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Cistercienses
História, Arte, Espiritualidade e Património
TOMO III
DIRECÇÃO
José Albuquerque Carreiras
ALCOBAÇA
2013
INDÍCIOS DE CISTER EM TERRAS DE MONSALUDE
(FIGUEIRÓ DOS VINHOS) – SÉCULOS XII-XIII
Miguel Portela*
Introdução
*
Investigador da História da região do Norte do Distrito de Leiria.
1
Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Inquirições de D. Afonso II, livro 2, fls. 118v-124; Baião,
António, A Vila e Concelho de Ferreira do Zêzere, Apontamento para a sua História Documentada,
Imprensa Nacional de Lisboa, 1918, Apêndice documental, p. 69, doc. XXXIV.
Mosteiros Cistercienses, Vários Autores, José Albuquerque Carreiras (dir.), Alcobaça, 2013, Tomo III, pp. 47-65.
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Miguel Portela
“Et Petrus Faber et Petrus Alvo acceperunt totum Ordaes que erat regalenga. De
Caiis usque ad Pedras Alvas fratres Alcobacie acceperunt quantum erat de regalengo
et vadit terminus per aquam de Ozezar supra. Et fratres de Sartagine acceperunt
uarzenam de Pelagius Petro que erat regalenga”2.
Os topónimos aqui enunciados corresponderão, na actualidade, a Vale de Orjães,
nas proximidades de Dornes, concelho de Ferreira do Zêzere, a Porto de Cais (Caiis),
localizável junto a Dornes, a Penas Alvas [Petras Alvas], nas imediações de Águas
Belas [Ferreira do Zêzere] e ao rio Zêzere (“aquam de Ozezar”).
O topónimo “Caiis” corresponderá ao “portum de Caiis” enunciado na carta de
doação, pelo rei D. Sancho I, a seu irmão, D. Pedro Afonso, datada de Junho de 1200,
de um seu reguengo “quod uocatur de Monsalude”.
O território abrangido por esta doação corresponde em grande parte ao que foi
a “hereditate (…) quam uocitant Petragonum”, que D. Afonso Henriques doou, em
1135, a “Uzbert”, a Monio Martins e a Fernando Martins para que a povoassem3. Esta
“hereditas” de Pedrógão tinha limites, em parte, coincidentes com os referidos na
inquirição de cerca de 1220 e na carta régia de doação a D. Pedro Afonso, de 12004.
A Herdade de Pedrógão
O primeiro documento referente à região que nos ocupa, abrangendo os limites atrás
referidos, é um diploma régio, datado de 17 de Maio de 1135, em que Afonso Henriques,
“portugalensium princeps”, faz doação de uma herdade, de nome “Petrogonum”, ou
seja, Pedrógão [Grande], no “territorio Colinbriensi”. Esta doação foi feita a “Uzbert
et Monioni Martiniz et Fernando Martiniz pro seruicio quod michi fecistis et facietis.”,
ou seja, a “Uzbert”, a Monio Martins e a Fernando Martins, em recompensa pelos
serviços prestados e a prestar.
Os seus limites são bem definidos no diploma:
“Habet enim terminos per montem qui uocatur Signum Salomon et inde per cimalias
de Aluares ac deinde per cimalias de Sonieir et inde per cimalias Ameoso ac deinceps
per cimalias de Squalos et inde per cimalias de Salzeda et cimalias de Nadaui ac
deinde ad monasterium de Algia quomodo concludit Algia cum Unzezar et inde unde
prius incoauimus”5.
2
ANTT, Inquirições de D. Afonso II, livro 2, fls. 118v-124; Baião, A Vila e Concelho de Ferreira do Zêzere,
Apontamento para a sua História Documentada, cit., Apêndice documental, p. 69, doc. XXXIV.
3
Azevedo, Rui, Documentos Medievais Portugueses – Documentos Régios, Lisboa, 1958, vol. I, t. I, p. 169,
doc. 146.
4
Azevedo, Pedro, «Os reguengos da Estremadura na 1.ª Dinastia», em Revista da Universidade de Coimbra,
XI, p. 581, doc. 1; Azevedo, Rui, Costa, P. Avelino de Jesus e Rodrigues, Marcelino Pereira, Documentos
de Sancho I (1174-1211), Universidade de Coimbra, 1979, vol. 1, pp. 205-206, doc. 134.
5
Azevedo, Documentos Medievais Portugueses – Documentos Régios, cit., p. 169, doc. 146.
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Miguel Portela
6
Ribeiro, Orlando, Formação de Portugal, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Lisboa, 1987, p 36.
7
Azevedo, Rui, «Período de formação territorial: expansão pela conquista e sua consolidação pelo
povoamento. As terras doadas. Agentes colonizadores», História da Expansão Portuguesa no Mundo,
(Direção de Baião, António, Cidade, Hernâni e Múrias, Manuel), Editorial Ática/Lisboa, 1937, vol. I, p. 37.
8
Veja-se Mattoso, José, «A Região de Arganil: de fronteira a terra senhorial», A Nobreza medieval
portuguesa. A família e o poder, Estampa, Lisboa, 1981, p. 313-327; Ventura, Leontina e Faria,
Ana Santiago, Livro Santo de Santa Cruz de Coimbra. Cartulário do Século XII, INIC e Centro de
História da Sociedade e da Cultura da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1990, pp. 57-58; Gomes,
Saul António, «Um Mosteiro de Cónegos Regrantes em Tempos Medievais», Revista Portuguesa de
História, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Instituto de História Económica e Social,
Coimbra 2008/2009, t. XL, p. 290; Azevedo, Rui, Documentos Medievais Portugueses, Documentos
Particulares, Lisboa, vol. I, p. 51; Azevedo, Documentos Medievais Portugueses, Documentos Régios,
cit., p. 39; Barros, Patrícia Cláudia Nascimento de Sousa, Uma visão de Arganil através dos seus forais,
Câmara Municipal de Arganil, Arganil, 1998, p. 21.
9
Gomes, «Um Mosteiro de Cónegos Regrantes em Tempos Medievais», cit., pp. 290-291 e pp. 317-318.
10
Portugaliae Monumenta Histórica, Leges et Consuetudines (P.M.H. – L.C.), Lisboa, 1856, p. 403.
Barros, Uma visão de Arganil através dos seus forais, cit., pp. 20-22 e 62-63, doc. n.º 4.
11
Gomes, «Um Mosteiro de Cónegos Regrantes em Tempos Medievais», cit., p. 291.
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O Reguengo de Monsalude
Permanece todavia obscuro o facto de a herdade do Pedrógão que tinha sido doada,
em 1135, a “Uzbert et Monioni Martiniz et Fernando Martiniz”, aparecer em 1200,
como propriedade do rei, com a designação de Reguengo de Monsalude.
Nas palavras, uma vez mais, de Orlando Ribeiro: “As invasões de almorávidas
e almóadas, gente fanática, intolerante e grosseira, vinda dos confins de Marrocos,
pesaram duramente na maneira de viver dos cristãos, a quem não respeitavam nem a
fé nem os usos. Assolados pela guerra, com os campos à roda talados pelos exércitos,
muitos lugares devem ter vivido, pelo espaço de algumas gerações, na insegurança
das pessoas e dos bens: arruinadas as povoações, foragida a escassa população rural,
constituíram-se vastos ermos sem cultura e sem dono”15. Cremos que, no que ao antigo
termo de Monsalude respeita, não será de excluir a possibilidade de não ter sido possível
aos seus senhores defender tão vasto território das várias investidas muçulmanas, pelo
que o rei as terá recuperado para si após a reconquista.
Em Dezembro de 1187, Pedro Alvarinho e sua mulher, Eugénia Martins, venderam
ao Mosteiro de S. Pedro de Arganil, a herdade da Murta, no território de Coimbra,
pelo preço de 11 morabitinos. Tinha essa herdade os seguintes limites: “Quomodo
dividit in oriente per illam comeneiram de Monsalude. In occidente cum hereditate
de Gundisalvo Monaco. Contra aquilone cum hereditate Sancti Petri. In africo cum
Martino Cedoniz et com Petro Filio”16.
Surge, aqui, a primeira referência a Monsalude, antes da designação de Reguengo,
permitindo localizar essa cumeeira junto à ribeira do Brás, na freguesia de Arega.
Segundo alguns autores, o nome deste Reguengo adveio-lhe do castelo de Monsalude
12
A descendência destes cavaleiros nesta região pode ser consultada em Mattoso, «A Região de Arganil: de
fronteira a terra senhorial», cit., p. 325.
13
Gomes, «Um Mosteiro de Cónegos Regrantes em Tempos Medievais», cit., p. 290.
14
Mattoso, José, «A Região de Arganil: de fronteira a terra senhorial», cit., p. 325.
15
Ribeiro, Formação de Portugal, cit., p. 36.
16
Gomes, «Um Mosteiro de Cónegos Regrantes em Tempos Medievais», cit., pp. 319-320, doc. 6.
51
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17
Azevedo, «Período de formação territorial: expansão pela conquista e sua consolidação pelo povoamento.
As terras doadas. Agentes colonizadores», cit., p. 37; Baião, A Vila e Concelho de Ferreira do Zêzere,
Apontamento para a sua História Documentada, cit., p. 8; Conde, Manuel Sílvio Alves, «Ocupação
humana e polarização de um espaço rural do Gharb al-Andalus: o Médio Tejo à luz da toponímia
árabica», Arquipélago. História, 2.ª série, II, 1997, pp. 368-369; Moreno, Eduardo Manzano, La
frontera de al-Andalus en epoca de los Omeyas, Madrid, 1991, pp. 194-195; Velho, Martim, «Ibn
Marwān (Ibn al-Djilliki) e Sa’dūn Surunbāquin: a localização de Monsalude», Proceedings of the Ninth
Congress of the Union Européenne des Arabisants et Islamisants, 1981, pp. 270-287; Molina, Luis,
«Vencedor y vencido: Hāšim b. ‘Abd al-‘Azīz frente a Ibn Marwān al-Ŷillīqī », Fierro, Maribel e
Garcia Fitz, Francisco (eds), El Cuerpo Derrotado: Cómo trataban Musulmanes y Cristianos a los
enemigos vencidos (Península Ibérica, ss. VIII-XIII), Estudos Árabes e Islâmicos, Monografias, Consejo
Superior de Investigaciones Científicas, Madrid, 2008, pp. 507-528
18
Azevedo, «Período de formação territorial: expansão pela conquista e sua consolidação pelo povoamento.
As terras doadas. Agentes colonizadores», cit., p. 37.
19
Azevedo, Costa e Rodrigues, Documentos de Sancho I (1174-1211), cit., pp. 205-206, doc.134.
20
Azevedo, «Os reguengos da Estremadura na 1.ª Dinastia», cit., p. 581, doc.1; Azevedo, Costa e Rodrigues,
Documentos de Sancho I (1174-1211), cit., p. 205-206, doc. 134.
21
Azevedo, «Período de formação territorial: expansão pela conquista e sua consolidação pelo povoamento.
As terras doadas. Agentes colonizadores», cit., 1937, p. 37.
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INDÍCIOS DE CISTER EM TERRAS DE MONSALUDE (FIGUEIRÓ DOS VINHOS) – SÉCULOS XII-XIII
22
Azevedo, Costa e Rodrigues, Documentos de Sancho I (1174-1211), cit., p. 207, doc. 136.
23
Baião, A Vila e Concelho de Ferreira do Zêzere, Apontamento para a sua História Documentada, cit.,
p. 48, Apêndice documental, pp. 24-26, doc. XII.
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Miguel Portela
Arega
24
P.M.H. – L.C., cit., pp. 528-530.
25
P.M.H. – L.C., cit., pp. 517-518.
26
Ibidem, pp. 517-518.
27
Ibidem, pp. 517-518.
28
Ibidem, pp. 528-530.
54
INDÍCIOS DE CISTER EM TERRAS DE MONSALUDE (FIGUEIRÓ DOS VINHOS) – SÉCULOS XII-XIII
limites definidos na carta de foral, os seus habitantes tinham de pagar de foro ao seu
senhor: “VIIIam partem de pane, et de uino, et de lino”, ou seja a oitava parte do pão,
vinho e linho. No entanto, na “hereditate de contra pedrogano quomodo uenit platea
de monasterio de agia et uenit aas cabezas de Nadauis. Et quomodo uadit caril intra
in almaegue de guterri.” apenas se pagaria “Vam partem de pane, et de uino, et de lino”,
ou seja a quinta parte do pão, vinho e linho29.
Os limites de Figueiró são assinalados da seguinte forma: “In primo de mazanas, et
inde aas cabezas de ferro accuto, et exinde aas cimalias de nadauis, et exinde quomodo
uenit per ipsam comeeiram inter baucaa et bauceela, et quomodo uadit ipsam comeeiram
interat in ozezar, et quomodo uadit ozezar intro in algia, et quomodo uadit algia de
mazanis.” Ou seja, em tradução e interpretando os topónimos e hidrónimos referidos,
esses limites começavam, primeiramente, em Maçãs [Maças de Dona Maria, concelho de
Alvaiázere], indo daí a Cabeças de Ferro Agudo [Serra de S. Neutel], e daí às cimalhas
de Nadavis [Ana de Avis, concelho de Figueiró dos Vinhos], e daí assim como vai por
essa cumeeira entre Bauça e Baucela [Bouçã], e desse modo vai por essa cumeeira e
entra no Ozezar [Rio Zêzere], e por esse modo vai onde o Ozezar [Rio Zêzere] entra
no Alge [Foz do Alge] e por esse modo vai ao Alge de Maçãs.
No foral manuelino outorgado por D. Manuel, aos 16 de Abril de 1514, à vila Figueiró
dos Vinhos, continua-se a afirmar que os figueiroenses da: “dicta villa e terra” deviam
29
Ibidem, pp. 528-530.
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Miguel Portela
pagar “a foro doitavo de pam vinho linho e da terra outra comtra pedrogam pollas
comfromtaçõoes no dicto foral decraradas e a todos manifestas se mandou pagar
o quinto do dicto pam vinho e linho”30. Assim a vila e terra ainda pagavam naquele
momento, de foro o oitavo de pão, vinho e linho, enquanto a herdade denominada de
“contra Pedrógão” pagava o quinto do dito pão, vinho e linho.
Esta herdade continua a ter os mesmos limites constantes no foral dado em 1204, por
D. Pedro Afonso, sendo agora declarada de: “comtra pedrogam como veem aa platea
do mosteiro dalgia e como vay o carril emtrar em almege de guterry A quall terra
emtestar na villa pera abaixo da ygleia”31. Esta situava-se entre Figueiró e Pedrógão,
iniciando-se na praça do mosteiro do Alge [Campelo], como vai ao Carril entrando no
Almegue de Guterres, até à vila por baixo da Igreja.
Pedrógão Grande
30
Dias, Luiz Fernando de Carvalho, Forais Manuelinos do Reino de Portugal e do Algarve, Conforme o
exemplar do Arquivo Nacional da Torre do Tombo de Lisboa, Estremadura, Edição do Autor, 1972,
pp. 210-213.
31
Dias, Luiz Fernando de Carvalho, Forais Manuelinos do Reino de Portugal e do Algarve, Conforme o
exemplar do Arquivo Nacional da Torre do Tombo de Lisboa, cit., pp. 210-213. A tradução mais adequada
será “plateia”, no sentido de planalto, terra plana e não “praça” como escreveu o referido autor.
32
P.M.H. – L.C., cit., pp. 531-532.
33
Ibidem, pp. 531-532.
56
INDÍCIOS DE CISTER EM TERRAS DE MONSALUDE (FIGUEIRÓ DOS VINHOS) – SÉCULOS XII-XIII
Nas inquirições de D. Afonso II, datáveis de cerca de 1220, já antes citada, podemos
ler: “De Caiis usque ad Pedras Alvas fratres Alcobacie acceperunt quantum erat de
regalengo, et vadit terminus per aquam de Ozezar supra”34.
Efectivamente, no ano de 1206, D. Pedro Afonso, filho do rei, doou a D. Fernando,
Abade de Alcobaça, uma herdade que tinha “in termino de Tomar”. Dividia esta herdade,
citamos: “Ex una parte cum Dornas per illum Carril de Petras Algas ad focem de
Tamolia et ex alia parte diuidit cum Tomar et cum Petro Albo per vetur Carril et alia
parte diuidit cum Balistariis per cuminariam que uadit inter aquam de Monio Domato
et de Petro Ramiriz et intrat ipsa cuminaria in aquam de Petro Ramiriz quodomo intrat
ipsa aqua in riuo de Uzezar et ex alia parte diuidit per uenam de Uzezar”35.
Ou seja, e traduzindo, de uma parte com Dornes por aquele Carril de Pedras Algas
[Penas Alvas, Dornes] até à foz do Tamolia e, outra parte, divide com [termo de] Tomar
e com Pedro Albo pelo Carril Velho e por outra parte divide com Besteiros [Besteira]
e pela cumeeira que vai entre a água [ribeiro] de Monio Domato e de Pedro Ramires
34
Baião, A Vila e Concelho de Ferreira do Zêzere, Apontamento para a sua História Documentada, cit.,
Apêndice documental, p. 69, doc. XXXIV.
35
Aquela nossa herdade que temos em Porto de Cais, a qual o senhor rei Sancho com a sua mulher, rainha D.
Dulce, e seus filhos, nos deram, em herança, pelo bom serviço que lhes fizemos e faremos perpetuamente.
Esta herdade divide pelo Porto Velho de Cais, daí por Arraface e daí às Bairradas do Cais [Bairrada]
águas vertentes para o Zêzere, daí para a “Leziram de Taaliis” e daí até ao rio Zêzere. Pimenta, Alfredo,
Idade Média (Problemas e Soluçoens), Edições Ultramar, Lisboa, 1946, pp. 187-189.
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Miguel Portela
e entra essa cumeeira na água [ribeiro] de Pedro Ramires assim como entra essa água
[ribeira] no rio Zêzere e de outra parte divide pela veia [rio] do Zêzere.
Esta herdade corresponde, cremos, àquela que a citada inquirição de cerca de 1220
refere como sendo do Mosteiro de Alcobaça. Situava-se, como vimos, na área meridional
do atual concelho de Ferreira do Zêzere.
Para um melhor entendimento da informação geográfica pressuposta nas cartas
anteriormente citadas, deveremos ter presente, ainda, a doação feita por Pedro Faber
[fundador de Ferreira do Zêzere] à Ordem do Templo, em março de 1220, da qual
citamos o seguinte excerto: “Ipsam nostram hereditate quam habuimus in Portu de Caijs
quam Rex dominus Sanccius cum uxore sua Regina domina Dulcia et cum omnibus filiis
eorum nobis in hareditatorio dederunt pro bono servicio quod eis fecimus et faceremus
in perpetuum. Ista hereditas dividit per Portum Veterum de Caiis deinde per Arracefe
et ex inde ad Barriadas de Caiis aquis vertentibus ad Ozezar deinde ad Liziram de
Taaliis et inde ad venam de fluvio Ozezaris.”36 (Figs. 5 e 6).
36
Baião, A Vila e Concelho de Ferreira do Zêzere, Apontamento para a sua História Documentada, cit.,
Apêndice documental, pp. 4-5, doc. II.
37
Azevedo, «Período de formação territorial: expansão pela conquista e sua consolidação pelo povoamento.
As terras doadas. Agentes colonizadores», cit., p. 41.
58
INDÍCIOS DE CISTER EM TERRAS DE MONSALUDE (FIGUEIRÓ DOS VINHOS) – SÉCULOS XII-XIII
Isto pressupõe que aceitemos que a herdade de Alcobaça transitou, nessa altura,
para a Ordem do Templo, que assim viu ampliados os seus interesses dominiais nos
territórios a norte de Tomar e no eixo do rio Zêzere.
Nada poderemos, de momento, adiantar acerca deste problema, a não ser o reconhe-
cimento de que, reiteramos, no termo do primeiro quartel do século XIII, sensivelmente,
os Cistercienses de Alcobaça entregaram aos Templários estas terras que confinavam
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Miguel Portela
com os limites setentrionais do antigo castelo de Ceras (tal como estão referenciados
na carta régia de doação, de 1159, aos cavaleiros do Templo de Salomão)38.
Reconheçamos todavia, que a doação de D. Pedro Afonso, de 1206, ao Mosteiro de
Alcobaça, atesta o apreço que este filho natural de D. Afonso Henriques nutria pelos
Cistercienses.
D. Pedro Afonso, senhor de Monsalude
38
Baião, A Vila e Concelho de Ferreira do Zêzere, Apontamento para a sua História Documentada, cit., pp.
3-4, doc. 1, citamos: “Do et concedo deo militibus templi illud castrum quod dicitur Cera pró ecclesis de
sanctaren quas eis pruis dederam preter ecclesiam Sancti iacobi. Do et concedo illud castrum quomodo
diuidit per flumen Ozezar ubj uocatur portus de Kajjs et inde per mediam stratam usque ad monasterium
de murta et inde per aquam de murta quomodo descendit in fraxineta et inde venit ad portum de thomar
qui est in strata de colimbria que uadit ad sanctaren et inde per mediam stratam per portum de ourens
et inde pr mediam stratam quomodo uadit per sumitatem de beselga et inde per lumbum de contra
sanctaren quo uertit aquam ad beselga et quomodo descendit ad thomar et inde descendit in ozezar et
inde ad portum de Kaijs”. Azevedo, Rui de, Documentos Medievais Portugueses - Documentos Régios,
Documentos dos Condes Portugalenses e de D. Afonso Henriques, A.D. 1095-1185, Lisboa, vol. I, t. I,
1968, doc. 271, pp. 344-345.
39
Mattoso, José, D. Afonso Henriques, Temas e Debates, Lisboa, 2007, pp. 234-235.
40
Marques, Maria Alegria e Soalheiro, A Corte dos primeiros reis de Portugal, Afonso Henriques, Sancho I,
Afonso II, Ediciones Trea, 2009, p. 243.
41
Mattoso, D. Afonso Henriques, cit., pp. 234-235. Azevedo, Costa e Rodrigues, Documentos de Sancho I
(1174-1211), cit., p. 310, doc.203 (Santarém, 29 de Dezembro de 1210).
42
Mattoso, D. Afonso Henriques, cit., pp. 234-235.
43
Marques e Soalheiro, A Corte dos primeiros reis de Portugal, Afonso Henriques, Sancho I, Afonso II,
cit., p. 245.
44
Mattoso, D. Afonso Henriques, cit., p. 103.
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INDÍCIOS DE CISTER EM TERRAS DE MONSALUDE (FIGUEIRÓ DOS VINHOS) – SÉCULOS XII-XIII
não se encontra notícia dele entre os anos de 1147 e 1174. Com efeito, existem sérias
dúvidas para o consideramos como tal45.
O D. Pedro Afonso, senhor de Monsalude, surge ainda, documentado em maio de
1179, a confirmar os forais de Santarém e Lisboa46. Foi alcaide de Abrantes47, pois
aparece como tal no foral outorgado em Dezembro do mesmo ano a esta terra48.
Acumularia D. Pedro Afonso a “tenência” do território de Seia49, - aparecendo
em Junho de 1186 como “Petrus Alfonsi tenebat Senanm et est signifer regis.”50 - e a
“tenência” do território de Neiva - vindo referido, em Setembro de 1187 como “domnus
P. Alfonsi quit tunc Neuiam tenebat conf”51.
Provavelmente terá acompanhado D. Sancho I na conquista de Silves, como referirão
algumas fontes, nomeadamente árabes52. Depois da tomada de Silves, deixa de exercer
o cargo de alferes-mor, talvez, como afirmam alguns autores, por ter sofrido algum
impedimento na tomada de tal praça53.
Segundo Maria Alegria Marques e João Soalheiro: “A confiança que o rei seu irmão
lhe tributou também se manifesta na circunstância de ser o primeiro dos portugueses
que D. Sancho fazia elencar no acordo celebrado com o rei de Leão, em 1194, com o
objectivo de solucionar a questão das arras da rainha Teresa Sanches”54.
Vem mencionado entre as testemunhas presentes à feitura do testamento de D. Sancho I
de 1188, depois de 24 de Março: “Petrus Alfonsus signifer regis affuit…”55.
Por seu turno, no segundo testamento de D. Sancho I, redigido em Coimbra, em
Outubro de 1210, surge indicado como um dos seus executores: “Et sciendum est quod
omnia ista debent adimpleri per Bracarensem electur et per abbatem Acupacie et
priorem Sancte Crucis et per abbatem Sancti Tirsi et per magistrum Templi et priorem
Hospitalis et per domnum P(etrum) Alfonsi et per domnum Gunsaluum Menendiz…”,
comprometendo-se, ele e alguns outros curiais, ao cumprimento do que lhe era cometido
na vontade testamentária do irmão: “Ego Petrus Alfonsi et ego Gunsaluus Menendiz
45
Mattoso, D. Afonso Henriques, cit., pp. 229 e 234-235.
46
Azevedo, Documentos Medievais Portugueses, Documentos Régios, cit., vol. I, n.º 335 e 336.
47
Mattoso, D. Afonso Henriques, cit., p. 229.
48
Azevedo, Documentos Medievais Portugueses, Documentos Régios, vol. I, n.º 340.
49
Azevedo, Rui, «Primórdios da Ordem Militar de Évora», Separata do Boletim Cultural da Junta Distrital
de Évora, n.º 8, 1967, p. 4.
50
Azevedo, Costa e Rodrigues, Documentos de Sancho I (1174-1211), cit., pp. 13-14, doc.10.
51
Ibidem, pp. 41-42, doc. 26.
52
Marques e Soalheiro, A Corte dos primeiros reis de Portugal, Afonso Henriques, Sancho I, Afonso II, cit.,
p. 245.
53
Ibidem, p. 245.
54
O documento não menciona que se trata do irmão do rei, no entanto tudo aponta para que seja verosímil,
trata-se do mesmo. Ibidem, p. 245. Azevedo, Costa e Rodrigues, Documentos de Sancho I (1174-1211),
cit., pp. 113-116, doc. 74.
55
Azevedo, Costa e Rodrigues, Documentos de Sancho I (1174-1211), cit., pp. 47-48, doc. 30.
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Não se deve confundir, efectivamente, esta figura histórica com a de um seu homó-
nimo, ao qual já antes pouco nos referimos de passagem, documentado, como sublinha
José Mattoso, na sua recente biografia sobre D. Afonso Henriques, que se teria ligado
à fundação do Mosteiro de Alcobaça59.
A tradição historiográfica alcobacense, mormente Fr. António Brandão, para além de
outros autores, aceitam que este benfeitor se recolheu ao Mosteiro de Alcobaça e nele
veio a falecer. A memória relativa à sua sepultura no Mosteiro de Alcobaça, datada de
1678, levanta certas dificuldades de interpretação com a documentação que atualmente
se conhece60. Face a estes considerandos, temos dois indivíduos com o mesmo nome:
aquele que corresponderia à data da inscrição da sua sepultura, 1175, que se encontra
56
Ibidem, pp. 297-301, doc. 194.
57
Azevedo, Costa e Rodrigues, Documentos de Sancho I (1174-1211), cit., p. 310, doc. 203.
58
Marques e Soalheiro, A Corte dos primeiros reis de Portugal, Afonso Henriques, Sancho I, Afonso II, cit.,
p. 245; Azevedo, «Os reguengos da Estremadura na 1.ª Dinastia», cit., pp. 581, doc.1. Azevedo, Costa e
Rodrigues, Documentos de Sancho I (1174-1211), cit., pp. 205-206, doc. 134.
59
Mattoso, D. Afonso Henriques, cit., pp. 234-235. Houve na verdade, um mestre da Ordem de Avis, com
o mesmo nome, no entanto, tal ocorreu em 1268-1269.
60
Ibidem, pp. 234-235.
62
INDÍCIOS DE CISTER EM TERRAS DE MONSALUDE (FIGUEIRÓ DOS VINHOS) – SÉCULOS XII-XIII
hoje perdida, e cujos ossos foram trasladados em 1293, segundo inscrição de 1678, e o
D. Pedro Afonso, alferes-mor, senhor de Monsalude, que teria falecido após 121061.
Como observa José Mattoso, “(…) a trasladação dos ossos de Pedro Afonso em
Alcobaça em 1293 pode estar relacionada com a formação da narrativa da Crónica
Breve, dada a sua proximidade cronológica, pois esta data do princípio do século
XIV”62.
José Soares da Silva escreve, em 1772, que: “Fr. Pedro Affonso, como o nomeão os
nossos Escritores, ou só Fr. Affonso, como o trazem os Estrangeiros, que foy undecimo
Mestre, e filho natural delRey D. Affonso Henriques, como até confessa o Abbade
Justiniano, ainda que erradamente Bofio, e Marullo o fazem filho delRey D. Affonso
III. o que era impossivel, pois este nasceo tres annos depois da sua morte, no de 1210.
nem tambem foy filho, como outros querem, do Conde D. Henrique, porque estaõ naõ
se intitulara Petrus prole Regis, como elle se assignava, e refere o Archebispo D.
Rodrigo da Cunha”63.
Afirma ainda José Soares da Silva, que: “Fez este Grão Mestre algumas Leys justas,
mas como eraõ severas, forão logo desobedecidas; e querendo elle antes perder o lugar,
que arriscar o respeito, cedeo, e renunciou o Mestrado no anno de 1196. em que voltou
para Portugal, e morreo em Santarem no de 1207. como consta da sua sepultura,
que está na Igreja de S. Joaõ de Aporaõ da dita Villa, Commenda da mesma Ordem,
à parte essquerda da Capella môr, aonde se lê bo seguinte Epitafio, que transcreve
Bofio: In AEra de 1245. Kalendis Martii obiit Frater Alphonsus Magister Hospitalis
Jerusalem”64.
Todas estas afirmações dadas por José Soares da Silva são no entanto contraditas
por Jozé Anastasio de Figueiredo, afirmando este que se trata não de D. Pedro Afonso,
mas sim de “D. Affonso de Portugal”.
Segundo este erudito, na verdade: “Não ha dúvida alguma que ao Mestre Godefredo
de Duiffon, que já dice (em o §78.) morreo no anno de 1194, se seguio no mesmo
presente Reinado o XI. Grão-Mestre da Ordem do Hospital de Jerusalém, he verdade,
que mais sesguramente chamado D. Affonso de Portugal: sem que se deva confundir
com D. Pedro Affonso, como querem alguns dos nossos Authores, e julgou mais provavel
ainda nos tempos modernos Jozé Soares da Silva no Tom. II. das Memorias d’ElRei
D. João I. n. 715. p.619”65.
61
Ibidem, pp. 234-235.
62
Ibidem, pp. 234-235.
63
Sylva, Joseph Soares, Memorias para a Historia de Portugal, que comprehendem o Governo delRey
D. Joaão o I, Lisboa Occidental, 1772, livro II. Cap. CXVII, p. 619.
64
Ibidem, pp. 619-620.
65
Figueiredo, Jozé Anastasio, Nova Historia da Militar Ordem de Malta e dos Senhores Grão-Priores della
em Portugal…, Lisboa, 1800, Parte I, p. 167.
63
Miguel Portela
66
Ibidem, pp. 168-169.
67
S. Luiz, D. Francisco de (Cardeal Saraiva), Obras Completas, publicadas por Antonio Correia Caldeira,
t. III, Lisboa, Imprensa Nacional, 1874, p. 27.
68
Ibidem, p. 28.
69
Ibidem, pp. 27-28.
70
Mariz, Pedro, Dialogos, Dialogo II, 1749, cap. 3; S. Luiz, D. Francisco de (Cardeal Saraiva), Obras
Completas, cit., t. III, cit., p. 28.
71
Mattoso, D. Afonso Henriques, cit., pp. 234-235.
64
INDÍCIOS DE CISTER EM TERRAS DE MONSALUDE (FIGUEIRÓ DOS VINHOS) – SÉCULOS XII-XIII
Em conclusão
72
Azevedo, Costa e Rodrigues, Documentos de Sancho I (1174-1211), cit., p. 310, doc. 203.
73
Franklin, Francisco Nunes, Memória para servir de índice dos forais das terras do reino de Portugal e
seus domínios, Tipografia da Academia Real das Ciências, 2.ª ed., Lisboa, 1825, relação I, p. 145 e 111.
Não se acha a confirmação do foral de Arega, segundo o mesmo autor.
65