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SEPARATA

Mosteiros
Cistercienses
História, Arte, Espiritualidade e Património

TOMO III

DIRECÇÃO
José Albuquerque Carreiras

Actas do Congresso realizado em Alcobaça,


nos dias 14 a 17 de Junho de 2012

ALCOBAÇA
2013
INDÍCIOS DE CISTER EM TERRAS DE MONSALUDE
(FIGUEIRÓ DOS VINHOS) – SÉCULOS XII-XIII
Miguel Portela*

Introdução

Nesta comunicação pretendemos clarificar o facto de o Mosteiro de Alcobaça ter


possuído, em inícios do século XIII, propriedades no antigo Reguengo de Monsalude
(hoje coincidente com a região envolvente de Figueiró dos Vinhos).
Desconhecemos o modo como o Mosteiro obteve “quantum erat de regalengo”1 na
região em causa. O chamado Reguengo de Monsalude localizou-se em parte da antiga
“herdade do Pedrógão” (referida já em documento de 1135), hoje coincidente com as
terras de Pedrógão, Figueiró, Arega, Alvaiázere e, ainda, Ferreira do Zêzere. Foi este
D. Pedro Afonso, alferes-mor do Reino, que concedeu forais a Arega (1201), Figueiró
(1204) e Pedrógão (1206) e terá sido responsabilidade sua, enquanto senhor da região,
cremos, a transmissão do usufruto desse reguengo aos monges de Alcobaça.
Sabe-se que D. Pedro Afonso doou outras terras, em 1206, próximas de Dornes e
Tomar, ao Mosteiro de Alcobaça, afirmando-se, pois, como um dos benfeitores dos
monges cistercienses. Propomo-nos, nesta comunicação, carrear elementos documentais
dispersos que ajudarão a conhecer, de modo mais informado, uma página da história
de um território medieval ainda pouco estudado e da figura histórica de um dos seus
senhores e benfeitores dos cistercienses no Portugal medievo.
Numa inquirição real de cerca de 1220, aludindo-se a terras da região de Coimbra,
nomeadamente Miranda [do Corvo], Penela, Ladeia, Pedrógão [Grande], Arega, Figueiró
[dos Vinhos], Ansião e Abiul, lemos o seguinte trecho referente a uma propriedade do
Mosteiro de Alcobaça, que fora reguenga, nos termos que passamos a citar:

*
Investigador da História da região do Norte do Distrito de Leiria.
1
Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Inquirições de D. Afonso II, livro 2, fls. 118v-124; Baião,
António, A Vila e Concelho de Ferreira do Zêzere, Apontamento para a sua História Documentada,
Imprensa Nacional de Lisboa, 1918, Apêndice documental, p. 69, doc. XXXIV.

Mosteiros Cistercienses, Vários Autores, José Albuquerque Carreiras (dir.), Alcobaça, 2013, Tomo III, pp. 47-65.

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“Et Petrus Faber et Petrus Alvo acceperunt totum Ordaes que erat regalenga. De
Caiis usque ad Pedras Alvas fratres Alcobacie acceperunt quantum erat de regalengo
et vadit terminus per aquam de Ozezar supra. Et fratres de Sartagine acceperunt
uarzenam de Pelagius Petro que erat regalenga”2.
Os topónimos aqui enunciados corresponderão, na actualidade, a Vale de Orjães,
nas proximidades de Dornes, concelho de Ferreira do Zêzere, a Porto de Cais (Caiis),
localizável junto a Dornes, a Penas Alvas [Petras Alvas], nas imediações de Águas
Belas [Ferreira do Zêzere] e ao rio Zêzere (“aquam de Ozezar”).
O topónimo “Caiis” corresponderá ao “portum de Caiis” enunciado na carta de
doação, pelo rei D. Sancho I, a seu irmão, D. Pedro Afonso, datada de Junho de 1200,
de um seu reguengo “quod uocatur de Monsalude”.
O território abrangido por esta doação corresponde em grande parte ao que foi
a “hereditate (…) quam uocitant Petragonum”, que D. Afonso Henriques doou, em
1135, a “Uzbert”, a Monio Martins e a Fernando Martins para que a povoassem3. Esta
“hereditas” de Pedrógão tinha limites, em parte, coincidentes com os referidos na
inquirição de cerca de 1220 e na carta régia de doação a D. Pedro Afonso, de 12004.

A Herdade de Pedrógão

O primeiro documento referente à região que nos ocupa, abrangendo os limites atrás
referidos, é um diploma régio, datado de 17 de Maio de 1135, em que Afonso Henriques,
“portugalensium princeps”, faz doação de uma herdade, de nome “Petrogonum”, ou
seja, Pedrógão [Grande], no “territorio Colinbriensi”. Esta doação foi feita a “Uzbert
et Monioni Martiniz et Fernando Martiniz pro seruicio quod michi fecistis et facietis.”,
ou seja, a “Uzbert”, a Monio Martins e a Fernando Martins, em recompensa pelos
serviços prestados e a prestar.
Os seus limites são bem definidos no diploma:
“Habet enim terminos per montem qui uocatur Signum Salomon et inde per cimalias
de Aluares ac deinde per cimalias de Sonieir et inde per cimalias Ameoso ac deinceps
per cimalias de Squalos et inde per cimalias de Salzeda et cimalias de Nadaui ac
deinde ad monasterium de Algia quomodo concludit Algia cum Unzezar et inde unde
prius incoauimus”5.

2
ANTT, Inquirições de D. Afonso II, livro 2, fls. 118v-124; Baião, A Vila e Concelho de Ferreira do Zêzere,
Apontamento para a sua História Documentada, cit., Apêndice documental, p. 69, doc. XXXIV.
3
Azevedo, Rui, Documentos Medievais Portugueses – Documentos Régios, Lisboa, 1958, vol. I, t. I, p. 169,
doc. 146.
4
Azevedo, Pedro, «Os reguengos da Estremadura na 1.ª Dinastia», em Revista da Universidade de Coimbra,
XI, p. 581, doc. 1; Azevedo, Rui, Costa, P. Avelino de Jesus e Rodrigues, Marcelino Pereira, Documentos
de Sancho I (1174-1211), Universidade de Coimbra, 1979, vol. 1, pp. 205-206, doc. 134.
5
Azevedo, Documentos Medievais Portugueses – Documentos Régios, cit., p. 169, doc. 146.

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INDÍCIOS DE CISTER EM TERRAS DE MONSALUDE (FIGUEIRÓ DOS VINHOS) – SÉCULOS XII-XIII

Ou seja, pelo monte chamado Sinal de Salomão [Imediações de Pedrógão Pequeno]


e daí pela cumeeira de Alvares [Concelho de Góis] e daí pelas cumeeiras de Soneis e daí
pelos cumes de Amioso [Concelho de Góis], e pelas cimalhas dos Escalos [Concelho de
Pedrógão Grande], e daí por cimalha de Sarzedas [Concelho de Castanheira de Pera],
e pela cumeeira de Nadavis [Ana de Avis, concelho de Figueiró dos Vinhos], e daí ao
mosteiro de Alge assim pelo sítio onde o Alge entronca no Zêzere e daí até onde se
começou (Fig. 1). A identificação dos topónimos a que procedemos assenta na leitura
geográfica lógica do espaço e na verificação da continuidade, até aos dias atuais, da
maioria dos topónimos referidos.

Fig. 1. Mapa da Herdade do Pedrógão e do Reguengo de Monsalude.


(Mapa elaborado a partir da Carta Militar Itinerária de Portugal Continental,
Instituto Geográfico do Exército, 1:500 000)

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Orlando Ribeiro aludindo, a este território, afirma: “A riqueza fundiária, que no


Noroeste era constituída por múltiplas parcelas cultivadas, compõe-se aqui de enormes
extensões contínuas, embora desaproveitadas: a herdade do Pedrógão, doada por D.
Afonso Henriques a três nobres em recompensa de serviços, ia da Serra da Lousã até
ao Zêzere, por cabeços de xisto pela maior parte incultos e desaproveitados”6. Segundo
Rui de Azevedo, na História da Expansão Portuguesa no Mundo, esta herdade era
uma extensa propriedade de terreno, que ia desde a serra da Lousã para o Zêzere, da
Pampilhosa da Serra à ribeira do Alge, o que não pode corresponder inteiramente à
verdade uma vez que esta herdade não abrangia o concelho da Pampilhosa da Serra
mas sim o de Góis7.
Já em 1128, D. Teresa dava a um certo “Uzbert”, que podermos admitir, como
hipótese, ser o mesmo que nos surge mencionado na carta de 1135 relativa ao Pedrógão,
o couto de Figueira, no concelho de Anadia, ao qual D. Afonso Henriques, por seu
turno, doará, em 1135, grande parte da serra da Lousã8.
No ano de 1155, encontramos um filho de “Uzbert”, de nome Pedro Uzbertiz ou
Uzberte a efetuar compra de duas herdades em Beligato e em Linhares, junto a Arganil9.
E em 1175, a vila de Arganil estava na posse do dito Pedro Uzbertiz, que lhe concede
carta de foro nesse ano10. Data de Junho de 1177, uma carta de venda feita por este
aos “fratribus de Monasterio Sancti Petri” da terça parte de “toto Silvares”, junto a
Arganil11.
Juntamente com “Uzbert”, outros são os cavaleiros estrangeiros que se fixaram nesta
vasta região, caso de Anaia Vestrariz, de Dom Anião da Estrada, ligado aos castelos de

6
Ribeiro, Orlando, Formação de Portugal, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Lisboa, 1987, p 36.
7
Azevedo, Rui, «Período de formação territorial: expansão pela conquista e sua consolidação pelo
povoamento. As terras doadas. Agentes colonizadores», História da Expansão Portuguesa no Mundo,
(Direção de Baião, António, Cidade, Hernâni e Múrias, Manuel), Editorial Ática/Lisboa, 1937, vol. I, p. 37.
8
Veja-se Mattoso, José, «A Região de Arganil: de fronteira a terra senhorial», A Nobreza medieval
portuguesa. A família e o poder, Estampa, Lisboa, 1981, p. 313-327; Ventura, Leontina e Faria,
Ana Santiago, Livro Santo de Santa Cruz de Coimbra. Cartulário do Século XII, INIC e Centro de
História da Sociedade e da Cultura da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1990, pp. 57-58; Gomes,
Saul António, «Um Mosteiro de Cónegos Regrantes em Tempos Medievais», Revista Portuguesa de
História, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Instituto de História Económica e Social,
Coimbra 2008/2009, t. XL, p. 290; Azevedo, Rui, Documentos Medievais Portugueses, Documentos
Particulares, Lisboa, vol. I, p. 51; Azevedo, Documentos Medievais Portugueses, Documentos Régios,
cit., p. 39; Barros, Patrícia Cláudia Nascimento de Sousa, Uma visão de Arganil através dos seus forais,
Câmara Municipal de Arganil, Arganil, 1998, p. 21.
9
Gomes, «Um Mosteiro de Cónegos Regrantes em Tempos Medievais», cit., pp. 290-291 e pp. 317-318.
10
Portugaliae Monumenta Histórica, Leges et Consuetudines (P.M.H. – L.C.), Lisboa, 1856, p. 403.
Barros, Uma visão de Arganil através dos seus forais, cit., pp. 20-22 e 62-63, doc. n.º 4.
11
Gomes, «Um Mosteiro de Cónegos Regrantes em Tempos Medievais», cit., p. 291.

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INDÍCIOS DE CISTER EM TERRAS DE MONSALUDE (FIGUEIRÓ DOS VINHOS) – SÉCULOS XII-XIII

Góis e do Bordeiro ou ainda de Randufo Soleimás, senhor de terras em Outeiro Seco


e Pombeiro da Beira12.
Como escreveu Saul António Gomes: “esta importante família nobilitada detinha
interesses nas zonas de Anadia, Coimbra, Miranda do Corvo e Pedrógão Grande, para
além de Arganil”13. Também José Mattoso concluiu: “Não deixa de ser curioso verificar
que as famílias dos primeiros senhores que encontramos na região, os aventureiros de
origem estrangeira, tenham assim desaparecido, e os seus descendentes sido suplantados
por Cunhas e Melos, oriundos do Entre Douro e Minho”14.

O Reguengo de Monsalude

Permanece todavia obscuro o facto de a herdade do Pedrógão que tinha sido doada,
em 1135, a “Uzbert et Monioni Martiniz et Fernando Martiniz”, aparecer em 1200,
como propriedade do rei, com a designação de Reguengo de Monsalude.
Nas palavras, uma vez mais, de Orlando Ribeiro: “As invasões de almorávidas
e almóadas, gente fanática, intolerante e grosseira, vinda dos confins de Marrocos,
pesaram duramente na maneira de viver dos cristãos, a quem não respeitavam nem a
fé nem os usos. Assolados pela guerra, com os campos à roda talados pelos exércitos,
muitos lugares devem ter vivido, pelo espaço de algumas gerações, na insegurança
das pessoas e dos bens: arruinadas as povoações, foragida a escassa população rural,
constituíram-se vastos ermos sem cultura e sem dono”15. Cremos que, no que ao antigo
termo de Monsalude respeita, não será de excluir a possibilidade de não ter sido possível
aos seus senhores defender tão vasto território das várias investidas muçulmanas, pelo
que o rei as terá recuperado para si após a reconquista.
Em Dezembro de 1187, Pedro Alvarinho e sua mulher, Eugénia Martins, venderam
ao Mosteiro de S. Pedro de Arganil, a herdade da Murta, no território de Coimbra,
pelo preço de 11 morabitinos. Tinha essa herdade os seguintes limites: “Quomodo
dividit in oriente per illam comeneiram de Monsalude. In occidente cum hereditate
de Gundisalvo Monaco. Contra aquilone cum hereditate Sancti Petri. In africo cum
Martino Cedoniz et com Petro Filio”16.
Surge, aqui, a primeira referência a Monsalude, antes da designação de Reguengo,
permitindo localizar essa cumeeira junto à ribeira do Brás, na freguesia de Arega.
Segundo alguns autores, o nome deste Reguengo adveio-lhe do castelo de Monsalude

12
A descendência destes cavaleiros nesta região pode ser consultada em Mattoso, «A Região de Arganil: de
fronteira a terra senhorial», cit., p. 325.
13
Gomes, «Um Mosteiro de Cónegos Regrantes em Tempos Medievais», cit., p. 290.
14
Mattoso, José, «A Região de Arganil: de fronteira a terra senhorial», cit., p. 325.
15
Ribeiro, Formação de Portugal, cit., p. 36.
16
Gomes, «Um Mosteiro de Cónegos Regrantes em Tempos Medievais», cit., pp. 319-320, doc. 6.

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que se situava na Serra de S. Paulo, entre Arega e Dornes, documentado já na época


do domínio muçulmano17.
Não é de excluir a possibilidade, de facto, do castelo de Monsalude ter-se localizado
na Serra do Castelo, freguesia da Arega, concelho de Figueiró dos Vinhos, mesmo junto
à Serra de S. Paulo, onde se comprova a existência de um antigo castro. Em finais dos
anos setenta do século XX, o cume da serra ainda apresentava uma linha defensiva de
muralha delimitada em todo o perímetro, cujo interior deixava ver estruturas habitacionais
rectangulares, com uma via central de acesso do lado menos íngreme da serra.
Em Junho de 1200, D. Sancho I, estando em Guimarães, passou carta de doação
do Reguengo de Monsalude, com seu castelo, a D. Pedro Afonso18, ou seja, “domno
Petro Alfonsi de illo nostro regalengo quod uocatur Monsalude”19. Os limites deste
Reguengo estão fixados da seguinte forma: “Damus uobis hoc regalengum per istos
terminos, scilicet, per portum de Caiis et exinde quomodo diuidit cum Tomar et inde
ad aquas transuerssas de suso et inde aquas uertentes ad Vzezar et exinde ad focem
de Domna de Auis et deinde aa de Ferragudo et inde ad cimam de aquam de Noder et
inde quomodo uertitur aqua de Meenga ad Vzezar”20.
Ou seja, e traduzindo, damos-vos este reguengo por estes limites, a saber, pelo Porto
de Cais [Dornes, Ferreira do Zêzere] e daí como vai partindo com Tomar [limite da
doação constante no castelo de Ceras] e daí, águas vertentes para águas transversas de
cima, e daí por águas vertentes até o Zêzere e daí à foz de Dona de Avis [Foz do Alge]
e daí à de Ferragudo [Serra de S. Neutel] e daí por cima da água de Nodel e daí como
vai verter na água de Mega para o Zêzere [Concelho de Góis] (Fig. 1).
Comparativamente à antiga herdade do Pedrógão, Monsalude via, agora as suas
dimensões territoriais mais reduzidas, embora acrescidas para S.O., aquém da ribeira
de Alge21 (Fig. 2).

17
Azevedo, «Período de formação territorial: expansão pela conquista e sua consolidação pelo povoamento.
As terras doadas. Agentes colonizadores», cit., p. 37; Baião, A Vila e Concelho de Ferreira do Zêzere,
Apontamento para a sua História Documentada, cit., p. 8; Conde, Manuel Sílvio Alves, «Ocupação
humana e polarização de um espaço rural do Gharb al-Andalus: o Médio Tejo à luz da toponímia
árabica», Arquipélago. História, 2.ª série, II, 1997, pp. 368-369; Moreno, Eduardo Manzano, La
frontera de al-Andalus en epoca de los Omeyas, Madrid, 1991, pp. 194-195; Velho, Martim, «Ibn
Marwān (Ibn al-Djilliki) e Sa’dūn Surunbāquin: a localização de Monsalude», Proceedings of the Ninth
Congress of the Union Européenne des Arabisants et Islamisants, 1981, pp. 270-287; Molina, Luis,
«Vencedor y vencido: Hāšim b. ‘Abd al-‘Azīz frente a Ibn Marwān al-Ŷillīqī », Fierro, Maribel e
Garcia Fitz, Francisco (eds), El Cuerpo Derrotado: Cómo trataban Musulmanes y Cristianos a los
enemigos vencidos (Península Ibérica, ss. VIII-XIII), Estudos Árabes e Islâmicos, Monografias, Consejo
Superior de Investigaciones Científicas, Madrid, 2008, pp. 507-528
18
Azevedo, «Período de formação territorial: expansão pela conquista e sua consolidação pelo povoamento.
As terras doadas. Agentes colonizadores», cit., p. 37.
19
Azevedo, Costa e Rodrigues, Documentos de Sancho I (1174-1211), cit., pp. 205-206, doc.134.
20
Azevedo, «Os reguengos da Estremadura na 1.ª Dinastia», cit., p. 581, doc.1; Azevedo, Costa e Rodrigues,
Documentos de Sancho I (1174-1211), cit., p. 205-206, doc. 134.
21
Azevedo, «Período de formação territorial: expansão pela conquista e sua consolidação pelo povoamento.
As terras doadas. Agentes colonizadores», cit., 1937, p. 37.

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INDÍCIOS DE CISTER EM TERRAS DE MONSALUDE (FIGUEIRÓ DOS VINHOS) – SÉCULOS XII-XIII

Entre Junho e Agosto do ano de 1200, D. Sancho I mandou informar os povoadores


de Monsalude de que dera essa terra a D. Pedro Afonso e de que mandaria proceder à
sua divisão entre eles, quando regressasse a Coimbra22.
De sublinhar que passados mais de trezentos anos sobre a doação do Reguengo de
Monsalude a D. Pedro Afonso, aparecerá no foral manuelino da vila de Dornes, datado
de 10 de Novembro de 1513, uma alusão a Monsalude, cujo conteúdo é o seguinte:
“(…) por quanto ho nome de monsalud he soõmente nome de um casal com souto e
terra que traz pero fernãndez aforado em ujdas como cousa propria da ordem e esse
soo casal se há de julgar por ho dito nome de monsalud e nã as outras cousas que o
comendador demandava.”23.

Fig. 2. Foz do Alge. Figueiró dos Vinhos.

Os novos concelhos em Monsalude: Arega, Figueiró e Pedrógão

D. Pedro Afonso, senhor do grande Reguengo de Monsalude, coincidente, como


temos visto, com a antiga “hereditate” do Pedrógão, (re)organizou o povoamento de

22
Azevedo, Costa e Rodrigues, Documentos de Sancho I (1174-1211), cit., p. 207, doc. 136.
23
Baião, A Vila e Concelho de Ferreira do Zêzere, Apontamento para a sua História Documentada, cit.,
p. 48, Apêndice documental, pp. 24-26, doc. XII.

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Miguel Portela

todo este espaço, nomeadamente, ao incentivar a fundação e estabelecimento de novas


povoações concelhias às quais outorgou cartas de foral, como seja, Arega (1201), Figueiró
(1204) e Pedrógão (1206). Reservou para si um outro território, designado, no foral de
Figueiró, de 1204, como “hereditate de contra Pedrogano quomodo uenit platea de
monasterio de Agia et unit aas Cabezas de Nadauis. Et quomodo uadit Caril intro in
Almegue de Guterri”24, hoje coincidente com Vilas de Pedro [freguesia de Campelo,
concelho de Figueiró dos Vinhos].
D. Pedro Afonso era também senhor, neste território, da herdade da Brivida (talvez
Briuda, topónimo ainda existente na freguesia do Avelar).

Arega

D. Pedro Afonso concedeu primeiramente carta de foral à população de Arega, em Maio


de 1201, terra essa que lhe tinha sido dada por seu irmão o rei D. Sancho I: “de ista mea
terra quam dedit mihi rex domnus S. meus frater”25. Dentro dos seus limites, segundo a carta
de foral, os respectivos habitantes tinham de pagar de foro a D. Pedro Afonso: “octauam
partem de panem et de uinum et…”, ou seja, a oitava parte do pão e vinho26 (Fig. 3).
Os seus limites são os que se seguem: “Isti sunt termini de ista uilla. In primis
quomodo partitur per capud de beras. Et per uiam puplicam istam quomodo partitur
aquas uertentes usque ad caput de Arega (?) per uiam istam per cumenaria ad aquam
de mazanas, et uadit ad aquam de algia: et de ista aqua uadit ad uzezar ad portum
pelagii perro, et uadit ad esmoludorio de maderia, et reueritur per uiam puplicam ad
capud de beras”27. Começa esta “villa” nos cumes de “beras” [Casalinho de Santana],
indo pela estrada pública, como parte com “aquas uertentes” [Ribeira do Brás], até
à serra da Arega. Daí seguia até à “aquam de mazanas” [Ribeira de Maçãs, perto da
Ribeira da Várzea] e, depois, até à ribeira de Alge. Seguia pelo Zêzere em direção
ao porto de Pelágio Perro, até chegar à estrada pública e novamente, onde fechava a
delimitação, o Casalinho de Santana.

Figueiró dos Vinhos

Em Maio do ano de 1204, D. Pedro Afonso concedeu carta de foral à população


de Figueiró [dos Vinhos]: “Donnus petrus alfonsi populo de figeiroo”28. Segundo os

24
P.M.H. – L.C., cit., pp. 528-530.
25
P.M.H. – L.C., cit., pp. 517-518.
26
Ibidem, pp. 517-518.
27
Ibidem, pp. 517-518.
28
Ibidem, pp. 528-530.

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INDÍCIOS DE CISTER EM TERRAS DE MONSALUDE (FIGUEIRÓ DOS VINHOS) – SÉCULOS XII-XIII

Fig. 3. Sinais de validação de D. Pedro Afonso no Foral de Arega de 1201.


(Documento cedido pelo ANTT, Feitos da Coroa, Núcleo Antigo, 342).

limites definidos na carta de foral, os seus habitantes tinham de pagar de foro ao seu
senhor: “VIIIam partem de pane, et de uino, et de lino”, ou seja a oitava parte do pão,
vinho e linho. No entanto, na “hereditate de contra pedrogano quomodo uenit platea
de monasterio de agia et uenit aas cabezas de Nadauis. Et quomodo uadit caril intra
in almaegue de guterri.” apenas se pagaria “Vam partem de pane, et de uino, et de lino”,
ou seja a quinta parte do pão, vinho e linho29.
Os limites de Figueiró são assinalados da seguinte forma: “In primo de mazanas, et
inde aas cabezas de ferro accuto, et exinde aas cimalias de nadauis, et exinde quomodo
uenit per ipsam comeeiram inter baucaa et bauceela, et quomodo uadit ipsam comeeiram
interat in ozezar, et quomodo uadit ozezar intro in algia, et quomodo uadit algia de
mazanis.” Ou seja, em tradução e interpretando os topónimos e hidrónimos referidos,
esses limites começavam, primeiramente, em Maçãs [Maças de Dona Maria, concelho de
Alvaiázere], indo daí a Cabeças de Ferro Agudo [Serra de S. Neutel], e daí às cimalhas
de Nadavis [Ana de Avis, concelho de Figueiró dos Vinhos], e daí assim como vai por
essa cumeeira entre Bauça e Baucela [Bouçã], e desse modo vai por essa cumeeira e
entra no Ozezar [Rio Zêzere], e por esse modo vai onde o Ozezar [Rio Zêzere] entra
no Alge [Foz do Alge] e por esse modo vai ao Alge de Maçãs.
No foral manuelino outorgado por D. Manuel, aos 16 de Abril de 1514, à vila Figueiró
dos Vinhos, continua-se a afirmar que os figueiroenses da: “dicta villa e terra” deviam

29
Ibidem, pp. 528-530.

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Miguel Portela

pagar “a foro doitavo de pam vinho linho e da terra outra comtra pedrogam pollas
comfromtaçõoes no dicto foral decraradas e a todos manifestas se mandou pagar
o quinto do dicto pam vinho e linho”30. Assim a vila e terra ainda pagavam naquele
momento, de foro o oitavo de pão, vinho e linho, enquanto a herdade denominada de
“contra Pedrógão” pagava o quinto do dito pão, vinho e linho.
Esta herdade continua a ter os mesmos limites constantes no foral dado em 1204, por
D. Pedro Afonso, sendo agora declarada de: “comtra pedrogam como veem aa platea
do mosteiro dalgia e como vay o carril emtrar em almege de guterry A quall terra
emtestar na villa pera abaixo da ygleia”31. Esta situava-se entre Figueiró e Pedrógão,
iniciando-se na praça do mosteiro do Alge [Campelo], como vai ao Carril entrando no
Almegue de Guterres, até à vila por baixo da Igreja.

Pedrógão Grande

Em Fevereiro de 1206, D. Pedro Afonso outorgou carta de foral à população de


Pedrógão [Grande]: “in uilla que dicitur petrogonum”32. Dentro dos seus limites, os
seus habitantes tinham de pagar de foro ao senhorio: “Et de lino unum manipulum.
De uino autem nonam partem”. Os limites de Pedrógão são declarados da seguinte
forma: “In oriente foz de uniaes et inde per meega usque dum nascitur. In occidente per
capita de nadauis et inde per directum ad capud de bouzaa et inde per carril quomodo
uertir aquam ad almaegue de goteri. In aquilone per uiam que ducitur ad sanctaren.
In africo per ozezar”33.
Assim, o novo concelho tem o seu território demarcado da seguinte forma: no
Oriente, a foz da ribeira de Unhais, indo por Mega até à sua nascente. No Ocidente,
pela cabeça de Nadavis e daí direito à cabeça de Bouçã e daí pelo Carril assim como
vertem as águas para Almegue de Guterres. No Aguião, pela via que conduz a Santarém.
A Sul, pelo Zêzere (Fig. 4).

30
Dias, Luiz Fernando de Carvalho, Forais Manuelinos do Reino de Portugal e do Algarve, Conforme o
exemplar do Arquivo Nacional da Torre do Tombo de Lisboa, Estremadura, Edição do Autor, 1972,
pp. 210-213.
31
Dias, Luiz Fernando de Carvalho, Forais Manuelinos do Reino de Portugal e do Algarve, Conforme o
exemplar do Arquivo Nacional da Torre do Tombo de Lisboa, cit., pp. 210-213. A tradução mais adequada
será “plateia”, no sentido de planalto, terra plana e não “praça” como escreveu o referido autor.
32
P.M.H. – L.C., cit., pp. 531-532.
33
Ibidem, pp. 531-532.

56
INDÍCIOS DE CISTER EM TERRAS DE MONSALUDE (FIGUEIRÓ DOS VINHOS) – SÉCULOS XII-XIII

Fig. 4. Pedrógão Grande. Vista geral.

D. Pedro Afonso, benfeitor do Mosteiro de Alcobaça

Nas inquirições de D. Afonso II, datáveis de cerca de 1220, já antes citada, podemos
ler: “De Caiis usque ad Pedras Alvas fratres Alcobacie acceperunt quantum erat de
regalengo, et vadit terminus per aquam de Ozezar supra”34.
Efectivamente, no ano de 1206, D. Pedro Afonso, filho do rei, doou a D. Fernando,
Abade de Alcobaça, uma herdade que tinha “in termino de Tomar”. Dividia esta herdade,
citamos: “Ex una parte cum Dornas per illum Carril de Petras Algas ad focem de
Tamolia et ex alia parte diuidit cum Tomar et cum Petro Albo per vetur Carril et alia
parte diuidit cum Balistariis per cuminariam que uadit inter aquam de Monio Domato
et de Petro Ramiriz et intrat ipsa cuminaria in aquam de Petro Ramiriz quodomo intrat
ipsa aqua in riuo de Uzezar et ex alia parte diuidit per uenam de Uzezar”35.
Ou seja, e traduzindo, de uma parte com Dornes por aquele Carril de Pedras Algas
[Penas Alvas, Dornes] até à foz do Tamolia e, outra parte, divide com [termo de] Tomar
e com Pedro Albo pelo Carril Velho e por outra parte divide com Besteiros [Besteira]
e pela cumeeira que vai entre a água [ribeiro] de Monio Domato e de Pedro Ramires

34
Baião, A Vila e Concelho de Ferreira do Zêzere, Apontamento para a sua História Documentada, cit.,
Apêndice documental, p. 69, doc. XXXIV.
35
Aquela nossa herdade que temos em Porto de Cais, a qual o senhor rei Sancho com a sua mulher, rainha D.
Dulce, e seus filhos, nos deram, em herança, pelo bom serviço que lhes fizemos e faremos perpetuamente.
Esta herdade divide pelo Porto Velho de Cais, daí por Arraface e daí às Bairradas do Cais [Bairrada]
águas vertentes para o Zêzere, daí para a “Leziram de Taaliis” e daí até ao rio Zêzere. Pimenta, Alfredo,
Idade Média (Problemas e Soluçoens), Edições Ultramar, Lisboa, 1946, pp. 187-189.

57
Miguel Portela

e entra essa cumeeira na água [ribeiro] de Pedro Ramires assim como entra essa água
[ribeira] no rio Zêzere e de outra parte divide pela veia [rio] do Zêzere.
Esta herdade corresponde, cremos, àquela que a citada inquirição de cerca de 1220
refere como sendo do Mosteiro de Alcobaça. Situava-se, como vimos, na área meridional
do atual concelho de Ferreira do Zêzere.
Para um melhor entendimento da informação geográfica pressuposta nas cartas
anteriormente citadas, deveremos ter presente, ainda, a doação feita por Pedro Faber
[fundador de Ferreira do Zêzere] à Ordem do Templo, em março de 1220, da qual
citamos o seguinte excerto: “Ipsam nostram hereditate quam habuimus in Portu de Caijs
quam Rex dominus Sanccius cum uxore sua Regina domina Dulcia et cum omnibus filiis
eorum nobis in hareditatorio dederunt pro bono servicio quod eis fecimus et faceremus
in perpetuum. Ista hereditas dividit per Portum Veterum de Caiis deinde per Arracefe
et ex inde ad Barriadas de Caiis aquis vertentibus ad Ozezar deinde ad Liziram de
Taaliis et inde ad venam de fluvio Ozezaris.”36 (Figs. 5 e 6).

Figs. 5. e 6. O Porto de “Caiis” – Dornes – Ferreira do Zêzere

De toda esta informação, deveremos reter que a herdade doada, em 1206, ao


Mosteiro de Alcobaça, por D. Pedro Afonso, integrando parte do antigo Reguengo
de Monsalude, tinha o seu epicentro em Dornes. Todavia, pouco depois de 1220 e,
seguramente, antes de 1225, segundo António Baião, Dornes era já comenda da Ordem
do Templo37 (Fig.7).

36
Baião, A Vila e Concelho de Ferreira do Zêzere, Apontamento para a sua História Documentada, cit.,
Apêndice documental, pp. 4-5, doc. II.
37
Azevedo, «Período de formação territorial: expansão pela conquista e sua consolidação pelo povoamento.
As terras doadas. Agentes colonizadores», cit., p. 41.

58
INDÍCIOS DE CISTER EM TERRAS DE MONSALUDE (FIGUEIRÓ DOS VINHOS) – SÉCULOS XII-XIII

Fig. 7. Ocupação do território em torno de Monsalude, cerca de 1220.


(Mapa elaborado a partir da Carta Militar Itinerária de Portugal Continental,
Instituto Geográfico do Exército, 1:500 000)

Isto pressupõe que aceitemos que a herdade de Alcobaça transitou, nessa altura,
para a Ordem do Templo, que assim viu ampliados os seus interesses dominiais nos
territórios a norte de Tomar e no eixo do rio Zêzere.
Nada poderemos, de momento, adiantar acerca deste problema, a não ser o reconhe-
cimento de que, reiteramos, no termo do primeiro quartel do século XIII, sensivelmente,
os Cistercienses de Alcobaça entregaram aos Templários estas terras que confinavam

59
Miguel Portela

com os limites setentrionais do antigo castelo de Ceras (tal como estão referenciados
na carta régia de doação, de 1159, aos cavaleiros do Templo de Salomão)38.
Reconheçamos todavia, que a doação de D. Pedro Afonso, de 1206, ao Mosteiro de
Alcobaça, atesta o apreço que este filho natural de D. Afonso Henriques nutria pelos
Cistercienses.


D. Pedro Afonso, senhor de Monsalude

D. Afonso Henriques teve um filho bastardo chamado D. Pedro Afonso, desconhecendo-se,


no presente, o nome da sua progenitora, conforme refere José Mattoso.39 Os nobiliários
medievais assinalam apenas ligações de D. Afonso Henriques com duas mulheres:
Chamoa Gomes, mãe de Fernando Afonso e Elvira Gualter, mãe de Urraca Afonso40.
D. Pedro Afonso, aparece documentado entre os anos de 1174 e 121041, tendo ocupado
o cargo de alferes-mor, de acordo com o citado historiador José Mattoso, entre os anos
de 1179 e 118942, se bem que outros autores apontem um acto datado de Maio de 1192,
no qual o infante real ainda surge referido nesse mesmo cargo43.
De acordo com José Mattoso: “Vários dos nobres que desempenharam tal função
no século XII eram bastardos a que se queria uma certa posição: foi o caso dos filhos
ilegítimos de Afonso Henriques, Fernando Afonso e Pedro Afonso”44.
Se considerarmos este D. Pedro Afonso, como o que teria levado em 1147, uma
mensagem a S. Bernardo, deveria ter em 1210, uns 75 anos, o que levanta dificuldades
de entendimento pela sua longevidade, havendo ainda que se explicar a razão pela qual

38
Baião, A Vila e Concelho de Ferreira do Zêzere, Apontamento para a sua História Documentada, cit., pp.
3-4, doc. 1, citamos: “Do et concedo deo militibus templi illud castrum quod dicitur Cera pró ecclesis de
sanctaren quas eis pruis dederam preter ecclesiam Sancti iacobi. Do et concedo illud castrum quomodo
diuidit per flumen Ozezar ubj uocatur portus de Kajjs et inde per mediam stratam usque ad monasterium
de murta et inde per aquam de murta quomodo descendit in fraxineta et inde venit ad portum de thomar
qui est in strata de colimbria que uadit ad sanctaren et inde per mediam stratam per portum de ourens
et inde pr mediam stratam quomodo uadit per sumitatem de beselga et inde per lumbum de contra
sanctaren quo uertit aquam ad beselga et quomodo descendit ad thomar et inde descendit in ozezar et
inde ad portum de Kaijs”. Azevedo, Rui de, Documentos Medievais Portugueses - Documentos Régios,
Documentos dos Condes Portugalenses e de D. Afonso Henriques, A.D. 1095-1185, Lisboa, vol. I, t. I,
1968, doc. 271, pp. 344-345.
39
Mattoso, José, D. Afonso Henriques, Temas e Debates, Lisboa, 2007, pp. 234-235.
40
Marques, Maria Alegria e Soalheiro, A Corte dos primeiros reis de Portugal, Afonso Henriques, Sancho I,
Afonso II, Ediciones Trea, 2009, p. 243.
41
Mattoso, D. Afonso Henriques, cit., pp. 234-235. Azevedo, Costa e Rodrigues, Documentos de Sancho I
(1174-1211), cit., p. 310, doc.203 (Santarém, 29 de Dezembro de 1210).
42
Mattoso, D. Afonso Henriques, cit., pp. 234-235.
43
Marques e Soalheiro, A Corte dos primeiros reis de Portugal, Afonso Henriques, Sancho I, Afonso II,
cit., p. 245.
44
Mattoso, D. Afonso Henriques, cit., p. 103.

60
INDÍCIOS DE CISTER EM TERRAS DE MONSALUDE (FIGUEIRÓ DOS VINHOS) – SÉCULOS XII-XIII

não se encontra notícia dele entre os anos de 1147 e 1174. Com efeito, existem sérias
dúvidas para o consideramos como tal45.
O D. Pedro Afonso, senhor de Monsalude, surge ainda, documentado em maio de
1179, a confirmar os forais de Santarém e Lisboa46. Foi alcaide de Abrantes47, pois
aparece como tal no foral outorgado em Dezembro do mesmo ano a esta terra48.
Acumularia D. Pedro Afonso a “tenência” do território de Seia49, - aparecendo
em Junho de 1186 como “Petrus Alfonsi tenebat Senanm et est signifer regis.”50 - e a
“tenência” do território de Neiva - vindo referido, em Setembro de 1187 como “domnus
P. Alfonsi quit tunc Neuiam tenebat conf”51.
Provavelmente terá acompanhado D. Sancho I na conquista de Silves, como referirão
algumas fontes, nomeadamente árabes52. Depois da tomada de Silves, deixa de exercer
o cargo de alferes-mor, talvez, como afirmam alguns autores, por ter sofrido algum
impedimento na tomada de tal praça53.
Segundo Maria Alegria Marques e João Soalheiro: “A confiança que o rei seu irmão
lhe tributou também se manifesta na circunstância de ser o primeiro dos portugueses
que D. Sancho fazia elencar no acordo celebrado com o rei de Leão, em 1194, com o
objectivo de solucionar a questão das arras da rainha Teresa Sanches”54.
Vem mencionado entre as testemunhas presentes à feitura do testamento de D. Sancho I
de 1188, depois de 24 de Março: “Petrus Alfonsus signifer regis affuit…”55.
Por seu turno, no segundo testamento de D. Sancho I, redigido em Coimbra, em
Outubro de 1210, surge indicado como um dos seus executores: “Et sciendum est quod
omnia ista debent adimpleri per Bracarensem electur et per abbatem Acupacie et
priorem Sancte Crucis et per abbatem Sancti Tirsi et per magistrum Templi et priorem
Hospitalis et per domnum P(etrum) Alfonsi et per domnum Gunsaluum Menendiz…”,
comprometendo-se, ele e alguns outros curiais, ao cumprimento do que lhe era cometido
na vontade testamentária do irmão: “Ego Petrus Alfonsi et ego Gunsaluus Menendiz

45
Mattoso, D. Afonso Henriques, cit., pp. 229 e 234-235.
46
Azevedo, Documentos Medievais Portugueses, Documentos Régios, cit., vol. I, n.º 335 e 336.
47
Mattoso, D. Afonso Henriques, cit., p. 229.
48
Azevedo, Documentos Medievais Portugueses, Documentos Régios, vol. I, n.º 340.
49
Azevedo, Rui, «Primórdios da Ordem Militar de Évora», Separata do Boletim Cultural da Junta Distrital
de Évora, n.º 8, 1967, p. 4.
50
Azevedo, Costa e Rodrigues, Documentos de Sancho I (1174-1211), cit., pp. 13-14, doc.10.
51
Ibidem, pp. 41-42, doc. 26.
52
Marques e Soalheiro, A Corte dos primeiros reis de Portugal, Afonso Henriques, Sancho I, Afonso II, cit.,
p. 245.
53
Ibidem, p. 245.
54
O documento não menciona que se trata do irmão do rei, no entanto tudo aponta para que seja verosímil,
trata-se do mesmo. Ibidem, p. 245. Azevedo, Costa e Rodrigues, Documentos de Sancho I (1174-1211),
cit., pp. 113-116, doc. 74.
55
Azevedo, Costa e Rodrigues, Documentos de Sancho I (1174-1211), cit., pp. 47-48, doc. 30.

61
Miguel Portela

et ego Martinus Fernandiz et ego Laurentius Suarii et Gomecius Suarii promittimus


firmiter quod modis quibuscumque faciamus…”56.
Nos aditamentos a este último testamento, redigidos em Santarém, a 29 de Dezembro
de 1210, reafirma-se a confiança do monarca nos seus executores testamentários, entre
eles, uma vez mais, D. Pedro Afonso, para garantirem o cumprimento das determinações
régias nele consignadas: “Et si quod absit et quod non credo iam dictus filius meus uel
ille quid in Portugalia regnauerit aliquid inde per se uel per aliquem alium impedierit
uel fecerit aut permiserit impediri et consilio et iudicio Bracarensis archiepiscopi et
abbatis Alcupacie et prioris Sancte Crucis et abbatis Sancti Tirsi et magistri Templi et
prioris Hospitalis et domni Petri Alfonsi quos omnes presentibus sepe memorati filio
meo et multis de uassallis meis iudices…”57.
É certo que a gratidão de D. Sancho I para com D. Pedro Afonso se traduzirá já com
a doação hereditária do Reguengo de Monsalude com seu castelo, em Junho de 1200,
atendendo aos serviços prestados58. D. Pedro Afonso, re(organizou) o povoamento
de todo esse território e outorgou, como escrevemos, cartas de foral a Arega (1201),
Figueiró (1204) e Pedrógão (1206).

D. Pedro Afonso e um seu homónimo

Não se deve confundir, efectivamente, esta figura histórica com a de um seu homó-
nimo, ao qual já antes pouco nos referimos de passagem, documentado, como sublinha
José Mattoso, na sua recente biografia sobre D. Afonso Henriques, que se teria ligado
à fundação do Mosteiro de Alcobaça59.
A tradição historiográfica alcobacense, mormente Fr. António Brandão, para além de
outros autores, aceitam que este benfeitor se recolheu ao Mosteiro de Alcobaça e nele
veio a falecer. A memória relativa à sua sepultura no Mosteiro de Alcobaça, datada de
1678, levanta certas dificuldades de interpretação com a documentação que atualmente
se conhece60. Face a estes considerandos, temos dois indivíduos com o mesmo nome:
aquele que corresponderia à data da inscrição da sua sepultura, 1175, que se encontra

56
Ibidem, pp. 297-301, doc. 194.
57
Azevedo, Costa e Rodrigues, Documentos de Sancho I (1174-1211), cit., p. 310, doc. 203.
58
Marques e Soalheiro, A Corte dos primeiros reis de Portugal, Afonso Henriques, Sancho I, Afonso II, cit.,
p. 245; Azevedo, «Os reguengos da Estremadura na 1.ª Dinastia», cit., pp. 581, doc.1. Azevedo, Costa e
Rodrigues, Documentos de Sancho I (1174-1211), cit., pp. 205-206, doc. 134.
59
Mattoso, D. Afonso Henriques, cit., pp. 234-235. Houve na verdade, um mestre da Ordem de Avis, com
o mesmo nome, no entanto, tal ocorreu em 1268-1269.
60
Ibidem, pp. 234-235.

62
INDÍCIOS DE CISTER EM TERRAS DE MONSALUDE (FIGUEIRÓ DOS VINHOS) – SÉCULOS XII-XIII

hoje perdida, e cujos ossos foram trasladados em 1293, segundo inscrição de 1678, e o
D. Pedro Afonso, alferes-mor, senhor de Monsalude, que teria falecido após 121061.
Como observa José Mattoso, “(…) a trasladação dos ossos de Pedro Afonso em
Alcobaça em 1293 pode estar relacionada com a formação da narrativa da Crónica
Breve, dada a sua proximidade cronológica, pois esta data do princípio do século
XIV”62.
José Soares da Silva escreve, em 1772, que: “Fr. Pedro Affonso, como o nomeão os
nossos Escritores, ou só Fr. Affonso, como o trazem os Estrangeiros, que foy undecimo
Mestre, e filho natural delRey D. Affonso Henriques, como até confessa o Abbade
Justiniano, ainda que erradamente Bofio, e Marullo o fazem filho delRey D. Affonso
III. o que era impossivel, pois este nasceo tres annos depois da sua morte, no de 1210.
nem tambem foy filho, como outros querem, do Conde D. Henrique, porque estaõ naõ
se intitulara Petrus prole Regis, como elle se assignava, e refere o Archebispo D.
Rodrigo da Cunha”63.
Afirma ainda José Soares da Silva, que: “Fez este Grão Mestre algumas Leys justas,
mas como eraõ severas, forão logo desobedecidas; e querendo elle antes perder o lugar,
que arriscar o respeito, cedeo, e renunciou o Mestrado no anno de 1196. em que voltou
para Portugal, e morreo em Santarem no de 1207. como consta da sua sepultura,
que está na Igreja de S. Joaõ de Aporaõ da dita Villa, Commenda da mesma Ordem,
à parte essquerda da Capella môr, aonde se lê bo seguinte Epitafio, que transcreve
Bofio: In AEra de 1245. Kalendis Martii obiit Frater Alphonsus Magister Hospitalis
Jerusalem”64.
Todas estas afirmações dadas por José Soares da Silva são no entanto contraditas
por Jozé Anastasio de Figueiredo, afirmando este que se trata não de D. Pedro Afonso,
mas sim de “D. Affonso de Portugal”.
Segundo este erudito, na verdade: “Não ha dúvida alguma que ao Mestre Godefredo
de Duiffon, que já dice (em o §78.) morreo no anno de 1194, se seguio no mesmo
presente Reinado o XI. Grão-Mestre da Ordem do Hospital de Jerusalém, he verdade,
que mais sesguramente chamado D. Affonso de Portugal: sem que se deva confundir
com D. Pedro Affonso, como querem alguns dos nossos Authores, e julgou mais provavel
ainda nos tempos modernos Jozé Soares da Silva no Tom. II. das Memorias d’ElRei
D. João I. n. 715. p.619”65.

61
Ibidem, pp. 234-235.
62
Ibidem, pp. 234-235.
63
Sylva, Joseph Soares, Memorias para a Historia de Portugal, que comprehendem o Governo delRey
D. Joaão o I, Lisboa Occidental, 1772, livro II. Cap. CXVII, p. 619.
64
Ibidem, pp. 619-620.
65
Figueiredo, Jozé Anastasio, Nova Historia da Militar Ordem de Malta e dos Senhores Grão-Priores della
em Portugal…, Lisboa, 1800, Parte I, p. 167.

63
Miguel Portela

Conclui-se, assim, que seria D. Afonso de Portugal que se encontraria sepultado


na Igreja de S. João de Alporão de Santarém e não o nosso D. Pedro Afonso. Afirma
Jozé Anastasio de Figueiredo que: “se eu não fosse vizitar de proposito a mesma
Igreja, para ficar admirado como assim diversamente se tem lido, e impresso o que
clarissimamente ainde se acha ser só: In Era M. CC. V. §Kl’s marcii.; vendo-se mais
expresso em outra Inscripção do ano de 1654, mandada pôr na mesma sepultura pelo
então Cõmendador de Santarèm D. João de Sousa, ter acontecido a morte do mesmo
Mestre, tambem Cõmendador de S. João de Santarèm, como nella se declara, em o
anno de 1207”66.
Por outro lado, refere o Cardeal Saraiva que: “he muito incerto, por não totalmente
falso, que D. Pedro Affonso fosse, como se supõe, o primeiro Mestre de Cavallaria, que
se intitula de Avis.” pois que: “naquelle antigo tempo se não conhecia outro primeiro
Mestre, senão D. Gonçalo Viegas; e que este (para o dizer aqui de passagem) não
era filho do celebre D. Egas Moniz, como erradamente disserão alguns escriptores
nossos”67.
Souza que, no entender do Cardeal Saraiva, era autor “facil receptador de todas as
fabulas, que andão na nossa Historia”, escreveu a respeito de D. Pedro Afonso que:
“com o exemplo de seu irmão em Portugal, aonde foi Mestre de Avis, deo os primeiros
annos á milícia..., e com a conversação de S. Bernardo em França, aonde teve dignidade
de Par, deo o resto da sua vida á religião”68.
Fr. Bernardo de Brito, por outro lado, nos seus “Elogios dos Reis de Portugal”69,
comentou que D. Pedro Afonso, filho natural do Conde D. Henrique, “sendo moço,
seguio as armas com grande aplauso do mundo, e depois a vida monastica no insigne
mosteiro de Alcobaça”. Pedro de Mariz, afirmou também que: “depois de muitas
Cavallarias, que em ajuda de el-Rei seu irmão fez, entrou em a religião de S. Bernardo
no mosteiro de Alcobaça, onde morreu e está sepultado”70.
De acordo com Fr. António Brandão, este D. Pedro Afonso terá sido sepultado no
Mosteiro de Alcobaça.71 Pouco se sabe, de seguro, sobre este problema. Não nos parece
de rejeitar, todavia, a insistente tradição da historiografia alcobacense que, de forma
reiterada, insiste neste dado: D. Pedro Afonso ter-se-á recolhido ao Mosteiro e aqui
viria a falecer por finais da primeira década do século XIII.

66
Ibidem, pp. 168-169.
67
S. Luiz, D. Francisco de (Cardeal Saraiva), Obras Completas, publicadas por Antonio Correia Caldeira,
t. III, Lisboa, Imprensa Nacional, 1874, p. 27.
68
Ibidem, p. 28.
69
Ibidem, pp. 27-28.
70
Mariz, Pedro, Dialogos, Dialogo II, 1749, cap. 3; S. Luiz, D. Francisco de (Cardeal Saraiva), Obras
Completas, cit., t. III, cit., p. 28.
71
Mattoso, D. Afonso Henriques, cit., pp. 234-235.

64
INDÍCIOS DE CISTER EM TERRAS DE MONSALUDE (FIGUEIRÓ DOS VINHOS) – SÉCULOS XII-XIII

São escassas as referências documentais a D. Pedro Afonso depois de 1210. Segundo


Fr. António Brandão, citado uma vez mais por José Mattoso, D. Pedro Afonso terá
falecido depois desse ano. De facto, D. Pedro Afonso aparece ainda, como vimos,
citado entre legatários do testamento do rei D. Sancho I, de 29 de Dezembro de 121072.
O seu decesso, assim, só terá ocorrido após essa data.
Sabemos que, em 1217 e 1218, o rei D. Afonso II confirmou as cartas de foral
dadas, anos antes, por D. Pedro Afonso, Pedrógão e Figueiró73. Afirmaria, esse acto, o
regresso dessas terras à administração da Coroa e, consequentemente, a cessação do
exercício senhorial de D. Pedro Afonso sobre as mesmas?
Não poderemos ter certezas, a não ser que, na verdade, depois de 1217, D. Afonso
II se interessou por apurar os direitos da Coroa neste espaço, como se demonstra,
também, pelas inquirições de cerca de 1220.

Em conclusão

1. Na antiga “hereditas” de Pedrógão (1135) surgiu o vasto Reguengo de Monsalude,


cujos termos se estendiam desde Góis a Pedrógão Grande, de Castanheira de Pera
a Figueiró dos Vinhos.
2. Em 1200, esse território foi doado a D. Pedro Afonso que o (re)povou e senhoriou,
nele estabelecendo concelhos, reservando terras para si e doando outras a instituições
monásticas como sucedeu com Alcobaça.
3. O Mosteiro de Alcobaça, todavia, transferiu as suas terras no Reguengo de Monsalude
para a Ordem do Templo, antes de 1225.
4. Os elementos expostos permitem-nos, deste modo, revisitar uma página pouco
conhecida da presença de Cister, em Portugal, no seu primeiro século de história.
5. Há que reconhecer que os cistercienses tiveram, em D. Pedro Afonso, um dos seus
benfeitores e, a estar certa a tradição cronística alcobacense sobre ele, também um
dos seus “fratres” ou, mais provavelmente, familiares.

72
Azevedo, Costa e Rodrigues, Documentos de Sancho I (1174-1211), cit., p. 310, doc. 203.
73
Franklin, Francisco Nunes, Memória para servir de índice dos forais das terras do reino de Portugal e
seus domínios, Tipografia da Academia Real das Ciências, 2.ª ed., Lisboa, 1825, relação I, p. 145 e 111.
Não se acha a confirmação do foral de Arega, segundo o mesmo autor.

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