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Vinculada 1 05
Proposta é unir música, literatura e cinema
Vinculada 2 06
Enfrentar o mercado fonográfico não é novidade
Vinculada 3 07
Quem é Manoela Rosário?
Vinculada 1 14
Vinculada 1 22
Um grupo que nunca atingirá grande público
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mundo livre s/a
MATÉRIA PRINCIPAL 1
Vale, sim, desde que – nas palavras do líder do grupo – sirva para não só negar, mas
também quebrar a engrenagem do sistema fonográfico atual. “Esse trabalho desafia toda a
lógica do mercado fonográfico. Chega de comodismo. Está na hora de meter o dedo em
tudo e transgredir o modelo”, diz, em tom revolucionário. Esse posicionamento, segundo
ele, está presente em todo o disco, desde o fato de ter sido inteiramente gravado e
produzido fora do eixo Rio-São Paulo, até a média de duração das músicas – de cinco
minutos, quando o padrão das gravadoras mais comerciais é de três minutos.
Mas para colocar em prática essa postura, a mundo livre s/a teve de arrumar uma
alternativa às grandes gravadoras. A idéia era fazer um disco que não se prendesse apenas à
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mundo livre s/a
reprodução de sons musicais, mas que, pelo conteúdo e forma de elaboração, jogasse luz
sobre outras possibilidades que se abrem com a crise do mercado fonográfico. Após três
anos de reflexão, a luz brilhou no fim do túnel e veio de um candeeiro, em agosto do ano
passado, entre um gole e outro de cerveja, durante uma festa no Recife.
“Por que você não grava a parada pela Candeeiro?”, perguntou Pupilo durante um
bate-papo. Ele, além de ser baterista da Nação Zumbi, é dono do selo Candeeiro Records,
com sede no Recife e em atividade há quatro anos. “Por que não utilizarmos o formato CD
para questionarmos o próprio CD?”, completou Zeroquatro. O acordo foi fechado na hora.
Alternativas - E foi justamente isso que, um mês depois do papo, Fred Montenegro
(Zeroquatro), Jadson Macedo do Vale (Bac), Tony Montenegro (Xef Tony), Walter
Domingos Pereira Filho (Júnior Areia) e Marcelo Alves Oliveira (Pianinho) fizeram no
estúdio Muzak, no bairro de Casa Forte, no Recife. Foram 327 horas de trabalho,
encerradas em maio deste ano.
“Os caras são muitos seguros no que fazem”, relata Pupilo, que assina a produção,
ao lado do vocalista da banda. “Fred sempre quis se livrar desse compromisso com a
indústria fonográfica. Ele sempre odiou muito esse laço que o atrelava a uma gravadora
grande”, completa.
A resposta ao que mais parecia ser uma crise de existência das brabas não poderia
ser diferente “O objetivo da banda era fazer um disco inovador”, afirma Marcelo Soares,
produtor executivo do álbum. Com isso, melodias e refrões perderam espaço. O resultado é
um desabafo sob a forma de um disco inquietante, que se propõe a entrar para o hall dos
mais inovadores da música brasileira. E Zeroquatro afirma isso sem constrangimentos.
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mundo livre s/a
VINCULADA 1
Para ele, o papel da Candeeiro Records foi fundamental para a proposta do grupo, o
que é assegurado por Pupilo. “Não houve qualquer tipo de restrição ou exigência. As
músicas foram mudadas quantas vezes a banda achou que fosse necessário”, diz o produtor.
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mundo livre s/a
VINCULADA 2
“A gente quis aproveitar a liberdade total que tivemos, pelo fato do disco ter sido
produzido por um amigo e parceiro que é Pupilo, e no Recife, para dizermos o seguinte:
fomos quase engolidos por uma engrenagem que funcionou por algumas décadas e que era
totalmente perversa com o compositor e com o consumidor. Agora, há a possibilidade de
zerar tudo isso”, afirma Zeroquatro, em tom claro de enfretamento ao sistema fonográfico.
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mundo livre s/a
VINCULADA 3
Afinal de contas, quem é essa tal de Manoela Rosário? Essa será a pergunta mais
freqüente que os integrantes da mundo livre s/a terão de encarar daqui para frente.
“Manoela Rosário é uma ficção, com muito de realidade”, responderá Zeroquatro. Aliás, é
sempre assim que o criador se refere a sua relação com a personagem, como se ela nunca
tivesse existido de fato.
As coincidências não param por aí. Manoela Rosário, segundo Zeroquatro, gravou
vários documentários, dentre os quais um sobre os índios Xucurus. “Quem assistir ao
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mundo livre s/a
videoclipe da música “O outro mundo de Xicão Xucuru” pode até pensar que as imagens
foram gravadas por Manoelita”, brinca o líder da mundo livre s/a.
Pensativa, Séfora afirma que ainda não havia tomado conhecimento da idéia contida
no novo disco do grupo. Durante a constatação das semelhanças, ela divertiu-se bastante.
“Realmente, há muita coisa parecida. Mas eu não sou a... como é mesmo o nome dela?
Manoela? É isso?”, afirma, com um leve sorriso.
Vida real – Séfora sempre acompanhou o trabalho da banda. Mas a relação entre ela e o
grupo se intensificou em 1995, quando estudava cinema em Guadalajara. Para o México,
ela levou o disco “Samba Esquema Noise”, o primeiro da mundo livre s/a, lançado um ano
antes, e o apresentou ao seu amigo Che, um dos produtores da rádio universitária. As
músicas do álbum logo entraram para o set list. Era o início de uma relação que iria gerar
bons frutos para a banda.
Em 1996 o grupo lança o álbum “Guentando a Ôia”, do qual uma das faixas
homenageia o subcomandante Marcos. “Salve Marcos, salve, salve / Viva México!”, diz a
letra. Séfora teve, então, a idéia de sugerir à universidade a participação da banda em um
festival de música, programado para janeiro de 1997. A homenagem ao país era o gancho
de que ela precisava.
“Consegue as passagens que o resto é comigo”, disse ela, por telefone, a Antônio
Gutierrez, o Guti, então empresário da banda. Na segunda quinzena de janeiro de 1997, a
mundo livre s/a rompeu as fronteiras do Brasil e aterrissou na Cidade do México. Foram
quatro apresentações em 15 dias – uma pela universidade e três em casas de shows.
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mundo livre s/a
Hoje, Séfora Silva coordena o projeto Faço Arte com Quem Sabe, hospedado no
prédio no Museu do Homem do Nordeste, onde são ministradas oficinas de arte voltadas a
crianças de baixa renda. Mais recentemente, ela assinou a produção de arte do premiado
filme de Cláudio Assis “Amarelo Manga”. Em andamento, está mais uma produção de arte
para outro longa, dessa vez dirigido por Marcelo Gomes, chamado “Cinema, aspirinas e
urubus”.
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mundo livre s/a
MATÉRIA PRINCIPAL 2
Rua José Bonifácio, número 43, bairro da Madalena. Às 14h30, Damião Venâncio
Coutinho, de 61 anos dá uma geral no ambiente, localizado nos fundos do terreno.
Aspirador e purificador de ar em mãos, é hora de preparar o estúdio. Cinzeiros e carpete
limpos, biscoitos, bolachas e café à espera da banda que irá ensaiar das 15h às 18h. É a
mundo livre s/a, que acumula cinco discos gravados em 20 anos de trajetória. Mas antes do
grupo chegar, um flashback.
Rua Abdo Cabuz, bairro de Candeias, 1978. O garoto Fred Rodrigues Montenegro,
de 16 anos, acabou de chegar da Mesbla Magazine, localizada, à época, na rua da Palma, no
centro do Recife. Na sacola, ele trazia um single do grupo Silvester. A música “You make
me feel” tocava no último volume, sob reclamação da sua mãe, Eliete. O som rolava solto
na radiola, observada com atenção por Tony Montenegro, caçula da família, de apenas seis
anos, e por Fábio Montenegro, de 11 – os três integrariam, anos mais tarde, a mundo livre.
Mas até lá, há um pouco de história a ser contada, com mais flashback.
Fred Montenegro comprava tudo quanto era disco – desde a Discoteca do Papagaio
até Rick James, passando por Slade, Nazareth, Yes e Rolling Stones. “Eu misturava rock
com discoteca, o que era uma heresia, como fui saber depois. Mas como não conhecia
ninguém que também gostasse de música, não tinha quem tirasse onda com a minha cara
por causa disso”, diverte-se.
Na mesma época, a duas ruas da Abdo Cabuz, uma radiola também rodava, mas o
som era bem diferente. Lá, Renato Lins, também com 16 anos, escutava “My Generation”,
clássico do The Who. Na sua coleção, porém, nada de discoteca; só rock anos 60, como
Jimi Hendrix e... Rolling Stones. Pois foi justamente a música de Mick Jagger e Keith
Richards que aproximou Fred e Renato.
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mundo livre s/a
Nascido no final dos anos 70, o punk rock foi reciclado em São Paulo e fincou
raízes, também, junto aos coqueiros da praia de Candeias. Fred Montenegro adotou o
apelido Rato, assumiu a filosofia do “faça você mesmo” e ensinou não só baixo ao irmão
Fábio, como também bateria e guitarra aos amigos Avron e Neguinho, respectivamente.
Juntos, eles formaram a banda Trapaça, que deu lugar a Serviço Sujo, em 1983. Era o
reflexo da influencia do LP “Grito Suburbano”.
Mas ser punk não era apenas ter uma banda; era, sobretudo, ter atitude. E isso
significava cara de poucos amigos, calças rasgadas, coturnos, narizes furados com grampos
e, é claro, anarquia – ensinamentos que o pessoal de Candeias levou ao pé da letra. “A
turma se vestia de preto, ia para as festas dos ‘boyzinhos’ e destruía tudo. Em Candeias,
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mundo livre s/a
terra de praia e muito sol, eram mesmo que alienígenas”, relembra Tony Montenegro, hoje
com 32 anos, antes de soltar uma boa gargalhada.
Punk, praia e samba? - Mas um punk rocker escutaria Samba? E funk? A princípio, a
resposta é não. Mas um dos ícones do gênero, a banda inglesa The Clash, havia lançado, em
1981, o disco “Sandinista”. Nele, como disse John Piccarella em resenha da revista Rolling
Stones em março daquele ano, há uma verdadeira mistura de ritmos, sobretudo jamaicanos,
com espaço para o reggae e dub. “Essa mistura deu um curto-circuito na cabeça da gente”,
lembra Renato L.
É que em 1983, uma corrente do punk rock inglês ganhava força, a chamada
segunda geração – ou seja, posterior àquela dos Sex Pistols e do The Clash. Dela, faziam
parte bandas como Exploited e Damed, com as quais boa parte dos grupos de São Paulo se
identificava. Mas a turma de Candeias gostava mesmo era de The Clash. Então, misturar
samba e punk “era nenhuma”.
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mundo livre s/a
Zeroquatro no cavaquinho, violão, voz e guitarra; Bactéria nos teclados e nas guitarras;
Areia no baixo; Tony na bateria e Pianinho na percussão.
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De volta a 2003, Rua José Bonifácio, 43, Madalena. São 15h e Damião faz os
últimos ajustes no ar condicionado. "Já era pra eles terem chegado", comenta, olhando o
relógio de parede. Com 45 minutos para encerrar as três horas reservadas ao ensaio, chega a
banda. Todos atrasados. A causa: fila de banco. Mas não há problemas, o clima é de alto
astral. Disco novo nas lojas, novo gás. “Esse é o melhor momento que a banda já viveu”,
destaca Zeroquatro, sorridente.
Damião é nome certo na lista de agradecimentos dos discos. Desde 1996, ano de
inauguração da casa, a mundo livre s/a ensaia no seu estúdio. “Acho isso uma bobagem”,
diz Damião, referindo-se aos agradecimentos. “Eles não estão pagando pelo serviço? Então,
por que agradecer dessa forma?”, indaga, encabulado.
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mundo livre s/a
VINCULADA 1
“Mandou me chamar, eu estou aqui, o que é que há?”, parecia dizer o balacobaco
do samba de Dona Yvone Lara à sisudez do punk dos Sex Pistols, The Clash e companhia.
É que, na verdade, apesar de ter o rock do ABC paulista como um modelo pelo qual se
guiar, o punk do pessoal de Candeias sempre esteve acompanhado de samba, suor e
cerveja.
O disco de estréia da mundo livre s/a, por exemplo, lançado em 1994 pelo selo
Banguela, dos Titãs, tem o nome de “Samba Esquema Noise” – uma referência direta ao
disco de estréia de Jorge Ben, “Samba Esquema Novo”, considerado pela crítica musical
como um dos marcos do samba-rock brasileiro.
Para contar um pouco mais sobre essa influência, vale “um parêntese”. Zeroquatro
lembra que escutava o disco Tábua de Esmeraldas, comprado pelo seu pai, José Rodrigues
Montenegro, mais conhecido por Zelito, e fazia que tocava um violão, imitando Jorge Ben.
“Aí meu pai me prometeu que, se eu passasse por média na escola, me daria um
instrumento. Passei, ganhei um violão e ficava tentando aprender a batida do disco”,
recorda-se.
Mas não dava para ficar só imitando, era preciso aprender. Daí, Zelito chamou o
vizinho do prédio de trás, que era músico de uma banda de baile, para dar umas aulas ao
filho. No repertório, desde valsa até Kiss, banda de rock preferida do professor. Na primeira
aula, o garoto aprendeu três acordes, com os quais compôs uma canção.
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Do violão ganho de presente pelo pai para a guitarra foi um pulo – ou melhor, uma
noite. Era alguma sexta-feira de 1981, quando a Banda Vermelha das Trevas se apresentava
em um bar na avenida Bernardo Vieira de Melo, em Candeias. Os amigos Fred Montenegro
e Renato Lins vinham da praia, sem rumo, após fumar “unzinho”, quando entraram no bar
para ouvir o som.
“Do nada, no meio do show, o guitarrista chamou Fred ao palco para tocar guitarra.
Foi um momento decisivo... né?”, lembra-se Renato L, diringido-se ao amigo, com certo
saudosismo. “Decisivo, sim, pois era a primeira vez que eu pegava em uma guitarra”,
completa Zeroquatro. No dia seguinte a essa noite, veio a idéia de formar uma banda, a
Trapaça – mas essa história já foi contada. Bem, agora é hora de “fechar o parêntese”
aberto há quatro parágrafos e voltar a mundo livre, em 1984.
Punk e samba no mesmo groove - Surgiu, então, o primeiro show, em março, em uma
churrascaria, no bairro de Candeias. Na platéia, só os pais dos integrantes. Um mês depois,
a banda tocou em uma festa de 15 anos, também em Candeias, com a guitarra, o baixo e o
microfone conectados em um micro-system “3 em 1”. No repertório, só mundo livre, como
“Samanta Smith”, inédita até hoje, “Rios, pontes (smart drugs) e overdrives”, gravada no
disco de estréia, e “Quarta Parede”, do disco “Carnaval na Obra”, lançado em 1998. O
tamborim e o agogô estavam lá, presentes – o cavaquinho, porém, só entrou no som da
banda quatro anos mais tarde, em 1988.
Depois, foi a vez das boates da zona sul, como Lacadoro e Grants. No cartaz de
divulgação, lia-se “Show de rock com a banda mundo livre s/a”. “O pessoal via esse
anúncio e não entendia quando a gente começava a tocar com tamborim e outros
instrumentos de percussão”, diverte-se Zeroquatro. No palco, a platéia assistiu à esquisita
tentativa de misturar samba, psicodelia, noise e punk – o que se poderia chamar de
psychosamba.
Mas a banda encontrou seu público nos shows da Soparia de Roger de Renor, no
Pina; no Espaço Arte Viva, em Boa Viagem – coordenado por Lourdes Rossiter –; nas
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mundo livre s/a
Abril pro Rock - O show decisivo surgiu em 1993, no primeiro Abril pro Rock, sob as
lonas do Circo Maluco Beleza. Com o irmão caçula Tony na bateria, Bactéria nos teclados
e Otto na percussão, a mundo livre mostrou aos correspondentes da imprensa nacional,
como a revista Bizz e a MTV, presentes ao evento, que os caranguejos do Recife tinham
cérebro.
Ainda em 1993, o grupo se juntou a Chico Science e Nação Zumbi e caiu na estrada
em busca de contatos com gravadoras. Em São Paulo, fizeram uma apresentação na casa de
show Aeroanta, para 700 pessoas. Era a Mangue Tour, que incluiu, também, Belo
Horizonte.
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mundo livre s/a
Em 2000, a banda ganhou outro prêmio da APCA. “Por Pouco”, lançado em 2000
pela Abril Music, é eleito melhor disco daquele ano. Agora, a banda aguarda os frutos de
“O Outro Mundo de Manoela Rosário”.
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MATÉRIA PRINCIPAL 3
“Da lama para a fama: Recife inventa o manguebeat”, traz a manchete da primeira
reportagem sobre a cena recifense na imprensa nacional, escrita pelo jornalista José Teles e
publicada na extinta revista Bizz (Editora Abril), em março de 1993. Na foto, Fred,
acocorado no mangue do Rio Capibaribe, empunha o cavaquinho com uma mão, enquanto
a outra faz o sinal da patola do caranguejo. Ao seu lado, Chico Science e Nação Zumbi e o
restante da mundo livre s/a.
Após quase 10 anos de estréia fonográfica e cinco discos lançados, pode-se dizer
que o grupo está mais do que inserido no contexto musical do País. “A mundo livre é uma
banda que, apesar de não ser uma das minhas preferidas, é importantíssima dentro do
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mundo livre s/a
cenário brasileiro”, admite o jornalista Luiz César Pimentel, diretor de redação da revista
Zero.
Em uma outra recente votação, desta vez realizada pela Revista da MTV, em
fevereiro deste ano, 52 pessoas ligadas, direta ou indiretamente, ao ramo da música
elegeram os 100 melhores discos brasileiros de todos os tempos. Bôscoli também
participou dessa votação. Em 50° lugar está, novamente, o disco de estréia do grupo, à
frente de clássicos da música nacional, como o álbum branco de Caetano Veloso
(Philips/1969); Matita Perê (Polygram/1973) e Wave (AM Records/1967), de Tom Jobim;
e Volume 2 (RGE/1967), de Chico Buarque.
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mundo livre s/a
O jornalista e escritor Alex Antunes, colaborador da extinta revista Bizz, segue pelo
mesmo caminho do diretor de redação da revista Zero: a banda de Candeias acertou no
tempero da mistura. Para ele, os tropicalistas abriram o que chama de “crise de dosagem”
que, em outras palavras, significa se perguntar o quanto de música de raiz e o quanto de
cosmopolitismo fazem ou fariam o pop nacional. “Essa dosagem, o iê-iê-iê e o samba-rock
fizeram sem se perguntar”, compara.
Mas para Antunes, essa é uma pergunta cerebral, cuja única maneira de ser
respondida é por meio do talento e da intuição, e não “cerebralmente”. “E o Zeroquatro tem
isso, apesar das suas preocupações políticas ostensivas”, afirma. Nesse sentido, a banda é,
para ele, o elo perdido da inspiração entre os compositores da MPB-pop da passagem dos
anos 60 para os 70 e o momento atual. Isso tem gerado, segundo Antunes, uma espécie de
retomada com boas conseqüências, como o Los Hermanos dos últimos dois discos. “Ou
seja, para ser Chico Buarque, só faltou o Zeroquatro ser lindo”, diz.
Para o também jornalista José Teles, autor do livro “Do Frevo ao Manguebeat”,
lançado em 2000 pela editora 34, a mundo livre possui características que são só suas,
desde a sonoridade, até a postura política. “Eles fazem músicas de cunho social e político,
mas não pertencem a nenhuma facção, nem étnica, nem ideológica”, ressalta. Quanto à
música, Teles é contundente. “O som não tem parâmetros com outros grupos atuais. A
banda é única”.
Com relação a esse aspecto, Pimentel é um pouco mais ponderado. Para ele, a
originalidade se restringe aos três primeiros discos da banda – “Samba Esquema Noise”
(Banguela/1994), “Guentando a Ôia” (Execelente/1996), e “Carnaval na Obra”
(Abril/1998). “Esses três discos são muito bons. Desde então, vejo uma repetição na
fórmula, culminando neste último, de 2003 [“O Outro Mundo de Manoela Rosário”], que,
sinto, não acrescenta nada à banda”.
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mundo livre s/a
Para ele, o último disco da banda, o mesmo criticado negativamente por Pimentel, é
algo realmente inovador. “Uma mistura revolucionária de música, política, jornalismo,
roteiro de cinema”, destaca Tárik.
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VINCULADA 1
Um grupo que nunca atingirá grande público
Há controvérsias, porém, quanto a esses números. “Isso é uma máfia. Não temos
nem noção de quantos discos vendemos, pois deixamos de receber relatórios das
gravadoras há um bom tempo”, afirma Zeroquatro. Como exemplo, ele relata que a banda
vendeu cerca de 4,5 mil cópias nos Estados Unidos e nunca recebeu qualquer comprovante
de prestação de contas. ”Já do último disco, cujos números estamos acompanhando de
perto, vendemos 3 mil cópias em um mês!”, festeja o que considera um bom desempenho
mercadológico para uma banda independente.
Para o diretor de redação da revista Zero, Luiz César Pimentel, comemorar muitas
cópias vendidas nunca será uma prática do grupo. Ele encaixa a mundo livre no estereótipo
de banda cult, daquelas que agradam a crítica, mas nunca venderão muito. No entanto, o
grupo sempre manterá uma média de discos vendidos considerada boa, quando se trata do
contexto nacional. “Daqui a 20 anos, pessoas ainda vão estar comprando o disco. O grupo
contraria as bolhas de explosão, aquelas bandas que vendem 1 milhão de cópias e param
por aí”. De acordo com Pimentel, isso faz da mundo livre um bom exemplo para a indústria
musical.
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mundo livre s/a
Em outras palavras, Zeroquatro venderia mais se seguisse carreira solo, assim como Otto
que, para Antunes, é um bom exemplo de artista que se utilizou desse instrumento.
José Teles, porém, discorda de Antunes. Para ele, outros artistas com trabalhos
muito mais complexos atingiram o grande público. “Isso é imprevisível”, garante. Como
exemplo, Teles cita os cantores do Tropicalismo, cujas músicas tocavam nas rádios “o
tempo inteiro”. Hoje, salvo um ou outro fenômeno isolado, são raros os grupos que
conseguem sucesso sem tocar no rádio. “A mundo livre não é uma exceção”.
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mundo livre s/a
MATÉRIA PRINCIPAL 4
Em Olinda, em uma pequena casa dúplex do bairro de Ouro Preto, está um exemplo
de cultuador da banda. Trata-se do jornalista Bruno Brito, de 24 anos – seis deles movidos a
muito “samba esquema noise”, como ele diz. “O cara que curte o grupo não é uma pessoa
alienada politicamente, mas quem consegue enxergar a realidade das coisas, mesmo quando
ela não está explicitamente clara”, garante, para brincar em seguida: “poxa, será que sou
convencido?!”
Se Brito sente-se assim hoje, ele deve agradecer a Fred – não o Zeroquatro, mas a
um primo chamado Fred Brito. Foi ele quem o fez “enxergar a realidade”, em meio a uma
prateleira cheia de discos. Isso foi em janeiro de 1997, quando os dois passeavam pela
sessão de música de um supermercado no bairro da Torre, no Recife. Na prateleira,
“Guentando a Ôia”, segundo disco da banda, pela bagatela de R$ 13,00. “Compra, rapaz.
Essa banda é muito boa, vale a pena! E por esse preço...”, recomendou Fred Brito,
admirador do movimento Manguebeat e vizinho de Francisco Assis França, o Chico
Science, em Rio Doce.
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mundo livre s/a
índios Xucurus [‘O Outro Mundo de Xicão Xucuru’, presente no último disco]; noutra, uma
música diz que vai fazer a mulher tremer [‘Treme-Treme’, do disco Por Pouco, de 2000]”,
argumenta.
Mas ele confessa ter sido o discurso politizado da banda que o conquistou. Ele conta
que na primeira vez em que foi a um show do grupo, ouviu um discurso de Zeroquatro em
defesa da resistência da Venezuela e de Hugo Chaves, frente a uma suposta conspiração
americana. “Isso mexe comigo. Ele não é o primeiro nem será o último a fazer isso. Mas
quem mantém essa postura de contestação hoje?”.
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mundo livre s/a
“Me encantei. Achei o máximo. Eu nunca tinha ouvido uma mistura daquelas:
samba com punk rock; guitarra com cavaquinho”, lembra. Seu namorado à época, o
jornalista Marcel Tito, levou-a para a “fila do gargarejo”, bem em frente a Fred Zeroquatro.
Aliás, de acordo com Bruna íris, ser jornalista é meio caminho andado para gostar da
banda. É que outros dois amigos seus, além do ex-namorado, são jornalistas e fãs da banda
de Candeias.
Ele conheceu a banda na década de 1980, quando era baterista da N.D.R. – que,
posteriormente, deu origem à irreverente Paulo Francis vai pro Céu. Para a turma de jovens
que Beltrão integrava, Fred Zeroquatro era considerado uma espécie de guru. “Ele era mais
velho do que a gente e fazia umas letras bem sacadas”, lembra, citando como exemplo a
canção “Computadores fazem arte”, do álbum “Guentando a Ôia” (Execelente/1996).
De lá para cá, porém, na sua opinião, a banda não evoluiu: as letras já não o
impressionam, a influência de Jorge Ben tornou o som sacal, e o engajamento político soa,
nas suas palavras, à “Coleção Primeiros Passos”, da editora Brasiliense, ou à uma “apostila
de Marilena Chauí”, filósofa brasileira.
“As letras são de um engajamento político meio bobo. A mundo livre tenta fazer um
trabalho intelectualizado, mas, lamentavelmente, não consegue. Além disso, Fred não tem
carisma, tem voz chata e, quando o assunto é música, isso conta muito”, opina. Para aliviar,
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mundo livre s/a
um desagravo: “Nada de pessoal contra ele! Fred é um cara legal, bem intencionado, até
meio ingênuo. Ele é fã do subcomandante Marcos, veja só!”, ironiza.
Como fã da música brasileira, Araújo confessa que já fez de tudo para gostar da
banda de Candeias. Durante quase um mês, ouviu três discos emprestados pelo amigo
Fábio Marconi e chegou até a ir a um show, no campus da UFPE. Mas na terceira música,
ele foi embora. “Não tem jeito, eu me esforço para caramba para engolir o som”, lamenta.
Ele justifica a insistência: “Uma banda tão premiada e conceituada entre quem gosta de
música... e eu não consigo gostar? Será que tem alguma coisa errada comigo?”, diverte-se
Araújo.
“Não!”, responderia Beltrão, que se arriscou a traçar um perfil de uma pessoa que
gosta do grupo. A princípio, quem simpatiza com a mundo livre tem suas opiniões movidas
por uma espécie de “senso-comum-intelectualóide”, típicas de quem tem medo de ficar por
fora do que está em alta. “Se o lance é maracatu, vamos bater bumbo! Se o maneiro é o
bate-estaca-dance, vamos para a rave! Que saco! Será que a gente tem de dizer amém a
todos os modismos que ilustram as primeiras páginas dos cadernos de cultura? Prefiro ficar
em casa, ouvindo Beatles”, completa Beltrão.
A reflexão sobre a mundo livre o levou a elaborar, ainda, uma teoria para explicar
por que a banda sustenta-se na mídia. Para ele, há um lobby não só por parte de críticos de
música local que, na sua opinião, não gostam de falar mal dos artistas da terra; mas também
de críticos do sul e do sudeste do País. Estes, segundo Beltrão, caracterizam-se por cultuar
esquisitices, bizarrices, que, de acordo com ele, nunca vão cair no gosto da massa. Nesse
contexto, na sua opinião, está a banda de Candeias.
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VINCULADA 1
Para argentino-mexicano, mundo livre s/a é a vanguarda da música
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mundo livre s/a
A volta para Guadalajara está marcada para janeiro. “Na bagagem, levarei muito
samba esquema noise”, brinca. Até lá, ele pretende acertar com o grupo alguns shows no
México, com seu grupo abrindo as apresentações. De acordo com ele, há público de sobra
para a banda. “Hoje, muito mais gente os conhece do que em 1997, quando tocaram em
Guadalajara”, garante.
Fábio Giannuzzi é uma prova de que o sinal emitido pela “parabólica enfiada na
lama”, pensada por Fred Zeroquatro à época do Manifesto Mangue, em 1993, tem difusão
garantida no país do zapatismo. “Viva, México!”
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