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AUERBACH, Erich. O escritor Montaigne. In: Ensaios de literatura ocidental. São Paulo:
Editora 34, 2007.
Michel de Montaigne era um homem de família rica. Seu pai era um nobre gascão e soldado
que chegou a ser prefeito de Bordeaux. Montaigne é seu sucessor, herdando seu patrimônio.
Enquanto o pai viveu na época dourada das campanhas militares na Itália, Montaigne viveu
em meio à crise huguenote que ameaçava a estabilidade nacional da França. A crise
religiosa começou na década de 1550 e só teve fim por volta de 1600, poucos anos depois
de sua morte. Apesar desse contexto crítico, teve uma vida equilibrada.
Na vida adulta, Montaigne se recolheu à vida privada e passou a se ocupar da defesa de seu
patrimônio. Este diz respeito às suas posses e à sua família. Mas acima de tudo se ocupou
da defesa de seu eu interior, seu espírito, seu verdadeiro patrimônio.
Montaigne um homem aberto, atento a novidades. De certa maneira, era meio esnobe,
fazendo notar discretamente sua nobreza. Mas no que concerne seu ser interior, este é
impenetrável. Fazia de seu espírito um refúgio. Sua solidão interior lhe era valiosa, como
se fosse sua morada.
Era leigo e permanecia leigo no que escrevia. Afirmava escrever para si mesmo e, embora
não tivesse muita consciência disso, escrevia para uma nova coletividade (diferente da
coletividade cristã): tratava-se dos leigos, também de certa cultura, que queriam
compreender mais sobre a existência e que mais tarde seriam chamados de público culto.
Os Ensaios não podem ser considerados artísticos ou poéticos, tampouco possuem caráter
puramente didático. Montaigne possui uma escrita fluida e mutável ao mesmo tempo. Mal
acaba um assunto e já passa a outro. Lia muito e fazia anotações e comentários acerca de
suas leituras, e impulsionado pelo seu entusiasmo pessoal, foi aprimorando sua escrita.
Montaigne era católico, embora sua escrita seja capaz de sugerir que não fosse de todo um
crente. Isso porque em sua obra discute sobre a vida e a morte – inclusive sobre sua própria
morte – como se a fé não existisse. Fala sobre religiões como costumes e também sobre a
natureza instável destas.
Montaigne foi grande observador da sociedade e seus costumes. Porém, quando sozinho,
agia de maneira diferente. Estando consigo mesmo não havia espaço para questionamentos:
era apenas ele mesmo e sua solidão. Montaigne cultivava sua solidão e havia prazer nisso.
Sua obra parece ser imparcial em relação às disputas religiosas, e seu público, leigo,
encontra nela não um Montaigne cristão ou cético ou rebelde, mas sim toda a abrangência
de sua personalidade.