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Exposição do Apocalipse

Caps. 1-7

LEANDRO LIMA
© Leandro Lima

Projeto Gráfico
Vanessa Sousa
Editora Agathos
Revisão
Carlos Henrique

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

Lima, Leandro Antonio de, 1975-


Exposição do Apocalipse (Caps. 1-7)
São Paulo : Agathos, 2015.
v.1.
n lui i lio ra a

ISBN: 978-85-99704-18-9

1. TEOLOGIA. 2. EXPOSIÇÃO BÍBLICA. 3. APOCALIPSE - TEOLOGIA - CURSOS.


4. BÍBLIA - ESTUDO E ENSINO. 5. BÍBLIA - COMENTÁRIOS. 6. FÉ 7. RELIGIÃO.
i.Título.

2015
Todos os direitos reservados e protegidos
pela Lei 9.610 de 19/02/1998.
Agathos Editora
(011) 5521-4495
Exposição do Apocalipse
Caps. 1-7

LEANDRO LIMA

1ª Edição
2015
4 EXPOSIÇÃO DO APOCALIPSE
SUMÁRIO

Caps. 1-7

PARTE 1: AS SETE IGREJAS (AP. 1.1-3.22)

1 APOCALIPSE: AUTOR, DATA E LITERATURA 9

2 COMO INTERPRETAR O APOCALIPSE 17

3 AS PALAVRAS DO DEUS TRINO PARA SUA IGREJA 26

4 JOÃO E OS SETE CANDEEIROS DE OURO 34

5 CRISTO NO MEIO DOS SETE CANDEEIROS 40

6 AS SETE IGREJAS: ÉFESO 47

7 AS SETE IGREJAS: ESMIRNA E PÉRGAMO 54

8 AS SETE IGREJAS: TIATIRA E SARDES 59

9 AS SETE IGREJAS: FILADÉLFIA E LAODICEIA 68

PARTE 2: OS SETE SELOS (AP. 4.1-8.1)

10 A VISÃO CELESTE DA GLÓRIA DO DEUS CRIADOR 79

11 O LIVRO E O CORDEIRO 87

12 A COROAÇÃO DE CRISTO NOS CÉUS 93

13 O PRIMEIRO SELO E O CAVALEIRO BRANCO 100

14 OS CAVALOS VERMELHO, PRETO E AMARELO 106

15 O ESTADO DOS MORTOS E O JULGAMENTO DOS ÍMPIOS 112

16 DUAS MULTIDÕES, UM SÓ POVO 120

BIBLIOGRAFIA 127

SUMÁRIO 5
6 EXPOSIÇÃO DO APOCALIPSE
PARTE 1: AS SETE IGREJAS
Ap 1.1-3.22

SUMÁRIO 7
8 EXPOSIÇÃO DO APOCALIPSE
1

APOCALIPSE: AUTOR, DATA E LITERATURA

Apocalipse 1.1-3

INTRODUÇÃO algo muito importante, afinal de contas, ele


faz parte do Novo Testamento, sendo o últi-
Apocalipse, na mente das pessoas, está asso- mo livro do cânon. Ele contém uma revelação
ciado a imagens de catástrofes e destruição. de grande importância que Deus quis que
Na mídia, na televisão, no cinema, quando se seu povo tomasse conhecimento. Por isso, ao
mostra alguma grande tragédia ou quando se contrário de medo, receio ou algo desse gêne-
faz menção a algum conflito nuclear, se evo- ro, devemos aprender a nos alegrar com esse
cam conceitos apocalípticos, como a guerra livro, a admirar seu estilo literário, e a louvar
do Armagedom, por exemplo, causando a e glorificar a Deus por ter revelado essa parte
sensação de destruição em massa. das Escrituras. Mas o único modo de conse-
guir isso é estudando o livro com profundida-
A maioria das pessoas tem um certo medo de, entendendo seu gênero literário. Isso fará
com relação ao Apocalipse. Até mesmo cris- com que admiremos mais essa parte da Reve-
tãos, por vezes, olham desconfiados para o li- lação divina.
vro. Muitos não o leem, porque não se sentem
bem lendo este livro. Há muitos pregadores O livro começa com uma palavra: Revelação
que nunca pregaram no livro do Apocalipse, de Jesus Cristo. Na língua grega, o idioma ori-
não só porque o acham difícil de interpretar, ginal utilizado pelo autor, aqui está a palavra
mas também porque o acham estranho. Uma Apocalipse (Ἀποκάλυψις). Por isso o livro
pergunta quase sempre feita é: Por que Deus ganhou este nome. Mas o que significa Apo-
escolheu esse estilo literário para revelar justa- calipse? É o que está traduzido no português:
mente a última parte da Bíblia? revelação. Literalmente, a palavra tem o senti-
do de “tirar o véu”, revelar aquilo que está en-
O Apocalipse é um livro singular. Quando coberto. Então, ao contrário de significar algo
deixamos de estudá-lo estamos perdendo misterioso ou oculto, o Apocalipse é o que já

APOCALIPSE: AUTOR, DATA E LITERATURA 9


foi revelado. É uma revelação de Jesus Cristo Evangelho e das três Epístolas Joaninas, segun-
(genitivo subjetivo). Ou seja, o livro contém do a tradição cristã ortodoxa. Embora muitos
a revelação que o próprio Cristo deseja dar estudiosos rejeitem esta ideia (FORD, 1975;
aos homens. Ao mesmo tempo, é o próprio CHARLES, 1920), há evidências suficientes
Cristo o conteúdo dessa revelação (genitivo para manter a opinião tradicional da Igreja de
objetivo). que o Apóstolo João escreveu o Apocalipse.
Por sua vez, coerentemente com o que o A principal evidência externa a favor da au-
próprio João registrou a respeito de Jesus no toria joanina é o testemunho praticamente
seu Evangelho, a fonte última da revelação é unânime dos pais da igreja. Dentre eles, dois
“Deus, o Pai de Jesus Cristo” (Jo 7.16), o qual merecem destaque. O primeiro é de Justino
deu essa revelação ao Senhor Jesus. Então o Mártir, que escreveu em aproximadamente
Senhor passou essa revelação ao anjo, o anjo 135 d.C.:
passou a João, João a escreveu, e por isso che-
gou até nós. “Houve um certo homem conosco, cujo
nome era João, um dos apóstolos de Cristo,
Alguns estudos têm demonstrado que o con-
que profetizou, por revelação que lhe foi feita,
ceito da palavra “revelação” utilizada por João
que aqueles que creram em nosso Cristo po-
tem sua base em Daniel 2 (BEALE, 1999, p.
deriam habitar mil anos em Jerusalém” (1885,
50ss, 181ss), quando Nabucodonosor teve
LXXXI, p. 239-240)1 .
o sonho e chamou os encantadores para que
1
Justino, como vários
o revelassem. Porém, Nabucodonosor quis
dos primeiros pais Como aponta Kistemaker (2004, P. 34), entre
da igreja, sustentava algo incomum. Ele desejou que tanto o sonho
uma visão literalista o final da vida de João, estimado em 98 d.C.,
do Apocalipse, por quanto seu significado fossem esclarecidos
isso interpretava que e o pronunciamento de Justino, se passaram
o milênio de Ap 20 era pelos adivinhadores. Somente Daniel conse-
literal. Posteriormente, menos de 40 anos, o que significa que teste-
outros teólogos como guiu isso: “Então, foi revelado o mistério a Da-
Vitorino, Ticônnio e, prin-
niel numa visão de noite” (Dn 2.19). Portanto, munhas oculares poderiam confirmar a vera-
cipalmente, Agostinho,
começaram a interpretar
Daniel viu tanto os símbolos que faziam parte cidade da informação.
o livro espiritualmente,
ou seja, como símbolos do sonho de Nabucodonosor, quanto o signi-
que descreviam uma O segundo testemunho é o de Irineu, que foi
realidade espiritual. Para ficado deles. Esta é uma boa definição para o
esses, o milênio não seria
que é o Apocalipse: Através da visão espiritu- discípulo de Policarpo. Escrevendo sobre o
um período literal de
mil anos.
al, João viu os símbolos pictóricos através de número da besta, ele disse:
uma visão e recebeu a interpretação deles.
“E este número sendo encontrado em todas
I. AUTOR E DATA DA ESCRITA as mais aprovadas e antigas cópias [do Apoca-
lipse], e aqueles homens que viram João face
A tradição cristã tem entendido que o João que a face deram seus testemunhos” (1985, XXX,
escreveu o livro foi o próprio Apóstolo, o filho 1, p. 558).
de Zebedeu e irmão de Tiago. Deve ser lem-
brado que o autor se identificou como João, Irineu, que também viveu no início do segun-
cujo nome, sem qualquer outra qualificação, do século, conheceu, provavelmente, Policar-
aponta para o Apóstolo João, autor do Quarto po e Papias, que, por sua vez, conheceram João

10 EXPOSIÇÃO DO APOCALIPSE
“face a face”. Eles testemunharam que João, o que, sem dúvida, era algo singular para o pri-
Apóstolo, era o autor do Apocalipse. meiro século, quando a expectativa de vida era
de 38 a 45 anos.
A evidência interna, além da identificação ex-
plícita do autor que se denomina João, vem II. O ESTILO APOCALÍPTICO
das semelhanças do Apocalipse com os ou-
tros escritos atribuídos ao Apóstolo (Evange- Toda a Bíblia é revelação inspirada por Deus.
lho e Cartas). Há, todavia, diferenças gramati- Mas o Apocalipse é uma revelação especial
cais entre os referidos escritos. O Apocalipse dentro desta revelação, porque ele tem cará-
tem um estilo gramatical mais “pobre” do que ter e peculiaridade exclusivos, que não serão
o do Evangelho e o das cartas. Isso poderia ser achados facilmente em outros livros da Bíblia.
explicado pelo fato de que, em Patmos, João Pelo menos não em livros completos do An-
não teria ajuda de um secretário para redigir o tigo Testamento. Há porções apocalípticas
texto. (que usam o mesmo estilo) em livros como
Isaías, Ezequiel, Zacarias e especialmente em
A época da escrita é importante para o en- Daniel. O livro de Daniel é considerado o
tendimento da obra. A data mais provável é o Apocalipse do AT. Mas ele não é inteiramen-
final do reinado de Domiciano (81-96 d.C.). te apocalíptico, porque tem uma grande parte
Irineu afirma explicitamente que o livro havia histórica, onde são narrados os períodos de
sido revelado nessa época: “Pois que foi visto Daniel e seus amigos na corte da Babilônia. A
não muito tempo atrás, mas quase em nossos segunda parte do livro, quando Daniel recebe
dias, no final do reino de Domiciano” (1895, visões do céu e do futuro, e através de anjos
XXX, 3, p. 560). recebe interpretação dos eventos e os registra,
é, tecnicamente falando, apocalíptica.
Domiciano foi o primeiro imperador roma-
no a reivindicar para si todos os direitos divi- Há porções assim também no Novo Tes-
nos. A adoração ao Imperador se tornou uma tamento. Por exemplo, em Mateus 24, no
questão difícil para o Cristianismo, uma vez chamado sermão profético, quando Cristo
que esta se opõe ao primeiro mandamento. A começou a falar a respeito da destruição de
religião tornou-se, assim, oficialmente inimiga Jerusalém e do fim do mundo. Nos textos si-
do Estado (POHL, 2001, p. 23). Esse acabou nópticos de Marcos e Lucas há repetições pa-
sendo o maior teste para o Cristianismo no fi- recidas com essa de Mateus 24.
nal do primeiro século.
Também há algumas porções escatológicas
Portanto, João estava bastante envelhecido nas cartas. Por exemplo, as duas cartas aos tes-
quando teve a visão e escreveu o livro. João, salonicenses e o capítulo 15 de 1 Coríntios.
entre os apóstolos, foi quem viveu mais tem- Há grandes porções escatológicas nesses tex-
po. Havia até mesmo uma lenda de que ele tos porque falam do futuro e usam linguagem
não morreria. Isso está registrado no final de figurada para descrever como será a ressurrei-
seu Evangelho (Jo 20.20-24). Muitos pensa- ção, a segunda vinda de Jesus, além de quem
vam que ele nunca morreria, pois ele estava será, como será e quando aparecerá o anticris-
bem idoso - perto dos 100 anos de idade, o to.

APOCALIPSE: AUTOR, DATA E LITERATURA 11


O que há de especial no estilo apocalíptico é Entre os principais “apocalipses” antigos po-
a linguagem misteriosa cheia de figuras, sím- demos citar (D. S. RUSSELL, 1964, p. 37-39):
bolos, números, cores, visões espetaculares,
anjos, demônios, cidades gloriosas, batalhas, • I Enoque 1-36 , 37-71, 72-82, 83-90 , 91-108
julgamentos etc. Um estilo que não foi escrito (164 a.C.).
para ser lido como se descrevesse episódios
literais. Esses símbolos, figuras e descrições • O Livro dos Jubileus (c. 150 a.C.).
fantásticas querem transmitir uma mensagem.
Na maioria das vezes é uma mensagem sim- • Os Oráculos Sibilinos, Livro III (c. 150 a.C.).
ples para quem tem “o código” ou “a senha” da
leitura. Porém, quem desconhece o código vai • O Testamento dos Doze Patriarcas (segunda
se deixar levar pelas imagens fantasiosas crian- metade do século 2 a.C.).
do interpretações ainda mais fantasiosas, qua-
se sempre perdendo o significado pretendido • Os Salmos de Salomão (c. 48 a.C.).
pelo autor.
• A Assunção de Moisés (6-30 d.C).
No 1º século quando o Apocalipse foi escri-
• O Martírio de Isaías (Judeu ou cristão?).
to, ele não era o único livro com esse estilo de
linguagem. Há dezenas de livros chamados
• A Vida de Adão e Eva ou o Apocalipse de
“apocalípticos”, escritos desde o 2º século a.C.
Moisés (c. 70 d.C.).
até o 2º século d.C. Em um intervalo de mais
de 300 anos esse estilo de literatura floresceu.
• O Apocalipse de Abraão 9-32 (c. 70-100
Muitos deles utilizavam-se de nomes de gran-
d.C.).
des personalidades do passado a fim de lhes
conceder autoridade. Por isso são chamados • O Testamento de Abraão (primeiro século
de pseudepígrafos (escritos falsos). Há vários d.C.).
livros judaicos atribuídos a Enoque, Abraão,
Esdras, Baruque, Isaías, Moisés, etc. Evidente- • II Enoque ou O Livro dos Segredos de Eno-
mente, não podiam ter sido escritos por esses que (primeiro século d.C.).
profetas, pois foram escritos muito depois da
morte deles. • Os Oráculos Sibilinos, Livro IV (c. 80 d.C.).

Porém, muitos desses escritos eram famosos e • II Esdras (=4 Ezra) 3-14 (c. 90 d.C.).
circularam pela Palestina e também pelo mun-
do greco-romano daqueles dias. Depois que o • II Baruque ou O Apocalipse de Baruque
Apocalipse de João foi escrito, surgiram mui- (depois de 90 d.C.).
tos outros “apocalipses” cristãos atribuídos a
Pedro, Paulo, Tomé e Nicodemos. Nenhum • III Baruque (segundo século d.C.).
desses autores escreveu livros assim. O único
“apocalipse” considerado canônico é o atribu- • Os Oráculos Sibilinos, Livro V (segundo sé-
ído a João. culo d.C.).

12 EXPOSIÇÃO DO APOCALIPSE
III. O PORQUÊ DOS APOCALIPSES se tornou rainha da Pérsia (470 a.C.). Esdras
(456 a.C.) e Neemias (443 a.C.) voltaram ao
A literatura apocalíptica situa-se como o últi- país e instituíram reconstrução.
2
Ou seja, aqueles que se
mo estágio no conceito judaico a respeito de enquadram na chamada
Deus no período bíblico. Os livros chamados O Império Persa foi derrubado por Alexandre literatura apocalíptica,
cujo nome se deu a partir
de “apocalípticos”2 são um desenvolvimento Magno (335-323 a.C.), que passou a gover- do Livro do Apocalipse.

do profetismo, ou talvez, poderíamos dizer, nar grande parte do mundo. Alexandre con-
uma consumação3. O melhor modo de de- quistou a terra de Israel, e pouca coisa mudou 3
Uma das diferenças
básicas entre a profecia
finir a literatura apocalíptica é dizer que ela nesse período no sentido político. Alexandre e os apocalipses está
justamente no gênero.
mescla elementos tanto do profetismo quanto morreu jovem e não deixou sucessor. Basi- Como diz Rowley, “Os
da sabedoria. É profetismo porque tenta ver o camente, o gigantesco Império Grego ficou oráculos [proféticos] são
apresentados usualmen-
futuro e a vontade de Deus de forma mística divido em dois: ao sul, com os Ptolomeus do te em forma poética; os
apocalípticos, em prosa,
tanto quanto os profetas; é sabedoria porque Egito, e ao norte, com os Selêucidas da Síria. com ocasionais trechos
poéticos” (1980b, p. 14).
demonstra paixão pelo conhecimento, que Mas a diferença maior é
justamente o conteúdo
somente pode ser alcançado por aqueles que Os judeus ficaram primeiramente sob o domí- e a forma como este é
apresentado.
são iluminados por Deus; vai além de ambos, nio do Egito (323-204 a.C.) e posteriormente
porque a resposta final para a razão das coisas foram subjugados por Antíoco, o Grande, da
não está no tempo presente, mas num futuro, Síria (204-166 a.C.). Este segundo período foi
no escaton. bem mais difícil do que o primeiro, pois com a
ascensão de Antíoco Epifânio ao trono da Sí-
Segundo Paul Hanson, no fundo de todo mo- ria, iniciou-se uma das mais sombrias épocas
vimento apocalíptico há um “colapso de uma da história judaica. O novo rei, em seu desejo
cosmovisão que estava em ordem e que de- de helenizar os judeus, desestimulou os velhos
finia para um povo os valores e as ordens do costumes e as práticas religiosas nacionais.
universo, colapso este que então o lança no Aos poucos a situação entre os judeus e Antí-
caos da anomia e da falta de sentido” (1983, p. oco foi se tornando insustentável, até que, para
36). O exílio, de fato, foi um colapso. Por isso mostrar seu desprezo pela religião judaica e
ele é o grande pano de fundo do surgimento impor a helenização sobre o território, o rei en-
da literatura apocalíptica. trou no Santo dos Santos do Templo de Israel,
sacrificou uma porca sobre o altar e espargiu
O exílio babilônico foi uma catástrofe nacio- o sangue sobre o edifício. Os sacrifícios e os
nal sem precedentes que nunca foi completa- cultos foram proibidos e o templo passou a ser
mente revertida. A volta dos exilados após o de Zeus (ROWLEY, 1980b, p. 47-48). É neste
decreto de Ciro não significou uma verdadeira período que apareceram os livros que foram
recuperação do orgulho nacional. Os judeus reconhecidos como “apocalípticos”. Surgiram
foram autorizados a retornar para a Judeia no para “preencher um vácuo”, explicando os mo-
período do Império Persa, que substituiu o tivos do domínio do mal e apontando para
Império Babilônico, responsável pela captura uma futura intervenção de Deus que salvaria
do reino dos judeus em 586 a.C. Posterior- os oprimidos (DOUGLAS, 1995, p. 89-90).
mente, Ciro permitiu aos judeus voltar à terra Mounce diz que “o maior objetivo dos apoca-
prometida para reconstruir o templo, em 538 lipses foi explicar porque o justo sofre e por-
a.C. Segundo o texto bíblico, Ester, uma judia, que o reino de Deus demora” (1997, p. 03).

APOCALIPSE: AUTOR, DATA E LITERATURA 13


A mudança de perspectiva é notada quando 5-7). Segundo Gunneweg, uma característica
se considera que: marcante dos apocalipses é que:

“Para os profetas, os grandes impérios mun- “A história terrena transcorre segundo uma se-
diais eram instrumento nas mãos de Deus, quência sólida subdividida em períodos, que
para executar sua vontade em benefício do tem de ser obedecida. Tudo somente acon-
seu povo fiel, controlados por Deus, cuja von- tece quando o tempo previsto por Deus está
tade domina toda a história. Para os autores cumprido” (2005, p. 337).
de apocalipses, os grandes impérios mundiais
são adversários de Deus, tenazmente resistin- Diante da terrível situação aparentemente
do a sua vontade, que não triunfaria por meio insolúvel do tempo presente, os profetas apo-
deles, mas com sua aniquilação” (ROWLEY, calípticos lançam-se totalmente na noção da
1980b, p. 38). soberania de Deus, e tentam consolar o povo
dizendo que, apesar de tudo o que está acon-
Assim, os apocalipses (livros com semelhan- tecendo, Deus ainda está no controle, condu-
ças com o Apocalipse de João), ou a literatura zindo a história para o cumprimento de seus
apocalíptica, desenvolvem o conceito dos ver- secretos e misteriosos propósitos. Ao mesmo
dadeiros adversários de Deus. Há forças espi- tempo, desafiam o povo a permanecer fiel a
rituais malignas agindo no mundo. Mais uma Deus, pois, sem isso, não desfrutará da liber-
vez, o exílio babilônico foi fundamental para tação futura.
isso. A partir do exílio, a pessoa de Satanás co-
meçou a ganhar destaque. Não há nenhuma IV. A SINGULARIDADE DO APOCALIPSE DE
referência a Satanás na Bíblia Hebraica antes JOÃO
4
Exceto no livro de Jó, o
qual conta uma história do exílio4 . A partir daí, o inimigo de Deus é
anterior, mas que prova-
velmente foi registrada revelado como a razão invisível para todo o Há várias semelhanças entre o Apocalipse e
por volta do século V.
sofrimento do povo de Deus. a literatura apocalíptica. Richard Bauckham
(1993, p. 09-12), por sua vez, assinala algumas
Os apocalipses tentam demonstrar que existe diferenças relevantes para a nossa análise: o
uma realidade oculta por trás da realidade fí- Apocalipse de João é mais prolixo no uso de
sica. Essa realidade oculta é o que dá sentido imagens, e tem menos informações e/ou in-
para a realidade física. Assim, o profeta que terpretações de visões decorrentes dos seres
teve a visão apocalíptica é alguém que aden- angelicais, em comparação aos outros textos
trou a esse mundo invisível e, através de um da literatura apocalíptica. João insere, em seu
anjo mediador, recebeu a revelação de misté- texto, narrativas proféticas bem menores do
rios (ver Ap 4). Ao ver o mundo invisível, ele que a de outros textos apocalípticos. O livro
percebe quem são os verdadeiros inimigos de João é bem mais coeso do que os demais
do povo, mas também percebe que o curso apocalipses. Além disso, cria um mundo de
inteiro da história do mundo já foi predeter- imagens que adquirem significados diversos
minado por Deus, e todos os acontecimentos que podem ser evocados a qualquer momento
estão seguindo este cronograma que parece ao longo de sua narrativa. A unidade e a conti-
incompreensível a princípio, mas que no fi- nuidade das imagens fazem do Apocalipse de
nal demonstrará toda a sua harmonia (ver Ap João um livro distinto. Os outros apocalipses

14 EXPOSIÇÃO DO APOCALIPSE
são pseudepígrafos, ou seja, foram escritos in- poderiam ocorrer no futuro. Entretanto, como
vocando a autoridade de alguém do passado, ressalta Marshall (2004, p. 548), o propósito
enquanto o Apocalipse de João fala das coisas do livro não é satisfazer a curiosidade sobre
do presente e não apenas de eventos futuros. o curso de eventos futuros, e sim preparar e
encorajar um grupo de igrejas a enfrentar as
Uma importante diferença entre o Apocalipse dificuldades que testariam a fé até o seu limite 5
Com isso não se preten-
de João e os outros Apocalipses é o caráter de máximo5. Portanto, em consonância com o de dizer que o Apocalipse
não contém informações
otimismo da obra. Os textos da apocalíptica restante da Bíblia, o Apocalipse traz um con- importantes para outras
épocas.
judaica são essencialmente pessimistas e só teúdo teológico e moral. O grande conteúdo
veem a redenção em termos de uma era vin- do Apocalipse é “a revelação de Jesus Cristo”.
doura. João, apesar de antever a era vindoura
como o momento final de libertação, vê a His-
tória como o desenrolar do soberano propó-
sito redentor de Deus, ou seja, descreve Deus
agindo no presente, transformando as reali-
dades, dirigindo os eventos para a realização
final de seus propósitos. O recorrente tema
da necessidade de evangelização ao longo do
livro aponta para isso. Logo, a Igreja deve não
só confiar, mas também se purificar no tempo
presente, e servir a Deus, pregando a mensa-
gem salvadora ao mundo. Deus é o Senhor
da Igreja, do futuro e da História, e usa a Igreja
para transformar o presente.

Se, como já foi visto, o pano de fundo de Apo-


calipse 1 é Daniel 2, então, o caráter otimista
da obra se destaca ainda mais, pois no sonho
de Nabucodonosor se previu tanto a grandeza
dos reinos do mundo quanto a destruição de-
les através do tempo messiânico (a pedra que
destruiu a estátua no tempo dos pés de barro).
Assim, por mais poderosa que a estátua ainda
parecia nos dias de Roma, o fato é que o golpe
decisivo para a destruição dela já havia acon-
tecido, na vida, morte e ressurreição de Jesus.

CONCLUSÃO

O maior problema com a interpretação do


Apocalipse é que muitos se aproximam dele
desejosos em descobrir acontecimentos que

APOCALIPSE: AUTOR, DATA E LITERATURA 15


Anotações

16 EXPOSIÇÃO DO APOCALIPSE
2

COMO INTERPRETAR O APOCALIPSE

Apocalipse 1.1-3

INTRODUÇÃO cimentos presenciados por João têm esse ca-


ráter “espiritual”. Deus se autorrevelou a João
As pessoas hoje não conseguem entender o através de símbolos que transmitem verdades
Apocalipse, em grande medida porque não espirituais. João contemplou as visões celestes
estão habilitadas a ler o estilo de literatura ca- (e terrenas) e as registrou no livro.
racterístico deste livro. Quando finalmente
conseguem compreender alguns aspectos bá- I. PASSADO, PRESENTE OU FUTURO?
sicos da literatura apocalíptica, e especialmen-
te, alguns aspectos básicos do Apocalipse de A questão mais importante nesse começo de
João, então, a mensagem do livro se torna mais estudo do livro é entender se primordialmen-
fácil e exata. te o Apocalipse fala do futuro, do passado ou
do presente. Qual é a principal perspectiva do
O que é o Apocalipse? É uma revelação espe- livro do Apocalipse? Que acontecimentos ele
cial de Jesus. Mas o livro tem características e revela?
peculiaridades que precisam ser consideradas.
Caso contrário, será muito difícil compreen- Grande parte das pessoas pensa que o Apoca-
der o sentido e o significado da obra. lipse revela principalmente o futuro. Muitos
vão até o livro tentando compreender a “agen-
É importante notar que o próprio Apocalipse da do amanhã”. De fato, as primeiras palavras
se autodefine como uma profecia. O Apóstolo do livro parecem corroborar para isso: “Reve-
João o chama de uma profecia atestada. João lação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para
foi testemunha ocular de um tipo especial mostrar aos seus servos as coisas que em bre-
de revelação de Deus. Ele recebeu essa visão. ve devem acontecer”. Ou seja, o Apocalipse foi
No capítulo quatro, diz que subiu ao céu “em escrito para revelar o futuro. Mas qual futuro?
espírito” (Ap 4.1-2), ou seja, todos os aconte- Ou melhor, o futuro de quem? Apesar da ten-

COMO INTERPRETAR O APOCALISPE 17


tação de responder que trata-se do “nosso fu- cisavam enfrentar a cada dia que saíam de suas
turo”, ou “do futuro da humanidade”, é preciso casas. Somente após entender o livro a partir
considerar que, primordialmente, era “o futuro dessa perspectiva estaremos habilitados a en-
dos leitores originais de João”, ou seja, os cren- tender qual mensagem o livro tem para nós
tes daquelas sete igrejas que são mencionadas hoje ou para o futuro que ainda não aconte-
no livro. O futuro escatológico, aquele que diz ceu.
respeito ao fim do mundo e à consumação
de todas as coisas, apesar de importante e ge- É preciso fazer o esforço, portanto, de reviver
nericamente descrito no Apocalipse, não é o os anos 95-96 d.C., quando o livro foi escrito.
conteúdo principal da mensagem do livro. O Como se vivêssemos nas cidades romanas da
futuro daqueles primeiros leitores que viviam Ásia no final do primeiro século, precisamos
nas sete cidades mencionadas no livro era o compreender que Jesus Cristo nasceu na Ju-
objetivo da profecia. Descrever suas lutas, seus deia a noventa e tantos anos atrás, que morreu
sofrimentos, mas também sua vitória em Cris- e ressuscitou entre 60 e 70 anos atrás. Ele pro-
to, foi a razão primeira da grande revelação do meteu retornar, mas até agora isso não acon-
Apocalipse. teceu. Desde então, a igreja cresceu em todas
as direções do império. Vários imperadores
E antes mesmo de falar de seu futuro, o livro reinaram e foram depostos durante esse perío-
fala de seu passado. O Apocalipse constrói do. Houve muitos momentos de perseguição
toda a fundamentação doutrinária do Cristia- aos cristãos e outros de relativa tranquilidade.
nismo que já aconteceu, pois sem esse “passa- Mas, no momento, muitos dos irmãos estão
do”, não há “futuro”. Por isso, o conteúdo cen- sendo presos, perderam bens, outros foram
tral do Apocalipse é a cruz de Cristo, pois ela reduzidos à condição de escravos, outros joga-
liga os céus à terra, o futuro ao passado. dos às feras e outros julgados e condenados à
morte diante dos tribunais romanos. A perse-
Mas o livro vai além disso. Cada cristão, em guição voltou a ser intensificada com Domi-
cada época da história, pode se identificar ciano, a partir da exigência de que o impera-
com as descrições feitas no livro. Além de des- dor fosse adorado como deus. Os cristãos que
crever o futuro “breve” dos primeiros leitores, resistiam estavam pagando um preço muito
João descreveu também o futuro “último”, alto. Diante disso, surgiam algumas pergun-
aquele que se consumará na segunda vinda tas: Onde está a esperança para esses irmãos?
de Jesus. Somente naquele futuro “último”, os Está no futuro? Que futuro os aguarda? Serão
leitores de João (do primeiro século e de todos livrados da tribulação e da morte? Não. Terão
os séculos) encontram a definitiva esperança. que morrer. Enfrentarão os monstros. Por isso,
prioritariamente, a esperança está no passado.
Ou seja, não entenderemos o Apocalipse se Nos eventos que compõem e fundamentam
não conseguirmos entender o mundo dos o Evangelho. Neles, aqueles cristãos podem
cristãos do final do primeiro século. Precisa- encontrar a esperança. O mundo pode tirar
mos figuradamente “calçar as botas deles e tudo deles, mas não pode lhes roubar o Evan-
afivelar os cintos como eles”, e encarar a socie- gelho. Por isso, os eventos são centrais e estão
dade com a qual eles estavam acostumados, sempre sendo lembrados durante o livro. Por-
com todos os desafios e enganos que eles pre- tanto, o Apocalipse, mais do que tudo, fala do

18 EXPOSIÇÃO DO APOCALIPSE
passado; resgata, revela e traz o passado; revela As pessoas daqueles dias eram mais treinadas
o significado profundo daqueles eventos rela- a prestar atenção na leitura de um texto. E, cer-
cionados ao nascimento, a vida, morte, ressur- tamente, ao ouvirem, já no começo do livro,
reição e ascensão de Jesus. E, a partir deles, o que havia uma bem-aventurança para o leitor
futuro daqueles crentes e dos crentes de todos e para os ouvintes, compreendiam que ali es-
os tempos é construído. tava um texto para se prestar muita atenção. O
simples fato de ter sido escrito pelo último dos
Se isso não ficar claro para nós, leitores de Apóstolos, prisioneiro do império, era motivo
hoje, correremos o risco de nos perder em um para desejar ansiosamente conhecer as coisas
labirinto de interpretações. O Apocalipse fala que ele havia escrito. Talvez, eles esperassem
essencialmente do que Deus já fez, já realizou uma carta como as que Paulo escreveu para
e já operou. Demonstra que os feitos de Deus eles muito tempo antes, ou um texto parecido
realizados são a base e fundamento sobre o com o Evangelho de João, o qual eles certa-
qual ele vai construir o futuro. O futuro não mente conheciam. Mas quando começaram a
está solto, não é uma mera previsão ou proba- ouvir, perceberam que se tratava de algo mui-
bilidade, mas algo certo e garantido, porque é to diferente, porém não menos inspirativo.
construído sobre o fundamento do passado.
Se eles prestassem muita atenção, veriam coi-
II. A IMPORTÂNCIA DOS DETALHES sas extraordinárias. Se fizessem muito silêncio
e seus ouvidos estivessem atentos a cada pa-
O verso 3 diz: Bem-aventurados aqueles que lavra, eles entenderiam que o livro não é fan-
leem e aqueles que ouvem as palavras da tástico apenas por causa das suas imagens e
profecia e guardam as coisas nelas escritas, símbolos, mas também pelos detalhes impres-
pois o tempo está próximo. sionantes de seu estilo literário.

O texto grego diz “Bem-aventurados são: O Apocalipse é um texto literário muito bem
aquele que lê e aqueles que ouvem” (Μακάριος construído, com detalhes e recursos estilísti-
ὁ ἀναγινώσκων καὶ οἱ ἀκούοντες). Ou seja, o cos impressionantes que reforçam seu sentido.
leitor está no singular. Provavelmente, seja a Estudar a arte literária do Apocalipse, portan-
descrição da metodologia como o livro era to, ajuda a entender melhor o seu conteúdo
recepcionado e seu conteúdo compartilhado teológico e/ou moral, além de causar ainda
nas igrejas que o leram pela primeira vez. Uma mais admiração pelo livro.
pessoa ia à frente da igreja (pastor) e lia o livro
para que as demais ouvissem. Por exemplo, eles ouviriam pela primeira vez
João dizer “bem-aventurados” já no começo
O livro foi escrito provavelmente em papiro, do livro para o leitor e para os ouvintes. Du-
e de algum modo foi contrabandeado de Pat- rante o livro inteiro, eles poderiam perceber
mos, onde João estava como prisioneiro. Pro- que João repetiria o termo “bem-aventurados”
vavelmente, a primeira igreja a receber o livro mais seis vezes, num total de sete. Somente o
foi Éfeso, a principal cidade da Ásia menor, leitor e os ouvintes atentos perceberiam isso.
onde João foi pastor no passado.
João usa muitos números no Apocalipse, mas

COMO INTERPRETAR O APOCALISPE 19


certamente o número sete é o principal. É o deste livro. (Ap 22.7)
numero que representa Deus, a perfeição, as
coisas celestes. Ele usa o número de maneira • Bem-aventurados aqueles que lavam as suas
explícita e implícita. Explicitamente ele é cita- vestiduras no sangue do Cordeiro, para que
do 54 vezes em 30 versículos. Os principais lhes assista o direito à árvore da vida, e entrem
são: sete igrejas, sete selos, sete trombetas e na cidade pelas portas. (Ap 22.14)
sete taças. Mas, além disso, há um impressio-
nante uso implícito do número sete no livro. Se o leitor estivesse atento, ele contaria e ou-
Como já mencionamos, há sete bem-aventu- viria sete bem-aventuranças. E por que não
ranças. seis, por que não oito? Porque há um padrão
em torno do número sete nesse livro. Mais
Vejamos todas elas: uma vez, se lembrarmos que o livro era para
ser lido diante de uma congregação atenta,
• Bem-aventurados aqueles que lêem e aque- acostumada a esse tipo de procedimento, que
les que ouvem as palavras da profecia e guar- sabia da importância dos detalhes desse tipo
dam as coisas nela escritas, pois o tempo está de literatura, as repetições causariam impres-
próximo. (Ap 1.3) sões profundas nos ouvintes. É importante
notar que a maioria das “bem-aventuranças”
• Então, ouvi uma voz do céu, dizendo: Escre- diz respeito ao testemunho da fé diante de um
ve: Bem-aventurados os mortos que, desde mundo hostil. São bem-aventurados aqueles
agora, morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, que creem e que foram redimidos por Cristo e
para que descansem das suas fadigas, pois as sustentam até a morte esse testemunho diante
suas obras os acompanham. (Ap 14.13) dos homens.

• Eis que venho como vem o ladrão. Bem- Mais um exemplo pode ser útil. Existem sete
-aventurado aquele que vigia e guarda as suas referências à volta, à vinda iminente de Cristo:
vestes, para que não ande nu, e não se veja a
sua vergonha. (Ap 16.15) • Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu
para mostrar aos seus servos as coisas que em
• Então, me falou o anjo: Escreve: Bem-aven- breve devem acontecer e que ele, enviando
turados aqueles que são chamados à ceia das por intermédio do seu anjo, notificou ao seu
bodas do Cordeiro. E acrescentou: São estas servo João, (Ap 1.11)
as verdadeiras palavras de Deus. (Ap 19.9)
• Portanto, arrepende-te; e, se não, venho a ti
• Bem-aventurado e santo é aquele que tem sem demora e contra eles pelejarei com a es-
parte na primeira ressurreição; sobre esses a pada da minha boca. (Ap 2.16)
segunda morte não tem autoridade; pelo con-
trário, serão sacerdotes de Deus e de Cristo e • Venho sem demora. Conserva o que tens,
reinarão com ele os mil anos. (Ap 20.6) para que ninguém tome a tua coroa. (Ap 3.11)

• Eis que venho sem demora. Bem-aventura- • Disse-me ainda: Estas palavras são fiéis e
do aquele que guarda as palavras da profecia verdadeiras. O Senhor, o Deus dos espíritos

20 EXPOSIÇÃO DO APOCALIPSE
dos profetas, enviou seu anjo para mostrar menciona o estado de bem-aventurança dos
aos seus servos as coisas que em breve devem que morreram na fé. Porém, além disso, deve
acontecer. (Ap 22.6) ser lembrado que a expectativa do retorno de
Cristo é uma das características da verdadei-
• Eis que venho sem demora. Bem-aventura- ra fé. O cristão não faz contas, não tenta adi-
do aquele que guarda as palavras da profecia vinhar o dia do retorno, mas espera isso para
deste livro. (Ap 22.7) qualquer momento, sem jamais descrer dessa
possibilidade, pois o próprio Cristo disse que
• E eis que venho sem demora, e comigo está viria como “ladrão na noite” (1Ts 5.2).
o galardão que tenho para retribuir a cada um
segundo as suas obras. (Ap 22.12) Do mesmo modo, há sete referências à Palavra
de Deus.
• Aquele que dá testemunho destas coisas
diz: Certamente, venho sem demora. Amém! • O qual atestou a palavra de Deus e o teste-
Vem, Senhor Jesus! (Ap 22.20) munho de Jesus Cristo, quanto a tudo o que
viu. (Ap 1.2)
E, novamente, por que sete? Ele quer trans-
mitir uma mensagem com essas informações. • Eu, João, irmão vosso e companheiro na tri-
Considerando que os cristãos do final do pri- bulação, no reino e na perseverança, em Jesus,
meiro século aguardavam ansiosamente o re- achei-me na ilha chamada Patmos, por causa
torno de Cristo, que parecia demorado diante da palavra de Deus e do testemunho de Jesus.
do sofrimento ao qual eram submetidos, ou- (Ap 1.9)
vir sete vezes que ele virá “em breve” e “sem de-
mora” certamente reforçava essa expectativa • Quando ele abriu o quinto selo, vi, debaixo
e esperança. É igualmente interessante notar do altar, as almas daqueles que tinham sido
que essas alusões sobre o retorno iminente de mortos por causa da palavra de Deus e por
Cristo aparecem nos capítulos iniciais e finais causa do testemunho que sustentavam. (Ap
do livro. Três no início e quatro acumuladas 6.9)
no fim. Assim, o livro começa e termina com
a repetida asseveração de que Cristo não vai • Porque em seu coração incutiu Deus que re-
demorar. E, junto com essa notícia, aparece, alizem o seu pensamento, o executem à uma
em várias das declarações, uma exortação para e deem à besta o reino que possuem, até que
“permanecer firme”, para guardar as palavras se cumpram as palavras de Deus. (Ap 17.17)
do livro, o que resultará em recompensa.
• Então, me falou o anjo: Escreve: Bem-aven-
É evidente que Cristo não retornou no pri- turados aqueles que são chamados à ceia das
meiro século. Então, como isso poderia ser bodas do Cordeiro. E acrescentou: São estas
aplicado àqueles cristãos? Talvez, num sen- as verdadeiras palavras de Deus. (Ap 19.9. )
tido, a volta de Cristo também acontece
quando o cristão parte desse mundo para se • Está vestido com um manto tinto de sangue,
encontrar com ele. A morte dos crentes ocupa e o seu nome se chama o Verbo de Deus; (Ap
um destaque central no livro. Várias vezes ele 19.13)

COMO INTERPRETAR O APOCALISPE 21


• Vi também tronos, e nestes sentaram-se • Ouvi do altar que se dizia: Certamente, ó
aqueles aos quais foi dada autoridade de julgar. Senhor Deus, Todo-Poderoso, verdadeiros e
Vi ainda as almas dos decapitados por causa justos são os teus juízos. (Ap 16.7)
do testemunho de Jesus, bem como por causa
da palavra de Deus, (Ap 20.4) • Então, ouvi uma como voz de numerosa
multidão, como de muitas águas e como de
Tudo isso seria muita coincidência se fosse fortes trovões, dizendo: Aleluia! Pois reina o
aleatório. Mas é intencional. As marcas e usos Senhor, nosso Deus, o Todo-Poderoso. (Ap
dessas expressões reforçam a ideia de que, de 19.6)
fato, ele foi inspirado por Deus. As sete alusões
à Palavra de Deus apontam para duas dire- • Nela, não vi santuário, porque o seu santu-
ções: da veracidade da “palavra” que é atesta- ário é o Senhor, o Deus Todo-Poderoso, e o
da por Deus, e da necessidade de os homens Cordeiro. (Ap 21.22)
testemunharem-na perante um mundo hostil.
Diante do poderio romano e da fragilidade da
Há sete referências no livro ao Deus Todo Po- igreja perante seus algozes, o poder de Deus
deroso: parece sem eficácia. Porém, o livro mostra que
o “todo-poderoso” continua agindo, mesmo
• Eu sou o Alfa e Ômega, diz o Senhor Deus, que isso, por vezes, seja imperceptível.
aquele que é, que era e que há de vir, o Todo-
-Poderoso. (Ap 1.8) É preciso concluir que essas repetições foram
usadas intencionalmente. Sete referências à
• E os quatro seres viventes, tendo cada um de- vinda iminente de Cristo, sete referências à
les, respectivamente, seis asas, estão cheios de bem-aventurança dos que permanecem fiéis
olhos, ao redor e por dentro; não têm descan- mesmo diante do sofrimento injusto, sete re-
so, nem de dia nem de noite, proclamando: ferências à veracidade da Palavra de Deus e
Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus, o Todo- sete ao caráter “todo-poderoso” do divino. O
-Poderoso, aquele que era, que é e que há de que tudo isso transmite? Numa palavra: espe-
vir. (Ap 4.8) rança.

• Dizendo: Graças te damos, Senhor Deus, O número sete ainda é usado de maneira mais
Todo-Poderoso, que és e que eras, porque as- implícita no livro. Kistemaker (2004, p. 15)
sumiste o teu grande poder e passaste a reinar. nota que há dois cânticos de louvor entoados
(Ap 11.:17) pelas hostes celestiais e há um padrão de sete
na composição dos cânticos: “Proclamando
• E entoavam o cântico de Moisés, servo de em grande voz: Digno é o Cordeiro que foi
Deus, e o cântico do Cordeiro, dizendo: Gran- morto de receber o poder, e riqueza, e sabe-
des e admiráveis são as tuas obras, Senhor doria, e força, e honra, e glória, e louvor” (Ap
Deus, Todo-Poderoso! Justos e verdadeiros 5.12). Em Apocalipse 7.12, outra vez: “Dizen-
são os teus caminhos, ó Rei das nações! (Ap do: Amém! O louvor, e a glória, e a sabedoria,
15.3) e as ações de graças, e a honra, e o poder, e a
força sejam ao nosso Deus, pelos séculos dos

22 EXPOSIÇÃO DO APOCALIPSE
séculos. Amém!”. Tanto o Cordeiro, quanto o 4. O dragão e as sete vozes (Ap 12-14)
próprio Deus são exaltados com cânticos que
atribuem sete expressões similares de adora- 5. As sete taças (Ap 15-16)
ção. A igualdade do Pai e do Filho, a perfeição
de sua glória e louvor são sugeridas por esse 6. As visões de julgamento (Ap 17-19)
padrão.
7. As últimas visões da consumação (Ap 20-
Essas marcas não podem ser vistas numa leitu- 22)
ra superficial, mas são percebidas quando se lê,
se ouve e se estuda atentamente o livro. Que isso significa? Que essas seções não são
contínuas, mas circulares. João vai contar a
E há muitos outros números no livro, todos mesma historia sete vezes, nas sete seções. As-
cheios de simbolismos, os quais, à medida que sim, se alguém ler cronologicamente, como
são considerados, revelam a grandiosidade uma sequência do 1 ao 22, verá muita coisa
dessa visão e o seu significado, como veremos repetida como se fosse continuação. Parece
ao longo desses estudos. que o mundo acabará meia dúzia de vezes,
que Jesus voltará quatro vezes, que haverá três
Ainda sobre o número sete, a importância au- ressurreições dos crentes, que acontecerão vá-
menta, pois ele divide o livro em sete partes. rias batalhas finais, quando, na verdade, todos
E aqui está outro detalhe interessante, pois se esses eventos são únicos. A história é contada
alguém não vê e compreende essas sete divi- sete vezes.
sões do livro, vai ter dificuldades de entender
a estrutura da mensagem da obra. A causa O livro era para ser lido e ouvido nas igrejas.
da maior parte dos erros de interpretação do Repetir a história é um modo de fixar o mate-
Apocalipse é considerá-lo como uma história rial e o assunto na mente do ouvinte.
que vai do capítulo 1 ao capítulo 22 de forma
cronológica ou linear. Qual história é contada sete vezes? A história
que envolve os acontecimentos relativos aos
Ele foi escrito em sete seções paralelas. Como crentes do primeiro século, desde a primeira
sabemos disso? Porque há marcas claras disso. vinda de Jesus, e em prospecção os aconteci-
Não só pela abundância do numero sete con- mentos que se sucederão genericamente no
forme vimos, mas porque temos marcas claras mundo até a segunda vinda de Cristo. Num
dessa divisão sétupla. Vejamos: resumo: toda a história da salvação envolven-
do a primeira e a segunda vinda de Jesus.
Sete seções Paralelas
A história é contada sete vezes, mas cada vez
1. Cristo e os sete candeeiros (Ap 1-3) tem um novo ângulo e progressão. Não é uma
mera repetição; antes, é uma repetição extre-
2. O cordeiro e os sete selos (Ap 4-7) mamente criativa. É como se estivéssemos
vendo um filme que se repete através de câ-
3. As sete trombetas (Ap 8-11) meras diferentes, mostrando aspectos diferen-
tes, ao mesmo tempo em que a história vai se

COMO INTERPRETAR O APOCALISPE 23


completando. Contando tantas vezes a mes- Deus. Entretanto, João não copiou as cenas
ma história, é como se a cada vez novas peças descritas em Daniel ou nos outros livros. Ele
fossem colocadas no grande quebra-cabeça. se apropriou delas, transformou-as, elevou-as
Assim, a história vai ganhando corpo, consis- a fim de revelar a grande mensagem divina da
6
Não há concordância
entre os estudiosos do tência. Então, somente quando é contada pela Redenção7.
número de citações
feitas por João do Antigo
sétima vez e todas as peças são colocadas, a
Testamento. De 250 até
700 são catalogadas.
história fica completa. CONCLUSÃO
(FEKKES, 1994, p. 62).
Isso, sem dúvida, se deve
ao fato de não haver III. A RELAÇÃO COM O ANTIGO TESTA- Portanto, os dois aspectos fundamentais que
citações diretas. Assim,
cada autor tem sua pró- MENTO nos ajudam a entender “o código” do Apoca-
pria metodologia para
considerar uma citação. lipse são: o uso dos recursos literários e sua
Mas, de qualquer modo,
todos concordam que
Além dos aspectos literários expostos acima, relação com o Antigo Testamento. Mantendo
o número de alusões é há mais um ponto crucial para se entender isso em mente, será mais fácil compreender o
muito elevado.
o Apocalipse: sua relação com o Antigo Tes- livro através da leitura dele.
tamento. Em todos os capítulos, em todas as
cenas descritas, João sempre está, de alguma A vitória de Jesus não está apenas no futuro,
maneira, fazendo menção ao Antigo Testa- mas no passado. Ele já venceu, por isso nós, a
7
Dizemos que a revela-
ção divina é progressiva, mento. E isso não apenas através de citações Igreja, somos mais que vencedores. Não im-
ou seja, Deus não se
revelou completamente de passagens veterotestamentárias, mas por porta o que teremos que enfrentar: as perse-
de uma única vez, antes,
foi se revelando mais
meio da utilização de imagens, símbolos e guições, as leis impostas, a violência. Não im-
e melhor ao longo da
história bíblica, até se
temas. A teologia do Apocalipse é construída porta o que acontecer. Firmados na vitória de
revelar plenamente nessa relação direta com a teologia do Antigo Cristo lá atrás, somos e sempre seremos mais
na pessoa de Cristo.
Assim, o Apocalipse, Testamento, que passa também pelos evange- que vencedores. Essa é a grande mensagem
como consumação da
revelação bíblica, amplia lhos e cartas apostólicas. desse livro.
e leva à perfeição muitas
das profecias do Antigo
Testamento. Entre os livros do AT que mais “aparecem”
em Apocalipse, podemos citar Gênesis, Isaías,
Ezequiel, Daniel e Zacarias. O livro de Gêne-
sis é o pano de fundo de várias passagens do
livro, e Daniel aparece quase que no livro intei-
ro. O autor do Apocalipse se utiliza de diver-
sas figuras do livro de Daniel, porém, não faz
nenhuma citação direta do livro. Se o autor do
Apocalipse foi um prisioneiro em Patmos (Ap
1.9), por certo, ele não dispunha de uma Bí-
blia Hebraica. Entretanto, possuía um extensi-
vo conhecimento do Antigo Testamento, pois
fez 644 citações indiretas da Bíblia Hebraica
(Segundo o texto grego UBS - FEKKES, 1994,
p. 62)6 . Daniel é, sem dúvida, um dos mais ci-
tados. A partir desse livro, João construiu sua
visão dos inimigos escatológicos do povo de

24 EXPOSIÇÃO DO APOCALIPSE
Anotações

COMO INTERPRETAR O APOCALISPE 25

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