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16 FUNDAMENTOS TEÓRICOS COMUNICAÇÃO E LINGUAGEM 17

Linguagem, conhecimento e comunicação constituem fatos historicamente interliga- 1.1 LINGUAGENS NÃO VERBAIS
dos, à medida que qualquer conhecimento é considerado incompleto se não for comuni-
O vasto m u n d o da comunicação vem-se ampliando cada vez mais, com o desenvol-
cável, e só poderá ser comunicável através da linguagem. Penteado (1982:31) vai além,
vimento de pesquisas sobre o assunto, a par das recentes invenções tecnológicas no âmbi-
ao estabelecer relação estreita entre conhecimento, linguagem e comunicação:
to dos veículos de comunicação social e individual.

"A aquisição de conhecimentos sobre a linguagem é parte integrante da Comuni- A linguagem, falada ou escrita, teve sempre a primazia no contexto comunicacional
cação humana, porque Linguagem é comunicação e porque os limites da Linguagem cons- do mundo moderno, porém de há muito vem sendo aceito o aforismo, de cunho jornalístico:
uma imagem vale mais que mil palavras. A comunicação pela imagem, ou comunicação
tituem os limites do conhecimento."
icônica é uma realidade, que existe paralelamente à comunicação gestual e à sonora.
Embora a origem da linguagem, para muitos, se confunda com a origem das línguas, Exemplos de comunicação formal pela imagem são os sinais de trânsito, os cartazes
Vendryés (1943) lembra que essa não é u m a questão lingüística, pois remonta às origens indicativos das áreas de turismo e lazer, dos aeroportos e estações rodo e ferroviárias, as
do homem na Terra. São muitas as teorias que tentam desvendar as origens da linguagem placas de proibição de estacionamento, de ruído próximo a escolas e hospitais, de fumar
humana, explicando-a como a evolução de gritos naturais, espontâneos, ou de interjeições. em determinado local, por meio de cartazes, sinais de televisão, cinema.
O que parece assente a respeito do assunto é que a linguagem apareceu e desenvolveu-se A comunicação sonora formal exemplifica-se pelos sinais do código Morse, pelos
para servir à comunicação. tambores falantes das tribos do Congo, pelos apitos dos guardas de trânsito, sirenes de
ambulância, de bombeiros, de veículos policiais, de fábricas. A comunicação gestual codi-
Existem, no m u n d o animal, variados meios de comunicação, mais ou menos com-
ficada tem como exemplo a linguagem dos surdos-mudos e a mímica formal e informal.
plexos, que procuram suprir a ausência de uma linguagem articulada. Um dos casos mais
estudados é o da comunicação entre as abelhas, por meio da dança. Sabe-se que as abe- Modernamente, além dos meios técnicos de comunicação, como o telefone, o telé-
lhas vivem em sociedade organizada, submetidas a uma ordem hierárquica, segundo a qual grafo, o rádio, a TV, a imprensa, a comunicação a cabo e via satélite, estudam-se outras
possibilidades de comunicação pessoal virtual, por meio dos gestos, da postura, do andar,
cada indivíduo do grupo tem seus deveres e atribuições. Embora disponham de um siste-
do falar, do vestir.
ma engenhoso e complexo de comunicação dançante, este não vai além das funções de
apontar onde há alimento e determinar a que distância aproximada ele se encontra. O gesto é considerado uma linguagem pré-verbal, pois se acredita que, na evolução
da comunicação h u m a n a , apareceram primeiro os gestos e, depois, as palavras. No que
Segundo Chauchard (1966), os símios dispõem de 15 a 20 diferentes gritos de alar-
diz respeito à gesticulação, observa-se a maneira de o indivíduo movimentar mãos, cabe-
me, de comando ou de inquietação, enquanto os chimpanzés utilizam 32 gritos diferen- ça, músculos da face, sorrisos, carrancas, aperto de mão, agitação dos punhos. Algumas
tes. Os pássaros empregam gritos e cantos que marcam sua presença, afirmam a posse de obras, entre elas O corpo fala: a linguagem silenciosa da comunicação não-verbal (Weil e
seu território e os insetos emitem cantos de aviso, de chamada etc. As borboletas atraem Tompakov, 1986) e o Dicionário de gestos (Gelabert e Gifre, s.d.), a p o n t a m a significação
o macho mediante odores emitidos, porém entre os gafanhotos é a fêmea atraída pelos de gestos e posturas que os falantes a d o t a m em reuniões sociais e outras situações de co-
odores que o macho libera. municação, traduzindo seu possível significado.
Todos esses procedimentos se constituem em sistemas de comunicação entre as es- O problema é que esse tipo de linguagem informal, decodificável com relativa facili-
pécies; contudo, enquanto as "linguagens" animais são habilidades inatas, instintivas, a dade, não tem significados universais. O norte-americano Roger E. Axtell publicou, pela
linguagem h u m a n a é uma habilidade aprendida. Trata-se de uma lenta invenção coletiva, editora Campus, em 1995, o livro Gestos, no qual indica os diferentes significados que gestos
que se foi aprimorando com o decorrer dos séculos. É fruto de aprendizagem social, ou de e atitudes têm em diferentes países.
grupo, espelho da cultura de uma comunidade, vetor de suas influências culturais, consti- Levantar o polegar, que pode indicar no Brasil: "está t u d o bem", na Europa significa
tuindo-se em processo social de inserção do indivíduo em dada sociedade. pedido de carona, no J a p ã o indica o n ú m e r o cinco, na Alemanha, o n ú m e r o um, na Aus-
As linguagens utilizadas para a comunicação entre animais da mesma espécie são trália e Nigéria, é considerado um gesto obsceno e na Turquia, convite para um encontro
homossexual. Segundo o autor, uma cabeleireira paulista em visita ao J a p ã o descobriu que
linguagens não verbais. O h o m e m , além da linguagem verbal, articulada, dispõe também
levantar o polegar para um rapaz solteiro significa perguntar se ele tem namorada e o rapaz
de outros sistemas, não verbais. Conclui-se que a comunicação só se concretiza por meio
vai deduzir que a moça deseja sair com ele. Já o músico Alberto Marsicano aprendeu, na
da linguagem, mas há inúmeras formas de linguagem e nem todas são necessariamente
índia, um oitavo significado para esse gesto. Q u a n d o certa vez foi a Calcutá, levou várias
verbais. camisas da seleção brasileira para trocar por seda. Depois de acertar a troca, quase foi tudo
por água abaixo, porque ele levantou o polegar e o comerciante ficou muito bravo, fechou
a cara, pensando que era sinal de desistência do negócio.
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Vejam-se, na ilustração, os diferentes significados de um mesmo gesto: No que diz respeito à postura, u m a observação alenta pode captar traços da perso-
nalidade, sentimentos e emoções que o indivíduo não comunica por meio da linguagem.
O modo de sentar para ler ou para conversar pode indicar a pessoa tímida, introvertida
DIFERENTES SIGNIFICADOS DE UM MESMO GESTO ou exibicionista; da m e s m a forma, a escolha de um lugar em um auditório, a maneira de
se conduzir em público, na fila do cinema ou do banco, o m o d o de c h a m a r um garçom no
restaurante ou de parar um táxi na rua, dizem, de forma sutil, o que a pessoa não diz com
palavras.
O m o d o de andar, lento e balançado ou rápido e saltitante, ou firme e a passos lar-
gos, ou afetado, levantando muito os joelhos ou pisando de leve, de maneira débil e hesi-
tante, pode comunicar um t e m p e r a m e n t o fleumático, nervoso ou colérico, vontade firme
e energia, orgulho, fraqueza ou m e d i o c r i d a d e . Observa-se t a m b é m certa tendência ao
pessimismo e à depressão pelo a n d a r lento, cabisbaixo, ombros caídos. No Brasil, compa-
ra-se o t e m p e r a m e n t o de paulistas e cariocas, pela diferença no modo de andar.
Ao comunicar-se, por meio da linguagem verbal, uma pessoa comunica t a m b é m tra-
ços de sua personalidade, revelados pelos elementos não verbais decodificáveis, ao falar
de modo claro, correto, simpático, ou confuso, aos arrancos, muito alto ou muito baixo,
ou ainda embrulhando as palavras, na boca semifechada. Pode falar t a m b é m de maneira
doce, suave, sussurrante ou m o n ó t o n a , ou antipática. Há pessoas que se preocupam em
usar palavras inusitadas, arcaicas, formas fraseológicas raras, que d e m o n s t r a m o grau de
satisfação intelectual consigo mesmas. Além do vocabulário, simples ou rebuscado, impreg-
nado de gírias ou frases feitas, elegante ou vulgar, o tom, a altura e a velocidade da fala
podem identificar a região geográfica de origem da pessoa, a classe social, a profissão, a
ideologia, a faixa etária, seu grau de cultura ou escolaridade. Logicamente, são dados
sujeitos a probabilidades, e de maneira n e n h u m a constituem regra geral ou infalível. Con-
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tudo, a observação, inúmeras vezes, leva a descobertas muito c u r i o s a s .
O citado autor Roger Axtell e n u m e r a também, segundo o artigo publicado na Folha Como qualquer outra linguagem não verbal, a maneira de vestir pode ser mais elo-
de S. Paulo, algumas atitudes de significação diversa em diferentes países, sob o título "Como qüente que a fala: vestir roupas de outra pessoa sugere a adoção simbólica da personali-
n ã o cometer gafes no exterior". Eis alguns exemplos: dade da outra; vestir roupas que são presenteadas significa aceitar a imagem pela qual a
pessoa é vista por q u e m presenteou; vestir uniforme significa a b a n d o n a r o direito de agir
Na Alemanha, apertar mãos com a outra mão no bolso é considerado falta de educa-
individualmente, suscitando o espírito de equipe.
ção; cortar batatas ou panquecas com a faca sugere que estão duras. Na China, aponta-
se com a mão toda e não com o d e d o indicador. Na Coréia do Sul, não abra um pre- Diz-se que, na maioria das vezes, vestimo-nos como gostaríamos de ser e não como
sente logo após recebê-lo, somente mais tarde, q u a n d o estiver sozinho. Na França, somos. A roupa, nesse caso, seria uma projeção que se faz da própria personalidade. Às
formar um círculo com o polegar e o indicador, coloca lo sobre o nariz e torcê-lo sig- vezes, quem se proclama sou um homem simples pode ser desmentido pelas abotoaduras
nifica que alguém está bêbado. Na índia, é falta de educação a s s o b i a r e m público. Na da camisa, pelo corte do terno, pelo c o u r o - c r o m o dos sapatos, ou pela qualidade das
Holanda, chupar o polegar significa que alguém está mentindo ou inventando uma meias.
história. No Líbano, lamber o d e d o mínimo e depois passá-lo pela sobrancelha indi- Tão importante é a comunicação pelo vestuário que o assunto tem preocupado lin-
ca que alguém é homossexual. Na Noruega, se quiser desejar boa sorte para um pes- güistas e comunicólogos. Troubetskói (1949:19) propôs uma análise semiótica do vestuá-
cador, cuspa para ele. No Peru, bater com o indicador no meio da testa significa que rio real. B a n h e s ( 1 9 7 9 ) , entre outros trabalhos, publicou Sistema da moda. Nessa obra, o
a outra pessoa é burra. Na Polônia, q u e m bater de leve com o d e d o no pescoço está autor faz uma análise estrutural do vestuário feminino; trata o vestuário como um sistema
convidando seu interlocutor para beber. Na Turquia, considera-se falta de educação de comunicação, semelhante a u m a língua, com unidades, sintagmas, variantes, combi-
cruzar os braços sobre o peito e n q u a n t o se conversa com alguém. No Zaire, se seu nações e neutralizações, na qual o traje corresponde à fala.
anfitrião comer com os dedos, faça o mesmo, mas use apenas a m ã o direita. Q
Um artigo publicado na revista Isto é Senhor n 1047, p. 60, "As vestes do poder: as
roupas sempre foram medida de status", relaciona o vestuário com a classe social. Segun-
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do esse artigo, na França do século XV a medida do status social era o t a m a n h o do bico do A linguagem, portanto, apresenta um aspecto exterior, a fala, intimamente ligado a
sapato: quanto mais longos, mais poderoso era seu dono. Nos séculos XVI e XVII, os ho- outro, interior, o pensamento. Veicula o intangível, por meio do tangível. Enquanto cadeia
mens passaram a usar muitas jóias, principalmente anéis, no polegar, no anular e no indi- de sons, a linguagem falada utiliza os órgãos do aparelho fonador, ou seja, vale-se de um
cador. Também não abriam mão de outro adereço: as peles. suporte psicofísico que, embora essencial, n ã o autoriza u m a definição em termos de uma
base psicofísica para os atos lingüísticos. Sapir (1971:22) evidencia a complexidade do ato
O iraje indicava a classe social; em contraposição aossans cuüotes, ao homem do povo,
de fala:
os nobres usavam culotes, meias três quartos, punhos e jabôs de renda, que serviram para
inspirar a moda da nova classe no poder. Com a Revolução Francesa, muitas cabeças rola- "A fala não é uma atividade simples executada por um ou mais órgãos biologica-
ram, maculando as vestes adornadas de renda, sob o impacto da guilhotina. Após o sécu- mente a ela destinados. E uma trama extremamente complexa e ondeante de ajustamen-
lo XVIII, ocorreu a mudança no vestuário masculino pós-revolução: as calças, largas em tos - no cérebro, no sistema nervoso, e nos órgãos de articulação e audição - em dire-
cima, ganharam comprimento e e r a m amarradas sob os sapatos; os paletós moderniza- ção ao fim colunado, que é a comunicação de idéias."
ram-se, aproximando-se dos modelos atuais e entrou em voga a cartola.
Tão estreitos são os laços entre p e n s a m e n t o e linguagem, tão relevante é a lingua-
No final do século, os socialistas proclamavam, metaforicamente, que a cartola po-
gem para o conhecimento h u m a n o que Chauchard (1966:10) chega a afirmar que o ho-
deria voar com qualquer ventania. E insinuavam que os bonés dos operários resistiriam
mem só ésapiens porque é loquens (é sábio porque tem a fala). E acrescenta que o homem
melhor às intempéries, acrescentando que deles (bonés e operários) seria o futuro.
desenvolveu sua inteligência graças à linguagem e seu aperfeiçoamento. Enquanto o ani-
Verifica-se, portanto, que as roupas, além de símbolos do poder, da classe social, têm mal, sem linguagem, não evolui, o h o m e m tem imensas possibilidades de transformações.
sido, ao longo dos tempos, veículo de comunicação das vaidades e pretensões que acom- Qualquer tipo de linguagem se desenvolve a partir do uso de um sistema ou código
panham homens e mulheres. de comunicação que, no caso da linguagem verbal, é a língua. Jota (1981:196) faz a dis-
Na opinião de Penteado (1982:47), a roupa constitui projeção da personalidade da tinção entre língua e linguagem nos seguintes termos:
pessoa, ou da personalidade que a pessoa gostaria de ter ou aparentar:
"A linguagem tem, assim, caráter universal, e a língua seria a linguagem particu-
"Chapéu e colete são tentativas de projeção de personalidade madura, em contra- lar de um povo. Diz-se a linguagem humana, mas a língua portuguesa."
partida às camisas e aos 'shorts' multicores, possíveis responsáveis pela fama de imatu-
Andrade e Henriques (1999:30) ensinam que a língua é um código que permite a
ridade dos norte-americanos." comunicação, um sistema de signos e combinações, e n q u a n t o a linguagem é uma facul-
dade que permite ao homem exprimir estados mentais por meio de um sistema de sons
Nas relações sociais, a roupa funciona como índice de eficiência e categoria, princi-
vocais c h a m a d o língua. Esta é uma instituição social, pertencente a u m a c o m u n i d a d e ; tem
palmente no atendimento de certos estabelecimentos comerciais. Deduz-se a categoria do
caráter abstrato e dispõe de um sistema de sons. Ela concretiza-se mediante atos de fala,
hotel pela apresentação do porteiro; do restaurante, pelo smoking do maitre, embora es-
que são individuais, em que o falante, utilizando um código, exprime um pensamento.
sas representações nem sempre possam ser tomadas como garantia de bons serviços e alta Saussure (1977) estabeleceu a dicotomia língua/fala {langue/parole) t a m b é m conhecida
classe. como língua/discurso. Enquanto a língua é um conjunto de potencialidades dos atos de
fala, a fala (ou discurso), é um ato de concretização da língua. As características distinti-
vas de língua e linguagem podem ser assim resumidas:
1.2 LINGUAGEM VERBAL: A LÍNGUA PORTUGUESA

A linguagem é o meio pelo qual a expressão de sentimentos, idéias, desejos e pensa- Língua Linguagem
mentos se concretiza. Já se disse que toda comunicação faz-se por intermédio de uma lin-
Plano social (supra-individual) Plano individual
guagem, verbal ou não verbal. Tendo-se tratado das linguagens não verbais, cumpre, ago-
ra, abordar as características da linguagem verbal. Plano social da sistematizaçãu Plano individual do uso
Gamara Jr. (1977a: 159) propõe a seguinte definição de linguagem: Plano social das possibilidades Plano individual das realizações (atualização)
Plano social do léxico Plano individual do vocabulário
"Linguagem. Faculdade que tem o homem de exprimir seus estados mentais por
Mano social da abstração Plano individual da concretude
meio de um sistema de sons vocais chamado língua, que os organiza numa representa-
ção compreensiva em face do mundo exterior objetivo e do mundo subjetivo interior." Plano social espiritual Plano individual do material
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A língua, portanto, constitui um sistema de sons, de caráter abstrato, utilizado na


1.3 NORMA DO PORTUGUÊS DO BRASIL E DE PORTUGAL
linguagem, ou nos atos de fala, que concretiza a língua. A fala, por sua vez, pauta-se por
uma norma, pelo uso consensual que fazem os falantes, dos elementos do sistema. Esse Observando-se a extensão da língua portuguesa no mundo, constata-se a diferença
conceito tripartido tem origem na teoria de Saussure, que distingue na língua o sistema e da época de implantação, as variações locais e outros fatores históricos e socioculturais
a fala, ou discurso (langue/parole). Para Saussure (1977:22), língua é sistema de signos, que levaram à criação de várias n o r m a s , ou seja, de modos diversos de se usar a língua.
Efetivamente, não se pode conceber que o português levado para a África, para o sul da
conjunto de potencialidades e virtualidades dos atos de fala. Fala, ou discurso, é um ato Índia ou para o Brasil seja o m e s m o português falado e escrito no território de Portugal e
de vontade e inteligência, no qual se distinguem as combinações pelas quais o falante re- que, entre povos geográfica e culturalmente distintos, tenha evoluído da mesma forma.
aliza o código da língua, com o objetivo de exprimir seu p e n s a m e n t o pessoal e o mecanis-
mo psicofísico que lhe permite exteriorizar essas combinações.
Jota (1981:128) d e n o m i n a essas m u d a n ç a s e variações como evolução:
Foi Coseriu que introduziu no esquema saussureano o conceito de n o r m a , que são
modelos de atualização da língua. Assim, em vez de língua/fala, há sistema/norma/fala. "Evolução s. f. Conjunto de mudanças que experimenta uma língua na passa-
Para Coseriu, o falante, ao utilizar os sistema (.língua) em sua fala (discurso), seleciona gem de um estado a outro; o mesmo que evolução lingüística. Presume-se haver uma
modelos de enunciação, que são retirados da norma. Desse modo, os atos de fala são con- proporção mais ou menos constante na mudança do vocabulário básico de um língua
tidos pela norma social, por sua vez, contida no sistema. A norma varia sob influências do (persistência de 77% a 85% em mil anos), o que nos permite calcular a evolução ds lín-
tempo, do espaço geográfico, da classe social ou profissional, do nível cultural do indivíduo, guas aparentadas, tomando-se o vocabulário fundamental de cada uma."
a ponto de poder-se afirmar que, teoricamente, existem tantas normas quantos os falan-
tes de determinada língua. A diversidade das normas, porém, não afeta a unidade da lín- Note-se que Mattoso Câmara Jr., Serafim da Silva Neto, Leite de Vasconcelos e vá-
gua, que contém a somatória de todas as normas, de todos os atos de fala. A esse respeito, rios renomados autores e m p r e g a m o termo evolução para designar mudanças lingüísticas,
mas outros a c o m p a n h a m Todorov e Ducrot (1977), que preferem usar mudanças e trans-
Câmara Jr. (1975:9) assim se manifesta:
formações para os diferentes estágios e períodos da língua.
"A língua fica sendo, como unidade, uma estrutura ideal, que apresenta em si os A língua evolui, está sempre em constante mutação sob a influência de fatores di-
traços básicos comuns a todas as suas variedades. É a invariante abstrata e virtual, so- versos, físicos e sociais. Por fatores físicos entendem-se os aspectos geográficos (topogra-
breposta a um mosaico de variantes concretas e atuais." fia, clima, regime de chuvas), a base econômica da vida h u m a n a (fauna, flora, recursos
minerais do solo). Os fatores sociais são constituídos pelas forças da sociedade que mode-
O ato de fala, desse modo, não recorre diretamente às possibilidades que o sistema
lam a vida e o pensamento de cada indivíduo: religião, padrões éticos, organização políti-
oferece, mas passa por um processo de escolha: a norma das realizações possíveis de dado
ca, arte (Sapir, 1969:44). É o contexto antropocultural, extralinguístico, interagindo na
sistema. O sistema, portanto, contém todas as normas (sociais e individuais) e todos os
formação e evolução da língua.
atos de fala, como no seguinte esquema:
Tais afirmações evidenciam a importância de se analisarem alguns aspectos da lín-
gua portuguesa no Brasil, a fim de estabelecer suas relações com a língua de Portugal, suas
divergências e concordâncias. A língua portuguesa passou por várias fases de sua evolu-
ção, que a constituíram tal como hoje ela é escrita e falada, nos diversos períodos de sua
história. Considerando as transformações do português no Brasil, Silva Neto (1976:82)
afirma:

"É indispensável dar o justo relevo ao fato de que, não havendo, propriamen-
te, história da língua, mas história dos falantes, o caráter de alguns falares
brasileiros pode ter mudado com os séculos."

A língua portuguesa constitui um sistema lingüístico que abrange o conjunto das Em 1500, quando os portugueses descobriram o Brasil, trouxeram para cá uma lín-
diversas normas, e que se concretiza por meio dos atos individuais de fala. É um dos siste- gua já constituída, com rica literatura, que a essa época, além das cantigas, forma poética
mas lingüísticos existentes dentro do conceito geral de língua. Após breve relato das ori- de expressão predominantemente oral, contava com as obras literárias do humanismo, que
gens da língua portuguesa e de sua extensão atual no mundo, isto é, da existência de vá- consagraram a prosa de Fernão Lopes, a poesia do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende,
rias normas nacionais, serão especificadas as distinções entre a norma do português de o teatro de Gil Vicente e, pouco depois, nos legou o gênio de Camões. Na verdade, não foi
Portugal e a norma do português do Brasil. essa língua literária que recebemos por herança e tradição, a que desembarcou das caravelas

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