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06/10/2017 ÍNDIA – OS ÚLTIMOS AGUDOS DO DESBUNDE DE GAL COSTA | MANIFESTO JEOCAZ LEE-MEDDI

MANIFESTO JEOCAZ LEE-MEDDI

CULTURA – ARTE – POLÍTICA – CINEMA – PERSONALIDADES – HISTÓRIA- MÚSICA –


DIVERSOS – TELEVISÃO – MITOLOGIA

ÍNDIA – OS ÚLTIMOS AGUDOS DO DESBUNDE DE


GAL COSTA

(h p://2.bp.blogspot.com/_fvMmtgX9Xf0/SVrfL_LWe9I/AAAAAAAADg8/wMxaQW44qTc/s1600-
h/%C3%8Dndia+-+Capa.jpg)
Depois de passar pelo sucesso do show “Gal a Todo Vapor”, que deu origem ao disco de 1971, Gal
Costa só voltaria a lançar um novo álbum em 1973. E para os cabeludos undergrounds que encheram
a platéia do show, Gal Costa voltava mais uma vez renovada, em outra atmosfera além das limitações
do desbunde e da contracultura. Com o fim do milagre brasileiro e a crise econômica mundial gerada
pelo petróleo, os tempos já não eram de abundância, e a repressão cultural e ideológica era acirrada.
Sem a fartura do milagre, desbundar já não era tão agradável para mascarar a falta de liberdade da
ditadura. A morte do estudante de geologia da USP Alexandre Vanucchi Leme (o Minhoca), reacende
o movimento estudantil, que convida Gilberto Gil para uma apresentação na Politécnica. O show,
uma homenagem ao estudante morto e um protesto à repressão, teria 30 minutos, durou 3 horas,
apesar da vigilância da polícia. Gilberto Gil apresentou a sua nova canção de protesto feita em
parceria com Chico Buarque “Cálice”.
Em 1973 a Phonogram realizou com todo o seu elenco o festival Phono 73, no Palácio de Convenções
do Anhembi, de 11 a 13 de maio. “Cálice” foi proibida, na hora da apresentação a censura cortou o

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som e não se ouviu a interpretação de Chico Buarque e Gilberto Gil. Ficaria proibida até 1978, quando
Chico Buarque finalmente a gravou, tendo a participação especial de Milton Nascimento. No Phono
73 Gal Costa canta em duo com Maria Bethânia “Oração de Mãe Menininha” (Dorival Caymmi), seu
maior sucesso de massas daquele ano.
Ainda no fatídico e agitado ano de 1973, Gal Costa grava o compacto com a canção “Três da
Madrugada” (Torquato Neto – Carlos Pinto), que acompanhava o livro “Os Últimos Dias de
Paupéria”, poemas de Torquato Neto, o Anjo Torto da Tropicália, que se matara em novembro de 1972,
em homenagem póstuma. 1973 registra, ainda, o fenômeno “Secos e Molhados”, banda sob o
comando de Ney Matogrosso, que parou o Brasil.
É nesse clima que numa atmosfera folk-gli er o álbum “Índia” é lançado no segundo semestre. Gal
Costa que naquele ano traz a sensualidade à flor da pele, faz um ensaio seminua na praia com Marisa
Alvarez Lima, para a revista Pop.
Já a distanciar-se do desbunde, “Índia” é um álbum definitivo, traz nove faixas essenciais no universo
galcostiano, com interpretações de uma cantora que crescia a cada novo álbum, surpreendendo
sempre.
Intimismo Telúrico

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h/%C3%8Dndia+-+O+show.jpg)Sensual também é a capa do álbum “Índia”, com fotografias de
Antonio Guerreiro, traz um close frontal de Gal Costa vestida com um pequeno biquíni vermelho, na
contra capa a cantora aparece de seios nus, vestida como uma índia. A censura vetou a exposição da
capa e o disco foi vendido nas lojas dentro de um plástico opaco, azul, a esconder a beleza sensual
das fotos.
Longe dos holofotes de musa do desbunde, Gal Costa surpreende logo na abertura do álbum, ela
resgata um antigo sucesso guarani do repertório de duplas sertanejas: “Índia” (J. A. Flores – M. O.
Guerrero – versão José Fortuna). Em 1973 a musa do underground a cantar uma canção sertaneja era
além de inusitado, um ato de coragem em arriscar. Numa recriação musical de Rogério Duprat, a
canção sofre uma ruptura histórica. Deixa de ser assimilada a interpretações masculinas e de duas
vozes, perde a sua verve sertaneja para ganhar a voz definitiva de Gal Costa e dos seus agudos, como
se a música tivesse sido feita para ela, e nunca tivesse existido antes da sua interpretação. Os arranjos
dão um tom épico à canção, quase que lembram um filme. Gal Costa começa com uma interpretação
contida, intimista, depois vai crescendo, até encontrar o apogeu da música. “Índia” passou a ser
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definitiva no repertório de Gal Costa, tamanha assimilação que quando a cantora foi dar shows em
Portugal em 1986, teve que incluir a canção no repertório por exigência do público português. Gal
Costa revisitaria “Índia” por mais duas vezes, em “Gal Tropical” (1979) e “De Tantos Amores” (2001).
Anos mais tarde a cantora declararia que esta era a música preferida do pai, e que esta gravação era
uma singela homenagem a ele.
Uma canção genuinamente do folclore lusitano, “Milho Verde” (Folclore Português – adaptação
Gilberto Gil), perde a essência básica lusitana e adquire aqui um agradável som africano, e Gal Costa
homenageia as suas raízes portuguesas.
Após o sucesso de “Pérola Negra”, Gal Costa ganha uma canção inédita do seu autor : “Presente
Cotidiano” (Luiz Melodia), a canção traz um certo gosto de existencialismo do desbunde, traz uma
conotação da força do sexo que perturba a censura. Momento telúrico do álbum, num intimismo
revelador da cantora. A música é proibida de ser executada em público (nas rádios), segunda censura
sobre o álbum. Numa época de muita tortura, achar o corpo natural da cama era ofensivo para quem
pensava em sangue, não em sexo. Talvez pela proibição, a canção não teve o impacto de “Pérola
Negra”, mas traz uma Gal Costa visceral, provocadora.

Últimos Agudos do Desbunde

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h/%C3%8Dndia+-+Gal+73.jpg)Percorrendo uma interpretação intimista, temos “Volta” (Lupicínio
Rodrigues), mostrando a cantora em um universo que a gíria da época chamava de fossa ou dor-de-
cotovelo, e o mundo lupiciniano é o puro sofrimento dos amores infelizes (ele mesmo é chamado de
compositor da dor-de-cotovelo). Na sua voz doce, Gal Costa canta o abandono como uma menina
triste e solitária, quase como um cálido gemido.
Mas como a musa do desbunde ainda reina em Gal Costa, duas canções de um existencialismo mais
leve permeiam o álbum: “Relance” (Caetano Veloso – Pedro Novis) e “Pontos de Luz” (Jards Macalé –
Waly Salomão), a primeira é um animado jogo de palavras que dão dois sentidos propostos e
opostos, numa interpretação frenética, de uma jovialidade existencial contagiante.

“Prove, reprove
Clame, reclame
Negue, renegue
Salte, ressalte
Bata, rebata
Fira, refira
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Quebre, requebre
Mexa, remexa
Bole, rebole
Volva, revolva
Corra, recorra
Mate, remate
Morra, renasça”

“Pontos de Luz” é um quase bem-estar de torpor delirante, talvez a canção mais fraca da dupla
Macalé-Salomão gravada pela cantora, que faz aqui quase que uma despedida definitiva de Gal Costa
com o desbunde.

De Caetano Veloso a Tom Jobim

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h/%C3%8Dndia+-+Gal+1973.jpg)“Da Maior Importância” (Caetano Veloso) nos devolve Gal Costa
caetaneando da forma que só ela pode e sabe fazer. Um dos melhores momentos do disco. A música
traz uma letra longa, com expressões acentuadamente datadas (“Deve haver uma transa qualquer” – na
época a gíria “transa” não se referia ao que hoje está relacionada ao ato sexual, uma pessoa transada,
uma transa, uma roupa transada, nos anos setenta, era algo ou alguém que estava bem, na moda, de
bom gosto – ou “você não teve pique” – não teve garra, enfim, expressões típicas dos anos setenta) que
não diminuem a beleza perene da canção. Segundo Gal Costa, a música teria nascido de uma tarde de
sol no famoso Píer, num affair relâmpago entre ela e o autor, que não foi além das dunas da Gal, mas
se perpetuou nas dunas da MPB e da interpretação da sereia.
Lírica, bucólica, doce é “Passarinho” (Tuzé de Abreu), canção que Gal Costa transforma em singela,
terminando com “pios” de um pássaro livre, sem a melancolia da acauã ou a cegueira do assum
preto, apenas um passarinho na hora do vôo em águas limpas da voz da cantora:

“Cantar Como um passarinho


De manhã cedinho
Lá na galha do arvoredo

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Na beira do rio
Bate as asas, passarinho
Que eu quero voar”

E Gal Costa voou. Voou do underground, da mística do desbunde e da contracultura e pousou na sua
primeira interpretação do mestre soberano, “Desafinado” (Tom Jobim – Newton Mendonça). Termina
o álbum totalmente, belissimamente bossa nova. Casamento perfeito da sua voz com o violão de
Roberto Menescal, e o universo jobiniano. Fecha o ciclo do desbunde e avisa como voltará no
próximo álbum, leve e reciclada, eternamente índia, eternamente Gal Costa.

Ficha Técnica:

Índia

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h/%C3%8Dndia+-+Contracapa.jpg)
Philips
1973

Direção de produção: Guilherme Araújo


Direção de estúdio e coordenação: Edu Mello e Souza
Técnicos de som: Luigi (Rio), Marcus Vinícius (São Paulo)
Estúdios: Phonogram (Rio), Eldorado (São Paulo)
Fotos externas: Antonio Guerreiro
Fotos internas: Mario Luiz T. de Carvalho
Capa: Edinizio Ribeiro
Palavras destaque: Waly Salomão
Direção musical: Gilberto Gil
Violão e violão 12 cordas: Gilberto Gil
Violão em “Desafinado”: Roberto Menescal
Acordeom: Dominguinhos
Guitarra: Toninho Horta
Contrabaixo: Luiz Alves
Bateria: Roberto Silva
Percussão e efeitos: Chico Batera
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Percussão em “Milho Verde”: Chacal


Órgão: Wagner Tiso (“Pontos de Luz”, “Presente Cotidiano”)
Órgão em “Volta”: Tenório Jr
Arranjos e regências: Arthur Verocai (“Pontos de Luz”, “Presente Cotidiano”)
Regência das Cordas em “Índia”: Mário Tavares
Recriação de “Índia”: Rogério Duprat

Faixas:

(h p://2.bp.blogspot.com/_fvMmtgX9Xf0/SVrjNc5YAII/AAAAAAAADhk/Pp4g1h0NmIk/s1600-
h/%C3%8Dndia+-+Capa+Interna.jpg)1 Índia (J. A. Flores – M. O. Guerrero – versão José Fortuna), 2
Milho verde (Folclore português – adaptação Gilberto Gil), 3 Presente cotidiano (Luiz Melodia), 4
Volta (Lupicínio Rodrigues), 5 Relance (Pedro Novis – Caetano Veloso), 6 Da maior importância
(Caetano Veloso), 7 Passarinho (Tuzé de Abreu), 8 Pontos de luz (Jards Macalé – Waly Salomão), 9
Desafinado (Newton Mendonça – Tom Jobim)

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De: Belo Horizonte


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Trechos a partir de:

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