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Universidade Federal do Pará – UFPA

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – IFCH

Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia – PPGSA

Disciplina: Teoria Antropológica I

Professora: Luísa Dantas

Discente: Cláudia de Fátima Ferreira Pessoa

Exercício Textual 2

Questão (3,0 pontos):

Desde o final do século XIX, até meados do século XX, as teorias antropológicas vêm
oscilando, ora propondo abordagens sincrônicas, ora diacrônicas. Discorra como as
correntes de pensamento já estudadas, quais sejam, o evolucionismo social, o relativismo
cultural, o funcionalismo, o estrutural-funcionalismo e os processos sociais, por meio das
obras e autores trabalhados na disciplina, se situam quanto à essa questão. Também saliente as
diferenças de método e objetivos entre elas.

Quando a Antropologia surge, com o intuito de analisar as populações com costumes


distintos aos ocidentais, o olhar acerca do outro foi orientado pela perspectiva daqueles que as
pesquisavam. Sendo assim, por um longo período, a Escola Evolucionista foi tida como
hegemônica no campo antropológico. Preocupada em responder a questão da ampla
diversidade humana, se pautou em dois princípios, o primeiro de que a humanidade possuiria
uma unidade psíquica comum e o segundo, que essa mesma humanidade teria seguido
estágios progressivos rumo à civilização, isto é, a humanidade teria sido organizada sob três
períodos étnicos, a saber, a selvageria, barbárie e civilização e, em determinado ponto todos
as parcelas da humanidade alcançariam o último dos estágios, posto que esse era um caminho
evolutivo único e inevitável.
Nesse sentido, os evolucionistas adotaram o método comparativo que consistia em
analisar determinados grupos e encaixá-los conforme certas características correspondentes a
um dos períodos étnicos, sempre a partir de uma perspectiva das ausências, do que existia ou
estava vigente na sociedade do próprio pesquisador. O caráter dessas classificações era
completamente intuitivo, que ia do mais simples ao mais complexo, e obedecia a dois
critérios: a cultura material e as instituições, daquilo que faltava nas sociedades selvagens em
comparação aos civilizados.
Um ponto importante a ser ressaltado entre os representantes dessa escola é o do tempo.
Tratava-se muito mais de um tempo material do que de um tempo histórico em si, ou seja,
referia-se a um repertório de objetos, da tecnologia utilizadas pelos povos em questão. Isso
reflete diretamente na aplicação do método dessa escola, pouco preocupada com o contexto
histórico que orientava as práticas, códigos dos povos estudados e muito menos com a
utilidade e finalidades dos objetos e utensílios coletados. Ainda assim, pode-se dizer que essa
escola partia de uma perspectiva diacrônica, na qual a linearidade temporal refletia uma
preocupação com o passado, a trajetória trilhada pela humanidade pensada em um
sequenciamento de etapas.
Posicionado em outro polo de investigação, estava o relativismo cultural, cujo principal
expoente foi o antropólogo Franz Boas, que buscava realizar um estudo detalhado das
relações culturais de sociedades pré-determinadas. Criticando as generalizações do método
anterior, o relativismo cultural estabelece o método histórico como o mais seguro, pois
possibilita analisar o homem e sua diversidade cultural por meio de uma ótica micro, mais
localizada tanto geograficamente quanto temporalmente. Ainda que a perspectiva desta escola
também seja diacrônica, as orientações e teorizações são completamente distintas. A
preocupação com o desenvolvimento de cada povo conferiu um papel central à ocorrência de
conexão histórica e expressa a crítica que Boas direcionava à premissa evolucionista de que a
semelhança de fenômenos etnológicos encontrados nas mais distintas regiões do mundo seria
prova de que a mente humana obedece a um funcionamento comum em todos os lugares.
Portanto, o cuidado com o passado histórico das diferentes culturas tomadas em si mesmas,
representa uma forte ruptura com a abordagem evolucionista.
A mudança de chave na Antropologia ocorre com as abordagens sincrônicas do
Funcionalismo e do Estrutural-Funcionalismo, representadas respectivamente pelas
contribuições de Bronislaw Malinowski e de Radcliffe-Brown. Ingressando no momento de
execução da Etnografia moderna, Malinowski de certa forma ainda tem a preocupação de
alguns de seus predecessores de registrar a cultura dos povos que poderiam se extinguir dado
o risco de contato com os europeus, porém, realiza isso de forma completamente inédita. O
método da observação participante, na visão desse autor, permitiria ao antropólogo não
apenas adentrar na cultura estudada e entender seu funcionamento, mas tornar-se parte de tal.
Dessa forma que, a etnografia enquanto resultado da pesquisa de campo, seria de fato a teoria
em ação.
O Funcionalismo enquanto escola buscou criar uma nova teoria para a Antropologia a
partir da ideia de um todo, da totalidade de determinados povos. Entretanto tal totalidade não
significa tudo, isto é, se anteriormente as etnografias tinham a inclinação de abordar todos os
aspectos de uma cultura, com Malinowski, trata-se da totalidade de uma instituição que reúna
os aspectos gerais e representativos da cultura estudada. A influência de Émile Durkheim é
notória quando se observa que aspectos biologizantes são acionados para tratar da relação
indivíduo e cultura, e que nesta dinâmica o olhar acerca do indivíduo é dele enquanto parte de
um todo, não avançando em um estudo dele em si mesmo.
Nesta escola, a maior preocupação era realmente entender o funcionamento de uma
cultura, e muitas vezes, esta última era dotada de uma instrumentalidade que operava a partir
da satisfação das necessidades dos grupos, demandas básicas de caráter material e também a
reprodução de novas necessidades de caráter predominante simbólico. Nesse sentido, no todo
cultural, cada costume teria uma função e as repostas às necessidades seriam atendidas através
das instituições, e é imerso nessa concepção que o autor apresenta o Kula como a instituição
que articula o instrumental com o simbólico, de caráter multidimensional, sendo a base da
continuidade de relações de troca para além dos princípios econômicos. A reflexão de
Malinowski com a atuação da cultura é situada na reflexão também de um presente
etnográfico, uma vez que o autor comunga da ideia de impossibilidade de pensar a história do
povo de determinada cultura, dada a ausência de registros históricos. Desse modo, não estava
preocupado com a dimensão histórica, como Boas estava no relativismo cultural.
Inserido nessa mesma compreensão estava o antropólogo Radcliffe-Brown, para quem a
construção histórica seria de uma história especulativa, devido a impossibilidade de
reconstituir o passado. No estrutural-funcionalismo, a função visa o desempenho de atividades
para manter a estrutura e esta por sua vez seria o ajuste ordenado das partes e componentes da
vida social. Por sua vez, a estrutura na visão de Radcliffe-Brown é uma estrutura concreta,
diferentemente de Malinowski que trilhou por um viés mais cultural e simbólico. Em ambas
as escolas há uma preocupação com a ordem e coesão das coletividades, contudo no
estrutural-funcionalismo busca-se por leis e regularidades em diferentes exemplos de grupos
sociais. Isso reflete seu próprio método de investigação que parte do estudo de casos
particulares para as generalidades, regularidades até encontrar e formular a lógica que orienta
as ações e funcionamento dos fenômenos. Por exemplo, a partir da relação de parentesco,
pode-se compreender os papeis sociais de cada indivíduo, são expostos aspectos como a
diferenciação sexual, geracional e a forma que eles influenciam nas funções realizadas dentro
da estrutura social. Outro aspecto dessa corrente é a divisão da população em pares opostos
(inimizade vs. solidariedade, conflitos vs. resoluções). Tais relações de conjunção e disjunção
são regulamentadas por instituições sociais e neste cenário, Radcliffe-Brown descreve o
parentesco por brincadeira, relações que comportam profundo respeito e distância entre
determinados níveis de parentesco por um lado, e por outro, de desrespeito lícito com outros
núcleos de parentesco. Essas relações jocosas exercem uma função social que visa a
permanência da estrutura.
Outro questionamento central nos estudos que marcaram a Antropologia por volta de
meados do século XX foi voltado ao poder político, principalmente para sustentar a busca
pela compreensão de organizações sociais sem um sistema político formal, isto é, sem Estado
nos termos ocidentais. As instituições políticas das sociedades não ocidentais se relacionavam
com a estrutura das tribos e suas respectivas divisões. A exemplo das tribos Nuer, alvo do
estudo de Evans-Pritchard, a divisão ocorre de forma segmentada com seções tribais
primárias, secundárias e por vezes terciárias. Quanto menor o segmento tribal, mais compacto
é seu território, e consequentemente há um sentimento de unidade mais forte.
Os valores políticos dessa sociedade derivam tanto dos segmentos territoriais e mais
ainda dos segmentos de linhagens. Variam de acordo com a tendência de fusão e difusão
inerente a esses segmentos. Evans-Pritchard explica que as tribos Nuer devem ser entendidas
como um equilíbrio entre essas tendências, contraditórias, porém complementares, e
essenciais para a coesão social. Tal tendência é o que fundamenta a coalizão de segmentos
diversos diante de processos de disputa. Um grupo político somente é definido quando se está
em oposição a outros grupos, demonstrando assim um princípio da contradição na estrutura
política. A estrutura política se afirma a partir dos conflitos, e estes, por sua vez, são
fundamentais para reforçar a manutenção das segmentações.
O autor elucida que os conflitos se dão entre segmentos e suas seções adjacentes,
porém, esses mesmos grupos que mantém rivalidades entre si podem se associar na luta contra
seções maiores. Torna-se então essencial entender os conflitos e reconhecer que há neles um
princípio estrutural, uma lógica operante na orientação da divisão tribal. Essa dinâmica é
interna a esses grupos, que de forma consciente se organizam politicamente e estabelecem
seus critérios. Isto pode ser observado no desenvolvimento das disputas e as instituições
políticas que daí se derivam. A vendeta, instituição de infração da lei, representa um
movimento estrutural de expansão e contração das disputas, entre segmentos políticos através
do qual se mantém o sistema político Nuer
Trata-se de um mecanismo de ressarcimento entre as partes envolvidas em determinado
conflito, isso leva ao envolvimento de toda a família e da comunidade. Cria-se um estado de
hostilidade entre as linhagens e seções tribais inteiras, e a sua resolução dependerá do
tamanho do grupo envolvido, do relacionamento existente entre as pessoas afetadas e suas
posições estruturais.
Nesse sentido, o autor explica que se torna mais fácil resolver uma vendeta quando
ocorre em um meio social restrito, no qual a distância estrutural entre os envolvidos é
pequena. Isso se garante pela maior solidariedade, pelos laços de parentesco e pela vida
cooperativa que é incompatível com a situação permanente de vendeta. Por outro lado,
quando o meio social é maior, a solidariedade diminui. De qualquer forma, o que chama
atenção é que é a própria dinâmica da estrutura social, isto é, as características do segmento
tribal e não uma instituição com poder coercitivo, que mais determina e influencia no grau de
controle social.
Entre essa escola, os conflitos são partes importantes da manutenção da estrutura social,
diferentemente de Radcliffe-Brown que pensava o conflito como orientação das formas de
pensamento e não como um elemento cuja função fosse para balancear a estrutura. Os
conflitos atuam como conjunção e disjunção nos processos sociais desses grupos estudados.
Para Evans-Pritchard, fortemente influenciado ainda pelo estrutural-funcionalismo, a
reconstituição do passado dos Nuer é um ponto pouco considerado, tendo sua análise muito
mais embasada no presente etnográfico. Ainda que em certos momentos de sua obra alguns
acontecimentos históricos sejam explanados, como o contexto de aparição dos profetas, isso
não é feito de modo sistemático e não é uma preocupação central o contexto histórico dos
eventos Nuer.
Para Gluckman, por sua vez, a história volta a ter uma posição de destaque nas análises.
Em seu estudo sobre os Zulus, o autor questiona o equilíbrio das sociedades, destacando
também os conflitos e, sobretudo, as relações de poder vigentes que instituem as
desigualdades nas relações étnicas. A compreensão dos zulus requer ponderar a relação deles
com o empreendimento colonial e a interação entre regras ambíguas, as regras coloniais, as
regras dos Zulu e a própria história desse povo anterior ao colonialismo.

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