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Escola Anna Nery Revista de Enfermagem

ISSN: 1414-8145
annaneryrevista@gmail.com
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Brasil

Rossato Badke, Marcio; Denardin Budó, Maria de Lourdes; Machado da Silva, Fernanda; Ressel,
Lúcia Beatriz
PLANTAS MEDICINAIS: O SABER SUSTENTADO NA PRÁTICA DO COTIDIANO POPULAR
Escola Anna Nery Revista de Enfermagem, vol. 15, núm. 1, enero-marzo, 2011, pp. 132-139
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=127718940027

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Plantas medicinais na prática do cotidiano popular
PESQUISA
Badke MR,Budó MLD,Silva FM,Ressel LB Esc Anna Nery (impr.)2011 jan-mar; 15 (1)

RESEARCH - INVESTIGACIÓN

PLANTAS MEDICINAIS: O SABER SUSTENTADO NA PRÁTICA D


COTIDIANO POPULARa
Medicinal plants: the knowledge sustained by daily life practice

Plantas medicinales: el saber sustentado en la pratica del cotidiano popular

Marcio Rossato Badke1 Maria de Lourdes Denardin Budó2 Fernanda Machado


Lúcia Beatriz Ressel 4

RESUMO
O objetivo do trabalho foi conhecer o cotidiano popular dos moradores da comunidade assistida por Unidade de Saúde d
em município do Rio Grande do Sul, sobre o emprego terapêutico de plantas medicinais no cuidado à saúde. Pesquisa qu
com coleta de dados por meio de entrevista semiestruturada e observação participante. Os dez entrevistados, usu
plantas medicinais, adscritos à referida unidade, foram selecionados por meio da rede de relações. A análise temática p
surgimento de categorias. Constatou-se que o uso do chá caseiro é comum entre os partipantes e que a maioria da
medicinais utilizadas pelos entrevistados tem suas indicações terapêuticas populares semelhantes às encontradas na
científica. Acredita-se que a pesquisa tenha relevância para os enfermeiros e para a sociedade, pois aponta para uma ne
aproximação entre o saber popular e científico, bem como para a criação de projetos que trabalhem com essa temátic

Pala vr
alavr as-c
vras-c ha
havve: Plantas Medicinais. Cuidados de Enfermagem. Saúde Coletiva. Enfermagem.
as-cha

Abstract Resumen
The objective of this work was to know the daily life of people El objetivo del trabajo fue conocer el cotidiano de las p
living in the community assisted by a Family Health Unit in a Rio de la comunidad asistida por una Unidad de Salud de la
Grande do Sul city, about the therapeutic use of medicinal plants en el municipio de Rio Grande do Sul, sobre el uso ter
in health care. This is a qualitative research, with data collection de las plantas medicinales en la atención de la s
through semi-structured interview and observation as investigación cualitativa, fue realizada con colecta de d
participant. The ten interviewees, users of medicinal plants, medio de entrevista semi-estructurada y obse
nominated to the unit, were selected by the network of participante. Los diez entrevistados, usuarios de
relationships. Thematic analysis was performed that allowed the medicinales, adscritos a la referida unidad, fueran selec
emergence of categories. It was verified that the use of por medio de la red de relaciones. El análisis temático
homemade tea is common among the participants and that el surgimiento de las categorías. Se constató que el u
most of the medicinal plants used by the interviewees have their casero es común entre los participantes y que la ma
popular therapeutics indications as those found in scientific las plantas medicinales utilizadas por los entrevistado
literature. It is believed that the research has relevance for nurses sus indicaciones terapéuticas populares similare
and for society, so it points to a necessary approach between encontradas en la literatura científica. Se cree que la inve
the popular and scientific knowledge, and also to create projects tiene importancia para los enfermeros y para la s
that work with this theme., pues apunta para la necesidad de una aproximación
saber popular y el conocimiento científico, y también
creación de proyectos que trabajan con este tema.

K e yw or
ywor ds: Medicinal plants. Careful Nursing, Collective
ords: Pala br
alabr as ccla
bras la
lavve: Plantas medicinales. Cuidados de enf
health.Nursing Salud coletiva. Enfermería.

1
Enfermeiro Professor Assistente do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria/ CESNORS. Especialista em Saúde Pública. Mestre em E
pelo PPGEnf/ UFSM. Membro do Grupo de Pesquisa “Cuidado Saúde Enfermagem”. Santa Maria – RS. Brasil. E-mail: marciobadke@yahoo.com.br,2Enfermeira.
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INTRODUÇÃO e fitoterápicos, promovendo o uso suste


biodiversidade, o desenvolvimento da cadeia
O poder curativo das plantas é tão antigo quanto e da indústria nacional”. Com vistas a atingir
o aparecimento da espécie humana na terra. Desde cedo desse programa, dentre as proposições, de
as primeiras civilizações perceberam que algumas de “Promover e reconhecer as práticas po
plantas continham, em suas essências, princípios ativos tradicionais de uso de plantas medicinais, fit
os quais ao serem experimentados no combate às e remédios caseiros” 5:7.
doenças revelaram empiricamente seu poder curativo. Nesta perspectiva, o objetivo deste tr
Durante muito tempo, o uso de plantas medicinais conhecer o cotidiano popular dos mora
foi o principal recurso terapêutico utilizado para tratar comunidade assistida por uma Unidade de
a saúde das pessoas e de suas famílias; entretanto, com Família (USF), em município do Rio Grande d
os avanços ocor ridos no meio técnico-científico, sobre o emprego terapêutico de plantas me
sobretudo no âmbito das ciências da saúde, novas cuidado à saúde.
maneiras de tratar e curar as doenças foram surgindo. A relevância sociocultural desse
Uma dessas maneiras consiste no uso de medicamentos destaca-se por estabelecer um elo entre o con
industrializados, gradativamente introduzidos no popular e o conhecimento científico, pos
cotidiano das pessoas modernas, através de campanhas assim, uma maior aproximação das pe
publicitárias que prometia curar as mais diversas comunidade aos serviços de saúde e aos pr
doenças. Desde então, o uso de plantas medicinais vem que nela atuam.
sendo substituído pelos medicamentos alopáticos. Salienta-se que, neste traba
No Brasil, mesmo com o incentivo da indústria consideradas plantas medicinais todas as pla
far macêutica para a utilização de medicamentos in natura e aquelas colhidas frescas, as
industrializados, grande par te da população ainda se utilizadas para o consumo do chá casei
utiliza de práticas complementares b para cuidar da desconsiderado, portanto, qualquer outro tipo
saúde, como o uso das plantas medicinais, empregada como, por exemplo, o chá industrializado.
para aliviar ou mesmo curar algumas enfermidades.
Atualmente, as mudanças econômicas, políticas e sociais METODOLOGIA
que eclodiram no mundo influenciaram não só na saúde
das pessoas como também nos modelos de cuidado. O Os procedimentos metodológicos adot
uso terapêutico de recursos naturais utilizados no trabalho são do tipo exploratório e descritivo e e
cuidado humano, que antes estava situado às margens se estruturados a par tir de uma pesquisa qu
das instituições de saúde, hoje tenta legitimar-se nesse pesquisa qualitativa aprofunda-se no m
meio dominado pelas práticas alopáticas. 1 significados, das essências, das relações hum
Acredita-se que esse cuidado realizado por meio atitudes, das crenças e dos valores, explorando,
de plantas medicinais seja favorável à saúde humana, realidade que não pode ser captada pe
desde que o usuário tenha conhecimento prévio de sua quantitativos.6
finalidade, riscos e benefícios. Além disso, o profissional Para conhecer o cotidiano popular dos
que cuida esse ser humano deve considerar tal prática sobre o emprego terapêutico de plantas me
de cuidado popular, viabilizando um cuidado singular, cuidado à saúde, teve-se como indicador espaci
centrado em suas crenças, valores e estilo de vida. 2 de abrangência de USF de município do RS. A
No Brasil, foi criada a Política Nacional de dados ocorreu no domicílio dos sujeitos, po
Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no entrevista semiestruturada e observação pa
Sistema Único de Saúde (SUS), sendo instituída pela realizadas no período de março a junho de 200
Por taria do Ministério da Saúde (MS) nº 971, de 03 de da manhã das 8h às 12h.
maio de 2006. 3 Esta por taria tem como objetivo ampliar A entrevista semiestruturada, “deve ser
as opções terapêuticas aos usuários do SUS, com de forma que permita flexibilidade nas conve
garantia de acesso a plantas medicinais, a fitoterápicos absorva novos temas e questões trazidas pelo i
e a serviços relacionados à fitoterapia, com segurança, como sendo de sua estrutura de relevância” 6:19
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estratégia complementar ao uso das entrevistas, infor mações pr estadas. Os par ticipantes
nas relações com os atores, em momentos informados individualmente, em linguagem ac
considerados impor tantes para efeitos da e clara, sobre os objetivos da pesquisa, bem co
pesquisa6:281. benefícios que essa proporcionaria e de qu
haveria riscos nem obrigatoriedade de sua partic
A fim de ordenar as obser vações-como- Foi também combinado com cada par ticipante s
par ticipante, criou-se um roteiro de observações, com período em que suas práticas com as plantas
seis itens, a serem observados e anotados no diário de obser vadas e os momentos de conversa que
campo. Nesse diário foram registradas as observações utilizados como entrevistas, além de serem infor
realizadas em cada residência, em cada encontro, e as de que a exclusão poderia ser solicitada a qu
conversas informais com os entrevistados. momento da pesquisa.
A seleção dos sujeitos da pesquisa foi realizada
por indicação da rede de relações, que consiste em um O SABER SUSTENTADO NA PRÁTICA
pr ocesso no qual “cada infor mante r emete o COTIDIANO POPULAR
pesquisador a outros membros da sua rede para
investigações subseqüentes” 7:69. A rede de relações Cara cterização dos sujeitos da pesquisa
Caracterização
teve início quando a Agente Comunitária de Saúde da A rede de relações foi constituída d
USF, moradora do bairro e conhecedora de grande parte sujeitos, oito mulheres e dois homens,
da população local, entrou em contato com o senhor moradores da área adscrita à referida USF. Ac
(Sr) Lírio1 e marcou a primeira entrevista. Após conceder se que essa predominância do sexo feminino se
a entrevista, o Sr Lírio indicou outras duas pessoas, fato de a mulher ser a cuidadora por excelência
que segundo ele, também faziam uso de plantas culturalmente, é ela quem realiza os cuidados n
medicinais para cuidar da saúde, a Senhora (Srª) familiar. 10 Quanto à idade dos entrevistados,
Margarida e a Srª Sene, que ao término de suas dos 54 aos 89 anos, sendo que dois tinham
entrevistas também indicaram outras pessoas, e assim entre 54 e 59 anos e oito eram idosos, com m
sucessivamente, até que a rede de relações estivesse 60 anos.
suficientemente formada para satisfazer os objetivos Para discutir o saber sustentado na prá
aqui propostos. cotidiano popular dos entrevistados, serão abo
A análise dos dados contemplou a análise as categorias: “ Tipos de plantas e suas indicaçõe
temática, proposta por Bardin 8. Tal análise busca a relata as plantas utilizadas e suas indicações pop
relação de outras realidades através de mensagens, “ Colho o raminho verde na horta” , que explana a
palavras, entrevistas entre outras, e tem a capacidade como as plantas são obtidas e armazenadas;
de decifrar qualquer comunicação, ou seja, qualquer assim” , que descreve como os chás são prepar
transpor te de significações de um emissor para um conser vados; e “Foi bom mesmo”, que se refe
receptor. 8 É considerada uma das técnicas de análise resultados obtidos com o uso dos chás.
de conteúdo, cuja operacionalidade se distingue em três
etapas: a pré-análise; a exploração do material; e o Tipos de plantas e suas indicações
tratamento dos resultados, com a inferência e as Durante a coleta de dados, foi solicita
interpretações. Os resultados foram organizados em entrevistados que descrevessem a última v
categorias emergentes, de acordo com as falas dos utilizaram plantas medicinais para cuidar d
par ticipantes. saúde ou de algum membro de sua família.
A presente pesquisa está em consonância com a resultado, elaborou-se um rol das pl
Resolução 196 de 10 de outubro de 1996 do Ministério medicinais citadas pelos par ticipantes
da Saúde (MS), a qual define os princípios da Bioética somadas, totalizaram 17 espécies de pl
sobre os trabalhos que envolvem seres humanos. 9 Foi alcachofra, alecrim, alho, ar nica, boldo, canc
aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da cavalinha, chapéu de couro, er va-cidreir a (
Universidade na qual se vinculou a pesquisa, sob o cidró), folha de laranjeira, guavirova, g
número 23081.020270/2007-64 e CAE insulina da hor ta, macela, mentr uz, salsapa
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Quadro 1 – Tipos de plantas medicinais, indicação popular e indicação científica


Nome científico/ Nome Indicações populares Algumas indicações científicas
popular referidas
• Fígado • Digestiva 1
Cynara scolymus L. • Diurética
Alcachofra • Distúrbios hepáticos
Rosmarinus officinalis • Calmante • Calmante 1
L. • Carminativas (reduz a flatulência)
Alecrim • Digestivo
• Colesterol • Hipertensão arterial 1
Allium sativum L. • Redução dos níveis de colesterol
Alho triglicerídeos
• Antigripal
Solidago chilensis • Rinite • Contusões 1
Meyen • Reumatismos
Arnica • Traumatismos
Plectranthus barbatus • Nervos • Anti-hipertensivo 1
Andrews • Estômago • Digestivo
Boldo • Coração • Auxiliar na atividade cardiovascula
• Dor de estômago • Distúrbios digestivos 1
Maytenus ilicifolia Mart.
• Diurético
Cancorosa
• Antitumoral
• Analgésico
Equisetum giganteum L. • Dor • Problemas renais 1
Cavalinha • Machucadura • Antiviral
• Gripe
Grandiflorus (C.&S.) • Dor • Depurativo do sangue 1
Chapéu de couro • Limpa o sangue • Diurético
• Faz bem a saúde • Antirreumática
Cymbopogon citratus • Calmante • Calmante 1
(DC) Stapf • Antiespasmódica
Erva-cidreira (Capim- • Analgésica
Citrus cidró)
sinensis ( L.) • Nervosismo • Calmante 1
Osbeck • Febrifugo
Folha de Laranjeira • Problemas digestivos
Campomanesia • Colesterol • Hipocolesteremiante 1
xanthocarpa Berg. • Hipoglicemiante
Guavirova • Emagrecedor
Mikania glomerata • Sono • Broncodilatador 1
Spreng. • Gripe • Expectorante
Guaco • Antiasmático
Sphagneticola trilobata • Glicose alterada • Não encontrado
(L.) Pruski
Insulina da Horta
Achyrocline satureioides • Dor de cabeça • Analgésico 1
(Lam.) DC • Vômito • Sedativo
Macela • Antiespasmódico
Coronopus didymus (L.) • Rinite • Infecção respiratória 1
Sm • Expectorante
Mentruz • Bronquite
Smilax sp. • Dor lombar • Antirreumático 1
Salsaparrilha • Antitérmico
• Diurético
• Diurético • Purgativo 1
Senna occidentalis (L.)
Link. • Prisão de ventre • Laxativo
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Ao interpretar os dados apresentados no Quadro 1, tratamento da renite. Diante disso, tudo leva a crer
pode-se inferir que, das 17 plantas medicinais citadas e benefícios dessa combinação sejam conhecidos apen
utilizadas pelos entrevistados, 15 delas apresentam indicações saber popular, mas que, sem dúvidas, merecem maiores
terapêuticas populares semelhantes às encontradas na literatura para fins de comprovações.
científica. Nesse contexto, destaca-se a alcachofra (Cynara A segunda planta cujas indicações referid
scolymus L.), citada pelos entrevistados como um excelente entrevistas não constam nas mencionadas pela lit
chá para as doenças que acometem o fígado. Esse conhecimento científica é a insulina da horta (Sphagneticola trilob
popular vai ao encontro das recomendações científicas Pruski) que serve, segundo o conhecimento popular
relacionadas com essa planta, encontrada na literatura como tratamento de glicose alterada, ou seja, como hipoglice
de uso no tratamento dos distúrbios hepáticos 11. Deve-se No entanto, ao buscar comprovações científicas so
mencionar o alecrim (Rosmarinus officinalis L.), alho (Allium propriedade medicinal, não foi encontrado em nenhu
sativum L.), boldo (Plectranthus barbatus Andrews), cancororsa bibliografias consultadas algo que pudesse comprovar a
(Maytenus ilicifolia Mart.), carvalinha (Equisetum giganteum dessa planta para essa finalidade.
L.), chapéu de couro (Grandiflorus (C&S), erva-cidreira/capim- No que tange às finalidades da utilização das
cidró (Cymbopogon citratus (DC) Stapf), folha de laranjeira observa-se que os relatos de maior frequência (cinco
(Citrus sinensis (L.) Osbeck.), guavirova (Campomanesia de chás, cujas propriedades curativas funcionam
xanthocarpa Berg.), guaco (Micania glomerata Spreng.), mentruz analgésicos, sendo citados pelos entrevistados para
(Coronopus didymus (L.) Sm), salsaparrilha (Smilax sp.) e sene estômago, para dor de cabeça, para dor lombar e outra
(Senna occidentalis (L.) link.) cujas indicações populares de modo geral. Em segundo lugar, com quatro indi
referidas pelos entrevistados corroboram as indicações aparecem os chás usados como calmantes e nas grip
científicas da literatura revisada. resfriados. Em terceiro, com três relatos, têm-se o
No que se refere às plantas medicinais, cujas indicados para os problemas gastrointestinais. Além
propriedades curativas mencionadas nas entrevistas não foi também referida a utilização de algumas plant
correspondem às indicações científicas encontradas nas controlar o colesterol (dois), a rinite (dois), para tra
bibliografias consultadas, estão a arnica (Solidago chilensis problemas do coração (um), dos problemas do fígado (
Meyen) e a insulina da horta (Sphagneticola trilobata (L.) machucadura (um), para aumentar a diurese (um), e p
Pruski). A primeira é citada pelos sujeitos da pesquisa para uma melhora no sono (um).
tratar da rinite, porém, ao consultar as referências científicas,
constata-se que essa erva é indicada para outras finalidades, Colho o rraminho
aminho vver er de na hor ta
erde
tais como: reumatismos, traumatismos, contusões, entre Nesta categoria são descritas as formas de cu
outras12. Essa constatação permite considerar duas situações: colheita e armazenamento das plantas medicinais ut
uma, que a planta citada possui propriedades de cura, mas não nos chás. Quanto à produção e colheita, foi observado
para o fim que foi mencionada na entrevista (rinite); a outra, a dos entrevistados plantam e colhem em sua própria
possibilidade de essa prática curativa estar correta, mas por Assim, conforme a maioria dos entrevistados, as er
falta de estudos mais específicos, não existir, até o presente colhidas e utilizadas de acordo com as suas necess
momento, comprovações científicas para tal uso, necessitando, dando preferência às recém colhidas.
portanto, ser mais estudada. Ainda quanto à colheita das plantas, foi destac
Tratando-se ainda do uso da arnica, deve-se salientar deve ser feita preferencialmente pela manhã. Essa ori
que, ao ser indicada para o tratamento de rinite, o entrevistado é fundamentada em saberes populares, aprendidos p
mencionou usá-la associada ao mentruz (Coronopus didymus que explicam que, com o passar do dia, ocorre uma inc
(L.) Sm), na forma de chá. Salienta-se que o mentruz, segundo maior dos raios solares e consequentemente as
as indicações científicas, serve para o tratamento nos casos de murcham. Esse aspecto é claramente observado pelo
infecções e problemas respiratórios, aproximando-se, portanto, seguir:
da indicação popular referida. Dessa forma, tendo como base [...] eu colho o raminho verde na horta, be
apenas a indicação científica, acredita-se que a entrevistada para não murchar pelo sol [...] diz que nã
esteja fazendo o uso de apenas uma planta medicinal (a planta) estar murcha, (pois) perde os pr
devidamente comprovada para esse fim, o mentruz, uma vez da planta. Daí faço o chazinho naque
que a arnica não tem indicações científicas para tal uso. [...](SENE).
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Em ambos os casos foi observado que são constantes A infusão consiste em despejar água ferven
as preocupações dos entrevistados com a higiene das plantas, vasilha bem fechada com a planta dentro e deixá-
desde o plantio até o armazenamento, pois, tanto o local do por aproximadamente dez minutos.13 Essa forma
plantio como as vasilhas usadas para armazená-las, devem foi relatada por sete dos dez entrevistados da
estar bem protegidas e longe de qualquer resíduo que possa exemplificado pelo relato a seguir:
contaminar as ervas.
Em relação ao uso das plantas secas, além dos [...] Eu fiz assim, eram duas folhinhas (
cuidados supracitados, os entrevistados mostraram alguns eu tinha em casa, eu piquei, lavei bem
cuidados durante a sua secagem e ao seu armazenamento. A em um copo e depois coloquei água
secagem deve ser feita à sombra, para que as propriedades abafei, para depois tomar, porque o re
curativas das ervas não sejam alteradas pelo sol. A duração gente ferver sai todo, no vapor sai, a
desse processo varia, segundo os relatos, de uma planta para remédio (o princípio ativo), o que vai fa
outra. Cabe mencionar que a planta seca e pronta para o uso remédio, então a gente abafa [...] (LO
é aquela sem qualquer parte verde e sem umidade em suas
folhas. O outro processo utilizado foi a decocção, q
Para o armazenamento das ervas, os entrevistados em colocar a erva numa vasilha com água fria e c
mencionam a importância de atentar para a validade das cinco a trinta minutos, dependendo da erva que se q
plantas secas. Embora não exista uma validade específica Geralmente é utilizado para cozimento de raíz
para cada uma, é preciso tomar alguns cuidados para que, ao secas.13 Esse processo foi observado na experiên
armazená-las, não fiquem mofadas ou com odor fétido, o que entrevistados, como apresentado a seguir:
passa a impossibilitar o seu uso.
Dessa forma, para evitar esses problemas, recomendam [...] se for erva seca daí tem que ferver
guardar as plantas em vidros ou em sacos plásticos com extrair a propriedade dela. Aí deixo f
pequenos furos, colocando-os em locais secos e protegidos da pouquinho, casca raiz tem que ferver
claridade. Para proteger da claridade foi indicado colocar papel minutos, elas não soltam a fortidão (pro
alumínio ao redor dos vidros ou guardá-los em armário. Estes tão fácil [...] daí é bom colocar e
cuidados com as plantas são observados nos relatos a seguir: pouquinho [...] (LIRIO).

[...] as plantas após a secagem na sombra em O último processo de preparo do chá me


local arejado[...]devem ser guardadas em vidros observado foi a maceração, realizado por apen
ou saquinhos plásticos, mas eu prefiro vidro. Nos participantes. Esta forma de preparo consiste em
saquinhos têm que realizar os furinhos para entrar ervas, geralmente verdes, de molho em água fria por
um ventinho e não mofar[...]as plantas estão boas de 10 a 24 horas, antes de fazer o uso.13 O participa
para o uso enquanto não apresentam cheiro ruim colocar a erva recém-colhida de molho por um perío
ou mofo, cada planta tem um tempo de validade[...] ou menos 12 horas antes de realizar a sua ingestã
(AMOR PERFEITO). A senhora Hortênsia explica o uso da mace

[...] o armazenamento deve ser feito em vidros [...] as vezes me dava uma dor de cabeça
coberto com papel escuro, para não entrar claridade nos livre”, era aquele boldo (que eu us
e colocar uma etiqueta para identificar[...]a esmagava ele e colocava na água fria,
claridade tira o efeito do remédio (da planta) [...] um pouco e tomava, mas é uma mara
(HORTÊNSIA) [...] (HORTÊNSIA)

Observou-se que esses relatos acerca do conhecimento Além desses três processos de prepara
popular sobre a colheita e armazenamento das plantas vêm ao bastante enfatizada a escolha da vasilha. Sobre es
encontro com os achados de estudos científicos da área.17 todos os entrevistados mencionam que ela deve se
de louça e nunca de alumínio, pois, o alumínio, s
Eu fiz assim seus conhecimentos, é prejudicial à saúde, como n
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deve usar uma vasilha de inox e não se deve utilizar CONCLUSÕES


alumínio para ferver o remédio de erva, porque o
alumínio é contraindicado [...](LÍRIO) Neste trabalho, buscou-se conhecer o cotidiano
dos moradores de uma comunidade adscrita a USF, em m
Ao buscar-se comprovações científicas sobre os efeitos do RS, nos cuidados realizados por meio do uso de
prejudiciais do alumínio à saúde, encontrou-se que e a ingestão medicinais. A investigação teve como base de análi
do alumínio está associada, muitas vezes, a doenças crônico- estudo o conhecimento do próprio ser humano, advindo
degenerativas como a doença de Alzheimer. Por essa razão, cotidianidade, experiência e vivência. Os sujeitos da p
deve-se dar preferência “sempre pelas panelas de vidro, permitiram, por meio de seus relatos e demonstra
cerâmica ou esmalte na decocção das plantas” 17:296. preparo dos chás que elementos importantes acerca
Sobre a conservação do chá após esse estar pronto, foi conhecimentos sobre o uso de plantas medicinais
observado e relatado pelos entrevistados que setes deles não descortinados e decodificados.
costumam guardar o chá de um dia para o outro, justificando Salienta-se que, ao entrevistar e obse
que o chá é bom fazer e utilizar no mesmo dia. Os demais comunidade, deparou-se com um mundo de signi
referem que guardam o chá na geladeira, no máximo de um dia experiências e peculiaridades que indicia alguns cuidad
para o outro, pois, segundo eles, depois desse período o chá a saúde, a partir da visão de mundo dos participante
estraga, não fica bom para o uso. estudo. A pesquisa indica também o interesse dos entre
em cultivar a sua própria planta medicinal, assim
Foi bom mesmo sentimento de querer dar continuidade a essa
Ao se questionar os sujeitos sobre como foi o complementar de cuidado à saúde. Dessa forma, per
resultado da utilização dos chás, todos relataram que que o uso de plantas medicinais assume grande valor
tiveram resultados positivos, com a melhora esperada. Seis destas pessoas.
dos dez sujeitos mencionaram ter resultados praticamente Diante destas considerações, revela-se a nece
imediatos (considerado uma variação entre o momento do de um maior domínio desse saber pelos profissio
uso até duas horas após). Exemplificamos com a seguinte enfermagem. Este é um espaço do conhecimento pop
fala: pode ser utilizado como um instrumento de proxim
autonomia e de valorização da cultura de cada ser cuid
[...] foi a folha de laranjeira, usei para nervosismo, nós.
apanhei na árvore aqui em casa, preparei (o chá) e
após tomar melhorei dali uma a duas horas (após o
uso)[...] (CAMÉLIA).

Três dos entrevistados relataram um pouco de demora


em obter resultados positivos, pois referiram utilizar o chá por
dias, que ficou compreendido entre três dias a quinze dias REFERÊNCIAS
consecutivos. Apenas um dos entrevistados relatou fazer uso
1. Alvim NAT, Ferreira MA, Faria PG, Ayres AV. Tecnologias na enfe
por três meses consecutivos do chá. A fala a seguir demonstra o resgate das práticas naturais no cuidado em casa, na esc
a utilização do chá por vários dias: trabalho. In: Figueiredo NMA, organizadora. Tecnologias e téc
saúde: como e porque utilizá-las no cuidado de enfermagem. S
[...] a insulina da horta, que a gente planta (em (SP): Difusão Editora; 2004. p.338-55.
casa). Eu estava com a glicose alterada
(elevada), tomei um chazinho, por quinze dias, 2. Iserhard ARM, Budó MLD, Neves ET, Badke MR. Práticas cu
cuidados de mulheres mães de recém-nascido de risco do Sul
e quando eu voltei lá (no hospital), a glicose Esc Anna Nery. 2009 jan/mar; 13(1): 116-22.
estava baixa e marquei a minha cirurgia, ficou
normal [...] (SENE). 3. Ministério da Saúde (BR). Secretaria Executiva. Secretaria de A
Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia em Insumos Estratégico
No que se refere à eficácia dos resultados obtidos Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS. Bras
com o uso das plantas medicinais no tratamento das 2006.
Plantas medicinais na prática do cotidian

Esc Anna Nery (impr.)2011 jan-mar; 15 (1):132-139 Badke MR,Budó MLD,Silva F

5. Ministério da Saúde (BR). Programa Nacional de Plantas Medicinais e


Fitoterápicos. [on-line]. 2007; [citado 2009 20 mar]; Disponível em:
h t t p : / / p o r t a l . s a u d e . g o v. b r / p o r t a l / a r q u i v o s / p d f /
politica_plantas_medicinais_fitoterapia.pdf>

6. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em


saúde. 10ª ed. São Paulo(SP): Hucitec; 2007.

7. Víctora CG, Knauth DR, Hassen MN. A. pesquisa qualitativa em saúde:


uma introdução ao tema. Porto Alegre (RS): Tomo; 2000.

8. Bardin L. Análise de conteúdo. Tradução de Luís Antero Reto e Augusto


Pinheiro. Lisboa: Presses Universitaires de France; 2008.

9. Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Comissão


Nacional de Ética em Pesquisa. Resolução nº 196, de 10 de outubro de
1996: diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo
seres humanos. Brasília: (DF); 1996.

10. Budó MLD, Mattioni FC, Machado TS, Ressel LB, Lopes LFD. Qualidade
de vida e promoção da saúde na perspectiva dos usuários da estratégia
de saúde da família. Online Brazilian Journal of Nursing. [periódico na
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NOTA
a
Trabalho extraído da Dissertação de Mestrado “Conhecimento popular
sobre o uso de plantas medicinais e o cuidado de enfermagem”,

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