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PRINCÍPIOS JURÍDICOS DO DIREITO AMBIENTAL.

ENVIRONMENTAL LAW PRINCIPLES

Luis Cláudio Martins de Araújo


Advogado da União
Professor de Direito Ambiental
Pós-graduando em International Environmental Law pela Organização das
Nações Unidas (United Nations Institute for Training and Research)
Pós-graduado em Processo Constitucional pela Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ). Bacharel em Direito - PUC-RJ

RESUMO: Não é possível analisar um sistema normativo


sem que antes descortinemos o conteúdo, as características
e o conceito dos Princípios que o compõem, notadamente em
razão da sua singularidade ímpar e importância superior para
a conformação harmônica do ordenamento jurídico.
Desta forma, a detalhada análise dos Princípios Jurídicos,
especificadamente os de Direito Ambiental, é de nodal
importância para que entendamos o próprio sistema jurídico
ambiental e o seu reconhecimento como categoria normativa
própria.
Neste sentido, necessário compreender o papel que os
Princípios Jurídicos conferem à coerência e a unidade que
uma rede normativa lógica e racional necessita,
particularmente no sistema jurídico ambiental do novo
milênio.
Passemos assim à análise do tema, pontuando os tópicos que
entendemos ocupar posição de destaque na matéria.
ABSTRACT: The analysis of the Law Principles concept,
content and features is crucial for a normative system
comprehension.
The understanding of the Environmental Law Principles is
also essential for the environmental legal system itself and
for the recognition as a normative category.
Consequently, the knowledge of the central position of the
Law Principles is mandatory to the coherence and unity of a
legal network, especially in the environmental legal system
of the new millennium.
This article seeks bring up to discussion the topics that we
consider as the most important in the Environmental Law
Principles study.
PALAVRAS-CHAVE: Princípios Jurídicos. Desenvolvimento.
Princípios Jurídicos do Direito Ambiental. Características.
Espécies.
KEYWORDS: Law Principles. Development. Environmental
Law Principles. Features. Species.

SUMÁRIO: 1 Princípios Jurídicos. Breves


apontamentos; 2 Princípios Jurídicos do Direito
Ambiental. Características; 2.1 Princípio da
Precaução; 2.2 Princípio da Prevenção; 2.3
Princípio da Responsabilidade; 2.4 Princípio do
Poluidor-Pagador; 2.5 Princípio do Usuário-
Pagador; 2.6 Princípio do Desenvolvimento
Sustentável; 2.7 Princípio da Participação
Democrática ou da Participação Comunitária;
2.8 Princípio da Ubiqüidade; 2.9 Princípio da
Solidariedade; 2.10 Princípio da Vedação da
Proteção Deficiente; 2.11 Princípio da Equidade
na Participação Intergeracional; 2.12 Princípio
do Respeito à Identidade Cultural e Interesses
das Comunidades Tradicionais e Grupos
Formadores da Sociedade; 3 Conclusão.

1 PRINCÍPIOS JURÍDICOS. BREVES APONTAMENTOS

Antes de adentrarmos na análise dos Princípios


Jurídicos do Direito Ambiental se faz conveniente trazer

2
alguns breves apontamentos acerca dos Princípios Jurídicos
em si, de forma a permitir que entendamos o atual estágio
em que se encontram e seu papel no ordenamento jurídico.
Assim sendo, cabe ressaltar que a doutrina costuma
apontar que os Princípios Jurídicos passaram por três fases
ou ciclos distintos: o jusnaturalista, o positivista e o pós-
positivista1.
Em cada uma destas fases ou ciclos, a compreensão
dos Princípios partia de pressupostos diversos, em vista da
realidade social vigente, que levavam a permanente
transformação do seu objeto de análise.
Ou seja, decantados da experiência social, a visão dos
Princípios se regenera a partir de si mesma, se
desenvolvendo e revelando todo o seu conteúdo significativo
à luz da experiência jurídica.
De toda sorte, pode-se afirmar que na fase
jusnaturalista, os Princípios não passavam de valores
identificados com postulados de justiça, sendo exortações
morais em busca de um direito ideal ou um conjunto de
verdades objetivas derivadas da lei divina e humana, razão
pela qual não lhes era atribuída qualquer normatividade,
havendo, portanto, um sentimento de que deveriam ser
confrontados com ideais superiores e naturais2.
Na verdade, o não reconhecimento dos Princípios como
norma jurídica até então se dava por força de sua suposta
natureza transcendente ou de seu conteúdo e vagueza, pelo

1
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios
jurídicos. 2. ed. São Paulo: Malheiros.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 8ª edição. São Paulo, Malheiros.


2
BARROSO, Luis Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas:
limites e possibilidades da constituição brasileira. 5. ed. Rio de Janeiro, Renovar.

CANOTILHO, J.J. Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra,


Livraria Almedina, 1994.

3
que, acrescentando-se o fato de não lhes ser atribuída
imperatividade, eram os Princípios qualificados como meras
exortações, preceitos de ordem moral ou política, mas não
verdadeiros comandos de Direito.
Em seguida, já na fase juspositivista, os Princípios
assumiram um papel secundário, passando a integrar os
grandes códigos como fonte normativa subsidiária, ou, como
válvula de segurança que garante o reinado absoluto da lei.
Desse modo, os Princípios seriam extraídos do próprio direito
positivo para impedir o vazio normativo, sendo vistos como
meras pautas programáticas supralegais destituídos de força
normativa, analisados apenas como elementos de
colmatação de lacunas do sistema jurídico3.
Todavia, esses parâmetros se ampliaram e se
enriqueceram no tempo, adquirindo novas possibilidades sem
que esse processo jamais se interrompesse. Assim,
recentemente, os teóricos verificaram que o antigo sistema
do positivismo jurídico já não atendia aos anseios do mundo
moderno, com a complexidade social, os conflitos de
interesse e o pluralismo de idéias.
Destruiu-se assim, antigas posturas arraigadas em
concepções positivistas ou formalistas de todo gênero,
passando-se a reconhecer uma atuação normativa do mais
alto peso aos Princípios, podendo, assim como as regras
positivamente estabelecidas, impor uma obrigação legal,
superando antigas tradições em nome da concretização dos
Princípios.
Surge assim o pós-positivismo, propugnando uma
mudança no pensamento jurídico até dominante, defendendo
a idéias de que o positivismo jurídico não atende aos
reclamos de um direito justo.

3
CANOTILHO, J.J. Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra,
Livraria Almedina, 1994.

4
Os Princípios ascendem assim ao status de norma
jurídica, suplantando a crença de que teriam uma dimensão
puramente axiológica, ética, sem eficácia jurídica ou
aplicabilidade direta e imediata, superando a antiga postura
que conferia aos Princípios a mera posição subsidiária em
face dos atos de integração da ordem jurídica.
Desta forma, pode-se afirmar que diante desta
realidade pós-positivista, os Princípios estabelecem efeitos
jurídicos, obrigando a adoção de condutas conformadas aos
seus ditames, superando a concepção formalista de não
reconhecimento normativo.
Na verdade, diante da concepção pós-positivista, os
Princípios estruturam o próprio sistema jurídico, orientando o
comportamento de criação de normas e condutas4.

Conclui-se, portanto, nessa ordem de idéias, que os


Princípios são normas jurídicas impositivas que traduzem os
valores ou os conceitos básicos materiais da sociedade,
superada a concepção que via nos Princípios simples
diretivas teóricas.

2 PRINCÍPIOS AMBIENTAIS. CARACTERÍSTICAS

Feita esta brevíssima análise acerca dos Princípios


Jurídicos e suas características, passemos ao estudo dos
Princípios Ambientais.

4
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios
jurídicos. 2. ed. São Paulo: Malheiros.

BARROSO, Luis Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas:


limites e possibilidades da constituição brasileira. 5. ed. Rio de Janeiro, Renovar.

5
O Direito Ambiental, nascido do inquestionável direito
de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
essencial à sadia qualidade de vida, está em permanente
progresso, acompanhando o metabolismo social vigente em
determinado período da civilização.
A dialética entre a natureza e a realidade social é uma
unidade constantemente oxigenada, que, longe de ser
estanque, permanece em constante modificação.
Esta continuidade evolutiva traz como reflexo direto a
permanente criação de novos Princípios do Direito Ambiental,
o que gera uma carga de dificuldade de elencar um rol
fechado de Princípios Ambientais.
Tal característica, é interessante pontuar, se espraia
para a construção teórica da doutrina ambientalista, que
acaba por não se debruçar de maneira uniforme no estudo
dos Princípios Ambientais, bem como na nomenclatura e
subdivisões a serem adotadas no seu objeto de análise5.
De toda sorte, a busca de uma definição de um rol
possível de Princípios Ambientais sempre se faz conveniente
e necessária para uma melhor delimitação do espectro
analítico a ser abordado.
Assim, a par da previsível dificuldade, tentará se
desenvolver o tema dos Princípios do Direito Ambiental
pautado nas principais construções jurídicas ambientais
firmadas na esfera internacional (tratados, convenções e
acordos internacionais de Direito Ambiental), bem como em
instrumentos normativo-ambientais pátrios.
Desse modo, irá se enfocar, em linhas muito gerais, os
Princípios Ambientais que entendemos mais relevantes para

5
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 4.ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2000.

MACHADO, Paulo Affonso de Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 10. ed. S. Paulo:
Malheiros, 2002.

6
estimular discussões críticas sobre a matéria, permitindo
tornar o conhecimento do tema mais voltado para realidade
prática.

2.1 PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO

Iniciemos o estudo dos Princípios Ambientais pelo


Princípio da Precaução por força de sua relevância na pauta
do Direito Ambiental moderno.
Em linhas gerais pode-se afirmar que o Princípio da
Precaução deve ser lido como In dúbio pro natura ou In
dúbio pro ambiente.
Ou seja, se diante da tecnologia disponível pelo órgão
técnico-ambiental em um determinado momento da história
não conseguir se antevir os danos ambientais que
determinada atividade ou empreendimento poderão originar,
deve-se dar prevalência ao meio ambiente, não permitindo
que a atividade ou empreendimento venham a se
desenvolver até que se disponha de elementos suficientes
para aferir as conseqüências que poderão ser geradas.
No âmbito do Direito Ambiental Internacional,
encontramos o Princípio da Precaução, exemplificativamente,
no Princípio 15 da Declaração do Rio- Eco 92, ao dispor que
os Estados deverão aplicar o critério de precaução
Quando houver perigo de dano grave ou
irreversível, a falta de certeza científica
absoluta não deverá ser utilizada como
razão para se adiar a adoção de medidas
eficazes em função dos custos para impedir
a degradação do meio ambiente.
Cabe ainda pontuar que, por conseqüência do Princípio
da Precaução, deriva o Principio da Prevalência da Norma
Mais Benéfica ao Meio Ambiente, ou seja, diante de várias
normas, mesmo que provenientes de diferentes fontes,

7
aplica-se sempre a que for mais favorável. É o que se extrai,
por exemplo, do próprio art. 5°, §2° Lei 7661/88, que ao
tratar do Zoneamento Costeiro, dispõe que no conflito entre
as normas do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro e
dos Planos Estaduais ou Municipais de Gerenciamento
Costeiro, prevalecerá a norma mais restritiva.

2.2 PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO

Também de enorme relevância para o estudo do Direito


Ambiental, o Princípio da Prevenção exige que o órgão
técnico-ambiental ao permitir a atividade ou
empreendimento nocivo ao meio ambiente, deva se valer de
medidas tendentes a evitar ou reparar o dano ambiental.
Em outras palavras, inicialmente o órgão técnico-
ambiental deverá buscar mecanismos para evitar o dano
ambiental gerado pela atividade ou empreendimento,
buscando soluções alternativas que não venham a lesar o
ecossistema.
Todavia, se não for possível evitar que o dano
ambiental causado pela atividade ou empreendimento
desenvolvido venha a ocorrer, deve-se ao menos buscar
formas de reparação da lesão ambiental por meio de
medidas compensatórias.
Observa-se o Princípio da Prevenção no ordenamento
jurídico nacional, dentre outros dispositivos, da leitura do art.
225 § 2º, da Carta maior de 1988 e art. 4º, VI, lei 6938/81,
ao dispor que a Política Nacional do Meio Ambiente visará à
preservação e restauração dos recursos ambientais com
vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente,
concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico
propício à vida.

8
2.3 PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE

O Princípio da Responsabilidade é nodal para todo o


tênue equilíbrio do sistema jurídico-ambiental, determinando
que aquele que causa o dano ambiental deve responder nas
esferas penal, civil e administrativa.
Naturalmente, por força das próprias regras gerais do
direito, o autor poderá responder em qualquer uma ou
mesmo nas três esferas, visto que os campos penal, civil e
administrativa não se comunicam (exceto na hipótese de se
provar a inexistência do fato ou da autoria na esfera penal,
quando então se afastará a responsabilidade civil e
administrativa- art. 66 e 67 do Código de Processo Penal e
935 do Código Civil Brasileiro de 2002).
É exatamente por força do Princípio da
Responsabilidade que o art. 225 § 3º, da Carta Maior de
1988 dispõe que as condutas e atividades consideradas
lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas
físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos
causados.
Por outro lado, também pelo Princípio da
Responsabilidade, o art. 4º, VII, 1ª parte lei 6938/81 traz a
imposição ao poluidor da obrigação de indenizar os danos
causados. Lembra-se que o poluidor é a pessoa física ou
jurídica, de direito público ou privado, responsável direta ou
indiretamente por atividade causadora de degradação
ambiental (art. 3º, IV, lei 6938/81). Por sua vez, a poluição é
a degradação da qualidade ambiental resultante de
atividades que direta ou indiretamente prejudiquem a saúde,
a segurança e o bem-estar da população; criem condições
adversas às atividades sociais e econômicas; afetem
desfavoravelmente a biota; afetem as condições estéticas ou

9
sanitárias do meio ambiente; ou lancem matérias ou energia
em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos (art.
3º, III, lei 6938/81). Já a degradação da qualidade ambiental
é a alteração adversa das características do meio ambiente
(art. 3º, II lei 6938/81)67.
Por fim, deve ser lembrado que a Declaração do Rio
(Eco 92) traz a exigência de que os Estados devam
desenvolver as legislações nacionais relativa à
responsabilidade e à indenização referente às vitimas de
danos ambientais, em clara referência ao Princípio da
Responsabilidade.

2.4 PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR

O Princípio do Poluidor-Pagador possui sua origem na


Recomendação C (72) 128 do Conselho da Organização de
Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE) de 26 de
maio de 1972 que prega o uso racional dos recursos
ambientais.
Na verdade, o Princípio do Poluidor-Pagador não é uma
autorização para poluir contanto que se pague pelo dano
gerado pela atividade nociva ao meio ambiente.
A melhor interpretação que deve ser dada ao Princípio
do Poluidor-Pagador se liga ao denominado “Custo
Ambiental”, assim entendido todos os valores despendidos
por força das obrigações impostas pelas normas ambientais
no controle e prevenção da poluição.

6
O Superior Tribunal de Justiça no REsp 647.493-SC, entendeu que a União pode
responder pelos danos ambientais, inclusive pela omissão no dever de fiscalizar.
7
O Superior Tribunal de Justiça no REsp 222.349-PR, entendeu inclusive que o novo
proprietário pode ser considerado parte legítima para responder ação por dano
ambiental, independente da existência ou não de culpa.

10
Desta forma, seguindo a lógica do Princípio do Poluidor-
Pagador, o empreendedor deve internalizar todos os “Custos
Ambientais” gerados por sua atividade, onde se inclui
naturalmente os custos gerados pela poluição que
eventualmente venha a causar.
Em nenhuma hipótese, ressalta-se, o empreendedor
deve deslocar o “Custo Ambiental” para o consumidor por
meio do repasse dos valores ambientais para o custo dos
produtos.
Lembra-se ainda que no direito pátrio, o Princípio do
Poluidor-Pagador se faz presente no art. 4º, VII, Lei
6938/81, que ao tratar dos objetivos da Política Nacional do
Meio Ambiente, traz a imposição ao poluidor da obrigação de
recuperar e/ou indenizar os danos causados.
Encontramos também o Princípio do Poluidor-Pagador
no âmbito do Direito Ambiental Internacional,
exemplificativamente, no Princípio 16 da Declaração do Rio-
Eco 92, ao dispor que “as autoridades nacionais devem
fomentar a internalização dos custos ambientais e o uso de
instrumentos econômicos, tendo em conta que o poluidor
deve arcar com os custos da contaminação”.
Da mesma forma, na esfera internacional, o Protocolo
de Kyoto é um exemplo do Princípio do Poluidor-Pagador, na
medida em que gera a obrigação dos Estados-Parte de arcar
com os custos da redução de emissões de gases poluentes.

2.5 PRINCÍPIO DO USUÁRIO-PAGADOR

O meio ambiente, como sabido, não está na titularidade


de qualquer pessoa, seja física, seja jurídica, de direito
público ou de direito privado.
O meio ambiente é bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida. É bem difuso

11
transindividual de natureza indivisível, cujos titulares são
pessoas indeterminadas ligadas por circunstâncias de fato.
Portanto, a lógica do Princípio do Usuário-Pagador
demanda que se alguém se aproveita dos recursos
ambientais deve suportar isoladamente os custos pela sua
utilização.
Logo, não deve se falar em terceiros tolerando os
custos daqueles que se beneficiaram pelo emprego dos bens
ecológicos.
Assim, observa-se claramente a incidência do Princípio
do Usuário-Pagador no art. 4º, VII, in fine, Lei 6938/81, que
ao tratar dos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente
traz a imposição ao usuário da contribuição pela utilização de
recursos ambientais.
Também é emblemática da incidência do Princípio do
Usuário-Pagador a Lei da Política Nacional de Recursos
Hídricos (Lei 9433/97), ao trazer dentre seus instrumentos a
cobrança pelo uso de recursos hídricos (art. 5º, IV Lei
9433/97). Pela Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH)
a água passa a ser um bem de domínio público (art. 1º, I Lei
9433/97), inalienável (art. 18, Lei 9433/97), limitado e
dotado de valor econômico (art. 1º, II Lei 9433/97). Assim,
por decorrência destas características, em especial do
reconhecimento da água como bem econômico, há a
possibilidade de cobrança pelo uso de recursos hídricos (arts.
19 e s. Lei 9433/97), incentivando, dentre outros objetivos, a
racionalização do seu uso.
O art. 36 da Lei 9985/2000- a Lei do SNUC- ao tratar
da compensação ambiental, também deve ser lembrado
quando se analisa o Princípio do Usuário-Pagador. Ocorre nos
casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de
significativo impacto ambiental. Assim, o empreendedor é
obrigado a apoiar, com, no mínimo, meio por cento dos
custos totais do empreendimento, a implantação e

12
manutenção de unidade de conservação de Proteção
Integral. É tratado também pelos art 31 a 34 do Decreto
4340/2002 e regulamentado pela Resolução CONAMA
371/20068.

2.6 PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

O Princípio do Desenvolvimento Sustentável também é


basilar para compreensão do Direito Ambiental hodierno,
devendo-se por força de sua realização, compatibilizar o
desenvolvimento econômico com a preservação do meio
ambiente.
Em âmbito doméstico, observa-se sua clara diretriz,
exemplificativamente, no art. 170, VI, da Carta magna de
1988, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº
42, de 19.12.2003, ao dispor que a ordem econômica tem
por fim a defesa do meio ambiente mediante tratamento
diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e
serviços e de seus processos de elaboração e prestação.
Da mesma forma, dentre os objetivos da Política
Nacional do Meio Ambiente (art. 4º, I, lei 6938/81), há a
exigência da compatibilização entre o desenvolvimento
econômico-social com a preservação da qualidade do meio
ambiente e do equilíbrio ecológico.

8
O STF na ADI 3378 entendeu inconstitucional as expressões “não pode ser inferior a
meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento”
e “o percentual”, constantes no art. 36, da Lei 9.985/2000. Haveria
empreendimentos que não causam impacto ambiental. Dessa forma, o órgão
ambiental competente é que fixaria o montante compatível e proporcional ao grau
de impacto ambiental do empreendimento analisado. Considerou-se, entretanto, que
a compensação ambiental não violaria o princípio da legalidade, já que a própria lei
impugnada previu o modo de financiar os gastos da espécie, nem ofenderia o
princípio da harmonia e independência dos Poderes, visto que não houve delegação
do Poder Legislativo ao Executivo da tarefa de criar obrigações e deveres aos
administrados.

13
A sociedade internacional também se preocupou com
Princípio do Desenvolvimento Sustentável, como se observa
em inúmeros instrumentos de Direito Ambiental
Internacional, tais como a Convenção de Estocolmo de 1972
e o Relatório Nosso Futuro Comum da Comissão Mundial de
Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1987 (Relatório
Brundtland).
Os Princípios 1 e 4 da Declaração do Rio de Janeiro de
1992 (ECO-92), da mesma forma, busca o Desenvolvimento
Sustentável ao disporem que:
os seres humanos constituem o centro das
preocupações relacionadas com o
desenvolvimento sustentável, tendo direito
a uma vida saudável e produtiva em
harmonia com a Natureza.
A fim de alcançar o desenvolvimento
sustentável, a proteção do meio ambiente
deverá constituir parte integrante do
processo de desenvolvimento e não poderá
considerar-se de forma isolada.

2.7 PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA OU


DA PARTICIPAÇÃO COMUNITÁRIA

O Princípio da Participação Democrática ou da


Participação Comunitária se liga à democracia direta ou
participativa, ao rezar que o melhor modo de tratar as
questões ambientais é com a participação de todos os
cidadãos interessados9.
Assim, no plano nacional, toda pessoa deverá ter
acesso às informações de que dispõem as autoridades
públicas sobre o meio ambiente, incluída a informação sobre
os materiais e as atividades que oferecem perigo a suas

9
Princípio 10 da Eco 92

14
comunidades, assim como a oportunidade de participar dos
processos de tomada de decisões.
Os Estados também deverão facilitar e fomentar a
sensibilização e a participação do público, devendo ainda ser
proporcionado acesso efetivo aos procedimentos judiciais e
administrativos.
Por outro lado, também é dever não só do Poder
Público, mas também da coletividade defender o meio
ambiente e preservá-lo para as presentes e futuras gerações
(art. 225, caput, da Carta maior de 1988).

Da mesma forma, a legislação referente ao Acesso


Público à Informação Ambiental (Lei 10650/2003 e 9º, VII e
XI Lei 6938/81) e à Educação Ambiental (art. 225, § 1º, VI,
da Carta maior de 1988; Lei 9795/99 e art. 2º, X, Lei
6938/81) traduzem desdobramentos do Princípio da
Participação Democrática ou da Participação Comunitária.

2.8 PRINCÍPIO DA UBIQÜIDADE

O dano ambiental pelas suas próprias características


não encontra fronteiras. Assim, como se dessume pela
lógica, os incidentes ambientais ocorridos em determinada
localidade, geram prejuízos aos ecossistemas por todo o
globo.
Assim, esta preocupação transfronteiriça exige a
notificação imediata sobre os desastres naturais ocorridos em
determinado Estado que possam produzir efeitos nocivos ao
meio ambiente de outros Estados.

Desta forma, os Estados devem cooperar efetivamente


para desestimular ou evitar o deslocamento e a transferência

15
a outros Estados de quaisquer atividades e substâncias que
causem degradação ambiental grave ou se considerem
nocivas à saúde humana.
Por outro lado, os Estados onde ocorrerem os danos
ambientais deverão proporcionar as informações pertinentes
e notificar previamente e de forma oportuna os Estados que
possam se ver afetados por atividades passíveis de ter
consideráveis efeitos ambientais nocivos.
E, por fim, por força do Princípio da Ubiqüidade, a
comunidade internacional deverá fazer todo o possível para
ajudar os Estados que sejam afetados.

2.9 PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE

Pelo Princípio da Solidariedade, todos aqueles que


praticarem condutas ou atividades consideradas lesivas ao
meio ambiente responderão solidariamente pelo dano
ambiental (art. 225, § 3º, da Carta maior de 1988 e art. 4º,
VII, 1ª parte lei 6938/81).
Assim, há a obrigação de todos os causadores do dano
ambiental de reconstituir o meio ambiente degradado de
forma solidária, pelos danos diretos ou indiretos,
independente da existência ou não de culpa.
Por outro viés, os Estados deverão cooperar na
elaboração de novas leis internacionais sobre
responsabilidade e indenização pelos efeitos adversos dos
danos ambientais.
Além do que, os Estados deverão cooperar com o
espírito de solidariedade mundial para conservar, proteger e
restabelecer a saúde e a integridade do ecossistema global.
Ainda assim, em conseqüência, os Estados deverão
respeitar o Direito Ambiental Internacional, proporcionando
proteção ao meio ambiente e cooperando para seu

16
melhoramento, devendo, na medida do possível, tratar os
problemas ambientais mundiais com base no consenso
internacional.

2.10 PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DA PROTEÇÃO


DEFICIENTE

Há um dever fundamental por parte do Poder Público e


da coletividade na proteção ao meio ambiente.
Desta forma, a proteção ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, direito fundamental de terceira
dimensão, não pode ser insuficiente, cabendo aos Estados
promulgar leis eficazes de proteção aos ecossistemas.
Assim, pelo Princípio da Vedação da Proteção
Deficiente, os objetivos e prioridades em matérias de
regulamentação do meio ambiente devem refletir o contexto
ambiental e de desenvolvimento às quais se aplicam,
vedando a criação de normas ambientais inadequadas.

2.11. PRINCÍPIO DA EQUIDADE NA PARTICIPAÇÃO


INTERGERACIONAL.

O Princípio da Equidade na Participação Intergeracional


se direciona ao futuro, impondo ao Poder Público e à
coletividade o dever de defender e preservar o meio
ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e
futuras gerações (art. 225, caput, da Carta maior de 1988 e
Princípio 3 da Eco 92).
Assim, o direito ao desenvolvimento deve ser exercido
de forma tal que responda eqüitativamente às necessidades
de desenvolvimento e ambientais das gerações atuais e
vindouras.

17
2.12 PRINCÍPIO DO RESPEITO À IDENTIDADE
CULTURAL E INTERESSES DAS COMUNIDADES
TRADICIONAIS E GRUPOS FORMADORES DA
SOCIEDADE

O Princípio do Respeito à Identidade Cultural e


Interesses das Comunidades Tradicionais e Grupos
Formadores da Sociedade está previsto,
exemplificativamente, no Princípio 22 da Declaração do Rio
de Janeiro de 1992 (ECO-92) e art. 216 da Carta Maior de
1988.
Possui direta relação com o Meio Ambiente Cultural,
exigindo a garantia da preservação do patrimônio cultural
brasileiro, portador de referência à identidade, à ação, e à
memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira.
O Princípio do Respeito à Identidade Cultural e
Interesses das Comunidades Tradicionais e Grupos
Formadores da Sociedade prega que os povos indígenas e
suas comunidades, assim como outras comunidades locais,
desempenham um papel fundamental na ordenação do meio
ambiente e no desenvolvimento por força de seus
conhecimentos e práticas tradicionais.
Assim, os Estados devem reconhecer e prestar o apoio
devido à identidade, cultura e interesses das comunidades
tradicionais e grupos formadores da sociedade e velar para
que participem efetivamente no desenvolvimento
sustentável.

3 CONCLUSÃO

Ao se analisar os Princípios de Direito Ambiental,


observa-se que o respeito aos ecossistemas e à qualidade
ambiental, perpassa por um pacto global firmado pelos

18
Estados e pela coletividade na preservação e no
melhoramento da vida natural e humana.
Assim, a proteção da dignidade da vida humana no
Planeta Terra não poderá ser garantida sem atenção aos
Princípios de Direito Ambiental desenvolvidos no permanente
debate da comunidade internacional e doméstica.
Além do que, mais que meras exortações morais, os
Princípios de Direito Ambiental são normas jurídicas
imperativas, dotadas de eficácia jurídica, e cujo conteúdo
deve ser obedecido em âmbito local, regional e internacional.
Conclui-se assim, que os Princípios Ambientais formam
os pilares do próprio sistema jurídico ambiental, exortando
toda coletividade neste pacto interplanetário ao cumprimento
de suas diretivas de proteção ao meio ambiente.

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 4.ed. Rio de Janeiro:


Lumen Juris, 2000.

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