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MÚSICA
É importante remontar o cenário musical do Brasil de 1968, o ano que não terminou
segundo Zuenir Ventura. Um ambiente geral ainda deslumbrado com o 3° Festival
de Música Popular Brasileira da TV Record que havia ocorrido no ano anterior.
Vaias e aplausos vociferantes, que estrondeavam artistas e público, tomaram forma
física em violão quebrado e distorção de guitarra. Programas adolescentes
conquistando espaço na programação da televisão brasileira que, por sua vez,
também era adolescente.
Assim se deu e não podia ser diferente. O período do fim da década de 1960 foi um
dos auges no surgimento de artistas criativos e transgressores na nossa história. Se
não o surgimento, a evolução. Os tropicalistas são até hoje os mais lembrados,
apesar de alguns injustamente esquecidos, como Torquato Neto, Rogério Duprat e
Rogério Duarte. A turma do bumba ie-ie-iê retomava ideais antropofagistas para
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reinventar uma arte pop que apresentasse, dentre outras características, críticas
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audaciosas. Tom Zé compôs e cantou Curso Intensivo de Boas Maneiras (1968): “Com
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Marcelino vou estudar boas maneiras pra me comportar / Primeira lição: deixar de ser
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pobre, que é muito feio / Andar alinhado e não frequentar, assim, qualquer meio”.
Davi Kennedy Oliveira
Em seguida, o baiano dá uma alfinetada nosodavikennedy@gmail.com
bossa-novistas: “Vou falar baixinho,
serenamente, sofisticadamente / Para poder com gente decente então conviver”. Bom, há
Continuar como Davi
alguns anos a bossa nova já falava que o morro existe enquanto Caetano Veloso
morava na Avenida São Luís, no bairro da República em São Paulo. No
Rio berço da bossa, Marcos Valle disse baixinho, serenamente e sofisticadamente
na faixa Homem do Meu Mundo (dele próprio e do irmão Paulo Sérgio Valle), do
disco Viola Enluarada (1968): “Olhe a realidade / ou vai ser tarde / Nunca mais vai ter
paz / Sei que na verdade / A realidade é que toda gente vê tristemente / que a nossa terra só
vive em guerra / Tem razão pra não crer”. Na verdade todos esses estavam
caminhando pro mesmo lado. Caminhando e cantando, pra não dizer que não falei
de Geraldo Vandré.
Voltando ao Marcos Valle, realmente a nossa terra tinha razão pra não crer. O
conservadorismo impregnado e incentivado da época cortava esperanças. Mesmo
assim, houveram boas cabeças criando por cá. Alguma dessas cucas só foram
devidamente reconhecidas anos depois, refletindo o caráter atemporal da
genialidade. O primeiro disco solo de Pedro Santos lançado em 1968, passou
despercebido nos lançamentos da CBS daquele ano. O álbum só veio à tona na
década de 2000, quando começou circular cópias não oficiais nos países gringos
aficionados por coisa obscura brasileira. Até que foi relançado oficialmente no
Brasil em 2012 e no Japão e Reino Unido em 2016. Ressurge o Krishnanda.
SORONGO IS SENSATIONAL
Pedro Santos — ou Pedro dos Santos ou Pedro Sorongo ou Pedro da Lua — foi um
carioca que teve que botar a cobra pra fumar na Força Expedicionária Brasileira
mas na volta pro Brasil passou a se dedicar à música. Escolha inteligentíssima.
Criava música, e quando eu digo criava música, não é apenas compor, mas também
criar instrumentos. O nome “Sorongo” vem de um de seus instrumentos. Sua
primeira composição gravada foi Recordando o Líbano em 1953, uma espécie de
baião meio mediterrâneo, meio indiano, com o vocal meio boleresco de Michel
Daud. Em 1955, gravou com o flautista Altamiro Carrilho a composição Tanganika
pelo selo Copacabana. A composição, que leva o nome de uma província da
República Democrática do Congo, é de Sorongo. O percussionista também participa
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Raríssimo compacto instrumental lançado em 1960 que traz sonoridade e estética afro-brasileira. Imagem:
Reprodução / Continental
Faltava um trabalho solo para Pedro, que veio primeiramente num compacto
simples promocional lançado pela Philips em 1967. No lado A tem a faixa A
Inteligente com um “solo de galinha”. Entenda após ouvir. No lado B, Bambussom,
nome de um instrumento criado pelo próprio Pedro. Essa última tem um arranjo
feminino de vocais que se mistura à percussão hipnótica. Nota-se que Pedro já havia
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desenhado seu estilo e cada vez mais seus interesses pessoais refletia em sua
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música. Em 1968, o percussionista estava imerso em ioga, esoterismo e
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macrobiótica. A perda de um filho, o período no exército, o momento político do
país, a busca por espiritualidade… Muitas concepções para
Davi Kennedy transformar em arte.
Oliveira
odavikennedy@gmail.com
Seu interesse pelo filósofo indiano Jiddu Krishnamurti foi fundamental para batizar
o disco. Continuar como Davi
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Sebastião Tapajós, que gravou dois discos com Pedro em 1972. Ambos trabalhos do
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mais alto nível da música instrumental brasileira.
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1. RITUAL NEGRO: Instrumental de sonoridade afrobeat como Fela Kuti, Ebo Taylor,
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Manu Dibango e Mulatu Astatke. Faça login em Medium com o Google
6. ADVERTÊNCIA: A mais experimental do disco. Caótica e imperial, soa como Sun Ra.
8. FLOR DE LÓTUS: Letra filosófica sussurrada por Pedro que cai num afrobeat que às
vezes lembra música indiana.
9. DENTRO DA SELVA: Mais uma que serve de trilha sonora para um filme que não
existe, mas que o título da canção entrega a cena.
50 ANOS DEPOIS
Sorongo foi redescoberto muito tempo depois do que merecia. Sequer estava vivo,
pois faleceu em 1993 aos 73 anos. Sua obra permanece, primordialmente graças ao
trabalho de sua filha Lys Araújo que mantém ativo um blog, uma fanpage e canal no
YouTube. Estes meios têm um acervo histórico de obras de Sorongo e engajamentos
dos fãs espalhados pelo mundo. Interessante como Pedro fazia música pro mundo e
hoje tem fãs pelo mundo. A arte tem a sua própria justiça, mesmo que tardia.
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A arte de inventar e questionar é o legado que deve-se sorongar nesse Brasil que
ainda sofre, com violência, racismo e tiros em vereadora. Não podemos esquecer de
quem somos.
Não tem nenhum registro em vídeo do Pedro? Pouquíssimos. O melhor é esse ao vivo em Oslo em 1973 com
uma tremenda banda que incluía Maria Bethânia, Paulinho da Viola e Sebastião Tapajós. Note o solo de
Sorongo a partir dos 2'30'’
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