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Eu, eu, eu ... você e todos nós

Parece-me indispensável dizer quem sou. {... J A desproporção entre


a grandeza da minha tarefa e a pequcne:::, de meus contemporâneos
manifestou-se no fato de que não me ouviram, sequer me viram. {... ]
Quem sabe respirar o ar de meus escritos sabe que é um ar das altu ras,
um ar forte . É preciso ser feito para ele, senão há o perigo nada peque-
no de se resfriar.
Friedrich Nietzsche

Aqui, não uou contar a ninguém os "dez passos" para nada, nem uou
dar dicas de o que fazer ou não para ter sucesso. Esse uai ser apenas um
relato das lições que o mundo c a vida me ensinaram até este momento.
Nesta curta mas intensa trajetória, m uita gente fez questão de não me
enxergar...
13ru!la Surfistin!Ja

COJ\ 10 A LGUÉ.\1 SE TOR:---JAo QUE É? Isso pe rgu ntava N ietzsc he logo no sub-
t ítulo de s ua auto bi ografia, significativa mente inti tu lada Ecce Homo e
redi gid a em 1 888, nos meses prévios ao "colapso de Turim " . Após esse
epi sódi o, o fi lósofo merg ulh a ria em um a lo nga d écada de so mbras e va -
zio, a té m o rrer " desp rov id o de espírito", d e acord o co m os a mi gos q ue
o visita ra m. Nas faíscas desse li vro, N ietzsch e rev isa s ua tra jetó ri a com a
firm e a m b ição de " d ize r q uem so u ". Pa ra isso, soli cita a se us leitores qu e
o ouça m , "po is eu so u ta l e ta l; so bre t udo, não me co nfun da m! ". É cla r o
que a tribu tos co mo a m odéstia e a humild ade es tão radi ca lm ente a use n-
tes no texto, m as isso não p ode surpree nder em a lguém qu e se org ulh ava
de se r o posto "à espécie de ho mem qu e a té agora se ve nero u co mo virtu o-
sa", prefer in do ser um sá tiro a um sa nto . 1 Essa a titu de, po rém , fez co m
q ue se us co ntemporân eos enxe rgasse m na o bra de N ietzsc he um a mera
evid ênc ia da lo ucur a . Suas fo rtes pa lavras, aq uil o tão " im enso e mo ns-
tr uoso" qu e ele t inh a a di ze r, fo ra m lid as co mo sin tom as d e um fa tídi co
dll)',llll'li 11 nl111 .l'i l.dh .1 dt 1.11 lll' l d 111'11 '11 • t'llljlll' I d 1\ 1 llll')\.d11111.1 1111 'i, .1 poltt ic.1 ,. o l otlll'I'LIO, l' .1t · llll'SlliO a maneira de
111.1 l' l l' lill jl id,tdl', l'lllll' llllll llS l' j)lll'lll'l dt• t.dihlt' 'll llll'lll ,lllll',' 1 1 1,, ' " ' ' I 11 lllllllllo . No:;, v 11.10 eles, a grande mídia tradicional, tal
/'vl.i/'i p()l' 'IIII' l 'OII\l\,11' 11111 l'llS,lÍO sohrl' ,1 cxihit;:io d .l llllilllid ,idl' ll il '""" ,,/,• ptopltos Sl' mup:1111 de sublinhar. Os editores da revista res-
lllll' IIH'I dos primordios do séc ulo XXI ci tnndo as cxcc ntri c id :ltlcs de Ulll dt 11 ""' n illtlllt'llto innudito de conteúdo produzido pelos usuários da
filo sofo de finais do XJX? Talvez hnja um motivo v:1li - 1111 1111'1, <,t' J.l 11os hlogs, nos sites de compartilhamenro de vídeos como
do, qtll' permanecerá latente ao longo destas página s c procurar:) rccn - 11 , ,,11' 111lw ou nas redes sociais de relacionamento como o MySpace e o

lllllll.ll' seu se ntido antes do ponto final. Por enquanto, bastará tomar •IIII. Fm virtude desse estouro de criatividade (c de presença midiática)
dt \1111 ., t·lvmcntos dessa provocação que vem de tão longe, na tentativa '"'' .1q ucles que costumavam ser meros leitores e espectadores passivos ,
,J, .li p.11 .11 o nosso problema. Qualificadas então como doenças mentais 11 11 1 1 hl' ga do "a hora dos amadores". Por tudo isto, então, "por roma-
"" dt • vin'\ p.uológicos da normalidade exemplar, hoje a megalomania e 11
111 ,,.., rédeas da mídia global, por forjarem a nova democracia digital,
1 , , 1 c' lllllt id,H.lc não parecem desfrutar daquela mesma demonização. uu trabalharem de graça e superarem os profissionais em seu próprio
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I 111 11111.1 .ll mosfc ra como a contemporânea, que estimula a hipertrofia :1 personalidade do ano da Time é você", afirmava a revista. '

do t'll .I IL' o paroxismo, que enaltece e premia o desejo de "ser diferente" N.1s co memorJções pelo fim do Jno seguinte, um jornJI brJsileiro tJm-
,. "quvrcr sempre mais", são outros os desvarios que nos assombram. IH'lll decidiu colocar você como o principal protagonista de 2007, permi-
( ),,, ras são as nossas dores porque outras também são as nossas delícias, ltlldo que cada leitor fizesse sua própria retrospectiva anual através do
outras as pressões que cotidianamente se descarregam sobre nossos cor- ., ,,c do periódico na web. Assim, entre as imagens e comentários sobre
pos c outras as potências (e impotências) que cultivamos. grandes feitos c catástrofes ocorridos no mundo ao longo dos últimos
lJm sinal destes tempos foi antecipado pela revi sta Time, por si só um doze meses, no site do jornal O Globo apareciam fotografias de casa-
tl'o nc do arsenal midiático global, quando encenou seu costumeiro ritual lncntos de gente "comum", bcbês sorrindo, férias' em família e festas
tk escolha da "personalidade do ano" no final de 2006. Nessa edição, de aniversário, todas acompanhadas de legcndJs do tipo: "Neste ano, o
l riou-sc uma notícia que foi ecoada pelos meios de comunicação de todo Ilélio casou com a Flávia", " Priscila desfilou no Sambódromo", "Carlos
o planeta, e logo esquecida no turbilhão de dados inócuos que a cada dia conheceu o mar", ":Nlarta conseguiu vencer a sua doença", "\XTalter e
'\iio produzidos e descartados. A revista norte-americana vem repetindo Susana tiveram gêmeos".
essa cerimônia há quase um século, com o intuito de apontar "as pessoas Como interpretar essas novidades? Será que estamos sofrendo um sur-
que mais afetaram o noticiário e nossas vidas, para o bem ou para o mal, to de megalomania consentida e até mesmo estimulada? Ou, ao con-
IIH.:Orporando o que foi importante no ano". Assim, ninguém menos que trário, nosso planeta foi tomado por uma repentina onda de extrema
llitlcr foi eleito em 1938, o aiatolá Khomeini em J 979 c George W. Bush humildade, isenta de maiores ambições, uma modesta reivindicação de
rm 2004. E quem foi a personalidade do ano de 2006, de acordo com o todos nós e de "qualquer um"? O que implica esse súbito resgate do
rt·spcitado veredicto da Time? Você! Sim, você. Ou melhor: não apenas pequeno e do ordinário, do cotidiano e das pessoas "comuns"? Não é
l'ocê, mas também eu e todos nós. Ou, mais precisamente ainda, cada fácil compreender para onde aponta essa estranha conjuntura, que, me-
11111 de nós: as pessoas "comuns". Um espelho brilhava na capa da publi- diante uma incitação permanente à criatividade pessoal, à excentricidade
l ;lt,;ao e convida v a seus leitores a nele se contemplarem, como Narcisos e à procura constante da diferença, não cessa de produzir cópias e mais
s;llisfcitos de verem suas "personalidades" cintilando no mais alto pódio cópias descartáveis do mesmo. Mas o que significa essa repentina exalta-
d.1 mídia. ção do banal, essa espécie de reconforto na constatação da mediocridade
foram os motivos dessa curiosa escolha? Acontece que uocê c própria c alheia? Até mesmo a entusiasta revista Time, apesar de toda
t'll, todos nós, estamos "transformando a era da informação". Estamos a euforia com que recebeu a ascensão de você e a celebração do eu na

H 9
\\'1 h, .ldltlitÍ,t ljlll' l''i'•«' IIHIVIIIH 'IIIII 11 V1l.1 "1.1111!1 ,1 l11111 Í1 I' dI lllllltldtl!' lo l III li llltdt ,ll llll'i l' 'i'ol''i III IVO . . ,thl'l'lll lllll,\ i1tfi11idad'
11111111 .1 o;11:1 i:1". 110 1111 hilh.tll d.t 111 cjll«' «'1.1111 lllllll'll ll,tv ·is · pouco tempo c que agora são
11'1111'1 " I.IZl'llt ttos líllll 'tllar p ·lo futuro dn hlllll:tllid:tdv " , tll'rl :ll,ll'.tlll m; 111 11111 1111 ,1 s, t:111to para a invenção quanto para os conta-
t•tlitmi'S dn pub licação, e isso somente cm funçfío dos (.'rros til' ortogr:tfin, V.tl'i .ls v peri A :n ·ias cm andamento já confirmaram o valor
'•1'111 con siderar "a obscenidade c o desrespeito gritante" que também 1 l1 11d.t .thl'rt ;t para a experimentação estética e para a amp liação
1ll'.tllltt.ltlt abundar por esses territórios. 1111 1vr l. Por outro lado, porém, a nova onda também desatou uma
l'111 ttlll I:H.lo, parece que estamos diante de uma verdadeira "explosão 11·•11 .1d.t didcia na instrumenta lização dessas forças vitais, que são
"' p11HI11tividndc e inovação". Algo que estaria apenas começando, se- I llllll'llle capitalizadas a serviço de um mercado capaz de tudo devo-
"""" ,, '11111<', "enquanto mi lhões de mentes que de outro modo teriam " !'·" ·'convertê-lo em lixo. É por isso que grandes ambições e extrema
1 ""''""" 11 ;1 ·scuridão ingressam na economia inte lectual global". Até 11111111 de mãos dadas nesta insólita promoção de você c eu
11 , 111 ttlttllll :t 110vidade: já foi bastante comemorado esse advento de uma I"' w vspalha pelos novos circuitos interativos: glorifica-se a menor das
11 1 «' III pelas potencialidades das redes digitais, sob bandeiras i'' cjlll'ltczas, enquanto se parece buscar a maior das grandezas. Vontade
11111111 ·'" d.1 cibcrcultura, da inte ligência co lctiva c da reorganização rizo- .!1 pot ência e de impotência ao mesmo tempo? Mega lomania e despre-
llt ,Í I il .t da sociedade. Por outro lado, convém dar ouvidos também a ou- Para tentar sair desse impasse, pode ser insp irador indagar na
ti :11-> vozes, nem tão des lumbradas com as novidades e mais atentas para entre este quadro tão atual e aquelas intens idades "patológicas"
"''" l:tdo menos luminoso . Tanto na internet quanto fora dela, hoje a ll'lt' inflamavam a voz nietzschiana no fina l do sécu lo XIX, quando o
l .tp.tcidadc de criação é sistematicamente capturada pe los tentáculos do ltlosofo alemão incitava seus leitores a abandonarem sua humana peque-
tttn ·:tdo, que atiçam como nunca essas forças vitais e, ao mesmo tempo, 1\t'i', para ir além. Inclusive a lém do própr io "mestre", que não queria ser

n.i o ·cssam de transformá-las em mercadorias. Ass im, o seu potencial de ltt·m santo, nem profeta e nem estátua, propondo a seus seguidores que
tnvcnçno costuma ser desativado, pois a criatividade tem se convertido arriscassem, que o perdessem para se encontrarem, e, desse modo,
110 combustível de luxo do capital ismo contemporâneo: seu "protop las- que eles também fossem alguém capaz de se tornar "o que é". Qua l a
llt.t " ,como diria Suely Rolnik. 4 relação deste eu c deste você, tão venerados hoje em dia, com aquele
l•:nt retanto, apesar disso tudo e da evidente sangria que há por trás das alguém de Nietzsche?
" .t kg rias do markcting", sobretudo cm sua rei uzente versão interativa, os Algo se passou entre essas duas rea lidades, um acontecimento histórico
ptt'> prios jovens costumam pedir para serem constantemente motivados que talvez possa fornecer algumas pistas. O século passado assistiu ao
t• t•s timulados, como advertiu Gil les Deleuze nos inícios dos anos 1990. surgimento de um fenômeno desconcertante: os meios de comunicação de
nutor acrescentava que caberia a eles descobrir "a que são levados a massa baseados cm tecno logias eletrônicas. É muito rica, embora não tão
"l' l'vir " ; a eles, quer dizer, a esses jovens que hoje ajudam a construir esse longa, a história elos sistemas fundados no princípio de broadcasting, tais
ll'ltOiltcno conhecido como Web 2.0. A eles incumbe a importante tarefa como o rádio e a televisão, tipos de mídia cuja estrutura comporta uma
di' " inv ·ntar novas armas", capazes de opor resistência aos novos e cada fonte emissora para muitos receptores. Já nos primórdios do século XXI,
Vc''l. lllni s ardi losos dispositivos de poder; criar interferências, "vacúolos testemunhamos a consolidação deste outro fenômeno igua lmente desnor-
di' ll.tO-comunicação, interruptores", na tentativa de abrir o campo do teante: em menos de uma década, os computadores interconectados atra-
pn-.stvl·l desenvolvendo formas inovadoras de ser e estar no mundo. 5 vés das redes digita is de abrangência globa l se converteram em inesperados
' l:tlvez o novo fenômeno encarne uma mistura inéd ita e comp lexa des- meios de comunicação. No entanto, esses novos canais não se enquadram
'" " dtt.lll vvrtcntc. aparentemente contraditórias. Por um lado, a festejada de maneira adequada no esquem::t clássico dos sistemas broadcast. E tam-
.. ,. pltl' •. ln dt• l ri:tt ividnd " vincula-se a uma extraordinária "democrati- pouco são equiparáveis às formas /ow-tech da comunicação tradiciona l,

III li
ljlll' 1'1,1111 <fl',//l//,//t 1fllt', III lttlllll .1. 1 IIII 1 11 ltltlttll
lt lt'l',l.dn. ( >u :11Hin .Is lt'tll'., tl1g11.11., tlt• \ llllll!lllt .t<,.lll lt'll'l 1111 111 111,
do plnnet:l, tudo 'Oillt'<,Oll ,1 llllld,tl Vt'l tll',lltn'>.tlltt'lltt, , " ltlllllt
.tlltd.t promete outras metamorfoses. llll',IIHiro-. dt'""'' tlht'lt'o;p.t "ti
t'..,t.tl.t global germinam novas pdticas de dif1cil qualifi '.l<,.to, r1t :tli 1111 1 '' 111ltt tl 'll d dt' u •111 1llillwcs de Lli<írios, mais do que o dobro
ll.t..,U'Ill · ;1mbito da comunicação mediada por colllputndor. S.to riltl.ll l11 11 11,111 11111 ,11111 .1t 1,,.,,de acordo com os cadastros do banco de
], I'•LIIll\' variados, que brotam em todos os cantos do mundo L' nao I 11Í l" ..,o; ,t qll,llltltLHk tende a dobrar a cada seis meses, pois
tlt l',.tltll,ll' novos adeptos dia após dia. 11 .!1 1 ,ln t'llj',t'lldr:tdos cerca de cem mil novos rebentos, portanto
1'111111'11 o loi o correio eletrônico, uma poderosa síntese entre o tcldoiH' llflid" •1 ll.t '•tt'l t 1l ' " 11ovos blogs a cada dois segundos.
' 1 '1 ll1.1 t orrespondência, que se espalhou a toda velocidade na última I, 1 111 \t':t,, ,1., 11 ' 1'/JclllllS são pequenas câmeras filmadoras que permi-
.!1' 1tl .t, lllltll iplicando ao infinito a quantidade e a agilidade dos conta - 11 111 11111i1 :to vivo tudo o que acontece nas casas dos usuários, um

'" l' 111 "l'guida se popularizaram os canais de bate-papo ou chats, que 11 1111 1111 t'ttj :l., primeiras manifestações chamaram a atenção nos úl-
lllj',t> t'voluíram nos sistemas de mensagens instantâneas do tipo MSN ou 11111 lllllli do 'ol'Culo XX. Agora são vários os portais que oferecem
't.thoo Mcssenger; e em redes ele sociabilidade como Orkut, MySpace e lltll 1111 .1 111tlh.trcs de webcams de todo o planeta, tais como o Camvillc
1:.1ceBook. Estas novidades transformaram a tela de qualquer compu- tt I IIIIH .tlll. Mais recentemente surgiram os sites que permitem a
t;tdor cm uma janela sempre aberta e "ligada" a dezenas de pessoas ao !1'1' tt t t' troca de vídeos caseiros, uma categoria na qual o YouTube
1t1esmo tempo. Enquanto o portal de relacionamentos Orkut se tornou 1111.! 1 tllll'>titui uma das grandes coqueluches da rede: ao permitir expor
11111 fenômeno majoritariamente brasileiro, com cerca de 24 milhões de 1 'IIII 11m filmes gratuitamente, conquistou um sucesso estrondoso cm

usuârios desta nacionalidade (mais da metade do total), jovens do mun- tempo. Após ter sido comprado pela empresa Google por
do inteiro freqüentam e "criam" espaços semelhantes. Calcula-se que 11111 ttlllllt .tlltc próximo dos dois bilhões de dólares, o YouTube recebeu
pelo menos 60% dos adolescentes dos Estados Unidos, por exemplo, 11 111 1tlo de "invenção do ano", uma distinção também concedida pela

j:1 utilizam habitualmente essas redes. MySpace é a favorita cm escala 1 \' l'i l.l 'f'i111e no final de 2006. Hoje recebe cem milhões de visitantes por
global: com mais de cem milhões de usuários cm todo o planeta, cresce !1 11, q11t' assistem a setenta mil vídeos por minuto. Existem, ainda, outros
.1 um ritmo de trezentos mil membros por dia. Não é inexplidvel que 111 IIIL'llOS conhecidos que oferecem serviços semelhantes, tais como
l'<;Se serviço tenha sido adquirido por uma poderosa companhia de mídia lt 1.1Cnfc, BlipTV, Revver e SplashCast.
multinacional, em uma transação que envolveu várias centenas de mi- \lrm de todas essas ferramentas- que constantemente se espalham
lhocs de dólares. 1 tl.to à luz inúmeras atualizações, imitações c sucessoras - , existem
Outra vertente desta aluvião são os "diários íntimos" publicados na tllld,t outras áreas da internet onde os usuários não são apenas os pro-
w ·h, nos quais os usuários da internct contam suas peripécias cotidianas t•q•,onistas mas também os principais produtores do conteúdo, tais como
llsnnc.lo tanto palavras escritas como fotografias e vídeos. Trata-se dos 11s foruns c os grupos de notícias. Um capítulo à parte mereceriam os
f.t mosos weblogs, fotologs e videologs, uma série de novos termos de " lllll11dos virtuais" como Second Lifc, onde os usuários costumam passar
""o internacional cuja origem etimológica remete aos diários de bordo 111,ts horas por dia desenvolvendo diversas atividades on-linc, como se
111.111tidos pelos navegantes de outrora. É enorme a variedade dos estilos lt•v.tssem uma "vida paralela" nesses ambientes digitais. Entre os treze
1• l'it.,lllllos tratados nos blogs de hoje em dia, embora sejam maioria os 111ilhocs de habitantes atuais desse universo, os brasileiros constituem
ljlll t.,t•gu •m o modelo "confessional" do diário íntimo. Ou melhor: do 11111:1 das comunidades nacionais mais importantes; também aqui, porém,
tl1 111n t'. ·timo, de acordo com um trocadilho que procura dar conta dos 11'> 11umcros se dilatam e mudam sem cessar.
' l'r .11.1 '>t', t' lll 'illlllol 1 dl' IIII I Vl'l d,rdt•ir n l .rldt•lr ,1!1 dt • 1111\' ltl.tdt , qllt' )',,1 • '' IIII\ ' " " • '' •, 11 t' ll.llll o11 ll' lll.ll.llll ns v ·lhas artes da conversação?

rrlrn11 n po111poso rH>Illl' d · " n:voluçao d,t W ·h 2.. 0 " l' .tt.dH>II 11u' 1.!1 1111 llll'lltt·, vxrsl ' III pr·ofunda s afinicla les entre ambos os pólos de
Vt' r'tt•ndo nn s p ·rsonalidadcs do momento. Essa cx prcssao foi cunh <H.b '""" n p,tl'l's d · pdticas cu lturais acima comparados, mas também são
t'lll 2. 004, cm um debate do qual participavam vário representantes da ' "'' t,t :. .1 s s11ns diferenças c especificidades.
l ihn ' tritura, executivos e empresários do Vale do Silício. A intenção N.1s ultima s décadas, a sociedade ocidenta l tem atravessado um tur-
t'l ,I hntizar uma nova etapa de desenvolvimento da internet, após a lttd t• rtto processo de transformações, que atinge todos os âmbitos e leva
dt 'l t' P\':to gerada pelo fracasso das companhias pontocom: enquanto 11 1 .1 in sinuar uma verdadeira ruptura em direção a um novo horizonte.

1 l'lllllt'ir:t geração de empresas on-line procurava "vender coisas", a N I<> se trata apenas da internet e seus universos virtuais para a interação
\Xf, l1 ,() " ·onfia nos usuários como co-desenvolvedores". Agora a meta llttdt imídia. São inúmeros os indícios de que estamos vivenc iando uma
1 ''. qud.rr :ts pessoas a cr iarem e comparti lh arem idéias e informação", 1 poca limítrofe, um corte na história; uma passagem de certo "regime de

•''l', lllrdo reza uma das tantas definições oficiais, "equilibrando a gran- pndcr" para um outro projeto político, sociocu ltural e econômico . Uma
dt• dvrnnnda com o auto-serv iço". Essa peculiar combinação do velho 1r .1n sição de um mundo para outro: daquela formação histórica anco-
o, log:ln fa ça você mesmo com o novo mandato wzostre-se como for, 1itda no capitalismo indu strial, que vigorou do final do sécu lo XVIII até
poré m, vem transbordando as fronteiras da internet. A tendência tem rrtcados do XX- e que foi analisada por Michel Foucau!t sob o rótulo
l'Ontagi a do outros meios de comunicacão '
mais tradic ionais ' enchendo
.
de "sociedade disciplinar" - , para outro tipo de organização socia l,
pôginas e mais páginas de revistas, jornais e livros, além de invadir as que começou a se delinear nas últimas décadas. 6 Nesse novo contexto,
t ·la s do cinema e da televisão. te rras características do projeto histórico precedente se intensificam e
C ontudo, como afrontar esse novo universo? A pergunta é pertinente ga nham renovada sofisticação, enquanto outras mudam radicalmente.
porque as perplexidades são incontáveis, alimentadas ainda pela novi- Nesse movimento, transformam-se também os tipos ele corpos que são
d :H.lc de todos esses assuntos e pela inusitada rapidez com que as modas produzidos no dia-a-dia, bem como as formas de ser e estar no mundo
se instalam, mudam e desaparecem. Sob essa rutilante e nova lu z, certas que são "compatíveis" com cada um desses universos.
formas aparentemente anacrônicas de expressão e comunicação tradi- Como influem todas essas mutações na criação de "modos de ser"? De
c ionais parecem voltar à tona com uma roupagem renovada - como é que maneira elas acabam nutrindo a construção de si? Em outras pala-
o caso das trocas episto lares, dos diários íntimos e até mesmo das atá- vras, de que modo essas transformações contextuais afetam os processos
vicas conversas. São os e-mails versões atualizadas das antigas cartas, pelos quais a lguém se torna o que é? Não há dúvidas de que tais for-
aquelas que se escreviam à mão com primor ca ligráfico c atravessavam ças históricas imprimem sua influ ência na conformação dos corpos e das
·xtensas geografias encapsu ladas em envelopes lacrados? E os blogs, po- subjetividades: todos esses vetares sociocu lturais, cconôm icos c políticos
demos dizer que são meros upgrades dos velhos diários íntimos? Nesse exercem uma pressão sobre os sujeitos dos diversos tempos e espaços,
t::1so, seriam versões apenas renovadas daqueles cadernos de capa dura, estimulando a configuração de certas formas de ser e inibindo outras mo-
rabiscados à luz trêmula das candeias para registrar rodas as confissões dal id ades. Dentro dos limites desse território flexível e poroso que é o
· segredos de uma vida. Do mesmo modo, os fotologs seriam parentes organismo da espécie Homo sapiens, as sinergias históricas (e geográficas)
pró ximos dos antigos álbuns de retratos familiares. E os vídeos casei- incitam certos desenvolvimentos corporais e subjetivos, ao mesmo tempo
ros, que hoje circulam freneticamente pela rede, talvez sejam um novo que bloqueiam o surgimento de formas a lternativas.
tipo de cartões-postais animados, ou então anunciem uma nova geração Mas o que são exatamente as subjetivid ades? Como e por que alguém
do cinema e da televisão. Quanto aos diálogos digitados nos diversos se torna o que é, aqui e agora? O que nos constitui como sujeitos histó-
111 essengers com atenção flutuante e ritmo espasmódico, em que medida ricos, indivíduos singu lares, embora também inevitáveis representantes

,,, 15
de nossa ep(>lit, p.tttdh.IIHin 11111 11111\'tl ,, , 111t.t. 1.11 ,, '''' 111, 11l111 tl111111111111 1111\1111!11111 dt 'l ttl.t'i ltttlll.l., dr -;r t ,., ..,1.11 110 lllltlldo. E
sincráticas com nossos Sr .t-; '>llh)t'll\'ld tdt• .111 11111dt1 llll,lllllll 1111111 .lltll'lllt ,..,.,,,., suhJetivn s, para que suas
1 11 , ,,. 11 ., ,,.,.,,1111 opt'l.ll tOtll mnior didcia. Esse tipo de análise é o
de ser e estar no mundo, lon ge de toda t:sst:m:ia lix.t t' t•st.Ívt·l qut• 111111'11 1 11
ao "ser humano" como uma entidad e a-histórica de r ·levos IIH·t.d 11-.lt n , 1 ,,1, qu.11lo llt'S it' l".tso, pois permite examinar os "modos de ser" que
seus contornos são elásticos e mudam ao sabor das diversas 1r:tdlt,'IH' ,h ,, 11vnlvv•11 Jllllto as nova s práticas de expressão e comunicação via
cu lturai s. Portanto, a sub jetividade não é algo vagamente imaterial qur UI• ''"'· .1 fi111 de compreender os sentidos desse curioso fenômeno de
re side "dentro" de você, personalidade do ano, ou de cada um de 1/(k d11 ,ln d.t intimidade que hoje nos intriga.
Assim como toda sub jetivid:tde é necessariamente embodied, encarnad.t 1•11 llt'ssc mesmo nível analítico- nem singular, nem universal; mas
em um corpo, ela também é sempre embedded, embebida em uma cu ltu ,, 1i1 1t1.1r, hi stó rico, cultural - que Michel Foucault estudou os meca-
1
ra intersubjetiva. Certas características biológicas traçam e delimitam o " lltns de "disciplinamento" nas sociedades indu striais . Essa rede mi-
horizonte de possibilidades na vida de cada um, mas muito é o que essas '''I'olttica que o filósofo ana lisou envolve todo um conjunto de práticas
forças deixam em aberto e indeterminado. E é inegável que nossa experiên- ,11 lllrsos, que agiu sobre os corpos humanos dos países ocid enta is en-
cia também se ja modulada pela interação com os outros e com o mundo. ltt m séc ulos XVIII e XX, e que levou à configuração de certas formas
Por isso, é fundamental a pregnância da cultura na conformação do que .1, 1·r enquanto ajudava a evitar cuidadosamente o surgimento de outras
se é. E quando ocorrem mudan<;as nessas possibilidades de interação e '''"'l.tlidades. Foram engendrados, assim, ce rtos tipos de sub jeti vidades
nessas pressões históricas, o campo da experiência suh jeriva também se lllj\l'lllÔnicas da era moderna, dotadas de determinadas habilidades c
altera, em um jogo por demais complexo, múltiplo e aberto. lJ1Itdõcs, mas também de certas incapacidades e ca rência s. Segundo Fou-
Consid erando todas essas complexidades, se o objetivo é compreender 1utlt, nessa época foram construídos corpos "dóceis e úteis", organismos
os sentidos das novas pr3tic:ts que conso lid am o atual auge de exibi<;ão da ,,lpacitados para funcionar da maneira mais eficaz dentro do projeto hi s-
intimidade, como aborda r um ass unto tão delicado e atual? As expe ri ên- lllltCO do capita li smo industrial.
cias suhjetivas podem se r est ud adas em função de três grandes dimensões Mas esse panorama tem mudado bastante nos últimos tempos, e vá-
ou perspectivas diferentes. A primeira se refere ao nível singular, cuja tlm autores tentaram mapear o novo território, que ainda se encontra em
análise foca li za a trajctória de cada indivíduo como um sujeito único e ir- pkno processo de reordenação. Um deles foi Gi ll es Deleuze, que recorreu
repetível- é a tarefa da psicologia, por exemplo, ou até mesmo das artes. ,1 expressão "sociedades de controle" para designar o "novo monstro",
No extremo oposto a esse nível de análise estaria a dimensão lllziversal , omo ele próprio ironizou. Já faz quase duas décadas que esse filósofo
da subj etivid ade, que abrange todas as características comuns ao gênero francês descreveu um regime apoiado nas tecnologias elctrônicas e digi-
humano, tais como a inscrição corpora l de cada sujeito e s ua organização t.1is: um:t organização social ancorada no capita li smo mais desenvolvido
por meio da linguagem - este tipo de estudo é a tarefa da biologia ou da atualidade, que se caracter iza pela superprodução c pelo co nsumo
da lingüística, por exemplo. Mas entre essas duas abordagens extremas I'Xacerbado, no qual vigoram os serviços e os fluxos de finanças globais.
existe um nível intermediário: uma dimensão de aná li se que poderíamos lJm sistema articulado pelo marketing e pela publicidade, mas também
denominar particular ou específica, loca li zada entre os níveis singu la r c pela criatividade alegremente estimulada, "democratizada" e recompe n-
universal da experiência subj etiva, que visa detectar aque les elementos '>ada em termos monetários.
com uns a a lguns suj eitos mas não necessariamente inerentes a todos os Alguns exemplos devem ajudar a detectar os principais in gred ientes
seres humanos. Essa perspectiva contempla aqueles aspectos da subjeti- desse novo regime de poder. Um dos fund adores do YouTub e, sig nifi ca -
vidade que são c laramente cu lturais, frutos de certas pressões c fo rças tivamente presente no encontro do Fórum Econômico Mundia l, decla-
históricas nas quais intervêm vetares políticos, econômicos e sociais que rou que a empresa pretendia "partil har suas receitas" com os autores

17
16
dos v1deos 110 n 11.11 11111 d t lttlt' tttl 'l qtt• d1 Jlllltdll t1qd11 .111 lllllllll'lll'. ,. dn'i 111.11
lizar um filme de sua autoria no fa1noso JH>tl.tl " p.t'i'i,lt ,, ,, tt'll'ht•t p.ttll 1 tl\hltlt 1 l"'l 11111 l.tdtt, 11111.1 lt>nvm.H,:to irüonnal c csponlânca aos

das receitas publicitárias conseguidas com a cxibi<.:ao do SL' ll tr.th.tllto''. 1h1 I' 11 11 "po1tlill1.tt " :-. 11,1 S lllV ·nçocs ., por outro lado, as formalida-

De fato, outros sites similares implementaram tal sistema, c jn h:1 IL'ttl h p 11' 1111t tlltt t'lll dinheiro por parte da s grandes empresas, parece
pos compensam com dinheiro seus "colaboradores" mais populares.() tl1 11 ,1 dn tll')\ot'lll " novo regime. O site de relacionamentos
MetaCafc, por exemplo, assumiu o compromisso de pagar cinco dób J\, "d , pn1 l'Xl'lltplo, também resolveu compensar monetariamente
res a cada mil exibições de um determinado film e. Um dos I' ], 11.,11.1t1os que dese nvolverem recursos "inovadores c surpreen-
foi um especialista cm artes marciais que faturou dezenas de milhares 1 " 11 ' p. 11 ,t IIH.'Orporar ao sistema. Por isso, a idealização de pequenos
de dólares com seu brevíssimo vídeo, intitulado Matrix For Real, no tlt 1 1111.1., e outras ferramentas para esse site se transformou em uma
qual aparece fazendo acrobacias, que em poucos meses foi assistido por 11 I'",,,..,,, <lliv idade econômica, que inclusive chegou a motivar a aber-

cinco milhões de pessoas. 111 1 dt ' tursos específicos em institutos c universidades, como a presti-
As operadoras de telefone celulares também começaram a remunerar tl 1 '-,(.lnlord .
os lilml's produzidos por seus clientes com seus próprios aparelhos. Res- 1 o -.cmelhante acontece com alguns autores de blogs que são "des-
11
pondt•ttdo n divns:1s promoções e campanhas de marketing, os usuários pela mídia tradicional devido a sua notoriedade conquistada
t'tlvi.tnt os vtdcos para o sitc da operadora, onde o material fica disponí- lt, tttlnnct, sendo contratados para publicar livros impressos - co-
vel p:1rn quem quiser assistir. Os próprios clientes se ocupam de divulgar ttlu• 1dos como bloohs, pela fusão de blog e booh - ou colunas em
os vídeos entre seus contatos; em alguns casos, recebem créditos por 11 1•d.1s c jornais. Assim, esses escritores começam a receber dinheiro
cada filme baixado do portal, para serem investidos em outros serviços 11 1 1roca ele suas obras. Um caso típico é a brasileira Clarah Averbuck,
da mesma empresa. No Brasil, por exemplo, uma dessas companhias ·IIII' publicou três livros baseados em seus blogs, um dos quais foi adap-
oferece dez centavos de crédito por cada download dos filmes produzi- 1 tdn para o cinema. A autora defende abertamente sua opção: "Agora

dos por seus clientes, quantia que só pode ser resgatada uma vez que o , 11 vou escrever livros", declarou, "chega de blog, chega de escrever

montante ultrapassar duzentas vezes esse valor. Uma jovem de dezoito dt· graça, chega de gastar as minhas histórias". - No entanto, seu blog
anos foi uma das primeiras colocadas no ranking dessa empresa, cujo 1111
,da de nome e endereço mas continua exposto na rede: firme, forte
serviço leva o nome de Claro Video-Maker, tendo arrecadado cerca de 1
'ol'mp re atualizado, como mais uma janela para promover os outros
cem reais com suas criações. Do que se trata? Imagens que registram um pmdutos da sua marca. Parecido, talvez até demais, é o caso da ar-
acampamento com um grupo de amigos, por exemplo, e outras cenas da t•,t·ntina Lola Copacabana, que se considera "enjoada dos blogs" mas
vida adolescente. Uma concorrente dessa operadora telefônica resolveu .q.',radece o fato de ter sido "descoberta" e, por conta disso, ter passado
parafrasear um célebre manifesto das vanguardas artísticas de outros ,1 receber dinheiro para fazer o que gosta. "Escrevo os melhores mails
tempos para promover seu serviço, parodiando em tom bem contempo- do mundo", afirma sem falsas modéstias e com escasso risco de suscitar
râneo a famosa convocatória do Cinema Novo dos anos 1960: "Uma .tcusações de megalomania ou excentricidade, enquanto confessa ser
idéia na cabeça, seu Oi na mão ... e muito dinheiro no bolso." De modo "prostituta das palavras", visto que "desfruto escrevendo, por favor,
semelhante, com o anzol da recompensa monetária pela "criatividade" paguem-me para escrever " .'s
dos usuários, a empresa estimula o envio de filmes gravados com o celu- Esses poucos exemplos ilustram o complexo funcionamento do mer-
lar de seus clientes para o seu site, usando a conexão por ela fornecida cado cultural contemporâneo. São muito astuciosos os dispositivos de
e tributada. Assim, enquanto vocifera: "Você 11a tela!", acrescenta que poder que entram em jogo, ávidos por capturar todo e qualquer vestígio
"tem gente pagando pra ver"; e, a rigor, não parece faltar à verdade. de "criatividade bem-sucedida", a fim de transformá-lo velozmente em

19
r8
mercadoria. "Fazê-la trabalhar .1 s ·rvu,o d.1 .1l111111111 ,111 dt• 111 ti .. v.d1.1 '', 1111 ttllt 11 , 1 lllllllll' ,111 polll'll' nhvi 1: "()111'111 11,111 )',tlSt :ll1,1 dt• Sl'l' O :1111111•
diria Suely Rolnik. No entanto, essa tática costu111a ser .tnlt•ttlvllll'llll' 11111 1 .tp.ll dr lh1· Vt'Jilll' l t'SSl'S s;lp,llos ?"
solicitada pelos próprios jovens que geram essas criações, talvez SCI11 1 .tiiH' " s111111.11rs tllotiv.lt'l\111 que o valor do faceBook fosse calculado

compreenderem exatamente "a que são levados a servir", como intuí 111
q 11111 ; 1· hill10es de dólares, apenas três anos depois de seu nascimento
ra Deleuze há mais de quinze anos, antes mesmo da popularização dn (IIII!> 1 k sprcocupado hobby de um estudante universitário. No final de
já quase envelhecida Web 1.0. Na página inicial do Second Lifc, por IHI 7, qu :1ndo essa outra rede de relacionamentos já contava com rnats
exemplo, entre vistosos corpos tridimensionais e fragmentos de paraísos 11 1 milhões de usuários e crescia mais rápido que todas as suas
virtuais, não há muito espaço para sutilezas: constantemente é notificada ttll'orrentcs, ocupou espaço nos noticiários porque duas grandes em-
a quantidade de usuários que se encontram on-line em um dado momen- 1,11 ·•,,1.., da área, Google c Microsoft, disputaram pela compra de uma
to; no Indo dcssn cifra, com idêntico formato e propósito, o sitc informa I' 111 da mínima do seu capital: 1,6 % . Finalr11entc, a dona do W111dows
.1 qtl.ll1tid,1dt· dt· dólnrcs gnstos pelos fregueses do "mundo virtual" nas 1lll l'U a briga: após desembolsar mais de duzentos milhões de dóla-
1111 i111 p; .1.1 hot .t••. 11 .,, ustificou a transação aludindo ao potencial que o crescente número
1
1•,,, 11.1 '1 ' , ,1 t'llljlii 'S:1 q111' :tdlllinist ra o MySpace anunciou o lança- d1 11 suários do serviço representava em termos publicitários. No dw se-
"'' 11111 "" t 11 11o 11 "1"1VI<,<> de puhlicidnde direcionada, para cuja im-
1.,11111tc a essa aposta aparentemente desmesurada, o mercado financeir.o
1d111111tl1 111 11 ,,, lt'll>llt' .qK'tlas aos dados pessoais que compõem os p ovou a jogada: as ações da Microsoft subiram. Poucas semanas mats
1 1

I" til tlt• 'ii 11'• ll'.tl.lrtoo.,, 111as também a eventuais informações garimpadas 111
de, o FaceBook inaugurou um projeto apresentado como "o Santo
r' lll l'll 'i o.,ohrc gostos c hábitos de consumo. Assim, na primeira 1 , .1al da publicidade", capaz de converter cada usuá rio da rede em um
1
1,1.,1' d:1 vxpcriencin, a companhia classificou seus milhões de usuários 1
lt L,lZ instrumento de marketing para dezenas de companhias que ven-

t'lll dv:r. categorias diferentes, de acordo com seus interesses manifestos dt·m produtos e serviços na internet.
(1:1is como carros, moda, finanças e música), a fim de que cada um deles Esse inovador sistema permite o monitoramento das transações co-
pudesse receber publicidade sintonizada com suas potencialidades como 1nerciais realizadas pelos usuários da grande comunidade virtual, a fim
consumidor. Mas essa primeira classificação foi apenas o começo, segun- dr alertar seus amigos e conhecidos sobre o tipo de produtos que estes
do a própria empresa admitiu, destacando a novidade da proposta e as tompraram ou comentaram. De acordo com a empresa, a intenção dessa
grandes expectativas nela envolvidas. 1·stratégia é "fornecer novas formas de se conectar e partilhar informações
"Agora os anunciantes dispõem de muito mais do que simples dados ,
0111
os amigos", permitindo que "os usuários mantenham seus amtgos
demográficos extraídos dos formulá rios de cadastramento", explicou 1
nclhor informados sobre seus próprios interesses, além de servir como rc-
um dos membros da firma MySpace. Além do mais, os idealizadores Jo ll'rcntes confiáveis para a compra de algum produto". O novo mecanismo
projeto consideram que não se trata de nada invasivo para os usuários, de markcting também possibilita outras novidades: se um usuário compra
visto que estes podem optar por se tornarem "amigos" das empresas que um pacote turístico, por exemplo, a agência de viagens pode publicar uma
lhes agradam. "Muitos jovens não parecem ter instintos de proteção da foro do turista em plena viagem de férias como parte do seu "anúncio
privacidade", justificou outro especialista, enquanto previa lucros bilio- social", a fim de estimular seus conhecidos a comprarem serviços simila-
nários para o nascente behavioral targeting, ou envio de publicidade em res. "Nada influi mais nas nossas decisões do que a recomendação de um
função do comportamento. Um representante do MySpace ilustrou esse ,1migo confiável", explicou o diretor e fundador do FaceBook. "Empurrar
otimismo com o exemplo de uma usuária da rede social que gosta de uma mensagem para cima das pessoas já não é mais suficiente", acres-
moda e "escreve em seu blog acerca das tendências da temporada, ela centou, " é preciso conseguir que a mensagem se instale nas conversas".
chega inclusive a nos contar que precisa de um par de botas novas para o Assim, após ter comprovado que as recomendações dos amigos consti-

21
20
tuem " u_ma boa l11<.111<.!ira d 'SUSCitar d 'lll ,l lld ,t", :1 llo ,11\l'l,ll,olll dt• oiVI',cl
IJ III li oll 11111 I · I I " jll'ISIIII.\ I'll Ioll II··'' "
ljlll ' I 'il.l ,11111 ol llllll!\oll\1 O,.\',
pubhc1tanos tenta co locar esse valioso saber na prntic:t: " Os tllllllll'los di
11 IIII\' IH ,,d,t ·' '''"'/Jrllt'IIJ. A pnv.Htz:u;no dos espaços pCtblicos é
ng1dos não são intrusivos porque podem se integrar melhor nas convt:rsot-.
1111 t 1 1 l.ttt ' dt• ttllt.t ll'l'Scen te publicização do privado, um so lavanco
que os usuários já mantêm uns com os outros."
, 1,,,. d1• l.t:t.n tremer aque la diferenciação outrora fundamental. Em
Em alguns casos, os próprios autores de blogs se convertem em prota
1111 111 ,10 ., vertiginosos processos de globa li zação dos mercados em uma
go n1 stas an vos das campan has publicitárias, como aconteceu com a li
111 1,·11.tde altamente midiatizada, fascinada pela incitação à visibilid ade
nha de sandálias Me li ssa, comerc ia lizada por uma marca brasileira. Bem
i" 111 1111pério das ce lebridades, percebe-se um deslocamento daquela
no tom dos no vos vemos que sopram, porém, a firma prefere não falar
11 hlt 'l ividade "interiorizada" em direção a novas formas de
de publicitária, mas de um "projeto de comunicação e bran-
No esforço de compreend er estes fenômenos, alguns ensa1stas
dmg · A empresa esco lheu quatro jovens cujos fotologs faziam certo
t! 11 dnn à sociabi lidad e líquida ou à cultura somática do nosso tempo,
sucesso entre a ado lescente brasileiras, e as nomeou suas "embaixado-
,, 11 ,] 1• aparece um tipo de eu mais epidérm ico e flexível, que se exibe na
r.t'i";. /\l{o11t de divulgnr él marca cm seus foto logs, as meninas "colabora -
1 11 pnfície da pele e das telas. Referem-se também às personaltdades a/-
llo P '1ln'M,o de ç,·i,l<;no do ca lçado, incorporando tanto su:1s pró-
1 1, 1,/1rigidas e não mais introdirigidas, constr uções de SI onentadas para
':'' '• rd'''"" t ' gmlo-. qu,tllto ns opiniôcs deixadas pelos visitantes em seus
0111 , 1 1dhar alheio ou "exte riori zadas", não ma is inrrospect1vas ou Inttmis-
llt ' ( ' ,..,,,, l'\ll". llt'gi .t, a companhia anunc iante pretendia agrada r
1 " '· E, inclusive, são ana li sadas as diversas bioidentidades, desdobra-
"''1\lllt'lllo do Sl'll pLíhlico: <1 nova geração de mulheres adolescentes.
1 1111·1ttos de um tipo de subj etivid ade que se finca nos traços biológicos o u
l•n1 1111 '-llt'l''>.-.o: as quatro jovens se tornaram "celebridades da internet"
1111 aspecto físico de cada indivíduo. Por tudo isso, certos usos dos blogs,
L' "tl'liS foro logs receberam mais de dez mil visitantes por semana. Sem
lntologs, webcams c outras ferramentas como o Orkut e o YouTube senam
hn :t que estavam sendo levadas a servir (ou talvez sabendo muito bem),
, •., I ratégias que os suj eitos contemporâneos colocam em ação para res-
nsgarotas expressaram sua satisfação por participar de um projeto que
ponder a essas novas demandas socioculturais, balizando outras formas
"menmas comuns" em vez de profissionais. "Modelo, a lém
dv ser e estar no mundo.
ele na o ser real, às vezes nem gosta do que vende", explicou uma delas.
Entretanto, apesar do ve loz crescim ento dessas práticas, e em que pese
Contud o, não é apenas por todos esses motivos que se torna evidente
,1 euforia que costuma envolver todas essas novidades, sempre puxadas
a mscnção, nesse novo regime de poder, da parafernália que compõe a
pe lo alegre ent usiasmo midiático, algun s dados conspiram contra as es-
Web 2.0 e que converteu você, eu e todos nós nas personalidades do mo-
111 nativas mais otimi stas quanto ao "acesso universal" ou à " inclu são
ment?. Algo que certamente teria sid o impensáve l no quadro histórico
digita l". Hoje, por exemp lo, apenas um bilhão dos habitantes de todo
descnto por Foucault, no qual a "ce lebridade" era reservada para uns
0 planeta possuem uma linha de telefone fi xo; desse total, menos de um
poucos mu1to bem esco lhid os. As cartas e os diários íntimos tradicionais
quinto têm acesso à internet por essa via. Outras modabclades de co-
denotam sua filiação direta com essa outra formação histórica a "socie-
11cxão ampli am esses números, mas de todo modo contmuam ficando
dade di:ciplinar" do século XIX e início elo XX, que rígidas
(ora ela rede pelo menos ci nco bilhões ele terráqueos. O que não chega a
separaçoes entre o âmbito público e a esfera privada da existência, reve-
causar espanto se consid era rmos que 40% da população mundial, quase
renCiando tanto a lenura quanto a escrita silenciosa em reclusão. Apenas
três bilhões de pessoas, tampouco dispõem de um a tecnologia bem ma1 s
nesse solo mod erno, c uja vitalidade talvez esteja se esgotando hoje em
antiga e reconhecidamente mai s básica: o vaso san itário.
d1a , podena ter germ1nado aq uele tipo de subjetivid ade que alguns auto-
A distribuição geográfica desses privilegiados que possuem sen ha s de
res clenomtnam Homo psychologicus, Homo privatus ou personalidades
mtrodirigidas. acesso ao ciberespaço é ainda mais eloqüente do que a mera quantidade
jâ insinua: 43°;{) na América do Norte, 29% na Europa e 21% em boa
22

23
11 1. 1.1, "'' 11.1 .Ir Bttt'IIOS A11 L's; l'lltptanto 11 ·ssas áreas
parte da Ásia, incluindo os fortes nuttl ·ros do N1 .1 '''l ',tllt''> do 111 11
111 ·. .1 1 j,, 11 ul ,1 l.11g.t lt'lll 11111 :1 penetrn<,:ilo de 30%,, nas regiões mais
planeta, portanto, concentram-se nada menos que YJ'Y., dos us u.trios d:t 1111
rede globa l de computadores- e, portanto, daqueles que usufruem dns uht .1" 11111lt' do p.11s l'SS:I opçno não atinge sequer 1%.
maravilhas da Web 2.0 . A magra porcentagem remanescente respingn
III I .1 1 .,..,, •., d .tdos, p.Hece óbvio que não é exatamcnte " qualquer um"
nas amplas superfícies dos "países cm desenvolvimento", disseminada
IIII 1
1
111 ,tl V'>S<> a internet. Assim, embora dois t.erços dos cidadãos bra-
1\llllt ,, 111 .1is tenham navegado pela web e muttos deles sequer satbam
da seguinte forma: 4% na nossa América Latina, pouco mais de 1% no 1
Oriente Médio e menos ainda na África. Assim, no contrapelo das come-
ln q 111 • sv 1rata, se is milhões de blogs são desta nacionalidade, postcto-
1 !11 o Brasil como o terceiro país mais "blogueiro" do mundo. Porém,
morações pela da mídia", os números sugerem que as 111
qu co é um detalhe menor o fato de que dois terços desses autor;s
brechas entre as regiões mais ricas e mais pobres do mundo não estão di- 111 111
minuindo. Ao contrário: talvez paradoxalmente, pelo menos em termos
I digitais residam no Sudeste, que é a região mats nca do pats.
I ., , . -,c ntido, não convém esquecer que três quartos dos 774 milhões ele
n•giottnis l' geopolíticos, essas desigualdades parecem aumentar junto
'''''I ,to.; f.ttlt.tsticas possibilidades inauguradas pelas redes interativas. Até 11
1ttltm analfabetos que ainda há no mundo vivem em quinze países, e o
"lltlliiH'IIIo, por exemplo, apenas 15% dos habitantes da América Latina 1\ttl•.t lc um deles.
Po1 todos esses motivos, caberia formular uma deflnição mais precisa
11 111 .dg11111 ltpo de aceso à internet. Constatações dessa natureza levaram
l q 11 clcs personagens que foram premiados com tanto glamour como
1 ltllllllll :tr o conceito ele tecno-apartheid, que procura nomear essa nova 1 1
pnsonalidadcs do momento: você, eu e rodos nós. Se perststtrem as
l ,ttlogr:tli:l da Terra como um arquipélago de cid ades ou regiões muito 1
I llltdiçõcs atuais (c por que não haveriam de persistir?), dois terços da
til .1s, com forte desenvolvimento tecnológico e flnanceiro, em meio ao
pulação mundial nunca terão acesso à internet. E mais: uma boa
<H t':tno de uma população mundial cada vez mais pobre. 1111
,. rtc dessa gente "comum" sequer terá ouvido falar dos blogs ou do
t·:sse cenário global se replica dentro de cada país. No Brasil, por exem- 11
·1uzente YouTube, do Sccond Life ou do Orkut. Esses bilhões de pes-
plo, já existem quase quarenta milhões de pessoas com acesso à intcrnet, 11
•. o.ts, que no entanto habitam este mesmo planeta, são os "excluídos"
maioria concentrada nos setores mais abastados das áreas urbanas.
dos paraísos extratcrritoria is do ciberespaço, condenados à cinza imo-
Dessa quantidade, só três quartos dispõem de conexões residenciais, c de
htliclade local em plena era multicolorida do marketing global. E o que
fato são apenas vinte milhões os que se consideram "usuários ativos"; ou
1.tlvez seja ainda mais penoso nesta sociedade do espetáculo, onde só é
seja, aqueles que se conectaram pelo menos uma vc7. no último mês. Os
que se vê: nesse mesmo gesto, tal contingente também é condenado
números têm crescido e já representam uma quinta parte da população 11

nacional com mais de quinze anos de idade; no entanto, convém explici- .1 invisibilidade total.
Portanto, é impossível desdenhar a relevância dos laços incestuosos
tar também o que esse número berr::t em surdina: são 120 milhões os bra-
que amarram essas novas tecnologias ao mercado, instituição onipresen-
sile iro s que (a ind a?) não têm nenhum tipo de acesso à rede. Embora em
lt: na contemporaneidade, e muito especialmente na comunicação medta-
números absolutos o país ocupe o primeiro lugar na América Latina e o
da por computador. Laços que também as prendem a um projeto bem
quinto no mundo, se as cifras forem cotejadas com o total de habitantes,
o Brasil se encontra na 62·' posição do elenco mundial, e na quarta do já identificável: o do capita li smo arua l, um regime histórico que prcctsa de
certos tipos de suje itos para a lim entar suas engrenagens (e seus circuitos
relegado subcontinente. Na Argentina, por sua vez, calcula-se que sejam
integrados, e suas prateleiras e vitrines, e suas redes de relacionamentos
mais de quinze milhões os usuários da internct, o que representa 42% da
via web), enquanto repele ativamente outros corpos e subjetividades . Por
população nacional, porém as conexões residenciais não passam de três
isso, antes de investigar as sutis mutações nas dobras da intimidade, na
milhões; a maior parte dos argentinos só acessa esporadicamente, a par-
tir de cibercafés ou lan houses. Quase dois terços desse total se concen- dialética público-privado e na construção de "modos de ser", é preciso

25
24
desnatura lizar as novas praticas comu111 ';ltlv.ls. Algo qttt ' ,, t't.l pos-; t t•l lt 111t]ll .tqlltlt , r 11 1 /'tlt r' llliiVl'1ll'lldO 11 , \S p '1'S01l tdid ,l
'IIII ' l'';(.lll ..,l'

se desnudarmos suas raízes e suas implicações I , 111111111 11111, ltltllll.t ,t pt'1')J. \IIII.l inicinl: co mo alguém se torna o que
Longe de abranger todos nós como um harmonioso conjunto homo 1
11 1 ,t-.o, pl'lo IIH'IlOs, n internct parece ter ajudado bastante. Ao
gêneo e universal, cumpre lembrar que apenas uma porção da I il1l" d,t 11lltllt.1 dL'C<I da , a rede mundial de computadores tem dado à luz
média e alta da população mundial marca o ritmo dessa " revolu ção" de 1111 1111plo leque de pdti cas que poderíamos denominar "co nfessionais".
você e eu. Um grupo humano distribuído pelos diversos países do nosso ldliiH'" de usuôr ios de todo o planeta- gente "co mum", precisamente
planeta globalizado, que, embora não constitua em absoluto a maioria t1111! 1•11 ou você- têm se apropriado das diversas ferramentas dispo-
numérica, exerce urna influ ência muito vigorosa na fisionomia da cultura 1 , "' on -linc, que não cessam de surgir e se expandir, e as utilizam para

global. Para isso, conta com o inestimável apoio da mídia em escala pla- (IIII' publicamente a sua intimidade. Gerou-se, assim, um verdadeiro
n tária, bem como do mercado que valoriza seus integrantes (e somente 1 11 v.d de "vidas privadas", que se oferecem despudorada mente aos
vks) ;w defini -los co mo co nsumidores- tanto da Web 2.0 como de tudo 11llt.11t'S do mundo inteiro. As confissões diárias de você, eu e rodos nós
o 111.11 ..,, F pn•t is. lllH'lllt' esse grupo que tem liderado as metamorfoses do 1
1.1t> .1í, cm palavras c imagens, à disposição de quem quiser bisbilhotá-
Nigltdlt .1 itl)\tlt'lll L' logo ser eu ou você- ao longo ela nossa 11 ; h,1sta apenas um clique do mousc. E, de bto, tanto você como eu e
IIi ltl tÍ I ll ' l 1' 1111 '. ltHio.., nós costumamos dar esse clique.
Nt''i'tl' 111t".lllo "t' lll1do, um outro esclarecimento se impõe: a riqueza l1111to com essas instigantes novidades, vemos estilhaçarem-se algu-
d,t'i 1 ' IH '1t t' ll l l.t., suhjetiva s é im ensa, sem dúvida nenhuma. São incontá- 11t.t., premissas básicas da auroconstrução, da tematização do eu e da
Vt t'>, l' ltltttlo v.1 ri ;1dns, as estratégias individuais e colctivas que sempre •1>l l.lh ilidade moderna; e é justamente por isso que essas novas práticas
dr .... di .tnt :ts tend ênci as hcgcmônica s de construção de si. Por isso, pode lt'" ultam significativas. PorqLte esses rituais tão contemporâneos são ma-
ou>r rcr que certas a lu sões aos fenômenos c processos analisados neste 11ifl'staçõcs de um processo mais amplo, certa atmosfera sociocultural
ensaio pareçam reduzir a complexidade do real, agrupando uma diver- qul' os abrange, qu e os torna possíveis e lhes concede um sentido. Esse
si dad e incomensurável e uma riquíssima multiplicidade de experiências 1to vo clima de época qu e hoje nos envolve parece impulsionar certas
sob categorias amorfas como subjetividade contemporânea, mundo oci- 11 ;t nsforma ções que atingem, inclusive, a própria definição de você e eu.
dental, cultura atual ou todos nós. No entanto, a intenção deste livro é (\ rede mundial de computadores se tornou um grande laboratório, um
delinear certas tendências que se perfilam fortem ente em nossa sociedade tl'rrcno propício para experimentar e criar nova s subjerivid:1des: em seus
ocidental e globalizada, com uma ancoragem especial no contexto latino- 1ncandros nascem formas inovadoras de ser e estar no mundo, que por ve-
americano, cuja origem remete aos serores urbanos mais favorecidos em ;,cs parecem saudavelmente excê ntricas e megalomaníacas, mas outras
termos socioeconômicos: aqueles que usufruem de um acesso privilegia- vezes (ou ao mesmo tempo) se atolam na pequenez mais rasa que se pode
do aos bens culturais e às maravilhas do ciberespaço. A irradiação des- 1maginar. Como quer que seja, não há dúvidas de que esses reluzentes es-
sas práticas pelos diversos meios de comunicação, por sua vez, passa paços da Web 2.0 são interessa ntes, nem que seja porque se apresentam
a impregnar os imaginários globais com um denso reciclo de valores, como cenários bem adequados para montar um espetáculo cada vez mai s
crenças, desejos, aferos e idéias. Tais categorias um tanto indefinidas e estridente: o show do eu.
generalizadas são comparáveis - e por isso muitas vezes comparadas,
inclusive nestas páginas- àquilo que no apogeu dos tempos modernos
cristalizou em noções igualmente genéricas e vagas, tais como sensibi-
lidade burguesa e homem sentimental ou, mais especificamente :1inda,
Hom o psychologicus e personalidades introdirigidas.

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NIE'l'ZSCI I E, Fried ri eh. c· llu111o: Ullllo .dgllt'lll lc1111,1 c1
que é. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 17 .
2 FRANCO FERRAZ, Maria Cristina. Niet zsche, o /}lff;,r! rfu,
deuses. Rio de Janeiro: Relume Dumará, !994, p. 49-52.
3 GROSSMA , Lev. "Timc's person of the year: you". ln: 'l'i111e,
vo l. 168, n. 26. 25 dez. 2006.
4 ROLNIK, Sucly. "A vida na berlincb: como a mídia aterroriza
com o jogo entre subjetividade-lixo c subjetivicladc-luxo". ln: Trópico.
São Paulo: 2007.
5 DELEUZE, Gillcs. "Post-scriptum sobre as sociedades ele con-
trole". In: r:onuersações. Rio de .Janeiro: Fd. 34, 1992, p . 226.
6 fOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas
prisões. Petrópolis: Vozes, 1977.
7 Apud: AZEVEDO, Lucicne. "Blogs: a escrita de si na rede dos
textos". In: Matraga, v. 14, n. 21. Rio de Janeiro: UER.J, jul.-dcz. 2007,
p. 55.
8 Apud: VALLE, Agustín. "Los blooks y c l c1mbio histórico en la
escritura". In: Debate, n. 198. Buenos Aires: 29 dez. 2006, p. 50-1.

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