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O PODER DA ABSTRAÇÃO: UMA ANÁLISE DO LIVRO “OS

NUER” DE EVANS-PRITCHARD
João Alipio de Oliveira Cunha1

INTRODUÇÃO

Tal é, em suma, o plano deste livro, e tais são os significados que


atribuímos as palavras usadas com maior freqüência para descrever os
grupos que são discutidos nele. Esperamos tornar essas definições
mais apuradas no decorrer da investigação. A investigação dirige-se a
dois objetivos: descrever a vida dos Nuer e expor alguns dos
princípios de sua estrutura social. Procuramos dar um relato tão
conciso quanto possível de sua vida, acreditando que um livro
pequeno tem maior valor do que um grande para o estudante e o
administrador, e, ao omitirmos muito do material, registramos apenas
o que é significativo para o assunto limitado da discussão. (EVANS-
PRITCHARD, 1993, p. 12).

O modelo etnográfico e teórico de E.E. Evans-Pritchard presente no livro ―Nuer‖


é um dos principais pilares das discussões pertinentes a antropologia social do século 20
e na geração posterior aos trabalhos de Bronislaw Malinowski e Radcliffe Brown, com
destaque para a influência dos conceitos de função e estrutura. Além disso, atualmente,
seria difícil pensar a ―política‖ em grupos tradicionais e não-tradicionais, sem pelo
menos não ter passado os olhos no significado dado pelo autor em relação a ―política‖
no contexto das sociedades africanas do período colonial.

Essas sociedades sem-estado analisadas por Pritchard nos fornece um


significado sobre ―política‖ que vai além do que conhecemos, pois seu trabalho de
campo participante e junto de sua narrativa etnográfica considera a ―política‖ não
apenas como uma instituição, mas ela sim exerce uma função e pode mudar de valor de
sociedade para sociedade. Nos Nuer ela está articulada e relacionada a diferentes
elementos, questões, principalmente, com o parentesco, em que o autor nos apresenta
uma sociedade baseada em um modelo fechado e de sistemas coerentes que formam
uma estrutura social.

Nos estudos sobre os Nuer, Evans-Pritchard nos fornece um quadro geral das
condições do trabalho de campo, ou seja, um modelo etnográfico em que levanta

1
Artigo escrito no ano de 2016 para a disciplina “Teoria Antropológica I” do Programa de Pós-Graduação
em Antropologia Social do Museu Nacional – UFRJ.
diferentes questões e elementos importantes para compreendermos essa sociedade sem-
estado. Dentre esses elementos podemos destacar: a ecologia, o espaço e tempo, sistema
político, parentesco e ecologia, onde o antropólogo realiza um exercício de abstração
que é pensar estruturalmente essas populações africanas, sem deixar de destacar o papel
da função.

Desse modo, abordagem da obra de Evans-Pritchard estará dividida em quatro


partes e da seguinte forma: no primeiro momento, será apresentada a trajetória do autor
e a influência de Malinowski e Radcliffe-Brown na sua narrativa etnográfica; na
segunda destacarei o modelo etnográfico realizado pelo antropólogo para retratar os
Nuers, em seguida pretendo apresentar a organização social e o sistema política; e por
fim, encerro o texto fazendo alguns apontamentos e críticas em relação a sua obra.

A ANTROPOLOGIA BRITÂNICA E EVANS-PRITCHARD

O antropólogo Evans-Pritchard teve uma vida realmente ativa entre o mundo da


academia inglesa e o mundo do trabalho de campo nas sociedades africanas a serviço do
império colonial inglês. Filho de um pastor anglicano, o antropólogo inglês nasceu em
1902, em Crowborough, cidade pequena localizada no distrito de Sussex, na Inglaterra.

Sua formação acadêmica foi na Universidade de Oxford em História Moderna,


no Exeter College, sendo influenciado por Robert Marret, sucessor de Edward Tylor
que era detentor da cadeira de antropologia em Oxford. A partir, do trabalho com
Marret, o Pritchard passa a se interessar em antropologia e começa a se inserir no debate
do campo da antropologia referente a moral primitiva e questões referentes a religião e a
magia.

Com o interesse nos debates levantados pela antropologia social britânica, Evans
Pritchard entre os anos de 20 e 30 participou dos seminários de antropologia na London
School of Economics (LSE) realizados por Malinowski e Charles Gabriel Seligman.
Essa participação foi fundamental para a elaboração do seu modelo etnográfico e
teórico, em que se é perceptível em sua narrativa a presença das ideias de Malinowski
no que se refere a análise de ―função‖ e de Brown em relação a ―estrutura‖.
Evans - Pritchard foi um dos primeiros a ser graduado em antropologia,
marcando um período histórico de profissionalização da atividade cientifica e de uma
mudança nos estudos etnográficos, em que não era mais exclusivo de pesquisas
relacionadas as sociedades da Oceania, mas agora alimentado por um avanço
expansionista e o profundo racismo colonial britânico no continente africano, do qual a
Antropologia participou ativamente, as sociedades africanas passaram a ser alvo de
diversas pesquisas etnográficas. Nas palavras de Adam Kuper (1973):

Esses pesquisadores de campo deparavam-se agora com tribos e


nações comparativamente enormes, extensas e deispersas sobre vastas
áreas territoriais, não com as minúsculas e contidas populações
insulares dos primeiros estudos. Logo, se tornou evidente que as
espécies de controles sociais que os autores tinham identificado na
Oceania – obrigações recíprocas, trocas, controles mágicos –
constituíam apenas uma pequena parte dos mecanismos
governamentais dessas sociedades. Esses problemas eram
particularmente urgentes, visto que as autoridades coloniais estavam
muitíssimo preocupadas com os métodos pelos quais esses povos
poderiam ser mais eficientemente administrados e, na medida em que
o princípio de governo indireto de Lugard foi adotado, alguma
acomodação tinha que ser introduzida nas formas tradicionais de
governo. O mais agudo problema foi criado por aquelas sociedades
que careciam de instituições políticas centralizadas, e foi no estudo
dessas sociedades – as quais incluíam, felizmente, os Nuer (mas não
os Azande) de Evans Pritchard e os Tallensi (mas não os Achanti) de
Fortes – que a antropologia iria dar talvez a sua contribuição mais
original para as ciências sociais e a filosofia política. (KUPER, 1973,
p.11).

Na citação acima percebemos que os conceitos e discussões referentes a


obrigações recíprocas, trocas, controles mágicos, dentre outros, passam a servir de
análise para as sociedades africanas, que, na época eram consideradas sociedades que
careciam de instituições políticas, ou seja, sociedades sem-estado. O modelo etnográfico
de Evans-Pritchard apresentado na monografia simboliza um momento de
transição/passagem do conceito de função para o conceito de estrutura, no qual o autor
analisa esse grupo em sua totalidade e comparando casos e estruturas sociais dessas
sociedades africanas.

A produção bibliográfica de Evans-Pritchard pode ser dividida em dois


momentos de sua narrativa e de experimentações no campo da antropologia. A primeira
refere-se a 1937, com a criação do livro dos Azandes intitulado como ―Bruxária,
Oráculos e Magia entre os Azandes‖, em que possui se assemelha ao livro ―Argonautas
do pacífico ocidental‖ de Malinowski, operando a ideia de função, principalmente, em
relação a magia, a função da magia nesse grupo social.

Já na segunda fase, o antropólogo vai além do conceito de função e analisa de


forma estrutural em 1940 o livro ―Os Nuer‖, sobre um grupo social que ficava no sul do
Sudão. Esse livro pode ser considerado uma importante percepção do campo, pois nos
fornece elementos estruturais (sistema políticos e parentesco) e ecológicos, apresentados
através de sujeitos concretos e interlocutores no trabalho de campo.

Dessa forma, a narrativa etnográfica de Evans -Pritchard passa a se aproximar de


Radcliff Brown ao pensar de forma estrutural articulando aspectos centrais da narrativa
etnográfica dos Nuers como problemas de subsistência, de adaptação ao meio ambiente
incidindo sobre a morfologia, além disso, os diferentes campos ou questões estruturais
estão relacionadas a noção de tempo e de espaço. Outro exemplo importante é o livro
African Political Systems que influenciado pelos conceitos referente a análise estrutural,
o britânico realiza uma comparação estrutural entre os grupos africanos, destacando e
aprofundando o modelo etnográfico abordado entre os Nuers,

Em 1947, o antropólogo britânico passa a ter uma mudança de perspectiva em


sua narrativa etnográfica e passa a ter uma aproximação com o campo da História,
principalmente, com a corrente de pensamento conhecida como História das
Mentalidades e passa a analisar as etnografias problematizando o processo histórico e os
eventos, ou seja, a temporalidade está presente em suas obras. Como ele afirma:

La formación antropológica, incluyendo trabajo de campo, será


especiamente valiosa em la investigación de los períodos más antiguos
de la historia, en los que instituciones y formas de pensamiento se
parecen em tantos aspectos a lãs de los pueblos más sencillos que
nosotros estudiamos. El historiador se esfuerza em determinar la
mentalidad de un pueblo en tales períodos partiendo de unos poços
textos, y los antropólogos no pueden dejar de extrañarse si lãs
conclusiones que obtienen de ellos representan verdaderamente su
pensamento. (EVANS-PRITCHARD, 1961, p. 8).

A partir dessa citação podemos destacar que a investigação histórica é


fundamental ao modelo etnográfico proposto pelo antropólogo britânico, no qual
considera a etnografia como um importante exemplo de fonte histórica e deve ser
analisada considerando a sua totalidade, considerando o processo histórico no qual o
grupo ou população se encontrada inserida.
Esse diálogo entre a História e a Antropologia foi fundamental para
problematizar o trabalho de campo realizado pelos antropólogos, o que influenciou
outras gerações que vieram posteriormente a sua obra. Assim, depois de um breve relato
sobre a trajetória do pesquisador, a resenha se propõe a descrever o modelo etnográfico
elaborado por Evans-Pritchard para analisar as populações africanas encontradas na
região do Sudão antigo.

Vale a pena frisar que a leitura do texto a seguir pretender destacar a importância
de seu modelo etnográfico nos estudos de trabalho de campo, principalmente, as
condições de adversidade encontrados no espaço em que vivem os grupos pesquisados,
o antropólogo como um estudioso a serviço do império colonial britânico e as
influências de Malinowski e Radcliffe-Brown na formação de seu modelo etnográfico.

O MODELO ETNOGRÁFICO

O trabalho de Evans Pritchard sobre a população Nuer que vivia ás margens do


rio Nilo, que vivenciou na década de 30 do século XX a imposição de um programa
colonial de pacificação, esteve imbuído em mostrar, através, de um modelo etnográfico
e o trabalho de campo como essa comunidade cria e reproduz suas formas ou
instituições políticas, a fim, de assegurar a sobrevivência num espaço narrado pelo
antropólogo britânico de constante disputa entre grupos sociais, como também, relação
à invasão e o controle administrativo britânico.

O modelo etnográfico presente no antropólogo britânico é fruto do avanço e


continuidade do trabalho de Malinowski e de Radcliffe-Brown, trazendo e
aprofundando o debate da antropologia moderna em diferentes campos, como o da
religião, da política e de ideias referentes ao tempo e o espaço como elementos
estruturais da etnografia. Além disso, sua etnografia esteve voltada para um processo de
abstração, no qual o trabalho de campo passa a ser também uma reflexão teórica,
procurando, realizar de forma consistente uma série de abstrações estruturais em relação
ao grupo estudado, no sentido, de explicitar as estruturas sociais presentes.

Através desse processo de abstração em relação ao trabalho de campo, o


antropólogo propôs um modelo de compreensão da vida e instituições presentes nessa
sociedade africana, permitindo uma análise que compreendesse questões referentes ao
meio ambiente e subsistência importantes para criar mecanismos e estratégias referentes
aos estudos antropológicos de populações localizadas em áreas de difícil acesso a
recursos básicos para a sobrevivência.

Esse modelo de compreensão como foi apresentado no capítulo 1 ―O interesse


pelo gado‖ possibilitou o entendimento de que esse grupo possui uma estrutura social
voltado para o pastoreio, ou seja, na situação adversa em que se encontra o principal
meio de sobrevivência é essa prática, o que o autor chama de idioma social, no qual as
relações sociais perpassam ao contato e a criação do gado. Além disso, os segmentos
sociais estão relacionados ao gado e sua oposição e conflitos em relação aos diferentes
grupos.

A segmentação política encontrada nos Nuer é representada na tribo, em que,


cada uma possui seu recurso de sobrevivência. Esse espaço tribal é definido, como nos
afirma Evans-Pritchard através de um processo de cisão e fusão, no qual se pode afirmar
que as cisões, geralmente, ocorrem, devido a distribuição desigual dos recursos naturais,
o que define a criação/fusão de clãs e linhagens, já que essas definições estão ligadas
diretamente aos recursos naturais presentes nesse grupo social.

Vale à pena destacar que compreender a forma de se segmentar na sociedade


Nuer é fundamental para analisar a política. O capítulo referente ao tempo e o espaço é
de grande relevância para entendermos essa dinâmica, pois para Evans-Pritchard a
unidade fundamental dessa sociedade é o grupo doméstico, cujo, a coesão é organizada
pela disputa e violência, que cria conflitos, à medida que vai se distanciando do grupo
doméstico, que é o eixo central da organização, ou seja, como destaca o antropólogo, do
ponto de vista, dos Nuer o que importa para a organização da estrutura social é o grupo
doméstico, que é analisada como uma unidade militar.

Toda essa relação social é analisada, através, do tempo e o espaço. Em relação


ao espaço ecológico está relacionado às condições encontradas no espaço físico e
geográfico, em que os Nuers se encontram e o espaço estrutural está inserida num
processo de clivagens sociais do qual permeiam tribos, famílias e os segmentos que se
encontram no espaço ecológico. E as distâncias estruturais são marcadas e definidas
pela aproximação ou distanciamento político entre as tribos e as famílias.

No que se refere ao tempo, o antropólogo destaca que entre os Nuer, existem


dois tipos: o ecológico e o estrutural, em que, o primeiro está ligado às estações e o
segundo relacionado às atividades. Os marcos temporais estão ligados aos eventos e
variam de acordo com cada o grupo social. Esses eventos como a guerra e o conflito
estão relacionados diretamente ao tempo, pois, quando a demografia se encontra mais
densa está mais propicio a fazer a guerra com os Dinka. Dessa forma, Evans-Pritchard
faz uma análise do tempo de forma estrutural, procurando considerar questões referentes
aos fatos históricos no grupo em que está realizando o trabalho de campo.

Para o antropólogo britânico deve haver uma preocupação em analisar os fatos


históricos, pois influenciam as relações de linhagem. Como afirma Adam Kuper (1978):

O problema de ganhar a vida nesse meio ambiente cria várias


limitações aos modos Nuers de organização social. As relações sociais
devem transcender os limites da aldeia, visto que as pessoas tem que
circular livremente entre aldeias e acampamentos; as condições
ecológicas só permitirão que as comunidades floresçam e prosperem
dentro de certos limites demográficos; a tecnologia rudimentar
concentra o simbolismo das relações sociais em meia dúzia de objetos
altamente carregados – sobretudo o gado. E asssim por diante.
Contudo, Evans-Pritchard insistiu em que essas limitações não podiam
explicar as relações estruturais entre grupos Nuers. Elas têm que ser
entendidas em função de princípios estruturais. O argumento
deslocou-se agora para um outro plano muito diferente o plano dos
―valores sociais‖, e que era, disse ele, um outro modo de discorrer
sobre ―interesses‖. O famoso Capítulo 3 de The Nuer explorou as
noções de espaço e tempo das pessoas, e formou uma ponte entre os
capítulos introdutórios sobre o gado e a ecologia, e a principal seção
do livro, que se ocupa das relações territoriais e de linhagens.
(KUPER, 1978, p. 13)

Como destaca Kuper (1978) sobre a monografia dos Nuers as noções referentes
ao espaço e o tempo são fundamentais para compreendermos as interações e
cooperações presentes dentro do grupo social, no intuito, de pensarmos como essa
dinâmica possibilitou a formação de uma rede de alianças para a disputa e a guerra, seja,
contra os Dinka ou contra o governo colonial inglês.
A análise do modelo etnográfico apresentado nesse breve subtítulo é
fundamental para se compreender a política entre os grupos africanos como os Nuer, em
que o conceito de ―política‖ deve ser analisado através de um processo de abstração,
ampliando seu significado e apurando o olhar antropológico para a forma e ações
políticas dessa população. No próximo subtítulo serão desenvolvidas questões
referentes ao sistema político presente nos Nuers associados ao parentesco e elementos
ecológicos fundamentais para a sua sobrevivência e o papel do chefe de pele de
leopardo para a manutenção da cooperação e mediação dos conflitos entre os grupos
domésticos.

A POLÍTICA ENTRE OS NUER

A associação entre o político e o parentesco nos possibilita compreender que nos


Nuer não há uma instituição política como conhecemos, ou seja, não há um órgão
administrativo capaz de controlar ou administrar as relações sociais presentes, mas sim,
segmentos que se unem em relação a outro segmento, no qual a solidariedade entre os
segmentos e o papel do chefe de pele de leopardo é responsável para manutenção da
coesão do grupo e através dessa solidariedade vão se formando relações de trocas
comerciais, casamentos, dentre outros.

Essa interação social e mediação presente nos grupos sociais é atribuído ao chefe
de pele de leopardo, que é acionado, quando há um problema entre grupos vizinhos, ou
seja, quando a cooperação presente na estrutura social dessa sociedade africana
encontra-se em risco, ele entra em ação para resolver os problemas. Nos Nuers, a
política é uma função. Como nos afirma Evans-Pritchard (1993):

―Queremos dizer aqui o mesmo que dissemos quando discutimos a


palavra CIENG: que os valores políticos são relativos e que o sistema
político é um equilíbrio entre tendências opostas para a separação e a
fusão, entre a tendência de todos os grupos a se segmentarem e a
tendência de todos os grupos se combinarem com segmentos da
mesma ordem. A tendência para a fusão é inerente ao caráter
segmentário da estrutura política Nuer, pois, embora, todo o grupo
tenda a se dividir em partes opostas, essas partes precisam tender a
fundir-se em relação a outros grupos, já que fazem parte de um
sistema segmentário. Daí a divisão e a fusão nos grupos políticos
serem dois aspectos do mesmo principio segmentário, e a tribo nuer e
suas divisões devem ser entendidas como um equilíbrio entre essas
tendências contraditórias, contudo complementares. O meio ambiente,
o modo de subsistência, comunicações pobres, tecnologias pobres,
tecnologias simples e escassos suprimentos de comida – com efeito,
tudo que chamamos de sua ecologia – explicam até certo ponto os
aspectos demográficos da segmentação política nuer, mas a tendência
para a segmentação deve ser definida como um principio fundamental
de sua estrutura social. (EVANS-PRITCHARD, 1993, p. 159).

A partir da citação acima podemos compreender que a tribo que está inserida em
um sistema de valor e tendem-se a se relacionar de formas opostas, através da, fusão e
separação com inúmeros casos de disputas, guerras, violências, etc, promovendo a
segmentação da sociedade estudada, gerando um equilíbrio e um controle através do
chefe de pele de leopardo para a cooperação tendo em vista a sua subsistência. Assim,
existe nessa sociedade uma instituição tribal responsável pela manutenção de uma certa
ordem. Essa instituição se chama a vendeta.
A vendeta é uma instituição tribal, que ocorre apenas quando se reconhece que
aconteceu uma infração da lei e torna-se necessário o ressarcimento daquele que sofreu
algo arbitrário ou negativo de uma outra pessoa pertencente ao grupo. Contudo, o ritual
de vendeta pode gerar uma série de vinganças e práticas de violência que poderiam
prejudicar a subsistência do grupo.
Sendo assim, o chefe de pele de leopardo tem como função manter a cooperação
entre os membros das tribos e mediar o conflito que se estabelece. Devemos considerar
que a vendeta constitui um movimento estrutural entre os segmentos políticos, em que
são mantidos a forma do sistema político encontrado entre os Nuers e a oposição entre
as tribos influenciam as inter-relações das comunidades inteiras a que pertencem.

APONTAMENTOS E CRÍTICAS

A narrativa etnográfica elaborada por Evans-Pritchard sobre as comunidades


africanas conhecidas como Nuer foi fundamental não apenas para se avançar em
elementos referentes ao trabalho de campo, mas também, para pensarmos o lugar do
outro nos trabalhos da antropologia do século XX, pois seu trabalho nos fornece um
quadro heurístico, em que foi capaz de organizar um método etnográfico articulando
elementos referentes a religião, a política, o tempo e o espaço, dialogando entre o
conceito de ―função‖ e ―estrutura‖. O livro ―Os Neur‖ é um exercício de abstração da
estrutura social em diferentes possibilidades e performances.

Mesmo sendo fundamental para os estudos antropológicos do século XX, seu


modelo etnográfico nos fornece alguns problemas que precisam ser tratados nesse texto.
Uma das principais críticas são referentes ao lugar do antropólogo como mediador do
trabalho de campo, que está sendo descrito e o contexto dos leitores que irão ler a
etnografia. Vale destacar que Evans-Pritchard estava a serviço da coroa britânica e
inserido num programa de colonização, o que o influenciou em sua análise sobre a
população estudada, de forma que os apresenta como algo coerente e sistemática, como
se estivessem congelados de uma certa forma no tempo presos em seu modelo
sistemático.

Evans-Pritchard nos fornece um modelo etnográfica permeado de abstrações que


criam uma ficção, ou seja, uma imaginação etnográfica, no qual o antropólogo tende a
impor uma verdade sobre o grupo analisado, no qual a sua compreensão e percepção
holística são formas perfeitas de analisar o grupo pesquisado no livro ―Os Nuer‖.
Assim, o grupo analisado nos é apresentado como se estivesse inserido em uma
constante violência positiva no interior da comunidade, percebe-se no livro do
antropólogo que o aumento da violência opera como um controlador social, deixando de
fora a violência imposta pelo governo colonial inglês na comunidade africana abordada
no livro.

Mesmo, com todas as limitações e críticas referentes ao trabalho etnográfico do


antropólogo britânico deve-se destacar que sua produção nos trouxe quadros de análise
importantes para se pensar o ―outro‖ como sujeitos concretos que elaboram formas de
sobrevivência e de se fazer política diferente das que são conhecidas e elaboradas nas
sociedades com estado e interligadas a elementos e questões referentes ao parentesco e a
ecologia em que estão inseridos.

Evans-Pritchard avança nos estudos antropológicos por trazer à tona um diálogo


entre o conceito de ―função‖ e ―estrutura‖ tão debatido e trabalhado por antropólogos
anteriores e que com ele passam a ter uma análise mais aprofundada encontrada em suas
principais obras sobre os Azande e Nuer. Portanto, o antropólogo britânico tem
contribuído para meus estudos referente as comunidades tradicionais, principalmente,
jongueiras que tenho pesquisado durante a graduação e mestrado pois as formas de se
fazer ―política‖ nos propõe uma série de abstrações fundamentais para se compreender
essa rica dinâmica social que está atrelada a diferentes elementos como o parentesco e o
espaço em que as comunidades jongueiras estão estabelecidas.

BIBLIOGRAFIA

KUPER, Adam. Antropólogos e a Antropologia. Rio de Janeiro. Livraria Francisco


Alvez Editora S.A. 1978.
PRITCHARD-EVANS, E.E Antropologia e História. Conferência pronunciada no ano
de 1961 na Universidade de Manchester.
PRITCHARD-EVANS, E.E. Os Nuer: uma descrição do modo de subsistência e das
instituições políticas de um povo nilota. São Paulo. Editora Perspectiva, 1993.
STEIL, Carlos Alberto; TONIOL, Rodrigo. EVANS-PRITCHARD (1902—1973) In:
orgs. Everardo Rocha e Marina Frid. Os Antropólogos. De Edward Tylor a Pierre
Clastres. Rio de Janeiros: Vozes, 2015.

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