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a intersetorialidade

NA AGENDA DAS POLÍTICAS SOCIAIS

organizadores

giselle lavinas monnerat


ney luiz teixeira de almeida
rosemary gonçalves de souza
A Intersetorialidade na
Agenda das Políticas Sociais

Organizadores
Giselle Lavinas Monnerat
Ney Luiz Teixeira de Almeida
Rosemary Gonçalves de Souza

Prefácio
Vanda Maria Costa Ribeiro

1ª Edição - Campinas 2014


copyright 2014, Editora Papel Social

Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei n 9.610, de 19/02/1998.


Nenhuma parte desse livro poderá ser reproduzida ou transmitida por quaisquer meios: eletrônicos,
mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros sem prévia autorização por escrito da editora.

Muito cuidado e atenção foram dedicados à edição deste livro, no entanto a metodologia utilizada, citações e
referências bibliográficas dos textos são de inteira responsabilidade dos autores.

Título
A intersetorialidade na agenda das políticas sociais.

Editor Conselho Editorial de Serviço Social


Edson de Carvalho Yolanda Guerra
Jussara Maria Mendes
Coordenador Editorial Maurílio Matos
Antonio Deusivam de Oliveira Rosane Martins

Capa e Projeto Gráfico Preparação de texto


Kelli Costa Cristiane Barbosa Cardoso

A grafia deste livro segue o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

Dados Internacionais de catalogação na publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

A intersetorialidade na agenda das políticas sociais/ organizadores Giselle Lavinas Monnerat, Ney
Luiz Teixeira de Almeida, Rosemary Gonçalves de Souza; prefácio Vanda Maria Costa Ribeiro.
Campinas, SP: Papel Social, 2014.

Inclui Bibliografia
ISBN 978-85-65540-11-7

1. Assistência social - Brasil 2. Intersetorialidade 3. Política social. 4. Políticas públicas. I. Monnerat, Giselle
Lavinas. II. Almeida, Ney Luiz Teixeira de. III. Souza, Rosemary Gonçalves de. IV. Ribeiro, Vanda Maria Costa.

Indice para catálogo sistemático:


1. 1. Intersetorialidade e políticas sociais

14-03554 CDD 361.25

Papel Social
www.editorapapelsocial.com.br
editorial@editorapapelsocial.com.br
Rua Antonio Bertoni Garcia, 634 - Jd. Von Zuben
CEP: 13044-650 - Campinas - SP|11-9 8300 9086 | 19-3276-9859
Prefácio .......................................................................................................................... 9

Apresentação ................................................................................................................ 13

PARTE 1
Dimensões e desafios teóricos do debate sobre
intersetorialidade

Artigo 1 ........................................................................................................................ 21
A intersetorialidade das políticas sociais na perspectiva dialética
Potyara A. P. Pereira

Artigo 2 ........................................................................................................................ 41
Intersetorialidade e Políticas Sociais: um diálogo com a literatura atual
Giselle Lavinas Monnerat | Rosemary Gonçalves de Souza

PARTE 2
A intersetorialidade no âmbito do sistema de
proteção social

Artigo 3 ....................................................................................................................... 55
Política social, Intersetorialidade e Desenvolvimento
Ana Fonseca |Ana Luiza d’Ávila Viana

Artigo 4 ....................................................................................................................... 77
Sistemas de proteção social, Intersetorialidade e Integração de Políticas
Sociais
Maria Carmelita Yazbek

Artigo 5 ..................................................................................................................... 105


Um olhar sobre a intersetorialidade a partir da experiência de construção
do campo da Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil
Luciene Burlandy
PARTE 3
A intersetorialidade na gestão da pobreza e do
trabalho

Artigo 6 ..................................................................................................................... 125


O Lugar da Economia Solidária na Nova Gestão da Pobreza e do
Trabalho
Rosangela Nair de Carvalho Barbosa

Artigo 7 ..................................................................................................................... 165


O Bolsa Família: intersetorialidade – dimensão central na implementação
e nos resultados do Programa
Maria Ozanira da Silva e Silva

PARTE 4
Experiências de intersetorialidade na saúde

Artigo 8 ..................................................................................................................... 185


Construindo Redes de Cuidados na atenção à saúde mental, crack,
álcool e outras drogas: Intersetorialidade e direitos humanos
Marco José de Oliveira Duarte

Artigo 9 ..................................................................................................................... 203


Intersetorialidade na efetivação do processo transexualizador do SUS:
uma indispensável utopia
Guilherme Almeida | Márcia Cristina Brasil Santos
PARTE 5
Os percursos intersetoriais a partir da educação
pública

Artigo 10 ................................................................................................................... 229


Descentralização e intersetorialidade: desafios para a consolidação da
política pública de educação
Ney Luiz Teixeira de Almeida

Artigo 11 ................................................................................................................... 261


Cidades e cidadanias em devir: caminhos da Escola Cidadã ao Bairro-
Escola em Nova Iguaçu
Célia Linhares | Maria Cristina Leal

Autores ...................................................................................................................... 279

Catálogo da Editora ................................................................................................... 285


Prefácio

prefácio: vanda maria costa ribeiro


Este livro, não por acaso organizado por três assistentes sociais, oferece
a oportunidade de acompanharmos o movimento e metamorfoses de uma
ideia nascida no plano da gestão de programas sociais se desdobra hoje no
plano normativo dos valores associados á cidadania e justiça social. Por que o
“não por acaso?”.
É preciso ter familiaridade com a pobreza em todas as suas dimensões
para apreender potencialidades e divisar perspectivas para um trabalho efetivo;
para perceber a relação que pode ser estabelecida entre um método e uma
prática transformadora. É preciso ter familiaridade com o mundo da pobreza
para se espantar com as resistências na implementação de políticas sociais que
se combinam para um atendimento integral dos sujeitos inaugurando uma
pedagogia emancipatória. A proximidade com a pobreza exponencia a urgência
do debate sobre uma ideia que vem se metamorfoseando, assumindo conotações
normativas sem perder sua instrumentalidade.
Quando a Organização Mundial de Saúde no final dos anos 70 sugeriu
que as políticas sociais de saúde adotassem procedimentos intersetoriais
de gestão, não imaginava que essa estratégia pudesse assumir significados
muito mais complexos e transitar para e por, um universo muito mais amplo
que aquele que tinha em vista. Em seu sentido restrito o termo nomeava
um simples método para garantir mais eficácia e maior grau de efetividade
às ações e programas nacionais e internacionais de atenção á saúde. O
método consistia basicamente em conferir certa racionalidade a gestão dos
programas, somando recursos e esforços através da articulação das políticas
e ações conjuntas. Desde logo o termo intersetorialidade passou a circular no
plano restrito da gestão e implementação de políticas públicas, especialmente
aquelas destinadas aos pobres.
A leitura continuada do conjunto de artigos aqui reunidos mostra
aos poucos a expansão semântica do termo, e, não mais que de repente
surpreende o leitor quando o faz perceber que ele já entrou em um território
epistemológico inusitado. A elasticidade, digamos assim, da discussão sobre
“intersetorialidade” autoriza a especulação de que talvez se esteja diante de
um movimento de redefinição de um campo próprio para os estudos sobre
a pobreza que pode ser delimitado e recortado através do conceito (em
construção) de intersetorialidade. Parece-me ser este o maior mérito desse
livro se lido com o devido cuidado.

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O movimento de expansão semântica tem sua lógica procedimental
a intersetorialidade na agenda das políticas sociais

que pode ser reconstruída para efeitos didáticos: inicialmente uma simples
prática gerencial (tempo 3), cuja eficácia demandará de imediato que
seja utilizada no momento prévio do planejamento (tempo 2) quando
evidentemente se reconhece sua necessidade em termos de diálogo e
discussão sobre prioridades (tempo1) que deverá logicamente recuar ao
seu tempo zero, ou seja, o tempo em que as finalidades ou fins de uma
determinada política são postos na mesa. É o tempo em que um acordo
sobre os valores se faz necessário. Os supostos vários momentos ou supostas
sucessivas metamorfoses da ideia de intersetorialidade aqui resumidas de
maneira tosca não corresponde de fato á sua elasticidade e aos possíveis
movimentos e direções diversas que as discussões assumem, conforme
variam as abordagens. Apenas ilustram o que mais me impressionou na
leitura. O que os artigos em seu conjunto mostram é que o movimento
de ressignificação semântica do termo intersetorialidade não se limita ao
seu potencial gerencial, digamos assim, mas produz uma nova estrutura de
significados, construída a partir de práticas emancipatórias de intervenção
que possibilitam o exercício de direitos e resultam em sua garantia. Também
por esta razão, penso que não é por acaso que o livro tenha sido organizado
por assistentes sociais.
A pobreza, objeto privilegiado do serviço social é a síntese de todas as
contradições de uma sociedade. É nesse universo que se podem encontrar as
evidências mais perversas da questão social. Nele se chega ao fundo do poço
da desigualdade social. A pobreza em si é a evidência incontestável da injustiça
social. E qual a relação possível entre intersetorialidade e assistência social?
Melhor dizendo, entre pobreza e intersetorialidade? Qualquer profissional
da pobreza sabe dizer. A efetividade de uma política antipobreza exige um
trabalho político social intersetorial em um sentido bastante amplo. Como
se sabe, a pobreza é muita. É a prática da assistência que revela a imposição
de práticas intersetoriais em nome em primeiro lugar da eficiência, da
eficácia e da efetividade. Finalmente, é o trabalho com a pobreza que conduz
a discussões sobre o método que se desdobram na discussão sobre valores.
É a proximidade com a pobreza que leva à consciência pré-cognitiva de
que a efetividade de qualquer política de assistência está em sua capacidade
emancipatória. Essa capacidade, melhor dizendo possibilidade, depende de
“um método” e não de qualquer método de implementação da política, seja
ela de assistência na educação, de assistência na saúde, de assistência quanto
a alimentação, quanto à transferência de renda ou a mais simples política
de atendimento de uma necessidade básica e transitória de uma pessoa

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complexa, como a pessoa humana. É isso que a proximidade prática ou

prefácio: vanda maria costa ribeiro


teórica com a pobreza ensina.
Não quero dizer que qualquer gestor público não tenha pleno
conhecimento de que a intersetorialidade é fundamental para a efetividade
de qualquer política social. O que eu quero dizer é que o empenho desse
grupo de profissionais em inaugurar a “discussão intersetorial” - no sentido
largo e frouxo de reunir artigos que a despeito de seus vários objetos e temas
recorrem à ideia, decorre de uma percepção própria da pobreza que não pode
dispensar a utilização de um método (que seja assim compreendido) cuja maior
força é possibilitar ações baseadas em um conhecimento que transponha as
barreiras que impedem que se chegue às raízes estruturais do problema da
pobreza. Uma política de assistência efetiva tem que partir da compreensão
de que a pobreza como fenômeno social já aponta em si mesma suas causas
estruturais e para os mecanismos que operam e consolidam sua reprodução.
A intersetorialidade seria uma forma de tentar alcançar, paralisar pelo menos,
os mecanismos mais aviltantes e revoltantes de reprodução da pobreza e das
desigualdades. As diversas políticas sociais nada mais são que tentativas de
neutralizar a desigualdade de propriedade que leva à desigualdade de renda que
gera desigualdades nutricionais, educacionais, culturais que vão se somando,
tornando a pobreza um problema cada vez mais complexo. Se por um lado
algumas carências podem ser remediadas, compensadas ou amenizadas, por
outro, os mecanismos estruturais de sua produção continuam operando.
Esse processo exige intervenções que neutralizam as causas estruturais
de reprodução da pobreza. Exige, portanto, intervenções combinadas e
complementares nos vários “setores” ou situações de vida pobre e da pobre
vida. É claro para o serviço social o dilema em que está desde sempre: ou
bem trabalha para que se mude o modo de produção da riqueza ou bem se
mobiliza para que o Estado crie mecanismos de distribuição que impeçam,
que emperrem pelo menos, os mecanismos de reprodução da desigualdade de
distribuição da riqueza.
Como se sabe, existem três formas básicas de redistribuir a riqueza:
transferindo diretamente a propriedade dos ricos para os pobres; tributando
mais pesada e equitativamente os ricos, e finalmente, usando as receitas fiscais
para prover recursos e serviços públicos que beneficiem prioritariamente
os mais pobres. É sob essa última forma que o recurso à intersetorialidade
torna-se estratégico para a possibilidade de uma política de assistência
social emancipatória. De simples meio, ou método, a intersetorialidade se
metamorfoseia em um fim: a reconstrução conceitual da pobreza através de um
tipo específico de intervenção que supõe a efetivação dos direitos sociais. Aviso

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aos navegantes: ninguém terminará a leitura como começou. No menor dos
a intersetorialidade na agenda das políticas sociais

casos sairá mais atento ás exigências intelectuais de capacitação para o exercício


de uma prática transformadora.

Vanda Maria Costa Ribeiro

Professora aposentada da Faculdade de Serviço Social


Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Graduada em Educação
Universidade do Ceará.

Mestre em Ciência Política e Sociologia e


Doutora em Ciência Política
Instituto de Pesquisa do Rio de Janeiro.

Experiência na área de Ciência Política, com ênfase em Teoria Política,


Estado e Governo, Política Social e Instituições Políticas.

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Apresentação

apresentação
O lançamento desta coletânea resulta da identificação da emergência da
temática da intersetorialidade na agenda das políticas públicas, notadamente as
de corte social, vis à vis a escassez de produção bibliográfica sobre a questão.
O cenário contemporâneo, marcado pela complexidade da questão
social, faz da intersetorialidade um tema que desafia, do ponto de vista teórico
e prático, tanto os formuladores e implementadores de políticas sociais quanto
os estudiosos do assunto.
Apesar dos avanços estabelecidos no marco regulatório das políticas
públicas e sociais, é forçoso reconhecer que as ações e programas governamentais
brasileiros ainda apresentam grandes dificuldades para impactar os indicadores
sociais. Tal situação se traduz nas estratégias contemporâneas de expansão
da educação pública de baixa qualidade que mantém intocado o ciclo de
reprodução intergeracional da pobreza, nas novas e perversas modalidades de
relação público-privado no campo da saúde e, notadamente, na centralidade
atribuída aos programas de transferência de renda sem o aporte de uma rede de
proteção social consolidada.
Dentre outras questões, pode-se inferir que este quadro está relacionado
aos descaminhos da Seguridade Social entre nós e, especificamente, à persistência
de acentuada fragmentação das políticas públicas e sociais. Nesta perspectiva,
argumenta-se que a operacionalização das políticas sociais continua presidida
por uma lógica de organização voltada para objetivos e óticas setoriais que
apresenta dificuldade em promover a equidade e a integralidade no atendimento
ao cidadão. Na esteira deste raciocínio, há consenso na literatura nacional de
que para enfrentar a complexidade da questão social e os limites estruturais
da sociedade brasileira é necessária a conformação de uma rede de proteção
social, cujo objetivo de integração encontra-se, em grande medida, dependente
da construção de estratégias de gestão intersetorial.
Nesta direção, observa-se hoje a tendência de disseminação de políticas
e programas sociais que exigem concertação intersetorial entre as diversas
políticas setoriais (governamentais) e a sociedade. Destacam-se aqui as
recentes propostas no campo da saúde coletiva e da assistência social, como
a Estratégia Saúde da Família, o Programa Bolsa Família e a constituição do
Sistema Nacional de Vigilância Nutricional e Alimentar (SISVAN), dentre
outros. Estes são exemplos de como se tem buscado induzir a implementação
de ações intersetoriais a partir da formulação de programas que contenham
em seu desenho a exigência de sinergia e diálogo entre diferentes áreas de

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políticas públicas e sociais.
a intersetorialidade na agenda das políticas sociais

Não obstante, é preciso salientar que o exame da literatura (e


também dos objetivos de promoção da intersetorialidade formalizados
nos documentos oficiais de determinados programas sociais) demonstra
que o debate atual sobre intersetorialidade também se traduz na ausência
de consenso acerca do significado do termo, configurando, assim, certa
polissemia no tratamento da questão.
Sobre este aspecto, Andrade (2006) 1 traz inequívoca contribuição para o
debate ao afirmar que a integração intersetorial desejada passa necessariamente
pela construção criativa de um novo objeto de intervenção comum aos diferentes setores do
Estado que lidam com as questões sociais. Neste caso, o ponto forte da proposta
de intersetorialidade é a possibilidade de se construir uma visão de complexidade
dos problemas tendo como requisito o aporte de diferentes acúmulos setoriais. Trata-
se, pois, de construir objeto e objetivos comuns, o que difere das propostas que se
traduzem na mera sobreposição ou justaposição de ações isoladas e setoriais.
Com efeito, os desafios para o enfrentamento da questão extrapolam a
‘seara’ teórica e adentra com força no âmbito do empírico e das práticas sociais.
Vale dizer que a produção bibliográfica disponível atesta que a implantação
de ações intersetoriais no âmbito das políticas sociais requer enorme esforço
político de negociação de interesses e alcance de consensos políticos, haja vista
o desafio de articular áreas de políticas já organizadas com base em diferentes
saberes e práticas. Sem dúvida, a operacionalização de práticas intersetoriais
se depara com atravessamentos de poderes instituídos nas arenas setoriais já
cristalizados na estrutura do Estado, qualquer que seja a esfera de governo.
Neste sentido, nós, organizadores desta coletânea e professores da
Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ), que vimos tomando esta temática como objeto de pesquisa,
consideramos que a reunião destes artigos contribui para fomentar o debate
sobre Política Social e Intersetorialidade a partir de um tratamento criterioso
da questão, afastando, especialmente, os riscos de entendimentos mistificados
de que a gestão intersetorial é panaceia para todos os males da política social
brasileira no cenário contemporâneo.
A coletânea está estruturada em cinco partes e onze capítulos. A primeira
parte Dimensões e desafios teóricos do debate sobre intersetorialidade,
com dois capítulos, busca contemplar o debate teórico mais abrangente e atual
sobre Política social e intersetorialidade.
Esta parte da coletânea é aberta com a instigante e provocativa

1. ANDRADE, O. A saúde e o dilema da intersetorialidade. São Paulo: Hucitec, 2006.

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reflexão produzida pela autora Potyara Pereira com o capítulo intitulado “A

apresentação
intersetorialidade das políticas sociais na perspectiva dialética”. As
abordagens teóricas e as formas sociais assumidas pela intersetorialidade e a
tendência à setorialização das políticas constitui um plano de análise preliminar
na discussão realizada pela autora. Ultrapassando os aspectos semânticos o texto
afirma a necessidade de problematização da relação entre intersetorialidade e
interdisciplinaridade como chave compreensiva dos processos históricos de
apreensão e enfrentamento das condições de vida e necessidades do cidadão
em sua relação com o Estado, a partir da mediação das políticas sociais. A
indicação deste procedimento analítico é amparada na justificativa de como a
dialética contribui para o estabelecimento de diálogos e integrações no plano
da gestão das políticas sociais que, sem desconsiderar sua construção setorial,
tomam a complexidade dos processos sociais numa perspectiva de totalidade.
Para tanto, problematiza como o debate sobre os diferentes saberes e práticas
que conformam o campo da ciência hoje é tratado por autores que se valem da
teoria social crítica para desvelar os limites das reflexões pós-modernas.
O capítulo “Intersetorialidade e Políticas Sociais: um diálogo com
a literatura atual” tem como perspectiva assinalar os principais pontos do
debate sobre a intersetorialidade presentes na literatura recente sobre políticas
sociais. As autoras, Giselle Lavinas e Rosemary Gonçalves mostram como a
complexidade dos problemas socais, traduzida, sobretudo, na persistência da
pobreza e das iniquidades sociais, traz o imperativo da concertação intersetorial,
que atualmente aparece como diretriz das principais políticas sociais (saúde,
assistência social, educação, política urbana, etc.), e como meio de potencializar
os resultados da ação governamental. Embora a intersetorialidade seja uma
diretriz recorrente no desenho dos principais programas sociais atuais, o
capítulo demonstra que os desafios e entraves do desenvolvimento da gestão
intersetorial estão calcados no peso da tradição fragmentada que caracteriza
as intervenções estatais no campo social no país, nos conflitos e disputas por
recursos financeiros entre as áreas, assim como nas disputas políticos-eleitorais.
Tais entraves têm, notadamente no âmbito local, dificultado a efetivação e a
sustentabilidade das iniciativas intersetoriais.
A segunda parte A intersetorialidade no âmbito do sistema de
proteção social traz três capítulos que abordam a relação política social e
intersetorialidade pela via da análise das políticas nacionais de Assistência Social,
Combate à Pobreza e Segurança Alimentar e Nutricional.
No primeiro capítulo “Política Social, Intersetorialidade e
Desenvolvimento” as autoras Ana Fonseca e Ana Luiza d’Avila Viana
desenvolvem a discussão sobre a intersetorialidade prevista na lógica e
desenho do Plano Brasil Sem Miséria, principal programa social do governo

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Dilma Russeff. A base de análise adotada busca estabelecer relação entre
a intersetorialidade na agenda das políticas sociais

desenvolvimento econômico e social na história recente do país, apontando


avanços, desde o primeiro governo do presidente Lula, no que diz respeito
às ações de combate à pobreza e desigualdade social. O veio principal do
debate aqui proposto inscreve-se na comparação da ideia de intersetorialidade
presente nos desenhos do Programa Bolsa Família e Brasil Sem Miséria. As
autoras enxergam pontos de inflexão entre as concepções, sinalizando que
no âmbito do Programa Bolsa Família se tinha uma intersetorialidade restrita
enquanto no Plano Brasil sem Miséria configura-se a ideia de intersetorialidade
ampliada. Tais diferenças se expressam, especialmente, pela característica de
articulação interinstitucional e intersetorial prevista na gestão do referido Plano
nas diferentes esferas de governo.
Em seguida vem o capítulo “Sistemas de Proteção Social,
Intersetorialidade e Integração de Políticas Sociais”, apresentado por
Maria Carmelita Yazbek, que traz relevante contribuição para a análise do
processo histórico de constituição dos sistemas de proteção social no mundo
ao mesmo tempo em que realiza mediações que problematizam os desafios da
proteção social no Brasil do século XXI. O debate aqui empreendido ressalta
as mudanças e dilemas atuais da política social brasileira, tomando como ponto
central de análise o percurso recente da Política Nacional de Assistência Social
(PNAS) e do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e os desafios de
articulação desta área de política com outras arenas setoriais. No cerne deste
debate, a intersetorialidade emerge como perspectiva de gestão que busca atuar
sobre as consequências do agravamento da pobreza e da desigualdade social no
cenário contemporâneo, assim como fazer frente à persistência da organização
fragmentada de nosso sistema de proteção social.
No capítulo “Um olhar sobre a intersetorialidade a partir da
experiência de construção do campo da Segurança Alimentar e
Nutricional no Brasil” a autora Luciene Burlandy analisa o movimento
político que possibilitou a construção de uma política social integradora que,
desde o início, apontava para a essencialidade do princípio da intersetorialidade.
O SISAN (Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) criado
em 2006 vem organizar as ações na área de segurança alimentar e nutricional,
visando garantir a todos o acesso regular e permanente a alimentos de qualidade
e em quantidade suficiente. A autora discute como o itinerário de formulação
do SISAN foi construído através de processos participativos em que uma gama
diversificada de atores de diferentes áreas e níveis governamentais mediados
por uma dada dinâmica organizacional, política e institucional potencializou a
emergência de uma cultura intersetorial nesta área.
A terceira parte A intersetorialidade na gestão da pobreza e do

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trabalho é composta por dois capítulos. Em “O Lugar da Economia Solidária

apresentação
na Nova Gestão da Pobreza e do Trabalho”, a interface entre a economia
solidária, a nova face da política social e as formas contemporâneas de regulação
do trabalho precarizado e do desemprego são tratadas por Rosângela Nair de
Carvalho Barbosa a partir do exame das práticas laborativas ensejadas a partir
da criação, em 2003, pelo governo federal, da Secretaria Nacional de Economia
Solidária (SENAES) no âmbito Ministério do Trabalho e Emprego. A pesquisa
realizada pela autora mostra como esta área de política pública nasce com a
marca da intersetorialidade e da transversalidade das ações governamentais,
mas, contraditoriamente, o contexto da expansão da economia solidária é o
da flexibilização produtiva, da intensificação das relações de terceirização de
empresas e contratos; da retração dos direitos do trabalho e da seguridade social.
O segundo capítulo, “O Bolsa Família: intersetorialidade –
dimensão central na implementação e nos resultados do Programa”, de
Maria Ozanira da Silva e Silva, analisa a característica intersetorial do Bolsa
Família inscrita e demarcada no desenho das condicionalidades relativas às
áreas de saúde, educação e assistência social. A autora trata a intersetorialidade
como temática que orienta as políticas sociais na atualidade, conformando
desenhos de importantes políticas nacionais como, por exemplo, a PNAS
(Política Nacional de Assistência Social). No âmbito dessa política nacional,
o Programa Bolsa Família se apresenta, em termos de sua formulação, como
um programa social que traz a exigência de condicionalidade ou contrapartida
aliada à intersetorialidade como aspectos estruturantes para o enfrentamento da
pobreza no país. Nesta direção, a autora apresenta a polêmica discussão teórica
em torno das condicionalidades e, apoiado em extensa pesquisa empírica,
examina os desafios práticos que marcam a experiência de treze municípios do
estado do Maranhão no que se refere à implementação de ações intersetoriais no
âmbito do Programa Bolsa Família. Trata-se, portanto, de um estudo que agrega
horizontes de análise relevantes e dimensiona os dilemas de implementação de
um programa com desenho intersetorial.
A quarta parte da coletânea é dedicada às Experiências de
intersetorialidade na saúde. O capítulo “Construindo Rede de Cuidados na
atenção à saúde mental, crack, álcool e outras drogas: Intersetorialidade
e direitos humanos” de Marco José de Oliveira Duarte aborda uma
experiência de intervenção conjunta entre diferentes atores governamentais
e não governamentais, de forma processual, na construção de uma rede
intersetorial de cuidado para com os usuários de saúde mental, crack, álcool
e outras drogas e suas famílias no território de uma comunidade pacificada na
cidade do Rio de Janeiro. Neste contexto, a temática das drogas ainda se coloca
por um lado, na forma da repressão, ou mesmo da interdição/internação ou

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recolhimento compulsório, e de outro, na culpabilização dos usuários com forte
a intersetorialidade na agenda das políticas sociais

componente religioso e moralista. A discussão da experiência mostrou que a


construção de ações intersetoriais não se dá sem conflitos e disputas ideológicas
e políticas, advindas de posições institucionais e visões de mundo diferentes
entre os sujeitos participantes. Contudo, a explicitação e o manejo coletivo de
tais diferenças são salutares para a pactuação de ações resolutivas na direção do
incremento da qualidade de vida e inserção social dos usuários atendidos.
Ainda sobre esta temática, Guilherme Almeida e Márcia Cristina Brasil
Santos apresentam o capítulo “Intersetorialidade na efetivação do processo
transexualizador do SUS: uma indispensável utopia” discutindo a questão
da transexualização, compreendida como o processo que envolve um conjunto
de alterações corporais, sociais e identitárias. Tais alterações possibilitam a
passagem do gênero atribuído para o gênero identificado a pessoas que não
se reconhecem com seu gênero biológico anatômico, onde a cirurgia de
transgenitalização é uma das etapas do processo (mas não a única), sendo esta
cirurgia hoje garantida pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Os autores examinam
este processo mostrando como este público específico está submetido a uma
realidade marcada por várias interdições e pela violação de alguns dos direitos
humanos mais elementares. E que intervenções eficazes para o cumprimento
dos direitos legalmente estabelecidos deste grupo implicam necessariamente
na adoção de iniciativas públicas articuladas e integradas entre os sistemas de
saúde, educação, assistência social, previdência social, segurança pública e o
Poder Judiciário, conformando uma ampla e complexa teia de ações.
A quinta parte desta coletânea, Os percursos intersetoriais a partir
da educação pública, traz duas reflexões sobre o tema da intersetorialidade a
partir da política pública de educação. No primeiro capítulo “Descentralização
e intersetorialidade: desafios para a consolidação da política pública
de educação” Ney Luiz Teixeira de Almeida aborda as principais tendências
presentes hoje na relação da política de educação com as demais políticas públicas:
aquela que se forja a partir da ação indutora do governo federal, sobretudo via
programas sociais, e a que se estrutura a partir da dinâmica local, situando a
cidade como território político dinâmico e contraditório de gestão da relação do
Estado com o cidadão. O percurso empreendido pelo autor tem como ponto
de partida a discussão sobre o significado das políticas sociais e da educação
numa sociedade de classes, procedimento apontado como necessário para a
compreensão de como os processos de descentralização da ação governamental
se particularizam da área de educação e sustentam parte das estratégias
intersetoriais. Realiza este percurso destacando o diálogo produzido na literatura
sobre o tema acerca da relação entre descentralização e intersetorialidade e as
particularidades da dinâmica da política de educação na atualidade.

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O capítulo “Cidades e cidadanias em devir: caminhos da Escola

apresentação
Cidadã ao Bairro-Escola em Nova Iguaçu” de Célia Linhares e Maria
Cristina Leal fecha a coletânea abordando uma experiência concreta de
intersetorialidade da qual as duas autoras participaram. Para além de um relato
de experiência, sempre bem acolhido em tempos de negação e/ou ocultação da
condição de sujeito dos educadores e intelectuais, o capítulo revela os caminhos
de construção que os movimentos na educação percorrem nas dobraduras
do tempo e do espaço contemporâneo que conformam a gestão pública nas
cidades. A relação entre a cidade, a cidadania e a construção de uma escola
cidadã é tratada histórica e conceitualmente apontando para as possibilidades
de emergência e desenvolvimento de experiências intersetoriais a partir
de processos que tendem a considerar a educação e a escola em suas várias
mediações com a dinâmica social. Destaca, sobretudo, mas não exclusivamente
o significado que a cidade adquire como território singular de desenvolvimento
de projetos educacionais que se articulam com as demais políticas sociais via
Estado, mas também envolvendo a sociedade civil.
Pretende-se que esta coletânea proporcione aos leitores um panorama
nacional sobre um dos principais temas que atravessam a discussão sobre a
política social na atualidade, qual seja: a intersetorialidade como uma das
estratégias possíveis de potencialização de ações integradas no campo social.

Boa leitura!
Os organizadores

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a intersetorialidade
NA AGENDA DAS POLÍTICAS SOCIAIS

Não se constrói uma reflexão sobre temas urgentes e instigantes sem um


esforço coletivo. Esta é a principal tarefa deste livro: apresentar reflexões que advindas
de experiências acadêmicas, profissionais e campos disciplinares distintos forneça um
panorama dos desafios teóricos e políticos que a temática da intersetorialidade encerra
no trato das políticas sociais. O leque que se abre com essas produções talvez não
forneça de imediato a amplitude que o termo vem adquirindo no âmbito das disputas por
feições mais públicas, universais e democráticas das políticas sociais. Mas aponta algumas
direções importantes, ancoradas no movimento contraditório da própria realidade.
Trata-se de uma publicação cujo ponto de partida entrelaça as trajetórias de
intelectuais empenhados na produção de uma reflexão crítica, plural e aberta ao diálogo.
E que tem como horizonte contribuir para a problematização acerca das condições
institucionais de ampliação e consolidação dos direitos sociais e humanos pela via das
políticas sociais.

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