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PEDAGOGIAS
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naAMAZÔNIA
DECOLONIAIS
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
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João Colares da Mota Neto
Raimunda Kelly Silva Gomes
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Vitor Sousa Cunha Nery
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Waldir Ferreira de Abreu
Waldma Maíra Menezes de Oliveira
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(Organizadores)
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Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
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PEDAGOGIAS DECOLONIAIS
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NA AMAZÔNIA: fundamentos,
pesquisas e práticas
par
Ed
ãos
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Editora CRV
Curitiba – Brasil
2020
Copyright © da Editora CRV Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura
Diagramação e Capa: Diagramadores e Designers CRV
Revisão Ortográfica: Heloiza de Oliveira Benjamin
Revisão: Analista de Escrita e Artes CRV
or
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
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CATALOGAÇÃO NA FONTE
aut
Bibliotecária responsável: Luzenira Alves dos Santos CRB9/1506
R
P371
o
S. de Lima, Alder de S. Dias, Ana D’Arc M. de Azevedo, Cristiane do S. dos S. Nery, João C. da
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Mota Neto, Raimunda Kelly S. Gomes, Vitor S.C. Nery, Waldir F. de Abreu, Waldma Maíra M. de
Oliveira (organizadores) – Curitiba : CRV, 2020.
370 p.
S. org. V. Mota Neto, João C. da. org. VI. Gomes, Raimunda Kelly S. org. VII. Nery, Vitor S.C.
org. VIII. Abreu, Waldir F. de. org. IX. Oliveira, Waldma Maíra M. de. org. X. Título XI. Série.
2020
Foi feito o depósito legal conf. Lei 10.994 de 14/12/2004
Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora CRV
Todos os direitos desta edição reservados pela: Editora CRV
Tel.: (41) 3039-6418 - E-mail: sac@editoracrv.com.br
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Andréia da Silva Quintanilha Sousa (UNIR/UFRN) Ana Chrystina Venancio Mignot (UERJ)
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Antônio Pereira Gaio Júnior (UFRRJ) Anna Augusta Sampaio de Oliveira (UNESP)
or
Carlos Alberto Vilar Estêvão (UMINHO – PT) Barbara Coelho Neves (UFBA)
Carlos Federico Dominguez Avila (Unieuro) Cesar Gerónimo Tello (Universidad Nacional
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Carmen Tereza Velanga (UNIR) de Três de Febrero – Argentina)
aut
Celso Conti (UFSCar) Diosnel Centurion (Univ Americ. de Asunción – Py)
Cesar Gerónimo Tello (Univer .Nacional Eliane Rose Maio (UEM)
Três de Febrero – Argentina) Elizeu Clementino de Souza (UNEB)
R
Eduardo Fernandes Barbosa (UFMG) Fauston Negreiros (UFPI)
Elione Maria Nogueira Diogenes (UFAL) Francisco Ari de Andrade (UFC)
Elizeu Clementino de Souza (UNEB) Gláucia Maria dos Santos Jorge (UFOP)
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Élsio José Corá (UFFS) Helder Buenos Aires de Carvalho (UFPI)
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Fernando Antônio Gonçalves Alcoforado (IPB) Ilma Passos A. Veiga (UNICEUB)
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Gloria Fariñas León (Universidade de La Havana – Cuba) José de Ribamar Sousa Pereira (UCB)
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Guillermo Arias Beatón (Universidade de La Havana – Cuba) Jussara Fraga Portugal (UNEB)
Helmuth Krüger (UCP) Kilwangy Kya Kapitango-a-Samba (Unemat)
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Josania Portela (UFPI) Marcos Vinicius Francisco (UNOESTE)
Leonel Severo Rocha (UNISINOS) Maria de Lourdes Pinto de Almeida (UNOESC)
itor
Renato Francisco dos Santos Paula (UFG) Silvia Regina Canan (URI)
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Sérgio Nunes de Jesus (IFRO) Suzana dos Santos Gomes (UFMG)
Ed
Este livro passou por avaliação e aprovação às cegas de dois ou mais pareceristas ad hoc.
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AGRADECIMENTOS
Agradecemos à Universidade do Estado do Amapá (UEAP) por sua polí-
tica de fomento à produção científica, pois de outra maneira não teríamos
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como subsidiar custos tão altos do mercado editorial brasileiro para lançar
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“Pedagogias Decoloniais na Amazônia: fundamentos, pesquisas e práticas”.
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Desse modo, reconhecemos seu papel institucional para a produção do conhe-
cimento no Amapá, mas também na Amazônia, e para além dela, haja vista a
origem institucional dos inúmeros textos que compõem a presente coletânea.
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Vale ressaltar também que na conjuntura atual, em que há inúmeros cortes
orçamentários em dimensões basilares à sociedade como a saúde e a educação,
o
a UEAP ajuda a dar uma orientação propositiva: fomentar também a produção
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do conhecimento científico. Que essa iniciativa institucional, delineada pelo
Edital n° 024/2019-UEAP, sirva de parâmetro para as demais instituições de
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APRESENTAÇÃO........................................................................................... 13
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As coordenadoras e coordenadores
aut
PREFÁCIO...................................................................................................... 15
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Reinaldo Matias Fleuri
o
FUNDAMENTOS DAS PEDAGOGIAS DECOLONIAIS
E APROXIMAÇÕES TEÓRICAS
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O QUE É PEDAGOGIA DECOLONIAL?.......................................................23
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PEDAGOGIAS E SABERES DECOLONIAIS NA AMAZÔNIA
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“APRENDO DAS ÁGUAS E DAS MATAS, OS ENCANTADOS ESTÃO ATÉ
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NO AR”: uma pedagogia decolonial a partir da pajelança na Amazônia.......171
Thaís Tavares Nogueira
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Maria Betânia Barbosa Albuquerque
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MULHERES RIBEIRINHAS NA AMAZÔNIA PARAENSE: decolonialidade,
resistências e saberes outros........................................................................ 189
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Isabell Theresa Tavares Neri
Ivanilde Apoluceno de Oliveira
de Ananse...................................................................................................... 237
Daniela de Oliveira Senna
Ed
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DECOLONIALIDADE E CURRÍCULO: uma análise preliminar da matriz
curricular intercultural para as escolas indígenas do Amazonas................... 295
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Lucas Antunes Furtado
aut
PEDAGOGIAS DECOLONIAIS, INTERCULTURALIDADE CRÍTICA
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E FORMAÇÃO DE PROFESSORES INDÍGENAS EM AÇÕES
EXTENSIONISTAS....................................................................................... 313
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Cristiane do Socorro dos Santos Nery
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(RE)EXISTÊNCIAS NO MARAJÓ DAS ÁGUAS E FLORESTAS: letramentos
e experiências inscritos na organização social e nos saberes de comunidades
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ribeirinhas....................................................................................................... 325
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Pâmela Beatriz Ferreira Pelegrini
Erika Rodrigues Cavalcante
Eunápio Dutra do Carmo
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Comumente, esse termo designa entrelaçamento de muitos, muitos fios. Con-
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tudo, para explicar com mais precisão a origem desta coletânea, emprega-se
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à palavra rede uma metáfora em relação a pesquisadoras e pesquisadores
da região Norte, que têm se ocupado criticamente com a construção de uma
sociedade “outra” desde os marcos praxiológicos da decolonialidade e seus
R
desdobramentos para a educação, inclusive a educação escolar.
Nesses termos, as autoras e autores que compõem “Pedagogias Deco-
o
loniais na Amazônia: pesquisas e práticas” representam três unidades da
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federação, situadas no Norte: Amapá, Pará e o Amazonas. Esta rede entrelaça
muitos outros “fios”. Entre estes, contam-se cinco universidades: a Universi-
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segundo eixo, articula cinco capítulos em torno de debates acerca da educa-
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ção, de saberes, tendo por contorno as perspectivas feministas, antirracistas,
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de gênero e sexualidade, sobretudo a partir das vozes e lutas dos movimentos
sociais, cruzando categorias como raça, etnia, classe e outras, necessárias
para a compreensão da complexidade da realidade amazônica. O terceiro
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eixo temático também envolve sete capítulos a explicitar práticas pedagógi-
cas insurgentes provenientes da resistência de grupos/classes subalternizados
o
socialmente no contexto da Amazônia.
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Este livro é de leitura indispensável para quem quer estudar as pedagogias
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decoloniais na Amazônia! Por várias razões.
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O que me chama a atenção logo no início da leitura é a apresentação
rigorosa da história e dos fundamentos dos estudos críticos da modernidade
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e colonialidade na América Latina e sua contextualização nas redes de estudo
que estão se desenvolvendo no Brasil.
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Os três primeiros textos, o de Luiz Oliveira, o de Alder Dias e Waldir
Abreu, assim como o de João da Mota Neto e Adriane Lima, mobilizaram-me
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a reler e estudar os textos, a refletir, ampliar, problematizar e aprofundar minha
pesquisa sobre os desafios que a colonialidade nos coloca no cotidiano das
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práticas educacionais.
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Entendida como uma invenção das classes dominantes europeias a par-
tir do contato com a América, o conjunto dos movimentos socioculturais,
que historicamente constituíram a modernidade, apresenta suas teorias, seus
conhecimentos e seus paradigmas como verdades universais. Este pressuposto,
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1 Graduado em Filosofia pela Faculdades Anchieta de São Paulo. Mestre em Filosofia e História da Educa-
ção pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Doutor em Educação pela Universidade Estadual
de Campinas. Pós-Doutor pela Università degli Studi di Perugia, pela Universidade de São Paulo e pela
Universidade Federal Fluminense. Atualmente é professor e pesquisador da Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC), professor visitante nacional sênior na Universidade do Estado do Pará (UEPA/CAPES) e
coordena a rede de pesquisas “Mover” – Viver em Plenitude: Educação Intercultural e Movimentos Sociais
(UFSC/CNPq). ORCID: 0000-0002-7372-1429. CV: : http://lattes.cnpq.br/0966229092773143. E-mail: rfleuri@
gmail.com. Homepage: www.mover.ufsc.br
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tórios, quanto as culturas estrangeiras desconhecidas. Assim, a modernidade,
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mediante um raciocínio paradoxal, torna plausível a sujeição, a assimilação ou
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o extermínio dos povos e das culturas que viveram e reexistem nos imensos e
variados continentes, que foram objetos de sua conquista e de sua crueldade.
A modernidade, pois, gerou a colonialidade, a visão de mundo que
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entende todos os seres como objetos de manipulação e uso pelo indivíduo
humano (branco, europeu, masculino), por este se definir como único ser
o
“racional” do universo.
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problematiza de modo instigante e pedagógico os pressupostos geopolíticos
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coloniais inerentes ao ensino da Geografia nas escolas do sul global.
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Ao ler e estudar os textos reunidos na segunda parte da obra, senti-me
convidado a um mergulho no mundo das pedagogias e dos saberes decoloniais
da Amazônia.
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Thaís Nogueira e Betânia Albuquerque analisam o terreiro de pajelança
como um espaço educativo decolonial, em que os saberes são construídos e
o
compartilhados nas relações cotidianas, com base no respeito, na alteridade
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gicas decoloniais que vêm sendo cultivadas neste imenso e potente território.
Ana de Azevedo, Laís Campos e Simone Souza estudaram a Educa-
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colonialidade, em consonância com as demandas surgidas na comunidade
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escolar. Isso significa se afetar por práticas corporais de inúmeros territórios
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e grupos, possibilitando vivenciar e compreender os infinitos modos como
as próprias comunidades originárias as significam a partir de suas ancestrali-
dades. Quer dizer, maculelê, maracatu, hip-hop, capoeira, funk, huka-huka,
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marajoara e demais práticas culturais populares passam a compor o currículo
escolar com igual importância e relevância que outras práticas corporais já
o
legitimadas, ensejando o diálogo intercultural crítico e decolonial.
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traçam um caminho de pedagogias decoloniais como resistência contra-he-
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gemônica inscrita em letramentos da vida”.
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Nesta direção, ao analisar o “Projeto Realize: Oficinas Pedagógicas” –
voltado para crianças em vulnerabilidade social e com dificuldades educativas
relacionadas aos cinco primeiros anos do ensino fundamental – Miquelly
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Sanches projeta a “Decolonialidade Psicopedagógica”, como busca de novas
propostas pedagógicas que resgatem os laços de afetividade no contexto
o
social amapaense.
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FUNDAMENTOS DAS o
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APROXIMAÇÕES TEÓRICAS or
PEDAGOGIAS DECOLONIAIS E
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O QUE É PEDAGOGIA DECOLONIAL?
Luiz Fernandes de Oliveira
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Introdução
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No século XIX, o pensador alemão Karl Marx, no seu texto sobre as teses
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de Feuerbach, afirmou que “os filósofos se limitaram a interpretar o mundo
de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo” (MARX, 1979, p. 14).
o
Essa ideia, nas décadas seguintes, significou uma virada epistemológica no
pensamento ocidental, influenciando a compreensão filosófica e política de
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dezenas de gerações de pensadores e intelectuais nos mais diversos campos
das ciências humanas, das diversas perspectivas teóricas e, especialmente,
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no campo da educação.
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No século XXI, podemos considerar que outra ideia, expressa por diver-
sos intelectuais Latinoamericanos, tem a possibilidade de se transformar numa
virada epistêmica, agora, não mais e somente dentro dos círculos intelectuais
itor
Arturo Escobar, entre outros. Cabe ressaltar que esse grupo mantém diálogos e
atividades acadêmicas conjuntas com o sociólogo norte-americano Immanuel
Wallerstein e o sociólogo português Boaventura de Souza Santos.
Para entender o conceito de Pedagogia decolonial, faz-se necessário a
explicitação de alguns conceitos chaves como: mito de fundação da moderni-
dade, colonialidade (do poder, do saber e do ser), racismo epistêmico, diferença
colonial, transmodernidade e opção decolonial (no campo da educação, a denomi-
or
nada pedagogia decolonial). Trata-se de conceitos novos, forjados nos últimos 30
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anos e que começam a dialogar com diversas áreas acadêmicas e, especialmente
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no Brasil, na área de educação.
Mas o que esses intelectuais produzem? Quais conceitos e formulações
R
estão presentes em seus livros e artigos? E por que está penetrando nos estu-
dos educacionais brasileiros, em particular, quando se destaca a questão das
o
diferenças no campo educacional?
O termo decolonial (ou opção decolonial) deriva de uma perspectiva teó-
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or
liberalismo e o marxismo. Castro-Gómez (2005), por outro lado, esclarece
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que as questões que o grupo levanta se inserem num contexto discursivo
aut
mais amplo, conhecido na academia europeia e norteamericana como a teoria
pós-colonial. Entretanto, reitera que essas questões não são simples recepções
das teorias pós-coloniais, como se fossem sucursais latinoamericanas. São,
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ao contrário, uma especificidade latinoamericana que estabelece um diálogo
com a teoria pós-colonial e se situa em outra perspectiva, porém fora do eixo
o
moderno/colonial.
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Os principais conceitos
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rou a inferioridade de grupos humanos não europeus do ponto de vista da
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produção da divisão racial do trabalho, do salário, da produção cultural e
aut
dos conhecimentos, foi necessário operar também a negação de faculdades
cognitivas nos sujeitos racializados. Neste sentido, o racismo epistêmico não
admite nenhuma outra epistemologia como espaço de produção de pensamento
R
crítico nem científico. Isto é, a operação teórica que, por meio da tradição de
pensamento e pensadores ocidentais, privilegiou a afirmação de estes serem
o
os únicos legítimos para a produção de conhecimentos e como os únicos com
aC
capacidade de acesso à universalidade e à verdade.
Alteridade” mundial (DUSSEL, 2005, p. 66). Por outro lado, carrega a ideia
Ed
or
norte global” (p. 25).
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A interculturalidade crítica não é compreendida somente como um
aut
conceito ou termo novo para referir-se ao simples contato entre o ocidente
e outras civilizações, mas como algo inserido numa configuração concei-
R
tual que propõe um giro epistêmico, capaz de produzir novos conhecimen-
tos e uma outra compreensão simbólica do mundo, sem perder de vista a
o
colonialidade. Essa interculturalidade representa a construção de um novo
espaço epistemológico que promove a interação entre os conhecimentos
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visão pedagógica que se projeta muito além dos processos de ensino e de trans-
ver
or
Com a divulgação cada vez maior das teorizações decoloniais no Brasil,
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nos últimos 10 anos, vem à tona diversas abordagens no campo da educa-
aut
ção, que tentam dialogar com esta perspectiva teórica, especialmente aque-
las abordagens sobre diferenças raciais, culturais e étnicas que envolvem
processos pedagógicos.
R
Entretanto, há algumas incongruências entre abordagens meramente
técnicas na sua forma pedagógica e aquilo que denominamos de pedagogia
o
decolonial. Por exemplo: abordar a questão racial sem ter uma postura política
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Retornando a questão racial no Brasil em sua dimensão pedagógica e
didática, se não estiver presente a exigência de um engajamento político e
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aut
um compromisso teórico rigoroso, mas somente uma abordagem abstrata
que nos remete a teorizações ou conceitualizações acadêmicas como meras
reproduções de conteúdo, a opção decolonial não existe.
R
Neste sentido, abordar a temática racial ou as sociedades africanas entre
jovens e crianças, muitas vezes, significa mobilizar as impressões identitárias
o
e posicionamento social que cada um ocupa na sociedade brasileira. E este
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posicionamento, muitas vezes, é identificado a partir do fenótipo que cada
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dos leões’, ‘Na África só tem aidético morto de fome’, ‘O continente afri-
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mas educada”, “moço pretinho, mas nem parece”, “vida negra”, “tempos
negros”, “fome negra”, “lista negra”, “moreninho, mas honesto”, “preto de
alma branca”, “pretinha que nem um Saci”, “samba do crioulo doido”, “ove-
ão
2 Esses termos e frases foram recolhidos durante 12 anos de experiências com estudantes de Ensino Médio nas
aulas de sociologia que ministrava no Rio de Janeiro e também de professores da educação básica (também
de sociologia) em diversos encontros específicos nas discussões sobre a Lei 10.639/03. Tais encontros foram
vivenciados também em diversos estados, como Alagoas, Bahia, Brasília, Ceará, Mato Grosso, Minas Gerais,
Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo. Ver, OLIVEIRA, 2012.
30
or
cia racial e sobre a operação epistemológica que o ocidente europeu realizou
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na construção do conhecimento histórico e sociológico sobre raça e relações
aut
raciais. Tratar essas questões como mero conteúdo, sem um posicionamento
político por parte do docente, é reproduzir o modelo de racionalidade técnica
no campo da didática e da pedagogia tradicional que, por sua vez, reproduz
R
modelos hierárquicos de ensino e aprendizagem de matriz colonial.
o
O que é a pedagogia decolonial?
aC
acadêmicos ou institucionalizados;
• Faz-se necessário também considerar que não existe a lógica da neu-
tralidade nos processos pedagógicos. Qualquer teorização ou teorias
s
or
de algo dado. No avanço das ciências e do conhecimento sempre tivemos
o empenho e o engajamento de indivíduos e coletivos. Nas pesquisas que
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produziram a máquina a vapor, o avião, os processos de combustão de
aut
petróleo, as investigações no âmbito da física, da genética, dentre outras,
sempre foi necessário um engajamento e investimento de tempo e recursos
R
para o desenvolvimento de procedimentos científicos e aprofundamento da
compreensão humana. O sujeito do conhecimento sempre foi implicado
o
com sua realidade, necessitou se empenhar para que seu conhecimento
fosse aceito por outros, primeiro numa comunidade científica e em seguida
aC
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de produção do conhecimento que ele denominou de “la hybris del punto cero”
referindo-se a uma forma de conhecimento humano que possui pretensões
de objetividade e cientificidade partindo do pressuposto de que o observador
s
or
foram ordenados em una escala epistemológica que vai desde o tradicional
até o moderno, desde a barbárie até a civilização, desde a comunidade
od V
até o indivíduo, desde a tirania até a democracia, desde o individual até o
aut
universal, desde o oriente até o ocidente. Estamos, então, diante de uma
estratégia epistêmica de domínio [...] (CASTRO-GÓMEZ, 2005, p. 63-64).
R
A crítica de Castro-Gómez chega à conclusão de que a epistemologia
europeia se fundamentou na projeção em um sujeito cognoscitivo transcen-
o
dental e em um sujeito empírico europeu, que é branco, masculino, heteros-
aC
tradicionais, mas que estão em constante construção por parte de sujeitos coletivos.
s
ver
PEDAGOGIAS DECOLONIAIS NA AMAZÔNIA:
Fundamentos, Pesquisas e Práticas 33
REFERÊNCIAS
CASTRO-GÓMEZ, Santiago. La poscolonialidad explicada a los niños.
Bogotá: Editorial Universidad Javeriana, 2005.
or
Edgardo (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais.
Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: Clacso, 2005. p. 55-70.
od V
aut
DUSSEL, Enrique. Meditações anti-cartesianas sobre a origem do anti-discurso
filosófico da modernidade. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES,
R
Maria Paula (org.). Epistemologias do Sul. Coimbra: Edições Almedina, 2009.
p. 283-335.
o
ESCOBAR, Arturo. Mundos y conocimientos de otro modo. Disponível
aC
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or
od V
OLIVEIRA, Luiz Fernandes de. História da África e dos africanos na
aut
escola. Desafios políticos, epistemológicos e identitários para a formação
dos professores de história. Rio de Janeiro: Imperial Novo Milênio, 2012.
R
QUIJANO, Aníbal. Colonialidad y modernidad-racionalidad. In: BONILLA,
H (org.). Los conquistadores. Bogotá: Tercer Mundo, 1992. p. 437-447.
o
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WALSH, Catherine. Introducion – (Re) pensamiento crítico y (de) colonialidad.
or
Alder de Sousa Dias
Waldir Ferreira de Abreu
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Para um começo...
R
Como tentativa de transposição de ideias em linguagem escrita surge este
o
texto. Para manter sua pujança comunicativa – própria da vitalidade de uma
aC
conversa – pedimos que seja lido se mantendo a linha dialógica com quem
o ler, ou seja, você. Isso implica em situar que não são dois autores – “que
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Feito esse importante convite, cabe mencionar que o texto gira em torno
de um objetivo mais amplo, a análise de elementos genealógicos das peda-
gogias e didáticas decoloniais no contexto brasileiro. Para tanto, nas demais
seções, realiza-se: um delineamento genealógico da decolonialidade e da sua
relação com a Pedagogia; advoga-se que a Didática Crítica Intercultural se
par
or
próximas linhas.
od V
aut
Decolonialidade e pedagogias decoloniais:
elementos genealógicos
R
Nas próximas linhas, será abordada nossa compreensão de decolonia-
o
lidade e alguns conceitos3 que lhes é diretamente relacional. De nossa parte,
esse caminho lógico-argumentativo talvez seja uma boa opção didática para
aC
3 A respeito dessas categorias, sugere-se a leitura para aprofundamento dos seguintes textos:
4 QUIJANO, A. Colonialidade do poder e classificação social. In: SANTOS, B. de S.; MENESES, M. P (org.).
Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010. p. 84-130. Disponível, com outra editoração, em: http://
ão
www.mel.unir.br/uploads/56565656/noticias/quijano-anibal%20colonialidade%20do%20poder%20e%20
classificacao%20social.pdf. Acesso em: 18 jul. 2020.
DUSSEL, E. 1492: o encobrimento do outro – a origem do mito da modernidade. Petrópolis-RJ: Vozes,
1993. Disponível em: https://enriquedussel.com/txt/Textos_Libros/45.1492_O_encobremento_do_outro.
s
DUSSEL, E. Europa, Modernidad e Eurocentrismo. In: LANDER, E (org.). La colonialidad del saber:
eurocentrismo y ciencias sociales. Perspectivas Latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2000. p. 24-33.
Disponível em: http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/sur-sur/20100708040738/4_dussel.pdf. Acesso em: 18
jul. 2020.
DUSSEL, E. Ética da Libertação na Idade da Globalização e da Exclusão. 4. ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
2012. Disponível, com outra editoração, em: https://enriquedussel.com/txt/Textos_Libros/50.Etica_da_liber-
tacao.pdf. Acesso em: 18 jul. 2020.
PEDAGOGIAS DECOLONIAIS NA AMAZÔNIA:
Fundamentos, Pesquisas e Práticas 37
or
tal como desenvolvido por Dussel, constitui-se em um processo com sete
od V
elementos fundamentais:
aut
(1) sustenta-se uma posição ideologicamente eurocêntrica de que a civi-
R
lização moderna é mais desenvolvida, superior; (2) sua superioridade a
“obriga” — como exigência moral — a desenvolver aos mais primitivos,
rudes, bárbaros, isto é, os povos conquistados; (3) a Europa se coloca
o
como paradigma de desenvolvimento (falácia desenvolvimentista); (4)
aC
a violência como “guerra justa” se impõe aos povos conquistados que
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e epistemológica apenas por volta dos anos 1990, com a constituição da
od V
rede modernidade/colonialidade, que é caracterizada por Oliveira e Candau
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(2010, p. 17) da seguinte maneira: “O grupo é formado predominantemente
por intelectuais da América Latina e apresenta caráter heterogêneo e trans-
disciplinar”. Este grupo mantém diálogos e atividades acadêmicas, tendo
R
como foco a construção de uma sociedade não eurocentrada, em relação ao
projeto de civilização.
o
Portanto, cabe destacar que a decolonialidade não é apenas energia de
aC
resistência (ou atitude des-colonial). É também razão des-colonial, isto é,
(2014, p. 139):
or
de um ser humano e de uma sociedade livres, amorosos, justos e solidários
(MOTA NETO, 2016, p. 318).
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aut
Portanto, pedagogia que tem sua identidade ancorada na práxis da luta
contra a colonialidade/“modernidade”, que se dá por meio de processos de
R
formação humana, tendo em vista a construção de uma sociedade justa, solidá-
ria, livre e amorosa, que, de nosso ponto de vista, apontam para a proposição
o
de sociedades (inclusive de sistema econômico) e de processos educativos
aC
que considerem positivamente a alteridade e a pluriversalidade que marca o
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contextos são pluriversos por natureza. Ideia reforçada por Arroyo (2012) ao
a re
or
mesmo migrando para a metrópole e adotando cidadania francesa. De outro,
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tem-se Césaire e Fanon, representando o pós-colonialismo desde o lado do
aut
Caribe, como apontam Neves e Almeida (2012).
Esta decisão se justifica porque – mesmo em trabalhos que objetivam
abordar a constituição da Rede M/C – tem-se adotado a compreensão de que o
R
pós-colonialismo é “[...] um conjunto de contribuições teóricas oriundas prin-
cipalmente dos estudos literários e culturais, que a partir dos anos 1980 ganha-
o
ram evidência em algumas universidades dos Estados Unidos e da Inglaterra”
aC
(BALLESTRIN, 2013, p. 90). Nessa cronologia, Césaire, Memmi e Fanon
or
ternos asiáticos, funda-se no início dos anos de 1990, o Grupo Latino-ame-
od V
ricano dos Estudos Subalternos, nos Estados Unidos”, tendo seu manifesto
aut
publicado no ano de 1993.
Contudo, inúmeras críticas de membros do Grupo causam sua instabi-
lidade. Ballestrin (2013) destaca a perspectiva de imperialismo dos estudos
R
culturais pós-coloniais e subalternos, pois sua base teórica (Foucault, Der-
rida, Gramsci e Guha) permanece eurocêntrica, o que, em tese, dificulta o
o
aprofundamento e a radicalização da crítica. Ademais, um espelhamento do
aC
contexto indiano para o contexto latino-americano ocultaria, no debate, sua
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colonialidade, isso é uma ficção. Por favor, escreva como estou dizendo.
É uma grande ficção, não existe tal coisa. O que existe é uma rede, e é
uma rede muito frágil. As pessoas acreditam que este é um grupo e que
pensamos igual. Não, aqui ninguém pensa igual. A rede é heterogênea e
par
5 Além de Ballestrin (2013) e Baptista (2018), destaca-se o capítulo 2 de Mota Neto (2016) por realizar uma
densa e detalhada síntese da decolonialidade, desde Frantz Fanon ao contexto da Rede M/C. Nessa mesma
direção, entre os autores da Rede M/C, aponta-se o trabalho de Castro-Gómez e Grosfoguel (2007), a
constar nas Referências desse texto.
42
or
tam, e modelam ativamente nossas subjetividades nas fantasias das ficções
od V
modernas” (MIGNOLO, 2014b, p. 7 – tradução nossa).
aut
Contudo, cabe uma reflexão por paralelismo: por mais consolidado
que esteja, “[...] o pós-colonialismo [anglo-saxônico] não é prerrogativa de
autores diaspóricos ou colonizados das universidades periféricas” (BAL-
R
LESTRIN, 2013, p. 91). Da mesma maneira, ter como objeto de estudo a
decolonialidade latino-americana não é prerrogativa, ou seja, não é exclusi-
o
vidade dos integrantes da Rede M/C.
aC
Se assim fosse, seria um contrassenso de Mignolo (2008) e de Maldona-
de Janeiro (PUC-Rio).
Em nossa perspectiva, apesar de não ter como objeto de pesquisa as
Ed
or
tações das formulações teóricas da Rede M/C, por exemplo: em relação ao
od V
economicismo de Quijano e Wallerstein; a demasiada ênfase ao racismo e a
aut
pouca crítica ao capitalismo de Maldonado-Torres; e a discordância com Walsh
sobre a maneira de compreender o legado de Paulo Freire à decolonialidade
(MOTA NETO, 2015).
R
O autor alcança os objetivos propostos pela tese, os quais destacam-se,
o
nesse texto, apenas dois: a análise da constituição de uma concepção decolo-
nial nos pensamentos de Orlando Fals Borda e Paulo Freire – estes compreen-
aC
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or
des-colonial – tal como propõe Maldonado-Torres (2008) – defende-se que
od V
um condicionante a contribuir na genealogia de didáticas decoloniais no
aut
contexto brasileiro é a constituição da Didática Crítica Intercultural, que
remonta à década de 1980. A seguir, passa-se a realizar uma análise crono-
R
lógica desta perspectiva de didática.
Indica-se que o primeiro marco genealógico que atesta tal assertiva é a
o
organização da coletânea de textos intitulada de “A Didática em Questão”,
publicada no início dos anos 1980, pois, como afirmar Candau (1996, p. 9
aC
deste período até a década de 1970. a didática foi abordada com ênfase no
a re
seus determinantes.
ver
or
rículo em sua interação com uma população concreta e suas exigências,
etc. (CANDAU, 1996, p. 21).
od V
aut
Nos anos 1990, tendo-se por condicionante as políticas neoliberais deter-
minadas por organismos multilaterais, inclusive para a educação no Brasil,
R
Candau (2018, p. 9) acrescenta à Didática Fundamental alguns pontos críticos
“[...] como os relativos ao cotidiano escolar, ao saber docente, e às relações
o
entre escola e cultura”.
aC
Nesse sentido, a didática proposta por Candau passa a adotar princí-
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or
No entanto, baseada em uma filosofia oriunda do centro da geopolítica
do conhecimento (MIGNOLO, 2014c), a autora passa a adotar a abordagem
od V
da crítica pós-moderna sobre pretexto de englobar uma pluralidade de abor-
aut
dagens e enfoques para que se repense a pedagogia e a didática, sem perder
de vista a criticidade e o foco na categoria cultura(s):
R
Portanto, se trata de trabalhar as possíveis articulações e de, sem negar o
horizonte emancipador da perspectiva crítica, incorporar novas questões que
o
emergem da perspectiva pós-moderna, como as relativas à subjetividade,
aC
or
para uma didática decolonial, é a publicação, no ano de 2012, da coletânea
od V
“Didática Crítica Intercultural: aproximações”. Organizada por Candau,
aut
conta com textos elaborados no âmbito do GECEC em que se apresentam a
perspectiva de uma didática crítica intercultural, conforme afirma a própria
R
autora: “Os trabalhos incluídos nesta publicação, elaborados no contexto do
GECEC, expressam nosso caminhar na perspectiva de construir uma didática
o
crítica e intercultural” (2018, p. 14).
A Didática Crítica Intercultural se alicerça em três teses fundamentais:
aC
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preocupações e pesquisas.
a re
or
no cotidiano escolar e procurar estimular o diálogo entre eles, assumindo os
od V
conflitos que emergem desta interação” (CANDAU, 2018, p. 131).
aut
Ao chegar nesse ponto da análise, ainda que não seja o objetivo central do
texto, não nos é possível fugir ao debate sobre algumas (não) relações entre a
R
Didática Crítica Intercultural e a possibilidade teórica de uma didática decolonial.
Conforme visto anteriormente, nota-se que a interculturalidade crítica
o
tem sido assumida como uma ancoragem da proposição de didática de Candau
(2018). Ou seja, de maneira consciente e livre, a opção é pela interculturali-
aC
“A” para “B”. Apesar disso, faz-se importante delinear alguns apontamentos
críticos que a decolonialidade faz da pós-modernidade. Nas palavras de Dussel
(2014, p. 74):
s
ver
or
nialidade preconiza a libertação dessa histórica amarra. Assim, não se trata
od V
apenas da mudança de referencial teórico, mas do processo de construção de
aut
uma sociedade não mais universal, mas pluriversal. Em síntese, o que está
em jogo é a utopia da decolonialidade denominada de transmodernidade, que
para Dussel (2014, p. 74-75 – tradução nossa, destaque nosso), é definida da
seguinte maneira:
R
o
Trans-modernidade (como projeto de política, econômica, ecológica, eró-
aC
tica, pedagógica e libertação religiosa) é a correalização do que é impos-
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ao que está para além da modernidade, a outra Época [sic] do mundo (que
a re
ciso que uma didática decolonial – como campo da Pedagogia – tenha por
opção o desprendimento como elemento que: “[...] conduz a teorias críticas
decoloniais e à pluriversalidade não eurocentrada de um paradigma-outro”
(MIGNOLO, 2014a, p. 81).
50
or
da alteridade dos sujeitos negados em seus modos concretos de se fazer
“no” e “com” o mundo ante o projeto da colonialidade/modernidade e
od V
seu mito sacrificial. Pela transmodernidade, não se nega o projeto de
aut
modernidade eurocentrada, considera-se sua positividade semântica como
razão emancipadora, mas transformando-a em razão libertadora (DIAS;
R
ABREU, 2019, p. 1230).
o
Nesses termos, afirma-se: é preciso “decolonizar”. Decolonizar as rela-
ções humanas em geral e tudo o que delas se desdobram, como as relações
aC
Para um desfecho...
das Américas. Como razão, sua origem remonta aos anos 1950, com os estu-
dos pós-coloniais iniciados por Albert Memmi, Aimé Césaire e Frantz Fanon.
Ed
or
de “Didática Crítica Intercultural: proposições”. De nosso ponto de vista,
od V
esse dado é principal marco genealógico a propiciar elementos conceituais
aut
para se construir didáticas decoloniais, sobretudo pela inserção das culturas
do cotidiano escolar, pelo reconhecimento das alteridades negadas e pela
aproximação com a Rede M/C. principalmente por meio de Catherine Walsh.
R
Na sequência, explicitam-se alguns elementos que podem ajudar na cons-
tituição de didáticas decoloniais, tais como a opção radical pela decoloniali-
o
dade e seu projeto transmoderno de sociedade. Por isso, conclui-se afirmando
aC
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que é preciso decolonizar a didática. Tarefa ainda por fazer e que deve ser
realizada a muitas mãos, desde movimentos sociais ao sistema educacional.
Por fim, espera-se que seu teor tenha sido exposto de maneira fluente
e que nossos posicionamentos sejam compreendidos em tom dialógico. De
visã
maneira esperançosa, ao chegar até aqui, almeja-se que você tenha aceito o
convite feito no início do texto e se sinta à vontade para dialogar sobre essa
temática, mesmo em outras paragens, em outros contextos, em outros terri-
itor
sobretudo a pública).
Ed
s ão
ver
52
REFERÊNCIAS
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Vozes, 2014.
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aC
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od V
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aut
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Disponível em: http://repositorio.ufpa.br/jspui/handle/2011/8383. Acesso
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R
o
MOTA NETO, J. C. Por uma Pedagogia Decolonial na América Latina:
aC
reflexões em torno do pensamento de Paulo Freire e Orlando Fals Borda.
Signo, 2014.
ver
or
od V
João Colares da Mota Neto
aut
Adriane Raquel Santana de Lima
R
Introdução
o
aC
A produção conhecida como “decolonial”, em que pese sua genealogia
ligar-se às práticas epistêmicas de denúncia do colonialismo e da colonialidade
presentes nos movimentos de resistência das populações colonizadas desde
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alguns dos quais diasporizados nos Estados Unidos, e pouca influência exerceu
esta produção sobre a academia brasileira neste primeiro momento.
É na virada da primeira para a segunda década dos anos 2000 que a
ão
or
mentos em bancos e bases de dados como Scielo, Google Scholar e Portal de
od V
Periódicos da CAPES, que pelo menos três grupos de pesquisa, localizados em
aut
diferentes estados do Brasil, têm cumprido um importante papel na dissemi-
nação da perspectiva decolonial no campo da Educação e em sua reinvenção
a partir da realidade educacional brasileira. Trata-se do Grupo de Pesquisa
R
“Mediações Pedagógicas e Cidadania” (UNISINOS), no Rio Grande do Sul;
o Grupo de Pesquisas sobre Cotidiano, Educação e Cultura(s) (PUC-Rio),
o
no Rio de Janeiro; e o Grupo de Pesquisa “José Veríssimo e o Pensamento
aC
Educacional Latino-Americano” (UFPA), no Pará.
or
cação intercultural na América Latina: entre concepções, tensões e propostas,
od V
e este texto consideramos umas das primeiras fontes de reflexão sobre decolo-
aut
nialidade a influenciar a produção acadêmica brasileira do campo da Educação.
No Pará, destaca-se o pioneirismo do estudo de Sônia Araújo (2010)
sobre Educação do Campo em suas relações com os debates pós-coloniais.
R
Embora tenha ocorrido a vinculação do trabalho aos estudos “pós-coloniais”,
o ensaio estabelece importante interlocução com intelectuais decoloniais e,
o
a partir desta publicação, progressivamente, os estudos realizados no seio do
aC
Grupo de Pesquisa “José Veríssimo e o Pensamento Educacional Latino-A-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
sociais; c) pedagogias decoloniais e interseccionalidades na Amazônia, que se
od V
propõe a realizar estudos sobre pedagogias decoloniais e interseccionalidades,
aut
articulando o debate da educação com as perspectivas feministas, antirracistas,
de gênero e sexualidade, sobretudo a partir das vozes e lutas dos movimentos
sociais, cruzando categorias como raça, etnia, classe e outras, necessárias para
R
a compreensão da complexidade da realidade amazônica.
Estão vinculados à RPPDA pesquisadores(as) de várias universidades
o
da Região Norte e diversos estudantes de mestrado e doutorado participantes,
aC
esta tarefa de reflexão com o propósito de analisar o que temos lido e pensado
sobre o assunto, mas também de sistematizar o que temos realizado em nossas
próprias pesquisas ou o que temos acompanhado em termos de pesquisas sob
ão
or
tes desafios, sugeridas por intelectuais com os quais dialogamos ou por nós
od V
próprios, a partir das pesquisas que temos realizado, orientado ou acompa-
aut
nhado. Os desafios não estão apresentados por ordem de importância, mas
seguem uma lógica discursiva em que procuramos analisar diferentes aspectos
inter-relacionados da pesquisa decolonial em educação.
R
Superar a colonialidade pedagógica e o eurocentrismo
o
presentes nas universidades e nos processos
aC
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or
um papel fundamental na reprodução da colonialidade e, por isso, afirmamos
od V
que elas operam por meio da colonialidade pedagógica, subalternizando os
aut
conhecimentos e as experiências de vida de grupos socialmente excluídos
pelo sistema mundo moderno/colonial. Mais do que isto, estas instituições, a
R
exemplo das universidades ocidentalizadas, implantam um regime de controle
não somente do conhecimento produzido, que só passa a ser considerado
o
válido se estiver de acordo com os princípios epistemo-metodológicos da
ciência moderna eurocêntrica, mas controlam também quem acessa a estes
aC
precisam estar presentes nestes espaços, com seus corpos, suas lutas, sabe-
a re
or
nas humanidades e nas ciências sociais (GROSFOGUEL, 2016).
od V
A pesquisa em educação, inserida no campo das ciências humanas e
aut
sociais, também tem sistematicamente excluído estas epistemologias, cosmo-
logias e visões de mundo “outras”, o que constitui um desafio a ser superado
por aquelas e aqueles que questionam a colonialidade das universidades.
R
De acordo com Patrícia Collins (2019), as mulheres negras há muito
afirmam conhecimentos que contestam a produção de homens brancos de elite.
o
No entanto, como o acesso a posições de autoridade foi negado a elas, com
aC
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or
deste desafio, o que traz implicações também para a história da educação, que
precisa ser reescrita a partir das vozes, das lutas e das realidades dos grupos
od V
subalternizados socialmente. Se a história oficial é um artefato que opera
aut
reproduzindo narrativas elitistas, racistas, patriarcais e sexistas, uma história
da educação em perspectiva decolonial pode ser capaz de reler os aconteci-
R
mentos que marcaram historicamente a educação, desde uma visão “outra”,
muito mais crítica dos processos de exclusão e opressão, rompendo com a
o
“normalidade discursiva”, a “perspectiva do consenso” e a “voz imperial”
aC
que presidem a escrita tradicional da história da educação.
or
e os valores não devem ter lugar na pesquisa.
od V
Essa epistemologia eurocêntrica, que guia processos investigativos tra-
aut
dicionais em que a dicotomia, sujeito x objeto está presente, assim como o
descompromisso com as realidades investigadas, confronta-se com os princí-
pios da epistemologia feminista negra, por exemplo, e certamente com outras
R
epistemologias produzidas por grupos sociais subalternizados pela moderni-
dade/colonialidade. Referindo-se à epistemologia feminista negra, Collins
o
(2019, p. 147) assevera:
aC
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Esta autora também nos fala do uso do diálogo para avaliar o conhe-
cimento. “Um pressuposto primário que fundamenta o uso do diálogo na
avaliação do conhecimento é que as conexões, e não as separações, são um
componente essencial de processo de validação do conhecimento” (COL-
LINS, 2019, p. 153). Afirma ainda que tal crença nas conexões e no uso do
diálogo enquanto um critério de adequação metodológica tem origens afri-
canas, nas tradições orais herdadas da África e na cultura afro-americana.
or
Neste método, o pré-requisito fundamental reside na construção de uma rede
od V
interativa, na qual haja participação ativa de todos os indivíduos.
aut
Sustentamos, outrossim, que aquelas ideias confirmadas como verda-
deiras por afro-americanas, afro-americanos, lésbicas latinas, asiáti-
R
co-americanas, porto-riquenhos e outros grupos com seus pontos de
vista distintos – com a utilização por cada grupo de abordagens episte-
o
mológicas constituidoras de seus posicionamentos singulares – tornam
aC
as verdades mais ‘objetivas’. Cada grupo fala a partir de seu próprio
or
Combinando a pesquisa científica com a ação política, a IAP visa a transformar
od V
radicalmente a realidade social e econômica e construir o poder popular em
aut
benefício dos excluídos. Neste complexo processo, estão incluídos a educação
popular, o diagnóstico das situações, a análise crítica e a prática como fontes
R
do conhecimento para sondar os problemas, as necessidades e as dimensões
da realidade (FALS BORDA, 1985).
o
Os propósitos finais da IAP, de acordo com Fals Borda (1985), são os
de: 1) capacitar as classes e grupos explorados para engendrar com eficácia
aC
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or
1. Busca de uma ciência/conhecimento interdisciplinar centrado nas
od V
realidades, contextos e problemas próprios, como os dos trópicos
aut
e subtrópicos.
2. Construção de uma ciência/conhecimento útil e ao serviço dos povos
R
de base, buscando libertá-los de situações de exploração, opressão
e submissão.
o
3. Construção de técnicas que facilitem a busca do conhecimento de
forma coletiva, a recuperação crítica da história e da cultura dos
aC
sabedoria popular, que tem sido uma arma ideológica do pensamento euro-
cêntrico para determinar a inferioridade da cosmovisão das classes populares
ão
or
mentos oficiais normatizados pelas políticas curriculares nacionais. Estes
conhecimentos, como já vimos, reproduzem o eurocentrismo das universi-
od V
dades e escolas ocidentalizadas, e colocam-se em posição de não diálogo
aut
– mais ainda, de superioridade – com os conhecimentos populares, as sabe-
dorias insurgentes ou as memórias de sujeitos sociais subalternizados pela
modernidade/colonialidade.
R
É preciso, neste sentido, que os pesquisadores e as pesquisadoras da Edu-
o
cação se abram para pedagogias “outras” e conhecimentos “outros” produzidos
aC
por comunidades populares, movimentos sociais e populações originárias.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
intelectual, nascida no final da década de 1970 e implementada durante os
od V
anos 1980 na América Latina, e que para ela, é um dos antecedentes mais
aut
claros na configuração de cenários políticos e epistêmicos críticos no campo
da memória coletiva. A autora pontua que esta tradição surge ou se “ali-
R
menta” a partir dos aportes da Investigação-Ação Participativa e da Educa-
ção Popular, sob a influência decisiva de Orlando Fals Borda e Paulo Freire
o
(MARÍN, 2013).
Ainda de acordo com Marín (2013), a recuperação coletiva, segundo
aC
or
de sentido ético, político e afetivo. Por isso, essas sabedorias, mais do que
od V
compor nosso material de estudo, devem ser vistas como fontes de sentido,
aut
dialogando em igualdade de condições com propostas epistêmicas críticas
elaboradas por acadêmicos das universidades.
R
É neste sentido que, aprendendo com as sabedorias insurgentes,
presentes, por exemplo, nas tradições ancestrais das culturas afro-religiosas
o
brasileiras e amazônicas, trazemos a diferenciação entre “conhecimento”
e “sabedoria” estabelecida pelo encantado8 Légua Boji9, incorporado no
aC
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Com essa afirmação, Seu Légua distingue dois tipos de saberes: o saber
formal, de aprendizagem metódica e natureza livresca, desconectado da vida
e representado pelo saber escolar; e o saber cotidiano, fundado na experiência,
par
nas relações sociais cotidianas, “um saber que se aprende, mas não se ensina”,
posto que é proveniente da experiência adquirida com o tempo.
Ed
8 Encantado designa uma entidade espiritual genericamente chamada de caboclo ou caboco, podendo
também representar, no Tambor de Mina, os voduns e os orixás, divindades dessa religião. Para Eduardo
ão
Galvão (1976, p. 66), referindo-se à Amazônia, o conceito de encantado “é definido localmente como uma
força mágica atribuída aos sobrenaturais. Seres humanos, animais, objetos podem ficar encantados por
influência de um sobrenatural. O conceito não se aplica aos santos ou divindades cristãs”.
9 No terreiro pesquisado, Légua Boji se apresenta como tendo mais de 500 anos e de origem angolana. A
s
narrativa histórica desse caboclo mostra sua saída da África, em direção à Trindade e Tobago, na América
ver
Central e posterior vinda para o Brasil, terra em que aparece como boiadeiro das matas do Codó, no Mara-
nhão, onde foi adotado como filho pelo nobre Dom Pedro Angaço (MOTA NETO, 2008).
10 Denominação mais difundida das religiões afro-brasileiras no Maranhão e na Amazônia, sendo que a palavra
“Tambor” deriva da importância do instrumento homônimo nos rituais de culto e “Mina” deriva dos negros da
Costa da Mina, nome dado aos escravos procedentes da costa situada a leste do Castelo de São Jorge de
Mina, na atual República do Gana, trazidos da região das Repúblicas do Togo, Benin e Nigéria e que eram
conhecidos como negros mina-jejes e mina-nagôs (FERRETTI, 2000).
70
or
giões afro-brasileiras apresentam-se como um campo híbrido de constru-
od V
ção de identidades. Esse campo possibilita a criação e circulação de saberes
aut
interculturais que são preservados na religião em decorrência da importante
atuação dos sacerdotes e demais adeptos, os quais, por meio da oralidade,
R
das narrativas mitológicas, do aconselhamento e dos trabalhos de desenvol-
vimento, socializam saberes e tradições registrados na memória coletiva do
o
povo-de-santo.
A memória, nesse sentido, pode ser caracterizada como uma fonte indis-
aC
or
a necessidade de se construir conhecimento com as pessoas e não sobre elas.
É necessário, portanto: “Estar dispuesto a colaborar con la gente, esa es una
od V
de las mejores maneras de ganarse su confianza, de ahí que hay que procurar
aut
incorporarse a participar de las actividades comunitarias, ayudar en el trabajo
colectivo, [...] sus fiestas, por ejemplo” (ARIAS, 2010, p. 367).
R
Etnografias decoloniais também podem ser chamadas de colaborati-
vas, como propõe Mariateresa Muraca (2015), que realizou um estudo sobre
o
práticas pedagógicas populares, feministas e decoloniais do Movimento de
aC
Mulheres Camponesas de Santa Catarina. Muraca, por sua vez, baseia-se na
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
Para a autora, emoção, subjetividade, histórias de vidas, ética e razão
od V
estão conectados e são componentes essenciais da busca do conhecimento.
aut
“Nessa epistemologia alternativa, os valores são situados no centro do pro-
cesso de validação do conhecimento, de maneira que as investigações sempre
apontam para um objetivo ético” (COLLINS, 2019, p. 160).
R
Orlando Fals Borda, na mesma direção, fala do educador popular e do
investigador participativo como um intelectual sentipensante, isso é, “aquella
o
persona que trata de combinar la mente con el corazón, para guiar la vida por
aC
el buen sendero y aguantar sus muchos tropiezos”. Trata-se, assim, de uma
mentos éticos que temos usado em nossos trabalhos e sobre os atuais comitês
Ed
or
tionador e criativo.
od V
aut
O corpo aberto é um corpo questionador, bem como criativo. Criações
artísticas são modos de crítica, autorreflexão e proposição de diferentes
maneiras de conceber e viver o tempo, o espaço, a subjetividade e a comu-
R
nidade, entre outras áreas. [...] A performance estética decolonial é, entre
outras coisas, um ritual que busca manter o corpo aberto, como uma fonte
o
contínua de questões. Ao mesmo tempo, esse corpo aberto é um corpo
aC
preparado para agir (MALDONADO-TORRES, 2019, p. 48).
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Quem nos deu permissão para praticar o ato de escrever? Por que escrever
parece tão artificial para mim? Eu faço qualquer coisa para adiar este ato
esvazio o lixo, atendo o telefone. Uma voz é recorrente em mim: Quem
sou eu, uma pobre chicana do fim do mundo, para pensar que poderia
escrever? Como foi que me atrevi a tornar-me escritora enquanto me
agachava nas plantações de tomate, curvando-me sob o sol escaldante,
entorpecida numa letargia animal pelo calor, mãos inchadas e calejadas,
or
inadequadas para segurar a pena? (2000, p. 231).
od V
Para a autora, escrever é um ato de recriar o mundo em que vivemos, é
aut
denunciar que este sistema que está aí não consegue atender às necessidades
das vidas humanas, escrever é também um ato de anunciar. A escrita é um ato
R
de alquimia, de criar alma, de buscar o eu do centro da existência humana,
de desconstruir o “outro” imposto. Nessa construção, o sujeito que nasce
não é menos medroso(a), porém é um ser mais corajoso(a) e decidido(a) em
o
escrever suas palavras:
aC
or
que Aníbal Pinto (1976) chamou de ‘heterogeneidade histórico-estrutural’,
Kyriakos Kontopoulos (1993) chamou de ‘heterarquia’ e as feministas
od V
negras chamam de ‘interseccionalidade’ (GROSFOGUEL, 2019, p. 59-60).
aut
Com efeito, para as feministas negras, como Collins (2019), as opressões
R
intersectadas de raça, classe, gênero, sexualidade e nação buscam esboçar um
paradigma alternativo que pode constituir uma parte importante da epistemo-
o
logia feminista negra.
O Manifesto do Coletivo Negro (1982) foi de fundamental importância
aC
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a competitividade.
Os ataques crescentes sobre lésbicas e homens gays são apenas uma intro-
s
dução aos crescentes ataques sobre pessoas Negras, para onde quer que
ver
or
Ao pensar na não hierarquização das opressões, isso nos leva a entender
que elas estão interseccionalizadas e imbricadas, mas que não significa
od V
Um aprisionamento. Para Davis (2016), a interseccionalidade não
aut
produz uma camisa de força normativa para monitorar, testar e fiscalizar o
cumprimento dos padrões normatizados, tentando manter uma linha exata e
R
correta; pelo contrário, promove o encorajamento acadêmico, especialmente
feminista, de se envolver criticamente com suas próprias hipóteses, atendendo
o
aos interesses de uma investigação feminista reflexiva, crítica e responsável.
aC
or
dele, ao mesmo tempo, que se auto-eleve às nuvens, e que afunde o usurpado
od V
para baixo da terra” (p. 90).
aut
Pois que saiamos debaixo da terra. Melhor, que com a terra, as matas e
as águas com as quais homens e mulheres da Amazônia, por exemplo, cons-
troem seu modo de vida e suas sabedorias insurgentes, possamos desaprender
R
a repetição e exercitar a criação.
Nesta caminhada, enfrentaremos muitos desafios. Não será tarefa fácil
o
a descolonização do pensamento, do cotidiano e do mundo em que vivemos.
aC
Mas se acreditamos que a ciência e a educação podem contribuir para a supe-
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PEDAGOGIA-EM-PARTICIPAÇÃO:
infância e decolonialidade
or
Ângela do Céu Ubaiara Brito
Maria Carolina Henrique Marques
od V
Waldir Ferreira de Abreu
aut
R
Introdução
o
A educação decolonial abriga discussões que perpassam por questões
aC
sociais que visam decolonizar o paradigma moderno/colonial, inclusive por
meio de uma pedagogia como práxis de libertação e da humanização (MOTA
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NETO, 2016). Nesse caso, tem em seus princípios a contribuição para o rom-
pimento de uma visão colonial de infância, submissa ao adulto que transforma
visã
as crianças em sujeitos passivos, sem participação e “voz” na sociedade.
Ante esses pressupostos, a discussão aqui apresentada é um estudo
que proporciona o reconhecimento da criança como ser ativo, participativo
itor
através das relações sociais (cultura de pares) criam sua própria cultura infantil,
dando novo um significado. Tal processo tem estreita relação com a formação
da criança como sujeito ativo para a construção de seu conhecimento.
O trabalho teórico pretende contribuir e levantar reflexões sobre a temá-
tica da decolonialidade e infância na pedagogia-em-participação. A primeira
seção discute sobre a Infância, Pedagogia e Decolonialidade e a segunda
descreve e reflete sobre a pedagogia-em-participação como proposta para a
86
or
e as reconhecê-las em suas potencialidades cognitivas no que concerne às suas
od V
percepções, linguagem, memórias e questões sociais no que diz respeito a sua
aut
participação e as formas de interagir e se comunicar.
o
tiva teórica que autores Latino-americanos expressam, fazendo referência
aC
or
dade [...] e o monólogo da razão ocidental; pedagogias que se esforcem
por transgredir, deslocar e incidir na negação ontológica, epistêmica e
od V
cosmogônico-espiritual que foi, e é, estratégia, fim e resultado do poder
aut
da colonialidade.
R
Portanto, a pedagogia decolonial é uma denominação genérica dada às
pedagogias críticas que, ao se alinharem praxiologicamente ao pensamento
o
decolonial, transgridem as inúmeras expressões da colonialidade e da moder-
nidade como mito sacrificial.
aC
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Nessa direção, Mota Neto (2016) também expressa uma definição de peda-
gogia decolonial que tem sua identidade ancorada na práxis da luta contra a colo-
nialidade/ “modernidade”, que se dá por meio de processos de formação humana,
visã
tendo em vista a construção de uma sociedade justa, solidária, livre e amorosa:
história, foi anulada, pois segundo Ariès (1981), as crianças eram caracte-
rizadas como homens e mulheres de tamanho reduzido, isto é, eram vistas
como um adulto em miniatura, seu mundo não era separado do adulto, logo
não eram percebidas em um tempo diferente, suas particularidades não eram
respeitadas e suas vozes não era reconhecidas.
88
or
suas identidades e reconhecendo suas culturas e modos (MOTA NETO, 2016).
od V
Assim, discussões decoloniais voltadas para infância, segundo Brito e
aut
Marques (2019), buscam a superação de uma visão colonizadora da criança
subalternizada, considerada imatura a qual está longe de ser entendida como
sujeito histórico social. As crianças como atores sociais, construtores de cul-
R
tura infantil rompem com a ideia de que elas apenas recebem a cultura do
adulto, não a constrói, não contribui e não transforma.
o
aC
para que “os centros de educação infantil sejam organizados para que a demo-
cracia seja simultaneamente um fim e um meio”. Isso significa a democracia
Ed
de vida no presente que permeia ações colaborativas” nas escolhas, nas deci-
sões e, principalmente, nas experiências vividas e partilhadas pela interação.
Assim, a pedagogia da infância participativa como processo decolonial
sustenta-se na democracia, que favorece a prática da equidade — as crenças
e os valores de igualdade —, no respeito da diversidade. A pedagogia da
infância, nos princípios democráticos, institui-se como pedagogias participa-
tivas que, na sua essência, produzem ruptura com as práticas das pedagogias
or
tradicionais transmissivas (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2011).
od V
Os objetivos das pedagogias participativas centram-se na criança, no
aut
processo colaborativo com os demais envolvidos. Oliveira-Formosinho e
Formosinho (2011, p. 100) definem que esses objetivos são “os do envolvi-
mento na experiência e a construção da aprendizagem na experiência contínua
R
e interativa”. Tais objetivos no desenvolvimento de uma educação decolonial
para a infância refletem uma imagem de criança de um “ser competente que
o
participa com liberdade, agência, inteligência e sensibilidade”. Esses mesmos
aC
objetivos possibilitam as motivações intrínsecas das crianças, uma vez que
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or
A pedagogia-em-participação tem, em sua essência, a integração das
od V
crenças e dos saberes, da teoria e da prática, da ação e dos valores. Centra-se
aut
nos atores que constroem o conhecimento, para que participem progressiva-
mente, por meio dos processos educativos e das culturas que os constituem
como seres sócio-histórico-culturais. O pilar dessa pedagogia tem sua essência
R
na democracia, que possibilita uma relação dialógica constante entre a inten-
cionalidade do ato educativo e sua prossecução, no contexto com os autores
o
(OLIVEIRA-FORMOSINHO; KISHIMOTO; PINAZZA, 2007; OLIVEI-
aC
RA-FORMOSINHO, 2011).
or
A escuta atenciosa favorece a condução no fazer pedagógico, de um “processo
od V
de procura de conhecimento sobre as crianças, seus interesses, suas motiva-
aut
ções, suas relações, seus saberes, suas intenções, seus desejos, seus modos de
vida, realizado no contexto da comunidade educacional”. Tal escuta requer
R
uma ética de reciprocidade que assegure a cooperação entre os envolvidos
(OLIVEIRA-FORMOSINHO; KISHIMOTO; PINAZZA, 2007, p. 28).
o
Para enriquecer o contexto educativo possibilitando as experiências de
vida das crianças, requer-se que o adulto responsável por essa aprendizagem
aC
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escute as crianças para transformar essa escuta na base das atividades e dos
projetos que partem de seus interesses. Assinala-se que escutar a criança é uma
tarefa complexa, mas possibilita um leque de oportunidades em sua aprendi-
visã
zagem, pois é através da escuta que se pode avaliar esse contexto, balizando
se é significativo ou se a criança está precisando de novas intervenções, ou
seja, de mediações em sua aprendizagem.
itor
or
semelhanças e das diferenças. O segundo eixo baseia-se no pertencimento
od V
e na participação, a partir da constituição e do reconhecimento, no processo
aut
educativo, de laços familiares, ampliados à comunidade local e sua cultura,
centros da educação infantil. O terceiro eixo, sustentado pelo experimentar e
R
comunicar, consiste na pedagogia de aprendizagem experimental, que concebe
a intencionalidade no fazer-experimentar em continuidade e na interação que
o
possibilita a reflexão e a comunicação. O último eixo é o das narrativas das
jornadas de aprendizagem, o qual possibilita a intencionalidade e a compreen-
aC
Considerações finais
or
para aprendizagem.
od V
A discussão decolonial para a infância supera a ideia de uma criança
aut
ausente e negada do meio social e histórico, oprimida e marcada por um
pensamento colonial, na qual é desrespeitada e discriminada por diversos
aspectos sociais. Nessa perspectiva, a proposta da pedagogia-em-participação
R
como processo de educação decolonial para a Infância vislumbra a educação
democrática, participativa e reconhece os direitos da criança e a compreende
o
como sujeito participante, protagonista e competente.
aC
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PEDAGOGIAS DECOLONIAIS E
EDUCAÇÃO DO CAMPO: elementos
para uma aproximação teórica
or
od V
Alder de Sousa Dias
aut
Pedro Correia de Souza
Raimunda Kelly Silva Gomes
R
o
Introdução
aC
O panorama a partir do qual se enquadra o capítulo – e que será desen-
volvido nas próximas seções – é o da dominação geopolítica, econômica,
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que não têm destaque no sistema capitalista e são negados em relação à sua
diversidade existencial, como por exemplo a população negra em geral,
Ed
or
sen Silva et al. (2014), além de outros. Como categorias de análise constam:
od V
colonialidade/modernidade e seu mito sacrificial, decolonialidade, pedagogia
aut
decolonial e a educação do campo.
Em linhas gerais, compreende-se que tanto o pensamento decolonial
R
quanto a educação do campo têm sua própria historicidade. Contudo, para
realizar as devidas aproximações históricas entre um e outro, faz-se necessário
o
desenvolver algumas categorias conceituais e aspectos históricos, políticos
e epistemológicos, próprios do pensamento decolonial, como: colonialismo,
aC
or
Idade Moderna, ou denominado aqui de projeto eurocêntrico de modernidade.
od V
No século XV, algumas nações da Europa, como Espanha, Portugal,
aut
França, Inglaterra e Holanda passam a expandir seus territórios e a engendrar
uma forma de dominação e exploração não apenas de territórios, mas de outros
R
povos. Fato histórico-político que ficou conhecido como Colonialismo, que
de acordo com Quijano (2010, p. 84), designa:
o
[...] uma estrutura de dominação/exploração onde o controle da autori-
aC
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or
cimentos intra-europeus. Trata-se da “descoberta” das Américas, em 1492.
od V
A partir deste marco mundial, a Europa se coloca como “centro” e constitui
aut
as outras culturas como suas periferias. Este fato proporciona a organização
de um mundo colonial e o usufruto de suas “vítimas” (povos originários
R
conquistados, violentados, colonizados) em nível pragmático e econômico.
Por isso, para Dussel (1994), o ano de 1492 é a data de nascimento
o
da modernidade. Apesar de naquele contexto se ter condições de eferves-
cências culturais em várias cidades da Europa, foi por meio da violência
aC
or
A subjetividade moderna eurocêntrica se coloca inocente e como
od V
emancipadora da culpa de suas próprias vítimas.
aut
7. Por fim, apresenta-se a violência como “os custos” da modernização
dos povos “atrasados” (imaturos), das raças escravizadas, do sexo
feminino apresentado como frágil etc.
R
A esta altura do texto, têm-se sucessivos desdobramentos conceituais:
o
do Colonialismo surge a colonialidade; esta, por vez, constitui a modernidade
aC
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negadas, que tomadas por uma postura crítica, buscam afirmar suas vidas ante
o projeto de morte da modernidade/coloniadade, desde o 1492.
Nesse sentido, a decolonialidade se relaciona a uma atitude concreta de
ão
or
como eixos de sustentação de seu poder. Nas palavras de Quijano (2010, p.
od V
85): “Em pouco tempo, com a América (latina) o capitalismo torna-se mundial,
aut
eurocentrado, e a colonialidade e a modernidade instalam-se associadas como
constitutivos do seu específico padrão de poder, até hoje”.
R
Se perduram a colonialidade e a modernidade, perdura também a deco-
lonialidade, que, a despeito de sua origem datar desde 1492 como energia de
o
resistência, suas bases histórico-políticas e epistêmicas são recentes, desde
meados do século XX, conforme destaca Mignolo (2017, p. 14-15):
aC
or
novas epistemes ou paradigmas (moderno, pós-moderno, altermoderno, ciên-
od V
cia newtoniana, teoria quântica, teoria da relatividade etc.)” (p. 15).
aut
Epistemologicamente, as bases da decolonialidade são oriundas de
diferentes quadrantes do planeta, pois a experiência decolonial se localiza
“[...] en la densa historia del pensamiento planetario de-colonial” (MIG-
R
NOLO, 2008, p. 250), o que provoca o surgimento de uma narrativa epistê-
mica de enlace global do pensamento decolonial. O autor corrobora esta ideia
o
em outro texto ao afirmar que a decolonialidade:
aC
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or
pensada exclusivamente por intelectuais, mas é forjada, também, no interior
das lutas e dos movimentos sociais de resistência em todo o mundo, e em
od V
particular no Sul global” (MOTA NETO, 2016, p. 19).
aut
Nesse sentido, a genealogia da decolonialidade, embora surgida com
o 1492, ultrapassa os marcos da América Latina, torna-se mundial, abarca
R
movimentos sociais e instituições e não se limita a indivíduos, a intelectuais,
conforme assevera Mignolo (2008, p. 258):
o
La genealogía del pensamiento de-colonial es planetaria y no se limita
aC
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), assim como traz consigo a elabo-
ração teórica de intelectuais engajados na luta por um mundo mais solidário e
justo e que já produz resultados, como garantias legais e a efetivação de uma
proposta de graduação que rompe com a hegemonia epistemológica-cultural
par
or
Portanto, a pedagogia decolonial é uma denominação genérica dada às
od V
pedagogias críticas que, ao se alinharem praxiologicamente ao pensamento
aut
decolonial, transgridem às inúmeras expressões da colonialidade e da moder-
nidade como mito sacrificial.
R
Nessa direção, Mota Neto (2016) também expressa uma definição de
pedagogia decolonial que tem sua identidade ancorada na práxis da luta
o
contra a colonialidade/“modernidade”, que se dá por meio de processos de
aC
formação humana, tendo em vista a construção de uma sociedade justa,
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patriarcal, que perdura inclusive com outras nuances), por meio de incul-
cações ideológicas e processos educativos conduzidos por jesuítas que, nos
dizeres de Ana Freire (1995, p. 34), estigmatizava o negro, o índio (ambos
ão
não europeus) e:
s
or
cidades se articulam com as relações sociais, de produção, de trabalho,
com o padrão de poder, dominação/subordinação a que esses coletivos
od V
foram subordinados.
aut
Dessas relações de colonialidade impingidas por um projeto eurocêntrico
R
de “modernidade” foram se constituindo desde o Brasil-Colônia, pedagogias
de dominação/subalternização, que se caracterizam pela dominação/subalter-
o
nização dos povos originários, dos negros, dos quilombolas, dos camponeses,
aC
dos ribeirinhos, dos povos da floresta (ARROYO, 2014). Estas experiências
or
Kolling, Vargas e Caldart (2012, p. 502):
od V
aut
A educação entrou na agenda do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST) pela infância. Antes mesmo da sua fundação, ocorrida
em 1984, as famílias Sem Terra, acampadas na Encruzilhada Natalino,
R
Rio Grande do Sul (1981), perceberam a educação da infância como uma
questão, um desafio.
o
aC
De 1981 para este início de século, houve inúmeras lutas protagonizadas
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or
diferenciam esta modalidade de educação. Esses princípios desdobram-se
no comprometimento com a emancipação social, o vínculo com o projeto
od V
de desenvolvimento autossustentável, a luta pela afirmação cultural dos
aut
diferentes povos camponeses entre outros direitos sociais.
R
Não sem motivo, esta aproximação histórica contribui para aproximações
teóricas, pois, por exemplo, Silva et al. (2014) se embasam em autores como
o
Aníbal Quijano, Catherine Walsh e Walter Mignolo – notadamente, intelectuais
aC
engajados que ajudam a construir o pensamento decolonial na América Latina.
Muitas outras conquistas estão por ser tornar ato. No entanto, a conjun-
tura da política nacional, desde o atual Presidente da República a todos os
s
ministros que têm passado pelo Ministério da Educação, muito mais têm se
ver
Considerações finais
or
e epistemológica que acomete diversas dimensões da existência humana, de
od V
inúmeros povos, gerando subalternizados, “colonizados” de mente, gente que
aut
não se reconhece como gente, mas como inferior, sub-humano. Fato que se
assemelha à origem do pensamento decolonial como energia de resistência,
desde o ano de 1492.
R
A educação do campo, além de contar com movimentos sociais e entida-
des como seus principais animadores, conta também com intelectuais engaja-
o
dos na sua estruturação praxiológica. Este dado se coadura com a genealogia
aC
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do pensamento decolonial.
Outro dado importante de ser destacado como aproximação por seme-
lhança é que suas histórias, apontam que ambas lutam por uma estrutura
societal de justiça, que valoriza a diversidade étnica dos povos, assim como
visã
seus saberes em diálogo com outras fontes culturais.
Estes são alguns elementos preliminares que apontam a urgente necessi-
dade de se discutir/propor articulação entre a educação do campo e o pensa-
itor
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MOTA NETO, João Colares da. Por uma pedagogia decolonial na América
Latina: reflexões em torno do pensamento de Paulo Freire e Orlando Fals
par
or
od V
Vitor Sousa Cunha Nery
aut
R
Introdução
o
A proposta de tematizar os estudos subalternos e decoloniais e a pesquisa
aC
em História da Educação parte de dois pontos fundantes. O primeiro é a per-
cepção de que sujeitos e grupos populares têm ficado à margem de produções
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nidade/Colonialidade” (M/C).
a re
or
(2012), Grosfoguel (2016), Streck (2007), Mota Neto (2015), entre outros.
od V
Assim, discorremos sobre os estudos subalternos e decoloniais, seus
aut
principais conceitos e sobre produções científicas que abordam essas teorias
em consonância com a História da Educação Latino-Americana. Em seguida,
apontamos as discussões sobre os estudos subalternos que têm a América
R
Latina como Lócus de Enunciação. Por fim, discutimos a decolonialidade e
suas contribuições para a pesquisa histórico-educacional.
o
aC
Nos anos 1970, na Índia, alguns pensadores, como Ranajit Guha e Gaya-
try Spivak, passam a utilizar o termo “subalterno” para se referir a grupos
marginalizados; grupos esses que não possuem voz ou representatividade, em
decorrência de seu status social. De acordo com Guha (2011) o subalterno
par
pode ser uma classe, casta, idade, gênero, ocupação ou qualquer outra forma
de dominação que indique uma condição de subalternidade. Spivak (2010)
Ed
refere-se ao termo subalterno não apenas para designar o oprimido, mas tam-
bém como forma de representação dos que não conseguem lugar de atuação na
sociedade. Refere-se àquelas pessoas que não conseguem falar, se posicionar,
ão
or
também em outras regiões do mundo, como na América Latina. Na década
od V
de 1990, nos Estados Unidos, surgiu um Grupo Latinoamericano de Estudos
aut
Subalternos, composto por intelectuais de setores da esquerda, formado por
cinco integrantes: John Beverley, Robert Carr, José Rabasa, Javier Sanjinés
e Ileana Rodrigues.
R
Para a pesquisa em História da Educação, advoga-se que os estudos
subalternos podem trazer contribuições em termos teóricos e metodológicos,
o
mas principalmente no sentido de retificar a inclinação elitistas da escrita
aC
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no quadro a seguir.
Ed
textos selecionados
Fontes da Pedagogia Latino-
Danilo Streck 2010
Americana: uma antologia.
José Gondra História da Educação na América
2011
José Claudio Somma Silva Latina: ensinar & escrever
continua...
116
continuação
Autores Ano Título
Claudia Alves História e Historiografia da
2012 Educação Ibero-Americana:
Ana Crystina Mignot projetos, sujeitos e práticas.
Por uma Pedagogia Decolonial
João Colares da Mota Neto 2016
na América Latina
José Gondra Imprensa Pedagógica na Ibero-
or
2018
Ana Clara Bortoleto Nery América: local, nacional e transnacional
od V
Adriane Raquel Educação para mulheres
2019
aut
Santana de Lima na América Latina
A Educação Popular Latino
Oscar Jara 2020 Americana: História e Fundamentos
o
Fonte: Elaboração do autor.
aC
Em relação a possibilidades para a pesquisa em História da Educação
or
como locus de enunciação
od V
aut
O Grupo Latinoamericano, segundo Mignolo (2003), consiste princi-
palmente de críticos literários e culturais, embora inclua um historiador, um
R
antropólogo e um cientista político – nunca foi uma questão crucial à histo-
riografia como formação disciplinar, como nos Estudos Subalternos do Sul da
o
Ásia. Para Beverley (2004), a institucionalização dos Estudos Culturais nos
Estados Unidos levou-o a se inclinar para esse campo, onde encontrou uma
aC
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crítica decolonial – uma crítica por parte dos povos e saberes silenciados e
subalternizados) (MIGNOLO, 2003). Diante disso, o diálogo com o Grupo
Latino‑americano de Estudos Subalternos, tornou evidente a necessidade de
transcender epistemologicamente – ou seja, de decolonizar – a epistemologia
e o cânone ocidentais.
118
or
contribui para modernidade ao mesmo tempo que a modernidade produz o
od V
Terceiro Mundo, ou, de forma equivalente, como interagem no interior da
aut
diferença colonial da modernidade (CHAKRABARTY, 2000).
O autor coloca como grande desafio aos historiadores resgatar as histórias
subalternas e manter o sujeito subalterno como sujeito da História, condição
R
necessária para sua participação na sociedade e construção de um mundo
mais plural. Esse desafio podemos estender também para os historiadores
o
da educação para a produção e divulgação de estudos e pesquisas sobre os
aC
or
mento porque conhecimento é produzido em toda parte. Quando Chakrabarty
od V
reconhece o problema e propõe “Provincializar a Europa” como um projeto
aut
para atuar no sentido da de-subalternização do conhecimento, Dussel propõe
um projeto transmoderno que atuará na interseção e na contribuição planetária
R
para construir a pluriversidade, sem ignorar as relações de poder, ou, como
diria Quijano, a colonialidade do poder.
o
A pretensa superioridade do saber europeu, nas mais diversas áreas da
vida, foi um importante aspecto da colonialidade do poder no sistema-mundo
aC
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cimento gerado desde o Norte Global, Walsh (2012), propõe uma intercul-
turalidade epistêmica, traduzida como um projeto político e epistemológico
de intervenção na realidade social que considera e revisa aspectos históricos
s
or
dos como projetos globais, criando-se um imaginário dominante do sistema
od V
mundo colonial/moderno.
aut
A diferença colonial (física e imaginária) é tida natural como parte da
ordem universal, onde há uma subalternização de saberes, povos e culturas.
R
Para questionar essa ordem, o autor propõe o pensamento liminar/crítico com
a valorização dos saberes subalternos, onde pensamento liminar é o espaço
o
onde as histórias locais adotam, integram, adaptam, rejeitam ou ignoram os
projetos globais (MIGNOLO, 2003).
aC
não etnocida.
a re
or
longe propondo o abandono dos estudos sobre a escola como instituição de
od V
educação, em seus moldes mais clássicos. Entretanto, é necessário avançar
aut
na proposição de novos olhares sobre o mesmo problema de pesquisa, bem
como novos objetos e abordagens (SHUELER, 2014).
R
A história da educação escolar foi, em grande parte, ensinada nos prin-
cípios epistemológicos do colonizador branco, masculino, racional, cristão e
o
heteronormativo europeu. Fazemos um ensino de história que invisibiliza os
conhecimentos e saberes dos povos indígenas, afro-brasileiros, quilombolas,
aC
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sujeitos para que, assim, pudessem afirmar seu próprio imaginário. Para
tanto, foi preciso reprimir e destruir “los modos de producción de conoci-
Ed
capitalista cria e transmite valores que dão legitimidade aos interesses domi-
nantes como se outras alternativas não fossem possíveis e de que a história,
como consequência, devesse ser constantemente adulterada para a sustentação
destes interesses (STRECK; ADAMS; MORETTI, 2010, p. 23).
Desse modo, não há como negar o “legado” da modernidade que chegou
como imposição na América Latina e em especial na área da Educação com
a colonialidade pedagógica, mas é necessário reconhecê-la e contextualizá-la
or
histórica e epistemologicamente por meio da História da Educação.
od V
Os estudos e pesquisas em História da Educação com perspectivas
aut
decoloniais nos cursos de formação de professores, podem contribuir com o
rompimento das colonialidades presentes em nossa sociedade que começam
R
a ser ensinadas em sala de aula desde a educação básica, onde os currículos
supervalorizam a cultura europeia branca, heterossexual, cristã e masculina
o
e inferiorizam e subalternizam outros povos, em especial os indígenas e afri-
canos. De nossa parte, considera-se que as colonialidades presentes nos cur-
aC
suas incertezas. Por mais que o pesquisador tente se aproximar de uma ver-
ver
or
então como devemos analisar esses tipos de fontes numa perspectiva decolo-
od V
nial? Primeiro é preciso admitir que esse tipo de trabalho não é simples e que
aut
o auxílio de outras áreas do conhecimento como a antropologia, a arqueologia,
a sociologia, a demografia e a geografia podem contribuir bastante nas análises
históricas realizadas no campo da História da Educação.
R
Os pesquisadores dos setores subalternos e decoloniais, propõem inova-
ções nas análises de fontes históricas, em particular porque os grupos subal-
o
ternos não deixam seus próprios documentos. Embora apele para alguns
aC
documentos tradicionais no campo da historiografia, como arquivos oficiais
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objetivo de prestar conta sobre assuntos diversos, tais como: família impe-
rial, tranquilidade pública, segurança particular, força pública, repartição
de polícia, prisões, administração da justiça, guarda nacional, recruta-
ão
or
processos relacionados à constituição de identidades pessoais e profissionais.
od V
Os relatórios presidenciais partem de um lugar de poder e de um lugar insti-
aut
tucional onde podemos perceber as colonialidades, registradas e presentes no
cotidiano da vida pública em determinado momento histórico.
R
No processo de analisar os subalternos como protagonistas das ações
históricas por meio das fontes oficiais, eles só começam a fazer sentido para os
o
pesquisadores na medida em que as evidências, e pistas, que estão “por detrás”
do que aparentemente os documentos trazem, conjuntamente com um trabalho
aC
não escritas, usando a chamada “história oral”, mas também apelando para
documentos audiovisuais, testemunhos ou ficcionais. Para Mignolo (2002), o
ão
não é apenas uma nova “fonte” para a historiografia, ela é produção de conhe-
ver
or
e expressão do homem em relação a si próprio, aos demais indivíduos e ao
od V
meio em que vive.
aut
A produção historiográfica que, por muito tempo, excluiu as fontes
visuais como fontes históricas e que, ainda, impõe uma desconfiança à ico-
R
nografia quando se trata de utilizar tais fontes no estudo de determinados
temas históricos, rende-se à importância das charges para estudar a história da
o
educação e a história da infância numa perspectiva dos Estudos Subalternos
e Decoloniais (MIANI, 2016).
aC
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possível, pode ser por meio da História Intelectual, que, nos últimos anos,
a re
vem renovando sua área de atuação e não se limita somente aos estudos dos
“grandes intelectuais do mundo letrado”, mas também aos dos intelectuais
do mundo iletrado”, assim como aos chamados “intelectuais da educação”,
onde o foco tem sido a história e atuação de determinados personagens que,
de um modo ou de outro, deixaram contribuições singulares ou plurais no
par
or
Ana Maria
2 2017 Tese produção didático pedagógica:
Maciel Corrêa
od V
Ester Nunes Bibas e a Educação do Pará
aut
Raymundo Nogueira de Faria e a “Ilha da
Redenção”: um projeto de vida intelectual Andreson
3 2017 Tese dedicada aos “deserdados da sorte” Carlos Elias
R
em Belém do Pará, Brasil, na primeira
metade do século 20
Barbosa
o
Catequização e pacificação na
Província do Amazonas: As viagens de
aC
4 2018 Artigo Irma Rizzini
Antonio de Macedo Costa e João Barros
e a Educação Comparada quer que este se construa sobre fatos que pertencem
à realidade educativa de modo a dar a esta uma compreensibilidade que a
s
or
N. Ano Natureza Título Autor
od V
Raça e Educação na América Latina:
aut
Marlucy do
um estudo comparado do pensamento
1 2014 Dissertação Socorro Aragão
de José Veríssimo (Brasil/1857-1916) e
de Sousa
José Ingenieros (Argentina/1877-1925)
R
A Educação Popular na América latina:
um estudo comparado do pensamento Micheli
o
2 2014 Dissertação social de Simón Rodríguez (Venezuela, Suellen Neves
aC
1771-1854) e Antônio carneiro Leão Gonçalves
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
(Brasil, 1887-1966)
Educação e Democracia: um estudo
comparativo entre o Pensamento de Adriana Dias de
3 2015 Dissertação
Pascoal Lemme (1904-1997) e Anísio Moura
visã
Texeira (1900-1971)
Educação Popular e Pensamento
João Colares da
4 2015 Tese Decolonial Latino-Americano em Paulo
Mota Neto
itor
mico. Foi por meio de muitas reivindicações, que a cultura material passou
a fazer parte da agenda de relevância social, histórica, cultural e educativa
(FUNARI, 1993). A cultura material escolar tem se constituído um tema
s
or
Os historiadores da educação na Amazônia conseguiram avançar em seus
od V
estudos sobre Cultura Material para além da escola, trabalhando também os
aut
contextos não escolares por meio de artefatos culturais dos sujeitos subalternos
amazônicos, conforme podemos observar no quadro a seguir.
R
Quadro 4 – produções sobre cultura material em
contextos escolares e não escolares
o
aC
N. Ano Natureza Título Autor
“estado de ruínas”
a re
or
ocorreram exatamente daquela forma (FÁVERO, 2000).
od V
Ao analisar as fontes, o papel do pesquisador é verificar o passado por
aut
meio dos olhos do presente e a luz dos seus problemas de pesquisa, seu
principal trabalho não é registrar, mas avaliar numa base teórica, no nosso
R
caso optamos pelos Estudos Subalternos e Decoloniais, pois o passado que é
estudado não é um passado morto, mas um passado que, em algum sentido,
o
está ainda vivo no presente, no caso deste estudo, por meio das colonialidades.
É o problema e o tema que o pesquisador se propõe a estudar que nortearão
aC
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conta aquilo que foi possível saber a respeito do que se quer saber (LOPES;
a re
GALVÃO, 2005).
No trabalho com as fontes, aprendemos que quando adentramos num
arquivo, dialogamos com as diversas fontes, conseguimos compreender o não
dito ou aquilo que foi esquecido ou silenciado; há uma sensação de descoberta
e de fascínio. Compreendemos que os arquivos não guardam apenas desejos,
par
Considerações finais
ão
or
quisa como de ensino, melhorando a qualidade da formação de professores
od V
da educação básica e de futuros pesquisadores.
aut
R
o
aC
REFERÊNCIAS
BEVERLY, John. Subalternidad y Representación: debates en teoría cul-
tural. Madrid, Espanha: Iberoamericana Vervuert, 2004.
or
In Freire, Raúl Rodríguez (comp.). La (re)vuelta de los Estudios Subal-
od V
ternos. Una cartografía a (des)tiempo, Antofagasta. Santiago, Chile: Ocho
aut
Libros/Universidad Católica del Norte, 2011. p. 334-357.
R
and Historical Difference. Princeton: Princeton University Press, 2000.
o
DUSSEL, Enrique. Meditaciones anti-cartesianas: sobre el origen del anti-
aC
discurso filosófico de la Modernidad. Tabua Rasa, Bogotá, Colômbia, v. 9,
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
p. 153-197, 2008.
FRANÇA, Maria do Perpetuo Socorro Avelino Gomes de; NERY, Vitor Sousa
ver
or
od V
GROSFOGUEL, Ramón. La opción decolonial: desprendimiento y aper-
aut
tura. Um manifiesto y un caso. Tabula Rasa, Bogotá, Colômbia, v. 8, 243-
282, 2008.
R
GROSFOGUEL, Ramón. A estrutura do conhecimento nas universidades oci-
dentalizadas: racismo/sexismo epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídio
o
do longo século XVI. Revista Sociedade e Estado, Brasília, v. 31, n. 1, 2016.
aC
or
od V
NERY, Vitor Sousa Cunha; NERY, Cristiane do Socorro dos Santos; DIAS,
aut
Alder de Sousa. Decolonizar a História da Educação: contribuições teóricas
dos estudos subalternos e do pensamento decolonial. History of Education
in Latin America – HistELA, v. 3, e21799, 2020.
R
NUNES, Clarice. Pesquisa Histórica: um desafio. Caderno ANPED, Rio de
o
Janeiro, n. 2, p. 37-47, 1989.
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
(re)existir y (re) vivir. Tomo I. Quito, Ecuador: Ediciones Abya Yala, 2013.
p. 273-303.
or
Associados, 1996.
od V
aut
SCHUELER, Alessandra Frota Martinez de. Educação, experiência e emanci-
pação: contribuições de e. P. Thompson para a história da educação. Trabalho
Necessário, Niterói, UFF, v. 12, n. 18, 2014.
R
SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? Tradução: Sandra
o
R. Goulart Almeida, Marcos Feitosa, André Feitosa. Belo Horizonte, Brasil:
aC
Editora UFMG, 2010.
p. 185-210, 2012.
s ão
ver
POR QUE SULEAR? MARCAS
DO NORTE SOBRE O SUL, DA
ESCOLA À GEOPOLÍTICA11
or
od V
Marcio D’Olne Campos12
aut
UNICAMP e Proposta SULear
R
Introdução
o
aC
Partindo de um texto anterior (CAMPOS, 2016) serão aqui considera-
dos alguns problemas do ensino que envolvem noções de espaço e lugar nas
relações céu-terra, sobretudo, presentes no ensino fundamental. Desta forma,
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
11 O presente texto foi escrito reconsiderando elementos do capítulo de livro já publicado: Campos, M. D.
Por que SULear? Astronomias do Sul e culturas locais. FAULHABER, Priscila; BORGES, Luiz C. (org.).
par
em Ciências Sociais 1992-98). Desde 1980 trabalha em educação (formal e não formal) e pesquisa antro-
pológica/etnográfica sobre relações sociedades-humanos-natureza e saberes, técnicas e práticas locais.
Enfatiza as categorias tempo espaço e lugar nos ritmos e marcadores naturais e sociais de tempos, na
percepção ambiental e nas relações céu–terra (Etnoastronomia e Astronomia nas Culturas). Em outra
vertente trabalha com antropologia da alimentação e patrimônios culturais. Seus interlocutores situam-se
em sociedades indígenas (Kayapó) e costeiras (caiçaras), assim como entre descendentes de imigrantes
italianos (ES e MG). mdolnecampos@sulear.com.br
13 Sobre esse tema ver, sobretudo o primeiro parágrafo de Paulo Feire no diálogo Leitura da palavra... leitura
do mundo (FREIRE; CAMPOS, 1991). Disponível em: http://sulear.com.br/texto06.pdf. Acesso em: 15
set. 2019.
136
or
colaborações interculturais” sem a menor consideração pelo conceito antro-
od V
pológico de cultura. Tais opções têm sido trazidas para o seu devido lugar,
aut
por exemplo, por Catherine Walsh da Universidad Andina Simón Bolívar
através de suas preocupações com o exercício de uma pedagogia decolonial
pautada pela perspectiva da interculturalidade crítica como ela bem reafirma
na introdução de seu artigo:
R
o
Este artículo parte de la necesidad – todavía presente y crecidamente
aC
urgente -, de críticamente leer el mundo, intervenir en la reinvención
el “problema” está disuelto -, como por las luchas que los movimientos
a re
escena – pensando desde y con las luchas arriba señaladas – una pers-
pectiva crítica de la interculturalidad, la que se encuentra enlazada con
Ed
or
depende de onde eu vejo/percebo – de que ponto de vista. Nesse sentido, o
od V
referencial prioritário de observação de fenômenos próprios das relações
aut
céu-terra é o de pé-no-chão e olho atento para todos os lados, ou seja, o ponto
de vista centrado no lugar em que estamos, isto é, o referencial topocêntrico.
Note-se que a partir das virtuais posições geocêntricas, heliocêntricas ou
R
outras, só se pode calcular ou teorizar sobre o que é imaginado, a não ser que
sejamos todos astronautas para os quais, longe da Terra, não existe nem acima,
o
nem abaixo. O astronauta isolado tem nele o seu próprio centro de gravidade.
aC
Algumas dessa questões dependem de cuidadosas leituras e releituras
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
só, mas à geopolítica do conhecimento. Consequentemente, a opção des-
od V
colonial significa, entre outras coisas, aprender a desaprender [...], já que
aut
nossos (um vasto número de pessoas ao redor do planeta) cérebros tinham
sido programados pela razão imperial/colonial. Assim, por conhecimento
ocidental e razão imperial/colonial compreendo o conhecimento que foi
R
construído nos fundamentos das línguas grega e latina e das seis línguas
imperiais europeias (também chamadas de vernáculas) e não o árabe, o
o
mandarim, o aymara ou bengali, por exemplo (MIGNOLO, 2008, p. 290).
aC
SULear
or
Essa orientação para o Hemisfério Norte, não é apenas espacial, mas
subjetiva e referindo-se até à “direção moral”. Isso é evidentemente ratificado
od V
pelas representações – sobretudo geocartográficas do Norte acima e superior
aut
por oposição ao Sul abaixo, inferior.
Dessas relações, pautadas pela superioridade do norte sobre o sul, resul-
R
tam condicionamentos nocivos sobre a construção do conhecimento, assim
como de práticas, tanto no meio escolar, como fora dele, no cotidiano das
o
vivências na metade Sul do Planeta.
aC
Estranhamentos e indignações sobre tendências a nos NORTEarmos
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
14 Detalhes sobre a origem do termo SULear e a relação com a obra de Paulo Freire encontram-se verbete
Sulear muito bem elaborado por Antônio Carlos Silva Júnior, um dos autores nesse dossiê. Disponível
em:https://pt.wikipedia.org/wiki/Sulear. Acesso em: 23 jun 2015. Ver também: Campos M. D. Paulo Freire
adere ao SULear (extratos), Rio de Janeiro, 2017. Disponível em: http://www.sulear.com.br/textos/p_freire_
sulear.pdf. Acesso em: 14 jul. 2019.
140
or
o Norte (N) à frente e o Oeste (W) à esquerda. O consequente absurdo é que
od V
nos puseram de costas para o Sul.
aut
Quando se fala de orientação à noite, o que em geral e inadvertida-
mente se recomenda é que “à noite você deve se orientar pela constelação
R
do Cruzeiro do Sul (Cruxis)”. Aí começam a surgir as inconsequências
pedagógico-educacionais.
o
Quem vive no Hemisfério Norte, usa com êxito esta regra, uma vez que
com o braço direito para Leste e o Norte à frente, este esquema se encaixa
aC
e contextualizadas.
Por outro lado, o Cruzeiro do Sul é frequentemente15 visível no sentido
Sul. O absurdo é que nos impõem dar as costas para essa constelação pela pura
e simples “importação” de uma regra que, sendo prática para o Hemisfério
par
nos foi importada ou escorreu lá de cima do Norte para que nós a “engolís-
semos” sem ao menos conferir sua aplicabilidade. Obedecendo cegamente a
ão
ao Sul e, conhecendo o sentido sul sabermos que o Cruzeiro está atrás de nós.
ver
15 ‘Frequentemente’ aqui se refere ao fato que à medida em que as latitudes se tonam menores ao nos
aproximarmos do equador (latitude 0º) apenas parte do círculo descrito pelo Cruzeiro em torno do polo sul
celeste poderá ser observada – apenas a metade pode ser vista na latitude do equador.
PEDAGOGIAS DECOLONIAIS NA AMAZÔNIA:
Fundamentos, Pesquisas e Práticas 141
nossa direita, pôr fim estaremos de frente para o sul. Desse modo o diuturno
esquema prático corporal – agora escolhendo apontar a mão esquerda para
o Sol nascente – nos permitirá SULear16 à noite pelo Cruzeiro do Sul e, no
fundo, também de dia quando o Sol nascerá à nossa esquerda e nosso esquema
corporal de orientação se manterá coerente.
Ao contrário, ORIENTar-se apontando a mão direita para o Sol nascente
nos obrigaria a darmos meias voltas entre cada dia e cada noite para nos colo-
or
carmos de frente para o norte e de frente para o sul alternadamente. Tudo isso
od V
para satisfazer a regra do Norte?!
aut
Figura 1 – Esquema corporal que parte da mão esquerda apontando
o Sol nascente para a orientação apropriada ao Hemisfério Sul
R
o
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
visã
itor
a re
É revoltante que uma simples regra prática utilizável no Norte seja assu-
mida aqui no Sul como se fosse uma teoria globalizante quando, de fato, é
s
ver
16 Em outras línguas, por exemplo: SULear (br), SURear (es), SUDer (fr). Em inglês foi um pouco mais difícil
encontrar um correspondente. O termo SOUTHing (en) me foi sugerido por Ana Cecília G. A. de Camargo.
Ao mesmo tempo, Roberto Machado encontrou em Ulisses (James Joyce) o termo “suleando”. Este apa-
rece na tradução de Caetano Waldrigues Galindo (UPPR) referente ao termo “southing” da edição original.
Agradeçemos a todos.
17 Ver/ouvir: “Não existe pecado ao sul do equador” (Chico Buarque; Ruy Guerra). Disponível em: http://www.
vagalume.com.br/chico-buarque/nao-existe-pecado-ao-sul-do-equador.html. Acesso em: 7 maio 2016.
142
uma regra inapropriada a ponto de nos levar a dar as costas para o Cruzeiro
do Sul, até mesmo nas observações noturnas desta constelação. Descasos
dessa ordem sobre o contexto no qual nos situamos para observar permeiam
nossos livros didáticos assim como a internet. O exemplo da Figura 2 ilustra
uma absurda “Orientação pelo Cruzeiro do Sul”. Numa observação noturna
vemos uma menina olhando para o norte com o Cruzeiro do Sul atrás dela.
Portanto, a menina obedece literal e cegamente a regra do Norte para apenas
or
imaginar a constelação do Hemisfério Sul na sua retaguarda.
od V
aut
Figura 2 – SULeamento às avessas pelo Cruzeiro do Sul para preservar
a absurda regra do Norte que aponta a mão direita para o Sol nascente
e nos coloca de costas para a constelação que nos SULeia
R
o
aC
fia” do “Brasil Escola” 18. Nele mostra-se a regra na qual se deve, suposta-
ver
mente, apontar a mão direita para o Sol nascente e menciona-se, sem mais
detalhes, que à noite devemos nos servir das estrelas para as orientações
18 Os dois maus exemplos citados estão disponíveis em Colaweb, “Meios de Orientação e Localização – Orientação
pelo Cruzeiro do Sul” https://www.coladaweb.com/geografia/meios-orientacao-localizacao e em Brasil Escola
https://m.brasilescola.uol.com.br/amp/geografia/orientacao-pelos-astros-estrelas.htm. Acesso em: 18 jul. 2019.
PEDAGOGIAS DECOLONIAIS NA AMAZÔNIA:
Fundamentos, Pesquisas e Práticas 143
or
que contexto e com que precisão?!
Tratando-se de ciências, técnicas, práticas e experimentações, sabe-se
od V
que em geral, é o contexto no qual a experimentação se efetua e os objetivos
aut
a serem atingidos que devem se coadunar com a precisão, assim como com o
conjunto de métodos e os artefatos aos quais se recorrerá. Nada disso é mais
R
– ou menos – primitivo. Todos são modos de construir saberes locais apro-
priados aos contextos vivenciados ao longo do tempo pelas diferentes pes-
o
soas que compõem a diversidade sociocultural do planeta (GEERTZ, 1999;
aC
CAMPOS, 2002).
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Continuemos, agora com boas práticas nos céus do Sul onde, a partir do
Cruzeiro do Sul, encontra-se o polo sul celeste (PSC) e a partir dele deter-
mina-se a linha no sentido do sul geográfico a partir do observador, isto é, a
visã
linha meridiana local sul-norte. O processo não é tão direto quanto na busca
do norte a partir da Estrela Polar, pois esta é afortunadamente coincidente com
o PNC. Essa coincidência leva algumas populações indígenas da América do
itor
19 Esse “nunca” é relativo pois um dos movimentos da Terra é o de Precessão do eixo polar, análogo a um
s
peão quando vai perdendo energia sendo o eixo do mesmo não mais vertical. Portanto o eixo polar – apesar
ver
hoje e até um futuro muito longínquo ainda apontar para a Polar – inscreve lentamente um círculo no céu
de tal modo que passados muitíssimos anos, a Estrela Polar não será mais polar. O período de uma volta
completa do “peão” é de cerca de 26.000 anos. Desse modo, quando o eixo polar não mais apontar com
boa aproximação para a Estrela Polar um enorme número de gerações já terá se adiantado sobre as que
vivem atualmente no Planeta. Em dois níveis, respectivamente introdutório e mais avançado recomenda-se
as discussões de: 1) “Precessão” http://www.cienciaviva.pt/rede/space/home/anexo3.asp>. 2) “Precessão
do Eixo da Terra” http://astro.if.ufrgs.br/fordif/node8.htm. Acesso em: 28 jul. 2019
144
or
Dificuldades enquanto pedestres no reticulado N-S e L-W das ruas de New
od V
York são um bom exemplo do literal desnorteamento.
aut
Da orientação espacial à ideologia e à geopolítica
R
A proposta SULear surgiu da contestação sobre as formas estrangei-
ras que nos chegam do Norte desorientando os modos de vivenciar e ler o
o
mundo nesse Sul de nossos lugares e espaços – espaços estes por nós cons-
aC
pelo modo como são tratadas no ensino fundamental (alunos até cerca de 10
anos). Pelo menos na fase inicial da construção desses saberes no e para o
Sul é até importante que nos sintamos desNORTEados para o benefício de
uma educação contextualizada, problematizadora e, portanto, mais transfor-
par
20 Ver a descrição dos procedimentos no site do Centro de Divulgação da Astronomia – Observatório Dietrich
Schiel do Centro de Divulgação Científica e Cultural (CDCC) da USP – Cruzeiro do Sul por Tamires Cristina
de Souza, disponível em http://www.cdcc.usp.br/cda/jct/cruzeiro-sul/index.html. Ver também “SULear vs
s
21 Aqui nos referimos a Michel De Certeau na sua discussão sobre “Espaços” e “lugares” (1998, p. 201): o lugar é
aquilo que tem o seu próprio (como uma a caixa de correio própria de alguém) enquanto espaço é socialmente
construído. Ver também o livro ‘Espaço e Lugar: a perspectiva da experiência’ por Y-Fu Tuan (1983).
22 Segundo o Houaiss a adequação do termo é garantida: “1. germinar ou fazer germinar (a planta), pela
fixação da raiz; 2) estabelecer(-se), assentar(-se), firmar(-se) de maneira definitiva ou profunda
23 A noção de arraigamento ecológico foi elaborada por Alexandre Martins de Araújo durante seus estudos sobre
os processos de migração e adaptabilidade, envolvendo populações rurais que ocupam regiões periféricas de
PEDAGOGIAS DECOLONIAIS NA AMAZÔNIA:
Fundamentos, Pesquisas e Práticas 145
de Araújo presente como coautor num dos textos desse Dossiê SULear. Perce-
be-se, em adição, que arraigamento ecológico parece se articular bem com as
ideias da ‘ecologia social’ numa abordagem, com origem desde os anos 1990,
por Becker et al. (1997) do qual é importante trazer algumas defesas que
justificam essa proposta:
or
different aspects of the society/nature relationship, growing awareness
od V
of social activities outside the market economy, in terms of “social sus-
taining functions” (as analogous to “ecological sustaining functions”) ...,
aut
or to institutional aspects within Ecological Economics, might indicate
a common emerging tendency. It remains to be seen, however, whether
R
these tendencies will result in the emergence of a single transdisciplinary
model of sustainability research, or whether a stimulating multiplicity of
o
cooperating approaches will emerge (BECKER et al., 1997, p. 45).
The decisive reason yet is related to an original scientific challenge. This
aC
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Goiânia. Em tais estudos, o autor concebe o arraigamento ecológico como sendo o conjunto de estratégias
ão
música crioula do Uruguai e da Argentina. Ele era o âncora do programa “Cantos do Sul da Terra” na Rádio
ver
Cultura FM de Porto Alegre até a extinção da Fundação Piratini em 30/5/2018. Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=sLLdw5btNGc>. Acesso em: 7 ago. 2019.
25 Mario Benedetti, El Sur también Existe. Disponível em: http://www.poemas-del-alma.com/mario-benedetti-
-el-sur-tambien-existe.htm> e composta e cantada por Joan Manuel Serrat em: https://www.youtube.com/
watch?v=1ZF6fHU-zEY. Acesso em: 8 maio 2016. A poesia em texto se encontra em BENEDETTI, Mario. El
Sur también existe. In: Preguntas al azar (poesía), Buenos Aires: Seix Barral, 1993. p. 167-171. A composição
de Ricardo Arjona Si el Norte fuera el Sur (CD, CDPL 485254, Columbia, distr. Sony Music, México) intitula
146
or
El Sur También Existe
Mario Benedetti
od V
Con su ritual de acero, con sus predicadores, con su corno francés
aut
sus grandes chimeneas, sus gases que envenenan, y su academia sueca,
sus sabios clandestinos, su escuela de chicago, su salsa americana
su canto de sirenas,
sus cielos de neón,
sus ventas navideñas,
R
sus dueños de la tierra,
con sus trapos de lujo
y su pobre osamenta,
y sus llaves inglesas,
con todos su misiles
y sus enciclopedias,
o
su culto de dios padre sus defensas gastadas, su guerra de galaxias
y de las charreteras, sus gastos de defensa, y su saña opulenta,
aC
pero aquí abajo, abajo, pero aquí abajo, abajo, pero aquí abajo, abajo,
visã
el hambre disponible, cada uno en su escondite, cerca de las raíces,
recurre al fruto amargo hay hombres y mujeres es donde la memoria
de lo que otros deciden, que saben a qué asirse, ningún recuerdo omite,
mientras el tiempo pasa aprovechando el sol y hay quienes se desmueren
y pasan los desfiles, y también los eclipses, y hay quienes se desviven,
itor
or
bem familiarizado com o Brasil, traz um interessante comentário sob essa
od V
mesma argumentação:
aut
O SUL não é somente um referente histórico e geográfico, mas pode
converter-se numa ferramenta para produzir conhecimentos diferentes e
R
relações sociais, interculturais, simétricas, emancipadoras dentro da diver-
sidade humana. Construir esse SUL, evitando qualquer tipo de hegemonia
o
e relações de poder, implica pensar para além das etnias, as culturas, as
aC
raças, as religiões, as fronteiras e conviver com a grande diversidade
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26 Mariano Baez Landa. Ver “Buscando um Norte às avessas” em http://sulear.com.br/beta3/#3. Texto original
em: Buscando Un SUR Epistémico. Propuestas para GT-CLACSO – Experiencias de Frontera. Contextos
social, político y epistemológico. Bogotá, (mimeo). 2016.
148
or
MIGNOLO, 2015 p. 289).
od V
Globos terrestres onde o Sul passa ao largo – ou abaixo
aut
A impropriedade da regra corporal norteada de orientação se repete no
R
uso de artefatos importados, ou mesmo fabricados no Sul, como globos ter-
restres, planisférios27 e mapas de menor escala encontráveis no comercio e
o
nas escolas.
Como sabemos – embora valha a pena insistir – o globo representa o
aC
de tal modo que o plano no qual pisamos pode ser pensado como paralelo
ao plano horizontal imaginado que tangencia o globo no nosso lugar. Assim
podemos pensar na analogia pela qual estamos tão de pé no nosso chão como
no nosso “chão” correspondente e imaginado sobre o globo. Se nos represen-
par
fora da Terra mantendo-o com o Norte acima. Nesse caso, sabemos que esse
olhar é semelhante ao de um astronauta no espaço para quem, na ausência de
gravidade, não existe nem acima, nem abaixo.
Uma alternativa interessante são os globos antigos que apesar de mais
engenhosos e caros, permitem, não só representar o movimento de rotação,
como também girar os planos meridianos (N-S) de modo que o eixo polar
aponte em qualquer direção. Com isso podemos representar o nosso horizonte
or
no chão e no globo simultaneamente. O globo da Figura 4 é desse tipo antigo.
od V
Em qualquer lugar do mundo podemos representar nosso horizonte como um
aut
plano paralelo àquele no qual estamos de pé.
R
Figura 4 – Globo terrestre antigo com dois movimentos nas direções
dos paralelos e dos meridianos. O globo gira em torno do eixo polar e
complementarmente o anel meridiano pode completar 360º. Globo terrestre, 1829
o
aC
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visã
itor
a re
par
Fonte: https://sigarra.up.pt/fcup/pt/web_base.gera_pagina?p_pagina=1019888.
Ed
Estes têm uma base no Sul embaixo que mantem o Norte acima.
Assumindo o globo terrestre como um modelo conveniente para o nosso
Planeta, pode-se pensar que dele são gerados os mapas – representações planas
do globo ou de partes do globo. Sua elaboração pode envolver vários tipos
de projeção para representar a esfericidade do globo num plano ou folha de
150
Figura 5 – Projeção das “cascas” dos gomos de uma esfera sobre um plano
or
od V
aut
R
o
O mapa à direita é obtido
aC
pela divisão da Terra em gomos
dos polos Norte e Sul. Por isso, nos planisférios desta projeção, a Groenlândia
aparece tão grande.
Uma das soluções para este problema veio com uma antiga publicação
de James Gall28 em 1885 que só foi reconsiderada em 1973 pelo historiador
alemão Arno Peters29 e por isso passou a ser conhecida como a Projeção de
par
tiu uma reprodução das áreas reais dos continentes, apesar da dos contornos
dos mesmos perecerem deformados em relação ao que nos habituamos a ver
(SEEMANN, 2003).
ão
28 GALL, James. Use of cylindrical projections for geographical, astronomical, and scientific purposes. Scottish
Geographical Magazine, v. 1, n. 4, p. 119-123, 1885.
29 Arno Peters: Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Arno_Peters. Acessso em: 7 maio 2016.
30 Projeção de Mercator: Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Proje%C3%A7%C3%A3o_de_Mercator.
Acesso em: 7 maio 2016.
PEDAGOGIAS DECOLONIAIS NA AMAZÔNIA:
Fundamentos, Pesquisas e Práticas 151
or
Figura 6 – projeção de Peters com o planisfério invertido
od V
aut
CARTA DO MUNDO
PROJEÇÃO DE PETERS
OCEANO
R
ÍNDICO
o
aC
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OCEANO
PACÍFICO
OCEANO
ATLÂNTICO
visã
itor
a re
que se estabelece uma confusão entre nossos pés e o “pé” ou base do globo.
Em pé ficamos nós, terráqueos, alinhados ao longo de uma vertical que vai
da nossa cabeça aos pés e ao centro da Terra. O “pé” do Globo nada tem
ão
a ver com essa discussão e também com os globos e mapas que aqui nos
apresentam norteados e que apenas conservam o inconsequente status quo
do Norte acima.
s
podendo essa bola girar em todas as direções garantindo que nos represen-
temos coerentemente entre o chão que pisamos e o local correspondente do
globo onde estivermos.
No filme “O Grande Ditador” (“The Great Dictator”, 1940), o diretor/
ator Charles Chaplin baila e brinca com um globo inflável lançando-o em
152
todas as direções (Figura 7). O bailado é lindo, mas causa certa decepção
uma vez que o globo se comporta como um joão-bobo31, pois lhe colocaram
um contrapeso no polo Sul, o que faz com que ao longo de toda a cena,
o Norte sempre aponte para cima e assim é preservada a hegemonia do
Norte32. Chaplin, extremamente crítico e de esquerda, teria deixado passar
esta representação intencionalmente hegemônica, ainda que estivéssemos
nos anos 40?! Coisas da produção?
or
od V
Figura 7 – Chaplin no filme “O Grande Ditador” (1940)
aut
R
o
aC
Fonte: https://cdn.quotesgram.com/img/37/78/1553147971-
The_Great_Dictator_globe_scene_big.jpg
par
or
sobre mapas e globos é organizado e uniforme para uma leitura de cima
para baixo entre o início e o final do texto numa folha. Com isso, uma
od V
vez que o texto está aplicado sobre o mapa, somos levados a associar o
aut
acima/abaixo do texto, da mesma forma ao lugar do mapa onde o mesmo
foi superposto. Essa superposição – com raríssimas exceções – nos con-
R
diciona a uma falsa percepção de que o acima/abaixo do texto está para o
acima/abaixo do mapa, assim como Norte/Sul está para superior/inferior,
o
ou seja, uma razão que pode nos induzir a uma inferioridade relativa ao
aC
Norte acima, superior.
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Tanto no caso dos globos, como no caso dos mapas, o texto referido
distribui-se ordenadamente entre o alto e o baixo e, em consequência, suges-
tiona a antinomia alto/baixo que passa a ser assumida como Norte/Sul no
visã
território representado.
Para nos orientarmos a pé ou de carro numa cidade usamos mapas cujas
escalas estão na relação em torno de 1:10.000, de tal modo que se pode ver
itor
orientado por uma bússola ou recurso equivalente para que os sentidos dos
pontos cardeais (ou dos paralelos e meridianos) no mapa coincidam com
ver
33 Sobre escalas, ver IBGE, Conceitos gerais. O que é cartografia? Escala. Atlas Geográfico Escolar na
Internet, 2019. Disponível em: https://atlasescolar.ibge.gov.br/conceitos-gerais/o-que-e-cartografia/escala.
html. Acesso em: 15 set. 2119.
154
or
inicia a leitura na parte superior do texto. Isto nos induz a assumir o Norte
em cima, e assim o lado superior será sempre o Norte para qualquer dos dois
od V
Hemisférios examinados. Coisas da hegemonia...
aut
Joaquin Torres Garcia, artista plástico e intelectual uruguaio, defendeu
excelentes pontos de vista através de A Escola do Sul (La Escuela del Sur)
R
e, já em 1935, foi um crítico perspicaz dos problemas discutidos no presente
texto. Associado ao seu famoso desenho (Figura 8) ele produziu um texto
o
contendo este importante trecho:
aC
Após a crítica à regra apenas prática para o Norte é um prazer ter a cor-
ão
or
od V
aut
R
o
aC
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visã
Fonte: Torres-García (1992).
itor
parece mais fácil substituí-lo por um horizonte como um disco sobre o qual é
mais aceitável estarmos todos de pé. Nas escolas, alguns professores falam de
s
um mundo “redondo” sem que indiquem com precisão a que figura geométrica
ver
36 Sabe-se que redondo, tanto pode se referir a circular quanto a esférico e até mesmo a qualquer secção
circular de um sólido como um cilindro. Esse último caso parece até favorecer a cosmovisão de uma terra
(horizonte) situada numa superfície plana de base cilíndrica como é o caso da representação do mundo pelos
Warao da Venezuela (Wilbert 1981). Ainda que sem a perspectiva de SULear-se, discussões interessantes
156
Essas confusões parecem contribuir para que não seja formado um sistema
coerente de leituras e compreensões do mundo em que vivemos. São confun-
didos os distintos referenciais de percepção do sistema solar (topocêntrico,
geocêntrico, heliocêntrico, galáctico etc.), quando cada um deles deveria ser
compreendido como válido para um determinado contexto de observação, cál-
culo ou análise. A má formação que temos sobre a noção de referencial gera,
muitas vezes, a crença de que o “Sol como centro de tudo” deve ser aceito como
or
verdade absoluta – uma vez que Copernicus dixit – impedindo assim que se
admita – como Einstein – a relatividade dos referenciais. Isto ocorre também
od V
no ambiente escolar e traz grandes dificuldades. Trarão também entraves para
aut
quem mais tarde vier a realizar algum trabalho de cunho etnográfico sobre
saberes das relações céu-terra entre indígenas. Estes sabem construir um sistema
R
coerente de saberes e práticas partindo do referencial topocêntrico. Referencial
esse não só ausente da escola como também até mesmo na academia — fora
o
dos cursos de astronomia — trata-se pouco do uso do referencial topocêntrico
aC
para entender os movimentos relativos ao sistema Sol-Terra-Lua.
PÓLO
NORTE Z
CELESTE
PÓLO
EIXO DE ROTAÇÃO
CELESTE
EQ LEST
CE
SUL
UA E
DO
par
PÓLO
NORTE
L
Ed
S
EQUA
DOR N
O
ão
PÓLO
SUL
s
ver
PÓLO
SUL
CELESTE
sobre a forma da Terra como entendida por crianças, aparecem num livro de orientação para a prática
pedagógica com o Globo em sala de aula (Schaffer 2003: 43) e num texto de Nussbaum (1985).
PEDAGOGIAS DECOLONIAIS NA AMAZÔNIA:
Fundamentos, Pesquisas e Práticas 157
Essas ideias ficam tão arraigadas e reforçadas pelo globo terrestre “de
pé” com o Sul para baixo, que interferem fortemente nas conotações culturais
e políticas do “Sul”.
O que é impressionante é que mesmo para crianças do hemisfério Norte,
o fato delas verem com muita frequência o globo com pé/base e com o Sul
para baixo, gera com frequência muitas concepções enganosas.
Joseph Nussbaum (1985) fez uma pesquisa sobre o que e como crianças
or
concebem vários tipos de fenômenos no Planeta Terra. As entrevistas se rea-
od V
lizaram com crianças entre 8 e 14 anos de idade em Nova Iorque, Califórnia,
aut
Israel e Nepal, ou seja, sempre em latitudes do Norte entre os paralelos de 30º
e 45ºN. Fora outras considerações interessantes, fixemo-nos sobre respostas
típicas dessas crianças que sustentam a noção de que pedras lançadas
R
sempre “saem para cima”. Isto é, elas não usam a Terra como referencial
das direções alto-baixo alinhadas com o centro do Planeta e em conformidade
o
com as leis da gravidade. Ao contrário, em geral é assumida a existência de
aC
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uma outra direção ‘alto-baixo’, mas nesse caso, trata-se de uma direção abso-
luta, independente da Terra e de sua atração gravitacional, presente no espaço
cósmico como mostra a Figura 10 (NUSSBAUM, 1985, p. 183). Parece crer
numa direção “vertical” paralela à direção norte-sul do eixo polar terrestre.
visã
ças no Hemisfério Norte na sua relação com nosso Planeta, considera vários
outros exemplos nos quais pode-se notar que o globo terrestre mais conven-
cional – com “pé” (base de sustentação) e Norte para cima – desafia de forma
parecida, crianças dos dois hemisférios no seu enfrentamento dos “obstáculos
epistemológicos” (MIGNE, 1994; BACHELARD, 1970) ou dos desafios em
158
or
se fazem presentes no seu dia a dia, emergindo na sala de aula, momento
od V
em que os conceitos científicos estariam sendo inseridos no processo de
aut
ensino e aprendizagem (KRAUSE; SCHEID, 2018, p. 229).
R
Terra, globos, mapas e ao entendimento do que seja “mundo” na sua polis-
semia, além disso, agravados pelo estar abaixo no Sul, foram abordados na
o
dissertação de mestrado em Educação Matemática por Sonia Clareto (1993).
aC
Numa perspectiva etnográfica, ela investigou alunos entre 8 e 12 anos de
simbólico. Essas crianças viviam bastante isoladas das cidades maiores e por
a re
37 É importante notar que uma concepção alternativa (espontânea) se assemelha ao obstáculo epistemológico
ão
que também para Bachelard não corresponde a um “erro”, noção essa muito presente na educação mais
tradicional (bancária, segundo Paulo Freire, conteudista e essencialmente de transmissão de conhecimento);
essa por oposição a uma educação dialógica, contextualizada e problematizadora na qual o saber se
s
constrói no diálogo professor-aluno. Para Bachelard “erro” é apenas um obstáculo ao conhecimento que
ver
ainda não foi devidamente enfrentado no processo cognitivo, não é erro do tipo apenas como “reflexo do
espírito cansado”.
38 Note-se que M. D. Campos foi o orientador de Clareto nessa dissertação de mestrado defendida no Pro-
grama de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus
de Rio Claro (SP) em 1993. Caiçara é a denominação usada para pescadores-agricultores, em geral de
descendência europeia, que vivem no litoral Sul e Sudeste do Brasil. Para aspectos relativos a relações
céu-terra e referenciais espaciais entre caiçaras da ilha dos Búzios ver Campos (2005; 1982).
PEDAGOGIAS DECOLONIAIS NA AMAZÔNIA:
Fundamentos, Pesquisas e Práticas 159
or
od V
aut
R
o
aC
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visã
itor
a re
essas idades no intervalo de 8 a 12 anos, ainda não foi bem assimilada a noção
de perspectiva e, por isso, muitas vezes torna-se difícil para o pesquisador
distinguir se o que está sendo representado é uma distorção de uma visão da
s
O Globo com “prateleiras” na figura 11-b foi desenhado por uma aluna (10
anos, 2ª série) que enunciava condições socioeconômicas dos países representa-
dos, tais como, fome, pobreza, riqueza e condições habitacionais. Com relação
à distribuição geográfica dos países, ela comentou: “Eu sei que estou dividindo
errado, mas... é que eu quero representar o Brasil e São Paulo onde nós esta-
mos”. Note-se que o lugar “onde nós estamos” apareceu no limite inferior do
Globo com algum sombreado que representa o solo onde ela pisa, embora ainda
or
relativamente “próximo” do mar que foi desenhado fora do Planeta.
od V
Na figura 11-c o mar, o solo, a criança, as montanhas e o Sol foram
aut
desenhados dentro de um círculo e foi dito que vivemos dentro da Terra;
segundo a interpretação de Clareto, “num disco de raio máximo formado
pela intersecção da esfera com o plano ‘horizontal’”. Aqui, os problemas de
R
perspectiva foram superados pela informação do aluno (12 anos, 3ª série) de
que o disco correspondia ao seu horizonte.
o
A figura 11-d desenhada por uma menina (10 anos, 3ª série), mostra que
aC
or
sentido do Norte para cima. No entanto, sabe-se das infinitas possibilidades
de verticais sobre o Planeta que se dirigem sempre no sentido do centro da
od V
Terra no horizonte em que estivermos com as coordenadas latitude e longitude
aut
do local. Nota-se nos desenhos que existe, em parte, certa confusão entre as
noções que se referem ao Planeta (globo) e o horizonte local com respeito a
R
referenciais, escalas e contextos correspondentes. Como já foi assinalada, esta
confusão pode não ser própria das crianças, mas pode ter origem na forma
o
como se ensina sobre mapas e globos na escola, muitas vezes recusando a
aC
discussão a partir do referencial de horizonte onde pisamos, desprezando o
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Considerações finais
or
parecer óbvio, embora muitas vezes seja enganoso por não termos aprofundado
od V
nossa problematização...Pensar sobre o óbvio não pensado!
aut
Saberes e práticas indígenas, assim como entre populações rurais e cos-
teiras, sempre trazem bons exemplos para nós do Sul que temos nos permitido
inutilmente nos NORTEar, em lugar de insistirmos sobre a importância de
R
pensarmos e agirmos tendo como ponto de partida nossos contextos locais
do Sul, ou mesmo do “Sul” mais simbólico, seguindo as reflexão de Arturo
o
Andrés Roig (2002) e Mariano Baez Landa16 (2016).
aC
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Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
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s ão itor
par aC
a re
visã R
od V
PEDAGOGIAS E SABERES o
aut
DECOLONIAIS NA AMAZÔNIA or
ver
Ed
s ão itor
par aC
a re
visã R
od V
o aut
or
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“APRENDO DAS ÁGUAS E DAS
MATAS, OS ENCANTADOS ESTÃO
ATÉ NO AR”: uma pedagogia decolonial
or
a partir da pajelança na Amazônia
od V
aut
Thaís Tavares Nogueira
Maria Betânia Barbosa Albuquerque
R
o
Introdução
aC
Estes escritos partem de um estudo acerca do processo educativo que
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uma história do presente sem descurar dos processos políticos e sociais mais
a re
amplos acerca das tramas que compõem o universo de quem resiste e atua
em religiões de matriz afroindígenas. Em sintonia com a “história vista de
baixo” (SHARPE, 1992), foi possível dialogar com narrativas e trajetórias
de sujeitos até então subalternizados pela ciência moderna e lógica colonial,
par
or
se o pensamento decolonial denota as práticas epistêmicas de reconhe-
od V
cimento e transgressão da colonialidade, que se produziram na América
aut
Latina e em outras regiões colonizadas como respostas à situação de
dominação, podemos dizer que a pedagogia decolonial refere-se às
teorias práticas de formação humana que capacitam os grupos subal-
R
ternos para a luta contra a lógica opressiva da modernidade/colonia-
lidade, tendo como horizonte a formação de um ser humano e de uma
o
sociedade livres, amorosos, justos e solidários (MOTA NETO, 2016,
p. 318 – grifo do autor).
aC
colonialismo que ocorreu nos países da América Latina e que tentou invisi-
bilizar os povos dessa região, bem como seus saberes, suas epistemes, sua
a re
busca não somente revelar esta outra face da modernidade, mas, principal-
mente, resistir a ela, enfrentar, criar e possibilitar meios de reconhecimento
e afirmação dos povos até aqui racializados, discriminados e silenciados, ao
s
39 Entre os pensadores associados com este grupo estão o filósofo argentino Enrique Dussel, o sociólogo
peruano Aníbal Quijano, o semiólogo e teórico cultural argentino Walter Mignolo, a socióloga-pedagoga
norte-americana radicada no Equador Catherine Walsh, o filósofo porto-riquenho Nelson Maldonado-Torres,
o sociólogo porto-riquenho Ramón Grosfoguel, o antropólogo colombiano Arturo Escobar, dentre outros (cf.
OLIVEIRA e CANDAU, 2010).
PEDAGOGIAS DECOLONIAIS NA AMAZÔNIA:
Fundamentos, Pesquisas e Práticas 173
or
od V
Cabe, no entanto, ressaltar, mais uma vez, que não se deve utilizar o
aut
conceito de decolonialidade para se referir apenas às ideias daqueles que
desenvolveram o termo. Mais importante que o nome é a concepção polí-
tica, ética e epistemológica que lhe é subjacente, concepção, aliás, que tem
R
sido tecida desde a origem do processo colonizador na América Latina, por
muitas mãos, no interior de uma plêiade de movimentos de resistência [...].
o
aC
Importa, então, destacar proposições pedagógicas que considerem outras
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sentada no aprender tanto com o humano (o pajé), quanto com o não humano
(as entidades), presente nas narrativas do pajé Robson. Latour (2012) discute
a re
campo em diálogo com a história oral, visto que nosso olhar se direcionou a
um sujeito, suas práticas religiosas e trajetória de vida, e ninguém melhor do
que ele próprio para narrar essa história. Nessa interação, pudemos conhecer
ão
or
diante. Mas não são essas coisas, as técnicas e os processos determinados,
que definem o empreendimento. O que define é o tipo de esforço intelectual
od V
que ele representa: um risco elaborado para uma ‘descrição densa’.
aut
A relação dialógica estabelecida na pesquisa foi o ponto primordial
R
para que as narrativas do pajé emergissem no momento da entrevista (POR-
TELI, 2016). Tal relação se evidenciou necessária desde o primeiro contato
o
com o campo, quando foi dada a primeira orientação dentro do terreiro, de
aC
que precisaríamos da autorização das entidades da casa para “estudar ali”,
mas aprender com eles, a partir de suas lógicas, estabelecendo uma relação
a re
resistência e ancestralidade
Ed
fenômeno de incorporação pelo pajé, sendo seu corpo tomado, no transe ritual,
por entidades conhecidas como encantados ou caruanas”. Durante esse ritual
xamanístico, a principal ocupação do pajé é a cura de doenças.
Desde os primeiros registros dos colonizadores, nos relatos de viagem,
é possível observar a existência dessa prática religiosa, como se constata nas
PEDAGOGIAS DECOLONIAIS NA AMAZÔNIA:
Fundamentos, Pesquisas e Práticas 175
or
da igreja, que buscava catequizar a todos eles, posto que usavam de “mui-
od V
tos enganos e feitiçarias”, segundo relatos do padre Manoel da Nóbrega, no
aut
século XVI (ALBUQUERQUE, 2012, p. 111). Logo, suas práticas religiosas
e relação com a natureza, com o sobrenatural, eram vistas como subversivas
à ordem que a igreja católica tentava impor.
R
Figueiredo (2008), destaca a persistência dos praticantes da pajelança,
fortemente marcada pela repressão religiosa e militar na região amazônica,
o
tanto pelo processo de ocupação de seus territórios no período da coloniza-
aC
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tantes de uma cultura mesclada com outras tantas, como a europeia e a africana, até
a re
embora com ela mantenha relações, até porque, na sua origem, é um culto
sincrético que incorporou elementos da pajelança dos antigos tupinambás,
Ed
40 A Belle-époque, de expressão francesa, ocorreu no período de 1850 a 1920, quando a Amazônia era a
maior produtora de borracha do mundo, e se buscava a modernização europeia para a região.
176
or
od V
El concepto de colonialidad del ser nació en conversaciones sobre las
aut
implicaciones de la colonialidad del poder, en diferentes áreas de la socie-
dad. La idea era que si en adición a la colonialidad del poder también
existía la colonialidad del saber, entonces, muy bien podría haber una
R
colonialidad específica del ser. Y, si la colonialidad del poder se refiere
a la interrelación entre formas modernas de explotación y dominación,
o
y la colonialidad del saber tiene que ver con el rol de la epistemología y
aC
las tareas generales de la producción del conocimiento en la reproduc-
Para Walsh (2008), a natureza integra o social, o ser humano faz parte
ão
or
amazônida e são marcados pela relação com a natureza, sua mítica, cosmo-
visões e cosmopolítica, como o pajé que traz o dom de nascença ou é esco-
od V
lhido por simpatia pelos seres encantados das matas e rios; o que se revela
aut
em mais um traço da cultura do caboclo da Amazônia, caracterizada por
uma mestiçagem não apenas étnica, mas de saberes e práticas, que tem uma
R
trajetória de lutas na afirmação de sua mística e mitos próprios dessa região
(LOUREIRO, 2015).
o
Os estudos de Maués e Villacorta (2011) falam da pajelança como um
aC
culto indígena, praticado em comunidades rurais da Amazônia, atualmente,
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da Baía do Guajará, com cerca de 11 mil habitantes. Com uma extensão ter-
ritorial de aproximadamente 610 KM², possui 28 comunidades rurais. Teve
a re
dos moradores da zona rural, notado no modo de produção local, como o fazer
farinha que está presente na maioria das localidades da ilha.
Ed
A ilha de Colares é envolvida por uma mística muito forte, que vai
desde o aparecimento de óvnis até às lendas mais tradicionais como a cobra
Maria Vivó, a qual, contam os mais antigos, mora embaixo do farol que fica
ão
or
Atualmente, a ilha de Colares conta com dezenove terreiros de pajelança
od V
e, mesmo tendo conhecido diversos deles, o terreiro de São Jorge, dirigido
aut
pelo pajé Robson, chamou atenção por estar localizado no centro da cidade,
pelo modo como os rituais de cura são conduzidos, em que o pajé suga animais
R
e sangue da pele de pessoas com a boca e utiliza utensílios com espinheiros
durante o ritual sem que saia machucado de tal prática, o que traz de volta
o
fortes elementos de tradições muito antigas de rituais xamânicos42, provavel-
aC
mente de saberes deixados principalmente pelos Tupinambás que habitaram
ocorrem na parte externa, num local mais reservado chamado de ganga, com
aproximadamente 4m². Neste espaço, apenas pessoas autorizadas pelas enti-
Ed
dades podem adentrar, visto que lá são realizados trabalhos específicos para
combater feitiços “mais fortes e perigosos”.
Quando perguntamos ao pajé Robson sobre o que seriam essas linhas
ão
matas, das águas e do ar. Quanto à “linha negra”, o pajé afirmou que a ela
ver
42 Relativo ao xamanismo: conjunto de práticas e crenças mágicas do xamã, sacerdote tribal que utiliza meios
mágicos para curar males e doenças.
43 Uso de forças sobrenaturais para realizar propósitos maléficos.
PEDAGOGIAS DECOLONIAIS NA AMAZÔNIA:
Fundamentos, Pesquisas e Práticas 179
or
sobre como os grupos de entidades são percebidos no terreiro de pajelança,
od V
de acordo com as linhas já apontadas, na busca por respeitar as lógicas de
aut
organização do próprio terreiro, sua cosmologia e o reconhecimento de que
todas as entidades desempenham papéis importantes para a realização das
R
curas e demais rituais. Porém, é necessário compreender, como já mencionado,
que tais lógicas foram construídas historicamente, numa relação de resistência
o
ao colonialismo imposto às práticas de pajelança (NOGUEIRA, 2019).
Pajé Robson conta que ao se “firmar” nesse terreiro sofreu muita “perse-
aC
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guição” por parte da vizinhança do bairro, que não aceitava que se praticasse
a pajelança no quintal de sua casa. Os vizinhos chegaram a protestar e fazer
um “abaixo-assinado” para que ele saísse de lá e mudasse para outro local.
visã
Porém, afirma que resistiu e lutou por respeito durante anos, e que hoje muitos
desses vizinhos o procuram em busca de curas e ajudas diversas. Entretanto,
relata que ainda enfrenta o preconceito com relação às suas práticas religio-
itor
sas, mas não desiste por se considerar “escolhido para atuar numa missão tão
a re
sobre seus ombros, pés e cabeça, próximo aos ouvidos. Quando inicia o pro-
cesso de incorporação, é perceptível a tentativa de se manter em equilíbrio e
Ed
com a coluna ereta, o que nem sempre é possível, pois depende da entidade
e da forma como ela chega em seu corpo. O pajé, então, levanta e passa a
ão
or
não entrar, no que tocar e o que cantar para acompanhar os trabalhos; quando
od V
se escutam as orientações acerca de quais ingredientes da natureza usar para
aut
tomar os banhos ou os chás recomendados pelo pajé, durante a incorporação;
quando se aprende a moral repassada pelas entidades sobre caridade, a missão
nesta terra e o cuidado com o divino. Tudo isso compõe o processo educativo.
R
Essas são, contudo, formas sutis de percepção de uma aprendizagem
ocorrida no espaço do terreiro, onde estão em questão atitudes como observar,
o
escutar, comportar-se, entre outras. Mas é no rito de iniciação que o sujeito
aC
duzido por seu tio Luiz Pantoja, que ele conheceu o ritual pela primeira vez,
endereçado a uma tia que, estando muito doente, buscou ajuda nas entidades.
Ed
Porém, foi apenas aos 16 anos de idade que Robson começou a passar
mal com visões, desmaios, os quais tendiam a aumentar se estivesse nas pro-
ão
“buscá-lo”, o pajé Robson conta que desapareceu por dias, e foi encontrado
ver
or
Mas, em um certo dia, dentro de sua casa, na presença de sua mãe, sem
od V
nenhum preparo inicial para isso, Robson incorporou o caboclo Manezinho
aut
que orientou sua mãe a buscar ajuda de alguém que pudesse realmente desen-
volver seus dons espirituais ao invés de procurar pelos “homens de casaco
branco” (os médicos). Caso contrário, ele ficaria em estado de “loucura”. A
R
família decidiu, então, levá-lo a um pajé conhecido na região como Dudu,
que residia no município vizinho de Santo Antônio do Tauá, distante apro-
o
ximadamente 23 Km de Colares, para que o mesmo pudesse orientar em
aC
seu tratamento, já que se passou a considerar que os problemas de Robson
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além das práticas de cura ou religiosas que evoca, posto que pressupõe uma
rede de sociabilidade entre os sujeitos envolvidos, sejam eles humanos ou
não humanos. Uma educação que surge a partir da aceitação de um dom
ão
como missão, na prática do terreiro vista como profissão, como a própria vida
ressignificada a partir dessa aceitação. Uma atividade que para se praticar,
também se precisa aprender.
s
Não obstante, destaca-se que essa educação não pode ser pensada pelo
ver
or
rizados. A discussão sobre a existência de diversos lugares de aprendizagem
od V
possibilitou chegar ao entendimento de que estes formam “uma das princi-
aut
pais características do imperativo pedagógico contemporâneo”, ou seja, “a
existência de relações de ensino e aprendizagem em diferentes nichos sociais
regulados pela cultura” (COSTA; ANDRADE, 2017, p. 5). As autoras com-
R
preendem, então, a partir dos estudos de teóricos como Elizabeth Ellsworth
e Henry Giroux, que o processo de ensinar e aprender ocorre em diferentes
o
lugares de cultura, que não somente na escola. Ao partir desse entendimento,
aC
embasam a ideia de que a pedagogia não revela um conhecimento pronto, mas
dos encantados, que ele chama de “guias”. Da mesma forma acontece com
ele quando assume a responsabilidade de iniciar outro pajé, seus ensina-
mentos partirão de sua experiência como pajé e das orientações recebidas
s
or
daime reside no fato de que eles não são transmitidos pelos humanos, como
tradicionalmente podemos pensar as formas ocidentais de educação, mas
od V
pela mediação das plantas ou pelas substâncias de que são portadoras.
aut
Esses saberes são, contudo, compartilhados pelos humanos uma vez que
o daime não ensina a si mesmo originando uma ecologia entre plantas e
R
humanos (ALBUQUERQUE, 2015, p. 7055).
o
Ao se revelar a prática educativa na pajelança, emerge a discussão acerca
desse sujeito educador representado aqui pelo pajé Robson, bem como a
aC
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Considerações finais
Ed
or
que não se adequa ao padrão mundial do sistema-mundo-capitalista, pois
od V
não pode ser dominada, exigindo se despir dos preconceitos imputados pela
aut
colonialidade para que possa ser compreendida.
Cabe referir a esses outros lugares de aprendizagem, não necessaria-
mente físicos, como o “fundo dos rios”, ou um outro lugar de encante, vis-
R
tos, também, como espaços que envolvem uma educação cosmológica, uma
aprendizagem entre mundos, seja com humanos e encantados ou apenas no
o
universo da encantaria. Importa, assim, pensar novas bases epistemológi-
aC
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aC
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http://www.scielo.org.co/pdf/tara/n9/n9a09.pdf. Acesso em: 10 nov. 2018.
R
o
aC
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visã
itor
a re
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Ed
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ver
Ed
s ão itor
par aC
a re
visã R
od V
o aut
or
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MULHERES RIBEIRINHAS NA
AMAZÔNIA PARAENSE: decolonialidade,
resistências e saberes outros
or
od V
Isabell Theresa Tavares Neri
aut
Ivanilde Apoluceno de Oliveira
R
Introdução
o
aC
Ao nos debruçarmos sobre a realidade de mulheres ribeirinhas e com um
cuidado de não projetar uma leitura míope sobre os seus cotidianos, reme-
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temo-nos aos escritos de Teisserene (2010) que levanta uma instigante dis-
cussão sobre o território e a sua importância para as populações tradicionais,
visã
sobretudo as que habitam a Amazônia brasileira.
Nos últimos anos, testemunhamos coletivos encabeçando intensos movi-
mentos em prol do direito à terra e de todas as representações simbólicas,
itor
Assim, é cada vez maior o reconhecimento, por parte das ciências sociais,
sobre a necessidade de se pensar em formas de desenvolvimento sustentá-
vel que respeitem a sociodiversidade. Para o autor, o reconhecimento dos
saberes oriundos das populações tradicionais é uma importante aposta na
direção de uma gestão socioambiental que garanta a integridade da flora e da
fauna amazônicas.
190
or
como também em refletir sobre as matrizes decoloniais que sustentam as
od V
mesmas, em um cenário geopolítico onde o eurocentrismo e o capitalismo
aut
insistem em ditar as regras.
O ensaio é fruto de uma dissertação de mestrado finalizada no início
de 2018, que realizou uma cartografia de saberes de mulheres ribeirinhas
R
participantes de atividades educativas, promovidas por uma Classe Hospitalar,
em parceria com o Núcleo de Educação Popular Paulo Freire-NEP, em um
o
hospital público, localizado na região metropolitana de Belém.
aC
A Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará-FSCMP, dentre outras
or
entrevista semiestruturada: um instrumento de coleta de dados que, se utilizado
od V
com prudência, pode trazer resultados satisfatórios.
aut
Segundo Manzini (2004), um dos principais cuidados gravita em torno da
natureza das perguntas: é indispensável que as mesmas estejam em harmonia
R
com os objetivos da pesquisa. Todavia, isso não significa que não possa exis-
tir uma flexibilidade na arquitetura do roteiro. Afinal, entendemos que nesse
o
estudo em particular, cada diálogo abarcou singularidades que expressam a
leitura que fazemos das participantes do estudo enquanto coautoras desse
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
filosofia, a sociologia dentre outras, se realmente deseja abraçar o binômio
od V
pedagogia e política, a fim de consolidar processos pedagógicos progressistas
aut
e socialmente engajados.
Apostamos que o pensamento decolonial, com toda a sua polifonia epis-
R
têmica, acena para esse horizonte. É possível, por meio de sua epistemologia
em perene metamorfose, refletir sobre as práticas educativas tanto nas esco-
o
las quanto em outros espaços sociais. Afinal, como afirma Brandão (2009),
aC
educação e cultura são inseparáveis. Libâneo (2006), na mesma direção, não
or
tarefa de ciceronear um diálogo acalorado a respeito das pedagogias que estão
subvertendo os regimes totalitários eurocêntricos e ocidentais.
od V
O pensamento decolonial, segundo Mota Neto (2016), estreia no cen-
aut
tro de uma rede de investigação chamada de modernidade/colonialidade da
América Latina composta por importantes intelectuais como Catherine Walsh,
R
Enrique Dussel, Aníbal Quijano dentre outras personalidades do cenário inte-
lectual latino.
o
Restituindo os seis principais prismas do pensamento decolonial, esta-
aC
belecer as diferenças entre o colonialismo e a colonialidade é o primeiro
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gogias dos povos subjugados pela Europa, mesmo após o recorte histórico
tenebroso que correspondeu a colonização da América Latina, da África e da
Ásia (QUIJANO, 2005).
Mota Neto (2016, p. 103), ao estabelecer uma interpretação palatável,
par
uma hidra de três cabeças, que simbolizam, cada qual: I) a retórica sal-
vacionista, desenvolvimentista e a promessa do progresso, esta que é a
ão
or
Na esteira desse pensamento, as contribuições de Walsh (2013) para
od V
o pensamento decolonial são instigantes. Com uma escrita carregada de
aut
referências latinas, africanas e afro-caribenhas, a intelectual mostra o esplendor
das cosmogonias de povos originários que não necessitam da ditadura da
racionalidade ocidental para caminharem com as próprias pernas.
R
O seu pensamento é o eco da própria essência decolonial que aposta
nas práticas dos coletivos subalternizados como um importante semeador de
o
novas teorias. Nessa direção, Walsh (2013, p. 33) lança algumas provoca-
aC
or
dental, porque são processos pedagógicos forjados a partir das insurgências,
das quebras de dicotomias, dos gritos de clamor perante as violações aos
od V
aut
direitos humanos e aos cânones ambientais. De um ponto de vista metafórico
são como floras, que quanto mais são arrancadas do solo decolonial, mais dão
passagem para vegetações robustas.
R
O divórcio de didáticas, planejamentos e currículos cartesianos é inevi-
tável. Entendemos que a educação, em um sentido decolonial, é viva, pois se
o
inquieta, indigna-se e se rebela contra os sistemas opressores por meio de per-
aC
manentes ciclos coletivos de reinvenção, reflexão e transmissão de saberes que
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[...] a concepção decolonial, como não poderia deixar de ser, revela sua
primeira fase como constituída pela negação a negação. Ela é, assim, anti-
colonial, não eurocêntrica, antirracista, antipatriarcal, anticapitalista, em
seus devidos desdobramentos, e assume um enfrentamento crítico contra
par
or
do momento em que, de um lado, a crueldade da modernidade sai dos
od V
escombros de um discurso eurocêntrico salvacionista e civilizatório e,
aut
do outro, com o reconhecimento de trincheiras que abrigam cosmogo-
nias, espiritualidades, pedagogias e outras manifestações ontológicas que
R
pincelam racionalidades ancoradas às experiências das mulheres e dos
homens colonizados.
o
Sem esquecer da historicidade, enquanto importante bússola de enten-
dimento da lógica decolonial, Mota Neto (2016) afirma que a sua genealogia
aC
Não é o dominador que constrói uma cultura e a impõe aos dominados. Ela
é o resultado de relações estruturais entre os dominados e o dominador.
Assim, para compreender a cultura do silêncio, é necessário primeiro fazer
uma análise da dependência como fenômeno relacional que dá origem a
diferentes formas de ser, pensar, de expressar-se, as da cultura do silêncio
e as da cultura que têm uma palavra (FREIRE, 1978, p. 34).
PEDAGOGIAS DECOLONIAIS NA AMAZÔNIA:
Fundamentos, Pesquisas e Práticas 197
or
que se derrama sobre as geografias mais desfavorecidas:
od V
aut
as sociedades latino-americanas apresentam-se como sociedades fechadas
desde o tempo da conquista por espanhóis e portugueses, quando a cultura
do silêncio tomou forma. Com exceção da cuba pós-revolucionária essas
R
sociedades ainda são fechadas; são sociedades dependentes, para as quais
o único que tem mudado são os polos de decisão de que são objeto con-
o
forme os diferentes momentos históricos: Portugal, Espanha, Inglaterra e
aC
Estados Unidos (FREIRE, 1978, p. 35).
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Desta forma, distintos atores que vão desde lideranças religiosas, como
Mahatma Ghandi até os Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terre-MST
são vistos como a espinha dorsal da decolonialidade (MOTA NETO, 2016).
É nesse contexto que situamos os importantes relatos de mulheres ribeirinhas
com relação aos seus saberes cartografados a partir da medicina, do trabalho
e do imaginário na tentativa de garimpar traços marcantes da decolonialidade
em suas vivências.
or
od V
Pedagogias decoloniais molhadas pelos
aut
rios da Amazônia Paraense
R
Sensibilidades, corporeidades, solidariedades e afetos permeiam a rea-
lidade das comunidades ribeirinhas na Amazônia paraense pincelando um
o
cenário epistemológico decolonial em meio a um contexto de conflitos polí-
ticos, jurídicos e territoriais.
aC
Quando as pessoas que às vezes estavam doentes que faltava gente, meu
a re
pai colocava a gente para trabalhar. Agora, é difícil ver essa união como
havia na comunidade de Sumaúma (VERÔNICA-FORDLÂNDIA).
or
od V
a plantação da mandioca é assim: a gente derruba, depois corta os galhos,
aut
para queimar. Aí, quando queima, vai coivarar, vai cortando os paus,
cavando e plantando. Aí, quando está em tempo de arrancar, arranca e vai
fazendo a farinha já para vender e depois vai plantando de novo [grifo
R
nosso] (JURUTI-SÃO SEBASTIÃO DA BOA VISTA).
o
A coivara, para Guimarães (2014), simboliza uma das formas mais anti-
aC
gas de intervenção humana sobre o meio ambiente e representa um conheci-
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[...] olha, o chá mais usado para quem está com dor no estômago é o chá
da planta preciosa que dá no mato. É um cipó, a folha da preciosa. Se
Ed
estiver com dor, pode fazer o chá que passa na hora (ARACY-PORTO
DE MOZ).
ele [filho de Verônica] chorava que era uma dor de barriga que ele
ão
bom. Hoje, ele tem 39 anos, o meu caçula. Esse senhor que fez o remé-
ver
or
As comunidades ribeirinhas, ao revelarem as suas parteiras, curandeiros e
od V
benzedeiros, comungam com o que Almeida (2014) identifica como a pulveri-
aut
zação de uma visão folclórica sobre esses coletivos: vistos erroneamente como
fazendeiros ecológicos e guardiões de bancos biogenéticos para viabilizar a
exploração sustentada pelos caprichos das grandes corporações capitalistas;
R
seus saberes apresentam poderosas pistas de que os recursos florestais podem
ser utilizados por meio de pedagogias ecológicas que respeitem a integridade
o
da flora e da fauna amazônicas.
aC
uma coisa verde. Ele remou e saiu da beira, foi para a terra, porque ela
a re
or
intramodernos e eurocentrados.
od V
Pensamos que o giro decolonial se revela nesse momento: em nenhum
aut
momento podemos negar que a realidade social se libertou de barbáries cruéis
pinceladas pela modernidade. Todavia, o reconhecimento de tais atrocidades
não desqualifica e não inviabiliza por completo a invenção, a reinvenção e
R
a transformação de lógicas outras de ser e de estar no mundo, de assumir
intelectualidades não apenas com a mente, mas com corpos com tonalidades
o
e anatomias que devem ser respeitados em sua diversidade. Só o reconheci-
aC
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REFERÊNCIAS
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Processos de territorialização e movimentos sociais. Estudos urbanos e
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visã
itor
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Ed
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or
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PARTEIRAS TRADICIONAIS
NO AMAPÁ: saber tradicional,
políticas públicas e epistemicídio
or
od V
Maria das Neves Maciel da Luz
aut
David Junior de Souza Silva
R
Introdução
o
aC
Esta pesquisa tematiza a relação entre a prática tradicional das parteiras
e a rede pública de saúde no município de Macapá-AP. Problematiza-se o
significado atribuído ao saber tradicional das parteiras com o processo de
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propostas pela política tendo como alvo as parteiras? Qual a relação das
parteiras com os funcionários da rede de saúde? Qual a relação das par-
teiras com o saber médico e com os operadores do saber médico (médicos
s
e enfermeiros)?
ver
or
nos espaços de saúde oficiais, não têm autonomia para realizar seu trabalho,
od V
dado o racismo – velado e institucional – por parte dos funcionários destes
aut
órgãos e da lógica disciplinar e eurocêntrica que os rege. As políticas públicas
de inclusão das parteiras nos espaços oficiais de promoção de saúde pública,
R
assim, tendem a descaracterizar e subordinar seu conhecimento, atualizando o
epistemicídio. Sendo políticas denominadas como de “inclusão”, não contesta-
o
mos que façam esta autoproclamada inclusão, porém trata-se de uma inclusão
epistemicida. As políticas públicas, neste caso, são veículos do epistemicídio
aC
or
A universalidade da modernidade e a neutralidade/objetividade do conhe-
od V
cimento científico moderno são estratégias pelas quais a Europa apaga a polí-
aut
tica e seus interesses econômicos de sua produção ideológica e de sua ação
de conquista de territórios pelo mundo; a universalidade da modernidade, e
seu universo simbólico e ideológico precisa ser contextualizada sobre a loca-
R
lização restrita em que emerge, e sua neutralidade e objetividade precisam
ser referenciadas aos interesses que revestem, para que histórica e geografi-
o
camente sejam visibilizados os efeitos geopolíticos desta autoinvisibilização
aC
como estratégia.
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máxima superioridade.
a re
e visão de mundo.
Ed
outros povos, sua cultura e seus saberes, como forma de instituir a superiori-
ver
dade europeia. Criou para isso o racismo, espalhou a desumanização que este
opera, em suas diversas formas, uma delas: a do racismo epistêmico – que
desqualifica todo conhecimento que não seja produzido nos moldes europeus
e segundo seus critérios de cientificidade – que de puros e neutros não têm
nada, permeados que são de interesses econômicos e políticos.
208
or
lugar”, ou seja, na posição incorreta – neste caso, as parteiras posicionam
od V
corretamente o feto com um toque no ventre da mulher, facilitando mais
aut
tarde o nascimento do bebê (RAMLOV; GREVE, 2016, p. 4). Pelo racismo
epistêmico, todavia, a modernidade europeia e sua concepção de saber como
monopólio da ciência europeia desqualificam o saber discursivo e prático do
R
conhecimento tradicional das parteiras.
Diante do racismo epistêmico instituído pela pretensão de monopólio
o
absoluto do saber e da verdade pela razão moderna, Dussel afirma a neces-
aC
or
O final do processo é o epistemicídio, a destruição do saber tradicional e
od V
a desestabilização completa de sua validade em suas comunidades de origem,
aut
e a negação das condições de possibilidade do conhecimento por parte dos
sujeitos vitimados pelo epistemicídio.
R
Para nós, porém, o epistemicídio é, para além da anulação e desqualifi-
cação do conhecimento dos povos subjugados, um processo persistente
o
de produção da indigência cultural: pela negação ao acesso à educação,
aC
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lhe é imposta.
Sendo, pois, um processo persistente de produção da inferioridade intelec-
Ed
or
Sobre o processo colonizatório no Brasil e as culturas tradicionais,
od V
Ribeiro (1986) explica que no Brasil o processo de colonização integrado
aut
ao sistema socioeconômico nacional moderno, provocou grandes impactos
socioculturais sobre os índios, causando a extinção de etnias inteiras e perda
R
parcial ou total dos saberes e culturas de outros; consequentemente seus efeitos
atuaram em vários níveis de emergências, porque concernem a determinantes
o
que agem em planos superpostos e cumulativos.
A perda desses saberes e culturas indígenas ocorreu pelos conflitos que
aC
or
enfrentamentos entre entidades étnicas mutuamente exclusivas.
od V
aut
A reação destas consiste, essencialmente, num esforço para manter ou
recuperar sua autonomia e para preservar sua identidade étnica, seja atra-
vés do retorno real ou compensatório a formas tradicionais de existência,
R
sempre quando isto ainda é possível; seja mediante alterações sucessivas
nas instituições tribais que tornem menos deletéria a interação com a
o
sociedade nacional (RIBEIRO, 1968, p. 442).
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
vação das políticas propostas; nesse percurso, a ação principal era envolver as
od V
parteiras tradicionais buscando “o reconhecimento e valorização das parteiras
aut
tradicionais, com intuito de tirá-las do anonimato, profissionalizando-as e
apoiando-as em seu trabalho” (BARROSO, 2017, p. 126). A política almejava
a regulamentação da prática tradicional do parto, sem modificar o estilo de
fazer parto.
R
Esta política buscava regulamentação e valorização por meio da inser-
o
ção das parteiras no Sistema Único de saúde (SUS), de forma a estabelecer e
aC
a inserção deste no SUS, era preciso estabelecer algumas medidas para con-
ciliar o partejar tradicional com o regimento do Ministério da Saúde. Entre
Ed
Quando cheguei a Macapá (1993), a Janete queria parteira para fazer curso
ver
e quando ela soube que eu era parteira, ela mandou me buscar aqui em
casa eu nem sabia de nada, foi quando chegou um homem bem vestido
num carrão preto me buscar para comparecer na reunião das parteiras,
com papel e tudo na mão para falar da minha história de parteira, hoje não
lembro, mas quanto parto já fiz, mas peguei uns quantos filhos no interior.
PEDAGOGIAS DECOLONIAIS NA AMAZÔNIA:
Fundamentos, Pesquisas e Práticas 213
Em Macapá, fiz cinco partos, hoje não pego, mas devido minha idade 83
anos, mas puxo barriga até hoje eu puxo, e ajudo muitas mulheres não
serem cortadas (Dona Caridade, 2017).
or
tradicionais. Na oportunidade, as parteiras questionaram a realização do curso
od V
de capacitação. Na exposição, Barroso enfatiza que as temáticas expostas para
aut
as parteiras eram um elemento novo, uma realidade diferente dos seus costu-
mes e práticas. Em seus depoimentos, vê-se que nesse período, as articulações
e implantações desse projeto de capacitação, muitas parteiras tinham medo
R
de prestar assistência ao parto dentro da maternidade, porque segundo elas,
no hospital sempre tem alguém que observando seus atos, pronto a condenar
o
seu modo de pensar e de conduzir os partos.
aC
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Mãe Luzia, para fazer o parto como teste, e nós parteiras tinha medo de
a re
errar, então acontecer alguma coisa ruim dentro do Hospital, pra saber
se a gente sabia mesmo fazer parto, tinha uma enfermeira nos acompa-
nhado, todo tempo eu fui a escolhida do grupo, pra fazer a prática nesse
dia, depois que fiz o parto, era até, uma menina lembro como se fosse
hoje, graças a Deus deu tudo certo foi elogiada e ganhei até os parabéns
par
respondi no interior minha mana a gente não tem como, a gente pega a
criança com a graça de Deus mesmo, e comigo nunca aconteceu nada de
errado (CELESTE, 2017).
ão
dom; no que resulta que algumas parteiras tinham receio de fazer as aulas
ver
práticas nos cursos de capacitação, pois o sentido desses cursos não era ensi-
nar a fazer parto, porque isso a parteira já sabia fazer, o objetivo dos cursos
de capacitação era a busca por reconhecimento das práticas e habilidades
do conhecimento tradicional, mediante sua colocação dentro do padrão da
vigilância sanitária conforme o Ministério da Saúde.
214
or
esclarecendo a importância da utilização deste material; difundir os conheci-
od V
mentos da “arte de partejar” entre os profissionais de saúde (convencionais
aut
ou não, estabelecer um sistema de referência para gravidez de risco e partos
complicados, e reconhecimento profissional, com inserção das parteiras nos
R
serviços locais de Saúde, buscando assegurar assim seus direitos.
Conforme Barroso (2017), o programa de capacitação conviveu com
o
uma forte tendência de romantização das parteiras, romantização pela qual
estas se tornam símbolos anacrônicos “de um passado ao qual não se pode
aC
parto tradicional.
No arcabouço legal nacional, há já o reconhecimento da parteira.
Consta na lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986, que dispõe sobre regu-
lamentação do exercício da enfermagem. Seu artigo 9º define como são
reconhecidas legalmente as parteiras, vinculando esse reconhecimento ao
par
Esses efeitos aos povos tradicionais não ocorrem de forma esporádica, mas
sistêmica, da omissão e negligência dos sucessivos governos. É fruto da
intolerância e do preconceito perpetuados em todos os rincões do Brasil.
Por ser um País pluriétnico, deveria reconhecer a existência de diversos
“grupos participantes do processo civilizatório nacional”, “em prol da
diversidade étnica e regional”, como determina a Constituição, em seus
artigos 215 e 216. Esses grupos são indígenas, quilombolas, ribeirinhos,
or
quebradores de coco babaçu, peconheiros (apanhadores de açaí). Deno-
minados de povos ou comunidades tradicionais, são sujeitos de direitos
od V
específicos (PONTES JUNIOR, 2017, p. 14).
aut
R
A política de capacitação e profissionalização:
contradições da inclusão
o
aC
Esta seção discute os desafios e contradições da política de inserção das
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pela PNAISM, que tem como princípios orientadores para esta inserção os
a re
or
programas de incentivos e articulações em prol do trabalho das parteiras, os
od V
testemunhos das parteiras confirmam que não se estabelece uma relação de
aut
integração com os profissionais da saúde pública. Na prática, as parteiras têm
sua inclusão negada para atuarem nos órgãos de saúde pública.
As ações educativas são peça central destas políticas de inserção e reco-
R
nhecimento das parteiras, pois ajudam no possível processo de inclusão do
trabalho das parteiras no SUS mediante o curso de capacitação. A ação edu-
o
cativa incidindo sobre as parteiras foi atividade central da política, ocorrendo
aC
e reconhecimento.
O discurso da política pública é o de que o compartilhamento de
Ed
parteiras tradicionais.
ver
or
la maquinaria académica occidental com el fin de ganar capital simbólico”
od V
(GROSFOGUEL, 2016b, p. 133).
aut
Qualquer relação de paridade ou reciprocidade ou mesmo respeito está
ausente do extrativismo epistêmico.
R
No busca el diálogo que conlleva la conversación horizontal, de igual a
igual entre los pueblos ni el entender los conocimientos indígenas en sus
o
propios términos, sino que busca extraer idea como se extraen materias
aC
primas para colonizarlas por medio de subsumirlas al interior de los paráme-
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no século XIX, com a criação das escolas Médicas Cirúrgicas, nos Estados da
Bahia e do Rio de Janeiro, em 1808. Com a criação destas escolas, delega-se
aos médicos o papel de formar novos profissionais na arte de partejar. Segundo
a autora, geralmente se buscava qualificar as próprias parteiras, curandeiros,
benzedeiras, por já exercerem esses saberes tradicionais, uma prática não
par
única forma conhecida pela humanidade para realizar os partos até então, é
invalidado a partir da monopolização realizada pelo saber médico.
O efeito, conforme Pinto (2010), é que o saber tradicional das parteiras se
torne excluído diante do saber médico. As parteiras, até então as “aparadoras de
vidas” e “conselheiras do bom nascer”, passam a ser alvo de estigmatizações;
218
or
Tanto que para Pinto (2010), as ações e projetos governamentais, que
od V
se de um lado apontam um caminho para legitimidade ou valorização por
aut
meio de políticas em prol das práticas tradicionais de trabalho das parteiras,
por outro lado, têm o objetivo de “higienizar” a prática destas mulheres,
considerando seus ofícios errados, impróprios para uma profissionalização
R
diante do conhecimento cientifico hegemônico. Porém a autora ressalta que
as parteiras tradicionais resistem e insistem na preservação de seus direitos
o
enquanto práticas ancestrais buscando reconhecimento e valorização dos seus
aC
Considerações finais
or
instituídos no Estado brasileiro para efetivar de fato este direito e proteger
od V
os povos da discriminação – o que implica poucas ações estatais de proteção
aut
contra violências e reparação de agressões.
Nesta seara, no Amapá houve a criação de uma política pública muito
significativa neste domínio, que objetivava formalmente o reconhecimento e
R
valorização do saber de um grupo tradicional específico, as chamadas “par-
teiras tradicionais”, detentoras do saber partejar e de conhecimentos de ervas
o
e raízes medicinais.
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
REFERÊNCIAS
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Brasileira Enfermagem, v. 59, p. 647-51, 2006.
or
tensões entre incorporação de saber médico e resistência cultural na prática
de partejar. 2017. Tese (Doutorado) – Centro de Humanidades, Universidade
od V
Federal do Ceará, Brasil, 2017.
aut
CARNEIRO, Aparecida Sueli. A construção do outro como não-ser como
R
fundamento do ser. 2005. Tese (Doutorado em Educação) –Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade de São Paulo.
o
aC
DUSSEL, E. Europa, modernidade e Eurocentrismo. In: LANDER, Edgardo
or
od V
Ana D’Arc Martins de Azevedo
aut
Elziene Souza Nunes Nascimento
R
Introdução
o
aC
Este capítulo foi elaborado para discutir sobre as bases teóricas da deco-
lonialidade que podem ser percebidas nas entrelinhas de duas das obras de
Eneida: “Aruanda” (1957) e “Banho de Cheiro” (1962). Nesse sentido, emerge
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a análise acerca dessa interface que visa estabelecer uma ligação lógica entre
visã
a decolonialidade e as narrativas de Eneida, sem que a mesma se quer tenha
citado a nomenclatura “decolonial” nas suas memórias escritas.
Trata-se de um estudo inovador, tendo em vista a inexistência dessa
itor
ças. Eneida é considerada uma mulher que viveu seu tempo plenamente, em
momentos de opulência e, também, de modéstia. É considerada uma mulher
s
or
como premissa, o levantamento do estudo da questão que se propõe a ana-
lisar e solucionar. A pesquisa bibliográfica pode, portanto, ser considerada
od V
também como o primeiro passo de toda pesquisa científica (LAKATOS;
aut
MARCONI, 1992, p. 44).
R
Neste sentido, esta pesquisa encontra-se fundamentada em Moraes
(1989); Quijano (2005); Mignolo (2008), dentre outros. Para a investiga-
o
ção do pensamento decolonial nas narrativas de Eneida, foram menciona-
das algumas citações de suas obras “Aruanda” e “Banho de Cheiro” que
aC
Aqui focamos o perfil da mulher Eneida, que para Loureiro (s/a) suscita
par
or
sua intelectualidade.
od V
Estudou no Colégio Gentil Bittencourt e cursou a Faculdade de Odon-
aut
tologia, na cidade de Belém. Desde esse período, participava do movimento
literário do Pará, publicando crônicas e poesias em diversos jornais — entre
os quais o Estado do Pará — e revistas como “Guajarina” e “A Semana”, da
R
qual foi secretária, em substituição a Pelegrino Júnior (BRINCHES, 1974).
Observa-se que, desde muito cedo, Eneida já percorria uma trajetória
o
de intelectual, uma educação que lhe rendeu ter acesso a cultura letrada e,
aC
consequentemente, uma visão crítica e ampla do mundo que a cercava. Já
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feminina, lutava com objetivo de uma proposta pela ampla aceitação dos
ver
or
É preciso verificar que Eneida conheceu também o lado restrito de uma
od V
vida sem condições financeiras, contudo, nada disso a esmorecia, seu foco
aut
era lutar em favor de melhores condições de vida a população de seu país.
Em 1946, já no governo do general Eurico Gaspar Dutra, começou a escrever
R
para o “Momento Feminino”, do Rio de Janeiro. Três anos depois, viajou
a Paris, onde, além de estudar literatura, tornou-se colaboradora do Diário
o
Carioca. Travou conhecimento com Jean Cocteau, Paul Eluard, Louis Aragon
e Pablo Picasso (BRINCHES, 1974).
aC
Entendendo a decolonialidade
or
intelectuais latino-americanos que, fundamentalmente, quer dizer ‘o movi-
od V
mento de resistência teórico e prático, político e epistemológico, à lógica da
aut
modernidade/colonialidade’. Segundo Mignolo (2008), “a conceitualização
mesma da colonialidade como constitutiva da modernidade é já o pensamento
de-colonial em marcha” (MIGNOLO, 2008, p. 249).
R
Compondo a genealogia global do pensamento decolonial, pode-se elen-
car intelectuais tais como: Mahatma Gandhi, W. E. B. Dubois, Juan Carlos
o
Mariátegui, Amílcar Cabral, Aimé Césaire, Frantz Fanon, Fausto Reinaga,
aC
Vine Deloria Jr., Rigoberta Menchú, Gloria Anzaldúa mas, também, o movi-
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abordagem mais recente, tendo como parâmetro o que em outro lugar Mig-
nolo (2008) denominou de “pensamento fronteiriço”: tal pensamento fron-
teiriço, desde a perspectiva da subalternidade colonial, é um pensamento
que não pode desconhecer o pensamento moderno, mas que não pode tam-
pouco atrelar-se a ele, ainda que o mesmo seja de esquerda ou progressista.
par
or
od V
Interfaces entre o pensamento decolonial
aut
nas narrativas de Eneida
R
Tendo concebido o perfil da mulher Eneida e as bases da proposta
decolonial em diálogos teóricos e análises, partir-se-á para o estudo de
o
interfaces. Tendo como base duas obras de Eneida “Aruanda” (1957) e
“Banho de Cheiro” (1962), estabelecendo a relação destas obras com o
aC
demonstra que buscou tanto na sua ação, quanto em suas narrativas, levantar
a bandeira de luta política e transformar o mundo em “Aruanda”.
Ed
or
uma sociedade mais igualitária, democrática e justa, a busca de soluções
para o patriarcalismo, o racismo, a colonialidade, o capitalismo possa
od V
estar aberto para as diversas histórias locais, para as diversas perspectivas
aut
epistêmicas e para os diversos contextos em que são encenados os projetos
de resistência (GROSFOGUEL, 2012, p. 98).
R
A mãe de Eneida lhe ensinara: “Todos são iguais [...]” (MORAES, 1989,
o
p. 57), e a mesma apreendeu esses ensinamentos como bandeira de luta ao
longo de sua trajetória de vida. As narrativas de Eneida demonstram que ao
aC
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no qual os sujeitos desse espaço acreditam que a felicidade virá por meio dele.
Com essa atitude, Eneida valoriza o conhecimento originário de sua cultura
em detrimento de outros saberes: “[...] em minha terra na longínqua e amada
ão
Nota-se esse modo de vida em Eneida, quando a autora narra suas vivên-
cias na Amazônia paraense. Nesse sentido, é importante também mencio-
nar o diálogo com Quijano (2005) e Mignolo (2007) os quais pontuam na
proposta dos estudos decolonias a existência da chamada colonialidade, a
qual é caracterizada pela colonização do imaginário e do saber. Não se trata
de negar a história oficial, mas de recontá-la à luz das experiências e das
culturas colonizadas. Na História vista de baixo: a cultura popular, obra
or
de Thompson (2001), descreve como refletir nos hábitos culturais locais de
od V
comunidades tradicionais, movimentado uma escrita da história que conceda
aut
o protagonismo a classe marginalizada, em detrimento de uma história que
evidencia somente os grandes heróis. Ao observar Eneida, a qual prioriza a
história do seu próprio “chão” ao mencionar os hábitos culturais de seu povo
R
em suas narrativas, coloca em evidência a valorização da cultura popular
que era prejudicada pela cultura externa, principalmente europeizada. Nessa
o
perspectiva sua postura é decolonial.
aC
desaparecimentos, torturas? (p. 131). [...]. Mas nós somos antifascistas, nós
somos presas políticas... Somos todas brasileiras (p. 135) (MORAES, 1989,
p. 119, 131 e 135).
or
militantes no período crítico de ataque a democracia brasileira (décadas
od V
de 1930 e 1940). Essas mulheres são feministas, segundo Esmeraldo (1988),
aut
são mulheres ligadas as organizações de esquerda: são grupos de autoconsciên-
cia formada durante os anos de repressão, agrupando sobretudo intelectuais
que exerciam distintas profissões. A proposta decolonial dá conta de orientar
R
a respeito da constituição de hierarquias e desigualdades, condenando-as e,
Eneida, em suas narrativas, valoriza a figura da mulher, demonstrando suas
o
lutas em favor de melhores condições de vida para si e para seu povo. Comun-
aC
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certas identidades (HOOKS, 1995). Quando Eneida lança seu olhar para esses
indivíduos e percebe a penúria de vida que levavam, fazendo disso sua ban-
Ed
Penso em meus olhos que estão cada vez mais desbotados – eles que foram
ão
muito verdes – e imagino como tem sido grande minha luta, tão persis-
tente em dificuldades é a minha vida (p. 176). As vozes estão cada vez
mais altas. Todos têm seus problemas de dinheiro pequeno para despesas
s
or
Percebendo a decolonialidade em banho de cheiro
od V
aut
Em vários momentos da obra “Banho de Cheiro”, percebe-se a proposta
do pensamento decolonial. Eneida evidencia falar da sua Terra: a Amazônia
Paraense. Pode-se destacar: [...] Patchuli e pau-de-angola, priprioca, catinga
R
de mulata, manjerona, bergamota, pataqueira, cipó-catinga, arruda, cipó-uíra,
perfumes selvagens é certo [...] (p. 198). [...] Ver-o-Peso[...] (p. 198). – Todo
o
mundo é igual [...] (p. 209). [...] céu do Marajó [...] (p. 211). Foi em 1616 que
aC
Francisco Caldeira Castelo Branco fundou a cidade que denominou de Feliz
de supor que uma região é mais civilizada que a outra. A proposta decolonial
enfatiza a nomenclatura colonialismo, a qual se refere a tomada empírica
propriamente dita dos territórios colonizados. De fato que, historicamente, a
ão
or
contam suas histórias de vida cotidiana e, Eneida lança mão desse enfoque
od V
de forma ímpar.
aut
A proposta decolonial em seu amplo universo de desconstrução, de pes-
quisa, de novos conhecimentos, de repensar lugares de privilégios, pondera
que as mudanças implicam em fugir do discurso óbvio e sensacionalista para
R
que, de fato, se possa falar de democracia, liberdade, feminismo, raça, ética,
cidadania... e que essa fala ecoe por meio de múltiplas vozes. Que essa fala,
o
de fato, materialize-se num debate honesto e com equidade (RIBEIRO, 2018).
aC
O debate que envolveu os trechos das narrativas de Eneida com os teóri-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
cos decoloniais, bem como as análises, deram conta de enfatizar que o pensa-
mento decolonial na referida autora é mais presente do que se supôs imaginar.
A seguir serão enfatizados mais alguns trechos das narrativas de Eneida
visã
em “Banho de Cheiro” que focam as premissas decoloniais.
uma vez que este nos remete a uma dimensão mais dinâmica da produção,
manutenção, das lutas e resistências às desigualdades e às identidades estig-
matizadas e subalternizadas (COSTA, 2016).
A colonialidade do poder, entendida como padrão de poder que se
constitui juntamente com o sistema-mundo moderno/colonial, engendrou
simultaneamente lutas e resistências. Em outras palavras, as populações
subalternizadas e colonizadas não se sujeitaram passivamente ao padrão de
or
poder que as inferiorizavam, ao contrário, elaboraram projetos de resistência
od V
e de ressignificação da vida. Ao compor movimentos de resistência, dá ori-
aut
gem a um movimento de recriação de valores, denominado de reexistência
(BERNARDINO-COSTA, 2016).
Estes movimentos são efetivamente movimentos decoloniais, pois obje-
R
tivam superar o padrão de poder constitutivo da modernidade/colonialidade,
que não somente criou raças novas, mas as associou a determinadas posições e
o
funções. Quando Eneida narra essas histórias, toma para si a responsabilidade
aC
Considerações finais
visã
para uma mulher militante de esquerda que foi linha de frente em protestos
de greve e que por várias vezes fora presa pelo poder nacional.
s
Mediante a luta dessa mulher, vimos que em seu sangue “corria a Ama-
ver
zônia”, que não fugiu às suas raízes, tanto que estampou em suas narrativas
sua infância em Belém, os lugares pelos quais percorreu, os costumes do povo
e o engrandecimento das belezas da Amazônia paraense.
Considerando as informações, no que tange ao tema abordado nessa
pesquisa, os objetivos específicos contemplaram o referencial teórico de modo
PEDAGOGIAS DECOLONIAIS NA AMAZÔNIA:
Fundamentos, Pesquisas e Práticas 233
que foi viável alcançar o objetivo geral do presente artigo. Neste estudo de
interfaces, identificou-se que as bases do pensamento decolonial estão pre-
sentes nas narrativas de Eneida, desde as primeiras laudas de “Aruanda” e
“Banho de Cheiro”.
De fato, que a expressão decolonialidade nunca foi utilizada por Eneida,
aliás, sequer existia no período de suas narrativas. Tal proposta, porém, é
secundária neste estudo, tendo em vista que a autora examinada manifesta uma
or
postura de luta e resistência frente a governos autoritários que não valorizam
od V
a voz do seu povo.
aut
Assim, o pensamento decolonial está presente nas narrativas de Eneida.
Nas suas duas obras analisadas, sua postura de atuação para que a vozes
subalternas ecoassem foi evidente, de modo inquestionável, ao contar as suas
R
memórias pessoais e escrevê-las como a história de seu povo amazônico.
Esta pesquisa, então admite que o pensamento decolonial está presente
o
também nas narrativas literárias e não apenas em estudos historiográficos,
aC
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REFERÊNCIAS
ANSARA, Soraia. Políticas da memória x Políticas do esquecimento: possi-
bilidades de desconstrução da matriz colonial. Psicologia Política, São Paulo,
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od V
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BERNADINO-COSTA, Joaze; GROSFOGUEL, Ramón. Decolonialidade e
perspectiva negra. Revista Sociedade e Estado, Brasília, v. 31 n. 1, p. 15-24,
jan./abr. 2016.
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COSTA, Sérgio. Desprovincializando a sociologia: a contribuição pós-colo-
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un manifiesto. In: CASTRO-GÓMEZ, Santiago; GROSFOGUEL, Ramón
od V
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direita, a esquerda e a opção descolonial. Caderno CRH, Salvador, v. 21, n.
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MORAÑA, Mabel; DUSSEL, Enrique; JÁUREGUI, Carlos. Coloniality at
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large: latin american and poscolonial debate. Durhan: London: Duke Uni-
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visã
MORAES, Eneida de. Aruanda. Banho de Cheiro. Belém: SECULT/
FCPTN/ CEJUP, 1989.
itor
Tradução: Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras; Belo
Horizonte: UFMG, 2007.
ão
or
Daniela de Oliveira Senna
Carla Joelma de Oliveira Lopes
od V
aut
Introdução
R
Já faz tempo que “namoramos” com as deusas da Amazônia44. Elas nos
o
encantam com seus cheiros, cantos, sons, danças, tons. Elas são múltiplas,
aC
versáteis, ávidas em aprender, fecundas em ensinar, são vibrantes. Margeiam
os rios e florestas, vivem aqui e ali em movimento constante, ultrapassam os
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homens e/ou esperando por eles. Em seu estudo sobre a presença da mulher
negra no livro didático de história, a autora revela que mais que invisibilisada,
a representação que ainda é predominante é a da negra como escrava, como
ão
tem sido silenciada tão quanto a Amazônia nos livros didáticos. Sexismo,
machismo, racismo, colonialidade do saber, parecem facetas que materializam
o cenário de exclusão que acompanhamos em nossos recursos pedagógicos.
44 A inspiração para este trabalho nasceu no curso de Especialização em Ensino de História promovido pela
UFPA/2018. O debate com o feminismo negro e o feminismo decolonial consolidaram nosso interesse por
entender a relação tecida entre negras, entidades sagradas e Livro Didático de História. Deriva dessa experiência
o Trabalho de Conclusão de Curso intitulado “Onde está Tereza? A presença da mulher negra no livro didático”.
238
Foi essa falta que nos moveu em direção às deusas da Amazônia. Sobre-
tudo, porque encontramos nelas o aconchego de quem, com imensa sabedoria,
denuncia a exclusão e luta insistentemente contra ela. São deusas que militam.
Cada uma a sua maneira. Com suas potencias ativadas, energizadas pela fé
no movimento. Energizadas pelo som incansável das matas, rios e ruas desta
terra encantada, mas tão reclamada pelos poderosos. Assim, chegamos a Zélia,
à “herdeira de Ananse”, nossa primeira deusa amazônida.
or
Zélia Amador de Deus, figura entre as principais intelectuais negras da
od V
Amazônia. A trajetória dessa mulher aos poucos, passa a ser conhecida no
aut
território brasileiro, contudo, o movimento ainda é tímido. Sua história nos
convida a desafiar os moldes conservadores e excludentes que destinam à
R
Amazônia e a seu povo, um lugar subalterno. Sua existência desafia a colo-
nialidade do saber e do poder, por isso tão necessária entre nós.
o
Nosso objetivo neste trabalho não é o de construir uma biografia de Zélia,
até porque ela fala sobre si mesma muito bem. Ao invés disso, pretendemos
aC
como sujeitos de direitos. Mas nosso diálogo não se encerra por aí. Nosso
ver
or
Foi criada pelos avós e pela mãe, que era adolescente ainda quando Zélia
od V
nasceu. Com apenas um ano e meio de idade migrou para Belém, veio morar
aut
na capital paraense com seus avós, o que lhe possibilitou estudar mesmo
em meio a dificuldades financeiras. Na infância, ouviu histórias de “Bento
Amador”, referência importante da família dos Amador. Eram histórias de
R
lutas e conflitos por terra, disputas entre o povo preto e o povo branco. De
acordo com ela, herdou o legado da coragem de seus ancestrais. A valentia
o
dos Amador lhe inspirou.
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Ela também recorda que uma vez pensou em matar uma aranha. Sua avó
a impediu. “Não! Não se deve matar uma aranha! Essa aranha pode ter mãe.
A mãe dela pode ser uma deusa. Ela pode ser filha de Anansia” (AMADOR
DE DEUS, 2008, p. 13). Sepuvelda em diálogo com Zélia escreve:
visã
Mas, não bastasse a herança sagrada africana, Zélia descobriu que, também,
é “filha” de Nanã Buruquê, um orixá feminino que domina rios, ribeirões,
Ed
mesma. Ela poderia ser diferente? Não sabemos. Mas a Zélia que conhecemos
tem a fala aguerrida e, ao mesmo tempo terna, de quem sempre se preocupa
s
em combater injustiças.
ver
or
pava da fundação, em 1980, do Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará
od V
(CEDENPA), entidade que é referência no Pará e no Brasil na luta pelos direitos
aut
do povo negro e no combate ao racismo, preconceito e diversas formas de dis-
criminação. O CEDENPA assumiu um protagonismo indiscutível no processo
de luta dos direitos territoriais e culturais dos povos quilombolas por ocasião da
R
elaboração da Constituição Federal (CF) de 1988. As conquistas do movimento
negro materializaram-se nos artigos 6846, 21547 e 21648 da CF/88. Além destas,
o
Zélia atuou ativamente na organização da Marcha das Mulheres em 2015.
aC
Atualmente Zélia é coordenadora do Grupo de Estudos Afroamazônicos
tralidade, dessa forma, “Ananse” tecia seus fios. A mais jovem, teve a honra
de ouvi-la quase trinta anos depois e de por ela (também) se deixar encantar.
Ed
Zélia talvez não saiba, mas sua influência atravessou duas gerações, em
particular. Somos mãe e filha. Negras, feministas, intelectuais e buscamos,
s
46 O artigo 68 presente no ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) estabelece que aos rema-
ver
nescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade
definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos (BRASIL, 1988).
47 Estabelece que o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da
cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais (idem, ibidem).
48 Estabelece que constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados
individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes
grupos formadores da sociedade brasileira.
PEDAGOGIAS DECOLONIAIS NA AMAZÔNIA:
Fundamentos, Pesquisas e Práticas 241
Feminismo negro
or
od V
O racismo é um fenômeno que tem como um de seus suportes
aut
a crença na naturalização da superioridade do colonizador.
E em consequência a naturalização da existência de grupos
naturalmente hierarquizados (AMADOR DE DEUS, 2008, p. 40).
R
Iniciamos nosso debate sobre o feminismo negro citando Zélia. E como
o
poderia ser diferente? Alguns podem até tentar dizer que as questões ligadas
ao feminismo negro não estavam no horizonte da autora ao escrever esse
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
trecho de sua tese. Que o objeto de sua investigação foi o movimento negro
e seu protagonismo na luta intensa pela conquista e consolidação de ações
afirmativas, sobretudo as cotas para negros na universidade. Ao que respon-
visã
deremos sem hesitar, mas ela tratava dos filhos de Ananse.
O mito de Ananse está relacionado a deusa Aranã, divindade portadora de
um repositório de memórias sobre as múltiplas culturas africanas, que acompa-
nhou seus filhos nas longas travessias provocadas pela diáspora forçada. A deusa
itor
energizou a esperança dos povos negros. Ananse na cultura africana “[...] simbo-
liza uma aranha-heroína que recorreu a infinitos truques para vencer o inimigo”
(AMADOR DE DEUS, 2008, p. 20). E por ela Zélia se deixou envolver.
E assim, a intelectual negra, amazônida, herdeira de Ananse, denuncia em
par
Tinha sete anos apenas, apenas sete anos. Que sete anos! Não chegava
nem a cinco! De repente umas vozes na rua me gritaram Negra! Negra!
s
Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! “Por acaso sou negra?” –
ver
me disse. SIM! “Que coisa é ser negra?” Negra! [...]. ! [...] (VICTÓRIA
SANTA CRUZ, 1960)49.
49 Trecho do poema “Me gritaram negra” de Victória Santa Cruz (1960), que se tornou música. Encontrei-o na
Internet depois de ter ouvido várias pessoas falando sobre ele, mas estava musicado. Está disponível em:
https://vermelho.org.br/2013/09/27/me-gritaron-negra/. Acesso em: 18 jul. 2020.
242
or
neidade tem produzido identidades não estáveis marcadas por sobreposições
od V
e intersecções.
aut
Mas, afinal, voltemos a inquietação provocada pela poesia de Victória e
pelas reflexões de Zélia. O que é ser negra? Mais ainda. O que é ser negra no
R
mundo atual, na América Latina, no Brasil, na Amazônia? Estaríamos falando
de condições semelhantes? De fenômenos comuns? Ou há especificidades
o
nestas vivências como sugere Hall? Hooks (2015) ao tratar do “nascimento”
do movimento feminista nos Estados Unidos, denunciou o fato de que as
aC
[...] falou das necessidades das mulheres sem homem, sem filhos, sem
lar, ignorou a existência de todas as mulheres não brancas e das brancas
pobres, e não disse aos leitores se era mais gratificante ser empregada,
itor
EUA, onde ela pergunta: “E eu não sou uma mulher?”, referindo-se ao fato
ver
or
brancas de classe social privilegiada não dava conta de perceber a realidade
das que não se enquadravam nesse perfil. Que outras mulheres, em outras
od V
aut
condições, demandavam atenção e lutavam, assim como aquelas, para que
seus clamores fossem atendidos, tanto do ponto de vista social, como do
ponto de vista político e histórico. Que as mulheres não são iguais, mas que
R
as diferenças entre elas não podem se converter em desigualdades.
Entre as negras, também, existem diversidades. Como não considerar que
o
uma mulher negra de classe média e uma mulher negra pobre tem realidades
aC
particulares? Como não dimensionar o que ocorre com a vida de uma mulher
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
negra, lésbica e pobre? Uma mãe solteira negra? Só para citar algumas das
intersecções possíveis. Ser mulher negra implica, portanto, considerar uma
multiplicidade de condições.
visã
Collins (2017) ressalta que entre as negras há uma diversidade significa-
tiva que origina um discurso próprio, um ponto de vista que opera de dentro
pra fora explicando, assim, a necessidade de emergência de um feminismo
itor
or
acontecimento criminoso. No dia 14 de março de 2018, a vereadora Marielle
od V
Franco (PSOL/RJ) e seu motorista, Anderson Gomes, foram assassinados.
aut
A morte de Marielle chama a atenção para o fato de que o crime contra
a mulher negra não é um episódio isolado no país. Para além das motiva-
ções político-partidárias que possa ter tido, a violência contra o corpo da
R
mulher negra que milita, que luta por justiça social, que evidencia o racismo, o
sexismo, as estruturas patriarcais, o desrespeito aos direitos humanos, denuncia
o
o quanto a luta do feminismo negro incomoda o Brasil. Recuperamos aqui a
aC
Feminismo decolonial
par
Ed
or
largo dos feminismos pensados para o centro do mundo, mesmo que nem
od V
sempre se dê conta disso. A reflexão da autora também nos leva a recor-
aut
dar as palavras de Apple (2002, p. 33) ao denunciar que “[...]. O “centro”
arrogante determina o lugar ocupado pelas periferias, lugar de apagamento,
silenciamento e negação”.
R
Apple, de maneira muito sagaz, percebe que existem geografias da
o
dominância marcadas por aquilo que ele denominou de branquidade.
Segundo o autor, “sob muitos aspectos, branquidade é um conceito espacial”
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
e 1970 no Brasil, a situação das mulheres negras não era nada simples. 90%
delas trabalhavam na prestação de serviços domésticos, não tinham acesso à
od V
formação adequada, nem chances efetivas de inserção no mercado de trabalho
aut
em melhores postos de trabalho. Segundo a autora:
R
Ser negra e mulher no Brasil, repetimos, é um objeto de tripla discrimi-
nação, uma vez que os estereótipos gerados pelo racismo e pelo sexismo
o
a colocam no mais alto nível de opressão. Enquanto seu homem é objeto
aC
da perseguição, repressão e violência policiais, [...] ela volta-se para a
Ananses na Amazônia
or
od V
Ananse, a divindade da cultura fanti ashanti, deusa Aranã que se apresenta
aut
em forma de aranha, quando assume esta forma, recebe o nome de Ananse.
É esta poderosa Aranha com suas teias que, aqui, tomarei como metáfora
das ações desempenhadas por um povo que lançado em situação limite
R
buscou força para resistir (AMADOR DE DEUS, 2008, p. 130).
o
1988 é um ano marcante na história brasileira. Para os povos da Ama-
aC
zônia, em particular, simboliza um ano de vitórias nos marcos legais. Con-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
o sexismo, o racismo, a homofobia, o classismo, a invisibilidade histórica e
od V
o silêncio sobre elas.
aut
Recuperamos aqui o exemplo de Rosa Acevedo Marin, refletindo sobre o
trabalho escravo e trabalho feminino no Pará (1987). A pesquisadora alertava
para o fato de que as especificidades do regime colonial acabavam por impor
R
na Amazônia uma nova configuração para o mundo do trabalho. Nele, mulhe-
res viúvas, separadas, abandonadas, concubinas, escravas ou forras, viam-se
o
envolvidas na trama das relações de produção, mantinham a si mesmas e as
aC
suas famílias, foram protagonistas da própria história e da história amazônica,
público. As que labutavam de sol a sol para garantir a reprodução de seu grupo
familiar. Também foram silenciadas pela história.
Não poderíamos deixar de recordar as pesquisas de Benedita Celeste
Pinto (2001, 2002, 2004, 2009, 2015) que destacam a importância feminina
na formação e liderança das comunidades negras rurais. A pesquisadora nos
par
Considerações finais
or
od V
Colocar em evidência a trajetória de Zélia Amador de Deus, no sentido
aut
de mostrar como ela representa e materializa a presença de Ananse na Ama-
zônia, é uma tarefa magnífica, ainda que complexa. Primeiro porque nos deu
R
muito prazer ouvi-la, acompanhá-la, com ela aprender, deixar-se envolver
em suas teias. Depois porque ela nos ensinou muito sobre o que é ser mulher
na Amazônia.
o
Nossa pele, seja negra, branca, amarela, fala muito de nós. De nossos
aC
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das Mulheres Negras, na luta por visibilidade, respeito, pelo fim da opressão,
a re
lugares. São conhecidas como Anna, Adriane, Benedita, Eliana, Rosa, Lélia,
Angela, Bell, Patrícia, Djamila, Victória, Sojouner, entre outros nomes, entre
Ed
REFERÊNCIAS
AMADOR DE DEUS, Zélia. Os herdeiros de Ananse: movimento negro,
ações afirmativas, cotas para negros na Universidade. 2008. Tese (Doutorado
em Ciências Sociais) – Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais,
Universidade Federal do Pará, Belém, 2008.
or
od V
APPLE, Michael. Consumindo o outro: branquidade, educação e batatas fritas
aut
baratas. In: COSTA, Marisa Vorraber (org.). A escola básica na virada do
século: cultura, política e currículo. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2000. p. 25-43.
R
ARROYO, Miguel. Outros sujeitos, outras pedagogias. 2. ed. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2014.
o
aC
or
grama de Pós-Graduação em Educação, Instituto de Ciências da Educação,
od V
Universidade Federal do Pará, Belém, 2016.
aut
LINHARES, Anna Maria Alves. Do Facebook para a sala de aula: crônicas
R
feministas. Goiânia: Editora Espaço Acadêmico, 2019. 72 p.
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baua, Baião – PA. 2017. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Programa
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
PAKATATU, 2004.
Ed
– ANPUH, 25, 2009, Fortaleza, CE. Anais [...]. Ceará: ANPUH, 2009, p. 1-15.
or
nindeua, 2018. Disponível em: http://bdm.ufpa.br/jspui/handle/prefix/670.
od V
Acesso em: 10 set. 2019.
aut
SEPUVELDA, Lucas Afonso. Zélia Amador de Deus: tecendo os laços de
solidariedade entre os herdeiros de Ananse. In: FREITAS, Viviane Gonçal-
R
ves (org.). Intelectuais negras: vozes que ressoam. Belo Horizonte, MG:
PPGCOM UFMG, 2019.
o
aC
ver
Ed
s ão itor
par aC
a re
visã R
DECOLONIAIS
od V
o
aut
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS or
ver
Ed
s ão itor
par aC
a re
visã R
od V
o aut
or
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
DE DECOLONIALIDADE
NA EDUCAÇÃO ESCOLAR
or
QUILOMBOLA DA AMAZÔNIA
od V
aut
Ana D’Arc Martins de Azevedo
Laís Rodrigues Campos
R
Simone de Freitas Conceição Souza
o
aC
1. Introdução
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pela via das dimensões: humana (ética) que subsidia a compreensão para
entender práticas que, embora ainda mantenham uma dependência direta
Ed
or
dições dignas para a sobrevivência e perpetuação da espécie humana, e a
od V
ética está implícita nesse contexto quando atua em vários campos concretos:
aut
econômico, pedagógico, esportivo, familiar, cultural, etc (DUSSEL, 2007).
A problemática que move o presente estudo é a seguinte: Quais as prá-
R
ticas pedagógicas de decolonialidade que se dão no contexto da educação
escolar quilombola realizada em dois Quilombos da Amazônia? Nesta pers-
o
pectiva, o objetivo geral deste capítulo é conhecer as práticas pedagógicas
de decolonialidade que se dão no contexto da educação escolar quilombola
aC
ministeriais etc.
a re
na Amazônia Paraense
ver
or
tudo, as formas desses povos estarem no mundo e produzirem conhecimento
od V
sobre seus próprios contextos. A perspectiva das comunidades negras rurais
aut
precisa estar dita e escrita de maneira que a escola seja esse lugar de poder e
saber já mencionados linhas acima.
Nesse sentido, a Educação Escolar Quilombola como tema e matéria
R
política emerge por meio da pauta antiga e original da luta campesina na
década de 1980 que pontuou a necessária assunção por parte da Assembleia
o
Constituinte da diversidade dos povos da floresta e, que isso significaria ins-
aC
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ARRUTI, 2011).
a re
or
em cinco regiões de concentração. O aspecto de maior destaque no relato
disponível sobre o projeto é justamente a natureza social e politicamente
od V
produtiva do próprio levantamento (ARRUTI, 2002, p. 79).
aut
A análise desse campo, portanto, possibilita a observação na perspec-
R
tiva genealógica que conduz aos dias atuais trazendo a visão dos embates e
fricções desse lugar de maneira que é possível uma avaliação real do que se
o
construiu e como as articulações vão se adequando ao momento político e
suas prioridades.
aC
apontadas pelas organizações negras paraenses como órgão que deveria ser a
ponte entre o que havia e o que precisava ser realizado.
Desse modo, foi criada a Seção Técnica-Pedagógica de Relações Étnico
s
as 181 escolas classificadas como escolas quilombolas e para gerir esse mapa
de demandas, a COPPIR contava com algo em torno de 13 profissionais51.
A Educação Escolar Quilombola posta na Lei 10.639/03 recebe do Con-
selho Nacional de Educação em 2004, a aprovação do parecer que propõe as
Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileiras. Finalmente em 2012,
foram aprovadas pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional
or
de Educação, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar
od V
Quilombola (MEC, 2012) que devem orientar os sistemas de ensino para que
aut
eles possam colocar em prática a Educação Escolar Quilombola em diálogo
com a realidade sociocultural e política das comunidades e dos movimentos
R
quilombola. A partir desse documento, a Educação Quilombola torna-se uma
modalidade da Educação Básica.
o
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilom-
bola foram construídas a partir de consultas públicas oficiais no Maranhão, na
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
Quilombola como em Salvaterra com um currículo específico.
od V
Nesse sentido, para além de uma seleção de temáticas que tenham objeti-
aut
vos, o currículo escolar é uma construção social. Entende-se que “os conteúdos,
como toda realidade educativa tal como a conhecemos em suas instituições, nas
R
práticas pedagógicas, não foram criados decisivamente pelo pensamento edu-
cativo, mas são isso, sim, frutos de uma história (SACRISTÁN, 1998, p. 155).
o
Nesse caso, buscamos como perspectiva, a noção de que “o currículo
deve considerar, na sua organização e prática, os contextos socioculturais,
aC
or
culturais, sociais, políticos e identitários específicos das comunidades
quilombolas (BRASIL, 2012, p. 13).
od V
aut
Diante disso, por exemplo, no cenário educacional, em Salvaterra veri-
ficamos que a questão quilombola como dispositivo curricular foi organizada
R
a partir de quatro grandes eixos: memória e cultura; saberes e tecnologia;
relações ambientais; promoção e igualdade racial e de gênero a partir dos
o
conteúdos das disciplinas específicas. Além disso, em caráter interdisciplinar
foi criada a disciplina Educação e Cultura Quilombola52, modelo que está em
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
da identidade quilombola.
Nesse contexto, é o currículo escolar exercendo função social entre a
s
escola e o contexto sociocultural, cujo olhar está sempre atento para sua
ver
or
od V
Devemos abordar aspectos que valorizem o aluno. Devemos assumir o que
aut
Paulo Freire ensinava: o aluno é o sujeito do processo, chega de fazê-lo
objeto, deposito de conhecimentos, reprodutores da sociedade dominante
capitalista. Então, a minha percepção sobre identidade é que ela precisa
R
ser trabalhada que ela precisa ser valorizada é que o próprio destinatário
da educação que é o Quilombo requer conhecer a realidade que muitas
o
deles não conheceram, bem como conhecer as Leis e os projetos, porque
aC
a partir disso, conhecem seus direitos, e assim criam coragem, e se auto
or
se trabalha com mutirão (MARIA apud AZEVEDO, 2011, p. 133).
od V
E Maria explicita algumas estratégias que vêm desenvolvendo em suas
aut
práticas de sala de aula, considerando a inserção das famílias de seus alunos,
os personagens principais para compor um referencial histórico e sociocultural
R
sobre a identidade quilombola de Jambuaçu.
Diante disso, Maria pressupõem que as suas práticas de sala de aula se
o
enriquecem e dão um novo sentido quando, as mesmas adentram e pene-
tram em acontecimentos, em problemas que esse Quilombo vivencia no
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
seu cotidiano.
or
zadas pelo saber local. Nesta relação do conteúdo disciplinar com a identidade
quilombola, aponta-se uma educação escolar diferenciada.
od V
Desse modo,
aut
o que demarca, então, educação escolar diferenciada? Um argumento
R
categórico é a localização dessas escolas no território da comunidade, a
fim de intensificar a participação das comunidades nas definições curricu-
lares e a incorporação da cultura como saber (MIRANDA, 2018, p. 204).
o
aC
Entende-se que o professor ao abordar na escola, o espaço vivenciado
aqui nós temos traços dessa situação de raízes e aí teve certo período que
a escola não trabalhava dessa forma e hoje graças a deus já conseguimos
Ed
or
quilombola, demonstram que é preciso superar a visão colonialista do saber,
od V
que no interior desses espaços de ensino, existem sujeitos que possuem conhe-
aut
cimentos muitas vezes invisibilizados por um sistema educacional hegemô-
nico. Por isso:
R
A compreensão das formas por meio das quais a cultura negra, as questões
de gênero, a juventude, as lutas dos movimentos sociais e dos grupos
o
populares são marginalizadas, tratadas de maneira desconectada com a vida
aC
social mais ampla e até mesmo discriminadas no cotidiano da escola e nos
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
zônia, algo que perpassa por uma concepção tradicional de quilombo. Assim,
Quijano (2002, p. 14) aponta que “a descolonização é o piso necessário de toda
a re
Considerações finais
par
planeja sua atividade com liberdade estabelece rotinas sobre o que e como
fazer e executa suas ações visando à obtenção dos resultados (re)definidos
s
or
seguir com o que se faz fora do espaço escolar para o fortalecer. As estra-
od V
tégias que vêm por meio de projetos orgânicos têm conquistado espaços
aut
determinantes nessa luta, como é o caso paraense. O poder que representa a
escola em todos os níveis e dimensões foi anunciado por muitos, de diver-
sas formas. Nesse momento, portanto, é hora de seguir com a estratégia
R
revolucionária de ocupar efetivamente os espaços com outras narrativas e,
efetivar a justiça social.
o
aC
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Territórios e territorialidades espe-
cíficas na Amazônia: entre a “proteção” e o “protecionismo”. Cad. CRH,
Salvador, v. 25, n. 64, p. 63-72, abr. 2012. Disponível em: https://www.scielo.
br/pdf/ccrh/v25n64/05.pdf. Acesso em: 15 jul. 2020.
or
od V
ARRUTI, José Maurício. “Etnias Federais”: O processo de identificação de
aut
“remanescentes indignas e quilombolas no baixo São Francisco. 2002. Tese
(Doutorado) – UFRJ Museu Nacional, 2002.
R
ARRUTI, José Maurício. “Quilombos”. In: Osmundo Pinho (org.). Raça:
perspectivas antropológicas. Salvador: ABA; Ed. Unicamp; EDUFBA, 2008.
o
p. 315-350.
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
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od V
MELO, Willivane Ferreira. Educação Escolar em Comunidades Quilombolas.
aut
In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSI-
COLOGIA SOCIAL, 2009, Maceió. Anais [...]. Maceió, 2009.
R
MIRANDA, Shirley Aparecida de. Quilombos e Educação: identidade em
disputa. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, v. 34, n. 69, p. 193-207, maio/
o
jun. 2018.
aC
or
od V
Érica de Sousa Peres
aut
Nazaré Cristina Carvalho
R
Introdução
o
aC
Este estudo é fruto da pesquisa de mestrado realizada no “Programa de
Pós-Graduação em Educação, da Universidade Estadual do Pará – UEPA, no
período de 2016-2018. Vale ressaltar que apresento aqui modos de saber e
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
As crianças não são apenas produzidas pelas culturas, mas também pro-
Ed
or
como docente nas comunidades quilombolas do Marajó. Escutei várias his-
od V
tórias de origem das comunidades sendo sempre iniciadas em Mangueira, o
aut
que me causou curiosidade e impulso em conhecer a vivência dessa comuni-
dade. A posteriori, busquei pesquisas que a tivessem como lócus. Encontrei
R
somente estudos no âmbito da saúde e da pesca. Isto me instigou ainda mais,
pois meu estudo se centra na educação e poderia figurar como o primeiro
com esse caráter investigativo. Com esses elementos em mente, propus-me
o
a mergulhar nesse rio da pesquisa.
aC
53 Utilizo o termo quilombo-mãe para designar aquele que, segundo as memórias que me foram narradas por
moradores de outras comunidades, foi o primeiro quilombo a ser formado em Salvaterra, sendo o refúgio
inicial dos negros que fugiam da escravidão imposta nas fazendas de Souré.
PEDAGOGIAS DECOLONIAIS NA AMAZÔNIA:
Fundamentos, Pesquisas e Práticas 271
or
Colônia. Nesse contexto, Vicente Salles (2005, p. 185) evidencia que “uma
od V
das condições impostas pelos escravos para dar ao senhor maior produtividade
aut
foi certamente o uso do lazer”.
Os navegantes
R
o
Os navegantes desta pesquisa são crianças quilombolas marajoaras,
sujeitos sociais que possuem experiências culturais diferenciadas, as quais só
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
das num universo singular e particular a ser desvelado. Isso faz com que os
ver
or
motivação para serem crianças. Inventam sua diversão a todo o momento,
od V
fazendo uso de coisas simples, e muitas vezes buscam na natureza o seu
aut
brinquedo. Valem-se da criatividade e imaginação para viver suas infâncias e
assim expressam a liberdade e leveza do brincar em meio aos quintais, terreiro,
R
rio, barco e ao campo, que são espaços comuns de todos: “a gente brinca aqui
porque aqui é de todo mundo” (informação verbal)54.
o
O cotidiano dessas crianças é marcado pelo contato com a natureza
(campo/floresta, rio), com a liberdade e o tempo para brincar e estar entre
aC
54 Fala de uma das crianças se referindo ao local da brincadeira – quintal de uma casa.
PEDAGOGIAS DECOLONIAIS NA AMAZÔNIA:
Fundamentos, Pesquisas e Práticas 273
or
crianças da Vila de Mangueira, nem todas se expressaram através da fala nas
od V
rodas de conversa e entrevistas, mas elas estavam lá, participando de todos os
aut
momentos da pesquisa, contribuindo com as demonstrações de suas brinca-
deiras, observando e sendo observadas na coletividade das suas vivências. A
rigor, o estudo contou com 15 crianças nascidas e residentes na comunidade
R
remanescente de quilombo Vila de Mangueira, sendo oito meninos e sete
meninas, intérpretes selecionados por acessibilidade, com a permissão das
o
próprias crianças e de seus pais ou responsáveis.
aC
A escolha dessas crianças como intérpretes da pesquisa está intrinseca-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
formance, a voz e o gesto”, que diária e livremente se mostram tal qual são.
Ed
sujeitos na história oficial. Ademais é importante frisar que, mesmo nesse lugar
ver
or
espaços estruturais diferenciam profundamente as crianças.
od V
Com os “espaços estruturais” diferenciados, as crianças quilombolas do
aut
Marajó, que vivem suas infâncias envoltas pela cultura ancestral negra, são
seres sociais que se diferenciam, pois possuem particularidades e especifici-
R
dades que se relacionam com seu território de vivência. Nesse sentido, elas
têm uma liberdade de brincar, pois possuem tempo e espaço para isso, já que
o
seu modo de vida permite que as brincadeiras sejam uma constante em sua
aC
vida. Assim, compreendemos que trazer as vivências lúdicas através da voz
como se explicita no cotidiano dessas crianças, que, através das suas brin-
a re
A educação existe onde não há a escola e por toda parte podem haver redes
e estruturas sociais de transferência de saber de uma geração a outra, onde
par
ainda não foi sequer criada a sombra de algum modelo de ensino formal
e centralizado. Porque a educação aprende com o homem a continuar o
Ed
Com essa educação que pode existir em toda parte, “a criança vê, entende,
ão
imita e aprende com a sabedoria que existe no próprio gesto de fazer a coisa”
(BRANDÃO, 1995, p. 18). Assim, os saberes e as práticas educativas passam
a permear a vivência das crianças que residem nos quilombos marajoaras.
s
or
um universo de saberes e práticas educativas se revelam pelas vivências
od V
cotidianas das crianças quilombolas marajoaras, apresento o quadro abaixo,
aut
que didaticamente sistematiza os saberes, a forma como cada saber é com-
partilhado a prática educativa que o envolve e a educação com a qual eles
se relacionam.
R
Quadro 1 – Saberes e práticas educativas das crianças quilombolas marajoaras
o
aC
Educação
Como o
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Oralidade
Ajuda aos pais ou
Orientação
SABERES DO responsáveis a realizar as Educação
Escuta
TRABALHO atividades do trabalho pela atenção
Atenção
e atividades domésticas
Prática
par
Oralidade Educação
O manuseio das ervas
Orientação para o
Ed
SABERES DO e matos
Diálogo bem-estar
COTIDIANO Horários da maré
Atenção e cultura da
Sinais da natureza
Convivência conversa
ão
Divisão de tarefas.
Respeito e
Oralidade reconhecimento da Educação
s
continuação
Educação
Como o
Processos e práticas que o
O Saber saber é
educativas saber está
compartilhado
associado
Conhecimento dos
territórios quilombolas,
localização dos
or
componentes da
comunidade: maré, igreja,
od V
escola, sede, bar, maloca
aut
e campo
Oralidade O significado da cerca de
SABERES DA Convivência arame farpado que limita a Educação
TERRITORIALIDADE
R
Observação
Orientação
comunidade.
A distância e diferenças
entre a capital e os
territorial
o
municípios próximos,
aC
Soure e Salvaterra; a
Escuta religiosos
a re
é cultura, pois considera como prática educativa tudo o que o homem constrói,
como seus saberes, significados e experiências de vida.
Ed
or
transmitidos através da oralidade pelos mais velhos. Desse modo, os saberes
od V
populares vão se perpetuando no seu modo de agir e de pensar o mundo.
aut
Dessa forma, os saberes tornam-se intrínsecos ao contexto vivenciado
pelas crianças. Diante disso, o saber é construído na práxis cotidiana, no ver
R
e no fazer, e assim, vão se integrando ao cotidiano e se relacionando com
a educação, com a realidade e com as particularidades de uma comunidade
o
quilombola. Para Martinic (1994), a sabedoria popular refere-se ao acervo de
conhecimento produzido e acumulado historicamente pelos grupos sociais e
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Considerações finais
or
em mesmo grau de importância sobre aquilo que se ensina e aquilo que se
od V
aprende. Mediante essa conjuntura, a educação que se instala fora do ambiente
aut
escolar reflete uma educação da experiência do sujeito, no seu local de vivên-
cia e pertencimento.
Diante do exposto, entendemos claramente que problematizar os saberes
R
que se constroem nas práxis cotidianas e/ ou nas vivências das crianças qui-
lombolas do Marajó perpassa por uma concepção de que os saberes culturais
o
são construídos e ressignificados pelos próprios sujeitos no seu cotidiano.
aC
torno de uma história que foi silenciada pela história oficial, que é a história
do povo negro que aportou na Amazônia Marajoara, e assim conferir voz aos
que ficaram à margem, dizer “o que não foi dito”, mas ainda assim constitui
socialmente, historicamente e culturalmente “o ser amazônico”.
par
REFERÊNCIAS
BRANDÃO, C. R. Educação como cultura. São Paulo: Mercado das
Letras, 2002.
or
Ed., 2005.
od V
CORSARO, Willian A. Sociologia da Infância. Porto Alegre: Artmed, 2011.
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Paulo: Cortez, 2008.
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FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 50. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro:
aC
Paz e Terra, 2011.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
od V
ZUMTHOR, P. Introdução à poesia oral. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2010.
aut
R
o
aC
or
od V
Flávio Nunes dos Santos Junior
aut
Marcos Garcia Neira
R
Introdução
o
aC
A sociedade contemporânea, estruturalmente marcada por uma profunda
desigualdade, pelos fluxos da globalização e pela produção multicultural, vem
impondo desafios de grande complexidade ao fazer pedagógico. As deman-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
um estilo de vida ativo, baseou-se no ensino de conceitos e procedimentos
que relacionam a atividade física a benefícios para saúde corporal e; com a
od V
intenção de fomentar o pensamento crítico e consciente da realidade, propôs
aut
intervenções calcadas nas análises da ideologia capitalista.
Essas propostas para o ensino de Educação Física têm em comum a
R
homogeneização dos corpos discentes e docentes, pois, ao se prenderem à
valorização dos conhecimentos produzidos pela ciência enquanto subjugam
o
outros, expõem o desejo de tornar os educandos produtores de cultura, habi-
aC
lidosos, saudáveis, atléticos, higiênicos, críticos e emancipados, a tal ponto
mundo contemporâneo.
Longe de esgotar o debate, até mesmo porque é um estreitamento recente
s
Incursões teóricas
or
conhecimento, um paradigma outro que abre a possibilidade de falar sobre
od V
mundos e conhecimentos de modo diverso (ESCOBAR, 2003).
aut
Seus integrantes lançam e compartilham conceitos causadores de grandes
renovações nas ciências sociais latinoamericanas do século XXI. Vendo com
R
Ballestrin (2013), Modernidade/Colonialidade, colonialidade, sistema mundo-
moderno/colonial, colonialidade do poder, colonialidade do ser, colonialidade
o
do saber, decolonialidade, giro decolonial, são alguns conceitos fundamentais.
Quijano (2005) faz uma clara denúncia sobre o mito de fundação da
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
diferentes lugares e epistemologias (LANDER, 2005). Olhando com Ramon
od V
Grosfoguel (2016), a estrutura de poder inspirada na colonialidade contemplou
aut
um padrão cognitivo, uma perspectiva de conhecimento que considera o não
europeu como atrasado e ligado ao passado, tido como inferior, dentro de um
R
estado primitivo, algo a ser superado. Logo, a Modernidade e a racionalidade
foram imaginadas como experiências e produtos exclusivos do europeu, o
o
que ressoa até os dias atuais, uma vez que a produção do conhecimento está
amplamente caracterizada pela lógica classista, racista, sexista, patriarcal.
aC
Modernidade – o Ego cogito – não pensar se converteu em não estar ou não ser.
a re
56 Patrício Guerrero Arias não é membro do grupo Modernidade/Colonialidade, mas acompanha e se apropria
do debate decolonial. Denuncia o suposto esquecimento da colonialidade da afetividade por parte da ciência,
e até mesmo do coletivo Modernidade/Colonialidade.
PEDAGOGIAS DECOLONIAIS NA AMAZÔNIA:
Fundamentos, Pesquisas e Práticas 285
or
debate teórico a respeito do sistema-mundo57 promovido por Immanuel Wal-
od V
lerstein. Engajado nas discussões da colonialidade, Walter Mignolo acres-
aut
centou o olhar latinoamericano, nomeando-o de sistema-mundo moderno/
colonial (CASTRO-GÓMEZ, 2005). Atentos a isso, Castro-Gómez e Gros-
R
foguel (2007) defendem o alargamento do conceito, preferindo sistema-
-mundo europeu/euroestadunidense capitalista/patriarcal moderno/colonial,
o
uma vez que o pensamento da Modernidade estava carregado da lógica
capitalista, patriarcal, colonial, eurocêntrica. Isto é, foram organizadas e
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
57 Ramon Grosfoguel (2019) coloca que a ideia de sistema-mundo simboliza um rompimento com a ideia
moderna que reduz a sociedade às fronteiras geográficas e jurídico-políticas de Estado-nação. Nesse sen-
tido, a teoria do sistema-mundo deseja mostrar que há processos e estruturas sociais cuja temporalidade
e espacialidade vão além do Estado-nação.
286
or
horizonte traz consigo a valorização dos conhecimentos produzidos pelos
od V
grupos e sujeitos alvos da colonialidade. É uma produção do conhecimento
aut
interstício, híbrido, que reconfigura as hierarquias epistêmicas a partir das
subjetividades subalternizadas, são os conhecimentos práticos de trabalhado-
res, mulheres, sujeitos racializados, coloniais, LGBTQI+ e pertencentes aos
movimentos antissistêmicos.
R
O propósito de desvelar a herança da Modernidade, trazer à tona as
o
narrativas que oprimem diferentes sujeitos, faz do pensamento decolonial
aC
um exercício político, uma práxis. Pensando com Castro-Gomez e Grosfo-
or
não heteronormativas.
od V
Imergir o currículo cultural (NEIRA; NUNES, 2006, 2009) nas discus-
aut
sões políticas decoloniais pode fortalecer as contribuições para pensar numa
organização das situações didáticas58 que não recaia em ações que imponham
R
um único olhar sobre a ocorrência social das brincadeiras, danças, esportes,
lutas e ginásticas, bem como dos sujeitos que se assumem parte delas.
o
O chamado currículo cultural da Educação Física experimenta uma
constante produção desde os anos 2000. Reflete a perspectiva do conflito,
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
práticas corporais na sociedade mais ampla, bem como o que se afirma sobre
elas e seus representantes (NEIRA, 2019). A perspectiva cultural considera
ão
58 De acordo com Neira (2011; 2019), as situações didáticas do currículo cultural são: mapeamento, vivência,
aprofundamento, ampliação, leitura da prática corporal, ressignificação, avaliação e registro.
59 Figuram entre as teorias pós-críticas os estudos culturais, o multiculturalismo crítico o pós-colonialismo, o
pós-estruturalismo, o pós-modernismo, a teoria queer, os estudos feministas, entre outras.
288
or
nizá-los possam se fazer presentes em meio às aulas e até mesmo na sociedade.
od V
No que diz respeito à colonialidade do ser, é possível pensarmos numa
aut
prática pedagógica atenciosa às narrativas que assolam as existências e sub-
jetividades presentes na produção social das práticas corporais, de maneira
R
a perceber como certos representantes são execrados pela condição que
as performam.
o
Portanto, numa aula de Educação Física agenciada por princípios éti-
co-políticos60 a favor das diferenças e encaminhamentos pedagógicos que
aC
60 Os estudos realizados por Bonetto (2016), Neira (2019) e Santos Júnior (2020) demonstram que os educadores
que assumem colocar em prática co currículo cultural, são agenciados por princípios ético-políticos na definição
da prática corporal a ser tematizada e das situa]ções didáticas, são eles: justiça curricular, reconhecimento do
s
patrimônio cultural corporal da comunidade, ancoragem social dos conheicmentos, descolonização do currículo,
ver
articulação com o projeto poítico pedagógico e favorecimento da enunciação dos saberes discentes.
61 Tematizar implica a realização de diversas atividades que buscam oferecer aos estudantes uma compre-
ensão ampla e com certa profundidade acerca de elementos que dão às práticas corporais determinadas
caraterísticas (SANTOS, 2016; NEIRA, 2019).
62 Para Santos (2016), problematizar, no currículo cultural de Educação Física, favorece a desconstrução e
potencializa novos acontecimentos, atua na desnaturalização daquilo que aparentemente está consolidado,
favorece a negociação, é um elemento pedagógico que alimenta e dá corpo à tematização.
PEDAGOGIAS DECOLONIAIS NA AMAZÔNIA:
Fundamentos, Pesquisas e Práticas 289
or
cristã, heteronormativa, eurocêntrica, burguesa, científica. Queremos dizer
od V
o seguinte, para fugir da colonialidade do poder, do saber e do ser, o pro-
aut
fessor ou a professora quando seleciona como tema uma prática corporal
indígena, por exemplo, deve proporcionar aos estudantes momentos que
R
lhes permitam vivenciar e compreender o modo como as próprias comuni-
dades indígenas a significam, escapando da armadilha de utilizá-la como
o
instrumento para desenvolver demandas do mundo capitalista, colonial,
patriarcal, como a melhora do condicionamento físico ou aprimoramento
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
ras etc. Com isso, as hierarquias que colocam determinados sujeitos numa
condição de privilégio enquanto outros experimentam a não existência são
derretidas, fissuradas.
O corazonar defendido por Guerrero Arias (2010) nos ajuda a compreen-
par
or
problematizar, as falas que permeiam a ocorrência social da prática corporal
od V
em tela com vistas a rebaixar, discriminar subjetividades.
aut
À medida que oferece condições aos estudantes para terem contato com
aquilo que parece estranho, fora da normalidade, o contraditório, a aula parece
R
caminhar afastada da racionalidade moderna. Não só isso, quando a atenção
está redobrada para perceber a quem interessam os discursos preconceituosos,
o
discriminatórios e violentos cristalizados e naturalizados nas falas discentes, a
aula passa a se constituir como um encontro carregado de afetos, sentimentos,
aC
Considerações momentâneas
par
são incipientes, estão marcadas por incertezas, dúvidas, riscos. Não queremos
finalizar as conversas em torno das possíveis aproximações entre o currículo
ão
complexidade em ambos.
ver
or
subjugar, anestesiar e marginalizar pessoas, coletivos e territórios. Além de
od V
vislumbrar uma Educação Física atrelada às práticas corporais de diferentes
aut
grupos com vistas a compreendê-las e vivenciá-las de infinitas formas, sem
deixar de questionar os conhecimentos que as compõem e como ocorrem
socialmente. Uma postura que faz da aula um potente encontro de afetos,
R
sentimentos, saberes, corpos, fazendo da vida uma constante invenção criativa.
Contudo, impulsionamos o currículo cultural a um movimento que ele
o
próprio se propõe a fazer, a descolonização/decolonização. Pois, embora se
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
REFERÊNCIAS
BALLESTRIN, Luciana América Latina e o giro decolonial. Revista Brasi-
leira de Ciência Política, Brasília, n. 11, p. 89-117, maio/ago. 2013.
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od V
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cero y el diálogo de saberes. In: CASTRO-GOMEZ, S.; GROSFOGUEL, R.
(org.). El giro decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica más
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allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores; Universidad
aC
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od V
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LANDER, Edgardo. Ciências sociais: saberes coloniais e eurocêntricos. In:
LANDER, Edgardo (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciên-
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cias sociais. Perspectivas latino-americanas. Ciudad Autonoma de Buenos
Aires, Argentina: Colección Sur Sur, CLACSO, 2005. p. 8-23.
o
aC
LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elizabeth. Teorias de currículo. São
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
lonial: reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo
global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores; Universidad Central, Instituto
de Estudios Sociales Contemporáneos y Pontificia Universidad Javeriana,
ão
or
valorização das diferenças: análises da prática pedagógica. Revista e-Cur-
od V
riculum, São Paulo, v. 18, n. 2, p. 827-846, abr./jun. 2020.
aut
NEIRA, Marcos Garcia; NUNES, Mário Luiz Ferrari. Pedagogia da cultura
corporal: crítica e alternativas. São Paulo: Phorte, 2006.
R
NEIRA, Marcos Garcia; NUNES, Mário Luiz Ferrari. Educação Física, cur-
o
rículo e cultura. São Paulo: Phorte, 2009.
aC
or
as escolas indígenas do Amazonas
od V
aut
Lucas Antunes Furtado
Introdução
R
o
aC
É necessário reconhecer que a questão da escolarização dos povos
indígenas foi pensada pelos não indígenas desde o início da colonização
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
até o século XX, com intuito de impor os padrões europeus como sinônimo
visã
de desenvolvimento, servindo para a construção de uma “nova civiliza-
ção”. Para isso, a educação formal foi usada como estratégia para atender
aos interesses dos colonizadores, negando a pluralidade sociocultural dos
itor
or
od V
Decolonialidade, educação e currículo
aut
Entende-se que a educação é um campo de disputas entre grupos
R
com diversos interesses antagônicos, e por isso as relações são tensio-
nadas e complexas. Essas disputas estão gravadas na história e a partir
dela, pode-se perceber as origens dos discursos interessados em obter o
o
domínio e controle do sistema de educação nacional e suas modalidades.
aC
emergentes nos idos do século XIX. Com isso, criou-se um outro mito, o
modelo global de racionalidade onde outras formas de interpretação da
vida seriam marginalizadas.
A Modernidade, entretanto, não foi marcada somente pelas transfor-
mações dos aspectos culturais e epistêmicos, reitera-se. A economia e a
política foram categorias estratégicas para a expansão do território europeu.
Por necessidades econômicas, a Europa empreendeu as grandes navegações
or
nas quais encontraram as Américas e iniciaram o projeto de colonização
od V
(exploração/escravização) dos povos originários que ali habitavam, ou seja,
aut
iniciou a extensão dos modos de organização social de uma nação para
controlar o Outro.
R
O Colonialismo impõe suas estruturas/instituições horizontais que não
respeitam as especificidades socioculturais da nação e/ou do povo que está
o
sofrendo a invasão. Esse processo é entendido como uma estratégia de controle
e dominação por não reconhecer a alteridade do povo, produzindo e disse-
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
organização social. Quando se faz essa análise densa, percebe-se que existem
novas formas de relações e trânsitos sociais, que foram formatadas pelas
estruturas/instituições a partir do momento que elas foram impostas como um
ão
or
A Colonialidade, como matriz consolidada na sociedade, está introjetada
od V
nas “novas” instituições sociais produzidas no processo histórico de domina-
aut
ção e exploração. Assim sendo, a escola como instituição “eleita” para educar
as novas gerações e contribuir com o desenvolvimento da nação, tende a estar
R
influenciada pela lógica da Colonialidade. Tal influência é perceptível quando
se analisa o sistema de educação básica e suas modalidades. Percebe-se que
o
o projeto de educação, as políticas públicas, as teorias sobre educação, cur-
rículos, as práticas pedagógicas, entre outros, estão alinhadas às concepções
aC
A MCI surge como uma alternativa para suprir uma lacuna na educação
escolar indígena do Amazonas. Atualmente, existem escolas indígenas de
ensino fundamental e médio que “[...] funcionam com estrutura curricular
de escolas não-indígenas [...]” (SEDUC/AM, 2014, p. 13). Esses projetos de
escolas indígenas se caracterizam como uma extensão de escolas estaduais
regulares, com processos de ensino-aprendizagem descontextualizados, non
sense, que por sua vez produzem práticas pedagógicas que não dialogam
or
com as especificidades socioculturais/políticas dos povos indígenas. A con-
od V
sequência dessa realidade é a continuação e a reprodução da racionalidade
aut
eurocêntrica que invisibiliza o Ser.
Dessa forma, a MCI se insere como uma proposta para contribuir com a
construção dos Projetos Político-Pedagógicos e os respectivos currículos espe-
R
cíficos e diferenciados das escolas indígenas, salientando que “[...] o estado
do Amazonas concentra a maior população e a maior diversidade etnocultural
o
do Brasil, e foi o primeiro Estado da Federação a instituir a educação escolar
aC
indígena no sistema de educação [...]” (SEDUC/AM, 2014, p. 14). Assim,
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
(TEE): Rio Negro, Baixo Amazonas, Alto Solimões e Vale do Javari (SEDUC/
AM, 2014, p. 22).
Esse processo de elaboração, contou com a articulação de entidades
como: Gerência de Educação Escolar Indígena (GEEI); Conselho Estadual de
Educação Escolar Indígena (CEEI/AM); Universidade Federal do Amazonas
par
para a comunidade educativa e para o povo indígena. Sendo assim, uma pro-
posta “[...] inovadora, com o propósito de fazer do ambiente escolar um meio
adequado ao ensino e à aprendizagem, fortalecendo sua identidade étnica e
cultural” (SEDUC/AM, 2014, p. 14).
Essa referência de currículo é vista como uma proposta aberta, consi-
derando os objetivos, os conteúdos e os procedimentos pedagógicos a serem
aproximados às múltiplas realidades socioculturais em que as escolas estão
or
inseridas. Indica ainda que “[...] esses aspectos devem estar apontados no Pro-
od V
jeto Político Pedagógico, serem claramente especificados na organização das
aut
atividades curriculares e presentes no planejamento didático [...]” (SEDUC/
AM, 2014, p. 46). Na tabela a seguir, apresenta-se as MCI de referência para
o ensino fundamental, 1º ao 9º ano e ensino médio, 1º ao 3º ano, das escolas
indígenas da SEDUC/AM.
R
o
aC
Lei Federal Linguagens Língua Indígena 4 160 4 160 4 160 4 160 4 160 4 160 4 160 4 160 4 160 1.440
Nº 9.394/96
Língua
RES. Nº
Portuguesa e
7/2010CNE 4 160 4 160 4 160 4 160 4 160 4 160 4 160 4 160 4 160 1.440
Conhecimentos
Ed
RES. Nº
Tradicionais
ver
05/2012CNE
RE. Nº
s Arte, Cultura e
2 80 2 80 2 80 2 80 2 80 2 80 2 80 2 80 2 80 720
Fundamentos, Pesquisas e Práticas
11/2001CEE/ Mitologia
ão
AM L. Estrangeira - - - - - - - - - - 2 80 2 80 2 80 2 80 320
itor
Práticas
par
Corporais e 1 40 1 40 1 40 1 40 1 40 1 40 1 40 1 40 1 40 360
PEDAGOGIAS DECOLONIAIS NA AMAZÔNIA:
Esportivas
aC
Matemática Matemática e
a re
Conhecimentos 4 160 4 160 4 160 4 160 4 160 4 160 4 160 4 160 4 160 1.440
Tradicionais
Ciências da Ciências
visã R
Natureza e Saberes 1 40 1 40 1 40 1 40 1 40 2 80 2 80 2 80 2 80 520
Indígenas
od V
Ciências História e
Humanas Historiografia 1 40 1 40 1 40 1 40 1
o 40 2 80 2 80 2 80 2 80 520
Indígena
Geografia e
aut
1 40 1 40 1 40 1 40 1 40 2 80 2 80 2 80 2 80 520
Contextos Locais
or
Formas Próprias de Educar:
oralidade, Trabalho, lazer e 2 80 2 80 2 80 2 80 2 80 2 80 2 80 2 80 2 80 720
Expressões Culturais.
TOTAL GERAL DA CARGA
20 800 20 800 20 800 20 800 20 800 25 1000 25 1000 25 1000 25 1000 8000
HORÁRIA
301
continua...
continuação
1º Ano 2º ano 3º Ano Carga
302
Áreas do
Legislação Componentes curriculares Horária
conhecimento A.S H.A A.S H.A A.S H.A Total
9.394/96 Linguagens Língua Indígena 3 120 3 120 3 120 360
RES. Nº 02/2 Língua Portuguesa e Conhecimentos 3 120 3 120 3 120 360
012CNE Tradicionais
RES. Nº
05/2012CNE Arte, Cultura e Mitologia 1 40 1 40 1 40 120
L. Estrangeira 1 40 1 40 1 40 120
Práticas Corporais e Esportivas 1 40 1 40 1 40 120
Ed
Matemática Matemática e Conhecimentos Tradicionais 3 120 3 120 3 120 360
ver
s Ciências da Biologia e Conhecimentos Tradicionais 2 80 2 80 2 80 240
Natureza
ão
Física e Conhecimentos Tradicionais 2 80 2 80 2 80 240
Química e Conhecimentos Tradicionais 2 80 2 80 2 80 240
itor
Ciências História e Historiografia Indígena 1 40 1 40 1 40 120
par
Humanas Geografia e Contextos Locais 1 40 1 40 1 40 120
aC
Sociologia e Estudos Específicos 1 40 1 40 1 40 120
a re
Filosofia e Interfaces Culturais 1 40 1 40 1 40 120
Direitos Indígenas
visã R 1 40 1 40 1 40 120
Formas Próprias de Educar: Oralidade, Trabalho, Lazer e 2 80 2 80 2 80 240
od V
Expressões Culturais o
TOTAL GERAL DA CARGA HORÁRIA 25 1000 25 1000 25 1000 3000
Legenda: A.S: Aulas semanais – H.A: Horas anuais Semanas letivas: 40.
aut
Fonte: Secretaria de Educação de Estado do Amazonas/SEDUC (2014).
or
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
PEDAGOGIAS DECOLONIAIS NA AMAZÔNIA:
Fundamentos, Pesquisas e Práticas 303
or
avanço da educação escolar indígena no Amazonas. Portanto, necessita-se
od V
identificar e analisar as contradições presentes na Matriz Curricular Intercul-
aut
tural (MCI) sob a perspectiva do pensamento decolonial.
Isto posto, a pergunta a ser feita é: a MCI propõe verdadeiramente uma
ruptura aos padrões pedagógicos coloniais e hegemônicos presentes nas esco-
las indígenas do Amazonas?
R
o
Matriz curricular intercultural/MCI:
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
contradições e possibilidades
or
aos componentes curriculares, ou seja, o conteúdo escolar eurocêntrico ocupa
od V
um lugar privilegiado em comparação com os elementos socioculturais dos
aut
povos indígenas, o conhecimento indígena é considerado transversal (SEDUC/
AM, 2014, p. 36). Na hierarquia de conteúdo, transversalizam-se os elemen-
R
tos socioculturais indígenas, tendo como foco o conteúdo não indígena que
norteará as outras formas de perceber e ler o mundo, correndo o risco de
o
invisibilizar ou deslocar o olhar do povo indígena.
Em outras palavras, a organização por área de conhecimento pode ser
aC
rais locais, mas não avança para a problematização dos desafios enfrentados
no cotidiano do povo e “dejando de lado las estructuras de la sociedad que
posicionan la diferencia cultural en términos de superioridad e inferioridad”
(WALSH, 2009, p. 77).
par
or
(2015), “são de correlações de forças econômicas e políticas a que em nossa
od V
história esteve atrelada a construção da inexistência e fraqueza do nosso sis-
aut
tema educacional” (p. 51). Portanto, os movimentos indígenas revelam uma
consciência histórica de resistência, luta e mudanças das condições materiais
para a manutenção e transformação dos modos de existência, na tentativa de
R
superar as forças econômicas e políticas hegemônicas que desestruturam e
desarticulam politicamente os povos indígenas.
o
Os movimentos indígenas devem ser vistos como elementos indissociá-
aC
veis do processo de escolarização dos povos originários, pois a partir deles
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pode usufruir e travar diálogos com outros espaços” (REZENDE, 2015, p. 83).
a re
Nesse sentido, considera-se que não há espaço para uma educação indí-
gena e escolar aberta à cosmovisão dos povos se não entender o território
como um dos elementos centrais da vida, ou seja, sem território não há espaço
e tempo para o devir indígena.
Os movimentos indígenas indicam a necessidade do retorno dos territó-
par
resse do agronegócio.
Avultam-se, portanto, dois casos que estão em curso: a Proposta de
Ementa à Constituição (PEC) 215/2000 e o caso dos Guarani Kaiowá. O pri-
s
(PEC, 2000). Sabe-se que o Poder Executivo junto aos órgãos técnicos tem a
autonomia para decidir sobre as demarcações e não o Poder Legislativo, ou
seja, não cabe ao Congresso Nacional a decisão final no assunto. A transfe-
rência de competências impactará em todas as terras que estão no processo
de reconhecimento e demarcação.
Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), atualmente existem 698 Terras
Indígenas ocupando uma área total de 113.599.277 hectares, o equivalente
or
a 13% do território nacional. Desse total, 98,39% da extensão das terras
od V
indígenas situam-se na Amazônia Legal. O detalhe é que o número total das
aut
Terras Indígenas no território brasileiro está em diferentes estágios de reco-
nhecimento, sendo que 67,48% estão homologadas ou reservadas (relatório
Impactos da PEC 215/2000 sobre os povos indígenas, populações tradicionais
e o meio ambiente/2015).
R
o
Tabela 2 – Terras indígenas, extensão e população por região
aC
tradicionais, tendo impacto ainda mais perverso sobre “[...]os povos e terras
em processo de identificação e demarcação nas regiões do Centro Oeste, Sul,
Sudeste e Nordeste, por concentrar os interesses do agronegócio e dos grandes
ão
or
cialmente suspensa pela Justiça” (ISA, 2015, p. 12).
od V
aut
Tabela 3 – Terras indígenas, extensão e população Mato Grosso do Sul
Estado Nº de terras Indígenas Extensão (ha) População
o
Total 37 0.5% 12%
aC
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or
processos socioeducativos dos povos indígenas. Caso contrário, continua-se a
od V
reproduzir práticas pedagógicas missionárias, nas quais o conhecimento do não
aut
indígena é visto como sacro em detrimento a cosmovisão dos povos originá-
rios. Assim, perpetua-se a herança cultural europeia de formação de “[...] mão
de obra colonial explorada e dominada [...]” (GROSFOGUEL, 2012, p. 349).
Considerações finais R
o
aC
de 2013 e 2014, e por ser uma matriz de referência para as escolas indígenas,
insere-se em um contexto complexo e tensionado, pois vivencia-se um con-
fronto entre projetos de escolarização dominante, eurocêntrico, com práticas
ão
or
sistema de classificação social que legitima as relações de poder-dominação-
od V
subalternização [...] determinante no projeto pedagógico hegemônico [...]”
aut
(ARROYO, 2018, p. 7).
Propõe-se um pensar pedagógico crítico-radical que entenda aos pro-
cessos de opressão atual e compreenda a educação escolar com um espaço
R
legítimo para formar agentes de transformação social que atuarão em prol
dos direitos dos povos indígenas. Neste sentido, percebe-se que existem
o
outras pedagogias que “[...] interrogam, descontroem as pedagogias hegemô-
aC
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nicas, que se julgam únicas e universais [...]” (ARROYO, 2018, p. 2). Cabe
a todos (as) envolvidos (as) com a educação escolar indígena a consciência
de que a educação deve ser radical no sentido de contribuir com a superação
dos mecanismos de controle e dominação postos na sociedade, e por ser
visã
radical não se pode minar ou obliterar outras alternativas e experiências
pedagógicas contra hegemônicas. Aqui se fazem necessárias as pedagogias
insurgentes e transgressoras.
itor
a re
par
Ed
s ão
ver
310
REFERÊNCIAS
ARROYO, Miguel González. Os movimentos sociais e a construção de outros
currículos. Educar em Revista, UFPR, n. 55, p. 47-68, jan./mar. 2015.
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em Educação UFPA. Belém, 2018.
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DUSSEL, Enrique. 1492 – O encobrimento do outro. A origem do mito da
modernidade. Petrópolis: Vozes, 1993.
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DUSSEL, Enrique. Ética da libertação na idade da globalização e da
o
exclusão. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2012.
aC
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od V
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as Escolas Indígenas no Amazonas. Manaus, AM, 2014.
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WALSH, Catherine. Interculturalidad Crítica y Educación Intercultural. In:
SEMINARIO “INTERCULTURALIDAD Y EDUCACIÓN INTERCULTU-
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RAL”. Anais [...]. La Paz: Instituto Internacional de Integración del Convenio
aC
Andrés Bello, 2009.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
PROFESSORES INDÍGENAS EM
od V
AÇÕES EXTENSIONISTAS
aut
R
Cristiane do Socorro dos Santos Nery
o
aC
Introdução
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or
bem como, sobre sua importância na formação de professores indígenas e se
od V
apresenta uma síntese das vivências nos projetos de extensão, evidenciando
aut
as contribuições e desafios no processo formativo.
o
Os estudos decoloniais denunciam e problematizam a lógica da coloniali-
aC
or
Nesse sentido, a interculturalidade crítica é adotada em licenciaturas
od V
indígenas brasileiras como conceito central de suas matrizes curriculares,
aut
como princípio que orienta enfoques epistêmicos e dialoga com os contextos,
saberes e fazeres específicos das etnias atendidas pelos cursos.
R
A interculturalidade crítica e a decolonialidade permitem destacar as
diversidades de conhecimentos e seus (re)conhecimentos nos espaços escolares
o
e acadêmicos. A valorização dos saberes ancestrais que emergem de contextos
aC
culturais específicos e plurais e de processos de aprendizagem próprios dos
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Com base nos estudos de opção decolonial, Oliveira (2018) expõe o con-
ceito de Pedagogia Decolonial como um ato político, intercultural, antirracista
e contrário às formas de exploração e opressão da Modernidade/Coloniali-
ão
A partir de Freire e Fals Borda, Mota Neto (2015, p. 345) sustenta que
uma concepção de pedagogia decolonial parte das seguintes premissas, dentre
64 A autora utiliza o termo “outros” (modos outros, pensamentos outros, conhecimentos outros, ...) para designar
as formas de pensar, saber, viver, fazer e conhecer que são historicamente subalternizadas e rejeitadas pelo
pensamento moderno-ocidental-colonial.
316
or
dêmicos indígenas e das comunidades locais tem sido a postura docente
od V
adotada para com os saberes indígenas e o processo formativo no contexto
aut
do CLII/Unifap-Oiapoque, bem como, dos projetos de extensão realizados.
Essas vivências constituem um conjunto de práticas educativas como um
mecanismo de resistência, de afirmação e valorização do conhecimento dos
R
povos indígenas do Amapá e norte do Pará.
o
Trajetória da experiência: práticas decoloniais e
aC
or
Pós-Graduação (Dipespg/Unifap) e o Dex/Unifap.
od V
Teoricamente, os projetos de extensão se fundamentaram na interdisci-
aut
plinaridade, com base em Japiassú (1976), no Campo Epistemológico, e em
Fazenda (1998; 2013), no Campo Pedagógico; na Formação do professor
R
indígena em perspectiva intercultural e decolonial segundo Candau (2009)
e Walsh (2014).
o
As ações extensionistas ocorreram no período letivo, em horário inter-
valar e previsto no calendário acadêmico do curso. Inicialmente, realizou-se
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
estudantes indígenas referentes ao manejo do tracajá e pirarucu que também
od V
são fonte de alimento para as populações indígenas locais, na oportunidade,
aut
os participantes discutiram sobre a preservação das espécies e o consumo
consciente nas aldeias.
R
A palestra sobre a formação dos agentes ambientais foi realizada por
um grupo de agentes indígenas formados pelo Instituto de Pesquisa e Forma-
o
ção Indígena. Os palestrantes debateram sobre suas ações nas comunidades
indígenas e a importância de manter o diálogo com a universidade, tendo em
aC
matemática bilíngue/multilíngue.
As duas palestras sobre ações afirmativas ocorreram em momento opor-
tuno, no qual se discutia com os estudantes e lideranças, a questão da presença
indígena na Universidade e as possibilidades e desafios para implementação de
ações de acesso e permanências dos estudantes indígenas em outros cursos da
par
para conquista dos direitos e espaços que lhes foram historicamente negados.
A palestra sobre pesquisas em Ciências Humanas, contribuiu para a for-
mação científica dos estudantes indígenas, principalmente com relação as
s
or
deles da Licenciatura Indígena, sendo dois da etnia Galibi-Marworno e um
od V
da etnia Palikur, e dois acadêmicos do curso de Pedagogia, sendo um da etnia
aut
Karipuna e um não indígena.
Nesta oficina, os acadêmicos indígenas discorreram sobre o histórico e os
R
significados de alguns grafismos indígenas e a importância do reconhecimento,
respeito e valorização da cultura material e imaterial dos povos indígenas
o
da região do Uaçá. Em seguida, apresentaram recursos e técnicas de pintura
corporal e em tecido. Foi utilizado jenipapo e tala para pintura, e, como tela,
aC
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Nesse sentido, Freire (2013, p. 27) refuta a noção de extensão que trans-
fere ou comunica sem a participação reflexiva, dialógica e transformadora dos
sujeitos envolvidos na (re)construção do conhecimento, pois se:
par
[...] exige uma presença curiosa do sujeito em face do mundo. Requer uma
ação transformadora sobre a realidade. Demonstra uma busca constante.
Ed
dicionamentos aos quais está submetido seu ato. [...] Conhecer é tarefa
de sujeitos, não de objetos. E é como sujeito e somente enquanto sujeito,
que o homem pode realmente conhecer.
s
ver
oficina ampliou o olhar dos estudantes, tanto para elaboração dos trabalhos
acadêmicos, quanto para sua formação inicial e contínua, como pesquisa-
dores de suas práticas culturais.
A oficina, “Uso de jogos digitais no ensino de Ciências da Natureza e
Matemática”, teve por objetivo proporcionar alternativas para desenvolver
propostas interdisciplinares em ambiente educativo utilizando as tecnologias
digitais. Esta oficina atendeu aos discentes da Licenciatura Intercultural e de
or
Pedagogia que já tinham domínio de informática básica. Foram estudados
od V
objetos de aprendizagem relacionando conteúdos voltados às ciências da
aut
natureza, educação ambiental, matemática e informática.
O minicurso “Etnomatemática dos rios da Amazônia” teve por objetivo
R
discutir cálculos de grandezas vetoriais e escalares contextualizados a situa-
ções de medidas de distâncias como base no rio Oiapoque. Foram desenvol-
o
vidas atividades práticas envolvendo aplicações com instrumentos de medidas
de ângulos como o teodolito.
aC
Considerações finais
Ed
or
de ações interculturais e decoloniais com povos indígenas. Nossa postura
od V
de respeito e reconhecimento dos saberes ancestrais viabilizou o diálogo e
aut
proposição das ações. Enfatizamos a importância de se reconhecer e valorizar
as formas próprias de conhecer das sociedades indígenas para proposição de
políticas e práticas educativas adequadas às suas especificidades educacionais.
R
o
aC
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visã
itor
a re
par
Ed
s ão
ver
322
REFERÊNCIAS
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Alfabetização e Diversidade, 2006.
od V
GRUPIONI, L. D. B. Olhar longe, porque o futuro é longe: cultura, escola
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logia Social) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
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MOTA NETO, J. C. Educação popular e pensamento decolonial latino-a-
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mericano em Paulo Freire e Orlando Fals Borda. 2015. 370 f. Tese (Dou-
aC
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Letras, 2009.
od V
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WALSH, C. Lo pedagógico y lo decolonial: entretejiendo caminos. In:
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WALSH, C. Interculturalidad y colonialidad del poder: um pensamiento
o
y posicionamiento outro desde la diferencia colonial. In: MIGNOLO, W.;
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WALSH, C.; LINERA, Á. G. Interculturalidad, descolonización del Estado
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
e nos saberes de comunidades ribeirinhas
od V
aut
Pâmela Beatriz Ferreira Pelegrini
Erika Rodrigues Cavalcante
R
Eunápio Dutra do Carmo
o
aC
Introdução
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beiradão66 no Marajó.
O capítulo resulta do desdobramento do Projeto de Extensão “Vila Intel
I, Vila Intel II e Magebrás: Participação Social e Cultura de Direitos em
ão
65 O arquipélago do Marajó, com seu conjunto de 2.500 ilhas, ilhotas e 16 municípios, está na foz do Rio
s
Marajó, percorre-se 223 Km atravessando, via transporte fluvial, as baías de Guajará e do Marajó, bacias
com extensões gigantescas devido à proximidade com o Oceano Atlântico, e navega-se por labirintos de
rios, furos, igarapés, tornando a navegabilidade dos rios uma cultura (i)material de fator dominante na
“estrutura fisiográfica e humana, conferindo um ethos e um ritmo à vida regional” (LOUREIRO, 2018). O
rio Parauaú é um dos rios que entrecortam o arquipélago do Marajó, e “se destaca como fornecedor de
recursos biológicos, econômicos, sociais e culturais para o município de Breves” (SEBRAE, 2003 apud
CARMO; OLIVEIRA-FILHO; SILVA-OLIVEIRA, 2013).
66 “Beiradão” é um termo utilizado por Arenz para indicar a localização dos moradores das margens dos rios
Amazonas e afluentes, os chamados “caboclos”, considerados pelo autor uma “população-chave da Região
Norte” (ARENZ, 2000, p. 11).
326
or
plinar e intersetorial, na perspectiva da ecologia de saberes (SANTOS, 2002),
od V
mediando experiências entre universidade e comunidades ribeirinhas, o projeto
aut
busca, junto aos sujeitos, ampliar sua participação social diante dos cenários e
tendências da Amazônia Marajoara, além de projetar ações para a eficácia da
R
política social de direitos territoriais ribeirinhos. Significativas experiências
sociais vivenciadas pelos autores (e membros do projeto) oportunizaram o
o
desenvolvimento desta pesquisa.
Questionando a monocultura do saber, a ecologia de saberes evidencia
aC
67 O projeto de extensão é da Faculdade de Serviço Social do Campus Marajó-Breves. Tem o meio ambiente
Ed
como temática central e os grupos socialmente vulneráveis como linha de ação. Foi aprovado no edital 2019
da Pró-Reitoria de Extensão e conta com 28 membros, envolvendo professores, bolsista, técnicos e voluntá-
rios. O projeto pretende ampliar a participação social dos membros das Vilas Intel I, Vila Intel II e Magebrás,
ão
e também de comunidades vizinhas localizadas às margens do Rio Parauaú. O foco é a organização social
para a garantia de direitos sociais num contexto de pós-crise do ciclo da madeira no município de Breves
e a ruptura com a cultura de dominação (moderno/colonial). Nesse sentido, busca-se desenvolver, junto
aos moradores, o seu fortalecimento social, o conhecimento sobre seus direitos e a emancipação humana
s
ribeirinha (lugar da enunciação/decolonial), num processo onde os mesmos possam, do seu lugar social,
ver
empoderar-se em defesa desses direitos, existências, saberes e sociabilidades. Os primeiros contatos com as
comunidades envolvidas se deram em agosto de 2018, quando ocorreu a entrada em campo e estabeleceu-
-se as articulações com lideranças comunitárias para realização do projeto. Houve, nesse período, a ida de
03 (três) turmas de alunos dos cursos de Serviço Social, Letras e Pedagogia do Campus Marajó-Breves. O
projeto visa consolidar-se em três fases, todas no ano de 2019, distribuídas nos meses de: janeiro a março
(Fase I: Diagnóstico Social Comunitário); abril a junho (Fase II – Oficinas de Fortalecimento de Cidadania
e Direitos); setembro a novembro (Fase III – Formação de Associação de Moradores).
PEDAGOGIAS DECOLONIAIS NA AMAZÔNIA:
Fundamentos, Pesquisas e Práticas 327
or
capitalistas, (re)existem mantendo sociabilidades ribeirinhas.
od V
aut
Decolonialidade e letramento no regime das águas marajoaras
R
A Amazônia é um espaço marcado por disputas: de um lado, agentes
modernos representantes do capital projetam a geração de divisas para merca-
dos a partir dos recursos naturais, reproduzindo riqueza e destruição socioam-
o
biental, e, de outro, povos da floresta e comunidades tradicionais (re)existem
aC
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pelo poder, ser e saber frente aos modos de vida tradicionais preexistentes e
territorialmente construídos.
A colonialidade do poder constata a continuidade da existência de
ão
do ser, por seu turno, é aquela que que se processa por meio da degradação
de seres à posição de objetos (LEGRAMANDI; GOMES, 2019), anulando a
identidade do ser, padronizando pessoas numa tentativa de embraquecimento
e encobrimento do outro.
A colonialidade, de forma geral, alcança diversos espaços sociais. O sis-
tema educacional brasileiro herda características coloniais desde sua gênese,
aplicando uma educação majoritariamente monocultural68, ampliadora da exclu-
or
são e da desigualdade (SANTOS, 2002; LEGRAMANDI; GOMES, 2019). A
od V
razão metonímica ocidental considera a si mesma como único padrão viável, e
aut
a monocultura do saber nega conhecimentos não abrangidos por tal razão. Para
questionar e romper com essa monocultura, Santos (2009) propõe a ecologia
de saberes, a qual identifica “outros saberes e [...] outros critérios de rigor que
R
operam credivelmente em contextos e práticas sociais declarados não existentes
pela razão metonímica” (SANTOS, 2009, p. 24). Na mesma direção, Paulo
o
Freire compreende povos oprimidos/subjugados pelo poder neocolonial, assim
aC
68 Este termo faz referência à “monocultura do saber”, da qual deriva uma lógica de produção de “não-existência”
que transforma a ciência moderna e a alta cultura em “critérios únicos da verdade”, arrogando ser um cânone
exclusivo de produção de conhecimento, segundo o qual é inexistente ou inculto tudo aquilo que ele mesmo
não considera ou legitima (SANTOS, 2002, p. 247).
PEDAGOGIAS DECOLONIAIS NA AMAZÔNIA:
Fundamentos, Pesquisas e Práticas 329
or
o relato abaixo:
od V
aut
A maré vai enchendo e vai vazando. Quando tá muito seco, não é todo
lugar que é bom de passar de noite com barco grande, porque encalha na
praia. Mas, barquinho, rabeta, passa tranquilo, porque eles [os pilotos]
R
sabem bem guiar. Mas tem época do ano que isso enche mais que o normal,
quando dá maré lançante. A maresia maior é no verão. Fica mais acalmado
o
no inverno (Moradora 1 da Vila Intel II, jun. 2019).
aC
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ções, por exemplo, possuem conexão com práticas socioculturais, tal consta
Ed
no relato abaixo:
mesmo que escrevi, para quando ele estiver amarrado no porto ou quando
estiver quase ancorando saber que aquele barco é meu. Nós, que moramos
no interior, colocamos salmos ou nomes da Bíblia para que a gente seja
s
69 O conceito de ribeirinidade aparece pela primeira vez a partir de debates e reflexões de Lourdes Gonçalves
Furtado e Maria Cristina Maneschy, docentes do programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia
da Universidade Federal do Pará, ao publicarem um artigo em coautoria inédito e intitulado Gens de mer et
contraintes sociales: les pêcheurs côtiers de l´etat du Párá, nord du Brésil, em (2002) (NETO; FURTADO, 2015)
330
or
para o ensino, são meios para desconstruir bases epistemológicas de papéis
od V
civilizatórios dos sujeitos, possibilitando reinterpretar a importância de sabe-
aut
res e práticas que foram usurpados pela implantação de projetos globais em
comunidades tradicionais.
Para Freire (1996), a “leitura do mundo” precede sempre a “leitura da pala-
R
vra” (p. 42). No letramento, a diversidade existente no mundo e nos sistemas de
escrita, assim como seus variados usos, são indispensáveis. Qual seja o local,
o
as pessoas primeiro leem o que está sua volta para, nesse contexto, fazerem uso
aC
de conhecimentos de leitura e escrita. Esta concepção converge com o modelo
or
moradores são estratégias para enfrentar o quadro de reprodução da colonia-
lidade presente na educação, onde a apropriação/domínio de leitura e escrita
od V
podem ser uma barreira social para muitos grupos subalternizados, porque a
aut
avaliação escolar é realizada tomando por referência o “padrão legítimo de
uso linguístico” (REZENDE; JÚNIOR, 2018, p. 24). Ainda em relação a tais
R
estratégias, segue o relato de um outro docente:
o
Usamos a grade curricular nacional, mas a gente já cria algumas adapta-
aC
ções, em relação à cultura, à realidade, às questões sociais. A gente é daqui,
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então a gente visa trabalhar daqui o que está mais evidente, a questão da
vulnerabilidade social, a questão das tradições e culturas que a gente vê
aqui no meio (Professor da Vila Intel I, abr. 2019).
visã
qual por Street (1995) é categorizado como letramento autônomo, que sustenta
a colonialidade da linguagem e do saber/poder através de uma alienação das
a re
or
Quando eu era mais nova, minha família me ensinou a conhecer a mata.
od V
E repasso para os meus filhos, eu e o pai deles. Acho bom aqui pras
aut
crianças, elas brincam bastante. Me considero ribeirinha, porque gosto
de morar pra cá pro interior. Aqui... nós faz de tudo, nós pega camarão,
pesca, planta... Depois que tive as meninas, não me vejo assim morando
R
na cidade (Moradora 1 da Vila Magebrás, jul. 2019).
o
Os saberes dos sujeitos marajoaras têm suas próprias racionalidades,
aC
explicações e sentidos atribuídos ao mundo da vida. Os marajoaras possuem
70 As citadas estórias “surgidas das lembranças dos sujeitos históricos”, onde figuram seres encantados tais
como o Boto, a Cobra Grande, Iara, sereias e matintas, são lendas ou contos “intimamente ligados aos
elementos da natureza [...] e às representações das moradas dos encantados”, narrativas orais do mundo
amazônico (LEÃO, 2015, p. 04)
PEDAGOGIAS DECOLONIAIS NA AMAZÔNIA:
Fundamentos, Pesquisas e Práticas 333
or
comido um maracujá do Boto também” (Relato escrito por participantes
do projeto de extensão, abr. 2019).
od V
aut
Este rico universo de tradições, por ter o poder de atravessar e fixar-se por
gerações, mesmo coexistindo em disputa com as epistemologias dominantes,
R
nos permite considerá-lo como processo de resistência. Para decolonizar o
saber e o poder, o ribeirinho utiliza seu modo de ler o mundo antes das pala-
o
vras, e isto é o pilar básico de uma educação plural.
aC
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71 Reino das águas é um termo utilizado por Sarraf-Pacheco (2009) para referenciar a região marajoara.
72 As oficinas foram realizadas nos dias 18/05/2019 e 22/06/2019 nas comunidades Vila Intel e II e nos dias
25/05/2019 e 29/06/2019 na comunidade Magebrás.
334
or
próximos às empresas, onde atualmente se encontram às comunidades Vila
od V
Intel I, II e Magebrás.
aut
Neste processo, a identidade tradicional das comunidades defrontou-se
com o modelamento estabelecido por empresas madeireiras para reger vida,
tempo, cultura e economia daqueles ribeirinhos, exercendo certo controle
R
sobre a comunidade com base em “ganhos” e “benefícios” que a empresa
concedera em troca do árduo trabalho, estabelecendo uma relação aproximada
o
a “senhor e servo”, que sujeitou marajoaras a intensas e/ou sobre-humanas
aC
apoio... Era muito feliz” (Moradora 2 da Vila Intel I, abril/ 2019). Os relatos
a re
seguem, afirmando:
Antigamente a Vila tinha muito mais casas, pessoas, trabalho e vida. Era
diversão pra todo lado... crianças correndo na escola, a empresa funcio-
nando, vizinhos conversando e muitas outras coisas. Quem via aquilo não
par
novo impacto social com a ausência de serviços básicos que eram oferecidos
pela Prefeitura em razão da presença do complexo de madeira na região, ou
seja, há uma interpretação de que os benefícios eram garantidos pela empresa
e não um direito como cidadão brevense. A desconstrução da percepção colo-
nizadora se faz importante para a garantia de sujeitos de direitos. O relato e a
PEDAGOGIAS DECOLONIAIS NA AMAZÔNIA:
Fundamentos, Pesquisas e Práticas 335
or
Antes a vila era mais feliz, tinha mais gente, a gente comemorava, tinha
od V
festa. Não acabou só a empresa. [...] A vila está acabada, esquecida.... a vila
aut
está destruída. Agora, pra sobreviver, alguns plantam, alguns pescam [...]
e com isso vão levando a vida. [...] os moradores vivem da pesca do cama-
rão e da produção de açaí e farinha (Morador da Vila Intel I, abr. 2019).
R
o
Imagem 1 – Representação produzida por moradores da Vila Intel I, abril de 2019
aC
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visã
itor
a re
par
or
a configuração das identidades ancestrais herdadas como processos de resistên-
od V
cia, Castro (2018) considera que o acúmulo e transmissão de conhecimentos
aut
entre gerações significam a manutenção de um mundo plural, contrariando
a suposta universalidade/superioridade do saber ocidentocêntrico. Saberes
ribeirinhos, tendo atravessado nascimentos e mortes de ciclos econômicos
R
orquestrados por elites, formam uma cultura dos rios e florestas que não se
deixa ser esquecida pelo tempo. Seu letramento expressa essa resistência,
o
pois, desobedientes de padrões autônomos adotados sobretudo por instituições
aC
leitura vocalizada por um amigo alfabetizado; todas essas são atividades que
desenvolvem nos sujeitos um letramento que está à margem daquele desenvol-
vido na escola urbana, um letramento ligado sobretudo à sua noção própria de
tempo e espaço, com base no regime das águas marajoaras e a identificação do
par
ser, mesmo após a crise do ciclo econômico imposto à região. Tais processos
de resistência preservam sua cosmovisão, configuram lutas que, inseridas na
Ed
O que eu falo pra minha filha é as lendas, como a do boto, que o pessoal
s
fala essa lenda, e eu falo. Os costumes nossos, eu faço, que aprendi desde
ver
menina, que meus pais me ensinaram e que meus avós ensinaram pros
meus pais. Acho importante repassar a minha cultura e esses conhecimen-
tos pra minha família, mesmo que eles tenham o conhecimento da escola
(Moradora 2 da Vila Magebras, jul. 2019).
PEDAGOGIAS DECOLONIAIS NA AMAZÔNIA:
Fundamentos, Pesquisas e Práticas 337
or
são emacipatórios (WALSH, 2013, p. 64; FREIRE, 2013, p. 43 apud LEGRA-
MANDI; GOMES, 2019, p. 29). Resistir ao colonialismo enquanto escola, é
od V
contrariar a desumanização, inferiorização, coisificação, alienação cultural,
aut
exclusão, negação e subordinação dos indivíduos, por meio de insurgências.
A insurgência é, para Legramandi e Gomes (2019), o que proporciona a
R
“decolonização de si”. Nesse sentido, processos de resistência empreendidos
pela escola da floresta e das águas podem ser evidenciados pelos esforços de
o
educadores junto à comunidade para a realização de uma educação emanci-
aC
patória. Como saída e esperança em relação à colonialidade, a força e luta de
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Considerações finais
s
or
um letramento à margem da escola, ligado à sua noção própria da realidade.
od V
Historicamente, uma hegemonia da cultura erudita ocidental alienou a
aut
autopercepção ribeirinha, grupo que foi então subalternizado e vulnerabilizado.
Para preservar seu sentido de ser e saber, aproximam-se da decolonialidade na
medida em que se empenham em resgatar e manter sua cosmovisão. Esforços
R
de educadores destes meios rurais buscam emancipação humana e a ecologia
dos saberes, lutando, alegrando e envolvendo populares para o fortalecimento
o
de identidades, numa metodologia que volta o olhar a demandas e vivências
aC
REFERÊNCIAS
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dos ribeirinhos da Amazônia. Santarém: Faculdades Integradas do Tapajós
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(Doutorado em História Social) – Pontifícia Universidade Católica de São
o
Paulo, São Paulo, 2009.
aC
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or
contexto social amapaense
od V
aut
Miquelly Pastana Tito Sanches
Introdução
R
o
aC
Neste capítulo, os conhecimentos adquiridos da formação continuada em
Psicopedagogia Institucional são descritos e analisados, sobretudo, da aplica-
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assim, espaços com muita ou, em sua maioria, pouca estrutura, mas capazes de
impactar a vida cotidiana e à atuação, em novas experiências. Campo sensível
e de aproximação específica das questões que envolvem as singularidades da
Pós-Graduação, aqui indispensáveis para a compreensão da Psicopedagogia
73 Diagnóstico crítico sobre conhecimentos “situados”, isto é, conhecimentos eurocêntrico-oficiais. Termo criado
por Enrique Dussel (1998).
344
or
especialização. Nesse sentido, a Psicopedagogia, como campo específico às
od V
dificuldades no ato de aprender, passou a ser ofertada sob duas formas: Psi-
aut
copedagogia Institucional e Psicopedagogia Clínica.
No que concerne a oferta/divisão da Psicopedagogia, ela envolve a estru-
tura, o acesso, e a atuação do/a profissional. O campo institucional, vale-
R
-se de algumas indagações neste trabalho, são reflexões frente às limitações
de atuação, conhecimento “situado” teóricamente, e de “novos” campos de
o
inserção. Desse modo, indaga-se: quais as contribuições da Psicopedagogia
aC
portanto presente (QUIJANO, 2010), são ao todo, vivências precárias, que põe
em risco a vida das pessoas, sobretudo o crescimento humano e intelectual de
crianças no quesito qualidade e igualdade de condições. Tais questões, foram,
ão
74 Refere-se ao caráter exclusivo escolar, empresarial e hospitalar, como campo de atuação da Psicopedagogia
Institucional (SERRA, 2012).
75 Conforme Mota Neto (2016), trata-se de um questionamento radical que visa superar as mais distintas
formas de opressão perpetradas pela modernidade/colonialidade, o que significa dizer que as superações
precisam ocorrer em diversos campos possíveis, dado o encontro com o colonial.
PEDAGOGIAS DECOLONIAIS NA AMAZÔNIA:
Fundamentos, Pesquisas e Práticas 345
or
Psicopedagogia: teoria, praxiologia e o viés decolonial
od V
aut
De acordo com Serra (2012) valer-se do conceito de Psicopedagogia
para além de um conceito restrito de objeto de estudo, deve ser conhecido
R
na praxiologia76. Isso porque, a Psicopedagogia institui-se no convívio de
todo ser humano por meio da produção de suas atividades, o qual nos mais
diversos espaços e ambientes se dá com a aprendizagem, pela aprendizagem,
o
o que envolve em si, as fragilidades desse aprender, a prevenção deste, e a
aC
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76 Conhecimento teórico do mundo social (BOURDIEU, 1994). A praxiologia concebe explicações ampliadas
e profundas sobre os complexos processos sociais e deste produz ciência.
346
or
processos que envolvem o déficit de aprendizagem, mas especificadamente,
o cognitivo. Como menciona a autora na citação acima, na Psicopedagogia
od V
aut
Institucional, há três formas de atuação, mais adiante, são problematizadas
neste estudo. A psicopedagogia constitui, assim, parte integrante de um estudo
interdisciplinar e necessitou de outros campos de saber para aplicabilidade
R
prática em suas ações frente às dificuldades de aprendizagens.
A Psicopedagogia, por meio deste termo, ganhou espaço nas instituições,
o
principalmente a escolar, onde é espaço que concentra inúmeras dificuldades.
aC
Nesse sentido, o objeto de estudo da Psicopedagogia é a aprendizagem que
or
Logo, o termo praxiologia se propõe nos estudos de Pierre Bourdieu
od V
(1994) no abandono de uma teoria em que nela a prática é mecânica, onde
aut
as questões já são/estão determinadas. No caso da Psicopedagogia, vê-se
historicamente a atuação deste campo de conhecimento ligado à uma “prática
R
social” que posiciona um saber localizado, restrito, dependente e laboral a
partir de uma percepção prática que precisa ser realizada institucionalmente,
o
e, portanto, em perspectiva decolonial, a superação é urgente.
Na concepção de Bourdieu (1994), o social é mais abrangente, complexo,
aC
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or
de serem apresentadas em sala de aula por parte desses. Relatam, portanto,
od V
o papel do/a professor/a de ser o/a mediador/a, de modo que as relações não
aut
se fragilizem e/ou tornando o ambiente desarmonioso entre os/as alunos/as.
Para tanto, os/as pesquisadores/as da temática, reforçam ainda a atenção em
R
razão da afetividade, do carinho, amor, compreensão no ambiente escolar com
todos/as os/as seus/suas integrantes, em especial vivenciando a realidade da
o
escola, e articulando saberes diversos.
Para os autores, a realidade do ambiente de trabalho escolar precisa ir
aC
sentar, um olhar às ações ou iniciativas sociais não estão descritas como uma
atuação de psicopedagogos/as. Levando em consideração a práxis Psicope-
ão
Para tanto, vale ressaltar que a Europa estabeleceu palco da criação dos
processos que envolveram o pensar das fragilidades da aprendizagem, exa-
tamente articulando campo de estudo específico que pudesse dar a atenção
devida as dificuldades que se acendiam no país, tendo como referência o
aprender. O que não se pode esquecer é que as dificuldades de aprendizagem
PEDAGOGIAS DECOLONIAIS NA AMAZÔNIA:
Fundamentos, Pesquisas e Práticas 349
or
inseridos numa “cultura” educacional privilegiada, e colonial, em vista de
od V
outros espaços para sua integração.
aut
Sua genealogia busca nas vozes, nas memórias e nas histórias dos sujeitos
marginalizados e subalternizados pelos processo de exploração e dominação
colonial, a reconstrução dos significados culturais, políticos e econômicos esca-
R
moteados pelo processo de colonização instituído sob a égide da Modernidade,
nesta discussão, Mota Neto (2016) vai a fundo, principalmente pelas análises
o
de Paulo Freire e Orlando Flas Borda. A decolonialidade segundo Mota Neto:
aC
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Trata-se de uma concepção [...] marcada por uma busca persistente pela
autonomia, o que só pode ser entendido se tivermos em conta que a deco-
lonialidade tem sido elaborada a partir das ruínas, das feridas, das fendas,
visã
provocadas pela situação colonial. Portanto, é a partir da dor existencial,
da negação de direitos (incluindo os mais elementares, como o direito
à vida), da submissão de corpos e formas de pensamento, da interdição
itor
gica, como uma intervenção que prioriza o sujeito e seu contato direto com
o espaço em que vive, portanto, suscetível à aprendizagem. Nesse sentido, a
Ed
or
od V
O Projeto Realize: Oficinas Pedagógicas, é uma iniciativa informal, de
aut
cunho social, idealizada pelo anseio pessoal de contribuir com a educação de
crianças em vulnerabilidade social e com dificuldades educativas relacionadas
R
aos cinco primeiros anos do ensino fundamental, matriculadas em escolas
públicas no Município de Santana-AP.
o
Em 2016, o REALIZE foi selecionado pelo Edital da Brazil Foundation
(BF) em seu projeto pioneiro intitulado de “Prêmio de Inovação Comunitária”
aC
das crianças por meio do reforço escolar a partir de suas experiências coti-
dianas. Dessa dimensão, o convívio com as crianças, permitiu perceber que
isto precisava de mais atenção.
De certo, a educação, é um dever de todas e todos os envolvidos na
sociedade (BRASIL, 1988). No que concerne ao dever do Estado, criou-se
PEDAGOGIAS DECOLONIAIS NA AMAZÔNIA:
Fundamentos, Pesquisas e Práticas 351
or
na compreensão e execução ativa das questões que impactam o dia a dia
od V
da sociedade. De acordo com Gohn (2011) a educação tem seu papel na
aut
aprendizagem e participação social em ações coletivas, engajadas em espe-
cificidades. No caso do Realize, o objetivo comum foi o de contribuir com
o desenvolvimento social e com a aprendizagem das crianças em vistas de
R
suas fragilidades escolares.
Na área da educação, a autora se posiciona “o compromisso ético e a
o
opção pelo desenvolvimento de propostas que tenham como base a participa-
aC
ção social pelo protagonismo da sociedade civil exigem clara vontade política
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das forças democráticas” Gohn (2011, p. 311). Na razão de construir por meio
dos movimentos sociais, significa, portanto, resistir aos modelos de injustiça.
Corroborando esta afirmação, Vygotsky (1994) apresenta ainda a media-
visã
ção como aspecto fundamental da aprendizagem, e isto se dá pela intensifi-
cação dos processos interativos entre as pessoas, como ocorrido no projeto
Realize. Portanto, Candau (2012) ressalta a necessidade do sentido da educa-
itor
ção ser ressignificada, o/a educador/a como agente social, assume importante
a re
com o autor: “as ciências sociais ensinam quais as ‘leis’ que governam a
ver
or
principalmente por meio da aproximação dessa corrente, todavia, tal relação se
od V
mostra mínima no entendimento das particularidades dos indivíduos no campo
aut
social e cultural. E por se tratar da perspectiva intercultural, precisa-se haver
uma incorporação pedagógica, capaz de valorizar no sentido mais amplo das
R
culturas, indo a elas, reconhecendo-as, firmando-as num processo de construção
prática-teoria, praxiologia.
o
Assim, conhecimentos de psicopedagogia Institucional aplicados às
iniciativas sociais, somam-se enormes contribuições nas aprendizagens
aC
Considerações finais
itor
nismo que busca na subalternidade e por ela exercer atividades que superem
as desigualdades existentes.
Ed
or
cursos texativos entorno do que é a “normalidade” e o que foge à ela, isto é,
od V
da projeção patológica em torno do Ser. Os conhecimentos da Psicopedagogia
aut
Institucional, como se vê na abordagem feita neste estudo, se aplicam, assim,
significativamente pelo protagonismo subalterno da comunidade civil, de
modo que colabora na superação das distintas formas de negação, opressões
R
e desigualdades, atreladas a herança colonial, moderna e capitalista em que
se encontra a sociedade.
o
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
visã
itor
a re
par
Ed
s ão
ver
354
REFERÊNCIAS
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aC
or
Aprendizagem 26, 28, 30, 44, 47, 51, 61, 69, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 137, 158,
od V
161, 180, 181, 182, 183, 184, 274, 275, 277, 299, 300, 315, 320, 345, 346,
aut
347, 348, 349, 350, 351, 352
R
B
Brasileira 28, 29, 30, 52, 55, 56, 57, 61, 81, 98, 105, 106, 108, 120, 121, 125,
o
131, 167, 186, 189, 220, 222, 225, 229, 238, 240, 245, 246, 247, 250, 256,
257, 266, 268, 273, 292, 299, 339, 354, 367, 372
aC
C
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Campo da educação 23, 24, 27, 28, 55, 56, 57, 67, 71, 76, 125, 132, 318
visã
Capitalista 16, 24, 26, 32, 86, 97, 99, 102, 106, 116, 122, 184, 194, 200, 211,
229, 262, 282, 283, 284, 285, 286, 288, 289, 290, 296, 298, 333, 344, 354
Coloniais 15, 16, 25, 27, 32, 40, 41, 50, 54, 57, 62, 68, 82, 111, 113, 114,
itor
120, 190, 208, 227, 231, 234, 245, 285, 286, 293, 295, 296, 303, 327, 328,
a re
117, 118, 119, 120, 121, 122, 133, 135, 166, 172, 175, 176, 179, 184, 186,
187, 192, 193, 194, 196, 197, 203, 220, 225, 226, 227, 228, 231, 232, 234,
Ed
235, 237, 238, 245, 262, 268, 283, 284, 285, 286, 287, 288, 289, 290, 293,
294, 296, 297, 298, 303, 306, 309, 310, 314, 315, 327, 328, 330, 331, 332,
337, 339, 340, 344, 351, 352, 354
ão
Colonialidade do poder 36, 60, 64, 111, 119, 133, 166, 175, 187, 225, 231,
232, 235, 283, 287, 288, 289, 294, 310, 314, 327, 340, 354
s
Colonialidade do saber 33, 76, 133, 166, 186, 187, 203, 220, 235, 237, 238,
ver
Comunidades 11, 17, 18, 65, 67, 72, 102, 116, 164, 177, 193, 198, 199, 200,
205, 209, 211, 215, 228, 240, 247, 248, 257, 258, 259, 260, 261, 264, 265,
266, 268, 270, 271, 275, 277, 289, 313, 316, 317, 318, 320, 325, 326, 327,
330, 333, 334, 336, 337, 338, 339, 345, 367
Constituição 38, 40, 42, 43, 44, 48, 50, 51, 70, 92, 103, 106, 124, 189, 215,
218, 219, 229, 240, 246, 257, 258, 283, 289, 290, 299, 305, 306, 308, 311, 326
or
Contexto da educação escolar 122, 256, 261, 264
Crianças quilombolas 10, 17, 269, 271, 272, 273, 274, 275, 277, 278
od V
aut
Crítica 11, 25, 26, 27, 30, 31, 32, 35, 36, 37, 38, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46,
47, 48, 49, 51, 52, 54, 55, 57, 62, 65, 66, 68, 73, 76, 79, 81, 83, 86, 95, 101,
R
111, 113, 115, 117, 118, 124, 134, 136, 154, 165, 167, 202, 223, 225, 292,
294, 296, 311, 313, 314, 315, 316, 319, 323, 339, 341, 351, 354
o
Crítica e pedagogia decolonial 25, 42, 54, 57, 83, 95, 111, 323
aC
Culturas 15, 16, 18, 30, 44, 51, 60, 69, 88, 90, 95, 100, 113, 118, 119, 120,
D
Debate 30, 41, 42, 43, 48, 53, 56, 57, 58, 59, 67, 71, 76, 79, 91, 115, 202,
itor
231, 235, 237, 240, 241, 242, 282, 284, 285, 287, 299, 315
a re
Desenvolvimento 25, 31, 37, 47, 70, 89, 90, 92, 100, 101, 106, 108, 126,
137, 164, 189, 190, 199, 205, 211, 212, 255, 281, 290, 295, 297, 298, 313,
315, 317, 318, 321, 326, 333, 351, 354, 367
Diálogo 18, 23, 25, 27, 30, 38, 44, 48, 51, 53, 55, 56, 59, 60, 64, 67, 69, 72,
par
77, 78, 107, 109, 117, 119, 120, 135, 136, 158, 161, 171, 173, 183, 191, 193,
Ed
215, 217, 219, 222, 226, 227, 228, 238, 239, 249, 259, 275, 278, 292, 314,
318, 321
Direitos 4, 88, 93, 107, 108, 195, 214, 215, 218, 223, 225, 230, 238, 240,
ão
242, 244, 247, 249, 259, 262, 274, 287, 302, 308, 309, 318, 320, 326, 335,
337, 340, 349
Diversidade 40, 46, 78, 89, 91, 97, 98, 99, 106, 109, 110, 127, 128, 143, 147,
s
177, 201, 210, 215, 243, 257, 292, 299, 303, 308, 314, 322, 330, 365, 370
ver
E
Educação do campo 9, 57, 78, 97, 98, 104, 105, 106, 107, 108, 109, 110,
111, 267, 365, 369
PEDAGOGIAS DECOLONIAIS NA AMAZÔNIA:
Fundamentos, Pesquisas e Práticas 357
or
Educação popular e pensamento 43, 54, 81, 127, 133, 322, 354
od V
Educacional 24, 28, 32, 45, 51, 56, 57, 61, 88, 90, 91, 114, 115, 116, 118,
aut
121, 127, 142, 245, 260, 261, 265, 266, 278, 281, 289, 303, 305, 307, 316,
328, 346, 348, 349, 354, 371
R
Educativas 13, 18, 19, 29, 30, 89, 91, 116, 184, 186, 190, 192, 216, 262, 266,
268, 274, 275, 276, 316, 320, 322, 343, 345, 350, 351, 365, 366, 372
o
Energia de resistência 37, 38, 39, 42, 50, 86, 101, 102, 103, 104, 109
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Epistemologias 25, 33, 36, 52, 60, 61, 63, 66, 67, 69, 72, 76, 81, 111, 119,
134, 139, 165, 166, 199, 234, 246, 284, 286, 290, 293, 311, 333, 339, 340
Escolas 11, 16, 18, 61, 67, 110, 111, 125, 140, 144, 148, 149, 155, 190, 192,
visã
197, 211, 217, 255, 258, 259, 260, 264, 267, 295, 296, 298, 299, 300, 301,
303, 308, 309, 311, 313, 319, 331, 337, 350
Estudos subalternos 16, 41, 50, 113, 114, 115, 117, 118, 122, 124, 125, 129,
itor
Eurocêntrica 23, 24, 26, 37, 41, 49, 59, 60, 63, 86, 99, 100, 101, 104, 116,
117, 118, 139, 172, 174, 183, 195, 199, 200, 206, 207, 208, 218, 285, 289,
296, 297, 299, 308, 328, 344, 345, 349
Eurocentrismo 33, 36, 53, 57, 58, 59, 60, 67, 77, 110, 117, 133, 135, 138,
par
166, 186, 187, 190, 192, 193, 198, 201, 203, 206, 207, 208, 218, 220, 235,
245, 291, 293, 294, 310
Ed
Existência 48, 67, 70, 74, 75, 99, 101, 109, 123, 157, 174, 182, 211, 214,
215, 222, 228, 238, 241, 242, 248, 249, 282, 284, 289, 290, 292, 293, 303,
ão
F
s
Feminismo 231, 234, 237, 238, 241, 242, 243, 244, 246, 250, 251
ver
Formação de professores indígenas 11, 18, 311, 313, 314, 316, 322
G
Gênero 14, 29, 39, 46, 50, 58, 60, 73, 75, 98, 106, 107, 114, 127, 192, 238,
358
240, 242, 245, 246, 250, 251, 261, 265, 271, 274, 285, 291, 354, 370
Global 16, 26, 27, 33, 38, 52, 53, 55, 75, 80, 97, 103, 104, 118, 119, 186,
196, 202, 207, 225, 234, 235, 283, 284, 291, 292, 293, 297, 314, 323, 339
H
História da educação 9, 13, 16, 56, 58, 62, 82, 98, 113, 114, 115, 116, 120,
or
121, 122, 123, 125, 126, 127, 129, 130, 131, 132, 133, 134, 366, 370, 372
od V
I
aut
Identidade 39, 54, 70, 87, 99, 105, 118, 121, 128, 165, 186, 189, 210, 211,
240, 242, 258, 261, 262, 263, 264, 267, 268, 279, 294, 297, 300, 319, 328,
329, 331, 334, 337
R
Indígena 18, 57, 60, 175, 177, 199, 210, 289, 294, 295, 296, 299, 300, 301,
o
302, 303, 304, 305, 308, 309, 313, 314, 316, 317, 318, 319, 320, 322, 327, 366
aC
Interculturalidade 11, 25, 26, 27, 42, 47, 48, 52, 54, 56, 57, 70, 78, 83, 95,
a re
111, 119, 131, 136, 137, 167, 299, 304, 313, 314, 315, 316, 323
L
Lutas 14, 16, 18, 19, 47, 48, 58, 60, 62, 65, 66, 87, 103, 104, 105, 107, 108,
par
109, 177, 194, 197, 229, 232, 238, 239, 246, 249, 265, 286, 287, 288, 289,
314, 336, 337
Ed
M
Modernidade 15, 16, 23, 24, 25, 26, 27, 30, 32, 33, 36, 37, 38, 39, 40, 41,
ão
42, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 53, 55, 63, 67, 74, 75, 86, 87, 95, 97, 98, 99, 100,
101, 102, 103, 104, 105, 106, 107, 113, 117, 118, 119, 120, 122, 166, 172,
s
175, 183, 186, 190, 192, 193, 194, 195, 196, 201, 206, 207, 208, 218, 220,
ver
225, 232, 246, 279, 281, 283, 284, 285, 286, 291, 292, 296, 297, 310, 315,
332, 338, 344, 349, 352
Movimentos sociais 14, 15, 23, 26, 27, 30, 32, 38, 42, 51, 56, 57, 58, 62, 66,
67, 82, 97, 103, 104, 107, 108, 109, 116, 122, 197, 202, 225, 226, 257, 265,
310, 314, 315, 351, 354, 369
PEDAGOGIAS DECOLONIAIS NA AMAZÔNIA:
Fundamentos, Pesquisas e Práticas 359
N
Natureza 31, 39, 49, 69, 72, 126, 127, 128, 135, 158, 161, 173, 175, 176,
177, 180, 191, 199, 237, 240, 258, 272, 275, 301, 302, 313, 316, 318, 320,
327, 329, 330, 331, 332, 335, 366, 369
or
Opressão 16, 32, 62, 66, 74, 75, 76, 87, 97, 117, 172, 173, 192, 193, 197,
225, 228, 231, 242, 243, 245, 246, 248, 249, 259, 309, 315, 344
od V
Organização 11, 18, 44, 51, 66, 74, 100, 148, 179, 180, 183, 189, 214, 227,
aut
240, 244, 260, 261, 287, 288, 297, 300, 303, 304, 307, 308, 309, 325, 326,
328, 329, 333
P R
o
Patriarcal 60, 105, 244, 282, 284, 285, 286, 288, 289, 290, 295, 296, 298
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Pedagogias decoloniais 3, 4, 7, 9, 11, 13, 14, 15, 16, 18, 21, 35, 36, 39, 41,
42, 43, 50, 57, 58, 86, 87, 97, 98, 104, 107, 109, 136, 198, 199, 313, 315,
316, 330, 331, 337, 365, 366, 367, 368, 369, 370, 372
visã
Pensamento 10, 14, 23, 24, 25, 26, 27, 31, 33, 38, 40, 43, 54, 55, 56, 57, 58,
60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 74, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 86, 87, 90, 93, 94,
97, 98, 102, 103, 105, 107, 108, 109, 111, 113, 119, 120, 121, 127, 129, 133,
itor
134, 146, 172, 173, 179, 186, 190, 191, 192, 193, 194, 195, 196, 197, 199,
200, 202, 221, 222, 225, 226, 230, 231, 232, 233, 234, 235, 240, 244, 260,
a re
262, 281, 282, 283, 284, 285, 286, 287, 290, 291, 292, 293, 296, 303, 304,
314, 315, 322, 339, 340, 345, 349, 351, 352, 354
Pensamento afrodiaspórico 78, 79, 80
par
Pensamento decolonial 10, 14, 40, 43, 54, 55, 56, 57, 74, 81, 86, 87, 97, 98,
102, 103, 105, 107, 108, 109, 127, 133, 146, 172, 191, 192, 193, 194, 195,
Ed
196, 197, 199, 200, 221, 222, 225, 226, 230, 231, 232, 233, 281, 282, 283,
285, 286, 287, 290, 291, 293, 296, 303, 304, 314, 322, 354
Populações 13, 55, 58, 67, 73, 139, 143, 144, 162, 177, 189, 200, 206, 210,
ão
218, 220, 232, 247, 260, 264, 281, 306, 307, 310, 318, 327, 328, 338, 365,
366, 372
s
Povos indígenas 16, 18, 67, 109, 121, 196, 199, 211, 295, 299, 303, 304,
ver
305, 306, 307, 308, 309, 310, 313, 314, 316, 319, 321
Práticas pedagógicas de decolonialidade 10, 255, 256, 261, 262, 264, 265
Produção do conhecimento 7, 31, 55, 57, 58, 59, 60, 62, 63, 64, 65, 66, 71,
72, 73, 77, 116, 190, 283, 284, 286, 298, 315
360
Professores indígenas 11, 18, 311, 313, 314, 315, 316, 317, 320, 322
Psicopedagogia 343, 344, 345, 346, 347, 350, 352, 353, 354, 370
Q
Quilombola 10, 17, 97, 98, 251, 255, 256, 257, 258, 259, 260, 261, 262, 263,
264, 265, 266, 267, 268, 270, 271, 272, 273, 277, 279
or
R
od V
Racismo 16, 24, 25, 26, 28, 43, 60, 73, 74, 75, 80, 119, 132, 173, 193, 205,
aut
206, 207, 208, 219, 220, 227, 237, 240, 241, 242, 243, 244, 246, 248, 249,
250, 293, 335
R
Relações de poder 30, 38, 119, 129, 147, 192, 234, 260, 287, 309, 327
o
S
aC
260, 262, 271, 279, 281, 285, 287, 288, 293, 296, 297, 298, 304, 309, 314,
a re
T
Território 17, 18, 107, 126, 153, 177, 182, 189, 198, 199, 218, 238, 251,
Ed
257, 264, 270, 274, 278, 297, 305, 306, 307, 309, 311, 327, 330, 333, 334,
338, 367
ão
V
Violência 25, 37, 49, 75, 100, 101, 121, 193, 196, 199, 206, 208, 211, 244,
s
or
Doutorando em Educação (UFPA), Mestre em Educação (UEPA), Especialista
od V
em Filosofia da Educação pelo (UFPA) e Graduado em Pedagogia pela UEPA.
aut
Professor Assistente do Curso de Licenciatura em Educação do Campo da
Unifap – Campus Mazagão. Pesquisador dos grupos de pesquisa “Amazônia
Sustentável” (Unifap/CNPq) e “Gepea” (UEAP/CNPq) e integrante da “Rede
R
de Pedagogias Decoloniais na Amazônia” (RPPDA).
E-mail: alderdiass@yahoo.com.br.
o
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/906521181641480
aC
Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0996-0000
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
E-mail: angela.brito@ueap.edu.br
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2696181179461504
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-4335-8163
Orcid: https://orcid.org/0000-0003-4240-9579
ver
or
da Educação Básica.
od V
E-mail: carlajoelma@gmail.com
aut
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2927511730230138
Orcid: http://orcid.org/0000-0001-5797-2992
R
Cristiane do Socorro dos Santos Nery
Docente do Curso de Licenciatura Intercultural Indígena da Universidade Federal
o
do Amapá (Unifap). Doutoranda em Educação em Ciências e Matemáticas pela
aC
Universidade Federal do Amapá (UFPA). Mestre em Educação e Graduada em
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1323-6069
Orcid: http://orcid.org/0000-0002-7490-0808
or
od V
Érica de Sousa Peres
aut
Doutoranda em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação
(PPGED/UFPA), Mestra em Educação (PPGED-UEPA), Especialista em
Saberes Africanos e Educação Afro-brasileira na Amazônia (UFPA), Graduada
R
em Letras e Bacharel em Serviço Social pela UFPA. Atualmente é professora
Ad-4 Seduc e docente da Unama– Ananindeua. Membro do grupo de pes-
o
quisa Culturas e Memórias Amazônicas e da Rede de Pedagogias Decoloniais
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
na Amazônia.
E-mail: ericaperes_22@yahoo.com.br
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6944880124605377
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1851-8997
visã
E-mail: cavalcante.erika09@gmail.com
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0206547806274447
Orcid: https://orcid.org/0000-0003-4058-7080
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-8186-8789
or
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal do Pará (PPGED/UFPA). Pesquisadora do Núcleo de Educação Popu-
od V
lar Paulo Freire (NEP/UEPA/CNPq).
aut
E-mail: educadorauepa@gmail.com
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3039078409617214
R
Orcid: https://orcid.org/0000-0003-4224-4022
o
Ivanilde Apoluceno de Oliveira
aC
Pós-doutora em Educação pela PUC-Rio. Doutora em Educação – Currí-
E-mail: joaocolares@uepa.br
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6415743127554581
Ed
Orcid: https://orcid.org/0000-0003-3346-1885
Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0221-9850
or
Doutor em Educação pela PUC – Rio, Professor do Programa de Pós-Gra-
od V
duação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares
aut
– PPGEDUC/UFRRJ e da Licenciatura em Educação do Campo da UFRRJ.
Membro do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas, Movimentos Sociais
e Culturas (GPMC).
E-mail: axeluiz@gmail.com
R
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7006752768658988
o
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-3955-3732
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7799-3336
or
Doutora em Educação. Docente no Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade do Estado do Pará (UEPA). Coordena o Grupo de Pesquisa
od V
História da Educação na Amazônia (GHEDA) e participa da Rede de Pesquisas
aut
sobre Pedagogias Decoloniais na Amazônia (RPPDA).
E-mail: mbetaniaalbuquerque@uol.com.br
R
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6849661131305117
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-9681-9293
o
aC
Maria Carolina Henrique Marques
or
od V
Pâmela Beatriz Ferreira Pelegrini
aut
Discente da Faculdade de Letras (UFPA – Campus Universitário do Marajó-
Breves) e bolsista do projeto de extensão “Retratos o Marajó: idosos, memó-
rias e saberes sob foco” (UFPA)
R
E-mail: beatrizfpelegrini@gmail.com
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1311746874510497
o
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1890-3393
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Orcid: https://orcid.org/0000-0001-8417-3504
Ed
or
Orcid: https://orcid.org/0000-0001-9429-5222
od V
aut
Thaís Tavares Nogueira
Doutoranda e Mestra em Educação pela Universidade do Estado do Pará
(UEPA). Integra a Rede de Pesquisa sobre Pedagogias Decoloniais na Ama-
R
zônia (RPPDA) e o Grupo de Pesquisa História da Educação na Amazônia
(GHEDA).
o
E-mail: thaistnogueira31@gmail.com
aC
E-mail: vitor.nery@ueap.edu.br
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9251181951280163
Ed
Orcid: http://orcid.org/0000-0002-1309-6094
ver
Ed
s ão itor
par aC
a re
visã R
od V
o aut
or
or
od V
aut
R
o
aC
SOBRE O LIVRO
Tiragem: 1000
Formato: 16 x 23 cm
Mancha: 12,3 X 19,3 cm
Tipologia: Times New Roman 11,5/12/16/18
Arial 7,5/8/9
Papel: Pólen 80 g (miolo)
Royal Supremo 250 g (capa)