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António Rolo
- Assim, o sistema do facto punível haveria de ser apenas constituído por realidades
mensuráveis e empricamente comprováveis, pertencessem elas à facticidade
objectiva do mundo exterior ou a processos subjectivos e psíquicos internos.
1
Figueiredo Dias, Direito Penal, pp 235-251
2
Taipa de Carvalho, Direito Penal, pp 244-248
1
- Esta concepção via na acção o movimento corporal determinante de uma
modificação do mundo exterior, perceptível aos sentidos, ligada casualmente à
vontade do agente.
- É verdade que esta concepção teve mérito de ter erigido todo um sistema do
crime assente numa rigorosa metódica classificatória, dotado de clareza e
simplicidade, preocupando-se com a segurança e a certeza e o Estado de Direito.
2
- Contudo, no Direito não se deve usar o monismo metodológico das ciências
naturais, pois trata com realidades que excedem a experência psicofísica. Além do
mais, o pensamento jurídico não se pode deixar comandar por uma metodologia de
cariz positivista nem se esgota em operações de pura lógica formal
- Ela pretende retirar o direito do mundo naturalista do ‘ser’, para, como ciência
do espírito, o situar numa zona intermédia entre aquele mundo e o puro ‘dever-ser’,
num campo referencial no mundo das referências da realidade aos valores, no mundo
da axiologia e dos sentidos.
3
- O ilícito apresentava-se em diversas hipóteses como um conglomerado de
elementos objectivos e subjectivos (nomeadamente antinormatividade material),
indispensável para a partir dele se concluir pela contrariedade material do facto à
ordem jurídica.
- Taipa de Carvalho ainda alerta para o facto desta teoria continuar a seguir uma
concepção de ilícito baseada no desvalor do resultado.
A Concepção Finalista
- Após a tragédia da II Guerra Mundial ficou claro que as concepções anteriores não
bastavam para proteger a justiça do conteúdo de normas válidas e democráticas,
procurando-se a substituição do Estado de Direito formal pelo Estado de Direito
material. Ficava por isso próxima a tentativa de limitar toda a normatividade numa
via fenomenológica e ontológica por leis estruturais determinantes do ser, as quais,
4
quando estabelecidas, serviriam de fundamento vinculante às ciências do homem e ao
direito.
- Hans Welzel – decisivo seria determinar o ‘ser’, a ‘natureza da coisa’, que se escondia
sob o conceito fundamental de toda a construção do crime, é dizer, sob o conceito de
acção, um conceito pré-judídico, que teria de ser ontologicamente determinado e,
aceite pelo legislador, não poderia por ele ser reconformado. Dele resultaria o inteiro
sistema do facto e do crime – como diz Welzel, a verdadeira essência da acção humana
foi encontrada por Welzel na verificação de que o homem dirige finalisticamente os
processos causais naturais em direcção a fins mentalmente antecipados, escolhendo
um meio para tal – logo, toda acção humana é assim supradeterminação final de um
processo causal – o objectivo é encontrar um fundamento ontológico e pré-jurídico.
5
- A doutrina finalista da culpa é objecto de muita crítica por parte de Figueiredo Dias,
pois ele acha que a afirmação de que a culpa é mero juízo de desvalor, expurgada de
todo o objecto de valoração e reduzida à pura valoração do objecto, não é compatível
com a função político-criminal que o princípio da culpa deve exercer no sistema.
Princípio da culpa é um princípio político-criminal e dogmático essencial ao direito
penal, o dolo e a negligência têm de ter significado como graus.
- Taipa de Carvalho diz que esta concepção continua a não explicar nem os crimes
negligentes nem os crimes de omissão, pois nos primeiros não há a característica da
finalidade, nem os crimes de omissão, pois neles não existe qualquer actividade causal,
finalisticamente orientada.
6
O Conceito de Acção3 4
- A acção final, assim, não dependerá de contextos culturais ou sociais – ela era
vista como estrutura empiricamente observável, sendo que o juízo de culpa
dependeria de critérios ético-sociais.
- Crítica de Figueiredo Dias – este conceito final de acção não cumpre a sua função
primária de classificação e não abarca a totalidade das formas básicas de
aparecimento do facto punível – abrange apenas crimes dolosos de omissão,
excluíndo os crimes de omissão e negligentes.
Conceito Funcionalista
3
Figueiredo Dias, Direito Penal, pp 251-263
4
Maria Fernanda Palma, Direito Penal II – Teoria Geral da Infracção, pp 1-53
7
- Para funcionalistas como Jakobs, a acção é definida como a referência do critério de
eficácia possível da norma:
Conceito Social
- Para Figueiredo Dias, tem o mesmo problema – é certo que também a omissão,
antes mesmo da sua predicação jurídica, pode já em si própria possuir relevo social,
sendo que o social pode constituir em si mesmo um sistema normativo extra-jurídico.
- Assim, o conceito social de acção que aspire, como deve, a uma autonomia pré-
jurídica, deixará fora da omissão o elemento que verdadeiramente constitui o ilícito-
típico do crime – a acção positiva omitida e juridicamente imposta ou esperada.
Conceito Negativo
- Claus Roxin – novo conceito ‘pessoal’ de acção resideria em vê-la como ‘expressão da
personalidade’.
5
Claus Roxin, Derecho Penal, pp 253 ss
8
- Este conceito cumpriria integralmente as funções de classificação, de ligação e de
delimitação que dele se esperam.
- É importante, assim, construir-se uma teoria geral da infracção como suporte, como
substrato mínimo do Direito Penal e pressuposto primeiro da responsabilidade penal.
- Claus Roxin, partindo da concepção pessoal de acção, usa-o como elemento limite.
Assim:
- Não são acções, naturalmente, quaisquer actos provenientes de animais. Não tendo
eles ‘personalidade’ para ser manifestada (apesar de poderem ter vontade), nem
inteligência, não fará sentido serem punidos pelo Direito Penal.
- Não serão acções aquelas situações em que o corpo humano funcione como uma
massa mecânica, sem que a psiqué haja participado de algum modo para isso
acontecer – um desmaio que parte um vaso, ataques epilépticos, a vis absoluta, etc.
São uma manifestação externa, mas involuntária.
- Numa zona limite estão os actos inconscientes, divididos entre actos reflexos e
automatismos:
6
Maria Fernanda Palma, Direito Penal..., pp 53-65
9
- Em relação aos actos reflexos, a doutrina geralmente considera não haver
comportamento penalmente relevante.
10
- Reacções passionais impulsivas – (caso do alfaiate que mordeu as mamas a uma
senhora) - nas quais a psicologia constantemente nega uma tomada de decisão
concreta e um querer consciente. Contudo, tanto neste caso como em casos de morte
causada por fúria cega, estamos perante lesões de bens jurídicos conscientes e não
causalmente determinadas.
- Relativamente a estes exemplos Roxin crê que cabe decidir que não se acomodam a
eles critérios tais como ‘voluntariedade, ‘finalidade’, planificação ou configuração.
Trata-se antes de direcção final interna, o da ‘finalidade inconsciente’, podendo o
conceito pessoal de acção acolhê-las sem mais, pois há uma manifestação da
personalidade enquanto nos encontramos com produtos da adaptação do aparato
anímico a circunstâncias ou sucessos do mundo externo – a personalidade não se
reduz à esfera da consciência.
- Figueiredo Dias - o conceito de acção não é, nem deve ser, algo de previamente
dado ao tipo, mas apenas um elemento, a par de outros, integrante do cerne dos
tipos de ilícito. A partir daqui é inevitável, assinalar a este conceito o desempenho de
um papel secundário no sistema teleológico, essencialmente correspondente à função
de delimitação ou função negativa de excluir da tipicidade comportamentos jurídico-
penalmente irrelevantes. Para o autor, a primazia deverá ser concedida ao conceito de
realização típica do ilícito.
- O autor acha ainda que o conceito pessoal de acção, como qualquer outro
conceito geral, não pode cumprir capazmente a sua função de delimitação.
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- Maria Fernanda Palma acaba por misturar o conceito funcionalista de Jakobs com o
conceito pessoal de acção de Roxin, fazendo assentar o critério decisivo na
previsibilidade, ainda configurando a acção como limite da responsabilidade e
pressuposto da responsabilização penal, ligando sempre os critérios de aferição de
existência de acção penalmente relevante aos fins das penas.
- Maria Fernanda Palma – há uma concepção de que o ‘nada fazer’ não é abrangido
pela ordem de proibições penais.
- Maria Fernanda Palma – qual, então, o quid exigível para qualificar a acção como
omissão?
7
Taipa de Carvalho, Direito Penal..., pp ??
8
Maria Fernanda Palma, Direito Penal, pp 65 -
9
Figueiredo Dias, Direito Penal..., pp ??
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- Conduz à fundamentação mais precisa das posições de garante em sectores
onde é exigido um dever especial de organização do mundo exterior e vice-versa.
- Figueiredo Dias – não pode ser exigido como um princípio geral de distinção
típico-normativa, tendo de ser um critério de ilicitude típica e imputação objectiva.
- Stratenwerth – forma de criação de perigo para bens jurídicos tutelados pela norma
– ao agente imputa-se uma acção sempre que ele crie ou aumente o perigo que se
vem a concretizar no resultado, e uma omissão se ele não diminiuiu o perigo.
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Distinção Entre Omissão Pura e Impura
- São crimes formais, sendo que o crime é consumado com a mera inactividade
prevista no tipo, independentemente de resultado – arts. 284º, 200º/1, 190º/1
- Traduz-se nos casos em que o tipo de acção não basta com a produção de um
resultado proibido, mas exige que a execução, por ser típica, tenha tido lugar de
acordo com certas modalidades de acção – são os chamados crimes de execução
vinculada. Ex: não há burla por omissão, por burla exige acção, e não estamos a
inteferir na esfera alheia se não dizemos nada, visto não termos o dever de zelar pelo
património alheio – v. 217º/1
14
- Solução não deve ir buscar mera valoração global do comportamento
omissivo que revelasse certa correspondência, sendo que essa ideia pudesse ser uma
violação do princípio nullum crimen sine legem.
- Falta uma tal possibilidade quando ao omitente falta a capacidade física de acção –
paralítico que não salva filhos de afogamento, mulher que desmaia antes de poder se
salvar alguém.
Imputação Objectiva
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- Para a escola da causalidade hipotética, omissão terá lugar logo que se
comprove que a acção teria diminuído o perigo que atinge os bens jurídicos. Se
dúvida presistir, ela tem que ser valorada a favor do omitente – in dubio pro reo (Maria
Fernanda Palma)
- Crítica – a prevenção geral não se pode sobrepor dessa maneira ao in dubio pro
reo e à presunção de inocência, ao que Roxin responde que não é uma questão de
facto, mas uma questão normativa. Acho que a crítica faz sentido, pois só podemos
punir uma pessoa beyond all reasonable doubt.
A Posição de Garante
As Teorias Formais
- No que toca ao contrato, o que fazer no caso da babysitter depois das horas
estipuladas que ainda estiver com as crianças?
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A Teoria das Funções
A Teoria Material-Formal
- Figueiredo Dias não inclui amigos e namorados, a não ser que últimos
estejam unidos de facto – há reprovabilidade moral, mas não jurídica. Ver o caso
relatado nos fascículos da Professora, o People v. Beardley, que envolve namorados.
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- Figueiredo Dias concorda em relação à comunidade de vida, mas discorda da
não autonomização da de riscos, fundamentado a sua posição no carácter arriscado
do empreendimento. Assim, durante esse empreendimento, quando o perigo já pese
sobre a vítima potencial, existe uma posição de garante. Essa posição de garante, diz o
autor, é um dever jurídico, fundado na autonomia da vontade.
- As Posições de Monopólio
- É preciso que perigo que ameaça o bem jurídico seja agudo e iminente
18
- A acção imposta é atinente à assistência de um bem jurídico em perigo
desamparado e não ao controlo de uma fonte de perigo.
- Maria Fernanda Palma – insusceptível de ser fonte, visto não haver uma
delimitação estável e previsível do seu âmbito.
- Esta graduação não se aplica aos crimes puros de omissão, pois aí, a pena está
no tipo.
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A Imputação Objectiva 10 11 12
Noção
- Maria Fernanda Palma – estudam-se estas teorias, pois os Direito Penal assenta no
facto de a verificação da tipicidade/preenchimento do tipo pressupor que o facto
descrito na norma (crime de resultado) estabeleça uma relação de causa e
consequência.
10
Taipa de Carvalho, Direito Penal..., pp 300-315
11
Maria Fernanda Palma, Direito Penal, pp 79-95
12
Figueiredo Dias, Direito Penal..., pp 322-348
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- Maria Fernanda Palma – há uma série de situações onde esta teoria não funciona:
- Casos de causas paralelas – copo de leite com duas doses de veneno de agentes
diferentes
- Vem restringir a conditio sine qua non, dizendo que o resultado é juridicamente
relevante como causa do mesmo resultado, sempre que, colocada a pessoa média no
lugar do agente, o resultado seja previsível a priori.
- Augusto Silva Dias – olhando para ‘adequada’ no art. 10º/1, é uma violação do
princípio da legalidade dizer que não se aplica a teoria da causalidade adequada.
21
- Não resolve correctamente os casos de diminuição do risco.
- Exclui-se também uma acção que não ultrapasse o limite do risco juridicamente
permitido – desporto, medicina, etc.
- Dentro do risco permitido está o chamado risco geral da vida – alguém deixa
droga a outra pessoa que morre de overdose, seropositivo tem relações sexuais com
pessoa que sabe, etc. – aí, a suposta vítima auto-responsabiliza-se, e o risco deixa de
ser proibido, visto que houve uma auto-colocação voluntária em risco.
Potenciação do Risco
- Nos casos em que o risco já está criado, mas resultado pode ser imputável ao agente,
porque ele aumentou ou potenciou o risco já exigente.
- Mata um moribundo
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Concretização do Risco
- Não basta provar que o agente, com a sua acção, produziu ou potenciou um risco
proibido para o bem jurídico ameaçado – é preciso determinar se foi esse risco que se
materializou ou concretizou no resultado típico, e faz-se através de:
- E se for só provável e não seguro? Nunca se pode fazer a dúvida funcionar contra
o réu, visto ser inconstitucional – art. 32º/2 CRP – in dubio pro reo (Herzberg e
Stratenwerth)
23
- Quando o recurso ao comportamento lícito alternativo revelar que norma de
conduta que visa impedir riscos para bens jurídicos é inútil, a não imputação justificar-
se-á na medida em que for em geral verificável, ex ante, a inutilidade da norma,
sendo possível a reformulação da própria regra de conduta em situações idênticas.
- A causa virtual
- Tutela dos bens jurídicos vai até ao fim. A morte de B seria imputável ao tiro de
A, mesmo que o avião em que fosse embarcar tivesse explodido. Aí se vê a irrelevância
da causa virtual.
- Para que a conexão se possa dizer estabelecida, torna-se necessário que perigo que
se concretizou no resultado seja um daqueles em vista dos quais a acção foi proibida
– um daqueles que corresponda ao fim de protecção da norma de cuidado. Se não,
exclui-se a punição por essa norma.
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Causalidade Cumulativa
- Evento típico é produto de múltiplas causas, sendo cada uma, por si só, insuficiente
para produzir o resultado.
- Sendo cada uma, só por si, incapaz de produzir o resultado, a resposta parece
afirmativa.
- Como resolver o problema? Lei muitas vezes cria crimes de dever e crimes de perigo,
mas quando isso não acontece? Se criança é atropelada por A, imputa-se a A, ou à mãe
que a ignorou?
Causalidade Alternativa
- E situações em que, duas condutas, ex ante, criam risco para o bem jurídico e esse
risco materializa-se num resultado, sendo que qualquer uma sozinha produziria o
resultado?
A Imputação Subjectiva 13 14
13
Maria Fernanda Palma, Direito Penal, pp 97 - 130
14
Figueiredo Dias, Direito Penal..., pp 348 - 383
25
explicável e justificável segundo uma lógica linguística não meramente privada e
universalizável.
O Dolo do Tipo
- Código Penal não define o que é o dolo, mas art. 14º consagra cada uma das formas
em que ele se analisa.
- Art. 13º - leva a entender que o dolo corresponde à criminalidade mais grave, pois
antes o dolo e a negligência analisavam-se em sede de culpa.
- Razão tem que ver com a função desempenhada por este momento,
pretendendo-se que o agente conheça tudo quanto seja necessário a uma correcta
orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga
à acção intentada, para o seu carácter ilícito e para se poder afirmar que o agente
detém, na sua consciência intencional ou psicológica, o conhecimento necessário
para que a sua consciência ética resolva o problema.
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Conhecimento dos Elementos Normativos
- Factualidade típica que o agente tem de representar tem de ser constituída por
factos valorados em função daquele sentido da ilicitude.
- Não se exige a ‘exacta subsunção jurídica dos factos na lei’, porque assim só o
jurista sabedor o conseguiria – erro na subsunção é pura e simplesmente irrelevante
para o dolo do tipo.
27
- Ex: quando um bêbado abre a porta de um carro a pensar que é o seu – erro sobre o
carácter alheio da coisa
- Teresa Pizarro Beleza15 - afirmando também que o conhecimento tem de ser actual ,
dá o exemplo de médico que em 1980 dá um medicamento a um doente e quase o
mata. Em 2000, volta a dar-lhe o mesmo medicamento, não se lembrando daquela
situação, e o doente vem efectivamente a morrer. ‘Pode ter havido negligência da sua
parte, eventualmente poderá ser punido por homicídio negligente, mas não cometeu
homicídio doloso’, pois, naquele momento já não tinha conhecimento.
- Erro aqui não só é uma representação positiva errada, mas também uma falta
de representação.
- Vale também para agravantes – furta-se alguém (203º) sem saber que a deixa em
difícil situação económica (204º)
- Com a negação do dolo do tipo falta o tipo subjectivo apenas do crime doloso de
acção correspondente, podendo o agente ter dolosamente realizado outros tipos de
ilícito e até preenchido um tipo negligente – art. 16º/3
15
Teresa Pizarro Beleza, Direito Penal Vol II, pp 319 ss
28
A Previsão do Decurso do Acontecimento
- Se resultado for risco não previsto, não há congruência entre o tipo objectivo e
subjectivo
Dolo Generalis
- Agente erra sobre qual de diversos actos de uma conexão da acção produzirá o acto
almejado.
- Ex: espancar à morte que pessoa que não parece, mas continua vive,
enforcando-a depois, sendo aí que morre.
- Alguma doutrina minoritária diz que aqui haverá uma tentativa em concurso
com crime de negligência
- Outra parte da doutrina, entre a qual Jescheck e Rui Pereira, crê tratar-se de um
crime consumado. Stratenwerth concorda, mas só se situação tiver sido planeada.
- ‘Desvio da trajectória’ – casos em que, por erro na execução, vem a ser atingido
objecto diferente daquele querido pelo agente.
- Casos em que acção falha o alvo, que se configurarão como uma tentativa ao
alvo falhado e crime negligente quanto ao alvo acertado, em concurso.
- Sempre que objecto atingido seja tipicamente idêntico ao outro, o erro sobre
pessoa/objecto é irrelevante, porque a lei não proíbe lesão de determinado
objecto/pessoa, mas de todos.
- Art. 16º/1, 2ª parte – erro sobre a proibição só exclui o dolo quando o seu
conhecimento for razoavelmente indispensável para que o agente possa ter
consciência da ilicitude.
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- Taipa de Carvalho propõe que se aplique em tipos legais de crime ditos ‘novos’,
cuja ilicitude ainda não esteja sedimentada ou interiorizada pela generalidade dos
membros da comunidade – por exemplo, no direito penal secundário.
- Dolo não se pode bastar com conhecimento, e exige ainda que a prática do
facto seja presidida por uma vontade dirigida à sua realização.
Dolo Directo
- Não precisa de ser fim último, podendo surgir como um pressuposto ou estádio
intermédio necessário do seu conseguimento – por exemplo, matar segurança para
assaltar banco.
- Diferentes são os casos de dolo directo necessário ou de segundo grau – art. 14º/2
- Consequência lateral não pode ser só possível, tem de ser altamente provável
ou mesmo certa.
- Ex: bomba no avião para inimigo, consciente que mata todos os outros
passageiros – mata um a título de dolo directo inencional e outros dolo directo
necessário.
31
Dolo Eventual
- Teorias da Probabilidade
- Teorias da Aceitação
- Teoria da Conformação
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- Roxin – há dolo se agente tomar a sério o risco de possível lesão do bem
jurídico, que entre com ele em conta e que, não obstante se decida pela realização do
facto, usando um critério algo psicológico.
- No fundo, seja qual for a teoria perfilhada, a diferença entre o dolo eventual e a
negilgência consciente é ténue e frágil – agente que revela uma absoluta indiferença
pelo bem jurídico, apesar de ter representado como possível, sobrepõe a satisfação do
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seu interesse pessoal ao desvalor do ilícito e decide-se pela conduta arriscada,
conformando-se com o preenchimento do tipo objectivo.
- Concreto propósito
- Dolus alternativus – casal inimigo na rua, indiferente quem mata – agente conta com
ambas as possibilidades e conforma-se com elas.
A Causas de Justificação16 17 18
16
Taipa de Carvalho, Direito Penal..., pp 331-456
17
Maria Fernanda Palma, in Casos e Materiais de Direito Penal, pp
18
Figueiredo Dias, Direito Penal..., pp 385-509
34
- Os tipos justificadores são uma via definitiva de exclusão da ilicitude
Tentativas de Sistematização
- Teoria do fim justo – justificada qualquer conduta que se apresente como meio
adequado e concreto para alcançar um fim reconhecido pelo legislador como
justificado.
- Teoria do maior benefício que dano – conduta representa maiores benefícios que
danos para a sociedade.
35
Relevância Prática da Distinção Entre Causas de Justificação e de Desculpa
- Este regime não se deve aplicar àquelas situações onde a justificação seja
constituída apenas pela prossecução de um fim determinado – nesses casos, a
ilicitude constitui-se logo que a conduta seja levada a cabo sem que esteja motivada
pela prossecução do fim em causa – polícia que detém mero suspeito com outra
intenção que não a da sua identificação – art. 250º/6 CPP
- Não se aplica aos casos em que o agente não incorre em qualquer erro relativo
ao substrato material, mas supõe falsamente a existência de uma causa de
justificação inexistente – não será erro intelectual, mas sim erro de valoração.
- Solução do art. 16º/2 – erro sobre estado de coisas que, a existir, excluiria a
ilicitude, exclui o dolo.
36
- Teoria da Culpa Estrita – dolo perfaz-se com o conhecimento e vontade de
realização do tipo objectivo do ilícito, pelo que erro não pode excluir o dolo, só pdendo
relevar em sede de culpa.
- Teoria da Culpa Limitada – dolo não integra a consciência do ilícito, mas o erro
nas causas de justificação conforma um verdadeiro erro sobre os elementos do tipo
objectivo de ilícito, e, constituindo um erro semelhante ao erro sobre a factualidade
típica, deve ser lhe equiparado quanto à consquência, como no art. 16º/2
- Taipa de Carvalho acha esta construção híbrida incoerente – agente será punido por
crime negligente, apesar de ter cometido um ilícito doloso. Para o autor, fala-se aqui
em culpa dolosa, e opera tudo ao nível da culpa.
- É a teoria do Rechtsfreiraum
37
Concepção de Maria Fernanda Palma19
- Justificar uma acção humana é um juízo complexo que consiste num acto linguístico,
o ‘porquê?’. A teoria moral da justificação tende a fazer proceder um momento
lógico e estático sobre o valor das acções humanas a um momento prático e
dinâmico sobre os efeitos de tal valor.
- Kant – no caso da Tábua de Carneades, o filósofo diz que nenhum dos náufragos
tem capacidade de orientação pelas normas
- Fichte – este diz, por sua vez, que não existe nenhum direito de exigir o
sacrifício de só um deles nessas circunstâncias
A Legítima Defesa20
- Código Penal – facto praticado como meio necessário para repelir a agressão actual
e ilícita de quaisquer interesses juridicamente protegidos do agente ou terceiros
- Seja qual for a ideia, a legítima defesa é sempre um meio jurídico, indício da
autonomia da autoridade do Direito em face do poder da autoridade.
Fundamento
- Roma – era vista como uma naturalis ratio, e era chamada de justa ou necessaria
defensio
- Na Idade Média, vê-se uma grande restrição. S. Tomás de Aquino funda a legítima
defesa na preservação de si mesmo.
19
Maria Fernanda Palma, Justificação em Direito Penal, in Casos e Materiais..., pp 109 ss
20
Maria Fernanda Palma, A Legítima Defesa, in Casos e Materiais...., pp 159 ss
38
- Kant – não é muito claro, mas lá liga a legítima defesa à protecção de fins do Estado
- Numa primeira fase, a legítima defesa era marcada por uma concepção absoluta da
mesma, corporizada na afirmação de Hegel – ‘o Direito nunca deve ceder perante o
ilícito’ – uma concepção supra-individual, que parece supor uma transferência da
imposição do Direito do Estado para o indivíduo, e também idealista e absoluta,
marcada pelo pensamento dialético do próprio Hegel – agressão ilícita nega o Direito
e legítima defesa reafirma o direito, independentemente do custo.
- Figueiredo Dias – hoje em dia, o fundamento da legítima defesa deve ser a defesa
necessária – e consequente preservação do bem jurídico ilicitamente agredido de
forma a defender a ordem jurídica.
- Kragl – não se deve consagrar uma posição supra-individual nem individualista, mas
sim intersubjectiva
- Maria Fernanda Palma – este modelo conduz a uma inaceitável legítima defesa
ilimitada, perspectivando-a antes como um problema de delimitação de direitos
caracterizado por uma exigência de proporcionalidade, a qual não deve permitir a
lesão de bens qualitativamente superiores aos preservados, verificando-se a
insuportabilidade (art. 21º CRP) – bens esses como os relativos à vida, integridade
física e sexual fundamental e liberdade - ao tal núcleo de bens jurídicos em que se
manifesta a dignidade da pessoa humana, já para não falar da igualdade na protecção
dos sujeitos de direitos, pois o agressor continua a ter direitos – há que hierarquizar
bens jurídicos a partir do valor da própria pessoa – o poder privado de defesa radica
na necessidade de preservar a dignidade e autonomia da pessoa.
39
Para o autor, não é, como para Figueiredo Dias, a protecção do Direito na pessoa do
arguido, mas a protecção de um bem jurídico concreto.
- Art. 32º - legítima defesa supõe a existência de uma agressão actual e ilícita de
interesses juridicamente protegidos, devendo a acção de legítima defesa constituir o
meio menos gravoso para repelir tal agressão.
A Actualidade da Agressão
40
- Situações que agressão não é iminente, mas já se sabe com certeza ou elevado
grau de segurança que dela vai ter lugar? Caso do estalajadeiro, por exemplo.
- Defesa pode ter lugar até ao último momento em que a agressão ainda
permita.
A Ilicitude da Agressão
- Ilicitude da agressão afere-se à luz da totalidade da ordem jurídica, não tendo se ser
especificamente penal, nomeadamente até podendo ser direito civil, de mera
ordenação social, etc., desde que bem jurídico em perigo seja susceptível de defesa
pessoa.
- Questão das condutas perigosas levadas a cabo com a diligência e cuidado devidos,
mas de onde resulta todavia uma lesão ou risco iminente de lesão de bens jurídicos –
se negada em sede de imputação objectiva, nem faz sentido discutir isto aqui.
41
A Necessidade do Meio
- ‘Meios necessários’ – meio será necessário se for idóneo para deter a agressão, e, se
houver vários, o menos gravoso.
- Fuga não entra na ponderação dos meios de defesa, pois ela não é um meio de
defesa, perdendo ele toda a função preventiva.
- Assim, por exemplo, se o defendente tiver arma e atacante não, ele deve primeiro
apontar a arma e ameaçá-lo, dar tiros no ar, no pé e só depois no tronco, não se
exigindo uma luta corporal de resultado incerto.
- Excesso pode ser extensivo – fora do momento – e pode ser intensivo – excedência
dos limites de necessidade. E pode ser asténico – causado por medo, susto ou
perturbação, não punível nas condições do art. 33º ou esténico, causado por cólera,
irritação ou ódio.
42
- Erro dos pressupostos + excesso – agente é punido nos termos do art. 33º -
atenua-se a sua responsabilidade, pois, mesmo sem erro, agressão seria ilícita.
Ressalva-se a aplicação do art. 16º/3
A Necessidade de Defesa
- Agressão Não Culposa – agressão é ilícita e actual, mas agressor age sem culpa.
Podem-se verificar em algumas das seguintes situações:
- Entende-se que quanto menos responsável for o agressor , etc. , mais restritos
são os limites de necessidade de defesa.
- Assim, defesa agressiva não é necessária se agredido a puder evitar – mais uma
vez, evitação de danos a inimputáveis – fugir de um doente mental.
- Fora desses casos premeditados, para ser negada a legítima defesa, não será
preciso uma mera ofensa, mas um facto ilícito ofensivo de um bem jurídico do
provocado, com uma estreita conexão temporal e adequada participação.
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- Crassa Desproporção do Significado da Agressão e da Defesa
Auxílio Necessário
- Art. 32º - estende a justificação por legítima defesa, aos casos em que ela é
exagerada para proteger interesse de terceiro
- Requisitos iguais
44
- E caso em que o agredido não quer ser defendido ou ser ele próprio a fazê-lo? Na
Alemanha, se agredido não quer ser defendido.
- É de acordo com a teoria diferenciada que o Código Penal regula hoje o estado de
necessidade.
Situação de Necessidade
- Quanto aos bens a sacrificar, o art. 34º pressupõe que sejam bens jurídico-
penais. Caso contrário, vale o art. 339º do Código Civil
45
- Perigo Que Ameaça o Bem Jurídico
- Pode ser alargado a perigo actual mas não iminente, ou a perigo duradouro –
Taipa de Carvalho discorda – actualidade do perigo aqui é equivalente à legítima
defesa.
- Adequação da Acção
- Quando se diz ‘sensível’ quer dizer que tem apenas de ser clara ou inequívoca
ou tem de ser qualificada, isto é bastante superior.
46
- Taipa de Carvalho – só é legítimo impor ao terceiro, em nome da solidariedade
social, o sacrifício do seu bem jurídico, quando o bem em perigo for qualificadamente
superior.
- Quanto à ponderação dos bens jurídicos, não será possível fixar critérios
rígidos. Mas de forem, por exemplo, bens jurídicos penais e não penais em
confronto? Prevalecem os penais? Não será sempre assim, mas pode-se dizer que,
salvo algumas excepções, que os penais serão considerados mais valiosos. Mas isso
não impede, que por exemplo, um grande valor patrimonial seja superior à
privacidade doméstica, justificando-se a entrada numa casa para apagar um incêndio
outra.
- Estabelece o art. 34º a), como pressuposto do direito de necessidade, que não
tenha sido voluntariamente criada pelo agente a situação de perigo, salvo tratando-
se de proteger o interesse de terceiro.
- São duas as situações previstas nessa alínea a) – a situação em que uma pessoa
cria voluntariamente um perigo para os seus próprios bens jurídicos e a situação em
que o faz para outra pessoa. Tendo sido posto em causa o bem jurídico de terceiro, o
direito de necessidade permanece, independentemente de carácter doloso
47
sacrifício. Nenhuma exigência de solidariedade se poderá sobrepor ao núcleo
irredutível da dignidade e autonomia pessoal individual.
O Elemento Subjectivo
Conflito de Deveres
Caracterização
- O art. 36º/1, 1ª parte estabelece que não é ilícito o facto de quem, em caso de
conflito no cumprimento de deveres jurídicos, satisfizer dever de valor igual ou
superior ao dever que sacrificar.
48
conflito entre essa norma jurídica, i.e., dever jurídico e o dever ético de prestar
assistência médica, deve ceder perante o moral.
- Dever jurídico não tem de ser jurídico-penal, sendo necessário que um delaes seja.
Assim, o art. 36º/1 inclui um conflito entre um dever jurídico-penal e jurídico não
penal.
49
exclusão da própria tipicidade, coisa que acontecerá, por exemplo, na impossibilidade
absoluta.
- O primeiro critério é o valor dos bens jurídicos em confronto. Pode-se dizer já que os
bens jurídicos pessoais são mais importantes que os patrimoniais. Em regra claro,
visto que, no caso em que se tem de escolher entre salvar um elevadíssimo valor
patrimonial ou uma leve lesão da integridade física, a última cede.
- Bens jurídico-penais serão, em regra, mais valiosos que os não penais, como já vimos
em sede de direito de necessidade.
- Entre bens jurídicos pessoais, o critério das molduras penais é também importante.
- Outro critério poderá ser a gravidade dos danos, especialmente no que toca a danos
patrimoniais.
O Consentimento
- Para Taipa de Carvalho, o consentimento tanto pode ter por objecto a prática de
actos que são socialmente adequados e até positivos, como ter por objecto a prática
de actos socialmente inadequados ou negativos
50
- Actos socialmente reprovados e negativos – consentimento para danificar o meu
carro, por exemplo.
- Figueiredo Dias, Costa Andrade e Taipa de Carvalho defendem a tese dualista, que
defende a visão acabada de apresentar.
Fundamento
Pressupostos
- É necessário, em primeiro lugar, que o bem jurídico seja disponível, e que, sendo-o,
que o facto lesivo não ofenda os ‘bons costumes’.
51
- Há que referir, primeiro, que o bem jurídico vida é absolutamente indisponível,
como se pode ver através do art. 134º e 135º
- A questão mais complexa é a do bem jurídico integridade física ‘não essencial’ , i.e.,
a não tutelada pelo art. 144º, mas pelo art. 143º, que prevê as ofensas corporais
simples, sendo elas uma bofetada, um empurrão, um pequeno corte, e até algumas
um pouco mais graves.
- Daí que Taipa de Carvalho proponha que deve ser considerado ineficaz ou
irrelevante o consentimento em lesões que se integram no art. 143º, mas que sejam
graves ou irreversíveis. Ex: cortar um dedo..
- A cláusula ‘bons costumes’ parece muito vaga, devendo ser entendida, para Taipa de
Carvalho, como um ponto de referência para a delimitação das ofensas à integridade
física previstas no art. 143º.
Liberdade do Consentimento
Forma do Consentimento
52
Revogabilidade
- Uma vez que não se trata de nenhuma proposta negocial, e acto lesivo deve
corresponder à vontade livre do titular do bem em causa, compreende-se que ela
possa ser livremente revogado até à execução do facto.
- Se consentimento tiver sido dado, mas agente não sabe, ele responderá a título de
tentativa, desde que facto seja punido a título de tenativa – art. 38º/4 mais 23º/1 e 2
O Consentimento Presumido
- Quais os pressupostos?
- Por fim, quando são realizados tratamentos ou cirurgias com base no consentimento
presumido, ele funciona, tal como no consentimento explícito, uma causa de exclusão
da tipicidade.
53
A Obediência Hierárquica21
21
Taipa de Carvalho, Direito Penal..., pp 432 ss
54
A Culpa22 23
Noção e Fundamentação
- Já por várias vezes foi dito que o princípio da culpa constitui hoje uma máxima
fundamental de todo o direito penal – art. 40º/2 – a aplicação da pena supõe sempre
que o facto tenha sido praticado com culpa.
22
Figueiredo Dias, Direito Penal..., pp 511-678
23
Maria Fernanda Palma, O Princípio da Desculpa em Direito Penal, todo
55
- Augusto Silva Dias – baseado em Habermas e Kindhäuser, diz que a culpa
jurídico-penal radica na deslealdade comunicativa, traduzida na prática de um acto
que exprime o desprezo ou falta de respeito pela autonomia dos outros – Figueiredo
Dias – a ideia hambermasiana da interacção comunicativa pode merecer consideração
quando se suscita o problema da legitimação da intervenção penal, mas não possui
capacidade para esclarecer o conteúdo material da culpa jurídico-penal.
- Também a cula se divide entre culpa dolosa e culpa negligente. Relembra-se que o
primeiro deve imputar-se a uma atitude ítima do agente contrária ou indiferente ao
Direito e às suas normas.
- Para ser culpa dolosa, um pouco na linha duma distinção que já haviamos visto
anteriormente, o agente age com dolo quando sobrepõe os seus interesses ao
desvalor do ilícito. Mas não é uma concepção exacta, pois requer um elemento
adicional, emocional, que traduz a vera essência do tipo de culpa doloso.
56
negligência nos termos gerais. Outra exclui a culpa se não for censurável, sendo isso
uma cláusula de exclusão da culpa, enquanto que se for censurável, deixa persistir a
punição a título de dolo, se bem que a pena possa ser atenuada.
- Qual, então, a diferença de culpa que permite distinguir um erro que exclui o dolo e
o que não exclui? Engisch dá-nos a resposta: quem, com o dolo do facto, preenche um
tipo de ilícito conhece o essencial e recebe a partir do conhecimento um impulso
para sentir o desvalor jurídico da sua conduta.
- Assim, diz Figueiredo Dias – o erro excluirá o dolo sempre que determine uma
falta do conhecimento necessário a uma correcta orientação da consciência ética do
agente para o desvalor do ilícito; e o erro fundamentará o dolo da culpa sempre que,
detendo o agente todo o conhecimento razoavelmente indispensável àquela
orientação, actua em estado de erro sobre o carácter ilícito do facto, radicando-se
não na consciência psicológica, mas na consciência ética – Gewissen – relevando a
falta de sintonia com a ordem dos valores ou dos bens jurídicos que o direito penal
cumpre proteger – no primeiro caso é uma deficiência na consciência psicológica e o
segundo é na ética. É o que está na base dos arts. 16º e 17º
- Uma falta de consciência do ilícito não deve ainda ser afirmada quando o agente
tomou consciência de que a sua conduta era contrária ao direito, mas não
concretamente ao direito penal? O que exigiria do agente ter a consciência da ilicitude
penal.
57
- Consciência do ilícito concreto e não da ilicitude abstracta – o que separa a falta de
consciência do ilícito-tipo da ignorância da lei ou da proibição.
- Há que atentar também aos elementos especiais dos tipos de culpa dolosos, onde a
lei pode fazer exigências adicionais para que o agente deva ser punido a título de
dolo, que servem ainda para co-determinar a atitude interna do agente plasmada no
facto que o fundamenta.
- Arts. 203º, 205º, 209º, 210º, 217º, etc. e até o conhecido 132º - avidez, meio
insidioso, etc.
58
A Negação da Culpa
A Inimputabilidade
- Perito pode dizer muitas coisas, mas não pode aferir da liberdade da vontade,
havendo aqui uma desvalorização do elemento biopsicológico a favor do elemento
normativo. O perito agora é um auxiliar dispensável do juiz.
59
- E como distinguir entre alguém com propensão criminosa e um doente mental?
Há que distinguir, diz Figueiredo Dias entre o eticamente censurável e o
psicologicamente anómalo.
- Seguem-se os elementos:
A Conexão Biopsicológica
- Nos termos do art. 20º/1 é requisito da inimputabilidade que o agente sofra de uma
anomalia psíquica.
60
- Endógenas – esquizofrenia, perturbações afectivas graves, como a loucura
maníaco-depressiva, doença bipolar, alguns estados graves de epilepsia.
- Debilidade mental – grau mais leve, própria dos indivíduos com dificuldades de
aprendizagem muito profundas.
61
A Conexão Normativo-Compreensiva
- Como é que esta formulação legal pode ser reconduzida à destruição pela anomalia
psíquica das conexões reais e objectivas de sentido entre o agente e o facto, de tal
modo e em tal grau que torne impossível a compreensão do facto do agente?
A Conexão Fáctica/Típica
- E se, até houver capacidade, mas esta estiver sensivelmente diminuída, mas ainda
subsistente.
62
- O problema, diz Figueiredo Dias, não é esse. O problema são os casos de
imputabilidade duvidosa, em que, por exemplo, se compra a existência de uma
anomalia psíquica, mas sem que se tornem claras as consequências.
- O art. 20º/2 dispõe que, pode ser declarado inimputável alguém com imputabilidade
diminuída + 20º/3. Para Figueiredo Dias é uma norma flexível, que lhe permite, em
casos graves e não acidentais considerar o agente imputável ou inimputável
consoante a compreensão das conexões objectivas de sentido de facto.
- Carlota Pizarro de Almeida 24 - STJ considerou que não se pode excluir, em situações
extremas de síndrome de abstinência de drogas duras, de se verificar a
inimputabilidade do toxicodependente ou a imputabilidade diminuída, tal como
previsto no art. 20º.
- Há quem diga que isto é uma aferição prévia da culpa e que viola o princípio da
culpa.
- Figueiredo Dias – acha que é outra a concepção que subjaz ao direito português
vigente, nomeadamente ao art. 20º/4 – este preceito não comina uma
responsabilização pelo facto ilícito-típico praticado quando o seu autor provocou a
sua inimputabilidade. O que ela afirma é diverso, dizendo que a inimputabilidade é
excluída quando a anomalia psíqucia tenha sido provocada pelo agente com
intenção de praticar o facto.
24
Ac. STJ – Inimputabilidade, in Casos e Materiais..., pp 325 ss
63
- Mas, diz Figueiredo Dias – o que está aqui em causa é a destruição intencional,
por força de uma anomalia psíquica das conexões reais e objectivas do sentido da
actuação do agente – se o agente provoca a si mesmo uma anomalia psíquica, para
realizar certo facto, é plenamente compreensível segundo o sentido e não é apenas
deterministicamente determinável.
- Taipa de Carvalho – esta intenção não deve ser parificada com o dolo intencional,
mas pode abranger o dolo necessário.
- Qual o seu fundamento? A imputabilidade deve ser excluída a qualquer agente que
não atingiu ainda a sua maturidade psíquica e espiritual.
- Até uma certa idade não existe a conexão objectiva de sentido entre o facto e o
agente.
- Os ilícitos cometidos por menores de 16 anos não deixam de estar sob tutela
estadual, porque o Estado deve proteger os bens jurídicos.
A Inexigibilidade
Fundamento
64
- Inexigibilidade como causa de diminuição substancial da culpa e de renúncia da
ordem jurídica à sua punição (causa de ‘desculpa’) – inexigibilidade não é uma
cláusula de exclusão de culpa, mas unicamente um motivo de renúncia da ordem
jurídica a punir uma culpa que subsiste mas diminuída.
- Pode haver situações, todavia, em que haja uma sensível desconformidade entre
a censurabilidade externo-subjectiva e a essência de valor da personalidade e da
atitude global do agente – critério decisivo, para Figueiredo Dias, é o seguinte – a
situação exterior tem de ser uma tal que permite afirmar que também a
generalidade dos homens honestos ou normalmente fiéis ao direito teria
provavalmente actuado da mesma maneira.
- Age sem culpa quem praticar um facto ilícito adequado a afastar um perigo actual e
não removível de outro modo que ameace a vida, integridade física, a honra ou a
liberdade de terceiro quando não lhe for razoável exigir outro comportamento.
65
- Há aqui uma situação de colisão de bens jurídicos, e os requisitos do estado de
necessidade justificante acabam por ser mais ou menos os mesmos – o perigo para os
bens jurídicos, a adequação do meio, a sua necessidade, etc. – assim, só fará sentido
quando se salvaguardarem bens inferiores, iguais ou não sensivelmente superiores
ao bem lesado.
- Perigo tem de ser actual, mas esta actualidade é mais ampla do que aquela para
efeitos de legítima defesa – a questão dos perigos duradouros não se mete aqui,
porque abusos nunca poderão em definitivo verificar-se perante a cláusula de
inexigibilidade – se não pudesse agir doutra forma.
- Já quanto à expressão não seja removível doutro modo, deve ser tão estrita
quanto o estado de necessidade justificante.
- Desculpa deve ser sempre negada quando a lei exija do agente que suporte o
perigo – quando, por exemplo, recai sobre ele um particular dever de suportar,
derivado de ele se encontrar numa situação jurídica ou estatuto especial. Algumas
profissões, por exemplo.
66
- Art. 35º/2 – possibilidade de atenuação ou dispensa de pena. É um alargamento da
figura podendo servir de fundamento o perigo para quaisquer interesses jurídicos
diferentes da vida, integridade física, honra ou liberdade.
- Sempre que o agente, numa situação de legítima defesa, se sirva de meio mais lesivo
apra o agressor – 33º/1 – sempre que ele ultrapassa a necessidade do meio, não
sendo punido se o excesso tiver resultado de perturbação, medo ou susto não
censuráveis.
67
- Pode conduzir a uma atenuação especial da pena – 33º/1, 2ª parte. Taipa de Carvalho
sustenta que a atenuação deveria ser obrigatória, de acordo com o princípio
vitimológico.
- A lei exige que o afecto asténico não seja censurável, e isso significa, que ele não
deve ultrapassar aquela medida do ‘homem fiel ao direito’ – se uma mulher dá
violentamente com um bastão a um trolha que lhe manda piropos, e se o medo é
explicável porque pensa que todos os gajos que mandam piropos são tarados sexuais,
não pode conduzir à desculpa.
- Excesso tem de ser consciente ou inconsciente? A doutrina maioritária alemã diz que
pode ser os dois.
68
que um forte estado de excitação ou afecto teria furtado ao agente a falta de
consciência actual do ilícito.
- O critério que nos poderá dizer quando e onde se pode falar de uma falta de
consciência do ilícito não censurável há de decorrer do conceito material de culpa.
- Tal não será censurável sempre que, mas só quando, o engano ou erro da
consciência ética, que se exprime no facto não se fundamente numa atitude interna
desvaliosa face a valores jurídico-penais.
- Mas é difícil aferir isso na vida prática. Temos que ver factores indiciantes ou
valores indiciários, que podem ser invalidados quando se provar que, apesar da
conexão, a atitude que fundamenta o facto é determinada por pontos de vista de
valor que a ordem jurídica reconhece e protege.
Requisitos
69
- Necessário por fim se torna à não censurabilidade da falta de consciência do ilícito
que tenha sido o propósito do agente corresponder a um ponto de vista
juridicamente relevante.
- Exclusão da culpa também só se pode dar quando agente tenha actuado com a
consciência positiva da licitude da conduta.
A Atenuação da Culpa
- Art. 37º não quer afectar a aplicação de outras cláusulas gerais de exclusão da
culpa, como a inexgibilidade – funcionário pode agir em estado de necessidade
desculpante.
- O art. 37º tem realmente que ver é com o erro sobre a ilicitude que, por força da
ordem oficial ou de serviço, o agente possa ter incorrido. É, no fundo, um regime
especial ao art. 17º - é um problema de falta de consciência do ilícito do
subordinado.
70
- O grande problema deste artigo suscita-se quando o subordinado tenha agido com
dolo do facto, mas sem consciência da ilicitude – é então que a culpa é excluída por
força da própria falta de consciência da ilicitude, salvo se ela fosse evidente nas
circunstâncias.
- Aqui estamos perante uma daquelas situações referidas por Roxin há bocado – não
estamos perante uma autêntica causa de exclusão da culpa, mas perante uma
situação em que, face a uma culpa ainda subsistente, o legislador entende que deve
negar a responsabilidade do agente, porque tal é suportável do ponto de vista
preventivo.
O Facto de Consciência
- Eduardo Correia – agente por convicção é aquele que tem consciência do carácter
proibido do facto, mas em nome de uma certa convicção política, religiosa ou social,
nega a natureza criminosa do comportamento, substituíndo a valoração legal.
71
Decisão de Consciência e a Liberdade de Consciência
- Figueiredo Dias – há que atentar que a tutela subsidiária dos bens jurídicos da qual o
Direito Penal é encarregue visa assegurar condições mínimas de funcionamento da
sociedade para permitir o mais livre desenvolvimento possível da personalidade de
cada um.
72
O Facto de Consciência e a Exclusão da Culpa Jurídico-Penal
- Iso significa que uma uma eventual relevância do facto de consciência apenas pode
operar pela via da culpa jurídico-penal.
- Assim, diz Figueiredo Dias, o facto de consciência pode constituir uma causa de
exclusão da culpa.
- No que toca à parte da inexigibilidade, todos parecem acordar de que a única que
poderia estar aqui em questão seria o estado de necessidade desculpante, mas a
maioria acaba por recusar a solução – é certo que o facto de consciência é movido por
considerações religiosas, morais, políticas e sociasi profundas que ultrapassam a mera
convicção e determinam o comprometimento total e sem alternativa da
personalidade ética. Mas valores como a ‘vida eterna’ ou ‘vergonha social’ do tipo
oriental, não cabem nos valores protegidos pelo art. 35º
- Como vimos, analogia com estado de necessidade desculpante deve ser recusada
73
- Assim, se calhar, só se pode fazer analogia com a falta de consciência do ilícito não
censurável – acaba por ser um erro de validade, que existe só onde o agente, detendo
todo o conhecimento indispensável a uma correcta orientação éticap ara o desvalor da
ilicitude, age todavia sem consciência do ilícito por força de uma valoração que põe
em causa a validade da norma no caso concreto. Se assim acontece fica então
justificada a asserção de que algo de análogo sucede com o agente da consciência.
- Erro este que apresenta-se como não censurável, podendo excluir a culpa.
- Uma das questões que a natureza específica da desculpa suscita é a de saber até
que ponto a desculpa se pode basear em valores culturalmente enraizados, mas
controversos e até constitucionalmente rejeitados.
25
Augusto Silva Dias, A Relevância Jurídico-Penal das Decisões de Consciência, Almedina, Coimbra, pp
74
- A referência à honra, no art. 35º, abrangerá as ofensas corporais ao cônjuge
surpreendido em pleno adultério, para não citar o manifestamente desproporcional
homicídio? Poderá aquilo que é rejeitável no plano de um quadro mais vasto de
valores com inserção constitucional, ser factor relevante de desculpa, ou, pelo menos,
de atenuação da culpa em nome das dificuldades de contramotivação do agente
pertrubado emocionalmente?
- No adultério não costuma relevar. Uma coisa são umas palmadinhas, outra
coisa é matar os dois na cama, isso é violência gratuita e injustificada.
- Assim, pergunta-se Maria Fernanda Palma – há lugar para um juízo ético de culpa?
Não, porque supostamente cabe aos juízes apenas aplicar um esquema formal, em que
a culpa só pode ser afastada em casos tipificados. Mas, diz a autora, o crime é a
tragédia humana que atinge todos e não só os intervenientes no próprio crime, e
estamos assim condenados, por exigência da nossa própria subjectividade, a aceitar
uma lógica de desculpa e de compreensão da subjectividade alheia.
- Qual a relevância dos motivos e emoções? Há, de facto, uma certa reluctância dos
sistemas penais em admitirem que certos motivos ou estados psicológicos – as
emoções – sejam em si mesma, critérios de deculpa, estados onde o determinismo é
tão enfraquecedor que a liberdade do agente fica diminuída.
26
Maria Fernanda Palma, O Princípio da Desculpa em Direito Penal, todo
75
- Há assim um divórcio entre as explicações sociológicas do crime e o próprio crime –
há um dilema entre um modelo que radica na auto-avaliação do agente e o modelo
que apela à perspectiva cultural dominante acerca do seu acto.
- Assim, para a autora, o art. 35º/1 contém um critério de desculpa que exige a
combinação de uma impossibilidade média de motivação pelo Direito e algo mais.
Culpa jurídica não é totalmente autónoma relativamente à ética. Assim, para a
Professora, assim se formula o princípio da desculpa:
- A figura central para fundamentar uma ideia geral de desculpa será o art. 35º, não
estando constitucionalmente vedado nem ao legislador nem ao intérprete o
alargamento segundo outros pontos de vista das causas de desculpa ou do conteúdo
das existentes, sendo o caso bem diferente na justificação. Assim, o art. 35º
representa o afastamento da mera lógica de ponderação de valores e também a
aceitação de um natureza existencial do estado de necessidade subjectivo.
- E qual a relevância das emoções em sede de culpa no nosso Código Penal? Esse
problema que resulta da própria fragilidade humana?
- Fará sentido então distinguir a atenuação prevista no art. 133º, por exemplo, e a
desculpa? Uma mera influência perturbadora da emoção clama por uma aplicação do
art. 133º e nunca pela desculpa. Mas, no caso de náufragos que para sobreviverem
comem outro já moribundo, a desculpa é clara.
76
aceitam muito bem isso – não desculpando o pai bêbado que pega no carro para ir ver
a filha ao hospital.
- A importância que uma concepção deste tipo pode ter para a compreensão da
impunibilidade é a chamada ‘criminalidade bagatelar’ e o princípio da insignificância,
princípio que o nosso legislador consagrou em vários sítios – arts. 163º-169º, 279º,
288º e 291º
27
Figueiredo Dias, Direito Penal, pp 668-680
77
desencadear – uma vez verificados os pressupostos de punibilidade, a Tatbestand
acciona-se e perfecciona-se e pode entrar em jogo a Rechtsfolge (consequência
jurídica) e a sua doutrina autónoma.
A Preparação e a Tentativa 28
1º - A Resolução Criminosa
- Princípio – cogitationes poenam nemo patitur, princípio que deriva da própria função
do direito penal de protecção subsidiária de bens jurídicos, não de puros valores
morais – só a conduta externa do agente constitui um ilícito.
2º - Os Actos Preparatórios
28
Figueiredo Dias, Direito Penal, pp 680-756
78
- Atenção que existem tipos de ilícito, consequência do que foi dito antes, que
abrangem a preparação de tais violações criando tipos de perigo abstracto ou
concreto de actos materialmente preparatórios, mas formalmente transformados em
crimes autónomos – art. 262º - claro que isto deve-se manter excepcional.
3º - A Tentativa
4º - A Consumação e a Terminação
- Os arts. 22º a 25º valem apenas para comportamentos que não atingiram o estágio
de consumação
79
- Como consumados às vezes até temos delitos substancialmente tentados, mas que
são considerados consumados pela lei.
A Tentativa
Introdução
- Figueiredo Dias – deve ser recusada porque de lege lata, o art. 22º/1 considera
como elemento essencial da figura a decisão de cometer o crime.
80
- Teoria da união – Roxin – o fundamento da punibilidade da tentativa reside na
exigência geral ou especial-preventiva da pena, que em regra deriva do perigo doloso
chegado ao tipo, mas excepcionalmente também de uma violação juridicamente
pertrubadora da norma, manifestada numa acção chegada ao tipo, havendo tentativas
que são puníveis em nome do princípio prioritário da perigosidade da acção e outras
que não sendo perigosas são puníveis sob o ponto de vista da violação juridicamente
perturbadora da norma.
Os Elementos da Tentativa
- Art. 22º/1 e 2
- ‘Decisão’ no art. 23º/1 não deve ser entendida como dolo directo, podendo
assumir qualquer uma das suas formas – intencional, necessária ou eventual
Os Actos de Execução
81
- Teorias formais-objectivas – actos de execução pressupõe a prática de uma parte
daqueles actos que caem já na alçada de um tipo de ilícito e são portanto abrangidos
pelo teor literal da descrição típica, sendo o teor literal do tipo respectivo
absolutamente decisivo.
82
- O preceito em exame, só considerado em si, vai inadmissivelmente longe de
mais, reputando como execução, actos que seguramente ainda não ultrapassaram a
fase preparatória – é melhor não aplicar sem as doutrinas que estão na sua base –
fundadas na imediação, iminência ou estreita proximidade do perigo típico
representada pelo acto praticado, i.e., actos que ainda não penetraram no âmbito de
protecção típica da norma incriminatória. O facto de eu forjar um documento para
burla alguém não implica uma tentativa de burla.
- A alínea c) – para colmatar lacunas da al. b). Segundo a c) são ainda actos de
execução os que segundo experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis
forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas
alíneas anteriores. É a chamada doutrina da adequação.
- Figueiredo Dias – conferir relevo como de execução apenas ao acto que antecede
imediatamente, sem solução de continuidade substancial e temporal.
- Assim:
- Conexão de perigo existe sempre que entre o último acto parcial e a realização
típica, se verifica uma relação de iminente implicação. Mesmo assim, comprar uma
arma, apanhar um taxi e abrir uma porta não são actos de execução.
- Não esquecer que, nos termos do art. 22º/1 que é elemento constitutivo da
tentativa que o crime não se chegue a consumar.
83
A Delimitação da Tentativa Punível
- Nem todo o ilícito da tentativa revela dignidade punitiva. Daí a existência do art. 23º
que delimita o âmbito da tentativa punível em função de dois critérios – à pena
aplicável e à seriedade do ataque à ordem jurídica.
- Sendo punível, diz o art. 22º/2 que a pena será especialmente atenuada. Atenuação
facultativa ou obrigatória? No projecto de Eduardo Correia estava previsto
expressamente a obrigatoriedade. Como o legislador removeu a indicação, deve-se
entender como facultativa.
A ‘Tentativa Impossível’
- De acordo com o art. 23º/3 a tentativa não é punível quando for manifesta a
inaptidão do meio empregado pelo agente ou a inexistência do objecto essencial à
consumação do crime.
84
- Assim, a tentativa impossível será punível se, razoavelmente, segundo as
circunstâncias do caso e de acordo com um juízo ex ante, ela era ainda
aparentemente possível ou não era já manifestamente impossível.
Consequências
85
- Naturalmente que o crime putativo não é punível, até porque não há violação de
qualquer bem jurídico.
- Alguém, que não é funcionário por força de nulidade do processo de nomeação, mas
supondo-se como tal, preenche um crime qualquer da categoria dos funcionários?
- Figueiredo Dias – a nossa lei não declara a impunidade da tentativa impossível para
depois limitar essa impunidade em certos casos. Pelo contrário, o art. 23º/3 parte da
punibilidade de toda a tentativa impossível, salvo se tiver uma inidoneidade manifesta.
- Correcto será levar à distinção entre o erro inverso sobre a factualidade típica e o
erro inverso sobre o ilícito – não será punível, se o autor desconhece circunstâncias
das quais aquela qualificação depende; e será crime putativo se conhece todas as
circunstâncias mas valora erradamente o seu significado para a qualificação.
86
medida em que não possa ou não deva sobrevir a punição por um tipo doloso mais
grave.
A Desistência
Introdução e Fundamento
- Nos termos do art. 24º/1 a tentativa deixa de ser punível quando o agente
voluntariamente desistir de prosseguir na execução do crime ou imepdir a
consumação ou, não obstante a consumação, impedir a verificação do resultado não
compreendido no tipo de crime, etc.
- Qual o fundamento?
- Teoria dos fins da pena – já não parece ser necessária uma pena para afastar o
agente da prática, no futuro, de actos criminosos e para reafirmar a ordem jurídica
violada.
87
para o resultado se verificar, convém uma sua intervenção activa destinada a impedir
a consumação da realização em curso – chamar uma ambulância para o gajo que
feriu.
- Nos casos de tentativa inacabada, o art. 24º/1 impõe ao agente, para relevância da
desistência, desistir de prosseguir na execução do crime, que ele a abandone.
- O abandono existirá sempre que o agente tenha renunciado à prática de actos que
no momento da renúncia ele ainda considerava necessários para a consumação.
Decisivo é então o ponto de vista do agente.
88
A Desistência da Tentativa Acabada: o Impedimento da Consumação
- E se a consumação vier a ser impedida não for força da sua actividade, mas por
facto independente da sua conduta. Segundo o direito português, o agente não é
punível se ele se tiver esforçado seriamente por evitar a consumação – art. 24º/2 –
são esforços quando não são méritos propósitos de salvação e sérios quando o agente
intenta levar a cabo tudo aquilo que subjectivamente pensa que teria de fazer para
evitar consumação.
- Toda a exposição anterior tem como pressuposto o crime não se ter consumado.
- Lei só alarga para os casos em que haja consumação formal, mas não material.
- Desistência parcial – leva uma faca para praticar um furto qualificado, mas atira a
faca fora e rouba à mesma. A doutrina considera relevante a desistência da
qualificação. ????
89
A Voluntariedade da Desistência
Efeitos
- Até agora, só se consieraram crimes cometidos por uma pessoa. Mas, muitas vezes,
participam no ilícito uma pluralidade de agentes, designados por comparticipantes.
29
Figueiredo Dias, Direito Penal, pp 757-865
90
- Entre uma e outra encontra-se a figura do instigador.
Modelos
- Teoria do Domínio do Facto – autor é quem domina o facto, quem dele é ‘senhor’,
quem é a figura central do acontecimento.
- Muitas dúvidas ainda susbiste na teoria do domínio do facto como doutrina geral da
essência da autoria e do seu critério de delimitação perante a participação.
- Há limites:
- Também não se aplica, em princípio aos crimes de omisssão, nos quais o agente
não executa ou dirige a execução da acção esperada.
91
- Crimes específicos – sobre o autor recai uma qualidade ou uma relação e deveres
especiais – ao critério do domínio do facto acresce a violação do dever típico especial
por quem dele é titular.
- Crimes de mão própria – eles só existirão onde tenha sido intenção da lei construir o
tipo de ilícito por forma tal que o autor só possa ser aquele que realiza, ele próprio, a
acção e que o facto só possa ser cometido por autoria imediata.
A Autoria Imediata
- De acordo com o art. 26º, 1ª alternativa, é punível como autor quem executar o
facto por si mesmo, tratando-se do autor imediato.
- Critério essencial – autor imediato é aquele que executa o facto pelas suas próprias
mãos, em termos de preencher na sua pessoa a totalidade dos elementos objectivos
e subjectivos do ilícito típico e deter, por isso, o domínio da acção.
A Autoria Mediata
- A 2ª alternativa do art. 26º considera punível quem executar o facto por intermédio
de outrem. Aqui, diz Figueiredo Dias há sempre um homem-de-trás, aquele por cuja
autoria se pergunta, e um homem-da-frente, o executor, intermediário ou
instrumento.
- O princípio do domínio do facto, quando aplicado à autoria mediata, exige que todo
o acontecimento seja obra do homem de trás e da sua votnade responsável – todos
os pressupstos de punibilidade têm de ocorrer no homem de trás.
92
- Porque não pratica uma acção, considerando o professor que o instrumento não
chega a levar a cabo uma acção em sentido jurídico-penal, mas é apenas usado por
outrem como ‘projéctil’. A empurra B para cima de C
- Por intervir quanto a ele numa causa de exclusão da tipicidade – casos em que
o instrumento pratica uma acção que, se cometida pelo homem de trás, constituira um
ilícito, mas cometida pelo instrumento, surge como atípica. Funcionários, suponho.
- Por ser a própria vítima – aqui, a atipicidade decorre de o homem da frente ser a
vítima e de a acção não ser típica quando cometida por ela. ‘Outra pessoa’, ‘coisa
alheia’, etc. Se a vítima actuar não detendo o domínio do facto, mas antes por força
de coacção ou de erro a autoria imediata é afirmada. A convece B que desilgou a
corrente e que pode mexer no quadro. Se a vítima detiver o domínio do facto
relativamente à sua autolesão ou à destruição de coisa própria. Suicídio incitado.
- Por actuar sem dolo de tipo – o homem da frente pratica uma acção que
preenche o tipo objectivo de ilícito, mas não o tipo subjectivo correspondente, por lhe
faltar o dolo, por força de erro sobre a factualidade típica. A dá um pacote a B que diz
ter leite para C, mas tem veneno. Aplica-se quando o homem de trás explore uma
situação em que o instrumento leva a cabo uma acção com negligência inconsciente. E
se for consciente? No caso Lacmann, há um gajo que aposta e o outro dispara para a
menina. Figueiredo Dias aplica aqui a autoria mediata.
93
- Por actuar sem consciência do ilícito – autoria mediata admitida – a falta do
domínio da vontade do homem da frente parece clara em virtude do err ode
valoração.
A Co-Autoria
- É o condomínio do facto
- Deste modo, a actuação de cada co-autor, no papel que lhe é destinado, apresenta-se
como momento essencial da execução do plano comum , constituindo a realização
94
da tarefa que lhe cabe na ‘divisão de trabalhos’, falando Roxin de um domínio do
facto funcional.
A Decisão Conjunta
- Essa decisão pode basear-se num mero acordo entre os comparticipantes, tendo ele
de existir. Mas o acordo não chega, pois também serve para a cumplicidade. Tem que
se atender às características do papel ou da função que a cada co-autor é distribuído
na execução total do facto, papel esse que tem de ser uma parte essencial da
actividade total, complementando-se as várias acções.
- O acordo, verifica-se, em regra, antes do facto. Mas alguém pode-se também tornar
co-autor durante o facto e até à consumação – é a co-autoria suscessiva. Pode-se
tornar o novo co-autor co-responsável pela parte já executada na medida em que seja
compreendida pelo acordo e dele conhecida.
- O art. 26º, 3ª alterantiva, exige que o co-autor tome parte directa na execução,
prestando, neste estádio, uma contribuição objectiva para a realização do facto.
95
- A repartição tem de persistir no estádio da execução, tendo de se reflectir ainda em
momento situado entre o do início da tentativa e o da consumação do facto.
- O ponto mais delicado é o de saber que peso, relevo, importância e significado deve
ter o contributo do agente, realize ou não um elemento típico, para que deva ter tido
como acto de co-autoria.
A Punição da Co-Autoria
- A instigação que é autoria e a indução que é cumplicidade? Quando o art. 26º fala
em determinação dolosa de outra pessoa à prática de um facto ilícito típico, deve-se
interpretar a afirmação nos termos mais estritos – instigador não é aquele que
incentiva, aconselha, meramente sugere ou reforça o propósito de outrem de
cometer um ilícito típico, tão pouco aquele que induz àquele cometimento, ajudando-
o a vencer as resistências psicológicas ou físicas.
- Instigador, no sentido do art. 26º, é aquele que produz ou cria de forma cabal no
executor a decisão de atentar contra um certo bem jurídico-penal através da
comissão de um concreto ilícito típico – revela-lhe a ideia, a sua possibilidade, as
vantagens ou o interesse, acompanhando de perto a tomada de decisão. Ele tem, no
fundo, o domínio da decisão.
- O instigador surge como pleno senhor, dono ou dominador se não do ilícito em si,
mas da decisão do instigado o cometer – é a instigação-determinação, e, por
conseguinte, a instigação que é autoria.
96
- Não se excluem homicidas profissionais, bastando que a decisão pelo facto concreto
seja criada ou produzida pelo instigador. Só quem já está determinado é insusceptível
de ser instigado.
- E quando meramente influencia e não determina? Não cabe no art. 26º, mas
constituem auxílio e por conseguinte, cumplicidade para efeitos do art. 27º. São os
casos de instigação-auxílio moral, em contraponto com a instigação-determinação.
- Erro sobre o sentido concreto da acção – Figueiredo Dias não em qualquer destes
casos, fundamento para alargar, à custa da auto-responsabilidade, o âmbito da autoria
mediata. Ou o erro exclui o dolo, e o homem de trás é autor mediato ou não exclui e
ele é só instigador.
97
A Exigência Legal de Execução ou Começo da Execução
O Dolo na Instigação
A Instigação em Cadeia
- São jurídico-penalmente punidos aqueles agentes que, não tendo contacto directo
como o executor do facto, constituem todavia elos de uma cadeia conducente à
98
determinação daquele à prática de um facto ilícito-típico? Os elos da cadeia devem
ser punidos.
- Relativamente à conduta de cada um dos elos da cadeia pode-se afirmar que ele
determinou ainda que de forma mediata o executor à prática do facto ilícito-típico.
Ele tem é de ter o domínio da decisão. Quem possui esse domínio é autor.
A Autoria Paralela
- Na autoria mediata – se ela é, nos termos do art. 26º, uma execução de facto por
intermédio de outrem, vai para a solução global. E é válido para a generalidade dos
casos, sem no entanto dever excluir-se que, em casos excepcionais devidamente
comprovados, em que o instrumento seja a própria vítima, a actuação do autor
mediato já compreenda a prática de actos de execução, nos termos do art. 22º c) se já
existir uma conexão de perigo típica.
99
- Na instigação – a lei resolve expressamente o problema ‘haja execução...’ – sob pena
dessa afirmação do art. 26º, 4ª alternativa ser inútil, isso simplica a solução conjunta
ou global – pois, mais uma fez, seria inútil que o início da tentativa da prática do facto
implica, na instigação, a prática de um acto de execução pelo instigado.
A Cumplicidade
- Ideia central que preside à participação – ela constitui colaboração no facto do autor
e, por conseguinte, a sua punibilidade supõe a existência de um facto principal
doloso cometido pelo autor – a acessoriedade da participação.
- O cúmplice/participante não é, pois, autor, não comete o delito, não pratica a acção
típica e o seu comportamento não está abrangido pela PE.
A Acessoriedade da Cumplicidade
100
Momento Temporal
- Quando deve ter lugar o facto da cumplicidade para se considerar punível – o seu
campo de eleição é a fase de preparação do facto principal, onde o cúmplice prestará
auxílio material ou moral ao facto do autor. A cumplicidade só pode contribuir para a
realização do facto pelo autor enquanto aquele não tiver sido ainda completamente
realizado – uma cumplicidade ex post facto não existe. Até à consumação formal ou
material? Roxin – cumplicidade como tal não existe apra além da consumação típica.
O Dolo na Cumplicidade
- Só existe cumplicidade, nos termos do art. 27º/1, in fine, quando cúmplice preste
auxílio a um facto doloso. Assim, nos termos do mesmo artigo, o dolo do cúmplice
terá que possuir uma dupla referência – tem de referir-se à prestação de auxílio e à
própria acção dolosa do autor.
Espécies de Cumplicidade
A Punição do Cúmplice
101
Cumplicidade e Tentativa
- Não suscita nenhuma dificuldade particular – se, no caso, existiu cumplicidade, mas o
facto do autor se fica pelo estádio da tentativa punível, e constituindo este já em si
um ilícito-típico, a participação nele é também punível. Há que chamar a atenção
para dois pontos: relativamente ao facto comparticipado se pode verificar – uma
desistência relevante e o segundo, é que a pena do cúmplice merecerá uma dupla
atenuação, em função da cumplicidade – 27º/2 e da tentativa – 23º/2
- Art. 25º - se vários agentes comparticiparem num facto, não é punível a tentativa
daquele que voluntariamente impedir a consumação ou verificação do resutlado,
nem a daquele que se esforçar seriamente por impedir uma ou outra, ainda que os
outros prossigam no crime ou o consumam.
- O art. 25º parece ter pretendido não deixar dúvida quanto aos seus destinatários – a
totalidade dos comparticipantes no mesmo facto, sejam só autores ou autores e
cúmplices – aplica-se assim a todas as espécies de comparticipação, i.e., à dos
autores mediatos, co-autores, instigadores e cúmplices
102
O Problema Chamado da ‘Comunicabilidade e Incomunicabilidade das
Circunstâncias’
- Assim, ficam de fora do art. 28º todas as qualidades/relações especiais que não
influenciam a ilicitude mas sim antes fundamentam o juízo de culpa – qualidade de
ascendente, descentente no homicídio qualificado – art. 132º/2 a), dado que a
agravação desse homicídio se fundamenta numa culpa agravada. Ficam excluídas
também qualidades ou relações que a lei faça relevar como condições de
punibilidade – qualidade de desistente no art. 24º e 25º
A ‘Comparticipação Necessária’
- Existem tipos legais de crime para os quais constitui pressupostos necessário do seu
preenchimento a comparticipação – os crimes de convergência – participação em rixa
103
– art. 151º - associação criminosa – art. 299º - participação em motim – 302º - motim
de presos – art. 354º
A Tentativa
Autoria e Cumplicidade
30
Figeuredo Dias, Direito Penal, pp 966-975
104
- Autoria mediata – não é em princípio sequer, em rigor pensável. Aquele sobre quem
recai o dever de actuar não pode omitir através da actuação de outrem. Assim, aquele
que não faz uso da possibilidade da acção – não se opõe ao cometimento por acção de
um facto e permite a consumação do facto – é autor imediato por omissão.
- Cumplicidade – não parece haver dúvida ser possível uma cumplicidade por acção
num crime de omissão. Mas cumplicidade por omissão num crime por acção ou
omissão parece mais difícil – se, como já se disse, a possibilidade de intervenção do
agente para afastar o resultado típico é, em princípio, bastante para caracterizar a sua
autoria, não parece ficar espaço para aceitação da cumplicidade.
A, pretendendo matar o filho menor, deu-lhe a beber vinho com veneno. B, mulher, assistiu à
preparação e execução do crime e à sua execução, nada fazendo por ser ameaçada pelo marido com um
machado. O filho morreu.
O Tribunal condenou o réu como autor material de um crime de homicídio qualificado, e em relação à
ré, considerando a sua posição de garante, o seu dolo necessário (representou o resultado morte como
consequência necessária, quer da conduta do marido, como da omissão, aceitando a sua produção), o
facto de não ter havido união de esforços (exclui comparticipação), não se verificam als. b) e c) do CP,
não sendo razoável admitir que uma mãe, ante um mal incerto, porque podia fugir, consinta na morte
do filho, e por não se verificar art. 35º - foi condenada como autora, pela prática de um crime de
homicídio simples por omissão, nos termos dos arts. 131º e 10º.
105
- Tribunal diz não haver co-autoria pois a ré nem sequer queria o resultado, não
tomando parte nele.
O Concurso31
- Art. 29º/5 CRP – non bis in idem – ninguém pode ser julgado mais do que uma vez
pela prática do mesmo crime, i.e., a proibição da dupla valoração do mesmo
substrato material nele contida.
- No art. 77º, o nosso legislador optou pelo sistema da pena conjunta, fundada
numa combinação dos princípios da acumulação material e do cúmulo jurídico.
- No art. 79º, quando ao crime continuado, o legislador optou pela pena aplicável
à conduta mais grave que integra a continuação.
31
Figueiredo Dias, Direito Penal, pp 992-1004
106
- Nesta questão têm sido seguidas duas vias fundamentais – atender prioritariamente
à unidade ou pluralidade de tipos legais de crime ou de conferir relevo decisivo à
unidade ou pluralidade de acções praticadas pelo agente.
- Uma unidade típica de acção existirá em todos aqueles casos em que um tipo legal
de crime reduz a uma unidade típica uma pluralidade de actos como tal
externamente reconhecível.
- Também pode suceder quando um tipo legal é formulado de tal maneira que,
não exigindo necessariamente para a sua integração uma pluralidade de actos
singulares, reconduz todavia uma tal pluralidade à unidade sempre que aquela
pluralidade tenha lugar dentro de uma certa unidade contextual ou espácio-temporal
– quando agente mata a vítima com vários golpes mortais – 131º ou 132º - inflige à
vítima vários maus-tratos físicos e psíquicos ou actos cruéis – art. 152º - repete a
cópula com a mesma vítima no contexto de uma violação – art. 164º - furta vários
objectos numa ida ao supermercado – art. 203º e 204º - e nos crimes duradouros.
- Também existe uma unidade natural de acção perfilhada por uma pequena parte da
doutrina alemã, sublinhando que, em muitas situações da vida, certos
comportamentos puníveis, se bem que cada um deles seja susceptível de preencher o
mesmo tipo legal de crime, só se deixam compreender com justeza quando tomados
no seu conjunto.
107
- Figueiredo Dias e Stratenwerth – tem carácter insuportavelmente
indeterminado ou reconduz-se a uma situação de unidade ‘típica’ da acção.
- A essência de tal violação não reside nem na mera acção nem na norma ou tipo
legal que a integra – resulta do substrato de vida dotado de um sentido negativo
jurídico-penal – reside no ilícito-típico, a unidade ou pluralidade de sentidos de
ilicitude típica.
- Assim, diz Figueiredo Dias, terá de se reconhecer a existência de dois grupos de casos
– o caso normal em que os crimes em concurso são na verdade recondutíveis a uma
pluralidade de sentidos sociais autónomos dos ilícitos-típicos, e, assim, a uma
pluralidade de factos puníveis, e aí, estaremos perante um concurso efectivo – art.
30º/1.
108
- Só ao primeiro grupo de hipóteses se aplica o art. 77º, enquanto que parao
segundo deverá intervir uma punição encontrada na moldura penal cabida ao tipo
legal que incorpora o sentido dominante do ilícito e na qual se considerará o ilícito
excedente em termos de medida concreta da pena.
- Assim, falaremos de um concurso legal ou concurso aparente, ou, como também lhe
chama Figueiredo Dias, unidade de norma ou de lei, tratando-se ela de uma operação
de natureza lógica-conceitual, de um trabalho sobre normas que constitui
pressuposto da indagação material da unidade ou pluralidade de crimes; o autor de
Coimbra prefere chamar concurso aparente a outra problemática, que se traduz na
unidade do sentido social de ilicitude do facto punível.
Formas de Concurso
Especialidade
109
- A lei especial caracteriza o facto através de elementos suplementares e
especializadores, no fundo, dando força à velha máxima da ‘lei especial derroga lei
geral’.
- Será o homicídio uma lei especial em relação à ofensa à integridade física? Sim, pois
não é possível cometer um homicídio sem ofender a integridade física a alguém,
havendo a tal relação de implicação conceitual. Dúvidas podem-se levantar se se
tratar de uma ofensa à integridade física grave e um homicídio, podendo o
agravamento da integridade física nada ter a ver com o homicídio, havendo dois
sentidos de ilicitude.
- Há que frisar que uma relação de especialidade só pode ser afirmada quando o tipo
legal prevalecente tenha alcançado a consumação, já não quando esteja em causa
uma tentativa do tipo especial e a consumação do tipo geral, afirmando-se aqui, para
Figueiredo Dias, uma pluralidade de normas concretamente aplicáveis, pois de outra
forma, ficaria à partida por considerar que o agente produziu o resultado típico da lei
excluída.
Subsidiariedade
- Existe quando um tipo legal de crime deva ser aplicado somente de forma auxiliar
ou subsidiária, se não existir outro tipo legal, em abstracto também aplicável, que
comine pena mais grave. Está aqui em questão a relação lógica dita de interferência
ou sobreposição – lei primária derroga lei subsidiária.
- Há a subsidiariedade expressa, que existe onde o teor literal de um dos tipos legais
restringe expressamente a sua aplicação à inexistência de outro tipo legal que
110
comine pena mais grave, i.e., quer nomeie esse tipo (subsidiariedade especial) ou
determine em geral a subordinação (s. geral).
- Não há objecção, para Figueiredo Dias, para que alguns destes casos se aceitem
como tendo uma relação de subsidiariedade, e noutros só uma hipótese de
concorrência de normas.
111
Consumpção
112
concretamente aplicáveis, mas não uma pluralidade de crimes efectivamente
cometidos. (v. art. 30º)
- Sendo assim, para Figueiredo Dias, o ‘regime legal’ do concurso de normas deve se ir
buscar somente à norma prevalecente e única concretamente aplicável, não também
à norma excluída. No entanto, alguns esclarecimentos:
Concurso de Crimes
113
comportamento global, se verifica uma absoluta dominância ou prevalência de um
sentido de ilícito sobre outros, subordinados, dominados, dependentes ou acessórios.
- Omissão – pai de dois bebés gémeos não impede a sua morte – concurso
efectivo, diz Figueiredo Dias.
114
- Figueiredo Dias defende, com o art. 30º/1, a existência de uma pluralidade de
normas típicas concretamente aplicáveis, mas não uma prática de crimes
efectivamente cometidos.
- Ex: A em múltiplos dias e noites mata, fere ou viola diversas vítimas; C, face à sua
relação conflituosa com a sua mulher, rasga-lhe um precioso vestido numa noite e
mata-a noutra – efectivo; D que mata a mulher e, por causa do tiro, estraga-lhe o
vestido – há aqui um sentido de ilicitude absolutamente dominante.
Critérios de Determinação
- A ideia central que preside ao concurso aparente é a de que se verifica uma conexão
objectiva ou subjectiva que deixa aparecer um sentido de ilicitude como
absolutamente dominante e preponderante. Os outros surguem como dominados,
subsidiários e dependentes, a um ponto que a solução do art. 77º seria desajustada.
115
- Os Diferentes Estádios de Evolução ou Intensidade da Realização Global – diversas
hipóteses de concorrência de normas encontram solução logo na afirmação de
unidade de norma concretamente aplicável por força de uma relação de
subsidiariedade implícita. Se, no entanto, essa subsidiariedade for negada, e for
afirmada, pelo contrário, a pluralidade de normas concretamente aplicáveis, isso
significa que o problema não é de relacionamento de normas mas de determinação do
sentido do ilícito absolutamente dominante.
- E se o ilícito dominando é ameaçado pela lei com uma moldura penal mais grave do
que a do dominante?
- Com que esta concepção pode esbarrar é com uma violação do princípio da
legalidade, no sentido que este importaria a necessária conexão formal entre um e
outro a propósito do mesmo facto, mas Figueiredo Dias não aceita tal objecção.
116
- Conexão objectiva – realização continuada deve violar de forma plúrima o
mesmo ou fundamentalmente o mesmo bem jurídico e de forma homogénea
- Concurso efectivo – art. 30º/1 – a expressão ‘tipos de crime’ deve ser suficiente para
concluir isso. As suas consequências estão reguladas nos arts. 77º e 78º, que
conduzem a uma pena única sob forma de pena conjunta – juiz determina pena
concreta de cada um e contrói a moldura penal que terá como limite máximo a soma
das penas parcelares, até 25 anos de prisão ou 900 dias de multa.
- Concurso Aparente – falta uma norma expressa, mas uma coisa é cera – 77º é muito
severo e pesado, e não actua favore reum. Qualquer sistema de soma deve ser
afastado. Só pode conduzir a que se torne como moldura penal do concurso aquela
que corresponde ao sentido dominante de desvalor do ilícito. Dentro dessa moldura,
juiz determinará a medida concreta da pena segundo critérios gerais, diferentemente
da consideração conjunta do art. 77º/1, mas usar o art. 77º/2.
- Crime Continuado – art. 79º - punível com a pena aplicável à conduta mais grave
que integra a continuação. Mas Figueiredo Dias, de jure condendo, acha que se devia
aplicar o art. 77º, dizendo que não seria injusto.
117