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Alexandra Kollontai e o Amor-Camaradagem PDF
Alexandra Kollontai e o Amor-Camaradagem PDF
Introdução
Ainda que Alexandra Kollontai seja, nos dia de hoje, um importante nome
dentro do materialismo histórico no tocante ao estudo das mulheres na sociedade
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Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense, pós-graduada em curso Lato
Senso sobre o Ensino de História e de Ciências Sociais (UFF), mestranda do Programa de Pós-Graduação
em Educação (UFF) pelo campo de confluência Trabalho e Educação, com orientação da Prof. Dr. Lia
Tiriba, livganesha@yahoo.com
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Ao longo de sua vida Alexandra Kollontai escreveu mais de dez obras divididas
entre pesquisas científicas, panfletos, artigos políticos e de ficção. Quase todas elas
trataram da transformação da nova mulher e da moral sexual como algo historicamente
irreversível. Tendo em vista a importância deste tema e de sua história buscamos dar
conta de sua trajetória enquanto mulher e revolucionária bolchevique, bem como de
suas teorias que foram tão relevantes para o movimento feminista na década de 1960 e
1970.
feminina aos interesses econômicos familiares. Contra a vontade de seus pais, ainda
muito jovem, escolheu o primo, um engenheiro jovem e sem meios, cujo nome,
Kollontai herdou (KOLLONTAI, 1980a). O casamento tornou-se uma prisão à medida
que a limitava aos cuidados com o lar e com o filho, impedindo-a de participar das
agitações sociais e políticas daquele momento. A separação tornou-se inevitável.
As primeiras leituras sobre o pensamento marxista foram feitas através de
algumas revistas comunistas que ainda não haviam sido censuradas. O movimento
marxista russo se fortalecia e Kollontai se viu cada vez mais engajada com as lutas
populares. Em 1895, sob orientação de Strakhova, começou a participar de ações
políticas, tendo se filiado à Cruz Vermelha Política onde realizava atividades a fim de
acumular recursos para os presos políticos do império. Foi assim que conheceu
lideranças populistas como Vera Figner e Nicolai Morozov. No ano seguinte teve a
oportunidade de visitar a fábrica têxtil de Kremgolskaia, fato este que a permitiu entrar
em contato direto com as greves proletárias e a luta da classe trabalhadora.
Após a separação de Vladimir Kollontai, Alexandra partiu para Zurique onde
ingressou na universidade local para cursar Ciências Políticas. Foi então que entrou em
contato com as obras de Kautsky e Rosa Luxemburgo, intelectuais que teve a
oportunidade de conhecer posteriormente. Neste período esteve na Finlândia para
acompanhar a situação operária naquele país. Como resultado produziu, em 1903, um
livro intitulado A vida dos operários finlandeses. Encontrava-se cada vez mais engajada
com o movimento comunista e, deste modo, filiou-se ao Partido Operário Social
Democrata Russo (PSDOR) que mais tarde acabou desmembrando-se em dois grupos:
os bolcheviques e os mencheviques.
Aproximou-se das questões relacionadas à luta das mulheres quando conheceu
as obras da marxista alemã Clara Zetkin. Este foi o período da segunda onda feminista
que se desenvolveu em países como França, Inglaterra e Estados Unidos e tinham como
bandeira o direito à escolarização e ao voto feminino. Foi na primeira década do século
XX que Kollontai decidiu somar-se à luta da classe trabalhadora. Tendo em vista o
número crescente de operárias nas indústrias russas, identificou a necessidade de
organização de um movimento operário de mulheres a fim de reivindicar igualdade
salarial, independência financeira de seus pais e maridos, bem como creches,
restaurantes comunitários, edifícios comuns, com lavanderias coletivas e outros
serviços. Segundo Cobisier, “Alexandra Kollontai sabia que só outra organização
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econômica permitiria que mais medidas fossem realmente postas em prática”. Ainda
assim, as dificuldades a serem enfrentadas dentro do próprio movimento operário eram
muitas haja vista sua declaração sobre as resistências do partido:
Constitui-se como uma das primeiras mulheres russas a lutar pela emancipação
feminina. Percebia, pois, que tal luta feminista significaria não só a libertação da
mulher, mas também uma maior participação política popular.
Entre 1908 a 1917 foi exilada tendo em vista sua posição revolucionária
frequentemente exposta em artigos e livros, seja no tocante à defesa de levantes
armados2 ou em relação à emancipação feminina. Foi no exílio que se aproximou dos
mencheviques, pois compartilhava com algumas posturas estratégicas, como o fato de
não existir uma elite intelectual compondo o partido comunista. Decepcionada com o
apoio menchevique à Primeira Guerra Mundial aderiu à facção bolchevique em 1914,
passando a fazer parte do Comitê Central do Partido. Sua tentativa de alcançar ganhos à
causa das operárias foi imediata. Propôs que criassem um setor especial voltado ao
trabalho das mulheres, sendo, no entanto, negado. De acordo com Ana Isabel Álvarez
Gónzales:
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Em seus escritos políticos sobre a Finlândia conclamou o povo a um levantamento armado contra a
Duma czarista (Kollontai, 1980a).
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A própria Kollontai apontou como uma das políticas mais importantes do período em
que Lênin esteve no poder a aprovação de uma lei que fez de todas as maternidades
residências gratuitas para qualquer mãe que desejasse ser atendida junto a seus recém-
nascidos. Acreditava ser fundamental produzir “as bases para uma proteção à
maternidade completamente estatal” (1980a, p.34), afirmou Alexandra. Preocupava-se
em proporcionar às mulheres uma vida mais livre no que tange às imposições maternas
e domésticas e, sendo assim, trabalhariam pela revolução. Alguns cartazes da época
diziam: “Mulheres da Rússia, joguem fora panelas e frigideiras!” (Figes apud Barreto,
p. 11, 2002). Desejava, por fim, a dissolução da família monogâmica burguesa, baseada
em uma moral sexual conservadora.
Em 1920, deixou o cargo de comissária e tornou-se diretora do Zhenotdel
(departamento feminino) do partido cujo objetivo era a mobilização política das
operárias. Neste período ingressou para a facção Oposição Operária criada dentro do
Comitê Central do Partido Bolchevique, e que se opunha à política adotada por Lênin.
Preocupavam-se com a burocratização, a falta de democracia dentro do partido, bem
como com a direção de um só homem nas fábricas, fato este contrário ao princípio
comunista de administração coletiva. Tais divergências trouxeram a ela o cargo de
embaixadora na Noruega, em 1922, sendo assim, a primeira mulher da história a
assumir um posto diplomático. Kollontai faleceu aos oitenta anos em Moscou, pouco
tempo de ter sido condecorada pelo próprio governo soviético (BARRETT).
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Para uma análise mais atenciosa sobre a nova mulher de Alexandra Kollontai
nos debruçamos sobre sua obra intitulada A Nova Mulher e a Moral Sexual, cuja
importância se deve a sua capacidade de discutir sobre as principais questões com as
quais se preocupou ao longo de sua vida: o comunismo, o feminismo, o amor e a
revolução.
A Revolução Industrial do século XVIII, bem como as revoluções burguesas
ocorridas na Europa impuseram uma nova ordem econômica juntamente a mudanças
sociais e culturais que afetaram diretamente a organização do público e do privado.
Com isso queremos dizer que a formação do Estado capitalista trouxe consigo a divisão
entre o coletivo e o individual, característica esta não presente na sociedade feudal que,
por sua vez, possuía ambas as instâncias inseparáveis. Nesta nova sociedade, a relação
monogâmica valoriza-se em detrimento das relações poligâmicas haja vista a
necessidade de defesa e manutenção da propriedade privada3. Diferenciam-se então os
papéis entre homens e mulheres através de uma divisão sexual do trabalho desigual que
atribuiu às mulheres o papel de organização da casa e, por isso, dos filhos e marido. O
espaço doméstico restringe-se aos cuidados femininos e o trabalho externo, realizado no
espaço público, impunha-se à figura masculina, responsável, por sua vez, pela conquista
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Engel, em sua obra A origem da família, da propriedade privada e do Estado, discorre sobre como a
organização familiar se modifica ao longo da história de modo a atingir uma configuração monogâmica
entre homens e mulheres. As relações poligâmicas foram denominadas por ele como família
consanguínea, família panaluana e a família sindiasmática que, embora se baseassem em uma estrutura
monogâmica, a poligamia e a infidelidade eram permitidas para os homens
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Não é possível, por isso, atingir o êxtase erótico à medida que não se envolve
apaixonadamente. É claro que poderíamos aqui nos questionar o que significaria o
“êxtase erótico” e a “paixão”, no entanto, trata-se de tentar compreender que para a
escritora, a paixão deve ser entendida como algo positivo a priori e que, potencialmente,
pode provocar no ser humano um maior sentimento de coletividade. Por isso, tal fato
interferiria diretamente na forma com que ambos se conectam e, deste modo, torna-se
impossível viver uma relação verdadeira, uma relação de camaradagem. Como veremos
mais adiante, a autora consegue identificar o amor como resultado de um momento
histórico e, tendo o capitalismo desenvolvido uma sociedade individualista, seus amores
também estarão vinculados ao mesmo sentimento de posse sobre todas as coisas. O que
se evidencia nesta obra é a formação de uma psicologia e de uma cultura influenciadas
pela estrutura produtiva.
A terceira forma de relação sexual é a união livre. Pressupomos, finalmente, um
tipo de amor positivo. No entanto, a liberdade do amor na sociedade, é condicionada por
um conjunto de demandas que nos impede de termos tempo para nos dedicarmos ao
amor-paixão, ainda que fora de uma relação matrimonial. Constitui-se enquanto
obstáculo para a realização dos objetivos masculinos de vida: a conquista de um cargo
reconhecido no mercado de trabalho, de um capital, de um emprego seguro, do sucesso
e glória, entre outros. Viver uma livre união, dentro das condições modernas, o
separaria deste fim maior haja vista a perda de tempo e as forças morais dispendidas
que, são, por sua vez, maiores do que em um matrimônio legal ou do que em uma
relação com prostitutas. No matrimônio já não existe mais a necessidade da conquista,
da manutenção do amor através de encontros e longas conversas. A esposa, pelo
contrário, ocupa uma posição de responsável pelos afazeres domésticos e com os
cuidados com os filhos para que, assim, seu marido não perca tempo para dedicar-se a
sua carreira profissional. É, por este motivo, que, segundo Kollontai, a grande maioria
das esposas era extremamente dependente do marido, financeira e emocionalmente, fato
este que persiste ainda nos dias de hoje. As mulheres celibatárias veem-se também neste
dilema entre amor e profissão. A maternidade torna-se um agravante quando se
transforma em mais um obstáculo. Deste modo, o amor livre acaba por configurar-se
como um problema. A união livre, bem como o matrimônio legal e a prostituição
representam dentro da moral contemporânea uma crise sexual que só será solucionada,
segundo Kollontai, dentro de uma nova sociedade. Hess aponta como solução o amor
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jogo. Trata-se de uma difícil, mas “enobrecedora escola de amor”, pois são relações
livres de obrigações, que esperam um do outro a “amabilidade e o sorriso da vida”. Não
poderiam permitir, portanto, o esquecimento de suas personalidades individuais, nem
que se ignore seu mundo interior. Esse tipo de relação poderia estimular uma maior
atenção, delicadeza e sensibilidade para se perceberem enquanto indivíduos coletivos,
que sentem e percebem um ao outro, não tendo como princípio a propriedade privada.
Citando Hess, Kollontai concorda que “O amor em si é uma grande força
criadora. Engrandece e enriquece a alma daquele que o sente, tanto como a alma de
quem o inspira”. Imediatamente faço uma aproximação do amor com o trabalho como
princípio educativo. Se este último representa, numa perspectiva materialista histórica, a
atividade que faz de homens e mulheres seres humanos, o amor, de acordo com o
raciocínio de ambas, seria um impulsionador deste trabalho e interferiria diretamente na
forma com interpretam o mundo e dão sentido a ele. Por conseguinte, quando o trabalho
é alienado tornamo-nos alienados de nós mesmos e dos outros e, deste modo, o amor
está comprometido. O amor baseado na posse é também alienador de si e da nossa
relação com o outro quando não conseguimos nos perceber em nosso potencial coletivo
e em nossa capacidade de nos sentir enquanto seres sociais. “Cada um dos sexos busca
o outro com a única esperança de conseguir a maior satisfação possível de prazeres
espirituais e físicos para si” (1979, p. 46). Na medida em que o trabalho deixa de ser
alienado o amor também o deixa, o mesmo efeito não se dá caso o amor seja
transformado primeiramente, já que a propriedade privada não teria se desfeito.
Uma das contribuições desta obra em específico, mas também de todas as outras
que abordam a questão de gênero, é o fato de Kollontai identificar a formação de
subjetividades dentro de um modo de produção específico. Entende, portanto, que há
uma totalidade, que é o capitalismo, que se estende por todas as dimensões da vida
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humana, interferindo até mesmo no modo como as pessoas vivem o amor e a família.
Engels, em A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, influenciou a
autora neste movimento. Ainda que a submissão da mulher não seja uma característica
própria do sistema vigente, este impõe a elas a possibilidade do trabalho nas indústrias,
potencialmente libertador, mas, ao mesmo tempo, continua por mantê-la
hierarquicamente inferior à medida que é usurpada de parte de seu trabalho fundamental
ao capital. Salários mais baixos em relação à força de trabalho masculina não as fazem
imediatamente inferiores. É necessário manter e construir um conjunto de ideologias
sobre sua posição social para, aí sim, legitimar seus salários, seus cargos e os
tratamentos a elas dirigidos. Vemos, ainda hoje, as inúmeras propagandas que reforçam
o estereótipo da família burguesa e feliz e do papel da mulher que, mesmo tendo
alcançado seu espaço no mercado, mantém suas obrigações domésticas, incluindo os
cuidados com o esposo e filhos (sem considerar o tanto de vezes que o nosso corpo é
tratado como objeto sexual a fim de satisfazer os prazeres masculinos que continuam
por ser estimulados numa infinita afirmação de sua virilidade). Somos levadas a uma
condição de dependência emocional, insegurança e, por isso, precisamos da aprovação
masculina para que nos sintamos verdadeiramente aprovadas – evidente que tal fato não
pode ser generalizado. Trata-se, portanto, de abalar as estruturas de um patriarcalismo4 e
de um capitalismo que necessitam desta fragilidade para otimizar seus lucros.
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De acordo com o Dicionário Crítico do Feminismo, o patriarcado, na sua acepção mais recente
influenciada pelo movimento feminista da segunda onda, “designa uma formação social em que os
homens detêm o poder, ou ainda, mais simplesmente, o poder é dos homens. Ele é assim, quase sinônimo
de ‘dominação masculina’ ou de ‘subordinação’ ou ‘sujeição’ das mulheres, ou ainda, da ‘condição
feminina’ (2009, p.173).
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problemas sociais daquele período haja vista seu caráter “violento” e “doloroso”. A
crise sexual pela qual passara seria para ela uma das mais graves e difíceis de resolver.
A fim de entender a crise sexual pela qual passavam traçou uma linha histórica
de modo a identificar as características e permanências do feudalismo na nova
sociedade. O velho código moral feudal baseava-se numa economia comunal e em
princípios de castas, que se sobrepunham à vontade individual de seus membros. No
período de transição entre uma ordem e outra o choque com a moral da nova burguesia
provocou uma aguda crise sexual. As castas foram substituídas por uma severa
individualização, a colaboração pela concorrência. Eram, por conseguinte, “dois
códigos sexuais de espírito” totalmente distintos um do outro. As transformações, no
entanto, se deram em diferentes ritmos segundo as classes. Aquelas mais adaptadas e
interessadas na nova moral – a classe burguesa – sofriam maiores impactos da crise
tendo em vista à rápida e radical mudança. Tornou-se importante defender os princípios
da nova família burguesa na qual o homem ocupava o papel de provedor financeiro e
conquistador da propriedade privada e a mulher preservava esta propriedade seja com os
cuidados com limpeza e manutenção, seja com as economias necessárias para que fosse
possível a acumulação. Deste modo e como já colocado anteriormente, o privado
tornou-se instância feminina em oposição ao público, espaço este onde as mulheres,
sobretudo as burguesas, não poderiam transitar livremente. De acordo com a militante
russa, “É um profundo erro acreditar que a crise sexual só alcança os representantes das
classes que têm uma posição econômica e materialmente segura” (1979, p. 44). O grupo
mais resistente às transformações foi o dos camponeses, pois se mantinham apegados as
suas tradições, mantinham a coletividade. Na sociedade moderna, com princípios
liberais mais definidos e arraigados, a crise sexual se faz para todas as classes sociais. A
relação monogâmica, religiosa e “até que Deus os separe” fortalece o sentimento de
posse e, portanto, de alienação do casal, destruindo o potencial de amor que promoveria
uma sociedade de iguais. Ainda que este problema se expanda “entre os habitantes da
cidade provinciana burguesa da Europa, como nos úmidos sótãos, onde se amontoa a
família operária, e nas enegrecidas choças do camponês”, é da classe trabalhadora que
se elevam novas possibilidades de relação. Sendo esta a classe revolucionária, é ela a
responsável por propôs também um novo código moral baseado em princípios
igualitários e verdadeiramente libertadores. A luta pela superação da propriedade
privada deveria coincidir com a luta pela igualdade de gênero. A transformação não se
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realizaria caso estas outras lutas fossem deixadas de lado. O medo da fragmentação do
movimento com reivindicações aparentemente distintas foi criticado por Kollontai que
defendia que todas estas demandas pertenciam a um mesmo obstáculo. Ela sabia que o
machismo não era provocado única e somente pelos princípios do capital. No entanto,
conseguiu perceber que a desigualdade de gênero e a moral sexual tomavam diferentes
formas de acordo com o momento histórico e, portanto, com o modo produtivo ali
desenvolvido. Cabia à classe proletária perceber a importância desta causa para a luta de
classes.
Naquele contexto histórico já demonstrava que a solidão moral era uma das
características predominantes entre os indivíduos das grandes cidades que, em meio a
uma população numerosa, sentia-se sozinho. A moral da propriedade individualista
impulsionava o homem a buscar sua “ilusória alma gêmea” visto que seria o amor o
único responsável por trazer conforto e segurança numa sociedade onde o trabalho só
reforça a fragmentação e competição. Deste modo a mulher passa a ser considerada em
relação às características que contribuirão para a formação de uma família, uma família
burguesa. Não é, portanto, valorizada como uma personalidade dotada de
particularidades, mas sim como “acessório do homem”. O marido ou amante projeta
sobre sua companheira a sua vontade e, sendo assim, o tomamos como determinante da
estrutura espiritual e moral da mulher. A personalidade feminina é percebida de acordo
com sua atuação sexual – mais comedida, mais submissa ou mais livre e independente –
e tal encontra-se presente ainda nos dias de hoje. Kollontai utilizou a literatura para
demonstrar estas representações sobre o papel a ser exercido pela mulher, namorada,
filha, esposa e mãe. As personagens das obras contemporâneas à escritora começavam a
representar as mulheres de modo mais independente. Retratam, deste modo, a mulher-
emancipada, resultado destes novos tempos. Distinta da mulher de tipo antigo,
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3. O amor e a história
Em sua Carta à Juventude Operária, trecho da mesma obra até então analisada,
Alexandra Kollontai preocupou-se em esclarecer a um jovem camarada qual seria o
lugar do amor na ideologia da classe trabalhadora. Tratou de pensar o modo pelo qual o
amor deveria ser vivido numa proposta socialista e, para isso, precisava entender como
se daria uma revolução da concepção de mundo vigente e dos sentimentos entre os
futuros camaradas. Durante o período da Guerra Civil na Rússia eram outras as paixões
vividas pelos trabalhadores. O amor daquele momento deveria constituir-se enquanto
uma força estimuladora para o conflito e, sendo assim, não comprometeria a atuação de
seus participantes.
Dois tipos de união eram vivenciados neste contexto, segundo Kollontai. O matrimônio
duradouro conservado por um sentimento de amizade e camaradagem, bem como as
relações matrimonias para a satisfação de uma necessidade biológica para ambas as
partes, desfazendo-se sem lágrimas e dor, afinal o objetivo era “a luta pelo triunfo da
revolução”. Quando se consolidou a revolução, a necessidade por uma postura
autodisciplinar já não se fazia tão necessária e, portanto, o amor antes desprezado
reapareceu: o amor-sentimento passou a prevalecer, por ora, sobre o amor-reprodução.
O amor é um fato social, uma parte indispensável da cultura de cada época.
Segundo a autora, mesmo a burguesia que reconhece o amor como um assunto
particular, sabe, na realidade, condicionar os amores as suas normas com o objetivo de
alcançar seus interesses.
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Sendo o amor um fato social possui, então, uma história. Kollontai faz uma
análise histórica de como este sentimento foi se transformando de acordo com cada
época. Segundo ela, durante a Antiguidade, a virtude maior dos homens era o amor
dedicado a vínculos sanguíneos, sobretudo o amor entre irmãos. No período das
sociedades patriarcais e da criação das formas de Estado, o sentimento que prevalecia
era aquele que deveria gerar um amor coletivo, fortalecendo os laços do grupo. O amor-
amizade correspondia à emoção que deveria ser estimulada, possuindo inclusive
vínculos espirituais entre os membros de uma mesma tribo, por exemplo. Privilegiava-
se, portanto, a acumulação de laços psíquicos entre todos os membros do grupo em
detrimento da união matrimonial que, por sua vez, representava “um luxo que se podia
permitir a um cidadão depois de haver cumprido os seus deveres para com o Estado” e
estava restrito a sentimentos particulares que não deveriam se sobrepor ao interesse
coletivo capaz de manter o organismo social. O amor-amizade pressupunha uma
fidelidade até a morte, sendo, deste modo, considerado uma virtude cívica, levando
aquele que expunha sua vida pelos amigos a uma condição de herói.
Com a chegada do feudalismo, as tradições culturais mantidas pela família
tomaram a centralidade. A ausência de um Estado centralizador e a fragmentação do
poder entre os senhores feudais distribuídos em seus feudos acabou por estabelecer
novas formas de relacionamentos e, logo, de sentimentos. A amizade entre os
indivíduos não era percebida enquanto virtude, mas sim a obediência aos interesses
familiares. Por esse motivo, o casamento entre duas pessoas só poderia ocorrer de forma
positiva com o aval da família. Os sentimentos pessoais não deveriam se sobrepor aos
desejos da tradição. No entanto, foi ainda neste mesmo sistema feudal que o amor-
paixão passou a ser considerado como um fato social, pois as guerras trouxeram uma
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4. Conclusão
Este presente trabalho é fruto dos nossos recentes estudos sobre gênero dentro da
perspectiva do materialismo histórico. Faz parte, inclusive, das reflexões desenvolvidas
para a nossa dissertação de mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal Fluminense (UFF).
A vida e obra de Alexandra Kollontai, esquecida dentro do próprio movimento
de esquerda, nos representou uma possibilidade de trazer novamente ao marxismo o
debate sobre o papel da mulher dentro da sociedade capitalista, bem como o potencial
revolucionário desta questão. A autora evidenciou a impossibilidade de qualquer
transformação histórica que não contemple as reivindicações femininas. Para o capital,
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Referência bibliográfica
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