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05/12/2022 09:55 KRISHNANDA: A MÚSICA EXPERIMENTAL NOS TEMPOS SOMBRIOS | by Danillo Lima | Medium

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Mar 31, 2018 · 7 min read

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MÚSICA

KRISHNANDA: A MÚSICA EXPERIMENTAL


NOS TEMPOS SOMBRIOS
50 anos atrás, o percussionista Pedro Santos lançava seu primeiro e
único álbum solo “Krishnanda”, um dos pontos altos da música afro-
brasileira
Por Danillo Lima

É importante remontar o cenário musical do Brasil de 1968, o ano que não terminou
segundo Zuenir Ventura. Um ambiente geral ainda deslumbrado com o 3° Festival
de Música Popular Brasileira da TV Record que havia ocorrido no ano anterior.
Vaias e aplausos vociferantes, que estrondeavam artistas e público, tomaram forma
física em violão quebrado e distorção de guitarra. Programas adolescentes
conquistando espaço na programação da televisão brasileira que, por sua vez,
também era adolescente.

Terrível e necessário é lembrar do cenário político. O governo do General Costa e


Silva gozava de poder totalitário devido à Constituição de 1967. Dava-se o início ao
que viria a ser o período mais sangrento e forçadamente silenciado, os “Anos de
Chumbo”. Como todo período político repressivo, deu pano pra manga pro revés
artístico intransigente.

Assim se deu e não podia ser diferente. O período do fim da década de 1960 foi um
dos auges no surgimento de artistas criativos e transgressores na nossa história. Se
não o surgimento, a evolução. Os tropicalistas são até hoje os mais lembrados,
apesar de alguns injustamente esquecidos, como Torquato Neto, Rogério Duprat e
Rogério Duarte. A turma do bumba ie-ie-iê retomava ideais antropofagistas para
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reinventar uma arte pop que apresentasse, dentre outras características, críticas
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audaciosas. Tom Zé compôs e cantou Curso Intensivo de Boas Maneiras (1968): “Com
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Marcelino vou estudar boas maneiras pra me comportar / Primeira lição: deixar de ser
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pobre, que é muito feio / Andar alinhado e não frequentar, assim, qualquer meio”.
Davi Kennedy Oliveira
Em seguida, o baiano dá uma alfinetada nosodavikennedy@gmail.com
bossa-novistas: “Vou falar baixinho,
serenamente, sofisticadamente / Para poder com gente decente então conviver”. Bom, há
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alguns anos a bossa nova já falava que o morro existe enquanto Caetano Veloso
morava na Avenida São Luís, no bairro da República em São Paulo. No
Rio berço da bossa, Marcos Valle disse baixinho, serenamente e sofisticadamente
na faixa Homem do Meu Mundo (dele próprio e do irmão Paulo Sérgio Valle), do
disco Viola Enluarada (1968): “Olhe a realidade / ou vai ser tarde / Nunca mais vai ter
paz / Sei que na verdade / A realidade é que toda gente vê tristemente / que a nossa terra só
vive em guerra / Tem razão pra não crer”. Na verdade todos esses estavam
caminhando pro mesmo lado. Caminhando e cantando, pra não dizer que não falei
de Geraldo Vandré.

Voltando ao Marcos Valle, realmente a nossa terra tinha razão pra não crer. O
conservadorismo impregnado e incentivado da época cortava esperanças. Mesmo
assim, houveram boas cabeças criando por cá. Alguma dessas cucas só foram
devidamente reconhecidas anos depois, refletindo o caráter atemporal da
genialidade. O primeiro disco solo de Pedro Santos lançado em 1968, passou
despercebido nos lançamentos da CBS daquele ano. O álbum só veio à tona na
década de 2000, quando começou circular cópias não oficiais nos países gringos
aficionados por coisa obscura brasileira. Até que foi relançado oficialmente no
Brasil em 2012 e no Japão e Reino Unido em 2016. Ressurge o Krishnanda.

SORONGO IS SENSATIONAL
Pedro Santos — ou Pedro dos Santos ou Pedro Sorongo ou Pedro da Lua — foi um
carioca que teve que botar a cobra pra fumar na Força Expedicionária Brasileira
mas na volta pro Brasil passou a se dedicar à música. Escolha inteligentíssima.
Criava música, e quando eu digo criava música, não é apenas compor, mas também
criar instrumentos. O nome “Sorongo” vem de um de seus instrumentos. Sua
primeira composição gravada foi Recordando o Líbano em 1953, uma espécie de
baião meio mediterrâneo, meio indiano, com o vocal meio boleresco de Michel
Daud. Em 1955, gravou com o flautista Altamiro Carrilho a composição Tanganika
pelo selo Copacabana. A composição, que leva o nome de uma província da
República Democrática do Congo, é de Sorongo. O percussionista também participa

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da faixa fazendo, segundo a ficha técnica, “efeitos especiais”. O que é considerado


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um efeito especial pra uma música de 1955Faça
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influência africana é uma pergunta
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que só pode responder quem ouvir a faixa.
Davi Kennedy Oliveira
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Raríssimo compacto instrumental lançado em 1960 que traz sonoridade e estética afro-brasileira. Imagem:
Reprodução / Continental

Em 1960, Pedro juntou-se ao lendário maestro Severino Araújo e sua Orquestra


Tabajara para gravar um compacto pelo selo Continental. As quatro faixas do
Sorongo is Sensational são assinadas pelo Sorongo e trazem uma percussão africana
com big band. Interessante como o percussionista misturou batida afro com música
brasileira instrumental antes de trabalhos seminais para a vertente, como o Afro
Bossa (1963) de Duke Ellington, o álbum homônimo d’Os Ipanemas (1964), Coisas
(1965) do Moacir Santos e Os Afro-Sambas de Baden Powell e Vinícius de Moraes.
Baden Powell inclusive gravou uma composição de Pedro, Sorongaio, com a
participação do próprio no excelente álbum Muito À Vontade (1963). A batida que
Sorongo desenvolveu sugeriu o neologismo do verbo “sorongar”, citado nas canções
Ritmo Gostoso (1961) e Eu Quero É Sorongar (1961) das divas Ângela Maria e Elza
Soares, respectivamente.

Faltava um trabalho solo para Pedro, que veio primeiramente num compacto
simples promocional lançado pela Philips em 1967. No lado A tem a faixa A
Inteligente com um “solo de galinha”. Entenda após ouvir. No lado B, Bambussom,
nome de um instrumento criado pelo próprio Pedro. Essa última tem um arranjo
feminino de vocais que se mistura à percussão hipnótica. Nota-se que Pedro já havia

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desenhado seu estilo e cada vez mais seus interesses pessoais refletia em sua
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música. Em 1968, o percussionista estava imerso em ioga, esoterismo e
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macrobiótica. A perda de um filho, o período no exército, o momento político do
país, a busca por espiritualidade… Muitas concepções para
Davi Kennedy transformar em arte.
Oliveira
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Seu interesse pelo filósofo indiano Jiddu Krishnamurti foi fundamental para batizar
o disco. Continuar como Davi

A arte espiritual da capa é do próprio Pedro Santos. Imagem: Reprodução / CBS

Hélcio Milito, baterista do fundamental Tamba Trio, assumiu a produção do disco.


Para transformar os sons vocais de Sorongo em arranjo, já que o percussionista não
sabia escrever música, foi escalado o maestro João Pacheco Lins — creditado Jopa
Lins. Assim foi gravado, em apenas três canais, uma das obras mais experimentais
da história da música brasileira. Doze faixas, sendo quatro com vocais. Em todas,
uma paisagem sonora diferente de qualquer coisa que o ouvido comum está
acostumado.

Se nota uma presença de arranjos essencialmente esotéricos, sendo vocais como se


fossem cânticos. Nos instrumentos de percussão, fica complicado saber exatamente
o que produz cada som. Bambus, panelas, água... Viraram instrumento. Dos
convencionais, exceto as cordas e metais orquestrais, há órgão, piano, baixo
elétrico, violão e guitarra. Bom, é o que dá pra perceber. A guitarra, inclusive, é do

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Sebastião Tapajós, que gravou dois discos com Pedro em 1972. Ambos trabalhos do
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mais alto nível da música instrumental brasileira.
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O experimentalismo presente no Krishnanda é uma máxima transcendental no


Davi Kennedy Oliveira
período em que o país estava careta. Não teve a repercussão na época, mas mantém
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o desbunde de forma atemporal.


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“Vaidade todo mundo tem


Quem disser que não tem vaidade, vaidade tem”

Pedro Santos em “Desengano da Vista”

GUIA FAIXA POR FAIXA

Todas as faixas creditadas ao Pedro Santos.

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1. RITUAL NEGRO: Instrumental de sonoridade afrobeat como Fela Kuti, Ebo Taylor,
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Manu Dibango e Mulatu Astatke. Faça login em Medium com o Google

2. ÁGUA VIVA: Louvor com ambientações de água.


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3. UM SÓ: Mais um cântico com o vocal declamatório de Pedro.
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4. SEM SOMBRA: O arranjo de cordas dá uma sonoridade de mantra.

5. SAVANA: O nome entrega. Uma espécie de sonoplastia de uma savana africana.

6. ADVERTÊNCIA: A mais experimental do disco. Caótica e imperial, soa como Sun Ra.

7. QUEM SOU EU?: Riff hipnótico, afrobeat e letra psicodélica.

8. FLOR DE LÓTUS: Letra filosófica sussurrada por Pedro que cai num afrobeat que às
vezes lembra música indiana.

9. DENTRO DA SELVA: Mais uma que serve de trilha sonora para um filme que não
existe, mas que o título da canção entrega a cena.

10. DESENGANO DA VISTA: Talvez a mais conhecida do disco. É um mantra espiritual.

11. DUAL: Faixa instrumental do mais puro world music.

12. ARANBINDU: Tema psicodélico, infantil, dançante…

50 ANOS DEPOIS
Sorongo foi redescoberto muito tempo depois do que merecia. Sequer estava vivo,
pois faleceu em 1993 aos 73 anos. Sua obra permanece, primordialmente graças ao
trabalho de sua filha Lys Araújo que mantém ativo um blog, uma fanpage e canal no
YouTube. Estes meios têm um acervo histórico de obras de Sorongo e engajamentos
dos fãs espalhados pelo mundo. Interessante como Pedro fazia música pro mundo e
hoje tem fãs pelo mundo. A arte tem a sua própria justiça, mesmo que tardia.

Da mesma forma que se vivia um período conturbado da história brasileira em


1968, a crise se repete hoje em outras proporções e ideologias. Quanto à música, há
ainda um resgate da sonoridade afro-brasileira que Sorongo buscou. A banda

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paulistana Bixiga 70 (assumidamente fã de Pedro), Nomade Orquestra, Otis Trio e as


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nordestinas Academia de Berlinda e BaianaSystem são exemplos de como caminha
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o som do Brasil nessa vertente. Ultimamente houve uma incorporação forte dessas
influências no rap. As faixas Abre Caminho (2017) de Baco
Davi Kennedy Exu do Blues, Afro Rep
Oliveira
(2017) de Rincon Sapiência e De Lá (2018) deodavikennedy@gmail.com
Djonga demonstram um renascimento
da cultura afro-brasileira na música em cima do experimentalismo.
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A arte de inventar e questionar é o legado que deve-se sorongar nesse Brasil que
ainda sofre, com violência, racismo e tiros em vereadora. Não podemos esquecer de
quem somos.

Não tem nenhum registro em vídeo do Pedro? Pouquíssimos. O melhor é esse ao vivo em Oslo em 1973 com
uma tremenda banda que incluía Maria Bethânia, Paulinho da Viola e Sebastião Tapajós. Note o solo de
Sorongo a partir dos 2'30'’

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