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NTREVISTA
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Marcio Goldman
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Alteridade e experiência
Entrevista com SIDNEY MINTZ Sidney Mintz estudou a vida rural nas Caraíbas, a
história social e a tradição afro-caribenha desde os
primeiros momentos de trabalho de campo da sua
carreira, em Porto Rico (1948). Em 1956, o seu
estudo de uma aldeia de trabalhadores na
cana-de-açúcar foi incluído na obra The People of
Puerto Rico, editada por Julian Steward e outros.
Em 1960, publicou Worker in the Cane, a história de
vida de um trabalhador dessa aldeia. Em 1992,
publica, em conjunto com Richard Price, The Birth
of African-American Culture: An Anthropological
Perspective, um ensaio que revolucionou o debate
sobre a cultura afro-americana nos Estados
Unidos da América. No entanto, já em 1985
publicara Sweetness and Power, focada na história
mundial do açúcar, e, desde então, escreveu sobre
a antropologia da comida e iniciou uma pesquisa
sobre o papel global da soja, enquanto continuava
com a sua pesquisa nas Caraíbas. Os seus livros
mais recentes incluem Tasting Food, Tasting
Freedom (1996), The Vanquished uma tradução
do espanhol do romance de Cesar Andreu, Los
Derrotados (2002) e O Poder Amargo do Açúcar, uma
colecção de textos seus sobre o açúcar em
tradução portuguesa (2004). Depois de mais de
duas décadas na universidade de Yale, Mintz
integrou e ajudou a construir o departamento de
Por antropologia na Johns Hopkins University, tendo
CRISTIANA BASTOS também sido professor visitante em Princeton,
Berkeley, MIT, Collège de France, Nova Zelândia,
e MIGUEL VALE DE ALMEIDA Austrália, e Hong Kong.
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foi assim que, gradualmente, passei a professor sei falar, como podem ver, e
estudar a alimentação, embora sempre de sei ensinar. Dei a cadeira de Introdução à
um modo exploratório, porque nunca Antropologia no Yale College durante 25
tive qualquer formação nessa área, sou anos e provavelmente nesse período
um verdadeiro autodidacta. Contudo, ensinei 40% dos estudantes de Yale, em
acho que o meu trabalho foi útil turmas de 600 a 700 alunos. Acho que, se
sobretudo no caso das Caraíbas, não me perguntassem o que há de bom na
considero que o que faço no domínio da sociedade norte-americana, uma das
alimentação seja particularmente coisas que apontaria seria o facto de ela
relevante. me ter confiado os filhos da classe
Logo no início desta entrevista foi dominante para que lhes ensinasse
sugerido que me pronunciasse sobre o Introdução à Antropologia, durante 25
possível contributo da minha experiência anos.
para o campo de estudos em que me Ao longo destes anos (e eu licenciei-me
integro. É obviamente difícil responder a em 1951), a antropologia enveredou, na
essa questão, mas, como já referi, não minha opinião, por um caminho muito
julgo que aquilo que escrevo seja muito interessante. Posso contar-vos
importante. Não me considero um brevemente uma história que talvez vá
teórico, nem sei dizer exactamente o que ao encontro do que me pediram. Em
é uma teoria sei o que é uma intuição, 1960, publiquei um livro chamado Worker
sei o que é uma noção, mas não sei dizer in the Cane, que consiste numa história de
exactamente o que é uma teoria (sou vida. Quando o livro saiu, mereceu muito
muito diferente de Rodney Needham
). poucas recensões críticas (eu era ainda
Interessa-me a relação entre o um jovem assistente e ninguém se
comportamento e o desenvolvimento da interessou), mas as poucas que foram
teoria marxista. É isso que me interessa, publicadas acusavam-me de não ser
dotar o marxismo de uma dimensão suficientemente científico, já que era
antropológica, porque julgo que a falta amigo do homem que entrevistara. Sendo
dessa dimensão o prejudicou imenso. amigo dele, como poderia ser objectivo
Sem essa dimensão, o marxismo na análise da sua vida? Acontece,
tornou-se não humano, não humanista, curiosamente, que esse livro tem vindo a
mecânico e incapaz de prever o ser reeditado desde que saiu há 44 anos e
comportamento de forma satisfatória. Na agora, de vez em quando, há uma
minha opinião, se nós, antropólogos, recensão ou algum comentário. O
pudermos melhorar a perspectiva geral comentário actualmente é o de que não se
do materialismo histórico através da trata de um mau livro, mas há um
compreensão do comportamento problema: eu pertenço à potência
humano em termos genéricos, através de imperialista e o meu amigo à colónia.
uma compreensão mais profunda do Como poderia este ser um livro objectivo
comportamento humano, talvez quando eu pertenço à potência
possamos dizer coisas mais úteis. É este, imperialista e o meu amigo à colónia?
portanto, o meu interesse pessoal. Mas Mas o mais interessante é que se trata do
quanto ao meu contributo, julgo que a mesmo livro. Em 1960 eu estava
minha maior contribuição para a demasiado próximo do meu informante,
antropologia foi ensinar e ser um bom agora não estou suficientemente próximo
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panfleto de uma organização que existe em 1952-1953. Nunca foi a Yale e acho
nos Estados Unidos e se chama The que sei porquê. Ele ia a muitos sítios e
White Citizens Council, um célebre muita gente perdia o emprego por causa
grupo racista (Carlton Coon estava disso. Portanto as pessoas falavam aquilo
envolvido nesse grupo, assim como a que em inglês chamamos esópico, ou
Carlton Putnam, ambos eram racistas). seja, contávamos as nossas histórias em
No verso desse folheto dizia: Franz código, recorrendo a pequenos animais.
Boas, o antropólogo judeu e comunista Eu acho que ele nunca foi a Yale porque o
que abastardou a raça americana. Boas senador Taft era de Yale e creio que
tinha morrido 50 anos antes e eu pensei: McCarthy não quis meter-se com a
Se ao menos eu viesse a ser recordado, universidade de Taft. Suponho que foi
tal como eles o recordam hoje! isso. Sei que havia comigo três pessoas
das brigadas Abraham Lincoln no corpo
MIGUEL VALE DE ALMEIDA Os meus docente, mas nunca ninguém veio ter
alunos, estudantes de antropologia connosco. Acho que tivemos sorte. Mas
portugueses, surpreendem-se sempre quando nessa época realmente lidávamos com os
lhes falo de pessoas como o Sidney Mintz ou conceitos marxistas com muita cautela,
Eric Wolf (e mesmo de alguns dos elementos porque havia muita gente que ganhava a
do grupo de estudos sobre Porto Rico), e a vida a perseguir marxistas. E esta é uma
surpresa deles deve-se a uma razão muito das razões: os franceses nunca passaram
simples, relacionada com áreas de hegemonia por isto. Em França, a única coisa
na reflexão. Quando conversamos sobre o verdadeiramente má que se podia ser era
marxismo na antropologia, verifico que os nacionalista (as pessoas da Martinica é
meus alunos estão familiarizados basicamente que eram nacionalistas), ninguém se
com os marxistas franceses da década de importava com o facto de Aimé Césaire
1970. E por isso surpreendem-se sempre ao pertencer ao PCF. Por isso era diferente.
saber que, nos Estados Unidos (logo nos Mas havia ligações. Por exemplo, eu ia a
Estados Unidos, e pode imaginar como um França e ensinava na École Pratique des
português é preconceituoso a esse respeito), Hautes Études, e era muito amigo de
havia marxistas que já faziam o mesmo antes, Godelier
Havia esse tipo de ligações. E
embora não se dissessem marxistas. Quer também com os Annales, porque alguns
falar-nos um pouco sobre as ligações, ou a dos meus colegas da história que não
falta de ligações, com os antropólogos eram marxistas coordenavam a edição de
marxistas da Europa? colectâneas de artigos dos Annales,
CB E com a escola francesa dos Annales, antologias em inglês, sobre temáticas
talvez
variadas. Havia essas relações, uma
SM Bem, havia relações quer com a espécie de entente cordiale, mas não eram
escola dos Annales quer com os marxistas muito significativas. Andávamos
franceses, mas não havia uma grande realmente para trás e para a frente e,
proximidade. Relativamente à razão por como é óbvio, Marshall Sahlins avançou
que nos definíamos de outra forma, ou por aí, mas Sahlins, que era adepto de
por que não nos definíamos de todo, é um materialismo mecânico, converteu-se
muito simples: era a época de McCarthy. ao que quer que seja que faz hoje! Sou
Fui para Yale em 1951, quando terminei a muito amigo dele
licenciatura, e McCarthy ganhou força
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manhã a minha mãe vai ter de apanhar a humanidade e isso não acontece só na
toalha. Foi a minha mãe quem me antropologia social. Relativamente à
ensinou isto. Era assim que ela vivia o antropologia física, a minha opinião é
seu dia-a-dia e acho que isso me deu uma provavelmente idêntica à vossa: querem
maneira diferente de ver as coisas. dominar o mundo e a maior parte do que
Fui buscá-la de táxi ao aeroporto de Porto dizem é puro dislate. Mas há uma
Rico quando ela foi visitar-me, era já uma pequena parte que é importante:
velhinha. No trajecto do aeroporto para a perceber que espécie de animais somos é
cidade, em Porto Rico, passámos por um importante, porque somos animais muito
bairro de lata chamado El Fanguito, onde pouco comuns. Temos de conhecer os
havia crianças a brincar na lama, no meio outros animais para percebermos quão
da porcaria. Era um percurso de meia diferentes somos. É como a questão das
hora sempre assim, inacreditável. Ela ia línguas
Todas as línguas das Caraíbas
quieta a olhar pela janela em silêncio e eu a que se chama línguas crioulas foram
perguntei-lhe em que pensava. Penso criadas pelos escravos a partir de coisa
que tem de haver muita gente rica neste nenhuma! A linguagem diz-nos muito
país, disse. Surpreendi-me: Como é sobre a humanidade e a antropologia
que pode olhar para isto e dizer que há física ensina-nos também algo sobre nós
muita gente rica? Ao que ela respondeu: mesmos, tal como a arqueologia nos
Que tonto! Se há assim tanta gente ensina muito sobre a nossa humanidade
pobre tem de haver muita gente rica. sobre os homens e as mulheres, sobre
Fui educado neste tipo de forma de quem faz o quê. Quando era estudante,
encarar o mundo e gostaria que todos os percebi que essas coisas no seu conjunto
meus alunos dessem valor àquilo que me ajudavam a compreender o
vêem os outros fazer por eles comportamento.
constantemente limpar as casas de Todos queriam que o Eric Wolf e eu
banho que utilizam, fazer as camas em escrevêssemos um manual de introdução
que dormem, varrer as ruas onde vivem à antropologia, mas nunca o fizemos.
ou trazer-lhes a comida à mesa. Se Mas agora penso nisso, porque a cadeira
quiserem ter consciência de que são que eu costumava dar em Yale (que
humanos, têm de ter consciência disto. estava sempre a mudar) e continuei a dar
na Universidade de Johns Hopkins, essa
CB Acha que, hoje em dia, a formação em cadeira que eu ensinava nessas duas
antropologia põe de parte essas questões instituições tinha realmente a ver
sociais universais tão reais, ou de certa forma sobretudo com a antropologia, mas tinha
elas são incorporadas? também muito a ver com o que significa
SM Seria muito bom que fossem. Na ser-se humano. O nome da cadeira era
verdade, quando referi a introdução à Ser Humano e Humanizar-se
antropologia, deveria ter dito que tornar-se humano e ser humano. Eu
ensinava os quatro domínios. Julgo tentava discutir nessa cadeira o quanto
efectivamente e posso estar enganado, temos em comum com o mais despojado
porque realmente não sei que a dos selvagens. O quanto somos
abordagem dos quatro domínios parecidos, apesar de nos considerarmos
proporciona aos estudantes uma certa tão diferentes. Porque o mundo é tão
consciência adicional sobre a artificial para essa pessoa quanto para
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nós; ela é tão culturalizada quanto nós. E numa igreja, todos casavam fugindo. Se
eu acho que as pessoas têm de aprender uma rapariga não dormia em casa e no
isto, têm de o saber. Eu dizia assim às dia seguinte se sabia que estivera em casa
minhas turmas: quando olhamos para as de um familiar do rapaz e que ambos
pirâmides do Egipto, pensamos como são haviam passado a noite lá, isso bastava
maravilhosas. Toda a gente diz que são como declaração de que se tinham
extraordinárias, que são grandes feitos casado. Teriam então de arranjar a sua
arquitectónicos, que são grandiosas. Mas própria casa, Quien se casa, pa su casa.
todos vocês estão a pensar que um Não podiam viver ali, teriam de dar
construtor civil italiano podia construir início à sua própria casa. O casamento
uma pirâmide na baixa de Baltimore em fazia-se por consentimento, pelo
pouco mais de um fim-de-semana. A costume. E a atitude das pessoas
ideia de que estamos a formar pessoas correspondia a esse costume. Dou-vos
que entendem a humanidade porque um exemplo. Certa vez, comentava com
vêem filmes sobre os bosquímanes
Elas o meu amigo com o meu grande amigo,
ainda estão a pensar que podem por quem eu nutria uma imensa estima e
construir pirâmides num fim-de-semana. uma enorme admiração uma dessas
Julgo, portanto, que temos de insistir uniões, dizendo-lhe que se la llevó (ela
muito para que os outros seres humanos foi levada), e perguntei-lhe como seria se
como nós compreendam a nossa o mesmo acontecesse com a filha dele.
humanidade fundamental. Acho que sem Ele respondeu: Levaríamos o rapaz ao
isso nada faz sentido. juiz (ao juez, o juiz local) e
denunciávamo-lo, e então ele teria de
CB Afirmou que durante o trabalho que deu casar com ela. Assim haveria uma
origem a Worker in the Cane tratou responsabilidade legal. E então
aspectos muito contemporâneos e relevantes perguntei como seria se fosse o filho a
para a antropologia, tais como o género ou a fugir com uma rapariga e ele disse: Eso es
raça. Como é que enquadrava isso nessa para el padre de ella!
altura, quando essas não eram as questões Também há ciúme em Porto Rico. Quase
habitualmente estudadas? Quer falar-nos um todos os crimes violentos se deviam ao
pouco sobre a política social da produção do ciúme. Não havia crimes violentos por
conhecimento quando se tem uma roubo aliás, não havia furto em Porto
determinada forma de compreender as coisas e Rico, ninguém roubava nada. Mas eram
não se dispõe das ferramentas sociais que capazes de matar por ciúme e isso
permitiriam explicá-las? aconteceu, na minha aldeia de 600
SM No meu caso, talvez seja útil saber pessoas, 14 vezes em 10 anos machetazo,
que eu era o mais novo de quatro irmãos, puñalada
, matavam-se uns aos outros
o único rapaz, e a minha mãe era uma por ciúme. Na Jamaica, onde também
activista sindical isto pode ter a sua trabalhei, ninguém matava outra pessoa
importância. Quando trabalhei em Porto por ciúme, simplesmente não acontecia!
Rico, o modo como os homens e as Quando lhes dizia que havia trabalhado
mulheres, ou os rapazes e as raparigas, se numa outra ilha onde as pessoas se
comportavam uns com os outros era tão matavam umas às outras por razões
diferente! Na minha aldeia, não havia sexuais, rebolavam a rir, achavam
casamento pela Igreja, ninguém se casava hilariante! Trabalhei ainda no Haiti e aí
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as mulheres do campo pegavam em toda casa e vão para a cidade, onde chegam a
a comida e iam para a cidade, dormiam ficar quatro noites a dormir na rua? E
nas ruas três ou quatro noites, vendiam ele respondeu: ¡Si ella no está en la casa a
os seus produtos, compravam mais las cuatro de la tarde, yo voy a cerrar la
produtos e puerta!
voltavam de Perguntam-me
camioneta para a SM Houve um rapaz muito tímido e como é que eu
sua aldeia. modesto (eu lembrava-me de o ver nas reparava nas
Estavam fora da aulas, ainda estava a vê-lo sentado no questões de
aldeia durante três meio daquela turma enorme), que me género? Como era
ou quatro noites e disse: Sabe, por sua causa destruí todos possível não
os meus filmes, os filmes que eu tinha
dormiam na rua. reparar? Essas duas
feito. E eu perguntei-lhe: Que fiz eu para
Disse o seguinte a o levar a fazer uma coisa dessas? Ele sociedades, Haiti e
um amigo em respondeu-me: Explicou-me a cultura e Porto Rico, são
Porto Rico (ao percebi que eles não prestavam, por isso como a noite e o
filho do meu queimei-os. Tornou-se um bom amigo e dia, como se
grande amigo), ainda sou amigo dele, mas isto passou-se estivessem em
cuja mulher há meio século. Ser capaz de tocar assim extremos opostos
trabalhava numa um jovem e levá-lo a repensar as suas do mundo. E
premissas acho que isso é o mais
fábrica numa outra relativamente à
importante. E isso nada tem a ver com
localidade: Se há ideologia, não tem nada a ver com as raça também, o
30 anos eu tivesse minhas opções políticas. Nunca tentei mesmo acontece
dito ao teu pai que vender política a ninguém nas aulas, acho com as questões da
a tua mulher fazia que não é o lugar certo para o fazer. E raça. Certa vez
um percurso de 15 acho que não seria possível, de qualquer estava em Porto
quilómetros para modo. As pessoas chegam lá por meio da Rico com um
ir trabalhar, sua própria inteligência. amigo, que era
[
] Bem, eu recordo que quando eu
sozinha e de carro, branco, estávamos
próprio era aluno, quando estava a fazer a
e depois minha licenciatura, o que realmente me na praia a olhar
regressava ao fim abriu os olhos foi a ideia de que a para os estragos
do dia, ele teria concepção da realidade que as pessoas depois de uma
dito: ¡Imposible! produzem nada tem a ver com a sua tempestade e
¡Eso no va a pasar situação material, ter percebido que não é apareceram dois
aquí en Puerto Rico preciso haver lenços de papel para que rapazes de
haja uma filosofia, que não é preciso
nunca! E então esse bicicleta, dois afros.
haver metralhadoras para que haja
amigo actividade política. Nos Estados Unidos,
Eu estava de visita,
disse-me: Bem, dá-se sempre demasiada importância à de passagem, não
sabe como é, vertente material e eu lembro-me de ter tinha assistido ao
temos de construir aprendido isso! princípio dos afros
uma casa, em Porto Rico, e
precisamos de comentei, olhando
mais dinheiro
Começou a explicar-me para os rapazes: Parece que os
racionalmente a razão por que isso penteados estão a mudar por aqui
E
acontecia. Então eu disse-lhe: Sabes que ele respondeu: Se não o fizessem,
conheço mulheres no Haiti que saem de ninguém notaria de que cor são. A ideia
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ler, tomar notas e recordar-se do que Ásia durante 2000 anos, era muito mais
leram porque, se o recordamos, podemos importante do que qualquer proteína
comparar aquilo que lemos com o que animal, que a maior parte das pessoas
observamos com os nossos próprios pouco consumia. Logo, as populações da
olhos. E essa é a primeira coisa. A Indonésia, do Japão, da China, do
segunda é que se perguntem sempre Vietname e, até certo ponto, da Coreia,
como a coisa funcionaria na falta de um ingeriam menos proteínas animais do
dado elemento. O funcionalismo é isso que proteínas vegetais. Acontece que,
mesmo: olhamos para algo que está em quanto mais a norte estamos, mais
funcionamento e reflectimos sobre o que proteínas animais consumimos. Nos
aconteceria se retirássemos um elemento Estados Unidos, a soja foi completamente
ao conjunto, porque a única maneira de irrelevante até à I Guerra Mundial e só na
descobrir para que serve é descobrir o altura da II Guerra Mundial se tornou
que acontece quando não está lá. Só importante. Começou por ganhar
então sabemos para que serve. E esta importância enquanto fonte de óleo e
seria, portanto, a segunda coisa: olhar tratava-se de óleo industrial, a soja era
para a sociedade, tanto quanto possível, usada para produzir óleo industrial. A
como se fosse constituída por diversas sua introdução no Ocidente foi
peças e tentar identificar cada uma completamente contrária à experiência
dessas peças, de modo a que se possa asiática. Após a II Guerra Mundial, à
então analisar a forma como é construída, medida que as plantações de soja se iam
tal como se faria a um motor automóvel: expandindo e que o óleo de soja ganhava
há que desmontá-lo e ver como as partes popularidade, descobriram que podiam
encaixam umas nas outras. Por fim, ter usar o que restava do feijão de soja para
paciência e saber calar ao contrário do alimentar os animais. Assim, as duas
que estou a fazer agora porque me principais utilizações da soja nos Estados
pediram para falar, se eu estivesse a fazer Unidos que é actualmente o maior
trabalho de campo não estaria a agir produtor mundial de soja e a exporta
assim! , ler, recordar o que se leu, tomar para a China e o Japão, entre outros
notas. E ainda a questão do contraste. países consistem na produção de óleo e
na alimentação dos animais. Aquela que
CB Na sua opinião, o que faz com que o foi de longe a principal fonte de proteínas
investigador saiba aproveitar uma ocasião na Ásia durante 2000 anos é agora usada
propícia para explorar um assunto? por nós para alimentar galinhas, para que
SM Estou a estudar a soja muito possamos depois comer as galinhas, que
importante no Brasil, actualmente. Estou fritamos no óleo proveniente da mesma
a estudar a soja porque quando acabei de fonte. Este contraste entre o que se passa
estudar o açúcar me perguntei o que na Ásia e no Ocidente é emblemático de
poderia estudar a seguir e só consigo uma diferença de atitude relativamente
pensar partindo de objectos, entidades ao mundo, e é por isso que trabalho esta
concretas. O açúcar era bom por ser temática.
concreto, por ser uma substância. E
acabei por iniciar-me no estudo da soja MVA Fiz investigação no Brasil sobre a
devido a um facto histórico curioso: a raça e recentemente escrevi um artigo sobre a
soja foi a maior fonte de proteínas da crioulização, com base na realidade
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