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12/06/2023, 08:01 A monocultura do futebol no Brasil: uma análise sociológica

A monocultura do futebol no Brasil: uma análise sociológica


La monocultura del fútbol en Brasil: un análisis sociológico
The soccer monoculture in Brazil: a sociological analysis

Grupo de Pesquisa Interdisciplinar de Sociologia do Esporte William Cloudes Galhardo  


  LUDENS, USP Marco Antonio Bettine Almeida
(Brasil) marcobettine@gmail.com  
 
Resumo
          Há quase um século o futebol é o esporte mais praticado e popular no Brasil. Este esporte se popularizou no país na mesma época em que esta modalidade
esportiva começou a se difundir pelo mundo, tendo como país de origem a Inglaterra. Começou a ser praticado no Brasil no final do século XIX, principalmente
pelas pessoas pertencentes a classes sociais mais abastadas em virtude de ser muito praticado nas escolas de elite. Logo o esporte difundiu-se nas camadas mais
pobres, sendo praticado principalmente pelos operários que trabalhavam nas indústrias. No início do século o Brasil era um país sem identidade nacional, recém-
saído da escravidão, povoado por vários imigrantes vindos de diversos continentes, principalmente da Europa e África. O futebol foi uma das primeiras ferramentas
que deram unidade ao sentimento de nacionalismo brasileiro, pois foi um dos primeiros esportes que fez com que toda a população se unisse na torcida por um
time que representava o país internacionalmente. Este trabalho teve como objetivo analisar sociologicamente a influência do futebol na sociedade brasileira, os
motivos para esse fenômeno e as conseqüências dessa difusão. Foram analisadas as obras de sociólogos como Norbert Elias, Eric Dunning, entre outros a fim de
procurar explicações sociológicas para o que denominados de “Monocultura do futebol no Brasil ”.
          Unitermos: Monocultura. Futebol. Brasil. Sociologia. Norbert Elias,
 
Resumen
                  Por casi un siglo el fútbol fue el deporte más practicado y popular en Brasil. Este deporte se hizo popular en el país, al mismo tiempo que comenzó a
extenderse por todo el mundo, siendo Inglaterra su país de origen. Comenzó a practicarse en Brasil en el siglo XIX, sobre todo entre las personas que pertenecían a
las clases sociales más acomodadas en virtud de ser muy practicado en las escuelas de élite. Rápidamente, el deporte se extendió a los más pobres, y era
practicado principalmente por obreros que trabajaban en las fábricas. A principios de siglo, Brasil era un país sin identidad nacional, recién salido de la esclavitud,
  poblado por muchos inmigrantes de diversos continentes, especialmente en Europa y África. El fútbol fue una de las primeras herramientas que dieron unidad al  
sentimiento de nacionalismo brasileño, ya que fue uno de los primeros deportes que hizo que toda la población se uniese en la hinchada de un equipo que
representó al país a nivel internacional. Este estudio tuvo como objetivo analizar la influencia sociológica del fútbol en la sociedad brasileña, las razones de este
fenómeno y las consecuencias de esta difusión. Se analizaron los trabajos de sociólogos como Norbert Elias, Eric Dunning, y otros para buscar explicaciones
sociológicas para lo que se llama "La monocultura del fútbol en Brasil".
          Palabras clave: Monocultura. Fútbol. Brasil. Sociología. Norbert Elias.
 
Abstract
          For nearly a century football is the sport most played and popular in Brazil. This sport became popular in the country at the same time that this sport began
to spread around the world, with the home country England. Began to be practiced in Brazil in the late nineteenth century, particularly among people belonging to
the wealthier social classes by virtue of being much practiced at elite schools. Soon the sport spread to the poorer, being practiced mainly by laborers working in
industries. At the beginning of the century, Brazil was a country without national identity, fresh out of slavery, populated by many immigrants from various
continents, especially Europe and Africa. Football was one of the first tools that gave unity to the feeling of Brazilian nationalism, because it was one of the first
sports that caused the entire population to join in cheering for a team that represented the country internationally. This study aimed to analyze the sociological
influence of football in Brazilian society, the reasons for this phenomenon and the consequences of this diffusion. We analyzed the works of sociologists such as
Norbert Elias, Eric Dunning, and others to seek sociological explanations for what they called "Monoculture of football in Brazil."
          Keywords: Monoculture. Soccer. Brazil. Sociology. Norbert Elias.
 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 179, Abril de 2013. http://www.efdeportes.com/

1/1

Introdução
      O esporte teve sua origem nos jogos e brincadeiras, sendo parte da cultura mundial. Por suas características,
celebrava a perfeição do corpo, sua força e beleza. Já o esporte moderno caracteriza-se pela racionalidade, balizado
em medidas, recordes e igualdade de chances, como teorizado pelo sociólogo alemão Norbert Elias. Dessa forma, o
esporte atual abandonou o caráter religioso e lúdico de sua origem. Com esse processo de racionalização, o esporte
passou a ser regido por inúmeras regras que visavam aumentar a competitividade e diminuir a violência,
principalmente os coletivos, tudo isso sem perder a catarse que o esporte provoca nas pessoas, uma vez que é este
sentimento que atrai a grande maioria das pessoas para a prática de esportes ou simplesmente para assisti-los e
torcer por seu time preferido.

      Diante desse cenário esportivo, uma das modalidades que mais se destaca é o futebol, possuindo grande
popularização no mundo todo, sendo praticado tanto profissionalmente como de forma amadora. Em alguns países o
futebol está profundamente inserido como parte da cultura de seu povo, como no Brasil, Argentina, Itália e Alemanha,
apenas para citar alguns exemplos. Segundo DUNNING (1999) o que faz com que as pessoas nutram grande interesse
pelo futebol ainda nos dias de hoje decorre da necessidade que populações de todo o mundo possam buscar
atividades de lazer que lhes propiciem um tipo de excitação não encontrada mais nas sociedades atuais.

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    O futebol atual, altamente organizado, com regras claramente definidas, praticado por pessoas de todas as classes
sociais é o produto final (pelo menos até o momento) de um jogo que surgiu no século XIV, mais especificamente no
ano de 1314, data dos primeiros registros documentais sobre o assunto. Segundo DUNNING1, já naquela época, o
futebol era praticado por muitas pessoas, que se utilizavam dos campos públicos da Grã Bretanha medieval para a sua
prática. A maioria dos países aceita que o futebol surgiu na Inglaterra, entretanto, a Itália é uma exceção a esta regra.

A chegada do futebol ao Brasil

    Por ter se tornado um jogo muito popular na Inglaterra era esperado que ele ultrapassasse as fronteiras desse país
e, seguindo a expansão do capitalismo, o futebol, como os produtos ingleses também foram disseminados pelo
mundo. O que existia de mais moderno vinha normalmente de Londres, os sports e os exercícios físicos seguiram o
mesmo caminho. Esta influência esportiva fica caracteriza quando observamos os nomes de vários times de futebol
sul-americanos, entre eles Boca Juniors, Banfield, River Plate, Véles Sársfield, todos na Argentina; Arsenal do Mato
Grosso, Corinthians de São Paulo, Tranwais de Pernanbuco, times brasileiros, Sporting Cristal no Peru, entre outros
(JUNIOR, 2007). O pontapé inicial no esporte que se tornaria a paixão nacional faz parte de uma história oficial
pontilhada de características quase míticas. Miller retornou em 1894 trazendo em sua bagagem um verdadeiro arsenal
litúrgico: dois uniformes, um par de chuteiras, duas bolas, uma bomba de ar, um livro de regras e o desejo quase
apostólico de desenvolver o esporte entre os seus pares.

    Outro personagem foi o carioca Oscar Cox que conheceu o futebol no período em que estudou em Lausanne, na
Suíça, e quando voltou ao Brasil em 1897, também trouxe uma bola de futebol. Salvador, Recife, Belo Horizonte e São
Luiz também tiveram brasileiros que, ao retornarem do exterior, trouxeram junto com eles a prática do futebol. Isso
ocorreu na virada do século XIX para o XX. Podemos concluir que o inicio do futebol no Brasil não foi um fenômeno
isolado, mas sim de âmbito nacional.

    Cabe salientar que apesar da implantação do futebol ter sido rápida e descentralizada, esta não foi fácil, esbarrando
em vários problemas como, surgimento e encerramento breve das atividades dos clubes que praticavam o futebol,
dificuldade de aceitação do empate, uma vez que os brasileiros não estavam acostumados com esportes em que não
houvesse vencedores ao término, como o turfe, muito praticado no inicio do século XX.

      O Estado que primeiro teve clubes intensamente dedicados ao futebol foi São Paulo. Entre a última década do
século XIX e início do século XX, já havia 5 times na cidade, sendo eles: São Paulo Athletic, Associação Athletica
Mackenzie College, Sport Club Germania, Sport Club Internacional e Club Athletico Paulistano. Todos eram
freqüentados pela alta sociedade paulista, principalmente os imigrantes mais abastados. Em 1901 surgiu a primeira
Liga de Clubes do país, que no ano seguinte promoveu o primeiro Campeonato Paulista de Foot-ball.

    Ainda no ano de 1901, outro momento marcante ocorreria, um jogo entre times de São Paulo e Rio de Janeiro. Foi
a primeira partida interestadual realizada no Brasil. A partir daí, seguindo o exemplo de São Paulo, começaram a surgir
os primeiros clubes de futebol do Rio de Janeiro, sendo o Rio Football Clube o primeiro a ser fundado, em 1902. Na
seqüência, fundado por Oscar Cox, surgiu o Fluminense Football Club. Com isso, o Rio de Janeiro foi o segundo estado
a tirar o futebol do patamar de mero divertimento. Também nesse estado, o jogo era praticado primordialmente pelas
camadas mais abastadas da sociedade. Aos poucos, o futebol superou em prestígio outros esportes mais tradicionais
como o turfe, ciclismo e Remo. Com isso, clubes que inicialmente dedicavam-se a estes esportes, passaram a priorizar
o futebol nos anos seguintes, tais como o Clube de Regatas do Flamengo e o Clube de Regatas Vasco da Gama.

    Um personagem importante na difusão do futebol pelos quatro cantos do Brasil foi o Rádio. Este importante meio
de comunicação, imprescindível no início do século passado e ainda muito popular nos dias atuais, encarregou-se de
democratizar o acesso ao futebol. Antes do rádio, as pessoas ficavam sabendo dos resultados dos jogos pelos jornais
ou por comentários das pessoas. Com o aparecimento desta nova tecnologia, as pessoas que moravam distantes dos
gramados, podiam acompanhar “ao vivo” a transmissão de uma partida. Apesar da imprensa escrita já existir e
divulgar as notícias sobre futebol, o rádio era capaz de transmitir a emoção do jogo. As primeiras transmissões
ocorreram no inicio da década de 1930 e aproximaram ainda mais as pessoas de seus clubes. (JUNIOR, 2007)

    Décadas depois, outro instrumento modernizou ainda mais as transmissões, a televisão, que tornou possível ver em
tempo real uma partida. Entretanto, quando do surgimento deste aparelho, o futebol já estava plenamente difundido
no país.

    Apesar do inicio do futebol nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro ter ocorrido pelas mãos das pessoas mais
abastadas da sociedade, logo o futebol se difundiria também para as camadas menos favorecidas. Em 1906 já havia

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mais de 30 clubes de futebol no Rio de Janeiro, mesmo fenômeno pode ser observado em São Paulo. Movimentos
semelhantes ocorreram em vários estados brasileiros.

    Para as pessoas pertencentes às classes dominantes da sociedade brasileira, a prática do futebol era uma forma de
se ligar aos costumes europeus, representado neste caso pela Inglaterra, principal difusora do futebol no mundo. Mas,
incrivelmente, o futebol também se difundiu entre a classe operária, em equipes estruturadas e mantidas pelas
empresas que estes operários trabalhavam. Tudo isso quebrou a barreira social na prática do futebol.

      O início do século XX foi marcado por um Brasil que ainda procurava sua identidade. Havia muitos imigrantes
europeus chegando, milhares de descendentes africanos oriundos do período de escravidão, além da própria
população brasileira. Diante deste dilema, o futebol acabou colaborando na formação da identidade nacional uma vez
que uniu todos os que aqui moravam diante de um novo sentimento, o de nacionalismo decorrente de representação
esportiva.

    Naquele meio social bastante heterogêneo e fragmentado por interesses regionais, a construção da nacionalidade
brasileira teve no futebol um de seus primeiros alicerces. Os embates com times estrangeiros e as primeiras partidas
da seleção brasileira alimentaram, em todos os setores sociais, certa dose de patriotismo e de sentimento de unidade,
ainda que transitória e circunscrita à realização das partidas. Em 1914, um combinado Rio-São Paulo derrotou a
equipe inglesa do Exeter City por 2 a 0, no estádio lotado das laranjeiras, naquele que é considerado o primeiro jogo
da seleção brasileira.

    Mas faltava algo para dar uma identidade nacional ao esporte. Foi quando em 1915 foi fundada no Rio de Janeiro a
Confederação Brasileira de Desportos (CBD) com o objetivo de congregar os interesses das diversas ligas e federações
esportivas dos estados, podendo dessa forma, representar oficialmente o Brasil junto à Federação Internacional de
Football Association, a FIFA.

    Em 1919 o Brasil participou de uma competição entre os times nacionais Sulamericanos. Com participação pífia nos
anos anteriores, em 1919 o Brasil conseguiu chegar a final, enfrentando justamente o Uruguai, campeão das duas
competições anteriores. O jogo ocorreu na Cidade do Rio de Janeiro e foi um verdadeiro acontecimento. Pessoas de
todas as partes da cidade dirigiram-se até as Laranjeiras para tentar acompanhar o jogo que se realizaria no novo
Estado do Fluminense. Foi um jogo difícil, que chegou até a prorrogação, mas o Brasil venceu. A notícia rapidamente
se espalhou pelo país, transformando os jogadores em heróis e espalhando manifestações de orgulho patriótico por
todos os cantos na nação. Provavelmente este foi o primeiro momento em que se pode observar tal manifestação, o
que só aumentou com o decorrer dos anos.

      Nas Copas do Mundo, o Brasil começou a se destacar já na copa de 1938, ocorrida na França onde a seleção
brasileira passou a ser “notada” no exterior, tendo dois jogadores consagrados, Leônidas da Silva e Domingos da Guia
(PRIORE e MELO, 2009). Outro momento de destaque da seleção foi na Copa do Mundo de 1950, ocorrida no Brasil,
quando acabou perdendo na final para o Uruguai. A partir desse momento a copa passou a ser o palco de união
nacional, é o período de recriação do sentimento de pertencimento comum, no caso, o sentimento de pertencer a um
país vitorioso, um país que pode (ainda que apenas no futebol) subjugar os países desenvolvidos.

      Outro fator que exerce grande atração nas pessoas quanto ao futebol, tanto no Brasil quanto no mundo, é sua
imprevisibilidade de resultados (JUNIOR, 2007). Esta imprevisibilidade ocorre inclusive quando uma das equipes é
mais fraca que outra. Estudos realizados nos EUA indicam que, no futebol, o time mais fraco ganha em 45% das
vezes. Não é de se estranhar que este esporte cresceu tanto no Brasil. Num país onde a desigualdade social é muito
grande, com a maioria de sua população constituída de pobres e classe média baixa, fica fácil entender porque um
esporte onde as chances de vitória de ambos os lados são praticamente as mesmas teve grande aceitação por quase
toda a população.

    Cabe salientar que esse fenômeno de formação de identidade de um país utilizando-se do futebol, como ocorreu
com o Brasil e Uruguai, não tem mais ocorrido nos países que adotaram o futebol a partir da segunda metade do
século XX. Podemos citar como exemplo a Austrália e os Estados Unidos onde a implantação do futebol não acarretou
tal fenômeno social (GIULIANOTTI, 2010).

    Povos do mundo todo possuem rituais festivos, alguns praticados por muitos países como as festas natalinas nos
países cristãos, outras presentes em apenas alguma comunidades. O Brasil, tradicionalmente, é um país festivo com
várias datas comemorativas durante o ano. Há o carnaval, onde o país para por praticamente uma semana. Há as
festas de fim ano – natal e ano novo – onde grande parte das pessoas passa a última quinzena de dezembro em
férias, viajando ou simplesmente aproveitando os feriados. Outro período de grande festa para o povo brasileiro ocorre

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durante a realização da Copa do Mundo de Futebol, normalmente no mês de junho ou julho, a cada quatro anos.
Durante os jogos do Brasil na copa o país praticamente para.

    Mais uma vez podemos perceber a presença da válvula de escape citada por Elias. As festas são o momento em
que a pessoa deixa de lado, ainda que momentaneamente, algumas regras sociais, tudo isso num ambiente permitido
para tal e onde mais pessoas estão fazendo a mesma coisa. Alguns códigos sociais e morais presentes quando se
come, bebe, veste e fala, são deixados de lado ou modificados para permitir uma maior interação e identificação entre
as pessoas. O futebol é um exemplo claro disso. Quando as pessoas vão ao estádio, usam o uniforme de seu time,
deixando de lado as roupas do dia a dia. Come-se e bebe-se de forma mais liberal, aumentando principalmente a
ingestão de bebidas alcoólicas. Uso de expressões verbais que não usariam corriqueiramente, como xingamentos,
insultos e palavras de ordem. Tudo isso dentro de um ambiente permitido, que é o estádio de futebol. O limite de toda
essa liberalidade é a violência. Tais violações de conduta só são reprimidas quando não descambam para a violência.
Todo esse clima de festa que envolve o futebol também foi outro fator que ajudou muito na difusão do futebol por
todo Brasil.

Futebol é igualdade social e democracia

      Uma das hipóteses possíveis de serem observadas no futebol é o caráter igualitário que impõe às partes. Não
importa o status social, todos começam em pé de igualdade. O que irá diferenciar cada um durante o jogo é a
habilidade e capacidade de cada um, o que colaborará para a vitória de seu time ao final. Segundo GUTERMAN, 2006,
p. 17:

      Além de ser um mecanismo de atuação coletiva, o futebol no Brasil serve para proporcionar a
sensação de vitória às classes que não conhecem outras formas de vencer em meio a um profundo
desnível de oportunidades. Mas seu principal trunfo, segundo DAMATA, 1994, é proporcionar à
sociedade brasileira “a experiência da igualdade e da justiça social”, porque, “produzindo um espetáculo
complexo, mas governado por regras simples, que todos conhecem, o futebol reafirma que o melhor, o
mais capaz e o que tem mais mérito podem efetivamente vencer.

    Se existem um esporte onde a meritocracia está presente é o futebol, onde praticamente não existe a possibilidade
de um time vencer se não por seus próprios meios. Segundo GUTERMAN, 2006:

    ... ter relações privilegiadas, pertencer a uma família importante, possuir títulos acadêmicos, conhecer
pessoas influentes e poderosas – elementos que garantem poder e ascensão social no Brasil – não tem
nenhuma importância ou lugar dentro do campo de futebol.

    Segundo DAMATTA, 1994, Nesse sentido profundo, portanto, o futebol nos dá uma potente lição de democracia,
pois, vendo nosso time jogar, as leis têm de ser obedecidas por todos, são universais, são transparentes, e há um juiz
que as representa no calor da disputa. Alem disso fica assegurado que, diferentemente da experiência política
corriqueira, as regras não podem ser mudadas nem por quem está perdendo nem por quem está ganhando. (...) No
futebol, portanto, não há golpes.

    Pelo fato de no Brasil haver uma parcela grande de pessoas que querem sempre levar vantagem sobre tudo, seja
na política ou na vida privada, um esporte onde não há possibilidade de favorecimentos acabou por exercer um
fascínio muito grande sobre os brasileiros. É o palco onde o povo brasileiro tem a possibilidade de sentir o que viver
harmonicamente com as demais pessoas, respeitando o direito de todos e reconhecendo os resultados, sejam eles
quais forem. Acaba vivendo em campo (ou nos estádios) o que gostaria de viver na vida cotidiana.

    Segundo DAMATTA, 1994: Jogado com os pés, o futebol fica menos previsível, o que faz com que nele se insinuam
as idéias de sorte, destino, predestinação e vitória. Com isso, pode-se imediatamente ligar futebol com religião e
transcendência no caso brasileiro, algo muito mais raro de ocorrer quando se trata de modalidades esportivas como o
voleibol, a natação ou o atletismo. Alem disso, o uso do pé, diferentemente do uso das mãos, obriga a inclusão de
todo o corpo, salientando sobretudo as pernas, os quadris e a cintura, essas partes da anatomia humana que, no caso
da sociedade brasileira, são alvo de um elaborado simbolismo.

      Ficou claro até aqui como o futebol acabou por ser tornar o esporte preferido da maioria dos brasileiros.
Primeiramente pelas próprias características do futebol, por ser um esporte onde há imprevisibilidade de resultados, o
que acaba por prender a atenção daqueles que o assistem. Trata-se também de um esporte onde as pessoas podem
agir de forma mais liberada em relação aos comportamentos que adoram no cotidiano. Gritar, xingar, torcer, sofrer,
subestimar o adversário, etc., são todos comportamentos permitidos no futebol, cujo templo é o estádio. É o local
onde as pessoas liberam suas emoções, a verdadeira válvula de escape citada por Elias, para liberação das emoções

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reprimidas. É um espaço democrático onde há igualdade social. É um esporte barato, de regras fáceis e objetivos
imediatamente identificáveis (GUTERMAN, 2006). A semelhança do evento futebol a uma festa, também contribuiu
para esta difusão no Brasil. Todas as pessoas gostam de participar de festas, local onde podem dançar, beber um
pouco mais que na vida cotidiana, conversar assuntos diversos, exagerar um pouco na comida, etc. O futebol no Brasil
é conseqüência de um processo civilizador que se iniciou no final do século XIX e ainda está em andamento. Foi
inicialmente praticado no Brasil como uma atividade lúdica. Os bons resultados nas primeiras competições
internacionais, o surgimento de vários bons atletas, a necessidade que o país tinha no início do século XX em formar
uma identidade, as diferenças entre classes sociais, entre outros motivos, fizeram com que o futebol atingisse o status
de esporte nacional, uma atividade que representa o Brasil no mundo. Quando alguém identifica um brasileiro em
suas viagens ao exterior, estes logo são associados a jogadores famosos como Pelé, Ronaldo, Kaká, entre outros. Essa
associação do futebol com identidade nacional prevalece até os dias atuais.

    O futebol se adaptou ao capitalismo de consumo presente hoje na maioria dos países e também no Brasil. E essa
união deu certo, pelo menos para os empresários. O futebol movimenta hoje 3% do PIB Europeu (JUNIOR, 2007)
(não há dado semelhante sobre o Brasil, mas podemos supor que os números não sejam tão diferentes). Os salários
pagos aos melhores atletas hoje no Brasil estão mais próximos do que é pago na Europa. Cita-se muito a Europa
quando se fala em futebol, pois é o continente onde o futebol é mais praticado profissionalmente em todo mundo,
alem de possuir também algumas das equipes mais tradicionais no futebol internacional como Alemanha, França,
Espanha, Itália e Inglaterra. Todos esses países citados, também possuem uma economia bastante voltada para o
esporte. Só no ano de 2005, o futebol movimentou cerca de 250 bilhões de dólares em todo o mundo (JUNIOR, 2007,
p. 179). Segundo o Jornal “O GLOBO”, a venda de televisões durante os meses que antecedem uma copa do mundo,
chega a aumentar em até 110% no Brasil2. Times tradicionais como Palmeiras e Corinthians, da capital paulista,
chegam a vender mais de um milhão de camisas oficiais do time durante um ano (vendas de 2010)3. O custo
estimado para a realização da Copa do Mundo da África do Sul, foi de aproximadamente 3.2 bilhões de euros4.
Segundo JUNIOR, 2007, o futebol se revela, de um lado, coerente com o capitalismo, sistema baseado no risco
(concorrência, Bolsa, flutuação monetária); de outro lado, mecanismo compensatório diante de um mundo cada vez
mais globalizado, mecanizado e em vários aspectos previsível.

    Não há dúvida que um dos grandes personagens responsável pela dimensão que o futebol atingiu no Brasil foi a
mídia, seja impressa, televisiva, falada (rádio) e, mais recentemente, a internet.

      As pessoas são bombardeadas diariamente com notícias sobre futebol. Praticamente todos os telejornais
transmitidos diariamente possuem uma parte dedicada ao esporte, em especial sobre o futebol. Quase todos os
jornais possuem um caderno específico dedicado ao esporte e, dentro deste caderno, uma boa parte também é
dedicada ao futebol. Não se pode esquecer também das transmissões, ao vivo ou não, das partidas de futebol pelo
rádio ou pela televisão. Há programas especializados em comentar os jogos após o seu término. Tais programas
comentam o desempenho individual dos jogadores, do clube, repetem infinitas vezes os melhores lances das partidas,
explicam regras, entre outras coisas. O brasileiro consome diariamente um grande volume de informações sobre o
futebol. Segundo GASTALDO, 2005, “a audiência global da final da Copa do Mundo de 2002, por exemplo, foi estimada
em mais de um bilhão de pessoas. No Brasil, a audiência média de jogos da seleção brasileira em copas do mundo
supera os 100 milhões de espectadores”.

Considerações finais

      Buscou-se com esse trabalho entender um pouco sobre o fenômeno do futebol no Brasil, analisando-se
principalmente os motivos que elevaram este esporte a um patamar jamais alcançado por nenhum outro. O futebol faz
parte hoje da cultura do brasileiro, uma cultura tão forte a ponto de podermos dizer que, pelo menos no campo dos
esportes, existe uma monocultura do futebol no Brasil.

Notas

1. GEBARA, Ademir. PILATTI, Luiz Alberto - Coleção Norbert Elias – V.2 – Ensaio sobre história e sociologia nos esportes, 1Ed, Fontoura, p. 48.

2. Site do Jornal o Globo, “Com vendas aquecidas para a Copa, já faltam TVs e camisetas da seleção”, pesquisado em 26/10/2011 as 16h, em
http://oglobo.globo.com/economia/mat/2010/05/18/com-vendas-aquecidas-para-copa-ja-faltam-tvs-camisas-da-selecao-916622605.asp

3. Site Novo Momento, pesquisa em 26/10/2011, http://oglobo.globo.com/economia/mat/2010/05/18/com-vendas-aquecidas-para-copa-ja-faltam-


tvs-camisas-da-selecao-916622605.asp

4. Site Futebol Finance, pesquisa em 26/10/2011, http://www.futebolfinance.com/quanto-custa-um-mundial-de-futebol-da-fifa

Referências

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ELIAS, Norbert; DUNNING, Eric. A busca da excitação. Lisboa/PORTUGAL: Ed. Difel, 1985.

FREIRE, J.B, Pedagogia do Futebol. Campinas: Ed. Autores Associados, 2006

GEBARA, Ademir. PILATTI, Luiz Alberto - Coleção Norbert Elias – V.2 – Ensaio sobre história e sociologia nos
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GIULIANOTTI, Richard. Sociologia do Futebol – Dimensões Históricas e socioculturais do esporte das multidões.
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JUNIOR, Hilário F. A dança dos deuses – futebol, sociedade, cultura. São Paulo: Ed. Companhia das Letras,
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PAES, R.R, Educação Física Escolar: o esporte como conteúdo pedagógico do ensino fundamental. Campinas,
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PRONI, Marcelo Weishaupt; LUCENA, Ricardo de Figueiredo. Esporte, História e Sociedade. Campinas: Ed
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