Processo e sucessão de eventos em que é difícil estabelecer um fator determinante para a
irreversibilidade da lesão; Se ocorre no organismo vivo e é seguida de autólise (degradação enzimática de componentes celulares por enzimas da própria célula liberadas por lisossomos), o processo recebe o nome de necrose; O termo não pode ser utilizado para indicar a morte celular que acompanha a morte do indivíduo (morte somática); É um mecanismo sempre passivo, sendo relacionado à alteração de membrana (fato que desperta resposta inflamatória) e de organelas. Quando ocorre por processo ativo no qual a célula sofre contração e condensação de suas estruturas, fragmenta-se e é fagocitada por células vizinhas, não ocorrendo autólise, é chamada apoptose. NECROSE Quando a agressão é suficiente para interromper funções vitais, os lisossomos perdem a capacidade de contenção de hidrolases e elas saem para o citosol, sendo ativadas na presença de altas concentrações de cálcio; Os lisossomos contêm hidrolases capazes de digerir praticamente todos os substratos celulares. Aspectos morfológicos: Macroscópicos: áreas de necrose possuem aspectos particulares conforme sua natureza; A região de necrose isquêmica em órgãos de circulação terminal adquire coloração esbranquiçada e torna-se tumefeita; Na necrose anóxica de órgãos com circulação dupla, há extravasamento de sangue a partir do vaso não obstruído e a área comprometida adquire aspecto vermelho sangue; A necrose caseosa tem aspecto de “massa de queijo”, esbranquiçada e quebradiça; Na sífilis, as lesões necróticas tomam o aspecto de goma – necrose gomosa; Na necrose liquefativa, o tecido é digerido até a liquefação, ficando muito mole. Microscópicos: As alterações só podem ser observadas algum tempo após ocorrida a morte celular, sendo o tempo variável de tecido para tecido; nesse sentido, o emprego de métodos bioquímicos envolvendo enzimas pode facilitar o diagnóstico; Picnose nuclear: intensa condensação e contração da cromatina, tornando o núcleo basófilo, de aspecto homogêneo e bem menor; Cariólise: digestão da cromatina, que não permite mais a distinção do núcleo nas colorações de rotina; Cariorrexe: fragmentação do núcleo e dispersão de seu conteúdo no citoplasma; Esses três processos são derivados do abaixamento excessivo do pH na célula morta e da ação de desoxirribonucleases e de outras proteases que digerem a cromatina; Com a evolução da necrose, o citoplasma toma aspecto granular e tende a formar massas amorfas, devido ao rompimento de membranas e mistura de material citoplasmático e nuclear. Causas e tipos: Necrose coagulativa: Células apresentam citoplasma com aspecto de substância coagulada (citoplasma acidófilo e granuloso); Nas fases iniciais, os contornos são nítidos; mais tarde, toda a arquitetura tecidual fica perdida; A área atingida é esbranquiçada; A causa mais frequente é a isquemia (anóxia); contudo, condições como presença de ácidos ou bases fortes e queimaduras também podem desencadeá-la; Macroscopicamente, há presença de halo inflamatório, que é mais claro quando a necrose é tardia e mais escuro, quando precoce; a longo prazo, há formação de cicatriz tecidual, com fibrose e retração do parênquima; Comum em doenças pulmonares e cardíacas, nas quais há insuficiência dos órgãos. Necrose por liquefação: A zona necrótica adquire consistência mole; É comum após anóxia no tecido nervoso, na suprarrenal e na mucosa gástrica. Necrose purulenta: inflamação aguda devido à infecção; há presença de pus, o que confere ao tecido coloração amarelada; Quando no pulmão, é comum que ocorra fenômeno de “hepatização”, no qual o órgão passa a ter aspecto endurecido e mais semelhante ao parênquima hepático. Necrose fibrinoide: ocorre em vasos sanguíneos; No estômago, é comum a necrose por estresse violento orgânico (ex: trauma), na qual um desequilíbrio entre ácido e muco leva à lesão de vasos e à formação de áreas escurecidas em que há pontos hemorrágicos; Geralmente observada em reações imunes que envolvem vasos sanguíneos (depósito de imunocomplexos); A lesão vascular leva ao extravasamento de sangue e, nele, fibrina, conferindo aos vasos aparência amorfa e róseo brilhante, caracterizada como “semelhante à fibrina”. Necrose por esfaleco (ou lítica): denominação dada à necrose de hepatócitos em hepatites virais, que sofrem lise devido à ação de células CD8; Necrose caseosa: A área necrosada adquire aspecto macroscópico de massa de queijo; Microscopicamente, há transformação de células necróticas em uma massa homogênea, acidófila, com núcleos picnóticos e em cariorrexe; É comum na tuberculose, mas pode também ser encontrados em doenças como paracoccidioidomicose e tularemia; É concomitante à formação de granulomas, estruturas formadas por componentes do sistema imune e seus produtos para contenção da agressão; Composição: macrófagos e seus derivados (epitelioide, células gigantes), linfócitos e seus derivados, ativação do complemento. Necrose gomosa: variedade de necrose coagulativa em que o tecido assume aspecto compacto e elástico (em forma de goma) ou fluido e viscoso (em forma de goma arábica), sendo observada na sífilis terciária; Citoesteatonecrose: Forma de necrose que compromete adipócitos; É comum na pancreatite aguda, principalmente na necro-hemorrágica; Por ação de lipases, os TAGs sofrem saponificação na presença de sais alcalinos, originando depósitos esbranquiçados (precipitações insolúveis) ou manchas com aspecto de “pingo de vela”; Geralmente ocorre deposição de cálcio nessas lesões, o que confere aspecto endurecido. Evolução: Regeneração: Quando o tecido que sofreu necrose possui capacidade regenerativa, os restos celulares são absorvidos e fatores de crescimento são liberados por células vizinhas e leucócitos infiltrados; Tal condição ocorre no fígado, por exemplo, se as zonas de necrose são pequena; Se a necrose é extensa, a trama reticular sofre colapso e os hepatócitos, mesmo que regenerados, não conseguem organizar-se no lóbulo hepático, distorcendo a arquitetura do órgão. Cicatrização: Processo no qual o tecido necrosado é substituído por tecido cicatricial; Inicialmente, são liberadores mediadores químicos que se difundem para o tecido adjacente não lesado, nele iniciando alterações vasculares e exsudativas necessárias à reabsorção de restos celulares; Surge então uma reação inflamatória, com prostaglandinas, peptídeos básicos, fibrinopeptídeos, ativação do sistema gerador de cininas, ativação de C3, liberação de quimiocinas, indução da resposta imunitária contra antígenos liberados pelas células mortas; Então, anticorpos e células T sensibilizadas atuam na remoção do tecido opsonizando estruturas e gerando fatores quimiotáticos atrativos de fagócitos; Após a fagocitose, surgem fibroblastos e células endoteliais proliferadas a partir de capilares situados nos limites com o tecidos saudável PDGF, VEGF, FGF, TGFβ; À medida que os fagócitos avançam, o espaço vai sendo ocupado por tecido conjuntivo vascularizado, formado a partir do tecido não lesado; Com isso, a área de necrose, se pouco extensa, pode ser cicatrizada em poucos dias; o tecido tende a retrair e reduzir o volume da área comprometida. Encistamento: O material necrótico não é absorvido por ser muito volumoso ou por causa de fatores que impedem a migração leucocitária, com formação de reação inflamatória na periferia da lesão; Essa condição causa formação de uma cápsula que encista o tecido necrosado, lentamente absorvido. Eliminação: Se a zona de necrose atinge a parede de uma estrutura tubular que se comunica com o meio externo, o material necrosado é lançado nessa estrutura e eliminado; Essa evolução é comum na formação de cavernas tuberculosas. Calcificação: tendência à calcificação da zona de necrose; pouco se sabe sobre os mecanismos que regulam a calcificação nos tecidos mortos. Gangrena: Forma de evolução da necrose resultante da ação de agentes externos sobre o tecido necrosado; Gangrena seca (ou mumificação): ocorre desidratação da região atingida, especialmente em contato com o ar; aspecto de “pergaminho”; Ocorre preferencialmente nas extremidades dos dedos, tornozelos e ponta do nariz; É normalmente derivada de lesões vasculares semelhantes às do diabetes mellitus; A zona acometida tem cor escura, azulada ou negra, devido à impregnação por pigmentos derivados da hemoglobina. Gangrena úmida (ou pútrida): Decorre da invasão do tecido necrosado por microrganismos anaeróbicos produtores de enzimas que tendem a liquefazer os tecidos mortos e a produzir gares de odores fétidos que se acumulam em bolhas; Pode levar ao choque séptico; É comum nas necroses do tubo digestivo, de pulmões e pele. Gangrena gasosa: É secundária à contaminação do tecido necrosado com bactérias do gênero Clostridium que produzem enzimas e grande quantidade de gás; É comum em feridas infectadas. APOPTOSE Diferentemente da necrose, a célula em apoptose não sofre autólise, mas sim fragmentação, com seus fragmentos endocitados por células vizinhas, sem desencadeamento de quimiotatismo ou ativação de fagócitos; É frequente tanto em estados patológicos como fisiológicos, diferentemente da necrose; Em condições normais, é importante na remodelação de órgãos durante embriogênese e na vida pós natal; ainda participa do controle de proliferação e diferenciação celular; Ex: descamação endometrial, mama após lactação, notocorda e coluna vertebral definitiva, membranas interdigitais, divertículo de Meckel (persistência do pedículo do saco vitelino), fendas branquiais, persistência do forame oval, etc. É importante na biologia dos cânceres, estados em que há redução na capacidade apoptótica de células proliferadas; Quando em condições patológicas, é desencadeada por agentes como vírus, hipóxia, substâncias químicas, agressão imune, radiações ionizantes, etc; Aspectos morfológicos: Atinge células individualmente, o que dificulta seu reconhecimento em exames rotineiros; A célula em apoptose encolhe-se e o citoplasma fica mais denso; a cromatina torna-se condensada e disposta em grumos (“núcleos em meia lua, em pata de cabelo, em lança”); Em seguida, o núcleo fragmenta-se (cariorrexe), ao mesmo tempo em que a membrana emite projeções e forma brotamentos que contêm fragmentos nucleares; As demais organelas além da mitocôndria permanecem íntegras e compactadas; O brotamento termina com fragmentação da célula em corpos apoptóticos endocitados por células vizinhas ou estagnados no interstício (muito pouco frequentemente); A fagocitose é facilitada pela exteriorização da fosfatidilserina, que possui receptores em células vizinhas ou fagócitos; Na coloração de rotina (HE), os corpos apoptóticos aparecem como corpúsculos intensamente basófilos (quando contêm grande fragmento nuclear) ou fortemente acidófilos (quando contêm apenas fragmento de citoplasma condensado). Patogênese: Pode ser desencadeada por estímulos exógenos ou endógenos após diferentes agressões; Independente do estímulo, resulta sempre na ativação de proteases, que induzem modificações funcionais e morfológicas características; Via extrínseca: de morte celular; Via intrínseca: perda de proteínas antiapoptóticas, aumento da permeabilidade da mitocôndria; Caspases: Enzimas características por possuírem cisteína no sítio ativo e por clivarem proteínas em sítios com resíduo de ácido aspártico; São produzidas como enzimas inativas (pró caspases); São separadas em ativadoras (fazem proteólise das efetuadoras; 8 e 9) e efetuadoras (atuam ativando outras proteases que degradam diferentes substratos da célula, como DNA, lâminas nucleares e proteínas do citoesqueleto; 3 e 6). As mitocôndrias desempenham papel importante na apoptose, pois liberam citocromo c, proteína Smac e AIF, que ativam a caspase 9 (uma das ativadoras) ou diretamente as efetuadoras; O citocromo c no citosol associa-se com a Apaf-1 e recruta a caspase 9, formando um complexo conhecido como apoptossomo; A proteína Smac liga-se a inibidores naturais da apoptose denominados IAPs, inibindo-os e ativando as caspases; O AIF, além de ativar a caspase 9 diretamente, é ativador de endonucleases, provavelmente por meio da ativação de caspases efetoras. Proteínas do citosol regulam a apoptose por inibirem as caspases ou regularem a permeabilidade das mitocôndrias; Os IAPs (proteínas inibidoras da apoptose) são proteínas inibidoras naturais e inibem as caspases 3 e 7 (efetuadoras); As proteínas Bcl são inibidoras ou ativadoras da apoptose; As antiapoptóticas, como Bcl-2 e Bcl-XL, localizam-se na membrana mitocondrial, constituindo ou regulando proteínas formadoras de poros; As pró apoptóticas, conhecidas em conjunto como proteínas bax, ligam-se às antiapoptóticas e as inibem. Proteínas cinases B (Akt) e IKK (inibidor de NFκB também regulam a apoptose, com ambas desfavorecendo a apoptose. Apoptose induzida por estímulos que atuam em receptores com domínio de morte: Ocorre por intermédio de receptores da família do TNF (TNFR, Faz, etc), sendo iniciada pela ativação do receptor, que sofre dimerização e autofosforila o domínio de morte (DD), que recruta proteína adaptadora; A adaptadora liga-se à proteína efetuadora do domínio da morte (DED), que por sua vez liga-se a pró caspases ativadoras; estas então ativam caspases efetuadoras que irão completar o processo; Além de ativar efetuadoras, a caspase 8 ativa uma proteína das bax, que gera fragmento ligante de proteínas antiapoptóticas, alterando a permeabilidade mitocondrial e favorecendo a apoptose. Apoptose induzida por estímulos externos que não agem em receptores de membrana: Estímulos externos como radiações ionizantes, luz UV, etc, produzem apoptose por mecanismos variados; Todos atingem o genoma celular, que responde ativando a expressão do gene p53, cuja proteína p53 induz retardo mitótico e apoptose; Um de seus alvos são os genes dos IAPs, cuja expressão é inibida; há também ativação de genes das proteínas Bax. Pode ainda haver ação direta sobre as mitocôndrias, com alteração de sua permeabilidade, e agressão direta na membrana, com ativação de esfingomielinisases que induzem liberação de ceramida; A ceramida ativa proteínas cinases e fosfatases capazes de inativar inibidores das caspases 8 e 9, ativando-as e promovendo atividades apoptóticas. Apoptose induzida por substâncias que agem diretamente na membrana: Substâncias como ácidos biliares não polares e certas drogas podem interagir com a camada lipídica da membrana mitocondrial, induzindo apoptose por modificação em sua permeabilidade; Por essa razão, substâncias lipofílicas polares, como ácidos biliares polares, tem ação protetora sobre membranas lipídicas, pois as tornam mais estáveis. Apoptose por perda do estímulo trófico ou da ancoragem na matriz ou em outras células: Ocorre falta de agonista sobre o receptor, com redução de estímulos antiapoptóticos induzidos por ela, permitindo ação de moléculas pró apoptóticas.
Mecanismos de alterações morfológicas na apoptose:
As alterações mais importantes na membrana celular decorrem de mudanças na sua fluidez devido a alterações na síntese e degradação de lipídios (consequência da ação de fosfolipases e esfingomieliniases); Por ação de proteases, ocorre alterações no citoesqueleto responsáveis pela formação de bolhas apoptóticas e pelo descolamento da célula da matriz e de células vizinhas, por perda de pontos de adesão; Ocorre retração do citoplasma, que se torna mais denso devido à eliminação de água e reorganização do citoesqueleto; A atividade proteolítica nucelar leva à degradação de proteínas do citoesqueleto nuclear, proteólise parcial das lâminas nucleares (favorecendo cariorrexe), degradação de proteínas que atuam no reparo do DNA e proteólise das inibidoras de dsDNAses. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL NECROSE X APOPTOSE