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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação

XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul – Cascavel - PR – 31/05 a 02/06/2018

O papel do futebol na construção da identidade nacional e do patriotismo brasileiro 1

Guilherme Coimbra de Paula SOUZA2


Universidade Positivo, Curitiba, PR

Resumo

Importado na Inglaterra e antes elitista, o futebol se popularizou e conquistou todo o país, se


tornando uma marca registrada do brasileiro. Virou também instrumento político na criação de
uma identidade nacional e no despertar de um sentimento de patriotismo em todo o povo,
mobilizando todo o país através da seleção brasileira. A consolidação do esporte e da equipe
nacional como um patrimônio da nação fez com que o país inteiro vibrasse em conquistas e
chorasse em derrotas, e faz até hoje com que a camisa verde e amarela seja um dos maiores
símbolos do orgulho brasileiro.

Palavras-chave: futebol; política; seleção brasileira; patriotismo.

1. Introdução

A relação entre futebol e patriotismo já é antiga no Brasil. Não é difícil, principalmente


em época de Copa do Mundo, ter a seleção brasileira como o simbolismo de orgulho e de
representação da pátria. Bandeiras nas sacadas e nos carros, a camisa amarela, rostos pintados
em verde, amarelo e azul. A cultura tupiniquim, desde o século passado, tem o esporte como
seu grande aliado nessa construção do sentimento de orgulho, de uma identidade de um povo,
que se reúne nos eventos esportivos para torcer por figuras que se tornam heróis nacionais por
representar o país. Essa relação se estendeu para muito além da bola, se transferiu para os seus
variados tamanhos, para as quatro rodas, para as pistas de atletismo, para as piscinas e os mais
variados terrenos de modalidades esportivas possíveis. Sentimento esse que fez um país inteiro

1
Trabalho apresentado para a disciplina de Pesquisa em Jornalismo, sob a orientação do professor Filipe
Bordinhão
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Estudante de Graduação, 7º semestre do curso de Jornalismo da Universidade Positivo, e-mail:
gui_coimbra94@yahoo.com.br

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ir para as ruas para comemorar conquistas como, por exemplo, os cinco títulos mundiais da
seleção brasileira de futebol, e também para lamentar tragédias como a morte do piloto Ayrton
Senna, em 1993, que abalou todo o Brasil. De conquistas memoráveis e tragédias lastimáveis,
esse sentimento de brasilidade nasceu de uma estratégia política, ainda no governo Getúlio
Vargas, que visava construir essa identidade de um povo através da seleção brasileira de
futebol. Curiosamente, em pleno Século XXI, essa estratégia continua dando certo. Nas
manifestações recentes que dividiram o país, era comum ver camisas da seleção pintando os
atos de amarelo, mostrando que, até os dias de hoje, ela ainda é o principal símbolo desse
patriotismo brasileiro.

2. O surgimento, a popularização e a consolidação do futebol no Brasil

Antes de falar sobre a popularização do esporte, é preciso compreender a chegada do


futebol, modalidade mais popular do planeta e grande paixão do povo brasileiro, que aconteceu
em meados do Século XIX no Brasil, importado da Inglaterra. Foi através do estudante
paulistano Charles Miller, filho de ingleses, que retornava em 1895 após um período estudando
em Southampton, que a bola começou a rolar pela primeira vez em terras tupiniquins. Segundo
Máximo (1999), em solo britânico o esporte já era uma obrigação nos recreios das escolas
desde 1840, quando o pedagogo Thomas Arnold aconselhou a rainha Vitória a proibir o mass
football3, por conta de sua violência excessiva. Com isso, foi criada uma versão mais saudável
deste esporte, originando o que os ingleses chamavam de the football, com 11 jogadores para
cada lado chutando a bola, com o objetivo de chutá-la ao gol adversário. Fascinado com esse
novo esporte, Miller trouxe uma bola em seu retorno ao Brasil e implantou aquele que se
tornaria décadas depois o esporte mais praticado e adorado do país.
Cinco anos depois da chegada de Charles Miller com a novidade, era fundado no Rio
Grande do Sul o primeiro clube de futebol brasileiro: o Sport Club Rio Grande4. O esporte não
demorou para tomar conta do país. A consolidação deste esporte coincidiu com um período em
que o país ainda engatinhava em sua política. Máximo (1999) lembra que o Brasil ainda
buscava seus caminhos na reta final do Século XIX, ainda com pouco tempo de Independência,
República e Abolição, fatos que marcaram aquele período. No entanto, mesmo com o fim da

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Segundo Máximo (1999), era uma antiga tradição inglesa, que consistia num jogo com duas equipes com cerca
de 50 pessoas para cada lado. Era disputado com bola de bexiga de boi, envolvida em couro, atirada pelo sapateiro
de Derby ao alto, na terça-feira de Carnaval (mais conhecida como terça-feira gorda), que deveria ser passada
pelas portas da cidade. Socos, pontapés e agressões eram permitidos.
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Clube de futebol da cidade de Rio Grande-RS, fundado em 19 de julho de 1900.

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Escravidão, ela seguia enraizada no povo brasileiro e fez com que o início do esporte no país
fosse restrito às elites. O football no Brasil foi direcionado à elite branca brasileira, seguindo os
passos do remo, esporte que até então era dominante e totalmente restrito aos negros e classes
mais pobres.
O panorama levou cerca de duas décadas para começar a mudar. Segundo Coelho
(2004), somente na década de 1920, quando o Clube de Regatas Vasco da Gama, do Rio de
Janeiro, quebrou as barreiras raciais para apostar em atletas negros dentro do seu plantel e se
sagrou campeão da segunda divisão carioca, que as mudanças puderam ser vistas no horizonte.
No entanto, a decisão cruz-maltina repercutiu mal nos demais clubes guanabaras. América,
Botafogo, Flamengo e Fluminense, clubes da elite branca carioca, tentaram excluir o Vasco das
competições.

Era a popularização que faltava. Os negros entravam de vez no futebol, tomavam a


ponta do esporte. O Vasco foi campeão carioca pela primeira vez em 1924, apesar da
oposição dos outros grandes, que sonhavam em tirá-lo da disputa alegando que o clube
dos portugueses e negros não possuía estádio à altura de disputar a primeira divisão. Os
portugueses construíram o estádio de São Januário e nunca mais saíram das divisões de
elite do país (COELHO, 2004, p.9).

Nesse mesmo período, o futebol conquistou cada vez mais o seu espaço e se tornava o
principal esporte do país. Ainda praticado de forma amadora no Brasil, a profissionalização só
teve o início na década de 1930. E foi justamente nessa época que sua força política passou a
ser conhecida. Segundo Mostaro (2012), era um período de crescimento acelerado da
industrialização e da urbanização, após estímulo do governo de Getúlio Vargas para a transição
da população do campo para a cidade. Mesmo que governando de forma provisória e com a
Constituição de 1934, Vargas precisaria ainda mais da unificação de todo o povo brasileiro em
torno de seus ideais após instauração do Estado Novo em 1937.

Os valores da pátria estavam no auge, sentimentos nacionalistas e de valorização


cultural pregavam um país com orgulho próprio, que precisava desprender-se do seu
passado, que não dependesse externamente de outros países na economia e tivesse uma
valorização e a consolidação de uma cultura nacional, o que apenas um Estado forte
seria capaz de fazer (MOSTARO, 2012, p. 16).

Com isso, Getúlio Vargas ganhou dois grandes aliados nessa criação de uma identidade
nacional e valorização da pátria: o rádio e o futebol. Com o esporte cada vez menos elitista e se
tornando cada vez mais de massa, o governo passou a transformar a figura dos atletas em

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verdadeiros heróis. Mostaro (2012) afirma que, após a Copa Rio Branco em 1932, vencida pela
seleção brasileira sobre o Uruguai, por 2 a 1, os jogadores foram recebidos pelo presidente na
Capital Federal, no Palácio do Catete. Dois fatores importantes passaram a se fortalecer desde
então: a profissionalização do esporte e a utilização deste como ferramenta para criar uma nova
nação.
A criação da Copa do Mundo acelerou este processo. O Brasil fracassou nas duas
primeiras disputas, em 1930 e 1934, mas viajou para a França, em 1938, com uma grande
expectativa de conquista. Esse sentimento foi ampliado com a ajuda do rádio, então veículo
midiático mais popular, que pela primeira vez faria a cobertura de um Mundial direto do solo
francês para os lares brasileiros.
Fraga (2006) destaca que a Copa do Mundo de 1938 teve um papel importante para esse
processo de massificação do esporte no Brasil. Mesmo já tendo conquistado os corações das
multidões, o futebol se popularizou ainda mais por conta da transmissão do rádio e da grande
expectativa que gerou em todo o povo brasileiro com a campanha da seleção nacional.

A popularização do futebol entre a camada social brasileira menos


privilegiada, contudo, parece ter alcançado um ápice durante a Copa do
Mundo da França, em 1938, a primeira edição deste certame transmitida ao
vivo para o Brasil através das ondas radiofônicas, e a figura do craque
Leônidas da Silva, àquela altura já uma figura de grande popularidade no país,
mobiliza verdadeiras multidões ao pé do rádio, celebrando um resultado final
de terceira posição que, ao fim, era nossa melhor participação nas três edições
que o torneio tivera até então. Assim, o que era símbolo de modernidade para
uma elite e fora apropriado pela coletividade acabava por se transformar em
sinônimo de brasilidade (FRAGA, 2006, p. 149).

Apesar do fracasso da seleção brasileira dentro de campo, o evento midiático criado


para a primeira Copa do Mundo transmitida pelo rádio foi um sucesso. Ortriwano (2000)
afirma que o povo se aglomerava no Largo Paissandu, no Rio de Janeiro, e na Galeria Cruzeiro,
em São Paulo, para acompanhar a participação do Brasil no torneio. Mesmo sem o título, que
não veio para o solo brasileiro, o país estava mobilizado em prol da seleção nacional e um ideal
de patriotismo começava a surgir, com auxílio do rádio e do futebol.
Aproveitando desse acontecimento, o governo Vargas usou o cenário de forma
favorável para fazer a política, criando o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), em
1939, para transmitir partidas de futebol através da Rádio Nacional. Segundo Mostaro (2012),
os discursos de Getúlio Vargas para os trabalhadores brasileiros eram transmitidos também
através do rádio, criando a identidade nacional através do veículo de comunicação. O discurso e
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o jogo de futebol eram transmitidos pelo mesmo lugar. A instantaneidade do rádio e a paixão
pelo esporte se tornaram ali grandes aliados do governo para botar em prática essa política de
instauração de um sentimento de patriotismo na população e assim a criação dessa identidade
nacional.

Em 1938, Getúlio Vargas tornou o time de futebol do Brasil símbolo de propaganda de


seu regime e do seu projeto de coesão social. Ele se inspirou no sucesso do fascismo
italiano de Mussolini na COpa de 1934, onde o Dulce usou a Copa descaradamente
como propaganda de seu regime, enaltecendo a disciplina e a eficiência como fator de
superioridade nacional, e em Hitler nas Olimpíadas de 1936, em Berlim, que só não
conseguiu o sucesso pretendido porque um negro americano chamado Jesse Owens se
encarregou de provar ao Füher que a raça ariana não era soberana (MOSTARO, 2012,
p.21).

Mostaro (2012) conta que, buscando o sucesso de sua estratégia, Getúlio Vargas
denominou José Maria Castelo Branco como chefe de delegação do Brasil na Copa do Mundo,
fazendo com que algumas preleções fossem realizadas ao lado da bandeira nacional. Alzira
Vargas, sua filha, foi denominada madrinha da seleção brasileira, e, por fim, as autoridades
locais dispensavam seus trabalhadores em dias de jogos da seleção brasileira - o que acontece
até os dias de hoje em dias de partidas do Brasil pela Copa do Mundo.
A popularização foi um sucesso cada vez maior e se tornou uma das estratégias políticas
de Vargas mais efetivas. Franzini (1997) destaca que o objetivo principal do governo era
associar elementos de cultura popular para instigar o sentimento de orgulho patriótico no povo
brasileiro e enxergou no futebol uma grande potência para mobilizar, por se tratar de um
esporte extremamente popular e com intenso apelo. Isso fez com que o futebol não só se
firmasse cada vez mais, mas como se tornasse algo como uma religião para o brasileiro. Um
dos mais icônicos cronistas esportivos de todos os tempos, Nelson Rodrigues definiu esse
esporte como “a coisa mais importante entre as menos importantes”, em uma frase que
eternizou quando o assunto é futebol.

Esse tipo de tratamento dado ao futebol não foi por acaso. Vargas, que afirmava que
“quando perde a Seleção, perde o país”, percebeu o potencial de mobilização que esse
esporte tem e o usou para implementar a política nacionalista de seu Governo, criando
um patriotismo em torno do esporte, que dura até hoje na sociedade brasileira. Foi a
primeira Copa que todo o país acompanhou ao vivo pelo rádio, trazendo a emoção que
faltara nos dois mundiais. Essa Copa entra para a história não só pelas ambições de um
governante de se aproveitar do esporte, mas também por mostrar que pelo rádio um país
inteiro estava mobilizado por um ideal (MOSTARO, 2012, p.27).

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No entanto, a estratégia de Vargas teve de ser interrompida por conta da Segunda


Guerra Mundial, que paralisou a realização da Copa do Mundo por uma década. Depois de
1938, a competição só voltaria a ser disputada em 1950, que marcou uma nova estratégia de
Vargas. Segundo Salomão (2012), por não se tratar de uma nação afetada internamente pela
guerra, o Brasil foi escolhido como país-sede da Copa do Mundo na volta das disputas, tendo a
Suíça como anfitriã para a edição seguinte.

3. A mobilização do povo e o trágico fracasso dentro de casa

Com a realização do Mundial em solo brasileiro, a obrigação passou então a ser a


conquista da primeira Copa do Mundo de futebol. Máximo (1999) afirma que a expectativa
acerca da seleção brasileira fazia com que o título se tornasse uma espécie de termômetro. “Era
isso que iria dizer se éramos ou não uma grande nação” (MÁXIMO, 1999, p.186).
Para a disputa do torneio, foi construído o Estádio do Maracanã, com capacidade para
200 mil pessoas, a maior praça esportiva do mundo naquela época. Lá era o palco dos sonhos
para o Brasil dominar o mundo pela primeira vez e mostrar que a estratégia política de Vargas
era o trampolim para o país figurar de vez como uma grande potência no cenário mundial.
A seleção brasileira venceu dois jogos na primeira fase, contra México (4 a 0) e
Iugoslávia (2 a 0), e empatou com a Suíça (2 a 2), chegando como a grande favorita na fase
final. Na segunda parte, o favoritismo prevaleceu e foram foram duas goleadas sobre Espanha
(6 a 1) e Suécia (7 a 2). Os dois resultados fizeram com que o Brasil chegasse para a partida
final, diante do Uruguai, apenas para confirmar o que todos já esperavam e levantar a taça do
Mundial.
Os dias que antecederam aquela partida foram de uma grande festa e expectativa para o
grande momento esperado, fazendo com que a delegação brasileira fosse tratada como
verdadeiras celebridades. Gilardi (2008) afirma que a importância daquela decisão de torneio
levava todos os dias políticos à concentração para oferecer, além de compensações financeiras,
também cargos públicos em troca da conquista do título mundial.

Os jogadores eram chamados de heróis nacionais e “deuses” do futebol. A concentração


dos jogadores assistiu a um desfile interminável de políticos, jornalistas, modelos,
empresários e todo tipo de gente que nada, diretamente, tinha a ver com a partida
(SALOMÃO, 2012, p. 34).

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No entanto, dentro de campo, diante de 200 mil pessoas, a história foi diferente. O
Brasil chegou a abrir o placar, aumentando ainda mais a expectativa de que seria uma vitória
fácil. Mas o Uruguai estragou a festa brasileira. Em questão de minutos, os uruguaios
marcaram dois gols, viraram o placar e venceram a partida, desbancando o favoritismo
brasileiro e transformando a tarde que era para ser de festa em uma imensa tragédia.
A derrota catastrófica frustrou em partes o plano do governo de tentativa de afirmação
nacional, mas mostrou o imenso poder do futebol diante do povo, de causar sentimentos de
euforia em vitórias e de tristeza nas derrotas. Estava, de uma vez por todas, o futebol marcado
como um simbolismo da nação e a seleção brasileira como um dos maiores patrimônios do
país.

4. Os cinco títulos mundiais e a importância da seleção para o povo brasileiro

Demorou para as lágrimas de tristeza se tornarem choro de alegria e o trauma do


Maracanaço5. Em 1958, depois de uma atuação apagada em 54, o Brasil chegou comandado
pelo jovem Pelé, então com apenas 18 anos, e conquistou pela primeira vez o título mundial na
Copa do Mundo da Suécia. Através do rádio, o povo brasileiro escutou a façanha de Pelé e seus
companheiros na goleada sobre os anfitriões, por 5 a 2, que deu o primeiro título à seleção.
Quatro anos depois, regido por Mané Garrincha, o Brasil encantou novamente o mundo e
conquistou o bicampeonato, desta vez no Chile. Menos de uma década, com o Esquadrão que
encantou o planeta, a seleção brasileira de 1970 conquistava em solo mexicano o
tricampeonato, se tornando a maior vencedora da história das Copas do Mundo. Ali, nessas três
conquistas, estava finalmente conquistado e cada vez mais consolidado o desejo de transformar
a seleção brasileira em símbolo do patriotismo.

Ganhar uma Copa do Mundo passou a ser, desde nosso terceiro lugar na de 1938, uma
espécie de termômetro: era isso que iria dizer se éramos ou não uma grande nação.
Claro, não pensavam assim os mais lúcidos, os mais bem informados, os que viam o
Brasil com olhos que não os do torcedor. Mas para este, ser campeão mundial era o
atestado de nossa grandeza. Motivo de ter ele encarado como tragédia nacional a derrota
para os uruguaios em 1950, em pleno Maracanã erguido justamente para festejarmos a
vitória. Motivo também de duvidarmos de nosso talento, de nossos brios, de nosso

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Tradução do “Maracanazo”, como os uruguaios chamaram aquela conquista da seleção celeste e a trágica derrota
do Brasil na Copa do Mundo de 1950, fazendo alusão ao Estádio do Maracanã, palco da disputa.

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patriotismo, quando da derrota para os húngaros em 1954. Os equívocos se repetiriam


até nos tão ansiados dias de glória, as conquistas de 1958, 1962 e 1970. “Com o
brasileiro não há quem possa...”, cantava-se após a primeira. “Ninguém segura este
país!”, exclamava-se depois da última (MÁXIMO, 1999, p. 186).

Esse sentimento de superioridade, trazido pelas três conquistas da seleção brasileira,


fizeram, inclusive, que a conquista da afirmação nacional gerasse uma confusão em seu
verdadeiro sentido, transformando a seleção brasileira e o país em um só, conforme afirma o
autor:

Muito tempo passaria até que o torcedor brasileiro começasse a perceber que a seleção
brasileira era uma coisa e o Brasil, outra. Que o futebol, eterna paixão, não era o que o
dramaturgo Nélson Rodrigues rotulou de “a pátria em chuteiras”. Era, sim, um
brinquedo levado muito a sério (MÁXIMO, 1999, p. 186).

Tal sentimento fez com que o povo vibrasse em conquistas históricas como o
tetracampeonato, em 1994, e o pentacampeonato, em 2002, como tratasse com frustração as
trágicas perdas, como em 1982, no fracasso daquela que é chamada por muitos até os dias de
hoje como a melhor seleção brasileira de todos os tempos. O vice-campeonato de 1998, na
derrota para a anfitriã França, por 3 a 0, na grande final, também foi outro acontecimento que
ficou marcado na memória do torcedor brasileiro como uma das grandes perdas da história do
esporte bretão.

5. Conclusão

A estratégica política do governo Vargas, na década de 1930, transformou o futebol,


através da imagem da seleção brasileira, como uma ferramenta da criação da identidade
nacional e do sentimento de patriotismo no povo brasileiro, reunindo sentimentos distintos nos
acontecimentos marcantes da sua história, como tristeza em derrotas e alegria nas conquistas.
Não à toa, os cinco títulos mundiais conquistados pela seleção canarinho são motivos de
orgulho para o povo, como algo único, que faz do Brasil superior a qualquer país do mundo
quando o assunto é futebol. Mas engana-se quem acha que esse sentimento ficou no passado. A
seleção brasileira é, até os dias de hoje, um dos maiores símbolos de patriotismo. Em época de
Copa do Mundo, até mesmo aqueles que não gostam do futebol se reúnem para acompanhar a
saga da equipe nacional em busca de mais uma conquista no certame. A seleção brasileira se
tornou patrimônio de um povo, de uma nação, tendo na sua camisa amarela um dos grandes
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símbolos do país, assim como a bandeira nacional. Não é difícil, em manifestações políticas,
ver pessoas trajando o uniforme da seleção como forma de patriotismo, mostrando o seu amor à
pátria e às cores da bandeira. Talvez, em um país cercado de problemas em sua estrutura
política, a seleção ainda seja uma das poucas ferramentas capaz de mobilizar todos os 200
milhões de brasileiros em prol de um único ideal.

Referências bibliográficas

COELHO, Paulo Vinicius. Jornalismo esportivo. 2.ed São Paulo: Contexto, 2004.

FRAGA, Gerson Wasen. Onde os jacarés não andam pelas ruas: A imprensa e os motivos da
realização da Copa do Mundo de 1950 no Brasil. Rio Grande do Sul. Dissertação de doutorado
PPGH/UFRGS. 2006.

FRANZINI, Fábio. Corações na ponta da chuteira: capítulos iniciais da história do futebol


brasileiro (1919-1938). Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

GILARDI, Juan José Torres. 1950: o olhar da imprensa. Revista Contemporânea, n. 10, v. 1, 2008.
Disponível em: <http://www.contemporanea.uerj.br/pdf/ed_10/contemporanea_n10_juan_gilardi.pdf>.
Acesso em: 24 de junho de 2018.

MÁXIMO, João. Memórias do futebol brasileiro. Revista Estudos Avançados, v. 13, n. 37, p. 179-
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MOSTARO, Filipe Fernandes Ribeiro. 1938: a estreia do rádio brasileiro em Copas do Mundo. In:
RANGEL, Patrícia; GUERRA, Márcio (Org.). O rádio e as Copas do Mundo. Juiz de Fora: Juizforana
Gráfica e Editora, 2012. Cap. 1. p. 15-28.

ORTRIWANO, Gisela Swetlana. França 1938, III Copa do Mundo: O rádio brasileiro estava lá.
São Paulo, 2000. Disponível em: <http://www2.eca.usp.br/pjbr/arquivos/23o07.PDF.pdf>. Acesso em:
14 de junho de 2018.

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SALOMÃO, Mozahir. A Copa de 1950 e o futebol como acontecimento midiático eletrônico. In:
RANGEL, Patrícia; GUERRA, Márcio (Org.). O rádio e as Copas do Mundo. Juiz de Fora: Juizforana
Gráfica e Editora, 2012. Cap. 2. p. 29-44.

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