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Esta obra fo i publicada originalmente em inglês com o título

COGNITIVE BEHAVIOUR THERAPY FOR PSYCHIATRIC PROBLEMS


- A PRACTICAL GUIDE, po r Oxford University Press, em 1989,
com a qual fo i estabelecido acordo para esta edição.
Copyright © Keith Hawton, Paul M. Salkovskis,
Joan Kirk e David M. Clark, 1989
Copyright © Livraria Martins Fontes Editora Ltda.,
São Paulo, 1997, para a presente edição.

1§ edição
outubro de 1997

Tradução
ALVAMAR LAMPARELU

Revisão da tradução
Jefferson Luiz Camargo
Revisão técnica
Dr- Vera Tess e Dr. Bernard Range
Revisão gráfica
Lilian Jenkino e Solange Martins
Produção gráfica
Geraldo Alves
Paginação/Fotolitos
Studio 3 Desenvolvimento Editorial
C apa
Katia Harumi Terasaka

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câm ara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Terapia cognitivo-comportamental para problemas
psiquiátricos : um guia prático / Keith Hawton ... [et al.] ;
tradução Alvamar Lamparelli ; revisão Jefferson Luiz
Camargo. - São Paulo : Martins Fontes, 1997. - (Psicologia
e Pedagogia)

Outros autores: Paul M. Salkovskis, Joan Kirk, David


M. Clark.
Título original: Cognitive behaviour therapy for psy­
chiatric problems.
ISBN 85-336-0781-4

1. Psiquiatria 2. Terapia cognitivo-comportamental I.


Hawton, Keith. II. Salkovskis, Paul M. III. Kirk, Joan. IV.
Clark, David M. V. Série.

CDD-616.89142
97-4636 NLM-WM 400
índices p a ra catálogo sistemático:
1. Terapia cognitivo-comportamental : Distúrbios
psiquiátricos : Medicina 616.89142
2. Terapia do comportamento cognitivo : Distúrbios
psiquiátricos : Medicina 616.89142

Todos os direitos para o Brasil reservados à


Livraria Martins Fontes Editora Ltda,
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índice

Apresentação VII
Prefácio IX
Agradecimentos X I
Colaboradores XIII

1. Desenvolvimento eprincípios das abordagens


cognitivo-comportamentais 1
Os organizadores
2. Avaliação cognitivo-comportamental 19
.Joan Kirk
3. Estados de ansiedade
Pânico e ansiedade generalizada 75
David M. Clark
4. Distúrbios fóbicos 139
Gillian Butler
5. Distúrbios obsessivos 185
Paul M. Salkovskis eJoan Kirk
6. Depressão 241
Melanie J. V. Fennell
7. Problemas somáticos 333
Puui M. Salkovskis
8. Distúrbios alimentares 391
Christopher G. Fairburn e Peter J. Cooper
9. Deficiências psiquiátricas crônicas 445
John H all
10. Problemas conjugais 481
Karen B. Schmaling, Alan E. Fruzzetti e N eil S. Jacobson
11. Disfunções sexuais 527
Keith Hawton
12. Resolução de problemas 575
Keith Hawton e Joan Kirk

Indice remissivo 605


Apresentação
M. G. Gelder
Professor de Psiquiatria, Universidade de Oxford

Embora seja um desenvolvimento recente no tratamento psi­


cológico, a terapia do comportamento cognitivo sempre despertou
muito interesse entre os clínicos. Há três razões principais para
esse interesse. Primeiro, ao contrário de outras formas de terapia
comportamental, os métodos cognitivo-comportamentais ocupam-
se diretamente dos pensamentos e sentimentos cuja importância é
evidente em todos os distúrbios psiquiátricos. Segundo, a terapia
cognitivo-comportamental preenche uma lacuna sentida por mui­
tos clínicos entre os métodos exclusivamente comportamentais e
as psicoterapias dinâmicas. Terceiro, ao contrário das psicotera-
pias dinâmicas, esses novos métodos de tratamento têm base cien­
tífica e são mais passíveis de avaliação em experiências clínicas.
As abordagens cognitivas talvez se tenham tomado objeto de
atenção da maioria dos clínicos no tratamento de distúrbios depres­
sivos. Entretanto, a terapia cognitivo-comportamental tem aplica­
ções muito mais amplas, muitas das quais relacionadas a condições
que, em muitos casos, não podem ser tratadas com facilidade e efi­
ciência de outras maneiras. Essas condições incluem a ansiedade,
os distúrbios obsessivos e alimentares, certos problemas somáticos
c alguns aspectos das deficiências dos pacientes com doenças men-
lais crônicas, assim como problemas sexuais e conjugais.
Muito se tem escrito, tanto em livros como em artigos, sobre
a lerapia cognitivo-comportamental, mas só uma parte muito pe­
quena dessa literatura se ocupa dos aspectos práticos do tratamen­
VIII Terapia cognitivo-comportamental

to. Por isso, é difícil a um médico interessado descobrir como ava­


liar a adequação dos pacientes à terapia cognitivo-comportamental
e como pôr em prática seus procedimentos. Os organizadores des­
te livro identificaram essa deficiência na literatura sobre a terapia
do comportamento cognitivo e se propuseram a solucioná-la, o
que fizeram muito bem. Reuniram um grupo de autores que não só
conhecem a terapia do comportamento cognitivo, como também
têm experiência de seu uso e de como treinar outros para utilizá-la.
0 livro contém capítulos relacionados a todas as aplicações impor­
tantes da terapia do comportamento cognitivo, estruturados de tal
forma que cada capítulo siga um formato padrão com seções sobre
questões básicas relevantes, avaliação e tratamento. Essas exposi­
ções são escritas em linguagem clara e ilustradas por trechos de
sessões terapêuticas, incluindo muita orientação prática para a
superação de problemas que possam surgir durante o tratamento. E
claro que, no aprendizado de qualquer tratamento novo, a expe­
riência supervisionada se faz tão necessária quanto a leitura. Não
obstante, as exposições feitas neste livro levarão os estudiosos a
iniciar o tratamento com idéias mais claras a respeito dos procedi­
mentos que estarão utilizando, e as sessões de supervisão serão mais
proveitosas uma vez que as questões teóricas relevantes tenham
sido compreendidas.
Os capítulos deste livro encerram as informações básicas ne­
cessárias para estagiários em psicologia e psiquiatria, bem como o
tipo de orientação detalhada que será útil para os clínicos mais ex­
perimentados. Por esta razão, o livro é apropriado a leitores de
muitos tipos e diferentes níveis de preparo. A terapia do comporta­
mento cognitivo está se desenvolvendo rapidamente, mas o leitor
que aprender neste livro os aspectos básicos e práticos das técnicas
1 oyjiitivo-comportamentais não deverá encontrar dificuldade em
ndiipliir sua prática a outros problemas para os quais o tratamento
I M|iiitiivo I omportamental possa mostrar-se aplicável. Em suma, o
liv mm '.em dúvida, uma contribuição muito importante para a lite-
Iitini <i '.oltii' li terapia do comportamento cognitivo, razão pela qual
ii nliu o |ti ii/i'i de apresentá-lo ao leitor.
Prefácio

Como usar este guia

Este livro foi organizado para terapeutas que já têm alguma


experiência no manejo clínico de pacientes com distúrbios psi­
quiátricos, e seu objetivo é ajudá-los a começar a empregar a abor­
dagem cognitivo-comportamental em seu trabalho clínico. Embo­
ra existam muitos artigos acadêmicos que demonstram a eficácia
desta abordagem, são poucos os guias suficientemente detalhados
que permitam aos médicos adotar este procedimento em sua práti­
ca cotidiana.
O livro tem por objetivo oferecer um guia integrado para a
prática da terapia cognitivo-comportamental, e foi escrito e edita­
do como um todo. O primeiro capítulo descreve os princípios bási­
cos de psicologia que são relevantes para tratamentos cognitivo-
comportamentais e delineia o desenvolvimento e os princípios
desse tipo de terapia. O segundo capítulo traz uma descrição deta­
lhada de como realizar uma avaliação cognitivo-comportamental.
Uma vez que essa descrição abrange as bases teóricas e práticas de
grande parte do que vem descrito nos capítulos subseqüentes, re­
comendamos que seja lida antes dos capítulos que tratam de dis­
túrbios específicos. Em cada um dos capítulos subseqüentes os
autores adotaram um formato padrão, delineando a natureza de
cada distúrbio e o desenvolvimento de abordagens de tratamentos
existentes, apresentando em seguida uma exposição detalhada e
X Terapia cognitivo-comportamental

prática de como o tratamento deve ser feito. Dá-se especial aten­


ção ao modo de lidar com as dificuldades encontradas durante o
tratamento e as razões do fracasso da terapia. Dados de pesquisa
que justificam o uso de determinados tratamentos são apresenta­
dos quando necessários, mas os autores não incluíram, deliberada­
mente, comentários detalhados sobre pesquisas, uma vez que estes
podem ser encontrados em outras fontes e não são imprescindíveis
para os objetivos deste livro. Cada capítulo termina com uma breve
relação de artigos e livros cuja leitura se recomenda como comple-
mentação do capítulo.
Os autores adotaram uma estrutura voltada para os problemas
que lhes pareceu uma maneira útil de ordenar o material, evitando
ao mesmo tempo o uso de qualquer esquema rígido de diagnósti­
co. O princípio básico, em todos os capítulos, é o de que o plano de
tratamento se segue a uma completa avaliação cognitivo-compor­
tamental e a uma formulação baseada num modelo psicológico de
um distúrbio específico. Não se pretende que os tratamentos aqui
descritos sejam tidos como receitas-padrão para determinadas
condições. Em vez disso, o objetivo de cada capítulo é oferecer ao
leitor informações suficientes para que ele possa proceder à ava­
liação e ao planejamento de um tratamento individualizado para
pacientes que apresentam a grande variedade de problemas encon­
trados na prática clínica. Formulação e tratamento estão estreita­
mente ligados e são modificados, quando necessário, à luz das
respostas dos pacientes à terapia. Os exemplos clínicos foram am­
plamente usados para ajudar os leitores a compreender as manei­
ras específicas pelas quais o tratamento pode ser aplicado.

Oxford K .H
1988 P.M. S
J.K
D. M .C
Agradecimentos

Queremos agradecer aos colaboradores por seu apoio irrestri­


to e por terem se submetido não a um, mas a quatro organizadores.
Também gostaríamos de agradecer às seguintes pessoas e entidades
pela autorização para reproduzir material protegido por direitos
autorais: Pergamon Press, pela Figura 3.1 de Clark (1986a) e pelo
Quadro 3.4 de Clark e Beck (1988); British Journal o f Psychiatry
pelo Quadro 9.2; Melanie Fennell detém os direitos autorais dos
Quadros 6.1, 6.2, 6.3, 6.4; Figuras 6.1, 6.2, 6.3, 6.4, 6.5, 6.6, 6.7; e
as Instruções aos Pacientes do Capítulo 6. Anne Crowe, Carolyn
I'ordham e Jackie Hodges foram extremamente eficientes como se­
cretárias, razão pela qual lhes somos muito gratos.
I

i l
Colaboradores

Gillian Butler
Psicólogo de Pesquisa Clínica, Departamento de Psiquiatria, Uni­
versidade de Oxford, Reino Unido.
D avid M. Clark
Professor de Psicologia, Departamento de Psiquiatria, Universida­
de de Oxford, e Professor Adjunto, University College, Oxford,
Reino Unido.
Peter Cooper
Professor de Psicopatologia, Departamento de Psiquiatria e Psico­
logia Experimental, Universidade de Cambridge, Reino Unido.
Christopher Fairburn
Professor Sênior do Wellcome Trust, Departamento de Psiquiatria,
Universidade de O xford Reino Unido.
Melanie Fennell
Psicóloga de Pesquisa Clínica, Departamento de Psiquiatria, Uni­
versidade de Oxford Reino Unido.
Alan E. Fruzzetti
Aluno de Doutorado em Psicologia Clínica e Coordenador de
Pesquisas, Centro para o Estudo de Relacionamentos, Universida­
de de Washington, EUA.
John Hall
Psicólogo Clínico Distrital e Professor, Wameford Hospital e De-
pni lamento de Psiquiatria, Universidade de Oxford, Reino Unido.
XIV Terapia cognitivo-comportamental

Keith Hawton
Consultor e Professor de Psiquiatra, Warneford Hospital e Depar­
tamento de Psiquiatria, Universidade de Oxford, Reino Unido.
N eil S. Jacobson
Professor de Psicologia e Diretor de Treinamento Clínico, Univer­
sidade de Washington, EUA.
Joan Kirk
Psicóloga Clínica, Departamento de Psicologia, Warneford Hospi­
tal, Oxford Reino Unido.
Paul M. Salkovskis
Psicólogo de Pesquisa Clínica, Departamento de Psiquiatria, Uni­
versidade de Oxford Reino Unido.
Karen B. Schmaling
Professor-Assistente de Psiquiatria, Faculdade de Medicina da Uni­
versidade do Colorado, e Assistente, Centro Nacional Judaico de
Imunologia e Medicina Respiratória, EUA.
1. Desenvolvimento eprincípios das abordagens
cognitivo-comportamentais
Os organizadores

As bases empíricas das abordagens cognitivo-comportamen-


tais remontam ao início deste século. A tese darwiniana da conti­
nuidade entre o homem e os animais inferiores permitiu que “mo­
delos anim ais” de com portamento fossem aplicados ao estudo
do desenvolvimento e da manutenção da psicopatologia, a partir
do pressuposto de que os princípios derivados da pesquisa sobre o
aprendizado animal podiam ser generalizados ao homem.
Os primeiros trabalhos identificaram dois princípios no apren­
dizado animal. O primeiro baseava-se no trabalho de Pavlov e ou­
tros fisiologistas russos que fizeram experiências com cães nas
quais, primeiro, uma campainha tocava, e em seguida dava-se co­
mida aos animais. Após esta seqüência ter sido repetida uma série
de vezes, os cães começavam a salivar assim que a campainha toca­
va, antes que a comida lhes fosse dada. Esse fenômeno tomou-se
conhecido como condicionamento clássico. Como a comida produ­
zia involuntariamente salivação antes que o aprendizado (condicio­
namento) ocorresse, isso era chamado de estímulo não-condiciona-
do; por sua vez, a reação de salivação ante a comida foi denominada
resposta não-condicionada. Antes que ocorresse qualquer aprendi­
zado, a campainha não provocava salivação. Entretanto, depois de
várias associações de campainha e comida, o som da primeira (o
estímulo condicionado) passava a provocar salivação (a resposta
condicionada). Esse paradigma está representado na Figura 1.1.
Pavlov também investigou o que acontecia com uma resposta con-
2 Terapia cognitivo-comportamental

Antes do condicionamento comida-------------------► salivação


(estímulo (resposta
não-condicionado) não-condicionada)

campainha-----------►nenhuma salivação

Tentativas de condicionamento campainha (estímulo condicionado)


ligada I------------ 1
desligada---------- 1 '---------------------------------
comida (estímulo não-condicionado)
presente i-------- 1
ausente-----------------‘ '-------------------------------

Depois do condicionamento campainha----------------- ►salivação


(estímulo condicionado) (resposta condicionada)

Figura 1.1 Paradigma de condicionamento clássico

dicionada quando a campainha deixava de ser seguida pelo estímu­


lo incondicionado (a comida). Depois de uma série dessas tentati­
vas, a resposta condicionada extinguia-se aos poucos.
Os pesquisadores russos também descobriram que reações
emocionais como o medo podem ser condicionadas. Por isso, o
paradigma do condicionamento clássico tem implicações conside­
ráveis para a compreensão dos fenômenos psicopatológicos. Num
estado incondicionado, por exemplo, um animal reagirá emocio­
nalmente a um choque elétrico com uma resposta incondicionada,
inclusive com um aumento dos batimentos cardíacos. De início,
ele não reagirá dessa maneira a um estímulo não-condicionado
(uma luz vermelha, por exemplo). Entretanto, se a luz vermelha
for sistematicamente combinada com o choque elétrico, o animal
começará a reagir à luz vermelha com uma resposta condicionada
de medo. Assim, para o animal a luz vermelha terá se transforma­
do num estímulo condicionado de medo.
O segundo princípio, conhecido como condicionamento ope­
rante, foi deduzido a partir de observações feitas nos Estados Uni­
dos por Thorndike, Tolman e Guthrie. Numa série de experimen­
tos eles constataram que, se um determinado comportamento era
sempre seguido por uma recompensa, a repetição desse comporta­
Desenvolvimento e princípios 3

mento tornava-se mais provável. Esse fenômeno ficou conhecido


como a “Lei do Efeito”, segundo a qual um comportamento que é
seguido por conseqüências agradáveis tenderá a repetir-se, e o
comportamento seguido por conseqüências desagradáveis ocorre­
rá com menor freqüência. Skinner ampliou esse princípio ao defi­
nir reforçadores em termos do efeito que têm sobre o comporta­
mento do indivíduo, e não simplesmente em termos de parecerem
ser recompensadores ou desagradáveis. Assim, no condiciona­
mento operante, se um comportamento for seguido por um deter­
minado evento e começar a ocorrer com maior freqüência, então
se diz que o comportamento é reforçado (ver Figura 1.2). O refor-
çamento positivo descreve a situação na qual o comportamento
(por exemplo, ser pontual) ocorre mais freqüentemente por ser
seguido por conseqüências positivas (por exemplo, elogio). O re-
forçamento negativo descreve a situação na qual a freqüência de
um comportamento aumenta por ser seguido pela ausência de um
evento negativo previsto (por exemplo, ansiedade, reclamação de al­
guém). Assim, o termo reforçamento sempre se refere a situações
nas quais o comportamento aumenta em freqüência ou intensidade.
Dois outros tipos de conseqüência estão associados à diminuição
na freqüência de um comportamento. A punição descreve a situa­
ção em que o comportamento diminui em freqüência por ser segui­
do por um evento negativo (por exemplo, choque elétrico). A fru s­
tração pela não-recompensa descreve a situação na qual o compor­
tamento diminui em freqüência por ser seguido pela ausência de
uma recompensa esperada (por exemplo, não ser elogiado). Ao uti-

Reforçador

Presente Ausente

i 1
Positivo (Reforçamento (Frustração pela
positivo) não-recompensa)
Tipo de
reforçador
1 t
Negativo (Punição) (Reforçamento
negativo)

l'i({ura 1.2 Maneiras de aumentar ( T ) ou diminuir ( i ) a freqüência de um


comportamento pela manipulação de suas conseqüências
4 Terapia cognitivo-comportamental

lizar os princípios de condicionamento operante para ajudar pa­


cientes, planejam-se tratamentos que usam como reforçadores os
eventos que já se mostraram, antes, capazes de modificar o com­
portamento na direção desejada; esses eventos não são, necessaria­
mente, os que parecem ser intrinsicamente recompensadores.
O desenvolvimento desses dois paradigmas de condiciona­
mento e sua subseqüente integração por estudiosos como Hull e
Mowrer foram de grande valor na evolução da terapia comporta-
mental. Particularmente importante foi o trabalho de Mowrer
( 1947-1960), que descreveu um modelo de dois fatores (engloban­
do tanto os componentes clássicos como os operantes) para justifi­
car o medo e o comportamento de evitação. Ele sugeriu que o me­
do de estímulos específicos é adquirido por meio de condiciona­
mento clássico, e que, por ser o medo um sentimento aversivo, o
animal aprende a reduzi-lo evitando os estímulos condicionados.
Solomon e Wynne (1954) fizeram uma observação adicional im­
portante. Se os estímulos fossem classicamente condicionados por
uma associação prévia com estímulos fortemente aversivos, as res­
postas de evitação aos estímulos condicionados seriam extrema­
mente resistentes à extinção. Isto é, demonstraram que a evitação
em resposta a estímulos inofensivos poderia continuar inalterada
muito depois de cessado o condicionamento anterior.

Primeiras aplicações clínicas dos


princípios com portam entais

Talvez o mais famoso exemplo da aplicação dos princípios


comportamentais ao problema de ansiedade clínica seja a descri­
ção de Watson e Rayner ( 1920) dos procedimentos de condiciona­
mento realizados com o “Pequeno Albert”, um bebê de 11 meses.
Eles constataram que eram capazes de produzir uma resposta de
ansiedade condicionada a um rato branco ao combinar o apareci­
mento do animal com um barulho forte. Esse condicionamento de
ansiedade estendeu-se (generalizou-se) a estímulos semelhantes,
como os cabelos brancos do pesquisador e um chumaço de algo­
dão, mas não a estímulos dissimilares. Esse trabalho foi adotado
Desenvolvimento e princípios 5

por Jones (1924), que aplicou as recomendações de Watson para o


tratamento; ela descobriu que apenas dois métodos de tratam en­
to eram constantemente eficazes, sendo um deles a associação do
objeto temido a uma resposta agradável alternativa (comer), e o
outro, a exposição da criança ao estímulo temido em presença de
outras crianças que não o temiam. É significativo o fato de esses
métodos se assemelharem muito aos posteriormente adotados por
Wolpe (dessensibilização sistemática) e Bandura (modelação par­
ticipante) (ver adiante).
Em seguida, o acontecimento mais importante foi o trabalho
desenvolvido pelos Mowrer em fins da década de 1930 sobre a
enurese. Eles consideravam a enurese como uma incapacidade do
paciente de acordar em resposta à distensão da bexiga, e associa­
ram a distensão da bexiga (início da micção) com o ato de desper­
tar e a conseqüente contração do esfíncter, de modo que, depois de
várias tentativas, a distensão da bexiga resultaria numa contração
independente do esfíncter, impedindo assim a micção. O tratamen­
to com a utilização de um aparelho elétrico constituído de “cam­
painha e almofada” mostrou-se eficiente (Mowrer e Mowrer, 1938).
0 trabalho dos Mowrer foi importante não só devido a esse resul­
tado notável, mas também porque a formulação e o tratamento
comportamentais da enurese eram inusitados. Esse trabalho foi
significativo para o desenvolvimento posterior das formulações e
dos tratamentos comportamentais.
Os avanços na década de 1950 incluíram várias tentativas de
abranger conceitos não pertencentes à esfera comportamental. De
especial influência foi o trabalho de Dollard e Miller (1950), que
conceitualizou a teoria psicanalítica em termos da teoria de apren­
dizado, incluindo fatores como as influências culturais nos moldes
comportamentais. Esse trabalho demonstrou a vasta capacidade
explicativa da teoria comportamental, e lançou as bases para as
posteriores formulações cognitivo-comportamentais que incorpo­
raram descobertas de pesquisas realizadas pela psicologia cogniti­
va e social.
Na África do Sul, em princípios da década de 1950, Joseph
Wolpe começou a relatar seus trabalhos sobre as “neuroses experi­
mentais” em gatos. Esse trabalho se assemelhava a pesquisas ante-
1 mies, como aquelas realizadas por Masserman (1943), a não ser
(> Terapia cognitivo-comportamental

pelo fato de que Wolpe enfatizava novas técnicas para a elimina­


ção do medo e da evitação experimentalmente induzidos. Ele inte­
ressou-se particularmente pela produção do medo condicionado.
Assim, se um animal experimentasse um pequeno choque quando
se aproximava da comida, posteriormente o medo poderia ser pro­
vocado por outras situações semelhantes àquela na qual o choque
tinha sido primeiramente acionado. Wolpe propôs uma explicação
neurofisiológica para dar conta desse fenômeno. Como a alimen­
tação era inibida por condições que provocavam os “sintomas” da
“neurose experimental”, isto sugeriu-lhe que o medo condiciona­
do e o ato de comer eram mutuamente antagônicos ou reciproca­
mente inibidores. Tal observação levou à idéia de que a alimenta­
ção podia ser usada para reduzir a ansiedade provocada por situa­
ções específicas. Wolpe demonstrou esse fato com êxito em seus
animais experimentais ao alimentá-los em lugares cada vez mais
próximos do ambiente no qual tinham originalmente sofrido o
choque. Sugeriu que, em termos gerais, o medo poderia ser reduzi­
do mediante a apresentação simultânea de estímulos provocadores
de ansiedade e estímulos que produzissem uma resposta antagôni­
ca à ansiedade (o inibidor recíproco), desde que a resposta antagô­
nica fosse a mais forte das duas. Para assegurar que o inibidor
fosse mais forte, os estímulos provocadores de ansiedade foram
apresentados de forma gradual, segundo uma hierarquia, come­
çando com aqueles que produziam ansiedade mais leve.
Ao estender seu trabalho aos seres humanos, Wolpe conside­
rou três respostas principais que poderiam agir como inibidores
recíprocos: respostas sexuais, respostas assertivas e relaxamento
muscular progressivo. A mais adotada delas foi uma versão modi­
ficada e abreviada do procedimento de relaxamento de Jacobson
(1938), que Wolpe acreditava ter correlatos neurofisiológicos se­
melhantes aos efeitos da alimentação. Segundo o método de Wolpe,
o paciente aprendia o relaxamento e então era estimulado a avan­
çar passo a passo numa hierarquia de situações temidas, mantendo
ao mesmo tempo o relaxamento a fim de inibir reciprocamente a
reação de medo. Inicialmente, Wolpe utilizou exposições in vivo
(na vida real), passando depois para a apresentação por imagens,
que oferecia maior possibilidade de controle e facilidade de apre­
sentação. Esse procedimento, que se tornou conhecido como dès-
Desenvolvimento e princípios 7

sensibilização sistemática, foi cuidadosamente elaborado no in­


fluente livro de Wolpe, Psychotherapy by Reciprocal Inhibition
(1958) no qual ele deixa claro que os pacientes deviam realizar ex­
tensas lições de casa in vivo entre as sessões de terapia. A contri­
buição de Wolpe nessa área foi considerável, e exerceu uma gran­
de influência sobre a prática da terapia comportamental. Sua im­
portância está não apenas em seu uso de uma formulação teórica
baseada em hipóteses claras e testáveis para se criar uma estratégia
de tratamento claramente especificado, mas também em sua des­
crição da vasta aplicação clínica dessa técnica terapêutica. Mas a
base teórica da inibição recíproca deixou de exercer influência, por­
que determinou-se que a exposição em situações na vida real é a
forma mais eficaz de produzir reduções na ansiedade condiciona­
da, e que nem a exposição gradual nem o uso de inibidores recí­
procos, como o relaxamento, são necessários. Não obstante, a des­
sensibilização sistemática criou a base prática e o impulso teórico
para a pesquisa que levou ao desenvolvimento atual das terapias ba­
seadas na exposição.
Wolpe apresentou seu trabalho numa época importante, quan­
do a eficácia das abordagens psicanalíticas passava por uma ava­
liação crítica, depois do polêmico artigo de Eysenck (1952) no
qual este argumentava que os índices de melhora alcançados pela
psicoterapia não eram superiores àqueles que se poderia ter espe­
rado se o tratamento não tivesse ocorrido (remissão espontânea).
No Maudsley Hospital em Londres, Eysenck, Jones, Meyer, Yates
e Shapiro interessaram-se pela aplicação das teorias de condicio­
namento aos problemas psicológicos e realizaram uma série de se­
minários sobre o tema. Dessas discussões surgiu uma abordagem
terapêutica exemplificada por uma série de investigações detalha­
das de casos isolados, na qual os princípios de condicionamento
Ibram aplicados com êxito a problemas clínicos. A aplicação do
tratamento com base no aprendizado no Maudsley Hospital foi
ampliada com a participação de Rachman, que havia trabalhado
anteriormente com Wolpe. Rachman teve uma importante colabo-
litção no desenvolvimento da terapia aversiva, na medicina com­
portamental e, especialmente, no tratamento comportamental dos
distúrbios obsessivos. Nos hospitais Maudsley e Warneford, Gel-
dri, Marks, Mathews e outros colegas desenvolveram e aperfei­
Terapia cognitivo-comportamental

çoaram tratamentos de exposição para os distúrbios fóbicos. Ao


mesmo tempo, estudiosos americanos como Davison (1968) tam­
bém estudavam detalhadamente o processo de dessensibilização e
outras técnicas de redução do medo, e demonstraram que a exposi­
ção in vivo era o ingrediente efetivo fundamental. A base teórica
da abordagem da exposição é aquela segundo a qual os objetos
temidos constituem estímulos aos quais a ansiedade se tornou con­
dicionada (estímulos condicionados), e que o medo condicionado
não desapareceu porque o paciente desenvolveu comportamentos
de evitação e fuga que o impedem de ficar plenamente exposto aos
estímulos temidos. Para que o medo desapareça, o paciente deve
ser exposto aos estímulos temidos e não se esquivar (evitando,
assim, o contato) depois de iniciada a exposição. Esta deve conti­
nuar pelo menos até que a ansiedade comece a diminuir. Embora
essa técnica seja semelhante à dessensibilização sistemática, ela
avança muito mais rapidamente. Uma razão pela qual os enfoques
comportamentais da redução do medo se tornaram influentes foi a
sistemática investigação de sua eficiência em experimentos con­
trolados (por exemplo, Paul, 1966; Marks, 1975).
Uma evolução análoga e conceitualmente correlata da redu­
ção do medo foi a tentativa dos primeiros terapeutas comporta­
mentais de induzir ou aumentar a ansiedade associada a estímulos
ou comportamentos indesejados. Essa abordagem foi chamada de
terapia de aversão, e foi usada principalmente no tratamento de
problemas de alcoolismo e desvios do comportamento sexual. Os
estímulos, pensamentos ou comportamentos externos associados à
resposta indesejada eram combinados a um estímulo aversivo, como
um choque elétrico desagradável. Depois de uma série dessas com­
binações, os estímulos iniciais provocariam, por si só, a mesma
resposta produzida pelo estímulo aversivo, isto é, provocariam
ansiedade condicionada. O entusiasmo inicial por essa abordagem
diminuiu, tanto por razões éticas quanto por ela se ter mostrado
ineficaz (Rachman e Teasdale, 1969). A sensibilização encoberta,
método terapêutico no qual os pensamentos relacionados ao com­
portamento indesejado são combinados na imaginação a estímulos
desagradáveis (por exemplo, prisão, humilhação), constitui uma
abordagem alternativa menos emotiva (Cautela, 1967), embora sua
eficácia seja duvidosa.
Desenvolvimento e princípios 9

O início da década de 1960 viu os tratamentos comportamen­


tais expandir-se por uma grande variedade de problemas além da
redução do medo. Essa expansão baseou-se principalmente em
estudos que empregavam configurações de casos isolados, que
constituíram um elemento importante na abordagem comporta­
mental desde os trabalhos fundamentais de Shapiro (1961a, b)
sobre a metodologia de casos isolados. Em geral, os experimentos
de casos isolados envolvem uma série de repetição de medidas de
uma váriavel clinicamente relevante, feita a intervalos regulares
(iuma série temporal)', num ponto predeterminado dessa série é
introduzida uma intervenção cujo efeito é avaliado de acordo com
as mudanças na variável. Os efeitos de várias estratégias de inter­
venção podem ser avaliados desse modo. Mais tarde, foram desen­
volvidas configurações complexas que permitiram que experi­
mentos de casos isolados fossem aplicados a uma grande variedade
de questões clínicas e de pesquisa como parte da rotina da prática
clínica (ver Barlow, Hayes e Nelson, 1984). Embora essa metodo­
logia não esteja teoricamente limitada aos tratamentos cognitivo-
comportamentais, tomou-se intimamente ligada à aplicação da
abordagem cognitivo-comportamental, exercendo um papel cons­
tante em sua evolução.

Aplicação de técnicas operantes:


análise aplicada do comportam ento

Em fins da década de 1950, as aplicações potenciais da abor­


dagem operante (conhecida como análise do comportamento apli­
cado) foram descritas por Skinner e Lindsley, mas nenhum traba­
lho terapêutico foi realizado até o início da década de 1960. As pri­
meiras aplicações das técnicas operantes aos problemas clínicos
eoncentravam-se na medição e mudança do comportamento labo­
ratorial de pessoas mentalmente deficientes e crianças pequenas.
Níis primeiras aplicações aos problemas psiquiátricos dos adultos,
Ayllon trabalhou na modificação de comportamentos psicóticos
(tais como atos violentos, fala psicótica e comportamento alimen­
tai inadequado) em pacientes internados, usando cigarros e elo-
10 Terapia cognitivo-comportamental

gios como reforçadores, e como meio de extinção dos comporta­


mentos, a supressão da atenção ao paciente. Ayllon demonstrou
que os comportamentos disfuncionais aumentariam ou diminui­
riam dependendo de ser o comportamento reforçado ou de se ter
retirado o reforço. Esse trabalho ilustrou a importância do princí­
pio de Skinner de que o reforço deve ser definido em relação ao seu
efeito sobre o comportamento (ver p. 3). Assim, o significado de
reforço pode ser, para um paciente, o fato de comer sozinho numa
sala, enquanto para outro o reforço pode ser o fato de comer com
outros pacientes na sala de jantar.
Em 1961, Ayllon e Azrin projetaram uma ala de hospital onde
os reforços eram aplicados para modificar sistematicamente o com­
portamento dos pacientes. Esse sistema se tom ou conhecido como
economia de fichas, pois, como reforçadores, eles usavam fichas
que depois podiam ser trocadas por uma série de privilégios à
escolha do paciente (Ayllon e Azrin, 1968). Esse trabalho exerceu
grande influência, pois demonstrou que a intervenção psicológica
poderia ser eficaz em pacientes (especialmente aqueles com esqui­
zofrenia crônica) antes não considerados passíveis de tratamento
através de tais abordagens. Esse estudo e, mais tarde, outras eco­
nomias de fichas ressaltaram a importância do reforço social, par­
ticularmente como uma ajuda tanto à generalização a prazo mais
longo (extensão e outros ambientes) quanto à manutenção de com­
portamentos desejados ou aceitáveis. Trabalhos mais recentes lan­
çaram dúvidas quanto à base teórica do sistema de fichas: por
exemplo, Hall e Baker ( 1986) indicaram que o feedback e a orien­
tação específica sobre o desempenho no momento em que as
fichas eram dadas constituíam os fatores mais importantes nesses
programas. Não obstante, o desenvolvimento das economias de
fichas foi muito significativo ao estimular uma abordagem geral
do tratamento em ambientes de reabilitação. O uso de reforçadores
sociais estruturados (elogio e atenção pelo terapeuta) foi mais am­
plamente adotado do que o uso de fichas, e a ênfase na alteração e
estruturação das interações sociais continua a ter uma influência
importante na ajuda a pacientes com esquizofrenia (por exemplo,
Falloon, Boyd e McGill, 1984).
Desenvolvimento e princípios 11

Consolidação e desenvolvim ento


da abordagem com portam ental

A década de 1970 viu o pleno surgimento da terapia compor­


tamental, com o desenvolvimento e a comprovação experimental
de muitas técnicas novas. No final da década, essas abordagens de
tratamento já eram amplamente aceitas. A terapia do comporta­
mento tomou-se o tratamento preferido para muitos distúrbios,
como o uso da exposição in vivo a fobias, obsessões e disfunções
sexuais, e técnicas operantes e de estabelecimento de objetivos na
reabilitação. A terapia sexual desenvolveu-se a partir dos trabalhos
pioneiros de Masters e Johnsons sobre a fisiologia de respostas
sexuais, e não da pesquisa comportamental das disfunções sexuais.
Entretanto, a ênfase na avaliação empírica dos tratamentos e nas
definições operacionais de estratégias de tratamento levou, aos
poucos, à inclusão da terapia sexual na corrente dominante de tera­
pia cognitivo-comportamental. Outra extensão das abordagens
comportamentais foi o desenvolvimento da medicina comporta­
mental, um termo criado por Birk (1973) para descrever a aplica­
ção do biofeedback aos distúrbios clínicos. No biofeedback, os pa­
cientes aprendem a controlar a resposta fisiológica recebendo
informações imediatas sobre mudanças ocorridas no sistema fisio­
lógico. Mais tarde, a medicina comportamental passou a abranger
uma área muito mais ampla, inclusive a aplicação de princípios
fisiológicos de tratamento a distúrbios de origem puramente físi­
cas (por exemplo, queimaduras dolorosas), a distúrbios com uma
possível etiologia psicológica (por exemplo, síndrome do intestino
irritável, dor torácica psicogênica) e à modificação de fatores de
risco (por exemplo, o fumo). Esse período também foi marcado
pelo aperfeiçoamento de técnicas já existentes (como a redução
do tempo necessário para a exposição efetiva provocar a redu-
çilo do medo e o desenvolvimento de formas abreviadas de relaxa­
mento) e a introdução de novas abordagens (como o treinamento
pura manejo da ansiedade e treinamento de habilitações sociais).
( )utro grande avanço foi a adoção de uma abordagem dos “três
NiNlemas”. Lang, Rachman e outros sugeriram que os problemas
psicológicos poderiam ser conceitualizados de maneira útil em sis-
12 Terapia cognitivo-comportamental

temas de respostas tenuemente ligados. Os sistemas propostos


eram comportamental, cognitivo/afetivo e fisiológico. Apesar de
ligados, esses sistemas não mudam necessariamente ao mesmo
tempo, da mesma maneira, tampouco na mesma direção; por isso
são chamados des sincronizados (Rachman e Hodgson, 1974). Não
há nenhuma razão a priori para a especificação de três sistemas
em vez de quatro (ou mesmo mais), e na verdade talvez fosse útil
estabelecer uma distinção entre os sistemas cognitivo e afetivo,
resultando numa classificação de quatro sistemas. Entretanto, essa
alternativa a uma visão unitária dos problemas psicológicos foi
importante tanto por ter ajudado a explicar a grande variedade de
padrões de sintomas relatados por pacientes quanto por ter resulta­
do em avaliações mais sistemáticas e apropriadas do resultado do
tratamento. Ela aumentou as proporções nas quais se podia mos­
trar que o tratamento tinha efeitos específicos; por exemplo, os tra­
tamentos de relaxamento podem inicialmente afetar mais os as­
pectos fisiológicos de um problema do que os aspectos comporta­
mental ou cognitivo.
O final da década de 1960 e o inicio da década de 1970 viram
o início da insatisfação com as noções comportamentais rígidas
que dominaram os primeiros avanços. Lazarus (1971), em particu­
lar, rejeitou aquilo que acreditava serem noções mecanicistas sub­
jacentes à prática da terapia do comportamento. Em sua opinião, a
maioria dos tratamentos comportamentais não podia ser concei-
tualizada simplesmente pela teoria do aprendizado, e ele então
propôs a adoção de uma “terapia comportamental de amplo espec­
tro”, na qual técnicas de eficácia empiricamente estabelecidas são
empregadas a despeito de suas bases teóricas. Essa abordagem foi,
na prática, cada vez mais adotada pelos clínicos, embora a literatu­
ra de pesquisa só bem mais tarde viesse a examinar sistematica­
mente as limitações da terapia do comportamento. Um dos resulta­
dos menos satisfatórios desse “ecletismo técnico” foi a tendência
de se aplicar o tratamento de uma maneira prescritiva, de modo
que determinadas técnicas fossem aplicadas mecanicamente a
determinados problemas, dando-se pouca ou nenhuma atenção à
avaliação comportamental plena e à formulação. De uma maneira
mais proveitosa, a insatisfação com as abordagens comportamen­
tais rígidas resultou em tentativas de se acrescentar componentes
Desenvolvimento e princípios 13

cognitivos às técnicas já existentes, abrindo caminho para o desen­


volvimento e aplicação sistemáticos das abordagens cognitivas.
Em meados e fim da década de 1970, houve uma aceitação
geral da utilidade da terapia comportamental. Não mais diante da
necessidade de demonstrar a eficácia da terapia do comportamento
em si, alguns dos que trabalhavam nessa área começaram a voltar
sua atenção para os pacientes que não obtinham resultados com a
terapia do comportamento nem mesmo quando era ministrada de
forma competente. Isso culminou no livro de Foa e Emmelkamp
sobre as falhas do tratamento (1983). Ficou cada vez mais claro,
por exemplo, que não bastava atribuir os problemas do paciente com
a adesão ao tratamento a uma “motivação fraca”, embora as tentati­
vas de uma análise comportamental mais detalhada da adesão insa­
tisfatória pouca melhora proporcionassem. Outro avanço importan­
te desse período foi a tentativa de desenvolver técnicas e teorias
comportamentais que pudessem ser aplicadas a outros problemas
psicológicos, particularmente a depressão. Lewinsohn (1974a), por
exemplo, sugeriu que a depressão se deve a um índice reduzido de
reforço da resposta contingente. Entretanto, as tentativas iniciais de
terapia baseadas nessa idéia (Flammen e Glass, 1975) tiveram um
sucesso limitado talvez porque, embora os pacientes desempenhas­
sem um maior número de atividades potencialmente reforçadoras,
muitas vezes avaliavam negativamente as atividades e o seu próprio
desempenho bem-sucedido. Tomou-se cada vez mais evidente, por­
tanto, que fatores cognitivos estavam envolvidos no caso de pacien­
tes que não respondiam ao tratamento comportamental simples.
Esses dois fatos contribuíram para a aceitação posterior, por muitos
terapeutas, da importância dos fatores cognitivos e da necessidade
de ocupar-se deles na terapia.

Integração das abordagens cognitiva e com portam ental

A idéia de Lang de três sistemas de respostas relativamente


independentes havia lançado as bases para a aceitação das noções
cognitivas na abordagem comportamental. No contexto da psico­
logia comportamental (em distinção à terapia comportamental), a
/./ Terapia cognitivo-comportamental

importância de variáveis cognitivas já tinha se tornado cada vez


mais reconhecida. A aceitação mais lenta das idéias cognitivas na
terapia comportamental talvez estivesse ligada à contínua influên­
cia da rejeição da introspecção, por Watson, e à posição polêmica
adotada pelos terapeutas comportamentais em relação a outras psi-
cotcrapias. O trabalho de Bandura sobre a aprendizagem observa­
cional foi particularmente importante por chamar a atenção para
os fatores cognitivos na terapia comportamental. Nessa aborda­
gem um indivíduo aprende ao observar o comportamento de outra
pessoa; o comportamento é aprendido com mais eficácia se o
observador o pratica posteriormente, embora isso não constitua
uma condição necessária. Bandura desenvolveu um modelo de
auto-regulação chamado de auto-eficácia, baseado na idéia de que
toda mudança de comportamento voluntária era mediada pelas
percepções que os indivíduos tinham de sua capacidade de adotar
o comportamento em questão. Outra influência importante foi um
crescente interesse pelo conceito de autocontrole, baseado em um
modelo de três etapas de auto-observação, auto-avaliação (estabe­
lecimento de padrões) e auto-reforço. Esse modelo levou a um
grande número de pesquisas nas quais os construtos cognitivos,
inclusive a atribuição e auto-instrução, foram explicitados.
É provável que a primeira abordagem totalmente cognitiva a
despertar interesse entre os pesquisadores comportamentais tenha
sido o treinamento auto-instrucional (Meichenbaum, 1975). A po­
pularidade dessa abordagem se deu em função de sua base teórica
simples, e sua semelhança com o conceito de “comportamentos
encobertos” (comportamento mental operante) no âmbito da teo­
ria operante. Meichenbaum sugeriu que a mudança do comporta­
mento pode ser provocada pela mudança das instruções que os
pacientes dão a si mesmos, afastando-se de pensamentos inadapta-
véis e perturbadores e passando à autoconversa mais adaptativa. A
terapia cognitiva mais sofisticada descrita por Beck (1970, 1976),
em vários aspectos semelhante à Terapia Racional Emotiva de
Ellis (1962), foi adotada muito mais lentamente, mas tomou-se
hoje a mais importante das abordagens cognitivas. De início, essa
abordagem se aplicou mais à depressão (Beck, 1967). Contrapon­
do-se à visão psiquiátrica tradicional da depressão, Beck sugeriu
que o pensamento negativo, tão proeminente no distúrbio, não é
1 c ío li
Desenvolvimento e princípios___________________________ ££_

simplesmente um sintoma, mas desempenha um papel central na


manutenção da depressão. Isso significa que a depressão pode ser
tratada ajudando-se os pacientes a identificar e modificar seus
pensamentos negativos.
Beck sugeriu que os pensamentos negativos na depressão têm
sua origem em atitudes (suposições) que são estabelecidas na in­
fância e posteriormente. Em muitas situações, essas suposições
podem ser úteis e orientar o comportamento. Por exemplo, uma
suposição como “Para ter valor devo ter sucesso” é passível de
motivar uma considerável atividade positiva. Entretanto, as supo­
sições tornam os indivíduos vulneráveis a certos acontecimentos
críticos. No caso do pressuposto acima, ser reprovado num exame
poderia ser um desses acontecimentos: o fato seria interpretado
como uma grande perda, e poderia levar à produção de pensamen­
tos automáticos negativos, como “Não tenho valor”, “Sou um fra­
casso como pessoa”. Tais pensamentos fazem baixar o humor, o
que por sua vez aumenta a probabilidade de que outros pensamen­
tos automáticos negativos ocorram, produzindo uma espiral vicio­
sa que tende a manter a depressão. Uma vez iniciada a depressão,
uma série de distorções cognitivas exerce uma influência geral
sobre o funcionamento cotidiano da pessoa. Elas se manifestam
como a tríade cognitiva: visão negativa de si mesmo, experiência
atual e futuro. Outras mudanças cognitivas podem manter essa
visão depois de ela ter sido provocada; por exemplo, os pacientes
atentam seletivamente para acontecimentos que confirmam a vi­
são negativa que têm de si mesmos. Esse modelo é desenvolvido
de forma mais completa no Capítulo 6. Beck (1976) estendeu a
aplicação da terapia cognitiva a uma grande variedade de distúr­
bios emocionais.
O tratamento descrito neste livro representa uma integração
das abordagens cognitiva e comportamental. Por isso, é chamado
de terapia cognitivo-comportamental. Nesse tipo de tratamento,
ajuda-se o paciente a reconhecer padrões de pensamento deforma­
do e comportamento disfuncional. Utiliza-se a discussão sistemáti­
ca e tarefas comportamentais cuidadosamente estruturadas para se
ajudar os pacientes a avaliar e modificar tanto seus pensamentos
deformados quanto seus comportamentos disfuncionais. Alguns
aspectos do tratamento dão maior ênfase ao comportamento, outros
16 Terapia cognitivo-comportamental

uma maior ênfase cognitiva. Como este livro demonstra claramen­


te, já foram desenvolvidas abordagens cognitivo-comportamentais
para a maioria dos distúrbios encontrados na prática psiquiátrica.

Princípios gerais da abordagem


cognitivo-com portam ental

Na abordagem cognitivo-comportamental dá-se ênfase consi­


derável à expressão de conceitos em termos operacionais e à com­
provação empírica do tratamento, usando estudos experimentais
tanto de grupo quanto de casos isolados, em ambientes de pesqui­
sa e na prática clínica diária. Para assegurar a possibilidade de re­
produção das descobertas, a especificação do tratamento em ter­
mos operacionais e a avaliação do tratamento através de várias me­
didas confiáveis e objetivas são também enfatizadas. Grande parte
do tratamento baseia-se no aqui-e-agora, e há um pressuposto de
que o principal objetivo da terapia consiste em ajudar os pacientes
a promover as mudanças desejadas em suas vidas. Desse modo, o
tratamento concentra-se na oportunidade para uma nova aprendi­
zagem adaptativa e na produção de mudanças fora do ambiente
clínico. A solução de problemas constitui uma parte importante do
tratamento. Todos os aspectos da terapia são explicitados ao pa­
ciente que, junto com o terapeuta, procura trabalhar numa relação
cooperativa na qual planejam as estratégias para enfrentar proble­
mas claramente identificados. A terapia tem uma limitação tempo­
ral e objetivos explicitamente estabelecidos.
Neste capítulo, resumimos os desenvolvimentos anteriores
que levaram à aceitação da aplicabilidade e utilidade das aborda­
gens cognitivo-comportamentais para muitos distúrbios psiquiátri­
cos. Embora os próximos anos certamente venham a testemunhar
mudanças e avanços substanciais dessas abordagens, no momento
ela oferece tanto os meios específicos efetivos de se dar assistência
aos pacientes quanto uma valiosa abordagem geral para a com­
preensão dos distúrbios psiquiátricos e para a elaboração de pro­
gramas de tratamento.
Desenvolvimento e princípios 17

Leitura recom endada

Barlow, D. H., Hayes, S. C. e Nelson, R. O. (1984). The Scientist Practitioner. No­


va York, Pergamon.
Davison, G. e Neale, J. (1984). Abnormal Psychology (i* ed.). Nova York, Wiley.
Kazdin, A. E. (1978). History o f Behavior Modification: Experimental Founda­
tions o f Contemporary Research. Baltimore, University Park Press.
2. Avaliação cognitivo-comportamental
Joan Kirk

Introdução

A avaliação cognitivo-comportamental baseia-se em princí­


pios simples e tem objetivos claramente definidos. Estes podem
ser facilmente compreendidos pelos terapeutas que se iniciam nes­
sa abordagem, ainda que talvez precisem de duas ou mais sessões
de avaliação com seus primeiros pacientes para que os objetivos da
avaliação sejam alcançados. São estes, por sua vez, que têm de dis­
cutir com o paciente um a formulação dos problemas a serem trata­
dos e obter informações suficientemente detalhadas a respeito de
fatores que mantêm o problema, a fim de se elaborar e apresentar
um plano de tratamento. Além disso, o terapeuta deve ter começa­
do a educar o paciente sobre o modelo psicológico.
O primeiro princípio (e talvez o central) da avaliação cogniti­
vo-comportamental é que o indíviduo se comporta de maneiras que
*.io determinadas por situações imediatas e pelas interpretações
que faz delas. Este deve ser, portanto, o principal enfoque da avalia-
çrto, com ênfase nos problemas específicos, e não em entidades
globais.
As características dos terapeutas consideradas importantes em
outros tipos de terapia talvez sejam igualmente relevantes no trata­
mento cognitivo-comportamental. O paciente precisa se sentir se-
w«11«*paru revelar informações importantes, e muitas vezes pertur-
20 Terapia cognitivo-comportamental

badoras. Isso será facilitado se houver uma atmosfera de cordiali­


dade e de confiança, sem risco de censura, se o terapeuta tiver em-
patia com o paciente e estiver claramente empenhado em ajudá-lo
a superar as dificuldades existentes.

M etas da avaliação cognitivo-com portam ental

Formulação cognitivo-comportamental dos problemas

A terapia cognitivo-comportamental baseia-se no método ex­


perimental, de modo que as primeiras sessões são usadas para a
elaboração de uma hipótese (formulação) inicial e de um plano de
tratamento. A formulação é testada em exercícios de casa e ses­
sões de tratamento subseqüentes, e modificada se necessário.
Embora a maior parte da avaliação ocorra nas sessões ini­
ciais, o processo de avaliação continua durante todo o tratamento.
Os terapeutas às vezes cometem o erro de pensar que, se classifi­
carem um problema (por exemplo, “fobia de altura”), isto designa­
rá o tratamento (por exemplo, a exposição gradual). Os clínicos
tornaram-se cada vez mais conscientes de que as categorias diag­
nosticas fornecem indicações gerais sobre o tratamento que pode­
ria ser aplicável, mas esse é apenas um primeiro passo que deve ser
complementado por informações mais detalhadas. O que a pessoa
está fazendo, de maneira manifesta ou encoberta, que gostaria de
modificar? Quais são os précipitantes (situacionais, mentais ou
internos) do comportamento-problema, e em quais contextos ele
ocorre? Quais são as conseqüências do comportamento-problema?
Em particular, o que parece manter o comportamento, tanto a
curto quanto a longo prazo? Que mudanças poderiam ser feitas em
quaisquer desses aspectos para se produzir mudanças no compor-
tamento-problema?
A maior parte deste capítulo descreve o modo de inferir uma
formulação e um plano de tratamento. Antes de nos concentrar­
mos nisso, porém, há duas outras funções da avaliação a serem
examinadas. Dizem respeito ao uso da entrevista comportamental
para informar o paciente sobre o modelo cognitivo-comportamen-
Avaliação cognitivo-comportamental 21

tal e à abordagem do tratamento, bem como às qualidades terapêu­


ticas da avaliação.

Educar o paciente sobre a abordagem


cognitivo-comportamental

O paciente deve ser informado, durante a avaliação, de que a


abordagem cognitivo-comportamental é em grande parte uma auto-
ajuda, e que o objetivo do terapeuta é auxiliar o paciente a desen­
volver habilidades para superar não só os problemas existentes,
como também quaisquer problemas futuros semelhantes. O tera­
peuta deve enfatizar o papel dos exercícios de casa, ressaltando que
a maior parte da terapia ocorre no dia-a-dia, com o paciente colo­
cando em prática aquilo que foi discutido nas sessões terapêuticas.
A natureza cooperativa da relação terapêutica deve ser discutida;
espera-se que o paciente participe ativamente na coleta de dados,
dando informações sobre a eficácia das técnicas e fazendo suges­
tões sobre novas estratégias.
As informações sobre a estrutura do tratamento também de­
vem ser dadas nessa fase; por exemplo, o número de sessões tera­
pêuticas necessárias, a duração de cada uma delas e o local onde
ocorrerá o tratamento.
Uma avaliação cognitivo-comportamental também desempe­
nha um papel educativo geral, e leva o paciente a enfocar variáveis
internas e externas que podem não ter sido consideradas relevantes
para o problema. O paciente é interrogado sobre situações, estados
fisiológicos, cognições e fatores interpessoais, bem como sobre o
comportamento manifesto, e como cada um desses grupos de va-
I láveis se relaciona com o problema. Esse questionamento será dis-
nil ido detalhadamente mais adiante, neste capítulo. Chamar a aten-
çrtii do paciente para essas relações funcionais faz parte do apren-
di/mlo que ele deve receber sobre o modelo psicológico. Na fase
imrml do tratamento, isso ajuda a aumentar a consonância entre as
(‘HpiTtat ivas que paciente e terapeuta têm quanto ao tratamento: se
loiHit muito diversas, o paciente pode decidir pelo abandono do
iMliimanto.
22 Terapia cognitivo-comportamental

Início do processo terapêutico

A entrevista de avaliação tem um papel importante no início


do processo terapêutico. E comum que os pacientes se apresen­
tem com uma sucessão indiferenciada de dificuldades. A medida
que o terapeuta ajuda a esclarecer e diferenciar entre os proble­
mas, as dificuldades quase sempre se reduzem a proporções con­
troláveis, e o paciente começa a acreditar que a mudança é possí­
vel. Por exemplo, um paciente que se apresentou com uma série
de problemas, inclusive choro e desânimo, perda de prazer e inte­
resse, cansaço, alterações do sono, falta de amor-próprio e desam­
paro, ficou aliviado ao saber que eram todos sintomas comuns de
um problema (isto é, depressão) para o qual existem abordagens
terapêuticas bem estabelecidas. Em contrapartida, alguns pacien­
tes supõem, erroneamente, que suas dificuldades refletem um úni­
co problema; por exemplo, uma paciente acreditava que tinha um
grande problema - uma falta básica de controle - mas tranqüili­
zou-se quando se tornou evidente durante a avaliação que, ao in­
vés disso, tinha problemas inter-relacionados, separados, inclusi­
ve episódios bulímicos, abuso de álcool, dívidas, desânimo e mau
relacionamento interpessoal, todos os quais podiam ser tratados
separadamente.
A avaliação ressalta a possibilidade de mudança, ajudando o
paciente a pensar naquilo que se pode realizar, em vez de fixar-se
continuamente nos problemas. Também estabelece limites razoá­
veis sobre o que poderia ser realizado através do tratamento; por
exemplo, não é razoável que um paciente agorafóbico possa pre­
tender nunca experimentar emoções desagradáveis, mas deveria
ser possível ir ao supermercado sem se sentir mal.
A avaliação também permite ao paciente verificar que as va­
riações na intensidade das perturbações são previsíveis em termos
de acontecimentos intemos e externos, não sendo simplesmente
uma imposição arbitrária do destino. Fica implícito que, se as va­
riações são previsíveis, também podem ser controláveis. Os pa­
cientes podem não perceber de imediato as relações funcionais
entre os sintomas e tais acontecimentos. Por exemplo, uma pacien­
te disse: “Sim, realmente tive uma semana terrível. Estava no meu
período pré-menstrual, depois tive uma discussão horrível com meu
Avaliação cognitivo-comportamental 23

irmão por causa do aniversário da morte de minha mãe, daí tive de


ir trabalhar sem o carro, que enguiçou, e, para culminar, ando me
sentindo horrível e todas as minhas preocupações com os sintomas
começaram a voltar. Não sei o que provocou esse retomo.” O ques­
tionamento ajudou-a a ver que o aumento de sintomas não era
imprevisível, mas poderia ser facilmente explicado pelos aconteci­
mentos interligados e pela sua interpretação do que a “recaída” in­
dicava.
O terapeuta deve mostrar solidariedade e preocupação pelos
problemas e dificuldades do paciente, sem emitir julgamentos;
isso pode proporcionar grande alívio, sobretudo se o paciente se
sentia constrangido, culpado ou sem esperanças, como ocorre com
freqüência.
Finalmente, uma função importante da avaliação é estabele­
cer se há alguma coisa que deva ser tratada com urgência. Por
exemplo, se o paciente está deprimido, deve-se avaliar o intento
suicida; se alguém se queixa das dificuldades em lidar com os fi­
lhos, a possibilidade de maus-tratos físicos deve ser explorada.
Em suma, a meta principal da avaliação cognitivo-comporta-
mental é estabelecer uma formulação e um plano de tratamento de
comum acordo com o paciente. Além disso, permite ao terapeuta
instruir o paciente sobre a abordagem terapêutica e dar início ao
processo de mudança. Também permite que fatores de emergência
sejnm avaliados.

(Jiiiiilro 2.1 Métodos de avaliação

I nlirvlNta comportamental
AlikimnnítoruçSo
■\iiln irlmo (questionários, escalas de avaliação global)
hilnimiiçfleN obtidas através de outras pessoas
i'IiIivvInIiis com pessoas-chave
miiltlloi nçAo por outras pessoas-chave
«*1i>,i IVai. ili >dirctii do comportamento em ambientes clínicos
h pu iniliiçrto de papéis (role-play)
h Mit >icomportamentais
IStinun'llIis objetivos comportamentais
1 li illilil', IllIllIÓgicilS
24 Terapia cognitivo-comportamental

M odos de avaliação

Embora a maior parte da avaliação comportamental tome a


forma de um a entrevista comportamental, esse é apenas um dos
métodos de avaliação que podem ser relevantes em qualquer ca­
so. Ao se avaliar os problemas, convém distinguir quatro catego­
rias diferentes de respostas - comportamental, fisiológica, cog­
nitiva e emocional. Diferentes procedimentos de avaliação forne­
cem informações sobre diferentes sistemas de respostas, e por­
tanto pode ser útil avaliar um problema de mais de um a maneira,
para perm itir um quadro mais exato da mudança provocada pelo
tratamento. Isso é particularm ente certo se houver a possibilida­
de de uma falta de sincronia entre as diferentes medidas (Rach-
man e Hodgson, 1974). Por exemplo, um paciente pode mudar
comportamentalmente, mas ainda assim sentir-se perturbado e
experimentar mudanças fisiológicas quando em situações de m e­
do. Assim, um a avaliação restrita às informações prestadas pelo
paciente sobre o seu problema não daria uma idéia correta do
progresso, e seria complementada de m aneira útil por um teste
comportamental (ver p. 70) no qual o paciente deve praticar com­
portamentos problemáticos. O Quadro 2.1 resume os principais
modos de avaliação que podem ser considerados na avaliação de
problemas.
A principal parte da avaliação comportamental toma a forma
de uma entrevista, mas esta é complementada por informações
recolhidas e registradas (“automonitoradas”) pelo paciente após a
entrevista. Grande parte da entrevista comportamental será dirigi­
da para a definição de problemas com os detalhes necessários à
automonitoração posterior. Os princípios de medição relevantes
à automonitoração também se aplicam aos outros aspectos da ava­
liação resumidos no Quadro 2.1. Portanto, os princípios de medi­
ção relevantes à automonitoração e aos outros modos de avaliação
serão apresentados aqui antes de discutirmos a entrevista compor­
tamental e os outros modos de avaliação.
Avaliação cognitivo-comportamental 25

M edidas na avaliação e tratam ento


cognitivo-com portam ental

A aplicação do método experimental aos problemas de pa­


cientes individuais, tal como defendida por Shapiro (1961è), é
fundamental para a abordagem cognitivo-comportamental: uma
formulação é usada para se prever os efeitos de determinadas in­
tervenções (técnicas terapêuticas, etc.), e estas são então testadas
no decorrer do tratamento. Assim, a terapia com um só paciente
pode ser considerada um experimento de caso único, e grande par­
te do tratamento gira em torno de medidas tomadas tanto durante
as sessões terapêuticas quanto entre as sessões. Essa quantificação
pode ser convenientemente limitada à automonitoração e aos ques-
tionários para a maioria dos pacientes, raramente sendo necessá­
rias as observações diretas ou os registros fisiológicos. Pode-se
precisar de habilidade para encontrar medidas individualizadas que
reflitam adequadamente o problema do paciente, embora não seja
difícil encontrar medidas-padrão para muitas situações.

Vantagens das medidas

1. As estimativas retrospectivas fornecidas pelos pacientes


.«ihre a freqüência dos comportamentos são notoriamente discutí-
veis (Harlow, Hayes e Nelson, 1984). O registro direto permite
unm descrição mais exata do problema em relação a freqüência,
intensidade, etc.

2. Medidas durante as sessões de tratamento, bem como entre


I . sessões, permitem ao paciente e ao terapeuta modificarem o tra-
ItiiiK'iilo, se necessário. Por exemplo, a “saciação pelo pensamen­
to" (t in que o paciente se concentra em um pensamento que lhe
I iii .i desconforto por um longo período) estava sendo aplicada
• ui until paciente obsessiva que avaliava seu grau de desconforto a
• uilii tivs minutos, durante as sessões de tratamento, e também três
• • 1Npm dia. Sua folha de avaliação é mostrada nas Figuras 2.1 e
1 1 Siiiin avaliações do grau de desconforto com os pensamentos
ilinihiulnm de forma constante durante as sessões de tratamento,
mie. if. avaliações diárias de tensão indicavam que esta aumentava
26 Terapia cognitivo-comportamental

dia após dia. Levando-se em conta a “eficiência” do procedimento


durante as sessões, essa deterioração teria sido ignorada sem as
avaliações diárias.

3. As medidas podem ter efeitos terapêuticos, proporcionando


ao paciente informações constantes e exatas sobre seu progresso. Por
exemplo, uma paciente agorafóbica declarou “Tem sido terrível, não
tenho saído nunca, não posso fazer nada”. O exame de seus diários,
os exercícios de casa nos quais registrava todos os dias suas vindas de
casa (ver Figura 2.3), lhe permitiu verificar que, embora tivesse sofri­
do um retrocesso em relação à semana anterior, estava saindo muito
mais e se sentindo menos ansiosa do que um mês antes. A sessão tam-

Por favor, dê uma nota para o mal-estar que está sentindo neste momento,
utilizando a seguinte escala:

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
I__________ I__________ I__________ I__________ I__________ I__________ I__________ I__________ I__________ I__________ I

Nem um pouco Moderadamente Extremamente


perturbada perturbada perturbada, sentindo-me
da pior maneira possível

Figura 2.1 Escala de auto-avaliação para o desconforto durante as sessões de


saciação pelo pensamento com um paciente obsessivo

Dê uma nota para o mal-estar que sentiu durante cada período do dia, utili­
zando a seguinte escala:
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
I I I I I I I I I I_________ I

Nem um pouco Moderadamente Extremamente tensa,


tensa tensa sentindo-me da pior
maneira possível

Data Manhã Tarde Noite

29 Nov. 4 5 3
30 Nov. 2 5 4
1 Dez. 6 6 7
2 Dez. 5 4 2
3 Dez. 6 7 8

Figura 2.2 Escala de avaliação de tensão três vezes ao dia para um paciente
obsessivo
Avaliação cognitivo-comportamental 27

Data Saídas Ansiedade Tempo Compras Sozinha Ansiedade


esperada fora sentida
0-100 / X / X 0-100

4Abr. Primo que mora 75 30 min X / 40


na rua de cima
5 Abr. Açougue e escola 50 25 min / X 30
6Abr. Abingdon de 75 2h X 40
ônibus, compras
7 Abr. Açougue e escola 60 25 min / X 35
Bar à noite 80 1h X X 20

Figura 2.3 Diário das saídas de casa de uma mulher agorafóbica

Data Tempo que Ansiedade Ansiedade Como lidou com ofato


passou sozinha inicial 1 hora deficar sozinha
de até 0-100 depois

3 Mar. 10h20 10h45 85 15 Liguei para minha mãe


pedindo para ela voltar
KMar. lOhOO 1Ohl 5 70 10 Liguei para minha
vizinha e conversei
com ela
12 Mar lOhOO 10h30 60 5 Ouvi minha fita
.'I Mar. 14hl0 14h40 60 10 Costurei para me distrair

1' luura 2.4 Diário de uma paciente ansiosa com o fato de ficar sozinha

lu'in coincidiu com seu período menstrual, e um exame de outras


MMiumas pré-menstruais nos diários indicou uma tendência a ficar
im iis ansiosa e menos ativa nesses períodos.
Pacientes com baixa confiança e auto-estima tendem a conce­
di i Nc pouco crédito pelos progressos. Por exemplo, uma paciente
i|iu> línlia superado com êxito seu medo de ficar sozinha em casa
•I*"ii iii lava esse problema dizendo: “Bem, isso nunca foi mesmo um
pittltlnim; é com meus filhos que eu realmente tenho dificulda­
d e " A c onsulta feita aos registros anteriores revelou que no início
il" iiiilamento ela se sentia muito perturbada quando sozinha em
t m u i , r evitava essas ocasiões sempre que possível. Isso demonstrou
28 Terapia cognitivo-comportamental

seu êxito na solução do que antes fora um problema sério (ver Fi­
gura 2.4).
As medidas regulares também permitem que o terapeuta e o
paciente continuem a focalizar sua atenção nas metas estabeleci­
das por ambos para o tratamento.

4. As medidas permitem ao terapeuta estabelecer se o trata­


mento foi aplicado da forma correta; por exemplo, um programa de
exposição (ver Capítulo 4) pode não funcionar, pois o paciente não
está se submetendo a ela de maneira adequada. Muitos terapeutas
verificam os exercícios de casa informalmente; por exemplo:

Terapeuta: Você está saindo regularmente, como planejamos?


Paciente: Ah, sim, estou saindo de vez em quando.
T. : Qual a freqüência desse “de vez em quando”?
P. : Ah, sempre que preciso.
T. : E quantas vezes isso se dá?
P. : Quase todos os dias.

Entretanto, mesmo esse número de indagações não resultou


nas informações precisas que seriam proporcionadas por um diá­
rio. Neste caso o paciente na verdade havia saído três vezes na se­
mana, e essa baixa freqüência de exposição explicava o pouco su­
cesso obtido.
Em suma, a medição tem um papel central na avaliação e no
tratamento cognitivo-comportamental, e pode se dar através de di­
ferentes modos de avaliação. A entrevista comportamental é, em ge­
ral, o ponto de partida para a avaliação, e vamos agora examiná-la
mais detalhadamente.

A entrevista com portam ental

Fase inicial

A maioria dos pacientes não sabe muito bem o que esperar da


entrevista de avaliação. É bom fazer com que o paciente se sinta à
vontade e começar a estabelecer o relacionamento, desde que o te-
Avaliação cognitivo-comportamental 29

rapeuta tenha lido as cartas de encaminhamento do paciente e o ce­


nário esteja preparado para o resto da sessão. Depois que paciente
e terapeuta se apresentaram, a sessão pode começar.

O Dr. ... escreveu-me sobre os problemas em relação aos quais


você gostaria de obter ajuda. Deduzo que esteja se sentindo tenso e
ansioso a maior parte do tempo, e que esteja preocupado com a bebida.
Não tenho muitos detalhes além disso. Gostaria que me dissesse rapida­
mente como você vê os problemas neste momento. Depois, examinare­
mos durante uns 15 minutos ou mais como o problema se desenvolveu,
e em seguida examinaremos detalhadamente o quadro atual. Para come­
çar, então, poderia me contar rapidamente o que considera como proble­
mas principais?

E útil ouvir, simplesmente, o que o paciente tem a dizer sobre


os problemas. É provável que ele já tenha passado muito tempo
pensando nisso. Por outro lado, é fácil para o paciente interpretar
erroneamente o que lhe é pedido, e começar a fazer uma exposição
histórica do problema, o que não é útil nessa fase. O terapeuta deve
ouvir atentamente e transmitir ao paciente sua preocupação e seu
cuidado com ele. Comentários como “Isso é sem dúvida muito
ili liei l/perturbador para você” ajudam a cativar o paciente e a esta­
belecer o relacionamento. Ao resumir e parafrasear o que o pa-
eiente disse, e ao mostrar que seus sentimentos encontram eco, o te-
iiipeuta consegue demonstrar que os problemas foram compreen­
didos. Por exemplo, depois de ouvir uma demorada descrição dos
problemas de um paciente, o terapeuta disse: “Se estou certo, você
eNli'i di/endo que se esforça muito para agradar as outras pessoas e
I oloeii o bem-estar delas antes do seu, mas tenho a impressão de
i|iir isso faz com que às vezes se sinta muito agitada. Estou certo?”
t » pmiente pode ser estimulado a estender-se por áreas relevantes
i>* um maior interesse lhe for demonstrado, tanto não-verbalmente,
I um jjonIos tie cabeça e contato visual, como também verbalmen-
ii iili nvés de comentários e perguntas. Entretanto, os terapeutas de-
w in iiMU’uurar-se de que seus pressupostos iniciais a respeito dos
piolileiims dos pacientes não influenciem de forma excessiva suas
pi iiMiniiiN. ou suas interpretações das respostas dos pacientes.
Myuns pacientes têm dificuldade de descrever seus problemas,
■ni In/i m iipenas descrições vagas. Pode ser útil, nesse caso, fazer
30 Terapia cognitivo-comportamental

perguntas como: “Pode descrever o que aconteceu da última vez


que você ficou perturbado?”, “Quando foi isso?”, “Qual foi a pri­
meira coisa que notou?”, “De que forma sua vida mudou desde que
esses problemas se apresentaram?”, “O que o problema o impede
de fazer?”, “Do que teve de desistir em conseqüência do proble­
ma?” O uso da paráfrase pode então ajudar o paciente a estender-se
mais sobre aspectos relevantes.
Nesta fase, que dura de cinco a dez minutos, é necessário fa­
zer apenas um esboço geral do problema. O terapeuta coleta indi­
cações de possíveis antecedentes e fatores mantenedores para se­
rem usados mais adiante na entrevista, mas apenas as anota. E útil
fornecer ao paciente uma síntese dos problemas e obter informa­
ções de sua exatidão. O terapeuta pode dizer, por exemplo: “Você
parece estar dizendo que seu maior problema são as palpitações e
sua preocupação com elas. Mas, além disso, está preocupada com
o relacionamento atual de sua filha, bem como com a atitude de
seu marido com relação a isso. Entendi bem? Há outros problemas
que tenhamos deixado de fora?”
Quando mais de um problema é apresentado, o terapeuta e o
paciente devem decidir em conjunto qual deles constituirá o enfo­
que inicial da intervenção (ver p. 589).
A avaliação passa, então, a examinar como cada problema co­
meçou e evoluiu, antes que seja feita uma análise mais detalhada
da situação atual. Cada problema identificado é por sua vez anali­
sado, cobrindo as fases resumidas no Quadro 2.2.

Evolução do problema

Esta parte da avaliação é consideravelmente mais rápida do


que em outros tipos de avaliação psicoterapêutica, já que as infor­
mações históricas só são coletadas se forem diretamente relevantes
para o desenvolvimento do problema apresentado e a compreensão
dos atuais fatores mantenedores.

Início

Um problema pode ter um início muito bem definido; por


exemplo, uma fobia de dirigir pode surgir logo após um acidente
Avaliação cognitivo-comportamental 31

Quadro 2.2 Fases da Entrevista Comportamental

Rápida descrição dos problemas


Desenvolvimento: précipitantes
duração
fatores predisponentes
Descrição do comportamento-problema: comportamental Qual?
cognitivo Quando?
afetivo Onde?
fisiológico Com que
freqüência?
Com quem?
Qual o grau de
desconforto?
O quanto é
perturbador?
( 'ontextos e variáveis moduladoras: situacionais
comportamentais
cognitivos
afetivos
interpessoais
fisiológicos
I ntorcs mantenedores: situacionais
comportamentais
cognitivos
afetivos
interpessoais
fisiológicos
Ivlliiçâo
Mivmsos ile enfrentamento e outras qualidades
I lliliVíco médico e psiquiátrico
I I niHiiiciito anterior: resposta
medicação atual
I iriu,iiíi snlire o problema
I
I hIiiiIo iiicntul/liumor
‘1 tlInu,I psicossocial: família
relacionamentos psicossexuais
moradia
profissão
relações sociais
passatempos/interesses
I MHitiiltM" pit'llinlnur
32 Terapia cognitivo-comportamental

de carro. Entretanto, mesmo nesses casos aparentemente simples,


o terapeuta precisará de mais informações para entender o proble­
ma e como este se mantém. Por exemplo, a fobia de dirigir pode
ser mantida por pensamentos sobre acidentes, evitação e, talvez,
pensamentos sobre a possibilidade de desfiguração que perdura­
ram após o acidente inicial.
Para muitos pacientes, o problema se terá desenvolvido aos
poucos, e uma sucessão de fatos terá contribuído para o reconheci­
mento da existência de um problema. Esses fatos podem estar
diretamente relacionados com o que acaba sendo identificado co­
mo o problema; por exemplo, um paciente pode ter saído de três
empregos antes de reconhecer que tem dificuldades no trato com
figuras que representam autoridade no trabalho. O paciente, por
outro lado, pode perceber a existência de um problema que se está
agravando, mas pode ser impreciso a propósito de seu início ou da
razão pela qual está piorando. Nesses casos, pode haver fatos
estressantes ou grandes mudanças, típicos da vida, associados ao
início do problema e a mudanças em sua intensidade. Pode ser útil
percorrer uma lista de alguns eventos vitais típicos, como, por
exemplo, morte ou doença na família ou de amigos, rompimento
de uma relação, mudança de casa, de emprego, etc. Haverá áreas de
particular relevância para cada problema; por exemplo, as perdas
serão especialmente relevantes para um paciente deprimido, a doen­
ça física de um parente ou amigo será de importância comparável
para um paciente com ataques de pânico.

Desenvolvimento

A maneira pela qual o problema se desenvolveu desde o iní­


cio deve ser estabelecida. O problema pode, por exemplo, ter per­
sistido de maneira constante, ou pode ter se agravado ou apresen­
tado flutuações. Convém determinar a razão pela qual o paciente
se apresentou para tratamento neste momento específico, pois isso
pode refletir outras dificuldades. Por exemplo, uma mulher com
uma crescente ansiedade social só pediu ajuda quando mudou de
emprego e não conseguia explicar aos seus colegas que o medo de
contaminação a impedia de usar a cantina dos funcionários. Se
houve flutuações na gravidade do problema e, particularmente, se
Avaliação cognitivo-comportamental 33

este vem de longa data, então será útil fazer um gráfico de sua evo­
lução no tempo, com as variações de sua gravidade registradas de
um lado da linha do tempo, e as mudanças de vida mostradas do
outro lado. Um exemplo é dado na Figura 2.5. Como em outras par­
tes da entrevista, enfatiza-se a previsibilidade do problema para

._____ Terminou o curso


Ansiedade ocasional_____ universitário
desapareceu gradualmente

Morte do tio aos 40 anos,


ataque cardíaco

Ansiedade generalizada . 1970 “ ' Separou-se de seu companheiro


grave,crescente
Pânicos noturnos - Começou a tomar Oxazepam
- Insegurança no emprego;
sentindo-se “aprisionada”
Pânicos diurnos pelos filhos

. Parou de tomar Oxazepam;


começou a tomar ferro
Rápida melhora
nos sintomas

1980
<- - Morte da mãe

Filha mais nova sai de casa;


Levemente “tensa” não se sentindo mais
“aprisionada”, começa a viajar

Ataques de pânico
mimentam rapidamente - Começou viagem aos Estados
Unidos

hlnicos diminuíram, mas - Encurtou viagem, começou


iimliiuiucom moderada a evitar viagens domésticas e
inwicdttdc generalizada, exercícios, tomando grandes
I uni pânicos ocasionais quantidades de ferro

I Ijiiii « 2.^ <iráfico da relação entre datas e fatos para uma paciente com sin-
iniiitir, de iinsiediule
34 Terapia cognitivo-comportamental

ajudar o paciente a entender por que ocorreram variações em sua


gravidade. Além dos fatos ocorridos na vida do paciente, as mu­
danças de humor devem ser objetos de indagação, assim como as
intervenções “terapêuticas”, sejam elas formais ou informais (por
exemplo, através de grupos de auto-ajuda, órgãos voluntários, igre­
jas, etc.).
Alguns pacientes podem querer passar um tempo excessivo
descrevendo a evolução dos problemas. Isso se dá talvez pelas ex­
pectativas inexatas a respeito da entrevista, ou porque passaram
horas avaliando esses problemas e querem compartilhar seus pen­
samentos. Pode ser necessário lembrar a tais pacientes que o enfo­
que principal do tratamento reside nas circunstâncias imediatas. O
terapeuta poderia dizer:

Precisam os p assar a m aior parte do tem po concentrados no


que está acontecendo agora, pois é isso que tentarem os m udar. E m ­
bora precisem os de um esboço da evolução do problem a, p recisa­
m os passar a m aior parte do tem po concentrados naquilo que p o d e­
rem os m udar.

Talvez valha a pena ressaltar, também, que um problema pode


ter se desenvolvido por razões que se tornaram irrelevantes, e que
fatores completamente diferentes o estejam mantendo neste mo­
mento. Por exemplo, um homem tomou-se incapaz de ter ereção
quando teve dúvidas a respeito da afeição de sua ex-esposa; embo­
ra estivesse agora mantendo uma relação amorosa, a ansiedade
com relação ao seu mau desempenho sexual mantinha o problema
de ereção.
Devemos notar que a indagação “por quê?” é evitada na me­
dida do possível, pois tende a provocar a resposta “Não sei”, ou ex­
posições prolongadas sobre as origens do problema em termos de
psicologia leiga. Por outro lado, perguntas como “O que era difícil
para você nessa situação?”, ou “Como você permaneceu calmo
nessa situação?” fornecem informações mais detalhadas sobre os
fatores que atualmente mantêm o problema.
Avaliação cognitivo-comportamental 35

Fatores predisponentes

Deve-se buscar informações sobre qualquer coisa que, no pas­


sado, possa ter contribuído para que o paciente tenha desenvolvido
o problema em questão. Informações mais específicas sobre os
fatores relevantes, que formam o pano de fundo para os distúrbios
específicos, encontram-se nos capítulos que se seguem. No caso
de uma depressão, por exemplo, o paciente seria indagado sobre
casos de depressão na família e sobre separação na infância; um
paciente com ansiedade seria indagado sobre habilidade emocio­
nal; uma mulher com disfunção orgásmica seria indagada sobre as
atitudes sexuais de seus pais. Contudo, os pacientes com depres­
são e ansiedade não devem ser indagados sobre atitudes sexuais,
mesmo que se possa dizer que isso nos poderia proporcionar uma
maior compreensão do paciente como um todo. Em geral, o tera­
peuta só busca informações que tom em mais provável a mudança
do problema em questão.

Análise comportamental

Esta fase, durante a qual os problemas são examinados em de-


talhe, compreende a maior parte da entrevista. O objetivo é desco­
brir como o problema se mantém atualmente, de que maneira in-
tcrfere na vida do paciente, e se tem para ele qualquer finalidade
útil. Há duas abordagens comumente usadas para isso.
Cada problema pode ser analisado em termos do que O ’Leary
c Wilson (1975) definiram como os A-B-Cs - os Antecedentes,
< '<importa mentos e crenças e Conseqüências*. Cada um desses fa­
illies pode aumentar e diminuir a probabilidade de que o compor-
lumcnto ocorra. Por exemplo, um antecedente comum ao ato de
limiar cigarros é sentar-se com uma xícara de café ao final de uma
ii'li'içrto; sc os antecedentes forem alterados (deixar imediatamen-
i‘ .1 mesa no final da refeição, tomar chá em vez de café), reduz-se
li piuhiibilidade de a pessoa fumar. Por outro lado, mudar o com-

* No oi i^innl, Antecedents. Behaviours and beliefs, and Consequences.


| N t i n l< )
36 Terapia cognitivo-comportamental

portamento ao se fumar deliberadamente os cigarros com excessiva


rapidez pode ajudar a controlar o hábito. Finalmente, se houver con­
seqüências positivas como, por exemplo, destinar o dinheiro poupa­
do ao não se fumar a uma atividade específica, pode tomar o ato me­
nos provável no futuro. Para qualquer problema, as mudanças po­
dem ser possíveis em qualquer dos antecedentes, comportamentos
ou conseqüências, ou em todos; a avaliação visa identificar o que
poderia estar mantendo o problema e o que poderia ser mudado.
Uma forma semelhante (porém mais direta) de fazer uma análise
comportamental consiste em descrever os contextos em que surgem
os problemas, examinar os fatores que modulam a intensidade deles
e avaliar as suas conseqüências, inclusive a evitação. Esse esquema
será adotado aqui por ser menos complexo e, ainda assim, permitir
uma análise adequada da maioria dos problemas.

Descrição detalhada do problema

Como primeiro passo, é útil pedir ao paciente uma descrição


detalhada de um exemplo recente do problema. Isso proporciona
informações mais específicas do que uma descrição geral, e forne­
ce indicações sobre os fatores mantenedores. Se os pacientes tive­
rem dificuldade em descrever um incidente recente, talvez conve­
nha recomendar que fechem os olhos e imaginem a cena, como se
estivesse passando na televisão. A descrição do problema deve in­
cluir elementos internos como pensamentos, sentimentos e sinto­
mas físicos, assim como comportamentos manifestos.
A um paciente que se apresentou com preocupações sobre as
funções intestinais foram feitas as seguintes perguntas:

Vamos examinar as coisas mais detalhadamente. Você diz que


se preocupa com o fato de ir ao banheiro. Qual foi a última vez
que realmente se preocupou com isso?
Paciente: Esta manhã, antes do café.
Terapeuta: Poderia falar mais sobre isso, contando o que aconteceu,
como se sentiu, o que fez, que pensamentos passavam pela sua
cabeça, e assim por diante. Qual foi a primeira coisa que acon­
teceu?
Avaliação cognitivo-comportamental 37

Para o paciente, pode ser útil falar livremente por alguns mi­
nutos, mas isso deve ser seguido por perguntas, até que o terapeuta
tenha uma idéia clara do que aconteceu no exemplo específico e da
seqüência em que ocorreu. O paciente desse exemplo concentrou-
se em como se sentia, por isso o terapeuta perguntou-lhe sobre ou­
tros aspectos do problema. Ele então respondeu:

Sinto-me horrível. Não consigo pensar em nada nessas oca­


siões, e fico realmente nervoso. Meus músculos ficam todos
tensos, sinto calor e suo, fico nervoso e meu estômago começa
a embrulhar. Mas sabia que, se fosse ao banheiro, ficaria ner­
voso e não conseguiria fazer nada.
Terapeuta: Você diz que se sentiu tenso, sentiu calor e suou. Houve
outras sensações físicas esta manhã?
Paciente: Sinto tontura, às vezes, mas sei que não vou desmaiar.
T. : E esta manhã o que fez, quando sentiu isso?
P. : Ah, eu andei pelo meu quarto mas não tive coragem de sair, ou
de ir à cozinha, com receio de que alguém me visse e pergun­
tasse o que havia comigo.
T. : Seria desagradável se alguém perguntasse isso?
P.: Bem, seria muito constrangedor. Dificilmente eu poderia con-
tar-lhes, não é?
T.: Compreendo que você ache isso difícil. Quanto tempo ficou no
seu quarto até sentir-se um pouco melhor, até se acalmar?
P. : Cerca de 20 minutos, quando então pude sair do quarto.
T.: E o que fez em seguida?

A atenção então se volta para uma descrição mais ampla do


problema, em que o terapeuta tenta, constantemente, obter deta­
lhes específicos em vez de generalidades. Para cada problema, o
terapeuta deve ter um quadro dos seguintes aspectos: qual é o pro­
blema (quando, onde, com que freqüência e com quem ele ocorre);
íi intensidade do desconforto que provoca e a intensidade da per-
turbução que causa.

( ou textos e variáveis moduladoras

( 'orno dissemos no Capítulo 1, um dos pressupostos da teoria


I omportamental é aquele segundo o qual o comportamento anor-
38 Terapia cognitivo-comportamental

mal foi aprendido, e que esses comportamentos podem ser desen­


cadeados por sinais internos ou externos associados ao comporta­
mento-problema. Assim, uma mulher com bulimia nervosa verifi­
cou que tinha muito mais necessidade de ingerir alimentos quando
estava em áreas da cidade onde havia lojas de comida; uma mulher
com agorafobia notou que se sentia muito ansiosa em determina­
das lojas.

D ata H um or A tividades/pensam entos D esejo Contato Prazer


Intensidade antes de buscar sexual efetuado pelo
0-100% o contato antes do contato
contato sexual
Intensidade 0-100%
0-100%

6 Jun. Entediado 70% Assisti à TV sozinho 20% Sim 20%


8 Jun. Zangado 60% N ão consegui reserva 10% Sim 15%
para o laboratório
9 Jun. D eprim ido 80% A rrum ei o apartamento, 25% N ão —
ouvi m úsica
12 Jun. Entediado 75% Trabalhei até tarde, nem 30% Sim 10%
quis pensar em com eçar
a fazer algo

F ig u ra 2.6 A utom onitoração de contato hom ossexual casual

Uma avaliação detalhada dos agentes desencadeadores con­


textuais se faz necessária porque os planos de tratamento incluem,
com freqüência, a manipulação dos contextos em que os proble­
mas ocorrem; por exemplo, a mulher com bulimia pôde, inicial­
mente, reduzir suas crises ao planejar itinerários que não passas­
sem pelas casas que vendem comida. Além disso, o tratamento
muitas vezes compreende alterações nas variáveis moduladoras
associadas a determinados sinais. O âmbito dos possíveis desenca­
deadores é quase infinito; por exemplo, um paciente obsessivo po­
de ritualizar constantemente em casa, mas nunca no trabalho, uma
paciente agorafóbica pode estar livre da ansiedade numa cidade
em que é desconhecida, e um jogador compulsivo pode jogar ape­
nas quando zangado.
O paciente pode não ter consciência dos contextos em que o
problema ocorre, nem das variáveis moduladoras. Em geral, é ne-
Avaliação cognitivo-comportamental 39

cessário que se obtenham mais informações, seja através da auto­


monitoração ou de um teste comportamental. Por exemplo, um
paciente estava incomodado pela alta freqüência de seus contatos
homossexuais casuais, mas não sabia o que o incitava a procurá-
los. Uma monitoração diária permitiu-lhe verificar que esse com­
portamento estava relacionado ao tédio, à irritabilidade e à tensão,
e apenas ocasionalmente á frustração sexual. Uma amostra de seu
diário está ilustrada na Figura 2.6.
Ao examinar os contextos em que os problemas surgem, seis
áreas gerais devem ser cobertas, como mostra o Quadro 2.2. Em­
bora não seja necessário segui-las em ordem, a entrevista deve es­
tar suficientemente estruturada para que cada uma delas seja exa­
minada: a meta principal é passar de uma visão global, tudo-ou-
nada, do problema, para uma visão em que o paciente possa come­
çar a vê-lo como previsível.

Desencadeadoras situacionais. Os problemas são, muitas vezes,


piores em determinadas situações do que em outras. Por exemplo,
um paciente com problema intestinal fez o seguinte relato:

Terapeuta: Sim, é uma imagem bastante clara de como são as coisas


quando estão ruins. Vamos agora examinar o que tom a mais
provável a ocorrência do problema.
Paciente: N a verdade o problema existe permanentemente, nunca
paro de pensar nele.
T.: Sim, tenho certeza que sim. Mas você mencionou que, pelo
menos parte do tempo, consegue afastá-lo de seu pensamento
e ocupar-se de outras coisas. O que costuma provocá-lo pela
manhã?
P.: Bem, se acordo e posso ir ao banheiro imediatamente, então
fico bem. Mas se alguém está no corredor, e não posso ir, então
começo a ficar nervoso.
T. : Então, é pior quando há alguém por perto?
P. : Ah, sim, muito pior.
T. : E que pessoas tomam pior o problema, qualquer uma, ou com
algumas delas é mais fácil?
/'. : Não me sinto muito mal em casa com minha família, pois sa­
bem que o problema existe e me deixam em paz. E das pessoas
no corredor que sinto mais medo.
40 Terapia cognitivo-comportamental

T.: E quanto às pessoas que são totalmente estranhas, no colégio,


digamos?
P. : Ah, sim, são quase tão difíceis quanto aquelas do apartamento.
T.: Está certo. Então isso quer dizer que o fato de haver pessoas
por perto faz diferença. O que mais afeta a situação? Você está
querendo dizer que é mais fácil em casa do que no colégio. E
apenas devido às pessoas, ou há outras coisas nessa situação?
P. : É certamente pior quando há silêncio.
T. : O que há de errado com o silêncio?

Desencadeadores comportamentais. Os sintomas podem ser pro­


vocados por uma grande variedade de comportamentos. Por exem­
plo, uma mulher obsessiva não se sentia incomodada pela presen­
ça de facas em sua cozinha, mas ficava muito nervosa sempre que
as usava; um homem obsessivo encontrava dificuldades em passar
pelas portas ou subir degraus, e outro, preocupado com sua saúde,
verificou que qualquer atividade moderadamente extenuante resul­
tava em pensamentos de ansiedade.

Fatores cognitivos. Os pacientes podem achar que os problemas


ocorrem de forma imprevisível porque não prestam muita atenção
aos pensamentos que lhes passam pela cabeça no momento, e ime­
diatamente antes de surgirem esses problemas. Na entrevista ini­
cial, pode ser difícil para o paciente identificar os pensamentos
relevantes, ou concentrar-se nos pensamentos no nível de especifi-
dade adequado. Isso pode ocorrer porque não prestou atenção aos
pensamentos ou porque, quando não está perturbado, os pensa­
mentos são considerados absurdos e exagerados. A identificação
de pensamentos disfuncionais, passo importante no tratamento de
muitos problemas, é examinada em detalhe nos Capítulos 3 e 6. Na
fase de avaliação, as perguntas sobre os pensamentos podem intro­
duzir o paciente ao papel que desempenham na precipitação dos
problemas. Por exemplo, uma paciente disse:

Mas às vezes começo a me preocupar sem qualquer razão.


Posso estar simplesmente sentada em frente à maquina de es­
crever e, de repente, sentir-me horrível.
Terapeuta: Pode lembrar-se de algum desses momentos?
Paciente: Sim, aconteceu na semana passada.
Avaliação cognitivo-comportamental 41

T.: É muito raro que os sintomas surjam do nada. Vamos tentar


imaginar a cena com todos os detalhes possíveis, e ver se con­
seguimos identificar o que provocou a reação.
P.: Estava sentada em meu escritório, batendo à maquina, quando
de repente me senti muito mal.
T. : Você se sente mal com freqüência em seu escritório?
P.: Não, como disse, em geral me sinto bem quando estou traba­
lhando.
T. : Pode lembrar-se do que estava fazendo nessa ocasião?
P. : Estava datilografando um relatório anual.
T. : Bem, você estava sentada em sua cadeira, batendo o relatório
anual. Havia mais alguém por perto?
P. : Não, não havia ninguém, eu estava sozinha com uma enorme
pilha de coisas para examinar.
T.: E consegue lembrar-se do que lhe passou pela cabeça nesse
momento?
P.: Pensei que jam ais conseguiria dar conta de tudo aquilo, ficaria
exausta e estaria arrasada à noite.

Outros pacientes têm plena consciência de que seus pensamen­


tos desempenham um papel importante na apresentação dos sinto­
mas, e podem observar, numa atitude autocrítica, que eles próprios
provocam o seu desconforto. Por vezes se sentem sem esperanças e
descontrolados por se terem envolvido nessa situação, recaindo so­
bre si mesmos a responsabilidade de saírem dela. Isso lhes oferece
uma oportunidade de indicar uma área de controle.

Terapeuta: Você quer dizer que, se começar a pensar “Vou me sen­


tir mal”, isso provoca os sintomas?
Paciente: Sim, é absurdo, a crise é provocada por mim mesmo. Dá
até para pensar que sinto satisfação com isso.
: Tenho certeza que não sente. Mas você está numa posição pri­
vilegiada, pois compreendeu que o modo como pensa afeta o
que sente.

I Mutlos afetivos. Muitos estados de humor podem afetar o proble-


imi A depressão e a ansiedade são as áreas mais óbvias, mas ou-
liu ‘1 estados, como a irritabilidade, alegria e excitação, podem ser
lelcviintes. Se, por exemplo, uma paciente se sente mais ansiosa
i in situações fóbicas quando está irritável, poderia observar o que
42 Terapia cognitivo-comportamental

a torna irritável e se é possível mudar isso. Também seria útil exa­


minar se ela atribui seus “sintomas” físicos à ansiedade, quando
alguns poderiam ser atribuídos à irritabilidade. Uma mulher com
fobia social descreveu este efeito:

Terapeuta: Outros tipos de estados de espírito fazem alguma dife­


rença? O que acontece quando está agitada?
Paciente: Nunca fico agitada, pelo menos por muito tempo. Se me
sinto agitada a respeito de alguma coisa, isso me faz lembrar
que provavelmente ficarei ansiosa quando chegar lá, o que me
deixa nervosa.
T. : Você quer dizer que os sentimentos que tem quando está agita­
da são semelhantes aos que experimenta quando está ansiosa?

Fatores interpessoais. Os fatores sociais são relevantes na maioria


dos problemas apresentados. Estes incluem desde problemas co­
mo a afirmação ou ansiedade social, nas quais os fatores interpes­
soais são fundamentais, até uma grande variedade de problemas
nos quais as variáveis sociais estão implícitas, ainda que de forma
mais periférica. Por exemplo, perguntou-se a uma moça com um
distúrbio alimentar:

Terapeuta: Faz alguma diferença o fato de estar com alguém?


Paciente: Ah, não suporto comer se há alguém por perto.
T. : Do que é que você não gosta?
P. : Bem, sinto que me estão observando o tempo todo para ver se
como normalmente, e começo a achar que pensam que sou gu­
losa assim que começo a comer, embora saiba que isso é ab­
surdo.
T.: Há mais alguma coisa que a desagrade nessa situação?
P.: Bem, para ser sincera, acho que isso significa que não posso ir
em frente e realmente comer muito, mesmo que queira.

O comportamento de membros da família e outras pessoas-


chave podem ter um efeito acentuado sobre o problema. Por exem­
plo, críticas feitas por outra pessoa freqüentemente exacerbam os
rituais obsessivos; a presença de uma criança pode facilitar respos­
tas adaptativas em um paciente fóbico. As opiniões dos membros
da família também são importantes, dependendo do modo como
vêem o problema - se físico, incurável, fruto de fraqueza moral ou
o que quer que seja.
Avaliação cognitivo-comportamental 43

Fatores fisiológicos. Estes podem ser relativamente específicos ao


problema; por exemplo, uma palpitação pode provocar graves sinto­
mas de ansiedade num paciente preocupado com a sua função car­
díaca. Por outro lado, há fatores mais gerais, como cansaço, fase do
ciclo menstrual ou ingestão de cafeína, que tanto podem influenciar
0 nível geral de excitação quanto afetar diretamente o problema.
Além disso, certos comportamentos só podem ocorrer em estados
fisiológicos específicos; por exemplo, após o consumo de álcool.
Como acontece com muitos dos desencadeadores menciona­
dos nos exemplos anteriores, não basta simplesmente estabelecer
os antecedentes de um comportamento; a interpretação dada pelo
paciente a esses desencadeadores, sejam eles situacionais, com­
portamentais, fisiológicos ou interpessoais, é fundamental para a
avaliação.

Fatores mantenedores

Tendo formado um quadro razoável das condições nas quais o


problema tem maior probabilidade de ocorrer, o passo seguinte é
examinar o que mantém o problema. O principal enfoque são as
conseqüências imediatas do comportamento-problema. Em termos
simples, como vem descrito no Capítulo 1, o comportamento se­
guido de circunstâncias desagradáveis tem menor probabilidade
de se repetir, e aquele seguido de fatos agradáveis tem maior pro­
babilidade de recorrência no futuro. As conseqüências mais im­
portantes do problema são os pensamentos dos pacientes e outras
reações ao problema, tendo em vista que geralmente estabelecem
uma série de círculos viciosos que mantêm o problema. Os aconte­
cimentos a longo prazo são em geral menos relevantes, e na verda­
de parecem contrariar o princípio operante básico. Por exemplo,
um paciente obsessivo pode persistir com seus rituais demorados
mesmo que, a longo prazo, isso represente uma ameaça a suas
pei spectivas de emprego e harmonia familiar.

( 'tmsct/üências imediatas. Como acontece com os agentes desen-


1mlrmlores, essas reações podem ser classificadas em seis grupos
iiniplos, como mostra o Quadro 2.2.
44 Terapia cognitivo-comportamental

Por exemplo, uma mulher com alta freqüência miccional cons­


tatou que as sensações da bexiga eram provocadas por uma variedade
de situações e comportamentos, inclusive a chegada ao trabalho, o
início de uma viagem de ônibus ou de automóvel, uma refeição, o ato
de inclinar-se, de carregar qualquer coisa. Pensava, nessas ocasiões:
“Tenho de ir ao banheiro”, e, se isso não fosse possível, suas reações
incluiriam respostas comportamentais como cruzar as pernas, sentar-
se imóvel; pensamentos como “Se eu não for imediatamente, haverá
uma grande confusão”, e toda uma série de pensamentos sobre o
incômodo que sentia; mudanças afetivas, principalmente em nível de
ansiedade; e uma ampla variedade de sintomas fisiológicos, inclusi­
ve dor de cabeça e de estômago, assim como mais sintomas não
específicos de ansiedade. Todas essas reações mantinham-na con­
centrada nas sensações da bexiga, que conseqüentemente aumenta­
vam; isso, por sua vez, aumentava as reações, e assim por diante,
num círculo vicioso. Havia também conseqüências interpessoais; por
exemplo, sua tia poderia dizer: “Você não vai ao banheiro agora, já
que comeu aquele sanduíche?” Tão logo esvaziasse a bexiga, todas
essas reações desapareciam, reforçando com isso sua convicção de
que tinha uma bexiga anormal que precisava esvaziar amiúde, o que
reforçava sua alta freqüência de micção.

O paciente dará, muitas vezes, pistas sobre os fatores mante­


nedores durante as fases iniciais da avaliação, mas tais indícios de­
vem ser suplementados por perguntas detalhadas e específicas. Por
exemplo, uma mulher sentia-se ansiosa a maior parte do tempo de­
vido a uma difícil situação familiar. Estava cada vez mais preocu­
pada com sua capacidade de realizar seu trabalho como professora.

Terapeuta: Você diz que, quando fica ansiosa na sala de aula, as


crianças escapam ao seu controle. O que acontece?
Paciente: Bem, elas parecem perceber que estou me sentindo mal, e
aí se agitam. A situação pode transformar-se num tumulto em
questão de segundos.
T.: Pode lembrar-se de uma ocasião em que isso aconteceu com
tanta rapidez?
P. : Bem, não aconteceu em questão de segundos, mas houve um
dia da semana passada em que foi tudo muito rápido.
T. : Pode me contar como foi?
P.: Bem, eu estava me sentindo muito mal, tonta e tensa, e elas fi­
caram cada vez mais fora de controle.
Avaliação cognitivo-comportamental 45

T. : O que você estava fazendo com elas?


P.: Elas estavam pintando, duas ou três começaram a jogar tinta, e
logo as outras também. Eu devia ter percebido quando começou.
T. : O que estava fazendo que não percebeu?
P. : Acho que estava muito preocupada com o que estava sentindo.
T. : Pode se lembrar dos pensamentos que passavam pela sua ca­
beça?
P.: Ah, sim, passei todo o tempo pensando “Não posso continuar
assim, vai haver tumulto se eu não melhorar”.
T. : O que aconteceu nesse dia? Formou-se um tumulto?
P. : Não, era hora do recreio, e pude ir para a sala dos professores
para me acalmar.

O terapeuta apresentou então à paciente uma síntese, para


que ela pudesse começar a ver quais os fatores que poderiam ser
mudados, e pudesse fornecer informações sobre a exatidão desse
sumário:

Terapeuta: O que você parece estar dizendo é que, se está tensa e


preocupada na sala de aula, isso afeta tanto sua concentração
que não consegue sufocar o problema logo de início; e se al­
gum problema surge, você se preocupa em não conseguir con­
trolá-lo, fica mais tensa e então as coisas pioram.
Paciente: Isso mesmo. Não posso fazer nada.
T.: Parece que você apenas espera por uma ajuda, até que você
possa deixar a sala de aula. Acho que isso só está reforçando a
sua convicção de que não consegue controlar as crianças.
P. : Bem, é verdade, não posso.
T. : Então temos de verificar o que você pode fazer para aumentar
sua autoconfiança na sua capacidade de trabalho.

Essa síntese levantou a possibilidade de se alterar vários fato-


Ion de manutenção - acabar com a indisciplina no início, preocu­
pação com os tumultos, aumento de tensão - para que a situação
pudesse melhorar sem “fuga”, e para que a paciente possa se sentir
iMMimente confiante na sala de aula.
A reação de parentes e amigos ao problema é evidentemente
Importante, sendo geralmente necessário perguntar em detalhes
mim1 situações relevantes. Descrições gerais do comportamento,
tin un "île apoio”, proporcionam pouca informação, e o mesmo
46 Terapia cognitivo-comportamental

acontece com frases do tipo “Ele nunca diz nada”. Uma mulher so­
cialmente fóbica ofereceu informações muito mais úteis quando
especificamente interrogada:

Terapeuta: Como seu marido reagiu quando ficou vermelha?


Paciente: Ah, ele nunca diz nada verdadeiramente, não ajuda muito.
T.: Consegue lembrar-se do que ele realmente disse naquele dia
no café?
P. : Disse que não ia ficar sentado ali se eu fosse dar um vexame.

Evitação. A evitação da emoção perturbadora, ou o seu alívio, é


muitas vezes um efeito imediato do comportamento-problema, sen­
do com freqüência o fator de manutenção mais poderoso (ver
Capítulo 1). Muitos planos de tratamento incluirão medidas para
superá-la, e o terapeuta precisa, portanto, de uma vasta descrição
daquilo que é evitado. A discussão da evitação passiva pode ser in­
troduzida por uma questão geral como “Que coisas você parou de
fazer, ou que lugares parou de freqüentar devido ao problema?”. A
evitação ativa pode ser abordada por uma questão como: “Há coisas
que você começou a fazer, ou está fazendo de maneira diferente,
devido ao problema?”, ou “O que você poderia deixar de fazer se o
problema desaparecesse?”. Tais perguntas poderiam ser comple­
mentadas por outras sobre a vida doméstica, o relacionamento com
o companheiro e os filhos, o trabalho, a vida social, passatempos e
interesses, que podem, cada um deles, ser afetados pela evitação.
Se o problema for crônico, o paciente pode não ter mais consciên­
cia das proporções da evitação, e serão úteis perguntas como “De
que maneira sua vida seria diferente se você não tivesse esse pro­
blema?”, “Num mundo ideal, se o problema desaparecesse, o que
você poderia passar a fazer que não faz agora?”. Além disso, os tex­
tos que constam na literatura sobre o assunto podem orientar per­
guntas específicas; por exemplo, os pacientes com preocupações a
respeito de suas funções cardíacas podem evitar qualquer atividade
medianamente cansativa como subir escadas; os pacientes com dis­
túrbios alimentares podem evitar um grande número de alimentos
engordativos, alegando motivos de “saúde”.
Os pacientes podem tomar-se bastante hábeis na evitação suti I
mesmo quando parecem estar se expondo a situações difíceis. Por
Avaliação cognitivo-comportamental 47

exemplo, uma mulher com fobia social continuava a sair social­


mente, mas tinha desenvolvido uma esquiva quase total ao contato
visual. Isso lhe permitia evitar o sentimento de desaprovação e té­
dio que temia ver se olhasse para as pessoas que interagiam com
ela. A evitação pode ser ampla, embora o problema pareça ser limi­
tado. Por exemplo, uma mulher com fobia de vômitos descreveu
como isso afetava seu trabalho de enfermeira em uma creche, inca­
pacitando-a para o atendimento das crianças doentes. O questiona­
mento específico revelou um padrão de evitação muito mais amplo:

Terapeuta: Você diz que quando vê pessoas sujas, ou bêbadas, fica


preocupada com a possibilidade de estarem doentes. Isso a
afeta socialmente? Há lugares ou pessoas que evita, por isso?
Paciente: Creio que sim. Centenas deles. Não vou aos bares quando
estão cheios... ou saio tarde da noite, quando as pessoas já po­
dem ter bebido muito... não vou a festas, pois as pessoas po­
dem ficar bêbadas.
T. : Há outras situações sociais como essa?
P.: Não me incomodo muito com os jantares se conheço as pes­
soas, mas não aprecio os restaurantes, pois as pessoas podem
comer ou beber demais. Nem mesmo viajo de avião, pois as
pessoas podem beber para se acalmar antes do vôo e ficar en­
joadas no saguão de embarque — já vi isso acontecer.
T.: Foi uma coincidência infeliz você estar ali. Não deve aconte­
cer com freqüência. E quanto aos outros transportes públicos?
Também são afetados?
P. : Bem, não viajo com as crianças, com medo de que elas enjoem
com a viagem. Também não faço viagens longas de ônibus -
não porque sinta enjôo com a viagem, mas porque as outras
pessoas podem se sentir enjoadas.
: Pode pensar em outras situações como essa?
P.: Parece absurdo, mas deixei de freqüentar o clube de squash
porque alguém se sentiu mal, certa vez. Provavelmente estava
com um problema de estômago - mas se alguém diz que se
sente mal, faço qualquer coisa para me afastar.
/ Há outras coisas que faz quando alguém fica enjoado?
/ ’ Sim, nunca saio sem meus lenços de papel umedecidos para
que possa me limpar se for afetada por isso. E sempre trago
comigo balas de maltose para oferecer às crianças se passarem
mal. Também sou muito cuidadosa com a minha dieta, princi­
palmente se tenho de sair.
48 Terapia cognitivo-comportamental

Outras perguntas a respeito de doenças de amigos e pessoas


“sujas” foram suplementadas através de um exercício de casa, em
que ela fez uma lista das coisas que seriam diferentes em sua vida
se não houvesse o problema. Isso lhe daria mais oportunidades de
identificar as situações de evitação.

Conseqüências a longo prazo. O padrão de evitação descrito por


um paciente pode levantar a questão de o problema apresentado ser
parte de um problema mais amplo. Entretanto, não há nenhuma
suposição de necessidades subjacentes como em conceitos do tipo
“ganho secundário”. Por exemplo, poder-se-ia postular que a fobia
aos vômitos descrita anteriormente permitia à mulher evitar intera­
ções sociais. Isso poderia ser buscado na entrevista de avaliação,
mas a questão não pode ser totalmente resolvida senão mais adiante
no tratamento - o êxito na solução de uma dificuldade específica
pode revelar um problema maior, ou a incapacidade de prosse­
guir pode indicar dificuldades conexas. Se houver um problema as­
sociado, poderia ser abordado dentro da estrutura cognitivo-com-
portamental já descrita, sem se invocar conflitos subjacentes. Tratar
de problemas conexos dessa maneira significa evitar a questão de
estar o paciente realmente motivado a melhorar (p. 36), e as evi­
dências de um problema relacionado podem ser consideradas pelo
seu significado manifesto, sem implicações de ambivalência quan­
to à mudança.
Após a descrição detalhada dos fatores de manutenção, vale a
pena fazermos uma pergunta ampla como: “Haverá outras manei­
ras mais gerais pelas quais sua vida mudaria se você não tivesse
mais este problema?” Isso pode simplesmente apontar para um
aumento geral na auto-estima por exemplo; por outro lado, pode
indicar mudanças a longo prazo, como um casamento, por exem­
plo, ou mudanças em relação a independência, que talvez preci­
sem ser incorporadas à formulação da pergunta.

Recursos de enfrentamento e outras qualidades

As pessoas diferem em seus métodos de enfrentar os proble­


mas e reveses, bem como na proporção em que se valem de si mes-
Avaliação cognitivo-comportamental 49

mas e não de outras pessoas. Isso pode variar desde a familiaridade


da pessoa com estratégias específicas, como relaxar os ombros
quando tensa, até recursos mais gerais, como ser capaz de comuni­
car a perturbação a outros.
Inicialmente, as perguntas podem focalizar a capacidade de
enfrentar o problema em questão. Por exemplo, o terapeuta pode
perguntar: “Gostaria de saber o que você faz que o ajuda a contro­
lar o problema, mesmo que surta pouco efeito. Pode me contar que
coisas constatou serem úteis?” Talvez seja útil fornecer um exem­
plo: “Você mencionou que às vezes pode evitar que as coisas se
agravem saindo da sala e contando até dez antes de voltar. Há
outras coisas como esta que verificou serem úteis?” Também pode
N c r interessante discutir como o paciente lidou com outras situa­
ções difíceis, em parte para ressaltar a capacidade que demonstrou
ile enfrentar um problema, e em parte para determinar que habili-
díiiles foram usadas. Por exemplo, o terapeuta pode perguntar:
'“Vamos pensar em outro momento de sua vida em que teve de
i'll 1'i'cntar uma situação difícil, alguma coisa perturbadora. Pode
pousar num exemplo?”
0 entrevistador pode então passar para uma discussão mais
iiiiipla dos recursos, habilidades e pontos fortes do paciente. Entre
• I* ■.estão os aspectos ambientais (por exemplo, uma esposa que o
iipúiii, um emprego que o satisfaz, um carro disponível para as ta-
Mhr. île casa); habilidades que podem geralmente facilitar mudan-
>,ii. (manter registros regulares, uma criação de abelhas altamente
»npi'1'iiilizada como fonte de auto-estima); e pontos fortes, como
•n ii'.ii de Inimor, disposição para tolerar incômodos, persistência,
iiiitliiiliilndc interpessoal, todos os quais tom am mais provável
i|iir íI■*sugestões de tratamento venham a ser realizadas.

lll\h u h ■() psiquiátrico e médico e tratamentos anteriores

1 )eve ser obtida uma descrição do histórico anterior, em espe-


• In! ili episódios semelhantes. A resposta do paciente a tratamen-
liiti milri iiircN é particularmente importante. Isso, em parte, porque
pinie prever n resposta atual ao tratamento e, no caso de um mau
h Milliiiln. poile proporcionar informações sobre armadilhas a se-
50 Terapia cognitivo-comportamental

rem evitadas. Além disso, o paciente pode ter desenvolvido cren­


ças sobre a natureza do problema (por exemplo, “Deve ser físico,
pois melhorou com o medicamento”) ou seu possível resultado
(por exemplo, não melhorou nem mesmo com medicamentos,
então deve ser incurável) com base na resposta anterior. A medica­
ção atual deve ser registrada, em particular a psicotrópica, mas
também outros tipos de medicação (por exemplo, tratamentos hor­
monais) que possam afetar o funcionamento psicológico.

Crenças sobre o problema e o tratamento

Os pacientes talvez não se submetam ao tratamento se a abor­


dagem oferecida pelo terapeuta não for coerente com suas crenças
sobre a natureza do problema. Embora o terapeuta procure estrutu­
rar a entrevista de forma a obter as informações necessárias para o
plano de tratamento, e para que os pacientes possam ser instruídos
a respeito da abordagem cognitivo-comportamental, ainda assim
deve-se dar oportunidade, durante toda a entrevista, para que in­
formem ao terapeuta sobre o modo como percebem o problema.
Deve-se perguntar aos pacientes, por exemplo, se acreditam que
seus problemas podem mudar e o que crêem poder ajudá-los. É útil
perguntar se alguém que lhes seja próximo teve problemas seme­
lhantes, e qual o resultado.
O impacto das crenças do paciente sobre a avaliação e o trata­
mento não precisa ser sutil. Uma mulher com antigos problemas
de obsessão foi incapaz de fazer uma descrição coerente de suas
dificuldades, ou mesmo de se sentar durante a entrevista. Teria si­
do totalmente inútil seguir uma entrevista de avaliação padroniza­
da, até que se tivesse verificado que ela acreditava estar sendo rea­
valiada para uma lobotomia que lhe havia sido proposta vinte anos
antes. Outras crenças têm efeitos sutis indiretos; os pacientes po­
dem fornecer informações detalhadas sobre seus problemas, mas
nada revelam quanto às suas crenças gerais sobre eles. Por exem­
plo, uma mulher havia apresentado uma fobia de câncer. Verifi­
cou-se que uma tia com idéias hipocondríacas havia falecido de­
pois de um longo período de internação num hospital psiquiátrico;
a paciente acreditava que, no fim, teria a mesma sorte, embora ti­
vesse vagas esperanças de que o tratamento protelasse o dia fatal.
Avaliação cognitivo-comportamental 51

Os pacientes com sintomas físicos quase sempre acreditam


que têm um problema físico que só será combatido através do trata­
mento físico, o que também ocorre com alguns pacientes deprimi­
dos. Embora algumas dessas crenças exijam a intervenção imedia­
ta, outras podem ser tratadas em sessões subseqüentes. Muitas mu­
dam espontaneamente durante o tratamento; por exemplo, a crença
de que a situação é desesperadora pode começar a mudar tão logo
qualquer melhora se apresente. Formas de se investigar e confron­
tar as crenças estão descritas em detalhe nos Capítulos 3 e 6.
E preferível que as crenças do paciente sejam inferidas duran­
te as entrevistas iniciais, mas ocasionalmente ele pode não estar
disposto a revelá-las nessa fase, ou pode mesmo não ter consciên­
cia delas. Como a avaliação continua durante todo o tratamento,
um novo exame das crenças pode se apresentar quando surgir um
obstáculo ao progresso.

\
Engajamento no tratamento

A maioria dos tratamentos cognitivo-comportamentais exige


um alto nível de comprometimento por parte do paciente, e muitos
tratamentos devem seu fracasso ao fato de o paciente não adotar os
procedimentos estabelecidos de comum acordo. Seria útil identifi­
car as pessoas que mostram maior probabilidade de cumprir sua
parte no tratamento, mas as tentativas de prever o êxito no trata­
mento ao se medir um “desejo de mudança” unidimensional ou
unitário foram decepcionantes (Bellack e Schwartz, 1976). Em vez
disso, é útil examinar com o paciente alguns dos componentes que
criam um desejo de mudança, corrigir quaisquer crenças distorci­
das e tomar em conjunto uma decisão informada sobre a conve­
niência de prosseguir com o tratamento. Primeiro, o nível de per-
lurbação ou transtorno associado ao problema deve ser comparado
com a perturbação e o transtorno que provavelmente resultarão do
trutamento. Esse equilíbrio talvez mude durante o tratamento,
HI2 Õ0 pela qual deve ser avaliado periodicamente. Aquilo que o
pnciente pensa sobre o problema e o tratamento (como o exposto)
tlove scr explorado, e as crenças distorcidas devem ser corrigidas.
Inno implicaria o fornecimento de novas informações (por exem­
52 Terapia cognitivo-comportamental

plo, sobre o resultado provável), ou poderia ser feito levando-se o


paciente a questionar a validade das convicções (por exemplo, a de
que o comprimido adequado eliminaria o problema). Finalmente,
convém discutir se as mudanças em níveis mais amplos, além da­
quelas no problema em questão, teriam um saldo positivo. Por
exemplo, é improvável que um homem se dedique com vigor ao
tratamento se souber que sua esposa o deixará quando tiver certeza
de que ele consegue enfrentar o problema sozinho.

Incapacidade de progredir

Mesmo depois de uma discussão inicial dessa natureza, o pa­


ciente pode mostrar algum progresso e, em seguida, interromper
os exercícios de casa. Esse tipo de bloqueio pode estar associado
ao exercício em si, ou ao modo como o paciente o vê. Uma vez que
os princípios semelhantes se aplicam, quer o empenho esteja em
questão na fase de avaliação ou em etapas subseqüentes, faremos
aqui um exame dos princípios gerais.

O exercício de casa. O paciente e o terapeuta devem concentrar-se,


juntos, naquilo que teria impedido a conclusão do exercício. O
exercício teria sido explicitamente planejado ou meramente suge­
rido? Era demasiado vago? Teria sido recapitulado com exatidão?
Os exercícios de casa devem, de uma forma ideal, ser anotados
pelo terapeuta e pelo paciente. O terapeuta teria examinado os
exercícios como um procedimento habitual nas ocasiões anterio­
res? Se os exercícios não forem examinados, geralmente no início
de cada sessão os pacientes passam a considerá-los pouco impor­
tantes. O fundamento lógico para o exercício foi compreendido? O
terapeuta deve pedir ao paciente que recapitule o exercício, desta
forma identificando falhas e mal-entendidos. Houve dificuldades
práticas que interferiram com o exercício? (por exemplo, não dis­
punha de papel para o diário, não tinha recursos para completar o
exercício).

Crenças do paciente sobre os exercícios. Se os exercícios de casa


foram estabelecidos de maneira adequada, então sua não-adesão a
Avaliação cognitivo-comportamental 53

eles indica, em geral, que o paciente não acha que possam ajudá-
lo a alcançar os objetivos do tratamento - seja por serem irrele­
vantes, ou por outros fatores (por exemplo, incompetência ou
falta de esperanças) impedirem o progresso. Isso pode se dar por
ser o exercício irrelevante, revelando talvez novas facetas do pro­
blema, ou porque o paciente receia o resultado do exercício, ou
porque compreendeu mal a relação entre o exercício e o objetivo.
Por exemplo, exercícios anteriores podem ter visado à aquisição
de uma nova habilidade, mas o paciente pode ter desanimado por­
que essa prática não resultou em nenhuma melhora visível do pro­
blema, o que o deixou relutante em gastar mais tempo com ela.
I Ima nova discussão sobre o papel da aquisição de habilidades na
superação dos problemas pode tornar o exercício de casa mais re­
levante.
Por outro lado, a não-aderência pode atingir as crenças mais
fundamentais que os pacientes têm de si mesmos e de seus proble­
mas. Pode-se então proceder a uma abordagem para descobrir cog­
n is e s , descrita nos Capítulos 3 e 6. Por exemplo, pode-se pedir ao
pm iente que imagine, em detalhes, como seria a tentativa de fazer
0 exercício de casa, e que diga quais os pensamentos que lhe pas-
Niiinin pela cabeça.

Stliuição psicossocial

1’rocuram-se informações sobre a situação atual, tal como


ii'niimido no Quadro 2.2, sem um histórico pessoal ou familiar
ili Itillmdo. Os textos americanos ressaltam o uso de baterias de tes-
ii"t, Inclusive inventários de dados demográficos e de formação,
• oluiiulo históricos familiar, religioso, sexual, de saúde e educa-
1liMiiil (( ’autela e Upper, 1976). Entretanto, as provas de sua utili-
iliulr urto sfio convincentes, havendo menos disposição, na Grã-
Hn iitnlm, para se responder a questionários múltiplos, razão pela
t|Uiil «mien loin sido pouco usados.
MuIIon pacientes esperam que lhes sejam pedidas longas des-
• I ti l " île suas vidas e, embora devam ser delicadamente dissuadi-
I" il» lit.«' lo, c preciso cuidado para não lhes transmitir a idéia de
>|ut min ilevi'in falar de coisas difíceis e constrangedoras.
54 Terapia cognitivo-comportamental

Formulação preliminar

Nesta fase da entrevista o terapeuta deve estar em condições


de fazer para o paciente uma formulação preliminar do problema.
Ela incluiria uma breve descrição do problema atual, uma explica­
ção de como ele evoluiu (inclusive os fatores predisponentes e os
pontos fortes, bem como os précipitantes imediatos), e um sumá­
rio dos fatores de manutenção. Como o plano de tratamento terá por
base essa formulação, é importante que se peça a opinião do pa­
ciente quanto à sua exatidão.
Por exemplo, uma mulher de 28 anos apresentou-se com uma
história de cinco anos de fobia de aves. Na fase final da entrevista
de avaliação, o terapeuta apresentou uma formulação preliminar,
em que fez amplo uso de perguntas, e não de afirmações, a fim de
facilitar ao paciente manifestar sua opinião sobre a formulação. E
importante que o paciente não seja sobrecarregado por informa­
ções, e que tenha ampla oportunidade de comentar a formulação à
medida que esta lhe for apresentada - uma regra útil é que o tera­
peuta fale através de sentenças, em vez de apresentar parágrafos
extensos e ininterruptos.
O terapeuta começou com uma breve síntese do problema,
ressaltando os sintomas experimentados pela paciente quando na
presença de aves (ou qualquer coisa que possuísse penas) e sua
crescente evitação de lugares onde poderia encontrar esses ani­
mais. Da discussão passou-se, em seguida, para a evolução do pro­
blema.

Terapeuta: Pelo que entendi, suas primeiras recordações de expe­


riências desagradáveis com aves são bem distantes, como as que
aconteceram à beira-mar, quando era pequena, e quando ficou ater­
rorizada ao ver um pássaro gigantesco na pantomima “Sinbad, o
Marujo”. Não houve outros incidentes assustadores até a sua adoles­
cência, quando viu o filme “Os pássaros”. Você também disse que
sempre foi uma pessoa nervosa, excitável, que reage fortemente às
coisas e fica ansiosa em momentos de pressão. Este sumário lhe pa­
rece razoável?...
Vamos passar à época em que o seu medo de aves se tomou
realmente extremo, e ver se podemos compreender isso. Você disse­
que se havia mudado para uma casa nova muito recentemente, e
Avaliação cognitivo-comportamental 55

embora já estivesse casada há alguns anos, foi essa a primeira vez


que se havia afastado de sua mãe de modo a não lhe ser possível
pedir ajuda, como fazia antes. Você havia ido para o interior, embo­
ra não sentisse muita certeza quanto à mudança e não tivesse amigos
na cidadezinha. De modo geral, tudo isso a deixou bastante tensa,
certo?
E então o problema se agravou quando, certa manhã, você des­
ceu para a sala e encontrou uma gralha batendo asas; ficou muito
assustada, correu para fora, fechou a porta, e não retomou até que
seu marido voltasse para casa e se livrasse dela. Ora, acho que se
livesse encontrado a ave em qualquer outro momento, ela a teria
assustado, ou alarmado, mas, de qualquer modo, você estava geral­
mente tensa, devido às outras coisas que mencionou. Esse susto a
mais levou sua ansiedade a um nível muito desagradável, e você
associou toda essa ansiedade à ave. Isso talvez tivesse passado, mas
no dia seguinte, quando saiu, viu uma fileira de patos passando pelo
seu portão. Um desses patos estava batendo as asas, fazendo-a lem­
brar-se da gralha. Quando eles se aproximaram, você ficou muito
imsiosa e correu para dentro de casa. Isso reforçou a associação, na
.mi mente, entre aves e a ansiedade. Seu corpo tinha aprendido a
irsponder com medo toda vez que via um pássaro, ou mesmo ao
pensar em ir a lugares onde pudesse haver pássaros. Portanto, o que
pielcndemos através do tratamento é fazê-la aprender outras formas
dl- responder às aves, enfraquecer a associação entre aves e medo.
Uno lhe parece razoável?...
Se refletirmos sobre o que manteve o problema, creio que po-
ili’ift lomar-sc claro que tipo de medidas precisamos tomar para
illiulú la a resolvê-lo. Acho que há dois fatores importantes. Um é a
hiimrirn pela qual aos poucos foi evitando cada vez mais as situa­
tiv* cm que poderia haver pássaros - embora possa ser de bom
hi uno deixar o medo passar, a evitação é um dos fatores mais impor-
piirn o forlalecimento de medos dessa natureza. O que ocorre
I <|<h indu vez que vê um pássaro, ou pensa em ir a lugares em que
I ..... d Iiiivci pássaros, você fica ansiosa; ao evitar a situação, sua
«iinIp i IikIc dim inui, c você nunca tem a oportunidade de verificar
. ..........In ilc terrível acontece quando está perto de pássaros, ou que
•tin ,. |mm ciilrcntiir seus sentimentos de ansiedade. Isso confirma as
siihn I uiivieçòes de que o fato de estar com pássaros vai deixá-la
«iixlMuti r irlnrçii li associação entre pássaros e medo. Será que você
mm«* Min Imiiglimr alguma maneira pela qual possamos começar a
«ii|i»mi Inno?.,,
56 Terapia cognitivo-comportamental

O outro elemento importante é o que acontece quando você se


defronta com pássaros. Você traçou um quadro muito claro de sua
resposta imediata ao ver um pássaro - batidas fortes do coração,
sensação de frio; a ocorrência de pensamentos de ansiedade como
“E se ele voar para cima de mim?”, e uma imagem desagradável de
um grande pássaro preto batendo as asas bem no seu rosto; você
começa a chorar e a se agarrar em quem estiver junto, e se sente
ansiosa. Descreve esse medo como desagradável, mas no limite do
tolerável, e é provável que desapareça rapidamente se nada de terrí­
vel acontecer. Mas, como sabe o quanto foram desagradáveis os sin­
tomas de ansiedade no passado, reage a estes sintomas iniciais e o
problema se agrava rapidamente. Por exemplo, você nota batimen­
tos rápidos do coração, sente tontura e pensa “Estou me sentindo
totalmente ansiosa, vou desmaiar”, “O pássaro pode sentir que estou
ansiosa”, “Devo sair daqui”. Esses pensamentos aumentam rapida­
mente seu nível de ansiedade, e seus sintomas físicos também au­
mentam.
Há toda uma série de círculos viciosos desta natureza, que
aumentam seu medo quando você está realmente em uma “situação
com aves”. Isso significa que outra coisa que é preciso fazer é rom­
per os círculos viciosos e ajudá-la a aprender maneiras de reduzir
seus sintomas de ansiedade quando começam a se agravar, ao invés
de aumentá-los. Por exemplo, você disse que quando fica ansiosa
em casa, ao ver as penas que saem dos travesseiros, tenta se distrair
pensando na tarefa que deve cumprir em seguida. Há outras coisas
que faz, que a acalmam quando se sente ligeiramente ansiosa? Por
exemplo, pensar no pássaro e imaginá-lo preso e assustado, em vez
de vê-lo como um predador?

O terapeuta então pediu à paciente que resumisse os princi­


pais pontos da formulação - que o problema se desenvolveu numa
época em que vivenciava um período muito agitado; que se tratava
de uma resposta adquirida; que era mantida pela evitação e uma
série de círculos viciosos. A discussão do plano de tratamento foi
feita a partir do sumário.
A apresentação da formulação geralmente ressalta a necessi­
dade de maiores informações, que podem ser obtidas seja através
da automonitoração ou de uma das outras fontes descritas no rcs
tante deste capítulo. Alternativamente, a formulação preliminar
pode ser retardada até que se disponha de dados da automonitor;!
Ivuliação cognitivo-comportamental 57

ção. Isso permite ao terapeuta preparar a formulação entre as ses­


sões e incluir as informações da automonitoração. Em ambos os
casos, a formulação constitui uma hipótese de trabalho que pode
ser alterada em qualquer fase do tratamento, com base em novas
informações. Embora as mudanças sejam mais prováveis no iní­
cio do tratamento, os bloqueios podem surgir em qualquer fase, e
podem alterar o peso dos vários fatores na formulação. Por exem­
plo, o problema apresentado por uma mulher de 30 anos foi seu
consumo excessivo de líquidos, chegando a 7 ou 8 litros por dia.
A formulação preliminar ressaltou sua interpretação errônea de
uma grande variedade de indícios corporais (cansaço, tensão,
hocn seca, de ter comido, sensação de calor, dor de cabeça e sede)
I omo sinais de sua necessidade de ingerir líquidos. A intervenção
Inicial concentrou-se no desenvolvimento de diferentes maneiras
tio responder a essa variedade de sinais, quando então se tornou
evitlonle que outro fator importante era sua interpretação errônea
ili c. sinais da bexiga. A revisão da formulação foi discutida com a
Imi lente, e novas intervenções foram planejadas.
A mitomonitoração proporciona, freqüentemente, as informa-
itin". essenciais através das quais a formulação pode ser testada,
il' ni de permitir que o progresso seja avaliado. Essa avaliação é
nml* liicil se houver acordo quanto aos objetivos do tratamento. As
«unifiions do estabelecimento de objetivos e as maneiras de se fa-
#ci Innii serão descritas a seguir.

I tlMholccIincnto de objetivos

• > ' siiibelccimcnto de objetivos compreende a elaboração,


liiiilii mi piieienle, de metas detalhadas e específicas para cada uma
il«« ;ii I ,i'i problema que serão trabalhadas, assim como o estabele-
I iidi Mil I tie subobjetivos intermediários. Muitos dos princípios en-
iili * im estabelecimento de objetivos se confundem com aque-
I*a i|i .iHiiiilir. li elaboração de medidas, já que estas estão geral-
•II* ni* »■Im iodikUis aos objetivos.
58 Terapia cognitivo-comportamental

Vantagens do estabelecimento de objetivos

Há muitos pontos a favor do estabelecimento de objetivos na


fase de avaliação. Primeiro, ajuda a tom ar explícito o que o pa­
ciente pode esperar do tratamento; por exemplo, não é razoável
esperar não ter nunca uma discussão com o cônjuge. A fixação
pode identificar pontos de má comunicação entre o terapeuta e o
paciente, e pode ajudar este último a decidir se deve continuar com
a terapia. Por exemplo, uma paciente que estava interessada em
conhecer os antecedentes históricos de seus ataques de pânico não
achou adequado um tratamento cujo objetivo fosse a redução da
freqüência desses pânicos.
O estabelecimento de objetivos também ressalta a possibili­
dade de mudança, e começa a conduzir a atenção do paciente para
possibilidades futuras, e não simplesmente para os sintomas e pro­
blemas. Também reforça a idéia de que o paciente é um elemento
ativo na relação terapêutica, e que sua participação total é necessá­
ria: o paciente não será um objeto passivo.
Objetivos definidos ajudam a impor uma estrutura ao trata­
mento. Isso perm ite que os problem as apresentados sejam tra­
tados, com menos risco de se transformar numa série de interven­
ções em crises. Também preparam o paciente para a alta, explici­
tando que a terapia terminará quando as metas forem atingidas, ou
será interrompida se houver pouco progresso em sua direção. Isso
não quer dizer que as metas não possam ser renegociadas durante
o tratamento, mas sim que deve ser feito de forma explícita, junto
ao paciente, reduzindo assim o risco de que ele e o terapeuta sigam
agendas diferentes.
Finalmente, o estabelecimento de objetivos proporciona
oportunidade para uma avaliação de resultados relacionada direta­
mente aos problemas apresentados pelo paciente.

Como estabelecer objetivos

1. Sempre que possível, os objetivos devem ser formulados cm


termos positivos, de modo a explicitar ao paciente para onde deve
dirigir-se, e não de onde deve afastar-se. Por exemplo, uma paciente
poderia ter como objetivo “arrumar a cozinha calmamente durante
Avaliação cognitivo-comportamental 59

uma hora” em vez de “não ter rituais de lavar as mão durante o tra­
balho doméstico”. Gambrill (1977) refere-se à “solução do homem
morto” como sendo aquela que pode ser conseguida por um ho­
mem morto; por exemplo, um homem morto não teria ataques de
pânico, nenhuma necessidade de se exceder, nem noites insones,
l ia recomenda que essas soluções sejam evitadas. Como é difícil,
muitas vezes, afastar a atenção do paciente dos sintomas e dirigi-la
às metas positivas, pode ser útil dizer alguma coisa como;

É como se você estivesse usando óculos muito bons para


localizar os sintomas e problemas. Quero que você comece a usar
óculos que focalizem indícios de que está se saindo bem, indícios
de sucesso. Portanto, é bom esclarecermos o que representaria um
HUCCSSO.

Perguntas específicas podem ajudar a voltar a atenção do


I>>i> lente para as metas positivas. Por exemplo, uma paciente disse
qui desejava “deixar de ser irritável o tempo todo”, e lhe foi per-
iniiilmlo “O que faria de diferente se não fosse irritável?” . Barlow
i l ill ( 1984) sugerem que se peça ao paciente para formular três
ili m '|o n , ou descrever um dia ideal típico. Também é útil selecionar
ui melas positivas à medida que forem mencionadas durante a
hiiIicv islã ( por exemplo, “Gostaria de poder convidar meus amigos
|ni!,i imilm, como costumava fazer”) e lembrá-las aos pacientes, se
lltH PMtirio,

r’ ( In iili jel ivos devem ser específicos e detalhados. Os pacien­


t o lli ijdcnlcmente têm consciência, em termos gerais, de como gos-
iHtimii ili m i Por exemplo, quando o terapeuta perguntou o que ela
jjii-i.ii hi ill conseguir, vindo ao hospital, uma paciente respondeu:

Si I yusiiii iii de ser normal, como todo o mundo.


/i iiifiiihi Ser normal significa coisas diferentes para diferentes
|n dMuiY Se você já se sentiu normal, qual seria a diferença de
I n in it (' ago ra?
I h hull I li serin mais parecida com aquela que costumava ser.
I 11 I(in .1 Inna dizer que seria mais parecida com aquela que
I iiMuiinn .1 ser? ( ) que estaria fazendo que não consegue fazer
Nynfl?
60 Terapia cognitivo-comportamental

A paciente pôde, por fim, enumerar as seguintes metas para si


mesma: fazer compras sozinha em supermercados, passar a noite
sozinha em casa, iniciar contatos com os amigos, convidar os ami­
gos para a sua casa. O questionamento ajudou-a a especificar onde/
quando/com que freqüência determinados comportamentos ocor­
reriam se cada um dos objetivos fosse alcançado. Se possível, os
objetivos devem ser expressos por palavras, para que mais de uma
pessoa pudesse concordar com o fato de o objetivo ter sido alcan­
çado, o que aumentaria a confiabilidade das medidas relacionadas
à realização dos objetivos.

Autom onitoração

A automonitoração é o adjunto mais amplamente usado na


entrevista comportamental, e é quase invariavelmente usada tanto
na fase inicial da avaliação quanto na monitoração das mudanças
subseqüentes. Sua introdução no início do tratamento salienta a
natureza cooperativa, de auto-ajuda, do tratamento. E flexível, po­
de ser aplicada a uma grande variedade de problemas explícitos e
encobertos, e pode proporcionar informações sobre muitos aspec­
tos do problema. Barlow et al. (1984) ressaltaram dois estágios na
automonitoração: primeiro, o indivíduo tem de notar a ocorrência
do comportamento, da emoção ou do fato; em segundo lugar, tem
de registrá-la. Essas fases devem ser lembradas quando a automo­
nitoração for inicialmente planejada, e é preciso empenhar-se na
obtenção de uma medição exata.

Exatidão da automonitoração

A exatidão da automonitoração será maior se algumas regras


gerais relacionadas às medidas forem observadas. Portanto, deve-
se apenas solicitar ao paciente informações adequadas e significai i
vas, sem sobrecarregá-lo. A importância da automonitoração deve
ser salientada, deixando claro que as sessões de tratamento subse
qüentes irão concentrar-se no material. Deve-se chegar a uma acoi
do explícito, e não tácito, quanto à realização desta.
Avaliação cognitivo-comportamental 61

A exatidão da automonitoração será maior se o paciente sou­


ber que sua exatidão vai ser avaliada (Lipinski e Nelson, 1974).
C'linicamente, isso é muitas vezes difícil de obter, mas pode ser al­
cançado de uma forma mais direta se os fatos forem periodica­
mente monitorados por outra pessoa; por exemplo, o tempo dis-
pendido por um paciente obsessivo lavando as mãos também po­
deria ser controlado pelo cônjuge.

< (imo proceder à automonitoração

Um procedimento de medidas deve ser relevante à pergunta,


tlove medir aquilo que se presume que meça (válido), e deve pro­
porcionar uma descrição razoavelmente consistente de como estão
11‘iilmente as coisas (confiável). Há várias formas de aumentar a
I rirvíincia, a validade e a confiabilidade.

I lli/i tivos específicos, claramente definidos

I difícil alcançar uma medida confiável de conceitos vagos


t mito “miloconfiança”. O aspecto ou fato a ser medido deve ser
■I* Unido cm detalhe e, na medida do possível, em moldes que per-
Itillitin ti observadores diferentes concordar sobre a sua ocorrên-
I in I’m exemplo, perguntou-se a um paciente com falta de auto-
I mil iiinçii:

( 'omo você saberia que sua autoconfiança melhorou? O que


csluria fazendo que deixou de fazer agora?
l\iI irn/r I'.li não teria pânicos como os que tenho agora, e estaria
lii/eiulo todo o tipo de coisas que não consigo fazer agora por
mio 1er autoconfiança.
/i hi/ii’iihi I’ode dar alguns exemplos?
I' II piii , eu convidaria alguns de meus vizinhos para tomar um
I «lé eles devem me achar estranho, pois nunca o faço. Co-
iiii i.iii ia li expor meus quadros em eventos locais. Poderia diri-
fcjii I In/cr ns compras sozinho - passei no teste de habilitação
lirt 'ilyiins imos.

\ iMmi tiNuflo que se seguiu trouxe à tona uma lista de índices


stili " mil iiiiiçit" que eram passíveis de automonitoração. O cri-
62 Terapia cognitivo-comportamental

tério segundo o qual as medidas devem se referir a fatos que sejam


observáveis pode apresentar dificuldades para os estados internos,
mas é possível medir os efeitos externos de um estado interno. Por
exemplo, seria fácil discordar da afirmação “O Sr. G. estava furio­
so”, mas seria fácil concordar com uma afirmação mais detalhada
como “O Sr. G. gritou”, “O Sr. G. chutou a porta/os móveis”. Isso
poderia ser suplementado pelo Sr. G. ao contar o número de pensa­
mentos raivosos e ao fazer uma auto-avaliação de sua ira.
Em geral, as instruções sobre o que se deve registrar devem
incluir coleta de informações quanto à freqüência, intensidade e
duração do problema em questão, sempre que forem relevantes.

Recursos para fa zer registros

O terapeuta deve fornecer ao paciente um formulário ou es­


quema de anotações que permitam a fácil manutenção dos regis­
tros. Em geral, os pacientes só conseguem planejar formulários
para si mesmos quando se tom am hábeis em anotar informações.
O paciente deve ter clareza quanto ao que deve anotar e ao modo
de fazê-lo. É possível obter melhores resultados ao se fazer uma
demonstração junto ao paciente.

Medidas significativas e sensíveis

As medidas mais significativas são freqüentemente diferentes


daquelas mais sensíveis. Por exemplo, uma jovem estava sendo
treinada em habilidades assertivas como uma maneira de aumentar
sua auto-estima. As medidas mais significativas foram suas classi­
ficações de comportamentos que se associavam, em sua mente, à
auto-estima (por exemplo, ser capaz de iniciar contatos sociais) c
questionários relacionados à auto-estima (Rosenberg, 1965). Es­
ses índices, porém, eram insensíveis a pequenas mudanças diárias
durante a terapia, e só podiam ser utilizados, digamos, mensal
mente. A fim de examinar de forma mais imediata se há a ocorrên
cia de mudanças, medidas mais sensíveis (como o número dc
vezes por dia que falava “desculpe”) também foram utilizadas.
Avaliação cognitivo-comportamental 63

Simplicidade das medidas

É geralmente útil usar medidas múltiplas para cada problema,


já que não há uma única medida “verdadeira” de um problema que
reflita todos os aspectos de forma adequada (ver p. 11). Entretanto,
não se deve bombardear os pacientes com pedidos de informação.
A aquisição da habilidade de manter registros leva algum tempo, e
é melhor facilitá-la, sobretudo no início do tratamento. Os dados
só devem ser colhidos se o paciente e o terapeuta estiverem segu­
ros quanto à sua utilização. Há uma probabilidade bem menor de
que os pacientes mantenham registros se estes lhes parecerem irre­
levantes.

( >tempo para a medição

Os registros devem ser feitos tão logo um fato tenha ocorrido


(comportamento, pensamento ou sentimento). Se o paciente ar-
nm/enar exemplos e só registrá-los ao final do dia, alguns deles
.i i.Io esquecidos, e outros deturpados. Isso é particularmente ver-
ilmlciro se, por exemplo, o paciente estiver deprimido, com baixa
nulo estima ou ansioso, e estiver registrando exemplos de con­
quista ou enfrentamento. E importante, então, que os meios utili-
/ ikIon para o registro sejam fáceis de carregar e utilizar - um ca-
Il* i nu, por exemplo.

IÍ|H)< rii* informações obtidas pela automonitoração

IIn muitos tipos diferentes de dados que podem ser monitora-


•l<• ■ I xrmplos específicos são dados em cada um dos capítulos
•tiilim i|iii'iiles, mas uma descrição geral se segue, a fim de permitir
qui o leiioi planeje a automonitoração mais relevante para proble-
tttiiN 1'ttpi'd Ticos.

t da freqüência

'•> lit Hiver um aspecto relevante e significativo do problema


Hit» pu ui I mensurado, o resultado será a obtenção de informa­
64 Terapia cognitivo-comportamental

ções mais exatas. Isso tem ampla aplicabilidade, e vale a pena ten­
tar descobrir aspectos discretos de um problema para se contar; por
exemplo, o número de consultas ao médico da família por semana,
de pensamentos de autocrítica, de fios de cabelo arrancados, de
ataques de pânico, de discussões com o cônjuge. Os dados podem
ser registrados em diários, ou em forma de registros de freqüência;
mas para os problemas que apresentam altas freqüências, é mais
fácil usar um contador mecânico (por exemplo, um contador de
golfe ou de fazer crochê).

Duração do problema

Talvez seja adequado medir a duração do fato ou comporta­


mento em questão. Eis alguns exemplos: quanto tempo um paciente
agorafóbico passa longe de casa, o tempo dispendido lavando as
mãos, o tempo dispendido estudando, e quanto tempo o paciente
levou para se acalmar depois de um episódio de hiperpnéia. Essa
informação pode ser registrada num diário, a menos que se disponha
de um relógio digital com cronômetro; este armazena, de forma
cumulativa, o tempo decorrido cada vez que se aciona o botão.

Auto-avaliações

Estas são utilizadas quando for preciso obter informações a


respeito do estado afetivo ou subjetivo do paciente, e freqüente­
mente complementam as medidas de freqüência e duração já des­
critas. São menos confiáveis do que medidas mais diretas, e “li-
nhas-base” podem mudar à medida que o paciente apresentar me­
lhoras, a menos que se tome muito cuidado em especificar o que
os pontos na escala significam. Por exemplo, o significado de “le­
vemente perturbador” em uma escala de 0 a 5 que vai de “nem um
pouco” até “extremamente” perturbador pode mudar, já que o pa­
ciente vivência aos poucos um menor número de situações alta­
mente perturbadoras.
As classificações são mais confiáveis se forem feitas no mo­
mento em que o problema ocorre. Se o problema ou fato ocorrei
de forma discreta e sem freqüência, pode-se pedir ao paciente que
Avaliação cognitivo-comportamental 65

0 avalie toda vez que ocorrer; um exemplo seria a intensidade da


“necessidade de checar” em um paciente obsessivo. Se a ocorrên­
cia for contínua ou muito freqüente, pode-se pedir ao paciente que
mantenha registros por um período fixo do dia. Essa escolha se faz
em função de sua importância particular para o problema (por
exemplo, registrar o mal-estar causado por pensamentos de “gor­
dura” na hora que se segue à refeição), ou por se sentir que o perío­
do é representativo do dia. Pode ser necessário estipular sinais que
lembrem o paciente de fazer os registros; por exemplo, há apare­
lhos portáteis para medir o tempo que sinalizam quando é preciso
la/.er um registro, seja a um intervalo fixo ou variável de tempo.
1' mbora menos confiável, pode ser mais útil pedir ao paciente que
laça uma média da classificação de seus estados subjetivos (por
exemplo, durante o dia, ou de hora em hora, ou três vezes por dia).
A exatidão pode ser melhorada se pedir ao paciente que escolha o
pior sentimento verificado durante o dia, distinguindo-o daqueles
quo experimentou no restante do dia.
As escalas de avaliação variam em sua forma, e vão desde as
m a la s analógicas visuais, em que uma linha de comprimento-pa-
tli rto é fornecida e uma marca pode ser feita em qualquer ponto ao
liinjto dela (ver Figura 2.7, por exemplo), até as escalas numéricas
I um um conjunto de categorias de respostas separadas e distintas,
nina das quais deve ser marcada (ver Figura 2.1, por exemplo).

ItülH

Nenhum ^ Contato visual


minuit) ____________________________ normal durante
v IniiiiI to d a a s e s s ã o

I luiit li 2,7 I srnlii visual analógica para que os terapeutas meçam a quantidade
tit I iMthilnb vlNimis mostrados pelo paciente

li i i h h n

I xlt MMin amplamente usados, e em geral incluem contadores


th- in ia. medidas de duração e auto-avaliações, mas além dis-
«»I in* li..... mim mações a respeito das circunstâncias em que se
É»Mtm " laln '1 I importante especificar com exatidão quais infor­
66 Terapia cognitivo-comportamental

mações estão sendo solicitadas; de outro modo, uma grande parte


delas pode ser registrada sem que se possa assimilar, pouco se po­
dendo afirmar se o mesmo material foi apresentado em ocasiões
diferentes (as Figuras 2.3, 2.4, e 2.6 mostram exemplos de diários,
além dos inúmeros exemplos em capítulos individuais).

Reatividade à automonitoração

Quando o paciente começa a registrar a ocorrência de um fato,


sua freqüência muda (Barlow et al., 1984). Esse fenômeno é cha­
mado de reatividade à automonitoração, e sua ocorrência indepen­
de da exatidão da monitoração. Pode ocorrer porque a monitoração
interrompe uma cadeia de comportamento automática e permite ao
paciente decidir se quer continuar; por exemplo, a cadeia “ver um
estranho pegar um cigarro - necessidade de fumar - mexer no bol­
so - pegar um cigarro” pode ser interrompida se a pessoa tiver de
dar uma nota à sua “necessidade de fumar” antes de pegar um ci­
garro. Clinicamente pode ser útil, já que as mudanças apontam qua­
se sempre para a direção terapêutica. É mais problemático, porém,
quando os dados obtidos pela automonitoração estão sendo usados
para se estabelecer, por exemplo, uma linha-base.
Em suma, a automonitoração desempenha um papel funda­
mental na avaliação e no tratamento cognitivo-comportamental. Se
o paciente não faz uma automonitoração apesar dos cuidados dis-
pendidos em sua elaboração, isso pode ser tratado como qualquer
outra forma de não-adesão (ver p. 52).

Questionários de auto-relatos

Há uma distinção um pouco arbitrária entre automonitoração


e auto-relato, mas o último se refere a informações mais retrospec­
tivas e globais do que a automonitoração. A fonte mais freqüente dc
informações são os questionários, que têm a vantagem de dispoi
de dados normativos com relação aos quais o paciente pode fazei
comparações. Vale ressaltar, novamente, que o auto-relato propoi
Avaliação cognitivo-comportamental 67

ciona informações diferentes, mas não necessariamente inferiores,


para medidas mais diretas. Por exemplo, pode não haver uma cor­
relação perfeita entre os registros fisiológicos da função cardíaca e
o auto-relato de um paciente sobre taquicardia. Embora os dados
fisiológicos sejam importantes, a percepção que o paciente tem da
função cardíaca é igualmente relevante.
Somente os questionários cuja integridade psicométrica seja
demonstrável devem ser utilizados. A validade do conteúdo é par-
licularmente importante, e se refere até que ponto o questionário
mede de forma adequada a área relevante. Isso deve ter sido deter­
minado pelos autores do questionário em uma base empírica, e não
lógica, e os dados da validação devem estar à disposição.
Os capítulos seguintes fornecem informações sobre questio­
nários relevantes, mas uma grande variedade de exemplos pode ser
encontrada em Cautela e Upper (1976) e Bellack e Hersen (1988).

Informações obtidas através de outras pessoas

Informações adicionais podem ser obtidas através de outras


pt'NNuiiN, em cada uma da áreas até então discutidas. Portanto, pes-
MiiiN t Imve podem ser entrevistadas, podem monitorar as informa-
yrti'N à medida que ocorrem in vivo, ou podem fornecer mais infor-
niiivtVs retrospectivas globais. As pessoas relevantes incluem o te-
inpriitu, parentes ou outras pessoas-chave para o paciente, ou a
que interage com ele.

t nlir\Kl us com indivíduos-chave

• >n pi incipais objetivos dessas entrevistas são idênticos àque­


l a (jup Ne ici 11 no entrevistar o paciente. São eles: inferir e apresen-
ihi IhIiii fummlnçílo do problema, instruir os parentes ou outros
si»l*i» d iiiiiiiiivii do problema e a abordagem psicológica ao trata-
Mttiiiu 1 i-nvnlvè los no tratamento, se isso for relevante. Mais es-
I» iimi'iilr. é íitil estabelecer, durante a entrevista, de que mo-
•Imh pinlili mu iilmye o indivíduo-chave, quais são as crenças dessa
68 Terapia cognitivo-comportamental

pessoa com relação ao problema, e como ela responde a ele e o en­


frenta. Podem ser obtidas informações sobre a evitação que não te­
nham sido mencionadas pelo paciente. Essa parte da avaliação
pode ser mais longa do que a entrevista com o próprio paciente, se
o comportamento-problema causar maior desconforto aos outros
do que ao paciente. Por exemplo, o marido de uma mulher com
ataques de pânico achava que sua mulher estava ficando louca, e
que o objetivo principal do tratamento era esconder essa realidade
desesperadora da paciente por mais tempo que se pudesse. As
crenças do marido apenas se fizeram claras após uma extensa en­
trevista durante a qual seu pessimismo com relação ao resultado
terapêutico foi discutido. Outros exemplos do papel central das in­
formações obtidas através de outras pessoas são apresentados no
Capítulo 9.
É importante verificar se o parente ou outra pessoa deseja que
o terapeuta mantenha sigilo quanto a alguma informação (e fazer o
mesmo com o paciente antes de entrevistar a outra pessoa). Se isso
ocorrer, vale a pena discutir se o pedido se baseia em medos irra­
cionais.

Monitoração por outras pessoas-chave

Esse recurso pode ser usado para aumentar a exatidão da au­


tomonitoração, mas também pode fornecer informações específi­
cas sobre o impacto do problema do paciente sobre as outras pes­
soas. Isso será particularmente relevante quando outras pessoas
estiverem intensamente envolvidas no problema; por exemplo,
um cônjuge reconfortando um paciente hipocondríaco, ou proble­
mas de relacionamento (inclusive com os filhos). Os princípios
gerais para a obtenção de dados monitorados com exatidão são
exatamente os mesmos que aqueles para dados de auto-relatos, c
devem ser estabelecidos dispensando-se a mesma atenção aos de­
talhes.
As observações feitas pela equipe nos ambientes terapêuticos
serão discutidas em detalhe no Capítulo 9.
Avaliação cognitivo-comportamental 69

Observação direta do comportam ento

E útil, muitas vezes, poder-se observar diretamente o compor-


tamento-problema; por exemplo, um paciente pode descrever em
linhas gerais os rituais de lavagem de mãos, mas ser incapaz de for­
necer uma descrição detalhada. Às vezes é difícil planejar a obser­
vação em contextos realistas. Um exemplo é aquele em que o pa­
ciente descreve deficiências flagrantes em aptidões sociais, e não
se consegue saber ao certo se isso representa inaptidão ou ansieda­
de quanto ao desempenho social.

Observação de comportamentos que ocorrem naturalmente

Se os comportamentos relevantes ocorrem na presença do


terapeuta, podem ser feitas medidas nesse momento, desde que a
Niluução possa ser padronizada. Tais medidas podem incluir conta-
i r ns de freqüência, medidas de duração e avaliações. Por exemplo,
no caso de um paciente que se queixava de distenção abdominal, o
tei upeuta contou o número de arrotos por sessão. Nesses exemplos,
ii duração da sessão poderia ser constante, ou a contagem de fre-
i|(IOiii ía calculada com base em uma duração constante de sessão.
N o ciiso de um paciente deprimido, foram feitas avaliações de au-
loullíni e humor melancólico para a resposta dada pelo paciente à
|m IjMinla-padrão “Como foram as coisas nesta semana?” Outro
I Hfiiiplo de avaliações úteis foram aquelas que um terapeuta fez
•lo número de contatos visuais efetuados por um paciente social-
nit nl«* retraido, cm cada sessão, sendo utilizada para esse fim a
* " ulti ^ i’tiial analógica mostrada na Figura 2.7.

Ht f i r u de papéis ( “role-play”)

'<> o problema envolve interações com outras pessoas, então a


•«I•*« » iiinçrto ile papéis (role-play) com alguém que participa da
t Miiiiiii >nu peimite a direta observação do comportamento-proble-
imm $ poili m i lepelida antes e após o tratamento para se avaliar a
Mtdii mi ti Qiiiiinlo possível, a representação de papéis (role-play)
70 Terapia cognitivo-comportamental

deve ser filmada em vídeo, e então avaliada em dimensões rele­


vantes por observadores independentes que praticaram o uso da
escala de avaliação; esse método tem sido usado para se avaliar a
eficácia do treinamento de aptidões sociais (Trower, Bryant e
Argyle, 1978). Num outro estudo, pediu-se a casais com problemas
conjugais que discutissem temas problemáticos, e suas interações
foram filmadas em vídeo e em seguida codificadas (Bornstein,
Bach, Heider e Ernst, 1981).
Não se pode afirmar, entretanto, que exista uma alta correla­
ção entre o desempenho em situações de representação de papéis
(role-play) e aquelas que ocorrem em contextos cotidianos. O
desempenho na representação de papéis (role-play) é sensível a
variáveis situacionais; por exemplo, a capacidade de dizer sim
pode variar dependendo de o pedido ser feito por um amigo ou
conhecido, e independente de se dar um motivo a esse pedido. A aná­
lise das mudanças obtidas através do tratamento não deve se ba­
sear exclusivamente em avaliações de desempenho em represen­
tação de papéis (role-play). De outro modo, será impossível de­
term inar se a m elhora foi geral, ou se se limita a essas tarefas es­
pecíficas.

Testes comportamentais

Estes permitem a observação direta de uma grande variedade


de comportamentos-problema, e muitos exemplos serão fornecidos
nos capítulos que se seguem; por exemplo, testes de evitação para
pacientes fóbicos (p. 153) e testes comportamentais com pacientes
obsessivos (p. 204). As medidas obtidas através desses testes po­
dem incluir medidas específicas e objetivas (por exemplo, o tempo
dispendido confrontando-se um objeto que causa fobia), bem como
as avaliações feitas pelo paciente e pelo terapeuta. Por exemplo,
uma paciente obesa que furtava a maioria da comida de que neces­
sitava para satisfazer seu episódios bulímicos; procedeu-se então a
um teste comportamental em um supermercado, concentrando-se
na cadeia de comportamentos que concorriam para o ato de furtar,
visando interromper essa corrente em pontos múltiplos. As medi-
das incluíam o número de coisas que furtava (por exemplo, quando
estava carregando sacolas diferentes, vestindo roupas diferentes) e
Avaliação cognitivo-comportamental 71

auto-avaliações da necessidade de furtar em vários pontos da loja.


Outro exemplo foi o teste comportamental para um paciente que
tinha cãibras ao escrever. Pediu-se a ele que escrevesse um trecho-
padrão; as medidas incluíam o tempo dispendido e o número de
palavras concluídas, com classificações pelo paciente do incômo­
do causado e classificações do terapeuta com relação à sua facili­
dade em segurar a caneta.

Parâmetros com portam entais objetivos

Essas medidas são indiretas, e não enfocam o comportamento-


problema em si. Têm a vantagem de ser objetivas e relativamente
livres das predisposições do observador. Um exemplo comum é o
peso como um parâmetro objetivo do ato de comer, usado no caso
tie pacientes com distúrbios alimentares. Outros exemplos in­
cluem o dinheiro dispendido em comida, no caso de pacientes que
apresentam episódios de excessos alimentares, a quantidade de sa-
brto usada semanalmente por pacientes obsessivos e o número de
I i o s de cabelo arrancados por pacientes que sofrem de tricotilo-
maniu.

\ !rd idas fisiológicas

( >s processos fisiológicos podem ser indiretamente acompa­


n h ad o s; por exemplo, um paciente poderia fazer uma automonito-
mM h da freqüência de dores de cabeça, ou um paciente com fobia
uh lal poderia avaliar a intensidade de sua transpiração em situa-
i,oi 'I «m iais, limbora haja um extensa literatura a respeito da me­
d ic o |»*,hoi isiológica, sua utilização na prática clínica cotidiana é
lilMlIada pelo custo e disponibilidade de equipamento. Entretanto,
>». Miiiilanças psicofisiológicas podem preceder outras mudanças,
(toi I il ni|)lo, as subjetivas e comportamentais, e aparelhos de baixo
•M ito e n c o n t r a m cada vez mais disponíveis. Exemplos são for­
72 Terapia cognitivo-comportamental

necidos nos capítulos que se seguem, particularmente onde os pro­


blemas são em grande parte somáticos (p. 355).

Conclusões

O objetivo principal de uma avaliação cognitivo-comporta­


mental é a inferência de uma formulação e um plano de tratamento.
A maior parte das informações será coletada durante as entrevistas
com o paciente, e uma formulação preliminar pode ser discutida
após a entrevista inicial. Entretanto, para se completar a formulação
será quase sempre necessário obter maiores informações. Portanto,
a automonitoração pelo paciente geralmente se faz necessária, assim
como a utilização de questionários pode ser relevante. Além disso,
as informações obtidas através de parentes ou outras pessoas podem
ser úteis. As observações diretas do comportamento-problema mui­
tas vezes ressaltam facetas que, de outro modo, seriam difíceis de
avaliar. A menos que o comportamento ocorra espontaneamente no
contexto clínico, será necessário estabelecer tarefas de representa­
ção de papéis (role-play) ou testes comportamentais. Em alguns ca­
sos, podem ser colhidos dados fisiológicos, mas estes serão muitas
vezes indiretos (por exemplo, avaliações feitas por pacientes).
Podem ser necessárias duas ou até três sessões para se com­
pletar a avaliação preliminar e chegar à formulação. Muitos estu­
dos constataram que a maioria das mudanças ocorre durante as
primeiras sessões de tratamento, e seria lamentável que esse perío­
do fosse abreviado ao se introduzirem estratégias impróprias antes
que terapeuta e paciente tenham uma compreensão adequada do
problema. Depois de terem chegado a um consenso quanto à natu­
reza do problema e dos prováveis fatores mantenedores, o terapeu­
ta e o paciente terão condições de efetuar mudanças nos anteceden­
tes, nas conseqüências ou no comportamento em si, e de acompa­
nhar os efeitos. O restante do livro enfoca as abordagens terapêuti­
cas para problemas específicos.
Avaliação cognitivo-comportamental 73

Leitura recom endada

Marlow, D. H., Hayes, S. C., e Nelson, R. O. (1984). The Scientist Practitioner.


Pergamon, Oxford.
Itellack, A. S. e Hersen, M. (1988). Behavioural Assessment: a Practical Hand­
hook (3? ed.). Pergamon, Nova York.
4. Distúrbios fóbicos
( lillian Butler

Introdução

A fobia é um medo persistente e excessivo de um objeto ou si­


tuação que não representam um perigo de fato. Tais medos resul-
lain em um intenso desejo de evitar situações fóbicas, embora os
pacientes freqüentemente reconheçam que isso não é racional.
Podem ser capazes de libertar-se desses medos quando estão em
locais “seguros”, mas ainda acreditam que correm um grande peri­
go ao se defrontarem com aquilo que temem. Diferentemente dos
outros medos, as fobias são incapacitadoras e não adaptativas, pois
interferem nas atividades regulares.

Tipos de fobia

Há três tipos principais de distúrbio fóbico: fobia simples, fo­


bia social e agorafobia. Uma fobia simples se restringe a um único
objeto ou situação temida (por exemplo, aranha, altura, visão de
sangue). Os portadores de fobia simples geralmente estão livres de
seus sintomas se não vivenciarem ou não anteciparem a situação
fóbica. As fobias sociais são mais complexas, pois giram em torno
tie eventos inobserváveis, como uma avaliação negativa, críticas
ou rejeição pelas outras pessoas. As fobias sociais podem focalizar
determinados aspectos das interações sociais, como falar, comer
140 Terapia cognitivo-comportamental

ou escrever em público, caso em que se assemelham às fobias sim­


ples. Normalmente, são mais difusas. Os pensamentos perturbado­
res, em geral associados ao medo de se expor ao olhar perscruta­
dor ou à avaliação negativa dos outros, são particularmente impor­
tantes nas fobias sociais. Uma evitação bem-sucedida pode não ser
tão extensiva quanto em outros tipos de fobia, pois não é tão fácil
de ser alcançada.
Na agorafobia, a ansiedade é determinada pelo afastamento
daquilo que oferece segurança ou pela proximidade do estímulo
fóbico. Esse problema afeta um aglomerado de situações, das quais
a mais comumente mencionada é o medo de freqüentar locais em
que haja muito movimento de público, podendo incluir o medo de
espaços fechados (cabeleireiros, supermercados, cinemas, etc.),
dos transportes coletivos e de estar longe de casa. Os sintomas in­
cluem tanto o medo quanto a evitação acentuada de situações em
que a fuga para território seguro possa ser difícil, ou nas quais
possa ser difícil conseguir ajuda em caso de uma emergência. Os
agorafóbicos geralmente (mas nem sempre) se sentem seguros em
casa, e tanto mais temerosos quanto mais se aventurem a distan­
ciar-se do território em que se sentem seguros. Podem também
entrar em pânico ou temer perder o controle, desmaiar ou desfale­
cer se não conseguirem escapar. Alguns agorafóbicos ficam menos
ansiosos se estiverem acompanhados por alguém em quem con­
fiam, ou quando estão empurrando um carrinho ou carregando um
guarda-chuva, podendo utilizar estes fatores como “apoio”. Sis­
temas diagnósticos como a DSM III (Associação Psiquiátrica Ame­
ricana, 1980) distinguem dois tipos de agorafóbicos: os que têm
ataques de pânico e os que não os têm, embora não esteja claro tra­
tar-se de dois distúrbios distintos que precisem tratamentos dife­
rentes, ou de manifestações mais ou menos graves do mesmo pro­
blema. As técnicas desenvolvidas para o tratamento de pânico,
descritas no Capítulo 3, podem ser combinadas aos tratamentos
para fobias apresentados a seguir.

A freqüência das fobias

É díficil calcular a freqüência de fobias na população como


um todo, uma vez que não existe uma linha divisória nítida entre
Distúrbiosfóbicos 141

“medos normais” e fobias, e porque as pessoas tendem a não reve­


lar suas fobias. Não obstante, constata-se que as fobias leves são
muito comuns, acometendo um em cada nove adultos (Agras,
Sylvester e Oliveau, 1969; Robins étal., 1984). São especialmente
comuns na primeira infancia, apesar de muitos desses medos desa­
parecerem aos 6 anos. Nos adultos, as mulheres são um pouco
mais acometidas por fobias do que os homens; entretanto, aproxi­
madamente 80% dos agorafóbicos são mulheres, enquanto ho­
mens e mulheres são igualmente acometidos de fobia social. Cerca
de 60% dos pacientes fóbicos que circulam pelos serviços ambula-
toriais são agorafóbicos, sendo que os fóbicos sociais constituem o
próximo maior grupo.

Origens

Costumava-se pensar que é possível apresentar fobia em rela­


ção a qualquer objeto ou situação. Uma visão alternativa, baseada
na observação de que um número limitado de fobias é encontrado
na prática clínica, é aquela segundo a qual o que é temido pode ser,
ou alguma vez já foi, potencialmete perigoso para a raça humana.
Essa teoria do “estado de alerta” (Seligman, 1971; McNally, 1987)
aplica-se às fobias de pequenos animais, doença ou ferimento,
tempestades, altura, estranhos e água, e também a situações como
estar afastado de um território seguro e ser rejeitado por outras
pessoas. Por extensão, pode também aplicar-se ao medo de avião,
aos medos sexuais e aos fatores relacionados a doenças, como vo­
mitar ou agulhas. Entretanto, há raras e notáveis exceções, como o
caso de um indivíduo com fobia de chocolate mencionado por
Rachman e Seligman ( 1976).
Embora a causa exata das fobias não seja conhecida, elas são
geralmente vistas como medos aprendidos, adquiridos através do
condicionamento direto, do condicionamento indireto (quando o
medo é aprendido ao se observar o medo de outros) ou da trans­
missão de informações e/ou instruções (Rachman, 1977; Ost e
Hugdahl, 1981). O condicionamento é uma forma de aprendizado
durante a qual se desenvolve uma nova associação entre um estí­
mulo e as respostas a esses estímulos. Por exemplo, ao brincar com
seu cão de estimação (o estímulo) uma criança pode inadvertida-
1 42 Terapia cognitivo-comportamental

mente puxar seu rabo e ser mordida. A criança reage com medo e
perturbação, aprendendo a evitar cachorros no futuro (ver também
Capítulo 1).
Contudo, é incomum que um paciente fóbico descreva um
único evento traumático, como o de ser mordido, ao qual possa
atribuir o início da manifestação do distúrbio. O medo geralmente
se desenvolve aos poucos, como resultado de experiências repeti­
das e mais ou menos assustadoras, ou através de uma aprendiza­
gem social. As vezes isso acontece num período de estresse ou de
grande agitação, quando as respostas de medo são facilmente
aprendidas. As fobias simples podem se desenvolver gradualmen­
te a partir dos medos da infância, e o mais comum é que as fobias
sociais se iniciem no final da adolescência. A agorafobia parece
começar mais freqüentemente ou no final da adolescência, quando
se espera que as mulheres se tomem mais independentes, ou ao
redor dos 30 anos (Marks e Gelder, 1966). De acordo com Marks
(1969), a presença e a natureza dos fatores précipitantes não têm
nenhuma relação evidente para o subseqüente desenvolvimento do
distúrbio. Não é necessário conhecer a causa exata da fobia para
poder tratá-la com êxito.

Sintomas

Os sintomas provocados pelo contato com algo temido po­


dem ser classificados em três tipos: fisiológicos, comportamentais
e subjetivos (Lang, 1968). Os sintomas fisiológicos incluem todas
as sensações que podem se apresentar se, por exemplo, alguém
quase foi atropelado por um carro: batimentos cardíacos rápidos,
sudorese, tremores, respiração acelerada, tensão muscular e/ou en­
fraquecimento, “embrulho no estômago”, náusea, falta de ar, etc.
As vezes, mais freqüentemente na agorafobia do que em outros
tipos de fobia (Barlow e Craske, 1988), esses sintomas podem estar
associados aos ataques de pânico. Uma sintomatologia um pouco
diferente se apresenta nas fobias de sangue e ferimentos, quando
há uma repentina queda nos batimentos cardíacos que pode acar­
retar um desmaio. Em geral, os sintomas comportamentais mais
óbvios são “fuga” ou “imobilidade”; desviar-se rapidamente do
Distúrbiosfóbicos 143

caminho ou ficar momentaneamente preso ao chão. Os sintomas


subjetivos devem, obviamente, ser inferidos dos relatos verbais e
comportamentos dos pacientes, e incluem pensamentos como
“Aquilo poderia ter me matado”, “As pessoas são perigosamente
descuidadas”, além de emoções como vergonha, constrangimento,
raiva e medo. Os sintomas fisiológicos, comportamentais e sub­
jetivos podem ou não sofrer flutuações conjuntas (Rachman e
Hodgson, 1974).
Se por pouco alguém não foi atropelado por um carro, os sin­
tomas de medo rapidamente desapareceriam, e a experiência teria
tido conseqüências benéficas, adaptativas: fazer com que, da pró­
xima vez, se preste mais atenção ao se atravessar a rua, ou que se
evite fazê-lo enquanto se conversa com um amigo. As reações do
pedestre imprudente são sensatas, e podem até prolongar a vida.
Reações semelhantes se tornam perturbadoras e inadaptadas quan­
do são provocadas por algo que não apresenta perigo de fato. Por
definição, o medo fóbico é desproporcional à fonte de perigo, e as
reações como cuidado e evitação em situações que provoquem tal
medo são inadequadas.
Os fóbicos reagem ao medo de três maneiras: fisiológica,
comportamental e subjetivamente, e essas reações impedem que
os sintomas desapareçam. Elas mantêm o problema ao prolonga­
rem e aumentarem a perturbação, e também ao produzirem novos
sintomas como a ansiedade antecipatória, a apreensão e o pavor.
Em muitos casos, a mais perturbadora de todas as reações é a evi­
tação. As reações subjetivas são também importantes, e incluem
pensamentos como “Lá vou eu de novo”, “Vou perder o controle”,
“Estou tremendo, e todos vão notar”, um intenso desejo de evitar e
várias emoções perturbadoras, como a frustração, o medo e o pa­
vor. A depressão também pode se tom ar um problema nas fobias
persistentes que interferem nas atividades cotidianas (ver a seguir).

A interação entre sintomas e reações

A Figura 4.1 mostra como as reações aos sintomas mantêm a


fobia ao criar círculos viciosos que a perpetuam. A evitação man­
tém a ansiedade pelo fato de dificultar o aprendizado de que o obje­
144 Terapia cognitivo-comportamental

to ou a situação temidos não são perigosos da maneira ou nas pro­


porções em que o paciente pensa que sejam. Outros importantes
fatores de manutenção incluem os pensamentos, por exemplo
aqueles sobre o significado dos sintomas de ansiedade (“Vou des­
maiar”, “Há algo de muito errado comigo”), ou sobre as conse­
qüências antecipadas de se ingressar na situação fóbica (“Vou ser
mordido”, “Ninguém falará comigo”), e a perda de confiança. As
fobias também são mantidas por fatores externos, como as ações
de pessoas próximas ao paciente, por exemplo quando fazem coi­
sas para que ele não tenha de enfrentar a situação temida. Quando
não tratadas, as fobias são extremamente persistentes (Marks,
1969), fazendo-se necessária uma identificação precisa dos fato­
res mantenedores para se poder planejar um tratamento eficaz.
A seqüência deste capítulo vai ocupar-se do tratamento das
fobias. Primeiro se apresenta a base teórica para o tratamento,
seguida de mais detalhes práticos que começam com a avaliação
para a terapia e prosseguem com uma descrição da exposição e
dos vários procedimentos cognitivos e não-cognitivos que po­
dem ser combinados a ela. O capítulo term ina com uma breve
exposição das dificuldades que podem surgir durante o trata­
mento, de procedimentos para a manutenção da mudança e de tra­
tam entos alternativos.

A base teórica do tratam ento

A abordagem comportamental das fobias desenvolveu-se di­


retamente a partir das descobertas da psicologia experimental, em
particular do trabalho de Wolpe (1958, 1961) sobre a dessensibili­
zação sistemática. Este baseava-se na hipótese de que a maior par­
te dos comportamentos “anormais” é aprendida, assim como
acontece com os “normais”. Logo, aquilo que foi aprendido pode
ser desaprendido, aprendendo-se em seu lugar reações mais adap-
tativas. Isso pode ser alcançado ao nos aproximarmos daquilo que
tememos, em vez de evitá-lo, através da “exposição gradual”. Se a
tendência de fuga, retraimento ou simples evitação for revertida, o
145
Distúrbiosfóbicos

DESENCADEANTE SITUACIONAL

SINTOMAS

Figura 4.1 Modelo de círculo vicioso da ansiedade fóbica

fóbico tem a oportunidade de aprender que a situação não apresen­


ta perigo de fato. A criança que nunca mais se aproxima de um
cachorro pode permanecer temerosa, enquanto aquela que se apro­
xima talvez recupere a confiança. O tratamento, portanto, requer
que os pacientes repetidamente entrem em contato com aquilo que
temem, e permaneçam em contato até que o medo comece a ceder.
A exposição quebra os círculos viciosos que mantêm os sintomas e
facilita o novo aprendizado. Ao enfrentar as coisas que temem, os
pacientes reaprendem a lidar com elas de maneira efetiva.
146 Terapia cognitivo-comportamental

Portanto, o tratamento visa extinguir (ou reduzir) a ansiedade


e a evitação ao expor sistematicamente os pacientes às situações
temidas. Fica claro, de imediato, que o principal problema que se
coloca para o terapeuta é o de fazer com que os pacientes sejam
capazes de entrar em situações que para eles são desagradáveis ou
assustadoras. As diretrizes para se superar esse problema e assegu­
rar a máxima eficácia da exposição provêm de um grande número
de pesquisas sobre o tratamento de fobias simples, fobia social e
agorafobia. Estas são delineadas abaixo.

Diretrizes da exposição

A exposição se define pelo confronto com alguma coisa que


havia sido evitada por provocar ansiedade. Pesquisas sugerem que,
para se obter a máxima eficácia, a exposição deve ser gradual, re­
petida e prolongada, e que a prática de exercícios deve ser clara­
mente especificada (por exemplo, Marks, 1981; Emmelkamp,
1982; Mathews, Gelder e Johnston, 1981). Em princípio, isso quer
dizer que o paciente tem de identificar todas as coisas que são evi­
tadas e ordená-las, de acordo com a dificuldade que oferecem, em
uma “hierarquia graduada”, como descrito em detalhe mais adian­
te (p. 152). O primeiro exercício escolhido para a prática deve ser
suficientemente fácil para que o paciente tenha a certeza de que
pode tentar fazê-lo, mas suficientemente difícil para provocar al­
guma ansiedade. Os exercícios que não são ansiogênicos não são
úteis (Borcovek e Sides, 1979a), talvez por não oferecerem um
contexto apropriado para o novo aprendizado. Os exercícios de­
vem ser repetidos freqüente e regularmente até produzirem pouca
ou nenhuma ansiedade, quando então deve-se passar para o próxi­
mo exercício da lista. Cada exercício prático deve ser prolongado
até que a ansiedade comece a declinar, e o progresso será mais rá­
pido se o intervalo entre os períodos de prática for curto. Por
exemplo, Mathews et al. (1981) sugerem que os pacientes devem
praticar por uma hora, todos os dias. Em geral, quanto mais prati­
carem, mais vão melhorar.
Assim, por exemplo, as pessoas com aracnefobia devem co­
meçar por fazer contatos voluntários com algo que provoque uma
Distúrbiosfóbicos 147

quantidade de medo definida, porém tolerável, como uma pequena


aranha morta dentro de um frasco de vidro fechado. Devem olhar
para a aranha e examiná-la detalhadamente, até que o medo come­
ce a declinar. Esse exercício deve ser repetido até que passe a pro­
vocar pouca ou nenhuma ansiedade. Passa-se, então, para um exer­
cício mais difícil, como segurar uma aranha morta ou observar uma
aranha viva dentro de um frasco de vidro. Essa aproximação gra­
dual permite que os pacientes se habituem ao contato com situa­
ções moderadamente provocadoras de medo antes de abordarem
as mais difíceis e, na teoria, o tratamento efetivo consiste na repeti­
ção sistemática desse procedimento.
Quanto mais complexa for a fobia, mais tempo levará para ser
tratada. Em geral, oito sessões devem bastar (muitos casos talvez
precisem de um menor número), e depois disso a maioria dos pa­
cientes terá aprendido o suficiente sobre o método para ser capaz
de continuar a aplicá-lo com um mínimo de ajuda. Em todos os
casos, os pacientes devem ser incentivados a percorrer rapidamen­
te sua hierarquia, iniciando novos exercícios assim que a ansiedade
causada pelos mais fáceis tiver diminuído. Os primeiros exercícios
devem ser repetidos mais tarde e incorporados à vida cotidiana
sempre que possível.

Avaliação

A avaliação para fins de tratamento dos distúrbios fóbicos co­


meça na primeira sessão, e continua durante todo o tratamento e
acompanhamento. Isso acontece porque as medidas de medo e re­
gistros de prática fornecem as informações sobre as quais se pode
fundar as bases de uma estratégia de tratamento eficaz e flexível.
A avaliação tem três objetivos:

(1) determinar a natureza exata da fobia e a adequação para o tra­


tamento;
(2) definir as metas do tratamento; e
(3) identificar medidas apropriadas de ansiedade fóbica.
148 Terapia cognitivo-comportamental

Muitos pacientes fóbicos ficam ansiosos ou perturbados


quando falam sobre sua fobia, e desse modo encontram dificulda­
de em fazê-lo. Isso talvez se deva ao fato de que pensar nela deta­
lhadamente aumenta a ansiedade, sendo em geral uma atitude evi­
tada, ou ao fato de que a avaliação força o paciente a ingressar em
uma situação fóbica real, como deslocar-se até a clínica, para um
agorafóbico, ou falar com um estranho, para um fóbico social. E
importante que se estabeleça um relacionamento o mais rápido
possível, e que se tenha em mente que os pacientes podem mos­
trar-se relutantes em descrever com detalhes suas fobias por lhes
parecerem absurdas ou irracionais.

Natureza exata da fobia e adequação do tratamento

Pontos gerais

Uma avaliação deve ser estruturada ao se questionar sistema­


ticamente os sintomas fisiológicos, comportamentais e subjetivos
e as reações a eles (ver Figura 4.1 ). A gravidade da fobia pode ser
avaliada ao se descobrir até que ponto ela interfere na vida cotidia­
na, inclusive na capacidade de trabalho e na manutenção de rela­
cionamentos normais. Pode ser útil fazer perguntas de duas manei­
ras: por exemplo, “O que a fobia o impede de fazer?” e “Se não
tivesse mais esse problema, quais seriam as diferenças para sua
vida?”. Já que a exposição talvez seja a parte principal do trata­
mento, é preciso obter informações detalhadas a respeito da evita-
ção. Isso inclui a verificação dos fatores que tornam uma determi­
nada situação mais fácil ou mais difícil. A uma pessoa claustrofó­
bica, por exemplo, poder-se-ia perguntar se fatores como o tama­
nho do boxe do banheiro, ou a existência ou não de uma janela ali,
fazem alguma diferença. Será preciso determinar o pleno alcance
da evitação para poder fazer uma lista gradual de exercícios de
exposição ou de hierarquia graduada (ver adiante, p. 152). De
maneira superficial, fobias semelhantes podem produzir diferen­
tes padrões de evitação, de tal modo que uma pessoa com aracne-
fobia evita a limpeza de armários enquanto outra é especialmente
cuidadosa com relação à limpeza da parte de baixo dos móveis.
Distúrbiosfóbicos 149

Isso fica particularmente claro no caso dos fóbicos sociais, nos


quais o padrão de evitação pode ser determinado pela significação
pessoal que a situação lhes traz, por exemplo a idéia de que estão
sendo criticados, ou de que nunca serão capazes de estabelecer re­
lacionamentos íntimos.

Fatores mantenedores

A avaliação dos fatores “de fundo” não precisa incluir um his­


tórico detalhado do desenvolvimento de uma fobia. É mais útil
identificar os fatores mantenedores, pois estes podem interferir no
progresso. Os fatores cognitivos também podem ser importantes;
por exemplo, os pensamentos sobre o grau de perigo de um estí­
mulo fóbico e as dúvidas quanto à validade do tratamento, ou quan­
to à capacidade de submeter-se a ele. A avaliação deve elucidar se
outros problemas, como a ansiedade generalizada ou a depressão,
justificam uma atenção específica (ver adiante, p. 175), e se há
razões para parecer mais cômodo conviver com a fobia do que
lutar contra ela. Isso poderia ocorrer, por exemplo, se uma pessoa
jovem tivesse de mudar de casa uma vez que a fobia tivesse melho­
rado, ou se a maior independência alcançada por um agorafóbico
após o tratamento representasse uma ameaça ao seu casamento. O
terapeuta deve tentar descobrir se tais fatores são importantes ao
perguntar, por exemplo: “Se obtivesse êxito em livrar-se da fobia,
que problemas ainda lhe restariam?”, “Perder a fobia lhe causaria,
ou a alguém mais, quaisquer outras dificuldades?”.

Habilidades de enfrentamento existentes

O terapeuta deve perguntar quais os métodos de enfrentamen­


to que o paciente tentou no passado, pois aqueles que parecerem
adaptativos (como manter-se ocupado para não pensar muito no
problema) podem ser proveitosamente incorporados ao programa
de tratamento. Outros, como as tentativas esporádicas de enfrentar
situações difíceis, podem ter sido mal sucedidos. Isso poderia criar
certas reservas quanto aos métodos a serem usados no tratamento,
a menos que possíveis razões para o fracasso (como a prática insu-
150 Terapia cognitivo-comportamental

ficiente, não gradativa ou irregular) sejam discutidas. O álcool e os


tranqüilizantes são freqüentemente usados, e podem ser difíceis de
abandonar devido à sua eficácia a curto prazo. Entretanto, ambos
poderão acarretar a dependência se consumidos por longos perío­
dos, e o paciente poderá precisar de outros métodos de controle
que os substituam com resultados mais duradouros.

Recursos

Os recursos dos pacientes exercerão influência sobre fatores


como sua capacidade de lidar com situações difíceis e sua pronti­
dão para aceitar o fundamento lógico ativo e de auto-ajuda da
abordagem cognitivo-comportamental. Os recursos incluem pas­
satempos e aspectos da vida que são relativamente imunes à fobia,
fontes de prazer e sucesso, amigos ou parentes solícitos e caracte­
rísticas pessoais como a persistência e o senso de humor. Em geral,
podem ser identificados ao se perguntar aos pacientes como lida­
ram com as dificuldades no passado.

Adequação ao tratamento

A maioria das fobias apresenta um grau de melhora com o tra­


tamento e, portanto, há fortes razões para que ele se faça presente
sempre que possível. Os pacientes com depressão grave ou depen­
dência do álcool talvez não se submetam às sugestões enquanto não
recebam outro tratamento. Aqueles com distúrbios de personalidade
de longa duração apresentam outras dificuldades (por exemplo,
motivação flutuante, excessiva dependência ou hostilidade com
relação ao terapeuta), sendo seu tratamento mais demorado.

Determinar os objetivos do tratamento

Embora o objetivo geral do tratamento seja quase sempre auto-


evidente nos distúrbios fóbicos, é importante discutir os objetivos
exatos do paciente, já que podem não corresponder àqueles do
terapeuta. Há muitas razões para tal diferença. Esperar o impossí­
vel é uma delas. Por exemplo, um fóbico social pode desejar nunca
Distúrbiosfóbicos 151

sc sentir ansioso novamente em presença de alguém. Uma vez que


um certo grau de ansiedade social talvez seja “normal”, esse obje-
livo pode não ser alcançado, e talvez fosse mais útil estabelecer
novos objetivos ao se verificar até que ponto os outros se sentem
nnsiosos em determinadas circunstâncias (por exemplo, durante
uma entrevista difícil, ou quando criticados inadvertidamente).
O paciente e o terapeuta podem também imprimir diferentes
graus de ênfase a objetivos diversos. Para uma agorafóbica pode ser
mais importante e, de fato, fazer uma diferença mais prática em sua
vida, ser capaz de fazer compras com uma amiga, enquanto para o
lerapeuta pode parecer mais importante que ela desenvolva a con­
fiança para fazer as coisas sozinha. Uma consonância quanto aos
objetivos é fundamental para o pleno envolvimento no tratamento.
É difícil saber o âmbito dos objetivos que devem ser estabele­
cidos para os pacientes fóbicos. Há alguma discordância quanto à
utilidade de confrontação com as situações mais assustadoras se
elas oferecem pouca probabilidade de serem vivenciadas; por exem­
plo, segurar cobras perigosas ou brincar com tarântulas. Talvez o
objetivo mais razoável seja aquele que ajude a manter as conquistas
feitas durante o tratamento, como o planejamento de limpezas re­
gulares na primavera, piqueniques no campo ou visitas a zoológi­
cos, no caso de um aracnefóbico. Ost, Lindahl, Sterner e Jerremalm
(1984) sugerem que os fóbicos de sangue e ferimentos deveriam
objetivar tomar-se doadores regulares de sangue. E improvável que
tais metas sejam mencionadas espontaneamente e talvez devam ser
sugeridas pelo terapeuta.

Medir a fobia

As medidas são necessárias para se obter informações sobre


os progressos e ajudar no planejamento do tratamento. Devem ser
fáceis de usar, sensíveis à mudança e capazes de refletir as preocu­
pações particulares de um paciente.

Gravidade da fobia

As medidas mais freqüentes da gravidade da fobia são a hie­


rarquia graduada e os testes comportamentais.
152 Terapia cognitivo-comportamental

Hierarquias graduadas. Uma hierarquia graduada é constituída


por uma lista ordenada de situações fóbicas usadas para orientar a
exposição. Deve refletir toda a escala de situações evitadas pelo
paciente, começando pelas coisas que provocam apenas uma dis­
creta dificuldade (por exemplo, pendurar as roupas no quintal, no
caso de uma agorafóbica) e terminando por outras que estejam
muito além da esfera atual do paciente (por exemplo, fazer com­
pras em Londres na época do Natal). Os itens que constarem da
parte intermediária desse extremos devem ser cuidadosamente de­
finidos, refletindo os aspectos da fobia que constituem uma preo­
cupação específica para o paciente, e devem, dentro do possível,
ser homogeneamente enumerados em termos da ansiedade que
provocam. A cada item na lista o paciente confere uma nota numa
escala de 0-10 (ou de 0-100) para o grau de ansiedade que causaria
(e/ou o quanto o paciente procuraria evitá-la).
Na prática, pode ser mais fácil para um paciente colocar itens
numa lista do que pensar numa lista de itens para depois colocá-los
em uma escala: isto é, “Temos alguns itens relativamente fáceis aos
quais você conferiu a nota 5, e temos este aglomerado de itens difí­
ceis, a todos os quais foram conferidos 90-100. Agora, a fim de pla­
nejarmos o tratamento, precisamos de itens intermediários, para
que você possa avançar aos poucos até chegar aos mais difíceis.
Pode imaginar uma situação à qual daria a nota 50?... O que o faria
chegar a 60?... ou a 40?”. Também será útil considerar as variáveis
modificadoras, como o número de pessoas presentes, ou proceder a
uma associação de temas (ver Quadro 4.1, e adiante, p. 158).
Por várias razões, é mais fácil construir uma hierarquia na
teoria do que na prática. Em primeiro lugar, nem sempre é fácil
classificar os medos de acordo com medidas “suficientemente pe­
quenas”, podendo ser inevitável a ocorrência de lacunas (por
exemplo, não pode haver meias medidas quando se viaja de avião).
Em segundo lugar, uma pessoa pode ter medo de diversas situa­
ções (por exemplo, atravessar pontes e andar em elevadores ). Por
último, as hierarquias talvez tenham de incluir sensações internas
e externas (por exemplo, medo de doença e medo de sintomas como
vertigens). Um exemplo de uma hierarquia relativamente simples
está ilustrado no Quadro 4.1, com notas explicativas para indicar
como a hierarquia pode ser expandida em uma grande variedade
Itlxtúrbiosfóbicos 153

de exercícios (ver também Wolpe, 1982). As dificuldades para se


elaborar exercícios práticos são descritas mais adiante (Trata­
mento na prática, pp. 122 ss.)

Testes comportamentais. Um teste comportamental consiste em


liizer alguma coisa que tem sido evitada, atribuindo uma nota ao
grau de ansiedade experimentada na ocasião (por exemplo, 0-100).
( Merece a vantagem de que a ansiedade antecipatória, a ansiedade
durante a exposição e a duração total dos sintomas podem ser me­
didos em separado. É particularmente útil quando a evitação é tão
intensa que o paciente tem de estimar o quão ruim seria a situação,
uma vez que as estimativas tendem a basear-se na ansiedade ante-

Q li adro 4.1 Hierarquia para a fobia de altura

Escala de avaliação
0-100
1. Olhar por cima da balaustrada no nível superior da escada 5
2. Olhar pela janela fechada do primeiro andar 7
3. Debruçar-se na janela do primeiro andar 10
4. Como acima, na casa de um amigo, + janelas do segundo
andar 10-20
5. Olhar para baixo, das janelas com vidro laminado no
escritório, até o sexto andar 30-40
6. Olhar para baixo, do topo da escada rolante (descendente) 35
7. Usar uma escada para trocar a lâmpada no meio do quarto 40
8. Andar pela ponte sobre o rio, próximo às grades de segurança 50
9. Dirigir sobre uma ponte suspensa 60
10. Torre da igreja: subir até o telhado 70
11. Caminhar ao longo de uma trilha próxima ao penhasco 80
12. Dirigir pelas estradas nas montanhas, por exemplo em
North Wales 90
13. Fazeruma refeição na Post Office Tower 100

Algumas maneiras de criar tarefas importantes para esta hierarquia:


Trabalhar no alto de escadas e janelas em lugares cada vez mais inusitados.
1'azer cada tarefa primeiro com alguém, depois sozinho.
Assistir a filmes e ver imagens de pessoas escalando rochedos escarpados, limpa­
dores de janelas, trapezistas, vôos de avião, saltos de esqui, etc.
lixercitar-se em olhar para baixo, dando um tempo para os olhos de adaptarem,
por exemplo, localizando pontos cada vez mais distantes.
154 Terapia cognitivo-comportamental

cipatória. É também útil para se decidir em que ponto da hierarquia


é preciso começar a trabalhar, ou, no acompanhamento, para se
averiguar se os ganhos obtidos durante o tratamento foram manti­
dos. Uma desvantagem dos testes comportamentais, do ponto de
vista da medição, é que podem ser terapêuticos, devido à exposi­
ção envolvida, e portanto não podem nem ser repetidos com fre­
qüência, nem usados como medidas independentes de mudança.
Um teste comportamental pode ser usado tanto como fonte de
informações quanto como uma medida da ansiedade e, desse m o­
do, integrar-se à avaliação. Aos pacientes se pode, por exemplo,
pedir que descrevam detalhadamente o que acontece quando estão
na situação de teste, que verifiquem exatamente quando a ansieda­
de atinge seu momento crítico, ou que fixem quaisquer pensamen­
tos que lhes passem pela cabeça na ocasião. O terapeuta também
pode observar o paciente e descobrir algo que até o momento não
tenha sido referido, como uma tendência à polipnéia, a evitar o
contato visual ou a encolher os ombros. Se o teste for prolongado,
é provável que a ansiedade atinja um ápice e depois decline, de­
monstrando assim a eficácia potencial da exposição regular. Os
pacientes freqüentemente se sentem mais dispostos a participar
desse teste difícil se for enfatizada sua função de verificação de
fatos ao se lhes explicar: “Para obtermos mais informações a res­
peito de como o problema realmente se apresenta a você na vida
real, seria útil que se colocasse numa das situações que considera
difíceis...”

Automonitoração

Um registro diário da prática de exposição e do nível de an­


siedade experimentado estimula os pacientes à automonitoração e
não os deixa esquecer de completar os exercícios de casa. Também
pode proporcionar evidências que se contraponham à tendência a
se lembrar mais dos fracassos que dos sucessos. Sentir-se com pâ­
nico num ônibus lotado pode parecer mais importante, e ser mais
prontamente mencionado, do que os percursos de rotina às lojas
locais. Os registros escritos são particularmente valiosos em perío­
dos de contratempo ou recaída, quando proporcionam um contex-
/iislúrbiosfóbicos 155

lo no qual as dificuldades presentes podem ser avaliadas com exa­


tidão. Podem ajudar os pacientes a planejar independentemente
uma prática relevante e a manter o controle do progresso. A ansie­
dade ou as “unidades subjetivas de perturbação” (SUDs) podem
ser classificadas em qualquer escala que o paciente considere con­
veniente (bom/médio/ruim, 0-10, 0-100). Os sintomas de especial
preocupação (por exemplo, sudorese ou sensação de desmaio)
podem ser avaliados separadamente. Um exemplo de um registro
de prática completo é fornecido no Quadro 4.2, e mais informa­
ções são oferecidas no Capítulo 2 (p. 25).

Medidas de cognições

A avaliação exata das cognições nas fobias só recentemente


foi abordada (ver, por exemplo, Last, 1987), e até o momento são
poucas as medidas relevantes á disposição. Exceções notáveis
incluem as classificações do Medo da Avaliação Negativa (Watson
e Friend, 1969) e o Questionário de Cognições Agorafóbicas
(Chambless, Caputo, Bright e Gallagher, 1984). Seu uso talvez se
torne mais constante devido a seu potencial para alertar os pa­
cientes sobre os efeitos imediatos dos pensamentos que evocam
medo, e dos benefícios da exposição. Por exemplo, pode-se pedir
a um paciente que identifique aquilo que prevê acontecer caso
venha a encontrar-se numa situação temida (“A ansiedade atingirá
7 numa escala de 0-10, e não serei capaz de ali permanecer por
um minuto sequer”), e então testar a validade de sua previsão
através da ação. A previsão deve ser reavaliada após a exposição
para se verificar se as expectativas temidas foram confirmadas,
uma vez que as previsões tendem a ser exageradas, ou mesmo
catastróficas. Muitos pacientes fazem conjeturas catastróficas
quando altamente ansiosos ou em estado de pânico, “Vou des­
maiar”, “Todos vão rir de mim”, “Vou enlouquecer”. Essas previ­
sões têm uma especial probabilidade de mostrar-se inexatas, de
tal modo que os efeitos de identificá-las e negar sua exatidão
podem ser dramáticos (ver também Capítulo 3).
156 . Terapia cognitivo-comportamental

Quadro 4.2 Registro de prática para uma paciente agorafóbica

Data
META: Freqüentar as lojas locais diariamente. Ir à cidade uma vez, se possível.
PS: Decidir o que fazer antes de sair, e preencher o cartão antes e depois
de cada percurso.

Tarefa do dia Ansiedade Ansiedade Pernas Comprimidos


esperada experimentada bambas

1. A pé até o correio na cidade 4 2 + 0


2. A pé até as lojas que ficam “longe”;
volta de ônibus 5 2 0 0
3. Ida e volta de ônibus até as lojas que
ficam “longe” + drogaria 3 1 0 0
(Deu tudo certo)
4. Ida e volta de ônibus até a cidade 4 5/7/2 ++ 0
(Mal consegui entrar!)
(Senti-me terrivelmente aterrorizada)
5. Senti-me horrível e irritável. Fiquei
em casa pela manhã 5 4 + 1
Não pude relaxar: tomei um comprimido
Padaria local: 10 min
6. Lojas locais e supermercado
(nenhum ônibus) 5 2 0 0
(Relaxei antes de sair. Encontrei S,
pude ir com ela à cidade)
7. Onibus para a cidade com S - 2 horas 6 2/4/1 0 0
(Não tinha certeza se podia ir sozinha)

Escalas de classificação padronizadas

Essas escalas são úteis para a avaliação da gravidade relativa


das fobias, para medir a amplitude da generalização ou para a iden­
tificação de temas. Entre as mais conhecidas estão o Questionário
de Medos (Marks e Mathews, 1979), o Programa de Pesquisa do Me­
do (Wolpe e Lang, 1964), as medidas de ansiedade provocada pela
avaliação social desenvolvidas por Watson e Friend (1969) e o In­
ventário de Mobilidade para a Agorafobia (Chambless, Caputo,
Jasin, Gracely e Williams, 1985).
157
Distúrbiosfóbicos

O tratam ento na prática

Introdução do tratamento

Na teoria, as fobias podem ser superadas quando o paciente


se defrontar com aquilo que é temido. Quando se coloca a teoria
em prática, é importante proceder a um a explicação do modelo,
fazendo uso dos próprios sintomas do paciente para ilustrar como
os círculos viciosos os mantêm. Por exemplo, um a paciente ago-
rafóbica referiu que havia sentido calor e sensação de desmaio no
ônibus um dia (um sintoma fisiológico), e que no dia seguinte
tinha ido a pé para o trabalho, com medo de pegar o ônibus nova­
mente (uma reação de evitação que mantém a ansiedade). Aos
poucos, começou a temer os percursos (ansiedade antecipatória,
uma outra reação), e convenceu o marido ou os amigos a levá-la
de carro até a cidade para fazer compras (o comportamento dos
outros mantinha sua evitação). Se esta seqüência for usada para
explicar o que aconteceu, a mensagem principal é naturalmente
inferida: se a evitação for revertida gradualmente, através de eta­
pas exeqüíveis, o medo declinará. A essa altura, portanto, o pa­
ciente pode imaginar o que o terapeuta vai dizer a seguir, e então
vale a pena perguntar: “Quer dizer que o objetivo do tratamento é
quebrar o círculo vicioso. Você consegue imaginar como fazê-
lo?” Isso não só encoraja os pacientes a pensar ativamente sobre o
que fazer, mas também ajuda o terapeuta a descobrir mais a res­
peito das expectativas deles.
O fundamento lógico de auto-ajuda que acompanha a apre­
sentação do tratamento constitui uma inferência deste modelo, já
que o círculo vicioso não pode ser quebrado sem a participação
ativa do paciente. O terapeuta deve explicar que o tratamento en­
volve a aprendizagem de como trabalhar com o problema de forma
eficaz e independente. As sessões de tratamento devem ser refor­
çadas por exercícios de casa regulares, e a melhora será o resultado
de um esforço em conjunto. Enquanto o terapeuta contribui com in­
formações sobre o modelo e as estratégias do tratamento, o pacien­
te entra com as informações necessárias para se adequar ao mode-
158 Terapia cognitivo-comportamental

lo e as estratégias para o seu próprio caso e, sem dúvida, com o


tempo destinado à prática. É necessário manter um registro da prá­
tica e usá-lo tanto para monitorar o progresso quanto para identifi­
car os obstáculos. A função da prática é a mesma que se apresenta
no aprendizado de uma habilidade física, ou na fisioterapia; em
outras palavras, é útil por si só, e não para se alcançar algum fim
mais abrangente. As visitas diárias às lojas não se dão com o fim de
comprar mercadorias, mas de repetir a exposição e negar a exati­
dão das expectativas. O principal trabalho do terapeuta consiste
em orientar o paciente a superar a fobia. Só o paciente pode tomar
as medidas necessárias, e os terapeutas devem lembrá-lo de que
isso pode, de início, levar a um aumento da ansiedade, e que a prá­
tica requer persistência e coragem. Deve-se oferecer o encoraja­
mento prontamente, sobretudo quando os pacientes têm de traba­
lhar coisas que para os outros são fáceis ou prazerosas, como ir a
festas ou ao cinema.
O restante deste capítulo vai ocupar-se dos aspectos práticos
do tratamento, e será dividido em seções que cobrem os seguintes
tópicos: exposição gradual, aspectos cognitivos do tratamento,
métodos adicionais úteis, fatores de complicação, manutenção da
mudança e tratamentos alternativos.

Exposição gradual

Na prática, nem sempre é fácil ater-se precisamente às diretri­


zes para a exposição anteriormente descrita, e o tratamento requer
muita criatividade tanto por parte do paciente quanto do terapeuta.
Neste caso, a exposição é descrita em detalhes. Vários outros pro­
cedimentos podem ser combinados à exposição, e estes serão des­
critos na seção dedicada aos métodos de tratamento adicionais.

A elaboração de tarefas práticas

É quase sempre difícil fazer uma lista gradativa de tarefas.


Quando for esse o caso, há uma série de estratégias úteis ao nosso
alcance. Se a fobia for circunscrita, como no caso de fobias de ani­
mais ou medos de doenças específicas, quaisquer meios de comu-
Distúrbiosfóbicos 159

nicação podem ser usados como base para a prática. O paciente


pode então ser capaz de ampliar o âmbito das tarefas ao 1er, escre­
ver ou falar sobre o objeto fóbico, assistir a programas de televisão
relevantes ou filmes, ouvir programas de rádio, e assim por diante.
Outra estratégia é a identificação de fatores que moderam o
nível da ansiedade experimentada. Por exemplo, as situações so­
ciais podem oferecer diferentes níveis de dificuldades de acordo
com o número de pessoas presentes, sua idade, sexo e grau de au­
toridade com relação ao paciente, ou de acordo com variáveis
como a formalidade da situação, a hora do dia ou as condições do
ambiente. Um recinto quente pode provocar sintomas socialmente
perturbadores como a sudorese. É sempre válido perguntar: “O
que tornaria o problema mais fácil/difícil para você?”, e lembrar
que fatores de fundo como sentir-se especialmente cansado ou
com muita gripe podem, temporariamente, tom ar a prática um pou­
co mais difícil.
As fobias apresentam menos semelhanças do que sua defini­
ção poderia sugerir, e os fóbicos sociais talvez sejam os que apre­
sentam maior variação. Alguns fóbicos sociais sentem-se mais
tranqüilos quando conversam com estranhos, e ficam mais ansiosos
quanto maior for a intimidade do relacionamento. Outros ficam
mais à vontade quando falam com pessoas que conhecem bem, e
encontram dificuldade em criar novos relacionamentos. Os agora-
fóbicos também diferem consideravelmente uns dos outros. Alguns
acham fácil sair com seus filhos, e outros encontram mais dificul­
dade em fazê-lo. No primeiro caso, o agorafóbico pode estar se be­
neficiando do efeito redutor de ansiedade que o fato de cuidar de
outra pessoa traz (Rachman, 1978è), ao passo que, no segundo, ele
pode estar pensando naquilo que poderia acontecer às crianças se a
ansiedade se tomasse incontrolavelmente intensa. A identificação
desses fatores (que podem incluir pensamentos e crenças) ajuda a
determinar quais tarefas práticas serão apropriadas.
Às vezes as situações que o paciente evita parecem não ter ne­
nhuma relação com problemas, como, por exemplo, falar ao tele­
fone, ir ao cabeleireiro e comer no refeitório em seu local de traba­
lho. Nesse caso, é preciso decidir entre a elaboração de hierarquias
separadas para abordar cada situação ou o uso de uma única hie­
rarquia. Se os medos estiverem ligados por um único tema, como
16 0 Terapia cognitivo-comportamental

as idéias de aprisionamento, talvez seja possível ordená-los em


uma só hierarquia. Temas comuns incluem rejeição, hostilidade,
preocupação em ofender as pessoas e perda de controle (ver tam ­
bém Wolpe, 1982). Uma paciente agorafóbica que vivenciara uma
série de perdas numa rápida sucessão era incapaz de arriscar-se a
permanecer longe de casa por longos períodos, pois quanto mais
longe estivesse mais provável lhe parecia que um acidente fatal
poderia ter ocorrido com um membro de sua família. Nesse caso, o
fator importante era “tempo”, e o tema era “medo de perda”.
Quanto maior for a variedade de práticas disponíveis, tanto
melhor. A prática constitui um trabalho árduo, e pode ser ente-
diante mesmo que provoque ansiedade. Uma maior variedade au­
menta a motivação, a confiança e a probabilidade de que a melho­
ra em um aspecto da fobia irá generalizar-se para outros aspectos
(por exemplo, de esperar numa fila de supermercado a aguardar
numa sala de espera de dentista e esperar por alguém que demora
a voltar para casa). As estratégias aqui enumeradas podem tam ­
bém ser usadas para desmembrar tarefas em passos menores quan­
do o próximo item da lista apresentar muita dificuldade. Uma pa­
ciente agorafóbica que é incapaz de passar do supermercado para
o hipermercado pode ser capaz de fazê-lo se uma amiga esperá-la
no estacionamento, se for numa hora em que o local provavel­
mente não esteja movimentado, ou se fizer uma primeira visita só
para dar uma olhada. Encorajar os pacientes a buscar oportunida­
des para se aproximar, em vez de evitar, é algo que os ajuda a ado­
tar uma atitude de “prontidão” e a superar alguns tipos evitação
sutis, mas tão perturbadores quanto os outros. Estas incluem sen­
tir certa relutância em fazer algo, protelar atividades, criar subter­
fúgios, não pensar na fobia e lançar mão de pretextos ou raciona­
lizações: “Seria melhor ficar em casa hoje, na eventualidade de
minha mãe/ o eletricista/ o carvoeiro passarem”, “Não posso car­
regar todas as compras sozinha, então vou esperar que alguém
possa vir comigo”. O terapeuta deve deixar esse ponto bem claro;
por exemplo, “Tome cuidado quando sentir que quer deixar de fa­
zer alguma coisa. Tente, ao invés disso, pensar em como você p o ­
deria fazê-la”.
161
Distúrbiosfóbicos

Conformar-se às diretrizes para exposição

As principais diretrizes sugerem que a exposição deve ser


gradual, repetida e prolongada, e que as tarefas devem ser especi­
ficadas claramente e com antecedência. Na prática, isso nem sem­
pre é fácil de ser alcançado (Butler, 1985), e três das principais di­
ficuldades são discutidas aqui.
Primeiro, as tarefas não podem ser sempre especificadas an­
tecipadamente, repetidas e graduais, pois as situações fóbicas são
variáveis e imprevisíveis (nunca se sabe quem estará na festa, ou
quando um canzarrão aparecerá pulando pela rua). Uma maneira
de contornar esse problema é ater-se menos rigidamente a uma hie­
rarquia e praticar uma variedade de tarefas que cubram uma certa
gama de dificuldades na mesma semana. Outra delas consiste em
analisar a situação em suas partes constitutivas. Isso oferece ao
paciente a opção de praticar elementos das situações sobre as quais
pode exercer um controle relativo, como fazer perguntas, ouvir
atentamente e fazer uso de sinais não verbais de comunicação. Fa­
zer perguntas é uma tarefa particularmente útil para os fóbicos
sociais que se sentem incomodados ao pensar que a atenção está
voltada para eles, já que elas têm o efeito de desviar a atenção do
interlocutor, passando-a para a pessoa de quem se espera que vá
respondê-las. As perguntas também podem ser preparadas com
antecedência.
Segundo, muitas situações (fazer um pedido ou assinar um
cheque, por exemplo) não podem ser prolongadas; portanto, é im­
possível para o paciente que ali permaneça até que o medo se des­
vaneça. Não obstante, estas parecem ser valiosas tarefas de exposi­
ção, talvez devido a seu efeito cognitivo: oferecem uma oportuni­
dade de negar a exatidão das expectativas, por exemplo a de ser re­
jeitado ou parecer ridículo.
O terceiro problema é o do desprendimento: uma espécie de
“distração” cuja ocorrência é especialmente provável quando a an­
siedade é alta. Muitos pacientes fóbicos confessam já haver tenta­
do, sem êxito, suas próprias versões de exposição. Uma possível
razão de seu fracasso é o fato de que não estavam completamente
envolvidos naquilo que faziam. Os fóbicos sociais afirmam espon­
taneamente ter feito isso, e, como sabemos todos, é relativamente
162 Terapia cognitivo-comportamental

fácil efetuar as operações exigidas pelas situações sociais sem dar


a elas nossa completa atenção: quando ouvimos um relato ente-
diante ou estamos esperando que alguém apareça, por exemplo.
Para os pacientes fóbicos, a atenção pode ser desviada ao se perce­
berem sensações internas nessas ocasiões (sentir-se com calor e
suados, com o estômago roncando, etc.). Infelizmente, a monitora­
ção de sintomas irá, mais provavelmente, mantê-los em vez de
reduzi-los, razão pela qual o desprendimento impede que a exposi­
ção seja útil. Os pacientes devem estar alertas a tal fato, e devem
ser instruídos a assegurar-se de que estão pensando naquilo que
estão fazendo enquanto praticam: “Insista nos aspectos da situação
que realmente o incomodam, de forma que os enfrente por com­
pleto. Se ignorá-los, a prática não irá mostrar tanta utilidade. Na
verdade, seria como tentar se acostumar às alturas ao se ficar de pé
sobre alguns degraus, de olhos fechados.”

Métodos de aplicação da exposição

Do modo como foi descrita, a exposição pode ser aplicada de


muitas formas. Como o tratamento deve ser adaptado às necessi­
dades dos pacientes, em geral os fóbicos são tratados individual­
mente, e uma sessão de 45 minutos é usada para rever os progres­
sos e planejar tarefas de exposição a serem completadas fora da
sessão. O tratamento feito em casa, no qual o companheiro ou um
parente do paciente também é instruído a respeito e coopera com
o terapeuta para encorajar, motivar e orientar o paciente, mostrou-
se particularmente bem-sucedido no caso de agorafóbicos (M a­
thews et al., 1981). É também extremamente econômico do ponto
de vista de tempo do terapeuta, e resultados bons e duradouros
foram obtidos durante experimentos de pesquisa em cinco breves
sessões.

Exposições na vida real. Um dos principais objetivos do tratamen­


to é dar aos pacientes a confiança para enfrentarem aquilo que têm
evitado. É por isso que se enfatizam muito os exercícios de casa e
o contexto realista da prática. De início, porém, pode ser útil acom­
panhar o paciente durante a exposição, pois isso pode reduzir a
Distúrbiosfóbicos 163

ansiedade e/ou fazer com que seja mais fácil percorrer a hierarquia
de forma mais rápida. Também pode ser uma maneira de demons­
trar determinadas habilidades, como, por exemplo, administrar a
ansiedade ou as interações sociais. O perigo reside no fato de os
pacientes passarem a confiar mais em quem os acompanha do que
em si próprios, razão pela qual é aconselhável que os pacientes tra­
balhem independentemente, se possível, e suspendam o acompa­
nhamento bem antes do final do tratamento. Para um paciente ago-
rafóbico essa suspensão pode progredir, por exemplo, na seguinte
ordem: o acompanhante viaja de ônibus junto com o paciente, de­
pois ambos se separam no mesmo ônibus, em seguida o acompa­
nhante vai encontrar o paciente no ponto de ônibus e, por último,
vai encontrá-lo no fim do percurso.

Tratamento em grupos. As semelhanças entre os fóbicos também


os levam a ajustar-se bem ao tratamento em grupos (por exemplo,
Hafner e Milton, 1977; Emmelkamp, Mersch, Vissia e van der
Helm, 1985; Heimberg, Dodge e Becker, 1987). Em geral, os mem­
bros de um grupo são capazes de compartilhar idéias sobre o en-
frentamento e oferecer uns aos outros muito apoio e incentivo.
A exposição em grupo para agorafóbicos geralmente é plane­
jada com base numa excursão conjunta para uma cidade ou shop­
ping center em que membros do grupo podem trabalhar isolada­
mente ou em pares, de acordo com suas necessidades. Três sessões
de grupo por semana, cada uma com a duração aproximada de
metade do dia, podem produzir uma melhora suficiente para moti­
var os pacientes a continuarem trabalhando por conta própria com
apoio adicional relativamente menor, parte do qual pode ser pro­
porcionado por membros do grupo. Os fóbicos sociais podem
também beneficiar-se do tratamento em grupo, e em ambos os
casos as conquistas feitas durante as sessões de tratamento podem
ser incrementadas, desde que complementadas por exercícios de
casa individualmente elaborados.

Exposição imaginária. Em alguns casos, como a fobia a trovões


ou o medo de avião, não é facil organizar uma exposição na vida
real, sendo então necessário recorrer à exposição imaginária. A
exposição imaginária deve ser graduada da mesma maneira que a
164 Terapia cognitivo-comportamental

exposição na vida real, e as duas devem ser combinadas sempre


que possível. Portanto, o fóbico de avião pode ter de se preparar
para uma viagem imaginária, mas também pode beneficiar-se de
leituras e conversas sobre vôos, de visitas a aeroportos e, evidente­
mente, de viagens regulares de avião (clubes locais ou escolas de
aviação às vezes se predispõem a ajudar).
É difícil para o paciente fazer sozinho uma exposição imagi­
nária, que no mais das vezes deve ser dirigida pelo terapeuta. O pro­
cedimento padrão consiste em pedir ao paciente que imagine um
item da hierarquia fóbica enquanto estiver o mais relaxado e con­
fortável possível. Se necessário, o relaxamento muscular progressi­
vo pode ser ensinado com essa finalidade (ver p. 132). O paciente
começa por imaginar o item com intensidade o suficiente para in­
duzir a ansiedade, e continua a pensar nele com o máximo de deta­
lhes possível até que a ansiedade decline. Os itens devem ser repeti­
dos até provocarem pouca ansiedade, antes de se passar para o pró­
ximo item na lista. Há muita variação na capacidade de se usar a
imaginação, de modo que alguns pacientes podem precisar de um
certo estímulo antes que possam ter uma imagem clara; para ou­
tros, ainda, é necessário que o terapeuta faça uma descrição da ce­
na. Por isso, a maior parte da exposição ocorre durante as sessões
de tratamento. Entretanto, os exercícios de casa ainda devem cons­
tituir parte integrante do tratamento, e, se o paciente anotar as cenas
imaginárias utilizadas e for instruído a manter um registro da ansie­
dade e de como esta muda durante a exposição imaginária, talvez
seja possível continuar o exercício em casa, meia hora por dia.

Aspectos cognitivos do tratamento

Essa parte do tratamento começa com uma discussão de três


predisposições gerais que influenciam o modo como os pacientes
percebem as suas dificuldades e podem manter os sintomas se per­
manecerem inalteradas, e prossegue com considerações sobre al­
guns aspectos cognitivos das fobias e a maneira de lidar com eles. Por
último, os fatores cognitivos gerais que podem acelerar ou retardar a
mudança são descritos. Os métodos cognitivos descritos nos Capítu­
los 3 e 6 deste livro também são úteis para o tratamento dos distúr-
165
Distúrbiosfóbicos

bios fóbicos, e detalhes adicionais tanto da teoria quanto da prática


podem ser encontrados em Beck, Emery e Greenberg (1985).

Neutralização das predisposições gerais

Predisposições que afetam o passado. Em geral, é relativa­


mente fácil lembrar-se de eventos que têm uma relevância particu­
lar (ser criticado), ou que estavam associados a emoções fortes
(tropeçar no alto de um penhasco). Também é relativamente fácil,
em qualquer estado de humor, lembrar-se de eventos que ocorre­
ram quando antes fora experimentado o mesmo humor. Isso pode
explicar a razão pela qual até mesmo as fobias simples podem
dominar a vida de uma pessoa e por que, quando os pacientes per­
turbados descrevem os eventos da semana anterior, freqüentemen­
te relatam uma série de eventos mais ou menos angustiantes. Além
disso, a exposição bem-sucedida pode ser considerada como “com­
portamento normal”, ou como aquilo que, de qualquer modo, o
paciente deveria ser capaz de fazer, sendo portanto tratada como
coisa de rotina e não registrada, lembrada ou relatada. Uma vez
que o paciente for capaz de fazer algo sem refletir sobre o que faz,
como buscar os filhos na escola, limpar a casa ou usar o telefone, o
evento pode passar despercebido. Essa predisposição mantém a
perspectiva de “enfoque do problema” por parte do paciente, e re­
duz o senso de conquista que traz consigo a expectativa de melho­
ra, formando a base de uma melhora posterior. O terapeuta pode
ajudar a restabelecer a perspectiva ao fazer perguntas explícitas
quanto aos sucessos e enfocar os aspectos bem-sucedidos de deter­
minados eventos. Também pode ser útil pedir aos pacientes que
anotem seus êxitos. Os que conseguirem fazê-lo vão sentir-se en­
corajados, e os que encontrarem dificuldades talvez precisem tra­
balhar contra essa predisposição.

Predisposições que afetam o presente

1. Hipervigilância. As pessoas ansiosas têm um limiar relati­


vamente baixo para a percepção de ameaças. E como estar sintoni­
zado num determinado comprimento de onda. Se bem sintoniza­
166 Terapia cognitivo-comportamental

do, como um aracnefóbico poder estar na presença de aranhas (ou


de teias de aranha), essas coisas serão mais prontamente notadas.
Os que têm fobia de avião notam o pequeno artigo nos jornais
sobre um acidente que quase ocorreu, problemas com o motor ou
as dificuldades que os pilotos experimentam no nevoeiro. Essa
“hipervigilância” é contraproducente e mantém os sintomas. Às
vezes é reduzida através da exposição, e há casos em que o relaxa­
mento ou a distração podem ser úteis (ver adiante, p. 172). Em
outros momentos o paciente está apenas “meio exposto” à situação
fóbica, evitando a completa exposição (por exemplo, ao olhar de
relance ao jornal e não lê-lo nem pensar a respeito). Nesse caso,
deve-se planejar uma exposição apropriada e dirigida da maneira
habitual.
2. Interpretação distorcida. As pessoas ansiosas tendem a in­
terpretar os fatos como ameaçadores, principalmente se forem
ambíguos (Butler e Mathews, 1983). Os fatos ambíguos podem ser
tanto externos quanto internos. Portanto, ao perceber suas pernas
“bambeando”, um agorafóbico pensa que está prestes a desmaiar, e,
quando um amigo não retoma o seu telefonema, um fóbico social
acredita que está sendo rejeitado. Em ambos os casos as interpreta­
ções devem ser identificadas, e então reexaminadas para se verifi­
car a possibilidade de explicações alternativas e mais plausíveis
(métodos para descobrir e examinar alternativas são descritos com
mais detalhes nos Capítulos 3 e 6). Explicações alternativas podem
ser testadas durante a exposição. Por exemplo, uma agorafóbica
pode achar que o fato de pensar que está prestes a desmaiar faz com
que suas pemas fiquem cambaleantes, mas que parecem mais fir­
mes quando inicia uma conversa, distraindo-se, com a pessoa que a
está acompanhando. Pode, portanto, ser capaz de aceitar que a sen­
sação possa ser um sintoma de ansiedade, e não de um colapso imi­
nente, aumentando assim seu potencial para controlá-la. É impor­
tante pedir aos pacientes que busquem suas próprias explicações
alternativas, de modo que aprendam a fazê-lo, ainda que, de início,
o terapeuta quase sempre tenha de dar sugestões.
Um exemplo pode ajudar a ilustrar essa questão:

U m a paciente claustrofóbica sentiu-se ofegante num elevador


e entrou em pânico quando achou que ia asfixiar:
167
Distúrbiosfóbicos

Terapeuta: Quer dizer que sentiu falta de ar e pensou que pudesse


sufocar, pois não havia ar suficiente?
Paciente: Sim.
T. : Haveria outra razão para que sentisse falta de ar naquele exato
momento?
P. : Não consigo pensar em nenhuma.
T. : Bem, estava apressada para pegar o elevador?
P.: Não.
T. : Estava preocupada em entrar no elevador?
P.: Sim, e muito!
T. : Que outras sensações tinha?
P.: Coração acelerado, um pouco de suor, tive de segurar firme­
mente em minha bolsa, respirando com dificuldade.
T.: Você sabia que a respiração ansiosa e a tensão podem fazer
com que sinta falta de ar?
P.: Acho que já me disseram, mas isso não me ocorreu naquele
momento. Talvez a sensação de falta de ar fosse outro indício
de ansiedade.
T.: Poderia ser, sem dúvida. Como poderia descobrir se era isso
que estava acontecendo com você?

O passo seguinte seria reunir alguns indícios relevantes, ao se


verificar, por exemplo, o que vai acontecer da próxima vez, ou ao
se respirar rápida e irregularmente durante a sessão (ver também
Capítulo 3).

Predisposições que afetam o futuro. A ansiedade também leva a


fazer previsões sobre o futuro, de modo que eventos ameaçadores
pareçam mais prováveis, e sua ameaça mais séria. “Não só o eleva­
dor ficará parado, como não haverá ninguém disponível para con­
sertá-lo.” Essa predisposição ajuda a explicar o grau de ansiedade
experimentado por pacientes fóbicos, e pode também afetar sua
atitude quanto ao tratamento. “Não só o tratamento será doloroso,
como também poderá ser inútil.” Novamente, a predisposição só
poderá ser abordada se tiver sido identificada e colocada nos pró­
prios termos do paciente. A exposição é uma maneira eficaz de se
testar a validade de previsões específicas, e quando os resultados
da exposição são avaliados com relação às previsões iniciais, os
fatores cognitivos e comportamentais interagem, com o resultado
168 Terapia cognitivo-comportamental

que os dois tipos de mudança podem ocorrer. “Não só peguei uma


aranha, como ela não correu freneticamente sobre mim (e conse­
gui não gritar). Na verdade, parecia querer fogir de mim.”

Aspectos cognitivos específicos das fobias

A fobia social encerra componentes cognitivos óbvios: por


exemplo, pensamentos sobre o fato de se estar exposto à avaliação
negativa, à crítica ou à rejeição. Os aspectos cognitivos da agora­
fobia (Chambles e Goldstein, 1982; Hardy, 1982) apresentam
m aior probabilidade de pôr em evidência pensamentos sobre des­
maio ou perda de controle. Os pensamentos dos pacientes são fre­
qüentemente idiossincrásicos, e em geral podem ser identificados
ao se perguntar: “Quando está se sentindo ansioso, o que passa
por sua cabeça?” ou “Qual é a pior coisa que poderia acontecer?”.
Entretanto, não se pode inferir que a exposição ao pior dos medos
seja útil. Na fobia social, por exemplo, a exposição à avaliação
negativa seria difícil de ser planejada, e provavelmente perturba­
dora. A exposição a situações nas quais a avaliação negativa p o ­
deria ocorrer, permitindo que os piores medos tenham sua valida­
de negada, faz-se mais útil.
De forma superficial, esse pode ser o tipo de exposição que
ocorre na prática cotidiana, e que não parece apresentar benefícios.
Para tornar-se útil, deve ser inserida em expectativas específicas, e
posteriormente reavaliada. Por exemplo, os fóbicos sociais podem
esperar que os outros se mostrem hostis, ou achar que não desejam
se comunicar. Contudo, se sorrirem para um estranho poderão re­
ceber um sorriso em troca, e, se fizerem uma pergunta ou revela­
rem alguma coisa sobre si mesmos, podem acabar por iniciar uma
conversa. Esses fatos negam a exatidão das expectativas originais
(ver também Capítulos 3 e 6). Desse modo, os procedimentos cog­
nitivos ajudam a assimilar as novas informações reunidas durante a
exposição e a potencializar a mudança de raciocínio que se faz
necessária para uma mudança estável a longo prazo (Goldfried e
Robins, 1983; Kendall, 1984).
Distúrbiosfóbicos 169

Fatores cognitivos que impedem o engajamento no tratamento

Os fatores cognitivos também podem retardar as mudanças,


ou mesmo impedir que o paciente se envolva em qualquer trata­
mento. Dois exemplos devem elucidar essa questão.

No primeiro caso uma moça agorafóbica, incapaz de fazer per­


cursos sozinha no período em que foi encaminhada, apresentou-se
para o tratamento um pouco antes do momento em que daria início a
seu treinamento como analista de sistemas. Progrediu rapidamente
através da exposição gradual, e esteve na faculdade no primeiro dia
de aula. Começou então a apresentar uma recaída, sendo incapaz de
fazer o percurso novamente. A razão para a recaída não se fez clara
até que lhe foi perguntado que pensamentos passavam por sua cabe­
ça quando saía de casa. Suas respostas sugeriram que estava em
ambivalência quanto a freqüentar a faculdade. Ao pesar os prós e os
contras constatou uma série de dificuldades, como a ansiedade quan­
to a sair de casa, ao lado de um forte desejo de se tom ar independen­
te e preocupações quanto à adequação da carreira escolhida. Esses
problemas não poderiam ser resolvidos durante uma breve sessão,
mas o exame sistemático de seus pensamentos levou-a à conclusão
de que a melhor maneira de descobrir o que precisava saber para
resolver os problemas era freqüentar as aulas da faculdade. Essa
única sessão remobilizou-a, e ela então passou a freqüentar a facul­
dade. Mais tarde, relatou ter adquirido uma estratégia útil para o
futuro: identificar o problema cuidadosamente, prestar atenção aos
pensamentos ao sentir-se ansiosa e examinar o problema sistemática
e friamente, talvez com a ajuda de outra pessoa.
No segundo caso, os pensamentos idiossincrásicos impediam
um fóbico social de cumprir seus exercícios de casa. A fobia estava
interferindo seriamente em sua vida, e ele já havia se submetido a
breves sessões de tratamento comportamental. As sessões haviam
proporcionado um alívio limitado e temporário, e durante elas o pa­
ciente se mostrara sistematicamente incapaz de concluir os exercí­
cios de exposição independentes. Quando solicitado a dar sua opi­
nião sobre esses exercícios, revelou um medo de mudança baseado
no seguinte pensamento: “Se experimentar diferentes papéis ou
mudar meu comportamento, as pessoas não gostarão de mim.” Isso
significava que as pessoas poriam em dúvida sua autenticidade, o
que poderia tomá-lo menos apreciável e o faria sentir-se culpado
(por fingir ser alguma coisa que não era). Duas linhas de questiona-
17 0 Terapia cognitivo-comportamental

mento mostraram-se produtivas: perguntar que outras perspectivas


se ofereciam, e se fazia alguma diferença para ele que o comporta­
mento das pessoas variasse com o tempo. A discussão, em linhas
gerais, destacou os seguintes pontos: as outras pessoas apresentam
várias facetas e muitos objetivos; o comportamento muda em fun­
ção dos objetivos, e a variabilidade pode ser interessante para os
outros, fazendo com que a pessoa seja menos entediante. Se os ou­
tros mudam seus comportamentos, isso não teria m aior importância
se você ainda pudesse “dar-se bem ” com essas pessoas; poderia sig­
nificar que você conhece melhor as pessoas, e poderia sentir mais
segurança no relacionamento ao sabê-lo capaz de tolerar a diversi­
dade. Sua conclusão foi: “Portanto, posso tentar mudar”, o que
então fez.

Métodos adicionais de tratamento

Todos os métodos descritos nesta seção podem ser usados em


conjunto com os métodos cognitivo-comportamentais já descritos.
Dois tipos de técnicas psicológicas serão consideradas: técnicas
para o controle da ansiedade e técnicas comportamentais para o
preparo para sua exposição ou intensificação. A medicação ansio-
lítica pode também ser útil em alguns casos (porém, ver p. 174).

Técnicas para o controle da ansiedade

Em geral, para ser eficaz a exposição deve provocar ansieda­


de. Essas técnicas não comprometem a exposição ao removerem
completamente a ansiedade, mas facilitam-na ao desenvolverem
habilidades para o controle dos sintomas nas situações fóbicas. Os
pacientes capazes de controlar seus sintomas percorrerão mais ra­
pidamente a hierarquia graduada, estarão mais aptos a lidar com a
ansiedade antecipatória e serão capazes de aplicar essas habilida­
des sempre que se sentirem ansiosos no futuro. Desse modo, au­
mentarão tanto a autoconfiança quanto a generalização.
As três principais técnicas são o relaxamento, a distração e
as respostas a pensamentos. Muitos fóbicos já tentaram usar es­
ses métodos (e outros também) antes de se apresentarem para o
tratamento. Na verdade, são muito semelhantes às técnicas reco­
Distúrbiosfóbicos 171

mendadas pelo “senso comum”, mas não é fácil aprender a usá-


los de forma eficaz. Essas técnicas precisam ser praticadas e
aplicadas sistemática e regularmente se quisermos que sejam
úteis, e por esse motivo é sempre válido tentar novamente, duran­
te o tratamento, usar um método que antes o paciente não consi­
derou útil. Todas as técnicas são difíceis de serem aplicadas em
altos níveis de ansiedade, devendo-se aplicá-las quando a ansie­
dade estiver baixa.

Relaxamento. Há várias maneiras de aprender a relaxar, e as mais


conhecidas são o relaxamento muscular progressivo e o relaxa­
mento aplicado (para maiores detalhes, ver Capítulo 3). As técni­
cas podem ser praticadas em casa com o auxílio de instruções em
fita cassete, mas de início os pacientes devem ser apresentados a
cada novo exercício durante uma sessão de tratamento. O relaxa­
mento não se mostrará muito útil a menos que possa ser aplicado
rapidamente sempre que necessário. Portanto, os pacientes devem
aprender a perceber os primeiros indícios de ansiedade e a usá-los
como sinais de que precisam relaxar. Devem praticar o relaxamen­
to em períodos sucessivamente mais curtos, quando estão senta­
dos, em pé ou desenvolvendo suas atividades normais (pp. 126-
130-137). Alguns pacientes acham útil usar um lembrete facil­
mente visível, como pedacinhos de papel colorido afixados onde
seja fácil vê-los (na pulseira do relógio, em espelhos, no telefone,
etc.), e também é possível criar uma forma de auto-instrução pes­
soal ou utilizar a mnemónica (“fique calmo”, “não se aborreça”).
Ost sugeriu, com base em seu trabalho sobre claustrofobia e
fobia social, que os pacientes cujos sintomas predominantes eram
fisiológicos respondem melhor ao relaxamento aplicado, que com­
bina exposição com treinamento em relaxamento, e que aqueles
cujos sintomas predominantes são de natureza comportamental res­
pondem melhor a tratamentos exclusivamente comportamentais
(Ost, Jerremalm e Johansson, 1981; Ost, Johansson e Jerremalm,
1982). Entretanto, não há uma distinção clara entre essas variáveis
(Michelson, 1986), e o mais provável é que a combinação de expo­
sição e relaxamento aplicado se mostre útil na maioria dos casos,
excetuando-se a fobia de sangue e ferimentos.
172 Terapia cognitivo-comportamental

Tensão aplicada. No caso da fobia de sangue e ferimentos, há um


padrão sintomático atípico no qual um aumento inicial dos bati­
mentos cardíacos e da pressão sanguínea é seguido por uma queda
abrupta desses sinais vitais, e freqüentemente pelo desmaio. Nesse
caso a tensão aplicada, na qual os músculos dos braços, das pernas
e do tronco são tensionados mas não relaxados, vai impedir a que­
da da pressão sanguínea e o conseqüente desmaio. O padrão difá-
sico dos sintomas e as razões para a sensação de desmaio devem
ser explicados, e o tratamento deve ser apresentado como uma
habilidade de enfrentamento passível de ser aplicada rápida e fa­
cilmente em quase todas as situações. Primeiro os pacientes apren­
dem, através da repetição de exemplos e da prática, a tensionar os
grupos musculares por 10-15 segundos de cada vez, soltando-os a
fim de retom ar ao estado “normal”, não relaxado. Depois são
expostos a uma série de estímulos de sangue/ferimentos cada vez
mais ameaçadores, de modo a aprenderem facilmente tanto a iden­
tificar os primeiros sinais de uma queda da pressão sanguínea
quanto a reverter esse quadro ao aplicarem a tensão. Esse trata­
mento é descrito em detalhes por Ost e Sterner (1987).

Distração. Prestar atenção aos sintomas de ansiedade concorre


para a perpetuação do círculo vicioso, agravando-os. A distração
pode reverter esse processo. Esta é uma estratégia útil a curto pra­
zo, mas pode mostrar-se inútil a longo prazo se for usada como
forma de evitar os sintomas ou desobrigar o paciente de se expor.
Há muitas técnicas de distração; a maioria delas envolve o direcio­
namento da atenção aos fatores externos, e muitos pacientes prefe­
rem criar suas próprias técnicas. A distração é discutida mais deta­
lhadamente nos Capítulos 3 e 6.

Identificar pensamentos e procurar alternativas. As técnicas cog­


nitivas para a identificação e posterior análise de pensamentos as­
sociados à ansiedade podem ser usadas para controlar os sintomas
(do pânico, por exemplo), assim como para testar a validade dos
pensamentos sobre a fobia. São particularmente úteis na aborda­
gem de preocupações sobre eventos futuros ou ansiedade antecipa-
tória, durante a qual é comum que os pacientes subestimem sua
capacidade de enfrentar e superestimem a probabilidade de desas­
tre (ver Capítulos 3 e 6).
173
Distúrbiosfóbicos

Técnicas comportamentais adicionais

A representação de papéis (“role-play”), o ensaio e a modela­


ção são os complementos comportamentais à exposição mais co-
mumente usados. Todos podem ser considerados como formas de
preparo para a exposição e incrementação das habilidades. Assim,
podem mostrar-se úteis qualquer que seja a natureza da fobia. O
treinamento da assertividade e das habilidades sociais é particular­
mente útil no caso das fobias sociais e da tensão aplicada, como
acima mencionado, no caso de fobia de sangue e ferimentos.

Representação de papéis ( “role-play ”). A representação de papéis


{role-play) e o ensaio são mais freqüentemente usados no trata­
mento de fobias sociais do que em outras fobias, e a primeira pode,
por si só, constituir um tipo de exposição. Por exemplo, um
paciente que encontra dificuldades em dizer não, ou de ser asserti­
vo, pode praticar a auto-afirmação durante uma representação de
papéis (role-play) com o terapeuta. Isso traz muitas vantagens: po­
de revelar uma falta de habilidade ou de conhecimento, como a
dificuldade em moderar as respostas, ou a incapacidade de se afir­
mar sem ser agressivo. A representação de papéis (role-play) pode
então ser repetida de várias maneiras, até que o paciente descubra
como deseja mudar. A técnica pode ser introduzida de forma bem
simples: por exemplo, “Serei o seu patrão, e você vai me mostrar
como lhe pediria para reorganizar seu horário de folga”. A inver­
são dos papéis, de tal modo que o terapeuta desempenhe o papel
do paciente, alerta este último para os efeitos, nas outras pessoas,
de um comportamento que não é assertivo, e para as vantagens de
se ter mais auto-afirmação. Também elucida exatamente como
proceder à mudança. As representações de papéis são particular­
mente úteis na preparação de eventos como entrevistas. Gravações
em vídeo (ou fitas cassete), se disponíveis, permitem aos pacientes
obter o máximo de resultados desse tipo de prática. Assistir ao ví­
deo proporciona um feedback perfeito além de trazer novas infor­
mações: por exemplo, que os pacientes podem se sentir bem pior
do que deixam transparecer.

Ensaio. Esta é uma maneira de se preparar para a exposição. M ui­


tos fóbicos acham que lhes dá um branco toda vez que se deparam
17 4 _ Terapia cognitivo-comportamental

com objetos ou situações fóbicos, ou quando estão em pânico. As


técnicas para controlar os sintomas de intensa ansiedade, sobretu­
do os de ataques de pânico, devem portanto ser ensaiadas. Quando
esse “branco” ocorre em situações sociais, cria constrangimento, o
que aumenta rapidamente a ansiedade. Sua probabilidade de ocor­
rer será reduzida se forem ensaiadas as estratégias apropriadas, e
se um material adequado for preparado (listas de perguntas a fazer
ou tópicos de conversação, por exemplo). As habilidades sociais
podem ser ensaiadas separadamente, e podem aperfeiçoar-se com
a prática (Trower, Bryant e Argyle, 1978). O ensaio de procedi­
mentos difíceis, como falar em público, fazer um pedido ou apre­
sentar alguém, concorre tanto para aumentar a confiança quanto
para reduzir a ansiedade antecipatória. Por fim, o ensaio detalhado
ajuda a revelar “empecilhos” que podem impedir a exposição: “O
que você faria se houvesse uma fila no correio?”, “Como você
explicaria sua viagem à sua sogra?”.

Modelação. Esta é uma técnica menos direta na qual o terapeuta


demonstra como se aproximar do objeto fóbico, por exemplo uma
cobra ou a beira de um prédio alto, enquanto o paciente o observa.
A modelação é mais eficaz quando o modelo exibe e supera a
ansiedade, e sugere-se que a observação desse “modelo de enfren-
tamento” propicia o desenvolvimento das próprias habilidades de
enfrentamento do paciente. Estas podem ser frágeis pelo fato de os
pacientes não saberem o que fazer, ou por serem incapazes de pen­
sar o que fazer no momento.

Medicação ansiolítica

Os pacientes geralmente querem reduzir seu consumo de me­


dicamentos, e isso deve ser incentivado (ver adiante). Na verdade,
os efeitos benéficos da exposição podem ser atenuados se forem
usados tranqüilizantes concomitantemente. Isso acontece porque o
paciente atribui sua tranqüilidade ao deparar com o objeto fóbico à
ação da droga, e não a suas próprias ações. Não obstante, há mo­
mentos em que o uso de tranqüilizantes pode ser útil. Por exemplo,
podem fazer com que seja possível enfrentar uma situação para a
qual não houve oportunidade de preparação, ou que no momento
175
Distúrbiosfóbicos

está além do alcance do paciente, não podendo, porém, ser adiada


(isto se aplica também aos pacientes que anteriormente não toma­
ram tranqüilizantes). Os tranqüilizantes usados para criar a con­
fiança para a prática sem tranqüilizantes podem ser úteis, mas seu
uso regular deve ser geralmente desencorajado.

Fatores de complicação do tratamento

Distúrbios afetivos

As dificuldades aparecem mais freqüentemente no tratamen­


to das fobias complexas do que nas fobias simples. O fator de
complicação mais comum é a presença de outro distúrbio afetivo,
como por exemplo a ansiedade generalizada, a depressão ou o dis­
túrbio do pânico. Este último é particularmente provável no caso
da agorafobia. Os métodos para lidar com os distúrbios afetivos
descritos neste livro são compatíveis com o tratamento dos distúr­
bios fóbicos, e podem ser postos simultaneamente em prática no
caso de ansiedade generalizada ou pânico. A combinação da respi­
ração controlada, reestruturação cognitiva e exposição é muito efi­
caz no tratamento de pacientes acometidos ao mesmo tempo por
ataques repetidos de pânico e ansiedade situacional (ver Capítulo
3 e Clark, Salkovskis e Chalkley, 1985). A depressão grave, asso­
ciada à perda de energia e fadiga e à concentração deficiente, pode
interferir na possibilidade de implementação do tratamento (a rea­
lização dos exercícios de casa, por exemplo). E possível, portanto,
que precise ser tratada num primeiro momento. A decisão quanto a
qual problema abordar primeiro pode ser facilitada ao se examinar
se a fobia constitui o problema principal, sendo portanto a princi­
pal causa da depressão. Se for este o caso, é importante que se
comece a trabalhar com a fobia o quanto antes. Tanto na agorafo­
bia quanto na fobia social, a depressão pode exacerbar a fobia ao
intensificar o desejo de se retrair. Nesses casos é preciso planejar
exercícios de casa mais fáceis, como parte de um programa de rea­
tivação, e monitorá-los através do uso de cronogramas de ativida­
des como os que serão descritos no Capítulo 6. Os fóbicos que
estão deprimidos sentem-se facilmente desestimulados. Deve-se,
176 Terapia cognitivo-comportamental

portanto, dispensar um cuidado especial ao planejamento de exer­


cícios de exposição que sejam exeqüíveis, ao ensaio deles, a fim
de identificar os obstáculos à sua execução e à neutralização das
interpretações tendenciosas dos resultados. Esses pacientes são
particularmente propensos a pensar, por exemplo, que os sinais re­
siduais da ansiedade são um indício de que fracassaram, ou de que
a exposição não surtirá efeitos em seu caso particular.

Distúrbios de personalidade

Os distúrbios fóbicos não são incomuns em pacientes com


distúrbios de personalidade. Entretanto, os tratamentos psicológi­
cos para as fobias oferecem uma boa oportunidade de se propor­
cionar algum alívio, e a presença de um distúrbio de personalidade
não constitui razão para se interromper o tratamento. O progresso
pode ser relativamente lento, e uma excessiva hostilidade, depen­
dência ou baixa auto-estima podem, por exemplo, interferir no
processo de tratamento. Tendo em vista que pouco adianta traba­
lhar uma fobia de modo discontínuo, se houver outro problema que
impeça a aplicação constante do tratamento o melhor a fazer é tra­
tar os problemas sucessivamente.

Dependência de drogas ou álcool

Se a dependência for grave, o que, de acordo com Amies,


Gelder e Shaw (1983), talvez seja o caso de aproximadamente 7%
dos agorafóbicos e 20% dos fóbicos sociais, é preciso tratá-la an­
tes de iniciar o tratamento da fobia. Em alguns casos menos sérios,
a descontinuação gradual pode ser combinada às técnicas para
controle de sintomas, de modo que o paciente substitua uma forma
de controle por outra (mais útil). Se o consumo de álcool ou drogas
for precipitado pela ansiedade fóbica ou antecipatória, pode ser
possível reduzir essa necessidade ao se ampliar a extremidade
inferior da hierarquia graduada e aumentar o tempo de prática des­
tinado às tarefas que provocam muito pouca ansiedade. De acordo
com Bibb e Chambless (1986), aproximadamente metade de todos
os agorafóbicos fizeram uso, em algum momento, do álcool para
controlar seus sintomas.
177
Distúrbiosfóbicos

É geralmente aceito que a medicação ansiolitica deve ser re­


tirada aos poucos. O período de abstenção pode ser duro, e talvez
seja mais difícil quanto mais tempo o paciente tiver feito uso da
droga. As drogas de curta duração são as mais difíceis de abando­
nar, e em alguns casos convém que o paciente seja submetido a
uma preparação a longo prazo antes da retirada. Os pacientes de­
vem ser informados de que os sintomas que acompanham a des-
continuação são semelhantes aos da ansiedade. As técnicas cogni-
tivo-comportamentais podem ser usadas, por exemplo, para aju­
dar os pacientes a atribuir esses sintomas à retirada da droga, e
não a um aumento na ansiedade “normal”, ou a uma doença adi­
cional, etc.

Problemas com relacionamentos

Estes são comuns na agorafobia, e os medos quanto à perma­


nência ou estabilidade de um relacionamento podem contribuir
para a manutenção da fobia. É bastante difícil abandonar alguém
que claramente se mostra incapaz de enfrentar as situações por
conta própria. Por outro lado, um cônjuge pode achar difícil ser
solidário com os medos “irracionais” do paciente, pode interpretar
erroneamente o problema e a forma de lidar com ele, ou pode as­
sumir tarefas difíceis para o paciente, impedindo, assim, a exposi­
ção. Não obstante, um parente próximo ou cônjuge podem muitas
vezes representar uma grande ajuda durante o tratamento, e não há
indícios claros que sugiram que o fato de ter um relacionamento
difícil esteja associado à incapacidade de responder (Himadi,
Cemy, Barlow, Cohen e O ’Brien, 1986). Na realidade, o tratamen­
to pode atenuar algumas dificuldades que emergem quando o par­
ceiro tem um problema. Estas incluem o menor número de ativida­
des em comum, mais restrições ou pressões adicionais e insatisfa­
ção e irritabilidade gerais. É, portanto, aconselhável pedir a ajuda
dos membros da família próxima o mais freqüentemente possível,
e explicar muito bem o tratamento a todos os que de alguma forma
dele participem.
178 Terapia cognitivo-comportamental

Questões gerais

Dificuldades como a incapacidade de completar os exercícios


de casa ou cumprir outras exigências do tratamento são mais satis­
fatoriamente abordadas com o auxílio das técnicas cognitivas. Es­
tas podem ser usadas para se especular os motivos para o fracasso,
que vão desde dificuldades práticas de organização do tempo até
crenças “irracionais” - por exemplo, de que as fobias são hereditá­
rias ou imutáveis. Para iniciar um trabalho cooperativo, o paciente
deve ser capaz de aceitar a hipótese de que o tratamento pode fun­
cionar, e estar disposto a experimentar e constatar. Desse modo, os
terapeutas devem proporcionar uma expectativa de melhora sem
garantir o sucesso, pois este dependerá, pelo menos em parte, do
próprio esforço dos pacientes. Devem encorajá-los a concentrarem
seus esforços, sempre lembrando que isso requer muita coragem.
Às vezes os pacientes não cumprem as tarefas sugeridas por
lhes parecerem despropositadas. Subir e descer repetidamente pelo
elevador de uma loja de departamentos, ou subir até o último andar
de todos os edifícios altos da cidade são coisas que não parecem
ter relação com a vida cotidiana, além de serem desnecessárias.
Explicar que essas tarefas se assemelham aos exercícios recomen­
dados pelos fisioterapeutas às pessoas que sofreram ferimentos
esportivos pode ser bastante útil. Os exercícios artificiais podem
ser interrompidos uma vez que tenham cumprido seu propósito de
restabelecer os comportamentos funcionais.
Em geral, quando surgem dificuldades durante o tratamento,
o terapeuta deve:

(1) verificar se o fundamento lógico e o modelo do tratamento fo­


ram adequadamente compreendidos;
(2) determinar se os sintomas podem ser atribuídos à ansiedade,
e, se assim for, explicar que eles são, portanto, potencialmente
controláveis;
(3) buscar, junto ao paciente, indícios de que a exposição traz efei­
tos benéficos, atentando para o fato de que as predisposições
acima descritas podem fazer com que o paciente encontre difi­
culdades em descobrir tais indícios por conta própria; e
(4) esperar que o progresso seja mais lento do que se imaginava.
Distúrbiosfóbicos 179

Manutenção da mudança

Se as lições aprendidas durante o tratamento forem explicita­


das, o paciente também aprenderá a lidar com o problema novamen­
te, caso este venha a se repetir. Desse modo, a preparação para lidar
com dificuldades futuras deve começar na primeira sessão, e a partir
daí cada sucesso obtido poderá ser usado para corroborar a questão
principal de que as fobias podem ser reduzidas através da aproxima­
ção do objeto ou da situação fóbicos, e não do seu afastamento.
Uma vantagem da abordagem cognitivo-comportamental está
no fato de ajudar a estruturar a discussão sobre as razões da melho­
ra. O fundamento lógico ativo, de auto-ajuda, e a ênfase nos exer­
cícios de casa independentes, reforçam a sugestão de que a mu­
dança é resultante do trabalho realizado pelo paciente. Desse mo­
do, quando a melhora se inicia o terapeuta deve assegurar-se de
que o paciente compreende por que a fobia está diminuindo - por
exemplo, ao perguntar: “Por que foi mais fácil ir ao supermercado
desta vez do que da última?”, “O que fez a d'iferença?”. As oca­
siões de exposição variam tanto que, mesmo quando uma tarefa é
repetida, muitos pacientes acham que a mudança se deve ao acaso,
ou que é um efeito indireto da conversa com o terapeuta. Se este
sugerir uma explicação coerente com o fundamento lógico, como,
por exemplo, “É possível que você tenha se sentido mais confiante
porque agora está acostumada às lojas menores?”, ou “porque se
interessou por fazer a soma daquilo que havia na cesta e se esque­
ceu de pensar em como se sentia?”, então uma exposição futura
pode ser planejada para testar a validade dessa explicação (mais
prática, ou mais distração).
Além disso, ao perguntar “O que [a “fácil” ida ao supermerca­
do] nos revela?”, o terapeuta pode realçar implicações importantes
da nova experiência do paciente e procurar respostas que se ajustem
ao fundamento lógico do tratamento. Alguns exemplos de tais res­
postas poderiam ser: “Quanto mais pratico, melhor me sinto”, “Sou
capaz de ir ao supermercado sem sofrer um ataque de pânico”,
“Posso controlar esses sintomas, apesar de tudo”. Se os pacientes
tanto compreendem o fundamento lógico quanto praticam as târe-
fas de exposição, ficam diante da oportunidade de aprender que são
responsáveis pela melhora, e de negar a exatidão de seus piores
180 Terapia cognitivo-comportamental

medos. Mas eles também podem fazer um mau uso dessa oportuni­
dade, mesmo quando os indícios estejam à sua frente na forma de
folhas de registros, o que não acontecerá se o tópico for discutido.
As conclusões podem ser anotadas para uma futura referência.
Muitas outras estratégias também aumentam a probabilidade
de que os ganhos sejam mantidos.
As expectativas quanto ao futuro devem sempre ser discutidas,
já que as flutuações na ansiedade fóbica são comuns, e a ocorrência
de contratempos menores bastante provável. Isso pode ser pertur­
bador se não for esperado, de modo que alertar os pacientes a espe­
rar por elas constitui uma boa maneira de ajudá-los a continuar es­
perançosos e ativos quando ocorrerem. A maioria dos pacientes
tem consciência de que a quantidade de ansiedade experimentada
varia não só com o grau de dificuldade da situação fóbica, mas tam­
bém com índices de estresse como fadiga e saúde física, além de
todos os outros problemas de suas vidas. Assim, as recaídas são
mais prováveis em períodos de estresse, e talvez seja irreal esperar
por um “futuro sem fobias” em alguns casos. Todavia, uma recaída
(precipitada ou não pelo estresse) pode ser tratada utilizando-se os
mesmos métodos, e uma posterior deterioração do quadro pode ser
impedida se forem tomadas medidas no devido tempo. Em geral, a
recaída será menos provável se se planejar uma exposição regular,
ainda que esta tenha de ser elaborada através de artifícios; por exem­
plo, ao se fazer com que o paciente doe sangue, ou ao se escolher a
fila mais longa do supermercado.
Antes do final do tratamento convém elaborar um plano para
o futuro, ou um “projeto”, especificando como lidar com as difi­
culdades que possam surgir. Esse plano pode ser expresso nas
palavras do próprio paciente, e deve enumerar todas as estratégias
que se mostraram úteis. Além das observações sobre a exposição e
as conclusões das discussões sobre melhora acima mencionadas,
deve-se também incluir técnicas de automonitoração como a ma­
nutenção de registros e diários, e técnicas adicionais como o rela­
xamento. Um exemplo é fornecido no Quadro 4.3.
Um dos principais objetivos do tratamento é levar os pacien­
tes a desenvolverem a confiança para lidar com o problema de mo­
do independente. Os terapeutas podem promover esse objetivo ao
delegarem gradualmente a responsabilidade pelo trabalho na ses-
I Hstúrbios fóbicos 181

(Jiiiiriro 4.3 Exemplo de projeto

I Nflo recue diante das coisas que são difíceis de realizar. Faça-as rapidamente,
untes que tenha tempo de começar a se preocupar novamente.
.' I.embre-se de quantas vezes teve de ir ao correio até que se sentisse bem.
Agora, até mesmo as lojas na cidade não apresentam problema.
I Faça os exercícios de relaxamento corretamente uma vez por mês, a fim de não
esquecê-los.
(P.S.: Escreva isso no diário como lembrete)
•I, Não se deixe ficar emaranhado no horror de tudo isso; é mais encorajador refle­
tir sobre o progresso que se alcançou antes, e sobre o que se deve fazer depois.
Anote os passos.
5. Reexamine as folhas de registros antigos. Elas mostram em que ordem fazia as
coisas anteriormente, e o quanto teve de praticar até que ficasse mais fácil.
(). Vá ao supermercado sozinho, às vezes. Não vá sempre com a família, mesmo
que assim seja mais conveniente.
7. Planeje ir a todos os concertos de música da escola no próximo semestre.
H. Respire devagar quando se sentir mal.
(). Tome cuidado com a idéia de que o pior pode acontecer. Ainda não aconteceu.

Se as coisasficarem difíceis novamente


Lembre-se de que contratempos acontecem a todo mundo. Não se pode passar
pela vida sem vivenciar alguns momentos difíceis.
Formule a prática por etapas. Anote cada uma delas e assegure-se de não omitir
nenhuma. Anote como se sentiu de cada vez.
Pratique todos os dias. Não há necessidade de se tentar correr enquanto não se
sabe andar.
Não guarde tudo para si. Converse com a família sobre aquilo que está aconte­
cendo.

são, ao se tornarem progressivamente menos diretivos e ao aumen­


tarem cada vez mais o intervalo entre as sessões, de modo a retirar
a ajuda pouco a pouco. Sessões de acompanhamento, programa­
das para relativamente mais tarde, após o final do tratamento (por
exemplo, três meses depois), mantêm o paciente motivado depois
de interrompido um contato mais freqüente.

Tratamentos alternativos

Os tratam entos alternativos que não fazem uso da exposi­


ção não se m ostraram tão eficazes quanto aqueles que o fazem.
182 Terapia cognitivo-comportamental

Entretanto, a questão não é tão simples assim. Uma vez que o


paciente fóbico se sinta melhor, será capaz de ingressar na si­
tuação fóbica. Uma vez nela, a exposição está ocorrendo. Por­
tanto, qualquer tratamento efetivo levará à exposição, ainda que
esta possa não seguir as diretrizes que assegurem sua máxima
eficácia.
Há duas alternativas principais: a farmacoterapia e uma ou­
tra form a de psicoterapia. Poucos experimentos comparativos fo­
ram concluídos. Tanto a medicação ansiolítica quanto a antide-
pressiva, geralmente em doses pequenas, se mostraram úteis a
curto prazo. Entretanto, nenhuma classe de drogas parece produ­
zir ganhos estáveis a longo prazo, a menos que sua administração
seja combinada com a exposição (por exemplo, Telch, Agras,
Taylor, Roth e Gallen, 1985). Os betabloqueadores (por exemplo,
o propanolol) são amplamente utilizados como tratamento para a
ansiedade de desempenho, por exemplo por músicos profissio­
nais, a fim de controlar os sintomas que interferem no desempe­
nho. Contudo, os ansiolíticos em geral têm a desvantagem de tra­
zer possíveis dificuldades quando de seu abandono, trazer possí­
veis conseqüências danosas a longo prazo (Tyrer e Owen, 1984).
Seu uso regular também pode constituir uma m aneira de evitar os
sintomas da ansiedade ou as dificuldades no manejo da fobia, e
desse modo concorrer indiretamente para a manutenção dos sin­
tomas.
As terapias psicanalíticas e psicodinâmicas não são eficazes
na redução do comportamento de evitação (ver exposições feitas
por Mavissakalian e Barlow, 1981 ; Du Pont, 1982 e Klerman, 1986,
por exemplo). Realmente, há um certo consenso geral quanto ao
fato de que nenhum tratamento no qual o paciente desempenhe um
papel passivo pode ser útil, e de que é extremamente importante
que os pacientes se voltem para as situações que evitam, se preten­
dem melhorar. A exposição gradual tem a vantagem de ser muito
econômica em termos do tempo do terapeuta, enquanto outras for­
mas de terapia são mais demoradas.
I Mstúrbiosfóbicos 183

•I eficácia da exposição

Os tratamentos para fobia baseados na exposição foram ex­


tremamente bem-sucedidos (ver, por exemplo, Rachman e Wilson,
1980; Barlow e Wolfe, 1981; Mathews, 1985; Marks, 1987). De
lato, o sucesso no tratamento das fobias muito contribuiu para a
ampla aceitação das abordagens comportamentais dos problemas
psicológicos. Há fortes indícios de que também trazem benefícios
mais gerais, como melhoras em relacionamentos e aumento da auto­
confiança.
O modelo no qual se baseiam é relativamente simples e bem
fundado na teoria do aprendizado, e as diretrizes mais detalhadas
sobre a melhor maneira de se proceder foram extraídas de uma
extensa pesquisa clínica. As principais descobertas mostram que a
exposição funciona, e que os efeitos não se devem simplesmente a
fatores inespecíficos (Paul, 1966; Gelder, Bancroft, Gath, Johnston,
Mathews e Shaw, 1973; Mathews et al., 1981); que, em alguns ca­
sos, os efeitos podem ser potencializados ao se acrescentar o mane­
jo da ansiedade ou procedimentos cognitivos (Butler, Cullington,
Munby, Amies e Gelder, 1984; Butler, 1989; Mattick e Peters, 1988),
e que a melhora é mantida por muitos anos (Munby e Johnston,
1980). Outros achados sugerem que as variações no nível da ansie­
dade durante a exposição fazem pouca diferença quanto ao resulta­
do, e que, em geral, a exposição prolongada é mais eficaz do que a
exposição breve (ver, por exemplo, Stem e Marks, 1973).
Entretanto, ainda não entendemos exatamente como a exposi­
ção funciona. Quando um paciente apresenta melhoras, são obser­
vadas mudanças tanto no comportamento quanto no raciocínio. A
exposição traz efeitos cognitivos e comportamentais, e, como foi
descrito, freqüentemente incorpora uma grande variedade de pro­
cedimentos cognitivos. As distinções entre procedimentos cogniti­
vos e comportamentais só foram elucidadas recentemente. Alguns
dos aspectos da exposição que costumavam ser descritos como
“inespecíficos”, como por exemplo chegar à interpretação realista
dos eventos da semana, ou a uma expectativa exata para o futuro,
ou lidar com as reservas quanto ao tratamento, são agora descritos
em termos cognitivos. As terapias cognitivas são suficientemente
18 4 Terapia cognitivo-comportamental

bem desenvolvidas, e as teorias nas quais se baseiam suficiente­


mente bem elaboradas para proporcionarem uma estrutura extre­
mamente aperfeiçoada para esses aspectos do tratamento. Todavia,
a simplicidade da teoria não deve levar os terapeutas a trabalhar de
maneira mecânica, nem sugerir que a terapia será fácil. Não exis­
tem duas pessoas exatamente iguais, e o trabalho com pacientes
fóbicos requer muita criatividade por parte do terapeuta. Devido
ao fato de esses tratamentos apresentarem grande probabilidade de
sucesso, é igualmente recompensador e interessante colocá-los em
prática.

Leitura recom endada

Beck, A. T., Emery G. e Greenberg, R. (1985). Anxiety Disorders and Phobias: a


Cognitive Perspective. Basic Books, Nova York.
Butler, G. (1989). “Issues in the application o f cognitive and behavioural strate­
gies to the treatment of social phobia.” Clinical Psychology Review, no prelo.
Chambless, D. L. e Goldstein, A. J. (orgs.) (1982). Agoraphobia: Multiple Pers­
pectives on Theory and Treatment. John Wiley, Nova York.
Dupont, R. L., (org.) (1982). Phobia: a Comprehensive Summary o f Modern
Treatments. Brunner/Mazel, Nova York.
Marks, I. M. (1978). Living with Fear: Understaning and Coping with Anxiety.
McGraw Hill, Nova York.
Mathews, A. M., Gelder, M. G. e Johnston, D. W. (1981). Agoraphobia: Nature
and Treatment. Guilford Press, Nova York.
Mavissakalian, M. e Barlow, D. H. (1981). Phobia: Psychological and Pharma­
cological Treatment. Guilford Press, Nova York.
Michelson, L. e Ascher, M. (org.) (1986). Anxiety and Stress Disorders: Cogni-
tive-Behavioural Assessment and Treatment. Guilford Press, Nova York.
Rachman, S. (1978). Fear and Courage. W. H. Freeman, San Francisco.
Weekes, C. (1972). Peacefrom Nervous Suffering. Hawthorn Books, Nova York.
Wolpe, J.(1961). “The systematic desensitization treatment o f neurosis”. Journal
o f Nervous and Mental Diseases, 132,189-203.
5. Distúrbios obsessivos
l'aiil M. Salkovskis e Joan Kirk

Os distúrbios obsessivo-compulsivos não constituem um fe­


nômeno novo; o exemplo mais notável na ficção é Lady Macbeth.
John Bunyan e Charles Darwin estão entre as muitas personalida­
des acometidas no passado por esse distúrbio incapacitador. Mui-
los dos primeiros quadros descritos enfatizavam o conteúdo reli­
gioso das obsessões, o que proporciona uma importante indicação
da natureza do distúrbio. O conteúdo das obsessões reflete as prin­
cipais preocupações da época, seja o fato de serem obra do diabo,
contaminação por germes ou radiação, ou o risco de se contrair a
síndrome da deficiência imunológica (AIDS).
Durante o século XIX, as obsessões deixaram de ser encara­
das como obra do diabo e passaram a ser concebidas como parte
da depressão. Depois da virada do século, começaram a ser inter­
pretadas como uma síndrome por si só. Em seus primeiros escri­
tos, Freud propôs que os sintomas obsessivos representavam uma
regressão à fase anal-sádica pré-genital do desenvolvimento, en­
cerrando os conflitos entre a agressividade e a submissão, sujeira e
limpeza, ordem e desordem. As posteriores formulações psicodi-
nâmicas implicam que os pacientes obsessivos têm “frágeis limi­
tes de ego”, podendo, assim, ser “pré-psicóticos”. Tais concepções
podem resultar num tratamento inadequado (como a prescrição de
neurolépticos) e na oposição ao tratamento comportamental, com
a justificativa de que este debilitaria as defesas do paciente e preci­
pitaria a psicose.
184 Terapia cognitivo-comportamental

bem desenvolvidas, e as teorias nas quais se baseiam suficiente­


mente bem elaboradas para proporcionarem uma estrutura extre­
mamente aperfeiçoada para esses aspectos do tratamento. Todavia,
a simplicidade da teoria não deve levar os terapeutas a trabalhar de
maneira mecânica, nem sugerir que a terapia será fácil. Não exis­
tem duas pessoas exatamente iguais, e o trabalho com pacientes
fóbicos requer muita criatividade por parte do terapeuta. Devido
ao fato de esses tratamentos apresentarem grande probabilidade de
sucesso, é igualmente recompensador e interessante colocá-los em
prática.

Leitura recom endada

Beck, A. T., Emery G. e Greenberg, R. (1985). Anxiety Disorders and Phobias: a


Cognitive Perspective. Basic Books, Nova York.
Butler, G. (1989). “Issues in the application o f cognitive and behavioural strate­
gies to the treatment of social phobia.” Clinical Psychology Review, no prelo.
Chambless, D. L. e Goldstein, A. J. (orgs.) (1982). Agoraphobia: Multiple Pers­
pectives on Theory and Treatment. John Wiley, Nova York.
Dupont, R. L., (org.) (1982). Phobia: a Comprehensive Summary o f Modern
Treatments. Brunner/Mazel, Nova York.
Marks, I. M. (1978). Living with Fear: Understaning and Coping with Anxiety.
McGraw Hill, Nova York.
Mathews, A. M., Gelder, M. G. e Johnston, D. W. (1981). Agoraphobia: Nature
and Treatment. Guilford Press, Nova York.
Mavissakalian, M. e Barlow, D. H. (1981). Phobia: Psychological and Pharma­
cological Treatment. Guilford Press, Nova York.
Michelson, L. e Ascher, M. (org.) (1986). Anxiety and Stress Disorders; Cogni-
tive-Behavioural Assessment and Treatment. Guilford Press, Nova York.
Rachman, S. (1978). Fear and Courage. W. H. Freeman, San Francisco.
Weekes, C. (1972). Peacefrom Nervous Suffering. Hawthorn Books, Nova York.
Wolpe, J.(1961). “The systematic desensitization treatment of neurosis”. Journal
o f Nervous and Mental Diseases, 132,189-203.
5. Distúrbios obsessivos
Paul M. Salkovskis eJoan Kirk

Os distúrbios obsessivo-compulsivos não constituem um fe­


nômeno novo; o exemplo mais notável na ficção é Lady Macbeth.
John Bunyan e Charles Darwin estão entre as muitas personalida­
des acometidas no passado por esse distúrbio incapacitador. Mui­
tos dos primeiros quadros descritos enfatizavam o conteúdo reli­
gioso das obsessões, o que proporciona uma importante indicação
da natureza do distúrbio. O conteúdo das obsessões reflete as prin­
cipais preocupações da época, seja o fato de serem obra do diabo,
contaminação por germes ou radiação, ou o risco de se contrair a
síndrome da deficiência imunológica (AIDS).
Durante o século XIX, as obsessões deixaram de ser encara­
das como obra do diabo e passaram a ser concebidas como parte
da depressão. Depois da virada do século, começaram a ser inter­
pretadas como uma síndrome por si só. Em seus primeiros escri­
tos, Freud propôs que os sintomas obsessivos representavam uma
regressão à fase anal-sádica pré-genital do desenvolvimento, en­
cerrando os conflitos entre a agressividade e a submissão, sujeira e
limpeza, ordem e desordem. As posteriores formulações psicodi-
nâmicas implicam que os pacientes obsessivos têm “frágeis limi­
tes de ego”, podendo, assim, ser “pré-psicóticos”. Tais concepções
podem resultar num tratamento inadequado (como a prescrição de
neurolépticos) e na oposição ao tratamento comportamental, com
a justificativa de que este debilitaria as defesas do paciente e preci­
pitaria a psicose.
186 Terapia cognitivo-comportamental

Antes da década de 1960, o prognóstico para os distúrbios


obsessivos era pouco animador, e os tratamentos recomendados
eram o apoio, a hospitalização a longo prazo e a psicocirurgia.
Em oposição a esse quadro desanimador, M eyer (1966) relatou o
êxito no tratamento comportamental de dois casos de neurose
obsessiva crônica, seguido por uma série de relatos de casos bem-
sucedidos. O trabalho de Meyer anunciou a aplicação de m ode­
los psicológicos às obsessões e o desenvolvimento de tratamen­
tos comportamentais eficazes. Ele tomou como ponto de partida
modelos animais de comportamento compulsivo (ver, por exem­
plo, M etzner 1963) que propunham que os comportamentos ri-
tualísticos constituíam uma forma de evitação aprendida. A tera­
pia comportamental para fobias, baseada em modelos semelhan­
tes, mostrou-se eficaz no tratamento da evitação fóbica através
da dessensibilização, mas as tentativas de generalizar esses m é­
todos aos rituais obsessivos não obtiveram êxito. M eyer argu­
mentou que era necessário lidar com o comportamento de evita­
ção diretamente, assegurando que os rituais não ocorressem du­
rante ou entre as sessões de tratamento. Sua abordagem anteci­
pou as abordagens cognitivas na medida em que enfatizava o pa­
pel das expectativas de sofrimento nas obsessões e a importância
de invalidá-las durante o tratamento. M eyer incluiu a exposição
gradual às situações deflagradoras de obsessão em seu tratam en­
to, mas isso foi considerado periférico com relação à tarefa prin­
cipal de impedir a ritualização. Entretanto, por volta do mesmo
período, Rachman, H odgson e M arks (1971) desenvolviam m é­
todos de tratam ento nos quais a exposição às situações temidas
era a característica principal. Essas abordagens diferentes foram
posteriorm ente incorporadas a um program a altamente eficaz
de tratamento comportamental, englobando os princípios da ex­
posição e prevenção de resposta. Mais recentem ente, foram in­
corporados m étodos cognitivos baseados na concepção de que
os pensam entos obsessivos constituem intensificações de as­
pectos importantes do funcionamento cognitivo normal (Salkovs-
kis, 1988a).
I h \Iin itiai obsessivos 187

I natureza do problem a

Obsessões são pensamentos, imagens (quadros mentais) e


impulsos (anseios) indesejáveis e intrusivos. São geralmente per­
cebidas pelos indivíduos que as vivenciam como repugnantes, sem
sentido, inaceitáveis e difíceis de abandonar. Um vasto leque de
estímulos desencadeantes pode provocar as obsessões. Uma vez
instaurada, a obsessão é acompanhada por sensações de descon­
forto ou ansiedade, e pelo anseio de neutralizá-la (“colocar em or­
dem” ou suas conseqüências). A neutralização freqüentemente
toma a forma de um comportamento compulsivo (como lavagens
ou verificação). Às vezes esse comportamento é acompanhado por
um senso subjetivo de resistência a desempenhar o comportamen­
to compulsivo. Os comportamentos compulsivos ou neutralizantes
são geralmente realizados de uma maneira estereotipada, ou de
acordo com “regras” idiossincraticamente definidas, e estão asso­
ciados ao alívio temporário da ansiedade ou à expectativa de que,
se a ritualização não tivesse ocorrido, a ansiedade teria aumenta­
do. Os comportamentos neutralizantes incluem mudanças na ativi­
dade mental, como pensar deliberadamente em algo diferente em
resposta a um pensamento obsessivo. Os pacientes também desen­
volvem comportamentos de evitação, evitando particularmente as
situações que possam desencadear os pensamentos obsessivos.
Um aspecto importante do problema obsessivo é que, ao procede­
rem a uma análise fria, os pacientes geralmente reconhecem que
seus pensamentos e comportamentos são irracionais ou excessi­
vos, pelo menos em grau.

Por exemplo, uma paciente tinha o pensamento (obsessão) de


que poderia transmitir câncer à sua família, e então esfregava as
mãos (comportamento compulsivo) com desinfetante até quarenta
vezes por dia, durante 5 a 20 minutos a cada vez. Sabia que o câncer
não é transmitido pelo contato (embora não pudesse ter 100% de
certeza), e a maior parte do tempo reconhecia que lavar as mãos era
tanto inútil quanto desconcertante. Entretanto, quando experimenta­
va os pensamentos obsessivos, ficava ansiosa e perturbada, e so­
mente ao lavar as mãos poderia certificar-se de que não tinha causa­
do nenhum mal à família. Sua lavagem de mãos era estereotipada,
envolvendo a lavagem de cada dedo e parte da mão segundo uma
188 Terapia cognitivo-comportamental

ordem rigorosa (se isso não ocorresse, teria de repetir a lavagem),


empregando movimentos rígidos e estereotipados.

Clinicamente, os fenômenos obsessivo-compulsivos têm sido


em geral divididos em pensamentos obsessivos não acompanha­
dos por comportamentos compulsivos óbvios (ruminações obses­
sivas) e obsessões acompanhadas por compulsões manifestas (ri­
tuais obsessivos) (Rachman e Hodgson, 1980). Esta simples divi­
são de fenômenos obsessivo-compulsivos em manifestações aber­
tas e encobertas é superficialmente atraente, mas pode mascarar
qualidades funcionais importantes. O modelo psicológico de ob­
sessões (Rachman, 1978a) enfatiza o significado funcional de com­
pulsões manifestas e encobertas (conhecidas como comportamen­
tos neutralizantes). Com base nisso, as obsessões constituem os
pensamentos intrusivos, imagens e impulsos que são involuntários
e acompanhados por um aumento de ansiedade, enquanto a neu­
tralização (comportamento compulsivo manifesto e encoberto) é
um comportamento voluntário que o paciente realiza com o intuito
de reduzir a ansiedade (ou o risco de causar algum mal). Sob mui­
tos aspectos, o comportamento neutralizante encoberto dos pa­
cientes pode ser idêntico aos pensamentos obsessivos. Um exemplo
é o caso de um paciente que tinha o pensamento obsessivo de que
um estranho se mostrasse violento com relação a ele; se esse pen­
samento lhe ocorresse, teria de fazer com que o pensamento lhe
ocorresse novamente (isto é, um número par de vezes) a fim de
sentir-se melhor. Isso poderia acarretar longas seqüências de intru-
são-neutralização-intrusão-neutralização-intrusão-neutralização...
e asssim por diante, resultando em uma cadeia de pensamentos
que diferiam em função, mas não em conteúdo.

Conteúdo das obsessões

Os pensamentos, impulsos e imagens obsessivos estão geral­


mente associados a tópicos que são pessoalmente repugnantes.
Quanto mais pessoalmente inaceitável for o pensamento intrusivo,
mais desconforto provocará no indivíduo quando de sua ocorrên­
cia. Isso explica o aparente paradoxo do padre que tem pensamen­
tos lascivos, do pacifista que tem impulsos violentos, ou da mãe
Distúrbios obsessivos 189

Quadro 5.1 Principais áreas de conteúdo com exemplos de obsessões e com­


portamentos compulsivos associados

Exemplo de obsessão Exemplo de comportamento compulsivo

Contaminação (idéias de prejudicar-sepelo contato com substâncias que se acredita serem


perigosas, por exemplo sujeira, germes, urina, fezes, sangue, radiação, veneno, etc.)
O pente do cabelereiro contém o vírus Ligar para o médico; examinar o corpo a
da AIDS procura de sintomas de AIDS; lavar as
mãos e os cabelos; esterilizar todas as
coisas que os outros possam tocar
Violênciafísica praticada contra si ou outros, provocada por si mesmo ou pelos outros
Vou machucar meu bebê Recusar-se a ficar sozinha com o bebê;
tentar assegurar-se de que está tudo bem;
esconder facas, sacos plásticos
Morte
Imagens de entes queridos mortos Imagens das mesmas pessoas vivas
Dano acidental (que não se deve à contaminação ou violênciafísica, por exemplo, aci­
dente, ou doença)
Posso ter atingido alguém com meu carro Telefonar para hospitais, polícia,
percorrer trajetos que fez com o carro;
verificar se há indícios de atropelamento
no carro
Comportamento socialmente inaceitável (por exemplo, gritar, xingar, perder o contro­
le do comportamento)
Vou dizer uma obscenidade em voz alta Tentar “manter o controle” do
comportamento; evitar situações sociais;
perguntar aos outros se o
comportamento era aceitável numa
determinada situação
Sexo (preocupação com órgãos genitais, atos sexuais inaceitáveis)
Vou cometer estupro Evitar ficar sozinho com mulheres;
tentar manter a mente afastada de
pensamentos sexuais
Religião (por exemplo, pensamentos blasfemos, dúvidas religiosas)
Vou oferecer minha comida ao diabo Rezar; procurar ajuda religiosa/
confissão; oferecer outras coisas a Deus
Ordem (coisas em seus lugares certos, ações realizadas da maneira correta, de acordo
com um determinado padrão ou número)
Se não escovar meus dentes da maneira Repetir a ação um “bom” número de
correta, terei de repetir diversas vezes até vezes; repetir até que “pareça correto”
que consiga fazê-lo
"Nonsense " (frases, imagens, melodias, palavras, séries de números sem sentido)
Ouve (em sua cabeça) melodia de um Repetir a ação até que consiga 1er o
programa de esporte da TV enquanto lê mesmo trecho sem a ocorrência da melodia
190 Terapia cognitivo-comportamental

dedicada que tem pensamentos de fazer mal a seus filhos. As áreas


de conteúdo mais comuns das obsessões são ilustradas no Quadro
5.1, junto com exemplos dos tipos de pensamentos e comporta­
mentos compulsivos associados.

Tipos de comportamento compulsivo

Um tema comum a muitos pacientes com distúrbios obsessi-


vo-compulsivos refere-se a danos futuros e ao anseio de evitá-los,
geralmente acompanhado por tentativas de fazê-lo. Entretanto, pa­
cientes com compulsão por limpeza mostraram diferenças com
relação àqueles cujo quadro principal é o comportamento de veri­
ficação (Rachman e Hodgson, 1980). As obsessões de limpeza
assemelham-se às fobias, e são caracterizadas por uma grande
variedade de “objetos contaminados” e um maior número de com­
portamentos de evitação destinados a prevenir danos; quando há
impossibilidade de evitação, o paciente “põe as coisas em ordem”
através de lavagens ou limpezas. Desse modo, um paciente preo­
cupado com o fato de trazer germes à sua casa evitava comprar
mercadorias em determinadas lojas; quando comprava artigos de
mercearia, lavava-os sete vezes a fim de que os germes não se
introduzissem em sua casa, infectando a família. Nas obsessões de
verificação, o paciente luta por certificar-se de que não foi respon­
sável por produzir mal a si mesmo ou aos outros. Por exemplo, um
paciente preocupava-se com o fato de que os outros pudessem vir a
se prejudicar devido à sua falta de cuidado, e então refazia o m es­
mo trajeto já percorrido com seu carro e conversava com os pedes­
tres para se certificar de que não os havia inadvertidamente atrope­
lado enquanto dirigia. Há uma considerável coincidência entre a
apresentação dos obsessivos por limpeza e a dos “verificadores”, e
o significado funcional dos comportamentos compulsivos (limpar
e verificar) é idêntico. Uma distinção semelhante pode ser feita
com relação às obsessões não acompanhadas por comportamentos
manifestos; grosso modo, as compulsões mentais (encobertas) po­
dem ser classificadas como restituição (colocar em ordem, como o
ato de limpar) e verificação (como o ato de conferir).
Distúrbios obsessivos 191

O modelo psicológico do distúrbio obsessivo-com pulsivo

As características centrais dos problemas obsessivos são:

(1) evitação de objetos ou situações que desencadeiam obsessões;


(2) obsessões; e
(3) comportamentos compulsivos e rituais cognitivos.

Os pacientes procuram evitar as obsessões ao se afastarem de


situações ou objetos que as desencadeiam. Por exemplo, uma pa­
ciente com impulsos violentos escondia todas as facas de sua casa
e se certificava de nunca estar só com as pessoas envolvidas em
seus pensamentos. Muitos pacientes limitam suas atividades e seus
ambientes a fim de minimizar o contato com seus estímulos obses­
sivos, como a obsessiva por verificação que mudou para uma casa
que tinha apenas uma porta, e só saía de casa se outra pessoa fe­
chasse a porta e guardasse a chave para ela.
Quando as obsessões ocorrem apesar da evitação, o resultado
habitual são os rituais. Estes são mais identificáveis como com­
portamentos obsessivos característicos, particularmente quando
são repetitivos e associados ao alívio temporário da ansiedade pro­
vocada ou à expectativa de que, sem eles, a ansiedade iria agravar-
se. À medida que a obsessão persiste e os rituais se tomam exten­
sos, os pacientes podem apresentar comportamentos ritualísticos
aparentemente independentes das obsessões: quando confrontados
com o “desencadeante” obsessivo, o paciente neutraliza antes que
a obsessão ocorra, impedindo assim sua ocorrência. Por exemplo,
uma paciente verificava sua porta cinqüenta a sessenta vezes sem­
pre que a usava, de forma que o pensamento original obsessivo de
ter sua casa roubada nunca ocorria.
O modelo psicológico é usado como a base para a avaliação e
a abordagem cognitivo-comportamentais. Os pressupostos básicos
são apresentados no Quadro 5.2. Em suma, a evitação impede a
exposição aos pensamentos temidos, e as compulsões (manifestas
ou encobertas) interrompem a exposição; os dois tipos de compor­
tamento impedem o paciente de defrontar-se (serem expostos a)
seus pensamentos e situações temidos. Assim, as compulsões e a
evitação impedem a realização de uma reavaliação: se o paciente
____________________________________Terapia cognitivo-comportamental

Quadro 5.2 Modelo psicológico do distúrbio obsessivo-compulsivo

1. Obsessões são pensamentos que se tomaram associados à ansiedade (condicio­


nada). A ansiedade normalmente declinaria se os pensamentos ocorressem
novamente sem condicionamento adicional; nos pensamentos obsessivos, ela
não declina devido à ocorrência de compulsões.
2. Compulsões são comportamentos voluntários (manifestos, ou pensamentos)
que interrompem a exposição a esses pensamentos e podem proporcionar o alí­
vio da ansiedade ou do desconforto produzidos. O comportamento compulsivo
toma-se mais provável na medida em que for reforçado pelo alívio da ansieda­
de. Dessa maneira, as compulsões propiciam uma fiiga a curto prazo do des­
conforto.
3. Além disso, os pacientes aprendem que os comportamentos de evitação podem
impedir os pensamentos obsessivos (e a ansiedade), de tal modo que a exposi­
ção aos pensamentos ocorra menos freqüentemente.

abandonar esses comportamentos, vai constatar que aquilo que tan­


to teme não acontece de fato.
O tratamento envolve, assim, a exposição dos pacientes a estí­
mulos temidos, incitando-os a bloquear qualquer comportamento
que evite ou interrompa essa exposição. Ao mesmo tempo, provo-
ca-se uma reavaliação dos medos, levando-se o paciente a desco­
brir que aquilo que temia na verdade não acontece.

Avaliação

A avaliação consiste em uma entrevista clínica detalhada, au-


tomonitoração, exercícios de casa e observação direta. Os objeti­
vos principais de uma avaliação são:

( 1) chegar a uma lista de problemas;


(2) alcançar uma formulação psicológica de cada problema, in­
clusive dos fatores predisponentes, dos précipitantes e dos fa­
tores mantenedores presentes;
(3) avaliar a adequação do tratamento psicológico; e
(4 ) proporcionar um meio de avaliar os progressos.
193
Distúrbios obsessivos

Como geralmente acontece nas abordagens cognitivo-com-


portamentais, a avaliação e o tratamento se fundem, de modo que o
aspecto crucial da avaliação é a resposta à exposição (sem a neu­
tralização), tanto durante a terapia e as sessões de exercício de casa
quanto entre elas. A avaliação é discutida em mais detalhes neste
capítulo do que nos outros porque, uma vez que as ligações entre
desencadeantes, pensamentos, atividades neutralizantes e evitação
estiverem claras, o terapeuta e o paciente podem, rapidamente,
proceder à implementação de um plano de tratamento. O trata­
mento, baseado nos dois princípios de exposição e prevenção da
resposta, é relativamente fácil de ser aplicado se a avaliação deta­
lhada estiver completa.

Fatores que determinam a adequação do tratamento

As decisões quanto à adequação do tratamento concentram-


se, em grande parte, na decisão de encarar o problema obsessivo
como primário ou secundário a outro distúrbio psiquiátrico ou
orgânico, e na disposição a envolver-se no tratamento. Se houver
indícios de que o problema obsessivo se desenvolveu imediata­
mente após o início, ou durante o agravamento, de outro distúrbio
que ainda se faz presente, então indica-se o tratamento do distúr­
bio primário (particularmente da depressão). Entretanto, não é
incomum verificar-se que as obsessões que foram definidas como
secundárias persistem apesar da solução do problema primário,
pedindo uma intervenção posterior. Apesar da incidência da esqui­
zofrenia em pacientes obsessivos não ser maior do que o é na po­
pulação geral, os pacientes esquizofrênicos quase sempre apresen­
tam características obsessivas. Esses sintomas são claramente dis­
tintos daqueles apresentados no verdadeiro quadro do distúrbio ob­
sessivo, pois estão ligados a outros sintomas de primeira ordem; a
atribuição é conferida a forças externas, e (freqüentemente) o pa­
ciente não é capaz de reconhecê-los como desprovidos de sentido.
No caso de pacientes que foram previamente diagnosticados como
esquizofrênicos, é importante proceder-se a uma verificação desse
diagnóstico, pois às vezes os pacientes com distúrbio obsessivo
grave são rotulados de “psicóticos” sem outra justificativa que não
194 Terapia cognitivo-comportamental

a gravidade do distúrbio. Os fatores orgânicos devem ser conside­


rados nos (raros) casos de lentidão obsessiva primária, e quando as
compulsões são mecânicas, “primitivas”, parecendo faltar-lhes con­
tato intelectual e intencionalidade.
A relutância em concordar com o tratamento constitui um fa­
tor importante; o tratamento é baseado no relacionamento coope­
rativo e na participação ativa nele. A não-adesão pode ser superada
através de técnicas cognitivas; se, todavia, o paciente não se mos­
trar disposto a participar ativamente do tratamento apesar dos es­
forços envidados para se lidar com as objeções e preocupações
(Salkovskis e Warwick, 1988), então o tratamento não apresenta
probabilidade de causar impacto, e não deve ser tentado.

Primeiros passos da entrevista inicial

A entrevista inicial segue o formato geral delineado no Capí­


tulo 2. Começa, portanto, com questões abertas do tipo “Poderia
me falar sobre os problemas que vem apresentando recentemen­
te?”. O entrevistador então limita um pouco o âmbito da questão,
pedindo ao paciente que faça uma descrição da maneira como o
problema o afetou na semana anterior; uma vez obtido um quadro
geral dos problemas atuais, o enfoque passa para exemplos recen­
tes do problema. O terapeuta deve procurar indícios de possíveis
ligações funcionais, como os eventos que tendem a desencadear
determinados pensamentos ou comportamentos. Se o problema
obsessivo for muito complicado e o paciente fizer uma descrição
com excesso de dados, pode ser útil direcionar a entrevista através
de afirmações como: “Estou especialmente interessado nos pensa­
mentos desconcertantes que passam por sua cabeça e em qualquer
coisa que sinta que deva fazer devido a eles.” As obsessões podem
também envolver imagens intrusivas (“quadros mentais”) e impul­
sos (“sentir anseio de fazer algo que não deseja”), e o paciente deve
ser indagado quanto à ocorrência deles. Um sumário dos procedi­
mentos de avaliação é apresentado no Quadro 5.3, e elaborado mais
adiante.
Distúrbios obsessivos 195

Análise comportamental detalhada

Uma vez obtido um quadro geral, a entrevista se converte em


uma análise detalhada, utilizando exemplos específicos que tipifi­
cam o problema. Pode ser estruturada em sistemas de respostas
(pp. 11-12) através dos quais o terapeuta investiga aspectos cogni­
tivos, subjetivos/emocionais, fisiológicos e comportamentais do
problema. Faz-se uso de perguntas diretas como: “Agora quero
examinar detalhadamente o tipo de coisas que você fa z com rela­
ção a seu problema.” Buscam-se informações sobre pensamentos
obsessivos e seus desencadeantes, evitação e rituais em cada siste­
ma de respostas. A cada passo, a exatidão da compreensão por
parte do avaliador é verificada através de uso de sínteses.

Por exemplo, com relação ao comportamento de uma obsessi­


va por limpeza, “Vamos ver se tenho um quadro completo daquilo
que faz quando é incomodada pelas obsessões. Há uma série de coi­
sas que faz devido a seu problema; procura evitar ir a lugares onde
pessoas sujas possam ter estado. Se não puder evitar esses lugares,
então evita tocar qualquer coisa que as pessoas sujas possam ter
tocado. Se tiver de tocar as coisas, geralmente lava as mãos várias
vezes, até ter a sensação de que estão “em ordem”; isso pode levar
de meia hora a duas horas. Se tiver tocado alguma coisa em sua casa
antes de lavar as mãos, terá de esfregar o objeto até ficar totalmente
convencida de que está limpo. Às vezes precisa proceder à limpeza
mesmo que não tenha tocado em nada, só pelo fato de estar em dúvi­
da. Além disso, pergunta inúmeras vezes à sua esposa se ela acha
que você transmitiu alguma coisa a ela ou aos seus filhos. Será que
entendi corretamente?... Deixei de mencionar alguma coisa?”.

Quadro 5.3 Sumário dos procedimentos de avaliação

Descrição geral da natureza do problema


Perguntas abertas
Exemplo recente e específico, descrito cronologicamente
Descrição de situações nas quais as obsessões são mais ou menos prováveis,
procurando-se ligações íuncionais (“desencadeantes” ou fatores mantenedores)
Descrição específica detalhada e análise comportamental
(1) Cognitiva e subjetiva
Forma das obsessões: pensamentos, imagens ou impulsos (anseios)
Conteúdo das obsessões (ver Quadro 5.1)
196 Terapia cognitivo-comportamental

Q uadro 5.3 (cont.)

Fatores cognitivos que desencadeiam as obsessões (por exemplo, outros


pensamentos)
Neutralização cognitiva (verificação mental ou “correção”)
Evitação cognitiva
Alienação percebida e resistência subjetiva às obsessões
Falta de sentido
(2) Emocional
Natureza das mudanças de humor associadas às obsessões (ansiedade,
depressão, mal-estar); natureza da associação, isto é, se as mudanças de
humor precedem ou se seguem às obsessões, ou ambas as coisas
(3) Comportamental
Desencadeantes dos pensamentos obsessivos
Evitação manifesta (não ingressar em) de situações nas quais os pensa­
mentos obsessivos possam ocorrer
Evitação ativa manifesta; comportamentos destinados a controlar a ocor­
rência das obsessões
Rituais manifestos
Buscar reconforto, pedir aos outros que realizem tarefas que de outro mo­
do se associariam à obsessão
(4) Fisiológica
Desencadeantes
Mudanças fisiológicas conseqiientes das obsessões
Pano de fundo do problema
Histórico
Desenvolvimento do problema e seus componentes (obsessões, neutralização,
evitação)
Grau de incapacitação no funcionamento profissional, sexual, social e doméstico
Relacionamentos significativos
Relação custo-benefício da mudança
Testes comportamentais
Na situação clínica
Nas situações-alvo
Observação direta
Pelos parentes
Durante as visitas em domicílio
Questionários
Inventário Obsessivo-Compulsivo Maudsley
Lista de Checagem de Atividades Compulsivas
Inventário de Beck para a Depressão
Inventário de Beck para a Ansiedade
A utomonitoração
Diários de humor, pensamentos, ritualização, subprodutos comportamentais
Distúrbios obsessivos 197

Aspectos cognitivos e subjetivos

O principal enfoque ao se avaliar a experiência subjetiva das


obsessões reside na form a (seja ela pensamento, imagem ou im­
pulso) e no conteúdo das intrusões. O conteúdo será idiossincrási-
co, e deve ser avaliado detalhadamente. Ao paciente se fazem per­
guntas como: “Os pensamentos, anseios ou quadros mentais per­
turbadores surgem inoportunamente em sua mente?”, “Que tipo de
pensamentos são esses?”. Muitos pacientes dão sinais de estarem
tendo pensamentos obsessivos durante a entrevista (ao se mostra­
rem distraídos ou perturbados); é particularmente útil perguntar ao
paciente o que aconteceu nesses momentos. Por exemplo, pergun­
ta-se ao paciente: “Ocorreu-lhe algum desses pensamentos neste
exato momento?”, “O que passou por sua cabeça, então?”; em se­
guida, isso deve ser examinado em detalhes.
Os desencadeantes subjetivos dos pensamentos obsessivos
podem ser avaliados, ao mesmo tempo, como conteúdo dos pensa­
mentos. Os desencadeantes podem incluir pensamentos ou ima­
gens não obsessivos. Os exemplos fornecidos pelo paciente no
início da entrevista podem ajudar a elucidar aquilo que se está bus­
cando. Por exemplo, perguntou-se a uma paciente: “Você mencio­
nou anteriormente que ontem, quando foi perturbada pelos pensa­
mentos, estes haviam sido provocados pela leitura de um artigo no
jornal sobre uma mãe que havia maltratado os filhos. Há outras
coisas que podem provocar os pensamentos dessa maneira?”

Neutralização encoberta. Os rituais mentais também devem ser ava­


liados. O paciente deve ser cuidadosamente questionado a respeito
de ocasiões recentes em que os pensamentos ocorreram, enfocando
os pensamentos ou imagens que tentaram formar em sua mente, ou
qualquer outra atividade mental que, deliberadamente, procuraram
formar ou realizar; por exemplo, “Você tentou buscar quaisquer ou­
tros pensamentos?”, “Tentou pensar em coisas que corrigissem o
pensamento?”. Em casos mais crônicos, o conteúdo das obsessões
pode ser obscurecido pela neutralização manifesta ou encoberta. Is­
so pode ser avaliado ao se pedir ao paciente que provoque a obses­
são, impeça a neutralização e em seguida descreva o fenômeno re­
sultante.
198 Terapia cognitivo-comportamental

Por exemplo, um a mulher queixou-se de repetir quase todas as


ações realizadas durante o dia - vestir-se, andar pelos quartos, reco­
lher objetos, fechar portas, etc. Não conseguia explicar por que re­
petia tudo, a não ser pelo fato de que “tinha de fazê-lo”. Concordou
prontamente em fazer uma de suas tarefas mais penosas (encher a
chaleira com água para preparar o chá) sem a neutralização (isto é,
sem esvaziar a chaleira e recomeçar). Ao encher a chaleira, relatou o
pensamento “Se eu não fizer isto novamente, será a última vez que o
farei”, seguido pelo pensamento “Isto faria com que deixasse meus
filhos órfãos”. Reconhecia-o como um pensamento que experimen­
tara freqüentemente no passado, mas era bem menos comum agora
que repetia as ações rotineiramente.

Evitação. A evitação pode ocorrer de forma cognitiva, seja com o


paciente tentando não pensar nas coisas ou, freneticamente, procu­
rando pensar em outras coisas. Isso pode não só impedir a exposi­
ção e a reavaliação, como já descrito, mas também, paradoxalmen­
te, aumentar a preocupação ao concentrar os pensamentos nas coi­
sas sobre as quais os pacientes não desejam pensar (p. 209).
Muitas das características mais evidentes das obsessões são
subjetivas, só podendo ser avaliadas verbalmente; não há critérios
externos para a sensação de alheamento, por exemplo. Não obstan­
te, é crucial determinar se os pacientes acreditam que os pensa­
mentos obsessivos constituem parte integrante de sua personalida­
de. Também é importante estabelecer até que ponto os pacientes re­
sistiram às obsessões e aos rituais a elas associados, já que isso
afetará sua aceitação dos fundamentos lógicos para a prevenção de
resposta. A ausência de resistência não implica que o paciente não
seja um obsessivo verdadeiro; muitos pacientes, sobretudo aqueles
com rituais de limpeza, demonstram pouca ou nenhuma resistên­
cia. Também é preciso avaliar até que ponto os pensamentos e com­
portamentos obsessivos são considerados sem sentido; se os pa­
cientes estiverem convencidos, mesmo quando não particularmen­
te ansiosos, de que os pensamentos são sensatos, então não seriam
normalmente vistos como obsessivos. Isso ocorre principalmente
quando os pacientes sentem que os pensamentos têm uma origem
externa (por exemplo, “freqüências de rádio que atravessam a pa­
rede fazem-me entrar em rituais de limpeza”). Entretanto, as ava­
liações sobre a falta de sentido mudam em função da ansiedade.
199
Distúrbios obsessivos

Por exemplo, um homem era capaz de reconhecer a irracionalida­


de da repetição estereotipada de orações em resposta a imagens
obsessivas. Apesar dessa crença geral, afirmava que “Se esses
pensamentos me ocorrem quando estou rezando, então realmente
estou cometendo pecado e devo expiá-los”. A maioria dos pacien­
tes acredita que seu comportamento tem uma base racional, mes­
mo que se tenha tomado exagerado em sua forma atual. O trata­
mento depende quase sempre da aceitação de que os “riscos” alta­
mente improváveis associados à descontinuação dos comporta­
mentos obsessivos não justificam os custos incorridos; por exem­
plo, lavar os cabelos por 8 horas a cada dia não se justifica pela re­
dução do risco de contaminar os outros.

Fatores emocionais

As mudanças de humor associadas à ocorrência de obsessões


(particularmente a ansiedade, o mal-estar e a depressão) devem ser
examinadas. Há uma tendência a se supor que a emoção predomi­
nante será a ansiedade; entretanto, muitos pacientes relatam o im­
pacto emocional da obsessão como uma sensação de desconforto,
tensão específica, ira ou repugnância. Para que isso seja elucidado,
convém fazer uso de analogias como, por exemplo, “Essa sensação
é semelhante àquela que experimenta antes de um exame?”, “Isso
é igual a estar muito aborrecido?”. É preciso estabelecer se as mu­
danças de humor precedem ou se seguem aos pensamentos e com­
portamentos obsessivos.

Comportamen tos

A avaliação dos comportamentos é crucial. Quaisquer com­


portamentos que possam desencadear os pensamentos obsessivos,
impedir a exposição a eles (evitação), interrompê-los ou impedir a
realização de uma reavaliação, devem ser examinados detalhada­
mente.
Os comportamentos geralmente funcionam como desenca­
deantes, pois o alcance do fato de ter causado algum mal a si mes­
mo ou a alguém é considerável. Um exemplo comum é dirigir um
200 Terapia cognitivo-comportamental

automóvel; um paciente tinha o pensamento de que havia atropela­


do alguém sempre que virava à esquerda, e freqüentemente refazia
o percurso para se certificar de que ninguém havia se machucado.
O fato de virar à esquerda servia de desencadeante para o pensa­
mento obsessivo e o impulso de verificar.
Os dois tipos de evitação, ativa e passiva, são investigados ao
se perguntar: “Há coisas que faça a fim de impedir a ocorrência de
obsessões?” e “H á coisas que não faz porque poderiam provo­
car obsessão?”.
Os rituais abertos são prontamente evocados ao se perguntar:
“Quando um desses pensamentos lhe ocorre, você faz algo para
pôr as coisas em ordem ou fazer com que deixem de dar errado?”,
“Você alguma vez sente que deveria fazer coisas desse tipo, mes­
mo que raramente as faça?”. Os rituais encobertos (neutralização)
às vezes tomam o lugar dos rituais abertos em ocasiões nas quais o
paciente se vê impedido de utilizar comportamentos abertos. Os
pacientes devem ser rotineiramente indagados a respeito deles.
Um comportamento neutralizante em geral muito evidente nos pa­
cientes obsessivos é a busca de reasseguramento. Isto serve a dois
propósitos: primeiro, uma função de verificação (“Minhas mãos
parecem limpas a você?”); segundo, o reasseguramento permite ao
paciente estender a responsabilidade a indivíduos confiáveis - se
realmente houvesse um problema, a outra pessoa tomaria uma pro­
vidência ou faria algum tipo de comentário. Desse modo, o reasse­
guramento põe fim à exposição ao pensamento perturbador e afeta
a extensão em que a reavaliação pode ocorrer. O comportamento
neutralizante (inclusive o reasseguramento) pode ser “poupado” e
colocado em prática algum tempo depois da ocorrência dos pensa­
mentos obsessivos iniciais.

Por exemplo, quando uma paciente era incapaz de lavar as


mãos por 8 horas durante um dia de viagem, ela “poupava” a limpe­
za até o próximo dia, quando lavava as mãos e todas as coisas que
pudesse ter tocado continuamente por 2 horas. Os pacientes também
podem desenvolver formas de neutralização sutis ou retardadas:
uma mulher perguntava o tempo todo aos membros de sua família
se não havia acidentalm ente causado mal a alguém; como a famí­
lia havia se tomado cada vez mais relutante em responder, começou
a fazer perguntas irrelevantes (por exemplo, “Será que vai chover”
Distúrbios obsessivos 201

em um dia claro); ela poupava as respostas que continham “nãos” e


as utilizava posteriormente, quando se via cheia de dúvidas obsessi­
vas a respeito de alguma outra questão.

Para cada comportamento, buscam-se informações detalha­


das sobre a forma que assume na realidade e sua duração, freqüên­
cia e constância (“Você sempre faz isso?”). Os fatores que tornam
os comportamentos mais ou menos intensos são avaliados; “Há
algo que faça com que a ocorrência desses comportamentos seja
mais ou menos freqüente?”. Esses “fatores moduladores” podem
ser situacionais, afetivos, cognitivos ou interpessoais. Uma avalia­
ção preliminar do âmbito dos comportamentos é obtida na entre­
vista, e informações mais detalhadas extraídas nas fases subse­
qüentes de avaliação e tratamento.

Fatores fisiológicos

Esta parte da entrevista se assemelha àquela de outros distúr­


bios de ansiedade (ver pp. 86 e 142), particularmente quando as
sensações corporais constituem uma fonte de mal-estar por si sós.
Uma descrição das sensações corporais que ocorrem junto com as
obsessões é em geral suficiente. Ocasionalmente, convém fazer
uso de registros fisiológicos mais diretos quando as avaliações
verbais durante um procedimento implicariam a interrupção da
resposta. Por exemplo, uma paciente que tinha pensamentos ob­
sessivos de que enlouqueceria neutralizava-os ao falar em voz alta.
Um teste comportamental que incluísse a avaliação aberta de seus
pensamentos era impossível, uma vez que as avaliações faladas
teriam propiciado uma neutralização suficiente; para superar essa
dificuldade, a resposta de seus batimentos cardíacos ao fato de
permanecer sentada, pensando silenciosamente no fato de que po­
deria enlouquecer, foi monitorada. Entretanto, a medição fisioló­
gica raramente é exeqüível na prática clínica, e os resultados são
de difícil interpretação.
As sensações corporais podem desencadear pensamentos e
comportamentos obsessivos. Por exemplo, um paciente tinha o pen­
samento de que estava contaminado, e de que precisava se lavar
sempre que detectava sensações de sudorese. As mudanças corpo-
202 Terapia cognitivo-comportamental

rais podem resultar do comportamento obsessivo, como, por exem­


plo, quando a pele é prejudicada pela lavagem excessiva ou a cons­
tipação séria e persistente emerge de obsessões sobre o uso de ba­
nheiros. Alguns pacientes com obsessões relacionadas à saúde ve­
rificam as áreas do corpo ao tocá-las repetidamente, o que acaba
provocando seu inchaço (p. 344).

Outros aspectos da avaliação

A avaliação mais geral do histórico segue as linhas discutidas


anteriormente neste livro (Capítulo 2). As circunstâncias que
envolvem o início do problema são importantes. O inicio do pro­
blema no começo da adolescência pode ter interferido na sociali­
zação do paciente e em sua habilidade geral de enfrentar situações;
as dificuldades de interação social podem precisar ser tratadas
junto com as obsessões se se tom ar evidente o comprometimento
sério e de longa duração. O envolvimento de outros membros da
família no comportamento compulsivo dos pacientes precisa ser
avaliado. Os efeitos do problema no trabalho, no funcionamento
sexual e na vida doméstica devem, todos, ser investigados. Uma
parte final importante da entrevista comportamental consiste em
avaliar qualquer possível valor funcional dos sintomas e direcionar
a atenção do paciente para a relação custo-benefício da mudança.
Pode-se perguntar ao paciente: “Supondo-se que, de alguma for­
ma, você tivesse condições de se ver completamente livre de seu
problema a partir de amanhã, quais seriam as principais maneiras
pelas quais sua vida se tom aria diferente?” Embora os benefícios
de se ver livre de um problema possam de longe superar as desvan­
tagens, este não é invariavelmente o caso. Em um caso, uma pa­
ciente que só estivera casada por alguns anos respondeu: “Meu
marido vai me abandonar.” Em tais circunstâncias, uma avaliação
mais detalhada da situação conjugal é indicada, desde que o parcei­
ro se mostre disposto a fazê-lo (ver p. 485).
Ao final da entrevista de avaliação (que normalmente leva de
I a 2 horas), o terapeuta deve ter chegado a um ensaio de formula­
ção da natureza e do âmbito do problema. Essa formulação deve
ser discutida com o paciente, a fim de que os fundamentos lógicos
para o tratamento possam ser apresentados. Por exemplo:
Distúrbios obsessivos 203

Pelo que descreveu, parece-me que tem um problema psicoló­


gico chamado distúrbio obsessivo-compulsivo. O que ocorre nesse
problema é que as pessoas percebem pensamentos perturbadores
mais do que seria normal, tomando-se extremamente preocupadas
com relação a eles. Em seu caso, você tinha pensamentos sobre ger­
mes e a possibilidade de transmiti-los à sua família. Reconhecia que
isso era improvável de acontecer, mas não poderia correr o risco já
que parecia haver uma forma de evitá-lo, e então começou a limpar
muitas coisas. Também deixou de tocar em seus filhos, começou a
lavar as mãos por até uma hora a cada vez, e evitava qualquer coisa
que pensasse ter alguma relação com o câncer. Infelizmente, todas
essas coisas só a fizeram sentir-se bem a curto prazo, de tal modo
que, por um período mais longo, o problema se agravou e os pensa­
mentos e comportamentos se tomaram mais problemáticos. Isso é o
que geralmente ocorre nesse tipo de problema - quanto mais se pro­
cura lidar com o problema ao evitá-lo, mais real ele parece, e mais
os pensamentos ficam fixos em sua mente. Isso parece aplicar-se à
sua experiência?

Em seguida a quaisquer modificações sugeridas pelo pacien­


te, os fundamentos lógicos para o tratamento são descritos. Assim,
no exemplo acima:

A melhor maneira de lidar com os pensamentos é habituar-se a


eles sem fazer coisas como lavar as mãos ou evitá-los. Isso ajuda de
diversas maneiras; você pode se acostumar a coisas que a assustam,
retom ar um estilo de vida mais comum e descobrir que as coisas que
mais teme não acontecem. A parte principal do tratamento visa bus­
car maneiras de ajudá-la a fazer isso, a entrar cada vez mais em con­
tato com as coisas que a incomodam, até que se acostume com elas.
É importante que formulemos maneiras de abandonar comporta­
mentos como a evitação e a contínua lavagem das mãos, para que
assim você descubra que as coisas com as quais se preocupa não
acontecem. À medida que faz essas coisas, ficará ansiosa no início,
mas constatará que a ansiedade diminui, em geral mais rapidamente
do que esperaria. Como encara esse tipo de tratamento?

A discussão deve ressaltar a importância tanto do autocontro­


le quanto da cooperação durante a terapia. Enfatiza-se, por exem­
plo: “Nossas sessões de terapia são constituídas por 2 a 3 horas
204 Terapia cognitivo-comportamental

semanais, em oposição às outras 165 horas da semana; isso signi­


fica que as sessões podem ser úteis para se descobrir coisas que
ajudem na solução do problema, mas elas devem ser colocadas em
prática em casa. O trabalho mais importante da terapia é feito em
casa, por você, sobretudo nas situações em que o problema se
mostra mais crítico.” Os pacientes são estimulados a expressar
quaisquer medos ou preocupações que possam ter com relação ao
tratamento; por exemplo, “Não acho que seja capaz de fazer isso;
já tentei antes; acho que é muito arriscado”.
Na maioria dos casos, oferece-se ao paciente um tratamento
com tempo limitado (vinte sessões, por exemplo), dependendo da
gravidade e cronicidade do problema. Esse limite pode ser altera­
do, dependendo do modo como o tratamento tiver progredido.

Testes comportamentais

Na maioria das obsessões, um teste comportamental elucida­


rá os detalhes do problema. Para se fazer um registro de suas rea­
ções, pede-se aos pacientes que entrem numa situação que normal­
mente evitariam, ou que a provoquem, sem fazer qualquer tentati­
va de reduzir sua ansiedade. Por exemplo, a um paciente com preo­
cupações sobre contaminação por objetos jogados fora se pediu
que segurasse coisas que estavam numa lata de lixo; pediu-se en­
tão que descrevesse seus pensamentos, os comportamentos que se
sentia compelido a assumir e seu estado subjetivo. Também foram
coletadas avaliações de ansiedade/mal-estar, bem como impulsos
de neutralizar. Os testes comportamentais realizados sem a neutra­
lização são particularmente informativos no caso dos pacientes
mais crônicos, que não têm consciência de seus pensamentos per­
turbadores porque os rituais estereotipados impedem a ocorrência
deles.
Em geral, as descrições que os pacientes fazem de seus pro­
blemas são influenciadas pela familiaridade, de modo que podem
omitir detalhes que lhes pareçam triviais ou normais, mas que são
cruciais para a terapia; por exemplo, um paciente não mencionou
que pegava as coisas de uma maneira incomum (utilizando lenços
de papel) devido ao medo de contaminação. Portanto, os testes
Distúrbios obsessivos 205

comportamentais são realizados com mais eficácia se forem ob­


servados pelo terapeuta. Às vezes isso não é possível, em especial
no caso de obsessivos por verificação, quando a presença do tera­
peuta reduz a ansiedade. Utiliza-se então uma automonitoração
detalhada; em alguns casos, gravações em vídeo podem constituir
um valioso complemento.
O teste comportamental pode ser realizado no consultório,
desde que o comportamento seja facilmente eliciado; por exem­
plo, se o problema envolver a contaminação por sujeira ou germes,
pedir ao paciente que toque a sola do sapato pode ser o suficiente.
Mais freqüentemente, os problemas estão centrados em casa ou na
família, tomando-se necessária uma visita domiciliar. No caso de
pacientes que encontram dificuldade em descrever seus problemas
em detalhes, ou nos quais a esfera de ação é muito ampla, esse pro­
cedimento é recomendado de qualquer forma.

Um paciente relatou que lavava as mãos até setenta vezes por


dia devido a medos de contaminação por herbicida. Quando o tera­
peuta visitou sua casa, notou que havia jornais cobrindo todos os
pisos, e que a mobília estava arrumada em volta das paredes. Sua
mulher descreveu uma série de comportamentos adicionais, inclusi­
ve a incapacidade de o paciente jogar fora roupas e sapatos velhos e
o hábito de estar sempre comprando outros, novos; a garagem esta­
va repleta de caixas de roupas cuidadosamente lacradas, que se
recusava a jogar fora pois poderiam fazer algum mal aos coletores
de lixo. Concordou em submeter-se a um teste comportamental que
consistia em andar sobre um pedaço de gramado dos arredores que
sabia ter sido dedetizado com herbicida no ano anterior, tocando-o
com as mãos. Suas avaliações de mal-estar e seus comentários são
ilustrados no Quadro 5.1. Ao final do teste comportamental, referiu
um enorme anseio de se lavar. Por um período previamente estabe­
lecido de 30 minutos, discutiu com o terapeuta os pensamentos que
estava experimentando, e então demonstrou a maneira como lavava
as mãos. Esse ato envolvia o ficar nu até a cintura e lavar as mãos de
uma maneira estereotipada; se não estivesse satisfeito, teria de repe­
tir a lavagem por mais doze vezes. A lavagem de mãos incluía desde
os braços até o cotovelo, disse ainda que às vezes podia incluir prati­
camente o corpo inteiro. Por ocasião da visita, uma única lavagem
durou 15 minutos, o que era um pouco mais rápido do que o normal.
Informou, espontanemente, que em geral demorava mais se estives-
206 Terapia cognitivo-comportamental
Para cada situação arrolada, atribua sua nota fazendo um círculo ao redor da cruz abaixo de cada número que melhor descre-

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207
Distúrbios obsessivos

se com pressa. Desse modo, o teste comportamental revelou rapida­


mente um grande número de informações que iam muito além do
próprio teste.

Entrevistar parentes

Quando há um grande envolvimento da família nos pensa­


mentos e rituais do paciente, é importante envolver seus membros
no tratamento. Em geral, o parente é entrevistado na presença do
paciente. Devido à natureza incomum dos comportamentos envol­
vidos, é preciso usar de uma sensibilidade considerável. Por exem­
plo, os pais de um paciente com 17 anos de idade relataram que ele
fazia com que a família permanecesse sentada à mesa da cozinha
com as pernas erguidas por 15 minutos todas as vezes que realiza­
va a limpeza e a verificação.

Questionários

Os questionários para o comportamento obsessivo são basica­


mente usados como uma maneira codificada de se obter medidas
reiteradas durante o tratamento. Os mais úteis são o Inventário
Obsessivo-Compulsivo Maudsley (Hodgson e Rachman, 1977) e a
Lista de Verificação de Atividade Compulsiva (Freund, Steketee e
Foa, 1987), ambos os quais se concentram em rituais.

Automonitoração

A automonitoração começa o mais cedo possível na avaliação


e no tratamento. Introduz os exercícios de casa regulares, propor­
ciona informações detalhadas sobre o problema e constitui um va­
lioso indicador dos progressos do tratamento. Pode-se pedir aos
pacientes que automonitorem uma série de variáveis, dependendo
de seus problemas específicos. As medidas comuns incluem:

Diários de pensamentos obsessivos. Em sua forma mais simples,


esse tipo de diário é um contador de freqüência. Um contador de
golfe (disponível nas lojas de artigos para esporte) é um comple-
208 Terapia cognitivo-comportamental

mento útil; o paciente pressiona um botão cada vez que o pen­


samento ocorre, e registra o total a intervalos estabelecidos.

Diários de comportamento compulsivo (por exemplo, o tempo dis­


pendido em rituais). Esses diários são geralmente combinados ao
registro dos pensamentos; um cronómetro pode ser útil se a lenti­
dão constituir um problema. Pede-se ao paciente que registre num
diário o tempo dispendido em cada ritual. Essas medidas são espe­
cialmente úteis quando os rituais dizem respeito às atividades do
dia-a-dia, como alimentar-se ou usar o banheiro. Pode-se optar pe­
lo registro de freqüência, dependendo do padrão específico dos pro­
blemas do paciente.

Avaliações de mal-estar, impulso de neutralizar, depressão e an­


siedade. Essas avaliações são quase sempre relevantes. Durante o
tratamento de exposição, proporcionam informações importantes
sobre como as respostas subjetivas mudam, tanto durante uma ses­
são específica quanto entre as sessões, à medida que o tratamento
progride (ver Figura 5.2 para um exemplo desse tipo de automoni­
toração).

Subprodutos comportamentais. Esses parâmetros são correlates


incidentais do comportamento obsessivo; indicam sua proporção e
são fáceis de medir, principalmente nos obsessivos por limpeza.
Exemplos: a quantidade de sabonetes, papel higiênico ou materiais
de limpeza comprados semanalmente.

Dificuldades de avaliação

Por definição, o conteúdo dos pensamentos obsessivos é ina­


ceitável e freqüentemente repugnante. Isso faz com que os pacien­
tes quase sempre se mostrem relutantes em descrever seus pensa­
mentos. Podem acreditar que estes revelem que são pessoas desa­
gradáveis; que os outros (inclusive o terapeuta) os rejeitariam ou
os tomariam por loucos. Há uma variedade de medos específicos,
inclusive os que se seguem:
Distúrbios obsessivos 209

Efeitos da discussão

Alguns pacientes têm medos obsessivos de que o fato de falar


sobre as obsessões poderá agravá-las ou tomá-las mais reais, ou
mesmo fazer com que se expressem em seu comportamento.

Implicações da obsessão

Os pacientes podem ter medos específicos, como o de que a


obsessão possa ser um sinal de esquizofrenia (talvez implicando a
internação imediata, contra sua vontade). Quando os pensamentos
ou impulsos dizem respeito à violência ou outros atos ilegais ou
moralmente repugnantes, os pacientes muitas vezes têm medo de
que o terapeuta possa mandá-los para a prisão.

Constrangimento

Os pensamentos podem ser socialmente constrangedores, por


exemplo quando envolvem preocupação com a contaminação atra­
vés de fezes ou sêmen. Os pacientes com problemas graves (sobre­
tudo quando um intenso comportamento compulsivo estiver en­
volvido) podem sentir-se envergonhados pela proporção em que
suas obsessões estão fora de seu controle; isto se deve principal­
mente ao fato de a maioria dos pacientes encarar seus pensamen­
tos como intrinsecamente desprovidos de sentido.

Cronicidade

No caso de problemas crônicos, o comportamento e a evita­


ção compulsivos podem ter se tomado tão dominantes que o pa­
ciente não mais tenha consciência do padrão de pensamentos pre­
viamente associado.
Essas dificuldades requerem sensibilidade e empatia por par­
te do terapeuta. Este deve estar alerta às indicações sobre possíveis
áreas de dificuldade, ou às razões que explicam a relutância do pa­
ciente em falar sobre seus pensamentos.
210 Terapia cognitivo-comportamental

Por exemplo, um a moça não-psicótica foi encaminhada para


tratamento de ansiedade. Durante um a entrevista inicial, mostrou-se
muito tímida e assinalou que estava ansiosa principalmente com
relação aos pensamentos, embora se confessasse incapaz de dizer
quais eram tais pensamentos.

Terapeuta: Os pensamentos são sobre alguma coisa terrível que es­


teja acontecendo?
Paciente: Bem... mais ou menos. Não posso falar sobre eles.
T.: Parece que esses pensamentos são muito perturbadores para
você, e que lhe é difícil falar sobre eles. Isso acontece com fre­
qüência; pode ser muito difícil discutir os tipos de pensamentos
que são especialmente desconcertantes. É comum que as pes­
soas me procurem para falar de pensamentos que não revelaram
nem mesmo à sua própria família, por lhes parecerem tão terrí­
veis. Você já foi capaz de contar esses pensamentos a alguém?
P.: Não, é... muito difícil. As outras pessoas realmente têm pensa­
mentos dos quais não podem falar?
T. : Sim. Muitas vezes as pessoas acham mais fácil me contar, pri­
meiro, porque é difícil falar a respeito dos pensamentos. Cla­
ro, há muitas coisas que os tom am difíceis de ser menciona­
dos. Por exemplo, às vezes as pessoas se preocupam com a
possibilidade de eu tomá-las por loucas, ou que possa achar
que são pessoas más. Outras vezes, são os próprios pensa­
mentos que são constrangedores, ou as pessoas pensam que
posso me chocar. Qual é, para você, a pior coisa a respeito
desses pensamentos?
P. : Estou muito preocupada... Você pode achar que sou má e man­
dar me prender, porque os pensamentos são terríveis; acho que
ninguém mais pode ter pensamentos tão maus assim; você
pode pensar que sou perigosa.
T. : Será que ajudaria se eu descrevesse alguns dos tipos de pensa­
mentos preocupantes que outras pessoas têm?
P.: Sim.
O terapeuta relata alguns exemplos dos tipos de pensamentos
experimentados e as reações a eles (como no Quadro 5.1), enfati­
zando sua estranheza.
Terapeuta: Há uma coisa muito importante a se lembrar com rela­
ção a esse tipo de pensamentos: as pessoas que ficam mais per­
turbadas com um determinado pensamento são aquelas para
as quais ele se mostra mais difícil; por exemplo, se você tem
fortes crenças religiosas, é mais provável que se perturbe por
Distúrbios obsessivos 211

pensamentos blasfemos; se você é muito gentil, ficará aborre­


cida com pensamentos ou impulsos violentos. Pense em al­
guém que deliberadamente se envolve em brigas; você acha
que os pensamentos violentos o perturbam?
Paciente: Não, entendo o que quer dizer. Mas você tomaria o filho
de alguém se essa pessoa tivesse pensamentos de fazer coisas
terríveis à criança?
T.: Uma das características mais importantes desse tipo de pensa­
mentos é o quanto deixam perturbada a pessoa que os tem. Po­
de parecer estranho, mas muitas vezes os pensamentos ocorrem
porque se está tentando a todo custo não tê-los. Poderia tentar
neste exato momento NÃO pensar numa girafa? (pausa) O que
aconteceu?
P. : Tive a imagem de uma girafa!
T.: Certo, isso é o que acontece com um pensamento que não é
perturbador quando se tenta não tê-lo. Se o pensamento fo r per­
turbador, então ele aparece até mais vezes. Seria sensato to­
mar-se o filho de alguém porque essa pessoa estava tentando
não pensar em machucá-lo?
P. : É exatamente o que faço. Tento a todo custo não ter esses pen­
samentos, e eles simplesmente continuam aparecendo. Então
tento eliminá-los. É realmente difícil.

Em vez de fazer suposições diretas, em geral é melhor lidar


com as preocupações do paciente sobre os pensamentos obsessi­
vos através de exemplos que parecem apresentar alguma seme­
lhança com suas próprias dificuldades. Em alguns casos, a avalia­
ção deverá estender-se por duas ou até três entrevistas, para que se
possa concluí-la plenamente.

Tratamento de obsessões acom panhadas


p o r com portam ento compulsivo m anifesto

Exposição e prevenção de resposta

Os princípios do tratamento são extraídos do modelo psicoló­


gico delineado anteriormente. Os procedimentos são:
212 Terapia cognitivo-comportamental

( 1) exposição deliberada a todas as situações evitadas anterior­


mente;
(2) exposição direta aos estímulos temidos (inclusive pensa­
mentos);
(3) prevenção de rituais compulsivos e comportamentos neutrali­
zantes, inclusive aqueles encobertos (isto é, prevenção de res­
posta).

O tratamento descrito neste capítulo visa alcançar o nível mais


alto possível de exposição sem a ocorrência de qualquer tipo de
neutralização. De outro modo, a neutralização traz consigo o efei­
to de interromper a exposição sem a plena confrontação dos
medos dos pacientes. A terapia é cooperativa, e tem por objetivo
levar os pacientes a assumir a responsabilidade pelo planejamento
e realização de seu próprio tratamento o quanto antes, à medida
que o tratamento se encaminha. Os objetivos da terapia são alcan­
çados mais rapidamente e generalizam com maior eficácia quando
se faz um uso extensivo dos exercícios de casa; numa fase mais
avançada do tratamento, o paciente asssume a responsabilidade
pela implementação e pelo planejamento desses exercícios.

Apresentação dos fundam entos lógicos

No início do tratamento, a formulação preliminar é expandida


e revisada a fim de compatibilizar quaisquer informações novas
obtidas através das respostas dos pacientes ao tratamento. Os fun­
damentos lógicos para a exposição e prevenção de resposta deli­
neados na página 203 são discutidos mais adiante, e o paciente é
estimulado a levantar quaisquer objeções ou preocupações. A uti­
lidade da exposição que vai além do comportamento de todo dia
deve ser discutida: a exposição a situações difíceis faz com que
seja mais fácil lidar com as situações do dia-a-dia. Por exemplo, a
um paciente com medos de contaminação através da urina seria
pedido que retirasse um pente do vaso sanitário. Explicar a impor­
tância de se confrontar com a ansiedade “sem desligá-la através
dos rituais” é uma boa maneira de transmitir o componente de pre­
venção de resposta. Para verificar se o paciente compreendeu os
Distúrbios obsessivos 213

fundamentos lógicos, o terapeuta pode perguntar: “Só para me cer­


tificar de que fui claro, poderia me descrever em que consiste o
tratamento?”, seguido de perguntas sobre pontos que não se mos­
tram totalmente claros para os pacientes.
Uma das preocupações mais freqüentemente expressas é a de
que a ansiedade será avassaladora quando for realizada a exposi­
ção, em vez de diminuir, como previsto pelo terapeuta. Um reasse-
guramento brando (“tudo vai ficar bem, não se preocupe”) pode
ser inútil, sendo contraproducente discutir com o paciente. Em vez
disso, o terapeuta deve concordar que pode ser verdade que a an­
siedade não declinará. Pode-se perguntar ao paciente qual foi o pe­
ríodo mais longo durante o qual resistiu ao comportamento com­
pulsivo, e qual a certeza de que a ansiedade não teria declinado.
Perguntas sobre as possíveis maneiras de descobrir se as preocupa­
ções são ou não verdadeiras podem ser feitas com o objetivo de
levar à realização de um experimento comportamental. Este se
destina a investigar o que acontece (tanto em termos de ansiedade
experimentada quanto de preocupações sobre as conseqüências
temidas) se o paciente for capaz de resistir à neutralização por um
período preestabelecido, normalmente de 2 horas. Isso é então
usado como base para as próximas sessões de exposição com pre­
venção de resposta.

Formulação do plano de tratamento junto com o paciente

O plano de tratamento deve ser negociado com o paciente ao


se estabelecerem metas a curto, médio e longo prazos. Toda expo­
sição é discutida antecipadamente, enfatizando-se ao paciente que
não acontecerão “surpresas”. Para o paciente com obsessões sobre
o herbicida (p. 205), a meta a longo prazo era utilizar o herbicida
em seu jardim sem lavar as mãos depois disso. A meta fixada para
dez semanas era a de conseguir manusear pacotes de herbicida e
depois tocar objetos da casa sem lavar as mãos ou os objetos. A
meta a curto prazo para a primeira semana era retirar o jornal do
chão da casa sem aumentar a evitação e sem lavar as mãos por uma
hora depois disso. A meta a curto prazo era atualizada semanal­
mente.
214 Terapia cognitivo-comportamental

A escolha das primeiras tarefas e a ordem em que os proble­


mas serão abordados dependem consideravelmente da confiança
do paciente, do grau de incapacitação de cada aspecto do proble­
ma, da proporção em que um dado aspecto ocorre no ambiente
normal do paciente e, é claro, da sua disposição para realizar a
tarefa. Como princípio geral, a exposição deve começar com
uma tarefa que prontamente se preste à exposição in vivo; o ritmo
no qual o mal-estar vai declinar é desconhecido a todo e qualquer
paciente, de modo que a tarefa escolhida deve provocar um mal-
estar moderado; o problema-alvo deve ser relevante para o estilo
de vida do paciente, a fim de que o êxito seja auto-reforçador.
Os pacientes obsessivos são muitas vezes seriamente pertur­
bados por seus problemas, o que não raro leva a problemas de ade­
são, sobretudo no que diz respeito aos exercícios de casa. Em
decorrência disso, podem não ser plenamente confiáveis a propó­
sito da veracidade dos exercícios de casa, ou resolver parar com o
tratamento. O paciente pode ser preparado para esse tipo de difi­
culdade se, por exemplo, o terapeuta explicar que as dificuldades
com relação aos exercícios de casa não são incomuns, mas que
“Tudo bem, pois toda a vez que encontrar dificuldades nos exercí­
cios de casa podemos aprender mais sobre o problema e o modo
como ele o afeta. É importante que envide todos os seus esforços
para realizar os exercícios de casa estabelecidos de comum acor­
do, mas, se não for capaz de fazê-lo, seria bom que fizesse anota­
ções detalhadas sobre aquilo que aconteceu para que possamos
lidar melhor com problemas semelhantes quando surgirem no fu­
turo. Em geral, os problemas que aparecem são apenas aspectos
diferentes da obsessão que ainda não trabalhamos”.

Introdução da exposição

Muitos terapeutas consideram essa fase difícil, pois o pacien­


te pode experimentar uma perturbação considerável como resulta­
do da exposição. Todavia, os pacientes obsessivos estão geralmente
dispostos a tolerar altos níveis de perturbação desde que acreditem
que o tratamento será eficaz. Firmeza temperada com a compreen­
são da perturbação do paciente ajuda a estabelecer o precedente
Distúrbios obsessivos 215

para um relacionamento de confiança e voltado para as tarefas.


Nessa fase, o não-estabelecimento de uma relação segura e estru­
turada pode ser de difícil correção no futuro. A propósito dos fun­
damentos lógicos da exposição, deve-se lembrar ao paciente:

Em geral, alguma ansiedade ocorre quando se inicia este tipo


de programa. Esta é, de fato, uma parte importante do tratamento,
pois as pessoas geralmente pensam que a ansiedade continuará e vai
tomar-se insuportável. Uma das coisas valiosas que você aprende
através do tratamento é que a ansiedade não aumenta a níveis tão
intoleráveis, e que quase sempre declina mais rapidamente do que
se poderia esperar. Algumas vezes, a ansiedade começa a declinar
depois de 20 minutos; mais comumente, de meia hora a uma hora.
Outra coisa importante que vai notar é que, depois de ter realizado a
exposição duas ou três vezes, o nível do mal-estar que sentiu no ini­
cio irá tomar-se cada vez menor. Essa é a melhor indicação de como
o tratamento está funcionando; à medida que o tempo passa, vai ver
que será capaz de realizar a exposição dessa forma e não sentir abso­
lutamente nenhum mal-estar.

A ansiedade e sua redução são discutidas de forma enfática,


mas não se faz nenhuma tentativa de confortar o paciente com re­
lação à segurança de uma determinada tarefa; por exemplo, não se
poderia tranqüilizar um paciente quanto à segurança de um herbi­
cida. A exposição aos estímulos temidos, eliciadores de obsessão,
é gradativa quanto à dificuldade, de tal modo que a terapia não é
percebida como tão desagradável que o paciente não possa conti­
nuar. É mais bem introduzida através da demonstração, ao pacien­
te, do comportamento solicitado (modelação).

Modelação. O terapeuta deve realizar a tarefa por ele mesmo soli­


citada antes que o paciente o faça; a adesão aumentará se o tera­
peuta for mais exposto aos estímulos temidos do que se pede ao
paciente que o faça. Embora os indícios obtidos através de pesqui­
sas sobre sua utilidade sejam ambíguos, a experiência clínica indi­
ca que a modelação é útil em dois aspectos importantes. Primeiro,
constitui a maneira mais clara de demonstrar quais os comporta­
mentos que são solicitados durante a exposição e prevenção de
resposta, especialmente por serem freqüentemente incomuns (por
216
Terapia cognitivo-comportamental

exemplo, passar as mãos sobre assentos de vaso sanitário, fechar


as portas sem olhar para elas). Segundo, a modelação logo no iní­
cio do tratamento é acompanhada por uma melhor adesão à expo­
sição durante as sessões de tratamento e dos exercícios de casa. A
modelação deve ser rapidamente reduzida uma vez iniciado o tra­
tamento, pois pode atuar como uma poderosa forma de reconforto.

No caso de um a paciente que temia a contaminação por pro­


dutos de banho que poderiam ser cancerígenos, o terapeuta introdu­
ziu a exposição ao lhe pedir que passasse xampu nas costas da mão.
Primeiro, o terapeuta aplicou uma grande quantidade de xampu em
suas próprias mãos e rosto, e em seguida lambeu as mãos. A pa­
ciente então aplicou uma pequena quantidade em sua mão e con­
cordou em não lavá-la por 3 horas, atribuindo notas ao mal-estar e
ao anseio por lavá-la a intervalos periódicos. Durante toda a sessão,
a paciente era repetidamente elogiada e tinha sua atenção voltada
para o grau de redução de ansiedade e a queda no anseio de lavar as
mãos que ocorreram sem a presença de qualquer comportamento
neutralizante.

No caso de pacientes que procedem a verificações, a estraté­


gia geral é a mesma, mas se confere mais ênfase às próprias ações
do paciente. Por exemplo, o terapeuta pode mostrar o modelo ao
ligar um ferro de passar roupa por um instante e então desligá-lo,
deixando a sala sem conferir se de fato o havia desligado. Sugere-
se ao paciente que faça o mesmo (sem que o terapeuta o observe
quando o ferro for desligado), e então ambos saem da casa por um
período predeterminado.

Exposição de alto nível contínua eprevenção de resposta

Nas prim eiras duas semanas de tratamento ambulatorial,


pode ser útil ver o paciente duas ou três vezes por semana. A
progressão através das tarefas é freqüentem ente rápida nas fases
iniciais. As sessões de exposição in vivo geralm ente levam de 1
a 1h30, mas nessa fase o terapeuta deve reservar até três horas
para poder aum entar o tempo da sessão se for necessário. Em
geral, não é aconselhável term inar uma sessão quando a ansie-
Distúrbios obsessivos 217

dade do paciente está chegando a seu momento crítico; a sessão


deve ser prolongada até que haja alguma redução do mal-estar.
Depois de duas semanas, as consultas passam a ser semanais ou
quinzenais.
O tratamento prossegue com o paciente realizando os exercí­
cios de casa, começando pelas tarefas praticadas junto com o tera­
peuta. Em todas as sessões e exercícios de casa o paciente avalia o
mal-estar e os impulsos de neutralizar, o que melhora a adesão e
ajuda a identificar as dificuldades que surgem. As avaliações de
um paciente com rituais de verificação são apresentadas na Figura
5.2, ilustrando quedas típicas do mal-estar. As alterações do mal-
estar durante a sessão são discutidas, assim como as reduções to­
tais de sessão para sessão.
Na seqüência, a prevenção das respostas autodirecionadas
para qualquer comportamento de evitação ou neutralização é cru­
cial. Tais comportamentos podem não ser imediatamente evidentes,
tanto para o terapeuta quanto para o paciente. Perguntas úteis que os
pacientes podem fazer a si mesmos são: “Se eu não tivesse um pro­
blema obsessivo, estaria fazendo isto?” (identifica a neutralização
e a evitação), “Que outras coisas estaria fazendo se não tivesse o
problema?” (identifica a evitação). À medida que o tratamento pro­
gride, a intensidade da exposição e da prevenção de resposta auto-
direcionada é desenvolvida o mais rapidamente possível.
Em muitos pacientes (sobretudo nos obcecados por verifica­
ção), a ansiedade de serem responsáveis por fazer mal a si mesmos
ou aos outros é muito evidente. Para reduzir a responsabilidade
caso algo venha a dar errado, o paciente pode buscar o constante
reconforto do terapeuta ou fazer os exercícios de casa exatamente
como lhe foi pedido que os fizesse. Isso é uma forma de evitação,
e aponta para a necessidade da exposição direta à responsabilidade
como parte do programa de tratamento, depois de uma discussão
sobre o papel das preocupações a propósito da responsabilidade.
Isso envolve a necessidade de passar aos pacientes exercícios de
casa nos quais a tarefa toda seja auto-iniciada, não se discutindo os
detalhes com o terapeuta. O terapeuta diz: “Gostaria que planejas­
se o exercício de casa desta semana por sua própria conta; deve ser
o tipo normal de tarefa, mas não quero que me forneça quaisquer
detalhes daquilo que vai fazer. Quero que registre, como de hábito,
2IS Terapia cognitivo-comportamental

o grau de mal-estar que sente. É importante estabelecer as coisas


de tal modo que o mal-estar sobrevenha, mas que você não verifi­
que, evite ou neutralize. Procure não contar ou mesmo sugerir a
alguém aquilo que fez. Na próxima sessão discutiremos como se
sentiu, mas você e somente você será responsável pela tarefa.
Então, sem me revelar quaisquer detalhes daquilo que deixará de
verificar, pode me esboçar qual será o exercício de casa para esta
semana?”

Reasseguramento

A busca de reasseguramento é uma característica proeminen­


te das obsessões. Os pensamentos obsessivos quase sempre envol­
vem o medo da responsabilidade de causar mal através da realiza­
ção ou omissão de coisas (Salkovskis, 1985). Alguns exemplos são
o pensamento de que tocar a mão de alguém sem lavar as mãos
transmitirá contaminação; o pensamento de que não recolher pe­
daços de vidro na estrada poderá fazer com que alguém se machu­
que gravemente. O pedido de reasseguramento constitui geral­
mente uma tentativa de se certificar de que nenhum mal foi causa­
do a si mesmo ou aos outros, tendo também o efeito de comparti­
lhar ou delegar responsabilidade. Para o terapeuta, é tentador redu­
zir a ansiedade do paciente ao proporcionar tal reasseguramento,
mas essa é uma iniciativa fadada ao fracasso; provar que nenhum
mal foi ou será causado é uma impossibilidade. Por exemplo, uma
paciente relatou ao seu terapeuta que não havia examinado sua lata
de lixo para verificar se havia nela quaisquer comprimidos, e per-
guntou-lhe se achava sua atitude correta. Contar isso ao terapeuta
proporcionava-lhe reasseguramento suficiente, a despeito do fato
de obter ou não uma resposta; o terapeuta teve a oportunidade de
sugerir uma ação corretiva, e a paciente pôde sondar a reação do
terapeuta. A maneira repetitiva, persistente e estereotipada como o
reasseguramento é buscado assemelha-se a outras formas de ritua-
lização. Para formular um fundamento lógico para esse problema,
o terapeuta deve perguntar ao paciente se o alívio obtido através do
asseguramento é persistente ou transitório, e compará-lo mesmo a
outras formas de neutralização. A busca de reasseguramento se
Distúrbios obsessivos 219

transforma durante a terapia, passando de uma experiência frus­


trante que bloqueia outras discussões úteis para uma oportunidade
de lidar diretamente com o problema obsessivo.

Terapeuta: Parece que você está examinando seus pensamentos


sobre câncer neste exato momento; quer que eu reaja de uma
maneira especial?
Paciente: Sim, acho que sim. Só preciso saber que não vou contrair
câncer. Não vejo o que há de errado em se querer descobrir
isso.
T.: Nas duas últimas sessões discutimos de que maneira lavar as
mãos pode, na verdade, fazer com que o problema persista
quando se sente contaminada, e constatamos ser provável que
fazer perguntas surtisse efeitos semelhantes quando o proble­
ma fossem suas dúvidas e seus medos. Estou certo ao pensar
que pedir reasseguramento parece ser diferente para você?
P.: Bem, sinto que você acabaria tendo conhecimento do assunto;
então, por que simplesmente não me dizer, fazendo com que
me sinta melhor?
T. : Você está certa, é evidente que eu deveria fazer isso desde que
ajudasse na solução do problema. Tudo bem, posso fazê-lo
agora mesmo. Quanto teria de lhe reassegurar para que durasse
até o fim do mês?
P. : Até o fim do mês?
T.: Sim, tenho pelo menos mais 2 horas agora. Se solucionar o
problema até o final do mês, eu direi. Quanto seria necessário
para que durasse o restante do mês?
P. : Não funciona assim. Só vai me ajudar por alguns minutos.

O terapeuta pode prosseguir, discutindo como o reassegura­


mento impede o paciente de confrontar-se com a ansiedade de ser
responsável por causar algum mal, e que, portanto, a prevenção de
resposta auto-imposta se faz necessária (Salkovskis e Westbrook,
1987). O envolvimento de outros membros da família é útil para
que se estenda a prevenção do reasseguramento e para que lembre­
mos o paciente quanto a isso, sobretudo quando ele está encontran­
do dificuldades. Às vezes convém que o terapeuta sugira uma al­
ternativa ao reasseguramento dos parentes. A um deles se pode su­
gerir uma resposta como: “As instruções médicas são de que não
devo responder a essas perguntas” (Marks, 1981). Se o paciente e
Terapia cognitivo-comportamental

Nome

M in u to s após o início da sessão

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Não me sinto Sinto-me tão
de forma alguma incomodada quanto
incomodada jamais me senti

Nome Data W

M in u to s após o início d a sessão

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Não me sinto Sinto-me tão
de forma alguma incomodada quanto
incomodada jamais me senti
Figura 5.2 Registro de paciente do desconforto no período de quatro exercí­
cios de casa
Distúrbios obsessivos
221

Nome Data

M in u to s após o início d a sessão

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Não me sinto Sinto-me tão
de forma alguma incomodada quanto
incomodada jamais me senti

Nome

M in u to s após o início d a sessão

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Não me sinto Sinto-me tão
de forma alguma incomodada quanto
incomodada jamais me senti

Figura 5.2 (Cont.)


222 Terapia cognitivo-comportamental

o parente procederem a uma representação de papéis (role-play)


de uma ocasião recente em que se procurou reasseguramento, o
parente pode tentar usar a resposta alternativa de maneira aten­
ciosa. Às vezes é útil fazer representações de papéis (role-plays)
de outras dificuldades e das respostas dadas a elas. Por exemplo,
se o paciente for insistente o parente poderá dizer: “No hospital
me disseram para me afastar de você quando estiver fazendo
isso”, e então se afastar. Entretanto, o paciente deve ser esclareci­
do quanto à função do reasseguramento, e as respostas de seus
parentes só devem ser usadas como apoio se for necessário; isso
quer dizer que o ônus da prevenção de resposta continua sendo
do paciente.

Dificuldades encontradas ao longo do tratamento

Na maioria dos casos, a exposição e prevenção de resposta se


mostram bem-sucedidas. Entretanto, três padrões principais de
dificuldade podem surgir durante os exercícios de casa:

( 1) a habituação (redução da ansiedade) pode não ocorrer durante


as sessões;
(2) apesar da plena adesão, pode haver pouco progresso entre as
sessões;
(3) anão-adesão.

O primeiro deles raramente ocorre, e em geral quando ocorre


as razões são óbvias. O motivo mais provável é que as sessões se­
jam demasiado curtas, ou que haja concomitância de uma depres­
são grave que, não tendo sido identificada durante a avaliação,
possa requerer um tratamento direto. Muito raramente, a não-ob-
tenção de mudanças entre as sessões pode resultar de uma ideação
supervalorizada (Foa, 1979). Isso pode ser passível de procedi­
mentos cognitivos (Salkovskis e Warwick, 1985, 1988; Salkovskis,
1989). Em particular, pode-se fazer uso de perguntas para perm i­
tir que os pacientes identifiquem incoerências em suas crenças e
incentivá-los a formular e testar hipóteses alternativas de suas si­
tuações. Isso pode ser feito da seguinte maneira: “Há dois modos
223
Distúrbios obsessivos _

Q u ad ro 5.4 A ausência de progresso entre as sessões e algumas soluções


sugeridas

Razão Remédio

Não-adesão à exposição Avaliar e lidar com pensamentos sobre os


exercícios de exposição feitos em casa (ver
abaixo)

Não-adesão à prevenção Verificar se o paciente compreendeu os


de resposta fundamentos lógicos; realizar sessões dirigidas
pelo terapeuta a fim de identificar dificuldades

Sessões de exposição Discutir quaisquer preocupações sobre as


demasiado curtas conseqüências de se aumentar a duração das
sessões; proceder a uma sessão de demonstração
de exposição; estabelecer exercícios de casa
com duração especificada

Neutralização encoberta Discutir os fundamentos lógicos da prevenção


substituindo rituais abertos de resposta com relação à neutralização
encoberta e instituir prevenção de resposta
encoberta

Procura de reasseguramento Discutir o fundamento lógico do


reasseguramento como uma forma de
comportamento compulsivo (ver p. 219); se
necessário, envolver aqueles através dos quais
o reasseguramento está sendo procurado (p. 219)

Transferência de Aumentar a exposição à responsabilidade


responsabilidade (p. 218); envolver aqueles para os quais a
responsabilidade está sendo transferida

Exposição e prevenção de Incluir a generalização nos exercícios de casa;


resposta demasiado estes devem envolver partes cada vez maiores
circunscritas do dia do paciente

Evitação de situações Estender os exercícios de casa de modo a


desencadeantes dos incluírem exposição a situações temidas fora
pensamentos do período específico dos exercícios;
estabelecer metas para a exposição a situações
temidas (ver Capítulo 4, p. 152)

Razões não esclarecidas Promover outra avaliação, usando a


automonitoração e sessões de exposição no
consultório ou na casa do paciente, a fim de
obter maiores informações
22 4 Terapia cognitivo-comportamental

de considerar suas dificuldades; ou você está tendo problemas


com germes, e precisa ser obsessivo a fim de se proteger, ou tem
um problema obsessivo que está sendo mantido pelo tipo de coi­
sas que faz, como descrevemos anteriormente. Como poderíamos
decidir entre essas duas possibilidades?” A discussão dos indícios
corroboradores das crenças do paciente (novamente, baseada em
perguntas, e não em argumentos do terapeuta) tem seguimento
nesta base, fazendo-se uso de outras técnicas cognitivas quando
for o caso.
A ausência de progresso de sessão para sessão, apesar da ex­
posição repetida, é mais comum, mesmo que tenha havido um re­
gistro de queda nas avaliações de mal-estar no decorrer da exposi­
ção. O registro de queda nas avaliações de mal-estar durante a ex­
posição pode ser o resultado de dois processos: ou de a exposição
repetida ter levado a uma diminuição no poder dos estímulos elicia-
dores de ansiedade, ou de os pacientes serem capazes de se distrair
na presença desses estímulos (ou de diminuir sua ansiedade ao neu­
tralizarem). Por exemplo, se um paciente está sendo exposto à si­
tuação de permanecer no mesmo recinto em que se encontra uma
faca, distrair-se quanto à presença desta reduziria as avaliações de
mal-estar, mas não levaria a nenhuma redução constante da ansie­
dade durante as sessões. Qualquer neutralização que o paciente rea­
lize durante a sessão (inclusive a procura de reasseguramento) pode
surtir esse efeito, e deve ser eliminada. As causas mais prováveis e
algumas sugestões estão arroladas no Quadro 5.4.

Não-adesão

E crucial, para a adesão, que a formulação e os fundamentos


lógicos do tratamento sejam aceitáveis ao paciente. Além disso, se
os exercícios de casa não forem concluídos o terapeuta deve, ini­
cialmente, verificar os princípios gerais para melhorar a adesão
(p. 52). Não é incomum que pacientes apresentem algum progresso
e mesmo assim interrompam os exercícios de casa depois de alguns
contratempos de menor importância. Como descritas anteriormente
(p. 214), as dificuldades com relação aos exercícios de casa devem
ser previstas pelo terapeuta, que deve reinterpretar quaisquer novos
225
Distúrbios obsessivos

problemas como uma importante fonte de informações sobre o pro­


blema em si. Por exemplo, uma paciente foi capaz de eliminar seus
rituais de lavagem em todos os períodos do dia, com exceção das
manhãs. Quando começou a lidar com a prevenção de resposta no
período da manhã, as coisas ficaram difíceis; ao mesmo tempo, seu
ciclo menstrual teve início. As discussões e a observação subse­
qüente confirmaram uma forte tendência ao agravamento dos sin­
tomas nesse período, embora a paciente não tivesse consciência
desse fato anteriormente.
Um planejamento cuidadoso dos exercícios de casa pode
identificar dificuldades potenciais antes que surjam. Perguntas co­
mo: “Se um pensamento obsessivo lhe ocorrer no momento, o que
fará?”, “Se sentir que precisa neutralizar, o que fará?”, podem ser
úteis, assim como um planejamento detalhado de “qual” tarefa,
“onde” realizá-la, “quando” levá-la a efeito e “quanto tempo” de
duração terá. Como já foi mencionado, a responsabilidade por es­
ses detalhes é gradualmente assumida pelo paciente no decorrer
do tratamento. O terapeuta e o paciente devem sempre anotar os
detalhes dos exercícios de casa, e ao paciente se deve pedir que re­
gistre o resultado do exercício para que seja revisto no início da
sessão seguinte.
Alguns pacientes conseguem aceitar os fundamentos lógicos
do tratamento enquanto estão tranqüilos, mas são incapazes de
correr “riscos” quando ansiosos e perturbados por pensamentos
obsessivos. Se for esse o caso, o terapeuta pode proporcionar ao
paciente estratégias a serem usadas durante os períodos ansiosos,
para que se lembrem dos pontos-chave dos fundamentos lógicos;
por exemplo, podem-se usar cartões com os pensamentos temidos
pelos pacientes escritos de um lado, e as respostas racionais e os
indícios contestatórios do outro. O ensaio também é útil. Em geral,
envolve o imaginar uma situação eliciadora de ansiedade e, em se­
guida, uma série de estratégias para se lidar com elas, como apro-
ximar-se da pia para se lavar, depois afastar-se e sair para um pas­
seio. Enquanto pensa nessa cena o paciente também é incentivado
a imaginar a ansiedade, os impulsos e as sensações corporais, e em
seguida imaginar seu declínio gradual.
226 Terapia cognitivo-comportamental

Estilo de terapia

Para que a terapia obtenha êxito, é preciso adaptar os princí­


pios do tratamento ao paciente, e isso quase sempre envolve uma
criatividade considerável por parte do terapeuta e do paciente. O
senso de humor pode ser particularmente útil, permitindo que o
paciente conclua tarefas que de outra forma não seriam possíveis.
Isso não significa, jamais, rir-se do paciente, mas apenas rir com
ele do problema e de si mesmo.

Por exemplo, uma paciente era incapaz de resolver-se a tocar


uma cadeira que considerava contaminada. O terapeuta e uma enfer­
meira assistente demonstraram o modelo ao tocarem a cadeira, mas
a paciente não conseguia fazê-lo. O terapeuta perguntou-lhe se co­
nhecia uma brincadeira de criança na qual as pessoas põem as mãos,
uma após a outra, em cima da mão que fica por baixo; a mão abaixo
de todas é então puxada e colocada por cima, e assim por diante.
Essa brincadeira foi feita sobre a cadeira contaminada (com muitas
risadas); a paciente havia tocado a cadeira por várias vezes, e o pro­
grama havia se iniciado.

Tratamento de obsessões não acom panhadas


p o r com portam ento com pulsivo manifesto

As obsessões não acompanhadas por compulsões abertas


podem ser consideradas como uma difícil categoria de distúrbio
obsessivo-compulsivo na qual a evitação e a atividade compulsiva
são quase totalmente encobertas e, portanto, de acesso e controle
especialmente difíceis. O termo “ruminações obsessivas” é confu­
so, pois tem sido indiscriminadamente usado para descrever tanto
as obsessões quanto a neutralização mental. Por exemplo, uma
paciente referiu pensamentos e imagens de sua família morrendo;
ela chegava a ruminar sobre esses pensamentos por períodos de até
3 horas a cada vez. Um questionamento minucioso trouxe à tona
dois tipos funcionalmente diferentes de pensamentos: primeiro,
tinha pensamentos intrusivos como “Meu filho está m orto”. Se
Distúrbios obsessivos 227

esse tipo de pensamento lhe ocorresse, ela o neutralizaria ao fazer


com que lhe ocorresse o pensamento “Meu filho NAO está m or­
to”, e ao formar uma imagem clara de seu filho desenvolvendo
suas atividades normais.
A formulação psicológica das obsessões será delineada e se­
guida por uma descrição de duas abordagens de tratamento para
pensamentos obsessivos.

Modelo psicológico de obsessões não


acompanhadas por compulsões abertas

A formulação psicológica das obsessões apresentada na p. 192


requer apenas um leve acréscimo, passando a levar em conta o
papel da neutralização mental e dos comportamentos de evitação,
que são difíceis de detectar e controlar. O princípio subjacente é o
de que a ansiedade pode ser reduzida através da exposição repetida
aos pensamentos temidos, se não houver respostas abertas ou en­
cobertas que encerrem ou evitem a exposição. Outra consideração
específica é a de que a redução rápida e duradoura da ansiedade
será mais fácil de obter ao nos assegurarmos de que os estímulos
aos quais o paciente é exposto ocorram da maneira mais previsível
possível. Nas obsessões não acompanhadas por compulsões aber­
tas, a exposição se dá aos pensamentos, e estes são de previsibili­
dade mais difícil do que os estímulos usados na exposição, no caso
de obsessões acompanhadas por compulsões abertas. Isto é, o di­
namismo, a hora em que inicia, a rapidez de sua instauração, a in­
tensidade, a duração, o índice de ocorrência e o conteúdo real deta­
lhado dos pensamentos estão, todos, fora do controle do paciente e
do terapeuta, e geralmente variam de uma apresentação para outra.
Embora a habituação possa eventualmente ocorrer, mesmo com
uma apresentação irregular dos pensamentos, isso não é claro ao
paciente, que pode portanto continuar a neutralizar (“E a única
maneira de me sentir um pouco melhor”), ou mesmo decidir-se
pelo abandono do tratamento.
228 Terapia cognitivo-comportamental

Avaliação

A avaliação segue os princípios gerais anteriormente delinea­


dos neste capítulo. Em termos específicos, tanto as obsessões
quanto os pensamentos neutralizantes acham-se misturados na
esfera cognitiva, e discriminar entre os dois é crucial para o trata­
mento. Os pensamentos intrusivos e involuntários que produzem a
ansiedade devem ser diferenciados dos pensamentos que o pacien­
te deliberadamente inicia através de seu esforço voluntário, e que
são destinados a reduzir a ansiedade ou o risco. Pode também
haver comportamentos de evitação encobertos, como a tentativa de
não se ter determinados pensamentos (ver também p. 198). A evi­
tação não é definida em termos de seu êxito em impedir a ansieda­
de; sua definição se dá, pelo contrário, em termos daquilo que o
comportamento objetiva alcançar. A evitação e a neutralização en­
cobertas são avaliadas quando se indaga o paciente sobre a ocor­
rência de quaisquer esforços mentais envidados devido ao proble­
ma (ver p. 197).
Por exemplo, um paciente se sentia compelido a ter cada
pensamento “m au” um número par de vezes. Dispendia a maior
parte de seu dia tentando não ter pensamentos “m aus” (evitação);
esses esforços eram freqüentemente seguidos por pensamentos
como “N unca gostei de m eu pai” (obsessão). Teria então de pen­
sar “Nunca gostei de meu pai” outra vez (neutralização) e tentar
parar (evitação); o ciclo então se repetia. O pensamento obsessi­
vo pode se tornar um pensamento neutralizante se houver um
esforço voluntário; por exemplo, o paciente que se força a ter
determinados pensamentos antes que estes lhe ocorram por con­
ta própria.

Procedimentos de tratamento

Duas abordagens serão descritas: primeiro, o treinamento da


habituação como uma extensão da exposição e prevenção de res­
posta aos pensamentos obsessivos; segundo, uma abordagem prag­
mática - a supressão dos pensamentos.
Distúrbios obsessivos 229

Treinamento da habituação

Este se baseia na idéia de que a tarefa prática no início do trei­


namento da habituação seja feita de forma repetida e previsível, a
fim de evocar pensamentos por um período necessário para a redu­
ção de ansiedade e, ao mesmo tempo, impedir quaisquer compor­
tamentos de evitação ou neutralização. Uma vez que a habituação
aos estímulos previsíveis tenha sido alcançada, o tratamento avan­
ça para estímulos e habituação mais imprevisíveis enquanto o pa­
ciente está ansioso.
O tratamento se inicia com uma discussão detalhada da for­
mulação do problema, enfatizando-se a imprevisibilidade dos pen­
samentos e o papel da neutralização encoberta. Os fundamentos
lógicos para o treinamento da habituação com prevenção de res­
posta é apresentado ao se chamar atenção para o modo como a evi­
tação impede o paciente de confrontar a ansiedade e habituar-se a
ela. Os pensamentos neutralizantes são discutidos da mesma ma­
neira. Uma vez que se chegou a um consenso quanto a esses prin­
cípios, pergunta-se ao paciente se isso lhe sugere formas de lidar
com os problemas, isto é, de “acostumar-se com os pensamentos
perturbadores sem fazer nada a respeito deles”. Para apresentar os
pensamentos de uma forma repetida e previsível, várias estratégias
são possíveis:

(1) evocação deliberada de pensamento (“forme o pensamento;


mantenha-o pelo tempo que eu disser, então pare; repita isso
várias vezes”);
(2) anotar o pensamento repetidas vezes; e
(3) ouvir uma fita reversível (loop tape) do pensamento com a
voz do próprio paciente.

Uma combinação dessas estratégias pode ser particularmente


eficaz, a começar pela “fita reversível”. Pede-se ao paciente que
grave um pensamento intrusivo ou uma série do mesmo pensa­
mento por 30 segundos. Por exemplo, um paciente poderia gravar
o pensamento “Posso machucar meu filho, posso apunhalá-lo com
a faca da cozinha para que sangre até morrer”. É muito importante
que nenhum pensamento neutralizante seja incluído na fita. A
230 Terapia cognitivo-comportamental

“fita reversível” (que pode ser adquirida em qualquer loja de pro­


dutos eletrônicos) repetirá então, continuamente, o pensamento
intrusivo por um ciclo de 30 segundos. O paciente é instruído a
ouvir a fita o mais atentamente possível, sem nenhuma neutraliza­
ção, durante dez apresentações. Após cada apresentação, procede-
se a uma avaliação do mal-estar e do impulso para neutralizar em
escalas de 0-100 (ver p. 208, p. 220, Figura 5.2). Depois de ouvida
a fita, quaisquer impulsos para neutralizar são discutidos em deta­
lhes; se algum tiver ocorrido durante ou após a fita, maneiras de
impedir que isso aconteça são discutidas e testadas com a fita por
mais dez apresentações, até que uma delas ocorra sem a presença
de neutralização. Para isso pode ser preciso mudar o conteúdo da
fita, acrescentando-se outro pensamento (talvez em outro canal de
áudio), fechar os olhos, ouvir através de fones de ouvido, produzir
uma imagem que acompanhe o pensamento, ou o que quer que
seja necessário para se impedir a neutralização. A fita é então toca­
da continuamente por cerca de 15 minutos, com avaliações de mal-
estar e impulsos para neutralizar a intervalos de 3 minutos, por
exemplo. Quaisquer dificuldades com a evitação e a neutralização
vão ser novamente discutidas.
Pede-se ao paciente que pratique com a fita pelo menos duas
vezes ao dia por períodos de no mínimo uma hora, de preferência
até que a ansiedade se tenha reduzido a 50% de seu nível mais alto
durante a sessão de prática. A prevenção de resposta de qualquer
neutralização é novamente ressaltada. Além disso, pede-se ao pa­
ciente que elimine qualquer neutralização que ocorra durante todo
o dia, e que mantenha registros da ocorrência dos pensamentos, do
mal-estar e dos impulsos para neutralizar. Nas sessões subseqüen­
tes, as dificuldades experimentadas com a fita dos exercícios de
casa ou com a prevenção de resposta autodirigida são discutidas.
Todas as atividades destinadas a evitar ou interromper os pensa­
mentos obsessivos devem ser identificadas e impedidas. Uma vez
que o paciente consiga ouvir a fita sem a ocorrência de neutraliza­
ção, ou com somente um mínimo de ansiedade, o pensamento na
fita será mudado e o procedimento repetido com um novo pensa­
mento. Quando o paciente já se habituou a um ou mais pensamen­
tos, é comum haver generalização para outros pensamentos, que se
tornam menos perturbadores. Isso pode ser verificado mediante
Distúrbios obsessivos 231

consulta aos diários do paciente. Técnicas específicas para incre­


mentar a generalização podem ser usadas. Estas incluem:

(1) fazer com que o paciente ouça a fita em situações muito di­
fíceis, possivelm ente utilizando um gravador portátil (por
exemplo, os pacientes com pensamentos sobre fazer mal às
pessoas na rua podem ouvir a fita enquanto caminham pela
cidade);
(2) fazer com que o paciente ouça a fita enquanto está ansioso,
seja em decorrência do estresse circunstancial (por exemplo,
ir ao dentista, tirar proveito das variações de humor natural)
ou por razões planejadas (por exemplo, ao imaginar-se numa
situação estressante ou usar procedimentos para indução de
humor; Clark, 1983); e
(3) variação deliberada da habituação gravada em fita (por exem­
plo, ao utilizar-se uma fita não reversível, variando o conteú­
do dos pensamentos, o volume da fita, seu dinamismo e assim
por diante); ruídos altos podem ser introduzidos na fita para
provocar respostas de surpresa.

Por fim, pede-se ao paciente que provoque os pensamentos


deliberadamente, percorrendo uma seqüência semelhante de utili­
zação de pensamentos isolados, pensamentos múltiplos, pensa­
mentos em uma variedade de situações, e assim por diante, e que o
faça sem neutralizar.
Como na abordagem geral do distúrbio obsessivo-compulsi-
vo, o problema do reasseguramento é enfatizado, e ao paciente se
delega uma responsabilidade cada vez maior pelos detalhes do tra­
tamento e dos exercícios de casa.

Supressão de pensamentos

A principal alternativa ao treinamento da habituação é


menos estreitamente ligada ao modelo psicológico acima delinea­
do, mas é coerente com as descobertas dos pesquisadores sobre as
diferenças entre os pensamentos intrusivos nas populações nor­
mais e clínicas (Rachman e De Silva, 1978); as obsessões clínicas
232 Terapia cognitivo-comportamental

são mais difíceis de descartar, têm maior duração e causam maior


desconforto. A supressão do pensamento visa proporcionar uma
estratégia para se rejeitar pensamentos, reduzindo, assim, sua du­
ração. Isso também pode ter o efeito de aumentar o senso de con­
trole do paciente e, desse modo, diminuir o mal-estar. Como o
modelo cognitivo-comportamental estabelece que os pensamen­
tos obsessivos são mantidos pela neutralização e pela evitação, a
supressão efetiva dos pensamentos é acompanhada por um pro­
grama para eliminar a neutralização (inclusive o reasseguramen­
to) e a evitação.
Os fundamentos lógicos começam com uma discussão das se­
melhanças entre pensamentos intrusivos normais e anormais. Isso
leva a um consenso quanto a se tentar reduzir a duração dos pensa­
mentos obsessivos sem a neutralização, tomando-os portanto mais
“normais” e aumentando o senso de controle do paciente. Enfatiza-
se que a supressão de pensamentos é uma habilidade que não pode
ser adquirida em situações estressantes. Uma boa analogia pode ser
feita com o ato de dirigir: “Primeiro, você precisa praticar muito
quando está calmo e não há muito trânsito; em segundo lugar, preci­
sa praticar para desenvolver sua habilidade quando não está diante
de um problema. Do mesmo modo, você só deve tentar a supressão
de pensamentos no caso de obsessões perturbadoras de sua vida
cotidiana quando sentir que realmente tem condições de fazê-lo.”
Depois da avaliação, o terapeuta e o paciente fazem uma lista
de quatro pensamentos obsessivos e uma lista mais longa de situa­
ções desencadeantes. Além disso, fazem uma lista de quatro pen­
samentos alternativos, relaxantes e interessantes; por exemplo, a
lembrança de uma caminhada agradável, um incidente nos espor­
tes ou uma cena de um filme. É crucial que nenhum pensamento
neutralizante seja incluído em qualquer das listas de pensamentos.
Cada pensamento obsessivo é avaliado quanto ao mal-estar que em
geral produz e a intensidade com que pode ser evocado.
Na primeira sessão, o método é demonstrado para ilustrar que
é possível repudiar rapidamente os pensamentos obsessivos.

O terapeuta diz: “Gostaria que se recostasse de maneira bem


relaxada, de olhos fechados. Vou descrever-lhe uma cena, e em se­
guida descrevê-lo tendo um pensamento obsessivo. Gostaria que
233
Distúrbios obsessivos

levantasse a mão assim que começar a ter o pensamento obsessivo,


mesmo que eu só esteja descrevendo a cena. Não tente captar o pen­
samento em detalhes. É importante que levante a mão assim que
tenha até mesmo o mais leve indício de que um pensamento obsessi­
vo está começando a formar-se. Acomode-se e feche os olhos.”

O terapeuta então descreve uma cena desencadeante típica e,


se necessário, continua descrevendo um pensamento obsessivo.
Assim que o paciente levantar a mão, o terapeuta deve dizer, bem
alto, “Pare!”, e então perguntar ao paciente o que aconteceu com o
pensamento obsessivo. Este terá desaparecido. O terapeuta ressal­
ta que, muito embora esse “Pare!” não possa ser proferido em alta
voz em público, será gradualmente possível associar a palavra
“pare” à supressão do pensamento. Repete-se o procedimento,
com o terapeuta descrevendo a cena précipitante e o pensamento
obsessivo subseqüente. Quando o paciente levanta a mão, o tera­
peuta diz “Pare” com voz firme e instrui o paciente a passar para
uma cena alternativa. O paciente é estimulado a pensar detalhada­
mente sobre essa cena e a levantar a mão quando tiver um pensa­
mento ou uma imagem clara da cena em sua mente. O mal-estar e
a intensidade associados ao pensamento obsessivo são então ava­
liados pelo paciente. O terapeuta verifica se o pensamento obsessi­
vo se dissipou, e se foi possível imaginar a cena alternativa com
alguns detalhes. O paciente também deve ser questionado sobre a
neutralização encoberta, com ênfase adicional na importância da
prevenção de resposta.
A sessão continua, procedendo-se a 10 minutos de supressão
de pensamento com uma variedade de cenas desencadeantes e pen­
samentos alternativos. Permite-se que o paciente imagine a cena
alternativa por até 1 minuto, com 30 segundos de relaxamento
antes de se proceder a avaliações de mal-estar e intensidade. De­
pois, o procedimento é alterado de tal modo que o terapeuta des­
creva a cena desencadeante e o pensamento obsessivo, mas o p a ­
ciente diga “Pare” e descreva a cena alternativa. Isso prossegue por
5 minutos, e então o procedimento é outra vez alterado quando o
terapeuta diz: “Gostaria de atribuir-lhe um maior controle de todo
o procedimento. Desta vez, vou descrever a cena; assim que o pen­
samento lhe ocorrer, gostaria que erguesse a mão e dissesse ‘pare’
234 Terapia cognitivo-comportamental

mentalmente, para si mesmo; o mesmo com relação à cena alter­


nativa, que gostaria que descrevesse a si mesmo, em sua mente.
Quando lhe ocorrer a cena alternativa, erga novamente a mão.
Vamos só recapitular; o que acontece depois que eu descrever a
cena?” O terceiro estágio continua por mais 5 minutos. A supres­
são de pensamentos é praticada com o paciente durante as duas ou
três sessões seguintes, enfatizando-se a importância de não neutra­
lizar.
O exercício de casa consiste em aproximadamente 20 minutos
de prática diária em períodos nos quais o paciente não esteja pertur­
bado pelos pensamentos. Mantém-se um diário da prática, com
avaliações de 0-100 feitas com relação ao mal-estar e à intensidade
associados a cada evocação de pensamentos obsessivos. Depois de
pelo menos uma semana de prática, o paciente é estimulado a co­
meçar a adotar o procedimento de repudiar os pensamentos discreta
ou moderadamente perturbadores à medida que ocorrem, passando
aos poucos para pensamentos mais difíceis. Nessa fase, pede-se aos
pacientes que ingressem em situações que anteriormente evitavam.
Ressalta-se que de início o sucesso será limitado, e que os pensa­
mentos de ocorrência espontânea só serão temporariamente repu­
diados, com freqüentes recorrências. O procedimento deve então
ser repetido, na expectativa de que o retardamento da recorrência
aumente gradualmente depois de dias e semanas. À medida que o
senso de controle do paciente aumenta, os pensamentos devem tor­
nar-se menos perturbadores e intensos quando de sua ocorrência,
até que o paciente não se preocupe mais com eles.

Dificuldades com a supressão de pensamentos. Podem surgir di­


ficuldades em duas fases do tratamento: durante as sessões de
prática com o terapeuta ou nas sessões de exercício de casa subse­
qüentes. No primeiro caso, o paciente pode apresentar dificulda­
des em imaginar a cena desencadeante ou alternativa, caso em
que a imaginação deve ser praticada como passo preliminar (ver
Capítulo 3, p. 97). Por outro lado, pode ser difícil remover um
pensamento obsessivo; quando isso ocorrer, o terapeuta pode pas­
sar para um pensamento obsessivo menos perturbador ou para
uma prática inicial, ou reverter o procedimento de gritar “pare”
Distúrbios obsessivos 235

até que essa prática esteja mais estabelecida; isso raramente se faz
necessário.
O paciente pode interromper os exercícios de casa; se os
princípios gerais da adesão tiverem sido seguidos, a explicação
mais freqüente sugere que o paciente tentou aplicar a supressão
de pensamentos a pensamentos difíceis, fora do âmbito das ses­
sões de prática, mas que esse procedimento se mostrou pouco útil.
Isso talvez se deva ao fato da supressão de pensamentos não ter
sido suficientemente praticada. O paciente pode, por outro lado,
simplesmente ter achado os exercícios de casa demasiado difí­
ceis, tanto devido à prática com pensamentos muito perturbado­
res quanto à inadequação da própria situação de prática (por
exemplo, pela manhã, quando o humor se encontrava relativa­
mente baixo, ou à hora do jantar, quando havia muitas exigências
concomitantes).
Se o paciente tiver praticado o procedimento da maneira reco­
mendada, mas as avaliações de mal-estar e intensidade não tive­
rem sofrido uma queda, o mais provável é que esteja havendo neu­
tralização encoberta contínua ou procura de reasseguramento. Per­
guntas como “O que está tendo de dizer a si mesmo que não teria
se não tivesse esses pensamentos?” identificarão a neutralização
encoberta, e poderão levar a uma discussão adicional de seu papel
na manutenção dos pensamentos. Se a procura de reasseguramen­
to for um problema persistente, talvez seja conveniente fazer uma
sessão conjunta com parentes e outras pessoas envolvidas.

Tratamentos alternativos

O tratamento comportamental é atualmente o tratamento pre­


ferencial. A psicoterapia tem sido usada às vezes, embora Storr
(1979) sugira que o tratamento psicodinâmico só seja apropriado
para pacientes com traços obsessivos, e não para o distúrbio obses-
sivo-compulsivo. Essa opinião é coerente com os dados obtidos
(Cawley, 1974). Já se sugeriu que as obsessões constituem uma ma­
nifestação de distúrbios afetivos, pois podem ser desencadeadas
236 Terapia cognitivo-comportamental

e/ou agravadas pelo humor depressivo (Gittleson, 1966), e porque


o tratamento adequado com antidepressivos resulta em uma me­
lhora de alguns pacientes deprimidos (Rachman et al., 1979; Marks
et al., 1980). Entretanto, uma metanálise recente de estudos de re­
sultado sugeriu que a medicação antidepressiva pode exercer um
efeito direto sobre as obsessões (Christensen, Hadzi-Pavlovic, An­
drews e Mattick, 1987). A medicação antidepressiva talvez traga
melhores resultados no caso de pacientes nos quais as obsessões
estejam associadas a um considerável grau de depressão concomi­
tante, e possivelmente no caso daqueles cujas obsessões se desen­
volveram ou se agravaram depois de iniciada a depressão. Parece
igualmente provável que esses pacientes também respondam ao
tratamento psicológico da depressão (Capítulo 6).
O grau em que a psicocirurgia tem sido proposta como trata­
mento das obsessões é um testemunho que nos diz mais sobre a
intratabilidade do problema no passado do que sobre a eficácia des­
sa intervenção. Sternberg (1974) procedeu a uma revisão dos de­
poimentos e concluiu que os pacientes que parecem apresentar
maiores melhoras com a psicocirurgia são aqueles com boa perso­
nalidade anterior, que têm mais de 40 anos, domicílio e local de tra­
balho estáveis e um início recente da enfermidade. Rachman ( 1979)
ressalta que não há nenhum indício convincente da eficácia de
procedimentos psicocirúrgicos com pacientes que não pudessem
ser ajudados por métodos menos intrusivos.
O tratamento por internação pode ser considerado em alguns
casos. A maior parte dos estudos de resultados tem sido de terapia
comportamental realizada em contextos de internação, devido ao
maior controle sobre o contexto físico e social do paciente. Há
ocasiões em que isso é desejável, ainda que raramente se faça ne­
cessário. As desvantagens do tratamento de internação remetem
ao fato de requerer comprometimento de tempo por parte de uma
equipe muito bem treinada em métodos comportamentais, e as
generalizações a partir da unidade hospitalar podem ser muito fra­
cas. A questão da generalização se coloca devido ao fato de os
pacientes obsessivos perceberem a hospitalização como remoção
de responsabilidade por muitos de seus atos; isso significa que mui­
tos pacientes, particularmente os obsessivos por verificação, apre­
sentam melhoras imediatas por ocasião da admissão e rápidas re-
Distúrbios obsessivos 237

caídas quando de sua alta. Esse fenômeno pode levar a falsas con­
clusões sobre a base de seus problemas. A hospitalização pode ser
uma maneira útil de iniciar o programa de tratamento de pacientes
cujos problemas dizem respeito basicamente à contaminação, e
que acham a exposição autodirigida particularmente difícil de ini­
ciar. A admissão deve ser planejada (isto é, não em resposta a uma
crise), e durar por um tempo limitado (geralmente uma semana ou
menos). Durante a admissão, a exposição e a prevenção de respos­
ta 24 horas por dia constituem a melhor abordagem, com o envol­
vimento de uma equipe altamente qualificada nos dois primeiros
dias (Foa e Goldstein, 1978). A generalização para o contexto do­
méstico deve começar a partir do segundo dia com um programa
de visitas inicialmente supervisionadas à casa do paciente, com o
objetivo de ampliar o programa.

Pesquisas de resultado de tratam ento

Pesquisas de resultado de tratamento foram realizadas por três


grupos principais conduzidos por Rachman, Hodgson e Marks em
Londres, Emmelkamp em Groeningen e Foa na Filadélfia. O gru­
po de Londres realizou uma importante seqüência de estudos atra­
vés dos quais demontraram que a exposição combinada à preven­
ção de resposta constituía um tratamento eficaz (Rachman e
Hodgson, 1980, Capítulo 22; Marks, 1987, Capítulo 14). Esses pes­
quisadores recomendam uma base domiciliar como a maneira mais
eficaz de se aplicar o tratamento. Mais recentemente, dois experi­
mentos em grande escala compararam a exposição com e sem o
antidepressivo clomipramina (Rachman et al., 1979; Marks et a i,
1980 e Marks, 1987). Os resultados mostraram que a eficácia da
exposição superava a do relaxamento, e que os efeitos da medica­
ção em rituais eram ligeiramente mediados por efeitos sobre o hu­
mor. Marks (1987) também sugere que houve índices um pouco
mais altos de recaída quando da interrupção do tratamento por
medicamentos, e que se verificou uma maior incidência de efeitos
colaterais problemáticos.
238 Terapia cognitivo-comportamental

Os resultados de Foa estão em consonância com as primeiras


conclusões alcançadas pelo grupo de Rachman e Marks. Ela inves­
tigou a contribuição relativa dos componentes da exposição e da
prevenção de resposta, constatando que uma combinação se mos­
trava mais eficaz. Foa também investigou a eficácia da exposição
acompanhada por prevenção de resposta por 24 horas, resultando
em índices de êxito incomuns de 85% (Foa e Goldstein, 1978). A
série de estudos de Emmelkamp sugere que a modelação por parte
do terapeuta não altera substancialmente o resultado, mas que o
envolvimento da família no tratamento pode ser útil (Emelkamp,
1982). Embora um dos primeiros estudos tenha sugerido que o
treinamento auto-instrutivo não incrementou o tratamento de ex­
posição (Emmelkamp, van der Helm, Van Zanten e Plochg), traba­
lhos mais recentes demonstraram que uma forma de terapia cogni­
tiva se mostrava tão eficaz quanto a exposição (Emmelkamp, Vis­
ser e Hoekstra, 1988).
A literatura sobre os resultados de tratamento do distúrbio ob-
sessivo-compulsivo revela índices médios de 75% de melhora nos
pacientes que concluem o tratamento. O resultado de tratamentos
para obsessões não acompanhadas por compulsões é considera­
velmente pior, com poucos dados que mostrem que os tratamentos
específicos superem os efeitos não específicos (por exemplo,
Emmelkamp e Giesselbach, 1981). Há várias razões para que isto
se dê, em especial o fato de que as dimensões das amostras usadas
nos experimentos de resposta a tratamento terem sido invariavel­
mente muito pequenas. Outras razões para o resultado insatisfató­
rio do tratamento são discutidas na p. 226. Esses fatores sugerem
que existem novos campos para a aplicação do tratamento com-
portamental em obsessões não acompanhadas por compulsões, e
que o resultado poderia ser consideravelmente melhorado. Por
exemplo, Kirk (1983) mostrou melhores resultados num estudo
que empregava algumas das modificações de tratamento delinea­
das aqui, e obteve melhores resultados numa série clínica de pa­
cientes tratados na prática clínica de rotina.
Apesar da melhora nos resultados decorrente da adoção dos
tratamentos comportamentais, uma série de problemas graves ain­
da precisa ser abordada. Em especial, a recusa ao tratamento, o
abandono e seu fracasso significam que menos de 50% dos pa-
239
Distúrbios obsessivos

cientes passíveis de tratamento (e que o procuram) apresentam


melhoras (Salkovskis, 1989). Durante o acompanhamento é evi­
dente que ocorrem recaídas, embora seu índice não tenha sido ade­
quadamente investigado. A adoção de altos níveis de exposição
com prevenção de resposta por 24 horas sugere ser reduzido o
âmbito para que se melhore ainda mais o resultado dos tratamen­
tos de obsessões acompanhadas por compulsões através do au­
mento dos níveis de exposição. Uma alternativa óbvia seria a in­
corporação de técnicas cognitivas aos tratamentos com porta­
mentais existentes (por exemplo, Salkovskis e Westbrook, 1987;
Salkovskis e Warwick, 1988).

Leitura recom endada

Emmelkamp, P. M. G. (1982). Phobic and Obsessive-Compulsive Disorders. Ple­


num, Nova York.
Foa, E. B. e Steketee, G. S. (1979). “Obsessive-compulsives; conceptual issues
and treatment interventions”. In Progress in Behaviour Modification (org. R. M.
Hersen). pp. 1-53. Academic Press, Nova York.
Marks, I. M. ( 1978). Living with Fear. McGraw Hill, Nova York.
Marks, I. M. (1987). Fears, Phobias and Rituals. Oxford University Press, Nova
York.
Rachman, S. J. e Hodgson, R. (1980). Obsessions and Compulsions. Prentice
Hall, Englewood Cliffs, Nova Jersey.
Salkovskis, P. M. ( 1989). “Obsessions and compulsions”. In Cognitive Therapy: a
Clinical Casebook (org. J. Scott, J. M. G.Williams e A. T. Beck), pp. 50-77.
Routledge, Londres.
Salkovskis, P. M. e Warwick, H. M. C. (1988). “Cognitive therapy o f obsessive-
compulsive disorder”. In The Theory and Practice o f Cognitive Therapy (org.
C. Perris, I. M. Blackburn, e H. Perris) 376-95. Springer, Heidelberg.
Salkovskis, P. M. e Westbrook, D. (1989). “Behaviour therapy and obsessional
ruminations; can failure be turned into success?”. In Behavior Research and
Therapy, 27,149-60.
Turner, S. M. eBeidel, D. C. (1988). Treating Obsessive-Compulsive Disorder.
Pergamon, Nova York.
6. Depressão
Melanie J V Fennell

Introdução

A natureza da depressão

A depressão clínica é tão comum que foi chamada de “resfria­


do da psiquiatria” (Seligman, 1975). Em qualquer ponto deter­
minado do tempo, 15-20% dos adultos sofrem níveis significati­
vos de sintomatologia depressiva. Pelo menos 12% experimentam
depressão grave o suficiente para pedirem tratamento em algum
período em suas vidas, e estima-se que a depressão responda por
75% das internações psiquiátricas. Por razões que ainda não se
fizeram claras, o índice de depressão entre as mulheres nas nações
industrializadas ocidentais é aproximadamente duas vezes maior
do que aquele entre os homens (Brown e Harris, 1978). Parece
provável que nenhum fator isolado possa explicar a ocorrência da
depressão, mas sim que esta seja o resultado de uma interação en­
tre vários fatores diferentes. Já se mostrou que seu inicio e sua evo­
lução estão ligados a um grande número de variáveis biológicas,
históricas, ambientais e psicológicas. Estas incluem distúrbios no
funcionamento dos neurotransmissores, um histórico familiar de
depressão ou alcoolismo, perda ou negligência precoce dos pais,
eventos negativos e recentes da vida, um cônjuge crítico ou hostil,
ausência de um relacionamento de confiança, falta de apoio social
242 Terapia cognitivo-comportamental

adequado e falta de auto-estima a longo prazo. (Para um estudo re­


cente de epidemiologia, ver Boyd e Weissman.)
A depressão clínica como categoria diagnostica tem sido sub-
classificada de muitas maneiras. Em especial, têm sido feitas dis­
tinções entre distúrbios bipolares e unipolares, e entre depressões
endógenas e reativas (ou neuróticas). Neste capítulo, o termo “de­
pressão” será geralmente usado com referência ao distúrbio não-
bipolar, não-psicótico (isto é, não alucinado ou delirante), já que
esse é o tipo de distúrbio de humor para o qual a terapia cognitivo-
comportamental para a depressão foi planejada, e com o qual foi
mais extensamente testada. Nesse sentido, a depressão clínica é
bem diferente do declínio passageiro do humor experimentado pela
maioria das pessoas como uma reação normal à perda, e perturba
muitos aspectos do funcionamento. Quando as pessoas se tomam
clinicamente deprimidas, sentem-se tristes e freqüentemente cho­
rosas. São perturbadas por culpas, acreditando que estão decepcio­
nando os outros. Podem se tornar mais irritáveis do que o normal,
mais ansiosas e tensas. Quando a depressão está em seu ponto crí­
tico, podem perder a capacidade de reagir emocionalmente e achar
que os sentimentos bons e maus estão igualmente entorpecidos.
Fica difícil aproveitar as atividades normais ou se interessar por
elas. A energia está baixa, e tudo parece exigir esforço. Assim, ten­
dem a se afastar daquilo que normalmente costumavam fazer, e
podem passar horas encolhidas numa cadeira ou deitadas na cama.
Os prazeres comuns, como 1er jom al ou ver televisão tomam-se
difíceis e pesados, pois é difícil concentrar-se ou lembrar-se daqui­
lo que foi lido ou dito. Tomam-se preocupadas com o quanto se
sentem mal e com as dificuldades aparentemente insolúveis com
as quais deparam. Mesmo as funções básicas do corpo podem ser
perturbadas. Dormir fica difícil, o apetite diminui, o desejo sexual
desaparece. De maneira mais perigosa, pode parecer, à medida que
o tempo passa, que não haverá nenhum fim para esse estado, que
nada pode ser feito para mudar as coisas para melhor. Desse modo
a desesperança cresce, e pode levar a um desejo de morrer, a pen­
samentos de suicídio. Entre aqueles gravemente deprimidos, 15%
acabam por cometer suicídio (Coryell e Winokur, 1982).
Na maioria dos casos, a depressão ocorre por um tempo limi­
tado. Episódios não tratados geralmente se resolvem num prazo de
Depressão. 243

três a seis meses. Entretanto, a recaída é freqüente, e aproximada­


mente 15-20% das pessoas seguem uma evolução crônica. Por isso,
o tratamento deve visar não só acelerar a recuperação do episódio
atual, mas também manter as melhoras e, se possível, reduzir a pro­
babilidade de recorrência. Essa preocupação tem estimulado o de­
senvolvimento de tratamentos psicológicos destinados a ensinar
aos pacientes habilidades ativas para o manejo da depressão.

O desenvolvimento de tratamentos
psicológicos para a depressão

Os últimos dez anos testemunharam o rápido desenvolvimento


de uma série de tratamentos psicológicos a curto prazo para a de­
pressão (Rush, 1982). Até meados dos anos 70, as conceitualizações
psiquiátricas do distúrbio viam os déficits comportamentais e cogni­
tivos presentes na depressão como conseqüências de um distúrbio
primário no humor, e não como alvos adequados para tratamento
por suas características próprias. Na esfera da psicologia clínica, a
depressão foi foco de uma crescente especulação teórica (por exem­
plo, Lazarus, 1988; Costello, 1972; Ferster, 1973; Lewinsohn 19746;
Seligman, 1975), mas as tentativas de compreender sua fenomeno-
logia e seu processo ainda não levaram ao desenvolvimento de pro­
gramas de terapia sofisticados, coerentes e baseados na prática.
A eficácia clínica de uma série de pacotes de tratamentos com­
portamentais e cognitivo-comportamentais tem sido demonstrada
desde então. A terapia cognitivo-comportamental para depressão,
como desenvolvida por Beck e seus colegas na Filadélfia (Beck,
Rush, Shaw e Emery, 1979), é no momento uma das mais ampla­
mente adotadas, extensivamente avaliadas e influente de todas. Em
sua melhor acepção, a terapia cognitivo-comportamental com­
preende um complexo entrelaçamento de técnicas cognitivas e com­
portamentais. Estas incluem, até certo ponto, intervenções defen­
didas por outros estudiosos, como a programação de eventos agra­
dáveis (por exemplo, Lewinsohn, Sullivan e Grosscup, 1982) e a
reavaliação de padrões disfuncionais de comportamento (por exem­
plo, Rehm, 1982) e de atribuções depressivas (por exemplo, Abram­
son, Seligman e Teasdale, 1978).
244 Terapia cognitivo-comportamental

Experiência (anterior)

Formação de suposições disfuncionais

Incidentes(s) crítico(s)

Ativação das suposições

Pensamentos automáticos negativos

Sintomas de depressão

Comportamentais Somáticos

Motivacionais Cognitivos
Afetivos

Figura 6.1 O modelo cognitivo da depressão

O m odelo cognitivo da depressão

O modelo cognitivo da depressão de Beck (Beck, 1967, 1976)


é ilustrado esquematicamente na Figura 6.1. Sugere que a experiên­
cia leva as pessoas a formar suposições ou concepções gerais sobre
si mesmas e o mundo, as quais são subseqüentemente usadas para
se organizar a percepção e orientar e avaliar o comportamento. A
capacidade de prever e compreender nossas experiências é útil e, na
Depressão 245

verdade, necessária para o funcionamento normal. Algumas supo­


sições, entretanto, são rígidas, extremas, resistentes à mudança e,
portanto, “disfuncionais” e contraproducentes. Essas suposições di­
zem respeito, por exemplo, àquilo de que as pessoas necessitam
para serem felizes (por exemplo: “Se alguém tem uma opinião
negativa a meu respeito, não posso ser feliz”), e àquilo que é preci­
so fazer para se considerarem dignas de valor (por exemplo: “Devo
ir bem em tudo aquilo que me proponho a fazer”). As suposições
disfuncionais por si só não justificam o desenvolvimento da de­
pressão clínica. O problema surge quando ocorrem incidentes críti­
cos que se enredam no próprio sistema de crenças da pessoa. Desse
modo, a crença de que o valor pessoal depende inteiramente do
sucesso pode levar à depressão quando da ocorrência do fracasso, e
a crença de que ser amado é essencial para a felicidade poderia
desencadear a depressão após um episódio de rejeição.
Uma vez ativadas, as suposições disfuncionais produzem um
aumento repentino dos “pensamentos automáticos negativos” -
“negativos” por serem associados às emoções desagradáveis, e
“automáticos” por emergirem de súbito na mente das pessoas, ao
invés de serem o produto de qualquer processo deliberado de ra­
ciocínio. Esses pensamentos podem ser interpretações de expe­
riências atuais, previsões de eventos futuros ou lembranças de fa­
tos que ocorreram no passado. Estes, por sua vez, levam a outros
sintomas da depressão: sintomas comportamentais (por exemplo,
níveis mais baixos de atividade, retraimento); sintomas motivacio-
nais (por exemplo, perda de interesse, inércia); sintomas emocionais
(por exemplo, ansiedade, culpa); sintomas cognitivos (concentra­
ção fraca, indecisão), e sintomas físicos (por exemplo, perda de
apetite, perda de sono). À medida que a depressão se desenvolve,
os pensamentos automáticos negativos se tomam cada vez mais
freqüentes e intensos, e mais pensamentos racionais vão sendo
gradualmente forçados a desocupar a mente. Esse processo tem
seu percurso facilitado pelo desenvolvimento de um humor depri­
mido, cada vez mais difuso. Forma-se, assim, um círculo vicioso.
Por um lado, quanto mais deprimida a pessoa ficar, mais pensa­
mentos depressivos vão lhe ocorrer, e mais ela acreditará neles.
Por outro lado, quanto mais pensamentos depressivos lhe ocorre­
rem, mais ela acreditará neles e mais deprimida irá tomar-se.
246 Terapia cognitivo-comportamental

O terapeuta cognitivo interrompe esse círculo vicioso ao ensi­


nar os pacientes a questionar os pensamentos automáticos negati­
vos, e então desafiar as suposições nas quais estão baseados. O
restante do capítulo descreverá de que modo isso pode ser feito.
Primeiro, entretanto, vale mencionar dois pontos gerais acerca do
modelo cognitivo:

1. O modelo foi primeiramente desenvolvido, e tem sido mais


extensivamente estudado com relação à depressão. Entretanto, não
se mostra somente relevante para a depressão ou, na verdade, so­
mente para distúrbios emocionais de intensidade clínica. Distorcer
informações que chegam, paralelas às estruturas conceituais pree­
xistentes, não é anormal em si mesmo (Nisbett e Ross, 1980; Hollon
e Kriss, 1984). Não há, então, nenhuma diferença qualitativa entre
os processos mentais da maioria dos pacientes deprimidos e os da­
queles que procuram tratá-los; mais exatamente, a depressão exa­
gera e intensifica processos presentes em todos nós. Um reconhe­
cimento desse fato pode ser importante para a formação de um
relacionamento de igualdade e cooperação entre o terapeuta e o
paciente.

2. O fato de que as cognições influenciam o humor não implica


que o pensamento negativo cause a depressão. A depressão pode ser
considerada como um caminho final comum para uma série de va­
riáveis biológicas, evolucionárias, sociais e psicológicas de predis­
posição e precipitação. O pensamento depressivo não causa a de­
pressão; é parte dela. As cognições podem, todavia, ter alguma prio­
ridade temporal no desenvolvimento do distúrbio do humor, poden­
do agir para desencadear, incrementar e manter outros sintomas. Por
essa razão, constituem um ponto ideal para a intervenção.

Terapia cognitivo-com portam ental para


a depressão: características gerais

A terapia cognitivo-comportamental constitui “uma aborda­


gem ativa, diretiva, por tempo limitado, estruturada [...] baseada no
fundamento lógico teórico subjacente de que o afeto e o comporta-
247
Depressão.

mento do indivíduo são amplamente determinados pela maneira


como ele estrutura o mundo” (Beck et al., 1979, p. 3). Ela é:

• baseada no modelo cognitivo coerente de distúrbio emocional aqui de­


lineado, e não simplesmente uma miscelânea de técnicas sem nenhum
fundamento lógico unificador;
• baseada em uma cooperação terapêutica sólida, sendo o paciente expli­
citamente identificado como um parceiro com iguais atribuições numa
abordagem de equipe que tem por objetivo a solução de problemas;
• breve e de tempo limitado, incentivando os pacientes a desenvolver
habilidades independentes de auto-ajuda;
• estruturada e diretiva;
• voltada para o problema e concentrada em fatores mantenedores das
dificuldades, e não em suas origens;
• dependente de um processo de questionamento e “descoberta orienta­
da” (Young e Beck, 1982), e não de persuasão, doutrinação ou debate;
• baseada em métodos indutivos, de forma a que os pacientes aprendam
a considerar pensamentos e crenças como hipóteses cuja validade se
presta a ser testada;
• educativa, apresentando técnicas cognitivo-comportamentais como
habilidades a ser adquiridas através da prática e transferidas para o
contexto do paciente através de exercícios de casa.

A terapia cognitivo-comportamental pode ser conceitualizada


como um tipo de resolução de problemas. Os pacientes se apresen­
tam com uma série de problemas, incluindo a própria depressão. O
pensamento depressivo os impede de resolvê-los. Lidar-se com
os pensamentos automáticos negativos constitui, então, um meio
para se alcançar um fim, e não um fim em si mesmo: a meta da te­
rapia é encontrar soluções para os problemas dos pacientes utili­
zando estratégias cognitivo-comportamentais, e não simplesmente
ajudar o paciente a pensar de forma mais “racional”. A meta ime­
diata é o alívio do sintoma. A longo prazo, as mesmas estratégias
são utilizadas para solucionar problemas da vida (como as dificul­
dades situacionais ou de relacionamento) e evitar, ou pelo menos
atenuar, futuros episódios de depressão.
Na maioria dos protocolos de pesquisa, um máximo de vinte
sessões com duração de 1 hora é oferecido, duas vezes por semana
pelas primeiras três ou quatro semanas, a fim de proporcionar o
248 Terapia cognitivo-comportamental

impulso e combater a desesperança, e uma vez por semana a partir


de então. Na prática, o número de sessões necessárias varia consi­
deravelmente. Algumas pessoas, sobretudo aquelas que claramen­
te enfrentaram bem as dificuldades da vida antes de ficarem depri­
midas, respondem bem a cinco ou seis sessões altamente estru­
turadas e educativas. Outras, cujas dificuldades são existentes há
muito, podem precisar das vinte sessões completas, ou mais
(Fennell e Teasdale, 1987a). A freqüência das sessões também po­
de variar de acordo com a necessidade. Sessões semanais comple­
tas são suficientes no caso de depressões menos incapacitadoras.
Por outro lado, os pacientes hospitalizados com depressão profun­
da, concentração fraca e baixos níveis de atividade podem, no iní­
cio do tratamento, beneficiar-se de sessões diárias breves (por
exemplo, 20 minutos) que se concentram em tarefas comporta­
mentais específicas. Qualquer que seja o número e a freqüência
das sessões, deve ficar claro desde o início que se espera que o
paciente desenvolva habilidades independentes de auto-ajuda, e
que o terapeuta só estará disponível por um período limitado.

Seleção de pacientes para a terapia


cognitivo-com portam ental

As perguntas a seguir pretendem constituir diretrizes para se


decidir sobre a-administração ou não da terapia cognitivo-compor-
tamental a um determinado paciente:

O paciente está deprimido?

Experimentos controlados de resultado de tratamento demons­


traram a eficácia da terapia cognitivo-comportamental em pacien­
tes ambulatoriais não-psicóticos (por exemplo, não alucinados ou
delirantes), não-bipolares de acordo com critérios de diagnóstico
formal para os Distúrbios Depressivos Mais Graves. Os Critérios
de Diagnóstico de Pesquisa (Spitzer, Endicott e Robins, 1978), por
exemplo, exigem um diagnóstico definitivo: pelo menos duas se-
Depressão. 249

manas de humor deprimido persistente ou anedonia difusa; pelo


menos cinco de oito outros sintomas psicomotores, cognitivo-afe-
tivos, motivacionais e somáticos, e uma debilitação significativa
do funcionamento global. Embora tais critérios proporcionem di­
retrizes úteis para se determinar se uma pessoa está deprimida, os
pacientes não devem ser rejeitados simplesmente por não se apre­
sentarem com o número necessário de sintomas.

Qual é a natureza da depressão?

Beck et al. (1979) sugeriram que tratamentos-padrão, como a


hospitalização e a medicação, devem ser usados no caso de depres­
sões muito graves, com alto risco de suicídio e bipolares. Rush e
Shaw (1983) acrescentaram que a terapia cognitivo-comportamen-
tal não apresenta probabilidade de êxito no caso de depressões
endógenas e melancólicas. Entretanto, não há nenhum indício cla­
ro, até o momento, de que um padrão de sintoma endógeno seja
prognóstico de uma resposta fraca (Blackburn, Bishop, Glen,
Whalley e Christie, 1981; Kovacs, Rush, Beck e Hollon, 1981). É
possível que os métodos cognitivo-comportamentais possam ser
usados (em combinação com os tratamentos físicos e a hospitali­
zação) para controlar os sintomas e as conseqüências de depres­
sões mais biológicas, da mesma forma que têm sido usados para se
controlar a dor e a incapacitação física. Na prática, o tratamento
físico e a terapia cognitivo comportamental podem ser combina­
dos, ainda que possam surgir problemas se o paciente deixar de
fazer uso de metódos psicológicos devido à atribuição da melhora
à medicação.

Qual a gravidade da depressão?

A avaliação da gravidade é importante, pois pode apontar


para uma necessidade de tratamento físico alternativo (ou conco­
mitante) ou hospitalização, e devido ao fato de a gravidade deter­
minar quais sintomas e técnicas constituem o foco inicial do trata­
mento. O Inventário Beck para a Depressão (BDI; Beck, Ward,
Mendelsohn, Mock e Erbaugh, 1961), uma escala com vinte e um
250 Terapia cognitivo-comportamental

itens de auto-avaliação, permite uma rápida avaliação da sintoma­


tologia global, podendo ser rotineiramente completada pelos pa­
cientes antes de cada sessão. As notas podem ser categorizadas da
seguinte maneira: menos de 10 = não deprimido; 10-19 = leve­
mente deprimido; 20-25 = moderadamente deprimido; 26 ou mais
= gravemente deprimido. De forma alternativa, a gravidade pode
ser avaliada através do uso de dados da entrevista, como a intensi­
dade e extensão do humor deprimido, a reação a fatos externos, a
proporção dos déficits comportamentais e o grau de perturbação
do funcionamento normal.

O paciente menciona cognições depressivas?

Os terapeutas devem procurar indícios da “tríade negativo-


cognitiva” considerada por Beck como central à depressão (p.
273). Deve-se ter o cuidado especial de levar o paciente a reportar
a desesperança, as intenções suicidas e as expectativas negativas
com relação ao tratamento, já que a abordagem desses indícios
deve constituir uma prioridade.

Qual a disposição do paciente em aceitar


os fundamentos lógicos do tratamento?

Os pacientes que reconhecem a importância dos fundamentos


lógicos do tratamento para suas próprias experiências (“Sim, este é
o meu caso”), e que estão dispostos a experimentar as técnicas
cognitivo-comportamentais, talvez respondam melhor ao trata­
mento do que aqueles que rejeitam a relevância pessoal do modelo
(por exemplo, “Sei aonde quer chegar, mas não vejo como isso se
aplica ao meu caso”), negando que este lhes possa ser de alguma
utilidade (Fennell e Teasdale, 1987a).

Qual a capacidade do paciente em estabelecer


um relacionamento equitativo e cooperativo?

É difícil aplicar a terapia cognitivo-comportamental como


um tratamento breve, focalizado e de resolução de problemas se
Depressão 251

o paciente apresentar dificuldades significativas de trabalhar


como membro de um a equipe. Os problemas incluem o medo de
revelar pensamentos e sentimentos, a insistência em resolver
sozinho e a crença de que o terapeuta deve realizar todo o traba­
lho. Tais dificuldades não implicam necessariamente a contra-
indicação da terapia cognitivo-comportamental, mas afetarão a
m aneira como é realizada, podendo exigir uma intervenção dire­
ta. Por exemplo, nas primeiras sessões o terapeuta pode precisar
concentrar-se mais em estabelecer o relacionamento do que em
ensinar ao paciente habilidades técnicas de terapia. Também
pode ser necessário trabalhar explicitamente para se ajudar o
paciente a identificar e reavaliar pensamentos e suposições que
impeçam a cooperação ativa, como, por exemplo, “Se eu lhe con­
tar como realmente me sinto, ela vai me rejeitar”, ou “É seu tra­
balho fazer com que eu melhore sem nenhum esforço de minha
parte”.

Quão extenso é o repertório existente de habilidades


de enfrentamento de que o paciente dispõe?

Os pacientes com um bom repertório de habilidades compor­


tamentais e cognitivas de enfrentamento talvez respondam mais
rápida e completamente à terapia cognitivo-comportamental do
que aqueles desprovidos de tal repertório (Simons, Lustman, Wet­
zel e Murphy, 1985). Isso pode se dar devido ao fato de aceitarem
prontamente os fundamentos lógicos do tratamento (ver também
Fennell e Teasdale, 1987a), ou porque ao tratamento compete ape­
nas restabelecer habilidades já existentes que foram perturbadas
pela depressão, em vez de ensinar comportamentos adaptativos
completamente novos. Isso mencionado, a atenção agora se volta
cada vez mais para o uso da terapia cognitivo-comportamental em
depressões mais graves, crônicas e recalcitrantes (por exemplo,
Shaw, citado em Beck et al., 1979, p. 392; Fennell e Teasdale,
1982; De Jong, Triebe e Henrich, 1986).
252 Terapia cognitivo-comportamental

A estrutura das sessões de tratam ento

A entrevista inicial

Uma descrição breve da primeira entrevista de tratamento pode


ser encontrada no Quadro 6.1. A entrevista, que normalmente leva
de uma a uma hora e meia, vem depois de uma avaliação de diag­
nóstico e avaliação de adequação para tratamento, como já deli­
neados. Seu objetivo primordial, visando estimular a esperança,
consiste em iniciar a terapia ativa imediatamente, e proporcionar
ao paciente a experiência da estrutura e do processo do tratamento
cognitivo-comportamental. As principais tarefas do terapeuta são:

1. Avaliação das dificuldades atuais

Nesta fase, não é necessário saber tudo a respeito do paciente.


Em particular, os dados de seu histórico, coletados nas avaliações
psiquiátricas formais de rotina (detalhes de família de origem, his­
tórico escolar, etc.), só serão incluídos quando obviamente rele­
vantes para o funcionamento atual. O objetivo é obter um quadro
geral da situação presente do modo como o paciente a vê. Isso en­
volve identificar os problemas principais e coletar informações
suficientes sobre o seu início, evolução e contexto (circunstâncias
existentes, recursos, apoio social, etc.) e sobre pensamentos auto­
máticos negativos associados, para que o terapeuta elabore uma
formulação preliminar do caso, orientado pelo modelo cognitivo
da depressão. Um exemplo de formulação pode ser encontrado na
Figura 6.2. Essa formulação (que é compartilhada com o paciente)
constitui, essencialmente, uma hipótese que será validada durante
o tratamento à medida que mais informações venham à luz. Real­
mente, em muitos casos os dados necessários para uma formula­
ção completa (sobretudo informações sobre suposições funda­
mentais e as experiências anteriores que levaram à sua formação)
só se tom am disponíveis quando o tratamento já está numa fase
avançada de seu andamento.
A avaliação das dificuldades atuais é sintetizada em uma “lis­
ta de problemas” feita em conjunto com o paciente. Um exemplo
253
Depressão

Quadro 6.1 A estrutura da entrevista inicial

1. Avaliação das dificuldades atuais


Sintomas
Problemas vitais
Pensamentos negativos associados
Início/evolução/contexto da depressão
Desesperança/pensamentos suicidas

-*• lista de problemas estabelecida de comum acordo

2. Definição de metas
3. Apresentação dosfundamentos lógicos do tratamento
Detalhes práticos
Círculo vicioso de pensamentos negativos e depressão
Possibilidade de mudança
4. Início do tratamento:
Específico: Selecionar primeira meta do tratamento
chegar a um consenso quanto aos exercícios de casa apropriados
Geral: Proporcionar ao paciente experiência do estilo da terapia cogniti­
vo-comportamental

Metas gerais:
Estabelecer o relacionamento
Evocar esperança
Proporcionar ao paciente uma compreensão preliminar do modelo
Estabelecer um esquema de trabalho para testá-lo na prática

se encontra no Quadro 6.2. A lista normalmente incluirá dois tipos


de problema: os sintomas da depressão e “problemas vitais”. O
último se refere a problemas outros que não a depressão em si, e
que podem estar mais ou menos intimamente ligados a ela. Por
exemplo:

( 1) problemas práticos (como moradia precária ou desemprego);


(2) problemas interpessoais (como dificuldades em estabelecer
relacionamentos íntimos e de confiança); e
(3) problemas intrapessoais (como a falta de autoconfiança exis­
tente antes do início da depressão clínica).
254 Terapia cognitivo-comportamental

Experiência passada
Comparações desfavoráveis com a irmã gêmea
O pai (seu principal esteio) morre

1
Suposições disfuncionais
Sou inferior como pessoa
Meu valor depende do que as pessoas pensam a meu respeito
A menos que faça o que as outras pessoas querem, serei rejeitada por elas

1
Incidente crítico
Casamento fracassa

Pensamentos automáticos negativos


É tudo minha culpa - Estraguei tudo
Não sou capaz de conduzir minha vida
Ficarei sozinha para sempre - será horrível

Sou estúpida

Sintomas
Níveis baixos de atividade, retraim ento social
C o m p o r t a m e n t a is :

Perda de interesse e prazer, tudo significa um esforço, procrastinação


M o t iv a c io n a is :
A f e t i v o s : Tristeza, ansiedade, culpa, vergonha

C o g n it iv o s : Concentração fraca, indecisão, rum inações, autocrítica, pensam entos suicidas


S o m á t i c o s : Perda de sono, perda de apatite

Figura 6.2 O modelo cognitivo da depressão: Sra. R


Depressão 255

Quadro 6.2 Lista de problemas: Sra. R

1. Incapacidade de me expressar.
dificuldade em dizer “não”
dificuldade em discordar
dificuldade em dizer aquilo que quero quando os outros querem algo diferente
2. Sentir-se inferior como pessoa

3. Dificuldade em me adaptar ao fracasso de meu casamento:


Não serei capaz de lidar sozinha com as coisas práticas (contas, encontrar lugar
para morar, etc.)
Nunca encontrarei outro relacionamento satisfatório e duradouro

4. Depressão:
oprimida pelas exigências diárias
evitar pessoas
sentar-se pelos cantos ruminando
fazer nada
incapaz de se concentrar
não encontrar prazer em nada
etc.

5. Sentir-me deprimida por estar deprimida:


E minha culpa ter estragado tudo; eu mereço me sentir assim

O preparo de uma lista consensual de problemas proporciona


ao paciente a experiência imediata da terapia cognitivo-comporta-
mental como um empreendimento de cooperação. Isso ajuda o
terapeuta a compreender a perspectiva dos pacientes, e permite
que eles sintam que um esforço genuíno está sendo envidado para
se compreender suas realidades internas. O terapeuta faz sínteses
breves e freqüentes daquilo que foi dito, e solicita um feedback
para se certificar de que elas refletem de forma exata o que o pa­
ciente pretende transmitir. Por exemplo, “Deixe-me só verificar se
estou compreendendo. O primeiro problema é que perdeu seu em­
prego. Parece haver duas facetas do problema. Uma é que acredita
ser culpa sua o fato de ter perdido o emprego; você não era bom o
suficiente. A outra é que está tendo dificuldades em preencher o
seu tempo. Isso lhe parece próximo do que disse?”. Como discuti­
do no Capítulo 12, a lista de problemas também impõe ordem ao
256 Terapia cognitivo-comportamental

caos. Um aglomerado de experiências perturbadoras é reduzido a


um número de dificuldades relativamente específicas. Esse pro­
cesso de “redução de problema” é crucial para o encorajamento da
esperança, uma vez que implica a possibilidade de controle. A lista
de problemas no Quadro 6.2, por exemplo, enumera uma série de
itens intitulados “sintomas da depressão”. A paciente, que apre­
sentou cada sintoma como um problema separado, se sentia opri­
mida pelo número excessivo de suas dificuldades. A elaboração de
uma lista de problemas reduziu esse catálogo aparentemente infin­
dável a diferentes aspectos de um único problema (ver Capítulo 12
para maiores detalhes sobre o preparo de listas de problemas).
É crucial, quando se trabalha com pacientes depressivos, asse-
gurar-se de que a desesperança e os pensamentos e intenções suici­
das sejam evocados na entrevista inicial. Os pensamentos suicidas
podem não ser admitidos prontamente e, quando a desesperança se
faz presente, devem ser sempre investigados. Por exemplo:

Terapeuta: Parece que você vem se sentindo muito desanimada so­


bre as possibilidades de as coisas melhorarem.
Paciente: Sim, é verdade. Alguém me perguntou, outro dia, o que
eu faria quando meus fdhos fossem embora de casa. Então me
dei conta que não conseguia ver as coisas num futuro mais dis­
tante. Não vislumbro um fututro para mim mesma - pelo m e­
nos um futuro do qual se possa dizer que valha a pena.
T. : Então, parece que não há nada a se esperar?
P.: Exatamente.
T. : Algumas vezes, quando as pessoas se sentem assim, começam
a pensar que não há razão nenhuma para viver. Gostaria de
saber se alguma vez já sentiu isso.
P.: Para dizer a verdade, sim, já senti, sei que não deveria dizer
isso, mas já senti.
T.: E já chegou a ponto de pensar em pôr fim à própria vida?
P. : Sim, já cheguei a esse ponto. Penso nisso com certa freqüência.

Uma vez admitido o intento suicida, a gravidade do problema


deve ser avaliada através da obtenção de mais detalhes, para se
saber se foram feitos planos ou não, o que impede que a pessoa
leve essa idéia a efeito, e assim por diante. Quando a desesperança
extrema e os pensamentos suicidas se fazem presentes, devem
257
Depressão

constituir o primeiro ponto para a intervenção. Os terapeutas às


vezes acham que não devem mencionar o suícidio para evitar a
sugestão dessa idéia aos pacientes. Na verdade, falar abertamente
sobre isso quase sempre constitui um alívio. Em geral, o suicídio é
uma resposta ao pensamento de que a situação da pessoa é intole­
rável, e de que nada pode ser feito para mudá-la. A autodestruição
representa, portanto, uma tentativa de resolução do problema. A
discussão abre caminho para o exame de soluções alternativas ou,
no mínimo, para um acordo no sentido de que a opção seja posta
de lado até que a terapia tenha tido a possibilidade de surtir algum
efeito. (Para uma discussão completa, ver Beck et al., 1979, Capí­
tulo 10; Burns, 1980, Capítulo 15.)

2. Definição de objetivos

Os objetivos com relação a cada área-problema são definidos


na Sessão 1. Perguntas úteis incluem: “Como gostaria que as coi­
sas fossem diferentes nessa área?”, e “Supondo-se que o tratamen­
to funcione, como as coisas serão diferentes com relação a esse
problema?”. Os objetivos freqüentemente mudam no decorrer do
tratamento. Alguns se mostram irrelevantes mais adiante; outros
precisam de alterações, e há também os novos objetivos que sur­
gem. Não obstante, a definição dos objetivos logo de início ajuda o
terapeuta a corrigir as expectativas irrealistas da terapia, propor­
ciona um padrão em relação ao qual o progresso pode ser monito­
rado e direciona a atenção para o futuro.

3. Apresentação dos fundam entos lógicos do tratamento

Os pacientes são informados a respeito de questões práticas


como o número, a duração e a freqüência das sessões, a utilização
de exercícios de casa, as providências para se estabelecer contatos
quando necessário, e coisas do gênero. O mais importante, porém,
é que os princípios centrais da terapia sejam colocados de forma
simples e clara. O primeiro destes é a idéia de que a depressão pode
ser entendida em termos da espiral viciosa de pensamentos negati­
vos e depressão já descrita. O segundo é o de que a mudança é pos­
258 Terapia cognitivo-comportamental

sível, isto é, o paciente pode aprender a “detectar” e testar pensa­


mentos depressivos, interrompendo o círculo vicioso ao encontrar
alternativas mais realistas e úteis a eles. Os pacientes não precisam
compreender plenamente as complexidades do modelo cognitivo,
nem aceitar sem reservas a perspectiva de que o tratamento vai
ajudá-los. Em vez disso, é preciso estabelecer um acordo operacio­
nal para que as idéias centrais da terapia possam levá-los a uma
compreensão de suas próprias experiências de depressão, e de que
estejam dispostos a submeter-se a essa terapia.
Esse acordo é alcançado ao se utilizar as informações forneci­
das pelo paciente quando da elaboração da lista de problemas,
visando demonstrar a relevância pessoal do modelo cognitivo, ao
se solicitar opiniões imediatas a respeito dos fundamentos lógicos,
ao facilitar a livre expressão de dúvidas e reservas, e ao estimular a
disposição de testar a eficácia da terapia na prática. Perguntas úteis
incluem: “O que acha da idéia de que os pensamentos depressivos
podem perpetuar a depressão?”, “Como acha que essas idéias po­
deriam se aplicar ao seu caso?”, e “Até que ponto imagina que o
tratamento lhe possa ser útil?”. A evocação de dúvidas e reservas é
particulamente importante quando se trata de pacientes que não
responderam a tratamentos anteriores. Nesse caso, talvez conve­
nha abrir espaço explicitamente para o ceticismo. Por exemplo:
“Sei que já fez outras tentativas de solucionar esses problemas, e
parece que não funcionaram. Suponho, então, que deve ter dúvidas
sobre suas possibilidades aqui. Se tiver dúvidas, ficaria muito
grato se me falasse a respeito delas, para que possamos trazê-las à
luz e examiná-las.” Quando as reservas são colocadas abertamen­
te, podem ser abordadas de maneira construtiva, mesmo que seja
só para reconhecer que a opinião do paciente tem valor (“Estou
muito satisfeito que tenha levantado essa questão”) e chegar a um
acordo quanto ao fato de que a melhor forma de verificar se a tera­
pia cognitivo-comportamental funciona é experimentá-la.

4. O início do tratamento

Especificamente, iniciar o tratamento significa identificar um


alvo para a intervenção imediata e chegar a um acordo sobre os
Depressão. 259

exercícios de casa a serem realizados antes da próxima sessão. De


modo mais geral, envolve a demonstração daquilo que a terapia
acarretará na prática, isto é, o enfoque de problemas específicos, a
exigência de uma cooperação ativa, e assim por diante. Eis algu­
mas tarefas que podem ser atribuídas depois da entrevista inicial:

(a) o paciente ouvir a fita cassete da sessão para se assegurar de


que as informações dadas realmente refletem sua situação
atual;
(b) a leitura de Coping with Depression (Beck e Greenberg, 1974),
um folheto produzido pelo Centro de Terapia Cognitiva da Fi­
ladélfia, que descreve o tratamento com mais detalhes;
(c) a monitoração de atividades e do humor; e
(d) a monitoração de pensamentos automáticos negativos.

Quadro 6.3 Estrutura das sessões de terapia subseqüentes

1. Estabelecer a agenda

2. Itens semanais:
exame dos eventos desde a última sessão
feedback da sessão anterior
revisão dos exercícios de casa:
resultados?
dificuldades?
o que foi aprendido?

3. O(s) tópico(s) mais importante(s) do dia:


estratégias específicas
problemas específicos
problemas a longo prazo
Enumerar por ordem de prioridade

4. Exercício(s) de casa:
tarefa?
fundamentos lógicos?
dificuldades previstas?

5. "Feedback":
compreensão?
reações?
260 Terapia cognitivo-comportamental

Sessões de terapia subseqüentes

Salvo raras exceções, as próximas sessões seguem o padrão


ilustrado no Quadro 6.3.

1. Estabelecer a agenda

O estabelecimento da agenda é introduzido no início da Ses­


são 2. Por exemplo: “Antes de começarmos, gostaria de fixar nos­
sa agenda para a sessão de hoje. Isso significa decidir o que pre­
tendemos trabalhar nesta sessão. A partir de hoje, faremos isso no
início de cada sessão. Dispomos de um tempo limitado a cada se­
mana, e a idéia é nos assegurarmos de que cobrimos o que parece
mais importante a cada um de nós. Que tal lhe parece?” Além da
enumeração dos principais tópicos do dia, a agenda automatica­
mente inclui um exame dos eventos desde a última sessão, feed­
back da sessão anterior e uma revisão dos exercícios de casa.

2. Itens semanais

Exame dos eventos. Esse exame deve ser breve mas suficiente para
mostrar ao terapeuta qual foi o andamento das coisas desde a últi­
ma sessão, e para permitir que questões e incidentes importantes
para a terapia sejam trazidos à luz.

“Feedback” da última sessão. Perguntas como: “Você pensou mais


sobre aquilo que discutimos da última vez?”, e “Quando teve tem­
po de pensar no assunto, o que achou de nossa última sessão?”
mostram aos pacientes que se espera que reflitam sobre a terapia e
aprendam com ela.

Revisão dos exercícios de casa. Esse item da agenda enfatiza a im­


portância da auto-ajuda, permite ao terapeuta identificar dificul­
dades e mal-entendidos que de outro modo poderiam passar desa­
percebidos, e oferece uma oportunidade de reforçar o funciona­
mento independente. Perguntas úteis incluem: “Quais foram os re­
sultados de seus exercícios de casa?”, “Que dificuldades encon-
261
Depressão

trou?”, “O que poderia fazer para superá-las no futuro?”, “O que


aprendeu?”, e “Como pode usar o que aprendeu para lidar com ou­
tros problemas?”.

3. Principais tópicos do dia

N a maioria das sessões, boa parte do tempo é destinada a


este item. Os tópicos principais, que são conjuntamente defini­
dos pelo terapeuta e pelo paciente, variam de semana a semana.
Deles fazem parte o trabalho com estratégias cognitivo-compor­
tamentais específicas (como aprender a questionar os pensamen­
tos automáticos negativos), com dificuldades específicas que
surgiram durante a semana (como a ocorrência de contratempos)
e com problemas de longa duração (como dificuldades conju­
gais), constituindo, todos, um enfoque contínuo ao longo de um
certo número de sessões. Quando vários tópicos parecem impor­
tantes, o terapeuta e o paciente decidem juntos sobre as priorida­
des. Do mesmo modo, quando questões não originalmente iden­
tificadas como itens constantes da agenda surgirem durante as
sessões, a decisão quanto a mudar a linha de ação ou continuar
com a linha previamente estabelecida será tomada de forma coo­
perativa. De maneira geral, é melhor ocupar-se completamente
de uma ou duas questões do que abordar várias de forma superfi­
cial e não chegar à conclusão de nenhuma. O que foi aprendido
ao se lidar acertadamente com uma dificuldade pode ser genera­
lizado às demais.

4. Exercício(s) de casa

As tarefas de auto-ajuda a serem desempenhadas entre as ses­


sões talvez sejam mais úteis se:

(a) resultarem logicamente daquilo que ocorreu durante a sessão;


(b) forem definidas de maneira clara e concreta, a fim de que o
êxito seja facilmente reconhecido (por exemplo, “ficar 5 mi­
nutos fazendo tricô todos os dias”, e não “tornar-se uma pes­
soa melhor já na próxima semana”);
262 Terapia cognitivo-comportamental

(c) ter um fundamento lógico explícito que seja compreendido e


aceito tanto pelo terapeuta quanto pelo paciente (por exemplo,
“para testar a idéia de que não sou capaz de fazer nada”, e não
“para ver o que acontece”); e
(d) forem estabelecidas como “situações não desperdiçadas ”, das
quais algo de útil venha a ser aprendido a despeito de se ter ou
não alcançado o resultado desejado.

A fim de reduzir as possibilidades de mal-entendidos, con­


vém que tanto o terapeuta quanto o paciente anotem qual é a tare­
fa e o que se pretende alcançar com ela (os fundamentos lógicos).
Da mesma forma, um registro por escrito daquilo que foi feito e
do resultado obtido deve ser mantido pelo paciente (utilizando-se,
por exemplo, as folhas de registro-padrão ilustradas nas Figuras
6.3 e 6.4).
Mesmo quando essas diretrizes são seguidas, a baixa motiva­
ção, a falta de interesse e a desesperança inevitavelmente determi­
narão se as tarefas de auto-ajuda serão realizadas (e como). Para
aumentar as probabilidades de sucesso convém antecipar, junto
com o paciente, as possíveis dificuldades, e trabalhar com antece­
dência uma estratégia para superá-las. Isso inclui a identificação e
confrontação de pensamentos automáticos negativos como “Não
vai funcionar” e “Não adianta” (ver “Estratégias cognitivo-com-
portamentais”, p. 273, sobre o modo como isso pode ser feito). De
forma semelhante, quando os pacientes não cumprem as tarefas
estabelecidas o terapeuta cognitivo age com base no pressuposto
de que pensamentos automáticos negativos como estes se interpu­
seram no caminho. Assim, a “não-adesão” toma-se um problema a
ser resolvido, e não uma falta de fibra moral ou uma provocação
por parte do paciente.

5. “Feedback”

A tarefa final do terapeuta consiste em obter o feedback das


reações do paciente à sessão como um todo. Primeiro, isso envolve
pedir-se aos pacientes que sintetizem aquilo que aprenderam. Por
exemplo: “Se abordar os problemas passo a passo, um pouco a
263
Depressão.

cada vez, serei capaz de lidar com eles”, “Descobri que não é que
não seja capaz de fazer nada, mas sim que penso não ser capaz de
nada”, “Quando a terapia tiver terminado, ainda serei capaz de en­
frentar as situações sozinho ao usar aquilo que aprendi”. Segundo,
significa verificar como os pacientes se sentem a respeito da ses­
são e, em particular, se algo os perturbou ou ofendeu. Deve ficar
claro ao paciente que o feedback honesto é sempre bem-vindo, não
importando o quanto seja negativo, uma vez que permite a elucida­
ção de mal-entendidos e ajuda o terapeuta a agir de acordo com as
necessidades do paciente.

Estratégias principais da terapia


cognitivo-com portam ental

As principais estratégias de tratamento utilizadas na terapia


cognitivo-comportamental estão resumidas no Quadro 6.4. Cada
uma será descrita por completo nas seções que se seguem. Na
maioria dos casos, sua progressão ocorre em ordem mais ou me­
nos cronológica, e a maior parte das sessões concentra-se na apli­
cação das habilidades cognitivo-comportamentais (Terceiro passo)
a uma série de problemas diferentes. Como regra empírica geral,
vale também assegurar-se de que cada estratégia esteja bem esta­
belecida antes de passar para a próxima. Isso colocado, os limites
entre as estratégias não são tão claros quanto o Quadro deixaria
entrever. É perfeitamente possível usar uma ou mais estratégias
conjuntamente. Da mesma maneira, em alguns casos só uma pe­
quena quantidade delas será colocada em prática (por exemplo, as
técnicas de distração talvez não devam ser usadas no caso de uma
pessoa capaz de questionar e testar de forma imediata e efetiva os
pensamentos automáticos negativos). De maneira geral, a escolha
da estratégia em qualquer ponto é determinada por uma avaliação
de quais déficits constituem alvos mais adequados para interven­
ção no momento. As perguntas a seguir podem ser úteis para se de­
cidir qual estratégia usar com que tipo de paciente, em que ponto
da terapia:
Terapia cognitivo-comportamental

Quadro 6.4 Principais estratégias da terapia cognitivo-comportamental

1. Estratégias cognitivas Técnicas de distração


Contagem de pensamentos

2. Estratégias comportamentais Monitoração de atividades, prazer


e domínio
Programação de atividades
Tarefas de casa gradativas

3. Estratégias cognitivo-comportamentais Identificação de pensamentos


automáticos negativos
Questionamento de pensamentos
automáticos negativos
Experimentos comportamentais

4. Estratégias preventivas Identificação de suposições


Confrontação de suposições
Utilização de contratempos
Preparação para o futuro

Qual a gravidade da depressão do paciente?

Quais déficits são mais proeminentes no momento? Quanto


mais grave a depressão, por exemplo, maior é a probabilidade de
que os pacientes tenham dificuldade de manter os níveis normais
de atividade. Se isso ocorrer, a monitoração e a programação de
atividades constituem a primeira prioridade, sobretudo porque os
períodos de inatividade propiciam um solo fértil para as rumina­
ções depressivas.

Em que ponto da terapia se encontra o paciente?

Em geral, é útil tomar por base conhecimentos e habilidades


existentes. Por exemplo, uma pessoa tem de saber como reconhe­
cer pensamentos automáticos negativos antes de aprender a testá-
los e questioná-los.
265
Depressão.

No momento, qual problema se mostra


mais perturbador para o paciente?

É essencial trabalhar problemas que os pacientes percebem


como relevantes às suas preocupações imediatas. Quando há dis­
sonância entre terapeuta e paciente quanto ao problema que deve
ser abordado em seguida, uma discussão aberta dos prós e contras
das opções disponíveis (ver p. 597) pode proporcionar uma solu­
ção que satisfaça a ambos. Um paciente extremamente deprimido,
por exemplo, queria trabalhar seu relacionamento difícil e penoso
com os pais imediatamente após iniciar o tratamento. O terapeuta,
por outro lado, acreditava que o paciente estaria em melhores con­
dições de lidar com esse problema de uma forma construtiva
depois que tivesse algum controle sobre sua depressão. Quando
examinaram os prós e os contras das duas opções, ficou claro que
as tentativas independentes de resolver o problema eram sempre
abaladas pelo humor muito deprimido que resultava em horas de
ruminações infrutíferas. Estabeleceu-se um acordo: nas sessões,
quando fosse “seguro”, o terapeuta e o paciente trabalhavam jun­
tos para desenredar o relacionamento-problema; entre as sessões,
o paciente dedicava suas energias ao desenvolvimento de habilida­
des de manejo da depressão. Se a diferença de opinião não tivesse
sido abertamente resolvida, as técnicas para alívio dos sintomas,
que de outra forma poderiam ter-se mostrado úteis, teriam sido
consideradas irrelevantes pelo paciente.

No momento, qual problema


se encontra mais aberto à mudança?

Para estimular a esperança e promover a adesão ao tratamento,


é crucial que as sessões de terapia e os exercícios de casa propor­
cionem experiências de sucesso (não importando suas dimensões)
que os pacientes possam atribuir a si mesmos, e que forneçam
indícios empíricos diretos de que a depressão pode ser controlada
através de seus próprios esforços. Isso é especialmente importante
no início do tratamento.
266 Terapia cognitivo-comportamental

Prim eiro passo: Estratégias cognitivas

Estas técnicas são apresentadas ao paciente como uma manei­


ra de reduzir o tempo dispendido com ruminações sempre que isso
estiver, claramente, levando a um aumento da perturbação, e não a
uma solução construtiva do problema. São particularmente úteis
no início do tratamento, antes que o paciente tenha se tomado apto
a encontrar alternativas aos pensamentos automáticos negativos.
Não produzem uma mudança cognitiva fundamental, mas, ao re­
duzirem a freqüência dos pensamentos depressivos, levam a me­
lhoras do humor que podem então ser usadas para facilitar a solu­
ção de problemas. Isso deve ser claramente explicado ao paciente.
Vejamos um exemplo:

Terapeuta: Quer dizer que no momento tem consumido muito tem­


po repassando os problemas em sua mente?
Paciente: Sim, tenho.
T. : E como isso a faz sentir-se?
P.: Terrível.
T.: O que acontece se conseguir se distrair, se concentrar em outra
coisa?
P. : Bem, acho isso muito difícil, mas, se consigo fazê-lo, me ajuda.
T.: Então, como se sentiria se aprendesse a afastar os pensamentos
de forma mais eficaz? O que acha que aconteceria se isso fosse
possível?
P. : Suponho que poderia me sentir melhor.
T.: Isso lhe parece viável, não é? Claro, os problemas não vão de­
saparecer simplesmente porque não está pensando neles. A
idéia é ter algum controle sobre o modo como se sente. Assim
irá constatar que, a longo prazo, poderá olhar para as coisas de
forma mais construtiva e sentir-se em melhores condições de
resolvê-las.

Alguns pacientes usam a distração como uma maneira de evi­


tar questões traumáticas (evitação cognitiva). Podem ser incentiva­
dos a avaliar as vantagens (sentir-se melhor a curto prazo) e desvan­
tagens (deixar de solucionar os problemas a longo prazo) dessa táti­
ca. Os pensamentos que impedem os pacientes de abordar questões
traumáticas (por exemplo, “Será demasiado difícil para mim”, ou
“Se eu me esquecer do problema, ele vai desaparecer”) podem ser
267
Depressão.

identificados e questionados da mesma maneira que qualquer outro


pensamento automático negativo (ver Terceiro passo mais adiante).

Técnicas de distração

Enfoque no objeto

Os pacientes são instruídos a concentrar a atenção em um obje­


to, descrevendo-o para si mesmos com o máximo de detalhes possí­
vel. Eis algumas sugestões de perguntas: “Onde exatamente ele se
encontra?”, “Qual o seu tamanho?”, “De que cor é?”, “Do que é fei­
to?”, “Exatamente quantos destes há?”, “Para que serve?”, etc.

Percepção sensorial

Os pacientes são instruídos a se concentrarem no ambiente ao


seu redor de forma global, utilizando a visão, a audição, o paladar,
o tato e o olfato. As sugestões de perguntas incluem: “O que exata­
mente vê se olhar ao redor? E o que mais? E o que mais?”, “O que
ouve? Dentro de seu corpo? Dentro da sala? Fora da sala? Fora do
prédio?”, “Que gosto sente?”, “O que está tocando? Pode sentir
seu corpo na cadeira? Pode sentir a roupa em seu corpo? Seu cabe­
lo? Seus óculos?”, “Que cheiro sente?”, etc.

Exercícios mentais

Isto inclui a contagem regressiva a partir de 1.000 em 7 se­


gundos, pensando em animais começando com cada letra do alfa­
beto por vez, lembrando-se de um passeio agradável com detalhes
- na verdade, qualquer atividade mental que ocupe a atenção.

Lembranças e fantasias agradáveis

Lembranças nítidas de prazeres passados (por-exemplo, férias


divertidas) e fantasias (por exemplo, o que os pacientes fariam se
ganhassem na loteria) podem ser usadas como elementos de dis­
tração. As desvantagens dessas lembranças remetem ao fato de
268 Terapia cognitivo-comportamental

que o acesso às lembranças agradáveis pode ser difícil (cf. Clark e


Teasdale, 1982), e que as cognições positivas são muito facilmente
suplantadas pelas negativas.

Atividades que ocupam a atenção

É importante selecionar atividades que ocupem a mente e o


corpo, como, por exemplo, fazer palavras cruzadas e quebra-cabe-
ças, ou jogar tênis. As que não requerem muito raciocínio podem
se tom ar mais interessantes quando combinadas com outras; por
exemplo, ouvir rádio enquanto se passa roupa.
Para começar, a concentração fraca em geral tom a difícil o
uso bem-sucedido dessas técnicas por um tempo que exceda os pe­
ríodos muito curtos. Com a prática, entretanto, elas vão bloquear as
ruminações de forma cada vez mais eficaz.

Contagem de pensamentos

A contagem de pensamentos (Bums, 1980, pp. 64-6) destina-


se a promover o distanciamento dos pensamentos negativos. Atra­
vés dela o paciente aprende a registrar a ocorrência de pensamentos
automáticos negativos (por exemplo, ao pressionar um contador de
golfe ou de tricô, ou ao fazer uma marca num cartão), e a deixá-los
de lado em vez de permitir que eles determinem seu humor. A des­
vantagem dessa técnica é que seu efeito imediato pode ser um au­
mento real ou aparente dos pensamentos automáticos negativos e,
assim, também da depressão, já que o paciente se toma cada vez
mais consciente dos pensamentos sem estar apto a modificá-los.

Segundo passo: Estratégias com portam entais

O objetivo de estratégias comportamentais como a monitora­


ção, a e programação de atividades e as tarefas de casa gradativas é
aumentar o envolvimento em atividades que elevem o humor. Essa
Depressão. 269

atividade não é muito diferente da “programação de eventos agra­


dáveis” (Lewinsohn, Munoz, Youngren e Zeiss, 1978, Capítulo 7).
Entretanto, as técnicas são apresentadas dentro da estrutura de um
fundamento lógico cognitivo, isto é, são usadas explicitamente
para testar pensamentos que obstruem o envolvimento em tais ati­
vidades, ou levam as pessoas a desmerecer ou desvalorizar aquilo
que fazem, ajudando-as assim a manter a depressão. (Ver, pp. 299-
310, um folheto que pode ser distribuído aos pacientes para expli­
car o uso de estratégias comportamentais.)

Atividades de monitoração

Um exemplo de uma folha completa de registro é ilustrado


na Figura 6.3. Pede-se aos pacientes que registrem o que fazem de
hora em hora e que avaliem cada atividade numa escala que vai
até 10, com relação ao prazer (P) e ao domínio (D). As avaliações
“P” mostram o quanto a pessoa encontrou prazer na atividade. As
avaliações “D ” mostram, a partir de como a pessoa se sentiu no
momento, o quanto a atividade representou em termos de con­
quista.
A automonitoração proporciona dados concretos sobre os
níveis gerais de atividade. Isso permite que o terapeuta e o paciente
testem pensamentos como “Não estou fazendo nada”. Tais pensa­
mentos podem ou não estar corretos. Se estiverem incorretos, o re­
gistro deixa isso claro. Se, por outro lado, encerrarem alguma verda­
de, a identificação de onde e como as dificuldades de envolvimento
surgem constitui um primeiro passo para se encontrar um padrão
mais satisfatório de atividade. A automonitoração também demons­
tra a relação entre humor e atividade. A avaliação de atividades es­
pecíficas ligadas ao prazer e ao domínio testa pensamentos como
“Nada do que faço faz alguma diferença quanto ao modo como me
sinto” (que pode refletir a incapacidade de perceber experiências
positivas) e “Nada que faço vale a pena” (que pode refletir a tendên­
cia depressiva de subestimar percepções positivas pelo fato de não
se ajustarem a certos padrões ou comportamentos nocionais). O
senso de domínio de uma pessoa deprimida é quase sempre deterio­
rado por pensamentos como “Bem, e então? E tudo que se pode
2 7 0 _______ Terapia cognitivo-comportamental

Nome

Segunda Terça I Quarta


9-10 Dormi Levantei-me, tomei Levantei-me, tomei
chá (P2, D5) chá (P2, D7)

10-11 Levantei-me, tomei Lavei a louça Voltei para a cama


chá (P2, D4) Ouvi rádio (P1,D4) (P0, DO)

11-12 Fiz compras Fiz compras Dormi


(P3, D3) (Pl, D3)

12-13 Procurei meu gato que Lavei roupa (PO, D4) Dormi
estava perdido
(PO, D10)
13-14 Sentei-me no jardim Ouvi rádi 3 Levantei-me
(P0, DO) (P1,D0) Almocei
(P2, D5)
14-15 Ouvi rádio no jardim Ouvi rádio
(Pl, D0) (Pl, D0)

15-16 Conversei com um


amigo (P5, Dl)
’’ '
16-17 Dei comida para os Dormi Assisti à te levisão
gatos (Pl, D0) (P1.D0)

17-18 Ouvi rádio (Pl, D0) Levei o gato ao


veterinário (PO, D6)
r
18-19 Assisti televisão Jantei (Pl, D4) Fui ao cinema
(Pl, D0) e jantei com
amigos
19-20 Jantei (Pl, D2) Assisti à te levisão
(Pl, D0)

20-24 Assisti à televisão


(Pl, D0)
\ 1r
Figura 6.3 Cronograma de atividade semanal: Sra. R
27 1
Depressão.

Início de semana em
Quinta Sexta Sábado Domingo

Dormi Dormi Dormi Dormi


Levantei-me
(PO, D4)

Levantei-me, tomei Levantei-me, tomei Dormi Ouvi rádio


chá (P3, D4) chá (P2, D6) Tomei chá (P3, DO)
Dei comida para os
gatos (PI, D2)
Fui ao banco e a Conversei com Levantei-me, café Li o jornal (P3, D3)
lojas (P3, D6) amiga (P5, D2) da manhã (P2, D4)

Ouvi rádio (P2, DO) Fui de carro encon­ Ouvi rádio (P4, DO) Telefonei a uma
trar um amigo para amiga a respeito de
almoçarmos (PI, D6) emprego (P5, D5)

Fui de carro até a Almocei com Fui às co mpras Li o jornal (P3, DO)
casa de amiga amiga (P5, D2) (P2.D2)
(P1,D5)

Visitei anliga que Visitei n inha mãe Passei roupa, ouvi


teve um t ebê (P4.M1) rádio (P3, Dl)
(P5, D l)
Li o jornal Conversei com
(P1,D3) irmã (P8, DO)
r
Discussão (PO, D6) Li livro (P2,D3) Compras com irmã
(P5,D4)

Cortei cabelo Limpei prataria Conversei com


(P5, D4) (P1,D5) irmã (P5, D2)
1r
Voltei de carro para Fui de carro até Jantei (P2, D3) Jantei (P3, D4)
casa (P2, D3) apartamento
Jantar (P2, D3)

Jantei (P3, D3) Bebi corr amigos Assisti te evisão Assisti te levisão
(P5.D1) (P3, Dl) (P3,D0)

Assisti televisão
(P3, DO)
\ r

Figura 6.3 (Cont.)


272 Terapia cognitivo-comportamental

esperar de mim”, e “Sim, mas costumava fazer muito melhor do que


isso”. Esses pensamentos não conseguem reconhecer que, na de­
pressão, as tarefas mais simples representam um enorme dispêndio
de esforço ao qual se deve dar pleno crédito. Assim, o reforço dispo­
nível é reduzido, o desencorajamento e a autocrítica aumentam, e os
níveis de atividade caem ainda mais. A introdução de um conceito
mais realista de domínio (isto é, que leve em consideração como o
paciente se sente, em vez de exigir um desempenho “normal”) cons­
titui uma parte crucial da remobilização.

A programação de atividades

Uma vez que estiverem disponíveis informações exatas sobre


o que os pacientes estão fazendo e qual o grau de satisfação que
depreendem de suas atividades, a programação é utilizada para se
planejar cada dia com antecedência, numa base de hora em hora. O
objetivo é aumentar os níveis de atividade e maximizar o domínio
e o prazer. Essa estratégia tem uma série de vantagens. Ela reduz
um aparente aglomerado esmagador de tarefas a uma lista exeqüí­
vel, remove a necessidade de tomar decisões repetidas (“O que
devo fazer agora?”), aumenta a probabilidade de que as atividades
sejam realizadas, incentiva um aumento da proporção de ativida­
des satisfatórias e aumenta o senso de controle dos pacientes sobre
suas vidas. As informações obtidas através desse cronograma po­
dem ser usadas para confrontar pensamentos automáticos negati­
vos como: “Nunca conseguirei terminar tudo”, “Não deveria gas­
tar tempo para me divertir” e outros do gênero (ver Terceiro passo
mais adiante). Em alguns casos, a programação propiciará um re­
torno ao funcionamento normal, não deprimido, tão-somente atra­
vés de aproximações sucessivas. De início, por exemplo, uma pes­
soa profundamente deprimida pode ser apenas capaz de planejar e
realizar atividades de meia hora por dia.

Tarefa de casa gradativa

Esta se refere à prática de aumentar as possibilidades de êxito


ao se desmembrar as tarefas em passos pequenos e exeqüíveis, cada
Depressão. 273

um dos quais sendo reforçado em razão de seu próprio mérito. Na


terapia cognitivo-comportamental, cada passo é facilitado pela
identificação e confrontação de obstruções cognitivas do progresso
(“Não serei capaz de fazer isso”, “É muito difícil para mim”, etc.).
A técnica pode ser usada para superar a procrastinação e ajudar os
pacientes a lidar com a inércia e enfrentar situações eliciadoras de
ansiedade. Os pacientes deprimidos freqüentemente referem a rei­
terada incapacidade de realizar tarefas às quais se haviam proposto,
usando esse fato como um sinal de inadequação e decadência pes­
soais. Isso talvez se deva ao fato de não terem ajustado seus parâ­
metros de modo a levarem em conta como se sentem, e de ainda
estarem esperando tanto de si mesmos, como se não estivessem
deprimidos. Os fracassos aparentes contribuem para a desesperan­
ça quanto à possibilidade de mudança. A tarefa de casa gradativa
contrapõe-se à desesperança ao incentivar os pacientes a reduzir as
tarefas a proporções exeqüíveis, a aumentar a freqüência de auto-
recompensa e a redefinir o sucesso realisticamente, levando em
conta como se sentem. .(Ver, na p. 304, folheto para pacientes con­
tendo instruções mais detalhadas sobre tarefa de casa gradativa.)

Terceiro passo: Estratégias cognitivo-com portam entais

A maior parte das sessões de tratamento e tarefas de casa se


destinam a ensinar o paciente a identificar, questionar e testar pen­
samentos automáticos negativos. Essas habilidades constituem a
essência da terapia cognitivo-comportamental, e são usadas para
reduzir a sintomatologia depressiva e, mais tarde, para abordar “pro­
blemas vitais”. (Um folheto para os pacientes fornecendo detalhes
sobre como identificar e questionar pensamentos depressivos se
encontra nas pp. 310-31.)

A natureza dos pensamentos automáticos negativos

O conteúdo do pensamento depressivo tem sido categorizado


(por exemplo, Beck, 1967) em termos de uma “tríade cognitiva”.
Esta compreende visões negativas
274 Terapia cognitivo-comportamental

( 1) do “eu” (por exemplo, “Sou inútil”);


(2) da experiência atual (por exemplo, “Nada do que faço dá
certo”); e
(3) do futuro (por exemplo, “Não vou melhorar nunca”).

Os pensamentos automáticos depressivos possuem uma série


de características que podem influenciar o modo como a terapia é
feita e afetar o relacionamento entre terapeuta e paciente. São ha­
bituais, e por este motivo podem ser de difícil identificação. São au­
tomáticos e involuntários, e, portanto, de difícil controle. São
plausíveis, e, especialmente quando acompanham emoções, inten­
sos, tornando-se, assim, de difícil confrontação. Finalmente, ocor­
rem em resposta a uma vasta gama de estímulos, inclusive a pró­
pria terapia. Então, qualquer conversa sobre terminar o tratamento
pode ser interpretada como rejeição (por exemplo, “Ela só quer se
livrar de mim”), e as tarefas de casa podem ser abandonadas por­
que o paciente antecipa um fracasso inevitável (por exemplo, “Vou
fazer errado”). Os pensamentos automáticos negativos que impe­
dem o envolvimento na terapia e resultam num progresso lento são
quase sempre semelhantes àqueles que impedem a recuperação
num sentido mais geral. Podem ser identificados e questionados
exatamente como qualquer outro pensamento automático negati­
vo. (Para uma discussão mais completa, ver Beck et al., 1979, Ca­
pítulos 14 e 15.)
Os pensamentos automáticos negativos são um produto de er­
ros de processamento através dos quais as percepções e interpreta­
ções de experiência são distorcidas. Estes incluem:

• Hipergeneralização, fazer julgamentos radicais com base em


ocasiões únicas. Assim, uma pessoa deprimida que cometeu um
erro poderia concluir: “Tudo que faço dá errado.”
• Abstração seletiva, prestar atenção somente aos aspectos negati­
vos das experiências. Assim, uma pessoa poderia afirmar: “Não
tive um momento de prazer hoje”, não porque isso seja verdade,
mas devido aos prazeres não terem ingressado na percepção
consciente.
• Raciocínio dicotômico, pensar em extremos. Assim, um paciente
pode depreciar um desempenho quase perfeito, pois “Se não pos­
so fazê-lo 100% correto, não há razão nenhuma para fazê-lo”.
Depressão_______________________________________________________

• Personalização, assumir a reponsabilidade por coisas que te­


nham pouco ou nada a ver com si mesmo. Assim, uma pessoa
deprimida que não conseguiu chamar a atenção de um amigo na
m a poderia pensar: “Devo ter feito alguma coisa que o ofendeu.”
• Inferência arbitrária, tirar conclusões precipitadas com base em
indícios inadequados. Assim, alguém que teve problemas com
uma primeira tarefa de casa poderia concluir: “Essa terapia nun­
ca vai dar certo comigo.”

Os pensamentos automáticos negativos estão relacionados à


completa variedade de sintomatologia depressiva. Os sintomas
comportamentais e motivacionais estão associados a uma expecta­
tiva de resultados negativos (por exemplo, “Não posso fazê-lo”).
Os sintomas afetivos relacionam-se a cognições que diferem em
conteúdo, de acordo com a natureza do impacto percebido no do­
mínio pessoal. A tristeza, por exemplo, está associada a pensa­
mentos de perda (por exemplo, “Tudo o que, mais valorizava se
foi”), a ansiedade a pensamentos de risco ou ameaça (ver Capítulo
3). Os sintomas cognitivos podem ser precipitados ou intensifica­
dos pelos pensamentos automáticos negativos. Desse modo, as
ruminações sobre problemas atuais podem dificultar a concentra­
ção e a memória, levando a mais pensamentos perturbadores (por
exemplo, “Minha mente está se esvaindo”). De forma semelhante,
os sintomas somáticos podem ser intensificados por interpretações
negativas de sua significância (por exemplo, “Se eu não dormir,
enlouquecerei”).

Identificar pensamentos automáticos negativos

Em geral, os pacientes primeiro praticam a identificação de


pensamentos automáticos negativos junto com o terapeuta, e de­
pois desenvolvem suas habilidades através de tarefas de casa de
automonitoração. O Registro de Pensamentos Negativos ilustra­
do na Figura 6.4 pode ser rotineiramente usado com essa finali­
dade. Os títulos das colunas na folha de registro funcionam como
um guia para a seqüência de passos envolvidos. O paciente é ins­
truído a:
Figura 6.4 Registro de pensamentos disfiincionais: Sra. R
277
Depressão.

( 1) identificar as emoções desagradáveis;


(2) identificar a situação em que estas ocorrem; e
(3) identificar os pensamentos automáticos negativos associados.

Esses passos serão agora descritos com mais detalhes:

Identificar emoções desagradáveis

A mudança de humor para uma direção negativa é um sinal de


que os pensamentos automáticos negativos estão presentes (é ge­
ralmente mais fácil para os pacientes notar mudanças no modo
como se sentem do que monitorar os pensamentos diretamente).
Os pacientes registram quais são as emoções (por exemplo, triste­
za, raiva, culpa) e as avaliam quanto à sua intensidade numa escala
de 0-100. Uma avaliação que confere 100 significa que a emoção
está em seu grau máximo; 50, que é moderadamente forte, e assim
por diante. A intensidade da emoção e da crença nos pensamentos
automáticos negativos (ver adiante) são avaliadas porque os pensa­
mentos de confrontação raramente destroem a crença neles ou re­
movem a perturbação à qual são associados imediata e completa­
mente. As escalas de avaliação tornam as pequenas mudanças
óbvias. Entretanto, algumas pessoas não as apreciam, em geral por
terem se tomado demasiado conscienciosas quanto à exatidão (“E
agora, será 73 ou 74?”) ou por sentirem que os números tomam o
processo de terapia mecânico. Se isso ocorrer, pode ser preciso
elaborar outra maneira de medir a mudança; por exemplo, avaliar
se o paciente se sente melhor, pior ou da mesma maneira depois de
contestar determinados pensamentos.

Identificar a situação-problema

Os pacientes descrevem brevemente a situação em que as


emoções ocorreram, indicando o que estavam fazendo (por exem­
plo, “conversando com meu marido” ou “assistindo à TV”) ou o
tema geral no qual estavam pensando (por exemplo, “pensando so­
bre minha sogra vir passar o fim de semana conosco” ou “preocu­
pado com o modo como me sinto”).
27 8 Terapia cognitivo-comportamental

Identificar pensamentos automáticos negativos associados

Os pacientes registram o que se passava por suas cabeças quan­


do começaram a se sentir mal, e avaliam as suas crenças em cada
pensamento segundo uma escala de 0-100. Um avaliação que con­
fere 100 significa que estão totalmente convencidos; 50, que ape­
nas acreditam no pensamento pela metade, e assim por diante. Os
pensamentos automáticos negativos não incluem só os pensamen­
tos em palavras, mas também em imagens (ver Capítulo 3). Devem
ser registrados de maneira exata, palavra por palavra. Se não for
possível escrevê-los à medida que ocorrem, os pacientes podem
achar útil fazer anotações breves ou uma anotação mental daquilo
que ocorreu, retomando a ela posteriormente para uma análise
mais completa.

Problemas comuns na identificação


de pensamentos automáticos negativos

O paciente evita registrar os pensamentos

O humor deprimido faz com que seja difícil, para as pessoas,


se distanciar de seus pensamentos negativos. Realmente, intensifi­
car a consciência de pensamentos negativos antes que as habilida­
des para lidar com eles estejam disponíveis pode ser traumático e
desagradável. Os pacientes que estão preparados para isso, e que
aceitaram os fundamentos lógicos do tratamento, têm menos pro­
babilidade de se refugiar na evitação. De início, também, talvez
seja útil estabelecer, de comum acordo, um limite para o tempo
dispendido no enfoque de pensamentos perturbadores e promover
outros meios de controlá-los (por exemplo, uma programação de
atividades que ocupem a atenção).

Nenhum pensamento automático negativo

Se nenhum pensamento automático negativo puder ser identi­


ficado em uma determinada situação perturbadora, pode ser útil
perguntar: “O que a situação significava para você? O que dizia
Depressão. 279

com relação a você/ sua situação/ seu futuro?” Perguntas assim


revelam o significado pessoal implícito dos eventos. Por exemplo,
uma paciente que tinha acabado de começar a terapia ficava depri­
mida e agitada antes de cada sessão de tratamento. Não conseguia
encontrar quaisquer pensamentos que justificassem a maneira
como se sentia. Quando lhe perguntaram qual o significado de pro­
curar tratamento, entretanto, afirmou: “Mostra o quanto estou em
decadência. Não deveria precisar desse tipo de ajuda. Deveria ser
capaz de lidar com isso sozinha.”

Não encontrar pensamentos depressivos essenciais

E importante procurar pensamentos, imagens ou significados


Ibrtes o suficiente para justificar as emoções experimentadas.
Uma paciente descreveu como um bolo que havia feito tinha fica­
do um pouco queimado. A emoção referida era a desesperança,
avaliada em 90%. O pensamento originalmente identificado foi:
"Estraguei tudo.” Para o terapeuta, esse pensamento não parecia se
“ajustar” ao grau da emoção experimentada. O questionamento adi­
cional revelou um pensamento muito mais depressivo: “Sou com­
pletamente inútil.” Para se assegurar que os pensamentos depressi­
vos essenciais desse tipo sejam corretamente identificados, ao te­
rapeuta talvez covenha perguntar: “Se eu pensasse isso, iria sentir-
me tão mal assim?” Se a resposta for negativa, a busca deve pros­
seguir.

Pedir explicações em vez de pensamentos

Às vezes, os terapeutas não conseguem obter relatos exatos


de cognições porque suas perguntas exploratórias não mostram cla­
ramente ao paciente o que está sendo pedido. Perguntas como “Por
quê?” pertencem a essa categoria. Por exemplo, a pergunta “Por
i|ue você estava perturbado?” pode ser respondida de várias ma­
neiras, nenhuma das quais proporcionaria informações concretas
sobre os processos racionais da pessoa. Por exemplo: “Tenho um
complexo desde que era pequeno” (explicação histórica), “Meu ei­
d o menstrual estava próximo” (explicação biológica), “É assim
280 Terapia cognitivo-comportamental

que eu sou” (explicação baseada na personalidade), “Qualquer um


ficaria perturbado com um coisa dessas” (explicação baseada na
natureza humana). Nenhuma dessas respostas é de alguma utilida­
de para o terapeuta cognitivo. A exploração de incidentes pertur­
badores deve voltar-se para o ponto em que o terapeuta possa per­
guntar: “O que exatamente se passava por sua cabeça naquele
momento?” Essa pergunta mostra exatamente ao paciente o que o
terapeuta deseja saber. Como regra geral: as perguntas do tipo “por
que” devem ser evitadas. É melhor substituí-las por perguntas ini­
ciadas por “o que” e “como”.

Testar pensamentos automáticos negativos

Há dois métodos principais de se buscar alternativas mais rea­


listas e úteis aos pensamentos automáticos negativos: contestações
verbais de sua validade e experimentos comportamentais destina­
dos a testá-los na prática.

Confrontação verbal

O objetivo da confrontação verbal, em prol da generalização e


prevenção, consiste em ensinar aos pacientes como reavaliar por si
próprios seus modos de pensar. Esse objetivo não será atingido se
o terapeuta fizer todo o trabalho. Assim, a principal estratégia de
mudança envolve a evocação de alternativas por parte do paciente,
através de um questionamento sistemático porém sensível, em vez
do oferecimento de alternativas através de debates, doutrinação ou
interpretação. Eis algumas perguntas úteis que os pacientes podem
se fazer:

1. Qual é a evidência?
2. Quais visões alternativas se apresentam?
3. Quais são as vantagens e desvantagens desta maneira de pensar?
4. Quais erros lógicos estou cometendo?

Cada uma delas será agora discutida em maiores detalhes.


Depressão 281

Ç)ual é a comprovação? A comprovação usada para corroborar


um pensamento automático negativo talvez seja distorcida de
duas maneiras principais. Prim eiro, as inform ações positivas
(as provas em contrário) são menos facilmente relembradas do
que as informações negativas (as provas comprobatórias) (Clark e
Tcasdale, 1982). Isso significa que, sem se dar conta, o paciente
tira conclusões com base num exemplo preconcebido. Segundo,
as informações neutras ou positivas que realmente se tornam dis­
poníveis são interpretadas como negativas, do mesmo modo que
as informações realmente negativas são interpretadas como até
mesmo mais negativas do que os fatos o justificariam. Segue-se,
portanto, que:

(1) esforços devem ser envidados para se revelar indícios não-


comprobatórios dos quais o paciente não esteja inicialmente
cônscio; e
(2) a validade dos indícios aparentemente negativos deve ser cui­
dadosamente questionada.

O diálogo abaixo ilustra esse ponto.

Paciente: Meu marido não me ama mais.


Terapeuta: Esse pensamento deve ser muito perturbador. O que a
faz pensar que ele não a ama?
P. : Bem, quando ele chega à noite, nunca quer conversar comigo.
Só quer saber de se sentar e assistir televisão. Depois, vai dire­
to para a cama.
T. : Tudo bem. Agora, há algum indício, alguma coisa que ele faz
que contrarie a idéia de que ele não a ama?
P.: Não me ocorre nenhuma. Bem, espere um pouco. Na verdade,
meu aniversário foi há algumas semanas, e ele me deu um
relógio que era realmente adorável. Tinha visto seu anúncio e
comentei que havia gostado; ele prestou atenção e me com ­
prou um.
T. : Certo. Agora, como isso se ajusta à idéia de que ele não a ama?
P.: Bem, acho que realmente não se ajusta, não é? Mas, então, por
que ele é assim à noite?
T.: Suponho que o fato de ele ter deixado de amá-la seja uma ra­
zão possível. Há alguma outra razão possível?
282 Terapia cognitivo-comportamental

P.: Bem, ele tem trabalhado muito ultimamente. Quer dizer, ele
chega tarde na maioria das noites, e tem de ir ao escritório nos
fins de semana. Então acho que talvez possa ser isso.
T.: Talvez possa, não é? E como poderia constatar que é isso
mesmo?
P.: Bem, poderia comentar que havia notado que parecia cansado
e perguntar como vem se sentindo, como está indo no trabalho.
Não fiz isso ainda; venho apenas me aborrecendo porque ele
não presta atenção em mim.
T. : Isso me parece uma excelente idéia. Que tal fazer disso uma
tarefa de casa para esta semana?

Esse diálogo ilustra como o exercício de casa pode ser usado


para reunir informações que esclareçam questões sobre as quais
não há uma comprovação adequada. Vale mencionar, a propósito,
que na verdade a perspectiva negativa do paciente pode estar cor­
reta. Neste caso específico, o cansaço era realmente a explicação
para o comportamento do marido. Mas a paciente poderia ter tido
razão.

Que outras perspectivas se apresentam? No exemplo anterior,


uma possível explicação alternativa para o comportamento do ma­
rido pôde ser encontrada com relativa facilidade. Nem sempre,
porém, é esse o caso. Perguntas suplementares incluem:

1. O que você teria pensado sobre isso antes de ficar deprimida?


(Se a depressão não perdura há muito, em geral as pessoas são
capazes de recordar que, antes de seu início, tinham outra visão
das coisas. Flutuações atuais do humor podem ser usadas da
mesma maneira. Por exemplo: “Num dia em que se sinta relati­
vamente bem, o que pensaria sobre isso?”)
2. O que uma pessoa em cujas opiniões você confia pensaria sobre
isso?
3. O que diria a uma pessoa que viesse pedir sua opinião a respeito
desse problema? (Em geral, as pessoas têm mais facilidade para
resolver o problema dos outros do que os próprios. Essa facili­
dade pode ser usada para gerar outras alternativas.)
Depressão 283

É importante que as alternativas geradas estejam relacionadas


com os fatos. De outra maneira, os pacientes podem vê-las apenas
como vagas tentativas de reconfortá-los.

Quais são as vantagens e desvantagens desse modo de pensar?


Esta pergunta é particularmente útil ao se questionar pensamentos
de autocrítica. Muitas pessoas encaram a autocrítica como neces­
sária e construtiva, e não percebem que ela prejudica de modo insi­
dioso as tentativas de superar suas dificuldades:

Terapeuta: Parece que você tem sido muito dura consigo mesma
quando tenta fazer algo e a tentativa não funciona.
Paciente: Não concordo. Quer dizer, se eu não me estipulasse altos
padrões, nunca faria nada.
T. : Para funcionar, então, tem de ser dura consigo mesma?
P. : Exatamente.
T.: Você tem uma garotinha, não é? Quando ela estava aprenden­
do a falar, como a ajudava? Você lhe chamava a atenção para
todos os erros que ela cometia, e ficava zangada com ela quan­
do usava a palavra errada?
P. : Não, não era o que eu fazia.
T. : O que você acha que teria acontecido se tivesse feito isso?
P.: Bem, imagino que ela teria se desestimulado e não voltasse a
fazer novas tentativas.
T.: Agora, como isso se ajusta ao modo como você é consigo
mesma?
P. : Bem, eu realmente fico farta e penso em desistir.
T. : Então, o que aconteceria se parasse de ser tão dura com relação
aos seus erros e se encorajasse mais?
P.: Você quer dizer com relação a mim mesma, como faria com
alguém que estivesse tentando aprender alguma coisa nova?
T.: Exatamente. Quais seriam as vantagens de tentar essa aborda­
gem durante a próxima semana?
P. : Bem, imagino que poderia ser mais fácil de se continuar ten­
tando.

Quais erros lógicos estou cometendo? Isto é particularmente útil


quando um paciente comete regularmente o mesmo erro. Eis algu­
mas perguntas úteis que podem ser feitas (mais exemplos serão
encontrados no folheto nas páginas 318-27):
284 Terapia cognitivo-comportamental

(1) Estou me condenando como pessoa com base num único fa­
to? (hipergeneralização);
(2) Estou me concentrando em minhas fraquezas e esquecendo
meus pontos fortes? (abstração seletiva);
(3) Estou pensando em termos de tudo ou nada? (raciocínio dico­
tômico);
(4) Estou assumindo responsabilidade por um erro que não co­
meti? (personalização);
(5) Estou tirando conclusões precipitadas? (inferência arbitrária).

No Registro de Pensamentos Disfiincionais, as respostas a


estas e outras perguntas do mesmo gênero são registradas na colu­
na intitulada “Resposta racional”. Cada uma é avaliada, em termos
de crença, numa escala de 0-100, da mesma maneira que os pensa­
mentos negativos originais. Em seguida, a eficácia das respostas é
avaliada na coluna final da folha de registro. Primeiro, a crença nos
pensamentos negativos originais é reavaliada, tendo por meta sua
redução. Segundo, a intensidade das emoções perturbadoras que
acompanharam os pensamentos originais é reavaliada, tendo por
meta também sua redução. Por último, o paciente elabora um ex­
perimento comportamental que vai testar a validade das respostas
na prática.

E x p e rim e n to s co m p o rta m e n ta is

A contestação verbal de pensamentos automáticos negativos


é rotineiramente seguida por tarefas comportamentais através das
quais as novas idéias são postas à prova. Para tanto, pode ser preci­
so tomar medidas para melhorar uma situação externa insatisfató­
ria, ou encontrar maneiras mais eficazes de reagir a uma situação
externa que não pode ser melhorada. O questionamento de pensa­
mentos negativos estimula os pacientes a avaliar de modo realista
os custos e as vantagens de se agir de maneira diferente, e de se
preparar para uma série de possíveis conseqüências. Assim, abre
caminho para mudanças de comportamento. Estas, por sua vez,
produzem conseqüências que contradizem os pensamentos origi­
nais, e ao fazê-lo acabam com sua credibilidade. Na terapia cogm
Depressão 285

livo-comportamental, portanto, a mudança de comportamento


constitui um meio de testar a validade de pensamentos automáti­
cos negativos, e não um fim em si mesmo. Às vezes os novos com­
portamentos já existiam no repertório da pessoa, mas haviam sido
obstruídos pelos pensamentos negativos. Então, por exemplo, uma
pessoa pode saber co m o expressar discordância, mas ser inibida de
fazê-lo por pensamentos como: “Se eu discordar, não gostarão de
mim.” Em outros casos, o paciente pode não estar simplesmente
obstruído por pensamentos negativos, mas pode não saber co m o
agir de forma mais eficaz. Neste caso, os comportamentos novos
como a assertividade, as habilidades sociais, a resolução de pro­
blemas ou a aptidão para os estudos talvez precisem ser aprendi­
dos na terapia.
Os passos para a elaboração de experimentos comportamen­
tais são semelhantes àqueles envolvidos na realização da pesquisa
científica, ou seja:

1. F a zer um a p re visã o . Especificar o pensamento que o expe­


rimento irá testar; por exemplo, “Se eu contar à minha esposa
como estou me sentindo mal, ela ficará zangada comigo”.
2. R e e x a m in a r os in d ício s existen tes a fa v o r da p re visã o ou
contra ela. Por si só, isso pode abalar os indícios que corroboram
ns previsões negativas e trazer à luz indícios contraditórios que
haviam passado despercebidos ou aos quais não se havia dado o
devido valor.
3. E la b o ra r um ex p erim en to esp ecífico p a ra te sta r a va lid a d e
da previsão. Deve estar claro, tanto para o terapeuta quanto para o
paciente, exatamente o que este último vai fazer. Além disso, o
experimento deve ser organizado de modo a aumentar as possibili­
dades de uma conseqüência positiva. No exemplo acima, a maneira
como o marido expressa seus sentimentos poderia ser discutida,
procedendo-se a uma representação de papéis (ro le-p la y ) se neces­
sário.
4. O b serva r os resultados. Como toda tarefa de casa, os expe­
rimentos comportamentais devem ser elaborados como “situações
não desperdiçadas” (p. 261) que serão válidas a despeito de resul-
286 Terapia cognitivo-comportamental

tarem, ou não, naquilo que o paciente desejava. Se o experimento


“funcionar” (a esposa não fica zangada), tanto melhor. O paciente
adquiriu indícios empíricos de que os pensamentos negativos po­
dem estar incorretos. Nesse caso, o passo seguinte consiste em
tomar por base para as ações futuras aquilo que foi aprendido, de
tal modo que a lição específica possa ser generalizada para outras
situações. Se, por outro lado, o experimento “não fimcionar” (a
esposa fic a zangada), isso também constitui uma informação va­
liosa. O que deu errado? Foi algo que o paciente fez? As suas boas
intenções foram abaladas por outros pensamentos negativos? Uma
vez identificado o problema, é possível fazer planos para se lidar
com a situação de maneira mais eficaz da próxima vez. Assim,
resultados aparentemente negativos podem ser usados de maneira
construtiva.
5. Tirar conclusões. Como último passo, em geral convém
formular uma regra que encerre tudo aquilo que foi aprendido. No
exemplo fornecido, a conclusão foi: “Não faça suposições sobre o
modo como outra pessoa reagirá a você; descubra por si mesmo.”

Problemas comuns na contestação


de pensamentos automáticos negativos

As respostas racionais não fazem diferença

As respostas racionais só mudam a intensidade das emoções


perturbadoras e a crença nos pensamentos automáticos negativos
se o paciente acreditar nelas. É por isso que devem ser evocadas a
partir dos pacientes, em vez de serem fornecidas pelo terapeuta.
Uma resposta que faz sentido para o terapeuta não o fará, necessa­
riamente, para o paciente. De forma semelhante, tentativas de re­
conforto sem qualquer embasamento em indícios concretos (por
exemplo “Você ficará bem”) e imposições (por exemplo, “Não
seja tolo”) não são úteis. Isso mencionado, não é necessário que,
desde o início, os pacientes acreditem 100% em suas respostas.
Contestar pensamentos negativos e ser bem-sucedido na tentativa
Depressão. 287

é uma habilidade que requer prática. Quando respostas aparente­


mente válidas não levam a nenhuma redução da perturbação ou da
crença nos pensamentos originais, isso geralmente quer dizer que
o paciente tem reservas quanto à sua validade. Estes “sim, mas...”
podem ser respondidos por sua vez.

C o n ta m in a r-se p e la fo r m a d e p e n s a r d o p a c ie n te

Os terapeutas às vezes caem na armadilha de pensar que seus


pacientes têm razão por estarem deprimidos, sobretudo quando
suas circunstâncias de vida são difíceis. Contanto que haja bons
indícios de que a “tríade cognitiva” se encontra presente, o tera­
peuta deve supor que uma mudança de perspectiva se faz possível.
Nem todas as pessoas em situações realmente difíceis são deprimi­
das; algumas mantêm uma postura positiva, de resolução dos pro­
blemas, e protegem sua auto-estima apesar de suas dificuldades. O
que há com a maneira de pensar d esta pessoa que a impede de fa­
zer o mesmo?

C o n testa r o im p o ssív e l

Os fatos não podem ser contestados. Às vezes, aquilo que o


terapeuta interpreta como uma distorção depressiva vem a ser ob­
jetivamente verdadeiro. Esta é uma das razões pelas quais é impor­
tante estabelecer quais indícios corroboram as opiniões do pacien­
te. De forma semelhante, não é possível contestar perguntas. Os
pensamentos automáticos negativos associados à ansiedade, por
exemplo, quase sempre assumem a forma de indagações sobre o
futuro, como na pergunta “E se eu não for capaz de enfrentar?”.
Tais perguntas geralmente ocultam previsões negativas. E tarefa
do terapeuta encontrar a previsão, isto é, transformar a pergunta
em uma afirmação que possa então ser avaliada de acordo com o
grau de convicção que o paciente deposita nela, e só então contes­
tada. Neste exemplo, isto poderia ficar assim: “Não serei capaz de
enfrentar. Convicção: 80%.”
288
Terapia cognitivo-comportamental

Quarto passo: Estratégias preventivas

Uma das principais vantagens dos tratamentos psicológicos da


depressão sobre a medicação antidepressiva é o fato de poderem
reduzir o risco da recaída. A terapia cognitivo-comportamental é
particularmente rica nesse aspecto. Além de ensinar o grande núme­
ro de habilidades de controle da depressão, ela diminui a vulnerabi­
lidade a futuros episódios ao abalar os pressupostos fundamentais
nos quais o pensamento depressivo se baseia.

Identificar e contestar suposições disfuncionais

Id e n tific a r su p o siç õ e s d isfu n cio n a is

Uma vez que o paciente seja capaz de identificar bem e con­


testar os pensamentos automáticos negativos, o enfoque do trata­
mento passa para a abordagem das suposições disfuncionais sub­
jacentes a eles. Estas últimas têm algumas características reconhe­
cíveis:

1. N ã o refletem a rea lid a d e d a ex p eriên cia h u m a n a . Então,


por exemplo, a crença “Devo ser sempre forte” ignora a vulnerabi­
lidade humana. Neste sentido, as suposições são “irracionais”.

2. S ã o rígidas, hiperg en era liza d a s e extrem as, não levando


em consideração as variações das circunstâncias.

3. Im p e d em a co n cretiza çã o d o s o b je tiv o s em v e z d e fa c ilitá -


la, como quando os padrões perfeccionistas produzem a ansiedade
que inibe o desempenho.

4. Sua transgressão está a sso c ia d a a em o çõ es extrem a s e e x ­


cessivas; por exemplo, depressão e desesperança em vez de triste­
za ou pesar. Quando se vai ao encontro de seus termos, as emoções
positivas experimentadas são igualmente fortes; por exemplo, exul-
tação em lugar de prazer ou contentamento.
Depressão. 289

5. São re la tiv a m en te in a c essíve is à ex p eriên c ia com um . Isto


se deve em parte ao fato de que embora o indivíduo aja co m o se
fossem verdadeiras, na verdade são quase sempre não formuladas
e, portanto, em grande parte inconscientes. Além disso, o fato de
abandoná-las pode ser seguido por riscos aparentemente inaceitá­
veis; por exemplo, “Se eu deixar de colocar as outras pessoas em
primeiro lugar o tempo todo, ninguém mais gostará de mim”.

Beck, Hollon, Young, Bedrosian e Budenz (1985) agruparam


as suposições disfuncionais em três áreas centrais de interesse:
rea liza çã o (altos padrões de desempenho, a necessidade de ser
bem-sucedido, etc.), a c e ita ç ã o (a necessidade de ser apreciado,
amado, etc.), e co n tro le (a necessidade de controlar eventos, de
ser forte, etc.). Numa situação específica, qualquer uma delas
pode estar atuante. Assim, as pessoas podem evitar relacionamen­
tos íntimos por medo de não serem capazes de atingir os padrões
do outro (realização), por temerem a rejeição (aceitação), ou por
temerem que sua vida possa ser assumida pelo outro (controle).
Beck, Epstein e Harrison (1983) reagruparam as suposições em
dimensões superordenadas, sugerindo que elas possam determi­
nar o tipo de eventos que precipitam a depressão, o padrão de sin­
tomatologia e o modo como as pessoas respondem ao tratamento.
Identificam duas dimensões: “so c io tro p ia ” (que enfatiza a impor­
tância das relações interpessoais), e “ a u to n o m ia ” (que enfatiza a
importância da independência e da liberdade de escolha). Essas
dimensões, que não são mutuamente excludentes, são de âmbito
muito mais abrangente que os pressupostos disfuncionais especí­
ficos. Neste sentido, são mais afins às “variáveis de personalida­
de”, influenciando o que as pessoas sentem, pensam e fazem ao
longo de suas vidas e em uma vasta gama de situações diferentes.
Agrupamentos como esses podem ser clinicamente usados para
ampliar a compreensão de determinados pacientes, e para orientar
a maneira como o tratamento será conduzido. Por exemplo, uma
pessoa extremamente autônoma talvez ache difícil aceitar suges­
tões vindas do terapeuta, e se sinta tentada a abandonar prematu­
ramente a terapia porque “deveria” ser capaz de superar as difi­
culdades sozinha. Em contraposição, uma pessoa altamente so-
ciotrópica poderia estar ávida demais por agradar ao terapeuta,
290 Terapia cognitivo-comportamental

tendo dificuldades em operar de maneira independente entre as


sessões. Esses dois padrões de resposta habitual podem ser usa­
dos favoravelmente; no primeiro caso, ao se explorar os aspectos
de auto-ajuda do tratamento, e, no segundo, ao se usar o desejo de
agradar do paciente para mobilizá-lo antes de incentivar uma
maior independência.
A identificação de suposições disfuncionais pode ser mais
difícil do que a detecção de pensamentos automáticos negativos,
pois, ao contrário de eventos discretos com transcurso na consciên­
cia, constituem regras generalizadas que podem nunca ter sido for­
muladas em tantas palavras. Pode ser que precisem ser inferidas
em vez de observadas, usando-se indicações como estas:

1. Tem as que emergem durante o tratamento; por exemplo,


preocupação em fazer as coisas bem, ou com rejeição.
2. E rros ló gicos em pensamentos automáticos que podem re­
fletir erros semelhantes em suposições disfuncionais subjacentes;
por exemplo, raciocínio dicotômico: “Se tivermos outra discussão,
vou embora” (pensamento); “Se não se é capaz de concordar com
alguém, não há razão alguma para se manter um relacionamento”
(suposição).
3. A u to -a va lia çõ e s g lo b a is ; por exemplo, “estúpido”, infan­
til”, “fraco”, podem refletir padrões de comportamento que, de ou­
tro modo, não sejam explícitos. Avaliações globais de outras pes­
soas freqüentemente servem à mesma função.
4. M em órias, dizeres fa m ilia re s. As pessoas às vezes têm
lembranças nítidas de experiências da infância que parecem, pelo
menos intuitivamente, “condizer” com as crenças atuais. Uma mu­
lher acreditava ser absolutamente necessário submeter-se à vonta­
de dos outros o tempo todo. Lembra-se claramente de sua mãe
saindo de casa com a ameaça de não mais amá-la se ela não fizesse
aquilo que lhe fora pedido. Embora estivesse agora em seus 40
anos, qualquer sinal de desaprovação ainda produzia nela o mesmo
sentimento de angústia. Perguntas úteis para se identificar lem­
branças desse tipo incluem: “Você é capaz de se lembrar de ter se
sentido assim antes?”, “Quando experimentou esse sentimento
Depressão 291

pela primeira vez?”, e “Isso o faz lembrar de alguma coisa em seu


passado?”.

5. Humor alto freqüentemente indica que os termos de uma


suposição foram satisfeitos, assim como o humor baixo aponta
para sua transgressão. Assim, por exemplo, uma pessoa que acre­
dita na necessidade de ser apreciada o tempo todo ficará exultante
(e não simplesmente satisfeita) quando alguém gostar dela.

6. Procedimento da flecha descendente (ou prospecção des­


cendente). Esta técnica (Bums, 1980, pp. 235-41) envolve o iden-
tificar-se, da maneira usual, uma situação-problema e as emoções
desagradáveis e os pensamentos negativos experimentados nessa
mesma situação. Em vez de contestar os pensamentos em si, o
terapeuta pergunta: “Supondo-se que fosse verdade, o que signifi­
caria para você?” Esta e outras perguntas semelhantes (por exem­
plo, “O que isso diria a seu respeito?”, “O que aconteceria então?”,
“Se assim fosse, o que haveria de tão ruim nisso?”) são repetidas
até que seja possível formular uma afirmação geral o suficiente
para englobar não só a situação-problema original, mas também
outras situações em que a mesma regra se faz operante. Um exem­
plo é fornecido na Figura 6.5.

Contestar suposições disfuncionais

Uma vez que uma suposição disfuncional tenha sido identifi­


cada, o questionamento e a experimentação comportamental são
usados para encontrar uma regra nova, mais moderada e realista.
Perguntas úteis incluem:

De que maneira a suposição é irracional? Esta pergunta, assim


como “Qual é o indício?”, exige uma avaliação dos fatos na medi­
da em que estes possam ser averiguados. A suposição se ajusta à
maneira como o mundo funciona? De que modo não consegue re­
fletir a realidade da experiência humana? Por exemplo, não é ra­
zoável exigir que a vida deva ser sempre justa, pois a questão, de
fato, é que ela não é.
292 Terapia cognitivo-comportamental

Situação: Sessão com paciente que confessava não sentir nenhuma melhora no
final
Emoções: Culpado, ansioso, deprimido
Pensamentos: Esta sessão foi horrível - não chegamos a lugar algum

Supondo-se que isso fosse verdade, o que significaria para você?

I
O paciente não vai melhorar

Supondo-se que ele não melhorasse, o que isso significaria para você?

T
Que eu teria feito um mau trabalho

E, supondo-se que tivesse, o que isso significaria para você?

!
Que eu sou um péssimo terapeuta

Supondo-se que seja um péssimo terapeuta, o que aconteceria então?

1
Mais cedo ou mais tarde me descobririam

E o que isso significa, “me descobririam”?

I
Que todos saberiam que não sou bom e me desprezariam
Isso provaria que meu sucesso até agora é uma fraude, pura sorte

isto é, para ter-me em alta estima, e para que os outros também me


tenham, preciso ser bem-sucedido em tudo que faço

Figura 6.5 Procedimento da flecha descendente (ou prospeccção descenden­


te); o clínico cura a si mesmo
Depressão. 293

D e q u e m aneira a su p o siçã o é in operante? Ela ajuda o paciente a


conseguir aquilo que quer da vida, ou constitui um obstáculo? A
esse respeito, uma boa estratégia é enumerar as vantagens e des­
vantagens de se ter a crença. Muitas vezes fica claro que as crenças
trazem mais prejuízos do que benefícios, e que muitos dos benefí­
cios são mais aparentes do que reais. Por exemplo, as suposições
perfeccionistas podem na verdade produzir desempenhos de alta
qualidade em determinadas ocasiões. Entretanto, geralmente esti­
mulam um alto grau de ansiedade que é incompatível com a quali­
dade de desempenho, podendo levar à evitação de desafios e opor­
tunidades.

Q u a l a origem da su p o siçã o ? A adoção de uma perspectiva histó­


rica não é comum na terapia cognitivo-comportamental. Em al­
guns casos, porém, o entendimento de como as suposições disfun-
cionais se formaram leva ao distanciamento delas. O que era rele­
vante para uma criança pode ser bem menos para o adulto. No
exemplo anterior, em “Lembranças e dizeres familiares”, a pacien­
te quando criança acreditava que sua so b re viv ên c ia dependia de
evitar o desagrado da mãe. Como adulta, solicitada pela primeira
vez a reavaliar sistematicamente as conseqüências de desagradar
aos outros, deu-se conta de que sua necessidade atual era determi­
nada por circunstâncias que haviam deixado de ser verdadeiras.
Agradar aos outros, em outras palavras, raramente constituía uma
questão de vida ou de morte. Ao mesmo tempo, entender o signifi­
cado original da rejeição explicava a intensidade de suas emoções
adultas.

Q u a l se ria um a a ltern a tiva m a is m o derada q u e p u d e s s e c o n ter as


va ntagens da su p o siçã o d isfu n c io n a l sem su a s d esva n ta g e n s? As
suposições disfuncionais são geralmente extremas em suas exi­
gências. Isso se reflete na linguagem em que são expressas (dever,
ter de, ser obrigado a; termos absolutos como sempre, nunca, todo
mundo). A formulação de uma alternativa que leve em conta as
nuanças do cinza prepara a pessoa para lidar de maneira eficaz
com ocasiões em que, nos termos da suposição original, seriam
vistas como fracassos e levariam à depressão. Um paciente, por
exemplo, acreditava que pedir ajuda era sinal de inadequação pes-
294 Terapia cognitivo-comportamental

soai. Sua suposição era: “A pessoa deve ser sempre capaz de lidar
com tudo por si mesma, não importando quão mal esteja se sentin­
do.” No decorrer da terapia, uma alternativa mais útil e realista foi
formulada: “É bom ser capaz de lidar com problemas independen­
temente. Mas não é justo que eu pretenda ser capaz de fazê-lo o
tempo todo. Sou simplesmente humano, e preciso de ajuda algu­
mas vezes, assim como qualquer um. Então: enfrentar aquilo que
for capaz, mas, quando isso não for possível, aceitar toda ajuda
que puder.” Alternativas às suposições disfuncionais podem ser
escritas em pequenos cartões, para que os pacientes as leiam repe­
tidamente até que agir de acordo com elas se tome quase parte de
seu jeito de ser (ver Capítulo 3, p. 124).
Como acontece com os pensamentos negativos, as contesta­
ções verbais das suposições disfuncionais devem ser sempre testa­
das e reforçadas por mudanças de comportamento. Dada a proba­
bilidade de que as suposições sejam há muito existentes, a mudança
talvez não ocorra da noite para o dia. E bem possível que os expe­
rimentos comportamentais precisem ser repetidos por um período
mais longo do que os experimentos relacionados a pensamentos
específicos, e numa variedade mais ampla de situações. Os experi­
mentos podem tomar uma série de formas, dentre as quais: coletar
informações sobre os padrões de outras pessoas (em vez de supor
que os nossos sejam universais); observar o que as outras pessoas
fazem (uma indicação de seus padrões diferentes); agir contra as
suposições e observar as conseqüências (o que pode provocar uma
ansiedade considerável), e testar a nova regra na prática. No exem­
plo acima, o homem se propôs a pedir ajuda no trabalho, em casa,
a seus amigos, mesmo que realmente não a necessitasse. Consta­
tou que isso não trazia nenhuma conseqüência catastrófica; na ver­
dade, seus relacionamentos melhoraram, pois as pessoas se de­
ram conta de que não era invulnerável e passaram a apreciá-lo mais
por isso.

O uso de contratempos

Durante todo o tratamento, os pacientes regularmente prati­


cam habilidades cognitivas, comportamentais e cognitivo-compor-
tamentais de manejo da depressão. Assim, sua habilidade para li-
Depressão. 295

dar com situações cada vez mais difíceis se desenvolve. Contanto


que os pacientes sejam instruídos a esperá-los como parte normal
da recuperação, os contratempos que ocorrem enquanto o trata­
mento ainda está em andamento oferecem uma oportunidade pre­
ciosa de praticar. Demonstram, na prática, que aquilo que foi
aprendido pode ser usado para as reincidências da depressão.

Preparação para o futuro

A medida que o final do tratamento se aproxima, muitos pa­


cientes se preocupam em não ser capazes de enfrentar as situações
sozinhos. Essas preocupações são abordadas da mesma maneira
que outras cognições perturbadoras. É importante encorajar o pa­
ciente a expressá-las, e a avaliar os indícios de sua legitimidade. É
possível, por exemplo, atribuir ao paciente a tarefa de casa de
encontrar respostas para perguntas como: “Quais são os indícios
de que esta terapia pode funcionar para você?”, “O que aprendeu a
partir destas sessões?”, “Como pode se basear naquilo que apren­
deu para se tom ar o mais independente e confiante possível ao fi­
nal do tratamento?”, “Admitindo-se que poderá experimentar pro­
blemas novamente em algum momento, que tipo de coisas talvez
retardem o seu progresso? Como poderia lidar com elas?”, “Há
alguém em casa que poderia ajudá-lo, se necessário?”, “Como
combinou com seu terapeuta para entrar em contato com ele se
seus melhores esforços não funcionarem?”.
Pode ser possível identificar eventos futuros específicos que
possam levar à depressão: aposentar-se, a morte de um dos pais, ou
filhos saindo de casa. O terapeuta e o paciente podem trabalhar
juntos para estabelecer planos para eventualmente lidar com tais
situações. Num nível mais geral, pode ser valioso elaborar um
sumário de quaisquer que sejam as técnicas que os pacientes acha­
ram úteis, em forma de “kit de primeiros-socorros” que contenha,
de um lado, as dificuldades experimentadas por determinado indi­
víduo quando ficou deprimido (por exemplo, ficar bastante tempo
na cama a ruminar, sendo autocrítico) e, de outro lado, técnicas
específicas que foram usadas com êxito para superá-las (por exem­
plo, planejar o dia de tal modo que o prazer e o domínio sejam ma-
296 Terapia cognitivo-comportamental

ximizados, ser tolerante consigo mesmo e usar o elogio e o encora­


jamento em vez de se depreciar). O sumário deve ficar sempre à
mão, em algum lugar que seja conhecido do paciente e, talvez, de
seu cônjuge ou de um amigo próximo, para que possa ser utilizado
de imediato no caso da recorrência da depressão.

E se a terapia cognitivo-com portam ental fracassar?

Uma pequena proporção de pacientes deprimidos não respon­


de à terapia cognitivo-comportamental (Blackburn e Bishop, 1983;
Fennell e Teasdale, 1987a). Infelizmente, esses pacientes não são
fáceis de identificar antes do início do tratamento, ainda que a difi­
culdade de trabalhar com eles quase sempre se faça bem evidente
depois de algumas sessões. A fim de evitar o surgimento de falsas
esperanças de uma rápida recuperação, tanto para o terapeuta como
para o paciente, talvez valha a pena, de início, combinar apenas
cinco ou seis sessões. Quando se fizer claro que a pessoa não apre­
senta probabilidades de responder sem uma demorada intervenção
(por exemplo, por apresentar dificuldades fundamentais de estabe­
lecer um relacionamento terapêutico cooperativo), ou que a terapia
cognitivo-comportamental não é o tratamento indicado (por exem­
plo, devido ao surgimento de sérias dificuldades conjugais), o tra­
tamento pode então ser estendido ou encerrado de maneira relati­
vamente harmoniosa.
A decisão de encerrar o tratamento e as alternativas recomen­
dadas dependem, essencialmente, da avaliação do terapeuta dos fa­
tores mantenedores da depressão. Quando estes são considerados
basicamente cognitivos, porém crônicos, generalizados e acompa­
nhados por déficits comportamentais de grande porte, a terapia a
longo prazo pode ser necessária. Não há razão para que a terapia
cognitivo-comportamental não se estenda dessa forma. Quando os
fatores mantenedores parecerem ser interpessoais, a terapia conju­
gal ou familiar pode ser a mais indicada. Neste caso também, é
possível realizá-la dentro da estrutura cognitivo-comportamental.
Quando os fatores mantenedores parecerem ser bioquímicos, o tra-
Depressão 297

lamento físico pode ser introduzido, sozinho ou em combinação


com técnicas cognitivo-comportamentais. (Para uma discussão
mais completa de pacientes difíceis e fracassos de tratamento, ver
Beck et al., 1979, Capítulos 14 e 5; Rush e Shaw, 1983.)

Descobertas de pesquisa

Os primeiros estudos com populações subclínicas (por exem­


plo, Shaw, 1977; Taylor e Marshall, 1977) e séries de casos únicos
(por exemplo, Rush, Khatami e Beck, 1975) foram atualmente se­
guidos por um corpo cada vez maior de experimentos totalmente
controlados de terapia cognitivo-comportamental para a depres­
são. As principais descobertas desses estudos estão resumidas
abaixo. Exames mais detalhados da literatura são fornecidos por:
Blaney (1977); Weissman (1979); Kovacs (1980); Miller e Ber­
man (1983); Latimer e Sweet (1984); Vallis (1984); Williams
(1984a, b)\ Teasdale (1985).

Efeitos imediatos de intervenções


cognitivo-comportamentais específicas

Indícios preliminares mostram que as intervenções elaboradas


para reduzir a freqüência ou intensidade dos pensamentos depressi­
vos podem surtir um efeito benéfico imediato sobre o humor. Elas
incluem a distração (por exemplo, Teasdale e Rezin, 1978; Davies,
1982 [citado em Williams, 1984a]; Fennell e Teasdale, 1984; Fennell
e Teasdale, 1987Ò) e confrontação, em oposição ao simples direcio­
namento aos pensamentos depressivos ou à exploração deles (por
exemplo, Blackburns e Bonham, 1980; Teasdale e Fennell, 1982).

Efeitos após o tratamento através da terapia


cognitivo-comportamental

Os estudos que avaliam o resultado pós-tratamento mostram


de forma confiável que a terapia cognitivo-comportamental é pelo
298 Terapia cognitivo-comportamental

menos tão eficaz na redução da depressão quanto os antidepressi-


vos tricíclicos, e sugerem que, em média, pouco se ganha ao se
combinar as duas (Rush, Beck, Kovacs e Hollon, 1977; Blackburn
et a l, 1981; Hollon, Evans e DeRubeis, 1983; Murphy, Simons,
Wetzel e Lustman 1984; Teasdale, Fennell, Hibbert e Amies, 1984;
Beck et al., 1985).

Efeitos a longo prazo da terapia cognitivo-comportamental

Descobertas encoraj adoras de cinco estudos sugerem que a


terapia cognitivo-comportamental possa ser mais eficaz na pre­
venção de uma recaída do que as drogas antidepressivas (Kovacs et
al., 1981; Hollon et al., 1983; Simons, Murphy, Levine e Wetzel,
1986; Zimmer, Axmann, Koch, Giedke, Pflug e Hiemann 1985;
Blackburn, Eunson e Bishop, 1986).

Leitura recom endada

Beck, A. T. (1987). Depression: Clinical, Experimental and Theoretical Aspects.


Harper and Row, Nova York.
Beck, A. T. (1976). Cognitive Therapy and the Emotional Disorders. Internatio­
nal Universities Press, Nova York.
Beck, A. T. e Greenberg, R. L. (1974). Coping with Depression. Disponível em:
The Center for Cognitive Therapy, Sala 602, 133 South 36th Street, Filadélfia,
PA 19104, USA.
Beck, A. T., Rush, A. J., Shaw, B. F. e Emery, G. (1979). Cognitive Therapy o f
Depression. Guilford, Nova York. (Edição em brochura: 1987.)
Blackburn, I. M. ( 1987). Coping with Depression. Chambers, Edimburgo.
Bums, D. D. (1980). Feeling Good. New American Library, Nova York.
Emery, G. (1981). A New Beginning: How to Change your Life through Cognitive
Therapy. Simon and Schuster, Nova York.
Hollon, S. D., e Kriss, M. R. (1984). “Cognitive factors in clinical research and
practice”. Clinical Psychology Review 4, 35-76.
Rush, A. J. e Shaw, B. F. (1983). “Failures in treating depression by cognitive-
behavioural therapy.” In Failures in Behaviour Therapy (org. E. B. Foa e
P. M. G. Emmelkamp), pp. 217-28. Wiley, Nova York.
Williams, J. M. G. (1984). The Psychological Treatment o f Depression: A guide to
the theory and practice ofcognitive-behaviour therapy. Croom Helm, Londres.
Depressão 299

APÊNDICE: FOLHETOS PARA PACIENTES

Favor observar que estes não devem ser utilizados sem a ajuda de
um terapeuta qualificado.

Como ativar a si m esm o

O p roblem a

A depressão é um círculo vicioso. Ela diminui o seu ritmo, mental e


fisicamente. Tudo se tom a um esforço, e você se cansa facilmente. Você
faz menos coisas, e então se culpa por fazer menos. Você chega a acredi­
tar que não é capaz de fazer nada, e que nunca se recuperará de sua de­
pressão. Então se sente ainda mais deprimido. Fica cada vez mais difícil
fazer algo. E assim alimenta a depressão.

Superar o problem a: p rogram ação de atividades

Tomar-se mais ativo é uma maneira dè interromper o círculo vicio­


so. Há uma série de vantagens:

A atividade o faz sentir-se melhor. No mínimo, ela afasta sua mente dos
sentimentos traumáticos. Pode dar-lhe a sensação de que está tomando o
controle de sua vida novamente, e conquistando algo válido. Você pode
até achar que há coisas que aprecia, uma vez que experimentá-las.

A atividade o faz sentir-se menos cansado. Normalmente, quando se está


cansado é preciso descansar. Quando se está deprimido, o contrário é ver­
dadeiro. Você precisa fazer mais. Fazer nada somente o levará a sentir-se
mais letárgico e exausto. E fazer nada deixa sua mente desocupada, intro­
duzindo maiores probabilidades de pensar sobre suas dificuldades e sen­
tir-se ainda mais deprimido.

A atividade o motiva a fazer mais. Na depressão, a motivação trabalha às


avessas. Quanto mais você faz, mais sente vontade de fazer.

A atividade melhora sua capacidade de pensar. Depois de colocar-se em


atividade, os problemas sobre os quais pensava não poder fazer nada
assumem uma perspectiva adequada.
300 Terapia cognitivo-comportamental

Apesar dessas vantagens, começar a funcionar novamente não é fá­


cil. Isso se dá porque pensamentos desanimadores e pessimistas, típicos
da depressão, colocam-se em seu caminho. Quando está deprimido, você
pode pensar que não está fazendo nada, alcançando nada, ou aproveitan­
do nada. Pode ser difícil organizar seu tempo de maneira produtiva, ou
envolver-se em coisas que normalmente aprecia. Quando depara com
algo que deseja fazer, de repente se vê pensando: “Não aproveitarei na­
da”, “Farei tudo errado”, ou “É muito difícil”. Pensamentos como esses o
impedem de partir para a ação e ajudam a mantê-lo no círculo vicioso.
Com o decorrer da terapia, você aprenderá como trabalhar direta­
mente os pensamentos depressivos que o impedem de conseguir fazer
aquilo que deseja. Sua meta será notar e confrontar os pensamentos, a fim
de que não mais se interponham em seu caminho. Primeiro, porém, é pre­
ciso ter uma noção detalhada daquilo que está fazendo exatamente, e
quanto prazer e satisfação consegue depreender daquilo que faz. O que
descobrir vai ajudá-lo a planejar seu tempo a fim de extrair o máximo de
cada atividade do dia. Isso se chama “programação de atividades”, e mais
adiante você encontrará detalhes sobre o modo de fazê-la. Há dois passos
envolvidos: automonitoração e planejamento antecipado.

P rim eiro passo: A utom onitoração

A “automonitoração” significa apenas observar seu padrão de ativi­


dades. Envolve a manutenção de um registro detalhado daquilo que faz,
de hora em hora. Você pode fazer isso num caderno ou diário, ou então
seu terapeuta lhe fornecerá uma folha de registro especial.
Seu registro lhe mostrará por escrito como está dispendendo o seu
tempo, e o tomará consciente da satisfação que depreende daquilo que
faz. Isso lhe permitirá testar pensamentos como “Não estou fazendo nada”
ou “Não gosto de nada que faço”, e constatar se eles se mostram verda­
deiros quando comparados com os fatos. Você pode muito bem descobrir
que está mais ativo e competente do que supunha, e que está se divertindo
mais do que pensava. Mesmo se não for esse o caso, você terá um registro
concreto para ajudá-lo a descobrir mais sobre aquilo que está se interpon­
do em seu caminho e formar uma base para alterações do modo como dis-
pende o seu tempo.

Como fazê-lo

Nos próximos dias, anote em seu diário ou em sua folha de registros:


Depressão 301

1. Suas atividades. Registre exatamente o que faz, de hora em hora.

2. Prazer e domínio. Atribua a cada atividade uma nota de 0 a 10 para o


prazer (P) e para o domínio (D). “P” se refere ao prazer que teve com
aquilo que fez; “PIO”, portanto, significaria que teve muito prazer em
fazer algo. “PO” significaria que não teve prazer algum. Use qualquer
número, entre 0 e 10, para indicar o quanto apreciou uma determinada
atividade. “D” se refere ao domínio que experimentou naquilo que
fez. Quanto significou em termos de conquista, levando-se em conta o
modo como você se sentiu? “D 10” significaria que aquilo que fez
representou uma grande conquista. “DO” significaria a ausência de
qualquer conquista. Novamente, poderá usar qualquer número entre 0
e 10 para mostrar quanto domínio esteve em jogo numa determinada
atividade.

Problemas comuns na automonitoração

Pensar que não estáfazendo nada. Sentar-se numa cadeira diante da tele­
visão é uma atividade, assim como ir para a cama e ficar olhando fixa­
mente pela janela, conjeturando. Nunca se está fazendo “nada”. Porém,
algumas atividades podem lhe ser menos úteis do que outras. Para conse­
guir identificá-las, convém especificar em sua folha de registros o que
elas são, em vez de simplesmente escrever “nada”.

Subestimar suas conquistas. “D” deve ser avaliado em termos do grau de


dificuldade que uma atividade apresenta para você agora, e não da difi­
culdade que lhe apresentava antes de ter ficado deprimido, ou da dificul­
dade que outra pessoa poderia encontrar. Quando se está deprimido, as
coisas que normalmente seriam fáceis se tomam difíceis. Mesmo levan-
lar-se da cama ou preparar uma fatia de torrada podem constituir uma
grande conquista, dado o modo como se sente. Cuidado com pensam en­
tos como “Mas eu deveria ser capaz de fazer isto melhor”, ou “E daí?
Qualquer tolo seria capaz de fazer isso”. Tais pensamentos só servem
para mantê-lo aprisionado no círculo vicioso da depressão. Lute contra
eles ao se assegurar de que se atribui créditos por aquilo que faz.

Postergar suas avaliações. E importante que atribua notas às suas ativi­


dades quanto a “P” e “D” no momento em que ocorrem. Se esperar até
mais tarde, sua depressão vai influenciar o modo como vê seu dia, e pode
muito bem fazer com que ignore ou desvalorize as boas coisas que fez.
Quando as pessoas estão deprimidas, as coisas más são mais facilmente
302 Terapia cognitivo-comportamental

notadas e relembradas. Em contraposição, as coisas boas são quase sem­


pre esquecidas ou depreciadas. Se fizer suas avaliações no momento, essa
tendência a ver as coisas assim vai tomar-se menos provável. Avaliações
imediatas também vão ajudá-lo a se tom ar mais sensível mesmo a peque­
nos graus de prazer e domínio, que de outra forma poderiam passar des­
percebidos.

Segundo passo: O p lanejam ento antecipado

Agora que pode ver como dispende seu tempo, o próximo passo é
planejar cada dia com antecedência, assegurando-se de que vai incluir ati­
vidades que lhe darão uma sensação de prazer e domínio.
O planejamento antecipado lhe permitirá sentir que está assumindo
o controle de sua vida, além de dar-lhe um sentimento geral de propósito.
O enquadramento ao qual você se propõe vai impedir que afunde num
atoleiro de pequenas decisões (“O que devo fazer agora?”) e continuará
ajudando-o a seguir em frente mesmo quando não estiver se sentindo
bem. Uma vez que as atividades do dia estejam anotadas por escrito, pa­
recerão menos opressivas. Você terá desmembrado o dia numa série de
segmentos exeqüíveis, em vez de fazer dele um trecho disforme de tempo
que deve de alguma forma preencher.

Como fazê-lo

1. Planeje suas atividades. Toda noite, ou logo pela manhã, reserve al­
gum tempo para planejar o dia com antecedência. Verifique qual o
horário mais adequado para fazer isso, lembrando-se de que é mais
provável que seja capaz de planejar de forma mais realista e construti­
va quando estiver se sentindo relativamente bem e com as idéias mais
claras. Se achar difícil lembrar-se de reservar um tempo para o plane­
jam ento do dia, faça uso de lembretes. Coloque avisos pela casa, por
exemplo, ou peça a alguém para lembrá-lo de que às 9h30 começa o
seu horário de planejar o dia de amanhã. N a medida do possível, pro­
cure certificar-se de que seu horário de planejamento não seja inter­
rompido, e de que não haja outras exigências prementes que possam
distraí-lo. Desligue a televisão e tire o telefone do gancho.
Almeje um equilíbrio entre prazer e domínio ao longo de seu dia.
Se preencher seu tempo com deveres e tarefas, sem deixar tempo para
divertimento ou relaxamento, pode ser que se sinta cansado, ressenti­
do e deprimido ao final do dia. Por outro lado, se ignorar por completo
Depressão. 303

aquilo que tem de fazer, seu prazer talvez seja comprometido pela sen­
sação de que nada foi conquistado, e sua lista de tarefas necessárias
vai tomar-se maior. Você talvez ache útil ter como meta o padrão de
atividades que achava mais recompensador no passado. Há um a boa
possibilidade de que, uma vez que começar, acabe por constatar que
esse padrão funciona para você novamente.
Ao começar seu dia, procure estimular-se com uma atividade que
lhe dê um a sensação de domínio, e que tenha boas probabilidades de
concluir com êxito. Isso é particularmente importante se tiver proble­
mas para começar a funcionar pela manhã. E planeje recompensar-se
com um a atividade prazerosa ou relaxante depois de ter lidado com
algo difícil. Você pode, por exemplo, reservar um tempo para tomar
uma xícara de café e ouvir seu programa de rádio favorito depois de
ter passado uma hora com os serviços da casa. Evite a cama. As camas
são para dormir, e não para se recolher durante o dia. Se precisar de
descanso ou relaxamento, planeje obtê-lo de outra maneira.
De início, talvez ache que tentar planejar o dia inteiro de uma só
vez é muito difícil para você. Se assim for, desmembre o dia em partes
menores e lide com cada um a delas por vez.

2. Registre aquilo que realmente faz. Ponha seu plano em prática. Anote
na folha de registro de que modo usa seu tempo, exatamente como fez
na fase de automonitoração. Avalie cada atividade em termos de do­
mínio e prazer, atribuindo uma nota de 0 a 10.

3. Reexamine o que fez. Ao final de cada dia, reexamine o que fez. Dê-se
um tempo para sentar e examinar como passou o dia, quanto prazer e
domínio depreendeu daquilo que fez, e até onde conseguiu realizar as
atividades às quais se propôs. Isso ajudará a ver claramente como está
dispendendo seu tempo, qual o espaço existente para aperfeiçoamento,
e quais as mudanças que gostaria de introduzir no padrão de seu dia.
Se, de uma maneira geral, já conseguiu se m anter fiel ao seu plano
e constatou que aquilo que fez foi razoavelmente satisfatório, essa
constatação vai dar-lhe algo em que possa fiindamentar-se. Se, por ou­
tro lado, você não se ateve a seu plano ou obteve pouca satisfação com
o que fez, isso irá oferecer-lhe uma informação valiosa sobre o tipo de
coisas que o estão impedindo de obter o máximo de seu dia. Qual, exa­
tamente, era o problema? Você superestimou aquilo que poderia fazer
no tempo disponível? Você almejou alto demais, esquecendo-se de
levar em conta como se sente no momento? Você passou o dia fazen­
do coisas que sentia que devia fazer, em vez de coisas que lhe dão pra­
zer e ajudam a relaxar? Seus melhores esforços foram obstruídos por
304 Terapia cognitivo-comportamental

pensamentos pessimistas? Se puder verificar o que deu errado, poderá


aprender a partir dessas experiências. Use suas descobertas para aju­
dar o planejamento futuro.

L idar com tarefas práticas

A depressão quase sempre leva as pessoas a postergar tarefas práti­


cas que precisam realizar. Estas vão se acumulando e, no final, as pessoas
se sentem completamente sobrecarregadas. Você pode se ajudar a come­
çar as coisas que tem de fazer se seguir os passos abaixo:

1. Elaborar uma lista de todas as coisas que vem postergando, em qual­


quer que seja a ordem em que lhe ocorram.

2. Numerar as tarefas por ordem de prioridade. O que precisa ser feito


primeiro? Se não puder decidir, ou se isso realmente não importar, nu­
mere-as em ordem alfabética. O importante, nesta fase, é fazer alguma
coisa.
3. Escolha a primeira tarefa e desmembre-a em pequenos passos. O que,
exatamente, terá de fazer a fim de conclui-la?

4. Ensaie a tarefa mentalmente, passo a passo. Tome nota, por escrito,


de quaisquer dificuldades que possa encontrar, e imagine o que fazer
com elas.

5. Anote quaisquer pensamentos negativos que lhe ocorrerem ao pensar


em realizar a tarefa, e responda-os se for capaz (ver adiante). Se não
conseguir encontrar respostas, simplesmente anote os pensamentos
(reconhecendo-os por aquilo que são), coloque-os de lado para uma
posterior discussão com seu terapeuta e concentre-se naquilo que está
fazendo.

6. Realize a tarefa passo a passo, lidando com as dificuldades e pensa­


mentos negativos à medida que ocorrerem, exatamente como fez no
ensaio mental.

7. Anote aquilo que fez em sua programação de atividades, e atribua


notas d e O a l O a P e a D assim que tiver concluído a tarefa.

8. Concentre-se naquilo que conquistou, e não em todas as outras coisas


que ainda terá de fazer. Tome cuidado com os pensamentos negativos
que o levarão a desvalorizar ou depreciar aquilo que fez. Anote-os, e
305
Depressão.

responda-os se puder. Se não conseguir, anote-os e coloque-os de lado


para posterior discussão com seu terapeuta.

9. Passe para a próxima tarefa e proceda da mesma maneira.

Problemas comuns do planejamento antecipado

Não ser capaz de se começar as coisas. Se tiver dificuldades para come­


çar uma determinada atividade, diga ao seu corpo detalhadamente o que
fazer. “Vamos lá com isso” é vago demais. “Pernas, andem. Mão, pegue a
caneta. Agora escreva” são diretrizes que podem dar-lhe o estímulo para
começar. Tão logo tiver dito a si mesmo o que fazer, faça-o. Não permita
nenhuma pausa para que as dúvidas se insinuem.

Ser muito rígido. Seu plano é um guia, não um deus. Não está entalhado
em placas de pedra. Ele existe para ajudá-lo, não para governar sua vida.
Então, por exemplo, algo de imprevisto pode acontecer e desviá-lo de sua
programação. Um amigo faz uma visita sem avisar, ou a máquina de lavar
quebra. A essa altura, pode sentir que seus esforços para planejar seu dia
foram por água abaixo; a menos que consiga ater-se àquilo que planejou,
poderá simplesmente não se incomodar.

Há um a série de coisas que pode fazer para lidar com o imprevisto:

• Aceitar a interrupção. Aceitar que as coisas não saíram do modo co­


mo pensou que fossem sair, e continuar com seu plano original quando
puder. Seu amigo vai embora às 4 horas. O que havia programado para
esse horário?

• Pensar em alternativas. Algumas das atividades que planejou podem


depender de fatores além de seu controle, como o tempo ou a saúde de
outras pessoas. Supondo-se, por exemplo, que planeje um piquenique,
tenha uma atividade de reserva para o caso de chover. Ou, supondo-se
que tenha planejado passar o fim de semana com uma velha amiga e na
última hora ela contrai uma gripe, procure uma alternativa que possa
aproveitar, em vez de desistir e não fazer nada de especial.

• Não tente recuperar coisas que deixou defazer. Se, por algum motivo,
não puder fazer aquilo que havia planejado para um determinado horá­
rio (você queria limpar o quarto, e acabou conversando com seu filho
sobre seus planos de férias), não tente voltar atrás e fazê-lo mais tarde.
306 Terapia cognitivo-comportamental

Passe para a próxima atividade de seu plano, e reprograme o que dei­


xou de fazer para o próximo dia. De forma semelhante, se terminar
uma atividade antes do previsto, deixe para fazer a próxima no horário
que havia originalmente planejado. Preencha essa lacuna com algo
que aprecie. Talvez convenha ter à mão um a lista de atividades praze­
rosas à qual possa recorrer para uma escolha.

Ser exageradamente específico ou geral. Não há necessidade de escrever


aquilo que pretende fazer em detalhes minuciosos. Enumerar cada peça
de mobília e decoração que precisa limpar é por demais específico. Da
mesma maneira, não seja muito geral. “Serviço de casa”, por exemplo é
muito genérico para que tenha uma idéia clara daquilo que está almejan­
do. Assim, ficará difícil saber quando seu objetivo foi alcançado. Pro­
grame suas atividades para durar aproximadamente de uma a uma hora e
meia. A experiência lhe dirá quanto tempo uma atividade talvez demore a
ser completada.

Planeje em termos de qualidade, e não de quantidade. Tome nota por es­


crito do tempo que vai dispender com determinada atividade, e não o quan­
to fará durante esse período. Esgotado o tempo, pare. O que fizer num de­
terminado período pode depender de fatores que estão fora de seu controle
(por exemplo, interrupções, máquinas que quebram), ou outros proble­
mas (por exemplo, dificuldade de concentração, fadiga). Se disser a você
mesmo que tem de arrancar as ervas daninhas de todo o jardim esta tarde e
não der conta do' recado, é provável que se considere um fracasso e não
atribua nenhum crédito ao que fez. Por outro lado, se estabelecer que vai
ficar uma hora trabalhando no jardim, o tanto de ervas daninhas que arran­
car não será tão importante. Recompense o esforço, e não o resultado.

Esperar milagres. Seu objetivo imediato é fazer o que planejou da melhor


maneira possível, e não se recuperar de sua depressão. Você talvez se sin­
ta menos deprimido quando está fazendo algumas coisas e não outras. E,
se realmente se empenhar em tomar-se mais ativo, acabará por sentir-se
melhor. Mas nada do que faça pode resultar numa cura milagrosa. Não
espere se recuperar de sua depressão depois de uma hora de televisão, ou
de limpeza do armário embaixo da escada. Se criar essa expectativa, só
vai se decepcionar.

Parar quando as coisas ficam difíceis. Abandone um a atividade quando


estiver se saindo bem, não quando se sentir exausto ou quando as coisas
estiverem indo mal. Isso fará com que se sinta bem a respeito daquilo que
conquistou, e pronto para prosseguir.
Depressão 307

P ensam entos que fazem com que pare de se ativar

Já discutimos como o pensamento pessimista e desanimador pode


obstruir as tentativas de ativar-se, prendendo-o no círculo vicioso da de­
pressão. A maneira mais poderosa de superar sua depressão é identificar
seus pensamentos depressivos quando ocorrerem, e contestá-los. Você
aprenderá a fazer isso numa etapa posterior da terapia. Enquanto isso,
monitorar o que faz e planejar com antecedência vai dar-lhe uma boa
oportunidade de começar a conscientizar-se mais dos pensamentos de­
pressivos que bloqueiam o progresso e obstruem o caminho.
N a última seção deste folheto, encontrará exemplos dos tipos de
pensamento que talvez o estejam impedindo de tomar-se mais ativo, e
também das possíveis respostas a eles. Não são as respostas certas, nem
as únicas. São, apenas, algumas sugestões. As respostas que funcionam
pessoalmente para você podem ser bem diferentes. Com a prática, apren­
derá por si mesmo a encontrar respostas eficazes, que mudarão o modo
como se sente e o ajudarão a lidar com suas dificuldades de maneira cons­
trutiva.

Pensamentos automáticos Respostas possíveis


Não posso fazer nada - há Sempre há dificuldades práticas
muitas dificuldades práticas. envolvidas na realização de qualquer
coisa - faz parte da vida. Como
lidaria com elas se não estivesse
deprimido? Há alguém que possa me
aconselhar com relação às coisas
com as quais não sei como lidar?

Não consigo manter uma Manter registros escritos é uma


programação - nunca fui bom habilidade que posso adquirir.
em manter registros. Posso não ter feito isso antes, o que
não quer dizer que não seja capaz
de fazê-lo. Além do mais, já usei
listas antes, para compras e para me
lembrar do que levar nas férias.
Poderia começar por enumerar
todas as coisas que tenho de fazer.

Há muito que fazer - não vou Acreditar nisso faz parte da


dar conta. depressão. Pode não ser verdade. Se
escrever o que preciso fazer, não
308 Terapia cognitivo-comportamental

parecerá tão excessivo. Não terei de


fazer tudo de uma vez. Posso fazer
uma coisas por vez.

É muito difícil. Só parece difícil porque estou


deprimido. Já fiz coisas mais difíceis
no passado.

Não saberei como lidar com isto. A idéia é fazer um a tentativa, e não
produzir um desempenho perfeito. É
melhor tentar e descobrir como me
saio do que não fazer absolutamente
nada.

Não quero tentar. E verdade. Mas, queira ou não, o que


é melhor para mim? O que fará com
que eu me sinta melhor e com o
domínio sobre as coisas? Fazer ou
deixar de fazer?

Não estou pronto para isto no Não saberei se estou pronto até que
exato momento; esperarei até tente. Se esperar até que esteja me
que esteja me sentindo melhor. sentindo melhor, nunca o farei. Se
tentar, vou sentir-me melhor.

É tarde demais, deveria ter feito Talvez teria sido melhor se tivesse
isso antes. feito isso antes, mas o fato é que não
o fiz. O sentimento de culpa em nada
me ajudará. Antes tarde do que
nunca - faça-o agora para não perder
tempo com lamentações.

Não consigo decidir o que fazer Isso realmente não importa. O


primeiro. importante, nesta fase, é fazer
alguma coisa. Escolha aquilo que
vem primeiro no alfabeto. Uma vez
que começar, talvez fique mais claro
o que deve fazer depois. Se isso não
ocorrer, simplesmente percorra o
alfabeto.
Depressão. 309

Não há razão para tentar. Vou Só terei certeza disso quando tentar.
fazer tudo errado e me sentir Ninguém está exigindo um desem­
pior. penho cinco-estrelas. Mesmo que
faça tudo errado, não é o fim do
mundo - posso aprender a partir de
meus erros desde que não os leve
muito a sério.

Não vou gostar disso. Como posso saber? Não sou nenhum
vidente. Posso gostar mais do que
imagino, desde que me envolva
naquilo que estou fazendo. Isso já
aconteceu antes.

Não serei capaz de fazer tudo Ninguém faz tudo que planejou o
que planejei. tempo inteiro, então não preciso me
sentir mal por esse motivo. Antes de
ficar deprimido, se não conseguia
fazer tudo, eu passava para o dia
seguinte. Faça só o que pode, e
esqueça o que não pode. O mundo
não vai acabar só porque não limpei
o sótão hoje.

Não estou fazendo nada. Será mesmo verdade? Ou o fato é


que não estou me dando crédito por
aquilo que faço? Por que não manter
um registro por alguns dias e
verificar? Talvez eu apenas pense
que não estou fazendo nada.

Não faço nada que valha a pena. Eu não via as coisas assim antes de
ficar deprimido. Fazia exatamente o
mesmo que faço agora, mas
conseguia ver que valia a pena,
mesmo que nada fosse muito
envolvente ou estimulante. Se
depreciar tudo o que faço, só vou
conseguir me desestimular.

Não mereço me divertir. Devo Fazer as coisas que aprecio vai fazer
apenas prosseguir com todas as com que eu me sinta melhor. E isso o
coisas que tenho de fazer. que desejo. Também, se estiver mais
310 Terapia cognitivo-comportamental

relaxado e me sentindo melhor, é


mais provável que faça o que tenho
de fazer de maneira mais eficiente,
em vez de me atrapalhar e ficar
passando de uma coisa a outra. Sei
disso por experiência própria;
consigo render mais quando me
permito intervalos do que quando
prossigo arduamente, sem parar.

Muito bem, limpei o carro. Normalmente, limpar o carro não


E daí? representaria nada de especial. Mas,
considerando-se como me sinto, na
verdade é muito difícil. Limpá-lo,
portanto, foi uma conquista que me
tom a digno de crédito. D 10.

Como lidar com pensam entos negativos

O problem a

As pessoas que estão deprimidas geralmente pensam de uma manei­


ra tendenciosa, negativa. Têm opiniões negativas sobre si mesmas (por
exemplo: “Não sirvo para nada”), o mundo (por exemplo: “A vida não faz
sentido”) e o futuro (por exemplo: “Nunca deixarei de me sentir assim”).
Pensamentos negativos como estes têm várias características. São:

• automáticos - simplesmente irrompem em sua mente sem qualquer


esforço de sua parte;
• distorcidos - não correspondem absolutamente aos fatos;
• inúteis - mantêm a pessoa deprimida, fazem com que a mudança seja
difícil e a impedem de conseguir o que quer da vida;
• plausíveis - você os aceita como fatos, e não lhe ocorre questioná-los;
• involuntários - você não opta por tê-los, e podem ser muito difíceis de
eliminar.

Pensamentos como esses podem prendê-lo num círculo vicioso.


Quanto mais deprimido fica, mais pensamentos negativos tem, e mais
acredita neles. Quanto mais pensamentos negativos tem, mais acredita
lk ’i>ressão. 311

neles e mais deprimido fica. A principal meta da terapia cognitiva é aju­


dá-lo a interromper esse círculo vicioso.

Superar o problem a

Você talvez já tenha discutido exemplos de seus próprios pensa­


mentos negativos com seu terapeuta, e então já observou o efeito que
exercem sobre o modo como se sente e aquilo que faz. Chegou a hora de
lazer com que os pensamentos negativos sejam o alvo principal de seu
enfoque. Este é o cerne da terapia cognitiva: aprender a reconhecer quan­
do se está pensando de maneira negativa, e procurar maneiras mais positi­
vas e realistas de encarar suas experiências, testando-as na prática.
De início, você talvez não ache fácil detectar seus pensamentos e
reagir a eles. Responder aos pensamentos negativos é como qualquer
outra habilidade - leva tempo e é preciso praticar regularmente para
desempenhar bem essa atividade. Por esse motivo, não desanime se tiver
dificuldades no início. Nas sessões, você e seu terapeuta trabalharão ju n ­
tos na identificação dos pensamentos e na resposta a eles, e suas tarefas
de casa vão lhe oferecer muitas oportunidades de praticar por conta pró­
pria. Quanto mais praticar, mais rapidamente as respostas aos pensamen­
tos lhe ocorrerão. A seqüência dos passos vem descrita a seguir.

Prim eiro passo: T om ar consciência dos p ensam entos negativos

O primeiro passo para superar o raciocínio negativo é tomar cons­


ciência de seus pensamentos, e dos efeitos que eles lhe acarretam.
Os pensamentos negativos o fazem sentir-se mal - ansioso, triste,
deprimido, desesperançado, culpado, zangado. Em vez de ser oprimido
por esses sentimentos, você pode aprender a usá-los como um sinal para a
ução. Observe quando seu humor muda para pior, e examine o que estava
passando por sua cabeça naquele momento. Depois de alguns dias, ficará
mais sensível às mudanças de seus sentimentos e aos pensamentos que os
desencadeiam. Talvez você até constate que os mesmos pensamentos
ocorrem várias vezes.

( 'omo agir

A melhor maneira de se tomar consciência dos pensamentos negati­


vos é anotá-los à medida que ocorrem. Você pode fazer isso num Registro
312 Terapia cognitivo-comportamental

de Pensamentos Disfuncionais (veja, mais adiante, um exemplo de um


registro já preenchido). Escreva:

1. A data
2. As emoções que sentiu. Atribua a cada uma delas uma nota de 0 a 100
quanto à sua intensidade. Um avaliação que confira 0 significaria
nenhuma emoção, 50 um grau moderado de emoção, e 100 um a emo­
ção em grau máximo. Você pode atribuir qualquer nota entre 0 e 100.

3. A situação. O que estava fazendo quando começou a se sentir mal? Is­


so inclui, em termos gerais, aquilo em que estava pensando na oca­
sião. Apenas coloque aqui o tópico geral (por exemplo: “Pensando em
como a vida é difícil”). O que exatamente passava por sua cabeça de­
ve constar da coluna seguinte.
4. O(s) pensamento(s) automático(s). Que pensamentos lhe ocorriam no
momento em que começou a se sentir mal? Procure registrá-los da
maneira mais exata possível, palavra por palavra. Alguns de seus pen­
samentos podem tomar a forma de imagens em sua mente, em vez de
palavras. Você pode, por exemplo, se imaginar como alguém incapaz
de enfrentar uma situação no futuro. Anote exatamente qual era a ima­
gem, da maneira como a viu.
Pode haver momentos em que não consiga identificar quaisquer
pensamentos ou imagens enquanto tais. Se isso acontecer, pergunte a
si mesmo qual é o significado da situação. O que este revela a seu res­
peito, sobre sua situação, seu futuro? Isso pode lhe proporcionar uma
indicação dos motivos pelos quais a situação é tão deprimente, ou
daquilo que o está deixando tão ansioso, zangado, ou o que quer que
seja? Uma discussão, por exemplo, pode significar para você o final
de um relacionamento, ou mesmo que nunca será capaz de ter um
bom relacionamento com alguém. Depois de identificar o significado,
será capaz de contestá-lo da mesma forma que o faria com qualquer
outro pensamento. (Detalhes sobre o modo de fazer isso são forneci­
dos mais adiante, no “Segundo passo: respondendo aos pensamentos
negativos” .)
Quando tiver anotado seus pensamentos, imagens ou significados
negativos, confira a cada um um a nota de 0 a 100 quanto à sua crença
neles. Uma avaliação que atribuísse 100 significa que acredita plena­
mente num pensamento, 0 que não acredita de maneira alguma, e 50
que só acredita pela metade, e assim por diante. Você pode atribuir
notas entre 0 e 100.
Depressão 313

Problemas comuns ao se registrar pensamentos negativos

Tempo. Em termos ideais, é melhor registrar os pensamentos e sentimen­


tos assim que ocorrerem. É evidente, porém, que isso nem sempre é pos­
sível. Poderia parecer estranho, por exemplo, se trouxesse consigo as
folhas de registro para uma festa ou reunião! Nesse caso, faça um registro
mental daquilo que o perturbou, ou anote rapidamente um lembrete em
qualquer pedaço de papel que estiver à mão. Então reserve um tempo à
noite (digamos, 20 minutos) para fazer um registro apropriado. Reveja os
latos através de um “ replay da ação”, tentando se lembrar com o máximo
de detalhes possível do que aconteceu, como se sentiu e de quais eram
seus pensamentos.

Evitar escrever seus pensamentos negativos. Preste atenção aos pretextos


que o impedem de se concentrar em seus pensamentos e emoções. Você
pode dizer a si mesmo, por exemplo: “Farei isso mais tarde” ou “Seriá
melhor esquecer isso”. Pode perceber que não está disposto a encarar
seus pensamentos de frente. Talvez tenha medo de que eles o oprimam,
ou pense que são estúpidos. É muito natural que se queira evitar a lem­
brança de experiências desagradáveis, mas fazer isso é a melhor maneira
de combater a sua depressão. Se perceber que está utilizando pretextos,
isso talvez signifique que se deparou com algo importante; proponha-se,
portanto, a fazer uma anotação. Em seguida, pode fazer um exercício de
distração, se assim o desejar. Mas ignorar os pensamentos não fará com
que eles deixem de existir.

Segundo passo: R espond er aos p en sam en tos negativos

Uma vez que aprendeu a tomar consciência de pensamentos negati­


vos, o próximo passo consiste em avaliar os pensamentos que identifica e
procurar alternativas mais úteis e realistas.

Comofazê-lo

Há quatro questões principais que pode usar para encontrar respos­


tas aos seus pensamentos negativos:

I. Qual é a comprovação? Os fatos da situação corroboram aquilo que


pensa ou o contradizem?
DATA EMOÇÕES SITUAÇÃO PENSAMENTOS A UTOMÁ TICOS
O que sente? O que estava fazendo ou Quais são, exatamente, seus pensamentos?
Qual a intensidade do pensando? Qual a sua crença em cada um deles (0-100%)?
que sente (0-100)?

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Depressão 315

2. Que perspectivas diferentes se apresentam? Há m uitas maneiras de


analisar um a experiência. De que outro modo poderia interpretar
aquilo que aconteceu? Procure o máximo de alternativas que puder,
e reexamine seus prós e seus contras. Quando objetivamente consi­
derada, qual alternativa apresenta m aior probabilidade de estar cor­
reta?
3 . Qual é o efeito de pensar da maneira como ofaz? Como ela determina
o modo como se sente e o que faz? Quais são as vantagens e desvanta­
gens de pensar dessa forma? Você é capaz de encontrar alternativas
que lhe possam ser mais úteis?

4. Quais erros de raciocínio está cometendo? Em geral, as pessoas de­


primidas distorcem sistematicamente o modo como analisam suas
experiências. Tiram conclusões precipitadas, hipergeneralizam a par­
tir de coisas específicas que acontecem, assumem responsabilidade
por coisas que não constituem erros seus, e assim por diante. Quais
desses erros consegue identificar em sua própria maneira de pensar?

Mais adiante neste folheto, você encontrará vinte perguntas mais es­
pecíficas, agrupadas junto com exemplos, todas elas remetendo a esses
quatro títulos principais. Pode usá-las para ajudá-lo a encontrar alternati­
vas para seus pensamentos negativos. Lembre-se de que os exemplos são
apenas possibilidades. As respostas que funcionam para você, pessoal­
mente, podem ser bem diferentes. Precisará encontrá-las por si mesmo.
É extremamente importante que registre e responda ao máximo de
pensamentos que for possível, todos os dias. Anotá-los vai permitir que se
distancie deles. No final, talvez seja capaz de respondê-los mentalmente,
à medida que ocorrem; mas, se tentar fazer isso de início, os pensamentos
serão quase sempre muito intensos com relação às respostas, e poderão
apagá-las. Anotar as respostas lhes confere poder; ali estão elas, por escri­
to. Talvez precise elaborar, no papel, respostas para cinqüenta ou cem
pensamentos antes que se tome fácil - ou nem tanto - elaborá-las m ental­
mente. Mesmo assim, encontrar respostas eficazes ficará cada vez mais
fácil quanto mais você praticar.

Manutenção de registros

Use o Registro de Pensamentos Disfuncionais para registrar suas re­


postas como se segue (você encontrará, mais adiante, um exemplo de
uma folha de registro preenchida):
316 Terapia cognitivo-comportamental

1. Resposta racional. Anote todas as respostas racionais que lhe ocorre­


rem a cada pensamento. Atribua a cada um a uma nota de 0 a 100, de
acordo com sua convicção sobre ela. U m a avaliação que atribui 100
significa que acredita plenamente, 0 que não acredita de m aneira algu­
ma, 50 que acredita apenas parcialmente, e assim por diante. Poderá
conferir qualquer nota entre 0 e 100.

2. Resultado
(a) Retorne aos pensamentos automáticos negativos originais. Agora
que já respondeu a eles, qual a sua crença nesses pensamentos?
Confira a cada um um a nova nota de 0 a 100.
Se suas respostas tiverem sido eficazes, constatará que sua
crença diminuiu até certo ponto. Se não o fez, pode significar que
está desqualificando a resposta de alguma maneira - dizendo a si
mesmo que é só uma racionalização, ou que pode se aplicar a ou­
tras pessoas, mas não a você. Escreva estes “sim, mas...” na colu­
na dos pensamentos automáticos negativos e responda-os da m es­
ma maneira que fez com relação aos pensamentos originais.
Não espere que sua crença nos pensamentos negativos desa­
pareça por completo de uma só vez. Ela talvez já exista há muito,
enquanto as respostas podem ser bem novas para você. Levará
tempo e prática para que desenvolva crença nas respostas, e tal­
vez precise testá-las na prática.
(b) Reexamine a coluna intitulada emoções e verifique como se sen­
tia antes de responder aos pensamentos negativos. Quais são suas
emoções agora, à luz das respostas que encontrou? Avalie cada
uma de 0 a 100.
Novamente, se suas respostas tiverem sido eficazes, constata­
rá que sua emoções diminuíram até certo ponto. Não desanime se
elas não desapareceram por completo, pois isso exige tempo e
prática.
(c) Elabore um plano de ação. O que pode fazer, seja para mudar a
situação para melhor, ou para testar as respostas a seus pensamen­
tos negativos? Como gostaria de lidar com a situação de maneira
diferente quando ela voltar a ocorrer? O que fará ao se encontrar
pensando e sentindo desse modo novamente? Procure elaborar
uma estratégia que possa utilizar no futuro, sempre que se deparar
com uma dificuldade semelhante. (Mais adiante, você encontrará
mais detalhes sobre a maneira de testar seus pensamentos na prá­
tica na seção intitulada “Terceiro passo”.)
Depressão 317

l'roblemas comuns ao responder aos pensamentos negativos

A necessidade de praticar. Distanciar-se, questionar, avaliar e responder


aos nossos pensamentos não é algo que façamos normalmente. De início,
você pode até achar difícil ser objetivo e encontrar respostas que afetem
seus sentimentos até certo ponto. Você terá a oportunidade de praticar nas
sessões com seu terapeuta e também por conta própria; dê-se, portanto,
uma possibilidade de pegar o traquejo, e não desanime se, no início, não
puder sempre encontrar respostas eficazes. Você esperaria vencer em
Wimbledon depois de seis aulas de tênis?

Lidar com a desesperança extrema. Você talvez ache particularmente di-


licil encontrar alternativas racionais aos seus pensamentos negativos
quando estiver se sentindo muito perturbado. Nesse caso, pode achar útil
anotar apenas aquilo que o está perturbando, distrair-se até que esteja se
sentindo mais calmo e, então, retom ar àquilo que registrou e procurar res­
postas. Você estará em melhores condições de fazê-lo uma vez que se
sinta melhor. Cuidado para não agravar a situação ao dizer a si mesmo
que é um fracasso, ou que a terapia não funcionará para você.

Estabelecer padrões perfeccionistas. Seu registro não precisa ser uma


obra de arte literária. N em terá de achar a única resposta correta, ou a
resposta que seu terapeuta aprovaria. Um a boa resposta é aquela que
muda a maneira como se sente e reduz sua crença em seus pensam en­
tos negativos, abrindo caminho para a ação. Não existe um a resposta
que sirva para todos. Terá de encontrar aquelas que funcionam para
você.

Depreciar-se. Cuidado com a autocrítica quando estiver registrando seus


pensamentos. Pode se pegar pensando, por exemplo: “Devo realmente ser
estúpido por pensar assim.” Lembre-se de que pensar negativamente é
um sinal da depressão, que pode superar, e não de falta de inteligência.

A necessidade da repetição. Não desanime se verificar que os mesmos


pensamentos ocorrem várias vezes. Se já está deprimido há algum tempo,
pensar de maneira negativa já se terá tomado um hábito bem estabeleci­
do. Levará tempo para acabar com ele. Quanto maior a freqüência com
que um determinado pensamento ocorrer, maiores oportunidades terá de
respondê-lo e mudá-lo.
318 Terapia cognitivo-comportamental
319
Depressão

Vinte perguntas para ajudá-lo a contestar os pensam entos negativos

Qual é a comprovação?

1. Estou confundindo um pensamento com um fato? O fato de acreditar


que algo é verdadeiro não significa necessariamente que o seja. Aquilo
que pensa corresponde aos fatos? Seria aceito como correto pelas outras
pessoas? Seria satisfatório num tribunal, ou seria rejeitado como circuns­
tancial? Que provas objetivas você tem para corroborar ou contestar seus
pensamentos?
Pensamentos automáticos Respostas possíveis
Quando encontrei Peter na rua É verdade que não sorriu para
hoje, ele não sorriu para mim. mim, mas não tenho motivos para
Devo ter feito algo que o ofendeu. pensar que possa estar ofendido
comigo; talvez seu problema não
tivesse absolutamente nada a ver
comigo. Talvez só estivesse com a
mente muito ocupada.
2. Estou tirando conclusões precipitadas? Isso é o que acontece quando
baseamos nossos pensamentos em indícios frágeis. Por exemplo, as pes­
soas deprimidas em geral acreditam que os outros estão sendo críticos
com relação a elas. Nenhum de nós, porém, consegue 1er a mente. Como
poderemos saber o que alguém está pensando? Você pode estar certo, mas
não tire conclusões precipitadas. Atenha-se àquilo de que pode ter certe­
za. Se não tiver indícios suficientes para fazer um julgamento fundamen­
tado, procure descobrir mais a respeito dos fatos antes de decidir-se.
Pensamentos automáticos Respostas possíveis
Meu marido não experimentou o Tudo que sei com certeza é que ele
bolo de chocolate que fiz para ele. não o experimentou. Não sei, de
Ele me considera uma péssima fato, se ele me considera uma
cozinheira. péssima cozinheira ou não. Talvez
só não estivesse com fome. Posso
perguntar.

Quais alternativas se apresentam?

3. Estou supondo que minha visão das coisas é a única possível? Há mais
de uma maneira de se analisar uma situação. Como teria reagido antes de
ficar deprimido? Como reagiria mesmo agora, num dia em que estivesse
se sentindo relativamente bem? Como outra pessoa poderia analisar as
coisas? Qual seria sua reação se um amigo conversasse com você sobre a
320 Terapia cognitivo-comportamental

situação que o está perturbando? Sua maneira de pensar seria tão pessi
mista se outra pessoa estivesse nessa situação em vez de você?
Pensamentos automáticos Respostas possíveis
Foi um erro terrível. Nunca Se eu não estivesse deprimido,
aprenderei a fazer isso direito. talvez desse de ombros e o
atribuísse à experiência. Faria o
que pudesse para corrigir as coisas
e aprender a partir de meu erro.
Tom cometeu exatamente o
mesmo erro a semana passada, e
fez disso uma piada.

Qual é o efeito de pensar do modo como penso?

4. Os pensamentos negativos me ajudam ou me atrapalham? O que você


deseja? Quais são suas metas? Você quer superar sua depressão, ser feliz
e aproveitar a vida ao máximo? Seu modo de pensar atual o está ajudando
a alcançar esse objetivo ou está obstruindo o seu caminho?
Pensamentos automáticos Respostas possíveis
É inútil. A esta altura, eu já deveria O que desejo é me recuperar de
ser capaz de fazer melhor. Nunca m inha depressão. Pensar dessa
serei capaz de responder aos meus m aneira não vai m e ajudar a
pensamentos. alcançar isso. Só faz com que eu
m e sinta pior. É inútil dizer a mim
mesmo que já deveria estar
fazendo melhor. O que preciso é
de prática, e, se continuar me
desvalorizando, vou desistir em
vez de praticar.

5. Quais são as vantagens e desvantagens de pensar dessa maneira? M ui­


tos padrões de pensamento distorcidos apresentam algumas vantagens. É
isso que os mantém funcionando. Por exemplo, podem permitir que você
evite situações que considera difíceis. Mas as desvantagens superam as
vantagens? Se assim for, talvez valha a pena elaborar uma nova maneira
de analisar as coisas, que lhe dê vantagens mas evite as desvantagens do
modo de pensar anterior.

Pensamentos automáticos Respostas possíveis


D evo causar um a boa impressão Vantagem. Farei um esforço
nessa festa. especial para conversar com as
Depressão 32 1

pessoas. Se gostarem de mim,


vou sentir-m e maravilhoso.
Desvantagem. Se alguém der a
im pressão de não gostar de mim,
vou sentir-m e horrível e
considerar-me um zero à
esquerda.
Na verdade, então, dizer a mim
mesm o que tenho de causar
um a boa im pressão só me
pressiona e faz com que seja
difícil relaxar e m e divertir.
É im possível que todos gostem
de m im o tem po todo. Se assim
for, ótimo; se não, não vai ser o
fim do mundo.
6. Estou fazendo perguntas que não têm respostas? Isso significa fazer
perguntas do tipo: “Como posso desfazer o passado?”, “Por que não sou
diferente?”, “Qual é o sentido da vida?”, “Por que isso sempre acontece
comigo?”, “Por que a vida é tão injusta?”, e assim por diante. Conjeturar
sobre perguntas irrespondíveis é uma maneira infalível de se deprimir. Se
puder transformá-las em perguntas passíveis de resposta, tanto melhor.
Se não, não perca tempo com elas. Volte seus pensamentos para algo mais
construtivo.
Pensamentos automáticos Respostas possíveis
Quando ficarei bom novamente? Não tenho como responder a essa
pergunta. Ficar pensando nisso só
me deixa preocupado e perturbado.
Faria melhor se dispendesse meu
tempo trabalhando as coisas que
posso fazer para me ajudar a sair
desta depressão o mais rápido
possível.
Que erros de pensamento estou cometendo?

7. Estou pensando em termos de tudo ou nada? Quase tudo é relativo. As


pessoas, por exemplo, em geral não são totalmente boas ou totalmente
más. São uma mistura das duas coisas. Está aplicando esse tipo de racio­
cínio simplista a si mesmo? Procure as nuanças do cinza.
322 Terapia cognitivo-comportamental

Pensamentos automáticos Respostas possíveis


Fiz aquilo muito mal feito. O fato é que não fiz tão bem quanto
Poderia muito bem não ter me desejava fazer. Isso não significa
metido a fazer coisa alguma. que não tenha valor. Não posso
esperar que faça tudo 100%
correto. Se fizer, nunca ficarei
satisfeito.
8. Estou usando termos absolutos em meu raciocínio? Preste atenção em
palavras como “sempre”, “nunca”, “todo o mundo”, “ninguém” e “nada”.
É muito provável que a situação seja, de fato, bem menos claramente
definida do que imagino. N a maioria dos casos, trata-se de “algumas
vezes”, “algumas pessoas” e “algumas coisas”.
Pensamentos automáticos Respostas possíveis
Tudo dá sempre errado comigo. Como, “tudo”? Isso é um exagero.
Algumas coisas vão mal para mim,
exatamente como acontece com as
outras pessoas, mas algumas vão
bem.

9. Estou me condenando totalmente como pessoa com base num único


fa to ? As pessoas deprimidas quase sempre interpretam as dificuldades
como se elas as desqualificassem como pessoas. Você está fazendo esse
tipo de julgamento geral? Você é constituído por milhares de pensamen­
tos, sentimentos e ações. Não é justo julgar-se como pessoa com base em
uma só dessas coisas. Isso é especialmente verdadeiro quando estiver
deprimido, pois estará predisposto a notar suas fraquezas e erros, ignoran­
do seus pontos fortes e suas qualidades.

Pensamentos automáticos Respostas possíveis


Estava tão irritável com as crianças O fato de que num determinado
esta manhã! Sou uma péssima mãe dia, num m om ento determinado,
e uma pessoa má. em circunstâncias determinadas,
eu estava irritável não faz de
mim um a péssim a mãe ou uma
pessoa má. N ão é sensato que eu
espere nunca estar irritável, e
ficar deprim ida por m e rejeitar
com pletam ente não vai me
ajudar a ser mais gentil com as
crianças quando voltarem da
escola.
Depressão 323

10. Estou me concentrando em minhas fraquezas e me esquecendo de


meus pontos fortes? Quando as pessoas ficam deprimidas, geralmente
não vêem os problemas que enfrentaram com êxito no passado, e esque­
cem recursos e qualidades que as ajudariam a superar as dificuldades
atuais. Em vez disso, voltam sua atenção para fracassos e fraquezas. Pode
ficar difícil pensar numa única qualidade ou num só talento. É importante
que se tente manter uma visão equilibrada de si mesmo. Claro que há coi­
sas para as quais não temos aptidão, coisas que nos arrependemos de ter
feito, e coisas sobre nós mesmos que preferiríamos modificar. Que dizer,
porém, do outro lado da equação? Quais são as coisas que você sabe fazer
direito? O que aprecia em si mesmo quando não está deprimido? O que as
outras pessoas valorizam em você? Como enfrentou dificuldades passa­
das em sua vida? Quais são suas qualidades e seus recursos?
Pensamentos automáticos Respostas possíveis
Fiz tudo errado na vida. Me odeio. Isso não é verdade. Há muitas
Por que continuar tentando? coisas que fiz bem. Só não consigo
vê-las com clareza porque estou
deprimido. Se fosse tudo um erro
irreparável, não teria amigos. Mas
eu tenho amigos, e um marido, e
filhos que me amam. Isso deve
significar algo. E o fato de que
estou tentando lutar contra minha
depressão é um sinal de força.
11. Estou me culpando por algum erro que na verdade não cometi? Por
exemplo, as pessoas deprimidas freqüentemente se culpam por estarem
deprimidas. Podem atribuir esse problema à falta de força de vontade, à
fraqueza ou inadequação. Acham que devem se recompor e deixar de ser
tão patéticas. Quando constatam que isso é impossível, tomam-se extre­
mamente autocríticas. Na verdade, a depressão é um problema muito co­
mum; em qualquer momento, mais do que uma entre dez pessoas experi­
mentam sintomas de depressão. Os cientistas vêm estudando a depressão
há muitos anos, e ainda não estão certos quanto à sua causa. A depressão é
um problema realmente difícil de solucionar, e culpar-se por isso só irá
tomá-lo mais deprimido.

Pensamentos automáticos Respostas possíveis


Devo realmente ser estúpido por A estupidez é uma razão possível.
ter esses pensamentos estranhos. Mas, quando olho para mim
mesmo como um todo, não há
muita evidência de que seja
324 Terapia cognitivo-comportamental

estúpido. Tenho esses pensamentos


por estar deprimido. A culpa não é
minha, e estou fazendo o possível
para solucionar o problema. Assim
que estiver me sentindo melhor,
pensarei de maneira bem diferente.
12. Estou tomando coisas que têm pouco ou nada a ver comigo pelo lado
pessoal? Quando as coisas dão errado, as pessoas deprimidas geralmente
acreditam que, de alguma forma, o erro diz respeito a elas pessoalmente,
ou que foi causado por elas. Na verdade, pode não ter nada a ver com elas.
Pensamentos automáticos Respostas possíveis
Mary realmente não gosta de mim. Não sou a única pessoa com quem
Nunca teria gritado assim comigo Mary grita. Ela sempre fica nervosa
se gostasse. quando as coisas não estão indo
bem, e então grita com quem quer
que esteja por perto. Já a vi fazer
isso. Ela vai superar isso, e é bem
provável que se desculpe.

13. Estou esperando que seja perfeito? As pessoas deprimidas quase


sempre se estabelecem parâmetros muito altos. Por exemplo, podem pen­
sar que deveriam ser capazes de lidar com tudo da mesma forma quando
estão muito deprimidas ou quando estão se sentindo bem. Isso não é nem
um pouco realista, e tão-somente abre caminho para a autocrítica e mais
depressão. Simplesmente não é possível fazer tudo 100% correto o tempo
todo. Se esperar que assim seja, está se condenando ao fracasso. Aceitar
que não pode ser perfeito não significa que deva desistir de tentar fazer as
coisas bem feitas. Mas significa que pode ser realista, e levar em conta o
modo como se sente quando se estabelecer metas. Isso aumenta a proba­
bilidade de sucesso. O sucesso o faz sentir-se melhor, e então o próximo
passo se tom a mais fácil. Ademais, significa que pode aprender a partir
de suas dificuldades e erros, em vez de ficar perturbado e paralisado por
causa deles. Lembre-se: se uma coisa vale a pena ser feita, vale a pena
fazê-la, ainda que mal.
Pensamentos automáticos Respostas possíveis
Não está bom o suficiente. Deveria Nem sempre posso contar com a
ter terminado tudo aquilo que realização daquilo que planejo,
planejei. Não sou Deus - sou falível, como
qualquer outro ser humano. Teria
sido bom se tivesse terminado, mas
o fato de não o ter feito não é um
Depressão 325

desastre. É melhor me concentrar


no que fiz, e não no que deixei de
fazer. Assim vou sentir-me
estimulado a tentar novamente.
14. Estou usando um padrão duplo? Você pode estar esperando mais de
si mesmo do que o faria com relação a outra pessoa. Como reagiria a
outra pessoa em sua situação? Seria tão duro com ela? Ou a elogiaria e
incentivaria, ajudando-a a lidar com suas dificuldades? E possível ser tão
gentil consigo mesmo quanto o seria com outra pessoa. Isso não leva a
nenhum desastre.
Pensamentos automáticos Respostas possíveis
Sou patético. Não devia me Se outra pessoa estivesse
perturbar tanto por coisas triviais. perturbada com a mesma situação,
eu não a veria como trivial. Seria
solidário, e tentaria ajudá-la a
encontrar uma solução para o
problema. Sem dúvida não
a chamaria de patética - saberia
que fazê-lo em nada a ajudaria.
Posso fazer o mesmo comigo.
Isso me dará coragem para
prosseguir.

15. Estou apenas prestando atenção ao lado negro das coisas? Você está,
por exemplo, voltando sua atenção para tudo aquilo que deu errado durante
o dia, e esquecendo ou desprezando as coisas que apreciou ou conquistou?
Pensamentos automáticos Respostas possíveis
Este foi, realmente, um dia terrível. Espere um pouco, cheguei atrasado
a uma reunião, tive uma discussão
com minha filha mas, no geral,
meu trabalho caminhou bem, e
gostei muito do filme que vi agora
à noite. No fim das contas, portanto,
não foi um dia ruim. Só lembrar-se
das coisas ruins faz parte da
depressão. Preste atenção a isso.
16. Estou superestimando as possibilidades de acontecerem coisas ruins?
As pessoas deprimidas freqüentemente acreditam que, se as coisas derem
errado, algo de desastroso vai ocorrer. Se o dia começa mal, por exemplo,
só pode ficar pior. Essas idéias podem atuar como profecias auto-realiza-
326 Terapia cognitivo-comportamental

doras. Mas qual é, de fato, a probabilidade de que aquilo que espera acon­
teça? O que pode fazer para mudar o rumo dos acontecimentos?
Pensamentos automáticos Respostas possíveis
Não terminei meu trabalho hoje. Qual foi a última vez que alguém
Serei despedido. foi despedido da empresa por não
ter terminado o trabalho?
É perfeitamente normal não acabar
a tempo, quando todos temos de
trabalhar sob tamanha pressão. Se
meu chefe fizer algum comentário,
posso expor-lhe a situação.

17. Estou exagerando a importância dos eventos? Que diferença um de­


terminado evento faz em sua vida? O que pensará a respeito dele em uma
semana, um mês, um ano, dez anos? Alguém mais se lembrará do que
aconteceu? E você? Se o fizer, sentirá o mesmo que sente hoje? É bem
provável que não.
Pensamentos automáticos Respostas possíveis
Fiz papel de bobo ontem. Não faça tempestade em copo
N unca mais vou conseguir d ’âgua. A maioria das pessoas nem
encará-los. mesmo notou, e acho que quem
notou não deu importância alguma
ao fato - estavam todos muito
ocupados pensando em si mesmos.
Se isso tivesse acontecido num
momento em que você não
estivesse deprimido, teria dado
boas risadas. Certamente, daria
uma boa história.

18. Estou preocupado com o modo como as coisas deveriam ser, em vez de
aceitá-las e lidar com elas como são? Está permitindo que o que acontece no
mundo em termos gerais alimente sua depressão? Dizendo a si mesmo que
a vida não é justa, e que as pessoas são estúpidas? E lamentável que haja
tanto sofrimento no mundo, e você pode tomar algumas atitudes para mu­
dar o rumo das coisas. Entrar em depressão, porém, não vai ajudar em nada.
Pensamentos automáticos Respostas possíveis
Aquele programa de televisão As coisas são como são, e querer
sobre pessoas idosas era que sejam diferentes é tão absurdo
terrivelmente perturbador. A vida quanto querer ter dois metros de
é tão cruel. Não deveria ser assim. altura. O fato é que não tenho.
Depressão. 327

Ficar deprimido por esse motivo


não vai melhorar a situação. Por
que não programar uma visita ao
asilo que fica logo ali? Isso, pelo
menos, é algo que posso fazer.
19. Estou pressupondo que não posso fa ze r nada para mudar minha si­
tuação? O pessimismo sobre as possibilidades de mudar as coisas é cen­
tral à depressão. Faz com que se queira desistir antes mesmo de começar.
Mas você só saberá que não há nenhuma solução para o seu problema
depois de tentar. Seu modo de pensar está ajudando a resolver o proble­
ma? Ou está fazendo com que recuse possíveis soluções sem mesmo
fazer uma tentativa?
Pensamentos automáticos Respostas possíveis
É inútil. Não vou saber como Se disser isso a mim mesmo,
resolver isso. certamente não vou conseguir.
É melhor sentar e imaginar o que
preciso fazer, passo a passo.
Mesmo que algumas de minhas
soluções não tenham funcionado
antes, isso não significa que não
possam funcionar agora. Posso
descobrir o que deu errado, e então
tentar resolver.

20. Estou prevendo o futuro em vez de testar suas diversas possibilida­


des? O fato de ter agido de uma determinada maneira no passado não sig­
nifica que tenha de agir da mesma maneira no futuro. Se previr o futuro,
em vez de tentar algo diferente para ver o que acontece, estará anulando a
possibilidade de mudança. A mudança pode ser difícil, mas em geral não
é impossível.
Pensamentos automáticos Respostas possíveis
Nunca conseguirei ser O fato de nunca ter sido
independente. Nunca consegui. independente não significa que
nunca venha a sê-lo. Se agir com
independência, vou sentir-me
constrangido de início. Se persistir,
porém, tudo ficará mais fácil, e as
pessoas me respeitarão mais. E eu
também me respeitarei mais.
Ninguém respeita um capacho - só
pisam em cima.
328 Terapia cognitivo-comportamental

T erceiro passo: T om ar m edidas para testar


os p ensam entos negativos

Argumentar contra seus pensamentos automáticos negativos pode


não ser suficiente para convencê-lo de que estão incorretos. Você precisa­
rá desenvolver um conjunto de experiências que os contestem. A melhor
maneira de fazer isso é agir de acordo com suas respostas racionais e des­
cobrir por si mesmo se se ajustam aos fatos e lhe são úteis, ou se precisam
ser modificadas. Tomar medidas permite que teste suas respostas no mun­
do real. Ajuda-o a romper com velhos hábitos de raciocínio e a fortelecer
outros novos.

Testar previsões

As pessoas são como cientistas. Fazem previsões (por exemplo: “Se


apertar o botão, a luz acenderá”, “Ele não gostará que o contradiga”, “Se
ficar na chuva, pegarei um resfriado”) e agem de acordo com elas. Usa­
mos informações daquilo que acontece conosco e daquilo que fazemos,
tanto para confirmar nossas previsões quanto para mudá-las.
A depressão faz com que seja difícil fazer previsões realistas ou
testá-las com a mente aberta. Quando deprimidas, as pessoas fazem pre­
visões (por exemplo: “Não serei capaz de enfrentar”, “Todos pensarão
que sou um idiota”, “Se disser o que penso, serei rejeitado”), e tendem a
considerá-las como fatos, não como palpites que podem ou não estar cor­
retos. Então fica difícil tomar distância e analisar os fatos objetivamente,
ou testar a previsão na prática e verificar se ela realmente corresponde aos
fatos. Que utilidade tem isso, afinal? O resultado já é uma conclusão co­
nhecida com antecedência.
O último passo para superar os pensamentos negativos é testar aqui­
lo que se pensa na prática. Para fazer isso, você precisa descobrir o que
está prevendo, reexaminar os indícios existentes (por exemplo, experiên­
cias passadas) e imaginar o que precisa fazer para descobrir se seu modo
negativo de pensar corresponde aos fatos.
Estes são os passos necessários para testar os pensamentos negativos:

1. Exponha sua previsão claramente (o pensamento automático negativo).

2. Reexamine os indícios existentes a favor e contra sua previsão. O que a


experiência passada lhe revela quando a analisa objetivamente? Que
previsão faria para outra pessoa na mesma situação?
I )tpressão. 329

l. Elabore um plano de ação que o ajude a constatar se suas previsões


são corretas ou não.

•I Anote os resultados. Há duas possibilidades principais:


(a) Sua previsão não se confirma. Isto é, seus pensamentos negativos
são contestados pela experiência. Isso demonstra através da ação
(e não da simples argumentação) o quanto o pensamento deprim i­
do pode estar equivocado. Quanto mais estiver, melhor.
(b) Sua previsão se confirma. Isto é, seu pensamento negativo é cor­
roborado pela experiência. Não se desespere. Isso representa uma
informação valiosa. Descubra o que vinha fazendo para produzir
esse resultado. Pode imaginar maneiras de lidar com a situação
diferentemente no futuro, para que as coisas venham a melhorar?
Isso pode implicar a necessidade de adotar comportamentos dife­
rentes para alterar a situação. Mas é evidente que algumas situa­
ções não podem ser mudadas. Mesmo assim, pode ainda ser capaz
de mudar o modo como pensa sobre uma situação imutável, para
que se sinta de outra forma com relação a ela. Quando decidir o
que deve ser feito, elabore um novo plano de ação.

5. Tirar conclusões com base em seus resultados. O que estes lhe reve­
lam sobre si mesmo, ou sobre a maneira como a depressão o afeta?
Que regras gerais pode formular para ajudá-lo a lidar melhor com si­
tuações semelhantes no futuro?

Abaixo encontrará dois exemplos que demonstram como testar pen­


samentos negativos na prática. Se houver alguma coisa que não lhe faça
sentido, peça explicações ao seu terapeuta.

Exemplo 1

Colin foi convidado para uma festa. O pensamento de ir à festa deixa-


o em pânico. Está convencido de que não terá nada a dizer às pessoas, e de
que não se divertirá. Isso o deprime, pois acredita que, a menos que consiga
ir a festas, acabará perdendo contato com todos os seus amigos.

1. Previsão. Se eu for, não serei capaz de conversar com ninguém, e vou


me aborrecer.

2. Reexame dos indícios existentes. Antes de ficar deprimido, gostava de


festas. É verdade que, desde que fiquei deprimido, elas já não me dão
o mesmo prazer. Ainda assim, houve uma ou duas que apreciei. Nessa
330 Terapia cognitivo-comportamental

festa estarão todos os meus velhos amigos. Eles sabem como estou, e
não vão esperar muito de mim. Se não for, perderei uma oportunidade
de ter prazer, o que fará com que me sinta melhor se realmente der
certo.

3. Plano de ação. Vá e veja o que acontece. Faça uso da distração com


antecedência, para evitar que a ansiedade se desenvolva. Converse
primeiro com as pessoas que conhece. Relaxe e ouça o que as pessoas
têm a dizer.

4. Resultados. Não me diverti. Fui embora cedo. O que deu errado? Pas­
sei a noite inteira pensando em como as pessoas pareciam alegres, e
dizendo a mim mesmo como as coisas eram diferentes comigo. Estava
tão ocupado em pensar em mim mesmo que não consegui me concen­
trar em nada que estava acontecendo.
Novo plano de ação. Da próxima vez, vou empenhar-me mais em res­
ponder aos pensamentos negativos com antecedência, e em me distrair
enquanto estiver lá. Enquanto isso, vou praticar exercícios de distra­
ção todos os dias, e ver se consigo encontrar os amigos em outras si­
tuações, quando as coisas ficarão mais fáceis. Para começar, vou ligar
para o Pete e sugerir uma partida de squash.

5. Conclusões. Minha previsão original estava correta, mas principal­


mente por estar tão preocupado com pensamentos negativos. Mesmo
assim, dois amigos entraram em contato comigo desde então, o que
significa que uma noite ruim não vai fazer, necessariamente, com que
eu perca contato com todos.

Exemplo 2

Linda já está deprimida há algum tempo. Experimentou vários medi­


camentos antidepressivos sem muito êxito. Recentemente, foi encaminha­
da à terapia cognitiva. Já participou de oito sessões, e aprendeu a identifi­
car seus pensamentos depressivos e a encontrar alternativas mais realistas
e úteis a eles. As coisas pareciam ir bem, mas nos últimos dias vem se sen­
tindo cada vez mais deprimida. Está começando a duvidar que o tratamen­
to dê resultados, e está com vontade de desistir. A desesperança a está le­
vando a pensar que o suicídio talvez seja a única solução. O plano de ação
a seguir foi elaborado durante uma sessão com seu terapeuta.

1. Previsão. Estou de volta à estaca zero. E inútil fazer alguma coisa


nada vai funcionar. Sempre serei assim. A única resposta é me suicidar.
t h'pressâo 331

Reexame de indícios. É verdade que me sinto muito pior do que na


semana passada. Mas não é verdade que estou de volta à estaca zero.
Mesmo agora, não estou tão mal quanto da última vez que fui hospita­
lizada. Estou fazendo os serviços domésticos, cuidando dos meus
filhos, fazendo o meu trabalho. A bem da verdade, essas atividades
estão me dando alguma satisfação, o que significa que não sou um fra­
casso completo. Eu venho me sentindo muito mal, mas os contratem­
pos são esperados. A decepção ao tecer comparações com relação à
época em que me sentia muito melhor está agravando o problema.
Lidar com meus pensamentos e sentimentos é uma nova habilidade, e
levará tempo até que possa fazê-lo com facilidade o tempo inteiro.
Afinal de contas, estou deprimida há três anos, e só estou me subme­
tendo a esse tratamento há algumas semanas. Na verdade, já consigo
lidar com cerca de 75% de minha depressão, em oposição aos 25%
anteriores às sessões. O suicídio não é a resposta. Os sinais de que as
coisas mudaram desde que comecei a terapia mostram que pode fun­
cionar.

3. Plano de ação. Não reaja de modo exagerado - isso deve ser apenas
um contratempo, nem mais, nem menos. Volte ao básico. Planeje seu
tempo cuidadosamente a fim de fazer as coisas que aprecia, e que
podem lhe dar um a sensação de conquista. M antenha-se ocupada. Se
puder encontrar alternativas a seus pensamentos negativos, tanto
melhor. Se não o puder, não se preocupe - será capaz de encontrá-las
assim que estiver melhor. Enquanto isso, procure se distrair. E conver­
se com Paul [marido] - você sabe o quanto isso ajuda quando o faz,
em vez de guardar tudo para si mesma.

4. Resultados. Funcionou! Não de imediato, mas em alguns dias estava


me sentindo bem melhor, voltando a responder meus pensamentos
adequadamente e me sentindo bem menos deprimida.
5. Conclusões. Aceitar os contratempos como parte do processo de recu­
peração, e não como o fim do mundo. Continuar utilizando o que
aprendi para lidar com minha depressão. Tomar cuidado com a ten­
dência de ser dura comigo mesma quando as coisas dão errado, pois
isso não ajuda em nada. Lembrar-se de que a desesperança faz parte da
depressão e não reflete, necessariamente, o modo como as coisas real­
mente são.
7. Problemas somáticos
Paul M. Salkovskis

O tratamento de problemas somáticos constitui uma das mais


antigas aplicações das abordagens psicológicas (Lipowski, 1986a).
De particular influência foram os escritos de Galeno, na Roma do
século II. A afirmação de Galeno de que as paixões como a raiva,
o medo e a luxúria eram causas importantes de doenças continuou
a exercer influência até o século XVIII. Mais recentemente, houve
duas abordagens importantes; primeiramente, a medicina psicos­
somática tentou estabelecer uma causa psicológica para distúrbios
físicos como asma, eczema e úlceras (por exemplo, Alexander,
1950). Esse campo, que foi fortemente influenciado pela psicaná­
lise, agora se enfraqueceu, deixando para trás muito pouco no que
diz respeito à aplicação prática (Schwartz e Weiss, 1978), embora
um efeito funesto seja o de que o tratamento psicológico de pro­
blemas somáticos traga consigo uma suposta implicação de que os
problemas que estão sendo tratados estão “todos na mente”.
A outra abordagem mais recente erapsicofisiológica; esse en­
foque enfatiza a importância de se levar em conta os processos psi­
cológicos, em vez das categorias diagnosticas. A base dessa abor­
dagem é o trabalho experimental em que as respostas fisiológicas
são medidas durante tarefas experimentais que investigam deter­
minados processos psicológicos (por exemplo, ouvir os estímulos,
reagir ao apertar um botão quando os estímulos ocorrem). Tais ex­
perimentos visam examinar se determinados tipos de estímulos ou
reações psicológicas produzem constantemente reações fisiológi-
334 Terapia cognitivo-comportamental

cas características (estímulo - especificidade de resposta); e se os


diferentes indivíduos reagem de maneiras características aos estí­
mulos (indivíduo - especificidade de resposta). Desse modo, es­
tressores específicos poderiam ser responsáveis pelo desenvolvi­
mento de determinados distúrbios em indivíduos vulneráveis. Es­
ses conceitos podem ajudar a explicar por que algumas pessoas de­
senvolvem cefaléias em resposta ao estresse e outras não, e por que
alguns estresses precipitam cefaléias e outros não.
É importante notar que grande parte do trabalho recente sobre
distúrbios somáticos foi baseado em pacientes que foram analisa­
dos depois de vários encaminhamentos médicos anteriores, de ten­
tativas ineficazes de tratamento e de uma grande variedade de ex­
plicações potencialmente conflitantes do problema. Hoje existe
uma maior ênfase no trabalho multidisciplinar de equipe, em que
as pessoas envolvidas no tratamento psicológico trabalham nos se­
tores de saúde primários ou secundários. Esse tipo de trabalho re­
sulta numa mudança tanto nas próprias características dos pacien­
tes (por exemplo, seus problemas tendem a ser menos crônicos e
eles têm sofrido menos intervenções físicas) quanto no modo co­
mo os tratamentos psicológicos são considerados (isto é, não como
um último recurso).

Abordagens dos problem as som áticos

A compreensão das abordagens psicológicas dos problemas


somáticos tem sido influenciada pela tendência do encam inha­
mento ao tratamento psicológico como “último recurso”, e pelos
conseqüentes altos índices de problemas psicológicos complica­
dos nas populações clínicas. Isto é, à medida que os problemas
dos pacientes se tornam mais crônicos e eles ficam mais pertur­
bados com o fracasso do tratamento médico, esses pacientes pas­
sam a achar que têm um problema psicológico que provém cie
seu problema físico crônico. Embora essa percepção leve à acei
tação do encaminhamento psiquiátrico, isso quase sempre é feilo
com relação a problemas que os pacientes consideram secundá
I'roblemas somáticos 335

rios. Às vezes se diz ao paciente, depois de muitos meses (ou


mesmo anos) de investigação médica, que não há mais nenhum
tratamento médico possível, e que o único caminho para uma
it juda adicional está na aceitação de ajuda psicológica. O modo
como os pacientes são encaminhados pode ter importantes im pli­
cações em sua disposição para aceitar o tratamento psicológico,
lissa questão será abordada mais adiante, quando discutirmos a
questão crucial do engajamento no tratamento. Outro efeito des­
se padrão de encaminhamento é que alguns clínicos e pesquisa­
dores da psiquiatria consideram fenômenos como a hipocondria,
dor de cabeça ou alterações no sono como secundários a outras
síndromes clínicas, mais comumente a depressão (por exemplo,
Kenyon, 1964).
Duas áreas principais de trabalho em terapia comportamental
têm exercido influência na crescente aplicação das abordagens
cognitivo-comportamentais aos problemas somáticos. A primeira
área adotada foi a concepção de Lang (1970) de que as respostas
psicológicas poderiam ser mais bem descritas em termos da intera­
ção entre sistemas de respostas tenuemente ligados: subjetivas,
comportamentais e fisiológicas. Esse enfoque trouxe consigo a no­
ção de que as intervenções comportamentais ou cognitivas pode­
riam ter efeitos na fisiologia, e assim serviu de base para muitos
dos trabalhos subseqüentes em medicina comportamental (por
exemplo, Latimer, 1981). A segunda área importante em que as
abordagens psicológicas foram aplicadas aos problemas somáticos
foi o controle voluntário aprendido das respostas fisiológicas, co­
nhecido como biofeedback (Birk, 1973). As medidas das ativida­
des fisiológicas são exibidas aos pacientes, aos quais se dá a tarefa
de mudar esse quadro. Entretanto, a promessa terapêutica do bio­
feedback não foi realizada. Mesmo quando o controle é aprendi­
do, não se generaliza para além dos limites do laboratório e rara­
mente supera a melhora clínica obtida através de outros procedi­
mentos, como o relaxamento. O biofeedback pressupõe uma liga­
ção entre respostas fisiológicas específicas e certos distúrbios; a
validade desse pressuposto tem sido questionada em álguns casos
(por exemplo, Philips, 1976).
336 Terapia cognitivo-comportamental

A natureza dos problem as

As apresentações somáticas de problemas psicológicos se ajus­


tam a três amplas categorias:

(1) problemas em que há distúrbios observáveis e identificáveis


do funcionamento corporal;
(2) problemas em que os distúrbios são basicamente de percep­
ção de sintomas, sensibilidade ou reação excessiva às sensa­
ções corporais normais; e
(3) um grupo misto.

Os problemas principais incluídos nessas categorias são ilus­


trados no Quadro 7.1. Na verdade, há uma sobreposição conside­
rável entre essas categorias (por exemplo, os pacientes hipocon­
dríacos freqüentemente reagem a sintomas menores como cefa-
léias ou manchas na pele). Não obstante, a dimensão da patologia
física pode ter um efeito nas intervenções usadas e nos objetivos
do tratamento.
Entre os problemas somáticos mais comuns observados na clí­
nica geral e nos meios psiquiátricos estão a insônia, a cefaléia, a
síndrome do cólon irritável e a hipocondria. Como muitos fatores
diferentes podem ser importantes na causa e manutenção desses e
de outros problemas, este capítulo se concentra nos princípios ge­
rais do tratamento de problemas somáticos e considera aspectos des­
ses quatro problemas específicos como uma maneira de ilustrar a
aplicação dos princípios gerais. Durante todo o capítulo, especial
atenção será dispensada aos fatores que contribuem para a ansieda­
de acerca da saúde (chamada de hipocondria quando muito grave),
enquanto as seções específicas serão dedicadas à insônia, à cefaléia
e ao cólon irritável. A ansiedade com relação à saúde é abordada de
maneira mais ampla por constituir uma fonte importante de pertur­
bação na maioria dos problemas somáticos, esteja ou não a ansie­
dade diretamente envolvida em sua manutenção.
Um princípio importante da abordagem cognitivo-comporta­
mental dos problemas somáticos é o de que os problemas dos pa­
cientes devem ser positivamente formulados em termos psicológi-
Problemas somáticos 337

Q uadro 7.1 Principais apresentações somáticas com um componente psico­


lógico significativo, ou em que há indícios de resposta à intervenção cogniti-
vo-comportamental

1. Problemas em que há um distúrbio observável e identificável do


funcionamento do corpo
Síndrome do cólon irritável. D o r a b d o m i n a l e m u d a n ç a n o s h á b i t o s
in t e s t in a is , i n c lu in d o c o n s t ip a ç ã o e / o u d ia r r é ia

Hipertensão. P r e s s ã o s a n g u í n e a a l t a
Tiques e espasmos. M o v i m e n t o s o u c o n t r a ç õ e s m u s c u l a r e s i n v o l u n t á r i o s
Asma
Insônia. D i f i c u l d a d e e m d o r m i r , p e r c e b i d a e r e a l , a s s o c i a d a à q u e i x a d e f a d i g a du­
ra n te o d ia ; d iv id id a e m d ific u ld a d e e m a d o r m e c e r (in s ô n ia in ic ia l) , s o n o p e rt u r­
b a d o p o r fr e q ü e n t e s d e s p e r t a r e s , d e s p e r t a r n a s p r im e ir a s h o r a s d a m a n h ã e s o n o

in s a t is f a t ó r io
Distúrbios do sono. P e s a d e lo s , s o n a m b u lis m o , e n u r e s e , p r o b le m a s d e m o v im e n t o

( b r u x is m o , b a la n ç o s d e c a b e ç a d u r a n t e a n o it e ) , a p n é ia d o s o n o , r o n c o s

Vômitos psicogênicos
Dificuldades de engolir e comer
Problemas de pele. L e s õ e s , i r r i t a ç õ e s o u e r u p ç õ e s d a p e le , fr e q ü e n t e m e n t e a g r a v a ­

d a s p e lo c o ç a r ( e c z e m a , p s o r ía s e ) .

2. Problemas em que o distúrbio é basicamente de sintomas percebidos,


sensibilidade às sensações normais do corpo ou excessiva reação a elas
Hipocondria. P r e o c u p a ç ã o c o m o m e d o o u a c r e n ç a d e s e r p o r t a d o r d e u m a do ença

g r a v e , n ã o ( c o m p le t a m e n t e ) j u s t if i c á v e l p e la c o n d iç ã o f ís ic a ; r e s is t e n t e a o “ r e a s -

s e g u ra m e n to m é d ic o ” ; in c lu in d o fo b ia d e d o e n ç a s
Distúrbios de somatização. M u it a s q u e ix a s f ís ic a s m e n o r e s , c a r a c t e r iz a d a s p e la

c r e n ç a d o p a c ie n t e d e q u e e s tã o “ a d o e n t a d o s ”
Distúrbio de dor idiopático. P re o cu p a çã o co m a d o r
Conversão histérica. P e r d a d e fu n c io n a m e n t o f ís ic o o u a lt e r a ç ã o , s u g e r in d o u m

d is t ú r b io f ís ic o
Dismorfofobia. P r e o c u p a ç ã o c o m u m d e f e it o im a g in á r io n a a p a r ê n c ia f ís ic a

3. Problemas em que a base dos sintomas varia ou é incerta


Cefaléia. D o r n a r e g i ã o d a c a b e ç a ( i n c l u i n d o d o r f a c i a l ) ; d i v i d i d a e m e n x a q u e c a e
c e f a l é i a d e t e n s ã o , talvez d e v i d o a d i s t ú r b i o s f í s i c o s d e c o n t r a ç ã o m u s c u l a r e a o

f u n c io n a m e n t o c e r e b r o v a s c u la r , r e s p e c t iv a m e n t e
Dispnéia desproporcional. O b s t r u ç ã o p e r c e b id a d a s v i a s r e s p ir a t ó r ia s n a a u s ê n c ia

d e u m a d e b ilit a ç ã o o b je t iv a s u f ic ie n t e d o f u n c io n a m e n t o f is i o l ó g i c o
Dor torácica/neurose cardíaca funcional. D o r n a r e g iã o c a r d ía c a , g e r a lm e n t e i m i ­

t a n d o u m m a u f u n c io n a m e n t o c a r d ía c o

Sintomas vestibulares. T o n t u r a s , z u n id o n o s o u v id o s
Dor crônica. D o r q u e p e r s is t e a lé m d o d e cu rso n o rm a l d e cu ra , o u q u e p ro v é m de

u m p r o b le m a d e g e n e r a t iv o - in c lu i a d o r n a r e g iã o lo m b a r

D i s t ú r b i o s a lim e n t a r e s ( a n o r e x i a n e r v o s a , b u li m ia n e r v o s a ) , a t a q u e s d e p â n ic o e p r o ­

b le m a s s e x u a is s e rã o a b o r d a d o s n o s C a p ít u lo s 8 , 3 e 1 1 .
338 Terapia cognitivo-comportamental

cos, mesmo quando complicados pela presença de um problema


físico real. Isto significa que aqueles que conduzem o tratamento
psicológico não têm de se basear na prática insatisfatória de diag­
nosticar problemas psicológicos por exclusão. Uma abordagem
mais sofisticada e diretamente psicológica se faz particularmente
necessária quando os fatores fisiológicos desempenham um papel
principal no problema. Em tais circunstâncias, não é sensato des­
considerar quaisquer problemas físicos antes de proceder ao trata­
mento psicológico porque “se não é físico, tem de ser psicológico”.
Entretanto, é preciso obter uma descrição realista do estado
físico do paciente, o provável desenvolvimento de qualquer pro­
blema físico e quaisquer limitações físicas que possam afetar o trata­
mento psicológico. Isso proporciona um contexto para uma hipó­
tese de trabalho cognitivo-comportamental que é formulada ao se
identificar fatores que atualmente mantêm o problema do paciente
e o mal-estar experimentado. O tratamento é então elaborado com
o objetivo de testar essa hipótese, que será modificada quando
necessário, com base no andamento do trabalho. Essa abordagem
pode também ser aplicada com êxito quando os sintomas somáti­
cos coexistem com outros problemas psicológicos (por exemplo,
insônia, cefaléia e cólon irritável estão quase sempre associados a
distúrbios de ansiedade) e em pacientes que apresentam problemas
somáticos decorrentes de outro problema psiquiátrico (por exem­
plo, depressão e perda de apetite, ataques de pânico e sintomas car­
díacos [Katon, 1984; Capítulo 3]). Em cada caso, a conceitualiza-
ção psicológica é crucial.

Conceitualização geral dos problemas


somáticos com um componente psicológico

Dentro da psicologia médica e da medicina comportamental,


vários modelos teóricos estão sendo aplicados para avaliar a eficá­
cia de uma série de tratamentos psicológicos. Há duas abordagens
principais:

(1) adotar uma estrutura de diagnóstico médico e depois aplicar


os princípios psicológicos dentro dessa estrutura, partindo-sc
Problemas somáticos 339

do pressuposto de que diferentes fatores psicológicos operam


em diferentes diagnósticos;
(2) adotar uma conceitualização basicamente psicológica, apli­
cando os princípios psicológicos aos pacientes com diagnósti­
cos específicos (Marteau e Johnston, 1987), com atenção aos
grupos de diagnósticos médicos específicos como uma consi­
deração secundária.

A segunda opção é mais coerente com a abordagem cogniti­


vo-comportamental, e é adotada aqui. Embora nenhuma concei-
lualização isolada possa explicar por completo os problemas expe­
rimentados por todos os pacientes, há alguns conceitos comuns
relevantes ao tratamento psicológico da maioria dos problemas so­
máticos, e esses são resumidos abaixo.

1. Os pacientes geralmente acreditam que seus problemas têm


uma causa ou manifestação física; essa percepção pode ser exata,
exagerada ou completamente errônea. Entretánto, quando os pa­
cientes têm uma crença distorcida ou irreal de que o funcionamen­
to de seu corpo está ou será prejudicado, essa crença constitui uma
fonte de dificuldade e ansiedade.
2. Os pacientes baseiam suas crenças exageradas em observa­
ções que os convencem de que sua crença pode estar correta. Pode
haver sintomas e sinais falsamente interpretados como indícios de
debilitação do corpo, ou os indícios podem se originar da compreen­
são (ou da má compreensão) do paciente daquilo que lhe é dito por
clínicos gerais ou outros tipos de profissionais. Às vezes, sinais, sin­
tomas e comunicações que indiquem que algum aspecto do funcio­
namento do corpo do paciente está ligeiramente diferente do padrão
ou do ideal são interpretados como indícios de grave debilitação.
3. Os problemas somáticos dos pacientes são ameaçadores de
duas maneiras, ambas as quais prejudicam sua capacidade de viver
a vida ao máximo:

(a) o grau de deficiência ou incapacitação originado pelo proble­


ma, e
(b) a reação emocional ao problema, particularmente a ansiedade
quanto a suas causas e conseqüências possíveis, raiva e de­
pressão.
340 Terapia cognitivo-comportameniiil

4. A reação à debilitação percebida pode incluir mudanças no


humor, cognições, comportamento e funcionamento fisiológico.
Essas mudanças podem manter o problema em si (em distúrbios
em que há pouca ou nenhuma base física contínua para o proble­
ma), aumentar o grau de incapacitação proveniente de um problem;!
com uma base física identificável e intensificar a reação emocio­
nal à debilitação do funcionamento percebida. O tratamento psico­
lógico se volta para a modificação dos fatores que mantêm tanto o
mal-estar quanto a incapacitação.
5. Problemas que originalmente tinham uma causa física po­
dem, mais tarde, ser mantidos por fatores psicológicos.

Conceitualizar a hipocondria e a ansiedade acerca da saúde

A hipocondria ocorre quando o distúrbio predominante é a


ansiedade acerca da saúde, seja como o medo de vir a ter ou a cren­
ça de que já se tem uma doença física grave. Muitos pacientes com
distúrbios somáticos específicos apresentam menores graus de
ansiedade acerca de sua saúde. Uma das primeiras tarefas no trata­
mento psicológico de qualquer problema somático consiste em
avaliar até que ponto a ansiedade acerca da saúde está contribuin­
do, direta ou indiretamente, para o mal-estar do paciente e a apre­
sentação do problema em si. Isso não quer dizer que a ansiedade
acerca da saúde esteja sempre envolvida na manutenção de todos
os tipos de problemas somáticos; significa apenas que em geral
apresenta esse envolvimento e se mostra particularmente aberta à
intervenção psicológica. A avaliação do problema somático espe­
cífico pode revelar outros fatores mantenedores coexistentes com
a ansiedade acerca da saúde, sendo freqüentemente útil interferir
em ambas as áreas. A obtenção de alguma redução da ansiedade
acerca da saúde no início do tratamento dos problemas somáticos é
quase sempre uma meta que se pode atingir rapidamente e que vai
aumentar a eficácia de outras intervenções, sobretudo quando a
ansiedade acerca da saúde é inicialmente intensa. Uma importanlc
ilustração disso é o efeito que as crenças a propósito da saúde exer­
cem sobre a adesão a regimes médicos (Becker, Maiman, Kirsch l.
Haefher, Drachman e Taylor, 1979).
I'riiltlemas somáticos 341

Desencadeante
(informações, eventos, doença, imagem)

Percepção de ameaça

Interpretação de
«ensações do corpo
c/ou sinais como
indicadores de
doença grave
Enfoque crescente Estimulação Comportamento
do corpo fisiológica de verificação
e procura de
reconforto

Preocupação com a
alteração/anormalidade percebidas
de sensações/estados do corpo

1'igura 7.1 Mecanismos mantenedores hipotéticos da hipocondria

Fatores mantenedores da preocupação


com cuidados acerca da saúde

A Figura 7.1 ilustra as principais maneiras pelas quais os


fatores psicológicos operam para manter a ansiedade e a preocu­
pação com a saúde. É importante lembrar que, em muitos pacien­
tes, esses fatores físicos e psicológicos interagem com outros m e­
canismos envolvidos na manutenção de mudanças somáticas, in­
teragindo com os fatores aqui descritos em vez de sobreporem a
eles.

Maior estimulação fisiológica. Isso tem origem na percepção de


ameaça e leva a um aumento das sensações autonomicamente me­
diadas; essas sensações são freqüentemente interpretadas pelo
paciente como novos indícios de que estão enfermos. Por exemplo,
um paciente notou um aumento de transpiração e lhe ocorreu que
342 Terapia cognitivo-comportamental

esse fosse um indício de um sério desequilíbrio hormonal; a trans­


piração aumentou quando da ocorrência desse pensamento, ofere­
cendo, assim, indícios adicionais de “perturbação”. Uma paciente
com problemas de cólon irritável percebeu um certo desconforto
abdominal e ficou ansiosa quanto a perder o controle do intestino,
o que fez com que seu estômago se revolvesse. O mal-estar e a dor
então aumentaram, resultando em pensamentos assustadores sobre
incontinência, e assim por diante.

Foco da atenção. Variações normais de funções corporais (inclusi­


ve aquelas que dão origem às sensações corporais) ou particulari­
dades antes não notadas de aparência ou função corporal podem
ser percebidas como novidades. Os pacientes podem concluir que
essas mudanças percebidas representam alterações patológicas do
“funcionamento normal”. Por exemplo, um paciente notou que as
raízes de suas unhas pareciam pálidas e que nelas havia manchas
brancas, interpretando esse fato como sinal de um “problema hor­
monal”. Considerou essa observação extremamente inquietante, e
não podia acreditar que ignorara algo de tão importante no passa­
do, o que por sua vez significava, sem dúvida, tratar-se de um fe­
nômeno novo.
O foco da atenção também pode levar a mudanças reais de
sistemas fisiológicos em que o controle tanto reflexo como volun­
tário estão envolvidos (por exemplo respiração, deglutição, ativi­
dade muscular, e assim por diante). Um paciente pode notar uma
dificuldade para engolir alimentos secos, e interpretar esse fato
como um possível sinal de câncer na garganta. O enfoque sobre a
deglutição pode então levar a um esforço indevido e a maior des­
conforto e dificuldade. A experiência da dor é aumentada pelo
foco de atenção (Melzack, 1979) independentemente da maneira
como se interpreta a dor.

Comportamentos de evitação. Ao contrário das pessoas com fo­


bias, os pacientes com preocupações sobre suas condições físicas
são basicamente ansiosos no que diz respeito às ameaças represen­
tadas por situações ou estímulos internos (sensações corporais
como mal-estar estomacal, sinais corporais como caroços sob a
pele). Entretanto, os estímulos internos podem ser enfatizados atra-
I‘rohlemas somáticos 343

ves de fatores externos como a leitura sobre uma determinada


doença, ou as perguntas feitas por um cônjuge preocupado. Como
os pacientes raramente têm a opção de evitar por completo os estí­
mulos eliciadores de ansiedade, então recorrem a comportamentos
destinados a minimizar o desconforto corporal e a comportamen­
tos que acreditam poder impedir os desastres temidos. A crença de
que o desastre foi impedido sustenta as crenças dos pacientes; por
exemplo, “Se eu não tivesse usado meu inalador, teria sufocado e
morrido”, “Nunca me exercito porque isso poderia me matar”.
No caso de alguns pacientes propensos à ansiedade com rela­
ção à saúde, comportamentos como a verificação do corpo ou a
procura de reconforto são reforçados por uma redução temporária
da ansiedade; como acontece com os pacientes obsessivos, isso
ocorre às custas de um aumento a longo prazo da ansiedade e preo-,
cupação (ver Capítulo 5). Na procura de reconforto, a intenção do
paciente é atrair a atenção dos outros para seu estado físico para
que qualquer anormalidade física possa ser detectada (diminuin­
do, assim, o risco a longo prazo). Na verdade, a verificação e a
procura de reconforto concentram a atenção dos pacientes em seus
medos e impedem a habituação aos estímulos eliciadores de ansie­
dade. Em alguns casos, o desconforto persistente, a debilitação do
comportamento normal e os freqüentes pedidos de consultas mé­
dicas, exames da situação e reconforto convencem os clínicos a
optar por intervenções médicas mais drásticas. Estas podem às
vezes incluir cirurgias ou medicação forte, coisas que os pacientes
podem tomar como uma confirmação de seus medos, desse modo
agravando seus sintomas e queixas, quando não acrescentando no­
vos sintomas iatrogênicos àqueles já presentes (por exemplo, efei­
tos colaterais provenientes da medicação).
Alguns comportamentos têm um efeito físico mais direto
sobre os sintomas do paciente. Por exemplo, um paciente que
havia notado uma fraqueza persistente reduziu suas atividades,
abandonou os esportes e passou a andar menos. Depois de alguns
meses, notou que sua fraqueza estava se agravando (na verdade,
devido à sua falta de forma), o que confirmava seus temores ini­
ciais de que estava com esclerose múltipla. Os pacientes com
dores muitas vezes reduzem a quantidade de exercícios que prati­
cam e adotam uma postura exagerada na tentativa de moderar as
344 Terapia cognitivo-comportamental

dores. Como resultado desse comportamento, a dor (que original­


mente pode ter sido muscular) se agrava, e o paciente começa ;i
experimentar dores provenientes de outros músculos que insistem
em manter em posições inadequadas. Um paciente com dores nos
testículos freqüentemente os apertava para verificar se a dor ainda
persistia; fazia isso por períodos de até 15 minutos, às vezes com
intervalos de apenas 2 a 3 minutos. De maneira nada surpreen­
dente, a dor aumentou, e com ela sua incapacitação. Outros com­
portamentos comuns incluem o uso excessivo de coisas como me­
dicamentos inadequados (receitados ou não), espartilhos, benga­
las, muletas, etc.

Crenças e interpretações errôneas de sintomas, sinais e comuni


cações médicas. O aspecto mais importante da ansiedade acerca
da saúde e um componente crucial das queixas de muitos pacien­
tes com problemas somáticos é a interpretação errônea de mudan­
ças corporais inócuas, ou de informações fornecidas por médicos
e amigos, ou pelos meios de comunicação. Os pacientes tomam
essas mudanças e comunicações como um sinal de que estão so­
frendo de um problema mais grave do que o que eles na verdade
têm. Isso é especialmente provável quando as crenças exageradas
que os pacientes têm sobre a natureza de sintomas ou doenças re­
sultam numa predisposição confirmatória no que diz respeito às
informações relacionadas à doença. Como resultado, esses pacien­
tes observam e se lembram seletivamente de informações que são
coerentes com suas crenças negativas sobre seus problemas. Por
exemplo, um paciente consultou um neurologista por causa de
dores de cabeça e tontura; o neurologista lhe disse que, se tivesse
um tumor cerebral, este teria se agravado até levá-lo à morte. O pa-
ciente, que acreditava que qualquer sensação na cabeça fosse sinal
de algo internamente errado, mais tarde contou ao seu terapeuta
que o neurologista lhe havia dito que tinha um tumor cerebral
fatal, pois estava percebendo mais seus sintomas, o que, em sua
opinião, significava que seu tumor estava se agravando. Acre
ditava que o fato do neurologista ter-lhe dito que não havia nada de
grave com ele era um exemplo de como “dar as más notícias de
forma menos abrupta”.
I'i'oblemas somáticos 345

Na maioria dos problemas somáticos, aspectos desses fatores


podem contribuir diretamente para a manutenção do problema, as-
üim como para a ansiedade com relação à saúde. A importância
relativa desses fatores e dos distúrbios do humor (particularmente
ti depressão) na manutenção de problemas somáticos comuns é
sintetizada no Quadro 7.2.

<) alcance do problema


Os relatos da prevalência de problemas somáticos variam,
mas deixam claro que são extremamente comuns. Só as cefaléias e
os distúrbios do sono podem ser constatados, em algum momento,
cm mais de 90% da população. Poucos desses problemas chegam
«O ponto em que o paciente faz uma consulta junto a seus clínicos
gerais. Não obstante, avalia-se que 30-80% dos pacientes que con­
sultam clínicos de primeiros socorros se apresentam com sintomas
para os quais a base física não justifica plenamente o grau de des­
conforto experimentado (Barski e Klerman, 1983). Só os proble­
mas mais refratários e complicados são encontrados na clínica psi­
quiátrica.

Quadro 7.2 Envolvimento de componentes cognitivos, fisiológicos e com­


portamentais na manutenção de problemas somáticos comuns

Estimulação Evitação Verificação, Má Perturbações


fisiológica de atividades reconforto interpretação do humor
de sintomas

Cólon +/- + + +/- -


irritável
Hipertensão + - - - -
Insônia +/- - - +/- +/-
Hipocondria - + ++ ++ +/-
Dor crônica +/- ++ ++ + +/-
Cefaléia + + +/- +/- -
Problemas +/- + + ++
vestibulares

f Um fator importante; ++ um fator muito importante; - um fator que raramente é


importante; +/- esse fator pode ser importante, mas também estar ausente.
346 Terapia cognitivo-comportamental

Avaliação

Introduzir e facilitar a avaliação

Introduzir a avaliação e sua finalidade é importante no caso de


pacientes que acreditam ter sido encaminhados de forma equivoca­
da para tratamento psicológico porque seus problemas são inteira­
mente físicos (e, portanto, requerem tratamento físico). Essas cren­
ças podem tom ar a entrevista inicial particularmente difícil, sobre­
tudo quando os pacientes só concordaram em comparecer com a
intenção de convencer o terapeuta de que estão fisicamente mal, c
que a avaliação e o tratamento devem ser médicos, e não psicológi­
cos. Uma das tarefas iniciais do terapeuta consiste em descobrir a
atitude do paciente com relação ao encaminhamento, concentran­
do-se particularmente em quaisquer pensamentos que o paciente
possa ter quanto a suas implicações. Por exemplo, o terapeuta pode­
ria perguntar a um paciente: “Quando seu médico lhe disse que o
encaminharia para um parecer psicológico, qual foi sua reação?”, c
em seguida “Como se sente a esse respeito agora?”. Muito freqüen­
temente, a resposta será algo assim: “O médico acha que o proble­
ma é imaginário”, ou “Ele acha que estou louco”. Se o paciente tem
preocupações desse tipo, é importante atenuar esses medos antes de
se proceder a uma avaliação adicional. Uma maneira útil de provo­
car a cooperação do paciente é explicar:

Meu trabalho inclui o tratamento de uma variedade de proble­


mas que não são obviamente psicológicos, mas que podem envolver
fatores psicológicos. Por exemplo, sou freqüentemente solicitado a
ajudar pessoas que têm enxaquecas muito graves, pessoas com úlce­
ras estomacais, pessoas com pressão sanguínea alta, pessoas que
estão preocupadas com sua saúde, e assim por diante. Em cada um
desses problemas, há muitas vezes a presença de um problema físi
co real, mas o tratamento psicológico pode ser útil ao reduzir o e s ­
tresse que contribui para agravar o problema, ajudando a mitigar o
estresse adicional proveniente do próprio problema ou ajudando a s
pessoas a se ajustar ao fato de terem o problema. N a verdade, é
muito incomum encontrar alguém que não esteja pelo menos um
pouco preocupado com seu problema, a despeito do que o tenha can
sado em primeiro lugar.
I'mblemas somáticos 347

Outra boa tática é dizer ao paciente:

Só tenho conhecimento de uma pequena parcela dos seus pro­


blemas nessa fase. O propósito dessa entrevista é obter mais infor­
mações a respeito de seus problemas e do modo como eles o vêm
afetando. Pode ser que a ajuda psicológica seja indicada ou não para
você - não é preciso decidir-se nesta fase. O que gostaria de fazer é
discutir seu problema, e então verificar se haveria alguma coisa que
pudéssemos trabalhar. Então poderíamos discutir se meu tipo de
tratamento seria útil.

Algumas vezes pode ser necessário dedicar 15-20 minutos a


uma discussão desse tipo. O objetivo do terapeuta é envolver o pa­
ciente o suficiente para que lhe seja possível avaliar o problema de
maneira cooperativa; envolver o paciente no tratamento constitui
um objetivo posterior (ver adiante), mas isso não se faz nem neces­
sário nem desejável nessa fase. Nenhum tratamento deve ser ofe­
recido até que o terapeuta tenha chegado a uma formulação psico­
lógica positiva dos problemas do paciente. Uma pequena parcela
de pacientes é refratária à discussão de qualquer coisa além de sin­
tomas físicos, apesar das técnicas aqui descritas. Com esses pa­
cientes, o envolvimento na avaliação deve ser realizado nas mes­
mas linhas utilizadas para o início do tratamento (p. 356).

Por exemplo, o terapeuta poderia dizer: “Entendo suas dúvidas


quanto ao fato de ser apropriado ou não discutir os aspectos psicoló­
gicos de seu problema, pois está convencido de que ele é inteiramen­
te físico. Entretanto, nos últimos seis meses, houve algum momento
em que teve pelo menos uma fração de 1% de dúvida?”; e então, “Só
por um momento, poderíamos considerar essa dúvida como um exer­
cício para nos certificarmos de que cobriu todas as possibilidades de
lidar com o problema. Então, tendo em mente que estamos falando
apenas sobre um mínimo de dúvida...”

Avaliação geral

A entrevista de avaliação prossegue de acordo com as linhas


discutidas no Capítulo 2, com ênfase nos concomitantes fisiológi­
cos do problema e nas crenças dos pacientes sobre seu estado físi­
348 Terapia cognitivo-comportamental

co (ver, no Quadro 7.3, uma síntese dos principais pontos da ava­


liação). A atenção é dirigida a quaisquer eventos, pensamentos,
imagens, sentimentos ou comportamentos que precedem ou acom­
panham o problema. Por exemplo, pergunta-se aos pacientes com
dores de cabeça se notaram alguma coisa que agrava ou melhora o
problema. Já notaram alguns padrões de acordo com o dia da
semana, período do mês ou época do ano? Quando as dores ocor­
rem, o que lhes passa pela cabeça no momento? Quando os sinto­
mas estão em seu grau máximo, o que o paciente imagina ser a
pio r coisa que poderia acontecer? Os pacientes muito ansiosos
freqüentemente se preocupam com pensamentos sobre o que vai
acabar acontecendo com eles, embora tais pensamentos possam
ser muito difíceis de evocar. Essa dificuldade é especialmente
acentuada quando os pacientes estão ativamente empenhados em
não insistir em seus medos. Nesse tipo de evitação cognitiva, as
tentativas de suprimir pensamentos de desastre (às vezes através
de uma busca frenética de reconforto quanto aos sintomas experi-

Quadro 7.3 Sumário das principais áreas de avaliação

Entrevista
Atitude do paciente com relação ao encaminhamento e ao problema
Detalhes do problema: cognitivos, fisiológicos, comportamentais, afetivos;
histórico de tratamentos anteriores
O que o agrava e o que o melhora
Grau de incapacitação: social/profissional/lazer
Crenças quanto à origem, causa e desenvolvimento da doença
Crenças gerais sobre a natureza e o significado dos sintomas

Automonitoração
Diários do problema-alvo, pensamentos associados, humor, comportamentos,
utilização de medicamentos, conseqüências do problema

Questionários
Ansiedade, depressão, questionários específicos

Medidas fisiológicas
Critérios específicos de medidas, quando apropriados
Definir qualquer variação que se perceba nos sintomas corporais
Problemas somáticos 349

mentados) podem resultar no surgimento freqüente e desagradável


ile pensamentos ou imagens aterrorizantes. O efeito dessa evitação
cognitiva é, portanto, um aumento paradoxal da preocupação com
vagos medos do “pior”. Um exemplo disso era uma paciente que
notava tornar-se muito tensa quando preocupada; seu médico lhe
disse para não se preocupar, que era possível ficar tensa a ponto
de tornar-se rígida e, ainda assim, ser capaz de respirar. Ela inter­
pretou isso como um aviso de que era o que aconteceria com ela, e
procurou uma solução médica para sua rigidez, acreditando ser
esse um sinal de uma grave doença debilitante. Uma linha mais
útil de investigação alternativa consiste em perguntar: “O que con­
sidera ser a causa de seus problemas?”, “Como acha que ela fun­
ciona de modo a produzir os sintomas que experimenta?”. O tera­
peuta deve indagar sobre imagens visuais associadas ao problema.
Por exemplo, uma paciente que se queixava de dor nas pernas foi
capaz de identificar uma imagem visual de suas pernas sendo
amputadas todas as vezes que percebia uma pontada nos joelhos;
essa imagem estava associada a um aumento tanto da ansiedade
quanto da dor percebida.
É preciso avaliar as crenças disfuncionais exageradas sobre a
saúde e as doenças, que possam convencer os pacientes de que es­
tão sofrendo de uma doença grave. Alguns exemplos seriam: “Os
sintomas físicos são sempre um sinal de que há algo de errado com
o seu corpo”, “É possível saber, com absoluta certeza, que não está
doente”. Outro problema freqüente ocorre em pacientes que acre­
ditam que os profissionais de saúde podem às vezes cometer erros
de diagnóstico com conseqüências potencialmente sérias. Tais cren­
ças podem ocorrer como resultado de experiência pessoal, ou de­
vido a exemplos publicados nos meios de comunicação. A avalia­
ção dessas crenças é uma parte importante da avaliação inicial;
numa fase posterior do tratamento, podem ser contestadas confor­
me descrito nos Capítulos 3 e 6. Uma questão correlata é o estilo
cognitivo demasiadamente inclusivo adotado por alguns pacientes
com relação aos problemas de saúde.

Por exemplo, um paciente repetidamente dizia a seu terapeuta


que tinha de descobrir a causa de sua erupção cutânea, e que os m é­
dicos deviam dar-lhe uma razão para seus problemas. O terapeuta
350 Terapia cognitivo-comportamental

perguntou: “Por que você tem de descobrir a causa; será que tudo
tem de ter uma causa que pode ser identificada?” O paciente respon­
deu: “Sempre fui o tipo de pessoa que precisa saber a causa de um
problema; por exemplo, eu desmontaria meu carro completamente
para descobrir de onde provinha um ruído; um ruído significa que
há algo de errado que tende a piorar.” Então, dizer a esses pacientes
algo como “Pudemos excluir a possibilidade, sem qualquer dúvida
razoável, de que seus sintomas indicam um problema grave” talvez
não ajude muito, a menos que essas crenças sejam modificadas.

Os comportamentos que são conseqüências dos sintomas ou


de ansiedades dos pacientes são avaliados detalhadamente. Isso
inclui o que os pacientes realmente fazem (por exemplo, ir para
casa, deitar-se, tomar comprimidos), mas também outras ações
voluntárias menos óbvias (concentrar a atenção no próprio corpo,
distração, pedir que os outros os reconfortem, 1er livros médicos).
Qualquer coisa que os pacientes se façam fa zer ou pensar é inves­
tigada. Pergunta-se ao paciente: “Quando o problema começa a
incomodá-lo, há alguma coisa que tenda a fazer devido a ele?”,
“Há coisas que procura fazer quando o problema se apresenta?”,
“Como seu comportamento seria diferente se o problema se resol­
vesse amanhã?”. A procura de reconforto através de fontes médi­
cas ou não deve ser especificamente avaliada.
A avaliação deve também incluir indagações sobre a evitação
que antecipa os sintomas e a ansiedade, e quaisquer pensamentos
correlatos. Por exemplo, os pacientes muitas vezes relatam que
habitualmente evitam uma determinada atividade, embora não se­
jam capazes de identificar um pensamento associado. O terapeuta
poderia perguntar: “Se não tivesse sido capaz de evitar essa ativi­
dade... qual seria a pior coisa que poderia ter acontecido?” Os pa­
cientes com dores, hipocondria, intestino irritável e cefaléias fre­
qüentemente têm comportamentos antecipatórios desse tipo, e por­
tanto relatam poucos pensamentos negativos imediatamente iden­
tificáveis. A evitação funciona de modo semelhante àquele obser­
vado na ansiedade fóbica (ver Capítulo 4, p. 144), e é avaliada em
moldes semelhantes. Por exemplo: “Há coisas que seu problema o
impede de fazer?”
Uma vez que um quadro geral do problema tenha sido traça­
do, uma descrição mais detalhada dos episódios recentes é evoca-
Problemas somáticos 351

da. Isso é mais fácil de fazer através de uma progressão narrativa


ao longo de ocasiões recentes das quais o paciente se lembra com
nitidez: “A última vez que sua dor foi tão grave que o impediu de
andar foi na terça-feira. Qual foi o primeiro sinal de que estava
piorando?” À medida que a descrição progride, perguntas úteis
seriam: “O que passava por sua cabeça quando percebeu que a dor
estava pior?”, “O que aconteceu depois?”, “Naquele momento, o
que pensou ser a pior coisa que poderia acontecer?”, “Você tentou
fazer alguma coisa para impedir que isso acontecesse?”, “O que
desejou fazer então?”.

Automonitoração

Uma formulação completa quase nunca é possível imediata­


mente após a primeira sessão de avaliação; uma avaliação adicional
deve incluir um período de automonitoração (que também é útil
como uma diretriz a partir da qual se possa medir a eficácia do tra­
tamento) e de preenchimento de questionários de relatos pessoais.
Quando a automonitoração já tiver começado, pede-se ao paciente
que mantenha registros sobre as variáveis relevantes (por exemplo,
o problema-alvo, pensamentos associados aos episódios, humor
geral e comportamentos), nos moldes descritos no Capítulo 2. O
terapeuta precisa ressaltar que nessa fase os pacientes devem des­
crever os pensamentos e comportamentos associados ao problema,
em vez tentar estabelecer quaisquer ligações entre eles.
Convém fazer, pelo menos, mais uma sessão de avaliação, em
geral depois de o terapeuta ter examinado as anotações médicas e
psiquiátricas quando estiverem disponíveis. O período intermediá­
rio também é suficiente para que os dados provenientes da auto­
monitoração sejam coletados e discutidos. Os aspectos do históri­
co do paciente que podem intensificar o grau de seu mal-estar de­
vem ser considerados. Por exemplo, um corredor extremamente
competitivo desenvolveu dor crônica e obesidade depois de uma
queda em que machucou as pernas de tal modo que nunca mais foi
capaz de voltar a andar de forma adequada. Sempre que sentia dor,
pensava: “A vida não vale a pena se não puder correr novamente;
nada mais vale a pena.”
352 Terapia cognitivo-comportamental

Os clínicos e outros profissionais no momento envolvidos


nos cuidados com o paciente devem ser contactados para darem a
conhecer suas opiniões e indicarem o envolvimento do terapeuta.
É importante estabelecer consensualmente os limites médicos que
podem ser impostos ao tratamento. O tratamento muitas vezes in­
clui redução de medicação, programas de exercícios, e assim por
diante; estes devem ser conduzidos em cooperação com os clínicos
envolvidos. Na segunda sessão, os resultados da automonitoração
são examinados e o processo de envolvimento do paciente no tra­
tamento se inicia.
A automonitoração pode ser tanto individualizada quanto
padronizada. Um exemplo do uso de uma folha de automonitora­
ção padronizada para um paciente com cefaléia é ilustrado na
Figura 7.2. A automonitoração geralmente é feita com base nas
anotações de um diário. Isso incluiria as variáveis que, segundo
sugestão da avaliação inicial, podem ser importantes. Embora os
critérios de medidas (por exemplo, da intensidade da cefaléia) se
mantenham constantes, outros detalhes registrados no diário (por
exemplo, pensamentos com relação a tumores cerebrais, eventos
estressantes, comportamentos de enfrentamento) podem variar à
medida que o tratamento progride e a formulação é aprimorada.
Numa fase posterior do tratamento, a aplicação e eficácia das téc­
nicas de enfrentamento aprendidas na terapia também podem ser
registradas.

Por exemplo, no caso de um paciente com dor crônica, a ava­


liação sugeriu que estava restringindo suas atividades físicas, pas­
sando a maior parte de suas manhãs na cama. Um diário de ativida­
des revelou que geralmente dispendia suas tardes e noites deitado
num sofá, numa única posição. Uma extensão do diário com o regis­
tro de seus pensamentos e humores toda vez que o relógio dava as
horas (para que ele dispusesse de um sinal identificável para seu
auto-registro) revelou pensamentos melancólicos centrados na de­
sesperança quanto ao futuro. Isso levou a uma discussão do papel
tanto da inatividade mental quanto física, e de maneiras pelas quais
ele poderia melhorar sua situação a despeito de sua condição m édi­
ca. Perguntou-se a ele: “Tudo bem; supondo-se, no momento, que a
dor nunca melhorasse, como gostaria de começar a lidar com tal
possibilidade?”
Problemas somáticos 353

O uso de medicação deve ser incluído na automonitoração,


pode ser visto como um comportamento da doença que fomenta a
preocupação, às vezes devido a seus efeitos colaterais.

Por exemplo, uma paciente com asma moderada estava experi­


mentando vários ataques de ansiedade todos os dias, o que a deixava
num estado constante de agitação. Foi-lhe pedido que monitorasse a
falta de ar, a ansiedade geral, os ataques de ansiedade e o uso de ina­
ladores. A partir desses registros, ficou claro que os episódios de an­
siedade à tarde eram cinco vezes mais prováveis depois que ela havia
usado o inalador mais de três vezes. Restringir o uso desse inalador
resultou numa dramática redução da ansiedade, como primeiro passo
de um programa de tratamento mais completo (ver p. 361 ).

Questionários

Embora muitos questionários para problemas somáticos te­


nham sido criados, poucos se mostraram úteis na prática clínica de
rotina (Bradley e Prokop, 1982). O “McGill Pain Questionnaire”
pode ser útil no caso de pacientes com dores, pois mede os compo­
nentes sensoriais, afetivos e avaliadores da dor, bem como sua inten­
sidade (Melzack e Torgerson, 1971). No caso de pacientes com
cefaléias, o “Headache Questionnaire” (Blanchard e Andrasik,
1985, p. 8) é bastante útil. Nenhum dos questionários que medem a
somatização e os comportamentos associados à doença mostrou ser
de utilidade clínica. A medição da ansiedade e da depressão em
pacientes com uma apresentação somática constitui um problema
especial, pois os questionários relativos a esses estados se baseiam
comumente numa grande proporção de sintomas físicos. A escala
de Depressão e Ansiedade Hospitalar (Zigmond e Snaith, 1983) foi
elaborada para superar esse problema, e tem as vantagens de ser
curta, fácil de atribuir notas e relativamente sensível às mudanças.

Medições fisiológicas

Para os pacientes com um correlato fisiológico identificável


de seu problema, a medição direta desses problemas às vezes é útil
como forma de avaliar os progressos e dar ao paciente e ao terapeu-
354 Terapia cognitivo-comportamental

Figura 7.2 Exemplo de um diário de cefaléia preenchido, mostrando (a) as


avaliações fornecidas na frente da brochura; (b) a seção para registro da loca­
lização da dor de cabeça e das atividades evitadas (as cabeças ilustram as
localizações); (c) o gráfico da dor de cabeça em si, com a seção superior desti­
nada ao registro da medicação (O autor é grato a Clare Philips, que original­
mente forneceu o protótipo para este formulário)

a) ESCALA DE AVALIAÇÃO (0-5)

0. Nenhuma dor de cabeça


1. Nível muito baixo - percepção ocasional da dor
2. Nível de dor pode ser ignorado em alguns momentos
3. Dolorosa, mas é possível continuar a trabalhar
4. Muito forte, toma a concentração difícil
5. Intensa, incapacitadora

Hora em que levantou..Z!>.39..,!,^ > ......


Hora em que foi dormir ....

b)

Hora do Atividade Localização


dia evitada, etc.

manhã Mãô c o w iÀ e i \£, 17,


parst HC

u^sporiMeia.
korSLao HM3Ú5-
Àh,L

tarde H e J e iie iií. \É, 17,


IÍ47L h £ ,e ,
Ntíío cpií, levar
&,U-
as. crtaMças.
a&f&refje
EvüeL
oMAve^as,,
larLtô
Problemas somáticos 355

Kljjura 7.2 (cont.)

c) Medicação ^ DATA . 9 ^ r í ^ ? * r .

manhã tarde/noite manhã

ta um feedback da eficácia do tratamento (por exemplo, medições


periódicas da pressão sanguínea; medição da dimensão das áreas
inflamadas em pacientes com problemas de pele). As medições po­
dem ser incluídas como automonitoração durante a avaliação;
assim, o paciente com episódios intermitentes de pressão sanguínea
alta pode ser ensinado a medir a pressão sanguínea em diferentes
horas do dia, antes e depois de determinadas atividades, e assim por
diante. No caso de pacientes em que fatores respiratórios como a
hiperventilação podem ser um componente do problema, a medi­
ção de pC 0 2 às vezes é útil (Salkovskis, Clark e Jones, 1986), em­
bora nem sempre fácil de planejar, e qualquer indício de hiperventi­
lação deve ser considerado no contexto da avaliação psicológica
daquilo que os sintomas experimentados significam para o paciente
(Salkovskis, 1988c). Há aparelhos simples que medem a quantida­
de de atividade e são de grande valor para um grande número de
problemas, particularmente a dor. Por exemplo, os pedômetros per­
mitem comparações de atividades em diferentes períodos do dia ou
em dias diferentes; como parte dos programas de exercício, os pedô-
356 Terapia cognitivo-comportamental

metros proporcionam um feedback rápido e fácil, além de serem


úteis para a definição de objetivos de exercícios progressivos.
Algumas vezes, os pacientes vão acreditar que estão apresen­
tando variações ou funções corporais anormais. Quando o envolvi­
mento somático não é imediatamente óbvio, seja através da inspe­
ção ou de exames médicos, a atenção deve voltar-se para a defini­
ção da anormalidade percebida. Por exemplo, alguns pacientes acre­
ditam que dormem muito pouco ou absolutamente nada, ou que
seus batimentos cardíacos nunca deveriam exceder 60 por minuto.
Quando a entrevista não consegue elucidar a extensão do proble­
ma, a avaliação fisiológica pode ter um papel a desempenhar na
definição.

Tratamento

Princípios subjacentes ao tratamento

Embora as abordagens do tratamento de distúrbios específi­


cos sejam diversas, os princípios gerais apresentados no Quadro
7.4 são semelhantes para todos os diagnósticos. Esses princípios
devem orientar a aplicação de técnicas específicas de tratamento.

Técnicas de tratamento

Técnicas de tratamento específicas para problemas somáticos


são delineadas nesta seção. Para alguns pacientes, a avaliação pode
sugerir a aplicação de algumas das técnicas de tratamento delinea­
das nos Capítulos 3, 4, 5, 10 e 12. Entretanto, quando a relutância
em deixar-se envolver no tratamento se faz presente, é preciso li­
dar com ela antes do seu início.

Engajamento no tratamento

Os pacientes que de início acreditam que seus problemas se­


jam essencialmente físicos apresentam dificuldades em deixar-se
/ 'roblemas somáticos 357

Quadro 7.4 Princípios gerais de tratamento cognitivo-comportamental de proble­


mas somáticos

1. O objetivo é ajudar o paciente a identificar qual é o problema, e não aquilo que


ele não é.
2. Reconhecer que os sintomas realmente existem - e que o tratamento visa pro­
porcionar uma explicação satisfatória deles.
3. Distinguir entre fornecer informações relevantes em oposição a reconfortar
através de informações irrelevantes ou repetitivas.
4. As sessões de tratamento não devem ser nunca combativas; o questionamento e
a colaboração com o paciente configuram a melhor abordagem, como na tera­
pia cognitiva em geral.
5. As crenças dos pacientes são invariavelmente baseadas em indícios que eles
consideram convincentes; em vez de depreciar uma crença, o melhor é desco­
brir as observações que o paciente vê como sinais de doença, ou então trabalhar
cooperativamente com ele nesses mesmos termos.
6. Estabelecer um contrato de limite de tempo que preencha as exigências do tera­
peuta mas respeite as preocupações do paciente.
7. A atenção seletiva e a sugestionabilidade típicas de muitos pacientes devem ser
usadas para demonstrar o modo como a ansiedade pode emergir de circunstân­
cias, sintomas e informações inócuas.
8. O que os pacientes entenderam com relação àquilo que foi dito durante as ses­
sões de tratamento tem de ser sempre verificado; para tanto, pedir-lhes que re­
sumam o que foi dito e as implicações que isso tem para eles.

envolver no tratamento, já que não acreditam que o tratamento psi­


cológico seja apropriado. Essa crença levará à não-adesão às inter­
venções (Rosenstock e Kirscht, 1979). O estabelecimento do en­
volvimento geralmente resulta da avaliação. Com base numa con-
ceitualização preliminar do problema, o terapeuta sintetiza o que o
paciente disse, enfatizando o papel de seus sintomas, pensamentos,
crenças e comportamentos, apresentando a conceitualização nes­
ses termos. A aceitabilidade dessa conceitualização é discutida com
o paciente. Antes que se possa ultrapassar essa fase, o terapeuta e o
paciente devem concordar quanto aos objetivos do tratamento.
Muitos pacientes estão dispostos a participar de uma avaliação psi­
cológica, mas têm um conjunto de metas diferentes das do tera­
peuta, que está procurando chegar a uma formulação psicológica
para o tratamento do problema do paciente. Os pacientes, por
outro lado, podem considerar o terapeuta como um aliado poten­
cial em suas tentativas de excluir as doenças físicas ou de ter suas
358 Terapia cognitivo-comportamentaI

crenças sobre as bases médicas de seus problemas aceitas como


verdadeiras. Por exemplo, podem querer provar ao terapeuta que
não estão “loucos”, ou considerar o terapeuta como uma nova e es­
pecializada fonte de reconforto. A menos que se possa reconciliar
essas diferentes expectativas de tratamento e o modo de colocá-lo
em prática, a terapia não terá probabilidades de ser eficaz. Entre­
tanto, o terapeuta não deve esperar que os pacientes “admitam"
que seus problemas sejam “somente ansiedade”, quando estão pro­
curando tratamento para aquilo que acreditam ser uma doença física
não diagnosticada, ou uma doença mais grave e incapacitadora do
que vem sendo admitido.
Esse impasse pode ser resolvido pela discussão criteriosa que
nem rejeita as crenças dos pacientes nem lhe confere peso. De iní­
cio, o terapeuta demonstra uma aceitação completa de que o pa­
ciente experimenta sintomas físicos e acredita que esses sintomas
se devem a uma grave doença física. O terapeuta pode explicar que
as pessoas geralmente fundamentam essas crenças em observa­
ções pessoais que parecem constituir indícios convincentes de que
estão doentes. Entretanto, também é possível haver explicações al­
ternativas para as observações que fizeram (ver também p. 362). A
avaliação e o tratamento posteriores envolvem o exame dos indí­
cios e das possíveis explicações alternativas, e inclui o uso de tare­
fas específicas elaboradas para testar as explicações alternativas.
O paciente é explicitamente informado de que, nessa nova maneira
de lidar com o problema, testes e avaliações físicas não fariam par­
te do tratamento, assim como o reconforto e longas discussões dos
sintomas não seriam úteis.
Antes que os pacientes decidam quanto à aceitabilidade dessa
nova abordagem do problema, a utilidade dessas duas maneiras al­
ternativas (a nova e a antiga) de se lidar com o problema deve ser
considerada. Há quanto tempo o paciente vem tentado resolver o
problema e livrar-se dos sintomas através de meios exclusivamente
médicos? Qual a eficácia que isso tem mostrado? Alguma vez já
testaram adequadamente a abordagem psicológica alternativa su­
gerida pelo terapeuta? Propõe-se, então, que os pacientes se com­
prometam a trabalhar com o terapeuta dessa nova maneira por qua­
tro meses, e as datas são especificadas. Se foram capazes de fazei'
todas as coisas estabelecidas de comum acordo com o terapeuta e
11riiblemas somáticos 359

ti problema não tiver melhorado em absoluto ao final desse perío-


tlo, então seria razoável voltar à maneira original de abordarem o
problema, e o terapeuta ficaria satisfeito em reconsiderar o proble­
ma a partir de uma perspectiva mais física. Desse modo, não se
pede aos pacientes que abandonem sua visão dos problemas, mas
que considerem e testem uma alternativa por um período limitado.
No caso de pacientes que acreditam ter uma doença física que está
sendo negligenciada, esta é uma proposta atraente. O trecho trans­
crito abaixo ilustra essa abordagem na segunda sessão com uma
mulher de 57 anos.

Terapeuta: Então acredita que tem um problema físico grave que os


médicos não detectaram. Está correto?
Paciente: Sim, está.
T.: Então esse pensamento é muito perturbador, e a deixa muito
infeliz de uma série de maneiras. O que mais a incomoda é o
fato de não permitir que você se sinta bem quando sozinha, e
de impedir que faça coisas que aprecia, como jogar tênis. Tam­
bém fez com que parasse de comer muito, o que pode estar tor­
nando o ato de comer ainda mais difícil. Está correto?
P. : Sim. As vezes fico sozinha, mas nunca quando posso evitar.
T. : Certo. Quando as pessoas têm medos, geralmente têm motivos
para esses medos. Em seu caso, as razões para seu medo com
relação à saúde são as dores que sente, sua perda de peso, a di­
ficuldade de comer e engolir e problemas intestinais. Todos es­
ses problemas lhe sugerem que esteja doente, especialmente
por se manifestarem todos os dias. Há algum outro indício que
a faça pensar que esteja doente?
P. : Sim; não é um nó, é uma sensação horrível na garganta, uma
sensação de sufoco que quando surge irrita a garganta. Meu
médico já me examinou, mas o problem a só piorou depois
que fiz as radiografias, não antes; antes não me impedia de co­
mer. Meu sistema urinário também é um problema. E muito
assustador, não consigo lidar com isso. São essas as coisas
principais, e me levam a pensar que tenho o mesmo que m i­
nha mãe.
T.: Certo; então tudo isso a faz pensar o pior; pensa que tem cân­
cer, como a sua mãe.
P.: Sim.
360 Terapia cognitivo-comportamental

T.: Há outras coisas que a fazem pensar que também tem ansie­
dade; por exemplo, no final de nosso último encontro, disse
que o seu problem a de sono era ansiedade com o fato de po­
der m orrer enquanto dormia, e que lutava contra o sono. Quer
dizer que seu problem a de sono é explicado por estar preocu­
pada?
P. : Sim, acho que sim.
T.: Agora, também tem problemas com dor, com a alimentação,
com o sistema urinário e com os intestinos. Esses problemas a
fazem pensar que esteja doente. Uma preocupação com rela­
ção a eles é que os médicos não os teriam levado a sério porque
já teve problemas semelhantes no passado.
P.: Como poderiam saber se, em termos orgânicos, havia algo de
seriamente errado comigo? O que tenho hoje é diferente do
que tinha no passado. Não consigo passar por isso agora.
T.: O médico ouviu o relato de seus sintomas, mas está preocupa­
da porque ele presta muita atenção a seus problemas anterio­
res. [Discute por alto o modo como os diagnósticos são feitos.]
Ele acha que tem um tipo de fobia com relação à sua saúde, c
que os sintomas são provenientes da ansiedade. [Discute os
sintomas da ansiedade, pede à paciente que identifique se já
experimentou algum deles, descreve os efeitos da ansiedade na
dor e no apetite...] Qual é sua reação a essa idéia?
P.: Posso lhe dizer que, quando meus sintomas começarem a
desaparecer, então acreditarei que estou bem.
T.: OK. Tenho um a proposta para você. Sua preocupação é a de
que existe algo de fisicamente errado consigo, e entendo por­
que as coisas que discutimos a fazem pensar assim. Também
examinamos coisas que me levam a pensar que tem um tipo de
fobia de estar doente. Então há duas possibilidades, e precisa­
mos levar ambas em consideração. As duas possibilidades são:
aquela em que você acredita e da qual duvido, isto é, a de que
existe algo de fisicamente errado consigo. A outra possibilida­
de, na qual eu acredito e da qual você duvida, é a de que está
ficando muito ansiosa e tendo pensamentos perturbadores. Es­
ses pensamentos levam-na a fazer coisas que a concentram
mais em suas preocupações, e podem produzir sintomas em
seu corpo, m udar sua alimentação. A síntese lhe parece boa?
P. : Sim, é exatamente isso.
T.: Recentemente, até que ponto vem tentando agir como se esti
vesse doente e lidar com o problema dessa maneira?
/ 'riiblemas somáticos 361

P.: Como ir ao meu clínico geral? Sim, ele já me examinou bas­


tante.
T. : Isso se mostrou útil na redução de seus sintomas?
P.: Não, porque... ele fez exames, nada foi encontrado. Estou lhe
dizendo, o que devo fazer?
T.: Parece que tentou resolver o problema ao lidar com ele como
se se tratasse de um problema físico. Tenho sugerido que a
ansiedade talvez constitua grande parte de seu problema. Quan­
to já tentou lidar com ele desse modo, como se o problema
fosse ansiedade? Já fez uma tentativa?
P. : Hum... [longo intervalo] Não posso dizer que tenha tentado.
T. : Não tentou lidar com ele como se fosse ansiedade?
P.: Não.
T.: Tentou lidar com ele como se fosse um problema físico. Que
tal fazermos uma negociação por apenas três meses; nesses
três meses, lidar com ele como se fosse um problema de ansie­
dade. Você tenta lidar com ele como ansiedade; se for capaz de
fazer todas as coisas que imaginarmos juntos para lidar com
sua ansiedade, e ao final de três meses o problema não estiver
apresentando melhoras, então o analisaremos novamente, a
partir de uma perspectiva física.
P.: Eu entendo.
T.: Parece-me uma maneira sensata de fazê-lo; se fizer isso e fun­
cionar, então o problema desaparecerá. Se não ajudar, será
igualmente bom, pois você poderá me dizer: “Ah, ha, reduzi
minha ansiedade e meu problema ainda está lá; você precisa
examiná-lo novamente.” Isso lhe parece bem?
P. : Sim, compreendo. Por onde começamos?

Um sumário e uma consolidação seriam os passos seguintes.


As sessões devem ser gravadas com o auxílio de cassetes; o pa­
ciente pode, então, ouvi-los posteriormente e sintetizar os pontos
importantes.

Mudanças na medicação e suportes fisicos, dieta e estilo de vida

Mudanças consideráveis nos distúrbios somáticos podem ser


obtidas através de intervenções simples.

Medicação e suportes fisicos. Muitos pacientes tomam uma medi­


cação que foi destinada a ajudar seus problemas, mas que se tor-
362 Terapia cognitivo-comportamentuI

nou contraproducente. Por exemplo, há indícios de que uma redu­


ção da dor pode ocorrer em até 40% dos pacientes com dores
quando a medicação (prescrita ou não) é retirada. A medicação pa­
liativa desse tipo deve ser descontinuada assim que possível, em
cooperação com o clínico que a prescreveu. Em certos casos, a re­
dução da medicação tem de ser muito gradual; raramente se faz
necessária uma internação dos pacientes para retirada gradual.
Outra medicação que comumente tem um efeito benéfico parado­
xal quando retirada inclui os laxantes, que podem aumentar a dor c
prejudicar o funcionamento do intestino em pacientes com cólon
irritável; os hipnóticos, que podem prejudicar a qualidade do sono
(e produzir o despertar logo pela manhã) na insônia; e os inalado­
res para a falta de ar não asmática (seu uso excessivo pode produ­
zir a ansiedade como efeito colateral). A medicação que está sendo
prescrita para um distúrbio que não se faz presente geralmente
aumenta a ansiedade, pois o fato de tomá-la concentra a atenção
do paciente e sustenta a crença na suposta doença. Por exemplo,
isso era observável num paciente com dores torácicas que acredi­
tava ser portador de um problema cardíaco; ele foi informado pelo
cardiologista de que era saudável, mas também recebeu “pequenos
comprimidos brancos para colocar embaixo da língua quando a
dor piorasse”. Efeitos semelhantes podem ocorrer com suportes fí­
sicos, particularmente espartilhos, muletas e cadeiras de roda, que
também podem aumentar a fraqueza e a dor muscular.
Tomar medicação ou usar suportes físicos por um longo pe­
ríodo como uma forma de aliviar os sintomas pode ter efeitos para­
doxais de três tipos:

(1) efeitos diretos, por exemplo os hipnóticos, que afetam o pa­


drão de sono de maneira adversa, e os laxantes, que provocam
dores no intestino e apatia;
(2) efeitos nos julgamentos de anormalidade e debilitação; por
exemplo, a crença de que 6 horas de sono por noite deve ser­
um problema, já que para isso são prescritos comprimidos, e
que a constipação ocasional deve ser anormal, se para lidai
com ela é preciso receitar laxantes;
(3) efeitos nas crenças de que há um grave problema subjacente;
por exemplo, dar um inalador a um paciente com falta de ar.
Problemas somáticos 363

tutores dietéticos e de estilo de vida. O papel dos fatores dietéticos


nlórgicos nas apresentações físicas é controverso (Rippere, 1983).
Sc houver indícios, a partir da avaliação, de que os sintomas pos-
Miim estar relacionados a determinadas substâncias, então os pa-
i'icntes podem ser solicitados a monitorar os efeitos da exclusão
desses fatores. Isso é seguido pela gradual reintrodução deles, e o
paciente não será informado de quando exatamente isso acontece
(Mackamess, 1980). Algumas vezes, vale considerar se o distúrbio
do paciente pode estar relacionado à exposição profissional a deter­
minadas substâncias. No caso de um paciente, por exemplo, a expo­
sição ao estireno em seu trabalho estava associada à falta de ar, e a
simples identificação desse fato tomou possível tratar a ansiedade
do paciente. Freqüentemente, a reação a fatores dietéticos constitui
uma ligação direta evidente, sendo a vigília e a ingestão de cafeína
uma das mais conhecidas. Muito encontrados, também, são os pro­
blemas resultantes da ingestão excessiva de álcool; por exemplo, a
ressaca (dor de cabeça), a falta de sono ou sintomas físicos mais
gerais. Os pacientes podem não ter consciência de que seu consu­
mo é excessivo, ou podem ter vergonha em admiti-lo. A eliminação
do consumo de álcool pode então ser esclarecedora. O cigarro pode
produzir problemas como a circulação deficiente e a falta de ar. A
falta de forma física está implícita em alguns problemas: os pacien­
tes que praticam poucos exercícios podem experimentar dores mus­
culares quando o fazem, e podem ter problemas para dormir. O exer­
cício freqüentemente traz efeitos benéficos à fünção intestinal na
síndrome do cólon irritável. Além disso, passar de uma dieta à base
de batatas fritas e hambúrgueres, por exemplo, para alimentos com
mais fibras é quase invariavelmente benéfico.

Mudar as crenças sobre a natureza


e as conseqüências do problema

A ansiedade acerca da saúde envolve a interpretação de sen­


sações corporais, mudanças físicas ou informações médicas como
mais perigosas do que realmente são. Em particular, o desenvolvi­
mento futuro de um problema de saúde (real ou imaginário) pode
ser percebido como mais ameaçador do que é na verdade o caso.
364 Terapia cognitivo-comportamental

Nos problemas com uma base substancial na ansiedade, o trata­


mento envolve a modificação do modo como os pacientes avaliam
o significado dos sintomas. De início, a mudança de crenças en­
volve a identificação de pensamentos negativos e dos indícios nos
quais se baseiam.

Por exemplo, um paciente que havia recentemente desenvolvi­


do tinido, e que acreditava que esse se tom aria tão intenso a ponto
de levá-lo ao desespero e possivelmente ao suicídio, avaliou sua
crença nesse pensamento em 85/100. O questionamento revelou
que, quando o tinido começou, o paciente havia notado uma pro
gressão de nenhum barulho a um nível equivalente a um sussurro no
espaço de dois dias. Ele também se tom ara intensamente deprimido
e ansioso durante a semana subseqüente. Em seguida a isso, o pro­
blema tinha permanecido estável; entretanto, o paciente acreditava
que o tinido progredia de maneira gradual, e que cada passo intensi­
ficaria sua ansiedade e depressão a um grau comparável ao do perío­
do em que o tinido começou. Estava extrapolando de sua experiên­
cia anterior do tinido para aquilo que acreditava ser a provável pro­
gressão. Quando essa base de suas preocupações foi explicitada, foi
também anotada, e o paciente a considerou à luz de sua experiência
geral. Ele notou que a ansiedade e a depressão resultam de uma série
de eventos significativos, e que não se desenvolvem cumulativa­
mente (como em passar por uma semana ruim na qual tudo dá erra­
do). Também reconheceu que, quando um amigo desenvolveu dia­
betes, sua resposta subseqüente foi menor que sua reação inicial.
Através do questionamento, foi capaz de produzir uma descri­
ção alternativa de seu tinido, isso é, que este havia se desenvolvido
gradualmente em um período de meses (ou mesmo anos), e que só o
havia notado depois de assistir a um programa de televisão sobre
defeitos de audição; o choque ao observar o tinido e as preocupa­
ções quanto a ter um tumor cerebral haviam aumentado até o ponto
em que passou a concentrar sua atenção no barulho, o que levava a
aumentos adicionais de percepção. Ele então avaliou sua crença
nessa alternativa como sendo de 80/100, e reavaliou seu pensamen
to original como de apenas 30/100. Um experimento com portâm es
tal foi elaborado para testar seus pensamentos. Registrou sua ansie­
dade e a intensidade percebida do tinido durante um jogo de futebol,
comparado a um período que passou sentado em casa, pensando nas
coisas possíveis que poderiam lhe acontecer como resultado do tini
do. Constatou que os resultados de seu experimentos eram tão con­
I 'mblemas somáticos 365

vincentes que reavaliou seus pensamentos originais sobre como o


tinido poderia levá-lo ao suicídio, reavaliação essa que ficou em
apenas 5/100.

Essa combinação de discussão das bases das crenças negati­


vas, da automonitoração e de experimentos comportamentais é
nplicável a uma ampla variedade de reações que envolvem a ansie­
dade e a depressão como uma resposta aos sintomas físicos ou aos
medos. As avaliações indicam ao terapeuta e ao paciente qual o su­
cesso da mudança de crença. As avaliações duais de crenças são
freqüentemente úteis; por exemplo, “Gostaria que atribuísse uma
nota ao pensamento: ‘o tinido se tom ará tão intenso que me levará
ao suicídio’, em uma escala de 0-100, onde 0 significa ‘não acredi­
to absolutamente nisso’ e 100, ‘estou absolutamente convencido
de que isso é verdade’. Neste exato momento, qual a sua crença
nisso?”. E então: “Quando há bastante silêncio e percebe particu­
larmente bem o tinido, qual seria a nota atribuída?” Muitas vezes,
a presença do sintoma produz diferenças substanciais nas avalia­
ções de crenças; os pensamentos negativos devem ser identifica­
dos e confrontados em situações nas quais as crenças se apresenta­
riam em seu grau máximo, pois essa negação de sua validade exer­
ce um maior impacto sobre o comportamento do paciente. Os ex­
perimentos comportamentais são uma forma poderosa de mudar
as crenças dos pacientes sobre a origem e a natureza dos sintomas.
Num experimento comportamental, a meta é demonstrar aos pa­
cientes que seus sintomas podem ser influenciados por fatores di­
ferentes daqueles que eles julgam ser os responsáveis.

Por exemplo, pediu-se a uma paciente que acreditava que a difi­


culdade de engolir era um sinal de câncer na garganta que engolisse
várias vezes e então descrevesse os efeitos disso. Ficou surpresa ao
descobrir uma crescente dificuldade de engolir, e ao constatar que o
terapeuta experimentava o mesmo quando engolia repetidas vezes.
Essa observação foi importante, pois ela tinha o hábito freqüente de
engolir uma série de vezes para verificar como estava sua garganta.
Uma outra paciente percebeu, em sua cabeça, um adormeci­
mento, que acreditava ser sinal de um tumor cerebral. Quando con­
centrava sua atenção nele e em pensamentos de tumores cerebrais, o
adormecimento se agravava; quando descreveu em voz alta um qua-
366 Terapia cognitivo-comportamental

dro existente no consultório do terapeuta, não mais percebeu o ador­


mecimento. Enquanto discutia esse experimento, ela se lembrou que
pensar em tumores cerebrais geralmente provocava sintomas; o te­
rapeuta perguntou o que essa observação revelava. Ela respondeu
que parecia muito improvável que pensar sobre um tumor pudesse
agravar a situação, e isso fez parecer muito provável que o problema
era sua resposta à ansiedade com relação a um tumor.

(Vários outros exemplos são descritos neste capítulo e no Capítulo 3 )

M udar o comportamento

Em sua maioria, os comportamentos envolvidos nos proble­


mas somáticos são percebidos pelos pacientes como se cumpris­
sem uma função preventiva, sendo, portanto, relativamente difí­
ceis de modificar sem que se atente para as crenças subjacentes.

Comportamentos diretamente relacionados ao problema. Quando


um comportamento de doença é proeminente, as estratégias de tra­
tamento visam eliciar e demonstrar o papel dos comportamentos
na manutenção da ansiedade, da preocupação e dos distúrbios fi­
siológicos. O uso do questionamento como parte de uma desco­
berta orientada pode ser útil. A demonstração direta é particular­
mente convincente quando a mudança de comportamento mostra
ter um efeito sobre os sintomas. O paciente e o terapeuta elaboram
experimentos para:

(1) testar a crença dos pacientes de que o comportamento os está


“mantendo a salvo” de um grande problema, e
(2) verificar se os comportamentos que os pacientes acreditam
aliviar os sintomas realmente o fazem.

Por exemplo, uma paciente tinha medo de estar com AIDS


porque apresentava um a série de sintomas que haviam sido relata­
dos nos meios de comunicação como sendo característicos da
doença. O questionamento revelou que havia particularmente se
assustado com protuberâncias e dores no pescoço e nas axilas.
Como resultado desse medo, ela freqüentemente apertava e mani­
pulava essas áreas, resultando num agravamento da dor, em alguma
I'nihlemas somáticos 367

inflamação superficial e inchaço. Junto com seu terapeuta, fez um


experimento no qual ambos apertavam seus pescoços da mesma
maneira, por três períodos de 5 minutos durante uma sessão. O au­
mento da dor e da inflamação foi suficiente para convencê-la de
que seu comportamento estava envolvido na produção do sintoma.
Outro exemplo era um a paciente com intestino irritável, na
qual a automonitoração indicava que se sentia ansiosa se tivesse
quaisquer sensações de volume no seu intestino grosso. Era comum
que fizesse uso de laxantes e supositórios a fim de livrar-se desses
sentimentos. Levantou-se a hipótese de que estes perturbavam sua
função intestinal e aumentavam sua sensibilidade às sensações de
seu intestino grosso; ela concordou em desistir do uso de supositó­
rios e laxantes por um período de três semanas, monitorando a fun­
ção intestinal nesse período. Constatou que experimentava menos
sensações de volume, e aprendeu a discriminar melhor os anseios
de defecar. Tanto o hábito intestinal quanto a ansiedade melhora­
ram como resultado dessa intervenção.

Em muitos casos, os comportamentos de evitação mantêm a


preocupação dos pacientes com a doença ao impedirem que eles
avaliem as informações que contradizem as interpretações negati­
vas dos sintomas.

Por exemplo, uma paciente com dores acreditava que a razão


de não estar confinada a uma cadeira de rodas residia no fato de
haver restringido sua atividade física, ficando na cama quando a dor
era grave e assim por diante. Quando iniciou um programa de exer­
cícios, ficou surpresa com o fato de que esse programa não resultou
numa deterioração de seu estado.
Um paciente acreditava ter evitado um ataque ao concentrar
sua atenção na tentativa de “fazer o sangue fluir mais livremente”,
mediante o exercício da força de vontade, e que, se parasse com
isso, sofreria um a ataque (convicção avaliada em 95/100). Estava
obviamente relutante em abandonar esse procedimento, e o terapeu­
ta então lhe sugeriu que tentasse provocar um ataque durante a ses­
são, usando sua força de vontade. Surpreso com essa sugestão, disse
após alguma discussão que isso não era possível; foi então capaz de
generalizar isso aos seus esforços para impedir um ataque (a avalia­
ção de convicção caiu para 10/100). Foi capaz de impedir seus
esforços de controle fora da sessão, sua convicção caiu para 0/100 e
parou de se preocupar com o fato de poder sofrer um ataque.
36 8 Terapia cognitivo-comportamental

Outros exemplos da aplicação específica de técnicas para m u­


dar os comportamentos e crenças de dor são descritos detalhada­
mente por Philips (1988).

Reasseguramento. No caso de pacientes ansiosos acerca de sua


saúde, pode ocorrer uma variedade de comportamentos que têm o
mesmo efeito da verificação obsessiva (p. 199). Esses comporta­
mentos de procura de reasseguramento focalizam a atenção nas
preocupações do paciente, reduzindo sua ansiedade a curto prazo,
mas aumentam a preocupação e outros aspectos do problema a
longo prazo (Salkovskis e Warwick, 1986; Warwick e Salkovskis,
1985). Tais comportamentos podem incluir pedidos de exames
laboratoriais, exames clínicos ou uma discussão detalhada dos sin­
tomas, numa tentativa de descartar a possível doença. Embora a
maioria dos pacientes não ansiosos que procuram ajuda médica res­
pondam a um asseguramento apropriadamente oferecido, no qual a
doença é “descartada”, os pacientes ansiosos com relação à sua
saúde respondem de maneira diferente; o reasseguramento repetido
e “enfático” logo se tom a contraproducente, pois os pacientes diri­
gem sua atenção seletivamente para o reasseguramento em si, inter­
pretando-o erroneamente. Por exemplo, foi dito a uma paciente:
“Essas dores de cabeça são certamente causadas pela tensão; se
persistirem, vou pedir-lhe que faça uma tomografia para que se
tranqüilize”; ela interpretou isso como um sinal de que o médico
acreditava que tinha um tumor cerebral. As tentativas repetidas de
“provar” ao paciente que não estão doentes, seja através de exames
médicos ou de persuasão verbal, terão como resultado um possível
aumento da ansiedade.
As maneiras através das quais os pacientes procuram o recon­
forto variam enormemente, incluindo maneiras sutis como as con­
versas “casuais” durante as quais os sintomas são mencionados.
Vários médicos podem ser consultados ao mesmo tempo, e ami­
gos e familiares questionados repetidamente, de maneiras diversas
que não parecem estar relacionadas a preocupações com a saúde.
Por exemplo, uma paciente vestia-se bem mas não colocava m a­
quiagem antes de sair, e então perguntava ao marido se estava
indevidamente pálida, ou com aspecto de doente. Como observado
anteriormente, a verificação corporal constitui muitas vezes uma
I'l uhli•mas somáticos 369

rm ucterística proeminente, podendo produzir sintomas por si mes-


iiiii (por exemplo, inflamação, dor, sensibilidade). O papel da pro­
cura de reasseguramento na manutenção dos problemas dos pa-
« icntes deve ser explicado a eles de uma maneira que possam en-
lender com clareza. Por exemplo, um paciente que desejava discu-
lir repetidamente os seus sintomas, para verificar se estava com
câncer, perguntou ao terapeuta por que ele não discutia os sinto­
mas. O terapeuta percebeu que a entrevista estava tomando um
rumo improdutivo:

Terapeuta: Você acha que realmente precisa disso?


Paciente: Bem, faria com que me sentisse melhor.
T. : OK. Acho que se é isso que vai ajudar, devo examinar os sinto­
mas com você. E acho que de fato devo fazê-lo adequadamen­
te. Tenho bastante tempo agora, e estou satisfeito por poder
passá-lo com você, contanto que sirva para uma abordagem
apropriada do problema. Quantas vezes teria de reconfortá-lo
para que durasse até o final do ano?
P. : Até o final do ano?
T. : Sim, parece ser inútil fazer algo assim, o que, aliás, você já fez
muitas vezes antes, a menos que realmente vá funcionar desta
vez. Três horas seriam suficientes para o resto do ano?
P. : M as... não vai durar até o final do ano.
T. : Entendo. E quanto tempo vai durar?
P. : Provavelmente até o final do dia. Então, é bem provável que eu
fique preocupado novamente.
T. : Então, por mais reconforto que receba, nunca dura?
P .: Não. Às vezes, quanto mais recebo, mais desejo.
T.: Você está me dizendo que, não importa o quanto o reconforte,
isso não vai durar muito até que volte a se preocupar novam en­
te, e poderá mesmo deixá-lo ainda mais preocupado. Como já
identificamos a ansiedade com relação à saúde como um de
seus problemas principais, você acha que o reconforto é um
tratamento eficaz, ou devemos procurar alternativas?

Quando a procura de reasseguramento constitui o aspecto prin­


cipal das dificuldades do paciente, convém elaborar um experimen­
to comportamental que demonstre seus efeitos (Salkovskis e War­
wick, 1986). Esse experimento pode também funcionar como uma
estratégia de envolvimento no caso de pacientes que relutam em ini­
370 Terapia cognitivo-comportamental

ciar o tratamento sem um “teste final”. Por exemplo, uma última


investigação física antes que o tratamento psicológico se inicie é dis­
cutida e organizada sob a estrita perspectiva de que é considerada
desnecessária do ponto de vista da saúde física do paciente, mas que
pode ser útil na avaliação psicológica. A automonitoração da ansie­
dade acerca da saúde, a crença em pensamentos especificamente
relacionados à doença e a necessidade de reasseguramento são, to­
das, regularmente avaliadas numa escala de 0 a 100 durante o perío­
do anterior ao teste e após o teste. Se a ansiedade for reduzida de
forma duradoura, esse resultado será útil de qualquer maneira. Se,
como é muito mais comum, a ansiedade se reduzir somente por um
breve momento, tal resultado será usado como base para discutir o
modo como o reasseguramento perpetua a ansiedade. A demonstra­
ção também envolve o paciente no tratamento, e estabelece um rela­
cionamento cooperativo. Proporciona um fundamento lógico claro
para se controlar a procura de reconforto e, dessa maneira, ajuda o
paciente a tolerar a ansiedade inicial causada pela mudança de com­
portamento. Um estratégia semelhante consiste em pedir aos pa­
cientes que especifiquem exatamente quais os procedimentos que
os convenceriam por completo de que não estão com a doença temi­
da. O terapeuta então adota o papel de um cético interessado, per­
guntando coisas como: “Sim, mas o que seria realmente convincen­
te?”, “Como poderia realmente ter certeza de que o médico tinha
conhecimento adequado de como usar o teste?”, e assim por diante;
isso serve para ilustrar como nunca é possível ter certeza de que um
satélite não vai lhes cair na cabeça quando estão andando pela rua.
Essa discussão está relacionada à importância do reasseguramento
na manutenção da ansiedade, da preocupação e das crenças nas
enfermidades.
Os familiares e outras pessoas envolvidas com o paciente de­
vem ser incluídos nessas discussões, e é preciso instruí-los quanto
ao modo de lidar com os pedidos de reasseguramento. Pode-se usar
uma representação de papéis (role-play) na qual o paciente pede
reasseguramento ao seu familiar, e este responde (sem críticas não
verbais) de acordo com termos previamente estabelecidos. Por
exemplo, um familiar poderia responder: “Como já concordamos
no consultório, em nada o ajudarei se reconfortá-lo. Não responde­
rei mais depois disto que acabo de dizer.” O familiar então sai ou
fala sobre coisas não relacionadas. Exceto como medida proviso-
I'i I ihlcmas somáticos 371

I ui quando o paciente está especialmente estressado, esse tipo de


PKlrntégia apresenta pouca utilidade sem o seu consentimento (ver
liimbém Capítulo 5, p. 219).

( fuiras estratégias de enfrentamento

Uma série de técnicas específicas têm sido usadas com pa-


• icntes somáticos, particularmente aquelas para o manejo geral do
estresse e da ansiedade. Muitos pacientes experimentam um estres­
se que não está relacionado às suas apresentações somáticas, mas
que toma o problema somático mais difícil de lidar. As técnicas
descritas em outras partes do livro (particularmente nos Capítulos
4, 10 e 12) devem ser aplicadas quando a avaliação indica que o
estresse geral está contribuindo para o agravamento dos problemas
tio paciente. O relaxamento aplicado (ver Capítulo 3, p. 130) é útil
para esses pacientes, e para problemas nos quais os principais sinto­
nias corporais que amedrontam o paciente resultam de tensão mus­
cular ou excitação autonômica do sistema nervoso.
As técnicas desenvolvidas por Borkovec (Borkovec, Robinson,
Pruzinsky e De Pree, 1983) são úteis no caso de pacientes nos
quais as mminações ansiosas e a preocupação exercem um papel
predominante; particularmente problemas de sono, dores e soma-
tização. A natureza das preocupações dos pacientes é então avalia­
da e sintetizada:

“Então o que acontece é que, quando se preocupa, você repas­


sa seus problemas repetidas vezes em sua mente. Fazer isso nunca
os soluciona, mas você acha difícil não se preocupar. Está correto?”
Tendo estabelecido isso, o terapeuta prossegue: “OK, não seria sen­
sato lhe dizer que parasse de se preocupar; você talvez o fizesse se
fosse capaz. Em vez disso, vou lhe pedir que protele sua preocupa­
ção. Isso funciona da seguinte maneira: quando notar que está se
preocupando, anote o tópico de suas preocupações num caderno e
prossiga. Então reserve cerca de meia hora ou uma hora a cada
noite, como um período para se preocupar, e examine suas preocu­
pações durante esse período.”
Isso é dado como exercício de casa; quando se procede a uma
discussão do exercício na sessão seguinte, o paciente muitas vezes
confessa que foi muito difícil preocupar-se no horário reservado
372 Terapia cognitivo-comportamental

para tanto; os problemas pareciam não importar. O terapeuta per-


gunta o que se pode concluir a partir disso, levando à conclusão de­
que: “Quando as preocupações surgem, parecem muito perturbado­
ras porque se tom am desproporcionais, e porque a ansiedade faz
com que fique difícil pensar nelas adequadamente. Mais tarde,
podem ser consideradas de modo mais criterioso, e não parecem tão
problemáticas. Você pode inferir, então, que as coisas com as quais
se preocupa não são tão perturbadoras como parecem ser no mo­
mento. Por outro lado, também ajuda a discriminar as ‘preocupa­
ções verdadeiras’; as coisas que mais tarde continuam a constituir
um problema freqüentemente precisam ser solucionadas. Esse pro­
cedimento o ajuda a perceber a diferença.”

D istúrbios específicos: a aplicação


de técnicas gerais e específicas

Nesta seção, as técnicas de tratamento específicas mais im­


portantes para determinados problemas são delineadas e usadas
para ilustrar os princípios gerais de tratamentos descritos. Algu­
mas das intervenções específicas descritas a seguir e em outra par­
te do livro se aplicam a diversos problemas; por exemplo, as técni­
cas descritas nos Capítulos 3, 6 e 12 para o manejo do estresse e da
ansiedade, como o relaxamento (do modo como foi adaptado na
seção sobre cefaléias) podem ser úteis na maioria dos problemas
somáticos.

Cefaléia

A cefaléia tem sido tradicionalmente dividida numa série de


categorias diagnosticas; em termos clínicos, as mais comumente
encontradas são a enxaqueca e a cefaléia tensional (às vezes cha­
mada de dor de cabeça proveniente de contração muscular). A uti­
lidade relativa desses diagnósticos com relação ao tratamento psi
cológico tem sido sujeita a algum debate (Bakal, 1982; Blanchard
e Andrasik, 1985). Os estudos de tratamento sugerem que as cefa­
léias variam principalmente em intensidade da dor, e não em ou
l'i tibh •mus somáticos 373

inis dimensões. A pesquisa revela que o tratamento psicológico


miiís eficaz é uma combinação de estratégias cognitivas, de relaxa­
mento e de mudança de comportamento (Philips, 1988).
Além de uma avaliação geral, uma opinião neurológica tam ­
bém é fortemente insinuada se as cefaléias estiverem associadas a
déficits sensoriais ou motores (inclusive espasmos e efeitos na
liilii), se o paciente apresentar um histórico anterior de câncer, se o
inicio ou a exacerbação das cefaléias for recente ou associado a
iilgum tipo de ferimento na cabeça. Outros distúrbios físicos que
podem causar as cefaléias incluem problemas de visão e fatores de
dentição, em especial a má oclusão, onde a “mordida” do paciente
está mal alinhada. A redução da medicação excessiva é importante
pura os que sofrem dores de cabeça; até 40% de pacientes experi­
mentam uma melhora a longo prazo, quando reduzem ou abando­
nam a medicação analgésica. A pílula anticoncepcional desempe­
nhou um papel nas cefaléias; uma orientação sobre formas alterna­
tivas de contracepção pode, portanto, ser importante (Philips, 1988).
( )s fatores dietéticos são examinados durante a automonitoração e
untes de se iniciar o tratamento. Os mais comumente implicados
sito o queijo, a cafeína e o álcool (particularmente o vinho tinto);
limiar também pode contribuir.
Os fundamentos lógicos para o tratamento psicológico da
cefaléia devem estar relacionados às informações extraídas duran­
te a avaliação (p. 346). Podem ser delineados da seguinte forma:

A causa das dores de cabeça do tipo que você apresenta é o es­


tresse e a ansiedade. Com isso, quero dizer que as cefaléias são a
maneira como seu corpo está respondendo às suas preocupações
atuais. Esta não é uma resposta simples: não quer dizer que, sim ­
plesmente por ficar preocupada, vai surgir uma dor de cabeça ime­
diata; significa, em vez disso, que as preocupações crescem e, ao
final, chegam a um ponto em que a dor de cabeça acontece. Há oca­
siões em que as preocupações crescem, mas a dor de cabeça só vem
quando você relaxa; isso talvez aconteça porque você tem dificulda­
des para relaxar. Por exemplo, os registros que mantém mostram ser
mais provável que tenha dores de cabeça nas terças-feiras, depois de
uma segunda-feira atribulada.
Uma vez iniciada, a dor de cabeça em si constitui uma fonte im­
portante de estresse, particularmente quando essas dores persistem
374 Terapia cognitivo-comportameniul

por muito tempo. Por exemplo, supondo que tenha bebido muito ;i
noite anterior, você não iria gostar da dor de cabeça, mas pensaria
“Pois é, o que posso esperar? Pelo menos ela vai passar, e da próxima
vez saberei que devo beber menos”. Com as dores de cabeça, porém,
você identificou um conjunto de pensamentos diferentes, que são:
“Aqui está a dor de cabeça outra vez - estão arruinando minha vida,
não posso fazer nada com relação a elas.” Quando são particular­
mente dolorosas, tem pensamentos como: “Talvez tenha um tumor
cerebral.” Quando compara esses diferentes tipos de pensamentos,
quão estressantes as dores de cabeça lhe parecem?

Desse modo, o material coletado durante a avaliação vai en­


trelaçar-se aos fundamentos lógicos, sendo usado para ilustrar os
pontos que o terapeuta deseja enfatizar. No último parágrafo do
exemplo anterior, o terapeuta preparou o caminho para a descrição
dos fundamentos lógicos para o tratamento cognitivo. Uma ques­
tão comum que aqui se levanta é: “Por que tenho dores de cabeça ?
Conheço pessoas que são mais estressadas e não as têm.” Isso é
abordado ao se discutir a maneira como pessoas diferentes reagem
ao mesmo estresse de diferentes formas: “Por exemplo, algumas
pessoas transpiram muito quando estressadas, outras enrubescem,
e assim por diante. No seu caso, você tem dores de cabeça.” Os
fundamentos lógicos específicos para o tratamento em si é expli­
cado como se segue:

O estresse tende a ser algo que aceitamos como parte da vida


cotidiana. Muitas pessoas apreciam uma certa quantidade de estres­
se em suas vidas. Entretanto, esse problema pode fugir ao nosso
controle e toma-se desagradável. O objetivo do tratamento é perm i­
tir que você tenha mais controle sobre o estresse, em particular
sobre os efeitos físicos que produz em você. Há uma variedade de
maneiras através das quais pode aprender esse controle; as princi­
pais, que estaremos cobrindo no tratamento, estão relacionadas ao
efeito que seus pensamentos exercem sobre o modo como reage às
situações estressantes; à descoberta de formas de mudar seu estilo
de vida, que possam aumentar a eficiência com que faz uso do tem ­
po, e ao aprendizado do relaxamento.

Novos questionamentos são estimulados, e então o terapeuta


parte para a discussão de técnicas específicas. O método de relaxa-
tHM mus somáticos 375

IMPitlo utilizado é o relaxamento aplicado (descrito por completo


im < apítulo 3, p. 130), enfatizando-se principalmente a automoni-
Inmvão dos primeiros sinais da dor de cabeça. Em muitos casos, os
| i i i i iontes são capazes de identificar um estado que antecede a dor

île cabeça até 2 horas antes de ela desenvolver-se, e podem fazer


u*o tlc estratégias de relaxamento aplicado, de controle do tempo e
tit' resolução de problemas para abortar a dor de cabeça (ver Capí-
Itilo 3 para detalhes de controle do tempo, e Capítulo 12 para reso­
lut, rto de problemas).
C) relaxamento é ensinado pelo terapeuta durante uma sessão;
I iliis com os procedimentos para relaxar, gravadas durante a ses-
níI o de terapia, são fornecidas aos pacientes ao final de cada sessão

mino suplementos para a prática em casa. O tratamento cognitivo


I' bnseado numa análise de situações estressantes e em pensamen­
tos associados a elas, nas linhas descritas nos Capítulos 3, 4 e 6.
( omo na maioria dos tratamentos descritos aqui, enfatiza-se que a
prática e a aplicação entre as sessões constituem um fator détermi­
nante do progresso.

Insônia

Há uma ampla variedade de apresentações e padrões de insô­


nia; entretanto, as abordagens psicológicas dependem em grande
parte da modificação do fator comum de preocupação (Borkovec,
1982; Borkovec et al., 1983). De duas maneiras complementares,
esta é uma variável-chave no tratamento da insônia. Primeiro,
quando as pessoas se preocupam (isto é, reexaminam problemas
não resolvidos ou insolúveis em sua mente de uma forma imprová­
vel de levar à sua resolução), elas vivenciam uma excitação cres­
cente; a excitação crescente impede a chegada do sono, uma vez
que, por definição, este envolve um estado de excitação reduzida.
Segundo, o sono é considerado pela maioria das pessoas como es­
sencial ao seu funcionamento saudável, o que significa que a difi- ■
culdade para dormir pode constituir uma considerável fonte de
preocupação. Assim, a preocupação pode ser tanto uma causa
quanto um efeito do distúrbio percebido do sono; pacientes com
problemas de sono se encontram geralmente num círculo vicioso
376 Terapia cognitivo-comportameniul

de preocupação que leva a um distúrbio percebido do sono, o qual,


por sua vez, leva à preocupação com o distúrbio do sono, o que
leva a um distúrbio adicional percebido do sono, e assim por dian
te. Os tratamentos bem-sucedidos contra a insônia baseiam-se ge
ralmente nessa hipótese, de tal modo que o tratamento é feito com
base em

( 1) otimizar as condições para que o sono ocorra;


(2) reduzir a preocupação com relação a eventos outros que não
os problemas do sono; e
(3) reduzir a preocupação com problemas do sono.

A avaliação determina onde deve incidir a ênfase.


Na descrição acima, o distúrbio percebido do sono é enfatiza­
do; embora a referência à dificuldade para dormir seja geralmente
a queixa apresentada, a base da queixa não se faz sempre clara. Há
uma fraca relação entre queixa de sono perturbado e distúrbio real;
por exemplo, alguns pacientes que se queixam de sono perturbado
apresentam um padrão normal quando medidos utilizando-se o
eletroencefalograma (EEG), enquanto muitos não-pacientes que
apresentam padrões que se desviam consideravelmente da “norma”
acham-se perfeitamente satisfeitos com seu sono (Coates e Thore-
sen, 1981). A “norma” é de utilidade dúbia naquilo que diz respeito
ao sono; muitos pacientes acreditam que precisam de “8 horas
bem dormidas”, e que se dormirem menos do que isso essas ho­
ras perdidas terão de ser “compensadas”. Essa crença não é corre­
ta; muitas vezes é útil descrever o sono como sendo “um pouco
como o apetite; algumas pessoas precisam de muita comida, e
outras dão a impressão de nunca comer nada. As duas maneiras de
ser são normais, dependendo do indivíduo”. Dois fatores importan­
tes contribuem para as dissonâncias: os relatos de problemas do
sono e os registros fisiológicos. Alguns pacientes se queixam de
uma insônia inicial, mas mostram uma latência de sono normal;
quando acordados nos primeiros estágios do sono, relatam que
ainda não tinham adormecido (Borkovec, Grayson, O ’Brien e
Weerts, 1979). Outro fator diz respeito ao fato de que a percepção
de tempo é afetada à medida que o sono se aproxima, de tal modo
que o período anterior ao sono inicial freqüentemente parece mais
J'lti/i/rwif.vsomáticos 377

liMi^o do que realmente o é. Considerados em conjunto, esses fato-


H•'! significam que, nos casos dessa natureza, um objetivo sufi-
I u nie desse tipo de tratamento é que os pacientes se tomem satis-
Ic it n s com seu sono. Em outros casos, os esforços de tratamento
p n i l e m voltar-se para a resposta-alvo fisiológica em si (isto é, o
n o n o ) , para as condições antecedentes (isto é, o estresse, a preocu-
p iiç r to ) e para a apreciação do problema.

In iliação

Km geral, a avaliação se inicia com uma descrição detalhada


dos padrões de sono atuais do paciente, incluindo as variações
.issociados a turnos de trabalho, crianças pequenas, etc. A ênfase
Incide sobre a avaliação de até que ponto o paciente tem um pa-*
ilríio de sono regular. A ingestão de drogas estimulantes (especial -
mente a cafeína), comprimidos para dormir e álcool é avaliada,
imito com os hábitos de praticar exercícios. Em alguns pacientes, a
entrevista de avaliação pode revelar uma razão clara para a ansie-
ilndc com relação ao sono; um paciente, por exemplo, afirmou:
"l’ode lhe parecer estranho, mas acho que não vou acordar, então
lento não dormir.” Esses pacientes muitas vezes se queixam de
eansaço e quase nunca mencionam seus medos, a menos que espe­
cificamente indagados. A avaliação também considera as crenças
dos pacientes com relação ao sono “normal”, a pensamentos e
comportamentos que dizem respeito ao fato de ir para a cama, ao
ambiente em que dormem e às estratégias usadas quando não con­
seguem dormir. O terapeuta deve evocar os pensamentos dos pa­
cientes em ocasiões recentes nas quais o sono foi difícil, voltando
li atenção para problemas atuais que possam estar importunando
em forma de preocupações. Pergunta-se aos pacientes: “Supondo-
se que esse problema fosse se agravar no próximo mês, tomando-se
quatro a cinco vezes maior, qual é a pior coisa que poderia aconte­
cer?” A resposta a essa pergunta deve indicar até que ponto a difi­
culdade de dormir constitui, em si, uma preocupação. Isso geral­
mente fornece a base para a educação relativa ao sono, que constitui
o primeiro estágio do tratamento. Os “diários do sono” comple­
mentam as informações obtidas a partir da entrevista. A entrevista
378 Terapia cognitivo-comportameniul

de avaliação é seguida por um período de automonitoração das va


riáveis que a formulação sugere serem importantes.

Educação

A educação é planejada em tomo das crenças que o pacienlc


tem com relação ao sono. O terapeuta fornece informações bási
cas, e os pacientes são estimulados a interpretar o sono nesses ter­
mos. A crença de que a insônia pode prejudicar ou piorar signifi­
cativamente o desempenho é discutida, às vezes fazendo uso da
literatura disponível (por exemplo, Oswald, 1966). Os comporta­
mentos que não são conducentes ao sono são descritos, e alternati­
vas são planejadas; exemplos incluem o abandono de bebidas ca-
feinadas depois das 6 da tarde, a exclusão de sonecas durante o dia,
e o restabelecimento de um padrão de sono regular através da esti­
pulação de horários regulares para ir dormir e acordar.

Estratégias cognitivas

As intervenções cognitivas enfocam a modificação de pensa­


mentos negativos relacionados ao sono, sobretudo aqueles que
ocorrem quando o paciente está encontrando dificuldades para
conseguir dormir. Isso envolve a identificação e a contestação de
pensamentos negativos, como anteriormente descrito neste capítu­
lo e nos Capítulos 2, 3 e 4. As crenças relacionadas aos efeitos ne­
gativos de não se conseguir dormir são particularmente comuns, c
contribuem para um círculo vicioso de preocupação quanto a dor­
mir - não dormir - preocupação quanto a não dormir...

Por exemplo, um paciente acreditava que, se fosse privado do


sono, morreria de cansaço. Leu sobre os experimentos descritos em
Oswald (1966), nos quais os pacientes são mantidos acordados atra
vés do uso de barulhos, luzes que acendem e apagam sem cessar e
choques elétricos. Depois de uma surpresa inicial com o fato de os
experimentos terem sido permitidos, nosso paciente se deu conta dc
que isso indicava que não eram prejudiciais. Riu quando leu que as
pessoas submetidas ao experimento no fmal dormiam; sua convic­
ção de que a falta de sono poderia levar à m orte passou de 90
hiiblïmax somáticos 379

para 0%. Elaborou um cartão no qual escreveu o pensamento “Não


ilormir vai levar-me à morte”; do outro lado, escreveu os resultados
da discussão sobre o assunto (inclusive as palavras “Não dormir me
fará dormir!”), de tal modo que pudesse examinar o cartão antes de
ir para a cama.
Muitos pacientes têm crenças menos drásticas a propósito do
desempenho. Por exemplo, uma bancária acreditava que a falta de
sono prejudicava sua habilidade em aritmética, possivelmente le­
vando a sérios problemas em seu trabalho. Concordou em testar
essa convicção ao efetuar tarefas aritméticas mentais preestabeleci­
das (em um tempo determinado) em dias em que havia dormido
bem na noite anterior e em dias em que não dormira bem. Ficou sur­
presa ao não constatar nenhuma diferença. Isso foi seguido pela
manutenção de um diário de seu humor, de erros no trabalho e de
tentativas de associar essas coisas ao cansaço; verificou que a falta
de sono poderia afetar seu humor, mas não seu desempenho.

A avaliação deveria ter revelado até que ponto os problemas


dc sono estão ligados às preocupações sobre a situação da vida em
geral, a eventos específicos, etc. Se houver indícios de que o pa­
ciente tem alguns déficits nas aptidões associadas à de resolução
ile problemas gerais, então as técnicas de resolução de problemas
delineadas no Capítulo 12 devem ser usadas, tendo em vista prin­
cipalmente os problemas com os quais o paciente tende a se preo­
cupar quando tenta dormir. Outras técnicas para lidar com preocu­
pações mais efêmeras já foram descritas neste capítulo (p. 372).

Relaxamento

Uma vez que a educação e a abordagem das preocupações


relativas ao sono estejam concluídas, um programa de tratamento
mais abrangente será iniciado, desde que se faça necessário. Isso
inclui o relaxamento, conforme descrito no Capítulo 3; a modifi­
cação principal está no fato de que as técnicas de relaxamento
devem prosseguir até “soltura-somente”, com ao acréscimo do re­
laxamento controlado por sinais, praticado na cama. Como os estí­
mulos regulares e rítmicos levam ao sono, o relaxamento é feito de
uma forma muito rítmica, terminando com imagens mentais agra­
dáveis e rítmicas; por exemplo, pode-se pedir aos pacientes que
380 Terapia cognitivo-comportamental

“imaginem com nitidez, como se pudessem ver e ouvir neste exato


momento, estar deitados numa praia ensolarada, sentindo muito
sono. Observem as ondas surgindo e ouçam-nas quando vêm que-
brar-se na areia”.

Controle de estímulo

Uma vez iniciado o relaxamento, os procedimentos de con­


trole de estímulo são acrescentados. Isso pode ser explicado ao
paciente da seguinte maneira:

Dormir é algo que fazemos tão freqüentemente que tende a se


tom ar um certo hábito, e muitos hábitos se acumulam ao seu redor.
Alguns desses hábitos são deliberados, mas muitos são automáticos.
Por exemplo, ir até a cozinha pode fazer com que sinta fome, pois é
ali que você geralmente come. Da mesma maneira, uma das coisas
que podem fazer com que as pessoas sintam mais sono é estar na
cama, ou mesmo no quarto. Uma das coisas que pode tom ar o sono
um problema é a aquisição de maus hábitos. Por exemplo, se você
usou seu quarto como um escritório, isso tenderia a dificultar o sen
sono. Outra coisa que pode acontecer se tiver problemas com o sono,
é associar a cama ao fato de ficar deitado acordado, mergulhado em
preocupações. A idéia do tratamento consiste em encontrar manei
ras de adquirir melhores hábitos de dormir.

Depois de abordar quaisquer questões, o controle de estímulo


é descrito. Isso é feito de tal modo que tudo que gire em tomo de ir
para a cama e para o quarto esteja associado ao sono, e a nada
mais. As atividades que não se coadunam com o sono são identifi­
cadas; em geral, incluem 1er, comer, assistir televisão, preocupar-
se, e assim por diante. Muitas vezes, um diário com o registro das
atividades da hora de dormir ajuda a identificar as atividades pro­
blemáticas. Todas as atividades (com exceção de dormir e fazer
sexo) são excluídas do quarto. O terapeuta poderia dizer:

Vá para a cama em seu horário regular. Se, quando for para a


cama, verificar que está se preocupando, levante-se depois de 10
minutos e vá para outro cômodo. Permaneça acordado por quanlo
tempo quiser, e volte para a cama quando começar a sentir sono.
3 81
h«l'li<mtis somáticos

Repila isso quantas vezes for necessário; é importante ter em mente


que a cama é para dormir, não para se preocupar; preocupe-se num
oulro cômodo. Nas primeiras noites, poderá constatar que dorme
muito pouco, ou mesmo nada. Não se preocupe com isso; é apenas
um sinal de que está rompendo com seus antigos maus hábitos antes
dc estabelecer os novos.”

( Ver também Lacks, 1987.)


l’or último, as estratégias a serem usadas na hora de ir para a
■>hi ui devem ser delineadas; em geral, vão incluir algum exercício
noturno ou um lanche leve, uma hora antes de ir dormir.

I et nicas paradoxais

Essas técnicas podem ser úteis nos casos que resistem a ou-
II us tratamentos. Diz-se ao paciente: “Seria bom descobrir os pen­
samentos que lhe ocorrem logo antes de adormecer. Quando for
pura a cama, procure notar os pensamentos que lhe passam pela
l'iihcça. Concentre seus esforços em não adormecer, apenas em
perceber o fluxo de seus pensamentos. Mesmo que não consiga
ilormir quase nada nessa noite, estará obtendo uma grande ajuda
para o futuro.” Isso reduz a preocupação quanto ao fato de não dor­
mir e facilita o sono daqueles para os quais esse problema constitui
um fator principal. A demonstração disso pode ser um recurso de
avaliação bastante útil, ajudando a ilustar o papel da preocupação.
I mais eficaz para os pacientes que acreditam que o distúrbio do
sono é um sinal não de preocupação, mas de doença.

( ólon irritável

A síndrome do cólon irritável é definida como um mal-estar


abdominal persistente e/ou alteração dos hábitos intestinais. E um
problema fundamental nos meios médicos e não médicos; algumas
fontes sugerem que responde por 60% dos pacientes com queixas
digestivas, podendo estar presente em 14% da população geral
( 1.atimer, 1981 ; Ford, 1986). A surpreendente relação entre proble­
mas de cólon irritável e a ansiedade sugere que os fatores cogniti­
vos, comportamentais e fisiológicos devem, todos, ser levados em
382 Terapia cognitivo-comportamenliil

conta. Nos indivíduos que acreditam ter um problema intestinal


(independentemente de mudanças gastrintestinais reais), o estrcs
se e a ansiedade podem aumentar essa percepção, podendo sei
acompanhados por mudanças reais no intestino. Essa percepção ili­
um distúrbio gastrintestinal aumenta ainda mais a ansiedade dos
pacientes; estes, por sua vez, podem desenvolver comportamentos
para lidar com os problemas percebidos, inclusive comportamcn
tos de evitação, mudanças no uso de banheiros e o uso de medica
ção, como os laxantes. A avaliação geralmente revela um padrão
de interação entre a preocupação, mudanças comportamentais c n
percepção de função gastrintestinal alterada. (Um exemplo da ma
neira como a mudança comportamental pode fomentar as crenças
disfuncionais é descrito na p. 367.) Os fatores dietéticos devem ser
sempre considerados nos problemas gastrintestinais; aumentar a
proporção de fibra dietética pode resultar numa redução substan
ciai dos sintomas.
Muitos pacientes que se queixam de problemas de cólon irritá­
vel são extremamente restringidos em suas atividades. Não é inco-
mum que essa restrição assuma proporções semelhantes àquelas
observadas na agorafobia. Baseia-se no medo de uma incontinência
inesperada, sobretudo quando esta viesse a ser socialmente cons­
trangedora, e às vezes na ocorrência anterior de uma incontinência
moderada (ou “quase” incontinência; ver adiante). Mais comumen-
te, os pacientes percebem sensações abdominais e inferem que a
incontinência teria sido inevitável se não tivessem fugido da situa­
ção. Os pacientes geralmente têm consciência do modo como a
ansiedade agrava seus sintomas, razão pela qual a ansiedade anteci
patória quase sempre se tom a um obstáculo fundamental à sua ati
vidade. A evitação resultante da interpretação que os pacientes dão
a seus sintomas, vendo-os como um sinal de catástrofes temidas, c
muito semelhante à evitação asssociada aos ataques de pânico (Ca­
pítulo 3); pânico e cólon irritável freqüentemente coexistem.

Por exemplo, uma mulher casada de 48 anos de idade foi enc;i


minhada devido a problemas de cólon irritável. Era incapaz de part i
cipar de ocasiões sociais por mais de meia hora; quando saía de
casa, sempre fazia uso de absorventes para incontinência. Freqüen­
temente sentia dores abdominais, necessidade de defecar e diarreia.
hiiblt'tnas somáticos 383

cm especial quando estava sob algum tipo de estresse, inclusive a


ansiedade antecipatória relacionada às ocasiões sociais. Os princi­
pais pensamentos que tinha ao perceber o mal-estar abdominal e a
premência eram: “Vou perder o controle do intestino”; a isso às ve­
zes seguia-se um a imagem de ter de deixar o recinto, com um cheiro
lerrível e vazando copiosamente pelas roupas. Confessou já ter tido
incontinência uma vez, e que tinha sido humilhante, não estando
preparada para correr o risco de passar pela mesma situação outra
vez. Outro indício de que teria incontinência em situações sociais
era a experiência de sintomas sob estresse, e a maneira como iria
refrear-se pelo m áximo de tempo possível, até que “conseguisse ali­
viar-se... com um esforço terrível...” quando finalmente chegasse ao
banheiro. Seu medo era que “pudesse acontecer quando estivesse
conversando com alguém”. Durante os primeiros estágios do trata­
mento, ficou claro que a incontinência referida tinha sido apenas um
leve corrimento, que ela admitiu ter passado completamente desper­
cebido pelas pessoas presentes. Essa discrepância entre o incidente
e sua descrição refletia a maneira como pensava a esse respeito; a
simples identificação da discrepância foi útil. A terapia prosseguiu
nas linhas abaixo delineadas:

Terapeuta: Na ocasião em que perdeu o controle, foi igual a quando


finalmente vai ao banheiro?
Paciente: Não. Foi só um pouco. Ninguém, além de mim, teria nota­
do; na ocasião, eu também tinha tido gastrenterite.
T.: Então você acha que, porque aconteceu só um pouco, poderia
acontecer com toda a força com que se manifesta quando vai
ao banheiro depois de refrear-se?
P. : Sim. Houve muitos momentos em que por pouco não chegava
a tempo; vai chegar um dia em que será impossível segurar;
por coisa de 10 segundos a mais.
T.: Você tem a preocupação de que numa dessas vezes não vai
conseguir segurar. Excetuando-se aquela vez, sempre conse­
guiu, a despeito da distância do banheiro e do quanto teve de
esperar?
P.: Creio que sim.
T.: Poderíamos reexaminar a última vez que “conseguiu por pou­
co”. Você correu para o banheiro, sentou-se e, ainda que esti­
vesse tentando segurar, não conseguiu?
P. : Não. Naquele momento eu não estava tentando segurar; deixei
acontecer.
384 Terapia cognitivo-comportamental

T.: Entendo; quando vai ao banheiro, deixa acontecer. Se compa­


rarmos isso com a ocasião em que tentou mas não conseguiu
segurar totalmente, isso lhe sugere alguma coisa?
P.: Entendo o que quer dizer. Tenho pensado que o que acontece
quando vou ao banheiro é aquilo que acontecerá em público,
mas isso pode não ser verdade.
T. : Talvez. A única vez que aconteceu não foi assim.

Mostrou-se então à paciente que as muitas ocasiões que con­


siderava como “acidentes por pouco” (e, portanto, indícios de que
estava constantemente correndo o risco de um incidente muito
constrangedor) podiam não ter sido “acidentes por pouco” em
absoluto. Elaborou-se um experimento comportamental no qual
ela segurava por mais 10 segundos antes de evacuar. Desse modo,
as possibilidades de um acidente eram avaliadas de forma mais
realista. O tratamento progrediu, como de costume, através de uma
exposição gradual às situações temidas, enfatizando o ponto em
que a paciente testava seus pensamentos ao reduzir a evitação (par­
ticipando de mais eventos sociais, permanecendo por mais tempo,
abandonando os absorventes para incontinência, e assim por dian­
te). Também aprendeu o relaxamento aplicado e procedimentos
cognitivo-comportamentais de manejo do estresse, inclusive a re­
solução de problemas e o controle do tempo.
Uma técnica adicional que se mostra quase sempre útil é o
procedimento da flecha descendente (ou prospecção descendente)
(p. 292), na qual as conseqüências plenas de se perder o controle
intestinal são exploradas. No diálogo seguinte, essa técnica foi
usada com um paciente que era incapaz de mudar seu comporta­
mento. Cada passo, independente de sua plausibilidade, foi anota­
do para considerações posteriores (por exemplo, os indícios para
cada passo foram reexaminados e avaliados).

Terapeuta: Você diz que seria terrível se um acidente ocorresse.


Tudo bem, supondo que ocorresse, o que haveria de tão ruim
assim?
Paciente: Todos notariam.
T. : Supondo-se que todos notassem, o que haveria de tão ruim?
P.: Ficariam enojados.
T.: Se realmente ficassem enojados, por que isso seria um pro­
blema?
I'itiblt •mus somáticos 385

P. : Bem... nunca falariam comigo novamente.


T. : E que mal haveria nisso?
P. : Eu perderia todos os meus amigos, ficaria sozinho.

Isso pode ser levado ainda mais longe; entretanto, foi sufi-
eiente para esse paciente, que foi capaz de verificar que seus ami­
gos nunca o abandonariam se tivesse acontecido um “acidente”;
fin vez disso, seriam solidários e solícitos, como ele o seria se os
papéis se invertessem. Essa avaliação da probabilidade de ser ex-
eluído caiu para 0%, e ele se preparou para ingressar em situações
i j U C anteriormente evitara, com o objetivo de testar se os seus me­

dos da incontinência eram justificados ou não.

( onsiderações especiais
em outros problem as

Algumas das considerações mais importantes que afetam o


tratamento de problemas médicos específicos, junto com referên­
cias relevantes na área, são sintetizadas no Quadro 7.5. Vários tex­
tos gerais também contêm seções sobre os problemas a seguir ar­
rolados, especialmente Williams e Gentry (1976) e Gentry (1984).

Dificuldades no tratamento

As áreas em que os problemas são mais passíveis de emergir


envolvem a atitude do paciente com relação aos prováveis efeitos e à
eficácia do tratamento, bem como a atitude de outros profissionais.

líf e it o s e s p e r a d o s d o t r a t a m e n t o

É importante que o terapeuta ajude o paciente a definir objeti­


vos de tratamento claros e apropriados; esses objetivos raramente
envolvem uma “cura”, e quase sempre reconhecem que as mudan-
386 Terapia cognitivo-comportamental

Q uadro 7.5 Considerações especiais para o tratamento de alguns problemas


somáticos específicos, incluindo referências-chave de tratamento sempre que
disponíveis

Hipertensão:
A pressão sanguínea deve ser periodicamente monitorada. Patel obteve um sucesso
considerável utilizando o relaxamento combinado aos procedimentos meditativos e de
biofeedback. (Patel, Marmot e Terry, 1981; Johnston, 1984; Leenan e Haynes, 1986).
Tiques e espasmos
A prática positiva tem sido amplamente usada; nela, pede-se ao paciente que imite
repetidamente a contração muscular por períodos concentrados (Bird, Cataldo c
Parker, 1981).
Asma
Sintomas semelhantes aos do pânico são comuns em alguns pacientes quando não há
nenhuma obstrução nas vias repiratórias; os ataques de pânico às vezes culminam
em ataques de asma e vice-versa, o que toma o tratamento do pânico importante (ver
Capítulo 3). A automonitoração detalhada e os experimentos comportamentais (às
vezes fazendo uso de medidores de fluxo de pico) são usados para auxiliar os pacien­
tes a discriminar entre um ataque de ansiedade e a asma característica. O controle de
pânico/ansiedade e as estratégias de exposição podem ser úteis quando usados para
abortar ataques e desenvolver tolerância ao estresse (Creer, 1982; Jonhston, 1984).
Distúrbios do sono
Os problemas de sono associados ao sono profundo ou intermediário (bruxismo[ran­
ger de dentes], jactatio capitis nocturna [sacudir de cabeça], enurese noturna e ron­
co) podem beneficiar-se de um sistema de alarme no qual a ocorrência do comporta­
mento indesejado é condicionada (associada) ao despertar com um barulho forte. Há
indícios de que as estratégias usadas para a insônia podem ser úteis, assim como o
controle do estresse (Lindsay, Salkovskis e Stoll, 1982; Delprato e McGlynn, 1986).
Vômito psicogênico
Uma avaliação cuidadosa faz-se obrigatória para a discriminação entre este e a buli­
mia (Capítulo 8). Os procedimentos utilizados geralmente incluem a análise detalha­
da do padrão alimentar. A diminuição do ritmo alimentar e o aumento da exposição
aos alimentos evitados emporções pequenas e regulares são úteis. A explicação deve
incluir alguma referência aos efeitos de se tentar fazer uma enorme refeição quando
se comeu muito pouco por algum tempo. O relaxamento é quase sempre útil.
Problemas de pele
A principal intervenção usada no eczema é a redução do coçar, que às vezes ocorre
com o mínimo de consciência. O fundamento lógico remete ao fato de que coçar pro­
porciona um alívio imediato, mas agrava o problema a longo prazo. A automonitora­
ção aumenta a consciência; um comportamento alternativo substitui, então, o coçai
da área afetada. Isso inclui tocar delicadamente a área afetada, ou coçar uma área que
não esteja afetada. (Risch e Ferguson, 1981; Melin, Fredericksen, Norene Swebelius,
1986).
I '/11blcmus somáticos 387

(Jiiudro 7.5 (cont.)

I U\!urbio de somatizaçâo
Semelhante ao tratamento da hipocondria, com a crença predominante (que deve ser
modificada) de que o paciente é vulnerável à doença (Lipowski, 1986b).
I Hsmorfofobia
As intervenções cognitivas destinadas a modificar as crenças sobre a área de preocu­
pação e a reduzir as verificações de qualquer natureza são sugeridas. É preciso cui­
dado ao eliciar os indícios que conduzem o paciente à sua crença; freqüentemente,
pode tratar-se de coisas ditas no passado ou de interpretação errônea do comporta­
mento atual de outras pessoas no mesmo contexto social.
I Hspnéia desproporcionada
As mudanças no padrão respiratório podem estar presentes em muitos casos. In­
cluem a hiperventilação e a falta de ar paradoxal, e a respiração normal com quanti­
dade total de ar mobilizado no ciclo ventilatório (isto é, respiração com o peito cheio).
A demonstração dos efeitos dessas manobras como parte de um experimento com­
portamental são complementadas por exercícios de casa que incluem a automonito­
ração estimulada e a mudança. Por exemplo, um ponto amarelo é anexado ao relógio
do paciente, que então atenta para o seu padrão respiratório ou o modifica (se neces­
sário) naquele momento.
Esse problema às vezes inclui a “síndrome de hiperventilação”, que é melhor consi­
derar como pânico/hipocondria (Capítulo 3; Salkovskis, 1988c).
Problemas vestibulares
Na tontura crônica, exercicios que envolvem a exposição gradativa aos movimentos
abruptos da cabeça e outras manobras que induzem as sensações de tontura podem
ser particularmente úteis. No tinido, tanto o relaxamento quanto as intervenções cog­
nitivas elaboradas para ajudar os pacientes a fazer interpretações mais realistas de
seus sintomas foram usados com êxito considerável (Hallam e Stephens, 1982; Beyts,
1987).
Dores crônicas (ver também a seção sobre cefaléia)
Uma vasta gama de comportamentos de evitação domina o quadro em muitos pacien­
tes com dores crônicas, podendo dificultar a avaliação de cognições (ver também
p. 349). Reduzir a evitação é um componente importante do tratamento. Aumentar a
percepão de controle representa uma variável crucial. Chegar a um consenso sobre um
fundamento lógico de um tratamento que envolva um aumento dos exercícios fisicos
também é importante. Os objetivos explícitos do tratamento consistem em levar à
mudança gradual na qualidade de vida do paciente ao limitar ou reduzir o grau de inca-
pacitação comportamental e ansiedade experimentadas; se isso resultar em redução da
dor, teremos obtido uma vantagem adicional. Os níveis crescentes de exercícios tam­
bém podem aumentar a tolerância à dor. Os procedimentos cognitivos enfatizam que
“a dor não tem, necessariamente, a mesma intensidade do problema” (Weisenberg,
1987; Philips, 1988).
388 Terapia cognitivo-comportamental

ças vão ocorrer a longo prazo. A simples explicitação das metas (e


de suas limitações) no início da terapia ajuda muito, em geral com­
binada a revisões regularmente programadas dos progressos, nas
quais os objetivos são reiterados e reformulados. Se os pacientes
se apresentam para o tratamento pensando que com o auxílio psi­
cológico serão capazes de exercer o “domínio mental sobre o pro­
blema”, o terapeuta deve ajudá-los a adotar uma visão mais realis­
ta. Da mesma maneira, quando os pacientes estão completamente
desesperançados quanto às perpectivas de alguma mudança, pode
ser útil reexaminar com eles quais pequenas mudanças seriam
úteis em sua vida cotidiana, e então discutir até que ponto se per­
deria alguma coisa se o paciente fizesse um pequeno “experimen­
to” que mostrasse se seria possível partir para esse objetivo delimi­
tado. Às vezes convém tornar as metas iniciais abertamente psico­
lógicas (por exemplo, “Não ficar deprimido quando perceber que
estou com tontura”).

Atitudes de outros profissionais

As atitudes de outros profissionais podem ser problemáticas,


pois podem agir como uma poderosa oposição aos esforços do
terapeuta. Uma coordenação cuidadosa com todos os profissionais
envolvidos constitui a chave para esse problema. Se os colegas es­
tiverem demasiadamente ou pouco entusiasmados com relação ao
tratamento, problemas podem surgir. Com respeito ao entusiasmo
exagerado, as expectativas do paciente podem ser prontamente
modificadas. As dificuldades são maiores quando outro profissio­
nal está emitindo opiniões ou dando conselhos conflitantes com os
do terapeuta com formação psicológica, como, por exemplo, “Não
deixe que ninguém o convença de que seu problema é psicológico
- é puramente físico”. O problema é abordado, em primeiro lugar,
através do exame dos comentários em seu contexto, e em termos
da ligação com o outro profissional. Não convém contra-atacar,
criticando o outro profissional ou suas opiniões; os pacientes
geralmente são incapazes de estabelecer distinções entre essas opi­
niões, e assim vêem desgastar-se sua confiança em ambas, pen­
sando com razão que um certo grau de incompetência está implíci­
to na mera existência dessa divergência aberta. As discordâncias
I'rublemus somáticos 389

i'ntrc profissionais e o controle inconsistente podem aumentar as


dúvidas quanto à validade dos diagnósticos e formulações ofereci-
dns, e assim afetar a adesão de modo bastante adverso.

( onclusões

O controle psicológico dos problemas somáticos é um em­


preendimento polêmico porque a maioria dos pacientes apresenta
condições crônicas e previamente intratáveis, e também porque a
disposição para se envolver no tratamento constitui uma dificulda­
de que freqüentemente compromete os resultados. Não obstante,
uma mudança considerável ou um alívio total são possíveis para
muitos pacientes. Para outros, mesmo as melhoras relativamente
modestas podem representar uma mudança enorme em sua quali­
dade de vida. Em alguns dos problemas mais intratáveis aqui des­
critos, os objetivos da terapia devem ser mais limitados. Dentre os
mais razoáveis, podemos citar:

( 1)melhora gradual por períodos mais longos;


(2) levar a mudanças que são úteis ao paciente;
(3) suspender a deterioração;
(4) ajudar os pacientes a levar uma vida mais completa dentro dos
limites impostos por seus problemas," e
(5) reduzir o estresse associado ao problema (ansiedade, depres­
são e desmoralização).

Leitura recom endada

Ulanchard, E. B. e Andrasik, F. (1985). Management o f Chronic Headaches: a


Psychological Approach. Pergamon, Nova York.
Clark, D. M. e Salkovskis, P. M. (no prelo). Cognitive Therapyfo r Panic and Hy­
pochondriasis. Pergamon, Nova York.
Gentry, W. D. (1984). Handbook o f Behavioral Medicine, Guilford, Nova York.
Kellner, R. (1986). Somatization and Hypochondriasis, Praeger, Nova York.
390 Terapia cognitivo-comportamental

Lacks, P. (1987). Behavioural Treatment fo r Persistent Insomnia. Pergamon,


Nova York.
Leenan, F. H. H. e Haynes, R. B. (1986). How to Control your Blood Pressure and
Get More out o f Life. Grosvenor House Press, Montreal.
Philips, H. C. (1988). The Psychological Management o f Chronic Pain: a Ma­
nual. Springer, Nova York.
Warwick, H. M. C. e Salkovskis, P. M. (1989). “Hypochondriasis”. In Cognitive
Therapy: a Clinical Casebook (orgs. J. Scott, J. M. G. Williams e A. T.
Beck), pp. 78-102. Routledge, Londres.
Weisenberg, M. (1987). “Psychological intervention for the control of pain”. Be­
haviour Research and Therapy, 25, 301-12.
Williams, R. B. e Gentry, W. D. (1976). Behavioural Approaches to Medical
Treatment. Ballinger, Cambridge, Mass.
N. Distúrbios alimentares
í 'hristopher G. Fairburn e Peter J. Cooper

Introdução

Este capítulo ocupa-se do tratamento de dois “distúrbios ali­


mentares” principais: a anorexia nervosa e a bulimia nervosa. Em­
bora o exato predomínio desses distúrbios seja desconhecido, é
claro que eles constituem uma fonte significativa de morbidez psi­
quiátrica. O capítulo não aborda o tratamento da obesidade, embo­
ra os procedimentos cognitivo-comportamentais sejam amplamen­
te utilizados no manejo desse problema médico relevante. A omis­
são pode ser justificada por três razões: primeiro, há limitações
quanto ao espaço; segundo, vários manuais de tratamento de pri­
meira linha acham-se disponíveis; terceiro, a obesidade não cons­
titui um problema psiquiátrico p er se, e seu tratamento raramente
faz parte da prática psiquiátrica. Para informações adicionais com
relação à obesidade, o leitor tem como referência o excelente livro
de Garrow (1988), e, para informações sobre as abordagens cogni­
tivo-comportamentais desse tratamento, o livro de Mahoney e M a­
honey (1976) pode ser recomendado.
O que une a anorexia nervosa e a bulimia nervosa são certas
preocupações extremas, altamente características, com relação à
forma corporal e ao peso. Essas preocupações, ou idéias superesti­
madas, são peculiares à anorexia nervosa e à bulimia nervosa, o
que as tom a de grande relevância para o diagnóstico (Fairburn e
390 Terapia cognitivo-comportamental

Lacks, P. (1987). Behavioural Treatment fo r Persistent Insomnia. Pergamon,


Nova York.
Leenan, F. H. H. e Haynes, R. B. (1986). How to Control your Blood Pressure and
Get More out o f Life. Grosvenor House Press, Montreal.
Philips, H. C. (1988). The Psychological Management o f Chronic Pain: a Mu
nual. Springer, Nova York.
Warwick, H. M. C. e Salkovskis, P. M. (1989). “Hypochondriasis”. In Cognitive
Therapy: a Clinical Casebook (orgs. J. Scott, J. M. G. Williams e A. T.
Beck), pp. 78-102. Routledge, Londres.
Weisenberg, M. (1987). “Psychological intervention for the control of pain”. Be­
haviour Research and Therapy, 25, 301-12.
Williams, R. B. e Gentry, W. D. (1976). Behavioural Approaches to Medical
Treatment. Ballinger, Cambridge, Mass.
(V. Distúrbios alimentares
( 'hristopher G. Fairburn e Peter J. Cooper

Introdução

Este capítulo ocupa-se do tratamento de dois “distúrbios ali­


mentares” principais: a anorexia nervosa e a bulimia nervosa. Em­
bora o exato predomínio desses distúrbios seja desconhecido, é
claro que eles constituem uma fonte significativa de morbidez psi­
quiátrica. O capítulo não aborda o tratamento da obesidade, embo­
ra os procedimentos cognitivo-comportamentais sejam amplamen­
te utilizados no manejo desse problema médico relevante. A omis­
são pode ser justificada por três razões: primeiro, há limitações
quanto ao espaço; segundo, vários manuais de tratamento de pri­
meira linha acham-se disponíveis; terceiro, a obesidade não cons-
litui um problema psiquiátrico p er se, e seu tratamento raramente
faz parte da prática psiquiátrica. Para informações adicionais com
relação à obesidade, o leitor tem como referência o excelente livro
ile Garrow (1988), e, para informações sobre as abordagens cogni-
livo-comportamentais desse tratamento, o livro de Mahoney e Ma­
honey (1976) pode ser recomendado.
O que une a anorexia nervosa e a bulimia nervosa são certas
preocupações extremas, altamente características, com relação à
Ibrma corporal e ao peso. Essas preocupações, ou idéias superesti­
madas, são peculiares à anorexia nervosa e à bulimia nervosa, o
que as tom a de grande relevância para o diagnóstico (Fairburn e
392 Terapia cognitivo-comportamcnlul

Quadro 8.1 Critérios Diagnósticos DSM III R para anorexia nervosa e buli
mia nervosa (Associação Psiquiátrica Americana, 1987)

Anorexia nervosa
A. Recusa a manter o peso do corpo de acordo com o peso mínimo normal con
forme a idade e a altura; por exemplo, perda de peso levando à manutenção ilc
um peso corporal 15% abaixo do esperado; ou incapacidade de alcançar um
ganho de peso esperado durante o período de crescimento, levando ao peso
corporal 15% abaixo do esperado.
B . Medo intenso de ganhar peso ou de ficar gordo, apesar de estar abaixo do peso
C. Perturbação do modo como o peso, o tamanho ou a forma do corpo são perco
bidos; por exemplo, a pessoa queixa-se de “estar gorda” mesmo quando mau
lenta, e acredita que uma parte do corpo está “muito gorda” mesmo quando
obviamente abaixo do peso.
D. Em mulheres, a ausência de pelo menos três ciclos menstruais consecutivos
quando se espera que ocorram de outra maneira (amenorréia primária ou sc
cundária - considera-se que uma mulher tem amenorréia se os seus ciclos só
ocorrerem após a administração de hormônios [por exemplo, o estrogênio] ).

Bulimia nervosa
A. Episódios recorrentes de excessos alimentares (rápido consumo de uma grau
de quantia de comida num período descontínuo de tempo).
B. Sensação de falta de controle sobre o comportamento alimentar durante os
episódios de excessos alimentares.
C. Para não engordar, a pessoa regularmente recorre ao vômito auto-induzido, ai>
uso de laxantes ou diuréticos, ao regime rigoroso, ao jejum ou a exercícios ex­
tenuantes.
D. Uma média mínima de dois episódios de excessos alimentares por semana poi
pelo menos três meses.
E. Preocupação excessiva e persistente com relação ao peso e à forma corporais

Garner, 1988). Foram descritas em vários termos: por exemplo,


como um “medo mórbido de gordura” (Russell, 1970), uma “busen
da esbelteza” (Bruch, 1973) e como uma “fobia de peso” (Crisp,
1967). A essência dessa “psicopatologia central”, como tem sido
denominada, é que os pacientes julgam sua autovalia ou auto-esti
ma quase que exclusivamente em termos de sua forma e peso
Como resultado, são perturbados por pensamentos sobre sua foi
ma e seu peso, constantemente evitam ganhar peso ou “gordura", c
muitos lutam para ser magros.
Muitos comportamentos destinados a controlar o peso do coi
po constituem também um aspecto da anorexia nervosa e da hnli
111nirhios alimentares
\
393

mihi nervosa. Estes incluem a dieta extrema, o vómito auto-induzi-


ilo, o uso inadequado de purgantes ou diuréticos e a prática de
l'UTcicios vigorosos. Na anorexia nervosa, o resultado é que os
pncicntes ficam abaixo do peso. Na bulimia nervosa este não é ne-
t essariamcnte o caso, já que as tentativas que esses pacientes fa­
zem de seguir dietas são interrompidas por episódios de ingestão
excessiva de alimentos. Nos dois distúrbios há uma “psicopatolo-
yía geral” associada que consiste em uma vasta série de sintomas
neuróticos, sendo as características depressivas particularmente
proeminentes.
Um conjunto recém-publicado de critérios diagnósticos para
li imorexia nervosa e a bulimia nervosa é ilustrado no Quadro 8 .1.
I )c acordo com esses critérios, os dois diagnósticos não são mu-

luamente excludentes. Entretanto, para a convenção clínica usual o


diagnóstico de anorexia nervosa “apresenta um trunfo” sobre
iK]uele da bulimia nervosa. Isso tem o efeito de restringir o diag­
nóstico de bulimia nervosa aos indivíduos com peso médio ou aci­
ma da média.

Características clínicas da anorexia


nervosa e da bulimia nervosa

As principais características clínicas da anorexia nervosa e da


bulimia nervosa são enumeradas no Quadro 8.2. Ver Garfinkel e
(iarner (1982) e Fairburn, Cooper e Cooper (1986a) para descri­
ções mais completas da anorexia nervosa e da bulimia nervosa, res­
pectivamente. Vale notar três pontos com relação à psicopatologia
ilos dois distúrbios, cada um dos quais com implicações funda­
mentais para o tratamento.

1. Em sua maior parte, as características da anorexia nervo­


sa e da bulimia nervosa parecem ser secundárias a essas ideações
supervalorizadas com relação à form a e ao peso.
Essas características secundárias incluem a dieta extrema (com
o resultado de perda de peso na anorexia nervosa), o vómito auto-
394 Terapia cognitivo-comportamental

Q uadro 8.2 As principais características psicopatológicas da anorexia nervo­


sa (AN) e da bulimia nervosa (BN)

Psicopatologia específica
1. Preocupações extremas com relação à forma e ao peso corporais. Avaliação dc
auto-estima quase exclusivamente em termos de forma e peso.
2. Comportamento destinado a controlar forma e peso
dieta extrema
vômito auto-induzido
uso inadequado de laxantes e diuréticos
exercícios rigorosos (especialmente AN)
3. Episódios bulímicos (especialmente BN)

Psicopatologia geral
1. Variedade de sintomas depressivos e de ansiedade
2. Características obsessivas (especialmente AN)
3. Concentração deficiente
4. Desempenho social comprometido

induzido, o uso inadequado de laxantes e diuréticos, o excesso de


exercícios e a preocupação com a forma e o peso. Mesmo os episó­
dios de ingestão excessiva de alimentos, que se observa em todos
os pacientes com bulimia nervosa e em 50% daqueles com anore­
xia nervosa, constituem provavelmente um aspecto secundário na
medida em que muito se acredita serem, em parte, uma conse
qüência das tentativas extremas de fazer dietas (Polivy e Herman,
1985). As ideações supervalorizadas com relação ao peso e à
forma e certos erros de raciocínio correlatos (ver Quadro 8.5) le­
vam os pacientes a adotar regras dietéticas rígidas e inflexíveis
Algumas pequenas transgressões das regras são vistas como indí
cios de pouco autocontrole e seguidas por um abandono temponí
rio do controle do consumo alimentar. Os fatores fisiológicos tam­
bém podem estimular episódios de ingestão excessiva de alimen
tos nos pacientes que estão significativamente abaixo do peso,
bem como naqueles que estão se alimentando muito pouco. Km
muitos pacientes, é provável que atuem tanto os mecanismos cog­
nitivos quanto os fisiológicos.
O fato de que a maioria das características da anorexia nervo
sa e da bulimia nervosa pareçam ser secundárias às preocupações
I ihii/i hiiis alimentares 395

p r i m a s dos pacientes com relação à forma e peso traz claras


Implicações para o manejo da situação. Em particular, sugere que
Mwis ideações supervalorizadas precisam ser modificadas se o
nbjetivo for uma recuperação completa e duradoura. Essa previsão
Hindu tem de ser testada (ver Fairburn, 1988). Não obstante, a m o­
dificação dessas ideações supervalorizadas constitui uma das m e­
ta* principais dos tratamentos cognitivo-comportamentais para a
Hlioroxia nervosa e a bulimia nervosa.
2. Algumas características da anorexia nervosa se devem à
inanição”. Algumas características da anorexia nervosa talvez
sejam um resultado direto da inanição (Gamer, Rockert, Olm sted
liihnson e Coscina, 1985). Estas incluem a preocupação com a co­
mida e o ato de comer, episódios de ingestão excessiva de alimen­
tos, humor depressivo e irritabilidade, sintomas obsessivos, con­
centração debilitada, interesses externos reduzidos, perda do ape­
tite sexual e retraimento social. Em apoio dessa sugestão está a
descoberta de que, na maioria dos pacientes, muitas dessas carac­
terísticas desaparecem com a simples restauração do peso. Em
parte devido a isso é que o restabelecimento do peso num nível
síiudável constitui um aspecto essencial do tratamento da anorexia
nervosa. Duas características, entretanto, não apresentam uma m e­
lhora estável com a restauração do peso: os episódios de ingestão
excessiva de alimentos e as características depressivas. Muitos dos
subgrupos de pacientes nos quais as características depressivas
persistem apesar da restauração do peso parecem apresentar um
distúrbio depressivo coexistente.
3. Muitas características da bulimia nervosa são uma respos­
ta psicológica secundária à perda de controle sobre o consumo
alimentar. (O mesmo se pode dizer com relação aos pacientes com
anorexia nervosa que apresentam episódios bulímicos.) Pesquisas
sobre a natureza da psicopatologia geral da bulimia nervosa
(Cooper e Fairburn, 1986) e sua resposta ao tratamento (Fairburn,
Cooper, Kirk e O ’Connor, 1985) sugerem que muitas característi­
cas podem ser consideradas como uma reação psicológica secun­
dária à perda de controle sobre o consumo alimentar em pessoas
que dão muita importância à forma e ao peso. Essas características
incluem, de modo mais visível, os sintomas depressivos e de an­
siedade, o retraimento social e a má concentração. N a maioria dos
396 Terapia cognitivo-comportamenliil

casos, esses sintomas não requerem uma atenção terapêutica direta


por si sós. Pelo contrário, para revertê-las basta aumentar o contro­
le do paciente sobre o consumo alimentar.

O tratam ento da bulim ia nervosa

O tratamento da bulimia nervosa será abordado antes do da


anorexia nervosa por duas razões. Primeiro, embora a bulimia ner­
vosa tenha sido descrita mais recentemente do que a anorexia nervo­
sa, seu tratamento tem sido alvo de mais pesquisas. Segundo, há
consenso quanto ao fato de que o tratamento preferencial da buli­
mia nervosa seja alguma forma de terapia cognitivo-comporta­
mental (Agras, 1987; Wilson, 1987). Entretanto, talvez o entusias­
mo atual pelas abordagens cognitivo-comportamentais para a buli
mia nervosa seja um pouco excessivo, uma vez que os indícios de
que sejam significativamente mais eficazes do que outras aborda­
gens são frágeis (Fairburn, no prelo). As descobertas de três estu­
dos controlados recentes indicam que os pacientes com bulimia
nervosa podem beneficiar-se, em grau semelhante, de tratamentos
que não podem ser considerados, pelo menos nos termos das d eli
nições mais convencionais, como formas de terapia cognitivo-com­
portamental (Kirkey, Schneider, Agras e Bachman, 1985; Fairburn,
Kirk, O ’Connor e Cooper, 19866; Fairburn, no prelo). Não obstan­
te, o fato é que a abordagem cognitivo-comportamental tem sido o
mais amplamente avaliado dos tratamentos psicológicos para o
distúrbio, e as descobertas de pesquisas apontam para o benefício
dos pacientes a curto prazo. Pouco se sabe sobre a manutenção da
mudança que se segue à terapia cognitivo-comportamental. As dos
cobertas de um estudo de acompanhamento de cinco anos suge­
rem que as melhoras são mantidas (Fairburn, O ’Connor e Anasta-
siades, em preparo).
Admite-se que, em sua maior parte, os pacientes com buli
mia nervosa podem ser tratados em ambulatórios. Há três indica
ções para a hospitalização: se o paciente estiver muito deprimido
para ser tratado como um paciente ambulatorial, ou se houver
I >i\tiirbios alimentares 397

I In ç o de suicídio; se a saúde física do paciente for causa de algu-

iiiii inquietação, sendo o distúrbio grave de eletrólitos o problema


mais comum, e se o distúrbio alimentar se mostrar refratário aos
( niilados ambulatoriais. Em nossa experiência de trabalho com
ni cas de captação de populações de pacientes do NHS (Serviço
Nacional de Saúde), essas indicações se aplicam a menos de 5%
ilos casos.
As abordagens cognitivo-comportamentais do tratamento da
liulimia nervosa têm três propriedades em comum. Primeiro, são
Itascadas na concepção cognitiva da manutenção da bulimia ner­
vosa. Essa concepção é explicitamente apresentada aos pacientes,
c proporciona os fundamentos lógicos para a maior parte das ini­
ciativas do tratamento. Segundo, esses tratamentos visam não só
modificar os comportamentos dos pacientes, mas também mudar
suas atitudes quanto à forma e ao peso e, nos casos em que isso for
relevante, mudar mais “distorções” cognitivas fundamentais. Ter­
ceiro, elas usam uma combinação de procedimentos cognitivos e
comportamentais no tratamento. Esses tratamentos são geralmente
baseados em casos de pacientes ambulatoriais, duram de três a seis
meses e envolvem de dez a vinte sessões de tratamento. A maior
parte deles faz uso dos seguintes procedimentos: reestruturação
cognitiva, usando técnicas semelhantes àquelas desenvolvidas por
Heck e seus colegas no tratamento da depressão (Beck, Rush,
Shaw e Emery, 1979; Capítulo 6 deste volume); automonitoração
de pensamentos e comportamentos relevantes; educação; o uso de
medidas de autocontrole para estabelecer um padrão de alimenta­
ção regular, e várias outras medidas destinadas a eliminar as die­
tas. Alguns programas empregam elementos adicionais, inclusive
técnicas de prevenção de recaídas, treinamento em resolução de
problemas e exposição com prevenção de resposta. Um tratamento
cognitivo-comportamental especial será descrito neste capítulo.
Trata-se, provavelmente, do tratamento cognitivo-comportamental
mais intensamente estudado para a bulimia nervosa. Um manual
detalhado foi publicado em 1985 (Fairburn, 1985). Esta é uma ver­
são atualizada daquele manual.
Através dessa abordagem, o tratamento é individualmente con­
duzido e dura cerca de cinco meses. O tratamento é semi-estrutu-
rado, voltado para o problema e basicamente preocupado com o
398 Terapia cognitivo-comportamenlul

presente e o futuro, e não com o passado. É um processo ativo, e a


responsabilidade pela mudança cabe ao paciente. Três estágios do
tratamento podem ser distinguidos, cada qual contendo vários ele­
mentos diferentes que se destinam a lidar com áreas de dificulda­
des específicas. No primeiro, a visão cognitiva da bulimia nervosa
é delineada, e as técnicas comportamentais são usadas para ajudai
os pacientes a recuperar o controle sobre o consumo alimentar. A
ênfase do segundo estágio está no exame e na modificação dos
pensamentos e atitudes problemáticos. Além disso, técnicas com­
portamentais são usadas, tanto para acabar com qualquer tendên­
cia a fazer regimes quanto para modificar as preocupações com
relação à forma e ao peso. No estágio final, o enfoque reside na
manutenção da mudança.

Um m anual de tratam ento cognitivo-com portam ental

Este tratamento é apropriado para a maioria dos pacientes com


bulimia nervosa. Ainda que nele se descreva um “pacote” definido
de tratamento, na prática clínica este deve ser adaptado de modo a
atender às necessidades específicas do paciente. Para certos sub­
grupos de pacientes, sobretudo para os que estão significativamen­
te acima ou abaixo do peso, é preciso introduzir mudanças funda­
mentais no programa de tratamento. Um esboço dessas alterações
é fornecido na p. 426.
Ao se descrever o tratamento supõe-se que o paciente seja do
sexo feminino, uma vez que em sua grande maioria as pessoas
com bulimia são mulheres.

E stág io 1

O estágio 1 dura quatro semanas, e as consultas ocorrem duas


vezes por semana. As pacientes que não apresentam episódios
bulímicos freqüentes precisam de uma intervenção inicial menos
intensiva. Por outro lado, se os hábitos da paciente estiverem ex­
tremamente perturbados - por exemplo, quando a ingestão ex-
i Ustúrbios alimentares 399

(Jiiadro 8.3 Tópicos principais a serem cobertos quando se avaliar o estado


iiluul dos pacientes com bulimia nervosa (Fairbum e Hope, 1988)

I , A natureza exata do problema do modo como o paciente a vê


Psicopatologia específica
(a) Atitudes quanto à forma e ao peso
grau de importância atribuída à forma e ao peso
reação às mudanças de peso
reação a comentários sobre a aparência
peso desejado
(b) Hábitos alimentares
de fazer regimes
episódios de ingestão excessiva de alimentos
senso de controle sobre o consumo alimentar
(c) Métodos de controle de peso
regimes (ver acima)
vômito auto-induzido
uso de purgantes ou diuréticos
exercícios
3. Psicopatologia geral
(a) Sintomatologia neurótica, especialmente sintomas depressivos e risco de
suicídio
(b) Funcionamento interpessoal
(c) Auto-estima, segurança, perfeccionismo
4. Circunstâncias sociais
5. Saúde física
Peso e histórico de peso
(PS: Conferir eletrólitos de pacientes que estão vomitando ou tomando
laxantes ou diuréticos)

cessiva de alimentos é quase contínua - é aconselhável, se assim


for possível, que se atenda a paciente de três a mais vezes por se­
mana.

Entrevista 1

Nessa entrevista, o histórico da paciente deve ser feito, e a es­


trutura, o estilo e os objetivos do tratamento devem ser descritos.
Os principais pontos a serem cobertos quando se for avaliar o esta­
do atual da paciente estão arrolados no Quadro 8.3.
400 Terapia cognitivo-comportamental

Baixa auto-estima

Preocupação excessiva com relação


à forma e ao peso

Regimes rigorosos

Episódios de excessos alimentares

Vômito auto-induzido compensatório


(uso de laxantes ou diuréticos)

Figura 8.1 Concepção cognitiva da manutenção da bulimia nervosa

Concepção cognitiva da natureza da bulimia nervosa (Ver Fairburn


et a i, 1986a). Esse ponto deve ser discutido detalhadamente com
referência à Figura 8.1. Há quatro pontos principais a enfatizar:

1. Embora os regimes sejam indubitavelmente uma resposta aos


episódios de excessos alimentares, eles também mantêm esse
problema através dos mecanismos psicológicos e fisiológicos
anteriormente mencionados.

2. O vômito auto-induzido e, em m enor proporção, o uso inade­


quado de laxantes e diuréticos também estim ulam os episó­
dios de excessos alimentares, já que a crença na eficácia de­
les como um meio de reduzir a absorção de calorias afasta as
restrições normais a propósito da ingestão excessiva de ali­
mentos.

3. A preocupação excessiva com relação à forma e ao peso, parti­


cularmente a tendência de julgar a auto-estima em termos dc
forma e peso, promove a realização de regimes rigorosos, e des­
se modo mantém o problema alimentar.

4. A preocupação excessiva com a forma e o peso é freqüentemen­


te associada a antigos sentimentos de ineficácia e inutilidade.
I Ihllirblos alimentares 4 01

Ao descrever a concepção cognitiva da bulimia nervosa, o te-


Ifípcuta deve ter o objetivo de convencer a paciente de que é preci-
'<ii proceder a uma mudança tanto comportamental quanto cogniti-
\ii Algumas pacientes encontram dificuldade em compreender
1'NNC ponto de vista. O terapeuta deve voltar a ele durante todo o
linlumento e, sempre que possível, reforçá-lo mediante o uso de
ilustrações clínicas específicas.

Monitoração. A paciente deve ser instruída a monitorar sua ali­


mentação. Instruções por escrito sobre a monitoração devem ser-
lhe fornecidas (ver Quadro 8.4) junto com um exemplo típico de
lolha de monitoração preenchida (ver Figura 8.2). Os fundamentos
lógicos da monitoração devem ser explicados: ajudam tanto o tera­
peuta quanto a paciente a examinar seus hábitos alimentares e as
circunstâncias nas quais os problemas surgem, e ajudam a paciente
a modificar tanto seus hábitos alimentares quanto os pensamentos
e sentimentos problemáticos. Não é incomum que as pacientes re­
lutem em monitorar, sobretudo quando envergonhadas de seus há­
bitos alimentares. Essa dificuldade potencial deve ser abertamente
discutida.

Entrevista 2

Revisão de folhas de monitoração. Essa entrevista e todas as que se


seguirem devem concentrar-se numa revisão detalhada das folhas
de monitoração da paciente. Cada folha deve ser discutida em
grande profundidade, com a paciente conduzindo a discussão. O
objetivo do terapeuta é compreender por que a paciente come
aquilo que come, assim como o que predomina quando come. Epi­
sódios de “ingestão excessiva de alimentos” devem ser minuciosa­
mente discutidos. Deve-se pedir à paciente que anote na coluna 6 o
que estava acontecendo na ocasião, assim como os pensamentos e
sentimentos que lhe ocorriam. Ao reexaminar as folhas de monito­
ração, o terapeuta deve procurar relacionar o comportamento da
paciente aos processos cognitivos associados ao perguntar, por
exemplo: “Quais, exatamente, os pensamentos que lhe passavam
pela cabeça imediatamente antes de ter comido isso?”
402 Terapia cognitivo-comportamenlnl

Quadro 8.4 Instruções para a monitoração

O objetivo da monitoração é proporcionar um quadro detalhado de seus


hábitos alimentares. E fundamental para o tratamento. No início, anotar tudo aqui
lo que come pode parecer inconveniente e irritante, mas logo se tomará um hábito
de indiscutível valor.
Uma amostra de folha de monitoração é ilustrada na página seguinte. Uniu
folha separada deve ser utilizada a cada dia, com a data e o dia da semana anotados
na parte superior. Se necessário, use mais de uma folha.

A Coluna 2 se destina a registrar toda a comida e os líquidos que consome


durante o dia. Cada item deve ser anotado tão logo tiver sido consumido
Relembrar o que comeu algumas horas atrás não é suficiente. Obviamente,
para registrar sua ingestão de comida desse modo será preciso trazer sempi e
consigo as folhas de monitoração. As calorias não devem ser registradas
Em vez disso, faça uma simples descrição daquilo que comeu. Para distin
guir uma refeição de outra, use parênteses. Uma refeição deve ser definidn
como “um episódio de alimentação específico que foi controlado, organi/;i
do e consumido de maneira normal”.

A Coluna 1 se destina à anotação de quando a comida ou o líquido foram


consumidos.

A Coluna 3 deve fornecer o local em que o alimento foi consumido. Se for a


sua casa, o cômodo deve ser especificado.

Coluna 4. Nesta coluna é necessário colocar asteriscos ao lado da alimenla


ção que sentiu ter sido excessiva. É essencial que se registre toda a comidn
consumida durante os “episódios de excessos alimentares”.

A Coluna 5 se destina ao registro de episódios de vômito e ao uso de la xa n


tes e diuréticos.

A Coluna 6 é usada como um diário para registrar os pensamentos e scnli


mentos que, em sua opinião, influenciaram o ato de comer. Por exemplo,
pode sentir que uma discussão tenha precipitado “um acesso de alimentação
desmedida”; nesse caso, a discussão deve ser anotada na folha, junto com os
sentimentos que experimentou e os pensamentos que de fato lhe pass;i
ram pela cabeça. Talvez queira registrar outros eventos, mesmo que não tc
nham exercido nenhum efeito sobre o ato de comer. Na Coluna 6, você deve
também registrar o seu peso toda vez que se pesar.

Toda a entrevista de tratamento incluirá uma revisão cuidadosa de suas


folhas de monitoração. Lembre-se, portanto, de trazê-las consigo.
iHiliii blos alimentares 403

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V

lis u r a 8.2 Folha de monitoração ilustrando os hábitos alimentares de uma


paciente com bulimia nervosa. São típicos de uma paciente nos primeiros
estágios do tratamento. (B = episódios bulímicos; V/L = vômitos ou uso de
luxantes; * = episódios de ingestão alimentar considerados pela paciente
como “excessivos”)
404 Terapia cognitivo-comportamciihil

Identificação de pensamentos problemáticos. Nessa entrevista (c


daí por diante), a paciente deve ser incentivada a identificar pen
samentos problemáticos. Os princípios para a identificação des
ses pensamentos são descritos nos Capítulos 3 e 6. De acordo
com nossa experiência, certos procedimentos utilizados na tera­
pia cognitiva convencional (por exemplo, o preenchimento de rc
gistros de pensamentos disfuncionais) não são úteis no tratamento
de pacientes com distúrbios alimentares. O essencial é que os
pensamentos problemáticos da paciente sejam identificados, o
que ela os modifique com êxito. Temos também experiência di­
que a ênfase durante o primeiro estágio do tratamento deve res
tringir-se a ajudar as pacientes a se tornarem hábeis na identifica
ção de pensamentos e sentimentos problemáticos, em vez de aju
dá-las a questioná-los. É evidente que os pensamentos devem sei
usados, sempre que possível, para reforçar a concepção cognitiva
do distúrbio.

Medição de peso semanal. Nesta entrevista ou na próxima, a pa


ciente deve ser solicitada a pesar-se uma vez por semana e a regis
trar seu peso na folha de monitoração cada vez que o fizer. Muitas
pacientes têm dificuldade para fazer isso e, se necessário, tarefas
gradativas devem ser então estabelecidas. Por exemplo, se a pa­
ciente se pesa seis vezes ao dia, o terapeuta deve começar poi
pedir-lhe que se pese uma vez por dia, ou a cada dois dias. O tera
peuta deve explicar que há duas razões para lhe pedir que se pese
uma vez por semana. Primeiro, é razoável que monitore seu peso,
tendo em vista que seus hábitos alimentares vão modificar-se du
rante o tratamento. Pesar-se uma vez por semana é uma maneira
apropriada de fazer isso, enquanto a medição de peso mais fre
qüente gera uma preocupação indevida com flutuações inconse­
qüentes do peso. E preciso explicar que o peso do corpo varia na
turalmente em alguns gramas de uma dia para o outro, e que essas
flutuações representam, no geral, mudanças no equilíbrio hídrico
As flutuações diárias do peso não podem, portanto, ser usadas para
se inferir uma mudança de peso a longo prazo, em qualquer dire
ção. Só é legítimo que uma paciente conclua que seu peso alterou
se houver indícios de uma tendência que se mantém constante du
rante várias semanas.
I l / w w ' / i / a v alimentares 405

A segunda razão para se pedir que a paciente se pese uma vez


poi semana reside no fato de isso proporcionar um excelente meio
de identificar certos pensamentos problemáticos comuns com rela-
1, 1)0 á forma e ao peso. Imediatamente após pesar-se, a paciente
deve anotar seu peso no verso da folha de monitoração, além de re­
gistrar exatamente o que lhe passou pela cabeça quando viu os nú­
meros aparecerem na balança. Numa fase posterior do tratamento,
pode-se pedir à paciente que anote seus pensamentos antecipados
»»nies de se pesar, caso acredite que tenha ganhado 1 kg, perdido
I kg ou permanecido com o mesmo peso. Depois, a paciente deve
pesar-se e registrar seus pensamentos reais. Ela deve decidir em
l|lic dia da semana vai pesar-se. Um dia da semana pela manhã é
geralmente o mais indicado.

I iilrevistas 3-8

Cada uma dessas sessões de tratamento se concentra numa re-


\ isáo das folhas de monitoração da paciente. Ao final de cada en­
trevista, deve-se estabelecer para a paciente um número limitado
ile tarefas claramente especificadas. Na entrevista subseqüente, o
terapeuta e a paciente devem reexaminar suas tentativas de com­
pletar essas tarefas, e outras devem ser estabelecidas. Como os pa­
cientes com bulimia nervosa tendem a ser excessivamente autocrí-
licos, quaisquer sucessos devem ser enfatizados, por mais modes­
tos que sejam. Além disso, as sessões devem incluir os componen­
tes apresentados a seguir.

í sclarecimento da concepção cognitiva da bulimia nervosa. O


terapeuta deve voltar repetidamente à concepção cognitiva do dis­
túrbio. Quando surgem informações que reforçam algum aspecto
dessa concepção, é preciso enfatizá-las. Por exemplo, se um episó­
dio de ingestão excessiva de alimentos for precipitado pela trans­
gressão de uma regra dietética (comer chocolates, por exemplo),
isso pode ser usado para ilustrar o ponto importante de que a pre­
sença de regras dietéticas rigorosas promovem a ingestão alimen­
tar excessiva intermitente. O objetivo é ajudar a paciente a tomar
conhecimento dos mecanismos que perpetuam o problema ali­
40 6 Terapia cognitivo-comportameniul

mentar e a avaliar a necessidade de uma mudança, tanto comporta


mental quanto cognitiva.

Educação. A paciente deve ser informada sobre uma série de tó


picos.

1. O peso do corpo e sua regulação. As pacientes devem


ser informadas quanto à porcentagem que seu peso representa
com relação ao peso médio para a sua idade e altura (isto é, o
peso padrão). Devem ser orientadas a não alm ejar um peso exa
to. Em vez disso, devem aceitar um a variação de peso de mais
ou menos 2,5 kg em m agnitude. Essa variação de peso não deve
estender-se abaixo de 85% de seu peso padrão já que com esse
peso ficariam sujeitas a experim entar as seqüelas fisiológicas c
psicológicas da inanição. A paciente deve tam bém ser advertida
a não escolher um a variação de peso que só precise de um a m o­
derada restrição dietética, uma vez que as restrições desse tipo
são propensas a incentivar as pacientes a com er em excesso. Na
prática, é melhor que as pacientes adiem a decisão quanto a uma
variação específica de peso até que tenham recuperado o contro
le sobre o consumo alim entar e ingressado no segundo estágio
do tratamento.

2. Conseqüências fisicas dos episódios de excessos alimen


tares, vômitos auto-induzidos e uso inadequado de laxantes. To
das as pacientes devem ser informadas sobre as complicações
físicas da bulimia nervosa. Estas incluem o desequilíbrio eletro
lítico nas pacientes que vomitam ou tomam laxantes, o aumento
da glândula salivar, que pode fazer com que as pacientes apre
sentem um a fisionom ia rechonchuda, a erosão do esmalte denta
rio da superfície interna dos dentes posteriores, edema intérim
tente, particularmente naquelas que ingerem grande quantidade
de laxantes ou diuréticos, e irregularidades menstruais. Só os de
sequilíbrios eletrolíticos são medicamente graves e, mesmo as
sim, raramente precisam de tratamento em função de sua gravi
dade. Em geral, é suficiente concentrar-se no tratamento do pro
blema alimentar em si, já que a normalização dos hábitos ali
mentares resultará em sua reversão. O mesmo se pode dizer com
I bins alimentares 407

trim,ito a todas as outras anormalidades físicas, com exceção do


pilingo dentário, que é permanente. No caso da menstruação,
((lide haver um atraso significativo antes do início de ciclos men-
MIn regulares.

.V A ineficácia relativa dos vômitos e o uso de laxantes


h uno meio de controlar o peso. O principal ponto a ser enfatiza­
do è que os “episódios de excessos alimentares” geralmente en-
Volvcin o consumo de um a grande quantidade de energia (calo-
íimO. e que o vômito auto-induzido não resolve o problema gera-
ilii por tudo aquilo que foi consumido. As pacientes devem ser
Inloinadas de que os laxantes exercem um efeito mínimo na ab-
|0i\'iU) de energia e que, como os diuréticos, seus efeitos no peso
■ ui poral ocorrem a curto prazo e são o resultado de mudanças do
tM|iiilíbrio hídrico.

4. Os efeitos adversos de fa zer regime. Existem três maneiras


tie fazer regime: evitar comer por períodos de tempo, evitar certos
tipos de alimento, e restringir a quantidade total de alimento con-
mimido. A maioria das pacientes com bulimia nervosa praticam to-
(Iíin essas três modalidades, quase sempre em grau extremo. É co­
mum que se imponham regras dietéticas rígidas impossíveis de
obedecer, sobretudo em períodos de estresse. As pacientes tendem
n considerar os desvios resultantes dessas regras como indícios de
uru fraco autocontrole, em vez de constatar que as regras em si
«presentam falhas. A conseqüência habitual é o abandono tempo-
fário do autocontrole. As pacientes acham que “transgrediram” seu
regime, e que podem muito bem “desistir”, quem sabe reiniciando-
0 no dia seguinte. Uma vez que se tenha renunciado ao controle,
mitros fatores incentivam ativamente a ingestão excessiva de ali­
mentos. Estes incluem o prazer resultante de comer comidas “proi­
bidas”, a distração de problemas atuais e um alívio temporário de
»entimentos de depressão e ansiedade. O objetivo é ajudar as pa­
cientes a chegar à conclusão de que devem aprender a não fazer
regimes. Esse ponto deve ser repetidamente colocado ao longo de
lodo o tratamento.
408 Terapia cognitivo-comportamcnlul

Orientação sobre alimentação, vômitos e uso de laxantes

1. Prescrição de um padrão de alimentação regular. A pn


ciente deve ser instada a restringir sua alimentação a três ou qu;ili i>
refeições planejadas por dia, mais um ou dois lanches também pl;i
nejados. O intervalo entre os horários de alimentação raramente
deve exceder três horas, e a paciente deve sempre saber quando viu
se alimentar novamente. Esse padrão alimentar deve ter preferên
cia sobre outras atividades. Entre esses horários, a paciente devo
fazer o possível para se abster de comer. Desse modo, seu dia deve
ser dividido em segmentos de refeições e lanches. Os benefícios da
adoção desse padrão alimentar já devem estar claros para a pacicn
te. Ao comer regularmente, as tentativas irreais de adiar o consti
mo alimentar são evitadas, eliminando-se, assim, um tipo de resii i
ção dietética. O terapeuta deve explicar que esse padrão de alimen
tação regular tem o efeito de suplantar a alternância de ingeslao
excessiva de alimentos com restrições dietéticas que caracteriza on
hábitos alimentares da maioria dessas pacientes. Obviamente, o
padrão deve ser adaptado de modo a atender aos compromissos
diários da paciente, e em geral precisa ser modificado para acomo
dar os fins de semana. As pacientes cujos hábitos alimentares es
tão seriamente perturbados devem ser aconselhadas a introduzir a',
refeições e lanches de modo gradativo; primeiro, devem se con
centrar no período do dia em que sua alimentação está menos pei
turbada (geralmente pela manhã); em seguida, vão aos poucos
ampliando o padrão alimentar, até que este englobe o dia inteiro
Algumas pacientes relutam em fazer refeições ou lanches pui
acharem que isso vai resultar em ganho de peso. E possível asse
gurar-lhes que o inverso geralmente ocorre, já que a introduzo
desse padrão alimentar diminuirá a freqüência dos episódios de
excessos alimentares, reduzindo de maneira significativa a inges
tão total de calorias. Apesar desses reasseguramentos, entretanto, é
comum que as pacientes selecionem refeições e lanches com baixo
teor calórico. Nenhuma objeção deve ser levantada quanto a essa
tendência, uma vez que, nesse estágio do tratamento, a ênfase eslrt
primordialmente em se estabelecer um padrão alimentar regular A
introdução desse padrão alimentar pode ser planejada pelo leia
peuta como um “experimento” destinado a demonstrar se a pacien
te pode ou não fazer refeições ou lanches sem ganhar peso.
409
iHiliii hltis alimentares

. ( 'ontrole de estímulo e medidas associadas. As técnicas de


I iMiliolc de estímulo no tratamento da obesidade devem ser usadas
( m m h ;i|iidar as pacientes a se manterem fiéis ao padrão alimentar

(ttfNcrito (ver detalhes em Mahoney e Mahoney, 1976). Essas téc-


lllt ms podem ser aplicadas individualmente ou em combinação, e
li muso deve ser adaptado às necessidades e circunstâncias indivi-
iliiiiis da paciente. Estas incluem o que se segue:

• Nilo realizar nenhuma outra atividade enquanto estiver comen­


do. A alimentação deve constituir uma “experiência pura”. As
imcientes não devem comer enquanto participam de outra ativi-
tliide (por exemplo, assistir televisão, 1er, falar ao telefone, etc.).
I)evem ser informadas de que quando comem da maneira suge-
I ida estarão evitando o “comer automaticamente” e, como re­
sultado, comerão menos. Passarão a apreciar mais a comida.
I )cvem ser incentivadas a saborear os alimentos.
* Restringir o ato de comer a um cômodo da casa, e neste cômodo
1er um lugar específico para comer. Se possível, esse lugar deve
ser usado somente para se alimentar, e para nenhuma outra
finalidade. Quando estiver comendo, a paciente deve formali­
zar o ato o mais que puder, ao colocar a mesa, etc. Nunca deve
comer no mesmo local onde trabalha (por exemplo, em sua
escrivaninha ou em sua cadeira no local de trabalho).
■ Limitar a quantidade de comida disponível enquanto come.
Por exemplo, se for comer pão, a paciente só deve pegar o
número de fatias desejado e devolver o restante ao lugar onde o
pão é guardado. Se quiser outra fatia, só deve pegá-la depois de
1er comido as fatias que pegou primeiro, não sem antes refletir
sobre a vontade de realmente continuar comendo. (Se o pão
não estiver fatiado, será mais fácil resistir à gula.) O mesmo
princípio se aplica à ingestão de cereais, etc. A comida não de­
ve ficar na mesa em que a paciente está se alimentando. E pre­
ciso que ela se levante e saia de seu lugar se quiser comer mais.
Nunca deve comer diretamente dos recipientes, pois assim fica
difícil saber ao certo a quantidade de comida consumida. Quan­
do estiver comendo sozinha, a paciente deve preparar uma por­
ção por vez.
410 Terapia cognitivo-comportamciilni

• Praticar o hábito de deixar comida no prato. É comum que as


pacientes se sintam culpadas quando deixam comida sem c<>
mer. Devem praticar o hábito de deixar a comida que excedei
suas necessidades. Em geral, vêem isso como um desperdício,
mas é preciso lembrar-lhes que o desperdício é mínimo se com
parado àquilo que comem sem vontade.
• Jogar fora restos de comida. Os restos devem ser descartados e,
se necessário, deve-se fazer com que se tom em incomíveis.
• Limitar a exposição às comidas “perigosas”. A paciente deve
manter o mínimo possível de “comidas problemáticas” em casa
Qualquer alimento desse gênero que precise ser guardado deve
ser mantido longe dos olhos e numa das dependências da casa
(geralmente a cozinha).
• Planejar as compras e manter-se fiel à lista feita em casa. Essa
lista deve ser elaborada após a paciente ter comido, e não quan
do estiver com fome. A paciente nunca deve decidir o que com
prar quando estiver num mercado. Quando fizer compras, a
paciente só deve levar consigo o dinheiro necessário para com
prar os itens constantes na lista. Às vezes, quando o controle
está fraco, o ideal é levar consigo o mínimo de dinheiro possl
vel. Deve também predispor-se a selecionar comidas que preei
sam ser preparadas, em vez daquelas que podem ser consumi
das de imediato.
• Evitar, se possível, dar de comer aos outros. Se as crianças pre
cisam que seu lanche seja embalado, podem muito bem fazê-lo
sozinhas, ou talvez outro membro da família possa ajudar.

3. Comportamento alternativo. Os comportamentos alternali


vos têm vários usos importantes. Primeiro, ajudam as pacientes a
resistir aos impulsos de comer ou vomitar (por exemplo, quando se
sentirem empanturradas). Segundo, podem ser usados preventiva
mente, para diminuir a freqüência da ocorrência de situações pas
síveis de resultar em acessos de alimentação descomedida. Paia
este fim, deve-se pedir à paciente que prepare uma lista de ativida
des que lhe dão prazer, que possam servir como um substituto dir.
episódios de excessos alimentares. Tais atividades podem incltin
iH'iiii b/os alimentares 411

viMiiiis ou telefonemas a amigos, a prática de exercícios, tocar mú-


||t it mi tomar um banho. Tendo elaborado essa lista, deve-se pedir
Apm iente que pratique cada atividade possível sempre que sentir
um impulso de comer demais. Outro uso de comportamento alter-
Hiilivo consiste em aumentar a auto-estima da paciente. Muitas
|Mii lentes apresentam um histórico de abandono de atividades que
Mlilct íormente apreciavam e achavam recompensadoras. O tera-
| h iilii deve estimular a retomada de tais atividades.
4. Orientação sobre vômitos. Algumas pacientes pedem orien-
lm,ilo sobre os vômitos. Em geral, o terapeuta deve enfatizar que é
ptreiso concentrar esforços em modificar os hábitos alimentares, e
h io em parar de vomitar. Com referência à concepção cognitiva, o
lei .ipeuta deve explicar que se a paciente parar de comer em dema-
llii é improvável que continue a vomitar. Entretanto, convém acres-
I ditar que, se a paciente for capaz de reduzir sua freqüência de vô­
mitos, deve fazê-lo. Além disso, ela nunca deve decidir o que co­
mer a partir do pressuposto de que vai vomitar em seguida.
5. Orientação com relação aos laxantes e diuréticos. Tendo
explicado a ineficácia dessas medidas de prevenção da ingestão
ile comida, o terapeuta deve pedir às pacientes que abandonem o
u no e joguem fora seus estoques desses remédios. É surpreenden­

te a quantidade de pacientes que conseguem fazê-lo, embora uma


pequena minoria não o consiga. Deve-se fornecer a essas pacien­
tes um cronograma de descontinuação durante o qual as drogas
Ncjam gradualmente retiradas. Em alguns casos, isso vai resultar
num período temporário de ganho de peso devido à retenção de lí­
quidos.
6. Entrevistas com amigos ou familiares das pacientes. Na
maioria dos casos, em algum momento da última metade do Está­
dio 1 o terapeuta deve organizar uma entrevista conjunta com a pa­
ciente e as pessoas com as quais vive. Os objetivos da entrevista
conjunta consistem em abordar abertamente o problema da pa­
ciente e eliciar um apoio social apropriado. Ao fazer com que a
paciente explique a seus familiares e amigos os princípios do trata­
mento, pode-se ajudá-los a entender de que modo podem cooperar.
Iim geral, é tentador para eles assumir e impor controle sobre o
4 12 Terapia cognitivo-comportamaiinl

consumo alimentar da paciente. Deve-se explicar que o controle


exercido por terceiros é ineficaz a longo prazo, já que a pacienU-
precisa aprender a lidar com o problema por si mesma.

Progresso durante o Estágio 1

Na grande maioria dos casos, o Estágio 1 resulta numa aceii


tuada redução da freqüência de episódios de excessos alimentares
e em uma melhora do humor. Nos casos em que persiste um sigiu
ficativo distúrbio do humor, a possibilidade da existência dc um
distúrbio depressivo concomitante deve ser considerada.
As pacientes cujos hábitos alimentares não tiverem apresen
tado alguma melhora raramente se beneficiam do Estágio 2 do ti ;i
tamento. O terapeuta deve, portanto, reexaminar outras opções de
tratamento. Por exemplo, talvez convenha oferecer à paciente um
período de cuidados de internação durante o qual seja submetida n
controles externos. Alternativamente, o Estágio 1 pode ser esteu
dido por uma semana ou mais. Isso se justifica quando a paciente
tiver alcançado ganhos significativos, mas ainda passar por episo
dios de excessos alimentares pelo menos uma vez por dia. Entre
tanto, deve-se enfatizar que o contato intensivo demorado não e
aconselhável. Se, ao final de oito semanas, os hábitos alimentares
da paciente não tiverem apresentado melhoras significativas, esse
tipo de tratamento deve ser abandonado.

Estágio 2

O Estágio 2 do tratamento dura oito semanas, e as consultas


são feitas com intervalos de uma semana. Em comparação com o
Estágio 1, o tratamento é muito mais cognitivamente orientado
Algumas pacientes reagem de modo adverso à diminuição da li e
qüência das consultas. Nesses casos, a entrevista 9 deve ser dedi
cada à consolidação dos avanços obtidos, e as tarefas de casa de
vem ser semelhantes àquelas anteriormente usadas.
milili bins ulintentares 413

4 eliminação da prática de regimes

I sic c um dos objetivos principais do tratamento. O terapeuta


tlpw lembrar à paciente que a prática de regimes estimula os epi-
ã«mlios de excessos alimentares, sendo portanto essencial que se
ríMiuneie a ela. O abandono dessa prática não significa que ela vá
BfÿcCNsariamente ganhar peso, uma vez que grande parte de sua
lltgestão de calorias terá sido proveniente dos “excessos”. A pa-
I mnto pode ser informada de que, na maioria dos casos, há uma
mudança mínima de peso como resultado do tratamento (ver Fair-
huin 1’tal., 1986è).
A abstenção de tipos de comida específicos, o segundo dos
Ili'N tipos de prática de regime, pode ser avaliada ao se pedir à pa-
I lento que visite um supermercado local e anote todos os alimen­
t a que relutaria em consumir devido a seu possível efeito sobre
Nim forma e seu peso. Os alimentos evitados devem ser classifica­
dos por ordem do grau de relutância que ela apresentaria em co­
lite los, e em seguida categorizados em quatro grupos de dificul-
iliide crescente. A cada semana, o terapeuta deve pedir à paciente
ijiK* coma os alimentos de um dos quatros grupos, começando
pelos mais fáceis e passando para os mais difíceis. Os alimentos
ifcvcm ser consumidos como parte de uma refeição ou lanche pla­
nejados, e somente em ocasiões em que a paciente sentir que tem
um grau razoável de controle sobre o ato de comer. No início, a
ijiiíintidade de comida consumida não é importante, embora a meta
liuid seja a de que a paciente consiga consumir quantidades nor­
mais impunemente.
A eliminação da terceira forma de prática de regime, a restri­
t o do total de alimento consumido, é alcançada de modo equiva­
lente ao da introdução de comidas evitadas. Através do questiona­
mento direto e do exame minucioso das folhas de monitoração,
deve ser possível determinar se a paciente está comendo muito pou-
eo, Se for esse o caso, deve-se pedir a ela que coma mais, até que
esteja consumindo pelo menos 1.500 kcal por dia.
Um pequeno número de pacientes acha impossível obedecer
» essas instruções comportamentais. Podem mostrar-se incapazes
de introduzir “comidas proibidas” ou continuar a comer em exces­
so e, talvez, também a vomitar. Tais pacientes podem beneficiar-se
414 Terapia cognitivo-comportann ‘iitiil

de uma forma de “exposição assistida pelo terapeuta” (Rosen e


Leitenberg, 1985; Wilson, 1988). A paciente consumirá as comi
das evitadas durante as sessões de tratamento, e em seguida soi a
ajudada a combater o impulso de comer em demasia ou vomilai
Essas sessões exigem um planejamento cuidadoso, e a pacicnti*
deve ter plena consciência daquilo que está sendo proposto, bem
como dos fundamentos lógicos de tal prática. A comida a ser iiif.e
rida deve ser consumida no início da sessão, e o resto de tempo
será dedicado a ajudar a paciente a enfrentar os sentimentos reswl
tantes e identificar e questionar os pensamentos associados (ver p
415). Geralmente, uma série de sessões desse tipo se faz necessá
ria, lidando-se com diferentes tipos de alimento a cada vez. En lie
as sessões, a paciente deve praticar a ingestão desses alimentos sem
os subseqüentes episódios de excessos alimentares ou vômitos, e
sem perturbar seu padrão regular de alimentação.
As pacientes devem ser estimuladas a afrouxar outros conlm
les sobre o consumo alimentar. Por exemplo, algumas pacienlcs
extremamente preocupadas com a questão das calorias não goslam
de comer alimentos cujo teor calórico seja incerto. Podem até insis
tir em preparar sua própria comida para se assegurarem dc sua
composição. Tais pacientes devem ser encorajadas a comer alimen
tos cujo teor calórico seja de difícil determinação. Todas as pacicn
tes devem praticar o ato de comer em uma variedade de diferentes
circunstâncias (por exemplo, restaurantes, jantares, piqueniques), e
devem tentar alimentar-se do modo mais variado possível.

Reestruturação cognitiva

No início do Estágio 2, a paciente deve estar pronta paru


aprender a questionar os pensamentos problemáticos. Os princl
pios usados são semelhantes àqueles descritos nos Capítulos 3 e (>
As “cognições distorcidas” das pacientes com anorexia nervosa e
bulimia nervosa são relativamente estereotipadas, e foram desci il»
em detalhes em outras fontes (Fairburn et al., 1986a; Garnei e
Bemis, 1982, 1985). Exemplos típicos dessas distorções são il us
trados no Quadro 8.5. Três procedimentos podem ser usados paia
evocar os pensamentos problemáticos.
I >1stúrbios alimentares 415

1. Deve-se dar à paciente exercícios de casa que sejam capa-


:vs de provocar pensamentos problemáticos. Tais exercícios in-
I liiem a medição de peso semanal, o consumo de um “alimento
proibido”, ou que tenha um teor calórico desconhecido, a auto-ins-
peção em um espelho de corpo inteiro, a comparação de sua apa-
iiincia com a de outras mulheres, roupas que revelem a forma do
corpo (por exemplo, colantes ou maiôs), e a participação em ativi-
iliules que sugiram comparações com a forma de outras pessoas
(por exemplo, aulas de ginástica) ou a prova de roupas em lojas.
1)eve-se pedir à paciente que registre em suas folhas de monitora­
d o os pensamentos que lhe passaram pela cabeça quando fizeram
luis exercícios.
2. Deve-se pedir à paciente que registre seus pensamentos em
vertas circunstâncias de ocorrência natural. As situações mais
comumente associadas aos pensamentos problemáticos incluem a
“ingestão excessiva” (ressaltada por um asterisco na folha de
monitoração), a visão de sua imagem no espelho e a recepção de
comentários sobre sua aparência.
3. Pensamentos podem ser provocados na sessão de trata­
mento. Por exemplo, pode-se pedir à paciente que imagine que lhe
disseram parecer mais “saudável” do que antes, ou que seu apetite
"melhorou”. Alternativamente, pode imaginar-se vestindo roupas
que ficam apertadas ou descobrindo que seu peso aumentou.

Ao identificar um pensamento problemático, este deve ser


examinado. Há quatro passos nesse processo:

1. O pensamento deve ser reduzido à sua essência. Por exem­


plo, o pensamento “Sinto-me gorda” pode ter vários significados
diferentes, inclusive “Estou acima do peso”, “Pareço estar acima
do peso para mim”, “Pareço estar acima do peso para os outros”,
ou pode referir-se a estados afetivos desagradáveis, que levem a
paciente a sentir-se feia.
2. Argumentos e indícios que fundamentam o pensamento de­
vem ser dispostos p o r ordem. Por exemplo, se a paciente ganhou
peso seria possível dizer que esse fato corrobora o pensamento
416 Terapia cognitivo-comportameniul

Quadro 8.5 Distorções cognitivas típicas de pacientes com anorexia nervosa


ou bulimia nervosa (reproduzido a partir de Gamer e Bemis, 1982)

ou basear uma conclusão em detalhes isolados enquanto se ignoram


A b stra ç ã o sele tiv a ,
indícios contraditórios mais evidentes.
Exemplos:
“Simplesmente não consigo me controlar. Ontem à noite, quando jantei num restau
rante, comi tudo o que me foi servido, embora tivesse decidido antecipadamente que
seria muito cuidadosa. Sou tão fraca.”
“O único modo como posso assumir o controle da situação é através da alimentação "
“Serei especial se emagrecer.”
ou inferir uma regra com base em um único fato e aplicá-la a ou
H ip e rg e n e ra liza ç ã o ,
tras situação não semelhantes.
Exemplos:
“Quando costumava comer carboidratos, era gorda; portanto, devo evitá-los para
não ficar obesa.”
“Costumava ter um peso normal, e não era feliz. Então sei que ganhar peso não fai ii
com que me sinta melhor.”
ou superestimação da importância de fatos resultantes indesejáveis. ( )s
M a g n ifica ç ã o ,
estímulos são acrescidos de significados que não são confirmados por uma análise
objetiva.
Exemplos:
“Engordar 2 kg me levaria a ultrapasar o limite.”
“Se os outros fizerem comentários sobre meu ganho de peso, não vou suportar.”
“Engordei 1 kg, então não posso mais usar sh o rts."
R a c io c ín io d ic o tô m ic o (ou tu d o -o u -n a d a ) , ou
pensar em termos extremos e absolutos
Os eventos só podem ser pretos ou brancos, certos ou errados, bons ou maus.
Exemplos:
“Se não tenho o controle total, perco todo o controle. Se não puder dominar essu
parte de minha vida, perderei tudo.”
“Se engordar V2 kg, engordarei 50 kg.”
“Se não estabelecer uma rotina diária, tudo será caótico e não realizarei nada.”
ou interpretações egocêntricas de eventos interpes
P e rso n a liza ç ã o e a u to -referên cia ,
soais, ou interpretação excessiva de eventos relacionados ao eu.
Exemplos:
“Duas pessoas riram e cochicharam alguma coisa enquanto eu passava. Provii
velmente estavam dizendo que sou feia. Engordei 1,5 kg.”
“Fico constrangida quando os outros me vêem comer.”
“Quando vejo alguém que está acima do peso, tenho medo de ficar assim.”
ou acreditar numa relação de causa e efeito de fatos que carc
P e n sa m en to irra cio n a l,
cem de lógica.
Exemplos:
“Não posso apreciar nada, pois tudo de que gosto acaba num piscar de olhos.”
“Se comer um doce, ele se converterá imediatamente em gordura.”
417
I M s im hios alimentares

I linn engordando”, sobretudo se o ganho de peso resultou em


mIu",idadeno passado.
Argumentos e indícios que lançam dúvidas quanto ao pen-
Mimcnto devem ser identificados. Para usarmos o exemplo ante-
I ii h . se a paciente só tiver engordado alguns quilos, isso não pode
ii I iissociado à obesidade iminente. A noção de estar “engordan­
do" deve ser examinada e operacionalizada. Fazendo uso do ques­
tionamento socrático a paciente deve ser estimulada a considerar
( m i s questões da seguinte forma: “Em que estágio uma pessoa se

lot na ‘gorda’?”, “A ‘gordura’ pode ser reduzida a uma forma ou


um peso específicos (por exemplo, tamanho de roupas)?”, e “Se
ivisim for, estarei de fato me aproximando dessa forma ou desse
peso?”. Ao contra-argumentar, a paciente deve considerar o que
uniras pessoas pensariam dessa mesma situação. Os outros con-
rluiriam estar engordando se tivessem ganhado apenas alguns
poucos quilos? A paciente deve se perguntar se está aplicando um
conjunto de padrões a si mesma enquanto aplica um conjunto
menos rígido aos outros. Deve verificar se não está confundindo a
impressão subjetiva (por exemplo, sentir-se gorda) com uma reali­
dade objetiva (por exemplo, estar estatisticamente acima do peso).
I )eve atentar para erros de atribuição: por exemplo, o ganho de
peso poderia ser resultado de retenção de líquidos menstruais, e
ndo de uma alimentação excessiva? Além disso, poderia verificar
"orros de raciocínio”; por exemplo, pode haver raciocínio dicotô­
mico, abstração seletiva ou hipergeneralização (ver Quadro 8.5).
4. A paciente deve querer chegar a uma conclusão racional
que seja então usada para governar o seu comportamento. Essa
conclusão deve fornecer uma resposta ao pensamento problemáti­
co específico. Algumas pacientes podem optar por repetir essa res­
posta toda vez que o pensamento ocorrer.

Ocasionalmente, os experimentos comportamentais podem


ser usados como um meio de obter informações suplementares im­
portantes para o pensamento em questão. Por exemplo, muitas
pacientes estão convencidas de que estão gordas, ou que partes de
seu corpo estão gordas. É comum que nunca tenham discutido esse
pensamento antes. Em tais casos, pode ser apropriado sugerir que
418 Terapia cognitivo-comportamenlal

a paciente peça a uma amiga confiável que lhe dê sua opinião siu
cera sobre sua aparência. É também comum que as pacientes ins is
tam em afirmar que estão “gordas” em alguns dias, e “magras” ou
“menos gordas” em outros. Essa proposição pode ser testada ao se
sugerir que, por um período de uma semana ou duas, a pacienlc
decida a cada manhã se está ou não “gorda”, e então verifique se
essa impressão realmente corresponde ao seu peso. Quase ínvaria
velmente, constata-se que não há uma relação exata entre uma coi
sa e outra.
Uma vez que a paciente tiver aprendido a examinar os pensa­
mentos problemáticos durante as sessões, deve praticar a técnica
por conta própria, anotando os passos no verso da folha de monito­
ração do dia. Deve ser estimulada a praticar essa técnica o mais
freqüentemente possível, e suas tentativas devem ser examinadas a
cada sessão de tratamento.
As técnicas para identificação e questionamento de posturas
problemáticas também se assemelham àquelas utilizadas em ou­
tros distúrbios (ver Capítulos 3 e 6). No caso de pacientes com ano­
rexia nervosa e bulimia nervosa, exemplos típicos incluem o que
se segue:

• Preciso ser magra, pois ser magra é ser bem sucedida, atraente e
feliz.
• Não posso evitar ser gorda, pois ser gorda é ser um fracasso,
feia e infeliz.
• A indulgência comigo mesma é ruim, pois é sinal de fraqueza.
• O autocontrole é bom, pois é sinal de força e disciplina.
• Tudo que representar menos que o sucesso total constitui uni
fracasso total.

Claramente, essas crenças e valores são formas extremas de


opiniões amplamente aceitas. Tornam-se problemáticas devido à
sua força, sua importância pessoal e sua inflexibilidade. Ao exa­
minar e questionar tais posturas, é importante que o terapeuta aju
de a paciente a refletir sobre o que ganha ao se manter fiel a elas.
Por exemplo, ao julgar seu valor pessoal em termos de forma e pe
so, a paciente passa a ter uma medida objetiva e simples de seus
pontos fortes e suas fraquezas. Ao demonstrar que é capaz de in-
I tlUiirhíos alimentares 419

Municiar sua forma e seu peso, e superar sua necessidade de co­


mer, está demonstrando que é capaz de exercer controle sobre sua
Vltlii. Ao concluir que é “gorda”, está dando a si mesma um pretex­
to conveniente para um grande número de problemas interpes­
soais. Geralmente, fica claro que a maioria dos benefícios dá-se a
I ui lo prazo. Por outro lado, as conseqüências a longo prazo são
ijiiase sempre desvantajosas. O terapeuta deve tentar ajudar a pa-
iiente a articular essas desvantagens. Por exemplo, quase todas as
(liieientes vão admitir que talvez nunca fiquem satisfeitas com sua
Im ma ou seu peso. Assim, se conservarem um sistema de crenças
I' valores no qual se atribui alta prioridade à forma e ao peso, é pro­
vável que permaneçam eternamente insatisfeitas consigo mesmas.
Além disso, ao se preocuparem com forma e peso, as pacientes
deixam de reconhecer e lidar com problemas mais fundamentais
t otno, por exemplo, a falta de confiança, a baixa auto-estima e as
dificuldades de relacionamento.
Na maioria dos casos, a origem das crenças e valores das pa-
dentes também pode ser explorada de modo proveitoso. Isso ajuda
it paciente a adquirir uma compreensão do desenvolvimento e de
manutenção do problema, conferindo-lhe assim um senso de do­
mínio sobre o passado e dando-lhe alguma orientação quanto à
maneira de assegurar-se de que o problema não voltará a acontecer
no futuro. Convém pedir à paciente, portanto, que reflita sobre a
evolução do problema alimentar. Deve considerar suas raízes mais
remotas, a influência de sua família e dos conhecidos, e o papel
das pressões sociais para ser esbelta. Deve fazer uma distinção en­
tre fatores que talvez tenham contribuído para o desenvolvimento
do problema, e fatores que serviram para mantê-lo. Algumas pa­
cientes se tomam particularmente interessadas pela influência dos
fatores socioculturais. Pode-se recomendar-lhes a leitura de livros
como: Fat is a Feminist Issue (Orbach, 1978), Womansize (Chemin,
1983), Hunger Strike (Orbach, 1986) e Never Satisfied (Schwartz,
1986). Entretanto, devem ser instmídas a não seguir a orientação
contida nesses livros sem antes discutir a questão com o terapeuta.
Ao examinar pensamentos e posturas problemáticas, é sempre
essencial que se tirem conclusões. Em geral, o terapeuta deve esti­
mular a paciente a adotar crenças e valores menos radicais, mais fle­
xíveis. Por exemplo, com relação à questão do autocontrole, a pa­
420 Terapia cognitivo-comportameniul

ciente pode concluir que um certo grau desse atributo é desejável,


mas que é contraproducente exigir-se um total autocontrole em lo
das as esferas e em todos os momentos. Tendo chegado a uma con
clusão, a paciente deve tê-la sempre em mente e usá-la para dirigii
seu comportamento. Ocasionalmente, isso pode significar que ela
deva comportar-se de uma maneira que lhe pareça adventícia. Por
exemplo, se a paciente descobre que engordou um pouco, pode
optar por vestir roupas que ressaltem suas formas, e não roupas que
as disfarcem. Esse comportamento seria compatível com a conclu
são de que “Nunca devo avaliar-me em termos de forma e peso”.
Algumas pacientes oferecem resistência à reestruturação cog
nitiva. Em geral, essa resistência provém do medo do desconheci
do, um sentimento de que a terapia está se tornando inaceitavel
mente inoportuna, e uma percepção de que certos aspectos funda
mentais e particulares de sua pessoa serão abertamente expostos
Essa relutância em ingressar na reestruturação cognitiva é com­
preensível. Não obstante, as pacientes devem ser lembradas dos
fundamentos lógicos para a exploração de seus pensamentos e suas
posturas, e devem ser estimuladas a aventurar-se nesse empreendi
mento. Geralmente, sua reticência diminui depois de uma ou duas
sessões, em especial quando os benefícios potenciais de tal expio
ração se tornam evidentes.
Uma minoria de pacientes parece incapaz de envolver-se em
tarefas cognitivamente orientadas. Embora pareçam compreendei
seus fundamentos lógicos e estejam dispostas a fazer os exercícios
de casa necessários, parecem incapazes de identificar seus pensa
mentos. Essa incapacidade de examinar os processos cognitivos tie
maneira eficaz frustra a reestruturação cognitiva. No caso dessas
pacientes, é mais indicado que essa parte do tratamento seja abau
donada; em vez disso, o terapeuta deve se concentrar nas interven
ções comportamentais que apresentam maiores probabilidades de
promover uma mudança cognitiva.

A abordagem de outras distorções cognitivas

Em alguns casos, mas não em todos, é importante abordai


distorções cognitivas não relacionadas à psicopatologia especifica
do problema alimentar. A mais comum é a auto-avaliação negai i
I )t\liirblos alimentares 421

\ -I ( Ultras freqüentemente encontradas incluem a falta de seguran-


(,ii i' o extremo perfeccionismo (ver, em Gam er e Bemis, 1985, de-
liillics de uma abordagem cognitivo-comportamental para seu tra-
lllllll'llto).

( ) ii vinamento na resolução de problemas

Se a paciente estiver comendo excessivamente e fazendo-o de


tiuulo intermitente, não regular, as circunstâncias sob as quais se
iln li ocorrência desses episódios devem ser esclarecidas. Treinar a
paciente para a resolução de problemas tem por objetivo ajudá-la a
enfrentar essas circunstâncias, oferecendo-lhe uma técnica para
Ildar com dificuldades que, de outra forma, teriam resultado em
episódios de excessos alimentares. O procedimento utilizado asse­
melha-se àquele descrito no Capítulo 12.
A partir das folhas de monitoração, o terapeuta deve identifi­
cai um episódio de controle deficiente sobre o consumo alimentar
i* seus précipitantes. Então, fazendo uso desse exemplo, o terapeu-
i.i deve ensinar à paciente os princípios da resolução de problemas.
( ) lerapeuta deve explicar que, embora muitos problemas pareçam
Mviissaladores de início, se forem abordados sistematicamente aca­
bam por tomar-se quase sempre controláveis. O treinamento vi­
sando a resolução de problemas destina-se a ajudar a paciente a li­
dar com as dificuldades do dia-a-dia.
A resolução de problemas é um processo lógico que segue cer-
los passos ditados pelo bom senso. São eles:

Passo 1. O problema deve ser identificado e especificado o


mais precisamente possível. Pode-se descobrir que existem dois ou
mais problemas concomitantes, caso em que cada um deve ser con­
siderado por sua vez. Expressar o problema de outra maneira pode
ser útil.
Passo 2. É preciso identificar maneiras alternativas de enfren­
tar o problema. A paciente deve produzir o maior número de solu­
ções possíveis. Algumas soluções podem parecer disparatadas ou
impraticáveis de imediato. Não obstante, devem ser incluídas na
lista de alternativas possíveis. Quanto mais soluções forem cria­
das, maior será a possibilidade de surgir uma boa solução.
422 Terapia cognitivo-comportameniul

Passo 3. A eficácia e os aspectos práticos prováveis de cada


solução potencial devem ser considerados.
Passo 4. Deve-se escolher uma alternativa. Esse processo é
quase sempre intuitivo. Às vezes o melhor a fazer é combinar so
luções.
Passo 5. Os passos necessários para se pôr em prática a solu
ção escolhida devem ser definidos.
Passo 6. Deve-se agir de acordo com a solução encontrada.
Passo 7. Todo o processo de resolução de problemas deve sei
avaliado no dia seguinte, à luz dos eventos subseqüentes. A pa
ciente deve ser estimulada a reexaminar cada passo da resolução
de problemas e decidir de que modo o processo poderia ser aper-
feiçoado.

A paciente deve ser incentivada a praticar a resolução de pro


blemas sempre que houver oportunidade. Se alguma dificuldade
ocorrer ou for prevista, a paciente deve escrever “problema” na
coluna 6 de sua folha de monitoração; depois, no verso, escrcvci
cada um dos passos da resolução de problemas. Deve ser informa
da de que suas habilidades de resolução de problemas se aperfci
çoarão com a prática, e de que a técnica pode ser aplicada a qual
quer dificuldade de seu cotidiano. Se utilizar a técnica de maneira
eficaz, aperfeiçoará sua capacidade de enfrentar situações que an
teriormente a teriam levado a episódios de excessos alimentares.
Além disso, encorajá-la a atentar para dificuldades previsíveis deve
resultar numa redução da freqüência com que os problemas poten
ciais surgem.

Abordar a percepção errônea e a


depreciação da imagem do corpo

Algumas pacientes com bulimia nervosa exibem uma inequl


voca percepção errônea da imagem do corpo, superestimando o la
manho de todo o seu corpo ou de parte dele. A experiência clínii .i
com pacientes com anorexia nervosa sugere que esse distúrbio nao
11hlw hios alimentares 423

tmtmegue responder à modificação direta (Garfinkei e Garner,


IUH.’), e temos a impressão de que o mesmo se aplica aos pacien-
l#s com bulimia nervosa. Todavia, indícios preliminares sugerem
i|m\ no caso de pacientes que respondem aos tratamentos psicoló­
gicos, as percepções errôneas da imagem do corpo se resolvem
»cm a necessidade de intervenções específicas (Cooper e Steere,
Pin preparo). Se o fenômeno for particularmente proeminente, o
timipeuta deve ajudar a paciente a reconhecer a percepção errônea
p ti funcionar a despeito dela. Deve-se proporcionar à paciente to-
ilii'. us evidências que indiquem que está percebendo seu corpo de
forma equivocada, e ela deve ser incentivada a reatribuir essa má
percepção ao seu distúrbio alimentar. Como sugerido por G am er e
Hcrnis (1982), deve ser informada de que age como se fosse dalto­
nien com relação à sua forma. Sempre que se considera gorda,
ileve lembrar-se de que percebe sua forma de maneira errônea, e
t|iie deve julgar seu tamanho tanto de acordo com as opiniões de
outras pessoas confiáveis quanto com base em informações obti-
tliis pela medição de peso semanal.
O termo “depreciação da imagem do corpo” se refere a senti­
mentos de extrema repulsa pelo próprio corpo. Não é freqüente­
mente encontrada na anorexia nervosa, mas está presente em al-
yiins pacientes com bulimia nervosa. Em geral, as pacientes com
sentimentos de depreciação da imagem do corpo fazem o máximo
p a ra evitar a visão de seus corpos. Por exemplo, podem se vestir ou
se despir no escuro; podem evitar espelhos; podem vestir roupas
disformes e, nos casos mais extremos, tomar banho de banheira ou
chuveiro vestidas com uma camisola. O tratamento envolve a “ex­
posição”. Em vez de evitar a visão do próprio corpo, a paciente
»leve buscar oportunidades de vê-lo e mostrá-lo; por exemplo, ao
olhar-se em espelhos, freqüentar piscinas públicas ou saunas, ou
iiil las de ginástica aeróbica.

I’rogressos durante o Estágio 2

Na grande maioria dos casos, o Estágio 2 resulta numa conso­


lidação dos ganhos obtidos durante a primeira fase do tratamento.
Os episódios de excessos alimentares se tom am infreqüentes ou
424 Terapia cognitivo-comportanicnhil

cessam de vez, enquanto os problemas e as posturas problemática',


com relação à forma e ao peso do corpo ficam menos proemincn
tes. Há casos nos quais o progresso é suficientemente rápido para
justificar uma abreviação do curso do tratamento. Entretanto, o
terapeuta deve ser cauteloso ao julgar o progresso simplesmente
em termos comportamentais. É bem possível que a paciente apiv
sente melhoras comportamentais enquanto conserva as postura.
problemáticas que, de acordo com a concepção cognitiva, mantêm
o distúrbio. Nesses casos, o progresso talvez seja simulado ou ele
mero. Por outro lado, se alguns problemas cognitivos ou compoi
tamentais permanecerem apesar da conclusão do Estágio 2, isso
não constitui, necessariamente, uma indicação de que o tratamento
deve ser ampliado. A experiência sugere que pouco se ganha com
o aumento do prazo de tratamentos.

Estágio 3

O Estágio 3, o estágio final do tratamento, consiste em três


entrevistas com intervalos quinzenais. O objetivo desse estágio c
assegurar que o progresso se mantenha em seguida ao encerramen
to. No caso de pacientes que ainda estejam sintomáticos (a maioria )
e preocupados com a perspectiva de terminar o tratamento, é neces
sário reconfortá-los quanto ao fato de haver uma melhora contínua
em seguida ao término do tratamento (ver Fairburn et al., 1986/?).

Preparação para dificuldades futuras ( “prevenção de recaída ")

É de suma importância assegurar que as expectativas da pa


ciente são realistas. A maioria das pacientes espera nunca mai
comer em demasia, vomitar ou tomar laxantes. Essa expectativa
deve ser contestada, uma vez que as torna vulneráveis a reagir ile
forma catastrófica a qualquer lapso no qual veriam uma volta a
seus sintomas como sinal de uma total recaída. A distinção entre
“lapso” e “recaída” deve ser discutida (ver Marlatt e Gordon, 1985.
Brownell, Marlatt, Lichtenstein e Wilson, 1986). Subjacente ao
primeiro termo está a idéia de que existem graus de agravamento
enquanto o último traz a conotação de que ou se está “doente” ou
I II [lin bins alimentares 425

"brin". Os dois termos também têm diferentes implicações com


Ivluçflo à capacidade de a paciente influenciar a situação: um “lap­
in" ou “deslize” pode ser corrigido, enquanto uma “recaída” im­
plica a necessidade de ajuda externa.
A paciente deve ser lembrada de que às vezes a maioria das
pessoas “come em demasia”, e que isso não é nem anormal nem
um sinal de que o controle sobre o consumo alimentar está se dete-
Iim undo. As pacientes tendem a mostrar-se excessivamente sensí­
veis a qualquer sinal de que estejam “comendo em demasia”, e são
piopensas a rotular a ingestão excessiva (porém normal) de ali­
mentos como “episódios de excessos alimentares”, o que não é
ü»rreto. As pacientes devem ser capazes de permitir-se o comer
fin demasia de vez em quando, sem ver esse procedimento de ma­
neira negativa.
Durante o estágio final do tratamento, deve-se pedir às pa­
cientes que considerem quais medidas terapêuticas acharam mais
proveitosas. Devem preparar por escrito um plano para lidar, no
luturo, com as ocasiões em que sentirem que sua alimentação está
se tomando um problema. Na penúltima sessão, esse plano deve
ser discutido detalhadamente e, com base nessa discussão, a pa­
ciente e o terapeuta devem elaborar uma “folha de manutenção” na
qual o plano seja formalmente delineado.
Ao discutir o futuro, é preciso dizer à paciente que espere por
contratempos ocasionais. O problema alimentar constituirá um
calcanhar de Aquiles, uma vez que a ingestão de alimentos e/ou os
vômitos provavelmente continuem sendo sua resposta ao estresse.
IVpreciso lembrar-lhe que desenvolveu habilidades para lidar com
o problema alimentar durante o tratamento, e que deve ser capaz
de utilizá-las novamente. Além disso, deve ser estimulada a reexa­
minar o porquê da ocorrência de quaisquer contratempos e o modo
como poderia evitar sua recorrência no futuro.
Como questão de rotina, os riscos da prática de dietas devem
ser enfatizados novamente. É preciso explicar que a paciente pode
às vezes sentir-se tentada a fazer regimes em algum período no
futuro (por exemplo, após o parto), mas que deve ter sérias reser­
vas com relação a eles. Indicações razoáveis para a prática de regi­
mes devem ser discutidas, mas só no caso de a paciente estar clara­
mente acima de seu peso ideal, ou de haver razões médicas que
justifiquem o regime.
426 Terapia cognitivo-comportann 'M ul

Subgrupos difíceis de pacientes com bulim ia nervosa

Certos subgrupos bem estabelecidos de pacientes com buli


mia nervosa têm necessidades especiais, e seu tratamento deve sei
modificado de acordo com essas necessidades. Em geral, o traiu
mento desses pacientes leva mais tempo do que os casos “não
complicados”.

Paciente abaixo do peso (80% abaixo do peso padrão)

Costumava-se ver esses pacientes como pertencentes ao clui


mado “grupo bulímico” de pacientes com anorexia nervosa. I ui
seu caso, a ênfase inicial está na restauração do peso (ver p. 433 ).
embora isso possa ser feito em combinação com os elementos do
Estágio 1.

Pacientes acima do peso (120% acima do peso padrão)

Esses pacientes são particularmente difíceis de tratar. O esta


belecimento de um objetivo de variação de peso razoável é muitas
vezes problemático, tendo em vista que uma variação alta quase
sempre parece ser apropriada, e o incentivo a não fazer regimes
invariavelmente encontra resistências. Se um certo grau de resti i
ção dietética parecer apropriado, pode-se optar por um regime quo
não apresente probabilidades de estimular os episódios de exces­
sos alimentares. Em geral, é melhor recomendar a diminuição do
tamanho das porções, em vez de pedir que a paciente evite quais­
quer alimentos específicos ou deixe de fazer refeições ou lanches
Ao mesmo tempo, devem ser ajudadas a aumentar seu nível diário
de dispêndio de energia.

Pacientes com “impulsos múltiplos”

Uma pequena minoria de pacientes com bulimia nervosa tain


bém é dependente de álcool ou drogas, e alguns mencionam dilí
culdades em controlar os “impulsos” (Lacey e Evans, 1986). I m
f o m !'i«s alimentares 427

gci ni, ò preciso lidar com o problema do álcool ou das drogas antes
tin uliordagem dos problemas alimentares. Um período de intema-
VÄHpode ser indicado.

1’iirlciites diabéticos

(guando a bulimia nervosa e o diabetes coexistem, é comum


lutvci uma interação negativa entre os dois distúrbios. Como Szmuk-
lt I (1984) observa, “Raramente, ou jamais, se encontrará uma
ilitrnça que seja tão claramente usada a serviço da outra”. Alguns
lim ientes diabéticos, por exemplo, se aproveitam das propriedades
tie perda de peso de sua doença em suas tentativas de emagrecer:
«'li desejo de tomar-se esbeltos suplanta o desejo de ter uma boa
Miiúdc física. O tratamento desses pacientes é complicado. Faz-se
necessária uma estreita cooperação entre o terapeuta e o clínico, e
»'Me último deve aceitar, durante o decorrer do tratamento, a inci-
ili'ncia quase inevitável de períodos de baixo controle glicêmico.

1'inientes com auto-avaiiação negativa persistente

Alguns pacientes com bulimia nervosa têm uma tendência a


|iilgar-se de maneira particularmente severa. Avaliam negativamen­
te Iodos os aspectos de si mesmos, algo que em geral já vêm fazendo
hiLmuitos anos. Esses pacientes respondem pior aos tratamentos psi­
cológicos a curto prazo (Fairburn, Kirk, O ’Connor, Anastasiades e
( ooper, 1987). Alguns se beneficiam de uma psicoterapia cogniti-
vamente orientada do tipo descrito por Gamer e Bemis (1985).

Terapia de grupo, tratam ento de internação e uso


de drogas no tratam ento da bulim ia nervosa

Há várias razões para que a terapia de grupo para pacientes


coin bulimia nervosa seja uma proposta atraente. Além do baixo
custo e dos bons resultados, a terapia de grupo pode ajudar a redu­
428 Terapia cognitivo-comportanicnhil

zir o sentimento de vergonha e isolamento desses pacientes e, dado


que certos procedimentos do tratamento são usados de modo pn
dronizado (por exemplo, educação, procedimentos para o estabe­
lecimento de uma alimentação regular e aqueles que se destinam ,i
lidar com a prática de regimes), parece razoável esperar que esse
tipo de terapia seja tão eficaz quanto o tratamento individual. ( >•<
dados sugerem não ser esse o caso (Garner, Fairbum e Davis, 1987)
O problema principal é que há um alto índice de atrito no train
mento em grupo. Parece que a terapia de grupo não é bem tolenuln
por esses pacientes. Até o momento, não se fez nenhuma comparu
ção de uma versão em grupo e uma versão individual do mesmo
programa de tratamento.
As limitadas indicações para o tratamento de internação já lo
ram aqui discutidas. Em geral, deve ser breve e visto como um pas
so preliminar aos cuidados ambulatoriais. Apesar de comunicuie
trazerem alívio aos pacientes, os controles externos proporciona
dos pelo ambiente hospitalar podem iludi-los (e também à equipe
médica), levando-os a pensar que o poblema está sendo resolvido
A estrutura hospitalar realmente permite que o paciente seja intro
duzido tanto a um padrão alimentar regular quanto ao consumo dc
uma dieta balanceada, e nesse ambiente alguma mudança cognili
va também pode ser obtida, mas o hospital raramente se mostra um
ambiente adequado para que os pacientes aprendam a controlai' seu
consumo alimentar. Por esse motivo, é alto o risco de recaída de
pois que os pacientes tiveram alta. Um período de transição de
atendimento diário pode ser benéfico já que permite a transferêu
cia gradual do controle sobre o consumo alimentar, do hospital paru
o paciente, ao mesmo tempo que o expõe a algumas das dificuldn
des da vida cotidiana.
Com relação aos tratamentos farmacológicos, as únicas dro
gas que se mostraram promissoras no tratamento da bulimia nervo
sa são os antidepressivos (Agras e McCann, 1987). Tem-se afirma
do que constituem um tratamento específico para o distúrbio. As
pesquisas até hoje feitas indicam que são superiores ao placebo,
mesmo naqueles pacientes que não apresentam sintomas depressi
vos significativos. Poucos pacientes, porém, têm uma recuperaçno
completa, e ainda assim as perturbações com relação à forma c m>
peso tendem a persistir. Não houve nenhuma pesquisa sistemálii ,i
(ttitin/'/i « alimentares 429

ai line a manutenção da mudança com o tratamento medieamento-


i'i. nssim como não foram investigados os efeitos da descontinua-
trtti (In droga. A impressão clínica é que os benefícios obtidos atra-
vím do tratamento medicamentoso tendem a se perder uma vez que
m lemédios sejam descontinuados. Por esse motivo, sugerimos que
tm drogas antidepressivas só sejam indicadas aos pacientes que se
iedita apresentarem um distúrbio depressivo concomitante. Em
Mt Iill, esses pacientes se beneficiam do tratamento com antidepres-
ílvus, mas quase sempre também precisam de tratamento para o
pmblema alimentar em si, nas linhas já descritas.

f / tratamento da anorexia nervosa

Poucas pesquisas sistemáticas foram realizadas sobre o trata­


mento da anorexia nervosa. Portanto, as recomendações seguras
t|uunt0 ao modo de lidar com esse problema têm de se basear prin-
• ipnlmente na experiência clínica. A principal razão da relativa
Iiilla de pesquisas remete ao fato de que o tratamento da anorexia
nervosa leva, no mínimo, muitos meses, e fazer um estudo de tra-
liimento durante período tão longo apresenta dificuldades conside-
liiveis. Os estudos até hoje feitos geralmente enfocam o tratamento
tlc um único aspecto do distúrbio (a perda de peso, por exemplo), e
ns descobertas têm elucidado, de modo correspondente, somente
nlguns poucos aspectos do manejo geral do problema. Não há, por-
Innto, nenhuma abordagem abrangente do tratamento que tenha
por base uma sólida pesquisa empírica. Pelo contrário, as reco­
mendações terapêuticas provêm, em grande parte, da experiência
dc clínicos que se especializam no tratamento dessas pacientes.
I mbora essas recomendações representem uma ajuda considerá­
vel para o clínico não-especialista, devem ser consideradas com
um certo cuidado, já que os peritos tendem a mencionar um núme­
ro desproporcional de casos difíceis e graves. Isso talvez explique
li ênfase dada pela literatura ao tratamento hospitalar, embora os
estudos de resultados provenientes de centros não especializados
indiquem que a maioria das pacientes pode ser controlada em base
ambulatorial (por exemplo, Morgan, Purgold e Welbourne, 1983).
43 0 Terapia cognitivo-comportameniul

Embora haja opiniões extremamente divergentes quanto à na


tureza da anorexia nervosa, há um consenso com relação às áreas
de distúrbio que precisam ser abordadas no tratamento. Primeiro,
há o problema de o distúrbio ser “egossintônico”, sem que as pa
cientes reconheçam que precisam de ajuda. Uma vez superada
essa dificuldade, uma tarefa central é lidar com o estado de inani­
ção e tratar as complicações físicas que requerem atenção. Já que
essas pacientes apresentam hábitos alimentares marcadamenle
perturbados, e praticam uma série de métodos extremos de contro
le de peso, esses comportamentos precisam ser abordados, assim
como as posturas problemáticas com relação à forma e ao peso
Sintomas psicológicos gerais, normalmente de natureza afetiva ou
obsessiva, às vezes também requerem atenção. Por último, os rela
cionamentos na esfera familiar das pacientes são quase sempre
tumultuados, assim como o seu funcionamento interpessoal geral
O restante deste capítulo vai apresentar diretrizes gerais para se
lidar com cada uma dessas áreas.

O contexto do tratamento

O tratamento pode ser feito em forma de hospitalização, aten


dimento diário e ambulatorial. O contexto apropriado depende do
estado clínico da paciente e, claro, dos meios disponíveis. Há seis
indicações principais para a internação hospitalar. Primeiro, as
pacientes devem ser admitidas se a perda de peso for grande. A
título de diretriz geral, um peso corporal inferior a 60% da média
para a idade, sexo e altura constitui uma indicação para a interna
ção. Segundo, se a perda de peso estiver ocorrendo em ritmo ace
lerado, a internação deve ser considerada. Terceiro, as pacientes
com complicações físicas que oferecem riscos de vida (por exem
pio, hipocaliemia grave) precisam de tratamento médico hospita
lar. Quarto, as pacientes que apresentam risco de suicídio geral
mente requerem internação. Quinto, algumas pacientes talvez cli­
vam ser internadas porque, por uma série de razões, suas circuns
tâncias sociais não são compatíveis ao controle ambulatorial. I i
nalmente, algumas pacientes que não responderam ao tratamento
ambulatorial podem beneficiar-se de um período de internação
I hum bios alimentares 431

Mp n i i i o se a hospitalização for necessária, entretanto, convém lem-


iti ui i|ue o tratamento de internação é um passo preliminar aos cui-
IIndus ambulatoriais, que é sempre o sustentáculo do tratamento.
l’ouco se tem escrito sobre o tratamento de atendimento diá-
I in de pacientes com anorexia nervosa, e não se tem conhecimento
ile algum trabalho empírico sobre o assunto. E provável que a in­
ternação hospitalar possa, em muitos casos, ser evitada se houver
disponibilidade de recursos de atendimento diário especializados.
As vantagens potenciais do atendimento diário ainda têm de ser
plenamente exploradas.

Modalidade de tratamento

Uma ampla variedade de tratamentos tem sido indicada para a


iinorexia nervosa. A base da internação são os cuidados de enfer­
magem. Em geral, tais cuidados serão suficientes para garantir um
ganho de peso satisfatório e um progresso razoável na mudança
dos hábitos alimentares das pacientes. Quando os cuidados de en-
fermagem se mostram insuficientes, são indicadas estratégias com­
portamentais produtivas (Bemis, 1987). No caso de muitas pacien­
tes, é conveniente envolver seus familiares no tratamento. Russell
e colegas (Russell, Szmukler, Dare e Eisler, 1987) demonstraram
i|uc no caso de pacientes cujo distúrbio remonta a uma idade pre­
coce (antes dos 19 anos) e nas quais não se tom ou crônico (menos
dc três anos de duração), a terapia familiar ambulatorial se mostra
uílidamente superior à psicoterapia de apoio em seguida à recupe­
ração de peso obtida através da internação.
Nos últimos anos, também tem havido interesse pelo uso de
estratégias cognitivo-comportamentais no manejo dessas pacien-
les (Garner e Bemis, 1982, 1985). Como a terapia cognitivo-com-
portamental para a bulimia nervosa, o objetivo central é alterar a
maneira de pensar da paciente com relação à forma e ao peso, par­
ti ndo-se do pressuposto de que tal mudança constitui um requisito
para uma recuperação plena e duradoura. Nenhum tratamento cog­
nitivo-comportamental para a anorexia nervosa tem sido especifi­
cado em detalhes, embora as principais áreas a serem abordadas
tenham sido identificadas, e uma série de estratégias terapêuticas te-
43 2
Terapia cognitivo-comportameniul

nha sido descrita. A abordagem ainda precisa ser avaliada, e não


pode, portanto, ser recomendada com a mesma segurança que o
tratamento cognitivo-comportamental para a bulimia nervosa. Não
obstante, uma vez que os dois distúrbios compartilham uma psico
patologia comum, há fundamentos razoáveis, à primeira vista,
para se supor que a abordagem cognitiva possa ser bem-sucedida.
Não se constataram benefícios clínicos consideráveis decor
rentes do uso de medicamentos no manejo geral do distúrbio
(Russell, Checkley e Robinson, 1986). Três classes de drogas
exercem um papel limitado na maioria dos casos. Primeiro, a ex­
trema ansiedade às vezes faz com que fique difícil, para as p;i
cientes, recomeçar a alimentar-se enquanto hospitalizadas. Tais
pacientes podem se beneficiar da prescrição, a curto prazo, dc
tranqüilizantes menores. Os tranqüilizantes maiores* não são in
dicados. Segundo, algumas pacientes apresentam um distúrbio
depressivo concomitante que requer um tratamento independente
Na prática, é quase sempre difícil determinar, na apresentação, se
os sintomas depressivos da paciente refletem um distúrbio psi
quiátrico independente, se são devidos à inanição, ou se const i
tuem uma reação psicológica secundária a algum aspecto pertui
bador do distúrbio. Em geral, é mais indicado adiar qualquer dcei
são quanto ao uso de drogas antidepressivas, até que o estado dc
inanição se tenha revertido. Se sintomas depressivos significaii
vos persistirem após o ganho de peso, o tratamento com antide
pressivos é indicado. As drogas podem também ser úteis para se
lidar com a saciedade que se segue às refeições. Algumas pacicn
tes experimentam um profundo mal-estar gástrico depois de se
alimentarem, e mencionam sua persistência por muitas horas. Is
so se deve à demora do esvaziamento gástrico que ocorre na ano
rexia nervosa. No caso dessas pacientes, uma breve administração
de antagonista dopaminégica periférica, a domperidona, pode set
útil (Russel, Freedman, Feiglin, Jeejeebhoy, Swinson e Garfinkel,
1983).

* Tranqüilizantes maiores são neurolíticos (drogas antipsicóticas); Inin


qüilizantes menores são ansiolíticos e antidepressivos. (N. do T.)
Itotlirbiiis alimentares 43 3

Ht tluiiração do peso

I' da natureza da anorexia nervosa que essas pacientes relutem


»in nitnhar peso ou, na melhor das hipóteses, tenham dificuldades
puni ganhar peso. Um dos primeiros passos do tratamento é, por-
liiiiln, convencer as pacientes da necessidade de restaurar o seu
peno a um nível saudável. Em geral, trata-se de uma tarefa difícil,
nuls muitas pacientes não terão se apresentado para tratamento por
llvic c espontânea vontade, não vendo necessidade de ganhar peso.
I ni lais circunstâncias, é quase sempre útil concentrar as discus-
mívn cm aspectos das vidas das pacientes que elas acham perturba-
dm es e que, por serem talvez secundários à inanição, são também
Ieveisíveis com o ganho de peso (ver p. 396). Essa abordagem deve
»ei estabelecida no contexto mais amplo da educação das pacientes
»libre a natureza da anorexia nervosa e a importância dos fatores
I lenitivos (ver Garner et a i, 1985). O objetivo é ajudar as pacien-
I pn li se darem conta do fato de serem portadoras de um problema
I llnico bem conhecido. Pedir-lhes que leiam um texto leigo sobre a
anorexia nervosa (por exemplo Abraham e Llewellyn-Jones, 1987)
pode ser útil a esse respeito. Os custos sociais mais abrangentes do
luto de serem portadoras de anorexia nervosa devem ser ressalta-
«li >■.. c as pacientes devem ser estimuladas a refletir sobre as ativida-
des cm que estariam ingressando e os interesses que estariam per-
»eguindo se não tivessem desenvolvido o distúrbio. E preciso aju-
<1.1 las a fazer perguntas fundamentais sobre aquilo que as motivou
»in seu empenho em emagrecer. Se essas questões forem discutidas
dr forma sensível, sem fazer juízos de valor, a tendência é que as
pneientes admitam que estão tendo problemas para os quais preci-
mim de ajuda. Não obstante, deve-se reconhecer que algumas pa-
«lentes continuam a sustentar obstinadamente que estão muito
liem, e que não precisam de tratamento. Nesses casos, pode ser ne­
cessário aceitar que a paciente não esteja, no momento, passível de
linlamento. Essas pacientes devem ser encaminhadas de volta a seu
médico para uma monitoração geral de sua saúde física e psicológi-
I a Sc, no entanto, seu estado físico ou psicológico estiver seria­
mente perturbado, às vezes é necessário usar a Lei de Saúde Mental
pura que se possa fazer o tratamento.
As pacientes algumas vezes argumentam que não se deve es­
perar que comecem a comer normalmente e ganhem peso enquan­
434 Terapia cognitivo-comportamental

to a “causa subjacente” de seu comportamento não for comprecn


dida e solucionada. Embora se possa ser solidário com essa opi
nião, as pacientes também devem ser lembradas dos impactos da
inanição sobre seu raciocínio e suas respostas emocionais (ver p.
396). E preciso explicar que, apesar de ser somente uma pequena
parte do tratamento, a recuperação do peso é necessária não só
para restabelecer sua saúde física, mas para tomá-las capazes de
participar efetivamente de tratamentos psicológicos destinados a
abordar esses problemas mais centrais.

Restauração de peso no âmbito hospitalar

Quando a restauração de peso tiver de ser realizada no âmbito


hospitalar, os principais terapeutas são os enfermeiros (Russell,
1977). Poucos dias depois da internação, as pacientes devem sei
introduzidas ao consumo de refeições e lanches regulares e, se pos
sível, ao final de duas semanas esses alimentos devem ser consli
tuídos de uma quantidade e composição normais, consistindo em
aproximadamente 2.000 kcal por dia. É preciso estabelecer, junlo
com a paciente, o objetivo de um aumento de peso de aproximada
mente 1,5 kg por semana, pesando-se a cada manhã. As refeições e
os lanches de tamanho normal não serão suficientes para atingii
esse índice de ganho de peso, já que provavelmente serão necessá
rias de 3.000 a 5.000 kcal por dia. Em vez de se pedir às pacientes
que façam refeições excepcionalmente fartas ou freqüentes, é nos
sa opinião que as calorias adicionais sejam melhor fornecidas na
forma de líquidos ricos em energia que as pacientes podem sei
incentivadas a considerar como “remédio”. Convém explicar-1lies
antecipadamente que poderão ter muita vontade de vomitar, prati
car exercícios ou tomar laxantes, e que isso é compreensível dados
os seus receios de ganhar peso. Devem recorrer à equipe de en lei
magem para ajudá-las a resistir a esses impulsos. Claramente, en
tretanto, não se pode confiar por completo na capacidade das pa
cientes de se relacionar com a equipe de enfermagem. Portanto,
devem ser rigorosamente supervisionadas depois de se alimenta
rem. E, claro, também é importante que as preocupações das pa
cientes com relação à restauração do peso sejam reconhecidas c
abertamente discutidas. Nas sessões de terapia individual, os pen
lUtim bios alimentares 435

Mtiicntos responsáveis pela perturbação e resistência ao ganho de


p p *o devem ser identificados e questionados.
A decisão quanto ao que constitui uma meta satisfatória do
fMNO h alcançar é problemática. Às vezes é possível tomar por guia
0 peso que as pacientes tinham antes da doença, se houve um pe-
1 h mIo em que estavam se alimentando normalmente e tinham mais
I
mi menos a mesma altura atual. É comum que nenhum peso “natu-
I ui" desse tipo possa ser identificado. Em geral, o peso pretendido
ileve ser pelo menos 90% da média para a idade, altura e sexo da
|im icnte. A escolha desse peso deve ser apresentada no contexto
iltt visão cognitiva do distúrbio: não só deve ser um peso em que os
eleitos físicos e psicológicos da inanição não se façam presentes, e
no qual o funcionamento hormonal seja restabelecido, mas que
Iniiibém represente um peso que permita à paciente alimentar-se
nem fazer regimes. É importante que o alvo seja uma variação de
peso de aproximadamente 2,5 kg, uma vez que é normal que haja
uma flutuação de peso de um dia para o outro. Uma vez que as
| i i h ientes ingressem na variação do peso pretendido, os suplemen­

tos de alto teor calórico devem ser eliminados, levando-as a consu­


mir uma dieta normal que seja suficiente para manter o seu peso.
Se os cuidados de enfermagem necessários a esse tipo de pro­
grama de controle não forem disponíveis, ou se esse regime não
produzir uma taxa satisfatória de ganho de peso, um programa
operante é indicado (Bemis, 1987). Os programas operantes rigo-
io s o s e complexos que às vezes têm sido recomendados talvez não
ncjam mais eficazes do que as abordagens mais “lenientes”, o que
I m / destas últimas as preferidas (Touyz, Beumont, Glaun, Phillips

c Cowie, 1984). Por exemplo, uma taxa mínima de ganho de peso


de 0,75 kg a cada quatro dias deve ser estabelecida, e a responsabi­
lidade pela concretização dessa meta deve ser atribuída às pacien­
tes. Devem ter plenos “privilégios” e participar das atividades da
enfermaria. Deve-se estabelecer de comum acordo, porém, que se
li meta não for alcançada elas passarão os quatro dias seguintes em
"repouso acamado”, para que os níveis de alimentação e exercícios
lejam mais rigorosamente supervisionados. (Não deve haver ou­
tras restrições.) Se os quatro dias de repouso acamado resultarem
em pelo menos 0,75 kg de ganho de peso, então a paciente pode
retomar suas atividades normais na enfermaria do hospital. Os
43 6 Terapia cognitivo-comportamcnhil

regimes simples desse tipo têm várias vantagens. São facilmente


compreendidos, tanto pela equipe quanto pelos pacientes, e sim
pies de administrar; são econômicos no tempo de equipe; incre
mentam a autonomia e são menos degradantes do que alguns pro
gramas “tradicionais”; sendo talvez tão eficazes quanto eles. A
maioria dos pacientes requer poucos períodos de repouso acama
do, ou mesmo nenhum.
No caso de regimes de restauração de peso no âmbito hospi
talar, do tipo que foi aqui descrito, o peso corporal geralmente
volta a uma variação saudável dentro de dois a três meses, e o pa
ciente recebe alta de dois a quatro semanas mais tarde. É impoi
tante que a transição dos cuidados de internação para os cuidados
ambulatoriais seja cuidadosamente orquestrada e, se possível,
deve haver continuidade da psicoterapia em curso. Descrições de
talhadas e mais abrangentes de programas de tratamento hospita
lar são apresentadas por Vandereycken e Meermann (1984), An
dersen (1985) e Agras (1987).

Restauração de peso no âmbito ambulatorial

Para a maioria das pacientes, a restauração de peso é condu/i


da no contexto ambulatorial. As vezes vale a pena programar con
sultas freqüentes no começo, para dar início ao ganho de peso; poi
exemplo, duas sessões semanais durante duas a três semanas. As
pacientes devem monitorar seu consumo alimentar (como se des
creve na p. 401) e ser instruídas a fazer refeições e lanches regula
res. A taxa de ganho de peso esperada deve ser inferior àquela para
o tratamento hospitalar; 0,5 kg por semana é um mínimo adequado
O ganho de peso deve ser monitorado pelo terapeuta, sendo os pa
cientes pesados no início de cada sessão de tratamento. Mais uma
vez, suplementos ricos em energia podem ser necessários. Na fase
inicial do tratamento, um a abordagem empírica deve ser adota
da para se determinar exatamente a necessária ingestão de calorias
para se alcançar a taxa de ganho de peso desejada. Como na restau
ração de peso em âmbito hospitalar, o processo deve ser estabeleci
do nos moldes da abordagem cognitiva do tratamento (ver adiante )
iHitm /i/o Valimentares 437

11 n u i)role das complicações físicas

A maioria das complicações físicas da anorexia nervosa é re-


u ilida através da recuperação de um peso corporal saudável e de
lirthilos alimentares normais. Uma exceção é a amenorréia: quase
Winpre há alguma demora no retomo dos ciclos menstruais nor-
Miiiis, limbora isso não represente um problema médico, algumas
pm Ientes consideram a ausência de menstruação como indício de
11MI distúrbio físico contínuo e podem, portanto, ser perturbadas
I h l.t amenorréia. Nesses casos, pode ser apropriado induzir a mens-
liimção pelo uso do clomifeno ou hormônio de liberação do hor­
mônio luteinizante (LHRH).

\ norm alização dos hábitos alimentares

Refeições e lanches regulares devem ser imediatamente pres-


i' ri los às pacientes admitidas no hospital para a restauração de
peso. Como já se observou aqui, durante as primeiras semanas no
hospital essa ingestão de alimentos deve ser aumentada até atingir
ccrca de 2.000 kcal diárias. As pacientes freqüentemente excluem
uma ampla variedade de alimentos de sua dieta por considerá-los
"engordantes”. As tarefas comportamentais regulares devem, por­
tanto, ser estabelecidas tendo-se em vista que as pacientes come-
ccm a consumir esses alimentos evitados, ampliando assim sua
dieta. Nas sessões de terapia individual, os pensamentos provoca­
dos ao comer tais alimentos devem ser identificados e questionados
através do uso dos procedimentos anteriormente descritos (p.
■114). É útil que a introdução de novos alimentos seja supervisiona­
da por um dietista, já que as pacientes quase sempre têm opiniões
rígidas e errôneas sobre alimentação e saúde, respondendo bem à
contestação delas por um perito em dietas. As pacientes também
devem ser estimuladas a comer em circunstâncias sociais normais.
Inicialmente, deve-se apenas pedir-lhes que comam junto com ou­
tros pacientes da enfermaria. Mais tarde, devem começar a comer
junto com amigos e familiares, e em restaurantes. Quando as pa­
cientes estão se aproximando de sua variação de peso pretendido,
os controles externos sobre seu consumo alimentar devem ser gra­
dualmente retirados. É preciso permitir que elas tomem suas pró-
43 8 Terapia cognitivo-comportamenlnl

prias decisões quanto à composição e quantidade de comida que


desejam consumir, devendo comer com amigos e familiares nos
fins de semana. A menos que se dedique uma atenção significativa
à fase de manutenção do tratamento, o risco de recaída após a alta
é considerável.
No caso de pacientes controladas num contexto ambulatorial,
estratégias semelhantes devem ser utilizadas. Claramente, nessas
circunstâncias é muito mais difícil para o terapeuta determinar o
ritmo do progresso. É fundamental que as pacientes monitorem
sua ingestão de alimentos, e que as folhas de monitoração sejam
atentamente examinadas pela paciente e pelo terapeuta durante as
sessões de tratamento. Cada sessão deve finalizar com o estabele
cimento de tarefas específicas, e estas devem ser reexaminadas na
consulta subseqüente. Embora a rigorosa monitoração dos hábitos
alimentares e a prescrição de planos de refeição muito bem estru­
turados sejam essenciais nos primeiros estágios do tratamento, cs
sas restrições podem ser gradualmente atenuadas desde que um
peso corporal saudável esteja sendo mantido.
No processo de normalização dos hábitos alimentares costu­
ma ser útil envolver os membros da família de uma forma mais ali
va do que seria apropriado no caso de pacientes com bulimia ner­
vosa. Os membros da família devem ser informados pelas pacicn
tes sobre as metas específicas que estão tentando alcançar, uma vcv
que esse esclarecimento pode servir para fortalecer a motivação.
Os familiares podem também atuar como consultores das pacicn
tes em questões como a quantidade ou a variedade de alimentos
que convém consumir. Freqüentemente, a alimentação das pacicn
tes se terá transformado numa área de conflito considerável no
âmbito familiar. No caso de pacientes jovens, devem ser realizadas
sessões familiares nas quais a responsabilidade pela supervisão da
alimentação dos pacientes seja confiada aos pais (Russell el al
1987). No caso de pacientes mais velhas, é essencial que a respoii
sabilidade pela mudança fique a seu próprio cargo, e que a quanti
dade de ajuda recebida de terceiros seja decidida por elas e pelo tc
rapeuta.
E importante que as pacientes sejam repetidamente lembra
das de que devem aprender a não fazer regimes (ver p. 408). I m
bora isso deva ser feito com todas as pacientes, é particularmenU'
439
W M I bins alimentares

Rpmpiiudo nos casos das que passaram por episódios de ingestão


pli ensiva de alimentos. O manejo da alimentação dessas pacientes
N cguir rigorosamente o programa delineado para a bulimia
iMMvosa, com as modificações apropriadas tendo-se em vista a
tpieMrto da restauração do peso.

M uillficar as m edidas p ara o controle do peso

Além de restringirem intensamente sua ingestão de alimen-


lo s , e m geral as pacientes com anorexia nervosa adotam outros
m é t o d o s extremos de controle de peso. Os efeitos adversos de vô­
m i t o s c do uso inadequado de laxantes e diuréticos (p. 407) devem
«pi enfatizados no decorrer da educação da paciente sobre a natu-
l f v i l do distúrbio. Através do uso de tarefas gradativas, as pacien-
Ipíi d e v e m aprender a comer sem vomitar em seguida. Com relação
«os laxantes e diuréticos, uma vez que um relacionamento coope-
i t t t i v o estiver estabelecido com o terapeuta, deve-se pedir às pa-
I le n t e s que não usem essas drogas. A maioria é imediatamente ca­
lm/ de interromper essa prática. Ao restante deve-se fornecer um
p r o g r a m a de descontinuação gradativa.
Muitas pacientes acham difícil estabelecer um nível normal
ile exercícios. Às pacientes admitidas no âmbito hospitalar para a
restauração de peso não se deve permitir que pratiquem exercícios
vigorosos nos primeiros estágios do tratamento. E importante que
leeonheçam que o exercício é um meio potencial de controle de
peso, e que devem, portanto, racionar a quantidade e o tipo dos exer-
eleios que praticam. Devem verificar seus motivos para a prática
tie exercícios e somente praticá-los por prazer, sem o objetivo de
ulterar sua forma ou seu peso. Uma abordagem semelhante deve
1er usada no caso de pacientes ambulatoriais.

M odificar atitudes problem áticas

Em nossa opinião, os procedimentos acima descritos para


educar a paciente, induzindo um ganho de peso e normalizando os
hábitos alimentares, são mais bem conduzidos dentro dos moldes
de uma abordagem cognitiva da natureza e do tratamento do dis-
440 Terapia cognitivo-comportamciihil

túrbio. Essa abordagem equivale à concepção cognitiva da nature


za da bulimia nervosa (ver p. 400). Na prática, isso significa que n .
pacientes devem ser ajudadas a articular e examinar os pensamen
tos e as atitudes que motivam seu comportamento perturbado c ili
ficultam as mudanças. Nos primeiros estágios do tratamento, as
pacientes devem simplesmente exprimir pensamentos relativos a
forma e ao peso, registrando-os em folhas de monitoração. Mar
tarde, quando tiverem ganho uma quantidade significativa de pesn
e os efeitos psicológicos da inanição tiverem começado a se dissi
par, a reestruturação cognitiva formal se faz possível nas linhas
descritas para a bulimia nervosa (ver p. 414).
Gamer e Bemis (1982, 1985) apresentaram uma análise dut
“distorções cognitivas” das pacientes com anorexia nervosa em lei
mos dos “erros de raciocínio” delineados por Beck et al. Como m
pode observar a partir do Quadro 8.5, esses erros dizem respeito
basicamente a idéias sobre o significado da forma e do peso e a
importância de se manterem fiéis a certas regras dietéticas
Utilizando os procedimentos de reestruturação cognitiva, tais pen
samentos, posturas e erros associados de raciocínio podem sei
identificados e questionados. Treinar as pacientes em resolução do
problemas (ver p. 421) às vezes pode ser relevante, já que esse tiei
namento não só lhes oferece um meio de lidar com o grande mime
ro de escolhas e decisões com que se deparam na vida cotidiana,
como também incrementa seu senso geral de autocontrole.

A b o rd a r outras distorções cognitivas

As pacientes com anorexia nervosa geralmente se julgam


inferiores aos outros. A conseqüência disso é que a forma e o
peso tendem a se tornar a única maneira através da qual avaliam
o valor que se atribuem. As técnicas cognitivas anteriormente
discutidas podem ser usadas para questionar esse modo dc ava
liar o próprio valor. Devem também ser usadas para abordar sua
tendência a julgar-se ineficazes ou inadequadas (Garner e Bemis
1982, 1985).
■ M il) hit ix alimentares 441

Mrt percepção da imagem corporal

A má percepção da imagem corporal é comum na anorexia


IH Musa. Como já foi aqui observado, não há indícios de que esta
V

m ipnnda a uma intervenção direta. A abordagem de seu manejo


09VC ser a mesma descrita para pacientes com bulimia nervosa
II* 422).

IMi «»patologia geral

As pacientes com anorexia nervosa apresentam uma variedade


ile sintomas psicológicos, dentre os quais sobressaem característi-
HiN obsessivas, de ansiedade e depressivas. Em sua maior parte;
fixes sintomas desaparecem ou são bastante atenuados, uma vez
tjtie o peso volte a um nível saudável. Os sintomas que persistirem
t i e v c i n ser tratados da maneira habitual.

I iiiieionamento social e fa m ilia r

No caso de pacientes jovens, é fundamental que seus pais


i'xicjam ativamente envolvidos no tratamento. No caso de muitas
pm ientes mais velhas, também é conveniente envolver a família
MU'* certo ponto. Isso é particularmente importante quando o rela-
I lonamento das pacientes com seus pais se tom ou um interminá-
vel conflito a propósito de comida e alimentação. Um grande nú-
llicro de técnicas pode ser utilizado (ver Sargent, Liebman e Silver,
IW5; Russell et al., 1987); é conveniente, por exemplo, que os pais
ne mantenham informados dos esforços da paciente em mudar, e,
quando apropriado, que ela peça sua ajuda - por exemplo, para a
normalização dos hábitos alimentares. No caso de pacientes que
apresentam anorexia nervosa ininterrupta por muitos anos, os pais
podem ter aprendido a se acomodar ao comportamento da pacien­
te, contribuindo talvez para a sua perpetuação. Em tais circunstân­
cias, em vez de procurar alterar a postura da família inteira com
relação à paciente e seu distúrbio, pode ser mais apropriado ajudá-
In a sair de casa e funcionar autonomamente.
Para muitas pacientes com anorexia nervosa, anos cruciais de
seu desenvolvimento foram dedicados à busca da esbelteza e do
442 Terapia cognitivo-comportameniul

autocontrole. A recuperação do distúrbio precipita essas paciente


em circunstâncias sociais e sentimentos pessoais que não eslrto
bem equipadas para enfrentar. Os terapeutas devem, portanto, es
tar preparados para dar apoio, orientação e estímulo a longo prazo,
ajudando-as a lidar com uma grande variedade de problemas mp
bretudo aqueles de natureza interpessoal.

Progresso do tratamento

A intensidade do tratamento varia muito em termos da lu


qüência das consultas e de sua duração. Algumas pacientes podem
ser tratadas exclusivamente como pacientes ambulatoriais, atendi
das semanalmente de início, depois quinzenalmente, e recebendo
alta dentro de poucos meses. Isso, porém, não constitui a regra. I‘n
ra a grande maioria das pacientes, um longo período de tratamento
ambulatorial se faz necessário. O tratamento quase sempre leva de
doze a dezoito meses, muito embora as consultas não precisem sei
freqüentes nos últimos estágios.

Como lidar com pacientes crônicas

Algumas pacientes se apresentam com uma longa história de


anorexia nervosa que inclui uma série de tentativas malsucedidiis
de tratamento. Muitas delas apresentam múltiplas admissões lios
pitalares para a restauração de peso que, em termos do objetivo
limitado de ganho de peso, podem ter sido bem-sucedidas, mas pn
recem não ter surtido efeitos benéficos no desenvolvimento do
distúrbio a longo prazo. No caso dessas pacientes, é necessário
proceder a um ajuste dos objetivos terapêuticos, uma vez que .1
anorexia nervosa se tom ou para elas um modo de existência (( 'as
per, 1987). Todavia, nunca é apropriado abandonar todas as espe
ranças de mudança, tendo em vista que a recuperação, mesmo de
pois de um histórico de doze anos, algumas vezes realmente ocoi
re(Theander, 1985).
Em geral, a admissão hospitalar dessas pacientes crônicas só
é indicada se houver risco de vida. Freqüentemente, não é 0 pesi 1
absoluto da paciente que determina se a hospitalização é 011 n;U>
indicada, já que pode ter sido baixo por muitos anos, mas sim uniti
alimentares 443

>|iit du ilc peso. O propósito da admissão não deve ser a volta do


(Wim h um nível desejável do ponto de vista estatístico, ou mesmo
Rtítlico, mas simplesmente alcançar o ponto em que a paciente em
tjiHnlílo pareça estar muito bem. O tratamento ambulatorial deve
(et do apoio, e essencialmente destinado a ajudá-la a levar uma
»liln o mais completa possível, dado o seu distúrbio. Os esforços
■ptusivos para alterar esses hábitos alimentares das pacientes e
nmvcncê-las a ganhar peso são completamente inadequadados.
I Msis táticas são desmoralizantes para a paciente. Tendem a dis-
t.iiu iíí-las do apoio de que tanto necessitam, e também podem au-
III. ntíii- o já significativo risco de suicídio. A postura terapêutica
Ijimpriada não deve ser nunca ameaçadora, visando fortalecer a
tllynídade e o auto-respeito da paciente.

ifiradecimentos

I <í I . agradece a Wellcome Trust por seu apoio.

Ifitura recom endada

I ult bum, C. G. (1985). “Cognitive behavioral treatment for bulimia”. In Handbook


of Psychotherapy fo r Anorexia Nervosa and Bulimia (orgs. D. M. Gamer e P.
li. Garfmkel), pp. 160-92. Guilford Press, Nova York.
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pp. 588-604. Churchill-Livingstone, Edimburgo.
( limier, D. M. e Bemis, K. M. (1985). “Cognitive therapy for anorexia nervosa”.
In Handbook o f Psychotherapy fo r Anorexia Nervosa and Bulimia (orgs. D.
M. Gamer e P. E. Garfmkel), pp. 107-146. Guilford Press, Nova York.
( liirner D. M. e Garfmkel, P. E. (orgs.) (1985). Handbook o f Psychotherapy fo r
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(orgs. D. M. Gam ereP. E. Garfmkel), pp. 513-72. Guilford Press, Nova York.
y, Deficiências psiquiátricas crônicas
li illil Hall

Introdução

As abordagens comportamentais das deficiências dos pacien-


Iph psiquiátricos crônicos se desenvolveram nos últimos vinte anos.
11texto clássico de Ayllon e Azrin (1968) descreveu o desenvolvi­
mento de regimes de tratamento em enfermarias usando fichas
('nino uma maneira de recompensar imediatamente o comporta­
mento adaptativo, e levou à introdução de muitos programas de
economia de fichas terapêuticos e de pesquisa (Matson, 1980). Os
programas de fichas em enferm arias foram hoje substituídos
por programas comportamentais individuais e de grupo em unida­
des hospitalares ou albergues, e entre os avanços mais promissores
CNtilo aqueles que envolvem o tratamento no contexto familiar.
Há dez ou quinze anos, praticamente todos os tratamentos de
problemas psiquiátricos disfuncionais crônicos eram feitos em
contextos institucionalizados, de tal modo que os outros tratamen­
tos ao alcance desses pacientes eram basicamente os programas
para grupos grandes, com base na unidade hospitalar, e os regimes
terapêuticos comunitários como aqueles descritos por Clark (1964).
I )esde a introdução das drogas fenotiazínicas em meados dos anos
M), a medicação de manutenção vem sendo amplamente utilizada
no caso de pacientes com deficiências crônicas, e a introdução mais
recente de medicação neuroléptica de depósito tem reduzido o pro-
446
Terapia cognitivo-comportwmmhil

blema da não-adesão aos medicamentos administrados por via di m I


Atualmente, o uso mais apropriado de procedimentos compoi lii
mentais ocorre no contexto de um ambiente físico e social facilii.i
dor e estável, com o uso sensível de medicação de manutençrto
para muitos pacientes e o envolvimento dos familiares que aindu
mantêm contato com o paciente.

Os problem as

Muitos problemas psiquiátricos e psicológicos, como os dr,


túrbios alimentares e os problemas fóbicos, podem ser de lonp
duração e crônicos, mas a maioria deles pode melhorar subsiim
cialmente com o tratamento, ou permitir um nível razoável e conli
nuo de ajuste social, doméstico e profissional. Em contrasto, in
pacientes considerados neste capítulo são aqueles portadores ih
problemas disfuncionais crônicos, incapazes de manter uma v i i s Ih
gama de habilidades funcionais e sociais independentes.
O reconhecimento do paciente com deficiência crônica gnive
remonta aos primórdios do tratamento hospitalar psiquiátrioo
Durante toda a formação do sistema hospitalar psiquiátrico, aim
gindo o número máximo de 150.000 pacientes internados na In
glaterra em 1955, os pacientes portadores de deficiência erôim i
constituíam a maioria dos residentes. Muitos hospitais psiquiátn
cos ainda mantêm alguns pacientes “de muito longa perm anentm
que podem ter permanecido no hospital por 60 anos ou mais, ni
guns dos quais ainda se mostram surpreendentemente ativos, pu
dendo ser considerados como candidatos potenciais a program.i
comportamentais.
Na outra extremidade do espectro etário, temos os jovon-•
adultos que talvez nunca tenham permanecido continuamente mim
hospital por mais de três meses, mas que ainda apresentam iimu
clara deterioração social e podem estar ativamente delirante. «
apresentar episódios periódicos de violência. Entre esses dois oh
tremos situa-se uma série heterogênea de pacientes-residcntc. <m
uma grande variedade de contextos: hospitais, albergues, residon
Ih'lh 'iènciaspsiquiátricas crônicas 447

I um em grupo, residências temporárias e ambiente familiar pró-


|u io. Trata-se de pacientes cuja amplitude de contatos sociais vai
iliI normal ao extremo isolamento social.
Mudanças de orientação no que diz respeito à alta de pacien-
Irs de longa permanência e a retenção de novos pacientes de “alto-
I ontato” (jovens, mas talvez seriamente incapacitados) em unida-
11rs hospitalares de cuidados intensivos e para atendimento de
iiilultos em geral, significam que na maioria dos locais a equipe
profissional encarregada dos pacientes com deficiências crônicas
nerá solicitada a lidar com uma ampla variedade de sintomatologia
e níveis de deficiência. Do ponto de vista de diagnóstico, a esqui­
zofrenia é o problema mais comumente encontrado, tanto entre os
pncientes de longa permanência quanto entre aqueles de admissão
mnis recente. Outros pacientes têm problemas crônicos associados
li ansiedade, distúrbios persistentes de personalidade ou conduta
I freqüentemente com um histórico de agressão), níveis moderados
I le deficiência mental em pessoas com distúrbio comportamental e
problemas neurológicos ou degenerativos, como uma lesão na ca­
beça que decorre de um acidente de trânsito.
A maior parte da atenção tem sido dispensada aos pacientes
esquizofrênicos crônicos cujos sintomas são freqüentemente clas­
sificados como “positivos” - como alucinações auditivas - ou “ne­
gativos” - como falta de afeto e apatia. Além dos problemas espe-
I Ificamente sintomáticos, a incapacidade de manter uma interação
social normal é muitas vezes encontrada, nos casos mais extremos
levando às vezes ao mutismo eletivo. Do ponto de vista compor-
tumental, esses sintomas e dificuldades podem ser classificados
como déficits de comportamento (a perda da capacidade de proce­
der aos cuidados pessoais como lavar-se ou barbear-se), ou como
excessos comportamentais (um alto índice de gritos, por exemplo).
Hm geral, há pouca correlação entre o nível de déficits comporta­
mentais e de excessos comportamentais em pacientes individuais
(Wing, 1961).
Muitos pacientes esquizofrênicos crônicos são lentos tanto na
làla e nos movimentos motores quanto em seu ritmo de realização
ile tarefas. Alguns apresentam concentração deficiente, sendo por-
lanto fáceis de distrair-se e deixar-se influenciar pela estimulação
448 Terapia cognitivo-comportamcnlnl

periférica. Muitos carecem de habilidades cotidianas de cuidados


pessoais, e os mais deficientes podem apresentar níveis de motiva
ção muito baixos.

Causas dos problemas e fatores mantenedores

A tríplice classificação de Wing (1975) das causas da disfuii


ção esquizofrênica é amplamente aceita na Grã-Bretanha, usando
categorias de deficiências primárias, pré-morbidas e secundárias
Nesse esquema, as deficiências primárias são aquelas proven in i
tes da natureza do distúrbio psiquiátrico, sendo tipicamente o s im

gimento dessas deficiências que leva ao diagnóstico. As deficicn


cias pré-mórbidas são aquelas que existiam antes mesmo de ins
taurar-se a condição psiquiátrica; sabe-se bem que os paciente s
com evolução crônica de sua doença esquizofrênica tendem a apre­
sentar baixos níveis de desempenho educacional e de estabilidade
profissional e social antes que quaisquer sintomas se tomem apa
rentes. Esses fatores são freqüentemente importantes na indicação
do provável nível final do resultado do tratamento comportamen
tal. As deficiências secundárias são aquelas que provêm da expr
riência da enfermidade vivida pelo paciente, ou por aqueles qm*
com ele têm contato; essas reações pessoais adversas podem pei
sistir em alguns pacientes mesmo quando os sintomas primários
tiverem desaparecido. Por exemplo, um paciente pode ter anterioi
mente danificado itens do equipamento doméstico, como um cai
ro, uma máquina de lavar ou televisão, de tal modo que não pode
rão mais ser usados no contexto familiar.
Três outras causas da disfunção psiquiátrica crônica devem
ser consideradas. Há vinte anos, os pacientes crônicos só eram oh
servados em hospitais, sendo então impossível desemaranhai un
disfunções secundárias dos efeitos específicos da vida numa insii
tuição hospitalar. Foi apenas através do estudo de pacientes com
deficiências crônicas residentes em casa, sem históricos dc adini-.
são (Creer e Wing, 1974), que se tornou possível identificar dc/i
ciências especificamente atribuíveis à institucionalização. Km se
gundo lugar, as deficiências iatrogênicas, ou aquelas secundai ia
ao tratamento físico, talvez precisem ser identificadas; hoje sUu
/ k/h h •m ias psiquiátricas crônicas 449

poucos os pacientes de longa permanência leucotomizados, mas a


ndministração a longo prazo de tranqüilizantes maiores traz consi­
sti o risco de efeitos colaterais como a discinesia tardia, que pode
» p i irreversível. Finalmente, os pacientes crônicos podem apresen-
liii um limiar de dor aumentado, ou simplesmente não apresentar
um I'spectro de problemas fisicos para tratamento, tendo um nível
rupcrado de morbidez três vezes maior que as doenças médicas crô-
iiiens (Amdur, 1981).
Um fator importante no tratamento da deficiência psiquiátri-
I d crônica é o nível geral de atividade e estimulação ao qual o
pnciente está exposto. Ambientes de baixa estimulação tendem a
produzir níveis mais altos de apatia e retraimento social. É igual­
mente importante evitar ambientes com excesso de estimulação
I Wing e Brown, 1970), e por esse motivo é desejável, sempre que
possível, transferir os pacientes crônicos o quanto antes de unida­
des hospitalares movimentadas, quando não agitadas. Outro fator
mimtenedor específico é a natureza e a quantidade de interação
verbal entre os pacientes e os assistentes diretos, sejam eles m em­
bros da família ou da equipe. Um estudo fascinante (Gelfand,
( íelfand e Dobson, 1967) sugeriu que, num meio hospitalar natu-
I u i, são os pacientes (e não a equipe hospitalar) os melhores m odi­
ficadores do comportamento divergente de outros pacientes. Hall,
Huker e Hutchinson (1977) sugerem que possa haver um número
de “ingredientes terapêuticos” capazes de afetar o comportamen­
to de pacientes com deficiências crônicas, além dos efeitos espe­
cíficos dos procedimentos comportamentais. Esses ingredientes
incluem mudanças de qualquer tipo (inclusive mudança de unida­
de hospitalar), o grau de estrutura do ambiente social geral, a
oferta de atividades e bens pessoalmente relevantes e as expectati­
vas sociais.
Um aspecto especial do trabalho com pacientes psiquiátricos
crônicos é a expectativa limitada que se pode ter de que muitos de­
les assumam responsabilidade pelo próprio tratamento. Todavia, é
importante não eximir os pacientes das responsabilidades e opor­
tunidades sociais que são capazes de continuar a assumir ou apre­
ciar, e somente uma “mínima dose terapêutica” de ajuda ou assis­
tência deve ser dada nas áreas da vida do paciente em que se faça ne­
cessário.
450 Terapia cognitivo-comportanwnlal

Qualquer que seja o nível de motivação, é importante envol


ver os pacientes o mais plenamante possível na determinação dos
objetivos terapêuticos e na evocação de sua própria percepção de
suas necessidades, por mais difícil que isso possa ser (MacCarthy,
Benson e Brewin, 1986). Esse objetivo pode ser alcançado ao se
perguntar aos pacientes em qual área de suas vidas eles gostariam
de obter melhoras, e ao se lhes pedir que classifiquem ou orgam
zem em ordem pessoal de importância alguns cartões preparados
com antecedência, enumerando possíveis metas terapêuticas ou
áreas de necessidades não atendidas. Entretanto, a perda de moii
vação já observada e a possível perda de insight quanto às conse­
qüências de suas ações podem significar que outra pessoa talvc/
tenha de assumir alguma responsabilidade pelo funcionamcnio
cotidiano dos pacientes. Essa “outra pessoa” pode ser um indiví
duo, como um dos pais ou um enfermeiro da comunidade psiquiii
trica, ou um grupo de pessoas - uma equipe de enfermagem, poi
exemplo. O psicólogo ou psiquiatra que estiver trabalhando em b;i
ses comportamentais com esses pacientes tem então a tarefe adi
cional de treinar e ensinar a esses assistentes diretos os conceitos r
as práticas descritos neste capítulo.

Avaliação

A avaliação de pessoas portadoras de deficiências psiquiálri


cas crônicas é semelhante, em muitos aspectos, à avaliação dc dc
ficientes mentais e pessoas idosas. Na avaliação dos pacientes psi
quiátricos crônicos pode então ser útil considerar-se o uso dos ins
trumentos de avaliação desenvolvidos principalmente para os deli
cientes mentais (por exemplo, o programa de Deficiências, Com
portamento e Habilidades [H.B.S.] de Wing e Gould, 1978), pnin
os idosos (por exemplo, o sistema CAPE de Pattie e Gilleard, 197(>)
ou para os deficientes físicos.
A avaliação dos pacientes crônicos deve enfatizar o compoi
tamento atual, atentando especificamente aos recursos remanes
centes ou às habilidades residuais do paciente, aos seus déficits ou
I irlli Uneins psiquiátricas crônicas 4SI

|H I«las comportamentais, e aos desvios, ou peculiaridades ou ex-


t iJNNON do comportamento. Os problemas-alvo potenciais - aque-
Ii'n i|iic são passíveis de tratamento - devem constituir o ponto de
iniivergência de uma análise funcional, para se verificar se há
dlguina relação entre os antecedentes, os eventos associados e os
rwntos conseqüentes, que giram em tomo dos eventos-alvo, os
t|tiais poderiam, então, ser explorados tendo em vista o tratamento.
I )n métodos gerais utilizados incluem métodos de avaliação e a
observação direta do comportamento, em geral associados aos
pioccdimentos de amostragem temporal e à codificação de com­
portamentos observados, conforme descrito em quaisquer dos tex-
los padrão sobre a avaliação comportamental (ver, por exemplo,
llaynes, 1978).
A avaliação dos pacientes psiquiátricos crônicos tem se ba­
ncado tradicionalmente no uso de escalas de avaliação (Hall, 1979),
Nojum estas preenchidas com base numa entrevista individual (ge-
I alinente) conduzida por um psiquiatra, ou pela equipe hospitalar,
Com base na observação direta (relativamente não estruturada) do
comportamento geral na unidade hospitalar. As escalas de avalia-
çAo continuam a ser usadas para fins de triagem geral, para a ava­
liação de melhoras gerais e para a identificação inicial de áreas de
luncionamento que vão exigir uma avaliação mais detalhada.
Exemplos de escalas de avaliação bem elaboradas e úteis são
a escala de Krawiecka, Goldberg e Vaughn (1977), com base em
entrevistas, e a escala REHAB de Baker e Hall (1983), que toma
por base o comportamento na unidade hospitalar. A escala Kra-
wiccka é preenchida por um psiquiatra com base numa entrevista
semi-estruturada, relacionando um conjunto de avaliações de cin­
co pontos quanto ao grau de seriedade de oito itens sintomáticos.
Quatro desses itens avaliam o nível de psicopatologia específica
(como delírios expressos com coerência), e quatro avaliam áreas
específicas de comportamento incomum (como um retardo psico­
motor). A escala REHAB é preenchida pela equipe hospitalar ao
final de um período de observação de uma semana, e leva à classi­
ficação do comportamento desviante (baseada em sete itens) e à
classificação do comportamento geral (baseada em dezesseis
itens). Por exemplo, dois dos itens de comportamento desviante co­
brem a incontinência e a agressão física, e dois dos itens de com-
452 Terapia cognitivo-comportamciihil

portamento geral descrevem o relacionamento com outras pessoas


na enfermaria e a qualidade da fala.
A amostragem temporal envolve a observação do paciente a
intervalos predeterminados, escolhidos para cobrir a maior parle
possível do dia do paciente quando acordado. A codificação de
comportamento envolve a identificação de algumas categorias (co
mo os comportamentos mutuamente incompatíveis de sentar-se,
levantar-se, andar, correr, deitar-se, e outros comportamentos como
falar consigo mesmo, falar com outros pacientes, falar com a eqm
pe assistencial e gritar) que são relevantes ao comportamento-alvo.
e que podem ser incluídas de forma rápida e segura por um obset
vador em uma folha de registros.
Um fator importante ao se determinar os cronogramas de
amostragem temporal e ao se estabelecer as categorias apropriadas
de codificação é a constatação comum, no caso de pacientes crôm
cos, de que as avaliações de comportamento em geral serão baixas,
e a maior parte dos comportamentos será relativamente simples
Isso permite o uso de cronogramas e categorias de codificação que
tornam possível a observação de grupos de até cinco ou seis pa
cientes de forma bastante satisfatória.
Além da avaliação do comportamento atual, será importait!e
ter algum conhecimento do comportamento passado do paciente,
como consta dos registros hospitalares e como é relatado pelo pa
ciente e por aqueles que o conhecem bem. Por exemplo, pode se
tornar evidente que, no passado, certos episódios de perturbação
foram precedidos por eventos específicos como, por exemplo,
encontrar-se com determinada pessoa ou ir a um dado local. Os re
gistros hospitalares devem ser interpretados com cuidado, sobretu
do no caso de pacientes de longa permanência, uma vez que po
dem não ser confiáveis e muito raramente fornecem uma descri
ção precisa do comportamento do paciente no passado.
Mais importante será uma avaliação do ambiente atual do pn
ciente, uma prática que pode estabelecer um limite para a variedn
de de comportamentos adaptativos que a pessoa pode exibir. I Iti,
atualmente, uma série de listas de checagem padrão para se avaliai
o ambiente físico onde o paciente vive, assim como os aspectos so
ciais desse mesmo ambiente, como se pode vir na lista de chccn
gern de “práticas restritivas” utilizada por Wykes (1982). Essa lisla
Ik /lrlm ■las psiquiátricas crônicas 453

tie checagem cobre, por exemplo, até que ponto as portas externas
»An Irançadas, o nível de restrição da posse de facas, fósforos e
dinheiro, e a tolerância quanto ao uso de álcool.
A realidade de muitos contextos em que os pacientes crônicos
vivem ó que o único assessor disponível para a maioria das áreas
pude ser um assistente despreparado e exaurido, ou um parente
win nenhuma aptidão para avaliar. Isso significa que a maioria dos
procedimentos de avaliação e monitoração deve utilizar um nível
de vocabulário e um estilo de redação simples, claramente expres-
m)n para minimizar omissões ou erros de escrita, e conter informa­
ções básicas em cada tabela ou folha de resposta - os manuais
nvulsos acabam sempre perdidos! Apesar das reservas que foram
expressas quanto ao nível de envolvimento dos pacientes em seu
tuitamento, a avaliação feita por eles mesmos deve ser encorajada
Kempre que possível. Um exemplo seria uma tabela simples de
milo-registros que ficasse perto da cama do paciente, que deveria
lieá-la sempre que fosse a uma loja ou ao correio. A auto-avaliação
pode ajudar o paciente a manter-se esclarecido quanto às metas de
qualquer intervenção, mesmo que os resultados da auto-avaliação
não sejam psicometricamente confiáveis.
O Quadro 9.1 ilustra a seqüência de avaliações e a coleta de
mlbrmações que podem estar envolvidas na introdução de um pro­
grama comportamental no âmbito da ala hospitalar, ou de um
programa num hospital-dia.
Sempre que possível, o paciente deve ser entrevistado. Entre­
tanto, certas habilidades são necessárias para se entrevistar pacien­
tes com deficiências crônicas. Já que podem ter uma baixa tolerân­
cia com relação a perguntas demasiadamente importunas, é impor­
tante, no caso de muitos pacientes, que se façam relativamente
poucas perguntas em uma entrevista, e que a sessão tenha um tem­
po limitado. Tendo em vista que podem ser lentos para responder
às perguntas, é importante dar-lhes uma ampla oportunidade de
resposta antes que estas sejam incitadas. Devido à possibilidade de
algum distúrbio em seu raciocínio, as perguntas devem ser o mais
diretas possível, sem frases ou sentenças predicativas. Para ficar
mais fácil obter respostas de alguns pacientes, convém pedir-lhes
que as anotem, ou que indiquem a resposta correta num cartão pre­
parado anteriormente, em vez de esperar por uma resposta verbali-
________________________________________________________________________Terapia cognitivo-comportamailnl

Quadro 9.1 Seqüência de avaliações e coleta de informações anteriores an


tratamento

1. Avaliar todos os pacientes utilizando-se medidas-padrão (inclusive uma cs


cala-padrão de avaliação do comportamento geral e uma classificação psiquiá
trica padrão)
2. Coletar outras informações básicas (entrevistar pacientes, equipe ou familmiv,
quando necessário e possível), incluindo a idade dos pacientes, o sexo, as coa
dições físicas e médicas, a atividade diária atual e as relações sociais com oti
tros pacientes
3. Considerar se o agrupamento de pacientes seria útil, e se alguns pacientes
frágeis demais, ou demasiadamente perturbados, etc., para se encaixarem ao
sao
grupo proposto
4. Identificar, em bases individuais ou de grupos, quaisquer problemas comuns ou
déficits de ocorrência freqüente que talvez sejam passíveis de tratamento, o
coletar quaisquer outras informações relevantes (por exemplo, quaisquer inu-
resses ou recursos remanescentes dos pacientes)
5. Desenvolver uma medida sensível à mudança para cada problema identificado
- por exemplo, uma medição por amostragem de tempo do uso positivo dir.
horas de lazer, ou uma lista de checagem de passos específicos nos cuidados
pessoais - e coletar observações para estabelecer diretrizes
6. Selecionar (inicialmente) um ou dois problemas comuns a vários pacientes (ou
a alguns pacientes com problemas específicos) quando a melhora, em cada pro
blema, for de grande importância para o paciente, para a equipe de assistência
ou para a família

zada. Uma recusa total em ser entrevistado, incluindo o fato de al


guns pacientes deixarem o recinto, não é incomum, mas uma pro
porção significativa de pacientes refratários geralmente responde
quando abordada novamente um ou dois dias depois. Muitos famí
liares de pacientes com disfunções crônicas sabem, surpreendeu
temente, muito pouco sobre a natureza do problema deles, e tal ve/
sejam melhores informantes se suas perguntas forem respondidas
primeiro.
Uma avaliação inicial envolveria uma classificação padrão de
comportamento geral com pelo menos uma indicação das prim i
pais áreas de distúrbio comportemental. Isso ajudaria a asseguiat
que as metas terapêuticas sejam estabelecidas num nível realista, e
que as principais áreas de distúrbio sejam levadas em consideraçao
no planejamento terapêutico detalhado. A isso se seguiria uma
Iklli le/h 'iaxpxiquiátricax crônicax 455

(viilinção clínica geral do estado físico (incluindo-se, aí, uma doen-


Vh li'ica significativa e a necessidade de alguma medicação de
mumilenção). A avaliação subseqüente, com base em um grupo ou
Min iiuiivíduo, se concentraria em áreas-alvo relativamente limita-
iImm (como o comportamento no horário das refeições, ou a fre-
4|IIOncia de gritos perturbados), avaliadas principalmente através
itii observação direta (fazendo uso dos procedimentos de amostra­
gem temporal) e através do uso de listas de checagem específicas,
que lalvez precisam ser especialmente elaboradas. Uma vez que,
tu *caso desses pacientes, as intervenções podem levar no mínimo
Vui ios meses, todas as medidas de avaliação devem ser seleciona-
iliis de modo a poderem ser regularmente usadas durante períodos
I uusideráveis de tempo. Há várias análises detalhadas da prática
ilr avaliação no caso de pacientes crônicos (Hall, 1981; Shepherd
l«)K4; Wallace, 1986).

liilores relativos à adequação ao tratamento

O tratamento que visa melhorar os déficits comportamentais


é geralmente mais eficaz do que o tratamento que visa reduzir a
laxa de comportamento divergente, ou impróprio. Dado que os dé-
! icits mais comuns são os sociais, os fatores positivos que indicam
,i adequação para o tratamento incluem indícios de que o paciente
ainda conserva um certo grau de aptidão social; mantém alguma
interação com outros pacientes, parentes e equipe, e pode ainda
conversar bem com outras pessoas. Qualquer sinal de que alguma
nova aptidão tenha sido adquirida recentemente, ou de que algum
antigo interesse tenha sido despertado, constitui também um fator
positivo.
Dada a incapacidade de alguns pacientes em expressar seus
próprios desejos, há questões éticas relativas ao modo como os
pacientes crônicos devem ser tratados. Se os pacientes interna­
dos em hospitais não conseguem expressar claramente suas pró­
prias vontades, é inaceitável que por esse motivo não sejam tra­
tados; ainda assim, tam bém há limites para além dos quais
alguns tratamentos não podem ser impostos. Esse dilema é par­
ticularmente sério para o número reduzido, porém significativo,
456 Terapia cognitivo-comportamental

de pacientes crônicos de uma determinada região que podem soi


continuamente mantidos sob custódia graças a um parágrafo dn
Lei de Saúde M ental de 1983, e cujo tratamento deve ser cuiilii
dosamente considerado pela equipe local à luz do relatório <lc
Zangwill (1979) (ver também Gostin, 1986). O relatório Zangwill
estabelece diretrizes para o uso de programas comportamental-,
com pacientes, sugerindo, em particular, como se deve chegai' n
um consenso quanto aos objetivos e procedimentos de progni
mas, e como se deve assegurar o mínimo de padrões de acomo
dação, etc.
A presença de sintomas psicóticos ativos não constitui, por s i
só, um obstáculo ao tratamento bem-sucedido, e o tratamento com
portamental desses sintomas é descrito mais adiante neste capíln
lo. Em geral, níveis contínuos de um comportamento perturbadoi
ou violento fazem com que fique difícil proceder ao tratamento
Um histórico de uso de álcool excessivo também aponta para um
prognóstico pouco promissor de tratamento num contexto comum
tário.
Se houver probabilidade de que o paciente permaneça num
contexto de acomodação supervisionado, alguns fatores úteis
para a seleção para o tratamento serão a presença contínua ik*
alguns interesses específicos, um nível razoável de compreensão
verbal e indícios de receptividade social contínua. Se houver pro
babilidade de que o paciente possa mudar para uma forma di­
vida mais independente, a capacidade de tom ar medicamento1,
regularmente pode ser importante. Se a família ainda estiver em
contato com o paciente, seu relacionamento e seu modo de into
ração devem ser avaliados. As implicações de uma pesquisa iv
cente sobre padrões de interação entre paciente e família sugo
rem que, quando a interação é caracterizada por níveis elevado-,
de contato direto, hostilidade, envolvimento excessivo e conu-u
tários críticos, o retorno do paciente aos cuidados familiares som
que se tente mudar o comportamento da família traz um alto i is
co de recaída (ver seção sobre o tratamento a longo prazo de no
vos pacientes, p. 472).
I klh Inii tax psiquiátricas crônicas 457

( onto tratar as deficiências psiquiátricas crônicas

Alguns pacientes com deficiências crônicas relativamente


moderadas podem ser considerados como pacientes ambulatoriais
■ tu|iiunto vivem em seus próprios lares e continuam a trabalhar.
I nlretanto, a maioria dos pacientes que se apresentam para trata-
liii'iito estará vivendo em algum tipo de contexto no âmbito da uni-
iImiIc hospitalar/hospital-dia/residência em grupo/albergue super-

\ iMonado/casa dos pais, ou estará freqüentando, durante o dia, al-


yiini lugar no âmbito do departamento de terapia ocupacional hos-
|nl;ilar/centros de saúde mental de atendimento diário/centros de
iilrudimentos múltiplos, ou ambos. Pelo menos durante parte do
tempo, muitos dos pacientes serão tratados num contexto de gru­
po, quase sempre pela razão pura e simples da falta de tempo dos
lerapeutas disponíveis para tratar os pacientes individualmente. O
Imlamento será descrito em quatro subtítulos que, juntos, cobrirão
o s principais aspectos práticos do tratamento dos pacientes crô­

nicos:

• criar um ambiente cognitivo-comportamental para grupos;


• criar programas individuais para pacientes;
• a longa-permanência: o tratamento de grandes grupos de pa­
cientes em hospitais e hospitais-dia;
• os novos pacientes a longo prazo: o tratamento de indivíduos
em famílias.

( riar uma atmosfera cognitivo-comportamental para grupos

Todas as unidades hospitalares e centros de atendimento diá­


rio têm algum tipo de “ambiente” ou atmosfera, mas esse ambiente
não pode ser especificamente aceito como o principal instrumento
de tratamento. Ao se tratar os pacientes crônicos, a maior parte
possível do tempo que passam acordados deve ser dispendida num
ambiente estável que possa explorar os ganhos de quaisquer pro­
gramas específicos de tratamento individual ou em grupo. Qual­
quer terapeuta que trabalhe com esses pacientes em contextos não
458 Terapia cognitivo-comportameniul

domésticos talvez dispenda tanto tempo com a manutenção desse


ambiente geral quanto com os detalhes de programas individuais
Uma primeira tarefa importante é chegar a um acordo com n
equipe de assistência direta quanto a algumas metas terapêutie;i
globais: no que diz respeito a algumas abordagens comportamcn
tais, há o risco de que o tratamento seja considerado como uma sé
rie de programas independentes que se seguem uns aos outros sem
a existência de uma coesão global, e com pouca capacidade de atrníi
o comprometimento da equipe. Entretanto, há uma série de mel;i‘<
terapêuticas de primeira ordem atualmente em voga, inclusive o
encorajamento de altos níveis de “personalização” ou de “envolvi
mento”, ou a promoção de um “ambiente menos restritivo” (vci,
por exemplo, MIND, 1983). A personalização se refere ao encom
jam ento e á criação de eventos, bens e rotinas diárias que são pes
soais e exclusivos a cada paciente; da parte do terapeuta, o envolvi
mento se refere ao uso concreto do material e do equipamento re
creativo e ocupacional, e a conversação ou colaboração real com
os pacientes vizinhos, em vez de sentar-se passivamente ao lado de
materiais e pessoas.
Um conceito particulamente influente é o da “normalização",
desenvolvido por Wolfensberger e Glenn (1975). Essa abordagem
pressupõe que a sociedade tem se recusado a aceitar pessoas dei i
cientes e incapacitadas como seus iguais, e que os tem deprecindo
ao transferi-los para ambientes segregados ou impedir seu acesso
aos recursos “normais”. O argumento pressupõe que se as pessoiin
mentalmente deficientes tiverem acesso aos meios e recurso*
“normais” irão tornar-se e sentir-se “iguais”, adquirindo novos re
pertórios de comportamento. Há o risco de que essas filosofias se
jam apresentadas como meros jargões ou slogans: outros vêem
nessas concepções uma maneira de dar coesão a práticas de equipe
que de outra forma seriam desconexas.
E geralmente útil dispor-se de um período de várias semann .
para que essas idéias sejam explicadas à equipe envolvida no pm
grama e exploradas por ela. Isso pode ser feito através de reuimV*
regulares com os principais membros da equipe. Fotocópias du
bons artigos ou capítulos devem estar sempre disponíveis. Visilm
um hospital que esteja experimentando o mesmo tipo de aboiild
gem de tratamento é quase sempre muito eficaz, além dc gemi
fk ll' inn ins psiquiátricas crônicas 459

twitU* l'i iar um estimulante clima de “dia passado fora” . A esco-


!lm «lo sistema conceituai global vai depender da necessidade e
iliii» circunstâncias locais; entretanto, a não-adoção de um molde
»■HiHvilual global significa que metas inadequadas e implicita-
itii iik' passivas como o “retorno à comunidade”, ou a “criação de
tini ambiente doméstico” vão ser a tônica dos procedimentos da
»ijlilpc.
l)m atributo importante da atmosfera global da ala ou unida-
ilf hospitalar deve ser sua estabilidade. Em geral, os pacientes crô­
nicos levam muito tempo para responder aos programas, e se fica-
iPiii numa ala hospitalar para casos agudos podem ser afetados
pplos inesperados episódios perturbadores que lá ocorrem. Um
componente da estabilidade é a coesão da equipe, com o mais
Iwixo nível possível de rotatividade de pessoal. Da mesma forma,
nu movimentos dos pacientes devem ser minimizados; as decisões
ilt* alta improvisadas devido a pressões para a admissão de outra
pessoa, e os deslocamentos de pacientes efetuados por razões pu-
Nimonte administrativas devem ser evitados.
( )utro componente dessa estabilidade é a coesão nas práticas
titi ei|uipe e a consistência dos moldes globais, de tal modo que
’ mesmo os episódios relativamente infreqüentes de comportamento

I
perturbado de alguns pacientes sejam abordados de maneira seme­
lhante. Por exemplo, a observação de uma série de ataques físicos
I ilc um paciente pode revelar vários tipos de respostas da equipe, co­
mo repreensão, apartar o agressor da vítima, evitar a situação ao
tlcixar o recinto ou forçar o paciente a se desculpar. Uma resposta
apropriada para ataques deve ser estabelecida de comum acordo
I (litre a equipe. A coesão também é importante no caso das “regras”
gerais da ala, como o horário em que os residentes devem ir para a
cama, ou se o uso de álcool vai ser permitido em seus aposentos
I Iver cm Lavender, 1985, uma discussão de práticas de equipe).
Hsse nível de coesão geralmente requer um treinamento for-

I
I mal da equipe, cobrindo toda a equipe de assistência direta e enfa-
I ii/ando as habilidades práticas. Milne (1986) faz uma descrição
I detalhada de como elaborar um programa de treinamento de enfer-

I mugem voltado para a ala hospitalar. O objetivo desses programas


[ ê produzir uma mudança de habilidades que se generalize para o
contexto da ala após a conclusão do programa. Esses cursos de
460 Terapia cognitivo-comportamciihil

treinamento geralmente cobrem tópicos como as causas da deli


ciência psiquiátrica crônica, a monitoração e o registro daquilo que
os pacientes fazem, princípios gerais de aprendizado e promoção
de novas habilidades adaptativas. Os métodos de ensino utilizados
nesses cursos devem não só incluir informações escritas ou fala
das, mas também “icônicas” (na notação de Milne), aprendendo
se através da exposição de vídeos ou demonstrações ao vivo, e o
aprendizado “por atuação” a partir do envolvimento prático em
projetos, ensaios e representação de papéis (role-play). Barkei
(1982) e Butler e Rosenthal (1985) indicam em detalhes o conteii
do necessário para esses cursos.

Criar programas individuais para pacientes

Há um corpo considerável de pesquisa demonstrando que os


métodos comportamentais podem ser usados no caso de paciento
crônicos individuais e modificar uma ampla variedade de compoi
tamentos sintomáticos, inclusive a experiência e concomitantes
comportamentais de alucinações auditivas. Uma série de ensaios,
como os de Baker (1975), Gomes-Schwartz (1979) e Matson (198(1),
indicam a variedade de problemas tratados e de técnicas utilizadas
Os problemas tratados incluem os delírios (geralmente aqueles
que são consistentes e de longa duração) e outras formas de dislíu
bios do pensamento (como as associações perturbadas) que, em
termos de tratamento, podem ser formuladas como distúrbios da
fala, distúrbios da expressão emocional e distúrbios de percepção
Muitas das técnicas usadas são descritas mais adiante nesta seçao.
mas outras incluem a saciação (a apresentação repetida e constante
de um estímulo até que a resposta inadequada seja extinta), a pausa
(o afastamento do contexto por um breve período de tempo quan
do a perturbação do comportamento estiver ocorrendo) e a exila
ção de videoteipes que mostrem aos pacientes os seus próprio»
comportamentos.
O grau de modificação de comportamento que pode sei al
cançado no caso de pacientes individuais é altamente variável
Embora o índice de mudança individual seja em geral relativa
mente baixo, há casos em que todos os principais sintomas apir
Ilf III mir im psiquiátricas crônicas 461

ti Hirnlos por um indivíduo foram suprimidos (ver, por exemplo,


Nydegger, 1972). A relação entre a mudança do comportamento
iliilomático ou perturbado e o funcionamento adaptativo ou so-
t ml r freqüentemente baixa, o que torna importante determinar,
I mu antecedência, a principal área de comportamento escolhida
limto para a intervenção quanto para a monitoração regular. O
■miiportamento-alvo inicialmente selecionado deve ser escolhido
I um cuidado: como a equipe hospitalar ou os familiares podem
1 1 céticos quanto ao valor das técnicas comportamentais, as m e­
in1, iniciais devem ser aquelas que apresentam maior probabilida­
de ile mudança, e nas quais as mudanças sejam vistas como mais
I(levantes.
A variedade total de técnicas comportamentais pode ser utili-
,11la no caso de pacientes crônicos. No caso do mutismo eletivo,
por exemplo, pode ser necessário começar pelas técnicas de mode-
lnçilo, de modo que até as mais rudimentares aproximações da fala
nt'iam imediatamente intensificadas por meio de algum material
dr reforço, como um refrigerante ou um biscoito. Procedimentos
dr imitação (que levam o paciente a seguir passo a passo as ações
do terapeuta, se necessário através da estimulação manual) tam-
I u ni podem ser úteis quando o ritmo inicial de comportamento for
muito baixo, embora essa técnica traga consigo um ligeiro risco de
uma tendência excessiva a imitar o terapeuta de maneiras irrele­
vantes.
Um clássico estudo de caso individual de autoria de Ayllon e
Michael (1959) demonstrou o modo como a atenção seletiva por
parte da equipe de enfermagem poderia modelar o comportamento
ile um determinado paciente, neste caso ao segurar uma vassoura.
Meichenbaum e Cameron (1973) desenvolveram o procedimento
ila “auto-instrução” no caso de pacientes crônicos, encorajando-os
,i pensar em voz alta e a se darem instruções como “Devo ser coe-
u:nte”, partindo em seguida para a intemalização dessas estraté­
gias de pensamento. O trabalho de Meichenbaum se mostra de in­
teresse nesse uso recente de técnicas cognitivas e no modo como
e le desenvolveu cadeias de elementos comportamentais anterior­
mente não relacionados tendo em vista a produção de uma mudan­
ça de comportamento complexa.
462 Terapia cognitivo-comportaniciihil

Programa de vestuário

Um exemplo detalhado de como modificar os déficits quanto


ao modo de se vestir ilustra uma série de pontos-chave. Mu ihm
pacientes crônicos têm uma aparência estranha; isso pode devei -se
a muitos motivos, inclusive a um modo de andar estranho, resul
tante da medicação de manutenção, e a roupas que não se ajustam
bem devido à falta de espaços individuais para os pacientes se ves
tirem. Isso indica a necessidade de uma avaliação adequada du
porquê de alguns pacientes terem uma aparência estranha, antes de
se procurar melhorar sua capacidade de se vestir.
A avaliação poderia incluir a elaboração de uma lista de ehe
cagem individual, verificando-se todos os dias, durante exataim-n
te uma semana, quais aspectos físicos parecem incomuns pui
exemplo, “cabelo despenteado” ou “blusa abotoada de maneint
incorreta”. Poderia incluir a observação direta do paciente ao st*
lavar e vestir pela manhã, atentando para o que faz - isso poderin
revelar também que o paciente dorme com a roupa do dia anterioi,
não tendo, portanto, o hábito de se vestir todos os dias.
Entretanto, muitos pacientes crônicos podem ter dificuldades
tanto para se vestir no início do dia - o que sobrecarregaria conside
ravelmente a equipe hospitalar ou os familiares - quanto para mau
ter uma aparência asseada durante o dia. Uma condição prévia paia
um programa de vestuário satisfatório é o fornecimento de roupas
do tamanho apropriado, um espaço de fácil acesso onde as rou
pas possam ser mantidas, e um espaço particular com um espelho,
onde a roupa possa ser exposta antes de ser vestida. É muito co
mum que não se forneça um feedback imediato a esses pacientes
depois de se vestirem, razão pela qual quaisquer comentários du
tipo “Você parece elegante hoje” não sejam interpretados por eles
como relacionados a seu comportamento anterior. Quaisquer elu
gios ou incentivos ao paciente devem se dados alguns segunde,
após a conclusão satisfatória de uma etapa do ato de vestir-se.
No caso de pacientes muito deficientes, as técnicas de encu
deamento retroativo podem ser úteis. Assim, quando um paciente
estiver aprendendo como se deve vestir uma camisa, esta será pt i
meiro vestida por um membro da equipe ou da família, pedindo se
apenas ao paciente que abotoe os dois últimos botões, ou o último
I Hili h 'ni 'ias psiquiátricas crônicas 463

Nu estágio seguinte, o paciente terá de abotoar mais botões, e por


Ultimo aprenderá a vestir a camisa. Essa técnica, muito usada no
I uso de pessoas com graves deficiências mentais, se aplica a qual­
quer pessoa cognitivamente prejudicada que apresente déficits
flCNsas habilidades cotidianas.
Os pacientes crônicos podem ser capazes de se vestir, mas sua
iipurência pode deteriorar-se durante o dia. Isso pode ser abordado
iiu se verificar a aparência do paciente a intervalos regulares du-
iniite o dia, se necessário com relação a determinados itens do ves­
tuário (verificar se a gravata está bem colocada, se o zíper está
fcchado, se os cordões dos sapatos estão amarrados), e ao forne-
rer-lhe o feedback apropriado de informações, elogios e reforço
material (como um cigarro). Uma razão comum pela qual o modo
de se vestir pode deteriorar-se no caso desses pacientes é que as
cinzas de cigarro ou as pontas que caem sobre suas roupas podem
queimar, produzindo furos. Essa possibilidade pode sugerir um
programa específico de como usar bem os cinzeiros. O padrão de
uso de cigarros numa ala hospitalar de longa permanência pode ser
significativo por si só, uma vez que pode constituir o centro de
grande parte da interação entre os pacientes.
Os programas de tratamento individuais têm de ser monitora­
dos para assegurar que a mudança está ocorrendo, e que as metas
estão sendo regularmente reexaminadas. Isso é mais fácil de alcan­
çar através da observação direta do programa que está sendo reali­
zado, e implica que alguém que possui um conhecimento adequa­
do tanto dos métodos comportamentais em geral quanto dos pro­
gramas específicos em particular esteja disponível para observar
uma amostra do programa. Teoricamente, um membro não qualifi­
cado da equipe pode realizar essa tarefa, mas, se assim não o for,
um membro profissional da equipe que supervisiona o programa
terá de fazê-lo. Esse procedimento também pressupõe que a equi­
pe de assistência direta sabe que será observada, e que o observa­
dor é capaz de fornecer-lhe feedback de maneira precisa e não
agressiva.
Outro ponto prático importante é conferir variabilidade aos
programas individuais desde o início - por exemplo, com relação a
quem os conduz, onde ocorrem, e em que período do dia se reali­
zam. De outra maneira, a melhora não apresentará probabilidade
464 Terapia cognitivo-comportamcnuil

de difundir-se (ou generalizar-se) aos outros meios ou outros rela


cionamentos (Shepherd, 1980). Quando o paciente está sendo prc
parado para a alta, ou para a transferência de um contexto para ou
tro, é essencial que os programas individuais sejam realizados, em
pelo menos alguns momentos, no contexto pós-transferência, an­
tes que a transferência final ocorra.

A “longa permanência” - o tratamento de grandes


grupos de pacientes em hospitais e hospitais-dia

Apesar da redução dos números totais de pacientes de longa


permanência em hospitais psiquiátricos, a maioria dos hospitais
tem um certo número de alas que abrigam vinte, trinta ou mais pa
cientes crônicos. Os níveis do pessoal que atua nessas alas podem
ser muito baixos, com apenas duas ou três equipes em serviço em
qualquer período: a disponibilidade de pessoal é o determinante
crucial da complexidade de qualquer programa de grupo a sei
experimentado. Os programas de grupo serão mais relevantes se
os seus membros forem relativamente semelhantes em seu nível de
funcionamento, tendo em vista o comportamento-alvo em ques
tão. Uma pesquisa de grupo preliminar, fazendo uso das técnicas
de avaliação já descritas, pode ser útil na identificação inicial de
grandes agrupamentos de pacientes e, depois, de níveis de habilt
dades específicas dentro de um grupo. Uma pesquisa desse tipo
pode às vezes levar a algumas transferências entre as alas, a fim de
aumentar a homogeneidade dos agrupamentos no âmbito de uma
ala, mas essas transferências não devem interferir em amizades
existentes - a menos que isso seja absolutamente essencial - , e de
vem ocorrer com a menor freqüência possível.
Uma habilidade importante na criação de programas compoi
tamentais de grupo nesse tipo de contexto consiste em identificai
as metas terapêuticas que, além de aplicáveis ao maior número de
pacientes, apresentem várias oportunidades por dia para a ocoi
rência de intervenções. A melhora no comportamento à hora das
refeições é um exemplo de tal meta: um padrão razoavelmente
aceitável de modos de se alimentar e beber, como o padrão para u
vestuário e a aparência, é importante para a aceitação, por parte da
Ib‘111irnciaspsiquiátricas crônicas 465

#<>munidade mais ampla, dos pacientes com disfunções psiquiátri-


I ns crônicas. Além disso, as refeições ocorrem três vezes ao dia, e
I imslituem uma parte principal da carga de trabalho da equipe de
MNsistência. Além da melhora de habilidades puramente funcionais
no alimentar-se, como uma redução do babar ou um aumento do
uso de garfos e colheres (em oposição a comer com os dedos), as
le feições também constituem oportunidades significativas para
uma melhora da interação social e da cooperação.
Em seus detalhes, um programa desses pode voltar a atenção
pura uma postura apropriada ao sentar, usar os utensílios adequa­
dos, servir-se de comida e bebida, retirar os pratos da mesa e esti­
mular a comunicação com o paciente ao lado do paciente-alvo. Um
exemplo simples e claro do comportamento padrão solicitado seria
escrito - de preferência em letras bem grandes - num cartão que
pudesse ser usado como estimulação pelos membros da equipe
sempre que necessário. Iniciado o programa, a equipe de assistên­
cia deverá observar se o comportamento padrão solicitado ocor­
reu, reforçando-o apropriadamente o quanto antes. Isso poderá
envolver um feedback positivo com relação às metas atingidas (por
exemplo: “Muito bem, você se sentou próximo à mesa”) e um
feedback com relação às metas não atingidas, porém esperadas
(por exemplo: “Procure segurar o garfo de forma correta” - ao
mesmo tempo que se demonstra a maneira correta de fazê-lo), elo­
gio social, encorajamento e reforço material - ou fichas - quando
isso fizer parte do programa. Não se deve esquecer que cada um
desses reforços também constitui uma interação social individual
que pode, de outra maneira, ser muito rara em tais contextos.
Outro exemplo de um objetivo de grupo que pode ser apro­
priado nesse tipo de contexto é a realização de uma tarefa ou um
trabalho no âmbito da ala hospitalar. O nível total de atividade do
paciente durante o dia pode ser bem baixo, e há um risco de que
nada aconteça no intervalo de atividades altamente estruturadas,
como a hora das refeições. É posssível examinar todas as tarefas
disponíveis em uma ala - como, por exemplo, passar aspirador,
colocar as mesas, lavar a louça, arrumar as roupas da ala - e classi-
ficá-las de tal modo que tarefas possam ser designadas àqueles
que forem capazes - ou quase - de dar conta delas. Cada tarefa
leva a um “cartão de tarefa” (Figura 9.1), disponível tanto para a
466 Terapia cognitivo-comportamcnlul

equipe quanto para os pacientes, fornecendo informações solm


os passos envolvidos em cada trabalho, e ao critério para o de
sempenho satisfatório. É muito importante assegurar-se de qui'
esses trabalhos sejam trocados a cada duas ou quatro semamis, ,i
fim de encorajar alguma flexibilidade de desempenho que evili-
aquele fenômeno de alas tradicionais - o paciente que prepara o
chá muito bem porque já vem fazendo o mesmo trabalho há de
zessete anos.

Recompensas e reforços

Muitos programas de ala hospitalar fazem uso de alguma foi


ma de recompensa material ou, ao utilizarem fichas que darão
acesso a bens materiais, tornam-se exemplos de “fichas de econo
mia” (p. 9). É um paradoxo que os experimentos controlados sugi
ram que as fichas de economia constituam o tratamento de grupo
indicado para pacientes de longa permanência, mesmo que sun
eficácia não se deva ao fundamento lógico do condicionamento
operante que levou ao seu desenvolvimento. Exames recentes di*
fichas de economia (Hall e Baker, 1986) sugerem que os sistcmir.
complexos de interação social inerentes à sua aplicação const i
tuem os elementos terapêuticos fundamentais para sua eficáciu
Isso tem importantes implicações práticas, já que sugere que <i

TAREFAS DA SÉRIE 3
TAREFA N? 1
CAFÉ DA MANHÃ

1. Lavar as mãos
2. Arrumar o carrinho: Parte superior-cereais de milho, cereais dc lugn,
pratos, leite
Parte inferior - bandejas
3. Depois dos cereais, retirar o carrinho e limpar
4. Arrumar o carrinho com recipientes, talheres e pratos
5. Retirar o carrinho, colocar os recipientes num carrinho menor
6. Entregar o cartão

Figura 9.1 Exemplo de um cartão de tarefa para monitorar a realização il>


tarefas específicas
Ik 11' Um ins psiquiátricas crônicas 467

fttlu'HH iipropriada de fichas acompanhada pelo feedback associa­


do 1 pela orientação específica constitui, em si, o processo princi-
|inl <In melhora, e que a troca concreta das fichas por bens mate-
IIhIn se torna redundante.
( ) uso de fichas pode trazer outro benefício: ainda que, em teo-
Ilu li natureza física da ficha não seja importante, o uso de dinheiro
mim acionai feito de plástico, como as fichas, ajuda na reintrodução
i|. \;ilores monetários relativos na vida cotidiana dos pacientes crô-
Hlt os. Muitos pacientes fazem uma compra por dia de doces ou
• Igm ros, e então não têm de tomar outra decisão envolvendo di­
n h e ir o durante o resto do dia. Visto assim, o uso de fichas ajuda-os
.1 l.i Af1mais escolhas e a tomar mais decisões durante o dia.
Sc algum tipo de recompensa ou reforço material for utiliza­
d o , é essencial verificar se o reforço utilizado num contexto com
um paciente é compatível com aquele que se faz disponível em
iMilros contextos. Por exemplo, pode ser que algum paciente rece-
Int do hospital algum ganho proveniente de participação em um
d e b a te , algum dinheiro ou bens provenientes da visita de um fami-
llttr e , através das fichas, alguns bens provenientes da administra-
Vflo da ala. Nessas circunstâncias, o dinheiro e os bens provenien­
tes de todas as outras fontes devem ser monitorados, para que os
Itens provenientes da administração da ala constituam uma propor­
ã o suficientemente alta da renda total significativa para o pacien­
te, do ponto de vista de sua “economia” pessoal.
No caso do paciente relativamente deficiente, a volta ao mun-
ilo do trabalho pode ser muito improvável, razão pela qual as me-
liis terapêuticas devem incluir atividades recreacionais e sociais.
Islas poderiam incluir o envolvimento em passatempos ou interes­
ses individuais, como modelagem ou coleção de selos; jogos, como
damas ou bingo, e alguma atividade física. Já que uma proporção
considerável de pacientes de longa permanência pode ter uma
hInde relativamente avançada, as técnicas elaboradas para o uso
com os idosos podem ser incorporadas ao regime da ala.
As técnicas de “reminiscência ” constituem uma das princi­
pais intervenções psicológicas que se tem utilizado no caso de pes­
soas idosas. Na terapia de reminiscência, grupos de idosos são in­
centivados a compartilhar lembranças de interesse comum, elicia-
tlas pelo uso de jornais velhos e outros materiais de “estimulação”.
468 Terapia cognitivo-comportamcnh il

À medida que as memórias individuais ou de grupo emergem, on


membros do grupo são encorajados a ver quais desafios já superu
ram no passado, para poderem adotar uma postura mais positiv»
quanto ao presente. (Ver Wisoki, 1984, para detalhes adicionai>>
sobre métodos comportamentais no caso de idosos.) Pode também
ser apropriado afastar de forma positiva (ou “aposentar”) pacien
tes mais velhos de atividades diárias, como a participação em um
debate sobre terapia industrial que não se mostra mais apropriado
à faixa etária. Quando os pacientes mais velhos continuam a pari i
cipar desses debates por força do hábito, seu rendimento de trabn
lho é com freqüência extremamente baixo, e sua participação pode
estar impedindo-os de ingressar em outras atividades mais apro
priadas.

Monitoração e revisão do programa

Se alguns objetivos fizerem parte de um programa de ala, o


progresso de pacientes individuais deve ser monitorado para que
os níveis de desempenho desses objetivos possam ser modificados
periodicamente. Quando houver uma melhora no comportamento
de um paciente, deve haver algum indício de mudança estável au
tes de passar para um nível mais exigente de comportamento. Nilo
há nenhuma razão para se fazer uma revisão de programa mais de
uma vez por mês, já que o índice de mudança de comportamcnlo e
em geral relativamente baixo. A revisão muito freqüente de com
portamento pode levar a equipe a atribuir importância a mudançns
de comportamento que constituem flutuações menores, e não indi
cações reais de melhora.
Há indícios (Hall et al., 1977) de que, quando se identificam
muitos aspectos do comportamento do paciente como objetivos,
qualquer melhora nessas áreas de objetivos podem ser seguidas
pela deterioração de alguns comportamentos que não o sejam I . ,o
ilustra a capacidade limitada de alguns pacientes de atentar puni
mais do que poucos alvos de uma só vez, sugerindo inicialmente
que se limite o número de áreas-alvo para determinados pacientes
a três ou quatro, no máximo. As melhoras estáveis nessas áreas pi >
dem então justificar um aumento do número de metas.
Iklli h 'tii ias psiquiátricas crônicas 469

Já que há uma alta probabilidade de ocorrência de alguma ro­


tatividade de pessoal na equipe de assistência direta, faz-se neces-
iriilu a repetição contínua de cursos de treinamento, razão pela
qiiiil os manuais básicos ou guias com relação ao programa da ala
ilrwm estar disponíveis aos novos membros da equipe assim que
*r integrarem a ela. Assim como há rotatividade de pessoal, espe-
lit se que haja também rotatividade de pacientes, á medida que
aqueles que apresentam melhoras sejam transferidos para um am­
biente mais independente. Os novos pacientes admitidos à ala po-
ili'in se mostrar menos competentes do que os pacientes mais anti-
yoM, de tal modo que, lentamente, o nível de deficiência dos pa-
I lentes novos pode aumentar. Será então necessário proceder-se
pniodicamente a um exame do programa integral - digamos, a
I mia dois anos - para assegurar que o regime da ala se ajuste às ne­
cessidades dos pacientes atuais.

iburdagens recentes dos cuidados de atendimento diário

A seção anterior se concentrou no tratamento de grupos relati-


V«mente grandes de pacientes mais deficientes. A atenção agora se
volta para o tratamento de grupos menores de pacientes aparente­
mente menos deficientes - em geral denominados “novos pacientes
ili' longo prazo” - em contextos de atendimento diário. Na prática,
im residentes de alguns hospitais-dia podem ser mais deficientes do
que alguns pacientes de certas alas de um hospital vizinho; esta se-
çrto, portanto, diz respeito ao tratamento de pacientes relativamente
competentes, seja qual for o contexto em que vivam.
O termo “novos pacientes de longo prazo” é usado de forma
Imprecisa na literatura de pesquisas, mas em geral descreve aque-
lilB pessoas que já estiveram num hospital psiquiátrico por mais de
nove ou doze meses contínuos, sem terem permanecido internados
por períodos mais longos. Apesar de seu histórico psiquiátrico re-
Intivamente breve, essas pessoas podem ter passado alguns perío-
ilos na prisão, em albergues do Exército da Salvação ou congêne-
108, e podem ter tido muito pouca experiência de trabalho ou de
existência social independente normal. Podem, portanto, ter difi-
I tildades para cuidar de seu próprio dinheiro, ou podem ser relati-
470 Terapia cognitivo-comportanicnhil

vãmente inaptos em sociedade, o que por sua vez os impede dc vi


ver de modo independente.
Embora ainda apresentem sintomas psiquiátricos, essas pcs
soas não precisam dos níveis relativamente altos de supervisão qu<'
são oferecidos no contexto hospitalar, podendo ser capazes dc cu
operar razoavelmante bem com os outros. Podem ser mais bem
cuidadas se viverem num sanatório situado numa rua normal, o
que lhes permite manter as habilidades, os interesses e os contait>■■<
sociais já existentes, ao mesmo tempo que recebem uma ajuda le
rapêutica positiva e uma certa proteção que os impeça de serem
explorados.
Nessas circunstâncias, uma abordagem organizacional dilr
rente do uso de estratégias de intervenção cognitivo-comporln
mental tem de ser desenvolvida. Um sistema freqüentemente usa
do consiste em ter um psicólogo ou psiquiatra no papel de orienta
dor tanto do hospital-dia quanto de um centro de atendimento dia
rio associado, e oferecer cursos - por exemplo, de treinamento de
habilidades sociais neste último. Já que os residentes em hospital',
dia podem ser capazes de assumir responsabilidades mais colei i
vas por suas vidas do que é possível numa ala hospitalar, os resi
dentes e a equipe podem ser capazes de estabelecer alguns papéis e
procedimentos comuns.
Wykes (1982) e Garety e Morris (1984) descreveram um
exemplo de tal hospital-dia, ilustrando como as técnicas compoi
tamentais podem ser usadas nessas situações. Nesse hospital-din
em particular vivem quatorze residentes, num espaço que foi ante-,
uma grande casa vitoriana. A maioria dos residentes precisou de
muita atenção individual, tendo sua rotina diária elaborada poi
um psicólogo. O problema principal foi manter a r e s p o n s a b l i d a d .
dos residentes por aquelas tarefas que são capazes de assunm
mesmo que as realizem lentamente e de forma ineficiente. As ro
tinas de cuidados individuais são então cuidadosamente revisad.r.
a cada semana.
As duas descrições dessa unidade concentraram-se nas práli
cas de controle que mantêm um ambiente terapêutico apropriado
para esse grupo de pacientes. Estas incluem o fomento de postum-,
otimistas com relação aos residentes, um nível mais baixo possivel
de restrição em consonância com o oferecimento de um ambiente
Ii lfm Ins /tsiquiátricas crônicas 471

c programas de intervenção individualizada, ao contrário


pi o^ramas “em bloco”.
I lá atualmente pouca orientação baseada em pesquisas com
flliKilo à melhor maneira de promover essas mudanças. Tradicio-
DHliiK'iitc, tem-se descrito o conjunto de objetivos apresentados no
ÉHf^mfo anterior como voltados para o residente, ao contrário da-
»iclri* que se voltam para a instituição, e se tem considerado esses
tím» lipos de orientação como possuidores de dimensões opostas.
( mining (1986) sugeriu, entretanto, que é melhor ver essas duas
dfUMilações como duas dimensões que podem variar independente-
Hltmlc, sugerindo, assim, que não existe um único conjunto de re­
link para a organização de um ambiente assistencial.
( ) tipo de hospital-dia descrito há pouco constituirá, por defi-
MKíto, somente uma parcela da variedade total de possibilidades
ptini os deficientes mentais crônicos em um determinado local.
Hlllner (1985) observou a erosão do papel do hospital mental tra-
tlli iimal implicada nessas mudanças, de forma que as cinco princi­
pais liinções que precisam ser realizadas - tratamento, acomoda-
yHu, ocupação, organização social e atividades de lazer - podem
Haul'll ser realizadas por cinco organizações separadas. Nessas cir-
mnstâncias, é importante que se coordenem as políticas de cada
ÈWyimização a fim de que, juntas, atendam plenamente às necessi-
llmlcs dos residentes - sem organização social excessiva ou dupli-
w l o -, para que as diferentes unidades interajam intimamente, de
loi ma que os residentes possam movimentar-se entre elas com o
mínimo de estresse possível de sua parte.
I)o ponto de vista comportamental, é conveniente que uma
Urbanização assuma a responsabilidade pela coordenação de to-
tlus os programas de tratamento para qualquer indivíduo residen­
te. Como já foi discutido, seria muito confuso se os programas
Miinportamentais fossem realizados por, digamos, três organiza-
fftd sem qualquer consistência nas práticas de controle, objetivos
mi contingências. Novamente, é importante cuidar para que um
programa simples funcione e seja aceitável tanto para os residen-
ti*N quanto para a equipe, antes de se experimentar algo muito
complexo.
472 Terapia cognitivo-comporlwiiriiiul

O s novos pacientes de longo prazo -


tratar os indivíduos em fam ílias

Há quinze anos, sabia-se muito pouco a respeito do tratamen


to da disfunção psiquiátrica crônica nos contextos familiares. I<>
centemente, tanto os pesquisadores (Vaughn e Leff, 1976) qunnlii
as organizações voluntárias (Creer e Wing, 1974) se interessainm
pelo modo como as famílias lidam com um membro esquizofrêm
co. O interesse inicial enfoca medidas de Emoção Expressa ( I I )
uma medida tanto do nível dos comentários críticos dirigidos nu
familiar envolvido quanto de seu envolvimento emocional com ele
- como uma instância capaz de prever a recaída no contexto fami
liar. Mais recentemente, um número de programas estruturados lu
ram desenvolvidos com o objetivo de mudar as posturas e os com
portamentos dos assistentes familiares.
Os aspectos distintos dessa abordagem são a ênfase num pi o
grama educacional claramente estruturado sobre a natureza dn
esquizofrenia, e a abordagem direta da modificação de interaçcYx
no âmbito familiar. Os diferentes programas enfatizam diferenle-.
componentes dessa abordagem. Alguns ressaltam um apoio pai u
as famílias, outros, habilidades de resolução de problemas, enqnan
to outros realçam o componente educacional. Os estudos dc pc«
quisa observaram a interação dos efeitos medicamentosos com un
efeitos da abordagem comportamental nos programas, apontando
para a necessidade de um uso e monitoração cuidadoso da medieii
ção com fenotiazina.
Em geral, os programas educacionais visam fornecer uma
descrição clara dos principais problemas que se apresentam na es
quizofrenia, e descrever de forma simples como os familiares pu
dem entender e responder a esses problemas. Os programas podem
fazer uso de palestras, vídeos, folhetos ou uma combinação de
métodos educacionais. Já que os membros da família podem mio
ser muito instruídos, pode valer a pena verificar, usando uma dir
fórmulas padrão de “compreensão de leitura” (por exemplo o In
dice “FOG” de Gunning, Gunning, 1952), se a informação esci Ha
pode ser compreendida por pessoas com capacidade abaixo du
média. O conteúdo dos programas geralmente inclui: uma expli
cação da natureza da esquizofrenia, inclusive o papel do estresse
íklh h ni ias psiquiátricas crônicas 473

idiliíontal; uma descrição das manifestações da esquizofrenia


mnloime experimentada por membros da família; uma explica-
yAii ilo propósito da medicação, e orientação sobre o modo como
H« himílias podem planejar suas vidas de forma a acomodar seu
HH'ilibro esquizofrênico. O Quadro 9.2 fornece um exemplo da in-
li li mação incluída num programa específico (Smith e Birchwood,
l ‘JK7).

U m idro 9.2 Exemplos de seções de informações de um programa de educa­


d o tin família (de Smith e Birchwood, 1987)

((Viu I
Ureve esboço sobre o desenvolvimento do conceito da esquizofrenia, e in-
fimniição epidemiológica sobre quem pode desenvolver esquizofrenia. Explica-
simples de possíveis fatores causais, por exemplo o papel de anomalias gené-
Hhin e bioquímicas, embora a ausência de indícios conclusivos seja ressaltada. O
jllipol do possível estresse ambiental, incluindo os fatores familiares, no desenvol­
vimento e no curso da doença. As famílias são tranqüilizadas quanto ao fato de
HÃo serem responsáveis por causar a doença, embora se enfatize seu importante
| ih | « 'I no processo de recuperação. Um prognóstico reservado (porém otimista) é

tm nccido à maioria dos pacientes.

I pçiIo 4
Como ajudar os familiares a identificar serviços de apoio como hospitais
disponíveis e recursos comunitários. Endereços de filiais de várias organizações
Im nis e nacionais são fornecidos, inclusive dos grupos de auto-ajuda e apoio fami-
liiii, e também se apresenta uma breve lista de referência para encorajar leituras
«tlídonais. Uma orientação geral é fornecida para estimular os familiares a cuidar
tie suas próprias necessidades:
( 1) Cuide de suas próprias necessidades ao continuar a realizar as atividades
. |ilt- costumava fazer ou ao retomá-las. (Os familiares fazem um exercício de casa
« fim de articularem seus estilos de vida passados e ideais.)
(2) Não centre sua vida demasiadamente ao redor do paciente.
(3) Não se preocupe em distribuir as responsabilidades individuais com
icliição à casa - por exemplo, tarefas domésticas - , mas não sobrecarregue o pa-
I lente imediatamente após a alta.
(4) Procure planejar e fazer, junto com o paciente, coisas que a família intei-
Iti iiprccie- por exemplo, viagens, etc.
(5) Planeje minuciosamente sua rede de apoio social, e converse sobre seus
pioblemas e dificuldades com amigos.
(6) Espere por tempos ruins quando as coisas não derem certo, e espere
íNlrcsse, frustração e um pouco de infelicidade.
474
Terapia cognitivo-comportann iilnl

O livro de Milne (1986) sobre o treinamento de terapciilna


comportamentais contém dois capítulos úteis sobre o treinamcn
to de pais, basicamente voltados para os pais de crianças deli
cientes, que podem ser úteis no que diz respeito à elaboração do
talhada de programas educacionais para os pais de portadores de
esquizofrenia.
Outros programas têm enfatizado, em particular, os grupos de
apoio familiar e as reuniões familiares. As primeiras observaçiVn
de famílias mostraram que algumas delas (geralmente aquelas
com baixos níveis de EE com relação aos familiares) desenvolvo
ram mecanismos de enfrentamento eficazes sem se beneficiaiem
da teoria. Espera-se, portanto, que essas estratégias de enfrenla
mento sejam aprendidas por outras famílias. As reuniões familiar«
no ambiente doméstico são amplamente utilizadas para envolvei o
paciente em discussões sobre como lidar melhor com problem»1»
específicos na vida familiar. Numa reunião familiar, o terapeuta
pode ajudar a família a identificar problemas e então trabalhar cm
conjunto para produzir uma variedade de soluções possíveis, eseo
lher e implementar a solução que parecer mais promissora, e entrto
revisar os progressos obtidos. Essa abordagem é descrita em dela
lhes no Capítulo 12. O terapeuta pode também enfocar a comum
cação geral entre as famílias, encorajando-as a serem específicas e
objetivas em suas opiniões, e a expressarem claramente tanto on
sentimentos positivos quanto os negativos. Leff e Vaughn (19KM
sintetizam um trabalho recente enfatizando o aspecto de trabn
lho familiar dessa abordagem cujos resultados parecem promis
sores. Strachan (1986) reexaminou sistematicamente quatro es
tudos, todos conduzidos através de uma alocação aleatória e com
pelo menos uma condição de comparação. Tipicamente, os resul
tados mostram menos retraimento social e menores índices d<
recaída para os pacientes, e posturas mais positivas por parte dos
familiares.
Essa forma de terapia comportamental familiar estruturada
apresenta um interesse considerável, por pelo menos duas razoes
Primeiro, algumas equipes de assistência direta podem também
ser hostis ou rejeitadoras em suas interações com os pacientes cm
nicos, podendo se beneficar das abordagens de tratamento geral
mente fornecidas aos membros da família. Segundo, atribui mai
Iklli h ih ias psiquiátricas crônicas 475

(tt)|nirtância do que quaisquer outras abordagens consideradas nes-


if I iipilulo à informação fornecida tanto aos pacientes quanto aos
tMlMcntes sobre a natureza da deficiência psiquiátrica. Sugere a
|m ini‘iicia de se fornecer, depois de demonstrada a probabilidade
il*1<111c o paciente será cronicamente deficiente, tanto aos pacientes
tjtiMtilo aos assistentes, informações diretas e específicas sobre a
luiltireza do problema, em vez de se esperar que a cronicidade este-
|n |ii bem avançada.
Iintretanto, já se enfatizou que os “ingredientes ativos” desses
il lumes de tratamento psicossocial ainda não são claros (Barrow-
i lough e Tarrier, 1984). E é claro, também uma proporção substan-
I Inl dc novos pacientes de longo prazo e de alto contato podem já
|«*t esgotado a tolerância de seus familiares, ou podem ter escolhi­
d o um estilo de vida mais solitário, não estando mais em contato

I o u i sua família de origem. Não obstante, essa forma de interven-

' íli *tem aplicações potenciais amplas, aumentando a variedade de


inctodos de tratamento para os pacientes crônicos.

í onclusões

As deficiências psiquiátricas crônicas podem ser bem graves,


i‘ iissim tanto o índice de melhora quanto o grau provável de me­
lhora de um determinado paciente podem ser limitados. Devido a
I nno , e ao uso historicamente limitado de métodos de reabilitação
positivos no caso de muitos pacientes crônicos, uma grande parce­
ls ila equipe de assistência direta não acredita que os pacientes crô­
nicos possam apresentar melhoras. Um primeiro passo crítico em
ipialquer programa de tratamento deve ser, então, demonstrar que
h mudança é possível. Isso implica que o primeiro paciente trata­
do, ou a primeira área-alvo escolhida, deve ser um campo no qual
h resposta positiva ao tratamento seja possível. Os indícios de me­
lhora na vida real, validamente demonstrados por um método de
registros e monitoração que se mostra confiável à equipe, consti­
tuem um motivador mais eficaz para a equipe de assistência direta
do que o relatório de pesquisa estatisticamente mais atraente.
476 Terapia cognitivo-comportameniul

Figura 9.2 Elementos de um sistema terapêutico abrangente para os pacien


tes com deficiências crônicas
(k/l I temias psiquiátricas crônicas 477

<)s programas de tratamento para esse grupo-cliente são em


^ ml profiláticos, e não curativos. A manutenção a longo prazo de
mim regime de ala estruturado, ou de um padrão alterado de comu-

Hit itçflo familiar, se faz necessária para a manutenção das mudan-


ph Ile comportamento do paciente. Esses programas são, então, par-
iiiiiliirmente sensíveis às mudanças de equipe, ou às mudanças
Hiyiinizacionais maiores em determinada ala.
Historicamente, os grandes hospitais psiquiátricos oferece-
I ai h regimes de tratamento “em bloco”, baseados na expectativa de
tjlli' um grande número de pacientes poderia ser tratado convenien-
iriiirnte, de maneira idêntica. Este capítulo ressalta a natureza ex-
llfiiminente heterogênea dos problemas e necessidades apresenta­
i s pelas várias centenas de pacientes crônicos que viverão num
I )iNtrito de Saúde típico de uma região com um quarto de milhão
lie pessoas. Os programas de assistência comunitários, e o leque de
Im ilidades de hospital-dia e atendimento diário que criaram, vie-
I imii apenas enfatizar ainda mais os tipos de vida variados dos pa-
I u nies individuais, e os recursos de tratamento individualizados
«|iu- devem estar disponíveis a eles. Os problemas psiquiátricos
iiunicos são extremamente individuais, como estes esboços de
lii»s casos ilustram:

David, aos 39 anos de idade, era um bacharel em computação,


um consumidor contumaz de álcool e anteriormente de maconha,
vadiando repetidamente pela ala hospitalar, expressando idéias sui­
cidas, mas com esperanças de compartilhar sua vida com Eva, espo­
sa de seu melhor amigo.
Mervyn tinha 31 anos de idade, com um histórico psiquiátrico
de catorze anos e sete internações anteriores; lidava adequadamente
com um trabalho isolado numa usina hidráulica, mas vivia entedia­
do e frustrado em casa, com seu pai extremamente crítico e a mãe
fisicamente doente.
Jane tinha 52 anos, com seis admissões anteriores nos últimos
trinta anos; foi encontrada vagando por um cemitério local com rou­
pas leves no outono, sem provisões de comida em seu apartamento
miserável; estava esgotando a tolerância da igreja local, que fre­
qüentava irregularmente.
478 Terapia cognitivo-comportumciilnl

A fim de ajudar esses três indivíduos, os métodos comporta


mentais e cognitivos poderiam ser usados para: proporcionar um
programa de atividade diária relevante para David, e modi fiou
suas crenças sobre um relacionamento íntimo com Eva; proporem
nar um programa recreacional para os fins de semana e as noites
de Mervyn, e modificar o padrão de interação com seu pai; pai»
Jane, proporcionar uma acomodação adequada em hospital-di.i
com práticas de manejo apropriadas, e ensinar-lhe as habilidade',
básicas nas áreas de escolha de vestuário e compra de alimentos
Cada um desses indivíduos requer uma combinação diferente
de intervenções (ver, em Shepherd, 1984, uma descrição extcn.sii
de um programa de tratamento individual). Para que essas inter
venções sejam administradas durante um período de tempo, umn
parcela considerável de aptidões organizacionais se faz necessái im
para reunir os recursos clínicos e administrativos necessários nu
programa de tratamento.
A Figura 9.2 ilustra como esses recursos se combinam patn
formar um sistema terapêutico abrangente. Parece paradoxal que
apenas à medida que o número de pacientes crônicos nos hospital',
psiquiátricos britânicos registrou uma queda de aproximadamente
50% é que os psiquiatras e psicólogos desenvolveram métodos de
abordagem comportamental e cognitiva de alguma eficácia de
monstrável, de tal modo que hoje esses pacientes podem ser ajuda
dos, tanto em hospitais como em contextos comunitários, de mu
neira mais eficaz do que no passado.

Leitura recomendada

Falloon, I. R. H. (1985). Family Management o f Schizophrenia: a Study of ilic


Clinical, Social, Family and Economic Benefits. Johns Hopkins University 1’iw ,
Baltimore.
Matson, J. L. (1980). “Behavior modification procedures for training chroniaillv
institutionalised schizophrenics”. In Progress in Behaviour Modification vol
9 (orgs. M. Herson, R. M. Eislere P. M. Miller), pp. 167-202. Academic Pii-v,
Londres.
Shepherd, G. (1984). Institutional Care and Rehabilitation. Longman, Londres
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Iklh initias psiquiátricas crônicas

litlliolt, J. A. (1984). The Chronic Mental Patient: Five Years Later. Grune e
Stratton, Nova York.
WiiIIh, F. N. e Bennett, D. H. (1983). Theory and Practice o f Psychiatric Reha­
bilitation. Wiley, Chichester.
Win}!. J. K e Morris, B. (1981). Handbook o f Psychiatric Rehabilitation Practice.
( )x lord University Press.
11. Disfunções sexuais
Keith Hawton

Costumava-se acreditar que as disfunções sexuais provinham


quase que totalmente das experiências da primeira infância, espe­
cialmente de anormalidades na sexualidade infantil e nos relacio­
namentos entre a criança e os pais. A terapia psicanalítica indivi­
dual, que visava fornecer um insight dos conflitos inconscientes,
era considerada o tratamento preferencial. Durante o final dos
anos 1950 e 1960, as abordagens de terapia comportamental, so­
bretudo a dessensibilização sistemática, foram introduzidas no ca­
so de algumas dificuldades sexuais. Estas provinham de um fun­
damento lógico muito diferente, a saber, aquele segundo o qual a
maioria dos problemas sexuais é adquirida (em qualquer estágio
da vida) de maneiras que são explicadas pela teoria do aprendiza­
do, podendo, portanto, ser modificados mediante a utilização de
métodos de tratamento baseados nos princípios do aprendizado.
O tratamento disponível para os portadores de disfunção se­
xual alterou-se substancialmente após a publicação, em 1970, do
livro de Masters e Johnson, Human Sexual Inadequacy. Este des­
crevia uma abordagem nova e sistemática, que posteriormente
tornou-se conhecida como “terapia sexual”, e que constituiu a
base inicial da terapia conforme descrita neste capítulo. Esta re­
presentou uma extensão considerável dos conceitos comporta­
mentais originais, conferindo ênfase especial às habilidades de
comunicação e educação, bem como ao envolvimento de ambos
os parceiros.
528 Terapia cognitivo-comportamental

Houve uma entusiasmo considerável com relação à aborda­


gem de Masters e Johnson durante os anos 1970, tanto devido aos
resultados notáveis que relatavam quanto pelo fato de que a abor­
dagem parecia validada pelo senso comum, sendo de aplicação e
aprendizado relativamente fáceis. Embora essa onda de entusias­
mo inicial tenha sido de alguma forma atenuada à medida que os
terapeutas constataram a dificuldade de alcançar os resultados que
haviam sido levados a esperar, ela ainda representa o tratamento
psicológico mais eficaz ao alcance do número considerável de ca­
sais que buscam ajuda para os distúrbios sexuais. Entretanto, essa
terapia vem se desenvolvendo substancialmente desde sua introdu­
ção, sobretudo em termos de uma maior flexibilidade e variedade
de abordagens; ultimamente, vem dando maior ênfase aos aspec­
tos cognitivos do tratamento.
Embora a terapia sexual seja a mais complexa das abordagens
atuais das disfunções sexuais, outras mais simples se fazem tam­
bém disponíveis para ajudar pessoas com problemas relativamente
simples. Em geral, são componentes da terapia sexual - por exem­
plo, educação e orientação prática. A terapia sexual foi original­
mente introduzida para o tratamento de casais, o que significava
que havia pouco a se oferecer aos indivíduos que se apresentavam
para tratamento sem um parceiro. Um importante avanço, recente­
mente introduzido, foi a adaptação da terapia sexual para ajudar os
indivíduos sem o parceiro. Outro desenvolvimento tem sido o uso
da terapia sexual para ajudar pessoas com deficiências físicas (dis­
túrbios neurológicos, por exemplo).
É importante ter consciência de que as disfunções sexuais po­
dem ser devidas tanto a fatores físicos quanto psicológicos. Na
verdade, as descobertas recentes sugerem que muitos casos, sobre­
tudo o da disfunção erétil, podem no passado ter sido diagnostica­
dos erroneamente como psicogênicos. Entretanto, é provável que
em quase todos os casos em que a dificuldade sexual tenha uma
base física os fatores psicológicos tenham se desenvolvido secun­
dariamente, de modo a complicar a situação. Assim, embora este
capítulo se dirija basicamente aos pacientes sem distúrbios físicos,
os tratamentos psicológicos aqui descritos também ocupam um
lugar significativo no manejo das dificuldades sexuais relaciona­
das aos distúrbios físicos de muitas pessoas.
Disfunções sexuais 529

A natureza das disfunções sexuais

Uma definição prática razoável da disfunção sexual é a dimi­


nuição persistente dos padrões normais de interesse ou resposta
sexual. Assim, as disfunções sexuais são distinguidas dos desvios
ou das variações sexuais, que constituem comportamentos sexuais
considerados como qualitativamente anormais, podendo ser preju­
diciais às outras pessoas. Entretanto, essa definição não é total­
mente satisfatória, pois, primeiro, é praticamente impossível defi­
nir o âmbito de “padrões normais” de sexualidade; e, segundo, o
fato da função sexual de uma pessoa ser ou não disfuncional de­
penderá do fato da pessoa (ou de seu parceiro) acreditar que há um
problema; isso, por por sua vez, pode ser influenciado por expecta­
tivas criadas por outros fatores, inclusive, por exemplo, por ami­
gos, pelos meios de comunicação e pela opinião médica.
Não há nenhum método universalmente aceito de se classifi­
car as disfunções sexuais. A classificação aqui utilizada agrupa as
disfunções sexuais em quatro categorias - interesse sexual, excita­
ção, orgasmo e outros problemas que não podem ser incluídos em
nenhum dos três primeiros grupos (Quadro 11.1). Duas importan­
tes dimensões ao se descrever os problemas sexuais são: quando
este iniciou e qual a extensão do problema. Os termos disfunções
primárias e secundárias são usados, respectivamente, para descre­
ver os problemas que se fizeram presentes desde o início da ativi­
dade sexual e aqueles que se desenvolveram após um período de
funcionamento sexual satisfatório. Os termos total e situacional
são usados, respectivamente, para descrever os problemas presen­
tes em todas as situações sexuais e aqueles que só ocorrem em
algumas ocasiões (por exemplo, sexo com um parceiro regular)
mas não em outras (por exemplo, sexo com um parceiro casual,
durante a masturbação).
Dentro de cada categoria de disfunção sexual pode haver uma
variação considerável. Por exemplo, a categoria de disfunção erétil
inclui homens que podem obter uma ereção quando estão com
uma parceira, mas que a perdem durante a relação sexual, homens
que somente obtêm ereções parciais, homens que só têm ereções
quando estão sozinhos, e aqueles que nunca têm ereções em quais-
530 Terapia cognitivo-comportamental

quer circunstâncias. Há notas explicatórias com relação a cada


uma das disfunções sexuais masculinas e femininas nos Quadros
11.2 e 11.3, para auxiliar o leitor a tentar categorizar a disfunção
sexual de uma pessoa e fornecer um quadro mais completo das di­
ficuldades sexuais mais comuns.
Outra dificuldade sexual, a falta de satisfação sexual, não é
apropriadamente agrupada junto com as disfunções sexuais, mas é
importante entre as pessoas que procuram ajuda. A maioria dos
casais que procura ajuda em clínicas para disfunções sexuais se
mostra insatisfeita com seus relacionamentos sexuais (Frank, An­
derson e Kupfer, 1976); alguns destes não apresentam disfunções
claras, mas se queixam especificamente de “falta de prazer”. Mui­
tos fatores podem contribuir para tais queixas, inclusive dificulda­
des gerais de relacionamento, parceiros que não se sentem mais
atraídos um pelo outro e tédio com relação à monotonia da ativida­
de sexual. As vezes, porém, esse problema pode ser secundário à
perda de interesse sexual (Bancroft, 1983).
Além da falta de satisfação sexual e das queixas específicas
de disfunção sexual, as pessoas com dificuldades sexuais podem
procurar cuidados profissionais devido a uma variedade de outras
apresentações, dentre as quais depressão, insônia, queixas gineco­
lógicas e infertilidade. A descoberta de seus problemas sexuais po­
de depender da habilidade do profissional da área, da disposição
de investigar o ajuste sexual e da consciência de que essas apresen­
tações podem indicar dificuldades sexuais.

Quadro 11.1 Classificação das disfunções sexuais

Disfunções sexuais
Categoria
Mulheres Homens

Interesse Perda de interesse sexual Perda de interesse sexual


Excitação Perda de excitação sexual Disfunção erétil
Orgasmo Disfunção orgásmica Ejaculação precoce
Ejaculação retardada/ausente
Outros Vaginismo Ejaculação dolorosa
Dispareunia Dispareunia
Iílsfunções sexuais_______________________________________________________________________ 531

(Jiiadro 11.2Notas sobre as disfunções sexuais femininas


1'crda de interesse sexual. (Outros termos - “baixa libido”, “desejo sexual inibi­
do”.) A mais freqüente disfunção nas mulheres. Níveis de interesse “normal” va-
Iiam muito entre as mulheres. Interesse sexual refletido na freqüência de atos se­
xuais com o parceiro, pensamentos sexuais e masturbação. A melhor indicação de
disfunção secundária é a comparação com o grau de interesse anterior. Distinguir
entre a disfunção primária total e a extremidade mais inferior da variação normal
pode ser difícil. P.S.: Freqüentemente associada às dificuldades gerais de relacio­
namento (Hawton e Catalan, 1986) e à depressão (Weissman e Paykel, 1974).
I’erda de excitação sexual. Falha das respostas fisiológicas normais (por exemplo,
ingurgitamento e lubrificação vaginal) à estimulação sexual e à falta de sensações
geralmente associadas à excitação sexual. Incomum em mulheres sem perda de
interesse sexual, salvo em seguida à menopausa e no pós-parto. Pode ocorrer em
mulheres com inibições importantes com relação à sexualidade.
Disfunção orgásmica. Geralmente inclui o orgasmo ausente, ou muito infreqüen-
te. Para fins terapêuticos, é importante distinguir entre as mulheres que não são
capazes de atingir o orgasmo com um parceiro, mas que o atingem através da mas­
turbação, sozinhas, e aquelas que não são capazes de se masturbar ou nunca o fize­
ram. A disfunção orgásmica secundária está freqüentemente associada às dificul­
dades gerais de relacionamento (McGovern, Stewart e LoPicollo, 1975).
Vaginismo. Relação sexual impossível ou extremamente dolorosa devido ao espas­
mo de músculos vaginais quando da tentativa de penetração (freqüentemente, um
histórico de incapacidade de introduzir tampões vaginais). Em geral, um problema
primário, embora possa ocorrer como problema secundário após um trauma ou
infecção vaginal. As mulheres com vaginismo freqüentemente têm idéias distorci­
das sobre a capacidade (e outras características) da vagina. Em sua maioria, as mu­
lheres com vaginismo são, ademais, sexualmente receptivas (Duddle, 1977).
Dispareunia. Dor durante a relação sexual. Pode estar localizada na entrada da va­
gina (“superficial”, por exemplo, vaginismo discreto, falta de excitação, infecções
vaginais, cisto de Bartholin), ou ser “profunda” (causa física provável - por exem­
plo, infecção pélvica, endometriose - embora possa dever-se à falta de excitação).
A avaliação ginecológica é indicada.

Causas da disfunção sexual

As disfunções sexuais podem ser causadas por muitos fatores.


Embora a ênfase neste capítulo incida sobre os problemas que têm
uma base psicológica, é imperativo que o leitor tenha consciência da
importância dos fatores físicos, incluindo doenças, cirurgias e me-
532 Terapia cognitivo-comportamental

Q u a d r o 1 1 .3 Notas sobre as disfunções sexuais masculinas

Perda de interesse sexual. (Ver Quadro 11.2.) Problema incomum apresentado


(no Reino Unido, mas não nos Estados Unidos), mas constitui causa subjacente a
alguns casos de disfunção erétil. A perda de interesse sexual secundária está fre­
qüentemente associada às dificuldades gerais de relacionamento com o parceiro,
ou à depressão. Tanto nos casos primários como secundários, as causas orgânicas
(por exemplo, hipogonadismo) devem ser excluídas.
Disfunção erétil. Problema mais comum entre os homens que procuram ajuda -
homens em geral mais velhos do que aqueles com outras disfunções. Variedade
considerável (ver p. 529). O mecanismo e a resposta erétil são vulneráveis a uma
variedade de fatores, tanto psicológicos (por exemplo, ansiedade, distração, exi­
gências de desempenho) quanto físicos (por exemplo, diabetes, problemas circula­
tórios, lesões na coluna vertebral, medicação anti-hipertensiva).
Ejaculação precoce. Difícil de definir - talvez seja melhor que o casal/indivíduo
avalie se o controle do homem é satisfatório (P.S.: algumas pessoas têm expectati­
vas irreais). Em geral, trata-se de um problema primário. A masturbação rápida
pode ser um fator predisponente. A ejaculação rápida é comum nos primeiros
encontros sexuais de homens jovens, em épocas de estresse, e quando as ativida­
des sexuais não se fizeram temporariamente disponíveis - só a ejaculação rápida,
indesejada e persistente, deve ser considerada como disfuncional.
Ejaculação retardada/ausente. Disfunção relativamente incomum que afeta tanto
a ejaculação quanto a experiência do orgasmo. Deve ser distinguida da ejaculação
retrógrada, quando, devido a uma doença física, cirurgia (por exemplo, prostatec-
tomia) ou medicação (por exemplo, tioridazina), experimenta-se o orgasmo, mas a
ejaculação vai para a bexiga. A ejaculação pode ocorrer com a masturbação mas
não com um parceiro, ou somente durante o sono, ou nunca (sugerindo uma causa
física). Ejaculação retardada - a estimulação sexual necessita ser prolongada por
um tempo excessivo antes que a ejaculação ocorra.
Ejaculação dolorosa e dispareunia. Ejaculação dolorosa (ou uma sensação de
queimação na uretra após a ejaculação, geralmente em decorrência de uma infec­
ção (por exemplo, uretrite, prostatite, cistite). A extrema sensibilidade da glande
peniana após a ejaculação é normal. A dispareunia (dor durante a relação sexual)
geralmente também se deve a uma causa física (por exemplo, prepúcio apertado,
freio do prepúcio rompido, infecção).

dicações, como causas dos problemas sexuais (revisados, por exem­


plo, em Bancroft, 1983; Hawton, 1985, 1987). Todavia, como ob­
servado anteriormente, mesmo nos casos associados aos distúrbios
físicos, as reações fisiológicas ao distúrbio podem ter exacerbado o
problema, o que talvez as tome passíveis de terapia sexual. Por exem-
I hsfunções sexuais 533

pio, os homens com lesão precoce do nervo periférico devido ao


diabetes freqüentemente se tomam ansiosos ao encontrarem mais
dificuldade em obter e manter uma ereção. Como resultado dessa
ansiedade, a resposta erétil pode ser consideravelmente mais preju­
dicada. Nesses casos, uma abordagem cognitivo-comportamental
tio tratamento pode mostrar-se extremamente apropriada.
É útil agrupar as influências causais em fatores predisponen-
tes (aqueles que tornam a pessoa vulnerável a desenvolver um pro­
blema sexual), précipitantes (os que levam ao aparecimento do
problema sexual) efatores mantenedores (respostas psicológicas a
um problema sexual, posturas e outros estresses que fazem com
que o problema persista ou se agrave). Em qualquer paciente há,
geralmente, uma interação entre esses fatores. Por exemplo, um
homem de 35 anos de idade nunca se mostrou confiante em sua
capacidade como amante desde a puberdade, quando era freqüen­
temente ironizado pelos outros meninos devido a sua puberdade
retardada (fatorpredisponente). Depois de uma festa em que havia
bebido muito, não foi capaz de ter uma ereção ao tentar fazer amor
com sua esposa (précipitante). Subseqüentemente, ficava ansioso
sempre que iniciava a atividade sexual, pois pensava estar perden­
do a capacidade de ter uma ereção (fator mantenedor) e, como
conseqüência, experimentava uma persistente falha erétil. Embora
os fatores mantenedores sejam geralmente os mais relevantes do
ponto de vista terapêutico, o terapeuta quase sempre deve tentar
entender (e ajudar o paciente a fazer o mesmo) os fatores predispo-
nentes e précipitantes de uma determinada disfunção.
Os fatores predisponentes, précipitantes e mantenedores co­
muns, que contribuem para as disfunções sexuais, são arrolados no
Quadro 11.4. Alguns dos fatores são especulativos. Assim, embora
a experiência clínica e o senso comum sugiram sua relevância para
a disfunção sexual, podem não ter sido pesquisados de uma manei­
ra que demonstre, de forma conclusiva, uma associação causal. O
abuso sexual infantil é um bom exemplo. Embora as mulheres que
relatam experiências de abuso sejam bem comuns entre os clientes
das clínicas para disfunção sexual, e as amostragens de mulheres
que foram sexualmente abusadas na infância reportem altos índices
de disfunção sexual, a proporção exata em que o abuso sexual re­
sulta em uma subseqüente disfunção sexual não se faz clara.
________________________________________________________________________ Terapia cognitivo-comportamental

Quadro 11.4 Fatores psicológicos que podem contribuir para a disfunção


sexual

Fatores predisponentes
Educação restritiva, inclusive posturas inibidas/distorcidas dos pais com relação ao
sexo. Relacionamentos familiares perturbados, inclusive relacionamento insatisfatório
com os pais e falta de afeição.
Expenencias sexuais precoces traumaticas, inclusive o abuso sexual infantil e incesto.
Educação sexual insatisfatória.

Fatores précipitantes
Conflitos nos relacionamentos gerais Falha ocasional
Parto (embora isto também possa causar Depressão/ansiedade
dificuldades sexuais devido à depressão Experiência sexual traumática
ou a fatores físicos) Envelhecimento
Infidelidade Reação psicológica a
Disfunção do parceiro fator orgânico

Fatores mantenedores
Ansiedade quanto ao desempenho Perda de atração
(por exemplo, a necessidade do homem Conflitos no relacionamento geral
de ser sempre o amante habilidoso, ou Medo de intimidade emocional
da mulher, de ter um orgasmo para agradar Informação sexual inadequada (por
ao parceiro sempre que fizer sexo) exemplo, sobre como estimular o
Medo de falhar (por exemplo, perda parceiro de maneira eficaz)
de ereção) Troca de carícias muito comedida
Exigências do parceiro (por exemplo, quando o parceiro
Comunicação insatisfatória (especialmente não fica adequadamente excitado)
com relação às necessidades ou Depressão/ansiedade
ansiedades sexuais do parceiro)
Culpa (por exemplo, com relação a um casi

Barlow e colegas recentemente sugeriram algumas idéias in­


teressantes a respeito do modo como a ansiedade e determinados
padrões de pensamento se combinam para manter a disfunção se­
xual (Beck e Barlow, 1984; Barlow, 1986). Em suma, as descober­
tas de vários estudos de pesquisa sugerem que os homens com dis­
função erétil psicogênica vivenciam emoções negativas (especial­
mente a ansiedade) em situações sexuais, e tendem a referir uma
excitação menor do que o indicam as medidas fisiológicas objeti­
vas. Além disso, quando se defrontam com estímulos relacionados
535
Disfunções sexuais

ao desempenho sexual (por exemplo, a excitação sexual do parcei­


ro), ficam preocupados com seu desempenho e, portanto, se dis­
traem dos estímulos eróticos, o que leva a uma redução da excita­
ção. Essas descobertas trazem implicações para a terapia sexual,
pois enfatizam a necessidade de ajudar os pacientes a concentrar
sua atenção nos pensamentos e estímulos eróticos, e não nos pen­
samentos sobre o desempenho (por exemplo: “Nunca serei capaz
de manter esta ereção”). Isso talvez seja mais eficaz do que sim­
plesmente estimular o relaxamento em situações sexuais.

Avaliação

A maior parte do restante do capítulo vai ocupar-se do trata­


mento dos casais, embora alguns dos princípios da terapia sexual
possam ser usados na ajuda a indivíduos sem parceiros.

Objetivos da avaliação

Em termos gerais, os objetivos podem ser sintetizados da se­


guinte maneira:

1. Definir a natureza do problema sexual e quais as mudanças de­


sejadas.
2. Obter informações que permitam ao terapeuta formular uma
explicação preambular das causas do problema em termos de
fatores predisponentes, précipitantes e mantenedores.
3. Avaliar o tipo de intervenção terapêutica indicada com base nes­
sa formulação.
4. Iniciar o processo terapêutico, tanto ao abrir a discussão de ques­
tões sexuais quanto ao encorajar os parceiros a imaginar os fa­
tores causais e as possíveis soluções.

Aspectos gerais das entrevistas de avaliação

O terapeuta deve explicar os objetivos da entrevista a ambos


os parceiros antes de começar a avaliação. De início, os parceiros
536 Terapia cognitivo-comportamental

devem ser entrevistados separadamente. Isso permitirá que sejam


mais francos, e também lhes dará igual oportunidade de expressar
suas opiniões sobre o problema. Neste capítulo, partimos do pres­
suposto de que o terapeuta está trabalhando sozinho. Entretanto,
co-terapeutas podem adotar a política de cada um extrair uma his­
tória detalhada do mesmo parceiro sexual, e então, durante uma
entrevista com o outro parceiro, avaliar brevemente sua postura
frente ao problema sexual.
Em geral, 45 minutos com cada parceiro são suficientes. Mui­
tos pacientes ficam constrangidos durante a entrevista inicial. O
terapeuta deve estar alerta a esse fato e reconhecê-lo, talvez ao ex­
plicar o quanto é compreensível que uma discussão de questões
pessoais íntimas seja constrangedora. Uma razão para o acanha­
mento pode ser o fato de o paciente sentir que não dispõe de um vo­
cabulário apropriado para discutir os problemas sexuais com um
profissional. É importante, portanto, que se estabeleça um vocabu­
lário de comum acordo, seja este baseado na terminologia clínica
ou coloquial. Por exemplo, o terapeuta pode dar início a uma per­
gunta sobre a ejaculação da seguinte maneira: “Quando você ejacu­
la..., chama isso de... ‘gozar’?... OK, quando goza, você acha...?”
E possível que os terapeutas sem experiência em entrevistar
pacientes com problemas sexuais também se sintam constrangi­
dos. Em parte, isso pode ser superado através da prática de entre­
vistas de representação de papéis (role-play) com seus colegas.
Entretanto, a prática junto com os pacientes é a melhor forma dc
adquirir segurança.
Depois dos parceiros terem sido entrevistados separadamente,
devem então ser analisados juntos. Isso dá ao terapeuta uma opor­
tunidade de investigar quaisquer discrepâncias entre suas versões
individuais. Entretanto, ao final das entrevistas individuais o tera­
peuta deve verificar se, dentre as informações dadas, há alguma que
a pessoa não deseja revelar ao parceiro. Sem dúvida, o terapeuta
deve respeitar explicitamente a natureza confidencial das informa­
ções, desde que a pessoa assim o peça, mas deve discutir as possí­
veis dificuldades no caso de o parceiro ter revelado algo que possa
ser vital para a solução do problema sexual (por exemplo, um caso,
variação sexual ou trauma sexual dos quais o parceiro não tenha co
nhecimento). A entrevista conjunta também permite ao terapeula
I )lsfunções sexuais 537

iivaliar como os parceiros se relacionam, sobretudo se apóiam um


ao outro e compartilham responsabilidades pelo problema. Por últi­
mo, o terapeuta deve descrever o modo como compreende o proble­
ma e discutir possíveis planos terapêuticos.

Programa de avaliação

As áreas a serem abordadas durante as entrevistas de avalia­


ção individual são arroladas no Quadro 11.5. Algumas observações
sobre aspectos das diversas áreas são colocadas abaixo.
O terapeuta deve, primeiro, estabelecer se há uma disfunção
sexual de fato, ou se a queixa do casal se deve a alguma informa­
ção equivocada (por exemplo, a expectativa de que a parceira deve
atingir o orgasmo sempre que mantiver relações sexuais). Ao ten­
tar definir o problema sexual de um casal, o terapeuta deve ter

Quadro 11.5 Áreas a serem cobertas durante as entrevistas de avaliação com


cada parceiro

1. O problema sexual - sua natureza precisa e seu desenvolvimento; mudanças


desejadas no relacionamento sexual (isto é, objetivos)
2. Contexto familiar e primeira infância - inclusive o relacionamento com os
pais, o relacionamento dos pais e posturas da família quanto à sexualidade
3. Desenvolvimento e experiências sexuais - inclusive posturas quanto à puber­
dade, início do desejo sexual, experiências e problemas sexuais anteriores,
masturbação, experiências sexuais traumáticas (por exemplo, abuso sexual),
homossexualidade
4. Informações sexuais - fontes, extensão, se a pessoa considera não estar infor­
mada, e a avaliação do terapeuta do nível de conhecimento sexual
5. Relacionamento com o parceiro - inclusive o desenvolvimento da relação,
ajuste sexual anterior, relacionamento geral, filhos e contracepção, infidelida­
de, envolvimento com o relacionamento, sentimentos e atração com relação
ao parceiro
6. Escola, profissão, interesses, crenças religiosas
7. Histórico médico - inclusive qualquer medicação atual
8. Histórico psiquiátrico
9. Uso de álcool e drogas
10. Aparência e humor (estado mental)
11. Exame físico (se apropriado)
538 Terapia cognitivo-comportamental

consciência de que aquilo que está sendo inicialmente apresentado


como uma dificuldade pode não ser o problema fundamental. Por
exemplo, às vezes o casal se queixa de que o homem tem ejacula­
ção precoce, quando de fato é capaz de manter a relação sexual por
um período razoável de tempo, enquanto sua parceira tem dificul­
dades em alcançar o orgasmo. Evidentemente, a situação inversa
pode também ocorrer (por exemplo, a dificuldade aparente de uma
mulher em ter orgasmo pode refletir o controle ejaculatório insa­
tisfatório de seu parceiro).
O terapeuta deve obter informações específicas, sobretudo ao
avaliar o problema sexual apresentado. Uma das formas mais efi­
cazes de fazê-lo consiste em indagar detalhadamente a respeito de
uma ocasião de atividade sexual em que o problema tenha ocorri­
do. Isso deve cobrir:

( 1) o comportamento específico que ocorreu;


(2) o que a pessoa estava pensando antes, durante e após esse com­
portamento;
(3) como se sentiram a esse respeito.

Nessa fase, as pessoas geralmente acham difícil dizer aquilo


que estavam pensando. Se isso ocorrer, o terapeuta pode sugerir al­
gumas possibilidades (por exemplo, no caso de um homem com
disfunção erétil, “Você se flagrou pensando: ‘serei capaz de man­
ter minha ereção?’ ”; e, no caso de uma mulher com disfunção
orgásmica, “Ocorreu-lhe a idéia de que ele podia se aborrecer por
precisar estimulá-la por tanto tempo?”). Esse tipo de questiona­
mento ajudará a introduzir a noção de que os aspectos cognitivos
do problema podem, pelo menos, ser tão importantes quanto os as­
pectos comportamentais.
Depois de estabelecer claramente o padrão da dificuldade se­
xual, o terapeuta deve indagar que mudanças o paciente desejaria
efetuar. O terapeuta precisa estabelecer se os parceiros comparti­
lham os mesmos objetivos, ou se há uma discrepância fundamen­
tal entre estes últimos. Claramente, se houver uma discrepância, é
preciso resolvê-la antes de iniciar a terapia.
Na avaliação dos fatores “de fundo”, o relacionamento dos
pais é importante porque não só terá proporcionado um modelo
I >i\/unções sexuais 539

inicial ao indivíduo, mas (e isso é extremamente comum) também


porque a pessoa pode, inconscientemente, estar tentando usá-lo
como referencial que lhe permita avaliar seu próprio relacionamen-
to. As tentativas de estabelecer um tipo diferente de relaciona­
mento são às vezes frustradas porque o paciente parte do pressu­
posto subjacente de que o relacionameto de seus pais é “como as
coisas devem ser”.
O padrão dos relacionamentos sexuais anteriores pode ofere­
cer importantes pistas quanto aos fatores relevantes à dificuldade
atual. Por exemplo, as pessoas com problemas relacionados à inti­
midade emocional (isto é, a capacidade de manter um relaciona­
mento íntimo no qual há cuidados e confiança mútuos, além de
uma comunicação aberta) podem descrever vários relacionamen­
tos anteriores nos quais o sexo foi de início satifatório mas, em
geral devido à perda de interesse e/ou à incapacidade de excitação,
terminou por deteriorar-se.
Por várias razões, é imprescindível perguntar sobre a mastur­
bação. Primeiro, traz importantes implicações diagnosticas quan­
do, por exemplo, se procura estabelecer se a disfunção erétil cons­
titui um problema situacional ou total, ou se a perda de interesse de
um indivíduo pelo sexo, ou a disfunção orgásmica, é total ou res­
trita ao sexo com o parceiro. Segundo, as posturas quanto à mas­
turbação podem oferecer pistas quanto à origem da dificuldade
sexual atual. Por exemplo, a culpa com relação à masturbação
pode apontar para inibições gerais sobre sexo. Terceiro, a mastur­
bação pode constituir um elemento necessário à terapia, especial­
mente quando do tratamento da disfunção orgásmica primária
total ou da ejaculação precoce, e também quando o tratamento é
conduzido com um indivíduo sem um parceiro (Hawton, 1985).
Uma maneira útil de se encetar um tópico que pode ser constran­
gedor seria perguntar: “Quando descobriu a masturbação?”
Cada vez mais um histórico de abuso sexual é constatado em
pessoas com dificuldades sexuais. Essa questão deve ser sempre
abordada diretamente (por exemplo: “Você já teve alguma expe­
riência perturbadora, talvez envolvendo uma pessoa mais velha ou
alguém de sua família?”), embora o terapeuta deva estar conscien­
te de que as pessoas talvez não se predisponham a revelar essas ex­
periências na avaliação inicial. Perguntas sobre a sexualidade (por
540 Terapia cognitivo-comportamental

exemplo: “Você se sentiu sexualmente atraído(a) por pessoas de


seu próprio sexo?”) são também importantes, não só porque um
interesse homossexual atual pode ser relevante para a compreen­
são do problema sexual, mas também porque os pacientes de am­
bos os sexos quase sempre pensam, incorretamente, que sua difi­
culdade pode ser o resultado de tendências homossexuais ocultas -
o que fazem com base numa experiência homossexual isolada, na
adolescência.
O terapeuta deve questionar diretamente o paciente sobre o
grau de informação que acredita ter com respeito à sexualidade
(por exemplo: “Você sabe tanto sobre sexo quanto acha que deve­
ria saber?”). Entretanto, é importante proceder-se também a uma
avaliação independente desse quesito, fazendo-a com base nas res­
postas da pessoa durante toda a entrevista. Os pacientes que dizem
“saber tudo” são quase sempre notavelmente ignorantes.
Um quadro claro do desenvolvimento do relacionamento
com o parceiro deve ser estabelecido, tanto sexualmente quanto
em termos gerais. Em particular, o terapeuta deve determinar se o
relacionamento sexual já foi alguma vez satisfatório. É importan­
te avaliar o relacionamento geral do casal, pois os problemas de
sexualidade e relacionamento freqüentemente coexistem. Os as­
pectos que devem ser focalizados incluem o modo como os par­
ceiros se sentem em relação um ao outro, seu comprometimento
com o relacionamento, com que facilidade conseguem se comu­
nicar entre si (tanto em geral quanto com relação ao sexo), e se ti­
veram casos durante esse relacionamento. Uma boa pergunta ini­
cial, quase sempre reveladora, é: “Como compararia o seu rela­
cionamento com o de outros casais que conhece - pior do que a
média, na média, acima da média?” Outra questão-chave diz res­
peito ao que vai acontecer com o casal se o problema sexual não
for resolvido. As vezes, o parceiro disfuncional pressupõe incor­
retamente que o outro parceiro vai abandoná-lo se as coisas não
melhorarem.
As dificuldades sexuais, sobretudo a perda de interesse se­
xual, são comuns em pessoas com distúrbios psiquiátricos, parti­
cularmente a depressão. Portanto, é importante avaliar se há sinais
de um distúrbio psiquiátrico atual. O terapeuta deve também per-
11«funções sexuais 541

guntar sobre distúrbios psiquiátricos anteriores. Isso não apenas


pode ter implicações prognosticas (p. 571), como também algu­
mas disfunções sexuais, sobretudo a perda de interesse sexual e a
disfunção erétil, têm seu início durante um episódio de distúrbio
psiquiátrico específico (Schreiner-Engel e Schiavi, 1986). Os efei­
tos da depressão sobre a auto-estima e outros fatores cognitivos
importantes podem ser muito relevantes à persistência de um pro­
blema sexual.
Os detalhes do exame físico feito com o objetivo de excluir a
possibilidade de distúrbio físico não serão fornecidos aqui (ver
I lawton 1985). Obviamente, o terapeuta deve estar alerta a quais­
quer aspectos orgânicos possíveis do problema. Os terapeutas não
médicos que atuam nessa área devem ter acesso a um clínico capaz
de avaliar se o encaminhamento médico se faz indicado. O exame
físico também pode ter importantes implicações terapêuticas, so­
bretudo o reasseguramento. No tratamento do vaginismo, um exa­
me vaginal às vezes é um im portante fator para se obter êxito
(p. 556). Essas estratégias só devem ser utilizadas por terapeutas
medicamente qualificados.

Escolha do tratamento

As abordagens psicológicas dos problemas sexuais podem ser


agrupadas, de modo geral, em aconselhamento breve e terapia
sexual. O aconselhamento breve, incluindo educação e orientação,
será apropriado a muitas pessoas com dificuldades sexuais, em
especial aquelas observadas na clínica geral. As indicações habi­
tuais seriam:

(1) o problema sexual é de início recente e não parece ser compli­


cado;
(2) a necessidade principal é a educação;
(3) o casal já tomou algumas medidas para resolver o problema
sozinho; e
(4) como não fica claro se a terapia sexual se faz necessária, o
aconselhamento breve parece ser uma boa abordagem inicial.
54 2 Terapia cognitivo-comportamental

Em grande parte, os indivíduos sem parceiros também podem


ser tratados mediante o uso de abordagens breves (Hawton, 1985).

Indicações para a terapia sexual

Não há diretrizes absolutas para quando se deve oferecer a te­


rapia sexual. As indicações razoáveis incluem:

(1) problemas sexuais de longa duração (pelo menos alguns


meses);
(2) os esforços do casal em resolver o problema por conta própria
não tiveram êxito;
(3) o problema talvez seja causado ou mantido por fatores psico­
lógicos (por exemplo, experiência sexual anterior desagradá­
vel, ansiedade quanto ao desempenho, baixa auto-estima);
(4) o problema está ameaçando o relacionamento geral entre os
parceiros.

Os fatores adicionais que devem ser levados em consideração


ao se decidir se a terapia sexual é apropriada incluem:

Relacionamento geral. A terapia sexual não deve ser oferecida, pe­


lo menos inicialmente, se a dificuldade sexual for em grande par­
te sintomática dos problemas de relacionamento geral do casal.
Em tal situação, a terapia conjugal pode ser mais apropriada.
Além disso, mesmo se a dificuldade sexual não for desse tipo, um
relacionamento geral insatisfatório geralmente exclui a terapia
sexual até que o relacionamento geral do casal tenha melhorado.
Quando um terapeuta estiver em dúvida, algumas sessões, diga­
mos três, de terapia sexual podem ser feitas para se testar se essa
abordagem tem probabilidade de ajudar. Entretanto, é preferível
prolongar a avaliação por duas a três sessões, espaçadas em algu­
mas semanas. Em geral, levar o casal a fazer algumas lições de
casa não-sexuais (ver Capítulo 10) pode resultar num esclareci­
mento da situação.
Disfunções sexuais 543

Distúrbio psiquiátrico. As perturbações psiquiátricas maiores ge­


ralmente tomam impossível a terapia sexual enquanto o distúrbio
não for devidamente tratado. Entretanto, os sintomas psiquiátricos
menores (como a depressão ou a ansiedade leve ou moderada) não
constituem, necessariamente, contra-indicações para a terapia se­
xual, sobretudo se os sintomas parecem ser, pelo menos em parte,
causados pela dificuldade sexual.

Alcoolismo. A terapia sexual não deve ser oferecida se um dos par­


ceiros apresentar, no momento, um sério problema de abuso de
álcool, pois a adesão insatisfatória e as dificuldades de relaciona­
mento geral provavelmente venham a interferir no tratamento.

Gravidez. A experiência clínica indica que não se deve iniciar a te­


rapia sexual se a parceira estiver grávida, pois a perda natural de
interesse que freqüentemente ocorre no final da gravidez limita as
possibilidades de sucesso. É melhor reavaliar o casal uns três ou
seis meses após o parto para verificar se ainda há um problema.

Motivação. Não é fácil avaliar com exatidão o entusiasmo dos par­


ceiros para envolver-se no programa de terapia sexual. Às vezes,
os casais aparentemente muito motivados nunca se envolvem,
enquanto um parceiro que parece pouco motivado no início pode
ficar mais entusiasmado assim que os benefícios potenciais do
programa se fizerem claros. É importante reconhecer que a moti­
vação aparentemente insatisfatória pode refletir a falta de com­
preensão tanto do fundamento lógico quanto dos objetivos do tra­
tamento. Todavia, é inútil oferecer a terapia sexual quando esta é
claramente inaceitável a um ou a ambos os parceiros.

Linhas gerais da terapia sexual

Os estágios e componentes da terapia sexual são sintetizados


na Figura 11.1. A avaliação já foi descrita anteriomente. A form u­
lação, que é geralmente apresentada no início da segunda sessão
de terapia, proporciona uma base para seu início (embora as entre-
544 Terapia cognitivo-comportamental

vistas de avaliação e a formulação possam, em si, trazer importan­


tes benefícios terapêuticos). Os três ingredientes do principio do
programa de tratamento são:

( 1) lições de casa gradativas, que são apresentadas durante toda a


terapia;
(2) orientação (inclusive os aspectos cognitivos da terapia) que se
fará necessária toda vez que surgirem bloqueios no programa
de lições de casa; e
(3) educação, que ocorre durante toda a terapia e também consti­
tui o enfoque de uma sessão específica de tratamento.

Embora todos os três componentes estejam integrados ao


tratamento, ficará mais claro para o leitor se forem descritos sepa­
radamente. O encerramento da terapia é também importante, so­
bretudo em termos de prevenção de dificuldades adicionais. Uma
sessão de acompanhamento alguns meses após o término do tra­
tamento não só pode ser terapêutica como também permitir ao
terapeuta verificar se o progresso do casal foi mantido.
A terapia de relacionamento geral será necessária para al­
guns casais, quer no início do tratamento, quer subseqüentemente.

Avaliação

y
Formulação

________________________ i _______________________
Lições de casa Aconselhamento Educação

!
Encerramento

I
Sessão de acompanhamento

Figura 11.1 Estágios e componentes da terapia sexual


Disfunções sexuais 545

Entretanto, o autor não acha aconselhável tentar pôr em prática,


paralelamente, programas completos de terapia sexual e terapia
conjugal. Um princípio útil na terapia sexual consiste em ater-se à
discussão de problemas do relacionamento sexual, a menos que as
dificuldades no relacionamento geral o impeçam a ponto de ser
preciso lidar com estas últimas. As abordagens para se ajudar a
resolver problemas de relacionamento geral foram descritas no ca­
pítulo anterior.
Os casais devem ser informados, no início do tratamento, de
que haverá sessões específicas de revisão, e que o tratamento será
encerrado caso os parceiros ou o terapeuta sintam que ele não está
se mostrando eficaz. A terceira sessão (não incluindo a avaliação)
é um bom momento para se proceder à primeira revisão, pois pode
encorajar o envolvimento, desde o início, nas lições de casa. Tam­
bém proporciona uma “via de escape” desde cedo, tanto para os
parceiros quanto para o terapeuta. O último ponto é importante
porque o progresso (em termos de realização das lições de casa)
neste estágio constitui uma boa indicação do provável resultado
final (Hawton e Catalan, 1986).
No início do tratamento o casal deve também ser informado
de que, embora as sessões sejam geralmente conduzidas na pre­
sença de ambos os parceiros, o terapeuta pode querer vê-los indi­
vidualmente em algum momento, para conhecer sua opinião
sobre o andamento da terapia. Isso também pode permitir que os
parceiros discutam questões que não se sentiram capazes de abor­
dar durante a avaliação, mas que podem ser muito relevantes ao
progresso do tratamento (Hawton, Catalan, M artin e Fagg, 1986).
Sessões de tratamento semanais, durando de 30 minutos a 1 hora,
são as mais práticas para os terapeutas e casais. As vezes, quando
o progresso é lento, vale a pena passar para sessões duas vezes por
semana, durante algumas semanas. Nos últimos estágios do pro­
grama, as sessões podem ser mais espaçadas (por exemplo, quin­
zenalmente), e um intervalo, digamos de três a quatro semanas, é
geralmente combinado entre a penúltima e a últim a sessões de
tratamento. Isso permite a consolidação do progresso, ajuda a
assegurar que o casal vá assumir total responsabilidade pelo seu
relacionamento, além de oferecer uma oportunidade para a dis­
cussão de quaisquer dificuldades remanescentes. A sessão de
54 6 Terapia cognitivo-comportamental

acompanhamento é, em parte, uma extensão desse processo. A


duração do tratamento pode variar muito, porém de oito a vinte
sessões são suficientes para se completar o tratamento com prati­
camente todos os casais.

Formulação

No início da terapia sexual, deve-se fazer ao casal uma descri­


ção simples e breve da natureza de seus problemas e dos possíveis
fatores que contribuem para a existência deles. É melhor que se
apresente a formulação no início da sessão de tratamento, quando as
lições de casa vão ser descritas. Eis os objetivos da formulação:

1. Ajudar o casal a entender suas dificuldades - isso pode consti­


tuir uma fonte de encorajamento, especialmente se o terapeuta
também explicar quão comuns esses problemas são.
2. Ressaltar os possíveis fatores contribuintes, particularmente os
fatores mantenedores que constituirão o enfoque da terapia, e
assim estabelecer o fundamento lógico para a abordagem do tra­
tamento.
3. Permitir que o terapeuta verifique se as informações obtidas na
avaliação foram corretamente interpretadas. Portanto, deve-se
pedir ao casal um feedback quanto à formulação. Novas infor­
mações às vezes vêm à tona nesse estágio.

Quando se apresenta a formulação, convém adotar o modelo


causal de fatores predisponentes, précipitantes e mantenedores dis­
cutido anteriormente (p. 531). O terapeuta deve tentar equilibrar as
contribuições individuais dos parceiros ao problema, desse modo
enfatizando o porquê da cooperação entre os parceiros ser essencial
para o sucesso da terapia. O terapeuta deve também realçar aspec­
tos positivos do relacionamento do casal. É importante indicar
quaisquer partes da formulação que sejam hipotéticas, enfatizando
que estas podem ser testadas durante o tratamento, e também se
Disfunções sexuais___________________________________________ 547

Q uadro 11.6 Sumário de uma formulação

Jane, 26 anos, e Peter, 36 anos, se apresentaram porque Jane não tinha inte­
resse sexual e não apreciava as relações sexuais.
Ao final de sua avaliação, o terapeuta explicou que o problema parecia ser a
falta de interesse de Jane pelo sexo, e também a dor que sentia durante as relações
sexuais, o que ocorria por ela não estar suficientemente excitada.

Fatores predisponentes
Vários fatores contribuíram para que Jane começasse a se sentir incerta com
relação à sexualidade, especialmente:
( 1) sua educação repressora, que a encorajou a encarar o sexo como “sujo”;
(2) sua falta de educação sexual, e conseqüente informação sexual insatisfatória; e
(3) sua culpa com relação a seu único relacionamento sexual anterior, com um
homem mais velho, casado.
Quando o relacionamento de ambos começou, Peter não tinha segurança em
sua capacidade sexual, em grande parte devido ao fato de sua primeira mulher tê-
lo trocado por outro homem.

Précipitantes
Compreensivelmente, ambos os parceiros se mostraram muito hesitantes e
incertos quando seu relacionamento sexual começou. Como resultado, Jane não
ficou muito excitada e, portanto, a relação sexual foi dolorosa. Mais tarde, sempre
que tentavam fazer amor Jane começava imediatamente a se sentir ansiosa, preo­
cupando-se com a possível dor proveniente da relação sexual. Portanto, dificil­
mente ficava excitada, a relação sexual era sempre tão incômoda como temia que
fosse, e aos poucos perdeu totalmente o interesse pelo sexo.

Fatores mantenedores
O problema parecia ter persistido porque ambos os parceiros consideravam
que cada episódio sexual seria um fracasso, e a ansiedade antecipatória impediu
que Jane sentisse qualquer interesse pelo sexo. Além disso, Jane e Peter mostravam
dificuldade em discutir o problema e, desse modo, elaborar possíveis soluções.

Os aspectos positivos, neste caso, incluíam o fato de o relacionamento geral


de Jane e Peter ser feliz e afetuoso, a duração relativamente curta do problema (quin­
ze meses) e o evidente entusiasmo dos dois parceiros em superar a dificuldade.

deve falar sobre a probabilidade de que informações novas se evi­


denciem à medida que a terapia prossegue. A formulação deve ser
registrada nas notas do casal para referência durante a terapia.
Um sumário de uma formulação, ilustrando os pontos aqui
abordados, é fornecido no Quadro 11.6.
54 8 Terapia cognitivo-comportamental

Não é preciso dispender muito tempo para a apresentação e dis­


cussão da formulação, digamos de 15 a 20 minutos. Uma vez con­
cluído esse estágio, o terapeuta deve explicar que é importante que
ambos os parceiros estejam ativamente envolvidos no tratamento,
pois ambos contribuem de alguma maneira para o problema, e uma
abordagem cooperativa é a única que tem probabilidade de sucesso.
Depois disso, as lições de casa iniciais podem ser discutidas.

Lições de casa

Antes de se descrever o que o terapeuta deseja que o casal fa­


ça durante a primeira semana, as tarefas de lição de casa devem ser
explicadas como um todo. Elas pretendem:

1. Proporcionar uma abordagem estruturada que permita que o


casal reconstrua seu relacionamento sexual gradualmente.
2. Ajudar na identificação de fatores específicos que estão man­
tendo a disfunção sexual. Estes incluem cognições e posturas,
especialmente aquelas não aparentes no início.
3. Ensinar ao casal técnicas específicas para lidar com determina­
dos problemas.

A maioria dos terapeutas utiliza um programa básico de li­


ções de casa que aplicam no tratamento da maioria dos casais,
embora tenha de haver flexibilidade quanto á ênfase em cada está­
gio, dependendo da natureza do problema do casal e de seu índice
de sucesso. Os estágios desse programa, que são rotulados utili­
zando-se a terminologia introduzida por Masters e Johnson
(1970), são:

(1) Focalização sensorial não-genital, que se destina particular­


mente a ajudar um casal a estabelecer a intimidade física de
uma maneira confortável e descontraída, permitindo uma co­
municação aberta com relação aos sentimentos e desejos;
Disfunções sexuais 549

(2) Focalização sensorial genital, que visa facilitar as carícias para


a excitação sexual, sem uma ansiedade indevida;
(3) Penetração vaginal, que constitui um estágio intermediário,
antes que a relação sexual completa se inicie.

Esses três estágios serão descritos primeiro, antes de exarmi-


narmos as estratégias específicas que podem ser enxertadas neste
programa a fim de lidar com determinados problemas. Entretanto,
convém enfatizar que as lições de casa constituem apenas um dos
elementos do tratamento e, se usadas isoladamente, dificilmente
levarão ao sucesso. Obstruções ao progresso com relação às lições
de casa ocorrem no tratamento da maioria dos casais, e devem ser
esperadas. O terapeuta deve fazer uso de habilidades de aconselha­
mento (descritas adiante) para ajudar o casal a entender as razões
de suas dificuldades e a superá-las.
Há alguns princípios gerais importantes a propósito das ins­
truções para as lições de casa.

1. As instruções devem ser detalhadas e precisas.


2. O terapeuta sempre deve checar se o casal registrou e entendeu
completamente as instruções antes de dar por terminada a ses­
são de tratamento.
3. Ao dar novas instruções, o terapeuta deve perguntar ao casal
como se sente com relação a elas, e se antevêem quaisquer difi­
culdades. Se for esse o caso, o terapeuta deve procurar atenuar
seus temores antes que tentem realizar a tarefa. Por exemplo,
uma mulher estava muito apreensiva quanto a passar da focali­
zação sensorial não-genital para a genital. Quando lhe foi per­
guntado o que pensava poder acontecer, disse que temia que a
estimulação dos genitais de seu marido o excitasse tanto que ele
viesse a pedir para fazerem sexo. Quando se perguntou ao mari­
do sua opinião, ele a reassegurou de que isso não aconteceria, e
que ele realmente gostaria muito que ela lhe proporcionasse
mais estimulação sexual.
4. Não se deve pedir ao casal que passe para o estágio seguinte do
programa enquanto as tarefas atuais não tiverem sido domi­
nadas.
55 0 Terapia cognitivo-comportamental

5. A opção de passar para o próximo estágio dependendo dos pro­


gressos feitos não deve ficar a cargo do casal, pois a incerteza
pode ser prejudicial ao progresso.
6. O casal deve ser informado de que, na próxima sessão, o terapeu­
ta vai pedir um feedback detalhado dos progressos obtidos.

Focalização sensorial não-genital

Esse estágio, benéfico para a maioria dos casais com disfun­


ção sexual, é especialmente útil para aqueles cujo relacionamento
sexual está prejudicado (por exemplo, pela ansiedade ou postura
pessimista resultante de falhas repetidas), ou para os que têm difi­
culdade em discutir seu relacionamento físico.
Antes de se descrever as tarefas iniciais, o terapeuta deve expli­
car os objetivos desse estágio, a saber, ajudar os parceiros a desen­
volver um senso de confiança e proximidade, tomar-se mais cons­
cientes daquilo que cada um aprecia e encorajar a comunicação.
O casal é inicialmente solicitado a abster-se da relação sexual,
e de tocar os genitais de cada um e os seios da mulher. É preciso
explicar que isso almeja assegurar que ambos não confrontem con­
tinuamente aqueles aspectos da sexualidade que apresentam maior
probabilidade de causar ansiedade, permitindo que se concentrem
em reconstruir seu relacionamento físico ao aprenderem, primeiro,
a apreciar o contato físico geral.
É quando são informados que durante a semana seguinte um
parceiro, quando sentir vontade, deve convidar o outro para uma
sessão de lição de casa. Esse convite deve ser explícito (por exem­
plo: “Gostaria de tentar as carícias que o terapeuta sugeriu. E vo­
cê?”), e o outro deve aceitar o convite se estiver se sentindo positi­
vo ou neutro com relação a ele. Se tiver sentimentos negativos, é
importante que o diga, mas que procure explicar o porquê. Essas
instruções se destinam a promover uma comunicação mais aberta
e evitar que os parceiros se sintam pressionados um pelo outro.
Depois da primeira sessão de carícias, o padrão do convite é então
alternado, de foma que caiba ao outro parceiro fazer o convite se­
guinte.
As sessões de carícias podem ocorrer sempre que o casal de­
sejar, desde que se sintam confortáveis e afetuosos, e que não haja
Disfunções sexuais 551

nenhum risco de que sejam perturbados. O objetivo final é que os


parceiros fiquem nus durante essas sessões, com uma luz tênue no
recinto. De início, porém, devem concentrar-se num estágio que
não considerem muito ameaçador.
A focalização sensorial não-genital deve começar com um
parceiro (aquele que fez o convite) explorando e acariciando o
corpo do outro parceiro por inteiro, salvo as áreas “proibidas”. Os
parceiros devem fazer isso de modo a proporcionar prazer a am­
bos. O outro parceiro deve tentar concentrar-se nas sensações pro­
vocadas pelas carícias e dar um feedback daquilo que aprecia ou
não, e de como as coisas poderiam melhorar (por exemplo, se fos­
sem mais firmes, mais leves, mais lentas ou rápidas). Guiar as
mãos do parceiro pode ser uma boa maneira de se fazer isso. Du­
rante as primeiras sessões, esse exercício pode adotar, muitas ve­
zes, a forma de massagem. Os parceiros devem trocar papéis quan­
do desejarem, de modo que o parceiro “passivo” assuma então as
carícias. A sessão pode continuar pelo tempo que os parceiros de­
sejarem (geralmente de 10 minutos a uma hora), mas devem evitar
o tédio.
A excitação sexual não é o objetivo neste estágio, mas se um
ou ambos os parceiros ficarem excitados, devem ser estimulados a
apreciar esse fato, sem ultrapassar os limites de carícia estabeleci­
dos. Alguns casais acham que uma loção (por exemplo, um gel ou
uma loção para bebê) incrementa o prazer da focalização senso­
rial. Não há restrições quanto à masturbação, se os parceiros dese­
jarem aliviar a tensão sexual, mas no momento esta deve se restrin­
gir à automasturbação, e não na presença do parceiro.
Embora não se pretenda impor um cronograma muito rígido,
é importante que o terapeuta deixe clara a expectativa de que o ca­
sal se aplique durante o tratamento, e que três sessões de lição de
casa por semana seriam uma freqüência razoável a se alcançar. Os
casais devem ser advertidos de que podem não achar essas sessões
espontâneas neste estágio, mas que isso é compreensível quando
se trabalha na resolução de um problema. A maioria dos casais
constata que suas sessões se tomam cada vez mais espontâneas à
medida que a terapia avança.
552 Terapia cognitivo-comportamental

Reações à focalização sensorial não-genital

As reações iniciais a este estágio variam de acordo com a na­


tureza das dificuldades do casal. Alguns casais acham a focaliza­
ção sensorial não-genital imediatamente aprazível. Outros reagem
negativamente de início, relatando, por exemplo, falta de tempo
suficiente para as sessões de lição de casa, infração à norma quan­
to à relação sexual, sentimentos negativos (por exemplo, tensão,
tédio), ou a incapacidade de um parceiro fazer um convite. Os mo­
dos como os terapeutas podem ajudar os casais a superar esses
problemas são discutidas mais adiante (p. 563). O casal só deve
passar para a focalização sensorial genital quando esse estágio es­
tiver bem resolvido.

Focalização sensorial genital

Os objetivos desse estágio devem ser explicados ao casal: tor­


nar suas carícias mais sexuais e excitantes, assim como encorajá-
los a continuar discutindo seus sentimentos e desejos.
Para começar, deve-se pedir ao casal que continue com seu
padrão de alternação de convites e revezamento de carícias, mas
estendê-lo a fim de incluir os genitais de ambos e os seios da mu­
lher. Isso deve ser feito de modo delicado e exploratório de início,
sem que a excitação sexual seja o objetivo. Pelo contrário, os par­
ceiros devem se concentrar no descontraído dar e receber do pra­
zer erótico. Se a excitação ocorrer, deve ser desfrutada. O terapeu­
ta deve explicar com alguns detalhes os tipos de carícias que os ca­
sais apreciam (ver, por exemplo, Kaplan, 1987), enfatizando a ne­
cessidade de que esse estágio seja uma complementação do ante­
rior, e não uma substituição. Guiar as mãos do parceiro novamente
constitui uma maneira útil de ajudá-lo a aprender o que confere
prazer. As loções podem ser usadas nesse estágio, desde que o
casal assim o deseje. Quando esse estágio está progredindo bem, o
casal é instruído a incluir as carícias mútuas e a revezar os papéis
ativos e passivos. Se um ou ambos os parceiros desejarem chegar
ao orgasmo devem se sentir livres para tanto, mas este não deve ser
o objetivo das sessões.
553
Disfunções sexuais

Reações à focalização sensorial genital

Como acontece com a focalização sensorial não-genital, al­


guns casais imediatamente consideram a focalização sensorial
genital aprazível, enquanto outros reagem de modo adverso. Esse
estágio tem uma probabilidade especial de gerar ansiedade, sobre­
tudo quanto à excitação ou intimidade sexual. Deve-se lembrar ao
leitor o trabalho de Barlow já discutido aqui, que indica que a exci­
tação sexual em indivíduos disfuncionais quase sempre resulta da
atenção que se dá às cognições e estímulos não eróticos (p. 535). É
importante, portanto, que o terapeuta encoraje especificamente os
parceiros a focalizarem sensações aprazíveis. Entretanto, esse
encorajamento pode não ser suficiente para lidar com este proble­
ma específico; em vez disso, pode ser necessário explorar os pen­
samentos e posturas que causam a distração (ver p. 565).

Penetração vaginal

Este estágio é intermediário na introdução da relação sexual


no programa de terapia. Constitui um estágio de importância relati­
vamente menor para casais cujas dificuldades foram, até agora, em
grande parte resolvidas. Para outros, é extremamente importante,
sobretudo quando a penetração vaginal constitui um passo-chave
(por exemplo, vaginismo, ejaculação precoce, disfunção erétil).
Diz-se ao casal que, quando ambos estiverem se sentindo des­
contraídos e sexualmente excitados, a mulher deve introduzir o
pênis do parceiro em sua vagina, e ambos devem então ficar deita­
dos quietos, concentrando-se em quaisquer sensações genitais agra­
dáveis. Em geral, as melhores posições para a penetração vaginal
são aquelas em que a mulher fica em posição superior, ou lado a
lado. Isso é importante no tratamento do vaginismo, pois ajuda a
mulher a ter um senso de controle. Além disso, muitos homens
acham que seu controle ejaculatório é melhor nessa posição do
que quando ficam na posição superior (embora a razão disso não
se faça clara). O terapeuta deve descrever com alguns detalhes a
posição a ser utilizada, especialmente se o problema apresentado
foi o vaginismo da parceira, e esta nunca manteve relações se­
xuais. Os desenhos (por exemplo, Kaplan, 1987) podem ser úteis.
554 Terapia cognitivo-comportamental

Pede-se que o casal mantenha a penetração pelo tempo que


desejar, e que depois retomem as carícias genitais e não-genitais.
Podem repetir a penetração até três vezes em qualquer sessão.
Uma vez bem estabelecido esse estágio, o casal deve introdu­
zir os movimentos durante a penetração. As vezes, é melhor suge­
rir que a mulher inicie os movimentos. Novamente, isso será im­
portante se ela tiver se apresentado com vaginismo, pois poderá
manter o controle da situação e, assim, diminuir o medo de ser ma­
chucada. Se todos os estágios anteriores progrediram bem, o está­
gio final geralmente não apresenta dificuldades maiores, exceto
no caso de alguns homens com ejaculação precoce (ver adiante).
Posteriormente, o casal pode, se desejar, experimentar diferentes
posições sexuais.
Isso completa o programa geral de lições de casa utilizado na
terapia sexual com a maioria dos casais. Agora, descreveremos os
procedimentos que podem ser acrescidos a este programa para o
tratamento de disfunções sexuais específicas.

Procedimentos para disfunções sexuais específicas da mulher

Disfunção orgásmica

Se uma mulher nunca atingiu o orgasmo, o treinamento da


masturbação pode ser considerado, pois a maioria das mulheres
acha mais fácil, de início, experimentar o orgasmo sozinhas. Isto é
sintetizado no Quadro 11.7. Entretanto, embora esta abordagem
seja o tratamento preferencial para uma mulher sem parceiro, mui­
tos casais vão preferir resolver o problema no contexto de sua ati­
vidade sexual conjunta.
Uma mulher que pode chegar ao orgasmo sozinha deve ser
encorajada a mostrar ao seu parceiro o quanto gosta de ser estimu­
lada, e uma boa maneira de fazê-lo é conduzir suas mãos. O tera­
peuta deve enfatizar a importância da estimulação clitoriana para o
orgasmo feminino. Se a mulher for incapaz de alcançar o orgasmo
apesar de uma estimulação aparentemente adequada, um vibrador
pode ser sugerido (Yaffe e Fenwick, 1986). É importante deixar cla­
ro ao casal que essa medida é apenas temporária. O terapeuta tam­
bém deve discutir a capacidade de resposta orgásmica da mulher,
I )isfunções sexuais 555

Quadro 11.7 Sumário de um programa de treinamento de masturbação que


pode ser utilizado pelas mulheres

Os passos abaixo devem ser recomendados. O ritmo dc uma mulher deve ser
dilado pelo quanto ela se sente à vontade com o programa, e não por um cronograma
rígido. Em cada estágio, as posturas da mulher com relação ao que está sendo solici-
lada a fazer e ao que acabou de fazer devem ser exploradas. Um trabalho cognitivo
ndicional pode ser necessário se forem identificadas posturas altamente negativas.

1. Auto-exame geral. Esse exercício de autoconhecimento pode ser especialmente


útil se a mulher tiver posturas negativas com relação a seu corpo. Em geral,
deve examinar-se quando nua, e identificar três aspectos de seu corpo que apre­
cia e três que aprecia menos. As posturas com relação a seu corpo devem ser
exploradas na próxima sessão de tratamento. O objetivo é fazer com que a
mulher “entre em contato” com seu corpo, e ajudá-la a desenvolver uma avalia­
ção racional dele.

2. Auto-exame genital. Exame visual dos genitais, através de um espelho, identifi­


cando várias áreas previamente apontadas em um diagrama pelo terapeuta, segui­
do pela exploração dos genitais com os dedos, tanto externa quanto internamente.

3. Exercícios do músculo pélvico (ver p. 556).

4. Masturbação. Estimulação genital para produzir excitação sexual, direcionan-


do-se a atenção para experiências ou sensações eróticas.

5. Complementos à masturbação. O que se segue pode ser sugerido com a finali­


dade de incrementar a excitação sexual:
Literatura erótica
Fantasias sexuais (Friday [1975] pode ajudar as mulheres que não acham fácil
ter fantasias).
Vibrador, se o orgasmo não ocorreu após várias semanas de masturbação regu­
lar. As ansiedades com relação a se utilizar um artefato desses, sobretudo o
medo de se tomar dependente, devem ser discutidas. A maioria das mulheres
que se tomam orgásmicas com um vibrador são logo capazes de alcançar o
orgasmo sem ele.

enfatizando que muitas mulheres perfeitamente normais só têm or­


gasmos em algumas ocasiões de atividade sexual, e não obstante o
sexo é, para elas, extremamente prazeroso e recompensador.
Quando o orgasmo for possível através da estimulação manual,
uma “manobra ponte” (Kaplan, 1987) pode ser usada para ajudar a
mulher a se tornar orgásmica durante a relação sexual. O parceiro
(ou a própria mulher) deve proporcionar uma estimulação clitoriana
556 Terapia cognitivo-comportamental

manual durante a penetração vaginal, combinada ao movimento pél­


vico lento por parte da mulher. Quando sentir que está se aproxi­
mando do orgasmo deve iniciar um vigoroso movimento pélvico e
continuar a obter a estimulação clitoriana, se possível ao pressionar
o clitóris contra a pelve do parceiro. Algumas mulheres serão final­
mente capazes de chegar ao orgasmo durante a relação sexual sem a
estimulação sexual, mas muitas vão continuar precisando da estimu­
lação clitoriana. Qualquer que seja o resultado, o casal deve ser reas­
segurado de que qualquer dos resultados é perfeitamente normal.

Vaginismo

Há vários estágios no tratamento do vaginismo:

1. Ajudar a mulher a desenvolver posturas mais positivas com re­


lação a seus genitais. Após o terapeuta ter procedido a uma descri­
ção completa da anatomia sexual feminina, preferivelmente atra­
vés de uma foto ou de um diagrama, a mulher deve ser encorajada
a examinar-se com um espelho de mão em várias ocasiões. Pos­
turas extremamente negativas (especialmente com respeito à apa­
rência dos genitais, ou à conveniência de examiná-los) podem evi­
denciar-se durante este estágio, possivelmente levando ao não-
cumprimento das lições de casa. Algumas mulheres acham mais
fácil examinar-se na presença do parceiro; outras só conseguem
ser incentivadas a fazê-lo se, primeiro, o terapeuta ajudá-las no
consultório. Se isso for necessário, uma terapeuta medicamente
qualificada deve participar das sessões.

2. Exercícios do músculo pélvico. Estes se destinam a ajudar a


mulher a adquirir algum controle sobre os músculos que circun­
dam a entrada da vagina. Se ela estiver incerta quanto a poder ou
não contrair os músculos vaginais, deve-se pedir que procure in­
terromper o fluxo da urina na próxima vez que for ao banheiro; os
músculos pélvicos são usados para isso. Mais tarde, a mulher
pode verificar se está usando os músculos certos ao colocar o dedo
na entrada da vagina, onde deve ser capaz de sentir as contrações
musculares. Posteriormente, deve praticar a contração desses mús­
culos por um determinado número de vezes (por exemplo 10) du­
rante o dia.
I >isfunções sexuais 557

3. Introdução vaginal. Uma vez que a mulher se sinta à vontade


com sua anatomia genital externa, deve começar a explorar o inte­
rior da vagina com os dedos. Em parte, deve fazê-lo para encorajar
a familiaridade, e em parte para iniciar a penetração vaginal. As
posturas negativas também podem evidenciar-se nesse estágio
(preocupações com a textura da vagina, sua limpeza, o medo de
causar danos, e a dúvida quanto a ser ou não “correto” fazer este
tipo de coisa). O fundamento lógico para quaisquer dessas objeções
deve ser explorado. Num estágio posterior, a mulher pode tentar
usar dois dedos, movendo-os ao redor da vagina. Se não se sentir à
vontade para inserir um dedo ela mesma, seu parceiro deve come­
çar a fazê-lo sob sua orientação durante as sessões de lição de casa.
Uma loção (por exemplo, um gel ou uma loção para bebê) pode
facilitar as coisas. Os dilatadores vaginais gradativos foram usados
no programa original de Masters e Johnson, e continuam sendo
usados em muitas clínicas. A experiência clínica demonstrou,
porém, que o uso dos dedos é tão eficaz quanto esses dilatadores.

4. Penetração vaginal. Quando se tenta a penetração vaginal, os


exercícios do músculo pélvico e a loção também devem ser empre­
gados para ajudar no relaxamento dos músculos pélvicos, tom an­
do a penetração mais fácil. Este é quase sempre um estágio difícil,
e o terapeuta, portanto, precisa encorajar a mulher a adquirir segu­
rança com base nos progressos alcançados até então. As preocupa­
ções persistentes sobre a possibilidade de dor talvez precisem ser
exploradas, inclusive o modo como a mulher pode certificar-se de
que detém o controle durante esse estágio.

Dispareunia

Se a dispareunia for causada por fatores psicológicos, sobre­


tudo pela falta de excitação, a terapia deve voltar-se, em grande
parte, para a tentativa de ajudar a mulher a ficar excitada através
do programa de focalização sensorial. Mesmo nesses casos, porém,
e também naqueles em que a dor se deve a causas físicas (por exem­
plo, endometriose), uma orientação sobre posições para a penetra­
ção vaginal e a relação sexual com penetração vaginal menos pro­
funda (por exemplo, ambos os parceiros deitados de lado, face a
face) pode ser útil.
558 Terapia cognitivo-comportamental

Perda do interesse sexual

Nenhum procedimento específico é utilizado no tratamento


deste problema; a ênfase principal incide sobre o estabelecimento
de circunstâncias corretas para a atividade sexual, a redução da an­
siedade, o estabelecimento de um preâmbulo de carícias satisfató­
rio, o direcionamento da atenção para estímulos e cognições eróti­
cas e a resolução de problemas gerais de relacionamento. As inibi­
ções quanto ao comportamento e a excitação sexuais freqüente­
mente se tomam óbvias durante o tratamento, e precisam ser explo­
radas (p. 565). Crowe e Ridley (1986) constataram que pode ser útil
negociar um programa semanal para a atividade sexual que repre­
sente uma conciliação quanto à freqüência ideal de cada parceiro.

Perda de excitação sexual

O programa geral de lições de casa constitui também a princi­


pal estratégia para se ajudar a resolver esse problema. O uso de
fantasias sexuais pode às vezes provocar excitação (por exemplo,
Friday, 1975). Entretanto, já que essa prática é inaceitável para
alguns casais, o terapeuta deve introduzir o assunto com sensibili­
dade e precaução. Um creme de estrogênio, ou a reposição hormo­
nal de depósito em mulheres que se submeteram a uma histerecto-
mia podem ser de grande ajuda para as mulheres com problemas
de secura vaginal (Bancroft, 1983).

Procedimentos para disfunções sexuais específicas dos homens

Disfunção erétil

Em geral, os homens com disfunção erétil psicogênica come­


çarão a experimentar ereções durante a focalização sensorial não
genital ou genital. Se o terapeuta sugerir que na fase inicial o
homem procure não ter uma ereção, isso pode surtir efeito contrário.
Como já observamos aqui, os homens com disfunção erétil quase
sempre têm dificuldade em atentar para estímulos eróticos, sobretu-
559
Disfunções sexuais

do quando uma ereção se desenvolve, tendendo, em vez disso, a


pensar na qualidade de sua ereção, ou se serão capazes de mantê-la.
O terapeuta deve, especificamente, encorajar o homem a concentrar
sua atenção nas sensações prazerosas que experimenta durante as
carícias genitais de sua parceira (o uso de uma loção geralmente in­
tensifica essas sensações), nas áreas do corpo da parceira que consi­
dera excitantes, e no prazer de presenciar a excitação dela.
Uma vez que as ereções estejam ocorrendo regularmente, o
terapeuta deve sugerir que o casal interrompa as carícias durante
uma sessão e permita que a ereção decline. Devem então retomar
as carícias - em geral a ereção retomará, sobretudo se a parceira
estimular seus genitais de maneira provocante e/ou lenta. Esses
exercícios de alternância de aumento e declínio, que devem ser re­
petidos de duas a três vezes em cada sessão, podem ajudar a dissi­
par o medo que o homem tem de que a ereção irá perder-se com­
pletamente, e não retomará.
Quando a penetração for introduzida no programa, deve de
início ser mantida breve, e a mulher deve proporcionar estimula­
ção genital adicional se houver perda de ereção.

Ejaculação precoce

Durante a focalização sensorial genital, o casal deve ser ins­


truído com relação às técnicas de parar-começar (Semans, 1956) e
de apertar (Masters e Johnson, 1970).
A técnica de parar-começar consiste no homem deitar-se de
costas e concentrar toda sua atenção na sensação proporcionada
pela estimulação de seu pênis por parte da parceira. Ao sentir que
está ficando bastante excitado, deve indicar esse fato de uma ma­
neira preestabelecida; a parceira deve, então, interromper as carí­
cias e permitir que sua excitação decline. Após um breve intervalo,
esse procedimento é repetido duas vezes mais, em seguida ao que
a mulher estimula o parceiro a ejacular. No começo, o homem po­
de flagrar-se ejaculando cedo demais, mas em geral o controle se
desenvolve gradualmente. Mais tarde, uma loção pode ser aplicada
ao pênis durante esse procedimento, intensificando sua excitação
e fazendo com que a estimulação genital se assemelhe à penetra­
ção vaginal.
560 Terapia cognitivo-comportamental

Figura 11.2 Técnica de apertar

A técnica de apertar é uma elaboração da técnica de parar-


começar, e talvez só precise ser usada se esta última se mostrar
ineficaz. O casal procede da mesma forma que o faz durante a téc­
nica de parar-começar. Quando o homem indicar que está ficando
bem excitado, sua parceira deve apertar-lhe o pênis por aproxima­
damente 15 a 20 segundos, com os dedos na posição indicada na
Figura 11.2. Isso inibe o reflexo ejaculatório. Como acontece com
a técnica de parar-começar, esse procedimento será repetido três
vezes em uma sessão, e na quarta ocasião o homem deve ejacular.
Ambos os procedimentos parecem ajudar o homem a desenvolver
um maior controle sobre a ejaculação, talvez porque ele adquira
aos poucos as técnicas cognitivas associadas ao controle ejaculató­
rio, ou porque se habitua gradualmente a experimentar a excitação
sexual sem se tornar ansioso.
Uma vez que qualquer dessas técnicas seja estabelecida com
êxito, o casal deve proceder à penetração vaginal, utilizando a
posição superior da mulher (p. 554). Se o homem ficar muito exci­
tado, deve indicá-lo à sua parceira, que então irá se retirar dessa
posição e permitir que sua excitação decline, ou ajudá-lo através
da técnica de apertar. A maioria dos casais acaba conseguindo m an­
ter uma relação sexual completa com um controle ejaculatório ra­
zoável, geralmente sem o auxílo de qualquer técnica específica.
Disfunções sexuais 561

Ejaculação retardada/ausente

Quando um homem nunca ejaculou, salvo durante o sono,


um programa individual de treinamento de masturbação é geral­
mente indicado de início. Esse programa é delineado no Quadro
11.8. Quando a ejaculação é possível durante a masturbação, mas
não junto com a parceira, ou apenas com dificuldade, a ênfase no
programa de focalização sensorial genital reside na estimulação
do pênis por parte da mulher, primeiro gentilmente, e mais tarde
com vigor, usando uma loção para aumentar a excitação e reduzir

Quadro 11.8 Súmario de um programa de treinamento de masturbação que


pode ser usado pelos homens

Um programa de treinamento de masturbação pode ser útil no tratamento da


ejaculação retardada/ausente, ejaculação precoce ou disfunção erétil, embora o
tipo de programa vá diferir de acordo com a disfunção sexual apresentada. Em
cada caso, as posturas do homem com relação ao que foi sugerido devem ser
exploradas primeiro.
Os passos abaixo relacionados podem ser sugeridos para o tratamento da
ejaculação retardada/ausente'.

1. Exploração dos genitais e das áreas circundantes —com as mãos e os dedos,


para identificar áreas sensíveis.
2. Masturbação - variando a intensidade da estimulação. Deve-se usar uma loção
para intensificar a excitação e prevenir irritações. Quando a excitação estiver
elevada, a masturbação vigorosa pode resultar na ejaculação.
3 . Complementos à masturbação:

Fantasias sexuais (Friday [1980] pode ajudar os homens que têm dificuldade
em criar fantasias sexuais).
Literatura erótica
Vibrador

No tratamento da ejaculação precoce, o homem deve ser estimulado a pro­


longar a masturbação por um período estabelecido (por exemplo, 15 minutos)
antes de ejacular. Mais tarde, deve usar uma loção para habituar-se à estimulação
mais intensa e a uma maior excitação.
No tratamento da disfunção erétil, durante a masturbação o homem deve
permitir que a ereção decline por um instante antes de continuar a auto-estimula-
ção, repetindo isso de duas a três vezes. Desse modo, pode adquirir mais seguran­
ça em sua capacidade erétil.
562 Terapia cognitivo-comportamental

a fricção. Alguns homens acham que a auto-estimulação ajuda


neste estágio. O homem é encorajado a concentrar sua atenção
nas sensações que está experimentando. Se a ejaculação ocorrer,
nas sessões posteriores deve tentar ejacular perto da entrada vagi­
nal de sua parceira. Posteriormente, deve penetrá-la quando esti­
ver prestes a ejacular, e continuar impulsionando vigorosamente.
A posição superior do homem é recomendada neste caso, pois
geralmente facilita a ejaculação. A estimulação crescente da glan­
de peniana pode ser feita pela mulher (ou pelo homem) durante a
relação sexual, puxando delicadamente a pele da base do pênis
para baixo.

Perda de interesse sexual

Novamente, como no caso das mulheres (p. 558), não há pro­


cedimentos psicológicos usados especificamente para esse proble­
ma, e a maior ênfase incide no estabelecimento de um padrão de
comportamento sexual recompensador e na resolução de quaisquer
questões interpessoais que contribuam para o agravamento do pro­
blema. A negociação de uma programação semanal para conciliar
as discrepâncias entre os níveis de desejo sexual dos parceiros
(p. 558) não parece ser muito eficaz quando se trata da perda de
interesse sexual por parte do parceiro de sexo masculino.

A conselham ento

Há vários aspectos inespecíficos da terapia sexual que podem


ser importantes no processo terapêutico. Estes incluem até que
ponto o terapeuta adota uma abordagem compreensiva e solícita, a
confiança que o terapeuta tem no programa, e até que ponto o ca­
sal é encorajado, sobretudo quando há progressos (ainda que rela­
tivamente pequenos). Todavia, a ênfase nesta seção está em como
ajudar os casais quando encontrarem obstáculos durante o trata­
mento.
563
Disfunções sexuais

Obstáculos durante o tratamento

As dificuldades podem ocorrer em qualquer estágio do pro­


grama de terapia, mas, em termos gerais, podemos dividi-las na­
quelas que ocorrem no início e nas que ocorrem mais tarde.

Dificuldades iniciais

Estas podem se apresentar de diversas maneiras. Por exemplo:

( 1) incapacidade de iniciar as lições de casa;


(2) rompimento da interdição da relação sexual;
(3) queixas de que as sessões de lição de casa não são caracteriza­
das pela espontaneidade, ou parecem artificiais ou planejadas;
(4) as sessões evocam sentimentos negativos, como a tensão ou o
tédio.

As dificuldades iniciais podem não ter grande importância,


ou podem apontar para problemas maiores (por exemplo, dificul­
dades de relacionamento geral, especialmente ressentimento).

Dificuldades posteriores

Estas podem se apresentar de diversas maneiras. Por exemplo:

( 1) o casal abandona as sessões de lição de casa;


(2) as sessões deixam de ser aprazíveis;
(3) a interdição da relação sexual é violada.

As dificuldades posteriores são especialmente comuns no tra­


tamento da disfunção erétil e do vaginismo.

O manejo das dificuldades

O primeiro passo é assegurar que o casal compreendeu as ins­


truções de tratamento. Se o fizeram, então o terapeuta deve obter
uma descrição detalhada e precisa daquilo que aconteceu. Pode-se
564 Terapia cognitivo-comportamental

dividir, no geral, as dificuldades na terapia sexual em dificuldades


de maior e menor importância.

Dificuldades menores

Estas incluem problemas como o fato de o casal achar as ses­


sões de casa iniciais destituídas de espontaneidade, ou de encon­
trar problemas em iniciar o programa devido ao constrangimento.
Em alguns casos, será suficiente apenas reconhecer o problema,
reassegurar e encorajar o casal. Isso pode ocorrer, por exemplo,
quando um casal relata que suas sessões iniciais parecem muito
planejadas. O terapeuta deve explicar que isso é compreensível e
deve ser esperado, mas que, para superar um problema sexual como
o do casal, é preciso abordá-lo de maneira sistemática; o casal vai
constatar que, à medida que começam a sentir prazer com as ses­
sões, elas parecerão mais espontâneas. Quando um casal apresen­
tar dificuldade em iniciar a focalização sensorial devido ao cons­
trangimento, o terapeuta deve ajudá-los a estabelecer um ponto de
partida aceitável. Podem, por exemplo, começar com os afagos e
as carícias quando ainda completamente vestidos.

Dificuldades maiores

As dificuldades mais sérias são geralmente indicadas por pro­


blemas como respostas muito negativas às lições de casa, o persis­
tente rompimento da interdição das relações sexuais, ou a inter­
rupção das sessões de lição de casa. O manejo dessas dificuldades
constitui o ponto crucial da terapia sexual efetiva.
Um modelo cognitivo pode ser útil ao se tentar compreender c
explicar as respostas negativas às lições de casa, conforme ilustra­
do na Figura 11.3. Esta demonstra como a não-adesão às lições de
casa estabelecidas, ou o fato de não apreciá-las, resulta de proces­
sos cognitivos (pensamentos e imagens). Entretanto, como as cog-
nições subjacentes são quase sempre automáticas (isto é, hábitos
de pensamento fugazes e aprendidos por repetição), uma pessoa
pode não ter muita consciência delas. As cognições evocadas pela
lição de casa geralmente vão refletir posturas mais gerais com rc-
565
Disfunções sexuais

Lições de casa -► R esposta---- Evitação


negativa/
comportamento
não estabelecido

Pensamentos
(freqüentemente automáticos)
ou
imagens

Posturas

Experiência
anterior ou atual

Figura 11.3 Um modelo cognitivo útil para a explicação de dificuldades maio­


res durante as lições de casa

lação à sexualidade, e estas quase sempre terão resultado de expe­


riências anteriores ou de outras, atuais. O caso seguinte ilustra um
exemplo:

Uma mulher que se apresentou com falta de interesse sexual


ficou muito tensa quando as lições de casa passaram para o estágio da
focalização sensorial genital. Ela demonstrou aversão quando seu
parceiro começou a lhe acariciar os genitais, pois pensava: “Ele não
pode estar gostando disso, e só o faz por achar que deve.” Subjacente
a este pensamento, havia uma repugnância geral com relação aos seus
genitais. Isso era resultado do fato de seu pai ter abusado dela sexual­
mente muitas vezes no fim da infância e no começo da adolescência.
Ele havia acariciado seus genitais durante esses episódios, levando-a
a sentir-se suja e culpada.

Os pensamentos e as atitudes subjacentes às dificuldades na


terapia sexual são freqüentemente idiossincrásicos. A primeira
tarefa do terapeuta consiste em ajudar o casal a desenvolver uma
compreensão das circunstâncias. Para começar a fazê-lo, pode-se
566
Terapia cognitivo-comportamental

explicar que os sentimentos e comportamentos não surgem do


nada, mas são baseados em pensamentos oú imagens. O casal
pode então ser estimulado a identificar as cognições que ocor­
rem quando encontram problemas. Alguns casais são capazes de
fazer isso com bastante facilidade, enquanto outros precisam de
uma ajuda considerável. Uma abordagem útil é ajudar o casal a
pensar no m aior número possível de explicações (não importan­
do o quão plausíveis), e então ajudá-los a avaliar cada uma por
vez, até que uma explicação provável para a dificuldade seja en­
contrada. Freqüentemente, o terapeuta terá de sugerir pelo menos
algumas das possibilidades. O exemplo abaixo ilustra esse pro­
cedimento:

Um casal começou a fazer terapia sexual porque a mulher apre­


sentava disfunção orgásmica. Não fizeram nenhuma sessão de lição
de casa durante as duas primeiras semanas, pois o homem recusava
todos os convites da parceira e não se sentia capaz de fazer ele mesmo
um convite. Entretanto, nenhum dos parceiros conseguia explicar o
porquê disso. Chegou-se à seguinte lista de explicações possíveis:

(1) o homem temia que, se as carícias fossem iniciadas, ficaria se­


xualmente excitado e não seria capaz de se controlar;
(2) estava incerto quanto à maneira de acariciar sua parceira de uma
forma que a fizesse sentir prazer;
(3) não queria deflagrar um processo que poderia deixar sua mulher
sexualmente mais receptiva, o que talvez a levasse a procurar
um outro parceiro;
(4) sentia-se incapaz de dar prazer à esposa devido ao contínuo res­
sentimento com relação a um caso que ela havia tido três anos
atrás.

No final, o homem reconheceu que a útlima explicação era a


mais plausível. Foi-lhe então solicitado que falasse mais sobre seus
sentimentos e pensamentos com relação a esse episódio, em seguida
ao que se tom ou evidente que, embora tivesse perdoado a esposa
pelo caso, pensava que ela poderia comparar seu desempenho se­
xual com o do outro homem. Sua esposa demonstrou uma conside­
rável surpresa quanto a isso, e o tranqüilizou ao afirmar que isso ja ­
mais havia ocorrido.
Disfunções sexuais 567

Alguns pensamentos subjacentes às dificuldades durante a


terapia sexual dizem respeito à natureza das lições de casa (por
exemplo, não é correta, é desagradável), enquanto outros se refe­
rem às possíveis conseqüências do comportamento (por exemplo,
o fracasso, a humilhação, a perda de controle). Uma abordagem
útil à compreensão das razões das dificuldades consiste em fazer
perguntas: “E se você fizesse...?; Como se sentirira?; Quais pode­
riam ser as conseqüências?”.
Ao tentar entender as razões de uma dificuldade, pode não ser
possível identificar-se as primeiras experiências que modelaram
as atitudes atuais. Felizmente, em geral isso não importa. O impor­
tante é identificar pensamentos ou imagens automáticos, bem
como as atitudes subjacentes das quais se originam. Tendo feito
isso, a tarefa do terapeuta é encorajar os parceiros a reexaminar as
evidências de tais pensamentos ou crenças, e então analisar outras
maneiras de interpretar a situação. Como as crenças disfuncionais
associadas aos problemas sexuais freqüentemente provêm de mal­
entendidos ou mitos a respeito do sexo oposto, a presença do par­
ceiro pode, em grande parte, facilitar esse aspecto da terapia. O
exemplo abaixo é bastante ilustrativo a esse respeito:

Quando um jovem casal em que o homem tinha ejaculação


precoce iniciou a focalização sensorial, ele foi capaz de acariciar a
esposa, mas, quando foi a vez de ela acariciá-lo, ele a convenceu a te­
rem uma relação sexual. Isso aconteceu duas vezes na primeira se­
mana do tratamento. A exploração através da abordagem acima des­
crita revelou que a imagem de aceitar passivamente as carícias da
mulher o deixava ansioso. Isso se devia a suas crenças subjacentes
de que os “verdadeiros homens” lideram a atividade sexual, e que
ser passivo desse modo era efeminado.
O terapeuta lhe perguntou que evidências tinha que corrobo­
rassem essas crenças. O paciente disse: “Meus amigos pensam da
mesma maneira”, e “As mulheres sempre esperam que o homem
conduza... é natural que assim seja”. O terapeuta encorajou-o a per­
guntar à esposa o que ela pensava sobre isso. Ela respondeu: “Você,
e provavelmente a maioria dos homens pensam assim, mas isso se
dá porque nunca perguntam à mulher. As vezes eu gostaria de fazer
valer minha opinião sobre quando faremos sexo. Muitas vezes, tam ­
bém, gostaria que me deixasse acariciá-lo... no momento, nem ouso,
568 Terapia cognitivo-comportamental

pois se começar você interpreta minha iniciativa como se eu estives­


se querendo dizer que gostaria de fazer sexo agora. Tenho certeza
que apreciaria mais o sexo se pudesse passar mais tempo dando-lhe
prazer... e eu me sentiria menos pressionada por você.” O homem
ficou muito surpreso com isso, e posteriormente concordou em des­
cobrir como seria se deixasse sua mulher acariciá-lo como parte do
exercício de focalização sensorial.

Em alguns casos, será preciso desenvolver um trabalho tera­


pêutico extensivo antes de fazer progressos. Na verdade, o enfo­
que da terapia talvez tenha de mudar temporariamente. Foi esse o
caso no exemplo anterior, do homem que se sentia ressentido com
a aventura amorosa da mulher. Duas sessões de tratamento tiveram
de ser dedicadas a ajudá-lo a expressar seus sentimentos e ansieda­
des com relação ao caso amoroso dela, antes que se pudesse efe­
tuar um trabalho adicional específico em torno de seu problema
sexual.
As vezes não é possível chegar a um entendimento das razões
porque o casal encontrou uma dificuldade importante. Em tais cir­
cunstâncias, vale a pena ver os parceiros separadamente para ten­
tar descobrir se alguma informação importante está sendo mantida
em segredo por um dos dois, embora antes disso o terapeuta deva
ressaltar a necessidade de se compartilhar qualquer informação
nova nas sessões conjuntas subseqüentes.

Educação

A educação sobre a sexualidade deve ocorrer tanto informal­


mente, todo o tratamento, quanto mais formalmente, na forma de
leituras recomendadas e de uma sessão educacional.

Material para leitura

Muitos casais aceitam bem a leitura de um bom livro sobre a


sexualidade durante a parte inicial do programa. Delvin (1974)
constitui um bom exemplo. Os livros destinados especificamente
569
Disfunções sexuais

às mulheres (por exemplo, Phillips e Rakusen, 1978) ou aos ho­


mens (por exemplo, Zilbergeld, 1980) também são úteis, mas de­
vem ser lidos por ambos os parceiros.

Sessão educacional

Como a ignorância ou as informações errôneas quase sempre


são fatores que contribuem para a disfunção sexual, vale a pena
dedicar a maior parte de uma sessão de tratamento (entre a terceira
e a sexta sessões) para o fornecimento de informações sexuais.
Com o auxílio de desenhos e fotografias, o terapeuta deve descre­
ver, em termos simples, a anatomia sexual e os estágios da excita­
ção sexual. Assim, por exemplo, a genitália de ambos os sexos será
descrita, incluindo as mudanças que ocorrem durante a excitação
sexual e o orgasmo. Os mitos com relação à sexualidade (Zilber­
geld, 1978; Hawton, 1985) devem ser abordados (por exemplo,
“um homem sabe, automaticamente, como acariciar uma mulher”;
“o sexo só é realmente bem-sucedido quando os dois parceiros
atingem o orgasmo simultaneamente”). Essa sessão deve ser ajus­
tada ao nível e às necessidades educacionais do casal. Por exem­
plo, no caso de uma casal mais velho, será conveniente descrever,
de maneira tranqüilizadora, os efeitos normais do envelhecimento
sobre a sexualidade.
A experiência clínica comprova que a sessão educacional po­
de ser uma parte extremamente importante do programa de trata­
mento, e que é particularmente apreciada pelos casais (Hawton et
al., 1986). Deve, portanto, ser incluída no tratamento de todos os
casais. Detalhes mais completos sobre o modo como uma sessão
educacional pode ser conduzida foram fornecidos em outra fonte
pelo autor (Hawton, 1985, p. 172).

Encerram ento

A fase final da terapia sexual começa quando um casal já


superou em grande parte sua dificuldade sexual, em geral quando
a penetração vaginal foi concluída. O final do tratamento deve ser
570 Terapia cognitivo-comportamental

planejado com o mesmo cuidado que se dedicou ao resto do pro­


grama. As seguintes estratégias são sugeridas:

1. Preparar o casal para o encerramento desde o início do


tratamento. Assim, quando o casal começar o tratamento, deve ser
informado sobre a duração provável do programa. O estabeleci­
mento de um cronograma pode ajudar o casal a trabalhar nas lições
de casa.
2. Estender os intervalos entre as sessões ao fin a l do trata­
mento. Uma vez que o casal estiver se aproximando do final do
programa e se sentir mais confiante em sua capacidade de superar
quaisquer problemas futuros, os intervalos entre as últimas duas
ou três sessões podem ser estendidos para duas ou três semanas.
3. Preparar o casal para problemas posteriores. O terapeuta
deve explicar que alguns casais encontram novas dificuldades
após o término do tratamento, e pedir-lhes que discutam o modo
como lidariam com eles se isso ocorresse. Os casais quase sempre
acham que uma boa comunicação, uma postura de aceitação e a
reintrodução de alguns dos estágios do programa de tratamento
são atitudes que podem ajudá-los a superar esses problemas (Haw-
ton et al., 1986).
4. Avaliação de acompanhamento. Os casais geralmente apre­
ciam a oportunidade de relatar o progresso subseqüente alguns
meses após o encerramento da terapia sexual. Uma avaliação de
acompanhamento também permite que o terapeuta avalie a eficá­
cia a curto prazo do tratamento. Uma consulta final aproximada­
mente três meses após o término do tratamento deve, portanto,
fazer parte do programa estabelecido.

Resultado da terapia sexual

Metódos de avaliação do progresso

Há vários questionários de auto-avaliação padronizados que


podem ser utilizados para se avaliar os efeitos da terapia sexual. O
Disfunções sexuais 571

Inventário de Satisfação Sexual de Rusk e Golombock (GRISS)


foi recentemente introduzido no Reino Unido (Rusk e Golombok,
1986). Um questionário norte-americano bem mais longo é o In­
ventário de Interação Sexual (LoPicollo e Steger, 1974). Alguns
questionários, como o Questionáro Conjugal Maudsley (Crowe,
1978), podem ser usados para avaliar tanto os aspectos gerais quan­
to sexuais de um relacionamento.
Muitos terapeutas preferirão usar escalas de avaliação bre­
ves, que podem ser com pletadas tanto por eles quanto pelos par­
ceiros, a fim de registrar os progressos obtidos e m onitorar sua
própria eficácia. Três escalas podem ser utilizadas: uma para
avaliar as mudanças no problema apresentado, uma que registre
a satisfação atual de um casal com respeito ao seu relaciona­
mento sexual, e uma terceira relacionada à satisfação do casal
em termos de seu relacionamento geral. As mudanças no pro­
blem a apresentado podem ser avaliadas com base numa escala
como esta:

(1) problema apresentado resolvido;


(2) problema apresentado em grande parte resolvido, embora
ainda haja dificuldades;
(3) alguma melhora, mas problema apresentado em grande parte
não resolvido;
(4) nenhuma mudança;
(5) agravamento do problema.

A satisfação de um casal com seu relacionamento sexual, ou geral,


poderia ser registrada numa escala assim:

(1) completamente satisfeito com o relacionamento sexual (geral);


(2) satisfeito em grande parte com o relacionamento sexual (ge­
ral), mas alguma insatisfação;
(3) alguma satisfação com o relacionamento sexual (geral), mas
em grande parte insatisfeito;
(4) insatisfação total com o relacionamento sexual (geral).
57 2 Terapia cognitivo-comportamental

Resultados de tratamento

Foram apresentados vários relatórios de estudos de resultado


não controlados após o término da terapia sexual. Cerca de dois
terços dos pacientes parecem obter benefícios substanciais a partir
do tratamento (Duddle, 1975; Bancroft e Coles, 1976; Milne 1976;
Hawton e Catalan, 1986).
Os estudos controlados que comparam a terapia sexual a ou­
tras abordagens (por exemplo, dessensibilização sistemática, auto-
ajuda, tratamento postal e breve contato com o terapeuta) também
foram apresentados (esses temas são retomados em Sotile e Kil-
mann, 1977; Wright, Perreault e Mathieu, 1977; Kilmann e Auer­
bach, 1979; Hawton 1985). Entretanto, a concepção geral de quase
todos esses estudos está longe de ser satisfatória, particularmente
no que diz respeito à comparação de grupos de pacientes tendo em
vista a obtenção de importantes variáveis prognosticas. No geral,
indicam a superioridade da terapia sexual com relação a outras abor­
dagens, mas quase sempre as diferenças não têm sido muito gran­
des (por exemplo, Mathews et al., 1976).
Importantes fatores que antecedem o tratamento e se mostra­
ram capazes de prever resultados são a qualidade do relaciona­
mento geral do casal, a qualidade total de seu relacionamento se­
xual, até que ponto consideram o outro atraente, sua motivação
aparente e distúrbios psiquiátricos graves (O ’Connor, 1976; W hi­
tehead e Mathews, 1977; Hawton et al., 1986; Whitehead e Ma­
thews, 1986). O envolvimento ativo com as lições de casa já na ter­
ceira sessão de tratamento também constitui um importante indi­
cador do resultado provável (Hawton et al., 1986).
Os estudos de acompanhamento a longo prazo demonstraram
que, embora os benefícios imediatos da terapia sexual freqüente­
mente não sejam mantidos na íntegra, muitos casais permanecem
bastante satisfeitos tanto com seu relacionamento sexual quanto
geral (DeAmicis, Goldberg, LoPiccolo, Friedman e Davies, 1985;
Hawton et al., 1986). Há, entretanto, diferenças acentuadas de re­
sultados para as diferentes disfunções sexuais. Entre as disfunções
masculinas, os problemas eréteis e a ejaculação precoce apresen­
tam melhores resultados. Entre as disfunções femininas, o vaginis-
mo geralmente apresenta um excelente resultado, que além do mais
Disfunções sexuais 573

é mantido. Entretanto, muitas mulheres com perda de interesse se­


xual, embora freqüentemente apresentem alguma melhora inicial,
têm problemas consideráveis quando se procede a um acompanha­
mento.

Razões do fracasso e abordagens alternativas

A principal razão pela qual os casais podem não se beneficiar


da terapia sexual inclui as dificuldades maiores de relacionamento
geral, o desejo, por parte de um ou de ambos os parceiros, de man­
ter o status quo (talvez devido às possíveis conseqüências das mu­
danças no relacionamento sexual), e os distúrbios psiquiátricos ou
as dificuldades psiquiátricas maiores por parte de um parceiro, ou
de ambos. O medo da intimidade emocional constitui um exemplo
desta última categoria; nesses casos, a psicoterapia individual,
possivelmente de base cognitivo-comportamental, pode ser uma
abordagem inicial preferível.
Outras abordagens alternativas incluem a terapia conjugal para
casais com dificuldades em seu relacionamento geral, a terapia indi­
vidual (Hawton, 1985) quando um parceiro se recusa a se envolver, e
os tratamentos físicos, como a reposição hormonal, sempre que
houver uma clara indicação de que isso se faz apropriado.

Conclusões

A terapia sexual é uma abordagem bem estabelecida para aju­


dar os casais com disfunções sexuais. Consiste numa atraente com­
binação de estratégias de tratamento comportamentais, orientado­
ras e educacionais. Todos os três componentes são importantes, e a
orientação é quase sempre essencial quando os casais têm dificul­
dades para fazer as lições de casa. O aconselhamento em bases
cognitivas pode constituir uma abordagem efetiva para se ajudar
os casais com dificuldades maiores. É importante que o terapeuta
seja flexível nessa abordagem, e que esteja preparado para ajustar
o programa de tratamento de acordo com o progresso do casal e as
574 Terapia cognitivo-comportamental

dificuldades encontradas. Os terapeutas devem estar preparados,


se necessário, para ajudar os casais nas questões de relacionamen­
to geral, tanto como um prelúdio à terapia sexual quanto no caso
desses problemas interferirem nas conquistas obtidas. A terapia
sexual pode ser muito eficaz e recompensadora, pois cerca de dois
terços dos casais se beneficiam significativamente ao final do tra­
tamento.

Leitura recom endada

Educação e terapia
Bancroft, J. (1983). Human Sexuality and its Problems. Churchill Li­
vingstone, Edimburgo.
Hawton, K. (1985). Sex Therapy: a Practical Guide. Oxford University
Press, Oxford.
Kaplan, H. S. (1987). The Illustrated M anual o f Sex Therapy (2? ed. ).
Brunner/Mazel, Nova York.

Auto-ajuda
Barbach, L. G. (1976). For Yourself: the Fulfilment o f Female Sexuality.
Signet, Nova York.
Brown, P. e Faulder, C. (1979). Treat Yourself to Sex: a Guide fo r Good
Loving. Penguin, Londres.
Delvin, D. (1974). The Book o f Love. New English Library, Londres.
Heiman, J. e LoPicollo, J. (1976). Becoming Orgasmic: a Sexual Growth
Program fo r Women. Prentice Hall, N ew Jersey.
Phillips, A. e Rakusen, J. (1978). Our Bodies Ourselves. Penguin, Londres.
Y affe, M. e Fenwick, E. ( 1986). Sexual Happiness: a Practical Approach.
Dorling Kindersley, Londres.
Zilbergeld, B. (1980). Men and Sex. Fontana, Londres.
12. Resolução de problemas
Keith Hawton e Joan Kirk

Introdução

Este capítulo visa oferecer orientação prática numa aborda­


gem geral para ajudar as pessoas a lidar com questões pessoais.
Para manter-se coerente com os métodos cognitivo-comportamen-
tais para o tratamento de distúrbios que foram descritos neste livro,
faz-se necessária uma abordagem cooperativa em que o terapeuta
e o paciente trabalhem juntos ativamente. Os objetivos da resolu­
ção de problemas são:

(1) ajudar os pacientes a identificar os problemas como causas da


disforia;
(2) ajudá-los a reconhecer os recursos que possuem para abordar
suas dificuldades;
(3) ensinar-lhes um método sistemático de superar os problemas
atuais;
(4) incrementar seu senso de controle sobre os problemas;
(5) oferecer-lhes um método para lidar com problemas futuros.

O primeiro estágio da resolução de problemas envolve ajudar


os pacientes a definir os problemas com os quais estão se deparan­
do. Em seguida são assistidos na criação de soluções potenciais
para os problemas, e por último procede-se a uma verificação das
574 Terapia cognitivo-comportamental

dificuldades encontradas. Os terapeutas devem estar preparados,


se necessário, para ajudar os casais nas questões de relacionamen­
to geral, tanto como um prelúdio à terapia sexual quanto no caso
desses problemas interferirem nas conquistas obtidas. A terapia
sexual pode ser muito eficaz e recompensadora, pois cerca de dois
terços dos casais se beneficiam significativamente ao final do tra­
tamento.

Leitura recom endada

Educação e terapia
Bancroft, J. (1983). Human Sexuality and its Problems. Churchill Li­
vingstone, Edimburgo.
Hawton, K. (1985). Sex Therapy: a Prdctical Guide. Oxford University
Press, Oxford.
Kaplan, H. S. (1987). The Illustrated M anual o f Sex Therapy (2? ed.).
Brunner/Mazel, Nova York.

Auto-ajuda
Barbach, L. G. (1976). F or Yourself: the Fulfilment o f Female Sexuality.
Signet, Nova York.
Brown, P. e Faulder, C. (1979). Treat Yourself to Sex: a Guide fo r Good
Loving. Penguin, Londres.
Delvin, D. (1974). The Book o f Love. New English Library, Londres.
Heiman, J. e LoPicollo, J. (1976). Becoming Orgasmic: a Sexual Growth
Program fo r Women. Prentice Hall, New Jersey.
Phillips, A. e Rakusen, J. (1978). Our Bodies Ourselves. Penguin, Londres
Yaffe, M. e Fenwick, E. (1986). Sexual Happiness: a Practical Approach.
Dorling Kindersley, Londres.
Zilbergeld, B. (1980). Men and Sex. Fontana, Londres.
12. Resolução de problemas
Keith Hawton e Joan Kirk

Introdução

Este capítulo visa oferecer orientação prática numa aborda­


gem geral para ajudar as pessoas a lidar com questões pessoais.
Para manter-se coerente com os métodos cognitivo-comportamen-
tais para o tratamento de distúrbios que foram descritos neste livro,
faz-se necessária uma abordagem cooperativa em que o terapeuta
e o paciente trabalhem juntos ativamente. Os objetivos da resolu­
ção de problemas são:

(1) ajudar os pacientes a identificar os problemas como causas da


disforia;
(2) ajudá-los a reconhecer os recursos que possuem para abordar
suas dificuldades;
(3) ensinar-lhes um método sistemático de superar os problemas
atuais;
(4) incrementar seu senso de controle sobre os problemas;
(5) oferecer-lhes um método para lidar com problemas futuros.

O primeiro estágio da resolução de problemas envolve ajudar


os pacientes a definir os problemas com os quais estão se deparan­
do. Em seguida são assistidos na criação de soluções potenciais
para os problemas, e por último procede-se a uma verificação das
576 Terapia cognitivo-comportamental

soluções mais atraentes. A resolução de problemas também envol­


ve a identificação das dificuldades (tanto práticas quanto cogniti­
vas) que os pacientes podem encontrar nesses estágios iniciais, e
as formas de superá-las. Quando a verificação e avaliação das pos­
síveis soluções indicam que estas não são apropriadas, é preciso
procurar e testar soluções modificadas ou novas, para que sejam
testadas.
A abordagem de resolução de problemas é atraente tanto para
os profissionais quanto para os pacientes por ser facilmente apren­
dida, podendo ser aplicada a uma ampla variedade de situações
comumente encontradas na prática psiquiátrica. É apropriado que
a resolução de problemas seja descrita no capítulo final deste livro,
pois é quase sempre um componente das abordagens terapêuticas
de muitos dos distúrbios específicos que foram descritos anterior­
mente.
A resolução de problemas freqüentemente consitui um méto­
do breve de intervenção. A proporção em que as estratégias cogni­
tivas são empregadas nessa abordagem pode ser mínima, particu­
larmente no tratamento de pessoas não suscetíveis às abordagens
psicológicas, mas essas estratégias também podem constituir as
principais técnicas para a facilitação do progresso.

Aspectos históricos

Em vista de sua ampla aplicabilidade, é surpreendente que tão


pouca atenção tenha sido dispensada à resolução de problemas na
literatura psiquiátrica. A abordagem foi principalmente desenvol­
vida por psicólogos, que também procuraram avaliar a importân
cia de seus vários componentes (D ’Zurilla e Goldfried, 1971;
D ’Zurilla e Nezu, 1980). De alguma forma, recentemente tem-sc
dado mais atenção à resolução de problemas em resultado do inte­
resse pela intervenção em crises, embora mesmo na literatura so­
bre intervenção em crises as descrições dessa abordagem sejam
escassas. No campo da assistência social, a abordagem denomina
da “trabalho de caso centrado em tarefas” (Reid e Epstein, 1972) c
bastante parecida com a resolução de problemas.
Resolução de problemas 577

Quando a resolução de problemas é aplicável?

Os usos potenciais da resolução de problemas na psiquia­


tria, no trabalho social, na clínica geral e no aconselham ento são
bem variados. É muito relevante, por exemplo, no manejo de
crises. A natureza das crises foi detalhadamente discutida em
outras fontes (Caplan, 1961; Brandon, 1970; Bartolucci e Drayer
1973). Segundo a definição de Caplan (1961), uma crise ocorre
“quando uma pessoa depara com um obstáculo a importantes
objetivos da vida que é, por um período de tempo, intransponí­
vel através da utilização dos métodos habituais de resolução de
problemas. Um período de desorganização se segue, um período
de perturbação durante o qual são feitas muitas tentativas m alo­
gradas de solucionar o problema”. Claramente, a resolução de
problemas pode também mostrar-se relevante antes que esse
estágio se tenha desenvolvido. Além disso, pode ser incorporada
a muitos outros tratamentos a fim de ajudar os pacientes a de­
senvolver estratégias eficientes para lidar com o estresse (por
exemplo, pp. 255 e 421).
A variedade dos problemas para os quais uma abordagem de
resolução de problemas tem probabilidades de mostrar-se relevan­
te e efetiva inclui: a ameaça de perda (por exemplo, de um relacio­
namento importante ou de status pessoal), perda real, conflitos em
que a pessoa se depara com uma escolha fundamental (por exem­
plo, abandonar ou não uma situação, assumir um novo papel), pro­
blemas de relacionamento conjugal e outros, dificuldades no tra­
balho (por exemplo, como alterar relações de trabalho atuais), pro­
blemas de estudo, enfrentamento do tédio, dificuldades com rela­
ção aos cuidados infantis e deficiências resultantes de doença físi­
ca ou psiquiátrica. Freqüentemente, os indíviduos se apresentam
de início não devido aos problemas, mas sim aos sintomas (por
exemplo, insônia, depressão, ansiedade) ou ao comportamento
(por exemplo, tentativas de suicídio). Só depois de uma avaliação
cuidadosa é que os problemas associados a esses sintomas podem
evidenciar-se.
De maneira geral, é possível dividir as pessoas que podem ser
ajudadas pela resolução de problemas em:
57 8 Terapia cognitivo-comportamental

( 1) aquelas que geralmente enfrentam bem as situações mas não o


estão fazendo no momento, talvez devido a uma doença ou à
natureza do problema com que deparam, e
(2) aquelas com recursos de enfrentamento insatisfatórios.

No caso deste segundo grupo, a resolução de problemas pode


envolver intervenções mais a longo prazo do que no caso do pri­
meiro.
Como já observado aqui, a resolução de problemas quase
sempre constitui um componente importante no tratamento de
quaisquer dos problemas específicos psiquiátricos e psicológicos
descritos em outros capítulos deste livro. Também pode ser uma
abordagem central para ajudar os pacientes com esquizofrenia e
suas famílias a resolverem as dificuldades que talvez estejam man­
tendo ou exacerbando o distúrbio psicótico (Falloon, Boyd e
McGill, 1984).

Avaliação

Os princípios de avaliação para a resolução de problemas são


exatamente aqueles da avaliação cognitivo-comportamental em
geral que são descritos no Capítulo 2. A decisão fundamental que
determina se a resolução de problemas é no momento aplicável a
um paciente está associada ao fato de uma pessoa estar tão grave­
mente incapacitada pelos sintomas ou distúrbios psiquiátricos que
não se pode esperar, nessa situação, que assuma a responsabilida­
de, mesmo com o apoio do terapeuta, de lidar com os problemas
que requerem atenção. Por exemplo, um paciente com fortes sin­
tomas de depressão agitada ou retardada talvez não seja capaz de
proceder ao passos necessários para a resolução de problemas en­
quanto não se verificar alguma redução da seriedade do distúrbio
afetivo. Do mesmo modo, quando uma pessoa vive um estado de
crise grave, sobretudo se for suicida, a resolução de problemas
geralmente será inadequada enquanto o nível de desorganização e
desamparo que freqüentemente caracteriza esse estado não tiver
Resolução de problemas 579

sido reduzido. A devida atenção aos fatores que exacerbam o pro­


blema (por exemplo, distúrbio do sono, falta de apoio) pode em
geral resultar nessa redução, em seguida ao que a resolução de pro­
blemas pode então mostrar-se bastante apropriada.

Procedimento

Na avaliação, os passos fundamentais para a resolução de


problemas são enumerados no Quadro 12.1. A profundidade e a
exatidão da avaliação dos problemas determinarão se o processo
de resolução de problemas vai ser iniciado de maneira potencial­
mente bem-sucedida. Embora os erros cometidos nesse estágio
não impeçam um resultado satisfatório, podem minar a aborda­
gem e fazer com que a terapia se prolongue, sobretudo se num es­
tágio posterior se tornar evidente que os problemas foram incor­
retamente identificados, ou que outros problemas importantes
passaram despercebidos. Isso não significa, necessariamente, que
uma única entrevista permita a avaliação de todos os problemas
de um paciente - a fase de avaliação quase sempre precisa ser es­
tendida por duas ou três sessões de terapia, em parte para permitir
que o paciente faça o trabalho de casa (por exemplo, manutenção
de diários ou outro tipo de automonitoração) que pode ajudar na
identificação dos problemas. Na verdade a avaliação deve conti­
nuar ao longo de toda a terapia e, se necessário, a formulação ori­
ginal deve ser revista à luz de quaisquer novas informações que
possam surgir.

Quadro 12.1 Passos na avaliação para a resolução de problemas

1. Identificar os problemas do paciente


2. Identificar os recursos do paciente - pontos fortes e apoios
3. Obter informações de outras fontes
4. Decidir se a resolução de problemas é apropriada
5. Decidir quanto às disposições práticas - quem estará envolvido, número prová­
vel de sessões, duração, tempo, etc.
6. Estabelecer um contrato terapêutico que inclua as responsabilidades do pacien­
te e do terapeuta na resolução de problemas
58 0
Terapia cognitivo-comportamental

Identificar os problemas do paciente

O passo inicial é de importância central, e deve ser um exercí­


cio cooperativo. O objetivo deve ser a confecção de uma lista de
problemas, com cada um deles claramente especificado. Às vezes
as pessoas se apresentam queixando-se de problemas que não são
claramente descritos (por exemplo, “dificuldade em prosseguir no
trabalho”, “problemas de estudo”). A tarefa do terapeuta consiste
então em ajudar o paciente a ser mais específico (por exemplo, “O
que há de difícil com relação ao trabalho?”, “Poderia fornecer de­
talhes mais específicos sobre o problema que está tendo com rela­
ção aos estudos?”). Só então os possíveis objetivos e estratégias
relevantes à superação do problema podem ser identificados. En­
tretanto, as pessoas podem se apresentar com problemas disfóricos
ou outros sintomas, conscientes de que dizem respeito às dificul­
dades mas inseguras quanto à sua natureza exata, ou aparentemen­
te sem consciência de que seus sintomas estão ligados a problemas
de suas vidas. Isso pode aplicar-se a um amplo leque de sintomas e
comportamentos (por exemplo, a ansiedade, a depressão, o abuso
de álcool, os distúrbios alimentares). Uma automonitoração cuida­
dosa das flutuações nos sintomas apresentados, das circunstâncias
em que essas mudanças ocorrem e dos pensamentos do paciente
naquele momento pode ser necessária para a identificação dos
problemas que contribuem para agravar o quadro e, dessa forma,
para o estabelecimento da relevância da resolução de problemas.
Por exemplo, um homem de meia-idade se apresentou com
uma ansiedade inexplicável, que descrevia ocorrer ao longo do
dia. Depois de manter um diário em que avaliava sua ansiedade a
cada hora, numa escala de 0 a 10, ficou claro que seu sintoma
apresentava uma acentuada flutuação. Suas avaliações mais baixas
se davam quando estava em casa, desocupado. Suas notas com
relação ao que estava pensando no momento revelavam que estava
se preocupando com as condições precárias do telhado de sua
casa, e com a sua incapacidade de obter dinheiro suficiente para
consertá-lo. Seus problemas financeiros então se tomaram o cen­
tro da resolução de problemas.
As táticas apresentadas a seguir são úteis na identificação dc
problemas, sobretudo quando os pacientes se apresentam, de iní­
cio, com uma série indiferenciada de dificuldades.
Resolução de problemas 5 81

1. Ouvir atentamente a descrição dos problemas do paciente.


Se o paciente estiver com dificuldades para identificar os proble­
mas, perguntas como “O que o está perturbando mais?” podem
ajudar.
2. Fazer uma tentativa inicial de enumerar os problemas do
paciente, parafraseando quando necessário aquilo que ele disse e
anotando esses problemas uma vez que o paciente tenha verificado
que estão corretos.
Por exemplo:
Terapeuta: Parece que está dizendo que tem três problemas diferen­
tes; primeiro, o fato de você e seu marido raramente parecerem
capazes de discutir os problemas que estão perturbando a am­
bos; segundo, as idéias bem diferentes que os dois têm quanto
a disciplinar seus filhos; terceiro, as discussões diárias que
ocorrem como resultado das duas primeiras dificuldades. Isso
lhe parece uma síntese razoável daquilo que me contou até o
momento?
3. Explorar se há outros problemas que possam não ter sido
apresentados. Percorrer uma lista de checagem como aquela ilus­
trada no Quadro 12.2 muitas vezes pode ser uma maneira útil de se
assegurar que nada de importante foi omitido.
Por exemplo:
Terapeuta: Antes de examinarmos mais detalhadamente esses pro­
blemas, gostaria de saber se há outras coisas que a perturbam.
Por exemplo, você e seu marido têm algum problema financei­
ro... sua casa está em ordem...?
4. Obter uma descrição detalhada de todos os problemas
aparentes. Quando um problema for episódico (por exemplo, dis­
cussões com o cônjuge, dificuldades com os colegas no traba­
lho), convém que o paciente descreva a ocasião mais recente em
que isso ocorreu. O terapeuta deve também perguntar de que m a­
neira o paciente gostaria que as coisas fossem diferentes. Per­
guntar ao paciente o que gostaria que acontecesse se tivesse uma
varinha de condão pode ajudar a iniciar a exploração das mudan­
ças desejadas. As inter-relações entre os problemas podem também
ficar mais claras nesse estágio.
Agora o terapeuta e o paciente devem fazer uma lista detalha­
da de problemas. Como já observado aqui, esse estágio talvez pre-
_______________________________________________________________________________ Terapia cognitivo-comportamental

Q u a d r o 1 2 .2 Um lista de checagem de áreas-problema potenciais

1. Relacionamento com o parceiro ou cônjuge


2. Relacionamento com outros membros da família, particularmente filhos jovens
3. Emprego ou estudos
4. Finanças
5. Moradia
6. Questões legais
7. Isolamento social e relacionamentos com amigos
8. Uso de álcool e drogas
9. Saúde psiquiátrica
10. Saúde física
11. Ajuste sexual
12. Privação e perda iminente

cise ser estendido por mais duas ou três sessões, em parte porque
pode levar bastante tempo para se obter uma avaliação detalhada e
exata dos problemas do paciente, e em parte porque pode ser ne
cessário que o paciente dispenda algum tempo coletando novas
informações (por exemplo, mantendo registros diários - ver p. 27)
e refletindo sobre os problemas. Para reiterar o que foi dito ante
riormente, não se deve apressar esse estágio para não se inconvi
na possibilidade de que a eficácia da resolução de problemas scjii
reduzida, levando o tratamento, no final, mais tempo do que o ne
cessário.
O caso abaixo ilustra o modo como uma lista de problenur.
surgiu em seguida à avaliação:

Mary era uma mulher casada de 32 anos, com dois filhos. Iui
encaminhada porque tinha estado deprimida nos últimos einen
meses, um pouco depois de ter perdido seu emprego de supervisoi ,i
numa loja de tapetes. Sentia muita falta dos amigos que havia feil»
no trabalho, e começou aos poucos a abandonar atividades recoin
pensadoras, como a jardinagem. Não achava que seu marido com
preendia o jeito como se sentia, e seu problema se agravou pela m
tromissão de sua mãe, que lhe pedia insistentemente para telelbnni
todos os dias. A lista de problemas estabelecida entre Mary e sen te
rapeuta está ilustrada no Quadro 12.3.
Resolução de problemas__________________________________ 58 3

Q u a d r o 1 2 .3 Lista de problemas de Mary

1. Desemprego: foi despedida há seis meses


2. Baixa auto-estima - secundário ao problema 1
3. Falta de contatos sociais - secundário ao problema 1
4. Depressão: pior durante os dias da semana-secundário aos problemas l , 2 , 3 e 7
5. Perda de interesse pelos passatempos habituais, especialmente a jardinagem -
secundário ao problema 4
6. Intromissão da mãe: telefonemas diários, visitas duas vezes por semana, muitos
comentários críticos com relação ao estilo de vida de Mary
7. Dificuldade de comunicação com o marido: este se recusa a discutir quaisquer
dos problemas de Mary

Identificar os recursos do paciente

N a m edida do possível, a resolução de problemas faz uso de


habilidades que o paciente possui. Os recursos do paciente in­
cluem tanto as qualidades pessoais gerais quanto pontos fortes e
apoios disponíveis. Estes (especialmente as qualidades e os pon­
tos fortes) podem ser difíceis de avaliar em períodos de estresse e
dificuldades. Essencialmente, o objetivo é descobrir até que pon­
to um a pessoa é capaz de superar seus problemas atuais, e com
que rapidez.

Qualidades pessoais e pontos fortes. Há vários fatores potencial­


mente im portantes aqui:

(1) com o a pessoa enfrentou os problemas no passado, especial­


m ente aqueles que são semelhantes às dificuldades atuais -
pode ser útil que o terapeuta identifique um exemplo junto
com o paciente (por exemplo, perda ou fracasso anteriores), e
então peça um a descrição detalhada de como esses problemas
foram abordados e resolvidos;
(2) até que ponto foram usados métodos de fuga (especialmente o
álcool) ou evitação para o enfrentamento no passado;
(3) a extensão da disforia atual - assim, embora uma pessoa te­
n h a apresentado uma excelente habilidade de enfrentamento
no passado, os sintomas psicológicos atuais mais marcantes
584 Terapia cognitivo-comportamental

(sobretudo a depressão, a ansiedade e o distúrbio do sono)


podem interferir seriamente na habilidade atual;
(4) até que ponto a pessoa é capaz de formular soluções poten­
ciais para quaisquer dos problemas que foram identificados
(por exemplo, Terapeuta: “Quais os pensamentos que lhe
ocorreram com relação ao que poderia fazer para superar este
problema?”).

Apoios. Três fatores em particular devem ser investigados ao se


avaliar os apoios reais ou potenciais de um indivíduo:

(1) se a pessoa tem um confidente (por exemplo, Terapeuta: “Há


alguém com quem possa discutir os problemas pessoais?...
Achou bom, no passado, ter compartilhado as coisas que o
estavam preocupando?... Você acha que essa pessoa se impor­
taria se você falasse sobre o problema?”);
(2) se há algum outro profissional disponível para ajudar a lidar
com as dificudades atuais (por exemplo, clínico geral, assis­
tente social, padre); e
(3) “fatores ambientais” que possam ter ressonância tanto nos
problemas atuais quanto na qualidade de vida geral da pes­
soa. Estes incluem moradia e finanças, como também inte­
resses e emprego e, especialmente, se constituem uma fonte
de auto-estima.

Informações provenientes de outras fontes

Se houver outras pessoas significativas, inclusive profissio­


nais, parentes e amigos, que possam fornecer maiores informações
sobre as dificuldades, devem ser consultadas. É importante que o
paciente esteja plenamente informado e que tenha consentido de
bom grado (por exemplo: “Agora você me contou sobre os proble­
mas que você e o seu marido estão tendo. Para obter um quadro
completo das coisas e analisar o que podemos fazer a respeito,
gostaria de falar com seu marido. Tudo bem para você se eu fizer
isso?... Se assim for, poderia pedir a ele...? O que você acha?”).
Resolução de problemas 585

Adequação para a resolução de problemas

Vários fatores devem ser levados em conta ao se avaliar se a


resolução de problemas constitui uma abordagem terapêutica apro­
priada para as dificuldades de um paciente:

1. Os problemas do paciente podem ser especificados. Como


já enfatizado aqui, o ponto crucial da resolução de problemas é a
sua clara definição inicial. Todavia, os problemas de um paciente
podem não ser facilmente desenredados de início, o que talvez
demande uma avaliação prolongada e uma ajuda considerável por
parte do terapeuta, antes que a natureza precisa dos problemas se
faça clara (além disso, à medida que a terapia prossegue, os pro­
blemas identificados no inicio quase sempre precisam ser redefi­
nidos ou subdivididos). Se, depois de uma minuciosa avaliação, o
terapeuta e o paciente se mostrarem incapazes de concordar sobre
a natureza dos problemas deste último, será inútil prosseguir com a
resolução de problemas.
2. Os objetivos do paciente parecem irrealistas. Durante a
avaliação inicial dos problemas, como já observado, o terapeuta
deve perguntar ao paciente quais as mudanças desejadas em rela­
ção a eles. Algumas vezes, os objetivos de um paciente serão cla­
ramente absurdos ou demasiadamente ambiciosos. Por exemplo,
um homem que havia se separado recentemente da esposa (que por
sua vez havia formado um novo relacionamento) insistia em afir­
mar que seu objetivo principal era tê-la de volta. A esposa havia
deixado absolutamente claro, tanto para o paciente quanto para o
terapeuta, que nunca consideraria uma reconciliação. A incapaci­
dade de negociar um objetivo cujo alcance seja plausível vai obstar
a resolução de problemas, pelo menos no que diz respeito ao pro­
blema específico.
3. Ausência de doença psiquiátrica aguda. Como a coopera­
ção ativa do paciente é essencial, a resolução de problemas pode
não ser possível quando um paciente se encontra na fase aguda de
uma doença psiquiátrica maior, embora possa se tom ar altamente
apropriada assim que a enfermidade se torne menos grave. Por­
tanto, a resolução de problemas não deve ser tentada no caso de
586 Terapia cognitivo-comportamental

um paciente deprimido que esteja muito agitado, nem no caso


de um paciente esquizofrênico que tenha delírios. Ainda assim, a
resolução de problemas é freqüentemente possível e apropriada no
caso de outros paciente deprimidos e menos perturbados pela es­
quizofrenia. Pode constituir uma abordagem muito útil no caso de
pacientes suicidas (Hawton e Catalan, 1987), exceto quando o ris­
co concreto de um ato suicida é tão alto que o enfoque inicial prin­
cipal do tratamento tenha de ser a proteção do paciente de si mes­
mo (em geral, através da internação). Mesmo no caso de pacientes
muito perturbados, entretanto, a resolução de problemas pode mui­
tas vezes começar assim que houver uma melhora de sua perturba­
ção, ainda que leve. O alcoolismo pode ser um empecilho na reso­
lução de problemas, mas essa abordagem pode ser útil uma vez
que o controle sobre a bebida tiver sido alcançado.
4. Acordo sobre o contrato inicial. Como observado mais
adiante, é necessário que se estabeleça um contrato claro com res­
peito à natureza, aos objetivos e à extensão da resolução de proble­
mas. Tanto o terapeuta quanto o paciente devem estar razoavel­
mente satisfeitos com esse contrato antes de prosseguirem com a
resolução de problemas. O terapeuta deve também enfatizar que o
objetivo não é apenas lidar com os problemas atuais, mas também
ensinar ao paciente uma abordagem que possa ser utilizada no
manejo de dificuldades futuras.
É preciso observar que a “mentalidade psicológica” por parte
do paciente não constitui um requisito prévio para a resolução de
problemas. Trata-se essencialmente de uma abordagem prática,
muito embora - como se verá mais adiante - os aspectos cogniti­
vos da terapia se fazem muito importantes em alguns casos.

Disposições práticas

As disposições práticas devem ser esclarecidas desde o início,


infclusive quem vai estar envolvido, o número provável de sessões
de tratamento, sua duração e horário, etc. É preciso decidir quanto
à inclusão ou não de outra pessoa (que não seja o terapeuta) nas
sessões de tratamento, e quando isso deve ocorrer.
Essa abordagem envolve contatos terapêuticos relativamente
breves - digamos, aproximadamente de 4 a 6 sessões - embora a
Resolução de problemas 587

duração vá depender da extensão dos problemas do paciente, dos


recursos de que dispõe, do número de problemas a serem aborda­
dos e dos objetivos. As sessões de terapia podem durar de 30 a 60
minutos, embora as sessões posteriores possam ser, com freqüên­
cia, relativamente breves. A resolução de problemas pode ser mais
eficaz, sobretudo quando o paciente está enfrentando uma crise, se
as sessões iniciais (digamos da sessão 1 a 3) forem bem próximas,
talvez três sessões em uma quinzena, embora as restrições práticas
possam frustrar esse objetivo. As sessões iniciais relativamente
freqüentes podem ajudar no engajamento do paciente. Sessões
menos freqüentes, mais tarde, podem estimular sua autonomia.
Vale a pena incluir no contrato inicial uma sessão de revisão (a ses­
são 3 ou 4 é geralmente a melhor), quando o progresso geral será
avaliado tanto pelo terapeuta quanto pelo paciente, e será tomada a
decisão de continuar ou não. Isso pode ajudar na legitimação dos
esforços do paciente e na provisão de um reforço quando houver
progressos, ao mesmo tempo que também permite um encerra­
mento menos abrupto da terapia caso ela não esteja resultando em
nenhuma mudança.
Algumas vezes, em especial quando um paciente está muito
perturbado ou deprimido, pode-se pensar em oferecer acesso a um
telefone de emergência, seja do terapeuta ou de outros profissio­
nais. Isso pode ser uma espécie de conforto para o paciente, mes­
mo que não haja probabilidade de que venha a ser usado, ou um
importante meio de evitar o desenvolvimento de uma crise. En­
tretanto, a decisão de oferecer ou não esse acesso de emergência
requer uma deliberação cuidadosa. Às vezes os terapeutas assu­
mem responsabilidade demais pelos problemas dos pacientes, e
isso pode comprometer seu senso de autonomia, inibindo, portan­
to, a resolução de problemas.

O contrato terapêutico

Os pontos colocados na seção anterior devem ser discutidos e


acordados junto com o paciente. Nesse estágio deve haver também
um esboço de acordo com relação aos problemas que vão consti­
tuir o enfoque do tratamento e aos objetivos prováveis. Finalmen­
te, as responsabilidades tanto do terapeuta quanto do paciente
588 Terapia cognitivo-comportamental

devem ser esclarecidas, sobretudo no caso de pacientes cuja ade­


são esteja em dúvida.

Por exemplo, o terapeuta poderia dizer: “Acho que seria útil


que ficasse clara para nós a contribuição de cada um ao tratamento,
pois é evidente que vai haver um comprometimento de ambos os
lados. Eu manterei as consultas e ajudarei da melhor forma que pu­
der, especialmente se você encontrar dificuldades. Da mesma for­
ma, você terá de comparecer às sessões estabelecidas, trabalhar ati­
vamente em seus problemas e ser aberto e franco com relação ao
tipo de progresso que alcançar. Neste estágio, você vê quaisquer
problemas com relação a esse tipo de comprometimento?”

E stágios e estratégias na resolução de problem as

Os passos a serem seguidos na resolução de problemas são


sintetizados no Quadro 12.4. Esse breve esboço indica a aborda­
gem terapêutica global. A maior parte do restante deste capítulo se
destina a fazer uma descrição detalhada dos vários estágios, in­
cluindo o modo de ajudar os pacientes a antecipar e superar difi­
culdades e estratégias específicas para serem bem-sucedidos.

Procedimento

Um agenda de itens a serem abordados deve ser estabelecida


de comum acordo no início de cada sessão de tratamento, geral­
mente em seguida a uma indagação genérica sobre como o pacien­
te está passando desde a sessão anterior. A agenda poderia ser in­
troduzida pelo terapeuta da seguinte maneira:

Vamos estabelecer a agenda de hoje. Acho que devemos come­


çar pelo exame de como você se saiu com as lições de casa estabele­
cidas na última sessão, e se encontrou dificuldades nelas. Se houve
dificuldades, devemos procurar maneiras de superá-las. Também
precisamos decidir o que você deve tentar fazer antes da próxima
sessão. Há algo mais que queira discutir hoje?
Resolução de problemas____________________________________________ 589

Q u a d r o 1 2 .4 Passos na resolução de problemas

1. Decidir quais problemas abordar primeiro


2. Estabelecer objetivos de comum acordo
3. Elaborar os passos necessários para alcançar objetivos
4. Decidir as tarefas necessárias para abordar o primeiro passo
5. Revisar os progressos na próxima sessão de terapia, inclusive as dificuldades
encontradas
6. Decidir o próximo passo, dependendo do progresso, e estabelecer as tarefas
subseqüentes
7. Proceder, como acima, aos objetivos estabelecidos, ou redefinir os problemas e
objetivos
8. Trabalhar problemas adicionais (se necessário)

Escolha do(s) problema(s) a ser (em) abordado(s) primeiro

Em geral, é melhor começar pelo enfoque de um problema que


pode ser o problema central e mais importante para o paciente. En­
tretanto, às vezes é preferível que se escolha um problema que pare­
ça mais ou menos fácil de resolver. Este é especialmente o caso
quando os sintomas disfóricos são acentuados, em parte porque po­
dem prejudicar a capacidade que a pessoa tem de lidar com um pro­
blema mais complexo, e em parte porque a resolução satisfatória de
um problema pode trazer esperança, uma crença de que os proble­
mas mais graves podem ser resolvidos e uma melhora na auto-estima
do paciente, o que geralmente resulta numa redução dos sintomas.

Por exemplo, Mary, cuja lista de problemas está ilustrada na


Figura 12.3, havia gradualmente abandonado seus interesses e con­
tatos sociais. De início, parecia apropriado concentrar a resolução
de problemas na retomada dessas atividades, pois isso talvez a fizes­
se sentir-se melhor e mais capaz de enfrentar a tarefa de procurar
trabalho.

O paciente deve, em última análise, decidir qual problema será


abordado primeiro. Entretanto, o papel do terapeuta é assegurar
que o paciente escolha um problema que tenha probabilidade de
ser manejado nesse estágio.
Nem sempre é necessário restringir as primeiras sessões a um
único problema, mas o terapeuta deve ter o cuidado de não estimu­
590 Terapia cognitivo-comportamental

lar o paciente a assumir muitas questões. É mais importante dar


início à resolução de problemas do que tentar efetuar mudanças
maiores.

Estabelecer objetivo(s) e meta(s) de comum acordo

Durante a avaliação inicial, o paciente e o terapeuta devem ter


identificado objetivos gerais. Agora, o terapeuta deve ajudar o
paciente a estabelecer metas mais precisas para cada um dos obje­
tivos gerais. Estas devem ser realistas e, sempre que possível, des­
critas em termos comportamentais, como delineado no Capítulo 2.
O papel do terapeuta é ajudar o paciente nesses dois aspectos do
estabelecimento de objetivos. Uma vez acordados, o problema, os
objetivos e as metas devem ser registrados por escrito.

Por exemplo, Mary (p. 583) concordou que os objetivos gerais


em relação ao problema 3 em sua lista no Quadro 12.3 se dividiam
em dois grupos: (1) estabelecer contato com os amigos anteriores e
(2) iniciar novos relacionamentos informais. As metas específicas
eram:

• um contato pessoal por semana com qualquer de seus amigos an­


teriores
• um telefonema por semana a qualquer de seus amigos
• um compromisso “social” regular por semana, por exemplo, ioga,
aula de pintura
• ajudar na escola onde seus filhos estudam uma tarde por semana

Às vezes os pacientes não são muito claros com relação a seus


objetivos. Se este for o caso, o terapeuta pode ajudar fazendo uso
de uma das estratégias cognitivas (por exemplo, brainstorming,
técnica das duas colunas) descritas adiante (p. 595).

Elaborar os passos necessários para alcançar objetivo(s)

É preciso agora que o terapeuta ajude o paciente a decidir os


passos necessários para lidar com o problema. Algumas vezes, ape­
nas um passo será exigido. Em outros casos podem ser necessários
Resolução de problemas 591

vários passos, dos quais os últimos não ficam muito claros nesse
estágio, especialmente se o problema for complexo ou envolver
uma situação de escolha (por exemplo, a decisão quanto a mudar
ou não de emprego, deixar o parceiro, etc.). O terapeuta deve dis­
suadir o paciente de optar imediatamente pela solução que parecer
mais óbvia. Em vez disso, o paciente deve ser encorajado a fazer
uma lista de possíveis soluções (ver p. 595), não importando quão
implausíveis pareçam.

Decidir as tarefas iniciais

Tendo estabelecido a orientação geral da resolução de proble­


mas, o estágio seguinte consiste em decidir com detalhes as tarefas
necessárias para concluir o primeiro passo. As tarefas devem ser
realistas e práticas, planejadas detalhadamente, incluindo fatores
como: o que, quando, com quem, com que freqüência, etc. Assim,
no caso de Mary, o primeiro passo que planejou em direção à sua
meta de “um compromisso social por semana” foi ir ao Departa­
mento Público de Orientação para verificar quais aulas de recrea­
ção estavam disponíveis em nível local.
O terapeuta deve pedir ao paciente que antecipe as conseqüên­
cias prováveis da tarefa, e especialmente quaisquer dificuldades
previsíveis. O ensaio cognitivo (p. 598) - isto é, estimular os pa­
cientes a imaginar exatamente o que precisa ser feito e o que pode­
ria acontecer - pode ajudar na identificação das tarefas iniciais e
de quaisquer dificuldades possíveis. Se forem previstas dificulda­
des, o terapeuta deve encorajar o paciente a imaginar o que poderia
ser feito para desviar-se delas ou minimizá-las. Uma vez que as
tarefas iniciais tenham sido acordadas, devem ser registradas por
escrito, de preferência pelo paciente, e tanto este quanto o terapeu­
ta devem ficar com uma cópia. Além disso, em geral os pacientes
acham útil manter um diário em que possam registrar as tarefas, o
que realmente conseguem fazer e os resultados obtidos, inclusive a
ocorrência de quaisquer mudanças nos sintomas e na satisfação.
A form a do diário deve ser estabelecida em detalhes (p. 26), a
fim de que se possa concentrar a atenção nas tarefas específicas, e
não em tópicos gerais.
592 Terapia cognitivo-comportamental

Por último, o terapeuta deve explicar o que acontecerá na pró­


xima sessão de terapia.

Por exemplo, “Da próxima vez que nos encontrarmos, gostaria


de examinar em detalhes como está se saindo. Podemos falar sobre
quaisquer dificuldades que tenha encontrado e, se necessário, ima­
ginar maneiras de tentar solucionar o problema. Ao final de cada reu­
nião, da mesma forma que hoje, estabeleceremos aquilo que devere­
mos tentar fazer antes da próxima sessão”.

Revisão do progresso

Na próxima sessão de tratamento, tendo revisado com o pa­


ciente aquilo que foi estabelecido, pede-se a ele que proceda a uma
descrição detalhada do progresso com relação às tarefas estabele­
cidas. Se o paciente manteve um diário, deve examiná-lo junto
com o terapeuta. Quaisquer esforços positivos por parte do pacien­
te em realizar as tarefas estabelecidas devem ser elogiados, mesmo
que o resultado tenha sido desapontador - as dificuldades podem
proporcionar uma compreensão adicional dos problemas do
paciente, que pode então ser usada para a formulação de tarefas
que apresentam maior probabilidade de êxito. Por exemplo, “Você
está claramente desapontado com o fato de as coisas não terem
funcionado como planejou, depois de todo o seu esforço. Vejamos,
porém, o que aprendemos com isso”.
Neste ponto, o progresso geralmente pode ser agrupado em
três categorias - êxito, êxito parcial e nenhum progresso.

Êxito na realização das tarefas iniciais. Se o paciente negociou


com êxito o passo inicial, o terapeuta deve perguntar quais foram
os benefícios resultantes (por exemplo, melhora na autoconfiança,
no humor, na compreensão). Então deve-se proceder ao passo se­
guinte, utilizando-se a mesma abordagem descrita em “Decidir as
tarefas iniciais”.

Êxito parcial. Se o paciente tiver obtido um êxito parcial ao lidar


com o primeiro passo, deve decidir junto com o terapeuta se é ne­
cessário mais tempo para se concluir a tarefa, ou se devem ser tra­
Resolução de problemas 593

zidas à tona as dificuldades que estão impedindo o progresso. Es­


tas podem incluir tanto dificuldades práticas como atitudes ou
crenças, sobretudo no que diz respeito às possíveis conseqüências
da conclusão total da tarefa. As soluções para as dificuldades prá­
ticas quase sempre podem ser facilmente identificadas, embora o
terapeuta deva encorajar o paciente a criá-las. A técnica de brain­
storming para a identificação de possíveis soluções (ver p. 595) e o
método de exame dos resultados potenciais de estratégias alterna­
tivas (ver p. 598) podem ser úteis. Convém, igualmente, examinar
os medos quanto às possíveis conseqüências de se solucionar os
problemas, ou as dúvidas do paciente quanto à sua capacidade de
lidar com as tarefas. Isso pode ser alcançado através do exame de
estratégias alternativas, especialmente a ação versus a não-ação, e
ao se pedir ao paciente que ponha em prática, na imaginação, o
que precisa ser feito. Quando for identificada uma crença signifi­
cativa, pode ser necessário delinear brevemente o modelo cogniti­
vo (p. 244) e fazer com que o paciente proceda a uma verificação
da validade da crença, talvez ao examinar os indícios que a corro­
boram ou a contestam. No final, é geralmente possível decidir se o
paciente deve no momento tentar a tarefa original, ou se outra
abordagem do problema se faz necessária.

Assim, por exemplo, Mary fez uma tentativa de telefonar para


uma amiga. Não obtendo resposta, foi incapaz de repetir o telefone­
ma. Entretanto, com a ajuda do terapeuta foi capaz de identificar a
razão disso, a saber, o medo de que sua amiga não demonstrasse
interesse em vê-la. Após examinar os indícios de tal crença, concor­
dou que seria útil telefonar para a amiga a fim de verificar se seus
medos eram ou não justificados.

Nenhum progresso. Uma abordagem similar deve ser usada se o


paciente não tiver apresentado nenhum progresso, inclusive quan­
do o paciente se mostrou incapaz de tentar realizar a(s) tarefa(s)
estabelecida(s). Pode ficar claro que a tarefa inicialmente estabe­
lecida era demasiado difícil, e que um passo mais modesto deve
ser tentado, ou que uma nova abordagem do problema se faz ne­
cessária.
594 Terapia cognitivo-comportamental

Assim, no caso de Mary, ela concordou em discutir com um


dos professores de seus filhos a possibilidade de ajudar na escola
uma tarde por semana. Entretanto, como se sentia constrangida por
não ter ido à escola durante várias semanas, não foi capaz de fazê-lo.
Portanto, a tarefa inicial foi modificada; ela passaria uma semana
indo à escola com os filhos, quando então conversaria informalmen­
te com seus professores.

Outras possibilidades incluem a incapacidade de o terapeuta


ter detectado a gravidade de um distúrbio, que deve então se tornar
o enfoque da terapia; ou a falta de diposição do paciente em assu­
mir responsabilidade pela resolução de seus problemas. Se houver
suspeita quanto a esta última suposição, o terapeuta deve discutir
abertamente essa possibilidade junto com o paciente.

Por exemplo, o terapeuta poderia dizer: “Estou preocupado


com o fato de que, embora tenhamos dispendido um tempo razoável
na elaboração de formas de lidar com seus problemas, até agora
você não conseguiu pôr nenhuma delas em prática. Como seus pro­
blemas fazem parte de sua vida cotidiana, não faremos nenhum pro­
gresso a menos que se decida a testar as coisas. Acho, portanto, que
seria útil recuar um pouco e questionar se os objetivos que estabele­
ceu são realmente importantes para você neste estágio.”

Todavia, o terapeuta deve ter o cuidado de não supor muito


prontamente que um paciente não está disposto a assumir res­
ponsabilidade, algo que só deve fazer depois de envidados todos
os esforços para iniciar a resolução de problemas. A falta de dis­
posição para começar pode refletir a baixa auto-estima do pa­
ciente, ou seus medos quanto às conseqüências de tentar uma
mudança.

Estágios subseqüentes da terapia

Enquanto a resolução de problemas está em curso, é imperati­


vo que o paciente sempre tenha tarefas para realizar durante as ses­
sões. Assim, as sessões de tratamento podem ser em grande parte
vistas como um meio de facilitar os esforços do paciente por efe­
tuar mudanças em sua vida cotidiana. As tarefas estabelecidas ao
595
Resolução de problemas

final da segunda sessão e das sessões subseqüentes vão depender


do êxito até então obtido e dos resultados do exame de quaisquer
dificuldades que o paciente possa ter encontrado.
Se a resolução de problemas avançar passo a passo até que
um problema seja resolvido, a decisão quanto a passar para outro
problema deve ser tomada. Se o problema inicial tiver sido relati­
vamente maior, os pacientes não raro confessam se sentir confian­
tes de que agora podem lidar com os problemas remanescentes. Se
problemas adicionais forem abordados na terapia, a abordagem
deve ser aquela descrita. Entretanto, o terapeuta deve estimular o
paciente a assumir cada vez mais responsabilidade pela identifica­
ção de soluções para os problemas. Quando a abordagem de reso­
lução de problemas não tiver obtido êxito no caso de um determi­
nado problema, este deve ser reexaminado em termos de possíveis
objetivos alternativos. No caso de Mary, depois de ter passado vá­
rias semanas tentando melhorar a comunicação com o marido,
percebeu que ele não apresentava probabilidade de mudar. Foi en­
tão que começou a considerar a possibilidade de deixá-lo.

Estratégias cognitivas e outras estratégias


na resolução de problemas

Há várias estratégias terapêuticas que podem ser de valor na


resolução de problemas. Agumas delas foram descritas em outros
capítulos, e portanto serão apenas brevemente mencionadas aqui.

Criar possíveis soluções para os problemas. Depois de uma ava­


liação cuidadosa e minuciosa dos problemas de um paciente, as
soluções apropriadas e os passos necessários para atingi-las fre­
qüentemente se tornam por demais evidentes. Por outro lado, as
soluções podem não ser claras, ou o terapeuta pode ser capaz de
imaginar uma solução razoável ao mesmo tempo que deseja incen­
tivar o paciente a apresentar suas idéias a fim de estimular a auto-
suficiência. O brainstorming é uma abordagem para ajudar o pa­
ciente a produzir idéias. Pede-se a ele que sugira o maior número
possível de soluções potenciais, não importando quão implausíveis
elas possam parecer. Nesse estágio, pede-se então que o paciente
59 6 Terapia cognitivo-comportamental

não avalie a utilidade potencial de qualquer das possibilidades,


pois de outra maneira cada solução apresentada será de alguma
forma rejeitada como inútil, com o conseqüente prejuízo de novas
alternativas. Por exemplo, o terapeuta poderia dizer:

O próximo passo é tentarmos pensar no maior número possível


de soluções para o problema. Porém, uma condição importante
neste estágio é que não consideremos em absoluto se uma solução é
prática, impossível, ou o que quer que seja. Você verá com muita
clareza as desvantagens de qualquer solução que apresentar, e é pro­
vável que se deixe abater por pensamentos sobre a dificuldade da
situação. Para evitar isso, precisamos manter a mente aberta para
que você tenha a oportunidade de pensar sobre o problema. O que se
pretende é o maior número possível de soluções, digamos de seis a
dez, inclusive algumas soluções extremas.

Se o paciente encontrar dificuldades em criar soluções, o te­


rapeuta pode sugerir algumas possibilidades. A sugestão de solu­
ções claramente inadequadas (e portanto facilmente rejeitadas)
pode facilitar o envolvimento do paciente nesse processo. A su­
gestão de soluções extremas muitas vezes pode levar o paciente a
caminhos inexplorados e, desse modo, produzir outras soluções
novas. Todas as possíveis soluções são registradas por escrito. Uma
vez confeccionada uma lista substancial, o paciente pode ser aju­
dado a examinar as vantagens e desvantagens de cada solução. As
vezes, uma solução que em princípio parece altamente implausível
pode, através de um exame rígido e de modificação, tomar-se uma
solução potencialmente valiosa.

Por exemplo, Mary foi ajudada a apresentar idéias e sugestões


para possíveis soluções ao problema das intromissões de sua mãe
(problema 6 no Quadro 12.3). Ela produziu a seguinte lista, inclusi­
ve com algumas soluções extremas:

( 1) pedir à mãe que nunca mais a visite ou telefone


(2) pedir-lhe que reduza as visitas e os telefonemas
(3) deixar o país
(4) mudar o número de telefone e não publicá-lo na lista telefônica
(5) discutir o problema com a mãe
(6) não fazer nada e aceitar a situação.
Resolução de problemas 597

Após examinar detalhadamente as vantagens e desvantagens


de cada solução, Mary decidiu que a quinta, que havia anteriormen­
te considerado impossível, era a mais apropriada de todas.

O exame das alternativas. Os problemas encarados por um


paciente em geral consistem em se fazer uma escolha entre dois
cursos diferentes de ação ou duas soluções potenciais do proble­
ma. Nessas circunstâncias, uma boa estratégia é a técnica das
duas colunas ou dos prós e contras. É muito simples, e consiste
em escrever as vantagens e desvantagens de cada possibilidade,
inclusive seus resultados prováveis. Se for conveniente, pode-se
atribuir um peso relativo a cada um dos prós e dos contras. O tera­
peuta pode, primeiro, ter de fazer uma demonstração para o pa­
ciente. Quando a decisão for muito difícil ou importante o pacien­
te pode usar essa estratégia como tarefa a ser feita em casa. Essa
técnica em geral resulta na elucidação do curso de ação mais
apropriado, ou na indicação de que informações adicionais devem
ser obtidas pelo paciente a fim de se atribuir mais peso a uma ou
outra alternativa. À medida que a lista é produzida, o paciente e o
terapeuta trabalham juntos na avaliação da posssível exatidão de
cada afirmação.

A abordagem dos prós e contras foi utilizada por Mary ao con­


siderar a hipótese de deixar seu marido. Para explicá-la, o terapeuta
disse: “É freqüentemente útil, neste estágio, fazer uso do que se
chama de técnica ‘das duas colunas’, que consiste basicamente em
uma listagem dos prós e contras para uma determinada linha de
ação. Parece que, no momento, você vem se preocupando incessan­
temente com o problema e examinando a situação repetidas vezes,
mas dificilmente é capaz de ter um quadro claro devido aos muitos
aspectos do problema. E muito comum concentrar-se nos aspectos
negativos de uma situação - neste caso, os aspectos negativos de
ficar e os aspectos negativos de abandonar. Pode ser mais útil enfo­
car quais seriam as vantagens de um determinado curso de ação, e
escrever uma lista de prós e contras para não ficar simplesmente
dando voltas em círculos.” Ao final deste exercício, ela produziu a
lista de prós e contras ilustrada no Quadro 12.5.
598 Teravia coenitivo-comvortamental

Quadro 12.5 Lista de Mary dos prós e contras de deixar seu marido

Prós Contras

Reduzir sua perturbação diária Possível solidão


Melhora no relacionamento com os Dificuldade em enfrentar situação
filhos devido ã diminuição de tensão financeira
Maior liberdade para desenvolver nova Filhos sentirão saudade do pai
carreira Perda do contato com parentes
Maior contato com os amigos por afinidade
Permitir-lhe que desenvolva novos Maior dependência da mãe
relacionamentos de confiança Perda de relacionamento sexual
Vergonha de casamento rompido
Desmembramento de um lar

Ensaio cognitivo. Essa estratégia já foi introduzida neste capítulo


(p. 592). Refere-se ao ensaio detalhado e imaginário de uma deter­
minada tarefa, inclusive dos detalhes dos passos tomados e das
conseqüências. E útil que se ajude o paciente a desenvolver con­
fiança na tentativa de realização de uma tarefa, na identificação de
possíveis perigos ocultos que não se fizeram imediatamente ób­
vios e no estabelecimento mais claro das conseqüências prováveis
(inclusive vantagens e desvantagens) de um curso de ação.

Representação de papéis ( “role-play ”) e inversão de papéis. Quan­


do o problema de um paciente diz respeito a uma questão interpes­
soal, proceder a uma representação de papéis (role-play) de uma
tarefa de casa pode surtir efeitos semelhantes aos do ensaio cogni­
tivo. Tem a vantagem de oferecer ao paciente e terapeuta a possibi­
lidade de procederem a uma avaliação do desempenho do primeiro
e então, se necessário, de tentarem outras abordagens. Ocasional­
mente, a inversão de papéis em que o terapeuta representa o papel
do paciente e este desempenha o papel da outra pessoa significati­
va, pode ser muito útil. Isso é especialmente relevante quando há
uma dificuldade em se comportar de maneira assertiva, pois o
paciente pode ter uma noção do impacto provável de diferentes
tipos de interação sobre a outra pessoa significativa. Esse procedi­
mento foi utilizado para ajudar Mary a se preparar para discutir a
Resolução de problemas 599

intromissão com sua mãe. A inversão de papel foi particularmente


útil neste caso, pois ajudou-a a perceber que o fato de dar exem­
plos específicos à sua mãe poderia ser menos perturbador que a
discussão da intromissão em termos mais gerais.

Programação de atividades. Essa técnica, que foi descrita de ma­


neira completa no Capítulo 6, é útil na resolução de problemas so­
bretudo quando eles dizem respeito à organização do tempo (ver
também p. 103). Os problemas de estudo fornecem um excelente
exemplo. Os estudantes com problemas de estudo freqüentemente
relatam que suas tarefas parecem esmagadoras e que não sabem
por onde começar. Portanto, ou trabalham por um número excessi­
vo de horas, mas de maneira desorganizada ou demasiado abran­
gente, ou desistem por completo. O terapeuta deve primeiro ajudar
o aluno a fazer uma lista de prioridades para os tópicos ou assuntos
a serem abordados num programa de estudo. Ao fazer isso, o tem­
po disponível constituirá um fator principal, especialmente se hou­
ver um exame que se aproxima. Em seguida, o aluno deve identifi­
car algumas tarefas relativamente simples, relevantes ao assunto
prioritário, e decidir quais serão os objetivos. Uma programação
de atividades pode ser usada para planejar como o aluno vai orga­
nizar o tempo para realizar essas tarefas. Um princípio geral útil é
que, embora a conclusão de uma tarefa deva ser o objetivo princi­
pal, o estudante deve decidir por quanto tempo é capaz de traba­
lhar de uma só vez (chegando a um máximo de 3 horas) e manter-
se fiel a esse tempo, mesmo que a tarefa não seja concluída. O te­
rapeuta pode também ajudar o aluno a elaborar um cronograma
com intervalos regulares. As sessões de tratamento subseqüentes
envolverão o exame de até que ponto o estudante se manteve fiel
ao cronograma, dos problemas que foram encontrados e do plane­
jamento de uma nova programação. O aluno pode ser gradualmen­
te encorajado a assumir o planejamento.

Contestar crenças errôneas. As dificuldades em realizar as tarefas


de resolução de problemas podem dever-se às crenças que as pes­
soas têm sobre sua capacidade de lidar com uma tarefa de maneira
eficaz, ou ao medo das conseqüências de se tentar. As maneiras
como as crenças errôneas (de serem incorretas ou distorcidas) po-
6 00 Terapia cognitivo-comportamental

dem ser examinadas e modificadas já foram aqui descritas em


relação à depressão (p. 273) e aos estados de ansiedade (p. 104), e
princípios semelhantes podem ser aplicados à resolução de proble­
mas. As crenças errôneas são quase sempre deformações na mente
do paciente, e o terapeuta deve ajudá-lo a identificar sua natureza
exata.

Por exemplo, um homem considerava muito difícil a tarefa de


dizer ao seu patrão porque seu trabalho era insatisfatório, e como
poderia ser melhorado. Através de um exame mais rigoroso, ficou
claro que o paciente acreditava que a resposta do patrão seria ficar
zangado, e que, como resultado, seu trabalho ficaria ainda pior. O
terapeuta então o encorajou a relembrar outras situações em que havia
sido assertivo com seu patrão, e as conseqüências de ter agido assim, e
também a enumerar as vantagens e desvantagens de falar e prever
como responderia se estivesse no lugar do seu patrão.

Manejo contingencial. Ocasionalmente os pacientes podem ser es­


timulados a adotar a resolução de problemas ao concordarem em
atribuir-se uma recompensa mediante a conclusão de uma tarefa.
Por exemplo, um paciente poderia decidir que iria dar-se um pre­
sente (uma peça de vestuário, ou outra coisa) se uma tarefa fosse
concluída em determinado tempo.

Dar informações e orientação. A ênfase na resolução de proble­


mas reside em incentivar os pacientes a assumir responsabilidade
por seus problemas e a desenvolver suas habilidades adaptativas.
Não obstante, a provisão de informações e de orientação pode ser
útil quando faltam informações a uma pessoa, ou quando está mal
informada ou à procura de uma orientação específica. Por exem­
plo, um paciente pode sentir-se melhor ao ser informado de que o
declínio do interesse sexual é comum durante a depressão, ou quan­
do lhe explicarem as razões dos sintomas físicos em uma situação
eliciadora de ansiedade (p. 82). De maneira semelhante, o terapeu­
ta deve fornecer uma orientação específica no que diz respeito, por
exemplo, a como entrar em contato com uma instituição assisten-
cial (Departamento Público de Orientação, Abrigo, Clínica de Pla­
nejamento Familiar, grupo de minoria sexual). Sempre que possí­
vel, os pacientes devem ser estimulados a obter informações adi­
cionais por conta própria.
Resolução de problemas 601

Encerram ento

O paciente deve ser preparado desde o início para o final da


terapia. Deve haver um acordo inicial com relação à duração prová­
vel da terapia e ao número de sessões de tratamento. A medida que
o encerramento se aproxima, o terapeuta deve planejar como pode­
rá ser realizado da maneira mais eficaz. É quase sempre convenien­
te que haja um intervalo de duas ou três semanas entre a penúltima
e a última sessões de tratamento. Isso pode dar ao paciente mais
tempo para aplicar a abordagem e desenvolver confiança em sua
capacidade de enfrentar os problemas sem o apoio do terapeuta.
Também dá tempo para a ocorrência de mais dificuldades, podendo
ser examinados os modos como o paciente as abordou. Durante a
fase final de tratamento, o paciente deve ser estimulado a planejar
estratégias para lidar com os problemas de provável ocorrência no
futuro, e ser relembrado dos passos na resolução de problemas.
Alguns pacientes acham útil registrar os passos por escrito.
Os terapeutas devem planejar cuidadosamente o momento de
encerrar a terapia. Pode haver a tentação de se prolongá-la por
muito tempo, talvez na crença de que os pacientes possam ser aju­
dados em todos os seus problemas. Uma vez que o paciente tenha
alcançado um progresso razoável, demonstrando uma confiança
crescente em lidar com os problemas remanescentes, o terapeuta
deve evitar a prolongação do tratamento, sobretudo se o paciente
puder formular planos para abordar os problemas remanescentes
mais importantes. A incapacidade de progredir pode constituir
outra razão para o encerramento da terapia, o que será discutido
mais adiante.

M o n ito rar o progresso e avaliar os resultados

Tanto o terapeuta quanto o paciente acharão útil se o progres­


so na resolução de problemas for monitorado de alguma forma.
Um diário (p. 65) pode fornecer um registro detalhado do progres­
so do paciente.
Medidas simples de realização dos objetivos podem ser utili­
zadas se tiverem sido estabelecidos objetivos claros desde o início.
602 Terapia cognitivo-comportamental

Uma avaliação de cada objetivo pode ser feita ao final do trata­


mento - por exemplo, “objetivo alcançado”, “algum progresso”,
“nenhuma mudança”. Uma abordagem alternativa consiste em
avaliar as mudanças introduzidas nos problemas originais - por
exemplo, “problema resolvido”, “alguma melhora”, “nenhuma
mudança”, “pior”, “problema não mais relevante”. Se o paciente e
o terapeuta fizerem essa avaliação juntos, ela pode fornecer um
feedback útil ao paciente com relação às mudanças efetuadas.
As auto-avaliações de auto-estima ou da capacidade de en­
frentar determinadas situações também podem fornecer informa­
ções úteis com relação ao progresso. Mudanças dos sintomas po­
dem ser avaliadas através de questionários de auto-relato, como o
Inventário Beck para a Depressão (Beck, W ard Mendelsohn,
Mock e Erbaugh, 1961; ver p. 249) ou a escala de Ansiedade
Spielberger (Estado) (Spielberger, Gorsuch e Lushene, 1970), ou
mesmo medidas mais simples de auto-relato como as escalas vi­
suais analógicas de humor (p. 65).

Razões do fracasso

A resolução de problemas pode fracassar devido a muitas


razões.

Distúrbio psiquiátrico

Como observado anteriormente, o distúrbio psiquiátrico gra­


ve geralmente impede a resolução de problemas, pelo menos mo­
mentaneamente. Algumas vezes, a resolução de problemas fracas­
sará porque a gravidade do distúrbio psiquiátrico não se fez apa­
rente no início, ou foi avaliada de maneira insatisfatória, ou se
agravou. O terapeuta deve assegurar-se de que o problema psiquiá­
trico seja adequadamente tratado antes de se proceder à resolução
de problemas. Entretanto, os terapeutas devem ter o cuidado dc
não atribuir ao distúrbio psiquiátrico um progresso insatisfatório
devido à falta de confiança ou baixa auto-estima.
Resolução de problemas 603

Baixa auto-estima e fa lta de confiança

O progresso insatisfatório na resolução de problemas pode


decorrer do fato de a auto-estima ou confiança da pessoa se mos­
trarem tão baixas que quaisquer tarefas pareçam desanimadoras.
Se isso ocorrer, pode ser preciso alterar a abordagem terapêutica a
fim de concentrar-se nessas questões, recorrendo-se à abordagem
descrita para o tratamento de pacientes deprimidos (p. 288). Quan­
do a falta de confiança impedir o paciente de aplicar as estratégias
de resolução de problemas sem uma ajuda considerável do tera­
peuta, o tratamento deve ser prolongado e o encerramento deve ser
mais gradual.

Os problemas do paciente refletem dificuldades


de personalidade de longa duração

Se os problemas-chave forem o resultado de dificuldades de


personalidade de longa duração, pode ser necessário que os pa­
cientes compreendam estas últimas antes que possam tentar m u­
dar. Alguns pacientes, por exemplo, parecem apreciar a destrui­
ção de relacionamentos pessoais promissores, pois não são capa­
zes de tolerar a intimidade emocional. Essas dificuldades podem
ter sua origem numa infância insegura, ou nos relacionamentos
com o pai ou a mãe (ou ambos) na adolescência. Embora a abor­
dagem cognitivo-comportamental possa ser útil no caso desses
problemas, a terapia psicodinâmica pode constituir uma opção
alternativa.

Conclusões

A resolução de problemas representa uma abordagem lógica,


sistemática e de aprendizado razoavelmente fácil, podendo ser usa­
da para ajudar os pacientes em muitos contextos psiquiátricos e não
psiquiátricos. Tem a vantagem de basear-se em princípios do senso
comum, sendo portanto atraente tanto para os pacientes quanto para
6 04 Terapia cognitivo-comportamental

os terapeutas. A resolução de problemas constitui às vezes a única


abordagem que precisa ser usada. Ainda assim, pode ser um com­
plemento de outros tratamentos psicológicos e físicos.

Leitura recom endada

Bancroft, J. (1986). “Crisis intervention”. In An Introduction to the Psychothera­


pies (2? ed.), (org. S. Bloch), pp. 113-32. Oxford University Press, Oxford.
Brandon, S. (1970). “Crisis theory and possibilities o f therapeutic intervention”.
British Journal o f Psychiatry 117, 627-33.
D ’Zurilla, T. J. e Goldfried, M.R. ( 1971 ). “Problem solving and behaviour modifi­
cation”. Journal o f Abnormal Psychology 78, 107-26.
Falloon, I. R., Boyd, J. L. e McGill, C. (1984). “Problem-solving training”. In
Family Care o f Schizophrenia, pp. 261-84. Guilford Press, Nova York.
Haaga, D. A. e Davison, G. C. (1986) “Cognitive change methods”. In Helping
People Change: a Textbook o f Methods (3? ed.), (orgs. F.H. Kanfer e A. P.
Goldstein), pp. 236-82. Pergamon Press.
Hawton, K. e Catalan, J. (1987). Attempted Suicide: a Practical Guide to its Natu­
re and Management (2? ed.). Oxford University Press, Oxford.
índice remissivo

abordagem dos três sistemas 11-3, distração 102


142, 195-202,335 evitaçãoem 82,121-2
administração do tempo 104 experimentos comportamentais 115
agorafobia 91,140,156,159,162, fundamento lógico 100
166,175 lidar com a evitação 121-2
e cólon irritável 382 modelo cognitivo de 81
análise comportamental 35-49 modificar suposições 123-5
análise funcional 450 monitoração 89
anorexia nervosa 391,429-43 programação de atividades 103
aspectos clínicos 393-6 responder aos pensamentos 105-15
contexto do tratamento 430,434 resultado do tratamento 12 8
diagnóstico 391 suposições 82, 123-5
paciente crônico 442 tratamento 91-137
restauração do peso 433-6 treinamento de relaxamento 126,
terapia cognitivo-comportamental 130-7
431-40 ansiedade livre flutuante 75
terapia familiar 431,438-41 ansiedade
tratamento medicamentoso 431, acerca da saúde 80, 83-5,97-9,
437 101, 117-21,340-5
ansiedade com relação à saúde, ver apresentação 78
hipocondria; problemas somáticos atenção seletiva em 80, 84,119,
ansiedade generalizada 75-137,175 164, 342
administração do tempo 104 círculo(s) vicioso(s) 80,84,143,
adquirir novos comportamentos 157, 341
123 “livre-flutuante” 75
atenção seletiva em 80 prevalência 77
avaliação 86-9 “programa de ansiedade” 79
controle de estímulo 372,375 sintomas 77, 142
606
Terapia cognitivo-comportamental

asma 386 avaliações de crenças 90,106-9,


ataques de pânico 75-137,172-5 115-21,277,284-7,311-6
avaliação 86-91, 96-100
cólon irritável e 382 benzodiazepínicos 128,150,174,182
definição 76 biofeedback 335
diário de 89-93 brainstorming 595
e agorafobia 140,175 bruxismo 386
medo de desmaiar em 105 bulimia nervosa 391 -429
modelo cognitivo de 83-5 aspectos clínicos 393-6
resultado do tratamento 129 controle de estímulo 409
tipos de 84 diagnóstico 391
tratamento 91-137 dietas 407,413
distração 102 educação 406
experimentos comportamentais imagem corporal 414-20,422
117-21 monitoração 401-4
identificar pensamentos 95-100 prevenção de recaídas 424
lidar com a evitação 121-2 reestruturação cognitiva 414-25
responder aos pensamentos 92, resolução de problemas 421
105-15 terapia cognitivo-comportamental
treinamento de relaxamento 126, 396-427
130-7 terapia de grupo 427
atenção seletiva 80, 84, 119,164, tratamento de internação 3 96,427
342,344 tratamento medicamentoso 429
automonitoração 60-6, 89, 154,207, vômitos 411
219,300,351-6 cefaléia 99,372-5
auto-avaliações 64 escala de avaliação 354
contador de freqüência 64,92,268
diários 65,89,92,156,271 cessação dos pensamentos 231 -5
duração do problema 64 claustrofobia 166,171
escalas analógicas visuais 65 cólon irritável 381-5
reatividade 66 condicionamento 1-10,14,139-44,
avaliação 19-73 192
ver também sob distúrbios específicos controle de estímulo (insônia) 380
análise comportamental 35-48 crises 576
das conseqüências a longo prazo 48 deficiências psiquiátricas crônicas
das conseqüências imediatas 43-6 445-79
do desenvolvimento do problema adequação para tratamento 455
30-5 análise funcional 450
dos contextos e variáveis avaliação 450-6
modeladoras 37-42 ambiente atual 452
dos fatores mantenedores 3 amostragem temporal 451
entrevista comportamental 28-57 escalas de avaliação 451
evitação 46 causas 448-50
princípios gerais 19-23 cuidados de atendimento diário 469
recursos de enfrentamento 48 entrevistando pacientes 453
índice remissivo 607

monitorização 468 contagem de pensamentos 268


mutismo eletivo 461 descobertas de pesquisa 297
natureza de 448 duração 247
nível de atividade 449 erros de pensamento 274,321-7
novos pacientes de longa estratégias cognitivas no tratamento
permanência 469 266-8
objetivos terapêuticos 450,464 estratégias cognitivo-
pacientes de longa permanência comportamentais no tratamento
469 273-87
práticas de manejo 470 estratégias comportamentais no
tratamento 455-75 tratamento 268-73
cartão de tarefa 465 estratégias preventivas no tratamento
comportamento à hora das 288-96
refeições 464 estrutura das sessões de tratamento
consistência nas práticas de equipe 252-63
458 folhetos para os pacientes 299-31
economias de fichas 466 fracassos 296
fundamento lógico 257
educação 472
lições de casa 261
engajamento 458
modelo cognitivo 244-6,254
generalização 464
natureza de 241
grandes grupos de pacientes
pacientes suicidas 256
464-71
pensamentos automáticos negativos
meio cognitivo-comportamental
em 245,273,307-10
457
contestação verbal 280-6,310-27
monitorização 463,468
experimentos comportamentais
normalização 458
284,328-31
personalização 458 identificação 275-80,311
procedimentos de auto-instrução problemas na contestação 310
461 prevalência 241
procedimentos de imitação 461 programação de atividades 269-73,
programa de vestuário 462 299-310
programas familiares 472-5 registro de pensamentos
programas individuais 460 disfuncionais 276
reforçamento 469 seleção de pacientes 248-51
tarefas na ala hospitalar 464 sintomas 245,275
técnicas de encadeamento suposições disfuncionais 244,
retroativo 462 288-91
técnicas de reminiscência 470 contestação 291-4
treinamento de pessoal 459,471 identificação 288-96
tarefas gradativas 269-73
dependência do álcool 176 técnicas de distração 267
depressão 241-331 terapia cognitivo-comportamental
automonitoração 300 273
avaliação 252-7 tríade cognitiva 273
características gerais 246 descatastrofização 112-5
608 Terapia cognitivo-comportamental

desmaios entrevista inicial 194-202


medo de 105,115 entrevistar familiares 207
dessensibilização sistemática 5-7 evitação 198
dificuldades na avaliação 208-11, fatores emocionais 199
346-51 fatores fisiológicos 201
disfunção erétil 532 neutralizar 197,200
tratamento 558 propósitos 191
disfunção orgásmica 531 questionários 207
“manobra da ponte” 555 sumário 195
tratamento 554-6 testes comportamentais 204
disfunções sexuais 527-74 estilo de terapia 226 .
avaliação 535-43 forma e conteúdo 188
ver também sob disfunções formulação 202
específicas fundamento lógico do tratamento
causas 531-5 202,212,215
classificação 529 medicação antidepressiva 235-9
definição 529 modelo psicológico 191
escolha de tratamento 541 tratamento 211-26
dismorfofobia 387
avaliações 208,217,220
dispareunia
busca de reasseguramento 218-22
feminina 531
dificuldades 222-5
tratamento 557
exposição contínua 216-25
masculina 532
introdução da exposição 203,214
dispnéia 76,83-5,387
lição de casa 214,218,225
distrúrbios alimentares 391 -43
modelação 215
distúrbio da ansiedade generalizada
não-adesão 224
ver também ansiedade generalizada
plano 213
definição 75
princípios 211
eventos vitais 78
resultados 237
início 77
prevalência 77 tratamentos alternativos 235
distúrbio da somatização 387 dor 343
distúrbio do pânico dor crônica 387
ver também ataques de pânico ver também cefaléia
início e prevalência 77
distúrbio obsessivo-compulsivo economia de fichas 10,466
185-239 eczema 386
avaliação 192-211 educar o paciente na abordagem
adequação para o tratamento 193 cognitivo-comportamental 21-3
análise comportamental 195-202 ejaculação dolorosa 532
aspectos gerais 202 ejaculação precoce 532
automonitoração 207-8 estado de alerta 141
cognições 197 tratamento 559
conteúdo das obsessões 188,197 ejaculação retardada 532
dificuldades 208-11 tratamento 561
609
índice remissivo

engajamento no tratamento 51,212-6, fobia de sangue e ferimento 172


356-61 fobia social 139,159,162,168,171
ensaio cognitivo 173,598 fobias simples 139
esquizofrenia 447,472 fobias
estabelecimento da agenda 94,260 agorafobia 140,159,162,168,172
estabelecimento das lições de casa 52 aspectos cognitivos do tratamento
estabelecimento de objetivos 57 164-70
estados de ansiedade, ver ansiedade avaliação 147-56
generalizada e ataques de pânico claustrofobia 166,171
eventos vitais 78 complicações no tratamento 175-8
evitação ensaio 173
avaliação de 46 envolver os pacientes no tratamento
cognitiva 349 162,172
de pensamentos 96,112,148,267, exposição (gradual)
348 ansiolíticos 174
identificação 86,149,198,218 de grupo 163
modificação 121-2,158-63 eficácia de 183
na ansiedade generalizada 82 elaborar tarefas práticas/hierarquias
nas fobias 143,148 146,152,158-63
nas obsessões 187,191,198,209,
imaginária 163
228
in vivo 162
no cólon irritável 382
modelação 174
no pânico 84
monitorar o progresso 154
nos problemas somáticos 342,350
regras de 146,161
tipos de 81,84,121,143,148,153,
teoria de 143-6
342
fatores mantenedores 143-6,149
exercícios dos músculos pélvicos 556
fobia de sangue e ferimento 172
experimentos comportamentais 87,
115-25,213,284-98 fobia simples 139
fobia social 139,159,162,168,
exposição e prevenção de resposta
211-25,228-31 172-7
exposição fundamento lógico do tratamento
ansiolíticos e 174 158
de grupo 163 habilidades sociais 123,173
decidir tarefas práticas/hierarquias medidas 150-6
146,152,158-63,213 cognitivas 155
desenvolvimento de 7,11 escalas de avaliação 156
eficácia de 183 testes comportamentais 151-6
imaginária 163 modelo condicionante de 140
in vivo 162,214-22 objetivos do tratamento 150
modelação 174,215 origens 141
monitorar o progresso 154,216 predisposições cognitivas em
preparação cognitiva para 120,122, 164-70
168 prevalência 141
regras de 146,213 prevenção de recaída 179-81
teoria de 143-6,192 relaxamento 171
610 Terapia cognitivo-comportamental

representação de papéis (role-playing) medicina psicossomática 333


173 medidas no tratamento cognitivo-
sintomas 142 comportamental 25-8
técnicas para controle da ansiedade metodologia de caso único 9, 16
170-2 modelação 5,174,215
distração 172 modelos cognitivo-comportamentais
técnicas cognitivas 172 ansiedade com relação à saúde
tensão aplicada 172 341-4
focalização sensorial genital 550 bulimia nervosa 400
focalização sensorial não-genital depressão 244-6,254
548-50 distúrbio da ansiedade generalizada
formulação 54-7 81
princípios gerais 54 distúrbio obsessivo-compulsivo
191
ganho secundário 48 fobias 142-6
gráfico de relação entre datas e fatos obsessões não acompanhadas por
33 compulsões 227
gráfico “torta” 113 pânico 83-5
problemas conjugais 483
habilidades de conversação 123 terapia sexual 564-8
habilidades sociais 123,173
hierarquia (de medos) 6,152-4, neutralização 187,188,197,200,
157-64 226-31
hipertensão 386
hiperventilação 118,153,355,387 obesidade 391,426
hipocondria 336,340-5 obsessões não acompanhadas por
comportamento obsessivo
imagens manifesto 227-35
■identificar 95-110,195,197,348 avaliação 228
modificar 115 modelo psicológico 227
insônia 103-7,375-81 tratamento 228-35
intercâmbio de comportamento 500-4 cessação de pensamento 231-5
inversão de papéis 598 importância da previsibilidade
227-31
listas de problemas 192,255,582 lição de casa 229,234
prevenção de resposta 228-35
masturbação 539 resultados 237
medicação ansiolítica 128,150,174, treinamento da habituação 229-31
182
medicação antidepressiva parâmetros objetivos comportamentais
na depressão 297 71,208
nas obsessões 235-9 penetração vaginal 553
no pânico 128 pensamentos automáticos negativos
medicina comportamental 11 confrontação verbal 100,105-15,
ver também problemas somáticos 280-7,310-27
índice remissivo 611

definição 16, 80,245 medições fisiológicas 353,377


identificar 39,95-100,273-80 questionários 353
na depressão 273,307-10 reasseguramento 350
perguntas para confrontação trabalho em equipe multidisciplinar
105-15,280-4,319-27 352
pensamentos de tudo-ou-nada 111, cefaléia 372-5
274 cólon irritável 381-5
perda de excitação sexual 531 comportamentos de evitação 342
tratamento 558 conceitualização geral 338
perda de interesse sexual controle de estímulo 380
feminino 531 crenças disfuncionais 363-6
tratamento 558 definições 337
masculino 532 dificuldades 385-90
tratamento 562 engajamento 356-61,374
perfeccionismo 81, 103,111,124, excitação fisiológica 341
317,319,324 experimentos comportamentais
preocupação 371,375 103,115-21,364-71
ver também ansiedade generalizada fatores dietéticos e estilo de vida
363,373,382
prevenção de recaídas 127, 179-81,
foco da atenção 342
288-96,521
importância da formulação positiva
prevenção de resposta, ver exposição e
336-40
prevenção de resposta
insônia 375-81
princípios do tratamento 16,22,92,
limitações do tratamento 385,389
94,211,226,247,356
mudanças na medicação e aparatos
problemas conjugais
físicos 361
avaliação 485-91
mudar comportamentos de doença
adequação para o tratamento 490 366-71
entrevistas individuais com preocupação 372
cônjuges 489 preocupação, fatores envolvidos na
problema-alvo 485 manutenção 341-5
questionários 487 princípios gerais 356-72
reunião inicial conjunta 485 procedimento da flecha descendente
sessão de mesa-redonda 490 384
problemas de estudo 104, 598 reduzindo a busca do
problemas de pele 386 reasseguramento 368-71
problemas do sono 386 relaxamento aplicado 375,379
problemas somáticos 333-90 secundário aos distúrbios
âmbito dos problemas 345 psiquiátricos 334,338
avaliação 346-56 trabalho em equipe multidisciplinar
automonitoração 351-3 388
comportamentos de evitação 350 tratamento 356-89
engajamento em 347 variedade dos problemas 336
facilitar a avaliação 346 problemas vestibulares 387
geral 347 procedimento da flecha descendente
insônia 378-81 291,384
612 Terapia cognitivo-comportamental

procedimentos operantes 9 sensibilização encoberta 8


programa de treinamento de suposições disfuncionais
masturbação com relação ao problema e
homens 561 tratamento 50
mulheres 555 com relação às lições de casa 52
programação de atividades 103, definição 15,80,244
269-72,299-310,598 identificação 123,288-96
projeção temporal 113 modificação 122-5,291-4
psicocirurgia 236 na ansiedade generalizada 81
psicoterapia psicodinâmica 235 na depressão 244,288-90
punição 3 nos problemas somáticos 344,
349,356
questionários 66, 89, 154,248,487
técnica da “campainha e almofada” 5
reasseguramento 200,218-22,343, técnica das duas colunas 597
368-71 técnica de apertar 560
reforçamento 3,10,13,467 técnica de parar-começar 560
registro de pensamentos disfuncionais técnica dos prós e contras, ver técnica
106,276,314,318 das duas colunas
relaxamento aplicado 126,130-7, técnicas de distração 102, 172,267
171,375,379 técnicas de relaxamento 126,130-7,
representação de papéis (role-playing) 171,375,379
69,98,123,127,173,598 técnicas de reminiscência 467
resolução de problemas 575-604 técnicas paradoxais ( insônia) 3 81
adequação 585 tensão aplicada 172
aplicações 575 terapia conjugal 481-525
aspectos históricos 576 aconselhamento 562-8
avaliação 578 afeição e enriquecimento sexual
contrato terapêutico 587 515
disposições práticas 587 características do terapeuta 495-9
encerramento 601 criar expectativas positivas 498
estágios e estratégias 588-600 ensinar 497
estratégias cognitivas e outras equilíbrio de alianças 499
595-600 estruturar 495
lista de checagem de problemas 582 instigar 496
lista de problemas 583 oferecer reconforto emocional
metas 575 498
na terapia conjugal 511-5 educação 568
razões para fracasso 602 encerramento 569
ruminações obsessivas; ver obsessões estrutura do tratamento 491
não acompanhadas por formulação 546
comportamento compulsivo generalizar ganhos de tratamento
manifesto 519
ruminações, ver obsessões não identificar e alterar padrões
acompanhadas por comportamento negativos de interação 517
compulsivo manifesto; indicações 542
preocupação intercâmbio de comportamento 500
613
índice remissivo

intervenções cognitivas 504-7 testes comportamentais 70,153,204-7


lição de casa 494 tinido 364,387
lições de casa 548-62 tiques e espasmos musculares 386
limitações do tratamento 522-4 tontura 76,83-5,97,105,121,387
linhas gerais 499 treinamento auto-instrutivo 14
linhas gerais 543-6 treinamento da comunicação 507-11
modelo cognitivo 564-8 treinamento da habituação 229-31
prevenção de recaída 521
reduzir os conflitos 516-9 vaginismo 531
resolução de problemas 511-5 tratamento 556
resultados 570 ver também análise comportamental
resultados de pesquisas controladas ver também insônia
524 ver também sob distúrbios específicos;
terapia de aversão 8 ver também evitação, avaliações
terapia sexual de crenças, testes comportamentais,
treinamento da comunicação questionários, automonitoração
507-11 vômitos (psicogênicos) 386
trouble-shooting 516 ver também bulimia

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