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As Suffragettes e A Luta Pelo Voto Feminino (M Karawejczyk) PDF
As Suffragettes e A Luta Pelo Voto Feminino (M Karawejczyk) PDF
Mônica Karawejczyk
Doutora em História, UFRGS
Mestre em História, PUCRS
karawejczyk@gmail.com
Resumo:
O movimento em prol do voto feminino perpetrado no Reino Unido, no início do século 20, pelo grupo
denominado “suffragettes” foi um dos mais combativos e o que passou para o imaginário popular como o
representante da luta em prol da cidadania política feminina. O movimento sufragista orquestrada pelas
militantes desse grupo foi uma das manifestações coletivas que mais geraram imagens polêmicas na
época em questão. Esse artigo procura expor, de forma breve, o percurso das “suffragrettes” desde a
fundação do grupo até a conquista do voto feminino no Reino Unido bem como analisar algumas imagens
representativas do movimento.
Palavras-chave:
FIGURA 1
FONTE:<http://theedwardians.blogspot.com.br/2011/03/suffragettes-home-poster-about-
1912.html>
2
No começo do século 20 o movimento feminino que mais chamou a atenção
tanto da mídia quanto da opinião pública, para a questão da exclusão feminina da
política, foi perpetrado na Inglaterra pelas militantes do grupo denominado Women’s
Social and Political Union – WSPU, mais conhecidas pela alcunha de suffragettes..
Esse grupo também acabou influenciando outros movimentos femininos em quase todo
o mundo ocidental. De modo que este artigo procura evidenciar a luta em prol do voto
levado a campo por tal grupo feminino. Essa luta gerou imagens e controvérsias até
mesmo no Brasil, principalmente para denegrir o movimento e suas partidárias.1
A figura 2 evidencia uma das imagens amplamente divulgadas mostrando
passeatas de mulheres, carregando cartazes e exigindo o direito de exercer o voto na
Inglaterra. Tal imagem foi publicada, na França, pelo jornal Petit Journal Iilustre no
ano de 1908.
FIGURA 2
Manifestação das suffragettes em Londres – 1908
Fonte: <http://pagesperso-orange.fr/cent.ans/menu/petpho/petpho1908/pj92906091908b.jpg>
1
Esse artigo é baseado em partes do capítulo 3 da tese de doutorado da autora que contou com o apoio do
CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico – no seu desenvolvimento, para
mais detalhes ver Mônica Karawejczyk (2013).
3
agregadas às Constituições de alguns estados da federação, mas de forma regional e não
nacionalmente.2 A Constituição dos EUA foi promulgada em 1787 e é a mais antiga do
mundo, mas quanto à questão de se estender o voto para as mulheres, Christine Stansell
(2010) salienta que a Constituição desse país não toca no assunto até 1919, quando
definiu o direito de voto para as mulheres através da Emenda de número dezenove.
Antes disso não havia nada que descrevesse a base masculina da comunidade política.
Na verdade, a palavra "homem" não foi mencionada até a 14º Emenda em 1868. No
entanto, as mulheres não tinham direitos políticos e mesmo seus direitos civis eram
limitados, exceto pelo direito consuetudinário de petição. Elas também eram impedidas
de votar, fazer contratos, recuperar dívidas, comprar, possuir ou vender propriedades.
Maria Zina Gonçalves de Abreu (2002) salienta que, somente a partir da década
de 1910, é que a questão do voto feminino gerou interesse na mídia e no Congresso dos
EUA, sendo que somente a partir desse momento é que os políticos passaram a
considerar seriamente a possibilidade de estender o direito de voto para todas as suas
cidadãs. Para Christine Stansell (2010, p.149), as mulheres dos EUA conquistaram o
direito ao voto no início da década de 1920 porque a direção do movimento em prol do
sufrágio feminino havia se modificado, apostando em táticas não agressivas, para
solicitar a inclusão das mulheres no rol dos eleitores. Segundo a autora, a mudança mais
significativa foi que as mulheres que passaram a comandar os movimentos organizados
femininos desse país apostaram numa mudança de postura, modificando até mesmo a
forma de solicitar seus direitos, não mais falando sobre direitos femininos e feminismos,
mas sim em direitos da raça humana e democracia. Contudo, segundo Maria de Abreu
(2002, p.455) foi através dos contatos mantidos por mulheres dos EUA com as
militantes inglesas do WSPU que a campanha pró-sufrágio feminino estadunidense
recebeu um sopro renovador, responsável por chamar a atenção do público para sua
causa.3 Mas como bem salienta Stansell, o sucesso só viria após a mudança de postura
das militantes estadunidenses pelo voto, pois tal como destaca Abreu,
2
Apesar de alguns estados da federação, desde 1890, incorporarem o sufrágio feminino nas suas
constituições estaduais, o mesmo só passou a ser debatido, no Congresso Nacional dos EUA, a partir de
1913, tendo sido aprovado em 1920.
3
Também no Brasil, os atos das militantes inglesas parecem ter influenciado as que reivindicavam o
direito ao sufrágio feminino no início do movimento organizado feminino. Esses atos foram amplamente
divulgados através da imprensa do nosso país, principalmente em 1913. Contudo, de modo diverso do que
aconteceu nos EUA, o Parlamento brasileiro já havia cogitado em estender o voto para as suas cidadãs
aqui no Brasil no final do século 19, quando da feitura da nossa primeira carta constitucional republicana
em 1891, para o movimento brasileiro consultar Mônica Karawejczyk (2013).
4
as líderes das associações sufragistas norte-americanas, não
obstante se regozijarem com o tremendo surto de interesse pelo
sufrágio feminino que essa militância mais agressiva provocou,
temiam as suas consequências, insistindo na moderação (ABREU,
2002, p.455).
4
John Stuart Mill (1806-1873) foi um dos pensadores liberais ingleses mais influentes do século 19; era
filósofo e economista e, no que se refere ao papel da mulher na sociedade, segundo informa Marvin Perry
(2002, p.439), “John Stuart Mill achava que as diferenças entre os sexos (e entre as classes) deviam-se
mais à educação que a desigualdades herdadas. Acreditando que todas as pessoas – homens e mulheres –
deveriam ser capazes de desenvolver seus talentos e intelectos tão amplamente quanto possível, Mill foi
um dos primeiros a defender a igualdade das mulheres, inclusive o sufrágio feminino. [...] Em A sujeição
das mulheres (1869), Mill argumentou que a dominação masculina sobre as mulheres constituía um
flagrante abuso de poder. [...] Para Mill, era simplesmente uma questão de justiça que as mulheres fossem
livres para assumir todas as funções e ingressar em todas as ocupações até então reservadas aos homens”.
5
A divergência de datas não nos é importante nesse momento; o que se quer aqui salientar é que o passo
inicial do movimento organizado feminino pode ser mais bem explicitado como uma história de múltiplas
reivindicações do que de uma suposta convergência, sendo o voto apenas mais uma entre tantas
demandas.
5
constatação, levaria cerca de sessenta anos para que o voto passasse a ser o eixo
principal das reivindicações das britânicas, o que aconteceu somente a partir de 1890,
segundo informa Martin Pugh (2000, p.11). A conquista do voto passou a ser o ideal
buscado pelas mulheres, pois
Desde então, a questão do sufrágio feminino passou a ser a agenda principal das
reivindicações femininas, deixando de ser considerada apenas como o símbolo da
desigualdade entre homens e mulheres para ser elevada à prioridade do movimento, ou
seja, o voto deixou de ser considerado como meramente simbólico e passou a ser visto
como a chave para grandes mudanças, uma vez que tais mudanças pareciam estar
condicionadas às decisões do Parlamento. Assim as mulheres que participavam desses
movimentos passaram a focar seus esforços em influenciar as decisões do Parlamento e
em sensibilizar seus participantes para reformar a lei em benefício das mulheres. Parece
ser correto afirmar que foi a explícita exclusão feminina, expressa na lei eleitoral do
país que fez com que algumas mulheres se conscientizassem de que “foi através de
legislação parlamentar que os homens salvaguardaram os seus direitos e interesses”
(ABREU, 2002, p.460).
Segundo Martin Pugh (2000), o movimento feminista praticado tanto na
Inglaterra quanto nos Estados Unidos era muito semelhante, até pelo menos 1905,
empregando as mesmas táticas, conduzindo suas campanhas com moderação e tendo o
cuidado de se manter sempre dentro da lei e da ordem pública. Nessa época, por
exemplo, também compartilharam as mesmas causas morais tais como a temperança,
além de levarem adiante campanhas contra o consumo de álcool e a escravidão (PUGH,
2000, p.88). Também não havia ainda um consenso entre os vários grupos femininos de
qual seria a melhor tática a ser seguida para se conquistar o sufrágio feminino. Alguns
grupos queriam um voto limitado às solteiras e viúvas, outros, ao contrário, exigiam
uma igualdade sem distinção alguma para o estado civil. Nessa primeira fase, uma das
estratégias empregadas foi não vincular as reivindicações dos grupos a nenhum partido
político, fazendo com que sua campanha ficasse acima de questões partidárias.
6
A principal e mais antiga organização sufragista britânica no final do século 19
era a National Union of Women’s Suffrage Societies (União Nacional das Sociedades de
Mulheres pelo Sufrágio) – NUWSS – fundada em 1897 e presidida por Millicent Garret
Fawcett. Segundo Abreu (2002), essa organização era bem estruturada, possuindo
inclusive uma publicação semanal em forma de jornal, intitulado The Common Cause
(A Causa Comum). O objetivo desse grupo era bem amplo, “não só a obtenção do
direito do voto para as mulheres, como a reforma da sociedade, que consideravam tão
importantes como conseguir o direito de voto” (ABREU, 2002, p.462).
A estratégia de ação da NUWSS era pautada pela moderação nos seus atos, com
o cuidado de se manter sempre dentro da constitucionalidade, e seus membros,
esperavam “pacientemente pela boa-vontade dos políticos”, uma vez que apostavam na
justeza de seus pedidos para conscientizá-los e, ao mesmo tempo, colocar a opinião
pública a seu favor. Mas apesar desta atitude de moderação, tal como informa Maria de
Abreu (2002), não conseguiram angariar muitos resultados concretos nessa primeira
fase do movimento organizado.
A segunda e mais conhecida fase do movimento inglês foi também mais
militante do que a anterior, e utilizou técnicas mais contundentes para fazer valerem os
seus pedidos. Teve início em 1903 com a fundação, em Manchester, de um novo grupo
liderado por Emmeline Pankhurst e suas filhas Christabel e Sylvia, que recebeu o nome
de Women’s Social and Political Union (União Social e Política das Mulheres) –WSPU.
Esse grupo também publicava jornais semanais, o primeiro deles fundado em 1907, o
Votes for Women, seguido pelo The Suffragette, de 1912. 6 Para Martin Pugh (2000), as
líderes desse grupo eram muito carismáticas, com clara tendência para dominarem o
movimento, o que fez com que tanto amealhassem ao seu redor uma profunda
admiração e uma lealdade inquestionáveis, como provocassem discórdias entre suas
próprias aliadas e outros grupos femininos.
Importante salientar que grupo formado pelos membros do WSPU foi o mais
combativo, e o que alcançou mais sucesso em expor o movimento pró-sufrágio para o
6
Emmeline e seu marido Richard Pankhurst (falecido em 1898) também fizeram parte do movimento
sufragista inglês na sua primeira fase na cidade de Manchester. Em 1906 a sede da WSPU mudou-se de
Manchester para Londres, para ficar mais próxima da sede do poder, ou seja, dos políticos, do Parlamento
e da imprensa e de “onde mais facilmente conseguiriam lançar uma campanha de âmbito nacional, que
despertasse o interesse da nação inteira pelo direito de voto para as mulheres. Esta decisão foi sobretudo
incentivada com a vitória esmagadora do Partido Liberal, em 1905, já que acreditavam que com o novo
Governo Liberal chegara ao fim o conservadorismo e a reação”, tal como informa Maria de Abreu (2002,
p.463).
7
mundo, sendo o mais lembrado e associado à luta feminina pelo voto no imaginário
popular. As militantes do WSPU ficaram conhecidas mundialmente pela alcunha de
suffragettes, termo cunhado para diferenciá-las dos outros grupos que também
mantinham na sua pauta a luta pelo sufrágio feminino. Os argumentos utilizados pelos
seus membros em nada se diferenciavam dos das outras sufragistas, tais como: a
exaltação das qualidades da mulher, da sua força moral em oposição ao pragmatismo
masculino, além de também contestarem o papel da mulher na nova sociedade. O que
diferenciava essa associação das outras eram as estratégias de luta empregadas, e não o
argumento discursivo.
Segundo Abreu (2002, p.462), a WSPU era uma “organização ativa com
objetivos bem definidos e uma ética especial”, sendo que essa seria a sua principal
diferença e influência, ou seja, ser uma organização ativa, pois suas militantes
escolheram apostar no uso de táticas não convencionais para fazer pressão junto ao
governo para a causa sufragista e, desse modo, chamar a atenção do público para as suas
demandas, representando uma ruptura com a fase anterior que apostava na moderação
dos seus atos. Com o lema Deeds not words (Ações e não palavras) as militantes
aplicavam todos os métodos ao seu alcance para obter alguma vitória, utilizando-se
desde passeatas até o uso da violência e da intimidação.
As suffragettes segundo a descrição de Maria de Abreu (2002, p.462) “tinham
como objetivo único molestar os políticos e o Governo até conseguirem o direito de
voto”. Para chamar atenção da imprensa e do público, as militantes apostaram também
em táticas agressivas, sendo que entre estas estavam contempladas atos que iam desde
atear fogo a caixas de correio, quebrar vidraças de lojas e casas, acorrentar-se a portões
de prédios públicos até interromper os discursos dos políticos. A quebra de vidraças,
uma das primeiras manifestações mais agressivas do grupo também foi divulgado pela
imprensa, tal como se pode verificar na figura 3. A imagem serviu de ilustração para um
artigo publicado no Illustrated London News de 9 de março de 1912 intitulado “Glass-
Smashing for Votes! Suffragettes as widow-breakers”. O artigo faz menções a um
incidente ocorrido no primeiro dia de março de 1912 no qual cerca de 150 suffragettes,
armadas com martelos e pedras, provocaram um quebra-quebra nas janelas de lojas e
escritórios pelas ruas de Londres. A imagem traz fotografias dos instrumentos utilizados
para a quebra das vidraças, martelos envoltos em tecido, bem como pedras dentro de
meias, além de dar grande destaque a um desenho, retratando três mulheres praticando o
8
ato de quebrar uma vidraça, enquanto os homens estão somente a observar o referido
ato de vandalismo. 7
FIGURA 3
FONTE: <http://col4.museumoflondon.org.uk/mediaLib/220/media-
220765/original.JPG>
7
Conforme informações do site:<http://www.museumoflondon.org.uk/collections-research/collections-
online/object.aspx?objectID=object-547960&start=194&rows=1#sthash.p6Kg7r7s.dpuf>
8
A Revista da Semana era publicada no Rio de Janeiro desde 1900 e consolidou a fotorreportagem no
Brasil. O título é uma das relíquias editoriais da história da imprensa brasileira, e remete ao suplemento
do Jornal do Brasil que estreou em 20 de maio de 1900, para depois ganhar vida própria. Circulou até
1959.
9
FIGURA 4
FIGURA 5
12
grupo e as suas iniciais e a segunda imagem é um cartaz no qual se percebe o uso de tais
cores na faixa que traspassa o torso feminino.
FIGURA 6
FONTE: <http://www.museumoflondon.org.uk/Collections-Research/Collections-
online/object.aspx?objectID=object-43306&start=3&rows=1>
FONTE: <http://www.naomisymes.com/cgi/sdbf.pl?search=cat+and+mouse+act&cid=0001FC50>
13
A partir de junho de 1908, as partidárias da WSPU também começaram a tomar
atitudes mais violentas nas manifestações públicas de que participavam, sendo este
também o início da parte mais violenta da militância, quando ocorreu a primeira quebra
de vidraças da casa do primeiro ministro, em Downing Street.9 Após o ano de 1911, a
estratégia estabelecida pelo movimento passou a ser de pressão total em relação aos
membros do governo, concentrando seus esforços em uma campanha contra os
detratores do voto feminino. A tática mais utilizada, nos primeiros tempos, era
interromper os encontros públicos dos políticos com aclamações pelo sufrágio,
estratégia que se mostrou eficaz por um curto período de tempo. O próximo passo
passou a ser a confrontação física com a polícia, difundida largamente pela grande
imprensa em forma de notícias, artigos e charges. Fotografias da época divulgam o
momento da prisão de uma das Pankhurst, líderes do movimento, no caso em questão
Emmeline, como se vê em dois momentos na figura 7.
FIGURA 7
FONTE: <http://cannotletthispass.blogspot.com.br/>
9
Tal atitude foi uma iniciativa isolada e espontânea de uma das militantes do grupo e pode ser entendida
como uma forma de protesto contra mais uma tentativa infrutífera de se conceder o voto para a mulher no
Parlamento, mas que a partir de então, foi aplicada pelo grupo como um todo. Em 1914, a própria líder do
movimento, Emmeline Pankhurst, relatava: “A destruição de janelas com martelos é um método honrado
de mostrar descontentamento em uma situação política”. No original: “The smashing of windows is a
time-honoured method of showing displeasure in a political situation”. Disponível em: <
http://www.museumoflondonimages.com/image_details.php?image_id=399783&wherefrom=viewCollect
ion >. Acesso em 13.jun.2012.
14
FONTE: <http://www.museumoflondon.org.uk/Collections-Research/Collections-
online/object.aspx?objectID=object-453005>
Para Martin Pugh (2000) as táticas que tiveram mais sucesso, em termos de
resultados práticos, foram as empregadas entre os anos de 1906 e 1908, caracterizadas
pelas interrupções nos discursos dos parlamentares e os atos de se acorrentarem em
prédios públicos, que serviram para elevar a questão do sufrágio feminino como uma
das prioridades do novo século. Pugh também salienta que o incremento no uso da
violência, ao invés de trazer simpatias para a causa do grupo, mais desgastou o
movimento junto à opinião pública do que o ajudou. Apesar dessa conclusão, não se
pode negar que a mudança para táticas mais radicais e violentas se mostrou eficaz, pois,
tal como salienta Abreu (2002, p. 464), foi “somente a partir do momento em que as
suffragettes adotaram estas formas de luta é que a campanha pelo direito ao voto
feminino na Grã-Bretanha começou a ser levada a sério pelos políticos e pela
imprensa”, recebendo um destaque enorme também na imprensa de outros países, tais
como os EUA e o Brasil, como já salientado.
Além das táticas descritas acima, também se teve a atuação de “suffragettes
freelance” – expressão utilizada por Martin Pugh (2000, p.180) – mulheres que, apesar
de fazerem parte de algum dos grupos formais de pressão, tomavam atitudes extremadas
por conta própria. A que tomou a atitude mais extrema de todas foi, com certeza, Emily
Wilding Davison, mulher que chamou a atenção da imprensa pela primeira vez, em
15
dezembro de 1911, ao colocar fogo em caixas de correio. Em 1913, voltou ao noticiário
ao se jogar sob as patas do cavalo do Rei inglês numa corrida de cavalos, na qual veio a
se ferir gravemente, vindo a falecer alguns dias depois. Tal atitude parece ter sido
tomada para chamar a atenção da realeza para o movimento sufragista. 10 Essa e outras
atitudes femininas também serviram para dar maior vigor aos argumentos dos que eram
contrários a se estender a cidadania política para as mulheres. Uma das táticas mais
empregadas por esse grupo – dos antissufragistas – foi a utilização de imagens
provocativas, com o intuito de denegrir o movimento e as suas militantes. Este grupo
apostava em cenas que davam destaque ao abandono da casa e das famílias, que
aconteceriam se as mulheres se envolvessem nas lides políticas, como a veiculada na
figura 8.
FIGURA 8
10
Esse fato também é relatado por Céli Pinto (2010, p.15). Até hoje não se tem certeza das motivações
que levaram Emily a cometer esse ato extremado e mesmo se foi sua intenção cometer suicídio, mas o
certo é que se tornou uma mártir da causa sufragista internacional. Imagens do Derby com o
atropelamento da militante disponíveis em: <http://www.nickelinthemachine.com/2009/03/the-epsom-
derby-and-the-deaths-of-emily-wilding-davison-and-herbert-jones/>
16
Outro tipo de imagem muito veiculada procurava retratar as sufragistas como
mulheres agressivas, com atitudes não convencionais e sem atributos físicos que
estariam se envolvendo com política por não conseguirem para si um bom casamento,
como já se viu na figura 1. Outro exemplo desse tipo de material pode ser observado na
caricatura a seguir.
FIGURA 9
17
Segundo o veiculado no periódico, a palavra sufragista adquiriu uma conotação
negativa, sendo aplicada como sinônimo de “um verdadeiro flagelo”. A matéria destaca
a grande diferença entre as militantes dos EUA e da Inglaterra, tal como se pode
acompanhar no trecho abaixo:
18
presas. Na prisão algumas decidiram fazer greve de fome, para chamar atenção para a
sua causa, a reação das autoridades a esse tipo de protesto foi alimentar as prisioneiras à
força. A figura 10 traz um cartaz produzido pela própria WSPU que explora bem este
material tanto com uma forma de denunciar essa prática quanto angariar simpatias para
a causa.
FIGURA 10
19
A imagem retratada no cartaz é o desenho de quatro pessoas, dois homens e duas
mulheres, numa cela de prisão. Rabiscado na parede está à garatuja Votes for Women.
Uma mulher está sentada sendo contida por um homem e uma mulher, que aparece de
costas, vestida com cores escuras e com um molho de chaves na cintura, representando
possivelmente a carcereira, que a mantém segura pela perna e um dos braços. O outro
braço da mulher está sendo seguro por um dos homens que também lhe segura à
garganta forçando seu pescoço para trás. Ao lado da mulher contida na cadeira, pode-se
observar a figura de mais um homem, segurando uma espécie de funil, no qual derrama
um material aquoso de uma jarra, diretamente no nariz da mulher tolhida assim de seus
movimentos e de sua escolha. Outras imagens retratando tal fato também são
amplamente encontradas, tais como as fotografias apresentadas na figura 11, que
mostram como a alimentação forçada era aplicada nas prisioneiras.
Tal ato de brutalidade ao ser amplamente enunciado pelas próprias militantes,
parece ter surtido efeito, uma vez que, em 1913, o governo britânico sancionou uma lei
denominada de The Cat and Mouse Act que permitia ao governo liberar
provisoriamente as mulheres presas que ficassem doentes, para se restabelecer em sua
própria casa, quando então retornariam para cumprir o restante da pena. 11
Na mesma época o grupo do NUWSS, na ativa desde 1897, retomou de forma
acentuada as suas táticas de pressão moderadas, tais como subscrevendo petições,
escrevendo artigos para jornais e enviando cartas aos políticos. Em 1912 o NUWSS
passou a apoiar o Labor Party (Partido Ttrabalhista), apontando uma mudança nas suas
estratégias de ação mantidas até então, isto é, de não dar apoio a nenhum partido
político.
A partir de 1914, todas as antigas alianças do movimento sufragista foram
colocadas de lado e todos os esforços passaram a ser feitos para auxiliar o governo na
guerra. Com o advento da Primeira Guerra Mundial, os atos de desobediência civil
foram suspensos de comum acordo entre os grupos envolvidos e o governo britânico. A
liderança da WSPU resolveu apoiar o governo, deixando a militante campanha em prol
do sufrágio feminino em segundo plano. Segundo informa Sheila Rowbotham (1997),
Emmeline Pankhurst teria assim justificado essa atitude:
poderia qualquer mulher enfrentar a possibilidade de os assuntos
do país ser resolvida pelos objetores de consciência [aqueles que
se recusam a prestar o serviço militar por razões de ordem política
11
Como se pode verificar no cartaz apresentado na figura 6.
20
ou religiosa], os resistentes passivos e preguiçosos?
(ROWBOTHAM, 1997, p.67, tradução nossa). 12
FIGURA 11
FONTE: <http://www.tumblr.com/tagged/preserving-herstory>
12
No original: “Could any women face the possibility of the affairs of the country being settled by
conscientious objectors, passive resisters and shirkers?” Porém, essa não foi uma posição unânime dentro
do próprio movimento. Como exemplo de tal divergência, Sheila Rowbotham (1997) relata o papel da
filha de Emmeline – Sylvia – que passou os anos da guerra na oposição, continuando com os atos de
protesto, contra a guerra em andamento.
21
Antes do final da guerra, em março de 1917 foi apresentado um novo projeto de lei na
Câmara dos Comuns, concedendo o voto para as mulheres maiores de 30 anos. Este, levado
ao debate na Casa dos Lordes, em janeiro de 1918, finalmente foi vitorioso. Para Martin
Pugh (2000), a concessão desse voto limitado para as mulheres fez parte de uma tática do
governo para diminuir o impacto da conquista, uma vez que os parlamentares acreditavam
que um número limitado de mulheres se interessaria em participar das pugnas eleitorais, uma
vez que, nesta idade, elas se encontrariam, pelo menos em teoria, casadas e com família
constituída. Somente em 1928 haveria uma equiparação entre os sexos no quesito idade – 21
anos – em todo o país. De modo que assim se encerrou a luta pelo sufrágio feminino no
Reino Unido.
Conclusões
13
Bertha Lutz foi a responsável pela fundação da Liga para Emancipação Intelectual da Mulher (LEIM) em
1918 e da sua sucessora, a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF) no ano de 1922.
22
tornar-se capaz de cumprir deveres políticos que o futuro não pode
deixar de compartilhar com ela (Revista da Semana, 28/12/1918, p.19).
Outro exemplo da carga negativa que a luta pelo voto, empreendida no Reino Unido
pelo WSPU, angariou em torno de suas bandeiras pode ser verificado em 1913 momento em
que os periódicos brasileiros, deram ampla publicidade ao movimento das suffragettes, quase
sempre acentuando que este não era um exemplo a ser seguido pelas brasileiras. Um exemplo
dos casos noticiados pela imprensa, na capital federal (RJ), pode ser aqui lembrado. Um deles
foi a tentativa de um ataque à bomba a catedral de São Paulo em Londres, no qual as
sufragistas foram acusadas, segundo o divulgado pelo jornal, de estarem “revolucionando
Londres a dinamite” (A Noite, 8/05/1913, p.1). O jornal O Paiz também divulgava as
atividades das “sufragistas militantes” em notas quase diárias, dando ênfase aos incêndios, às
quebras de vidraças e aos ataques aos políticos. Esse periódico acabava creditando a elas
praticamente todos os atos violentos e atentados contra a ordem pública e a propriedade
privada que aconteciam em Londres e arredores – mesmo sem provas –, tal como se pode
constatar em uma nota que atribuía a elas o corte de linhas telegráficas entre as cidades de
Glasgow e Londres, mesmo sem nada ter sido apurado até aquele momento (O Paiz,
11/02/1913, p.4). Outra edição do jornal A Noite também noticiou em letras garrafais que “as
sufragistas não são para brincadeiras – as mulheres-homens”, e alertava aos seus leitores
sobre
as terríveis sufragistas [que] tem praticado e continuam a praticar
desatinos de que muito homem não seria capaz. Já não se limitam as
fervorosas propagandistas a simples quebras de vitrines, mas assaltam e
queimam edifícios, ameaçam como há poucos dias, a catedral de São
Paulo, cometem atos de furioso vandalismo. (A Noite, 27/05/1913, p.4).
Desde 1913 foram publicadas manchetes nos jornais do Rio de Janeiro com
advertências como: “As suffragettes precipitam os seus meios de ação”, seguida pela
admoestação “Vejam o que se passa na Inglaterra e tratem de evitá-lo” (A Noite, 14/06/1913,
capa). O impacto dessas e outras notícias não devem ser subestimados – ainda mais se
levarmos em conta a repercussão negativa na opinião pública. Tal carga negativa se deveu e
muito a interpretação dada pela imprensa tanto na forma de textos quanto a visualidade das
fotografias, desenhos, cartoons e charges retratando a luta e seu impacto junto ao florescente
movimento sufragista brasileiro foi imenso, mas essa é outra história.
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REFERÊNCIAS
ABREU, Maria Zina Gonçalves de. Luta das Mulheres pelo Direito de Voto. Movimentos
sufragistas na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. Arquipélago – Revista da Universidade
dos Açores. Ponto Delgada, 2ª série, VI, 2002. Disponível em:
<http://hdl.handle.net/10400.3/380>
PERRY, Marvin. Civilização Ocidental. Uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes,
2002.
PUGH, Martin. The March of the Women. A revisionist analysis of the campaign for women’s
suffrage, 1866-1914. London: Oxford University Press, 1999.
ROWBOTHAM, Sheila. A Century of Women. The History of Women in Britain and the
United States. London: Viking, 1997.
STANSELL, Christine. The feminist promise: 1792 to the present. New York: Modern
Library, 2010.
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