que seja “valor considerável”
exercitando avaliação subjetiva e levando-se em consideração
as características locais. Numa comarca rural, extremamente
pobre, receber um órfão algumas cabeças de gado e uma chá-
cara ou fazendola produtiva, pode representar valor conside-
rável, cabendo a aplicação do parágrafo único do art. 1.745.
Por outro lado, em um grande centro urbano, adquirir o me-
nor, por exemplo, por herança, um imóvel que sirva para sua
habitação e um automóvel, não ensejará, necessariamente, a
exigência de caução, embora, avaliados os bens, estes possam
apresentar valor superior àqueles referidos na hipótese da
comarca rural.
Quanto à caução, deverá ser registrada em Cartório de
Títulos e Documentos se o bem for móvel e, tratando-se de imó-
vel, averbada à margem dos assentamentos referentes à res-
pectiva matrícula, no Cartório de Registro de Imóveis.
Manteve, ainda, o Novo Código previsão legal de serem os
bens entregues ao tutor mediante termo especificado, com os
respectivos valores, medida acautelatória que poderá ensejar,
no futuro, real avaliação de eventuais prejuízos sofridos pelo
menor.
Os valores atribuídos aos bens devem ser apurados atra-
vés de avaliação judicial.
Embora por vezes morosa e dispendiosa, a avaliação judi-
cial confere lisura e garante fidelidade ao preço de mercado. O
tutor, se inescrupuloso, desde aí buscará falsear os fatos, ofe-
recendo valor subavaliado a cada um dos bens do tutelado, de
forma a impossibilitar ou mascarar a apuração dos prejuízos
causados ao final do encargo. Assim que mera indicação ofere-
cida por aquele que assume a tutoria não importa em alcançar,
efetivamente, a finalidade buscada pela Lei Civil. Deve o juiz,
pois, por dever de cautela, determinar a avaliação judicial dos
bens.
Por fim, em decorrência da nova norma legal, derrogados
restaram os artigos 1.188 e 1.189, ambos do CPC, e o art. 37 do
Estatuto da Criança e do Adolescente, no que colidem com a lei
ordinária mais recente.
Seção IV — Do Exercício da Tutela
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Art. 1.746. Se o menor possuir bens, será sus-


tentado e educado a expensas deles, arbitran-
do o juiz para tal fim as quantias que lhe pare-
çam necessárias, considerando o rendimento da
fortuna do pupilo quando o pai ou mãe não as
houver fixado.
Direito anterior: Art. 425 do Código Civil.

Inadmissível impor ao tutor o sustento do pupilo se este


aufere renda ou possui patrimônio deixado pelos pais.
O tutor, ao assumir a responsabilidade pela educação, cria-
ção e assistência do menor, já toma para si pesado encargo. Sen-
do possível não onerá-lo com a assunção das despesas decorren-
tes da educação e mantença do menor, menos pesado, obviamen-
te, se tornará o munus.
O valor a ser fixado pelo juiz deve guardar consonância
com o padrão mantido pelos pais do menor quando vivos (se es-
ses já não o fixaram) e ao qual já estava o pupilo acostumado,
bem como velar quanto à possibilidade de retirada mensal, para
que não venha a ocorrer a diminuição do patrimônio recebido
através de herança. Ou seja, deve o juiz autorizar retirada perió-
dica, em valor fixo, que incida somente sobre os rendimentos.
Por dever de cautela, deve a autorização judicial ser
deferida para despesas a se realizarem em pequeno prazo (e.g.
trimestral), cabendo, para cada uma delas, prestação de con-
t a s , a s e r a p r e s e n t a d a p e l o t u t o r, r e f e r e n t e a o s v a l o r e s
despendidos no período anterior, acompanhada dos recibos
comprobatórios das despesas, nos termos dos arts. 917 e 919,
ambos do CPC.
Determinando o juiz a apresentação das contas referentes
ao período imediatamente anterior como condição para a libe-
ração do valor correspondente ao trimestre seguinte, estará se-
guro de que a importância recebida pelo tutor está sendo utili-
zada em pagamento de despesas com o menor, bem como poderá
avaliar, periodicamente, as reais necessidades do órfão.
Por outro lado, se o tutor é pessoa responsável, atenta aos
encargos decorrentes da tutela, poderá agir com mais seguran-
ça e independência na administração dos bens e direitos do pu-
pilo, uma vez que suas contas anteriores já estão prestadas e
aprovadas pelo juízo.
De toda a forma, parece que a questão repousa, como numa
ação de alimentos, no binômio necessidade x possibilidade. Se o
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patrimônio permite e nos limites das necessidades do tutelado,


deverá ser fixada a retirada, o que não obsta, ao revés autoriza,
que o magistrado possa determinar as condições e periodicidade
do levantamento em favor do tutor.

Art. 1.747. Compete mais ao tutor:


I — representar o menor, até os dezesseis anos, nos
atos da vida civil, e assisti-lo, após essa idade, nos
atos em que for parte;
II — receber as rendas e pensões do menor, e as
quantias a ele devidas;
III — fazer-lhe as despesas de subsistência e educa-
ção, bem como as de administração, conservação e
melhoramentos de seus bens;
IV — alienar os bens do menor destinados a venda;
V — promover-lhe, mediante preço conveniente, o ar-
rendamento de bens de raiz.
Direito anterior: Arts. 426 e 427, V, do Código Civil.

Os atos praticados pelo tutor, numa condição assemelha-


da ao do mandatário, podem ser conceituados e agrupados em
três espécies: a) aqueles que se praticam em virtude do poder
de representação do incapaz, como administrador e seu repre-
sentante legal; b) aqueles que se praticam com autorização do
juiz, ou mediante homologação deste; c) os que não pode prati-
car, sob pena de nulidade.
Os primeiros estão discriminados no art. 1.747 e estão in-
seridos no poder discricionário daqueles que exercem o poder
familiar ou equivalente. Entre estes figuram os atos naturais
de representação e assistência, tais como a autorização para o
casamento 470 e para remoção post mortem de tecidos, órgãos ou
partes do corpo. 471
O artigo 426, I, do Código Civil de 1916 dispunha: “Com-
pete mais ao tutor: representar o menor, até os 16 (dezesseis)
anos, nos atos da vida civil, e assisti-lo, após essa idade, nos
atos em que for parte, suprindo-lhe o consentimento”.
É certo que o suprimento de consentimento integra o ins-
tituto da assistência do menor relativamente incapaz, não sen-
do necessário que venha o mesmo expressamente no texto legal.

470 Artigo 1.517.


471 Art. 19, § 4º do Decreto nº 2.268/97, e art. 5º da Lei nº 9.434/97.
Seção IV — Do Exercício da Tutela
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Sobre a matéria, esclarece Pontes de Miranda: “A manifes-


tação de vontade ou de conhecimento, pelo pai ou pelo tutor,
quanto ao menor de dezesseis anos, fica no lugar da manifesta-
ção de vontade ou de conhecimento pelo menor, porque é absolu-
tamente incapaz, e o mesmo ocorre quanto aos outros absoluta-
mente incapazes. A manifestação de vontade ou de conhecimen-
to pelo que complete dezesseis anos não é constituída pela mani-
festação de vontade pelo pai ou pelo tutor: o tutor presta mani-
festação de vontade que consiste em estar de acordo com que o
que o menor relativamente incapaz manifestou de vontade ou
de conhecimento”. 472
Os incisos II e III referem-se aos aspectos contábeis da
administração dos bens e patrimônio do menor, cabendo ao tu-
tor receber os valores referentes à renda e pensão a ele devidos,
bem como despender o necessário com a pessoa e educação do
pupilo. Estas quantias são aquelas que, na hipótese do artigo
1.746, deverão ser objeto de prestação de contas, havendo su-
gestão (comentários ao artigo 1.755) quanto à menor periodici-
dade, a ser fixada pelo juiz, quando se tratar de créditos e débi-
tos realizados amiúde.
O Instituto Nacional de Seguro Social, através da Instru-
ção Normativa nº 20, de 18.05.2000, em seu art. 187,473 prescre-
ve não ser necessário o termo de tutela para que o beneficiário
venha a receber a pensão.
A medida é adequada.
A tutela não é procedimento rápido, exigindo a realização
de audiência especial (possibilita ao juiz e ao representante do
Ministério Público formarem juízo e convencimento após impres-
são pessoal), quiçá estudo social, não sendo raros os casos de
decisões proferidas somente alguns meses após o óbito ou au-
sência dos pais. Assim, sendo de natureza alimentar o benefí-
cio, não há como retardar-lhe a entrega da prestação, devendo o
pagamento ser efetivado de imediato, mediante a simples apre-

472 Ob.cit., nota 429, p. 349 e 350.


473 Art. 187: “Quando do requerimento de qualquer benefício do RGPS
devido ao segurado ou dependente civilmente incapaz, a não apresen-
tação do termo de tutela ou de curatela não impedirá sua concessão,
desde que apresentado o protocolo do pedido junto à Justiça ou o ter-
mo de guarda, ou, ainda, seja firmado termo de compromisso (admi-
nistrador provisório)”.
494
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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sentação do protocolo de distribuição do processo judicial ou as-


sinatura de termo de administrador provisório.
A alienação de bens destinados à venda de que trata o inciso
IV refere-se àqueles indispensáveis à própria manutenção do
menor, sem que a venda importe em minoração do patrimônio
(art. 1.746 e seus comentários), tais como os frutos e produtos
previstos no art. 95 do Novo Código Civil. Antiga decisão do
Tribunal de Justiça de Minas Gerais, datada de 1961, definiu:
“A venda dos bens da pupila não constitui, por si só, ato de má
administração da parte do tutor inventariante. Os bens que são
produtos das colheitas dispensam autorização judicial (art. 428,
IV do Código Civil) para venda, pois se não forem alienados po-
derão perder-se”.
Quanto ao arrendamento, embora se discuta se seria ou
não contrato agrário, 474 é lícito admitir-se usar-se tal expressão
também para a locação de imóveis. Nesse sentido verbete do
Dicionário Enciclopédico de Direito: “Contrato pelo qual o ar-
rendador dá em locação um imóvel ao arrendatário. Não há di-
ferença essencial entre o arrendamento e a locação de imóveis,
em que pese alguns autores afirmarem que o termo arrenda-
mento deve ser aplicado à locação de imóvel rural, restando a
locação propriamente dita como a cessão de imóvel urbano, me-
diante o pagamento de um aluguel”. 475
Assim, cabível a aplicação do disposto no inciso V, ainda
que se trate de imóvel urbano, merecendo, de todo modo, res-
salvar-se que deve o tutor, como medida preliminar e acau-
telatória para o contrato de locação de bens de raiz, realizar
prévia avaliação, objetivando, em qualquer tempo, provar em
juízo que o arrendamento, nos termos operados, não era preju-
dicial ao menor, assim como ocorre na hipótese de alienação de
imóveis.

474 Art 1º do Decreto 59.566, de 14.11.66, que regulamenta a Lei 4.504,


de 30.11.64 (Estatuto da Terra):
“O arrendamento e a parceria são contratos agrários que a lei re-
conhece, para o fim de posse ou uso temporário da terra, entre o proprie-
tário, quem detenha a posse ou tenha a livre administração de um
imóvel rural e aquele que nela exerça qualquer atividade agrícola,
pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista”.
475 Acquaviva, Marcus Cláudio, Ed. Brasiliense, 1988, Vol. 1, p. 224.
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Art. 1.748. Compete também ao tutor, com auto-


rização do juiz:
I — pagar as dívidas do menor;
II — aceitar por ele heranças, legados ou doa-
ções, ainda que com encargos;
III — transigir;
IV — vender-lhe os bens móveis, cuja conserva-
ção não convier, e os imóveis nos casos em que
for permitido;
V — propor em juízo as ações, ou nelas assistir
o menor, e promover todas as diligências a bem
deste, assim como defendê-lo nos pleitos con-
tra ele movidos.
Parágrafo único. No caso de falta de autoriza-
ção, a eficácia de ato do tutor depende da apro-
vação ulterior do juiz.
Direito anterior: Art. 427 do Código Civil.

Trata o presente artigo das hipóteses de administração dos


bens do menor tutelado as quais exigem autorização judicial.
A novidade se estriba na possibilidade de o tutor, posterior-
mente à prática do ato de administração, tê-lo por validado, atra-
vés de autorização judicial posterior.
Assim, o ato praticado sem autorização judicial, embora
válido, não produzirá efeitos, até que seja ratificado pelo juiz.
Sua eventual anulabilidade ocorrerá se o julgador, tomando co-
nhecimento do caráter lesivo, ilegalidade, inconveniência,
inoportunidade ou circunstância assemelhada na prática do ato,
negar-lhe autorização.
Trata-se de anulabilidade porque a lei, diversamente do
disposto no artigo 1.749, não impõe a sanção de nulidade para
os atos elencados no art. 1.748 praticados sem autorização judi-
cial. Deste modo, necessário será o ajuizamento de ação própria
pelo tutelado ou seus herdeiros, se cessado o encargo, ou pelo
Ministério Público, durante a gestão do tutor, cabendo ao
Parquet, verificado o prejuízo, a adoção de pedido de remoção
do tutor.
O dies a quo do prazo prescricional, em relação ao tutela-
do e seus herdeiros, é o do momento em que cessa a tutela. 476

476 Art. 197, III, do Novo Código Civil.


496
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As dívidas de que trata o inciso I, em contrapartida ao dis-


posto no art. 1.747, III, são as que não se refiram às despesas
indispensáveis à subsistência e educação do tutelado.
Não se discute a indispensabilidade da autorização judi-
cial para a transação e a representação em juízo é medida
assecuratória à manutenção do patrimônio do menor. É certo,
entretanto, que há hipóteses em que o tutor, a fim de alcançar
melhor proveito para o pupilo, necessita, de forma ágil e eficien-
te, tomar decisões. Neste sentido, a possibilidade de autorização
posterior do juiz trouxe vantagens.
Por outro lado, diante da alternativa outorgada pela nova
lei, cada vez mais deverão o Ministério Público e o juiz estar
atentos para os atos praticados pelo tutor. O ideal seria a vigi-
lância se operasse de forma mais amiúde, com efetiva fiscaliza-
ção através de freqüentes visitas domiciliares e estudos sociais
das equipes interdisciplinares. O processo de tutela, mais espe-
cialmente quando tenha o tutelado bens ou direitos, não deve
ser arquivado até que o menor alcance sua capacidade civil, sob
pena de estar o Poder Judiciário “arquivando”, simbolicamen-
te, a própria criança ou adolescente.
Por fim, quanto à venda dos bens do menor, deixou a nova
codificação de exigir hasta pública.
Agiu bem o legislador.
Os leilões são procedimentos dispendiosos, exigindo a pu-
blicação de editais ao menos para realização de duas praças (na
primeira, os lances raramente alcançam valor superior ao pre-
ço considerado vil), muitas vezes não logrando bom êxito, neces-
sitando ser renovados. Na atualidade, os leilões obrigatórios
podem constituir verdadeiros óbices, entraves, vindo a criar
embaraços que sobremaneira prejudicam a realização do negó-
cio, o que rotineiramente vem causando sensível prejuízo aos
incapazes. Recentemente, inclusive, foram prolatadas decisões
em favor da desconsideração da exigência legal da hasta públi-
ca, a fim de que o bem, após avaliação judicial, pudesse ser alie-
nado por preço superior ao da avaliação.
Eduardo Espínola, aliás, já recomendava: “A exigência de
hasta pública, em todos os casos, pode ser prejudicial aos inte-
resses do menor, como é de freqüente observação. Deverá ficar ao
critério do juiz, com a audiência do curador de órfãos, apreciar
as circunstâncias e verificar se a venda particular não seria mais
proveitosa ao menor, como acontece em outras legislações”. 477

477 Ob.cit. nota 444, p. 494.


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Assim, acertada a adoção, pelo legislador, da possibilidade


de venda de bem imóvel, diretamente ao interessado, através de
valor de mercado, com as cautelas de praxe, como prévia avalia-
ção judicial do bem e depósito à vista, em conta judicial, de seu
valor integral, somente então expedindo-se alvará para a
lavratura da escritura ou outro ato necessário à transferência
do domínio do bem.
Com a exclusão da hasta pública, restaram solucionadas
questões vivamente debatidas na doutrina e jurisprudência tais
como: dissolução de condomínio (se o bem poderia ser vendido
diretamente, usando um dos condôminos do direito de preferên-
cia), possibilidade de realização de permuta de bem do menor e
outras.
Quanto à permuta, inclusive, diante da evidente possibili-
dade de sua aplicação ao patrimônio do tutelado, deverá o juiz,
com a audiência do Ministério Público, determinar a adoção de
medidas prévias, tais como: juntada da prova de propriedade do
bem a ser incorporado ao patrimônio do menor, com as quitações
dos tributos respectivos; juntada de certidões negativas de re-
gistro de protestos de títulos e interdições e tutelas, referentes
aos proprietários; juntada de certidão negativa de ônus reais,
vintenária, se se tratar de bem imóvel; avaliação judicial do bem
a ser incorporado, assim como do que será alienado, de maneira
a ser aquilatada e expressada a equivalência de valores.
Por fim, merece destaque ressalva do mestre Pontes de
Miranda quando aponta a seguinte hipótese: “se alguém, sem
ser tutor, administra bens de menor, tem o dever de dar contas e
o direito a ser indenizado. É gestor de negócios e como tal reponde
(Código Civil, arts. 1.331 a 1.345). Diz-se putativo quando se
crê tutor e procedeu de boa-fé; falso quando, para iludir a ter-
ceiro ou terceiros, se diz tutor e pratica atos que lhe competiri-
am se verdadeiro fosse. Os lesados têm ação de gestão de negóci-
os, a de enriquecimento injustificado e a de ato ilícito, conforme
os arts. 1.332-1.345”.
Embora não tenha o Novo Código Civil mantido o instituto
da gestão de negócios, caberão, em face do falso tutor, as ações
mencionadas por Pontes de Miranda — por enriquecimento
injustificado e ato ilícito, bem como a de indenização por perdas
e danos. Com relação, entretanto, ao tutor putativo, seus atos
podem ser ratificados, se não causaram prejuízo ao menor, res-
pondendo, se ocorrentes os danos, como se tutor fosse.
498
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Art. 1.749. Ainda com a autorização judicial, não


pode o tutor, sob pena de nulidade:
I — adquirir por si, ou por interposta pessoa,
mediante contrato particular, bens móveis ou
imóveis pertencentes ao menor;
II — dispor dos bens do menor a título gratuito;
III — constituir-se cessionário de crédito ou di-
reito, contra o menor.
Direito anterior: Art. 428 do Código Civil.

Cuida o artigo 1.749 das vedações absolutas impostas aos


tutores. Referem-se tais vedações a atos que o gestor dos bens
do menor não pode praticar.
Natural a vedação.
Caso ela não existisse, o tutor, como é óbvio, teria, com a
prática dos atos descritos nos incisos I a III do artigo 1.749, seus
interesses pessoais em evidente colidência com os interesses do
pupilo, sendo possível que aqueles venham a prevalecer em re-
lação a estes.
Neste sentido, trecho da lição de Washington de Barros
Monteiro, ao comentar que a nulidade prevista no artigo 428 do
Código Civil de 1916 “prende-se obviamente a uma exigência da
moral. Tais atos, quando praticados pelo tutor, são sempre sus-
peitos de desonestidade. Impõe-lhe a lei o máximo escrúpulo.
Deve ele abster-se, portanto, da prática de atos que o coloquem
em manifesto antagonismo com os interesses do pupilo”. 478
Na mesma esteira, Orlando Gomes esclarece: “(...) não se
trata propriamente de incapacidade, mas sim de falta de
legitimação. O tutor não é incapaz; apenas não está legitimado
a praticar certos atos. A distinção se faz necessária em decor-
rência de melhor apuração dos conceitos. (...) o tutor poderia
sobrepor seus interesses aos do pupilo, prevalecendo-se de sua
posição para obter vantagens em detrimento dos interesses que
lhe incumbe preservar e defender. A incompatibilidade manifes-
ta-se naqueles negócios em que se colocariam em posições con-
trapostas, indicativas de um conflito de interesses presumido
pela lei. A proibição é invencível. Em nenhuma circunstância,
pode ser levantada. Nenhuma razão justifica seu afastamento.
Os atos defesos não podem ser praticados, mesmo com autoriza-
ção judicial”. 479

478 Ob.cit. nota 466, p. 313/314.


479 Ob.cit. nota 438, p. 434 e 435.
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Importante, ainda, verificar que o elenco estabelecido no


artigo comentado não é exaustivo, tendo em vista que o próprio
Código Civil dispõe sobre outros casos em que a autorização ju-
dicial é condição para a validade do ato (artigos 497, 580 e 974).
De toda sorte, a vedação que importa em nulidade será sempre
oriunda de disposição legal. Não sendo a hipótese defesa em lei,
aplicar-se-á o disposto no parágrafo único do art. 1.748 do Novo
Código Civil.
Ademais, o requerimento de nulidade poderá ser formula-
do pelo Ministério Público, enquanto durar a tutela, ou por
quaisquer interessados legitimados, tais como pai ou mãe que
recuperem o poder familiar, novo tutor ou algum credor do me-
nor.
O tutelado, ao alcançar a capacidade civil, poderá pleitear
a declaração de nulidade, respeitada a disposição constante no
art. 197, III, no prazo previsto no art. 205, ambos do Novo Códi-
go Civil.

Art. 1.750. Os imóveis pertencentes aos meno-


res sob tutela somente podem ser vendidos
quando houver manifesta vantagem, mediante
prévia avaliação judicial e aprovação do juiz.
Direito anterior: Art.429 do Código Civil.

A nova redação do dispositivo comentado aperfeiçoou o teor


do anterior artigo 428. Preferiu o legislador autorizar a venda
de bem imóvel de menor sob tutela através de prévia avaliação
e autorização judiciais.
O leilão anteriormente exigido impunha, não raras vezes,
graves prejuízos ao menor. A hasta pública configurou-se siste-
ma de alienação ultrapassado, oneroso e demorado, caracterís-
ticas que efetivamente prejudicavam a celeridade que hoje se
impõe aos negócios.
A rapidez não implica, frise-se, açodamento, mas agilida-
de, muitas vezes conveniente, e mesmo necessária, aos interes-
ses do tutelado.
Deste modo, o juiz, ouvido o Ministério Público, além de
determinar a avaliação judicial do bem, a qual afastará, em tese,
a possibilidade de simulação, deverá exigir prova concreta de
que a alienação pretendida é imprescindível e acarretará mani-
festa vantagem ao menor.
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O pedido de alienação deve vir acompanhado de prova ine-


quívoca da vantagem, tais como para solver obrigação do me-
nor, ou para pagamento de inesperadas despesas com sua saú-
de. A regra, assim, deve ser a manutenção integral do patrimônio
imobiliário do tutelado, preservando-lhe o valor econômico.
Eduardo Espínola acrescenta, antecipando a nova lei e
comentando o art. 429 do Código Civil de 1916: “No direito an-
terior também se requeria a hasta pública para a venda de bens
do menor. Escreve Lafayette que compete ao tutor, com depen-
dência de autorização do juiz — “requerer a venda, em praça,
dos móveis e semoventes cuja conservação for prejudicial, e a
dos imóveis nos casos em que ela é permitida”. Acrescenta em
seguida: “Os bens imóveis dos órfãos não podem ser vendidos
senão por necessidade indeclinável, como para pagamento de
dívida que é impossível solver de outro modo; devem ser vendi-
dos os que forem menos proveitosos ao órfão, em praça, com au-
torização do juiz e audiência do tutor.” (Direitos da família, págs.
283-284). A exigência da hasta pública, em todos os casos, pode
ser prejudicial aos interesses do menor, como é de freqüente ob-
servação. Deverá ficar ao critério do juiz, com audiência do
curador de órfãos, apreciar as circunstâncias e verificar se a
venda particular não seria mais proveitosa ao menor, como acon-
tece em outras legislações”. 480
Magistral lição, que merece ser ratificada integralmente.
Diante da exigência imposta pelo art. 1.750, de prévia ava-
liação e autorização judiciais, o disposto no parágrafo único do
art. 1.748 não prevalecerá quando se tratar de alienação de imó-
vel sem a devida permissão. Este, aliás, o teor do inciso IV do
mencionado art. 1.748, todos do Novo Código Civil, a cujos co-
mentários, já antes aqui esboçados, se remete.

Art. 1.751. Antes de assumir a tutela, o tutor de-


clarará tudo o que o menor lhe deva, sob pena
de não lhe poder cobrar, enquanto exerça a tu-
toria, salvo provando que não conhecia o débi-
to quando a assumiu.
Direito anterior: Art.430 do Código Civil.

480 Ob. cit. nota 444, p. 495 e 496.


Seção IV — Do Exercício da Tutela
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○ ○

Trata o presente artigo de hipótese incomum, na qual o


tutor nomeado pelo juiz é credor do tutelado.
Impõe o Novo Código Civil que neste dispositivo somente
veio a reproduzir a legislação anterior, a indicação pelo tutor,
através de declaração nos autos, de tudo o que lhe deva o menor.
Tal dispositivo parece, prima facie, em contradição ao dis-
posto no art. 1.735, II do Novo Código Civil.
Entretanto, merece o art. 1.751, ora em comentário, inter-
pretação conjunta com o disposto no inciso II do art. 1.735, no
que diz respeito aos que houverem de fazer valer direitos con-
tra o tutelado e aqueles cujos pais, filhos ou cônjuges tiverem
demanda contra o menor.
Assim, caso o tutor, seus pais, filhos ou cônjuge possuam
direitos em face do tutelado, deverá o primeiro declará-los an-
tes de assumir a tutela, não cabendo, enquanto a exerça, a co-
brança da dívida. Se o fizer, entretanto, deverá o Ministério
Público, ou outro legitimado, ajuizar pedido de remoção funda-
do no inciso II do art. 1.735 do Novo Código Civil.
De qualquer forma, melhor teria sido se o legislador, man-
tendo a vedação do artigo 1.735, II, houvesse suprimido do Novo
Código Civil a norma comentada, a qual enseja interpretações
diversas.

Art. 1.752. O tutor responde pelos prejuízos que, por


culpa, ou dolo, causar ao tutelado; mas tem direito a
ser pago pelo que realmente despender no exercício
da tutela, salvo no caso do art. 1.734, e a perceber
remuneração proporcional à importância dos bens ad-
ministrados.
§ 1º Ao protutor será arbitrada uma gratificação mó-
dica pela fiscalização efetuada.
§ 2º São solidariamente responsáveis pelos prejuí-
zos as pessoas às quais competia fiscalizar a ativi-
dade do tutor, e as que concorrem para o dano.
Direito anterior: Art. 431 do Código Civil.

O caput do artigo 1.752 trouxe pequenas alterações em re-


lação ao dispositivo do Código Civil de 1916.
Por primeiro, excluiu o legislador do texto legal o termo
“negligência”. Tal modificação em nada alterou a obrigação do
tutor de reparar o prejuízo causado ao menor.
502
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Está o tutor isento da reposição do prejuízo quando o fato


que provocou o dano for decorrente de força maior ou caso for-
tuito (casus a nullo praestantur). Em contrapartida, quer seja o
prejuízo decorrente de negligência, imprudência ou imperícia,
caberá a integral reposição daquele, não importando se o dano
tenha sido provocado por dolo ou culpa.
Dolo, segundo Carvalho de Mendonça, é a infração do de-
ver legal ou contratual, cometida voluntariamente, com a cons-
ciência de não cumprir (animus injuriandi). 481
Culpa importa em erro de conduta que leva o indivíduo a
lesar o direito alheio.
Lecionando sobre o ato ilícito, o Professor Caio Mário da
Silva Pereira afirma: “O indivíduo, na sua conduta anti-social,
pode agir intencionalmente ou não, pode proceder por comissão
ou por omissão, pode ser apenas descuidado ou imprudente. Não
importa. A iliceidade de conduta está no procedimento contrá-
rio a um dever preexistente. Sempre que alguém falta ao dever a
que é adstrito, comete um ilícito, e como os deveres, qualquer
que seja a sua causa imediata, na realidade são sempre impos-
tos pelos preceitos jurídicos, o ato ilícito importa na violação do
ordenamento jurídico. (...) Procede por negligência se deixa de
tomar os cuidados necessários a evitar um dano; age por impru-
dência ao abandonar as cautelas normais que deveria observar;
atua por imperícia quando descumpre as regras a serem obser-
vadas na disciplina de qualquer arte ou ofício”. 482
Embora o Novo Código Civil tenha excluído a imperícia da
previsão contida no art. 186, o instituto jurídico permanece, po-
dendo ser aplicado, no caso de tutela, aos co-tutores, 483 já que
estes serão, na maioria das vezes, técnicos, experts.
De todo modo, havendo o tutor dado azo a dano assumido
pelo tutelado, deverá responder pelo prejuízo. A ação poderá ser
proposta pelo Ministério Público ou pelo tutelado (ao alcançar a
capacidade civil) ou por qualquer interessado, aí incluídos os
pais, se retomarem o exercício do poder familiar ou o novo tutor,
se removido o causador do dano, nos termos do art. 927 e segs.
do Novo Código Civil.

481 Doutrina e Prática das Obrigações, Vol. II, p. 448.


482 Instituições de Direito Civil, Ed. Forense, 19ª ed., 2001, Vol. I, p. 415/
416.
483 Art. 1.743 do Novo Código Civil.
Seção IV — Do Exercício da Tutela
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503
○ ○

A segunda modificação do texto legal refere-se à legalida-


de do que foi despendido pelo tutor no exercício da tutela. O
Novo Código Civil menciona, nesse passo, o vocábulo “realmen-
te”, enquanto o Código de Clóvis Beviláqua, com a precisão
redacional legislativa que lhe era peculiar, adotou o termo “le-
galmente”.
De fato, o vocábulo “realmente” não é, em princípio, termo
que preserve a boa técnica que deve orientar a redação jurídica,
nada representando e tendo caráter difuso e inespecífico. Se in-
terpretado literalmente 484 , tem-se que todos os valores gastos
pelo tutor na tutela deverão ser ressarcidos, circunstância que,
a toda evidência, não pode prosperar.
Há despesas que devem ser impugnadas pelo Ministério
Público e não acolhidas pelo Juízo. Há injustificáveis excessos,
e não são raros, na utilização da verba destinada ao menor. No
exercício da Curadoria de Órfãos da Comarca da Capital do Es-
tado do Rio de Janeiro, a comentarista teve a oportunidade de
deparar-se com prestações de contas que elencavam como des-
pesas ordinárias a aquisição de alimentos estrangeiros (sem re-
comendação médica), fretamento de táxi para viagens semanais
ao sítio do menor (quando havia a possibilidade de valer-se de
coletivo intermunicipal) e outras descabidas despesas.
Ora, nos exemplos citados, houve “realmente” a despesa,
mas esta não poderia ser, evidentemente, aprovada pelo Minis-
tério Público e admitida pelo juiz porque absolutamente inade-
quadas. Cabível a impugnação às contas do tutor, não obstante
realmente comprovadas as despesas. Melhor teria sido se o le-
gislador mantivesse o termo “legalmente”,485 que traz em seu bojo
o limite imposto pela própria Lei.
Por fim, no que diz respeito ao caput, a remuneração a ser
paga ao tutor deve ser proporcional à importância dos bens ad-
ministrados, cabendo aplicação desta parte do dispositivo legal
também aos co-tutores (art. 1.743).
A lei anterior limitava a remuneração ao percentual de 10%
da renda líquida anual dos bens, caso os pais não a tivessem
arbitrado.

484 Ob.cit., nota 459, p. 1.712, verbete Realmente: “De modo real; na rea-
lidade; verdadeiramente; sem dúvida”.
485 Ob.cit., nota 459, p.1.196, verbete legal: “1. Conforme ou relativo à
lei”. Verbete legalidade: “Qualidade ou estado de legal; conformidade
com a lei; legitimidade”.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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A supressão da previsão referente ao percentual parece cor-


reta. O juiz, no exercício de seu mister, é capaz de avaliar, se-
gundo o patrimônio do menor e o trabalho exercido pelo tutor, a
melhor remuneração. A fixação legal de percentual pode redun-
dar em exagero (caso o patrimônio do menor seja de expressivo
porte ou valor, mas de administração relativamente simples)
ou em descompasso entre o trabalho desenvolvido pelo tutor e a
renda produzida (por exemplo, quando o patrimônio do menor é
constituído de microempresa, que gera reduzido lucro líquido,
mas exige severa responsabilidade e dedicação, por vezes, inte-
gral do tutor).
Ademais, quando se tratar de criança ou adolescente nas
hipóteses do art. 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente, a
ausência de patrimônio ou renda do tutelado não autoriza res-
tituição das despesas ou gratificação pelo exercício do munus.
Quanto ao § 1º, reporte-se aos comentários oferecidos ao
art. 1.742.
O § 2º, por sua vez, impõe a solidariedade passiva a todos
os que devam fiscalizar a atividade do tutor, bem como aos que
concorram para o dano, podendo aí incluirem-se o co-tutor, o
protutor e o juiz (art. 1.744 do Novo Código Civil).
Seção V — Dos Bens dos Tutelados
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○ ○

Seção V
Dos bens dos tutelados

Art. 1.753. Os tutores não podem conservar em seu


poder dinheiro dos tutelados, além do necessário para
as despesas ordinárias com o seu sustento, a sua
educação e a administração de seus bens.
§ 1º Se houver necessidade, os objetos de ouro e pra-
ta, pedras preciosas e móveis serão avaliados por pes-
soa idônea e, após autorização judicial, alienados e
o seu produto convertido em títulos, obrigações e
letras de responsabilidade direta ou indireta da União
ou dos Estados, atendendo-se preferentemente à ren-
tabilidade e recolhidos ao estabelecimento bancário
oficial ou aplicado na aquisição de imóveis, confor-
me for determinado pelo Juiz.
§ 2º O mesmo destino previsto no parágrafo antece-
dente terá o dinheiro proveniente de qualquer outra
procedência.
§ 3º Os tutores respondem pela demora na aplicação
dos valores acima referidos, pagando os juros legais
desde o dia em que deveriam dar esse destino, o que
não os exime da obrigação, que o juiz fará efetiva,
da referida aplicação.
Direito anterior: Art. 432 do Código Civil.

Desnecessários, um tanto confusos e, principalmente, não


sintonizados com os novos tempos afiguram-se o artigo 1.753 e
seus parágrafos.
R e p e t e o a t u a l l e g i s l a d o r, c o m p e q u e n a s a l t e r a ç õ e s
redacionais que dificultaram ainda mais a interpretação da mens
legislatoris, o texto do artigo 432 do Código Civil de 1916.

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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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No referido dispositivo, acrescentou o Novo Código a locu-


ção “se houver necessidade”, substituiu “Caixas Econômicas Fe-
derais” pela expressão “estabelecimento bancário oficial” e su-
primiu a exigência de hasta pública para a venda dos bens.
Efetivamente, no início do século, em razão da precarieda-
de da medicina e das condições sanitárias urbanas, não era
incomum falecerem, ainda moços, brasileiros das camadas soci-
ais mais ricas e abastadas, deixando filhos menores, circuns-
tância que hoje ocorre em escala acentuadamente menor. Con-
siderando que é hoje de 68 anos a expectativa média de vida dos
brasileiros, a incidência de tal hipótese tornou-se estatistica-
mente desprezível, o que, evidentemente, dá ao conteúdo de
mencionada norma legal caráter praticamente inócuo.
Além desse fato, quando da edição do Código Civil de 1916,
a estrutura e a organização do sistema financeiro nacional eram
incipientes, beirando a precariedade, acessível somente aos eco-
nomicamente mais aquinhoados, sendo comum o investimento
em ouro e prata, jóias, pedras preciosas, bem como a manuten-
ção de dinheiro, em espécie, na posse direta dos chefes de famí-
lia.
Hoje, aqueles que dispõem de razoável poder aquisitivo,
até por questão de segurança, não mais utilizam a aquisição de
jóias ou pedras preciosas como reserva de valor e, se o fazem,
mantêm tais bens em cofres bancários. Da mesma forma, com a
difusão do uso do cartão de crédito e a acessibilidade ao siste-
ma bancário por parte de quase todas as classes sociais, não só
os mais ricos, mas também expressiva parcela da população bra-
sileira, mantêm em disponibilidade imediata, até mesmo em suas
casas, não mais do que o necessário para os pequenos pagamen-
tos diários.
Ora, pretendia o Código Civil de 1916 proteger valores e
bens móveis facilmente acessíveis ao tutor, e que poderiam ser
dilapidados sem controle do Judiciário. Ocorre que as disposi-
ções constantes dos artigos 1.741, 1.745, 1.748, IV e 1.752, to-
das do Novo Código Civil impõem regras que norteiam o atuar
do gestor dos bens, responsabilizando-o nas hipóteses em que
causar prejuízo ao tutelado, o que importa na desnecessidade
da manutenção da Seção V — dos bens do tutelado — a qual
merece, assim, ser retirada da Lei.
Sílvio Rodrigues, já quando comentava o artigo, em edição
atualizada em 1978, ponderava: “O legislador, em seção sob este
título, desceu a desnecessárias minúcias, a fim de impedir que o
Seção V — Dos Bens dos Tutelados
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○ ○

tutor conservasse em seu poder dinheiro dos seus tutelados, além


do necessário para sua educação, sustento e administração dos
bens.
Inconveniente essa orientação. O tutor é responsável pela
má administração dos bens do pupilo, quando age com culpa. E
aquele que desnecessariamente conserva, em mãos, recursos, pro-
cede ao menos com negligência.
Dada a considerável amplitude dos conceitos utilizados nos
textos legais, tais como necessário para sustento, educação e ad-
ministração, demora na aplicação de valores, etc., as regras dos
arts. 432 e segs. a rigor ficaram desaplicadas na prática”. 486

Não obstante, surgem questões práticas que devem ser res-


pondidas quanto aos artigos 1.753 e 1.754.
Inicialmente, o que significa “manter em seu poder”? Sem
dúvida, manter em seu poder dinheiro não designa o quanto tem
o tutor em espécie, em suas mãos. Significa de quanto pode ele
dispor, por período predeterminado, para a mantença do menor,
aí incluídos os valores que se encontram em conta bancária so-
bre a qual detenha o referido tutor liberdade de movimentação.
No §1º, prevê o legislador que os bens móveis a serem alie-
nados o serão após avaliação por pessoa idônea. Melhor teria sido
se se vinculasse o valor da alienação à avaliação judicial, a qual
pressupõe isenção do avaliador. Reconhece-se, entretanto, que há
bens que impõem seja o valor destes indicado por expert (v.g. quan-
do se tratar de obras de arte), a ser designado pelo juiz.
A conversão do produto da venda a títulos, obrigações e
letras da União ou dos Estados parece ser previsão que não
importa, necessariamente, em vantagem para o menor. Se o valor
apurado não for de expressivo, mais adequado será determinar
o juiz sua aplicação em conta judicial (que rende como se de
poupança fosse).
Por fim, o que é estabelecimento bancário oficial? É certo
que a palavra “oficial” induz à convicção de que se trata de es-
tabelecimento bancário controlado diretamente pelo Poder Pú-
blico ou aquele em que este detenha a maioria do capital social.
Daí decorre, inevitavelmente, que se amoldam a tal defi-
nição, hoje em dia, apenas as Caixas Econômicas Federal e Es-
taduais, bem como o Banco do Brasil ou eventuais bancos esta-
duais ainda não privatizados.

486 Direito Civil, Ed. Saraiva, 1987, Vol. 6, p. 410.


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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Não é absurdo, igualmente, entender-se que, com a referi-


da expressão, o legislador pretendeu indicar a instituição ban-
cária que atende ao Poder Judiciário, na qual são abertas as
denominadas contas judiciais, que só podem ser movimentadas
com autorização do juiz ao qual estão vinculadas. Na prática,
em grande parte dos Estados da Federação, os bancos que de-
têm as contas de depósitos judiciais à vista são as Caixas Eco-
nômicas e o Banco do Brasil (No Estado do Rio de Janeiro, até a
privatização, era o BANERJ. Após, passou a ser o Banco do Bra-
sil).
Por outra exegese, admitir-se-ia que, por dependerem to-
das as instituições bancárias, para sua regular operação, de au-
torização do Banco Central, seriam todas “oficiais” e, assim,
estaria o tutor autorizado a depositar o valor da alienação em
conta a ser aberta em qualquer estabelecimento bancário, fi-
cando a movimentação de tais contas dependente apenas da
discricionariedade do tutor, sem submissão à indispensável au-
torização judicial.
Não é essa última, por certo, a intenção da Lei. A seguran-
ça na boa aplicação dos valores apurados na venda do patrimônio
móvel do menor se dará na medida em que, para movimentar
tais quantias, dependerá o tutor de autorização judicial, e tal
exigência somente ocorrerá se depositadas no estabelecimento
bancário oficial em que são abertas as contas de depósitos judi-
ciais.
Por fim, importante ressaltar que a previsão contida no §
3º do art. 1.753 é absolutamente desnecessária, diante do dis-
posto no art. 1.752, ambos do Novo Código Civil.

Art. 1.754. Os valores que existirem em estabe-


lecimento bancário oficial, na forma do artigo
antecedente, não se poderão retirar, senão me-
diante ordem do juiz, e somente:
I — para as despesas com o sustento e educação do
tutelado, ou a administração dos seus bens;
II — para se comprarem bens imóveis e títulos,
obrigações ou letras, nas condições previstas
no §1º do artigo antecedente;
III — para se empregarem em conformidade com
o disposto por quem os houver doado, ou dei-
xado;
Seção V — Dos Bens dos Tutelados
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IV — para se entregarem aos órfãos, quando


emancipados, ou maiores, ou, mortos eles, aos
seus herdeiros.
Direito anterior: Art. 433 do Código Civil.

O artigo 1.754 exige prévia autorização judicial e


destinação certa para o levantamento de valores depositados em
estabelecimento bancário oficial.
Importante, mais uma vez, frisar que o legislador dispôs,
para a tutela, diversas regras que dizem respeito somente àque-
les poucos tutelados que possuem patrimônio e renda expressi-
va, quando, na verdade, a maciça maioria dos protegidos pelo
instituto da tutela nada possuem, vivendo, no mais das vezes,
sustentados por mísera pensão previdenciária e pela colabora-
ção e subsídio do próprio tutor.
Aliás, neste sentido, comenta Washington de Barros
Monteiro: “Como se vê, o Código pátrio foi excessivamente mi-
nucioso quanto aos bens dos órfãos, havendo por isso certo fun-
damento na censura que lhe é dirigida, de que dispôs como se
todos os órfãos pertencessem às classes abastadas, quando, na
realidade, a grande maioria é constituída de indigentes e neces-
sitados”. 487
Embora não se considere exaustivo o elenco contido no
caput do art. 1.748, o disposto em seu parágrafo único — possi-
bilidade de ratificação pelo juiz de ato realizado pelo tutor sem
a prévia autorização do magistrado — não se aplica à movimen-
tação de valores pertencentes ao tutelado. O artigo 1.754 exige
prévia e indispensável autorização judicial.
Assim, deverá o tutor, sempre que necessitar movimentar
os valores depositados em nome do menor, comprovar antecipa-
damente a ocorrência de qualquer das hipóteses contidas nos
incisos do artigo comentado, procedimento que permitirá que o
juiz, avaliando os argumentos e as provas, autorize o levanta-
mento, ficando o julgador, inclusive, responsável subsidia-
riamente, no caso de autorização indevida ou não justificada.
É certo que a necessidade de autorização judicial, muitas
vezes demorada em razão do assoberbamento atual da função
judicante, pode tornar complexo o dia-a-dia da vida do menor,
já que a previsão se faz inclusive para pequenas despesas ordi-
nárias — inciso I. Entretanto, a medida é protetiva e evita,

487 Ob.cit. nota 466, p. 315.


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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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induvidosamente, gasto desnecessário ou inoportuno realizado


pelo tutor.
De qualquer forma, o método mais eficaz para não imobili-
zar a vida do tutelado, evitando-se perder o controle da situa-
ção e atendendo-se ao disposto na lei, é a fixação pelo juiz de
quantum mensal adequado ao padrão de vida do menor e sufici-
ente para as despesas ordinárias. Tal valor poderá ser levanta-
do pelo tutor através de alvará ou ainda através de cheque vin-
culado à conta judicial, firmado pelo juiz e pelo tutor. Na
Comarca do Estado do Rio de Janeiro, nos anos 80, síndico de
massa falida depositava o valor apurado na realização do ativo
em conta judicial, aberta por determinação do juízo, em nome
da falida, movimentada através de talonário de cheque entre-
gue ao síndico, sendo necessária a assinatura deste e do juiz
para que o cheque fosse honrado. Desta forma, não havia neces-
sidade de expedição de alvará, que consome o precioso tempo do
servidor cartorário e retarda a entrega da prestação jurisdi-
cional, impondo-se, ao mesmo tempo, absoluto controle do judi-
ciário, uma vez que, para apor sua assinatura, exigia o juiz com-
provasse o síndico o destino e a necessidade do levantamento
pretendido. Tal método pode ser empregado também nas tute-
las.
Importante ainda, no que diz respeito ao artigo 1.754, afir-
mar a necessidade de providenciar o tutor prévia avaliação ju-
dicial do imóvel a ser adquirido pelo menor, de forma a que se
possa evidenciar que o valor empregado na aquisição do bem
corresponde a real vantagem para o tutelado.
Como na hipótese de permuta (comentário supra ao artigo
1.748), também na aquisição de bem imóvel deverá o juiz, com a
audiência do Ministério Público, determinar a adoção de medi-
das prévias, tais como: juntada da prova de propriedade do bem
a ser incorporado ao patrimônio do menor, com as quitações dos
tributos respectivos; juntada de certidões negativas de registro
de protestos de títulos e interdições e tutelas, referentes aos
proprietários; juntada de certidão negativa de ônus reais,
vintenária, bem como qualquer outra medida garantidora da
inexistência de lesividade ou risco na realização da operação de
aquisição.
Quanto à parte final do inciso II, não obstante a previsão
ali contida, os valores correspondentes à disponibilidade finan-
ceira do menor não devem sujeitar-se a aplicações arriscadas,
tais como aquisição de ações de sociedades comerciais sem soli-
Seção V — Dos Bens dos Tutelados
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dez comprovada, operações de Bolsa e outros negócios, preferin-


do-se a manutenção dos valores em caderneta de poupança ou
na aquisição de imóveis.
De igual forma, não se deve ver como inconveniente a aqui-
sição de plano de previdência privada, desde que mantido por
entidade bancária oficial, tal como antes definida, bem como
em valor compatível com a renda do menor, sem comprometê-
la.
Por fim, repise-se que é necessário que todo valor em fa-
vor do menor apurado em espécie seja depositado em conta ju-
dicial, que equivale à caderneta de poupança, evitando-se que
fique sem rendimento.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Seção VI — Da Prestação de Contas
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Seção VI
Da prestação de contas

Art. 1.755. Os tutores, embora o contrário tives-


sem disposto os pais dos tutelados, são obri-
gados a prestar contas da sua administração.
Direito anterior: Art. 434 do Código Civil.

A prestação de contas é procedimento exigido do tutor em


razão de estar na administração dos bens e rendas do tutelado.
Tem por finalidade a aferição periódica da forma como vem o
tutor conduzindo a gestão do patrimônio do menor ou, como de-
fine Mônaco da Silva, para “detectar se o tutor está adminis-
trando o patrimônio alheio dentro de eficazes padrões de compe-
tência e probidade, sem infligir prejuízos ou dissabores ao me-
nor tutelado”. 488
Comentando o artigo 434 do Código Civil de 1916, afirma
Washington de Barros Monteiro: “Quem administra bens alhei-
os, como o tutor, tem o dever ético e jurídico de prestar contas, a
fim de comprovar sua lisura e a regularidade da gestão. A pres-
tação de contas, como adverte Brugi, constitui a máxima garan-
tia da administração do tutor”. 489
A prestação de contas na tutela apresenta pelo menos as
seguintes peculiaridades: irrenunciabilidade, indelegabilidade,
indisponibilidade e periodicidade.
A primeira indica que, ainda conquanto os pais do menor,
por disposição de última vontade ou documento autêntico, afir-
mem que o tutor testamentário não necessita prestar contas,
deverá o mesmo fazê-lo, sob pena de serem exigidas as contas
pelo Ministério Público, por outro legitimado ou por determina-
ção do juiz.

488 Ob. cit., nota 431, p. 77.


489 Ob. cit., nota 466, p. 316.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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A indelegabilidade representa o caráter pessoal e in-


transferível do procedimento de prestação de contas, cabendo
exclusivamente ao tutor a apresentação daquela em juízo. Sub-
metido também a esta característica encontra-se o co-tutor (art.
1.743), nos limites de sua administração.
Quanto à indisponibilidade, estatui o artigo 1.757 que o
tutor deverá apresentar suas contas a cada biênio. A ele, por-
tanto, não cabe determinar de forma diversa, ainda que julgue
adequado. O único que poderá fixar prazo diferenciado ou dis-
pensar a apresentação das contas é o juiz.
Por fim, a periodicidade é imposta de forma absoluta pela
lei, devendo o tutor apresentar o balanço anual e a prestação de
contas bienal independentemente de provocação de terceiro, seja
pelo Ministério Público ou outro legitimamente interessado.
Tais cara c t e r í st i c a s sã o c o nf i r m a d a s p e la s u c in t a e
abrangente ementa:
“É PRINCÍPIO DE DIREITO UNIVERSAL QUE TODOS
AQUELES QUE ADMINISTRAM, OU TÊM SOB SUA GUARDA
BENS ALHEIOS, DEVEM PRESTAR CONTAS. DESSE PRIN-
CÍPIO SEGUE QUE O OBRIGADO SE PRESUME DEVEDOR
ENQUANTO NÃO PRESTÁ-LAS E FOREM HAVIDAS POR
BOAS.” (Ac.unân. da 1ª Câmara TJSC, de 10.03.87, na apel.
26.026, rel. Des. Osny Caetano; Jurispr. Cat. 55/113).
Na prestação de contas na tutela admitem-se duas hipóte-
ses, com um procedimento distinto para cada qual.
O primeiro se dá com a apresentação espontânea e tem-
pestiva das contas pelo tutor. Nesta, aberta vista ao Ministério
Público e intimados os demais interessados, através de publica-
ção no Diário Oficial ou pessoalmente (se se tratar do próprio
tutelado quando alcançada sua capacidade; dos pais, se recupe-
rado o poder familiar ou de novo tutor nomeado), se as contas
apresentadas não forem impugnadas, devem ser imediatamente
homologadas pelo juiz. O processo será mantido em apenso ao
principal, uma vez que as contas, no caso de tutela, são sucessi-
vas, devendo em cada uma delas figurar o saldo final constante
do período imediatamente anterior.
Hipótese diversa ocorre quando o tutor é chamado a pres-
tar contas ou, prestando-as espontaneamente, sofrem estas
impugnação. Assim ocorrendo, convolar-se-á o rito naquele pre-
visto no artigo 914 e segts. do Código de Processo Civil.
Podem exigir a prestação de contas do tutor o Ministério
Público, o próprio tutelado, se alcançou sua capacidade civil, o
protutor, o co-tutor 490 ou outro interessado.

490 Art. 1.743, do Novo Código Civil.


Seção VI — Da Prestação de Contas
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○ ○

Da mesma forma, podem exigir a prestação de contas do


co-tutor, nos limites de sua administração, todos os aqui referi-
dos, assim como o tutor.
Deixa o Ministério Público de ter atribuição para atuar na
prestação de contas sempre que cessada a razão que o levou a
intervir. Assim, vindo o menor a tornar-se sui juris ou havendo
os pais retomado o exercício do poder familiar, ainda que o pro-
cesso esteja em curso, deixa de existir, ipso facto, o fundamento
legal que autorizava sua intervenção, razão por que não mais
deverá manifestar-se nos autos o representante do Parquet.
Quanto à forma, determina o artigo 917 do Código de Pro-
cesso Civil que as contas apresentadas venham em forma mer-
cantil. Assim, devem ser destacadas as despesas, receitas e in-
dicado o saldo, sempre acompanhadas as contas dos comprovan-
tes respectivos.
Nas despesas devem ser arrolados os gastos despendidos
com o menor, tais como despesas escolares, médicas, com vestu-
ário, diversão, cursos, alimentação, viagens, bem como os desti-
nados à manutenção e conservação dos bens do menor, podendo
citar-se taxas condominiais, tributos, reparos, combustível e
outros.
É de boa orientação que o juiz ou o representante do Mi-
nistério Público, quando da audiência especial, oriente o futuro
tutor quanto à necessidade de conservar todos os comprovantes
das despesas efetuadas com o menor, para apresentação das
contas na época oportuna, não obstante tenha ele procurador
constituído nos autos.
Na coluna referente à receita, devem ser lançados os valo-
res recebidos pelo menor, quer na qualidade de frutos ou rendi-
mentos, quer de alugueres, pensão e outros, discriminando-os.
Aos lançamentos de receita ou despesa deverão corres-
ponder documentos que as comprovem, os quais, na sua totali-
dade, virão junto ao demonstrativo. Admite-se que pequenas
despesas possam ser apresentadas sem comprovantes, devendo
ficar ao arbítrio do juiz, ouvido o Ministério Público, a fixação
do que seja razoável dispensar.
A requerimento do Ministério Público, de qualquer inte-
ressado, ou por entender necessária para sua convicção, pode o
juiz determinar a realização de perícia técnica nas contas apre-
sentadas. Nesta hipótese, a produção da prova deverá obedecer
às regras comuns, previstas nos arts. 420 e segs. do Código de
Processo Civil, importando seu indeferimento em cerceamento
de defesa.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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A sentença homologatória da prestação de contas põe ter-


mo ao processo, devendo se manter os autos apensados aos prin-
cipais.
Se, por outro lado, ao julgar o juiz incorretas as contas
apresentadas, deve a sentença indicar o erro, informando o sal-
do e o prazo para depósito em favor do menor.
Na hipótese de ser o tutor indicado pelos pais através de
documento autêntico, 491 e entrando ele em exercício independen-
temente da designação judicial, deverá responder pelos atos que,
como tutor putativo, realizou quanto à pessoa, bens e direitos
do menor, cabendo ao Ministério Público ou qualquer interessa-
do o requerimento de prestação de contas. Serão aplicadas
subsidiariamente as regras referentes à gestão de negócios 492 .
Leciona Pontes de Miranda: “Os deveres são os mesmos dos
tutores, inclusive quanto à prestação de contas e à responsabili-
dade criminal (e.g., se usa da qualidade de tutor para induzir
ao ato sexual, ou para abusar do menor) ... O que estava de má-
fé, ao contratar, não pode alegar a nulidade, porque seria trazer
à justiça a própria torpeza. Se o menor, entre dezesseis e vinte e
um anos, colaborou na mistificação, ou se nela tomou parte, por
sua vontade, cabe invocar-se o art. 156. A gestão de negócios
alheios rege-se pelos arts. 1.331-1.345”. 493 O art. 156 do Código
Civil de 1916 foi suprimido, cabendo aplicação, no que couber,
do art. 116 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Por fim, discute-se a possibilidade de dispensa da presta-
ção de contas nos casos em que o menor, não possuindo bens,
tem direito à percepção de pensão previdenciária de módico va-
lor, no mais das vezes, insuficiente ao próprio sustento do pupi-
lo.
Parece, data vênia da posição adotada por ilustres e res-
peitados doutrinadores, dentre eles Pontes de Miranda, 494 que a
regra não deve, in casu, ser aplicada, podendo o juiz autorizar
que venha somente o balancete anual de que trata o art. 1.756,
ficando o tutor dispensado, na própria sentença que defere a
tutela, da apresentação de prestação de contas bienal.

491 Art. 1.729, parágrafo único, do Novo Código Civil.


492 Arts. 861/875 do Novo Código Civil.
493 Ob.cit., nota 429, p. 305 e 306.
494 “Trata-se de regra cogente e absoluta, a que não se podem opor, no
todo ou em parte, cláusulas elidentes ou restritivas da obrigação.”
Ob.cit. nota 429, p. 363.
Seção VI — Da Prestação de Contas
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Neste sentido, manifestação do Promotor de Justiça José


Luiz Mônaco da Silva quando afirma: “Ora, se a finalidade da
prestação de contas é apurar-se se o tutor está se conduzindo
com proficiência na administração de patrimônio alheio, como
aliás deixamos claro linhas atrás, não intuímos a razão por que
a autoridade judiciária, mesmo que o menor se mostre falto de
patrimônio, deverá determiná-la nos prazos previstos no art. 436
do diploma civil. Além de desprovida de interesse prático, tal
medida serviria tão-somente para assoberbar, sem necessidade,
os já atulhados serviços forenses. Isto posto, entendemos que a
prestação de contas somente será exigível quando o tutelado pos-
suir bens ou rendimentos apreciáveis; do contrário, não”. 495
A jurisprudência pátria, da mesma forma, tem admitido a
possibilidade de o juiz, justificadamente, dispensar a prestação
de contas, merecendo transcrição, inclusive, a seguinte emen-
ta: “Em se tratando de tutor que sustentou e criou o tutelado
desde a mais tenra idade, garantindo-lhe conforto e status, que
evidentemente implicavam dispêndios muito superiores ao va-
lor da modesta pensão recebida, não tem ele contas a prestar à
mãe do tutelado falecido, que por ele jamais se interessara ante-
riormente” (Ac. Da 6ª Cam. Do TJRS de 19.03.86, na Apel.
586.004.632, rel. Des. Adroaldo Furtado Fabrício; RJTJRS, 118/
419).
Não obstante a possibilidade de dispensa da prestação de
contas quanto aos bens, há medidas ainda não adotadas pelo
Poder Judiciário, Ministério Público ou reguladas por lei civil,
que aconselham melhor reflexão.
Revela-se absolutamente indispensável que o Juiz e o Pro-
motor de Justiça vinculados ao processo, durante todo o perío-
do da tutela, mantenham necessária e permanente fiscalização
da pessoa do menor. Tal fiscalização deverá consistir em visitas
domiciliares regulares de equipe interdisciplinar; marcação de
entrevistas, realizadas pela própria equipe, para oitiva do me-
nor e do tutor; orientação aos tutores quanto a medidas
protetivas; verificação do rendimento escolar do tutelado e ou-
tras diligências que entenderem necessárias.
No controle e fiscalização do munus, não se deve admitir
que os bens do menor tenham mais importância e mereçam mais
atenção do que sua própria pessoa. Muitas vezes, é concedida

495 Ob. cit., nota 431 , p.78.


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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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tutela de crianças ainda pequenas que, por si sós, não sabem


expressar vontade, ou mesmo de adolescentes que, no caso de
maus-tratos, descaso, negligência, omissão ou abuso dos tuto-
res, não estão capacitados a buscar o adequado e tempestivo so-
corro.
Ignorar tal realidade e contentar-se com mera decisão ju-
dicial, limitada ao mundo dos autos, é permitir que a criança ou
adolescente permaneçam sem a devida proteção, é negar-se cum-
primento ao disposto no artigo 227 da Constituição Federal.
Não se revela recomendável ou conveniente outorgar po-
deres a tutor, deferindo que este, sem qualquer fiscalização ou
controle, mantenha sua autoridade sobre a criança por longos
anos, não se apurando sequer se o tutelado está vivo ou morto,
matriculado em escola ou não, devidamente alimentado ou víti-
ma de inanição.
Reforma legislativa, a nosso ver, se faz imprescindível. Ne-
cessário incluir-se no texto do Novo Código Civil dispositivo que
determine o acompanhamento, pelo Poder Judiciário ou pelo
Ministério Público, da tutela deferida, até que o menor alcance
sua capacidade civil quer pela idade, emancipação, casamento,
ou outra causa legal, devendo o responsável pela fiscalização,
através de programa específico e pessoal técnico qualificado,
verificar periodicamente — periodicidade que se sugere seja
anual — o tratamento dispensado pelo tutor ao tutelado, jun-
tando-se aos autos o respectivo relatório da equipe técnica.

Art. 1.756. No fim de cada ano de administração,


os tutores submeterão ao juiz o balanço respec-
tivo, que, depois de aprovado, se anexará aos
autos do inventário.
Direito anterior: Art. 435 do Código Civil.

O balanço mencionado no artigo 1.756 consiste em relató-


rio contábil anual do qual deverão constar despesas e receitas
referentes ao menor, com respectivo saldo, a ser apresentado ao
juiz que, determinando sua juntada aos autos, abrirá vista ao
Ministério Público.
O Ministério Público poderá, diante dos lançamentos cons-
tantes do balanço, entendendo-os insatisfatórios, inadequados
ou desproporcionais, requerer sejam prestados esclarecimentos,
Seção VI — Da Prestação de Contas
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○ ○

ou mesmo, sejam apresentados os documentos comprobatórios


das despesas ou receitas.
Permanecendo a dúvida, deverá o juiz determinar sejam
prestadas contas, adequando-se o procedimento às normas pro-
cessuais pertinentes.496
Acrescente-se que este dispositivo legal, na maior parte
dos Juízos, é hoje letra morta. Dois fatos cooperam para tal si-
tuação.
O primeiro diz respeito à falta de orientação dos tutores
quanto a suas obrigações, entre elas a de apresentação anual
do balanço. É necessário, como já dito anteriormente, que o juiz
ou o representante do Ministério Público, durante a audiência
especial, advirtam o tutor quanto à necessidade de apresenta-
ção do balanço e, conseqüentemente, do cuidado na preservação
dos comprovantes de despesas e receitas.
O segundo repousa na situação, não rara, de após a con-
cessão da tutela, o juiz determinar o arquivamento do feito. Ora,
não tendo o processo seu curso regular e diante do volumoso
número de ações em andamento, não há como o juiz ou o Minis-
tério Público determinarem a época em que deva ser apresenta-
do o balanço pelo tutor, intimando-se este para a realização do
ato.
Por outro lado, se fosse realizado efetivo controle, pelo juiz
ou Ministério Público, das tutelas concedidas, pelo menos nos
processos em que os tutelados têm apenas o direito de perceber
módica pensão previdenciária, poder-se-ia dispensar a presta-
ção de contas bienal, mais dispendiosa e demorada, e manter a
mera apresentação do balanço anual, oportunidade em que ocor-
reria, também, o acompanhamento pela equipe interdisciplinar
mencionado nos comentários ao art. 1.755.
Tal controle, diante do exposto, tornar-se-ia elemento de
efetiva fiscalização por parte do Ministério Público e do Poder
Judiciário quanto à administração pelo tutor, não só dos bens,
mas também da pessoa do tutelado, realizando-se com razoável
periodicidade.

496 Arts. 914 e segs. do Código de Processo Civil.


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Art. 1.757. Os tutores prestarão contas de 2


(dois) em 2 (dois) anos, e também quando, por
qualquer motivo, deixarem o exercício da tutela
ou toda vez que o juiz achar conveniente.
Parágrafo único. As contas serão prestadas em
juízo, e julgadas depois da audiência dos inte-
ressados, recolhendo o tutor imediatamente a
estabelecimento bancário oficial os saldos, ou
adquirindo bens imóveis, ou títulos, obrigações
ou letras, na forma do §1º do art. 1.753.
Direito anterior: Art. 436 do Código Civil.

De início deve-se deixar claro o entendimento de que, quan-


to maior o patrimônio do menor tutelado, mais amiúde deverão
ser prestadas as contas.
Assim, não obstante o prazo fixado no caput deste disposi-
tivo, autorizado está o juiz a fixá-lo de modo diverso, devendo
determiná-lo a intervalos de tempo menores, se volumoso o
movimento financeiro do tutelado.
A prática tem demonstrado que grandes volumes de docu-
mentos em processos de prestações de contas tornam difícil e
complexa a aferição das despesas e receitas.
Ademais, muitas vezes somente através do exame e julga-
mento da prestação de contas é que se pode aquilatar se houve
ou não prejuízo ao patrimônio do menor. Assim, de toda a con-
veniência maior agilidade na apuração do eventual prejuízo, de-
terminando o juiz a respectiva reparação.
Neste particular, necessário que a sentença que julga as
contas declare seu acerto e, caso esta não seja a hipótese, indi-
que o erro, fixando, se possível, o valor referente ao prejuízo
provocado pela administração do tutor.
Ementa do Tribunal de Justiça de São Paulo, em Apelação
relatada pelo Juiz Wanderley Racy decidiu quanto à prestação
de contas: “Tanto quanto no Direito antigo, o novo repetiu a re-
gra de natureza cogente, endereçada ao juiz, no sentido de que
declare a sentença o valor do saldo e a parte a quem o mesmo
favorece, tanto que, a teor do art. 918 da Lei instrumentária, o
saldo credor declarado na sentença poderá ser cobrado em exe-
cução forçada. A sentença que aprecie as contas sem declarar se
existe saldo, qual seu montante e a quem favorece é sentença
incompleta e, por isso, nula” (Ac. Unân. Da 2ª Câm. Do 1º
TACivSP de 25.11.87, na apel. 354.422; JTACivSP 108/122).
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521
○ ○

O juízo ao qual as contas deverão ser prestadas é aquele


que houver nomeado o tutor, ou seja, naquele em que teve an-
damento o processo referente ao pedido de tutela.
Merece transcrição a seguinte ementa: “O artigo 919 do
CPC apresenta regra cogente, fixando a competência para o
processamento e julgamento de ação de prestação de contas do
tutor, que serão prestadas em apenso aos autos do processo em
que tiver sido nomeado, com as conseqüências legais que a se-
gunda parte do mesmo artigo prevê, ou seja, sendo condenado a
pagar o saldo e não o fazendo no prazo legal, o juiz poderá des-
tituí-lo, seqüestrar os bens sob sua guarda, entre outras provi-
dências cabíveis” (Ac.unân. da 1ª Câm. Do TJSP de 17.3.87, no
Agr. 80.858-1, rel. Des. Álvaro Lazzarini; RF 302/119; RJTJSP
108/295).
Importante, a final, afirmar que por “interessados” enten-
dem-se o Ministério Público, algum parente do menor, o co-tu-
tor, o protutor, a mãe e o pai, se retomado o exercício do poder
familiar, e o próprio tutelado, se alcançou a capacidade civil.
Assim, por medida de cautela e para evitar eventuais alegações
de nulidade, deverão ser intimados os interessados através de
publicação no Diário Oficial, além, evidentemente, de ser aber-
ta vista ao Ministério Público, ao qual é garantida a intimação
pessoal (art. 236, § 2º, do Código de Processo Civil).
Também não se pode deixar de transcrever lição definiti-
va e definidora do Mestre Pontes de Miranda:
“Se, ao tempo de serem prestadas as contas, não o promove
o tutor, deve o juiz mandar intimá-lo para que as dê em vinte e
quatro horas (Código de 1973, art. 192), ou dez dias, no máximo
(Código de Processo Civil, art. 915 §3º, 2ª parte). A lei processu-
al pode ser diferente, mas a natureza da ação, que é de rito espe-
cial, não admite, em boa técnica legislativa, prazo maior. No
Código de Processo Civil, os arts. 914-919 tratam da ação de
prestação de contas. Se não aparece o tutor, pode o juiz tomar as
contas à revelia. Se o tutor comparece, deve prestá-la de forma
mercantil, em apenso aos autos do processo em que tiver sido
nomeado, com toda a especificação de receita e despesa, docu-
mentando os pagamentos feitos, e justificando-os quando não
seja evidente seu caráter de despesa legalmente permitida”. 497

497 Ob. cit., nota 429, p. 364.


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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Art. 1.758. Finda a tutela pela emancipação ou


maioridade, a quitação do menor não produzirá
efeito antes das contas aprovadas pelo juiz,
subsistindo inteira, até então, a responsabilida-
de do tutor.
Direito anterior: Art. 437 do Código Civil.

São modos de aquisição da capacidade civil, nos termos do


parágrafo único do art. 5º, do Novo Código Civil, a emancipa-
ção, a maioridade, o casamento, o exercício de emprego público
efetivo, a colação de grau em curso de ensino superior, o estabe-
lecimento civil ou comercial, ou a existência de relação de em-
prego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos
completos tenha economia própria.
Assim, em todas estas hipóteses deve incidir a previsão
contida no artigo 1.758, e não somente nos casos de emancipa-
ção ou maioridade, como consta da lei.
Objetiva, ainda, o legislador, com este dispositivo, evitar
que o tutor possa, embora exonerado do encargo, mas aprovei-
tando-se da intimidade e influência que naturalmente exerce
sobre o jovem pupilo, obter vantagem com a quitação.
Assim, correta a previsão da ineficácia da quitação firma-
da pelo tutelado, quando ainda jovem e imaturo, enquanto não
homologadas as contas pelo juiz.
Eduardo Espínola leciona: “Quis o legislador evitar que o
tutor abuse da inexperiência do menor emancipado ou que te-
nha atingido a maioridade, ou de sua influência sobre ele, para
obter uma quitação irregular lesiva. Exigiu, assim, que fossem
as suas contas prestadas e aprovadas pelo juiz, antes de reali-
zar qualquer negócio jurídico, deixando de produzir efeito a qui-
tação que porventura tivesse obtido do tutelado. As legislações,
em geral, determinam providências da mesma natureza. O Có-
digo Civil Italiano de 1942 dispõe no art. 388: “Nessuna
convenzione tra il tutora e il minore divenuto maggiore puó aver
luogo prima dell’approvazione del conto della tutela.” Acrescen-
ta a lei que a convenção pode ser anulada pelo menor e seus
sucessores, no prazo de 5 anos (art. 1.442)”. 498

498 Ob. cit., nota 444, p. 500.


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Art. 1.759. Nos casos de morte, ausência ou in-


terdição do tutor, as contas serão prestadas por
seus herdeiros ou representantes.
Direito anterior: Art.438 do Código Civil.

Trata o presente dispositivo de substituição processual im-


própria, uma vez que a tutela não se transfere aos herdeiros do
tutor falecido ou ausente, nem mesmo ao curador do tutor in-
terditado, somente lhes cabendo a prestação de contas respecti-
va.
A norma tem origem no Direito Civil Português, havendo
dispositivo idêntico no Código Civil Lusitano (art. 256).
É fato que não há impedimento na nomeação do herdeiro
ou curador do tutor para o desempenho do munus, se entre o
novo nomeado e o menor existirem laços afetivos, bem como se
restarem atendidos os pressupostos para a concessão da tutela.
Não obstante, deverá o herdeiro ou curador apresentar as
contas dando cumprimento aos requisitos processuais ineren-
tes ao tipo de procedimento (ver comentário ao artigo 1.755),
depositando em cartório os bens do menor e indicando todos os
direitos e rendas através de demonstrativo da gestão e apura-
ção dos saldos eventualmente existentes, que deverão ser desti-
nados de imediato ao menor (parágrafo único do artigo 1.757 do
Novo Código Civil).

Art. 1.760. Serão levadas a crédito do tutor to-


das as despesas justificadas e reconhecidamen-
te proveitosas ao menor.
Direito anterior: Art. 439 do Código Civil.

Desnecessário o dispositivo comentado. Natural que as des-


pesas comprovadamente assumidas pelo tutor em favor do me-
nor, dentro das possibilidades deste último, sejam creditadas
na conta do tutor, de forma que venha a ser reembolsado. Aliás,
previsão expressa neste sentido consta do art. 1.752 do Novo
Código Civil ao determinar:
“O tutor responde...mas tem direito a ser pago pelo que re-
almente despender no exercício da tutela...”

Exemplifica Washington de Barros Monteiro tais despesas


como “quantias despendidas a título de alimentos”, acrescentan-
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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do, ainda, que “sendo razoáveis, devem ser creditadas ao tutor,


ainda que não arbitradas anteriormente pelo juiz, como manda
o art. 425. Só serão glosadas despesas inúteis, sem nenhum pro-
veito para o menor”. 499

Art. 1.761. As despesas com a prestação das con-


tas serão pagas pelo tutelado.
Direito anterior: Art. 440 do Código Civil.

Tal dispositivo legal refere-se, evidentemente, aos tutela-


dos detentores de patrimônio ou renda que possam suportar tais
despesas e que constituem a minoria dos casos de prestação de
contas ofertadas em juízo.
Aqueles que percebem módicos benefícios previdenciários
não deverão, pelas razões expostas nos comentários ao art. 1.755,
assumir tais despesas, processando-se o feito gratuitamente.
As despesas referidas incluem honorários de advogado,
custas judiciais em geral e, em especial as correspondentes a
eventual perícia técnica, bem como quaisquer outras despesas
judiciais necessárias.
Havendo impugnação e tornando-se o feito contencioso,
aplicar-se-á a regra do artigo 20 do Código de Processo Civil.

Art. 1.762. O alcance do tutor, bem como o sal-


do contra o tutelado, são dívidas de valor e ven-
cem juros desde o julgamento definitivo das
contas.
Direito anterior: Art. 441 do Código Civil.

Transitada em julgado a decisão proferida em prestação


de contas, iniciar-se-á a contagem dos juros, quer para o saldo a
ser pago pelo tutelado ao tutor, quer o alcance deste último.
O professor De Plácido e Silva, no verbete alcance define:
“Assim se designa toda e qualquer utilização indevida, por
parte de quem administra, ou tem sob sua guarda dinheiro
alheio, seja em seu proveito ou para outro fim, que não seja o
destinado. Representa, desse modo, o uso abusivo ou desfalque
do dinheiro que lhe é confiado.

499 Ob. cit. nota 466, p. 317.


Seção VI — Da Prestação de Contas
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○ ○

A evidência de um alcance em dinheiro, ou os valores con-


fiados a uma pessoa, indica ato criminoso, que se intitula abuso
de confiança, porquanto, utilizando-se como sua de coisa que
lhe foi entregue, desviou-a de seu próprio destino e não a pode
restituir, quando solicitada a sua entrega. (...)
A verificação do alcance dá poderes ao prejudicado para
executar o alcançado pelo montante das quantias indevidamente
utilizadas ou desviadas, dando mesmo, preliminarmente, direi-
to ao seqüestro de seus bens para garantia da execução”. 500

500 Vocabulário Jurídico, Ed. Forense, 1961, p. 101.


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Seção VII — Da Cessação da Tutela
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○ ○

Seção VII
Da cessação da tutela

Art. 1.763. Cessa a condição de tutelado:


I — com a maioridade ou a emancipação do menor;
II — ao cair o menor sob o poder familiar no caso de
reconhecimento ou adoção.
Direito anterior: Art. 442 do Código Civil.

Não obstante o legislador tenha repetido o disposto no art.


441 do Código Civil de 1916, com a devida adequação redacional
(substituiu “pátrio poder” por “poder familiar”), insistiu em equí-
voco anteriormente cometido.
O inciso I do art. 1.763 dispõe sobre as hipóteses em que a
condição de tutelado cessa porque conquistada sua capacidade
civil.
Ora, como anteriormente acentuado, a capacidade não de-
corre somente da maioridade ou da emancipação. Nos termos
do art. 5º caput e parágrafo único do Novo Código Civil, cessará
para os menores a incapacidade quando completar dezoito anos
(maioridade); pela emancipação; pelo casamento; pelo exercício
de emprego público efetivo; pela colação de grau em ensino su-
perior; pelo estabelecimento civil ou comercial ou pela existên-
cia de relação de emprego em função da qual o jovem, com
dezesseis anos completos, passe a ter economia própria.
Todos estes fatos dão ensejo à cessação da tutela, embora
não discriminados e especificados pelo legislador no inciso I do
artigo 1.763.
Da mesma forma, parece que o inciso II não elencou todas
as hipóteses em que o menor pode “cair sob poder familiar”. Além
das mencionadas (adoção e reconhecimento), existe a possibili-
dade de os pais naturais reconquistarem o poder familiar, atra-
vés de ação ordinária, na qual comprovem não mais persistirem
as causas que deram origem à decretação da perda.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Neste sentido, Sílvio Rodrigues afirma: “A meu ver, tais san-


ções têm menos um intuito punitivo aos pais, do que o de preser-
var o interesse dos filhos, afastando-os da nociva influência da-
queles. Tanto assim é que, cessadas as causas que conduziram à
suspensão ou à destituição do pátrio poder e transcorrido um
período mais ou menos longo de consolidação, pode o poder pa-
ternal ser devolvido aos antigos titulares. (...) De um certo modo
pode se pensar que, nos casos de perda do pátrio poder, o legis-
lador reconhece que o seu titular não está capacitado para exer-
cer tão alta função, de modo que, para o bem dos filhos, o desti-
tui daquele encargo, no qual só excepcionalmente o readmitirá,
depois de custosamente convencido de que as causas que anteri-
ormente militavam, ora foram definitivamente removidas”. 501
Por fim, mister lembrar que o Estatuto da Criança e do
Adolescente determina o rompimento dos vínculos familiares na
hipótese de adoção 502 , dispositivo legal que impede a recupera-
ção do exercício do poder familiar.
Assim, além das hipóteses arroladas no inciso II, admite-
se a cessação da condição de tutelado se recuperado o poder fa-
miliar em favor de um ou de ambos os pais naturais, através de
ação própria.

Art. 1.764. Cessam as funções do tutor:


I — ao expirar o termo em que era obrigado a servir;
II — ao sobrevir escusa legítima;
III — ao ser removido.
Direito anterior: Art. 443 do Código Civil.

Art. 1.765. O tutor é obrigado a servir por espa-


ço de dois anos.

Parágrafo único. Pode o tutor continuar no exer-


cício da tutela, além do prazo previsto neste ar-
tigo, se o quiser e o juiz julgar conveniente ao
menor.
Direito anterior: Art. 444 do Código Civil.
Merecem comentário conjunto os arts. 1.764 e 1.765, uma

501 Direito de Família, Ed. Saraiva, 1987, Vol. 6, p. 377/378.


502 Artigo 41 da Lei 8.069/90.
Seção VII — Da Cessação da Tutela
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
529
○ ○

vez que este último se refere especificamente ao prazo mencio-


nado no inciso I do dispositivo anterior.
Assim que, ao tutor nomeado caberá o exercício do encar-
go pelo prazo mínimo de dois anos, se não sobrevier escusa ou
for removido, cabendo sua aceitação no prazo de dez dias (art.
1.738 do Novo Código Civil).
Ademais, não se poderá impor ao tutor a continuidade do
exercício da tutela após o decurso do prazo de dois anos, em
razão do disposto no parágrafo único do artigo 1.765.
O pedido de exoneração, porém, deverá ser apresentado
no decêndio seguinte à expiração do termo, sob pena de prorro-
gar-se o encargo por prazo indeterminado (art. 1.198, do Código
de Processo Civil).
O mesmo prazo decendial correrá da data em que, nos ter-
mos do inciso II do dispositivo comentado, surgir o motivo
escusatório superveniente (artigo 1.738, parte final do Novo
Código Civil). Entende-se como recusa legítima qualquer das
hipóteses alinhadas no artigo 1.736.
A hipótese do inciso III — remoção — ocorrerá sempre que
o tutor descumprir alguma de suas obrigações (arts. 1.740, 1.747
e 1.748, todos do Novo Código Civil), evidenciar-se qualquer das
hipóteses descritas no art. 1.735, quando negligente, prevarica-
dor ou incurso em incapacidade (art. 1.766) e, ainda, nos casos
descritos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (arts. 38,
22 e 24 da Lei 8.069/90).
O Ministério Público, bem como qualquer interessado, terá
legitimidade para o pedido de remoção de tutor 503 , que deverá
ser oferecido perante o juízo que deferiu a tutela, em apenso
aos autos principais, prosseguindo estes últimos, até que, re-
movido o anterior, novo tutor seja nomeado.
Está o juiz autorizado a declarar, liminar ou inciden-
talmente ao pedido de remoção, a suspensão do exercício das
funções do tutor, nomeando-lhe interinamente substituto (art.
1.197 do CPC) nos casos de gravidade, como, por exemplo, estar
o menor passando privações, não matriculado em estabelecimento
de ensino ou sofrendo maus-tratos.

Art. 1.766. Será destituído o tutor, quando negli-

503 Artigo 1.194 do Código de Processo Civil.


530
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

gente, prevaricador ou incurso em incapacida-


de.
Direito anterior: Art. 445 do Código Civil.

A destituição, na forma como é tratada no art. 1.766, é si-


nônimo de remoção. Neste sentido, verbetes do Vocabulário Ju-
rídico:
“Remoção. No sentido do Direito Civil e do Direito Comer-
cial, quando se refere às pessoas e diz respeito ao cargo ou en-
cargo, que lhes é cometido, remoção significa a destituição ou
substituição. É a substituição de pessoa que se encontra
investida no cargo ou encargo, para que, em seu lugar ou subs-
tituição se nomeie ou se designe outra pessoa”. 504
“Destituição. Designa o fato de ser alguém privado da fun-
ção ou autoridade, de que era investido. Difere acentuadamen-
te da renúncia ou exoneração, em que esta pode ser voluntária,
enquanto a destituição significa uma demissão do cargo ou fun-
ção independentemente da vontade do ocupante”. 505
Assim, os comentários ao artigo 1.764, inciso III, também
serão aplicados ao presente dispositivo legal.
Importante destacar que a negligência se caracteriza pelo
descaso ou falta de zelo na execução de determinados atos, pro-
vocando prejuízo que não ocorreria se adotadas as cautelas ge-
rais e indispensáveis à prática do ato. Prevaricar é descumprir
dever a que está obrigado em razão da tutela por improbidade
ou má-fé.
A incapacidade, por sua vez, ocorrerá incidentalmente, ou
seja, após a concessão da tutela, todas as vezes em que se veri-
ficar que o tutor se encontra em qualquer das hipóteses do arti-
go 1.735 do Novo Código Civil.
Em todos os casos, caberá o requerimento de remoção pelo
Ministério Público ou qualquer interessado.
Transcreva-se, por fim, lição do Promotor de Justiça
Mônaco da Silva quando afirma: “Mas a destituição não será a
única penalidade judicial imposta ao tutor relapso, displicente
ou prevaricador. Ele incorrerá, também, nas sanções previstas
no art. 249 do Estatuto, cujas penas variam de três a vinte salá-
rios de referência, dependendo do grau de responsabilidade in-
dividual que restar apurado no curso do procedimento. Na apli-

504 De Plácido e Silva, Ob. cit., nota 500, p. 1341.


505 De Plácido e Silva, Ob. cit., nota 500, p. 519.
Seção VII — Da Cessação da Tutela
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
531
○ ○

cação da pena, a cargo do juiz, levar-se-á em conta se a conduta


do tutor foi praticada de maneira dolosa ou culposa, a exemplo
do que sucede com o guardião negligente e avesso às determina-
ções da lei.
Se a conduta do tutor tangenciar dispositivos do Código
Penal ou de outra lei penal, a autoridade judiciária, além de
destituí-lo do encargo, deverá determinar, com base no art. 40
do Código de Processo Penal, 506 a remessa de peças ao promotor
de justiça com atribuições para, na esfera criminal, tomar pro-
vidências contra o agente violador, especialmente o oferecimen-
to de denúncia penal contra ele”. 507

Deve, assim, o Estado, quer através do Poder Judiciário,


quer através do Ministério Público, adotar as medidas necessá-
rias à proteção integral da criança ou adolescente submetidos à
tutela, utilizando-se de todos os meios legais para alcançar este
objetivo.

506 “Art. 40. Quando em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou


tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remete-
rão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao
oferecimento da denúncia.” (CPP)
507 Ob. cit., nota 431, p. 83.
532
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Seção I — Dos Interditos
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533
○ ○

Capítulo II
DA CURATELA

Regina Ghiaroni
Promotora de Justiça Titular da 2ª Curadoria de Órfãos, Sucessões e
Resíduos da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro

O Capítulo II do Título IV, Livro IV, que trata do Direito


de Família, no novo Código Civil, trouxe importantes altera-
ções, do ponto de vista lógico-sistemático, na divisão do trato
da matéria Curatela. Com efeito, procurou o legislador, embora
timidamente, desfazer a imensa confusão que se estabelece, na
prática forense, entre os institutos da curatela e da interdição.
O Código de 1916 dispunha:
“Art. 446. Estão sujeitos à curatela.
I — Os loucos de todo o gênero”
Na seqüência, trazia:
“Seção II– Dos Pródigos
Seção III– da Curatela do nascituro.”
A nova lei Civil ordena de forma mais clara a matéria:
“CAPÍTULO II
Da Curatela
SEÇÃO I
Dos interditos
SEÇÃO II
Da curatela do nascituro e do enfermo ou portador de defi-
ciência física”.

Muito mais técnica, assim, a atual colocação do tema, eis


que o legislador, no capítulo II, disciplinou o exercício da
Curatela tanto para o interdito, como para o nascituro, o enfer-
mo e o portador de deficiência física. A capitulação, obviamen-
te, não esgota as hipóteses de Curatela, de vez que o instituto é
bastante amplo e se aplica em vários momentos da vida civil,
533
534
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

como a curatela dos ausentes, da herança jacente, das disposi-


ções testamentárias e outras. Entretanto, especificamente nes-
te Capítulo II, estaremos falando das espécies de Curatela ins-
tituídas de forma protetiva e ampla no interesse da pessoa e
bens do curatelado e de sua própria família.
Seção I — Dos Interditos
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
535
○ ○

Seção I
Dos interditos

Art. 1.767. Estão sujeitos à curatela:


I — aqueles que, por enfermidade ou deficiên-
cia mental, não tiverem o necessário discerni-
mento para os atos da vida civil;
II — aqueles que, por outra causa duradoura,
não puderem exprimir a sua vontade;
III — os deficientes mentais, os ébrios habituais
e os viciados em tóxicos;
IV — os excepcionais sem completo desenvol-
vimento mental;
V — os pródigos.
Direito anterior: Art. 446 do Código Civil.

A melhor ordenação do capítulo adotada pelo novo Código


retira as hipóteses de interdição das DISPOSIÇÕES GERAIS,
tornando claro o caminho para o deferimento da Curatela da-
queles que, por enfermidade ou deficiência mental, não podem
se autodeterminar e gerir a própria vida. Assim, será nomeado
curador ao deficiente mental ou ao pródigo após o procedimento
de INTERDIÇÃO que restringirá parcial ou totalmente os atos
do interdito na vida civil.
No sentido civil, interdição é o ato judicial pelo qual o juiz
declara a incapacidade real e efetiva de pessoa maior, para prá-
tica de certos atos da vida civil e para regência de si mesma e de
seus bens. 508
Assim é que a curatela, no plano geral, é a administração,
em diversos e diferentes níveis, de alguns atos, dos bens e da
própria vida de uma pessoa, por um terceiro, nomeado por ato

508 Interdição no Direito Brasileiro — Eduardo Sócrates Castanheira


Sarmento — Editora Forense — 1981 — p. 2.
535
536
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

judicial ou indicado na própria lei. A curatela se apresenta sob


as formas mais variadas, com gradações dos poderes, em situa-
ções diversas, com diferentes finalidades. O que se pode afir-
mar de forma genérica, entretanto, é que o instituto tem a fina-
lidade de proteger aqueles que não se encontram em condições
de gerir determinados atos, a vida pessoal, os bens ou apenas
estes últimos.
Espécie de curatelas, previstas no Livro IV, Título IV, Ca-
pítulo II do novo Código Civil
1 — Dos interditos:
1.1. Deficientes mentais
1.2. Doentes com incapacidade permanente para exprimir
sua vontade
1.3. Ébrios habituais e viciados em tóxicos
1.4. Excepcionais sem completo desenvolvimento da men-
te
1.5. Pródigos
2 — Dos nascituros
3 — Do enfermo ou portador de deficiência física

OUTRAS CURATELAS, no novo Código Civil:


1 — Dos bens do Ausente (art. 22);
2 — Da herança jacente (art.1.819);
3 — Do menor herdeiro ou legatário, por nomeação feita
pelo de cujus (art. 1.733, § 2º).

Importante frisar que, embora curatelados, somente as


pessoas indicadas no nº I serão interditos.
O código estendeu a medida protetiva da curatela aos por-
tadores de deficiência física ou enfermos, capazes de exprimir
vontade, porém incapacitados fisicamente para gerir a própria
vida. Estes, contudo, não serão interditados.
Existem ainda as curatelas de caráter processual 509 e as
que têm caráter acentuadamente público: curadorias gerais de

509 Curador Especial para o interditanto, quando é autor o Ministério


Público (CPC, 1.179) / Curador Especial para o réu preso ou revel,
citado por edital ou hora certa (CPC, 9, I) /Curador ao incapaz sem
representante legal ou quando há colidência de interesses (CPC 9, I)
/ Curador ao desaparecido, ainda não declarado ausente por sentença
(CPC 1042, I) / Curador ao incapaz quando concorre com seu represen-
tante legal na partilha de bens (CPC 1.042, II).
Seção I — Dos Interditos
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
537
○ ○

órfãos, resíduos, massas falidas, ausentes. 510 Estas últimas


exercidas pelo Ministério Público.
Pontes de Miranda, ao definir curatela de forma genérica,
afirma que ela é um encargo conferido por lei a alguém, para
reger a pessoa e os bens, ou somente os bens, de indivíduos me-
nores, ou maiores, que por si não o podem fazer, devido a per-
turbações mentais, surdo-mudez, prodigalidade, ausência, ou por
ainda não ter nascido. Com isto, procura o renomado autor al-
cançar as diversas espécies de curatela previstas no direito pátrio,
bem como na legislação comparada.
No direito pátrio, a curatela será sempre voltada, à exce-
ção da curatela do nascituro, para o indivíduo maior que por
razões permanentes ou transitórias está impossibilitado de ge-
rir sua própria vida e, conseqüentemente, seus bens. 511
A curatela não é um instituto autônomo, sendo a ela apli-
cadas as disposições pertinentes à tutela, como se verá oportu-
namente.
Em alguns países dá-se curador somente ao menor eman-
cipado. No direito comparado, vamos encontrar legislações em
que os maiores interditos são postos sob tutela.
Alguns autores estrangeiros reduzem a duas classes as
várias espécies de curatelas: as gerais, que englobam toda ati-
vidade jurídica da pessoa incapaz; e, as especiais, com funções
limitadas, ora de assistência à pessoa, ora de representação de
determinado patrimônio.
No Código Civil Francês os interditos, por deficiência men-
tal, são submetidos à tutela, aplicando-se a eles as mesmas re-
gras pertinentes aos menores, com exceção daquelas que dizem
respeito à formação e educação destes últimos (art. 492 e art.
495).
Hipótese semelhante ocorre com o direito italiano, que
admite que os interditos sejam postos sob tutela, da mesma for-
ma que os menores. Os autores italianos costumam definir a
tutela como instituto de representação e a curatela como de as-
sistência.

510 Pontes de Miranda — Tratado de Direito de Família — Vol. III. Editor


Max Limonad, p. 274.
511 Eduardo Espíndola — Um instituto de proteção àqueles que se não se
acham em condições de poder tomar conta de sua pessoa e dos seus
bens, ou somente destes.
538
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

As alterações trazidas pelo artigo 1.765, neste novo Códi-


go Civil, foram feitas com o principal objetivo de tornar mais
claras as hipóteses em que as pessoas podem estar sujeitas à
interdição. Assim, quando indivíduos maiores se encontrem pri-
vados de discernimento ou de autodeterminação pelas causas
indicadas, poderão ser interditados e sujeitos à curatela. A úni-
ca preocupação do legislador, em resumo, foi a de utilizar uma
linguagem considerada mais moderna, afastando os estigmas
tradicionais ligados aos termos louco, loucura e congêneres.
Neste sentido, a Emenda Modificativa nº 291. 512
Não obstante o bom propósito inspirador do novo texto que
lista as hipóteses de patologia da mente, não se pode dizer que
o resultado tenha sido extremamente feliz ou mesmo técnico.
Pode-se observar, por exemplo, que o art.1.767 utiliza as ex-
pressões “deficiência mental” e “deficientes mentais” nos incisos
I e III, indicando patologias diferentes. Merece transcrição tre-
cho de parecer do psiquiatra Dr. José de Matos quando esclarece
que “o novo Código Civil busca linguagem mais atualizada,
consentânea com os progressos da ciência. Abandona um
arcabouço semântico eivado de preconceito e limitações (loucos,
loucura) por uma expressão essencialmente funcional. Ao usar o
termo “deficiência mental”, abre mão de uma expressão
diagnóstica médica por uma expressão funcional psicológica. É

512 Emenda de Adequação nº 291 de autoria do Senador Josaphat Mari-


nho.
Texto original do projeto:
Art. 1.791 — Estão sujeitos à curatela:
I — os que, por enfermidade mental ou retardamento mental, não
tiveram o necessário discernimento para os atos da vida civil;
Texto proposto:
I — aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tive-
ram o necessário discernimento para os atos da vida civil.
Resumo da Justificativa: A emenda substitui a expressão “fracos da
mente” por “deficientes mentais”, de maior clareza e precisão.
Parecer
A emenda substitui a expressão “retardamento mental” por “defici-
ência mental”, sendo esta última mais apropriada.
De fato, o termo adequado é “deficiência mental”, adotado pela Or-
ganização Mundial de Saúde, na 10a. edição da Classificação Inter-
nacional de Doenças — CID — no Capítulo “Transtornos Mentais e
Comportamentais”, onde nas rubricas de “F70” até “F79” cuida dos
diferentes graus de retardo.
Pela aprovação da emenda.
Seção I — Dos Interditos
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
539
○ ○

necessário, no entanto, ter-se em mente que a Medicina não usa


o termo “deficiência mental” mas “retardo mental”, ignorando
qualquer idéia de rótulo (estigma social) ou caráter pejorativo
que “retardado” mantém no uso social coloquial. A precisão
terminológica buscada em sua expressão diagnóstica evita mal-
entendidos que a expressão “deficiência mental” guarda, já que
a mente pode tornar-se funcionalmente deficiente por falência
de vários de seus componentes, seja por incompletude, doença,
seqüela, esgotamento e outros fatores, conforme Jaspers. 6 Neste
ponto o termo retardo mental evita tais confusões entre a fisio-
logia e a patologia”.
Certamente pretendeu o legislador adotar medidas espe-
cíficas para os diversos graus da doença ou do transtorno da
mente, os quais acarretariam a incapacidade para a adminis-
tração dos atos da vida civil.
No Manual Diagnóstico e Estatístico de Tratamentos Men-
tais (DSM-IV) da American Psychiatric Association, por exem-
plo, estão classificadas mais de 200 doenças mentais. O Retar-
do Mental inaugura a longa lista, classificado entre os trans-
tornos geralmente diagnosticados pela primeira vez na infân-
cia ou adolescência, com a seguinte descrição:
“Retardo Mental: Funcionamento intelectual anormal; iní-
cio durante o período de desenvolvimento; associado com preju-
ízo no amadurecimento e na aprendizagem e ao desajuste soci-
al; classificado de acordo com o quociente de inteligência (Q.I)
como leve (50-55 e 70), moderado (35-40 a 50-55), severo (20-
25 a 35-40) ou profundo (abaixo de 20-25)”. 513

Assim, nos sentimos autorizados a concluir que a nova lei


civil tenha pretendido, por exemplo, no Inciso I do artigo 1.767
referir-se às hipóteses de retardo mental severo e profundo e,
no Inciso III do mesmo artigo, às de retardo mental leve e mo-

6 Jaspers, K. — Psicopatologia Geral: psicologia compreensiva,


explicativa e fenomenológica, 8ª edição, São Paulo, Atheneu, 2000.
513 Kaplan e Sadock, Manual de Psiquiatria Clínica, Porto Alegre, Artes
Médicas, 1998.
Citando o DSM IV enumera 17 categorias de transtornos mentais.
O primeiro denomina-se Transtornos geralmente diagnosticados pela
primeira vez na infância ou adolescência onde o retardo mental é ci-
tado em primeiro lugar. A segunda categoria inclui delirium, demên-
cias, transtornos amnésticos e outros transtornos cognitivos. Não há
citação do termo deficiência mental no texto.
540
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

derado. Desta forma, a referência feita aos deficientes mentais,


no Inciso III, além de significar a patologia passageira, ligada
ao uso de substâncias químicas, engloba também as hipóteses
de patologia da mente menos severas e até intermitentes.
O código revogado referia-se, no art. 446, inciso I, aos lou-
cos de todo o gênero. A disposição foi sempre bastante criticada
por sua imprecisão técnica e caráter genérico, dando margem a
toda sorte de interpretação. Certo que a redação, ora alterada,
decorreu da falta de conhecimento científico à época. Na cate-
goria “louco de todo o gênero” se enquadra, em tese, qualquer
comportamento discrepante com um determinado tempo e os
seus costumes. Assim, muitas interdições excessivas e até mes-
mo descabidas podem ter sido declaradas.
O legislador, para evitar estas ocorrências, explicitou e li-
mitou nos quatro primeiros incisos do artigo 1.767 da nova lei,
as patologias capazes de ensejar o procedimento de interdição.
Sujeitos à curatela, por disposição do Inciso I, estão aque-
les que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o
necessário discernimento para os atos da vida civil. Este inciso
foi redigido em consonância com o art. 3º, inciso II, que trata da
incapacidade absoluta.
O segundo inciso cuida das hipóteses em que a pessoa,
embora sem qualquer turbamento da mente, por outra causa
duradoura que não seja uma patologia psíquica, é incapaz de
exprimir a sua vontade, sofrendo grave limitação para os atos
da vida civil. É o caso, por exemplo, do surdo-mudo que não re-
cebeu educação adequada. A prática irá dizer sobre outras hi-
póteses de aplicabilidade deste dispositivo.
Os dois primeiros incisos, do artigo 446, do Código de 1916,
tratavam da incapacidade absoluta. 514 A leitura conjunta dos
artigos 1.767, 1.772 e 1.782 leva à conclusão óbvia de que nada

514 O desenvolvimento do tema recomenda a classificação das várias es-


pécies de curatela que se faz segundo a categoria de pessoas que a ela
são submetidas. São seis as espécies de curatela: I– A dos loucos de
todos os gêneros; II– A dos surdos-mudos, sem educação que os habi-
lite a enunciar precisamente sua vontade; III– Dos pródigos; IV– dos
nascituros; V– Dos Ausentes; VI– A dos Toxicômanos. Os dois primei-
ros, os loucos e os surdos-mudos, são pessoas absolutamente incapa-
zes; os pródigos e toxicômanos, relativamente ou absolutamente in-
capazes, segundo a gravidade de intoxicação. Eduardo Sócrates Cas-
tanheira Sarmento — A Interdição no Direito Brasileiro — Editora
Forense — p. 09.
Seção I — Dos Interditos
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
541
○ ○

foi alterado, permanecendo os dois incisos iniciais do artigo 1.767


como hipóteses de interdição plena.
Considerando, entretanto, os avanços da medicina especi-
alizada e, ainda, a própria tendência de ser flexibilizada a limi-
tação feita ao interdito, forçoso admitir que o segundo inciso do
art. 1.767 (aqueles que, por outra causa duradoura, não pude-
rem exprimir sua vontade) venha a ser aplicado como hipótese
de incapacidade absoluta ou relativa, devendo o magistrado de-
finir os limites da incapacidade, sempre atento ao disposto no
preceito contido no artigo 1.776.
Tal entendimento fundamenta-se na aparente contradição
que havia no Código de 1916 ao prever a incapacidade absoluta
do surdo-mudo sem educação específica (art. 446, II) e, ao mes-
mo tempo, admitindo limites para a curatela, no art. 451. 515 Com
efeito, o deficiente auditivo, no sistema anterior, era absoluta-
mente incapaz, sendo plena a sua interdição. O que a lei previa
era o estabelecimento de limites para a ação do curador, em face
da possibilidade da prática de alguns atos da vida civil, pelo
interdito. Pontes de Miranda, a propósito, cita a possibilidade,
por exemplo, de o interdito por surdo-mudez estar apto para ven-
der bilhetes de loteria. Apesar de incapaz, seus atos de comér-
cio não estariam eivados de nulidade, desde que ressalvados na
sentença que estabelecera os limites da curatela. Assim, conce-
bia-se a exótica figura do incapaz, relativamente capaz.
O novo Código Civil, ao regular a matéria, deixou de en-
frentar o problema, não flexionando os limites da interdição para
“aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem expri-
mir a sua vontade”.
Os incisos III e IV cuidam das incapacidades relativas, em
consonância com os artigos 4,II e 1.772, ambos do Novo Código
Civil. Consagra-se, desta forma, a possibilidade de interdição
parcial do deficiente mental, dos dependentes químicos, e dos
excepcionais sem completo desenvolvimento mental.
Há muito o Decreto 24.559/34 criou regras especiais para
o procedimento de interdição dos psicopatas e toxicômanos, es-
tabelecendo inclusive a previsão de incapacidade relativa para
ambos os casos (art. 25) e uma espécie de interdição provisória,
por período não superior a dois anos (art. 27, §§ 1, 2 e 3). Os
incisos III e IV, do artigo 1.767 do novo Código Civil, nada acres-

515 Art. 451– Pronunciada a interdição do surdo-mudo, o juiz assinará,


segundo o desenvolvimento mental do interdito, os limites da curatela.
542
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

centaram à ordem já posta. Com efeito, a antiga rigidez aplica-


da ao enfermo mental, atribuindo a incapacidade absoluta ao
louco de todo o gênero, foi abrandada pela lei especial, que ins-
tituiu o critério de estabelecimento de gradações de incapacida-
de, conforme o caso específico.
Por derradeiro, prevê o inciso V a interdição do Pródigo
que há de ser declarada em consonância com os artigos 1.772 e
1.782 do Novo Código Civil. A lei revogada dedicava seção espe-
cial aos pródigos, limitando o número de legitimados para pro-
por a ação (art. 460 e 461, CC de 1916). Pontes de Miranda
considerava tal dispositivo moralmente reprovável, aduzindo
que “o único intuito do Código Civil, como se vê, é garantir a
herança de certos parentes, sem curar da importância social da
prodigalidade”.
Pródigo é a pessoa que faz despesas imoderadas, superio-
res às suas rendas, e de que resulte dissipação de seu
patrimônio 516 . Não se enquadram aqueles que, por má sorte,
imprudência ou imperícia fazem maus negócios. Em suma, pró-
digo é o gastador compulsivo, perdulário e que põe a perder sua
fortuna, comprometendo a si próprio, a terceiros e à família. A
interdição parcial por prodigalidade tem seus limites previstos
no art. 1.780.
A nova lei, com muito acerto, procura aplicar ao pródigo o
integral caráter protetivo dos institutos da curatela e da inter-
dição, retirando a conotação exclusivamente patrimonial, ou seja,
de proteção aos bens, da lei anterior. Com isto, a interdição e a
curatela poderão ser instituídas principalmente em benefício
do pródigo, protegendo-o contra si mesmo, na compulsão de dis-
sipação dos seus bens. Poderá ser requerida, inclusive, pelo
Ministério Público, nas hipóteses do artigo 1.769, incisos II e
III.
Importante ressaltar que a prodigalidade não se presume,
e sua comprovação se sujeitará ao amplo contraditório, cabendo
ao Ministério Público a defesa dos reais e legítimos interesses
do interditando. A comprovação, por todos os meios de prova
admissíveis no direito, e a observância do amplo contraditório,
nos procedimentos de interdição do pródigo, são garantias cons-
titucionais.

516 Pontes de Miranda — Tratado de Direito de Família — Página 388.


Seção I — Dos Interditos
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543
○ ○

Quando a prodigalidade for manifestação evidente de pa-


tologia mais extensa, estaremos diante da hipótese que Pontes
de Miranda batizou como prodigalidade agravada 517 . Neste caso,
o pedido de interdição deverá ser promovido com base no inciso
I, do artigo 1.767, descabendo a aplicação do 1.782, ambos da
nova lei civil, por tratar-se de interdição plena.
Questão curiosa a ser enfrentada em face da nova ordem
trazida pela lei nº 10.406/2002 é a da possibilidade do pródigo
manifestar-se através das disposições de última vontade.
O Código Civil de 1916 não traz vedação específica ao pró-
digo, ao enunciar o rol dos incapazes de testar (art. 1.627). Da
mesma forma, o artigo 459, quando discrimina os atos para os
quais o pródigo necessita da assistência do curador, não inclui o
testamento. Entretanto, o novo Código Civil (artigo 1.860) afir-
ma que os incapazes não podem testar, sem mencionar qualida-
de ou gradação da incapacidade. 518 Ora, ainda que relativamen-
te, o pródigo é incapaz (art. 3, IV, novo Código Civil). Assim,
estará ele legalmente impedido de testar? Entendemos que, à
mingua de jurisprudência e doutrina em relação à matéria, por
ora, prudente que a sentença, ao dispor sobre os limites da in-
terdição do pródigo, manifeste-se neste sentido, sempre a pedido
das partes ou do Ministério Público.

Art. 1.768. A interdição deve ser promovida:


I — pelos pais ou tutores;
II — pelo cônjuge, ou por qualquer parente;
III — pelo Ministério Público.
Direito anterior: Art. 447 do Código Civil.

Três alterações singelas podem ser observadas neste arti-


go que cuida do rol dos legitimados para promover o pedido de

517 Prodigalidade Agravada — A interdição por prodigalidade agravada,


como se o pródigo é ao mesmo tempo desmemoriado, paranóico, de-
mente catatônico, hipermaniáco, regula-se pelo que ficou disposto no
parágrafo relativo à curatela dos loucos, inclusive no que se refere à
promoção pelos parentes e pelo Ministério Público, pois que em tais
casos o pródigo entra legalmente na classe de loucos de todo o gênero.
Tratado de Direito de Família — p. 391.
518 Art. 1.860 — Além dos incapazes, não podem testar os que, no ato de
fazê-lo, não tiverem pleno discernimento. Parágrafo único: Podem
testar os maiores de 16 anos.
544
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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interdição: 1) No inciso I, a substituição das palavras pai e mãe,


pela palavra pais. 2) No mesmo inciso, a referência, no plural,
ao termo tutor. 3) No inciso II, a supressão do adjetivo próximo.
A legitimidade conferida aos pais, para o pedido de inter-
dição, vem consagrar o princípio da igualdade de direitos e obri-
gações do homem e da mulher, no campo do direito de família,
trazido pelo § 5º, artigo 226, da Constituição Federal. Afastada
a idéia de ordem de preferência inscrita na lei anterior, signifi-
cando que tanto o pai, quanto a mãe podem requerer a interdi-
ção do filho, cabendo ao juízo e ao Ministério Público verificar a
necessidade de anuência daquele que não ocupou o pólo ativo. A
nova redação poderia ter sido mais feliz e explícita, afastando
eventuais e incabíveis entendimentos de que apenas os varões
(pais) poderiam estar legitimados ou de que a legitimação seria
conjunta, já que na prática corrente do juízo orfanológico, o pe-
dido de interdição vem sendo, desde o advento da Constituição
de 1988, formulado ora pelo pai, ora pela mãe, com ou sem
anuência de um ou de outra, dependendo das circunstâncias
apresentadas.
O emprego do plural para o termo tutor faz pensar. Afinal,
o novo código inova no capítulo relativo à tutela ao conceber a
figura do protutor (art.1.742), há muito reclamada em nossa dou-
trina, inclusive pelo professor Orlando Gomes, e admitida em
outros ordenamentos. Mas, na questão específica da legitimi-
dade para requerer a interdição terá o legislador incluído o
protutor entre aqueles que podem ocupar o pólo ativo para re-
querer, a interdição do tutelado? Certamente.
Outra hipótese é a de ter sido equívoco na redação do tex-
to, de vez que a tutela, segundo expressiva parte da Doutrina, é
munus pessoal, acometido a um só tutor que pode delegar pode-
res, 519 mas não a responsabilidade integral dos destinos do tute-
lado.
Por fim, há interpretação, adotada por poucos doutri-
nadores, mas procedente, que admite a tutela compartilhada
quando em benefício do menor, especialmente se deferida a ca-
sal que viva more uxorio, remetendo-se tal fundamentação aos
comentários retro aduzidos ao artigo 1.729, referente à tutela.
A terceira alteração possui o propósito nítido de estender
o rol dos legitimados, afastando o entendimento correntio de
que apenas o parente sucessível teria interesse e, por isso mes-

519 Art. 1.743 do Novo Código Civil.


Seção I — Dos Interditos
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545
○ ○

mo, legitimidade para requerer a interdição de alguém 520 . Mas


uma vez , com louvor, afasta-se o sentido meramente patrimonial
da interdição, para dar lugar à busca de efetiva proteção do in-
capaz. Outro não foi o entendimento do relator, Deputado
Ricardo Fiúza, em seu parecer:
“A emenda senatorial substituiu a expressão “parente pró-
ximo” por “qualquer parente”. Com tal redação, maior número
de familiares poderão ter a iniciativa do pedido de interdição,
possibilitando melhor proteção às pessoas indicadas no artigo
1.767 do texto consolidado”.

Desta forma, parece estar consagrado o entendimento de


Eduardo Sócrates Castanheira Sarmento que reúne fundamen-
to de ordem jurídica e considerações de ordem sentimental e
moral para admitir o direito dos parentes não sucessíveis e até
mesmo dos afins para postular pela interdição de incapazes 521.
Deixou, entretanto, o artigo em estudo escapar a oportu-
nidade de incluir expressamente os companheiros entre os legi-
timados para propor a interdição um do outro. Entretanto, for-
çoso admitir, por uma interpretação sistemática, que ao acolher
a norma do inciso II do art. 2º da Lei 9.278/96 em seu art. 1.724,
o novo CC, por uma interpretação sistemática, conferiu ao
companheiro(a) legitimidade para ocupar o pólo ativo nas ações

520 Jander Maurício Brum — Curatela — Aide Editora — 1ª edição —


páginas 53/54 — Na verdade, ao meu ver, correto o entendimento que
liga a legitimidade do parente próximo ao § 3º do artigo 1.182, do
CPC, porque amarra-se à legitimidade do parente sucessível consti-
tuir advogado visando à defesa do interditando. Assim, o mesmo cri-
tério deve ser adotado para a atuação ativa. Então, por parente pró-
ximo entende-se o parente sucessível.
521 Eduardo Sócrates Castanheira Sarmento — A interdição no Direito
Brasileiro. P. 44 Assinale-se que o grande Teixeira de Freitas classifi-
cava o parentesco por consangüinidade e cognação, isto é, o oriundo
do sangue dos parentes naturais e pelo sangue de um dos cônjuges,
em relação a outro cônjuge; o intérprete máximo do Código Civil Bra-
sileiro, Clóvis Beviláqua, também assim se manifestava ao comentar
o artigo 334, da Lei Civil.
A par dessas considerações de ordem jurídica, as de ordem senti-
mental, moral e da força do vínculo de parentesco por vezes a sobrele-
vam, sendo de reconhecer tal legitimidade; por tais razões, entende-
mos que não deve negar aos genros e aos cunhados, por exemplo, e
vice-versa, o direito de promover a interdição de seus sogros e respec-
tivos cunhados, quando haja justificativa.
546
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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de interdições, na medida em que estará se desincumbindo de


dever legal de assistência moral e material recíproca.
No mesmo diapasão, deixou a nova Lei Civil de prever a
hipótese de pedido de interdição promovido pelo padrasto ou
pela madrasta em relação aos seus enteados. Não raras as situ-
ações de fato em que, com a morte do companheiro, ao sobrevivo
incumbe o cuidado com a prole do falecido. Verificada a necessi-
dade de interdição, neste caso em que se estabeleceu a família
de fato, que deve ser, por analogia, considerada protegida pela
ordem constitucional (art. 226, § 4º), não se poderá negar a legi-
timidade aos companheiros e, em sentido contrário, aos entea-
dos em relação àqueles. Se a interdição pode ser promovida pe-
los pais, pelo cônjuge e pelos filhos, por que razão não poderá
ser requerida pelo padrasto ou madrasta, pelo companheiro ou
pelo enteado? Afinal, o instituto é de proteção ao incapaz e, cada
vez mais, com a prática do divórcio e da própria separação de
fato, relações familiares fundadas apenas na convivência se esta-
belecem e se consagram, não podendo o legislador passar ao largo
dessa realidade.

Art. 1.769. O Ministério Público só promoverá a


interdição:
I — em caso de doença mental grave;
II — se não existir, ou não promover a interdi-
ção alguma das pessoas designadas nos
incisos I e II do artigo antecedente;
III — se, existindo, forem incapazes as pessoas
mencionadas no artigo antecedente.
Direito anterior: Art. 448 do Código Civil.

Uma única alteração traz o artigo 1.769, apenas para con-


sagrar na Lei civil o que já havia sido modificado pelo Código de
Processo Civil, em seu artigo 1.178, que prevê a hipótese da
promoção do pedido de interdição, pelo Ministério Público, no
caso de anomalia psíquica. Mais uma vez, banida na lei nova a
menção genérica à loucura, tão criticada pela doutrina.
Embora oportuna, a alteração não chega a inovar no
ordenamento, de vez que a atuação do Ministério Público já vi-
nha se dando nos moldes da lei processual civil 522 que dispõe:

522 Jander Maurício Brum — Curatela — p. 56 — O dispositivo supra


segue a orientação do artigo 448 do Código Civil. Porém modernizado,
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○ ○

Art. 1.178 – O órgão do Ministério Público só requererá a


interdição:
I — no caso de anomalia psíquica;
II — se não existir ou promover a interdição alguma das
pessoas designadas no artigo antecedente, nº I e II;
III — se, existindo, forem menores ou incapazes.

Pontes de Miranda, em Tratado de Direito de Família, te-


ceu ácida crítica à expressão “só” inserida no caput do artigo
448, da Lei Civil de 1916, pela Comissão da Câmara que, em
1902, revisou o projeto original. O brilhante autor considerou
restritiva e desarrazoada a inclusão do advérbio “só”. Argumenta
que a idéia original era a de autorizar o Ministério Público a
agir sempre que aqueles que a lei legitima não o fizessem ou
não o pudessem fazer, em razão de incapacidade.
A aparente restrição trazida pelo termo “só” resultou na
colocação desastrada, segundo o eminente professor, de que o
“Ministério Público só pode promover a interdição em qualquer
caso”. 523 Com a edição da nova lei civil, perdeu-se boa oportuni-
dade de dar-se ouvidos e acatamento ao mestre, sempre atual.
Assim, a legitimidade supletiva do Ministério Público con-
firma-se para todas as hipóteses de interdição, em havendo inér-
cia ou incapacidade dos primeiros legitimados, tanto nas doen-
ças da mente quanto nos demais casos. O mesmo se diga, em
relação à desistência do pedido pelo autor, hipótese em que o
Promotor de Justiça poderá prosseguir com o feito, assumindo o
pólo ativo, desde que comprovada a necessidade da medida.

porque o inciso I do dispositivo falava da legitimidade do Ministério


Público para promover a interdição no caso de “loucura furiosa”. Pare-
ce-me, assim, que não tem mais razão a controvérsia sobre o alcance
da expressão. É que, bem pensando, se o Código de Processo Civil não
repetiu a expressão antiga, certamente não queria a mantença da
expressão anterior. Fica, pois, legitimado o Ministério Público para
acionar a interdição em qualquer anomalia psíquica, isto é, qualquer
doença mental.
523 Tratado de Direito de Família — Max Limonad Editor — p. 301.
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Art. 1.770. Nos casos em que a interdição for pro-


movida pelo Ministério Público, o juiz nomeará
defensor ao suposto incapaz; nos demais ca-
sos o Ministério Público será o defensor.
Direito anterior: Art. 449.

Nenhuma modificação traz o texto do artigo 1.770. Em con-


sonância ao Código de Processo Civil (art. 1.179), em sendo au-
tor o Ministério Público, funcionará o Curador Especial, em ge-
ral membro da Defensoria Pública, na defesa dos interesses do
interditando. Nos demais casos tal missão cabe ao Ministério
Público.
Ora, ao Ministério Público não cabe defesa de pessoa,
exceto nas hipóteses previstas no art.127 da Constituição Fede-
ral, ou seja, quando se tratar de interesses sociais e individuais
indisponíveis.
Assim que, quando atuar no processo de interdição dando
cumprimento ao disposto no art. 1.770, atuará o Ministério Pú-
blico na qualidade de custos legis (art. 82, II e 83, ambos do
CPC), devendo ser considerada absolutamente inadequada a uti-
lização pelo legislador do termo defensor.
Leciona Hugo Nigri Mazzili: “Na esfera cível (...) pode ser
órgão agente, quando toma a iniciativa de provocar o Poder Ju-
diciário em inúmeras ações (não só nas hipóteses mais conheci-
das, como nas de interdição ou nas de nulidade de casamento,
mas também nas da declaração de inconstitucionalidade, nas
de nulidade de ato jurídico em fraude à lei, nas de destituição
do pátrio poder, (...). Pode ainda oficiar numa infinidade de fei-
tos como órgão interveniente, seja porque diante da qualidade
de uma parte, deva zelar pela indisponibilidade de seus interes-
ses ou suprir alguma forma de inferioridade (...), seja ainda,
porque, pela natureza da lide, exista o interesse público a ze-
lar”. 524
Ora, o artigo comentado possui teor adequado, porque ne-
cessária a atuação do Ministério Público na hipótese de não ser
o autor da ação, mas utiliza-se de terminologia inadequada, que
merece ser reparada através de reforma legislativa, a fim de
que passe a tratar da intervenção do Parquet como sendo da-
quelas fundadas na qualidade de fiscal da lei.

524 Hugo Nigro Mazzilli — Manual do promotor de Justiça — Ed. Sarai-


va, 2ª ed., p. 111/12.
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549
○ ○

Não obstante, deve estar sempre presente a verdadeira fi-


nalidade do instituto da interdição, que é a de proteger o inca-
paz. “O Ministério Público estará sempre finalisticamente des-
tinado a proteger o interesse personificado que lhe legitima a
intervenção”. 525 Vale dizer que a defesa do interditando não sig-
nifica, necessariamente, a resistência ao pedido. Antes, pelo
contrário, sendo a medida protetiva cabível e justificável, sua
adoção se dará em prol do incapaz, com o fim de promover-lhe o
tratamento adequado, por em boa guarda os bens e tudo o mais
que for necessário para o zelo e dignidade do interdito. Maria
Helena Diniz ressalta a posição do Ministério Público como sendo
a de defensor nato do suposto incapaz. 526
Assim, as intervenções do Curador Especial (quando au-
tor o Ministério Público) ou do Ministério Público, como custos
legis, justificam-se com o objetivo de ser preservada a ampla
defesa do interditando e observado o devido processo legal, com
a oportunidade de produção de todas as provas necessárias para
fundamentação da decisão que venha a ser tomada.

Art. 1.771. Antes de pronunciar-se acerca da interdi-


ção, o juiz, assistido por especialistas, examinará pes-
soalmente o argüido de incapacidade.
Direito anterior: Art. 450 do Código Civil.

A exigência da entrevista do interditando pelo magistrado


é feita no sentido, antes de mais nada, de se assegurar a serie-
dade do procedimento de interdição.

525 Hugo Nigro Mazzilli — Manual do Promotor de Justiça – Editora Sa-


raiva — 2ª edição — 1991, p. 220.
526 Maria Helena Diniz — Código Civil Anotado — Editora Saraiva — 5º
Edição — 1999 — p. 393. Como o Ministério Público é a personifica-
ção do interesse geral na atuação jurídica, nos processos de interdi-
ção por ele não promovidos incumbir-lhe-á defender o incapaz , im-
pugnando ou não pela sua interdição, sem que haja necessidade de
curador especial, e fiscalizar a regularidade processual. Sem a sua
participação, nulo será o processo. Nomeação de Curador Especial —
Se a interdição for promovida pelo Ministério Público, por ser ele o
requerente, não poderá, então, acumular as funções de defensor e acu-
sador do incapaz; o juiz nomeará um curador especial para defender o
suposto incapaz, que não poderá ficar sem defesa.
550
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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O artigo 1.771 que, com efeito, trata da chamada Audiên-


cia de Impressão Pessoal, prevista no artigo 1.181 do Código de
Processo Civil, vem com duas alterações: 1) Modifica a coloca-
ção na frase, em relação à participação do perito no procedi-
mento de interdição, inserindo-a de forma a sugerir a presença
do perito no momento da audiência. 2) Substitui o termo profis-
sionais por especialistas.
A primeira modificação, na realidade de cunho redacional,
poderia ensejar o entendimento de que o médico perito precisa
estar presente ao ato de realização da Audiência da Impressão
Pessoal. Na realidade, nada impede tal comparecimento. Afi-
nal, o interrogatório do interditando é ato privativo do juiz, sen-
do-lhe facultado cercar-se de toda assessoria que desejar. Mas,
a assistência do especialista durante a entrevista feita pelo
Magistrado com o argüido não terá o condão de modificar o rito
expresso no Código de Processo Civil, artigos 1.181 a 1.183, per-
manecendo íntegras as exigências de decurso do prazo para
impugnação do pedido e perícia médica. De se concluir, portan-
to, que a mera mudança de construção da frase não alterou o
rito das interdições e, muito menos, trouxe a dispensa do prazo
de impugnação, direito legítimo do interditando, para só então
ser nomeado, pelo juízo, perito para confecção de Laudo Médi-
co. Concepção diversa afetaria o devido processo legal e o direi-
to à ampla defesa, direitos e garantias constitucionais.
A substituição do termo profissionais por especialistas é
apenas óbvia, dispensando maiores comentários.

Art. 1.772. Pronunciada a interdição das pes-


soas a que se referem os incisos III e IV do art.
1.767, o juiz assinará, segundo o estado ou o
desenvolvimento mental do interdito, os limites
da curatela, que poderão circunscrever-se às
restrições constantes do art. 1.782.
Direito anterior: Art. 451 do Código Civil.

Os artigos acima transcritos cuidam, em princípio, do mes-


mo tema: os limites da curatela. Mas, na realidade, trazem co-
mandos inteiramente distintos, com resultados diferentes.
Vejamos, primeiramente, o art. 451, do Código de 1916:
1 — Trata exclusivamente do surdo-mudo, classificado no
ordenamento de então como absolutamente incapaz
(art. 3, III).
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2 — Embora sem modificar o tratamento de total restri-


ção dos atos da vida civil pelo deficiente auditivo,
previa a possibilidade da prática de atos válidos pelo
interdito, de vez que deveria ser representado por seu
curador, tão-somente, dentro dos limites estabeleci-
dos pela sentença de interdição. Sobre a aparente in-
congruência já nos referimos acima.

O artigo 1.772 da lei nova, por seu turno, prevê limites da


curatela de forma diversa:
1 — Cuida dos relativamente capazes (art. 4, II,III c/c
1.767, III e IV), ou seja, os deficientes mentais, os ébrios habitu-
ais, os viciados em tóxicos e, ainda, os excepcionais sem comple-
to desenvolvimento mental.
2 — Deixa de estabelecer limites para a curatela daqueles
que, por diferentes razões das de natureza psíquica, não são ca-
pazes de manifestar vontade, incluindo-se nesta hipótese o defi-
ciente auditivo.

Cotejando os dois artigos, pode-se inferir:


A — Que as interdições previstas nos incisos I e II, do ar-
tigo 1.767 não admitem gradações. São hipóteses em que o in-
terdito deverá ser representado por seu curador em todos os
atos da vida civil. Com isto, deixa a nova lei significativa lacu-
na no que diz respeito ao deficiente auditivo, conforme já nos
referimos.
B — Que os relativamente capazes serão assistidos por seus
curadores nos atos previstos pela sentença, que poderá restrin-
gir tão-somente os atos de disposição (art. 1.782), ou outros con-
forme o caso concreto. Todos os demais atos, não vedados pela
sentença, praticados pelo relativamente capaz, serão válidos.
Os pontos acima referidos trazem, em conseqüência, al-
guns cuidados para todos os envolvidos no procedimento de in-
terdição dos relativamente capazes. Por exemplo:
• O médico perito, ao se manifestar pela incapacidade re-
lativa, em decorrência de sua avaliação clínica, deverá
indicar as situações de risco para o interditando, suge-
rindo restrições aos seus atos, a serem expressos na
decisão de mérito;
• O autor cuidará de produzir provas, de qualquer natu-
reza, com o fim de demonstrar a real necessidade de ser
vedado ao interditando a prática de certos atos;
552
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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• Deixando a sentença de se manifestar acerca dos pedi-


dos e impugnações aos limites da curatela dos relativa-
mente capazes, abre-se às partes e ao Ministério Públi-
co a possibilidade de interposição dos recursos cabíveis,
inicialmente através de embargos de declaração, para
suprir-se a omissão, intentando-se, após, se for o caso,
apelação para reformar os limites eventualmente fixa-
dos nos embargos ou para anular-se o decisum nestes
proferido, se não esclarecidos os limites exigíveis para
a curatela.

Art. 1.773. A sentença que declara a interdição pro-


duz efeitos desde logo, embora sujeita a recurso.
Direito anterior: Art. 452 do Código Civil.

Sem qualquer alteração o dispositivo retira ao recurso in-


terposto, nos procedimentos de interdição, a possibilidade de
ser recebido no efeito suspensivo.
Ao repetir, neste artigo, o texto da lei anterior, a nova lei
parece sinalizar no sentido de atribuir natureza jurídica
declaratória à sentença de interdição. A Lei de 1916 abriu espa-
ço para que muito se discutisse acerca do conteúdo da sentença
de interdição, já que o artigo 452 refere-se à declaração da in-
terdição e no seguinte, art. 453, é dito que ela será decretada.

Art. 1.774. Aplicam-se à curatela as disposições


concernentes à tutela, com as modificações dos
artigos seguintes.
Direito anterior: Art. 453 do Código Civil.

O artigo 1.774 diz respeito, certamente, às hipóteses de


curatela dos interditos e, também, do nascituro, dos enfermos e
dos pródigos, muito embora inserido na seção destinada aos in-
terditos. É que à curatela se aplicam os dispositivos pertinen-
tes da tutela. Neste sentido têm decidido nossos Tribunais,
merecendo transcrição a seguinte ementa: “O curador tem os
mesmos direitos, garantias, obrigações e proibições do tutor,
podendo escusar-se do encargo, ou dele ser removido, nos casos
legais, tendo o ônus da apresentação do balanço anual e da pres-
tação de contas”. 527

527 RT, 518:65.


Seção I — Dos Interditos
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○ ○

Desta forma, todas as alterações trazidas pela lei nova re-


lativas à tutela, apresentadas no capítulo anterior, são aplicá-
veis, em princípio, às curatelas de incapazes, nascituros, defici-
entes físicos e pródigos.
Cabível, por exemplo, a hipótese de nomeação de um “pro-
curador” para fiscalizar os atos do curador, à semelhança do
artigo 1.742, da lei nova. O mesmo se diga em relação à possibi-
lidade de nomeação de co-curador, nos moldes do artigo 1.743.
Modificação importante, aplicável à curatela, é a dispensa de
praça pública para arrendamento e venda de bens móveis e imó-
veis (art. 1.748, IV).

Art. 1.775. O cônjuge ou companheiro, não sepa-


rado judicialmente ou de fato é, de direito,
curador do outro, quando interdito.
§ 1º — Na falta do cônjuge ou companheiro, é
curador legítimo o pai ou a mãe; na falta destes,
o descendente que se demonstrar mais apto.
§ 2º — Entre os descendentes, os mais próximos
precedem aos mais remotos.
§ 3º — Na falta das pessoas mencionadas neste
artigo, compete ao juiz a escolha do curador.
Direito anterior: Art. 454 do Código Civil.

Os artigos acima tratam da ordem de preferência para no-


meação do curador, após ser declarada a interdição.
A lei nova cuidou apenas de conferir igualdade de direitos
a homens e mulheres, para o exercício da curatela, coerente-
mente com a ordem constitucional vigente. Assim, decidirá o
magistrado, apoiado nas provas produzidas, sobre a conveniên-
cia de nomeação do pai ou da mãe, do filho ou da filha, nas hipó-
teses vertentes.
Questões recorrentes nos procedimentos de interdições dei-
xaram de ser observadas. São elas:
1 — A possibilidade de nomeação de curador testamentá-
rio.
2 — A atribuição do munus ao padrasto, à madrasta ou a
enteado.

Considerando-se que o Magistrado não está obrigado a


seguir a ordem de preferência para o exercício da curatela, en-
554
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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tendemos que a escolha do curador deverá recair sempre sobre a


pessoa melhor preparada para o zelo do interdito e de seus bens.
Nesse aspecto, de grande importância a realização de estudo
social do caso, capaz de oferecer ao Magistrado e ao Promotor de
Justiça uma visão mais próxima e continuada das relações en-
tre o interdito e aqueles que postulam por sua curatela. No mes-
mo espírito, a hipótese de curatela dativa (§ 3º do art. 1.775)
poderá ser aplicada quando comprovadamente se mostrar ina-
dequada a nomeação de quaisquer dos incluídos no caput e nos
dois primeiros parágrafos do mesmo artigo. 528

Art. 1.776. Havendo meio de recuperar o interdi-


to, o curador promover-lhe-á o tratamento em es-
tabelecimento apropriado.
Direito anterior: Art. 456 do Código Civil.

A obrigação, antes imposta apenas ao curador do deficien-


te auditivo, foi agora estendida a todas as hipóteses de defici-
ências capazes de ensejar a interdição.
O descumprimento imotivado dos deveres de zelo específi-
co com o interdito ensejará a aplicação do disposto no artigo
1.766, relativo à tutela e aplicável à curatela.
Com a finalidade de dar efetiva aplicação ao artigo em
análise e, ainda, aos artigos 1.756 e 1.757 combinados com o
artigo 1.774, sugerimos que as sentenças de interdição assina-
lem período de dois anos para o exercício da Curatela, fazendo-
se constar do próprio Termo o prazo para o munus.
Em conseqüência, será levado a registro também o man-
dato de dois anos do curador. Este é o espaço de tempo previsto
na lei para a prestação de contas, não se verificando qualquer
arbitrariedade na imposição de agenda para avaliação do de-
senvolvimento da atuação do curador em relação aos bens e à
pessoa do interdito. Eventuais atrasos na aprovação de contas,

528 Curador — Nomeação de estranho à família — Possibilidade, quando


se procura acautelar e defender os interesses do interditando —
Denegação de segurança (RJTJSP< RT 34/190).
Curador — Nomeação — Escolha — Taxativa não é a regra do arti-
go 454, e seus parágrafos, do CC, que deve ceder aos interesses do
interditado e de seus descendentes- A nomeação pode recair em pes-
soa que, estranha à família, possui notória e ilibada reputação
(RJTJSP 32/121).
Seção I — Dos Interditos
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555
○ ○

acarretando lacunas na nomeação de curador, poderão ser su-


pridas com o deferimento de mandato provisório, até a efetiva
renovação da curatela ou substituição do curador, conforme o
caso.
Ademais, a fixação do biênio para o mandato do curador
terá a virtude de tornar efetivo o acompanhamento, por parte
do juiz e do Ministério Público, do tratamento dispensado à pes-
soa do interdito. Será este o momento oportuno para as inter-
venções do assistente social, do psicólogo e para a reavaliação
das condições clínicas do incapaz, pelo perito médico. Somente
com a atualização periódica do quadro referente às condições
do curatelado é que ganharão efetividade as normas contidas
nos artigos 1.186 e 1.194 do Código de Processo Civil que cui-
dam, respectivamente, do levantamento da interdição e da re-
moção do curador.
À míngua de um sistema efetivo de acompanhamento da
vida do interdito, as hipóteses dos artigos supracitados da Lei
Adjetiva ficam à mercê do acaso e das naturais efemérides, como
a morte do curador, por exemplo. E o que acaba acontecendo, na
prática, é a manutenção de interdições cujas causas não mais
existem e, ainda, os mandatos por tempo indefinido de curadores
relapsos e muitas vezes improbos.

Art. 1.777. Os interditos referidos nos incisos I,


III e IV do art. 1.767 serão recolhidos em estabe-
lecimentos adequados, quando não se adapta-
rem ao convívio doméstico.
Direito anterior: Art. 457 do Código Civil.

Substituindo o termo loucos, refere-se o legislador aos ab-


solutamente e relativamente incapazes, por doença ou trans-
torno da mente e, também, em decorrência do uso de substânci-
as químicas.
Vem redirecionado o dispositivo legal que admite o reco-
lhimento do interdito em instituição apropriada, colocando o
conteúdo da norma a serviço do incapaz. Visível a intenção do
legislador ao prever a internação quando os incapazes não se
adaptarem ao convívio doméstico, em lugar da lei anterior que
acatava a internação sempre que se mostrasse inconveniente a
conservação do doente em casa. Muda-se, com isso, o pólo da
avaliação. Evidentemente, as condições familiares serão consi-
556
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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deradas relevantes, mas o fiel da balança sempre irá pender em


prol do incapaz.
A internação dos psicopatas, toxicômanos e intoxicados ha-
bituais ainda não interditados, em estabelecimentos públicos e
particulares, está regulada no Dec. 24.559/34, art. 10.
Sendo à curatela aplicáveis os dispositivos da tutela (art.1.
774), entendemos, com fulcro no inciso II, do art. 1.740 da nova
Lei Civil, que o pedido de internação do interdito deverá ser
deduzido, em juízo, pelo curador ou pelo Ministério Público. Para
a adoção da medida e sua manutenção, conveniente será o estu-
do multiprofissional do caso com as intervenções de perito mé-
dico, assistente social e psicólogo.

Art. 1.778. A autoridade do curador estende-se


à pessoa e aos bens dos filhos do curatelado,
observado o art. 5º.
Direito anterior: Art. 458 do Código Civil.

Pontes de Miranda chama de extensiva a curadoria do


menor, filho de interdito.
A lei civil revogada tratava em um único artigo (458) das
curatelas dos filhos dos interditos e do nascituro, em gestação
pela interdita. A nova lei cuida do tema em dois momentos: 1)
curatela dos filhos dos interditos, art. 1.778; 2) Curatela do
nascituro de interdita, Parágrafo único, do art. 1.779, na hipó-
tese do caput. Foi, assim, suprimida a expressão redundante fei-
ta pela lei anterior aos “filhos nascidos”.
Disto resulta que:
1 — Os deveres do curador se estenderão à pessoa e aos
bens do filho menor do interdito que não estiver sob
o poder familiar. São muitas as hipóteses em que o
menor poderá se encontrar ao desamparo do poder
familiar, com a interdição de um dos seus pais. Ape-
nas para exemplificar podemos mencionar aquelas em
que: a) a criança foi reconhecida apenas pelo interdi-
to, sendo desconhecida a paternidade ou maternida-
de; b) a morte da mãe ou do pai não interdito; c) a
perda do poder familiar pela mãe ou pelo pai não in-
terdito (artigos 1.637/1.638);
2 — Aos nascituros de mulher interdita aplicar-se-á a re-
gra do caput do artigo 1.779, com as limitações que
veremos a seguir.
Seção II — Da Curatela do Nascituro e do Enfermo ou Portador de Deficiência
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○ ○

Seção II
Da curatela do nascituro e do enfermo
ou portador de deficiência física

Art. 1.779. Dar-se-á curador ao nascituro, se o


pai falecer estando grávida a mulher e não ten-
do o poder familiar.
Parágrafo único. Se a mulher estiver interdita,
seu curador será o do nascituro.
Direito anterior: Art. 462 do Código Civil.

A Seção II, da nova lei, cuida das curatelas especiais dos


não interditos. Inova ao prever, dentro do Código Civil, a nome-
ação de curador ao enfermo ou portador de deficiência física,
capazes de manifestar vontade.
O artigo 1.779 repete a impropriedade da lei anterior, já
apontada por Pontes de Miranda, em relação ao art. 462, do
Código de 1916:
“É, como se vê, mal redigido. A morte não é a única falta
do pai. Pode estar vivo o genitor, e não reconhecer o filho, ou
mesmo reconhecê-lo e achar-se sob curatela, ou por outro moti-
vo, impossibilitado de exercer o pátrio poder. Seria desamparar
o nascituro o querer presumir-se a proteção impossível. Salvo se
a lei quisesse que só o filho concebido na constância do casa-
mento tivesse curador, o que seria absurdo. O erro de redação
proveio do Projeto primitivo (art.543): “Nomear-se-á um curador
para velar pelos interesses do nascituro quando estes requere-
rem cuidado, se, falecendo o marido, a mulher tiver ficado grá-
vida, e não estiver em condições de exercer o pátrio poder”. A
política do Projeto, como a do Código Civil, foi prover à proteção
dos nascituros, sempre que fosse preciso, e daí opormos à letra
do Código Civil a sistemática do próprio Código. O feto é suscetí-

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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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vel de direitos sem serem os da herança paterna. A doação e o


legado ao feto são válidos, e seria imprudente, estando a mãe
interdita e não se sabendo qual o pai, deixar-se de dar curador
ao nascituro, quando o Código Civil, no artigo 4º, diz que põe a
salvo os direitos dele. Pode o pai interdito ser excluído da heran-
ça de qualquer ascendente, e está claro que, em tal espécie, é de
necessidade nomear curador ao feto, que tem o direito de suce-
der ao ascendente, de cuja herança foi excluído o pai”.

A curatela do nascituro não foi, pela nova lei, tratada como


deveria. A hipótese do artigo 1.779 e de seu parágrafo único, da
mesma forma que o artigo 462 do Código Civil revogado, não
alcança todas as situações de fato em que o nascituro necessita-
rá de proteção. Antes e agora, a hipótese da lei é a de se dar
curador ao nascituro somente quando o “pai falecer, estando
grávida a mulher e não tendo o pátrio poder”. 529 De se ressaltar
que o Código de Processo Civil prevê, nos artigos 877 e 878,
dentre as medidas cautelares nominadas, a Posse em Nome do
Nascituro. Entretanto, a cautela ali tutelada só poderá ser pos-
tulada pela gestante absolutamente capaz, conforme parágrafo
único do mencionado artigo 878.
A solução, por ora, será a de se invocar a aplicação do arti-
go 2º do novo Código, para se justificar o pedido de nomeação de
curador ao nascituro em situações tais como:

1 — Pai desconhecido e mãe interdita ou fora do poder fa-


miliar;
2 — Pai e mãe interditos;
3 — Pai e mãe fora do poder familiar (menores ou por de-
cisão judicial, na forma do artigo 1.638).

529 Direito de Família — Orlando Gomes– 7ª edição — 2ª tiragem — p.


400 e 401. Com o objetivo de salvaguardar os direitos do nascituro,
dispõe a lei que se lhe dê curador se o pai falecer, estando a mulher
grávida e não tendo o pátrio poder. Só nesta hipótese excepcional se
dá a curatela do nascituro. É muito rara, tendo-se em vista os pressu-
postos legais. Necessário, com efeito, que se trate de filho póstumo
sobre o qual não possa exercer a mãe o pátrio poder. Isto só se verifi-
cará se ela própria estiver sob curatela. Configurar-se-á, então, a
curatela prorrogada ou extensiva.
Seção II — Da Curatela do Nascituro e do Enfermo ou Portador de Deficiência
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559
○ ○

Art. 1.780. A requerimento do enfermo ou portador de


deficiência física, ou, na impossibilidade de fazê-lo
de qualquer das pessoas a que se refere o artigo 1.768,
dar-se-lhe-á curador para cuidar de todos ou alguns
de seus negócios ou bens.
Direito anterior: Não há previsão.

A inovação trazida pela Lei 10.406/2002, neste artigo, tem


o nítido propósito de alinhar o Código Civil com a Constituição
Federal, conferindo ao enfermo ou portador de deficiência físi-
ca importante instrumento para a garantia de todos os direitos
e benefícios previstos na carta magna.
A ordem maior, posta em 1988, preocupou-se sobremanei-
ra com o deficiente físico. Entretanto, diversos dispositivos dei-
xaram de receber aplicação, em razão das naturais dificuldades
do próprio deficiente agir. Com a possibilidade de nomeação de
um curador dá-se um grande passo em prol da real efetividade
do conjunto de normas constitucionais dirigidas ao deficiente fí-
sico.530

530 Constituição Federal: Art. 7º — São direitos dos trabalhadores urba-


nos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição
social:
XXXI — proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e
critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;
Art. 23 — É competência comum da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios:
II — cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia
das pessoas portadoras de deficiência;
Art. 24 — Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legis-
lar concorrentemente sobre:
XIV — proteção e integração social das pessoas portadoras de defi-
ciência;
Art. 37 — A administração pública direta, indireta ou fundacional,
de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e, também, ao seguinte:
VIII — a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos
para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de
sua admissão;
Art. 203 — A assistência social será prestada a quem dela necessi-
tar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem
por objetivos:
IV — a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiên-
cia e a promoção de sua integração à vida comunitária;
560
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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A lei 8.842, de 04.01.1994 (DOU 5.1.1994, p. 77) prevê em


seu artigo 10º, § 2º, a possibilidade de nomeação de Curador Es-
pecial, para postular pelos interesses do idoso, caso se verifique
no processo sua incapacidade de fato. 531 A previsão da legislação
extravagante se destina exclusivamente aos idosos, sendo que o
curador especial tem sua atuação limitada ao procedimento para
o qual foi nomeado. A nova norma codificada, prevista no artigo
1.789, tem maior amplitude, ao admitir a nomeação de curador

V — a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa


portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios
de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família,
conforme dispuser a lei.
Art. 208 — O dever do Estado com a educação será efetivado medi-
ante a garantia de:
III — atendimento educacional especializado aos portadores de de-
ficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
Art. 227 — É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar
à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida,
à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar
e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligên-
cia, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 1º — O Estado promoverá programas de assistência integral à
saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entida-
des não governamentais e obedecendo os seguintes preceitos:
II — criação de programas de prevenção e atendimento especializa-
do para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem
como de integração social do adolescente portador de deficiência, me-
diante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação
do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de precon-
ceitos e obstáculos arquitetônicos.
§ 2º — A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e
dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte
coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de
deficiência.
531 Código de Processo Civil Comentado — Nelson Nery Junior e Rosa
Maria de Andrade Ney — Editora Revista dos Tribunais — 5ª Edição
— página 374 — IDOSO — Havendo no processo interesse de idoso e
sendo este incapaz (de fato) para gerir seus bens , o juiz deverá nome-
ar-lhe curador especial, que será seu representante de direito mate-
rial ( L 8.842/94 10 § 2º). Não é necessário, mas conveniente que este
curador especial seja advogado. Para comprovar a incapacidade de
fato do idoso o juiz pode servir-se, analogicamente, do procedimento
do CPC 218. É idoso, para os fins legais, a pessoa com sessenta anos
de idade (L 8.842/94 2º).
Seção II — Da Curatela do Nascituro e do Enfermo ou Portador de Deficiência
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561
○ ○

especial para representar os deficientes físicos e idosos, em qual-


quer hipótese.
Conforme já mencionado, os destinatários do artigo 1.780
da nova lei civil não precisarão passar pelo procedimento de
interdição. A pedido do próprio doente, quando possível for, ou
de qualquer das pessoas mencionadas no artigo 1.768, o juiz
nomeará curador para encarregar-se de todos ou de alguns ne-
gócios do enfermo ou do deficiente físico.
O dispositivo é de grande aplicação prática. Evitam-se, por
exemplo, as infindáveis renovações das procurações, com vali-
dade por curto espaço de tempo e supre-se a lacuna em relação
àqueles que, por invalidez física, não têm condições de outorgar
poderes. O mesmo se diga em face das muitas vezes sacrificadas
apresentações do deficiente físico aos departamentos de previ-
dência, sendo certo que ao curador caberá o recadastramento
do pensionista ou aposentado, já que está compromissado em
juízo para agir em nome do curatelado.
A outra grande vantagem é a própria garantia do enfermo
em face da maior responsabilidade do curador, compromissado
em juízo, que vai muito além da do mandatário, nos termos dos
artigos pertinentes à tutela e aplicáveis à curatela.
No ato de nomeação do curador ao deficiente físico ou en-
fermo, definirá o juízo os limites e finalidades da curatela, de-
vendo constar do Termo de Curatela, que será levado a registro,
todo o teor da decisão judicial.
O curador nomeado nos moldes do artigo 1.779 prestará
contas de seus atos, aplicando-se, no que couber, os artigos 1.756
e 1.757. Igualmente, entendemos que esta Curatela há que ser
deferida com o prazo de dois anos, conforme já exposto em rela-
ção aos interditos (comentários ao art. 1.776).
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Seção III — Do Exercício da Curatela
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○ ○

Seção III
Do exercício da curatela

Art. 1.781. As regras a respeito do exercício da


tutela aplicam-se ao da curatela, com restrição
do art. 1.772 e as desta Seção.
Direito anterior: Art. 453, do Código Civil.

Dispõe o artigo em estudo, especificamente, sobre o exer-


cício da curatela que se dará nos mesmos moldes previstos à
tutela, a teor do disposto na Seção IV, do Capítulo I, do Título
IV do Livro IV, com as seguintes restrições:
1 — Previsão de limites da curatela dos relativamente in-
capazes por deficiência mental, dos ébrios, dos vicia-
dos em tóxicos e dos pródigos (artigos 1.772 e 1.782).
2 — Dispensa da prestação de contas em relação ao
curador casado pelo regime da comunhão universal,
salvo diversa determinação judicial (art. 1.783).

Art. 1.782. A interdição do pródigo só o privará


de, sem curador, emprestar, transigir, dar quita-
ção, alienar, hipotecar, demandar ou ser deman-
dado, e praticar, em geral, os atos que não se-
jam de mera administração.
Direito anterior: Arts. 459, 460 e 461 do Código Civil.

Foi mantida, na íntegra, a redação do artigo 459, do Códi-


go de 1916, pelo artigo 1.782 da nova Lei Civil.
Por outro lado, as demais regras que especializavam as
possibilidades de interdição do pródigo, a nulidade de seus atos
e o levantamento da incapacidade, foram suprimidas pela lei
nova, retirando o cunho exclusivamente patrimonial da limita-
ção feita ao pródigo, como já afirmamos anteriormente.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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Comprovada a prodigalidade, a interdição parcial seguirá


as regras comuns, em relação ao legitimado para ocupar o pólo
ativo da relação processual, ordem de preferência para o exer-
cício da curatela etc. A única regra específica relativa ao pródi-
go é a do artigo 1.782, que já existia anteriormente. Ou seja, o
interdito por prodigalidade não sofrerá restrição para os atos
comuns da vida civil, podendo exercer atividade remunerada,
ser testemunha, enfim, interagir na sociedade, normalmente.
Estará impedido de praticar, sem a assistência do curador, os
atos de comércio e de disposição de bens. 532
Por ser relativamente incapaz (art. 4º, inciso IV) o pródigo
é assistido por seu curador nas ações previstas pelo artigo em
estudo.
O artigo 1.782, ora em estudo, não se refere especificamente
à necessidade do consentimento do curador para o casamento do
pródigo. Entretanto, ao tratar da capacidade específica para o
ato, o novo Código dispõe, em seu artigo 1.518, que “Até a cele-
bração do casamento podem os pais, tutores ou curadores revo-
gar a autorização”. No artigo seguinte, 1.519, prevê o suprimento
judicial para a injusta denegação do consentimento. Por se tra-
tar de regra própria para o procedimento de habilitação do ma-
trimônio, entendemos que o pródigo ainda carece da manifesta-
ção favorável de seu curador. Firmamos tal entendimento, não
obstante ter sido suprimida, na recém-chegada ordem civil, a
regra disposta no inciso XI do artigo 183 Código de 1916.
Ocorre que, embora mal inserido e um tanto vago, o artigo
1.518 acima mencionado, supre a exigência do revogado inciso
XI (art.183).
Oportuna, ainda, a menção sobre as repercussões
patrimoniais do casamento que, no caso do pródigo, podem ser
bastante prejudiciais a ele, ao seu cônjuge e até a terceiros.

532 Curso de Direito Civil — Washington de Barros Monteiro — Editora


Saraiva — 27ª edição — p. 325. As restrições, que o pródigo sofre,
dizem respeito, portanto, aos bens. Relativamente à sua pessoa, ne-
nhuma limitação existe. Pode assim dirigir-se como entender, exercer
sua profissão (desde que não seja a de comerciante), ser encarregado
da fixação do preço, no caso a que se refere o art. 1.123 do Código
Civil, casar-se (dependendo do consentimento do curador) e ser teste-
munha.
Seção III — Do Exercício da Curatela
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565
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Art. 1.783. Quando o curador for o cônjuge e o


regime de bens for o de comunhão universal,
não será obrigado à prestação de contas, salvo
determinação judicial.
Direito anterior: Art. 455 do Código Civil.

Apenas o cônjuge casado pelo regime da comunhão uni-


versal permanece dispensado da prestação de contas prevista
no artigo 1.757 da nova lei.
Sendo outro o regime de bens, ainda que todo o patrimônio
do incapaz seja formado por bens imóveis, as contas precisam
ser prestadas pelo cônjuge curador.
Os demais dispositivos suprimidos pelo novo código dizi-
am respeito às diferenças que a lei estabelecia entre o homem e
a mulher na gestão do patrimônio do casal, distinções inteira-
mente superadas pela ordem constitucional vigente.
Foi excluída a dispensa de balanço anual prevista, anteri-
ormente, em relação aos pais quando curadores de seus filhos.
Assim, mesmo os pais curadores, precisam apresentar tal ba-
lanço ”que é um resumo da receita e da despesa, uma prestação
de contas simplificada, para governo da autoridade judicial.
(......) Referido balanço, depois de aprovado, deverá ser anexa-
dos aos autos do inventário.” 533 Claro que a inclusão do balanço
anual nos autos de inventário só será feita se, obviamente, o
mesmo existir; caso contrário o balanço será anexado aos autos
da interdição ou curatela.
O cônjuge dispensado, pela lei nova, da prestação de con-
tas (art. 1.757) permanece obrigado à apresentação do balanço
anual, nos termos do artigo 1.756. Com isso, assume especial
importância a requisição, sobretudo pelo Ministério Público, do
referido balanço, instrumento eficaz na verificação de eventu-
ais oscilações e perdas no patrimônio do casal.

533 Curso de Direito Civil — Washington de Barros Monteiro — Editora


Saraiva —27ª edição — p. 317.
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O Novo Código Civil — Do Direito de Família
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