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Stao - De.conflitos.e.saude 2005r PDF
Stao - De.conflitos.e.saude 2005r PDF
Ficha técnica:
1ª Edição: 1997,
2ª Edição: 1998,
3ª Edição (rev. e ampliada): 2005
4ª edição (on-line, textos seleccionados) - 2008
Capa: Eduardo Salavisa
Editor: Margarida Gaspar de Matos
Gráfica:
Edições; CDI / FMH
Revisão : João F. Costa
Depósito legal:
ISBN
Data: Agosto 2008
3
Indice
Introdução...............................................................................................................8
Tania Gaspar, Margarida Gaspar de Matos, José Luis Pais Ribeiro & Aldina
Gonçalves ..............................................................................................................95
Margarida Gaspar de Matos, Aldina Gonçalves, Tania Gaspar & Sónia Dias
..............................................................................................................................221
Introdução
Introdução
A partir da Conferência de Alma–Ata (WHO,1978), os profissionais de saúde e os
políticos foram alertados para a importância de uma abordagem pluridisciplinar da
problemática da saúde. O relatório Reduzindo riscos e promovendo uma vida
saudável (OMS, 2002) sublinha a importância da promoção dos comportamento
ligados à saúde e a importância da identificação e prevenção de factores de risco.
Desde o final dos anos 70, a emergência e alargamento do campo da Psicologia da
Saúde e da Medicina do Comportamento ajudaram ao desenvolvimento e ao
robustecimento do contributo da Psicologia para a prevenção da doença e para a
promoção e protecção da saúde, com incidência especial em comportamentos
como os consumos (álcool, tabaco e drogas), o sedentarismo e a alimentação.
Posteriormente, surgiu o interesse por comportamentos interpessoais relacionados
com a violência, a sexualidade, as relações e o stress laboral e escolar, o
estabelecimento de redes de apoio interpessoal, o lazer e suas possíveis
associações com a promoção e protecção da saúde. Os resultados destes estudos
aumentaram a compreensão da interacção de factores biológicos, psicológicos,
comportamentais, sociais e ambientais, associados ao desenvolvimento de várias
condições de doença e saúde. Consequentemente novas áreas do conhecimento
como a Economia da Saúde, a Sociologia, a Antropologia, as Ciências Políticas e
o Direito assumiram uma relevância crescente para uma visão interdisciplinar da
Saúde. Centrando-nos no campo da Psicologia o aprofundamento do
conhecimento e o impacto das áreas da Psicologia da Saúde na Saúde Global,
levam a um valor acrescentado em relação a ambas estas áreas. O
desenvolvimento psicossocial é um processo de optimização de capacidades de
decisão e de realização, que levam a um estilo de vida saudável e a um estado
percepcionado pelos indivíduos como de qualidade de vida, de competência
pessoal e de participação activa na comunidade. Percorrendo partes deste percurso
Histórico, encontram-se referências explícitas à mudança de paradigmas na
Psicologia da Saúde e na Saúde Pública que justificam a convergência agora
sublinhada.
Saúde e História
A Carta de Ottawa (OMS, 1986) define como prioridades para a saúde: uma
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factores de risco para a saúde da educação, (3) o meio ambiente, rural ou urbano,
tem fortes ressonâncias na saúde, (4) os indivíduos, a comunidade e os governos
têm responsabilidades na saúde das populações.
A OMS (WHO, 2001) defende: (1) programas preventivos e promocionais, que
promovam as capacidades das pessoas, actuando de preferência antes que os
sintomas se instalem, (2) defende uma acção que inclua estratégias para
diminuição do estigma, da discriminação, da exclusão social e da desigualdade de
oportunidades, (3) preconiza a partilha de ”boas práticas”, após avaliação, que
levem à criação de programas baseados nas experiências avaliadas. Ainda neste
relatório (“Nova compreensão, nova esperança”), sugerem-se intervenções com
jovens com especial atenção para a questão desenvolvimental, intervenções que
envolvam os contextos sociais, intervenções que ajam precocemente e
intervenções que promovam a participação e a competência das populações-alvo.
Na sequência deste relatório são estabelecidas metas diferenciando três grupos de
países em função da sua situação económica, prevendo mais tempo para os países
com maiores dificuldades. Uma ”Nova compreensão um novo entendimento”: um
novo entendimento de que a saúde mental, física e social são condições vitais e
profundamente interdependentes e de que, à medida que cresça a nossa
compreensão sobre esta interdependência, mais óbvio se tornará que a saúde
mental é crucial para o bem-estar de todos os indivíduos, sociedades e países
(WHO, 2001).
Refere-se ainda aquele documento a intervenções preferencialmente na
comunidade (“envolvimento o menos restritivo possível e tratamento o menos
restritivo e menos intrusivo possível”), embora chame a atenção para o facto de
que a desinstitucionalização e a intervenção na comunidade necessitam de
condições para implementação. Preconiza dez recomendações: (1)
disponibilização de tratamento no âmbito dos cuidados de saúde primários, (2)
disponibilização de medicação adequada, (3) prestação de cuidados na
comunidade, (4) educação da opinião pública, (5) envolvimento da comunidade,
da família, dos consumidores, (6) estabelecimento de políticas nacionais,
programas, legislação, (7) desenvolvimento de recursos humanos, (8)
estabelecimento de laços inter-sectoriais, (9) monitorização da saúde mental da
comunidade, (10) apoio à investigação.
Deparamo-nos agora com uma terceira revolução da saúde que tem a ver
sobretudo com a racionalização dos custos, com uma avaliação dos desperdícios e
uma avaliação dos resultados de modo a se providenciar a acção mínima eficaz,
intervenções sustentáveis e criação de recursos (“Low cost, high impact”). Embora
a racionalização dos custos seja inevitável, espera-se que se traduza em medidas
de capacitação e co-responsabilização do cidadão de modo a que lhe seja
proporcionado o melhor serviço com vista à promoção e protecção da sua saúde.
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No entanto alguns vêem nesta medida apenas um meio de restrição de custos, que
se serve da responsabilização e culpabilização do cidadão pela sua doença.
A participação do cidadão preconizada na carta de Ottawa (OMS, 1986) implica
necessariamente uma resposta organizada do sistema e a vontade política de
aumento da participação do cidadão na protecção e promoção da sua saúde.
Implica a mediação desta participação como uma real acessibilidade, implica não
uma redução de custos mas uma transferência de recursos. A capacitação do
cidadão implica meios e oportunidades, implica transferência de recursos
(conhecimentos, técnicas, poder e dinheiro) para a comunidade. Restringindo a
análise à questão económica, mesmo já sem falar de questões éticas e humanas
ligadas à igualdade de oportunidades, a saúde tem vantagens económicas directas
(menos gastos com a doença) e indirectas (menos absentismo e maior
produtividade).
Durenberger e Foote (1993) falam de uma redistribuição dos custos, distinguindo
uma medicina de ”cuidados urgentes” e de ”cuidados de saúde a longo
prazo”(necessitando sobretudo de cuidados de hotelaria e autonomia e apoio
social) como é o caso das doenças crónicas, deficiências e processos de
envelhecimento e longevidade. É agora amplamente reconhecido que o que
determina em grande medida a vida e a saúde das pessoas são factores que são
resolvidos com medidas de saúde pública, de promoção e protecção da saúde,
prevenção da doença, ambientes despoluídos, segurança no trabalho, segurança
física em ambientes familiares, sociais e ambientais, hábitos alimentares e redução
dos consumos.
McGinnis (1991) apresentou as metas para a Saúde 2000 na sequência da
avaliação e reformulação das metas para a Saúde 1990. Estas metas situam-se nas
áreas de: (1) actividade física, (2) nutrição, (3) consumo do tabaco, álcool e
drogas, (4) planeamento familiar, (5) saúde mental, (6) violência, (7) abuso físico
e sexual, (8) programas comunitários, (9) lesões, (10) segurança ocupacional, (11)
saúde ambiental, (12) segurança na comida e drogas/medicamentos, (13) saúde
oral, (14) saúde materno-infantil, (15) doenças da circulação, (16) cancro, (17)
diabetes e outras doenças crónicas, (18) HIV/SIDA, (19) DSTs, (20) vacinação e
(21) doenças infecciosas.
fumam com os amigos, bebem com os amigos, consomem drogas com os amigos
mas, por outro lado, praticam desportos com os amigos, conversam com os
amigos, pedem conselhos aos amigos. Uma aposta em termos de saúde poderia ter
como base esta cultura juvenil (Matos, 2003). O investimento dos adolescentes
em relação ao grupo de pares faz com que estes se tornem agentes relevantes em
qualquer intervenção na área da saúde, quer como população-alvo, quer mesmo
como agentes de mudança a par das famílias e dos professores.
Promoção e educação para a saúde
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Saúde e desenvolvimento
Desenvolver, etimologicamente, pode significar (des-envolver, i.e.”cessar a
confusão, a baralhação” Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das
Ciências de Lisboa, vol. I, 2001) e implica um aumento de complexidade mas
também de clareza de processos e de possibilidades para todos na área da saúde,
educação e recursos necessários à qualidade de vida (PNUD, 1990-1993). Saúde e
desenvolvimento são duas áreas intrinsecamente ligadas a estilos de vida
saudáveis e a hábitos específicos ligados ao risco e à protecção, com alguma
estabilidade entre culturas (Nutbeam, Aaro & Wold, 1991) embora as motivações
dos indivíduos para a protecção da sua saúde impliquem alguma estabilização
prévia dos processos de sobrevivência e segurança pessoais. O desenvolvimento
pessoal e social implica relações interpessoais, implica segurança no dia-a-dia (na
rua, na escola, no trabalho), implica ausência de necessidades de sobrevivência
(Maslow,1954, 1968).
Transição em saúde
Em Alma-Ata (WHO, 1978), Conferência Internacional de Cuidados de Saúde
primários organizada em conjunto pela OMS e pela UNICEF (United Nations
Children Fund), definiu-se a meta da ”Saúde para todos no ano 2000”. Desde aí,
saúde passou a ser considerada como um estado de bem-estar e não apenas como
a ausência de doença e definiu-se saúde como um direito, sublinhou-se a
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a saúde infantil. O interesse pelas doenças tropicais veio dos antigos regimes
coloniais e cresceu com as doenças dos expatriados das colónias que eram raras
ou mesmo inexistentes na Europa. O foco em doenças infantis veio da constatação
de que a mortalidade infantil em países em desenvolvimento tinha a ver com um
pequeno número de doenças contagiosas em conjunto com baixo peso à nascença,
subnutrição e factores ambientais adversos. Processos de vacinação e redução de
exposição aos riscos são desenvolvimentos inevitáveis, dando origem ao que
agora se chama saúde materno-infantil. Os países foram desenvolvendo
programas nestas áreas deixando desprotegida a chamada saúde do adulto:
cancros, doenças cardiovasculares, problemas pulmonares crónicos obstrusivos,
diabetes, lesões, DST (VIH/Sida), tuberculose (Feachem, Phillips, & Bulatao,
1992). Tradicionalmente, a população-alvo da Saúde Pública nos PED era
predominantemente pobre e vivendo em meio rural, com baixo nível de
escolaridade e cujo modus vivendi era sobretudo a exploração agrícola (Sugar,
Kleinman & Heggenhougen, 1994). As problemáticas mais óbvias tinham a ver
com situações de pobreza, mal-nutrição, baixa escolarização e formação, elevadas
taxas de fertilidade, falta de condições sanitárias com proliferação de doenças
infecciosas e parasitárias. Os serviços de saúde eram escassos. A estratégia de
intervenção em Saúde Pública visava sobretudo a informação e, em termos de
áreas chave, a saúde materno-infantil, o saneamento básico e os programas de
controlo das doenças transmissíveis. Muitas das vezes, na falta de recursos locais
especializados, as acções eram possibilitadas através de cuidados mínimos,
reportando a técnicas básicas levadas a cabo por agentes de saúde com uma
formação escassa e conseguida a nível local.
Actualmente, a população-alvo da Saúde Pública nos PED enfrenta uma
industrialização e uma urbanização desordenada, crises económicas generalizadas
e, muitas vezes, alguma turbulência e instabilidade política que dificultam uma
continuidade nos procedimentos, nomeadamente na organização dos serviços de
saúde e noutras medidas de promoção da saúde das populações. Esta alteração
ambiental acarretou novos riscos (poluentes, ocupacionais, etc.), novos
comportamentos (importação de hábitos e culturas descontextualizados,
anonimato nas relações interpessoais, solidão/isolamento, procura de ”vidas
rápidas” ligadas ao risco, criminalidade ligada à sedução do poder de compra), o
aumento de esperança de vida e o aparecimento de novas patologias do
envelhecimento, um aumento de extensão, impacto e complexidade dos serviços
de saúde, o aumento das diferenças entre os estratos sociais (tanto nas condições
de vida como no acesso aos serviços de saúde). A distribuição geográfica da
população humana predispõe a resultados a longo prazo do tipo aculturação de
migrantes, degradação do ambiente, mudança da subsistência para economia de
mercado, violência e acidentes, que coexistem com acontecimentos pessoais
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1990 a 2025, a população urbana dos PED iria triplicar de 1400 milhões para 3800
milhões (UN 1987, in Kjellstrom, Koplan & Rothenberg, 1992). A maior parte
destas pessoas irá viver em bairros suburbanos, descaracterizados, poluídos e com
graves perigos para a saúde que advêm de (1) problemas de tratamento de
resíduos, de águas, de higiene dos alimentos, (2) fome e má nutrição (sem
proteínas, ferro, vitamina A e iodo), (3) falta de assistência nos partos e IVG (4)
outros problemas ligados à violência doméstica, violência e acidentes domésticos
e de trabalho, exposição a tóxicos, acidentes pessoais ligados à epilepsia e ao
abuso de álcool, afogamentos, picadas/mordeduras de animais, (5) proliferação de
hábitos nocivos relacionados com o desenvolvimento económico – tabagismo,
alcoolismo, desequilíbrio dietético (ex: aborígenes e índios americanos),
sedentarismo, infecção pelo VIH/Sida, acidentes motorizados, destruição do
ambiente e acidentes de trabalho.
Neste contexto preconizam-se intervenções em seis níveis: (1) desenvolvimento
tecnológico e suas aplicações: cinto de segurança nos carros, protectores acústicos
e oculares, máscaras anti-poluição, (2) intervenções médicas: imunizações, (3)
promoção e educação para a saúde, (4) envolvimento da comunidade na promoção
do apoio social: prevenção do suicídio, controlo da poluição, (5) legislação, (6)
medidas económicas: taxas, etc. Do ponto de vista médico a transição em saúde
tem a ver com três factores: (1) diminuição da mortalidade, (2) mudança do
padrão de morbilidade e (3) aumento da patologia comportamental (Christakis et
al 1994). Desde que a promoção da saúde ficou na ordem do dia (Mechanic,
1994), têm proliferado campanhas para prevenção do uso do tabaco, drogas,
álcool, prevenção do VIH, promoção do exercício, nutrição saudável, segurança.
No entanto, estas campanhas são frequentemente pouco eficazes a médio prazo.
Em áreas como a diminuição dos níveis de colesterol, da tensão arterial e do
excesso de peso, os dados apontam para resultados ainda menos animadores. E,
em áreas como o homicídio, a gravidez na adolescência, o suicídio os resultados
reportados são mesmo nulos (Mechanic, 1994).
O PNUD (2003) apresenta como objectivos de desenvolvimento para o Milénio
(Declaração do Milénio da ONU, 2000): (1) erradicação da pobreza extrema e da
fome, (2) ensino primário universal, (3) igualdade de género, (4) redução da
mortalidade infantil, (5) melhoria da saúde materna, (6) combate ao VIH/SIDA,
malária e outras doenças, (7) garantia da sustentabilidade ambiental, (8) promoção
de uma parceria mundial para o desenvolvimento. Basch (1990) refere outros
aspectos intersectoriais do desenvolvimento com implicações na saúde: (1)
desenvolvimento agrícola, (2) desenvolvimento de infra-estruturas (energia,
comunicações, estradas), (3) emancipação da mulher da casa e da criação de
filhos, (4) protecção do ambiente contra a poluição, (5) exploração de recursos
naturais, (6) participação do cidadão na vida pública, (7) aumento do rendimento
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controlo da maior parte das doenças transmissíveis. Se se adoptar uma visão mais
negativa temos (1) o aumento descontrolado do HIV/SIDA, (2) as perturbações do
humor e da ansiedade, (3) os conflitos étnicos, (4) o aumento dos suicídio, da
violência e dos consumos.
Naidoo et al, (2000) sublinham p.e. a importância para a saúde dos cenários onde
a vida decorre, identificando o local de trabalho e a escola, que podem
proporcionar bem-estar e apoio social e sensação de mestria, mas que são também
cenários de bullying (provocações), consumos e stress; os vizinhos que
proporcionam uma sensação de pertença e orgulho local, mas que também podem
ser fonte de rejeição, bullying e discriminação. Estes autores sublinham a
importância do envolvimento social, da coesão, das redes sociais, do
envolvimento activo na comunidade, do capital social/relações de confiança.
O conceito de saúde/bem-estar/qualidade de vida, quando o desenvolvimento
social ultrapassa o nível de sobrevivência, deixa de ser entendido em função de
um padrão (modelo ”standard” da qualidade de vida) que avalia a qualidade de
vida relacionada em termos de aquisições de bens e de acesso a serviços, e passa a
ter uma dimensão subjectiva que inclui o bem-estar percebido e a importância
atribuída a esta ou àquela vertente da qualidade de vida (Browne, McGee, &
Boyle, 1997).
Saúde multicultural
As determinantes da saúde são complexas e as campanhas de informação
simplesmente não são suficientes para mudar atitudes, aumentar competências,
inserir (ou abolir) comportamentos das rotinas da vida do dia-a-dia e aumentar a
acessibilidade. Há ainda a sublinhar que são frequentemente esquecidas
especificidades culturais, desenvolvimentais, de género, de estatuto económico.
Falando de especificidade cultural e da representação das doenças e suas causas,
verifica-se que, em muitos casos, elas são atribuíveis a causas de carácter místico
e mágico: o fado, o astral, a má sorte, à violação de um tabu, a espíritos ou
bruxaria. Basch (1990) regista ainda sintomas próprios de culturas que
actualmente já estão incluídos no DSM IV(1996), um capítulo destinado às
questões culturais e sua ressonância na psicopatologia. Uma vez mais se sublinha
o papel das crenças e das expectativas das populações na adopção de medidas de
protecção da sua própria saúde e ainda o papel que pode ter a obtenção da sua
confiança por interacção com ”equivalentes” locais (agentes de saúde local,
curandeiros, magos). Por exemplo, em África a origem das DST é muitas vezes
atribuída à colonização, i.e. a doenças trazidas pelos europeus (M’Bokolo cit
Augé, 1984). São doenças socialmente estigmatizadas e associadas à vergonha e
às quais a população se acha invulnerável, a não ser pela associação sexual com
um branco (Valdiserri, 1989). Por vezes, são associadas a uma punição por
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22
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Introdução
Nas últimas décadas, na área da intervenção na comunidade nomeadamente na
área da Saúde Mental, tem-se assistido a uma mudança de paradigma onde o foco
deslocou de uma intervenção clínica com base no
indivíduo”desviante”considerado como carente de uma intervenção técnica
especializada, para um outro tipo de intervenção cujo enfoque é a participação do
indivíduo”desviante”num processo de desenvolvimento pessoal e social. O papel
do psicólogo, é neste último caso promoção da capacitação e participação do
indivíduo na vida da comunidade, através da promoção de competências que lhe
permitam interagir com os outros de modo a se sentir bem consigo e optimizar a
sua relação com o mundo físico e social. Aqui o indivíduo”desviante”, não é mais
um”fracasso do sistema”a necessitar de protecção, mas um indivíduo vulnerável,
que poderá vir a ser”um sucesso”a encontrar estratégias que lhe permitam
ultrapassar esta vulnerabilidade. Este paradigma torna-se ainda mais relevante no
trabalho através de realidades e culturas diversificadas, uma vez que permite
respeitar diferenças culturais e inter-individuais. É sobejamente reportada a
existência de efeitos cumulativos relacionáveis com uma maior probabilidade de
desenvolvimento de perturbações de comportamento e consequente
desajustamento pessoal e social em jovens com estruturas familiares instáveis ou
não existentes, em jovens que viveram vários tipos de experiências de violência,
abuso ou privação, ou mesmo nos jovens que de algum modo mais suave foram
privados das experiências”normais”de socialização, no desenrolar do seu
desenvolvimento, nomeadamente a ausência de modelos sociais. Os jovens
adolescentes delinquentes representam na sua generalidade uma situação agravada
ligada ao risco de desajustamento (Matos & al 2000).
Há no entanto um outro conjunto de estudos que nos sublinha que este risco de
desajustamento pode ser minorado promovendo nestes jovens competências gerais
e específicas que alarguem o seu reportório de comportamentos sociais e os
ajudem a identificar situações e problemas, a procurar e implementar soluções, a
avaliar resultados e a manter ou alterar estratégias (Matos,. 1997a; Matos &
Simões, 1999; Matos & al, 2000; Matos, 2001; Matos, 2002, Matos & Simões,
2003, Matos & al 2003). O risco de desenvolvimento de problemas de
desajustamento pessoal e social aparece-nos também muitas vezes ligado com a
dificuldade de expressar ideias e defender pontos de vista, de defender direitos
57
Da intervenção à prevenção
Nas últimas décadas assistimos a uma rápida evolução na área da prevenção do
desajustamento pessoal e social dos jovens. Gradualmente foi reconhecido o valor
da prevenção como preferível a uma intervenção apenas após o aparecimento de
problemas. A literatura recente revela um largo espectro de esforços preventivos,
desde intervenções genéricas destinadas a aumentar o bem-estar psicológico até
intervenções cujo objectivo é a prevenção de problemas psicológicos específicos
ou relativas a um grupo específico de alto risco. No entanto os fundos gastos na
prevenção representam uma pequena percentagem do total do orçamento para a
saúde (Spence, 1996a; Mrazek & Haggerty, 1994), e uma grande maioria dos
profissionais de saúde mental focam o seu trabalho numa perspectiva de tratar as
perturbações psicológicas, mais do que preveni-las.
Numerosos trabalhos na área da Saúde Mental apontam agora para a importância
das relações interpessoais na saúde mental dos indivíduos, sublinhando cada vez
mais a necessidade de substituir programas de prevenção de carácter”curativo”,
centrados sobretudo na diminuição dos problemas dos indivíduos, para preconizar,
na medida do possível, intervenções de carácter preventivo, que promovam
competências, que apelem para a participação dos jovens envolvidos e que
envolvam, na medida do possível, toda a comunidade (ver publicações da autora e
equipa). Outro grande desafio tem a ver com a nova relação
adulto/terapeuta/técnico e jovem/utente/doente em que este último tende a deixar
de ser visto unicamente como o”objecto”da intervenção, considerado incapaz de
tomar decisões sobre o seu destino e tecnicamente incapaz de participar
activamente na sua mudança, sublinhando-se cada vez mais o enfoque na
participação dos jovens nas decisões sobre a sua vida e saúde e promovendo a sua
participação como agentes da sua própria mudança Seguindo este ponto de vista,
os jovens não são” fracassos do sistema”a precisar de protecção, mas sim
58
indivíduos que podem ter sucesso se encontrarem estratégias que lhes permitam
lidar com a sua vulnerabilidade.
Trazemos aqui Compas, Hinden e Gerhardt (1995), com o conceito de trajectórias
de risco que variam entre “ nunca haver problemas” a “haver sempre problemas”,
com três variantes intermédias referentes a um percurso em que há problemas que
desaparecem, outro em que aparecem problemas onde não havia e outro ainda
referente a um episódio problemático, de rápida recuperação. Relembramos ainda
Downey, Lebolt, Ricón e Freitas (1998) que referem o conceito inovador da
“sensibilização para rejeição”, como se fora uma distorção perceptiva e do
processamento da informação, que leva alguns jovens com percursos de risco e
desvio a ser mais reactivos face a situações de rejeição, aumentando a
probabilidade de encontros hostis e comportamentos desviantes.
Abordagens à prevenção
Tradicionalmente são descritos três níveis de prevenção: primária, secundária e
terciária (Caplan, 1964). A prevenção primária refere-se a esforços para reduzir a
incidência de novas perturbações através da intervenção antes que a perturbação
ocorra. A prevenção secundária refere-se a esforços para reduzir a prevalência das
perturbações através da identificação precoce de casos estabelecidos. A prevenção
terciária refere-se a esforços para reduzir a duração e o grau de incapacidade
associada a uma perturbação através do tratamento e prevenção da recaída. A
desvantagem desta distinção entre prevenção primária, secundária e terciária é
que, na verdade, a prevenção secundária e terciária estão mais ligadas ao
tratamento do que à prevenção, uma vez que apenas a prevenção primária está
especificamente relacionada com intervenções antes do aparecimento de uma
perturbação. Mais recentemente, a literatura na área da prevenção adoptou uma
abordagem alternativa para classificar os esforços preventivos que nos dá mais
informação sobre o tipo da abordagem de prevenção (Gordon, 1987). Gordon
propôs três tipos de abordagens preventivas baseadas na presença e importância
dos factores de risco relacionados com o desenvolvimento de determinada
perturbação entre indivíduos que não manifestam ainda essa perturbação. Estas
abordagens foram chamadas universal, selectiva e precoce. Uma intervenção
preventiva universal é aquela que é providenciada a populações inteiras. A
prevenção selectiva está destinada a indivíduos membros de grupos, a cuja
pertença está associado um risco acrescido de desenvolvimento de uma
perturbação. A prevenção precoce (“indicativa”) tem como alvo indivíduos
assintomáticos mas de alto risco, a quem foi detectado um factor de risco,
condição ou desvio que os identificou como estando em alto risco de desenvolver
determinada perturbação no futuro (Gordon, 1987). Apesar desta abordagem
referindo-se a prevenção universal, selectiva e precoce apresentar um avanço em
59
relação à anterior primária, secundária e terciária, esta é ainda alvo de crítica. Esta
nova abordagem assume que as perturbações psicológicas são discretas, isto é,
fenómenos presentes ou ausentes, ao passo que na realidade a maior parte da
psicopatologia se apresenta num contínuo desde sintomas ligeiros a sintomas mais
severos e/ou mais numerosos. A decisão de classificar uma pessoa como
apresentando determinada perturbação emocional ou comportamental baseia-se
em critérios de limites algo arbitrários em relação ao número e à severidade dos
sintomas. Para além disso, uma sintomatologia ligeira e precoce é um factor de
risco para o desenvolvimento de formas mais tardias de psicopatologia. Por
exemplo, as perturbações de comportamento em jovens tendem a desenvolver-se
ao longo de uma trajectória onde os sintomas precoces estão associados a um
desenvolvimento, mais tarde, de uma sintomatologia mais severa (Farrington,
1995). Uma vez integradas nesta trajectória, muitas crianças mostram um aumento
do nível de sintomatologia à medida que vão sendo mais velhos. Por isso uma
prevenção precoce tem que incluir também os indivíduos que apresentam
sintomas ligeiros, que sejam factores de risco para o desenvolvimento posterior de
uma perturbação psicológica mais grave. Qualquer método de categorização de
intervenções preventivas tem que ter em consideração um contínuo de
dificuldades psicológicas e a trajectória do desenvolvimento de outras
perturbações. Implícita nesta abordagem de Gordon (1987) está a assumpção de
que há factores de risco identificáveis no desenvolvimento de perturbações
mentais. Os factores de risco referem-se a factores biológicos, ambientais e
psicológicos que aumentam a probabilidade do desenvolvimento de um problema
psicológico.
Uma intervenção preventiva eficaz requer não só que seja possível identificar os
factores de risco para formas particulares de psicopatologia, mas também que
tenhamos métodos com garantia e validade, para identificar os indivíduos que os
manifestam, e ainda que tenhamos meios eficazes de alterar a situação. Um outro
desenvolvimento recente na área da prevenção, tem a ver com a necessidade de se
considerar não só a identificação e alteração das variáveis ligadas ao risco mas de
se ter em consideração os factores protectores. Os factores protectores referem-se
a variáveis que produzem resiliência ao desenvolvimento de dificuldades
psicológicas face à presença adversa de factores de risco. Há efectivamente jovens
que, expostos a condições adversas, são capazes de se ajustar relativamente bem.
Cada vez mais a investigação se dirige a variáveis associadas com a resiliência,
pela sua possibilidade de atenuar o impacto dos factores de risco. Vários autores
(Mangham, McGrath, Reid & Stewart, 1995a,b; Wang, Reynolds & Walberg,
1995) referem vários factores contribuindo para uma atitude resiliente: as
competências pessoais (bom nível de competências sociais, bom relacionamento
interpessoal, boa capacidade de empreender e concretizar tarefas e resolver
60
Factores de risco
Apesar de estarmos longe de compreender perfeitamente a etiologia da
psicopatologia do jovem, temos provas suficientes para afirmar o seguinte: a
etiologia da psicopatologia do jovem resulta de uma complexa interacção de
numerosas variáveis quer ambientais quer intrínsecas. Há muitas fontes de
influência e nenhum factor é suficiente para explicar nenhuma perturbação
específica, emocional ou comportamental. Os factores de risco parecem ter um
efeito não apenas aditivo, mas multiplicativo, de tal modo que a possibilidade de
desenvolver uma perturbação emocional ou comportamental aumenta
consideravelmente quando aumenta o número de factores de risco que afectam o
jovem. Alguns factores de risco são comuns a um largo leque de perturbações
emocionais e comportamentais, enquanto que outros têm uma influência mais
específica em formas particulares de psicopatologia.
Envolvimento familiar
Apesar de certos factores genéticos e biológicos estarem regularmente associados
à psicopatologia do jovem, nem todos os jovens com sintomas psico-patológicos
exibem estes factores, assim como nem todos os jovens expostos a estes factores
desenvolvem psicopatologia. Temos pois que continuar a estudar outras
características associadas. Há muitos factores familiares que aumentam a
probabilidade de aparecerem perturbações emocionais ou do comportamento.
Alguns dos factores parecem aumentar a probabilidade do aparecimento de um
vasto leque de perturbações psicológicas, mais do que de uma forma específica de
psicopatologia. Este facto explica o elevado nível de co-morbilidade nas
perturbações do comportamento em crianças e adolescentes. Por exemplo, um dos
mais frequentes correlatos de diferentes formas de psicopatologia é a desvantagem
socioeconómica. Mas nós sabemos que as desvantagens socioeconómicas estão
associadas a outros factores como fracas condições de habitação, fracos recursos
educacionais, desemprego, lares mono-parentais, stress financeiro acrescido,
psicopatologia parental (particularmente depressão e abuso de álcool e drogas),
áreas residenciais com altas taxas de crime, deficientes recursos de socialização e
lazer. Estas variáveis estão por seu lado associadas com a psicopatologia do jovem
(Dodge, Pettit & Bates, 1994). Contudo algumas destas variáveis, apesar de
associadas ao aparecimento de perturbações psicológicas, não têm um efeito
directo na psicopatologia (Dodge & al., 1994, Patterson, 1996), por exemplo
algumas crianças de famílias pobres, mono-parentais e com desempregados,
podem emergir relativamente ajustadas se os pais forem saudáveis mentalmente e
tiverem competências parentais fortes.
62
Factores protectores
Recentemente os investigadores começaram a estudar sistematicamente
influências protectoras que produzam resiliência contra factores de risco adversos.
Rutter (1987) refere ainda que factores protectores não são meramente um
contínuo cujo extremo oposto constitui um factor de risco. O conceito de factores
de protecção implica um efeito activo na diminuição do impacto dos factores de
risco ou, por vezes, factores associados a um ponto de viragem na trajectória
64
Conclusões
Nos últimos 20 anos foram feitos avanços consideráveis, na área da prevenção das
perturbações emocionais e comportamentais das crianças e jovens. É neste
momento possível identificar factores de risco e de protecção no desenvolvimento
de perturbações de comportamento e perturbações de internalização nos jovens, a
maioria dos quais é passível de ser alterada através de intervenções psicossociais.
A identificação de factores de risco e de protecção associados quer ao
desenvolvimento de perturbações de externalização quer ao desenvolvimento das
perturbações da internalização, aparece como da maior relevância, nomeadamente
em intervenções universais com grupos naturais, em meio escolar, onde estas
perturbações coexistem, uma vez que sabemos (Matos, Simões & Canha, 1999;
Matos & al, 2000; Matos & al, 2003) que as perturbações da internalização são
mais frequentemente referidas pelo género feminino e as perturbações de
externalização mais apresentadas pelo género masculino, em jovens em idade
escolar entre os 11 e os 16 anos.
Há agora muitos estudos sobre intervenções universais, selectivas e precoces que
reportam resultados positivos na redução do risco de desenvolvimento de
perturbações emocionais e de comportamento. Há no entanto, muitas perguntas
por responder, a maioria das quais têm a ver com a eficácia das intervenções a
longo prazo e com as limitações da eficácia das intervenções, em termos de
resultados duráveis e traduzíveis na melhoria da qualidade de vida dos jovens
incluídos nestas intervenções, sobretudo quando condições extrínsecas
extremamente adversas (privação socioeconómica, carências educacionais graves,
exclusão social, xenofobia e racismo, exposição a cenários de violência e guerra),
não permitem a estes jovens uma igualdade de oportunidades em termos de
inserção na comunidade (Matos,. 1997a; Matos & Simões, 1999; Matos et al,
2000; Matos, 2001; Matos, 2002, Matos & Simões, 2003, Matos et al 2003).
69
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71
Resiliência e saúde
Celeste Simões
Introdução
Ao longo da nossa vida somos confrontados com desafios que nos proporcionam
fascinantes descobertas acerca de nós próprios e do mundo que nos rodeia. No
entanto, estes desafios também podem constituir factores de stress e, como tal,
factores de risco para um bom ajustamento. A forma como ultrapassamos estes
desafios depende dos recursos internos e externos que cada um de nós tem ao seu
dispor.
Todas as pessoas possuem mais ou menos recursos, pessoais e ambientais, que os
defendem do surgimento de problemas. Estes recursos são colocados à prova em
situações de stress, adversidade ou risco que ”precipitam” as pessoas ao encontro
de consequências negativas. Mas nem sempre o encontro é uma realidade. Quando
assim acontece, diz-se que se está perante pessoas resilientes. Tavares (2001),
refere-se à pessoa resiliente como ”… alguém flexível, aberto, criativo, livre,
inteligente, emocionalmente equilibrado, autêntico, empático, disponível,
comunicativo, capaz de resistir às mais variadas situações mais ou menos
complicadas e difíceis, sem partir, sem perder o equilíbrio, por mais adversas que
essas situações se lhe apresentem, p.57”. Uma das questões que levantou o
interesse por esta área de estudo relativamente recente, foi precisamente o facto de
indivíduos perante situações de risco não apresentarem sinais de desajustamento,
como à partida era esperado, ou um desajustamento a longo prazo ou para toda a
vida (Luthar & Zigler, 1991). A resiliência tornou-se assim um modelo de análise
abrangente, que apresenta uma ênfase especial nos factores e processos de
protecção que, em condições adversas a um desenvolvimento saudável,
conseguem inverter o percurso de factores de risco.
De acordo com a sua origem etimológica (do latim, resillĭre), resiliência quer
dizer ”saltar para trás”. Segundo Garmezy (1993), por definição, a resiliência
constitui uma qualidade elástica, que envolve a capacidade de distender sob o
efeito do stress e depois voltar ao normal. A resiliência pode assim ser
conceptualizada como um tipo de plasticidade ou flexibilidade. A plasticidade
fornece um índice através do qual a mudança pode ser medida e, deste modo, a
flexibilidade da pessoa para lidar com essa mesma mudança (Staudinger,
Marsiske, & Baltes, 1993). Um dos princípios da definição de resiliência é o de
que tem de haver risco ou experiências stressantes num determinado período da
vida do sujeito (McGloin & Widom, 2001). Nas crianças, o atributo de resiliente
75
vida. Alguns dos problemas na estrutura familiar mais estudados, inclusive através
de estudos longitudinais, são o divórcio, as famílias mono-parentais, os maus
tratos, as perturbações mentais e a desvantagem socioeconómica.
Também os factores de stress singulares (Gore & Eckenrode, 1996) têm
constituído factores de risco alvo, no estudo da resiliência. A percepção de um
acontecimento como stressante é fundamental para o desencadeamento do stress.
Segundo Lazarus e Folkman (1984), os acontecimentos podem ser vistos como
positivos, negativos ou neutros em termos de consequências, sendo designados
como benignos, stressantes ou irrelevantes. São os acontecimentos
percepcionados como stressantes que geram stress. A este propósito, Rutter
(1996) salienta o papel activo que as pessoas têm no impacto dos factores de risco.
As pessoas seleccionam e moldam os seus envolvimentos. Um determinado factor
de stress ou acontecimento não é vivido por todos indivíduos de uma família da
mesma maneira, devido a factores individuais, à forma como se percebe o
acontecimento, ao grau de envolvimento, às interacções que se estabelecem e à
forma como se percebem e processam as interacções. Assim, é fácil perceber que
a forma como se percebe e age sobre os acontecimentos determina uma parte
significativa do impacto da adversidade e do stress.
A avaliação de um acontecimento como stressante pode desencadear reacções de
ansiedade, medo, tristeza, falta de esperança, culpa, zanga, hostilidade, etc.
(Garmezy & Rutter, 1985; Ribeiro, 1998). São múltiplos os acontecimentos que
podem ser percepcionados como ameaças ao bem-estar. Encontram-se referências
a pequenos problemas do dia-a-dia, baixo estatuto sócio-económico (Luthar &
Zigler, 1991), perdas pessoais, relações interpessoais cronicamente perturbadas
(Garmezy & Rutter, 1985), divórcio, abandono, abuso, alcoolismo, acidentes,
doença, morte, assaltos, perda do emprego, mudanças significativas na vida
(Grotberg, 1997), factores relacionados com a saúde física, com a casa e a
vizinhança, com os filhos, com a família alargada e com os amigos (Moss &
Swindle, 1990, cit. in Ogden, 1996), e a percepção de riscos ambientais (Lima,
2004). Evans e Cohen (1987, cit. in Israel & Schurman, 1990) apresentam uma
divisão dos acontecimentos stressantes em cinco categorias: acontecimentos
significativos de vida, como por exemplo, morte de uma pessoa querida,
casamento, divórcio, perda de emprego, nascimento de uma criança, mudança de
residência; incómodos do dia-a-dia, como por exemplo, cumprimento dos prazos
de trabalhos, reparações em casa, falta de dinheiro, falta de tempo livre; tensões
crónicas, que envolvem por exemplo, dificuldades mantidas no tempo (pobreza,
desemprego a longo prazo, racismo, conflitos familiares); acontecimentos
catastróficos ou traumáticos, onde se incluem dilúvios, tremores de terra,
tempestades, acidentes nucleares, guerras, aprisionamento; stressores ambientais,
os mais permanentes e menos modificáveis e que são, entre outros, o caso da
80
Factores de Protecção
Quando atrás se apresentaram dados do estudo longitudinal do Kauai, referiu-se
que cerca de dois terços dos indivíduos com múltiplos problemas ao longo do seu
desenvolvimento, apresentavam problemas na idade adulta. No entanto, estes
resultados também querem dizer que cerca de um terço das crianças e
adolescentes que cresceram em ambientes adversos se tornaram adultos
competentes e confiantes (Werner, 1996). Foram vários os factores que
contribuíram para uma boa adaptação aos 40 anos de idade: satisfação com o
trabalho e com as relações interpessoais, auto-avaliação positiva. Entre os factores
mais importantes encontram-se: as boas relações familiares, um bom nível
educacional e poucos acontecimentos stressantes, não só no momento actual mas
também em etapas anteriores da vida, nomeadamente na adolescência (Werner &
Smith, 2001).
A capacidade para a ultrapassar as dificuldades, os problemas, os acontecimentos
negativos, ou as adversidades em geral, é desenvolvida e alimentada por vários
factores. Grotberg (1995, 1998) apresenta alguns: factores de apoio e recursos
externos, que envolvem relações de confiança, acesso à saúde, educação, serviços
de segurança social ou equivalentes, apoio emocional fora da família, estrutura e
regras em casa, encorajamento parental da autonomia, envolvimento escolar
estável, modelos adequados, organizações religiosas; forças pessoais, onde se
podem encontrar um sentido de ser amado, fé, crença em Deus, moralidade,
confiança, empatia, altruísmo, locus de controlo interno; competências sociais,
como por exemplo, a criatividade, persistência, humor, comunicação, resolução de
83
realização) e nas potencialidades que as suas acções têm para atingir objectivos e
para ultrapassar obstáculos (auto-eficácia de resultados), têm com certeza pouco
incentivo para acção e para resistência às adversidades. Um forte sentido de auto-
eficácia reduz a vulnerabilidade ao stress e consequentemente aumenta a
resiliência (Bandura, 2001).
Bandura (2001) refere que os factores que estão por trás dos comportamentos
podem afectar profundamente o percurso desenvolvimental dos indivíduos. Estes
factores poderão ser apenas os despoletadores de um comportamento mas, como
se sabe, os comportamentos não ocorrem num vazio social, mas sim em contextos
produtores de novas influências. Torna-se assim fundamental a participação activa
dos indivíduos na selecção, criação ou adaptação dos seus envolvimentos para que
deste modo possam ser os principais condutores da sua própria vida. Tavares
(2001) salienta também a acção humana como peça fundamental para a resiliência
e para a ”transformação e optimização da sociedade”. O autor refere-se às
pessoas, mesmo as que estão em risco, como sujeitos de poder e vontade, cujas
capacidades precisam de ser recrutadas e activadas para que se possam tornar
indivíduos mais confiantes e resilientes.
Conclusões
Analisaram-se diversos factores e processos ligados ao risco e à resiliência. Entre
as múltiplas definições de resiliência que é possível encontrar, talvez a mais
consensual, como refere Windle (1999), seja a de uma adaptação com sucesso às
tarefas da vida em condições de desvantagem social ou em situações fortemente
adversas. Um dos factores necessariamente presente na resiliência é o risco. A
resiliência traduz-se na adaptação perante o risco. O risco pode ser encontrado em
vários domínios: pessoal, familiar ou comunitário. A nível pessoal encontram-se
determinadas características que, em interacção com o envolvimento, podem
precipitar os indivíduos para o perigo (Antonovsky & Sagy, 1986). O risco poderá
também estar num envolvimento próximo, nomeadamente na família, nos amigos
ou no local onde vive. O risco pode ainda ter origem em acontecimentos de vida
stressantes gerados nos contextos significativos para o indivíduo.
Outros factores aliados à resiliência são os factores de protecção. Tal como no
risco, também estes factores podem ser individuais, familiares ou comunitários.
Dentro dos factores individuais encontram-se as competências cognitivas,
emocionais e relacionais. Estas competências são fundamentais para actuar
directamente sobre o risco, mas também para o recrutamento de factores de
protecção na família e na comunidade. Na família destaca-se a importância do
apoio afectivo e das boas práticas parentais. Na comunidade destacam-se, para
além das oportunidades de participação nas actividades comunitárias, o papel
fundamental que a escola tem na promoção de factores de resiliência.
89
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93
Tania Gaspar, Margarida Gaspar de Matos, José Luis Pais Ribeiro & Aldina
Gonçalves
Introdução
O interesse despertado pela qualidade de vida relacionada com a saúde (SRQV)
em crianças saudáveis tem vindo a aumentar, ao mesmo tempo que se têm
desenvolvido métodos de avaliação da qualidade de vida neste grupo etário.
Pretende-se aqui caracterizar e discutir considerações metodológicas da avaliação
da qualidade de vida relacionada com a saúde em crianças. Apresenta-se o
projecto colaborativo europeu Kidscreen que tem como objectivo o
desenvolvimento de um instrumento estandardizado para avaliação da qualidade
de vida em crianças e a sua utilização em amostras representativas nacionais em
diferentes países europeus. O projecto inclui uma análise nacional e uma análise
transcultural. Será o primeiro estudo transnacional a fornecer uma oportunidade
para o desenvolvimento, teste e implementação de um instrumento de medida com
utilização em crianças e adolescentes. Portugal colabora actualmente no projecto
europeu Kidscreen, através da equipa nacional do projecto Aventura Social e
Saúde, numa acção conjunta de investigadores da Faculdade de Motricidade
Humana, Centro da Malária e outras doenças Tropicais do Instituto de Higiene e
Medicina Tropical, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da
Universidade do Porto e Instituto Superior de Psicologia Aplicada.
Considerações metodológicas
É necessário ter em conta um número de considerações metodológicas no
desenvolvimento e na estrutura dos instrumentos, nomeadamente a sua validade,
fontes complementares e desenvolvimento da criança.
Loevinger’s (1957, cit Wallander & Schmitt, 2001) discute a validade de um
constructo em termos de validade substantiva, estrutural e externa. A validade
substantiva prende-se com o contexto teórico, definição e conteúdo. A validade
estrutural refere-se à relação entre o instrumento e o constructo através de
actividades comportamentais. A validade externa pode ser demonstrada se
explicar claramente as definições do constructo e a sua forma teórica.
Alguns grupos de crianças não têm a capacidade de fornecimento de relatos sobre
a sua qualidade de vida, quer devido à tenra idade, quer porque estão doentes ou
101
4. Auto-percepção
5. Autonomia
6. Relação com os pais e envolvimento familiar
7. Amigos e relações interpessoais de apoio social
8. Envolvimento escolar
9. Violência
10. Recursos económicos/financeiros
Os resultados são calculados para cada uma de dez dimensões consideradas, e
serão apresentados valores para cada país, estratificados por idade, género e
estatuto sócio-económico.
O Kidscreen é um instrumento que mede a saúde geral associada à qualidade de
vida para crianças e adolescentes. Foi desenvolvido no âmbito do projecto
Europeu “Screening and Promotion for Health-Related Quality of Life in Children
and Adolescents – A Europen Public Health Perspective” criado pela Comissão
Europeia. O projecto decorreu durante 3 anos (2001-2004) e os participantes
iniciais foram a Áustria, a Republica Checa, a França, a Alemanha, a Grécia, a
Hungria, a Irlanda, a Polónia, a Espanha, a Suécia, a Suiça, a Holanda e o Reino
Unido.
O projecto tem como objectivo uma cooperação europeia no desenvolvimento de
um instrumento estandardizado de avaliação da qualidade de vida, que irá ser
aplicado a amostras representativas nacionais e europeias. O instrumento também
pode ser utilizado para avaliação genérica da qualidade de vida em crianças e
adolescentes com doenças crónicas. Pretende, ainda, identificar crianças em risco,
em termos da saúde subjectiva e sugere intervenções precoces apropriadas ao
incluir o instrumento na investigação e divulgação no âmbito dos serviços de
saúde.
O projecto Kidscreen (Ravens-Sieberer, Gosch, Abel, Auquier, Bellach, Bruil,
Dur, Power, Rajmil & European Kidscreen Group, 2001), desenvolveu-se ao
longo de três fases (1) desenvolvimento e teste do instrumento; (2) aplicação do
instrumento em amostras de grandes dimensões no âmbito da saúde; (3)
implementação, onde será testada a utilização do instrumento em diferentes
contextos.
Todo o projecto é baseado em 11 grupos de trabalho. Enquanto que o centro de
estudos é responsável pela co-orientação/coordenação de todos os grupos de
trabalho e fases do projecto, cada centro participante é alternadamente responsável
por conteúdos de diferentes grupos de trabalho. O centro de estudos localiza-se no
Robert Kock Institute (RKI), a instituição central é o Ministério da Saúde em
Berlim. Os parceiros têm a experiência no âmbito da saúde pública e em
investigação sobre QVRS em crianças e adolescentes. A equipa portuguesa
iniciou a sua colaboração em 2004, tendo já traduzido e adaptado os instrumentos
106
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108
Tania Gaspar
Introdução
Nas últimas décadas, houve em Portugal grandes mudanças sociais, políticas e
culturais. Portugal passou de fornecedor de mão-de-obra a país de acolhimento
para muitos, especialmente provenientes de ex-colónias portuguesas. A interacção
social resultante deu origem a uma renovação das atitudes e das formas de
expressão cultural. Este carácter multicultural da sociedade portuguesa é uma
realidade irreversível, em particular nos meios urbanos mais industrializados
(Martins & Silva, 2000).
Paralelamente, temos assistido na Europa, nomeadamente em Portugal, a um
aumento crescente de aspectos relativos à discriminação de minorias descritas
como minorias étnicas e raciais (Vala, Lopes & Brito, 2000).
Actualmente, a discriminação é baseada sobretudo nas diferenças culturais. Pode-
se, no entanto, considerar que, em muitos casos, a expressão das diferenças
culturais é, implicitamente, uma expressão de racismo (Vala, Lopes & Brito,
2000).
Em resultado do aumento do seu fluxo de entrada em Portugal, na segunda metade
da década de 70 e na de 80 do séc. XX, os migrantes oriundos dos países africanos
de língua oficial portuguesa (PALOP), isolados ou em família, tiveram
dificuldades de alojamento pelo que ocuparam as casas que encontraram livres,
quaisquer que fossem as condições de habitabilidade e segurança ou, em
alternativa, sobre-ocuparam alojamentos ou construíram barracas clandestinas nos
terrenos ”disponíveis” à volta das grandes cidades, especialmente em Lisboa.
Estes bairros estão, muitas vezes, situados em zonas suburbanas que servem de
”dormitório” à cidade, contrastando de modo flagrante com os bairros vizinhos
que, apesar das suas características suburbanas, apresentam condições de
habitabilidade consideradas normais, e com cujos residentes surgem
frequentemente tensões e conflitos (STEP/BIT, 2003). Para além dos problemas
habitacionais e ambientais, as situações de pobreza e exclusão social e de riscos
de marginalidade social assumem também outras formas de natureza
socioeconómica e cultural (STEP/BIT, 2003): (a) baixos níveis de escolaridade e
de qualificação profissional, traduzindo-se nos adultos em vínculos laborais
precários e desqualificados e em situações frequentes de desemprego, implicando
baixos rendimentos; (b) falta de acesso aos direitos sociais básicos (como a
segurança social), devido à ilegalidade em que muitos se encontram; (c) presença
de uma importante economia subterrânea ligada à droga e à prostituição; (d)
111
Pobreza
A pobreza ou a desigualdade económica constituem uma das maiores ameaças
para a saúde dos indivíduos. Por um lado, limitam o acesso aos serviços de saúde,
aos gastos ligados a opções de vida saudável. Por outro, diminuem fortemente as
expectativas de uma vida e de um futuro associados ao bem-estar e
desenvolvimento pessoal e social, isto é, limitam o acesso à saúde, no presente e,
na falta de expectativas de uma igualdade de oportunidades, no futuro. A
desigualdade e a pobreza limitam o espectro dos estilos de vida saudáveis e estão
intimamente ligadas à saúde e à escolha e manutenção de estilos de vida. Os
indivíduos e países social e economicamente desfavorecidos têm uma menor
gama de escolhas na procura de um estilo de vida saudável e debatem-se com
questões fundamentais de existência, sobrevivência e direitos humanos. (WHO;
1997; STEP/BIT, 2003; Matos et al., 2003).
Segundo descreve o Programa global de Estratégias e Técnicas contra a Exclusão
Social e a Pobreza (STEP) da Organização Internacional do Trabalho (OIT)
(2003), pobreza e exclusão social estão relacionadas com factores ligados à
sociedade (âmbito “macro” e “meso”) e factores ligados às histórias pessoais e
familiares concretas (âmbito micro). Consideram factores “macro” aqueles que
dizem respeito às configurações estruturais da economia mundial e dos modelos
de desenvolvimento, de organização e funcionamento dos sistemas económicos e
financeiros predominantes no Mundo, bem como aos valores, normas e princípios
deles decorrentes, que por vezes são valores e preconceitos dominantes de
marginalização e de desprezo por grupos sociais, culturais e étnicos, assim como
políticas públicas de âmbito nacional de orientação discriminatória. Os factores
“meso” caracterizam-se por um conjunto de variáveis, que podendo ter origem nas
políticas macro ou nos elementos culturais dominantes, têm um impacto mais
significativo a nível local ou sectorial, tais como: atitudes culturais, preconceitos e
comportamentos sociais de discriminação de base local face a uma comunidade
113
Os cenários do Adolescente
Nesta fase da vida, a capacidade para lidar com eventos stressantes, tem a ver
com características individuais bem como com factores do envolvimento que
poderão acentuar ou atenuar as dificuldades percebidas (Neto & Ruiz, 1998).O
modelo proposto por Charlton, Melia e Moyer (1990) pretende conceptualizar a
forma como diversos factores (pessoais e sociais) interagem de forma a afectar um
comportamento específico do indivíduo. Utilizando o modelo proposto pelos
autores em relação ao consumo de tabaco, parece possível e adequada a sua
aplicação aos comportamentos de consumo de outras substâncias psico-activas,
nomeadamente o consumo de álcool. Os autores defendem que o comportamento
é influenciado por (a) estatuto sócio-económico, (b) influências da família, (c)
influências dos pares, (d) auto-imagem e personalidade e (e) reforço fisiológico. O
modelo identifica as maiores influências neste processo, salienta a influência dos
pares e do reforço fisiológico na experimentação. Por outro lado, refere a grande
influência da família, da auto-imagem e da personalidade na selecção dos pares.
No modelo apresentado em Matos et al. (2003) são considerados os cenários e os
actores que privam com o adolescente. Consideram-se características individuais -
114
Percepção de si
Sprinthall e Collins (2003) consideram a auto-estima como um elemento
avaliativo do auto-conceito, que é a auto-descrição de competências e de
identidade (p.e. ”sou branco” ou ”sou negro”), no qual os indivíduos formulam
um julgamento do seu próprio valor (p.e. ”eu sou a mais inteligente”).
Num estudo realizado por Carlson, Uppal & Prosser (2000) que abordava a
questão da auto-estima, comparando diversos grupos étnicos, os resultados
revelam que é consensual que a auto-estima elevada depende do estilo parental
democrático e da percepção de apoio por parte dos professores. Inversamente, o
stress parental influencia de modo negativo a auto-estima. A identidade étnica foi
considerada um factor preditor da auto-estima (especialmente nas raparigas de
minoria étnica). Também, Roberts, Phinney, Masse & Romero (1999) defendem
que a identidade étnica está positivamente relacionada com o bem-estar
psicológico, com o desenvolvimento de estratégias de coping, com a auto-estima e
com o optimismo, enquanto que está negativamente relacionada com a solidão e a
115
Escola
A escola está referida como responsável pela transmissão de normas e padrões
comportamentais. Na sociedade actual, a escola representa um papel determinante
no processo de socialização das crianças e dos adolescentes (Settertobulte, Jensen
& Hurrelmann, 2001). Em relação aos grupos étnicos, a actuação da escola é
muito reduzida, uma vez que são os jovens pertencentes a minorias étnicas que
apresentam maiores dificuldades de adaptação e índices mais elevados de
insucesso escolar e de abandono (Wyman, 1993; Fagan & Pabon; Tildesley e al.,
cit. por Oetting & Donnermeyer, 1998). Assim como os sujeitos com nível sócio-
económico baixo, muitos sujeitos negros apresentam fracasso escolar e
representações negativas da escola, desistência precoce perante o fracasso,
desresponsabilização pelos resultados da realização, sentimentos de desânimo e
”abandono aprendido”. Por outro lado, apresentam expectativas de sucesso
irrealistamente elevadas, mesmo quando os resultados da sua realização se
revelam baixos (Faria, 1999; Honora, 2002; Graham & Juvonen, 2002).
O apoio académico dos pais e dos pares é um bom indicador para o sucesso
escolar. Os alunos africanos referem uma positiva influência dos pais mas que é
suplantada por uma ausência de apoio dos pares. Por outro lado, os jovens
africanos não atribuem o sucesso escolar a um maior esforço e dedicação e
referem que o insucesso escolar não os vai afectar na sua vida futura (Steinberg,
Dornbusch & Brown, 1992). Tendo em conta que os professores têm uma grande
influência na percepção que os alunos tem da sua realização, o facto de os
professores de grupos minoritários serem frequentemente mais tolerantes ao
fracasso vai transmitir aos indivíduos sinais indirectos de que o fracasso dos
alunos se deve a causas estáveis e incontroláveis, como a falta de capacidade. O
papel do professor é fundamental na promoção, nos jovens, do desenvolvimento
de capacidades de decisão e de escolha de estilos de vida saudáveis. Perante este
cenário, torna-se claro que, ligada à função docente, a formação de professores
será um polo de intervenção fulcral, devendo ter como objectivo uma formação
pluri-cultural que contemple a valorização das características e culturas dos jovens
(Neto & Ruiz, 1998).
Uma vez que Portugal tem sido um país de imigração para originários dos
PALOP, a escola passou a ser um palco de encontro para estes grupos culturais
(STEP/BIT, 2003). O sistema de ensino pode considerar-se como um meio
estruturado e estruturador que contribui para a normalização dos alunos. Um
estudo realizado por Gonçalves e Neto (2001) verifica que não existem diferenças
significativas nas dimensões das representações sociais da escola entre os alunos
portugueses e os alunos dos PALOP, concluindo-se que a socialização escolar
pode conduzir à homogeneização das representações que aí se elaboram. A escola
como instituição de socialização transmite a cultura da classe dominante, criando
117
Grupo de pares
Na adolescência, os pares são fundamentais e significantes para o
desenvolvimento do sujeito, a nível normativo e a nível diferencial. Os jovens
utilizam os amigos como recursos sociais e cognitivos no seu dia-a-dia (Hartup,
1999; Settertobulte, Jensen & Hurrelmann, 2001; Lambert, Hublet, Verduyckt,
Maes & Broucke, 2002; Matos, Gaspar, Vitória & Clemente, 2003).
Num estudo desenvolvido por Verkuyten e Wolf (2002) em relação à identidade
étnica e à identidade familiar, o autor conclui que os jovens de minorias étnicas
dão maior peso à identidade familiar, enquanto que os jovens de maiorias étnicas
dão maior peso à identidade étnica. O sentimento de pertença pode moderar ou
mesmo eliminar a percepção de estigmatização de jovens de minorias raciais e
étnicas. O desenvolvimento de uma identidade de grupo comum, deverá diminuir
a estigmatização, promover atitudes inter-grupo, aumentar a satisfação
institucional e promover o comprometimento de todos os jovens (Dovidio,
Gaertner, Niemann & Snider, 2001). Os adolescentes atravessam uma fase de
construção da identidade, em que as atitudes ainda não estão cristalizadas, sendo
por conseguinte possível e oportuno operar preventivamente, através duma
educação inter-cultural, sobre as atitudes e comportamentos racistas e xenófobos
118
Comunidade
No contexto comunitário a juventude é o reflexo da sociedade: culturalmente
heterogénea, marcada pela discriminação, pelas desigualdades económicas e
sociais, pela existência de sistemas culturais diferentes e hierarquizados, um que
domina e outros minoritários.
A exposição à exclusão e à discriminação tendo como base a etnia está associada
a níveis menos favoráveis de saúde mental e de ajustamento, ou seja, factores
como os acontecimentos de exclusão ou de discriminação afectam a identidade
étnica e a auto-estima global do sujeito, assim como provocam um contexto de
stress, levando, consequentemente, a problemas emocionais e comportamentais
(DuBois et al., 2002).
Segundo descreve Neto (2003), um dos conjuntos de comportamentos
denominado ”stress de aculturação” inclui experiências engendradas durante a
aculturação que são disruptivas para o indivíduo e para o grupo (p.e., consumo de
substâncias -álcool e drogas-, sintomas físicos e psicológicos, e sentimentos de
marginalidade). O stress de aculturação acarreta uma redução na saúde, física,
psicológica e social. Por outro lado, o stress não é necessariamente negativo: pode
ser uma força positiva e criadora que estimule e motive o funcionamento
psicológico do indivíduo.
Na adaptação do modelo de Berry, Kim, Minde e Mok (1987) feita por Neto
(2003), são identificados factores que moderam as relações entre aculturação e
stress: (a) a natureza da sociedade, pluri-cultural ou mono-cultural; (b) tipo de
grupo tema de aculturação, imigrantes ou refugiados, etc.; (c) modos de
aculturação, integração, assimilação, separação e marginalização; (d)
características demográficas e sociais do indivíduo, idade, género, apoio social,
etc.; (e) características psicológicas do indivíduo, tais como atitudes, valores,
identidade, estratégias de confronto.
A percepção do ambiente social (percepção de riscos na vizinhança, delinquência
dos amigos, e práticas de monitorização parental) e do controlo pessoal
(competência para controlo da raiva e características de relação com o risco) são
factores preditores na agressão interpessoal, principalmente, na juventude
minoritária urbana. Os resultados de um estudo levado a cabo por Griffins,
Scheier, Borvin, Diaz & Miller(1999) indicam que a percepção de monitorização
parental, a delinquência dos amigos e a percepção de riscos na vizinhança estão
directamente associados com a agressividade e têm uma associação indirecta com
competências de controlo da raiva. A gestão das diferenças exige um modelo de
cooperação entre os actores implicados (pais, escola, pares e a comunidade)
(Monteiro, 2000).
120
Uma vez que a comunidade tem uma grande influência no comportamento dos
indivíduos, inclusive no consumo de álcool na adolescência, os programas
preventivos deviam ser focados na comunidade (a) influenciar o ambiente social
dos jovens e mudar as normas, os valores e as políticas que promovem o seu
comportamento de consumo; (b) coordenação entre os serviços de saúde e de
educação e as estruturas da comunidade; (c) promoção de partilha da
responsabilidade sobre a sua saúde e desenvolvimento de competências pessoais
para a mudança e a respectiva manutenção a longo prazo (WHO, 1996).
No sentido da melhoria do bem-estar e da saúde dos indivíduos e das
comunidades é evidente que é necessária uma perspectiva ecológica e comunitária
que permita compreender os comportamentos relacionados com a saúde em
função de contextos sociais e culturais, uma vez que existem muitos
comportamentos de risco para a saúde associados a determinantes sociais e/ou
culturais e que nos deparamos com uma diminuição da coesão social e uma
degradação dos sistemas tradicionais de apoio (família, vizinhança, etc.) (Glanz,
1999; Seltertobulte, Jensen & Hurrelmann, 2001).
seus direitos, resistência à pressão de pares, etc., optimizam a sua capacidade para
a escolha de um estilo de vida saudável e para a sua manutenção. Um programa de
intervenção com jovens desenvolvido pela Universidade de Cornell (in Hamburg,
1999), inclui treino de resistência a influências sociais de risco, treino de
resolução de problemas, treino de assertividade, estratégias para lidar com a
ansiedade e competências sociais essenciais. Este programa de promoção de
competências sociais e pessoais é apresentado por diversos modelos: os
professores, os pares mais velhos e outros profissionais externos à escola. A
educação para a saúde não se pode limitar à adopção de uma abordagem das
doenças de cariz informativo. As acções educativas têm de ser integradas num
contexto mais vasto de promoção da saúde, não só para que a as tomadas de
decisão sejam dos próprios indivíduos assim como a responsabilidade pela sua
saúde, mas também para que eles se sintam competentes para a adopção de estilos
de vida saudáveis e, ainda, para que o seu envolvimento físico e social seja
favorável a estes estilos de vida permitindo uma acessibilidade fácil, socialmente
valorizada e duradoura (WHO, 1999).
Para a elaboração esclarecida, informada ou baseada na investigação de
programas de intervenção na comunidade, que promovam os comportamentos de
saúde e apoiem a implementação e manutenção de estilos de vida saudáveis a
nível comunitário, tendo em conta as diferenças sócio-culturais nas comunidades,
é necessário o conhecimento da situação real, (Matos et al., 2003).
Quando falamos em intervenção comunitária pomo-nos necessariamente perante
um cenário multi-variado, com uma multiplicidade de pontos de vista, sendo que
o sistema-interventor dificilmente será eficaz se não possuir uma visão de
conjunto sobre o sistema-alvo e sobre o ambiente em que se processa a
intervenção, no sentido de um verdadeiro desenvolvimento comunitário,
”processo tendente a criar condições de progresso económico e social para a
toda a comunidade, com a participação activa da sua população e a partir da sua
iniciativa”(Carmo, 1999; 2000).
Outro ponto importante é a informação no trabalho comunitário: é necessária uma
metodologia rigorosa que permita seleccionar a informação relevante sobre as
comunidades com que se trabalha no sentido de diagnosticar os seus recursos e
necessidades, programas e linhas de actuação adequadas e de modo a evitar
situações de sobre, sub e pseudo informação que obscureçam a visibilidade do
problema (Carmo, 1999).
Deste modo, as metodologias de intervenção comunitária devem ter um carácter
multi-dimensional e interdisciplinar que requer uma visão integrada, com a
participação e mobilização das capacidades dos cidadãos e com uma intervenção
sistémica e em parceria. No entanto, verificam-se diversas dificuldades e
obstáculos à participação. Por parte da população, devido a uma atitude de
124
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Hirsch, B.; Mickus, M. & Boerger, R. (2002). Ties to influential adults among
black and white adolescents: culture, social class, and family networks.
126
Introdução
O estudo do desenvolvimento da criança e da psicopatologia dá cada vez mais
atenção à interacção de múltiplas variáveis contextuais na vida da criança
(Cicchetti & Lynch, 1993). Uma das vias da investigação tem a ver com a
natureza protectora da relação de parceria entre a casa, a escola e a comunidade
(Johnson, 1994; Smith, Connell, Walker, Hurley, Norman, Sizer, & Wright,
1997). O envolvimento positivo dos pais na vida escolar dos filhos tem sido
associado a resultados positivos tanto para os pais como para os filhos (Becher,
1986; Epstein, 1987; Grolnick & Slowjaczek, 1994; Bezruczko & Hageman,
1996). Esta parceria é o foco principal deste trabalho, enquanto factor ligado à
protecção a nível da psicopatologia na adolescência.
Revisão da literatura
Tendo como base as teorias de Bronfenbrenner (1977) and Belsky (1980),
Cicchetti and Lynch (1993) apresentam um modelo ecológico transaccional no
qual contextos ecológicos de vários níveis se influenciam mutuamente e têm
impacto na vida das crianças e adolescentes. O modelo descreve como os
diferentes níveis da ecologia do indivíduo (p.e. cultura, comunidade, família,
indivíduo) se podem inter-influenciar. É sugerido que o impacto que factores (p.e.
isolamento social) a um nível (p.e. comunidade), podem ter a um outro nível (p.e.
família), são determinados pela presença de factores de protecção e de
vulnerabilidade (Cicchetti & Lynch, 1993).
A maior vantagem de uma abordagem ecológica é a que põe em consideração
simultaneamente um conjunto interactivo de variáveis. Do ponto de vista
histórico, a maior parte dos investigadores na área do desenvolvimento da criança
e do adolescente e da área da psicopatologia da criança e do adolescente, estudou
uma ou duas áreas relevantes. As relações entre sub-sistemas individuais e a saúde
do adolescente estão já bem estudadas e descritas. Assim, a relação entre um
contexto familiar positivo e o bem-estar do adolescente (p.e., Dadds, 1995), a
relação entre um ambiente escolar positivo e o bem-estar do adolescentes (p.e.,
Battistich & Hom, 1997; Battistich, Solomon, Watson, & Kim, 1995) o consumo
de substâncias (Nutbeam & Aaro, 1991). Contudo estas relações aparecem
”encobertas” pela resiliência ou vulnerabilidade de cada jovem em particular (p.e.,
Senneseth, Aanerod, Wold, & Torsheim, 1999). Para além disso, é ainda mais
difícil tentar sair do âmbito das relações bi-variadas e operacionalizar e testar
130
Pais na escola
No que respeita ao envolvimento dos pais na escola, as melhores relações entre
pais e filhos encontram-se quando os pais conseguem maiores níveis de
envolvimento com os professores (Becher, 1986). Os pais que mais se envolvem
na escola desenvolvem atitudes mais positivas em relação à escola e aos
professores dos filhos, atitudes mais positivas sobre si próprios e um aumento da
auto-confiança, para além de que desenvolvem maiores expectativas para os filhos
(Becher, 1986; Hover-Dempsey, Bassler & Brissie, 1992).
Smith et al. (1997) avaliaram factores contextuais relacionados com o
envolvimento dos pais em casa e na escola. 201 pais (de variados ESE) foram
questionados sobre a frequência e o tipo de envolvimento na escola, atitudes
associadas, barreiras percebidas, ambiente na escola e na vizinhança. De modo
consistente com o modelo ecológico, os antecedentes e as atitudes dos pais, as
práticas dos professores, e o clima da escola e da vizinhança foram associados a
uma contribuição no envolvimento dos pais na escola, como colaboradores da
escolarização dos filhos. Smith et al. (1997) sugeriram que os antecedentes
parentais como a sua educação, rendimento, estrutura familiar, estão
indirectamente relacionados com o envolvimento parental, por via o seu impacto
na vizinhança e por sua vez no ambiente da escola. Nas escolas consideradas com
um ambiente positivo, os pais referiram menos barreiras ao envolvimento dos pais
na escola, referindo ainda a existência de maiores níveis de envolvimento real
entre a família e a escola.
Embora se reconheçam limitações metodológicas a este estudo, tais como o facto
de os pais serem a única fonte de informação, Smith et al. (1997) apresenta um
número de implicações práticas no aumento do parceria família-escola-
comunidade. Enquanto que estudos anteriores centravam o aumento da
colaboração dos pais na educação do jovem, nos próprios pais, estes resultados
sugerem a necessidade de uma perspectiva mais lata (Smith et al., 1997). Esta
abordagem prevê a promoção de colaboração, através de acções conjuntas com
pais e professores, à volta de temas como a comunicação activa, a solução de
problemas, o apoio mútuo, e o diálogo entre ”funções”(Christenson & Cleary,
1990; Matos, 1998). Os resultados apresentados por Smith et al. (1997) no que diz
respeito ao ambiente da vizinhança, são consistentes com trabalhos anteriores
onde se defende que as escolas que estabeleçam laços de colaboração com
recursos na comunidade podem potenciar o envolvimento dos pais na educação
dos seus filhos, bem como ir ao encontro de outras necessidades das famílias que
possam dificultar o desenvolvimento harmonioso das crianças e adolescentes
131
se envolver na escola e por isso o envolvimento dos pais na escola pode à partida
ser ele mesmo um sinal de que se trata de pais mais saudáveis. Para além disso, os
resultados de Smith et al. (1997) acima descritos sugerem que talvez os pais
tendam a envolver-se mais nas escolas onde a qualidade é já um facto. Quer isto
dizer que as escolas que valorizam a relação com os pais são escolas mais capazes
também de providenciar um bom ambiente para os alunos.
A qualidade do ambiente escolar e familiar pode confundir-se com o
envolvimento familiar na escola, quando pretende ter efeitos sobre a vida e o bem-
estar das crianças/jovens. Claramente é preciso estudar estes três factores em
simultâneo, de modo a verificar a contribuição de cada um deles no ajustamento e
psicopatologia da criança/adolescente. Este foi o objectivo principal do presente
estudo.
Neste estudo foi avaliada a relação entre o envolvimento da família na escola e o
ajustamento psicossocial dos adolescentes, depois de controlada a relação da
psicopatologia com variáveis relativas à comunicação com a família e ao ambiente
escolar. Usando análises de regressão, o estudo avaliou as contribuições das
variáveis demográficas, comunicação com a família, ambiente escolar como
preditores do envolvimento familiar na escola. Em seguida testou um modelo
ecológico complexo, avaliando a capacidade de que uma relação de colaboração e
parceria entre dois aspectos da ecologia do adolescente (família e escola) possa
acrescentar poder preditivo para além do que pudesse ser estabelecido por
aspectos individuais da ecologia do adolescente (ambiente escolar, comunicação
com a família)
Seguindo um modelo ecológico da saúde mental, foi posta a hipótese de uma
associação entre variáveis relacionadas com a escola e a família e o bem-estar e
ajustamento do adolescente, mas, adicionou-se a hipótese de que o envolvimento
família-escola traria uma associação nova e significativa, não esgotada nas
associações anteriores.
Método
O estudo português referido neste trabalho é parte integrante do estudo Europeu
HBSC (Currie et al., 2000; Matos, Simões, Carvalhosa, Reis & Canha, 2000). O
instrumento em que se baseia é um questionário de auto-administração, anónimo e
respondido numa base voluntária, por jovens incluídos em turmas sorteadas a
partir de uma lista nacional, respeitando a proporcionalidade da população escolar
das idades consideradas em cinco áreas educativas do território nacional. Os
questionários foram administrados em Março de 1998, pelos professores, na sala
de aula. O processo de distribuição e recolha dos questionários foi coordenado a
nível nacional, por médicos coordenadores regionais do Programa Nacional de
Educação para Todos (PEPT-Saúde). Foram incluídos jovens que frequentassem
133
os sexto, oitavo e décimo anos de escolaridade, com uma média de idade de 14.1
anos, desvio padrão de 1.7 anos.
Instrumento
O questionário foi composto por duas partes. Uma primeira parte genérica que
incluiu questões demográficas (idade, género, estatuto sócio-económico),
ambiente na escola, consumo de tabaco e álcool, lazer e actividade física, saúde
psicossocial, sintomas físicos e psicológicos, relações sociais e familiares e apoio
social e familiar. As perguntas do questionário nacional incluíram ainda, numa
segunda parte, questões relacionadas com o consumo de drogas e atitudes e
conhecimentos face ao VIH/SIDA. O questionário foi passado pelos professores,
num tempo lectivo, demorou cerca de 55 minutos a completar.
Amostragem
A turma foi utilizada como unidade de análise. Cento e noventa e uma escolas, de
ensino regular, foram aleatoriamente seleccionadas de uma lista nacional,
estratificada por região (cinco regiões escolares). Em cada escola as classes foram
seleccionadas também aleatoriamente de modo a atingir o número de alunos para
cada um dos três graus de ensino incluídos (sexto, oitavo e décimo ano de
escolaridade).
A amostra nacional consistiu em 6903 alunos, de 191 escolas portuguesas,
cobrindo todo o Portugal continental. Os alunos ficaram distribuídos pelas áreas
educativas, da seguinte forma: 39.7% Norte, 24.7% Centro, 25% Lisboa, 6.2%
Alentejo e 4.4% Algarve. Da totalidade da amostra, 53% eram raparigas e 47%
rapazes, 34.9% do 6º ano, 37.5% do 8º ano e 27.6% do 10º ano.
Após a análise dos resultados descritivos e do estudo de diversas distribuições,
criaram-se medidas nas três dimensões do ajustamento psicossocial do
adolescente (problemas de comportamento, Ansiedade/Depressão e Saúde física),
e três variáveis contextuais: comunicação escola-família, ambiente escolar e
envolvimento familiar. Para encontrar estas medidas, foram agrupados itens
individuais com validade facial para cada constructo e submetidos a análises de
consistência interna usando medidas de consistência interna (alpha). Os alpha
obtidos vão de .63 para o envolvimento dos pais na escola a .77 para problemas de
ansiedade/depressão
O objectivo do estudo foi a avaliação das potenciais associações entre variáveis
demográficas, pessoais, familiares e relacionadas com a escola e o ajustamento
pessoal e social dos alunos. A hipótese é de que a escola e a família possam ter
um efeito protector no ajustamento pessoal e social dos alunos, com um efeito
cumulativo e interactivo.
Resultados
134
Violência na escola
Podemos verificar que os adolescentes que não gostam da escola, os adolescentes
que acham que ir à escola é aborrecido, e os adolescentes que têm dificuldade em
falar com os pais, já se envolveram mais frequentemente em actos de violência na
escola, como provocadores, como vítimas ou com o estatuto duplo de
provocadores e vítimas em simultâneo (χ2 = (19.04 a 71.22), g.l.= (3 a 6), p
<.001, n= (6478 a 6793) (Matos & Carvalhosa, 2001c)
Consumo de droga
Passando agora à análise da distribuição da ocorrência de diversos factores de
vulnerabilidade por estas variáveis contextuais relacionadas com a família e a
escola, verificamos que os adolescentes que não gostam da escola, os adolescentes
que acham que ir à escola é aborrecido, e os adolescentes que têm dificuldade em
falar com os pais, já experimentaram mais frequentemente haxixe, estimulantes e
opiácios, e mais frequentemente já consumiram drogas no último mês (χ2 =
(14.56 a 100.84), g.l.= (1 a12), p <.001, n= (6485 a 6670). (Matos & Carvalhosa,
2001b)
Sintomas físicos e psicológicos
Os adolescentes que não gostam da escola, os adolescentes que acham que ir à
escola é aborrecido, os adolescentes que acham que os professores os consideram
abaixo da média, e os adolescentes que têm dificuldade em falar com os pais,
apresentam mais frequentemente sintomas físicos e psicológicos (χ2 = (18.57 a
313.37), g.l.= (1 a 3), p <.001, n= (6494 a 6723) (Matos & Carvalhosa, 2001d).
Consumo de tabaco
Os adolescentes que não gostam da escola, os adolescentes que acham que ir à
escola é aborrecido, os adolescentes que acham que os professores os consideram
abaixo da média, e os adolescentes que têm dificuldade em falar com os pais, mais
frequentemente já experimentaram ou mesmo consomem tabaco (χ2 = (41.17 a
308.12), g.l.= (1 a 6), p <.001, n= (6616 a 6810) (Matos, Carvalhosa, Vitória &
Clemente, 2001).
Consumo de álcool
Os adolescentes que não gostam da escola, os adolescentes que acham que ir à
escola é aborrecido, os adolescentes que acham que os professores os consideram
abaixo da média, e os adolescentes que têm dificuldade em falar com os pais, mais
frequentemente já experimentaram ou mesmo consomem álcool e ainda mais
frequentemente se embriagaram (χ2 = (19.56 a 354.97), g.l.= (1 a 3), p <.001, n=
(6663 a 6839) (Matos, Carvalhosa, Reis & Dias, 2001).
Imagem do corpo e dieta
Os adolescentes que não gostam da escola, os adolescentes que acham que ir à
escola é aborrecido, os adolescentes que acham que os professores os consideram
abaixo da média, e os adolescentes que têm dificuldade em falar com os pais, mais
136
Discussão
O presente estudo aponta resultados que apoiam de modo claro um modelo
ecológico na saúde mental do adolescente. Verificou-se que a qualidade de cada
um dos sistemas da vida do adolescente e a qualidade da relação entre eles estão
positiva e significativamente correlacionados. Tal como esperado, a qualidade de
cada sistema individual, familiar e escolar esteve associada com ganhos a nível do
ajustamento do adolescente. Foi também evidente o modo como as parcerias e a
efectiva colaboração entre diferentes sistemas da vida do adolescente estava
significativamente associada ao ajustamento comportamental e emocional. Estes
resultados apoiam os modelos ecológicos de Bronfenbrenner (1977), Belsky
(1980), e Cicchetti and Lynch (1993) que dão ênfase às inter-relações entre os
vários sistemas da vida dos jovens como determinantes de um estado de saúde
versus de patologia.
Tal como esperado, a comunicação familiar e o ambiente escolar foram ambos
significativamente associados à saúde dos adolescentes da amostra. Os níveis mais
baixos de determinação foram encontrados para a saúde física, onde a variância
explicada foi menos que 10% e foi globalmente devida à comunicação na família,
reportando melhor saúde os adolescentes com melhor comunicação com a família.
No que diz respeito aos problemas de comportamento e problemas de
ansiedade/depressão, a variância explicada foi muito maior, tanto para rapazes
como para raparigas. Para os problemas de comportamento, as maiores
associações foram com o ambiente escolar, sem que, contudo, a comunicação com
a família e o envolvimento dos pais na escola deixassem de ter o seu impacto
significativo.
Do ponto de vista teórico estes resultados apoiam o papel dos modelos ecológicos
de colaboração interactiva, mas defendem também a importância do ambiente
escolar e do envolvimento dos pais na escola na intervenção a um nível
comunitário, na prevenção dos problemas de comportamento nos adolescentes.
No que diz respeito à ansiedade/depressão a variação explicada foi substancial
tanto para rapazes como para raparigas. A maior associação foi encontrada para a
140
e bem-estar, que incluam os jovens e os actores relevantes das suas vidas: pais,
professores e pares.
A educação para a saúde nas escolas portuguesas poderá sem dúvida ser afinada
no sentido de ir ao encontro das necessidades, nomeadamente incluindo temas tais
como promoção de competências de comunicação interpessoal, competências de
identificação e resolução de problemas e gestão de conflitos (Matos, 1997; Matos,
Simões & Carvalhosa 2000), permitindo aos adolescentes maior participação e
envolvimento na vida escolar e familiar bem como sendo um facilitador da
interacção entre estes dois sistemas, como meio de atenuação da percepção
reduzida de bem-estar e dos problemas de internalização e externalização.
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Dadds, M.R. (1995). Families, children, and the development of dysfunction. New
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Epstein, J. (1987). Parent involvement: What research says to administrators.
143
Introdução
A família pode ser considerada como particularmente importante no
desenvolvimento moral e social da criança, uma vez que constitui o primeiro e
principal agente, decidindo os estímulos sociais a que criança se expõe e
determinando as categorias do comportamento que são definidas como
”adequadas”, encorajando-as e recompensando-as, e as que são definidas como
”desadequadas”, suprimindo-as e punindo-as. Porém a forma como os pais
exercem a sua função, é bastante diversificada influenciando o desenvolvimento
de determinadas características da criança. Os modelos afectivos e de interacção
que os pais utilizam para lidar com a criança, influenciam de modo significativo, a
forma como ela aprende e se relaciona. Os modelos parentais, as expectativas e os
métodos educativos determinam largamente o reportório de comportamento da
criança, bem como as suas atitudes e objectivos.
Darling e Steinberg (1993) definem as práticas parentais como comportamentos
definidos por conteúdos específicos e objectivos de socialização (atender às
funções da escola e punir fisicamente são ambos exemplos de práticas parentais).
Dependendo da hipotética relação entre os objectivos de socialização e os
resultados da criança, as práticas parentais podem ser operacionalizadas a
diferentes níveis. Por exemplo, se estivermos interessados no desenvolvimento de
auto-estima no adolescente, podemos colocar a hipótese de que os filhos de pais
que mostram interesse nas suas actividades desenvolverão uma auto-estima mais
positiva do que as crianças cujos pais o não fazem. Segundo os autores, as práticas
parentais podem ser mais bem compreendidas se as considerarmos como
operando em domínios de socialização circunscritos, tais como sucesso
académico, autonomia, ou cooperação com pares. Estes autores defendem que as
Práticas Parentais Educativas resultam em parte dos objectivos e valores dos pais.
Para melhor compreensão destes processos, tornam-se necessárias algumas
referências aos trabalhos que ao longo dos anos se têm debruçado sobre esta área.
Embora Bowlby (1982) considere que as primeiras ligações da criança são
preferencialmente estabelecidas com a mãe, relegando o pai para um papel
secundário, na década de 80 vários estudos como os de Lamb (1976, 1977), Biller
(1981), Hoffman (1982) e Radin (1981) comprovam que ambos os progenitores
são psicologicamente influentes como figuras de vínculo no desenvolvimento
infantil. Maccoby e Martin (1983) apoiam este ponto de vista referindo que: ”a
dinâmica e o impacto da interacção, não dependem do género da figura parental
146
com que a criança está envolvida, estabelecendo-se a relação com ambos os pais,
aproximadamente ao mesmo tempo” (p85). Surgiram outros estudos para verificar
se haveria relação entre as Práticas Parentais Educativas e o género da criança,
que constataram que a baixa autonomia concedida às raparigas, por exemplo, é
um dos argumentos frequentemente apresentados para explicar as diferenças de
género. Os pais manifestam uma satisfação desprovida de ambiguidade face às
manifestações de independência ou às realizações dos rapazes, enquanto os
mesmos comportamentos das raparigas suscitam a ansiedade parental. Além disso,
a super-protecção e a ajuda excessiva dada às raparigas torna mais difícil a sua
conquista da independência (Block, 1983).
A maior parte dos trabalhos referentes à educação da criança e aos seus efeitos
tem procurado identificar as características pelas quais os pais diferem,
significativamente uns dos outros, características essas que têm sido relatadas
como influentes nas diferenças que se verificam, a vários níveis, entre as crianças.
Os primeiros estudos desenvolvidos sobre as práticas parentais educativas,
utilizavam entrevistas, questionários ou escalas de atitudes, como forma de obter
informações directamente dos pais sobre as suas técnicas disciplinares, as suas
reacções típicas face a comportamentos específicos da criança e a valores
respeitantes ao processo educativo (Maccoby & Martin, 1983). Com base nos
dados assim obtidos, muitos trabalhos surgiram neste campo de especialidade.
Neste estudo será descrito em detalhe o modelo de avaliação das Práticas
Parentais Educativas, desenvolvido por Parker, Tupling & Brown (1979) já que
foi com base neste modelo que foi realizada a presente investigação. Parker,
Tupling e Brown (1979), propuseram um modelo bidimensional, que serviu de
suporte ao desenvolvimento do ”Parental Bonding Instrument”(PBI). As duas
dimensões subjacentes a este modelo são: Carinho e Super-Protecção. Carinho, é
definido num pólo (muito carinho), por afeição, emocionalmente caloroso,
empatia e relação estreita, e o outro pólo (pouco carinho), por indiferença,
negligência e frieza emocional. Por outro lado, a super-protecção é caracterizada
num pólo (muita super-protecção), por controlo, intromissão, contacto excessivo e
não permissão de comportamentos independentes, enquanto o outro pólo (pouca
super-protecção) se caracteriza basicamente pela facilitação da independência e da
autonomia. De salientar que as duas dimensões, não surgem de forma isolada. Os
resultados a que chegaram os autores, mostram que a Super-Protecção, está
intimamente relacionada com a necessidade de carinho.
A partir destas duas dimensões, é possível retirar quatro tipos de relações
parentais: controlo pouco afectivo caracterizado por muita super-protecção e
pouco carinho, em que existe, controlo, intromissão, super-protecção, excessivo
contacto, não permissão de comportamentos independentes, indiferença,
negligência e frieza emocional; relacionamento ”frouxo” ou ausente:
147
adolescentes que têm este tipo de patologia uma resposta ansiosa imediata, que
pode assumir a forma de ataques de pânico situacionais ou situacionalmente
prováveis. Geralmente a situação social ou de desempenho é evitada podendo, no
entanto, ser enfrentada com sofrimento. O diagnóstico é apropriado apenas se o
evitamento, medo ou antecipação ansiosa do confronto com a situação social ou
de desempenho interferir significativamente com a vida profissional, académica,
social ou sexual da pessoa. O evitamento e ansiedade social transitórios são
comuns na infância e principalmente na adolescência, período em que começa a
existir um maior relacionamento com o grupo de pares. Nos sujeitos com menos
de 18 anos, só os sintomas que persistem pelos menos durante seis meses se
qualificam para o diagnóstico de Fobia Social.
Os sujeitos com este tipo de patologia têm frequentemente baixo aproveitamento
escolar como consequência da ansiedade aos exames ou evitamento de
participação na turma, nomeadamente na exposição de trabalhos perante a turma
ou resposta a perguntas do professor, bem como evitamento de contacto social
com os colegas, podendo mesmo verificar-se recusa de ida à escola, ou a elevada
reactividade fisiológica quando as situações são enfrentadas, condicionando o
rendimento e desempenho académico (Prins & Hanewald, 1997; Raffety, Smith &
Ptacek, 1997).
No âmbito da psicologia, têm sido feitos estudos para a compreensão da relação
entre as práticas parentais educativas e a fobia social. Numa amostra constituída
por agorafóbicos, fóbicos sociais e de um grupo de controlo, em que utilizou o
PBI para avaliar as práticas parentais Parker (1979, in Canavarro 1999) verificou
que os fóbicos sociais referiram que ambos os progenitores foram menos
carinhosos e mais sobre-protectores.
Arrindell, Emmelkamp, Brilman e Monsma (1983) estudaram a relação entre as
práticas parentais educativas, avaliadas pelo EMBU, e três tipos de fobias (fobia
social, agorafóbicos e fóbicos às alturas). Os fóbicos sociais percepcionam que os
pais lhes deram menos apoio e carinho e que foram mais rejeitadores e
sobreprotectores. Um outro estudo, realizado por Arrindell, Kwere, Methorst, Van
der Ende e Moritz (1989) procurou examinar as diferenças das práticas parentais,
avaliadas pelo EMBU, entre agorafóbicos e fóbicos sociais. O fóbicos sociais
referiram ambos os progenitores como rejeitantes, pouco calorosos
emocionalmente e sobre-protectores. Como se pode constatar, o papel
desempenhado pelo contexto familiar no desenvolvimento da criança e
adolescente é crucial e tem sem dúvida um enorme impacto sobre o seu
desenvolvimento e comportamento, podendo afectar a integração social e
desenvolvimento cognitivo.
O presente estudo teve como objectivo o estudo da relação existente entre as
Práticas Parentais Educativas, a fobia social e o desempenho académico em
150
Método
Participantes
A amostra foi recolhida em três escolas de Setúbal, num total de 12 turmas
escolhidas aleatoriamente, seis do 7º ano e seis do 8º ano de escolaridade. Embora
as escalas tivessem sido aplicadas a todos os alunos, foram excluídos os que
tivessem mais de 14 anos, pois o SPAI-C só pode ser aplicado até aos 14 anos de
idade.
Participaram neste estudo 285 sujeitos dos quais 146 (51,2%) do género feminino
e 139 (48,8%) do género masculino. Os respondentes tinham idades
compreendidas entre os 12 e 14 anos, com uma média de 12,82 anos (d.p.=0,71).
Em termos de escolaridade 50,5 % têm o 7º ano e 49,5% o 8º ano de escolaridade.
Relativamente às dimensões (autonomia, carinho e protecção) do QLP-A,
verificou-se que a dimensão carinho é aquela que apresenta uma média superior
(carinho mãe M= 29,76; d.p= 6,33; carinho pai M= 26,41; d.p= 8,35), seguindo-se
a dimensão autonomia (autonomia mãe M=8,89; d.p= 2,97; autonomia pai
M=8,71; d.p = 3,09). A dimensão protecção é a que apresenta médias mais baixas
(protecção mãe M=7,04; d.p= 3,87; protecção pai M= 5,85; d.p= 3,60). Dos
adolescentes que participaram no estudo, 222 (77,9%) mostraram não apresentar
fobia social, dos quais 99 são do género feminino e 123 do género masculino, os
restantes 63 participantes revelaram ter ansiedade social dos quais 47 são do
género feminino e 16 do género masculino. O rendimento académico, foi
primeiramente caracterizado de 1 a 5 (notas que são dadas na escola) e fez-se a
média. O rendimento foi igualmente dividido em categorias em que 1 representa
um rendimento fraco, 2 rendimento médio e 3 um bom rendimento académico.
Verificou-se que 95 alunos (33.3%) apresentam rendimento académico baixo, 169
(59,3%) rendimento médio e 21 (7,4%) um bom rendimento académico. As
raparigas apresentam uma média de 3,18 (d.p =0,56) e os rapazes uma média de
3,17 (d.p= 0,49).
Instrumentos
Foi utilizado um questionário para a recolha de informação demográfica incluindo
a idade; género; idade, profissão e escolaridade dos pais; quantidade e idade dos
irmãos; com quem vive; tipo de casa que habita; quantidade de quartos para
dormir na casa; era igualmente questionado se o adolescente tinha um quarto só
para si, se vai de férias com a família e se esta possui carro.
As Práticas Parentais Educativas foram medidas através de 25 itens (cada um
avaliado relativamente ao pai e à mãe) do questionário de Ligação Parental- forma
adolescente (QLP-A), traduzido por Baptista em 1997.
151
Procedimento
Os dados, tal como já foi referido, foram recolhidos em três escolas de Setúbal.
Para que fossem aplicados os inquéritos pelo mesmo número de turmas por cada
escola, escolheram-se aleatoriamente duas turmas de 7º e duas turmas de 8º ano de
escolaridade de cada estabelecimento de ensino.
Depois das autorizações, aplicaram-se os inquéritos anónima voluntária e
colectivamente a cada turma
Resultados
A introdução dos dados e os procedimentos estatísticos foram feitos com o
Statistical Package for Social Sciences (SPSS 11.5) para o Windows.
A amostra é constituída por 285 sujeitos dos quais 146 (51,2%) do género
feminino e 139 (48,8%) do género masculino. Os respondentes tinham idades
compreendidas entre os 12 e 14 anos, com uma média de 12,82 anos (d.p.=0,71).
Em termos de escolaridade 50,5 % têm o 7º ano e 49,5% o 8º ano de escolaridade.
222 (77,9%) mostraram não apresentar fobia social, dos quais 99 do género
feminino e 123 do género masculino, os restantes 63 participantes revelaram fobia
social dos quais 47 do género feminino e 16 do género masculino. Relativamente
ao rendimento académico, as raparigas apresentam uma média de 3,18 (d.p =0,56)
e os rapazes uma média de 3,17 (d.p=0,49).
Com o objectivo de se verificar se existem diferenças significativas entre os
géneros relativamente às práticas parentais educativas, fobia social e rendimento
académico (médias das notas), realizou-se o T-Test Student para amostras
independentes. Relativamente às práticas parentais educativas, verificou-se que
apenas existem diferenças significativas em função do género na dimensão
protecção pai (t= 0, 25; p<0,05; gl= 273,9): as raparigas apresentam níveis
superiores de protecção por parte do pai (M= 5,91; d.p= 3,77) comparativamente
com os rapazes (M=5,80; d.p=3,41), e na dimensão protecção mãe (t= -0,27;
p=0,001; gl= 278,2): os rapazes apresentam níveis superiores de protecção por
parte da mãe (M= 7,12; d.p= 3,50) comparativamente com as raparigas (M= 7,00;
d.p=4,17). No que diz respeito à fobia social, verificou-se a existência de
diferenças significativas em função do género (t=4.61; p< 0,001; gl= 271,9): as
raparigas apresentam níveis de fobia social maiores (M= 14,56; d.p= 8,30)
comparativamente com os rapazes (M= 10,51; d.p= 6,43). Verificou-se
igualmente a existência de diferenças significativas em função do género,
relativamente ao rendimento académico (t=0,22; p<0,01; gl=280,8): as raparigas
apresentam níveis de rendimento académico superiores (M=3,18; d.p=0,56)
comparativamente com os rapazes (M=3,17; d.p=0,49).
Com o objectivo de verificar as associações entre as Práticas Parentais Educativas,
a Fobia Social e o rendimento académico calculou-se o coeficiente de Correlação
153
de Pearson, para a amostra total. Verificou-se uma associação positiva baixa entre
a Ansiedade Social e as sub-escalas Protecção pai (r=0,199; N= 285; p<0,01) e
Protecção mãe (r=0,228; N=285; p<0,01) e uma associação negativa baixa entre a
Fobia Social e as sub-escalas Carinho pai (r=-0,188; N=285; p<0,01) Autonomia
pai (r=-0,283; N=285; p<0,01) e Autonomia mãe (r=-0,240; N=285; p<0,01).
Quanto maiores os níveis de protecção dados pelo pai e mãe, maiores os índices
de fobia e quanto maiores foram os níveis de carinho dado pelo pai e autonomia
dada pelo pai e mãe menores são os índices de fobia social. Há uma associação
positiva baixa entre o rendimento académico e as sub-escalas Carinho pai
(r=0,237; N=285; p<0,01) Carinho mãe (r=0,212; N=285; p<0,01) e com
Autonomia pai (r=0,159; N=285; p<0,01) e uma associação negativa baixa entre o
rendimento académico e a sub-escala Protecção mãe (r=-0,121; N=285; p<0,05):
quanto mais carinho foi dado pelo pai e pela mãe e quanto maior foi a autonomia
dada por parte do pai melhor foi o rendimento académico. Quanto maior for a
protecção dada pela mãe pior o rendimento académico. Não se encontrou relação
entre o rendimento académico e a fobia social (r=-0,082; N=285; p>0,05).
Após efectuar uma regressão linear múltipla (método Enter) por blocos, fazendo
entrar na equação de regressão as variáveis género, idade, rendimento académico,
dimensão autonomia pai e mãe, dimensão carinho pai e mãe, dimensão protecção
pai e mãe, tomando como variável dependente o total de fobia social, verificou-se
que no 1º bloco em que são colocadas as variáveis idade e género, apenas a
variável género (B= -0,27; p<0,001) se encontra associada à fobia social. No total
esta variável explica 6,7% da variância total (R²Aj=0,067;Erro= 7,50; F
(2,275)=10,83; p<0,001). No 2º bloco, quando constavam as variáveis idade,
género e rendimento académico, pudemos verificar que as variáveis rendimento
académico (B= -0,13; p<0,05) e género (B= -0,27; p<0,001) encontram-se
associadas à fobia social. No total estas variáveis explicam 7,8% da variância total
(R²Aj=0,078;Erro= 7,45; F (3,275)=8,79; p<0,001). Posteriormente, no 3º bloco,
quando foram inseridas as variáveis idade, género, rendimento académico,
dimensão autonomia pai e mãe pudemos constatar que a dimensão autonomia pai
(B= -0,17; p<0,05) e o género (B= -0,26; p<0,001) encontram-se associadas à
fobia social. No total estas variáveis explicam 14,7% da variância total
(R²Aj=0,147;Erro= 7,17; F(5,275)=10,50; p<0,001).
Seguidamente, no 4º bloco, quando inserimos as variáveis idade, género,
rendimento académico, dimensão autonomia pai e mãe, dimensão carinho pai e
mãe, verificou-se que as dimensões carinho mãe (B= 0,17; p<0,05), autonomia
mãe (B= -0,25; p<0,05) e o género (B= -0,27; p<0,001), encontram-se associadas
à fobia social. No total, estas variáveis explicam 15,7% da variância total
(R²Aj=0,157;Erro= 7,13; F(7,275)=8,32; p<0,001). No 5º bloco, quando foram
inseridas as variáveis idade, género, rendimento académico, dimensão autonomia
154
pai e mãe, dimensão carinho pai e mãe e dimensão protecção pai e mãe constatou-
se que a variável autonomia mãe (B= -0,23; p<0,01) e o género (B=-0,27;
p<0,001) explicam 18,7% da variância total (R²Aj=0,187; Erro= 7,00;
F(9,275)=8,01; p<0,001).
Ao fazar uma regressão logística (método Enter) fazendo inserir as variáveis
idade, género, carinho pai e mãe, autonomia pai e mãe, protecção pai e mãe e
rendimento académico (categorizado de 1 a 3), tomando como variável
dependente a fobia social, verificou-se que as variáveis género (OR= 4,97;
95%IC(2,46-10,08); p<0,001), carinho mãe (OR= 1,10; 95%IC (1,02-1,19);
p<0,05), autonomia mãe (OR= 0,80; 95%IC(0,67-0,95); p<0,05) e rendimento
médio (OR= 12,24; 95%IC (1,35-110,78); p<0,05) são preditoras da fobia social.
Discussão
.Os resultados desta investigação confirmam a existência de diferenças
significativas em função do género, no que diz respeito às práticas parentais
educativas. As raparigas apresentam níveis superiores de protecção por parte do
pai. Os rapazes, apresentam por seu lado níveis superiores de protecção por parte
da mãe. Block em 1983 desenvolveu um estudo para verificar se haveria relação
entre as práticas parentais educativas e o género da criança. Constatou, tal como já
foi referido, que a baixa autonomia concedida às raparigas, por exemplo, é um dos
argumentos frequentemente apresentados para explicar as diferenças de género.
Os pais manifestam uma satisfação desprovida de ambiguidade face às
manifestações de independência ou face às realizações dos rapazes, enquanto os
mesmos comportamentos apresentados por raparigas suscitam a ansiedade
parental, além disso, verifica-se super-protecção e a ajuda excessiva dada às
raparigas, sendo elas educadas de modo a tornar-se menos independentes do que
os rapazes.
Verificamos, também, que dos 285 adolescentes que participaram neste estudo,
222 revelaram não mostram sintomas de fobia social, ao contrário dos restantes 63
participantes. Destes eram 47 são do género feminino, muito superior ao total de
16 do género masculino. Já estudo feito por Essau, Conradt e Peterman (1999)
encontrou uma percentagem de raparigas com diagnóstico de fobia social superior
à dos rapazes. Num outro estudo feito por Beidel (1991) 70% das raparigas
tinham diagnóstico de fobia social. Chapman, Mannuzza e Fyer em 1995
verificaram o mesmo resultado. Pudemos constatar a existência de associações
estatisticamente significativas na amostra total, entre a fobia social e as dimensões
protecção pai e protecção mãe e uma associação negativa baixa entre a fobia
social e as dimensões carinho pai, autonomia pai e mãe, ou seja, quanto maiores
os níveis de protecção dados pelo pai e mãe, maiores os índices de fobia social, e
quanto maiores os índices de carinho dado pelo pai e autonomia dada pelo pai e
mãe, menores os índices de fobia social. Estes resultados estão de acordo com
155
variáveis género, carinho mãe e rendimento médio são preditoras da fobia social.
Para futuros estudos seria importante estudar, além das variáveis desta
investigação, as expectativas dos pais relativamente aos filhos tanto a nível de
relacionamento social como do desempenho académico.
Os dados obtidos sugerem que é de máxima importância a intervenção do
psicólogo, com o objectivo de maior divulgação dos sintomas da fobia social,
implementação de programas de sensibilização e acções de formação a técnicos de
saúde, pais e professores, ajudando-os a identificar e lidar com os problemas
emocionais da criança e adolescente, bem como o desenvolvimento de
competências sociais nos jovens, com o objectivo de os ajudar em todas as
limitações que este tipo de patologia traz ao seu dia a dia.
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158
Introdução
O desenvolvimento do adolescente implica a modificação de relações entre o
próprio e os múltiplos contextos sociais em que se encontra inserido. As
alterações que ocorrem possibilitam uma grande diversidade ao adolescente e
representam factores de risco e de protecção (Matos et al, 2003; Lerner, 1998). Os
cenários privilegiados da vida social do adolescente (família, escola, grupo de
pares, comunidade), desempenham um papel importante na construção da sua
identidade. O grupo de pares assume particular relevância, assumindo-se, de
acordo com Claes (1985), como um fenómeno universal. Segundo Martins (1998),
as relações sociais que se estabelecem no seio do grupo de pares são de máxima
importância para o desenvolvimento da identidade do adolescente, uma vez que o
grupo possibilita uma série de experiências impossíveis de realizar em outros
contextos, e também porque o grupo fornece apoio instrumental e emocional, que
permitem ao adolescente ultrapassar as tarefas de desenvolvimento com que é
confrontado (Fonseca, 2002; Martins, 1998). O grupo de pares é geralmente
constituído por jovens de idades próximas, com interesses e necessidades
semelhantes, cujos membros preferem passar mais tempo uns com os outros do
que com as respectivas famílias. No seio do grupo o adolescente veste-se,
comporta-se e fala como os elementos do grupo, adquire segurança por ter
comportamentos semelhantes aos outros, e reforça a sua auto-estima ao ser
integrado no grupo (Fonseca, 2002).
Segundo Cotterel (1996), o grupo possibilita experiências emocionais positivas,
uma vez que reconhece o adolescente como parte integrante de um grupo, onde
partilha uma identidade contribuindo, desta forma, para as finalidades de
existência do grupo. A pertença a um grupo na adolescência é considerada de
extrema importância, uma vez que o grupo permite a construção da identidade
própria e grupal, identificação com o grupo, troca de experiências, sentimentos e
angústias sem controlo dos adultos (Peixoto, Martins, Pereira, Amaral, & Pedro,
2001). Para Pais (1996), a importância do grupo de pares pode estar associada aos
”vazios” emocionais deixados pela família, a escola e outras instituições. A
afiliação a grupos é considerado um aspecto importante na cultura dos
adolescentes. De acordo com La Greca, Prinstein e Fetter (2001), os adolescentes
caracterizam os seus pares através do uso de ”rótulos sociais” que se aplicam a um
161
Marcelli, 2000). A maior parte das vezes são roubos individuais por parte tanto
das raparigas como dos rapazes, e que são na sua maioria utilitários: discos, roupa,
aparelhos de rádio, livros, álcool, produtos alimentares (Braconnier, & Marcelli,
2000). Na perspectiva de Miller e Olson (2000), os jovens com problemas de
comportamento evidenciam-se por agressões verbais e físicas contra outras
crianças e por fracas capacidades sociais. À medida que crescem, na sua maioria,
são rejeitadas pelo grupo de pares. No entanto, alguns podem até ser bastante
populares (Rodkin, Farmer, Van Acker, & Van Acker, 2000). Quando entram na
escola, algumas crianças com problemas de comportamento podem agredir, ou
mesmo excluir, os seus colegas, padrão este que surge associado com os
comportamentos anti-sociais (Mash, & Wolfe, 2002). As amizades que os jovens
com problemas de comportamento estabelecem são, na sua maioria, baseadas
numa mútua atracção por indivíduos com comportamentos anti-sociais (Vitaro,
Brendgen, & Tremblay, 2000). Para Moffitt (1993), comportamentos anti-sociais
precoces e uma associação com grupo de pares desviantes parece ser um dos
preditores mais importantes no surgimento de problemas de comportamento
durante a adolescência. O envolvimento torna-se progressivamente estável durante
a infância, e poderá sustentar a transição para actos criminais na adolescência, tais
como roubo, vadiagem ou abuso de substâncias (Patterson, 1996).
Os problemas familiares parecem ser o mais forte e consistente preditor dos
comportamentos anti-sociais (Patterson, Reid, & Dishion, 1992). Os tipos de
perturbações familiares que se encontram relacionados com os problemas de
comportamento das crianças são, na sua maioria, perturbações familiares gerais,
nomeadamente problemas psico-patológicos parentais, história de problemas anti-
sociais na família, desavenças conjugais, instabilidade familiar, fracos recursos
económicos e as perturbações específicas nas práticas parentais e no
funcionamento familiar, tais como uso excessivo de disciplina, falta de
supervisão, falta de apoio emocional e desentendimentos parentais acerca da
disciplina (Patterson, Reid, & Dishion, 1992). Um nível elevado de conflitos é
comum em famílias de crianças com perturbação de comportamento, cujas
práticas parentais se apresentam ineficazes, nomeadamente no que diz respeito à
disciplina, ao uso inapropriado dos castigos e recompensas e ao fraco
envolvimento familiar (Patterson, Reid, & Dishion, 1992). As perturbações de
comportamento estão geralmente associadas a condutas de risco para a saúde, tais
como o abuso de substâncias e os comportamentos sexuais de risco (Mash, &
Wolfe, 2002).
Segundo White, Loeber, Stouthamer-Loeber, e Farrington (1999), o uso de
substâncias ilícitas e as condutas anti-sociais parecem estar fortemente associadas.
Os mesmos autores constataram que os indivíduos que consomem ou vendem
droga se encontram muito mais propensos ao porte de arma de fogo, pertença a
166
que deverá aumentar a resiliência dos adolescentes que se afiliam a grupo de pares
desviantes.
Conhecer e compreender os estilos de vida e os comportamentos dos adolescentes
parece ser de extrema importância para se poder intervir e prevenir
adequadamente na área dos comportamentos de saúde. A intervenção deverá ser
tanto mais precoce quanto possível, e deverão ser tidos em conta os contextos em
que o adolescente se insere (escola, família, grupo pares, comunidade), uma vez
que desempenham um papel fundamental no seu desenvolvimento. Só assim se
poderão obter resultados satisfatórios na prevenção.
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175
Introdução
Instituições potencialmente discriminatórias incluem e cristalizam na sua cultura
institucional, a par de práticas discriminatórias positivas (onde frequentemente são
distinguidos os mais fiéis, os menos reivindicativos, os mais conformados),
prática discriminatórias negativas (onde frequentemente o trabalho, para os ”não
eleitos” se torna verdadeiramente difícil, onde frequentemente barreiras são
erguidas com o fito principal de forçar a desistência ou a falha” dos não eleitos”)
Assim somos, cada vez mais confrontados nos locais de estágio/trabalho, com
acções de bullying /provocação/intimidação, tal como na escola.
Pretendemos aqui analisar as acções de bullying/ provocação/ intimidação
(Adams, 1992). Estamos a falar da percepção, por parte dos jovens trabalhadores
sobretudo no início da sua vida activa, de uma ameaça, de uma tensão/perigo
iminente, de um desenraizamento e alienação no espaço laboral provocada pela
acção de bullying/ provocação/ intimidação, mais ou menos subtil, de um colega
ou chefia.
Um jovem na sua transição para a vida activa, sujeito a situações de provocação/
intimidação que não consiga lidar com a situação, tem menos possibilidades de
produzir trabalho de acordo com as suas capacidades, de desenvolver as suas
capacidades, tem mais tendência ao absentismo, tem mais risco para a saúde e em
geral é pouco feliz enquanto pessoa.
Revisão da literatura
A alienação no local de trabalho, à semelhança da alienação no espaço escolar
(Downs & Rose, 1991), está relacionada com sentimentos de falta de motivação e
de falta participação por parte dos trabalhadores. A alienação do local de trabalho,
à semelhança da alienação no espaço escolar, aparece relacionada com
absentismo, com um aumento de custos médicos por parte dos trabalhadores e
com um aumento de comportamentos de risco para a saúde que incluem
alcoolismo, consumo de drogas, acidentes de trabalho e de viação, suicídios.
Para além da uma aspiração humanista e do reconhecimento do direito do
trabalhador à sua saúde ocupacional, a promoção da qualidade de vida laboral de
um trabalhador tem ainda ganhos a nível da sua produtividade, da ausência de
faltas, da diminuição de custos por doença seja esta doença diagnosticada seja ela
subjectiva (percepção de mal-estar físico e psicológico). Tal como foi
176
Intimidação
Nos últimos anos muita literatura se tem produzido sobre o intimidação/ bullying,
na escola (Sullivan,2000; Matos &Carvalhosa 2001). Mais recentemente um
procedimento semelhante foi identificado e têm vindo a ser sublinhado, no espaço
laboral.
Ao entrar na literatura anglo-saxónica nesta área, há uma confrontação imediata
com questões de terminologia e tradução. Assim, bullying não é opressão ou
subjugação, termos que têm mais a ver com políticas governamentais, não é
”abuso e maus tratos” que tem uma conotação de discriminação entre géneros,
escalões etários e grupos étnicos, não é ”assédio” que tem uma conotação
claramente de violência sexual, não é ”perseguição” que sugere maus tratos e
violência por motivos ideológicos, religiosos ou políticos, não é ”domínio”, que
fala da primazia de alguém sobre outro. Optou-se por intimidação, embora
intimidação dê, em português, um realce demasiado à intenção de meter medo o
que não é sempre o caso, como veremos. Ao entrar na literatura na área do
intimidação/ bullying no local de trabalho, depara-se ainda com o problema da
definição, já mais amplamente debatido e consensual na área do intimidação/
bullying no ambiente escolar (Olweus 1991). Assim de acordo com Rayner e Hoel
(1997), intimidação/ bullying refere-se, em meio laboral ao facto de um
trabalhador:
(a) ser repetidamente criticado ou posto em causa, em geral com uso de uma
linguagem gritada e ofensiva, (b) ser vigiado de perto com o objectivo de controlo
da sua acção no espaço laboral, (c) ter acesso a uma informação precária ou
ambivalente que dificulta, lentifica ou mesmo impede uma boa prestação
profissional, e que outras vezes dificulta a inserção social no espaço de trabalho,
ridiculariza ou humilha o trabalhador.
É ainda considerado intimidação/ bullying:
177
O intimidador
Grande parte da intimidação está baseada na inveja pessoal. O intimidador tem em
geral competências médias/baixas, e em geral tem a convicção profunda de que as
suas competências são boas.
Qualquer trabalho de qualidade, uma popularidade entre colegas, um
reconhecimento público, são tudo factos que o intimidador não suporta constatar
na sua vítima e que o levam-no a persistir nas suas práticas intimidatórias, muitas
vezes convencendo-se que a razão o assiste porque a sua vítima está a tentar
apoderar-se do seu posto de trabalho. O intimidador conta mentiras, atira culpas,
não confia, sente-se sempre ameaçado (Rayner & Hoel 1997). Um outro problema
178
nesta temática tem a ver com o facto do intimidador em geral usar um efeito de
camaleão: o intimidador impressiona os seus parceiros, e com muito mais
exuberância o seu superior, com os seus modos suaves, cordatos e sedutores. Os
intimidadores são em geral descritos pelos patrões como indivíduos charmosos,
cumpridores de tarefas rotineiras e fiéis, pelo que, quando este é o caso, são os
mais frequentemente promovidos. São contudo descritos pelas suas vítimas como
”sargentos nazis”. Muitas vezes as vítimas fazem parte de um grupo inicial a
quem os intimidadores tentaram cativar e neutralizar, mas em relação às quais,
depois se começaram a sentir ameaçados e com urgência de defensa.
Muitas das vezes a intimidação é percebida pelo intimidador como um
comportamento de defesa: o intimidador apresenta muitas vezes uma
personalidade frágil e insegura, a precisar muito de reconhecimento e companhia,
aliado a uma grande apetência ao poder pessoal e à progressão na carreira, mas
por outro lado sem que demonstre capacidades profissionais correspondentes. A
intimidação é, nestes casos, um bom recurso para subir na carreira uma vez que
muitos patrões valorizam a fidelidade e docilidade que o intimidador típico
demonstra. Contudo, a nível institucional, o comportamento do intimidador leva a
uma cultura de controlo, privilegiando a intriga de bastidores, a comunicação
opaca e a divisão entre colegas, o isolamento total das vítimas. Quando entretanto
é promovido a chefia, o intimidador, leva os trabalhadores a uma situação
sociolaboral disruptiva, a não ser capazes de funcionar como organização e a uma
perigosa erosão da auto-estima e capacidade de iniciativa. O efeito da intimidação
sobre trabalhadores singulares é ainda mais devastador: alienação do espaço
laboral, isolamento, falta de concentração no trabalho, falta de rendimento no
trabalho, esgotamento físico e mental, comportamentos aditivos, desemprego,
reforma antecipada ou por outro lado em casos extremos, agressão ao intimidador.
Em países com políticas sociais sólidas, e um forte empenho nos direitos dos
indivíduos como a Suécia, a intimidação (mobbning) é já publicamente
reconhecida, facilmente identificada no espaço de trabalho e punida por lei desde
1994 (Lei da discriminação no local do trabalho). Na Inglaterra e Estados Unidos
a legislação é ambígua, tal com o próprio conceito de intimidação. Em Portugal a
intimidação é mesmo algumas vezes valorizada. Os intimidadores aparecem, por
vezes, como os heróis das empresas e instituições, os que são fieis e dóceis às suas
chefias, os que ”vestem a camisola”, aqueles que são capazes de tudo por uma boa
causa, que os ponha bem vistos aos olhos dos parceiros ou, sobretudo, do patrão.
Contrariamente ao que acontece com a intimidação em meio escolar (Sullivan,
2000), a intimidação no local de trabalho raramente tem a ver com agressão física,
assumindo estas formas mais sofisticadas mas também de mais difícil
identificação. Brodsk (1976) fala do intimidador como o manipulador para o
poder e para o privilégio.
179
Práticas preventivas
A nível da saúde ocupacional alguns autores (Beasley & Rayner 1997) defendem
uma acção pedagógica no espaço laboral, com vista a que estas situações sejam
publicamente reconhecidas e denunciadas de modo que, atempadamente, se
tomem medidas que impeçam a discriminação lesiva dos trabalhadores, com as
consequências já referidas.
Em Portugal estamos muito longe deste cenário nórdico e algumas populações
especiais como por exemplo mulheres, pessoas com doença crónica, pessoas com
deficiência, pessoas com empregos precários, pessoas idosas, pessoas com
passado percebido como de ”estigma”(p.e. ex-toxicodependentes ou ex-
delinquentes), pessoas pertencentes a grupos minoritários, pessoas em empregos
muito competitivos, estão especialmente vulneráveis a estes intimidadores. Por
exemplo, voltando ao nosso estudo de caso, se fosse em Portugal K. chegaria
provavelmente à chefia da empresa, a Segurança Social pagaria as baixas
prolongadas dos trabalhadores, os trabalhadores ficariam tristes e doentes, com
um mal-estar grande que eles provavelmente nem iam conseguiam reconhecer.
A importância do reconhecimento destas situações tem uma repercussão
fundamental na formação pessoal e profissional: os futuros trabalhadores, para
além da aprendizagem de competências profissionais, podem ser ajudados a
reconhecer e agir em situações em que são alvos de intimidação (Beasley &
Rayner 1997), e a reconhecer situações de intimidação face a colegas de trabalho
de modo a poder ajudá-los, sem medo. Módulos de formação incluindo
componentes como a comunicação interpessoal, a identificação e solução de
problemas e gestão de conflitos, as competências de relacionamento interpessoal
com especial incidência na ”assertividade” e na ”reacção à injustiça e à
provocação” poderão facilmente ser incluídas em qualquer programa de
desenvolvimento de competências pessoais e sociais (Matos 1993, Matos &
Simões 1994, Matos 1997, Matos, Simões & Carvalhosa 2000). Deste modo,
também os intimidadores poderão, durante a sua formação, reconhecer o seu estilo
relacional e reflectir sobre alternativas comportamentais de gestão de carreira
menos lesivas dos direitos dos outros trabalhadores ou, no mínimo, reconhecer
que o comportamento que exibem é lesivo da saúde, bem-estar e realização
profissional dos outros trabalhadores, para além de ser punido por lei em alguns
países da Europa Comunitária, há quase uma década.
181
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182
Introdução
Os estilos de vida e a saúde estão intimamente ligados, sendo os factores
ambientais, os hábitos alimentares, o tabagismo, o uso e abuso de álcool e drogas,
a actividade sexual insegura, factores que condicionam um desenvolvimento
saudável. Entre os factores que determinam os estilos de vida surge a
desigualdade entre países e entre indivíduos dentro de cada país. Os indivíduos e
países social e economicamente privilegiados têm uma maior gama de escolhas na
procura de um estilo de vida saudável, enquanto que outros debatem-se com
questões fundamentais da existência, sobrevivência e direitos humanos. A pobreza
limita o espectro dos estilos de vida acessíveis e está intimamente ligada à saúde
(Matos et al, 2003). O reduzido nível económico e educacional dos pais
condiciona o rendimento escolar das crianças e dos adolescentes na escola. Aqui
entram ainda outros factores como a falta de domínio do português falado e
escrito e o desfasamento dos valores veiculados na escola em relação aos das suas
culturas de origem. Os sujeitos com nível sócio-económico baixo (onde se situam
muitos sujeitos de origem africana) apresentam fracasso escolar e representações
negativas da escola, desistência precoce perante o fracasso, desresponsabilização
pelos resultados da realização, sentimentos de desânimo e ”abandono aprendido”.
As comunidades de migrantes enfrentam sérios obstáculos à completa integração
social (sobretudo os mais jovens) uma vez que crescem entre dois padrões
culturais e sociais distintos. Esta experiência é potencialmente geradora de
conflitos no processo de construção de uma identidade social positiva (Martins &
Silva, 2000). As famílias de migrantes lidam com inúmeros constrangimentos que
condicionam a sua capacidade de afirmação cultural. Os jovens de origem
africana apresentam características associadas aos estilos de vida que envolvem
risco, tais como a proveniência de famílias com baixo nível sócio-económico e
educacional, e de famílias mono-parentais e são sujeitos a pressões específicas
como a aculturação, a discriminação, o racismo, o desenraizamento, a
intolerância, o preconceito (Frasquilho, 1996). A saúde dos grupos minoritários é
geralmente pobre, identificando-se vários factores associados: práticas sociais de
racismo e discriminação, estatuto sócio-económico baixo, etno-centrismo dos
serviços de saúde e de educação, diferentes comportamentos protectores da saúde
dependentes da cultura e de diferentes normas sociais e expectativas, diferenças
na rapidez de reconhecimento dos sintomas, diferenças na acessibilidade aos
183
Estudo quantitativo
O HBSC/OMS (Health Behaviour in School-aged Children) é um estudo
colaborativo da Organização Mundial de Saúde, que pretende estudar os estilos de
vida dos adolescentes e os seus comportamentos nos vários cenários das suas
vidas. Os aspectos da saúde relacionados com os estilos de vida, especialmente os
comportamentos, são o seu principal interesse que engloba, ainda, os aspectos do
contexto social como a estrutura familiar, a relação com os pares, as condições
demográficas e o estatuto sócio-económico, de forma a compreender o abrangente
contexto social da saúde. Os comportamentos de saúde são compreendidos num
contexto estrutural, cultural, social e de factores psicológicos. Como base de
trabalho para a intervenção na Escola, no âmbito da promoção e educação para a
saúde, é útil definir o ”estado da arte” dos conhecimentos científicos nesta área,
antes de poder partir para uma intervenção ”informada” ou baseada na
investigação. Daí, a importância de estudos como o HBSC/OMS (Currie,
184
Hurrelmann, Settertobulte, Smith & Todd, 2000; Matos et al 2003), que visam a
compreensão dos comportamentos dos jovens ligados ao risco ou à saúde, do
entendimento do que é por parte deles a saúde, dos seus estilos de vida e das suas
interacções com cenários envolventes relevantes (a escola, a família, os pares, as
estruturas comunitárias), e que monitorizem a evolução deste conhecimento
através da actualização periódica do estudo. Portugal participou nos últimos três
estudos conduzidos em 1996 (Matos, Simões & Canha, 1999; Matos, Simões,
Canha & Fonseca, 2000), em 1998 (Matos, Simões, Carvalhosa, Reis & Canha
2000) e em 2002 (Matos et al. 2003). O HBSC estima prevalências (“quantos
adolescentes fumam?” p.e.), estima comparações entre grupos (como se
distribuem os resultados pelo género, pela região do país, pela idade, pela
nacionalidade, pelo sucesso escolar, pela existência de uma condição de doença
ou deficiência p.e.), e estuda associações entre variáveis (o consumo do álcool, de
tabaco e de drogas estão associados entre si e ainda associados à provocação na
escola, p.e.).A amostra nacional de 2002 (Matos et al. 2003), foi constituída por
6131 adolescentes, com uma média de idade de 14 anos, frequentando os 6º, 8º e
10º anos de escolaridade do ensino público oficial, em Portugal Continental. É
aproximadamente igual o número de rapazes e raparigas (49% de rapazes). Os
adolescentes ficaram distribuídos proporcionalmente pelas 5 regiões educativas do
Continente (Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo, Algarve). A amostra
foi em ambos os estudos aleatória e teve representatividade nacional para os
jovens que frequentavam os graus de ensino seleccionados, no ensino oficial. Em
ambos os estudos a unidade de análise foi a ”turma”. Os questionários foram
preenchidos na sala de aula, voluntária e anonimamente.
frequentemente sem protecção e sob efeito de álcool ou drogas, (7) vêem mais
televisão. No entanto, sublinhando a importância da variável estatuto sócio-
económico, se esta mesma análise for feita separadamente para grupos de classe
social mais baixa (4 e 5 da Graffar/ profissão do pai) e grupos de classe social
mais alta (1, 2 e 3 da Graffar/profissão do pai) dentro de cada nacionalidade,
verificamos que a maior parte das diferenças se atenuam, se anulam ou apenas são
válidas para os jovens (de ambas as nacionalidades) de estatuto sócio-económico
mais desfavorecido.
passo muito tempo na escola depois das aulas, venho para casa; “para o ano vou
deixar a escola e trabalhar”; “sentimo-nos um pouco discriminados na escola
por sermos do bairro, mais ao princípio”
Amigos: os jovens referem que as suas amizades são geralmente pessoas do
bairro, mesmo na escola passam mais tempo com pessoas do bairro. Referem,
ainda que tentam promover boas relações com jovens de outros bairros, mas
existem certos jovens que boicotam esse processo, levando a rivalidades e a más
relações. Verificou-se que muitos dos amigos são familiares próximos (irmãos,
primos, etc.). “Na escola os amigos são quase todos do bairro; alguns amigos do
bairro são amigos na escola mas aqui no bairro nem se falam, especialmente as
raparigas; “Por vezes fazemos intercâmbio com outros bairros; Eles vêm cá ou
nós vamos lá e há festas e tudo isso, para mostrar o que somos”
Risco sexual: os jovens concordam que os adolescentes têm a primeira
experiência sexual por volta dos 14 anos e que não falam com os pais sobre estes
temas pois ainda é tabu. Os amigos são a sua maior fonte informação. “A
virgindade perde-se em média aos 14 anos”; “Não falamos com os pais, sabemos
as coisas a conversar com os amigos” (todos concordam) “ Os pais avisam para
não engravidar e isso; Na cultura africana falarmos pouco dessas coisas é um
pouco tabu; Usa-se o preservativo, mas só às vezes”
Consumos: dos jovens presentes, apenas um refere que fuma embora todos
considerem que a maioria dos jovens fuma e que o consumo de tabaco por parte
das raparigas está a aumentar. Em relação ao consumo de álcool, nenhum refere
consumo regular de álcool ou drogas. Concordam que são os mais velhos quem
mais consome tabaco e álcool e que a droga (haxixe) se limita a grupos restritos.
“Eu não fumo, mas vêem-se muito jovens a fumar e as raparigas estão a fumar
mais; São mais os que fumam do que os que não fumam”;“Eu bebo às vezes uma
cerveja; Bebedeira não; Temos é um grande problema com os adultos, há muitos
que passam o dia a beber”; “De um modo geral não há problemas de droga aqui
no bairro; Alguns fumam haxixe; Nota-se pelo cheiro no prédio”
Família: a maioria dos adolescentes não vive com o pai, todos referem um
agregado familiar bastante alargado, constituído por diversos irmãos e em alguns
casos pelas avós. De um modo geral os jovens referem alterações no agregado
familiar nos últimos tempos. Apresentam uma fraca ou inexistente comunicação
com o pai. Em relação à mãe, referem que passam pouco tempo com ela por estar
muito tempo ausente de casa a trabalhar. Ao mesmo tempo verbalizam uma
preocupação da mãe com o seu bem-estar. “Não falo sobre esses assuntos
(sexualidade) com o meu pai; Não o vemos muito”; “As mães em geral trabalham
muito, são mais os jovens que pensam por si”.
Comunidade: quanto ao processo de inclusão social, de um modo geral, referem
saudades de África e que gostariam de voltar para visitar a terra e os familiares
190
Conclusões e recomendações
A educação para a saúde não se pode limitar à adopção de uma abordagem de
cariz informativo. As acções educativas têm de ser integradas num contexto mais
vasto de promoção da saúde. Os jovens devem estar informados, poder tomar
decisões e responsabilizar-se pela sua saúde, devendo ser competentes para
adoptar estilos de vida saudáveis e para transformar o seu envolvimento físico e
social de modo a favorecer um estilo de vida saudável, permitindo uma
acessibilidade fácil, socialmente valorizada e duradoura.
A educação para a saúde nas escolas portuguesas pode desenvolver-se no sentido
de ir ao encontro das necessidades dos jovens, incluindo ”actores” tais como os
pais e os ”pares”; incluindo ”cenários” tais como a comunidade e a optimização
dos tempos de lazer saudável, e ajudando a ”elevar” os estilos de vida saudáveis a
um ”estatuto de prestígio”; incluindo temáticas tais como a promoção de
competências de comunicação interpessoal, competências de identificação e
gestão de emoções, competências de identificação e resolução de problemas, a
promoção da assertividade e da resiliência nos jovens, em síntese ajudando os
jovens a tomar decisões, a participar na vida social, mantendo opções pró-sociais
e saudáveis (Matos 1998; Matos, Simões & Carvalhosa, 2000). O risco aparece
actualmente, não só através de escolhas de vida pessoais prejudiciais para a saúde,
191
mas também através de uma cultura do tipo ”porque não?”, ”não tenho nada a
perder?”. Os jovens sublinham a falta de alternativas. Sugere-se uma intervenção
preferencialmente preventiva, com ênfase no envolvimento e participação dos
adolescentes no âmbito da comunidade, nos contextos mais frequentados pelos
adolescentes: escola, centros de juventude, centros de saúde, na família, entre
outros.
Para a elaboração esclarecida de programas de intervenção na comunidade, que
promovam os comportamentos de saúde e apoiem a implementação e manutenção
de estilos de vida saudáveis a nível comunitário. tendo em conta as diferenças
sócio-culturais, é necessário partir de um estudo prévio, para conhecimento da
situação real actual, antes de partir para uma intervenção ”informada” (baseada
numa investigação prévia). O presente estudo sugere a desigualdade económica
como o maior factor de desequilíbrio para a saúde, e não o estatuto de
”estrangeiro oriundo de Africa”, como inicialmente poderia parecer. Contudo,
como não está no nosso âmbito uma alteração de substância a este nível,
continuarão a ser realizadas intervenções centradas no jovem, na escola, na
família e na comunidade, embora esta compreensão deva entrar em linha de conta
no processo de estruturação de programas de intervenção.
A escola e o tempo de lazer parecem um bom ponto de partida para a promoção
da saúde entre-culturas, assim como as alternativas de vida, a procura de prazer e
de bem-estar. A intervenção poderá ter o foco, por um lado, na interacção entre-
culturas, por outro lado, nas alternativas ou seja, a forma de ajudar os adolescentes
na procura de modos alternativos de lidar com a ansiedade, com o stress, com a
depressão, com o tédio, no relacionamento com o outro género, bem como com os
desafios da vida em geral, sem recurso a comportamentos desajustados de
externalização: consumo de substâncias (tabaco, álcool e drogas) e violência, ou a
comportamentos de internalização (depressão, sintomas físicos, ansiedade).
São, entre outros argumentos, estes factos que dão origem à adopção de
estratégias participativas e promotoras de competências, na promoção de estilos
de vida saudáveis activos (Matos, 1998; Matos, Simões & Carvalhosa 2000). A
promoção de competências pessoais e sociais pode constituir uma estratégia para a
construção de alternativas e de formas de lidar com os desafios mais adequadas,
sobretudo em situações onde os factores sociais, económicos e ambientais podem
constituir factores ligados ao risco.
Propõem-se programas de promoção de competências pessoais e sociais que
ajudem os jovens a manter-se informados, bem como a identificar e resolver
problemas, gerir conflitos interpessoais, optimizar a sua comunicação
interpessoal, defender os seus direitos, resistir à pressão de pares, identificar e
gerir emoções, e assim optimizar a escolha e manutenção de um estilo de vida
saudável.
192
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193
Introdução
A adolescência é um período de desenvolvimento com rápidas alterações físicas,
psicológicas, sócio-culturais e cognitivas caracterizadas por esforços para o
confronto e a superação de desafios e para o estabelecimento de uma identidade e
autonomia (DiClemente, Hansen & Ponton, 1996). O processo básico do
desenvolvimento do adolescente envolve mudanças nas relações entre o indivíduo
e os múltiplos níveis do contexto em que se encontra. Variações na existência e no
ritmo das relações promovem uma grande diversidade na adolescência e
representam factores de risco ou protectores através deste período de vida
(Carvalho, 1990; Matos, 1998; Lerner & Thompson, 2002). Green & Pope (2000)
tenta isolar factores que influenciam a escolha de comportamentos ligados à
saúde, passíveis de ser modificados por intervenções pedagógicas: factores
predisponentes relacionados com o indivíduo, o seu sistema de valores, crenças e
motivações, factores relacionados com as características individuais (género,
idade) e factores relacionados com o contexto (crenças, normas e atitudes de
grupo). Green defende, que a utilização de estratégias centradas nestes três
factores potencia o sucesso de intervenções educativas. Uma vez que se
identifiquem os factores de risco, eles podem vir a ser o ponto de entrada ou o
foco para as estratégias e acções de promoção da saúde (Nutbeam, 1998).
Desde os anos 80, que a questão das diferenças de género, que até lá não tinha
particularmente chamado à atenção dos psicólogos, começa a tornar-se objecto de
interesse (Lee, 1996). Segundo Archer (1996), as primeiras teorias sobre a origem
das diferenças entre os géneros debatiam se as diferenças seriam determinadas por
factores biológicos ou sociais. As explicações baseadas na influência da natureza
consideravam as diferenças físicas ou fisiológicas, inclusive as diferenças de
desenvolvimento do cérebro ou as diferenças hormonais. As explicações baseadas
na cultura apontavam para o papel da socialização, salientando que a sociedade
tem diferentes expectativas em relação aos comportamentos apropriados a homens
e a mulheres, que são apreendidos pelas crianças por processos de reforço e de
imitação.
A questão dos comportamentos de risco versus comportamentos de saúde durante
o período da adolescência, pode ser abordada numa perspectiva dos estilos de vida
utilizados pelos adolescentes, tais como, consumo de substâncias (tabaco, álcool e
drogas), actividade física, violência, relação como corpo, sintomas físicos e
psicológicos e comportamentos sexuais. Em relação ao consumo de substâncias, a
195
Estudo quantitativo
Tendo como base o estudo HBSC/OMS (Health Behaviour in School-aged
Children), estudo colaborativo da Organização Mundial de Saúde, que pretende
estudar os estilos de vida dos adolescentes e os seus comportamentos nos vários
cenários das suas vidas, realizado em 2002 foram inquiridos 6131 adolescentes,
agrupados em três grupos de idades (11, 13 15 anos de idade) e por três grupos de
escolaridade (6º, 8º e 10º anos de escolaridade), sendo 51% raparigas.
Considerando as diferenças de género (Matos & equipa Aventura Social, 2003),
verificamos que as raparigas sentem-se mais gordas, referem mais sintomas
psicológicos e físicos, tais como tristeza e ansiedade; dores de cabeça e dores de
estômago. São as raparigas quem mais refere dificuldades em falar com o pai.
Os rapazes referem mais que ocupam os tempos livres a praticar desporto, sendo
que as próprias raparigas referem que os rapazes fazem mais desporto do que elas.
As raparigas dizem que ocupam mais o seu tempo com a leitura do que os
rapazes, sendo que a literatura lida pelos rapazes é menos diversificada. É o grupo
dos rapazes que mais refere pertença a grupos recreativos/sociedade. Rapazes:
”passo muito tempo no café, estar com os amigos”; Raparigas ”Os rapazes são
mais ligados aos jogos, especialmente a play station”, ”Eles lêem mais banda
desenhada; Eles não lêem, é mais os bonecos”.
Imagem corporal: em relação à percepção do corpo e a questões relacionadas com
a saúde, as raparigas preocupam-se mais do que os rapazes e são as elas quem faz
mais dietas. São, também, as raparigas que tomam mais comprimidos e
apresentam mais queixas somáticas, embora, os rapazes estejam cada vez mais a
preocupar-se com a imagem do corpo. Rapazes: ”As raparigas preocupam-se
mais com o corpo; são mais completas que os homens, são mais organizadas,
investem mais no desporto, tem aquelas dietas, os homens não têm tanto aquele
regime, descontrolam-se mais”.
Violência: os rapazes são avaliados como mais violentos fisicamente e as
raparigas são vistas como mais violentas psicológica e verbalmente. De um modo
geral, os jovens referem que a violência torna-se mais psicológica em vez de
física, à medida que a idade aumenta, tanto para rapazes como para raparigas.
Raparigas ”Os rapazes eram mais para a violência física com rapazes e as
raparigas era mais verbal”; Rapazes ”As raparigas é mais psicologicamente,
dizer mal, contar mentiras, lançar boatos”.
Escola/Futuro: Os rapazes referem que as raparigas têm ambições e motivações
diferentes dos rapazes relativamente ao sucesso académico e profissional. Tanto
rapazes com raparigas referem que elas se preocupam mais com o futuro do que
os rapazes. Na generalidade, todos os jovens dizem que se preocupam com o
futuro profissional. Rapazes ”As raparigas são mais organizadas, os objectivos
delas são mais concretos”, Raparigas ”Eu acho que os rapazes são mais
irresponsáveis, andam um bocado ao sabor do vento; Eles se pensam, pensam
que vai ser tudo bom, nós já pensamos nas hipóteses todas”.
Amigos: o grupo das raparigas refere que os rapazes e as raparigas são diferentes
quanto à amizade, os rapazes são mais fieis e protectores, e muitas das raparigas
dizem sentir-se melhor a falar com um rapaz do que com outras raparigas. As
raparigas ao referir a questão do namoro, dizem que elas valorizam, de modo
geral, mais o amor e que têm mais ciúmes. Raparigas ”Os rapazes são muito mais
protectores, muito mais amigos; Há muito mais amizade entre um rapaz e uma
rapariga do que ás vezes entre duas raparigas”, ”em certos aspectos sinto-me mais
compreendida pelas raparigas”.
Sexualidade/Risco Sexual: os jovens referem que actualmente a sexualidade está
199
banalizada. Dizem que obtêm informação sobre estes temas através de ”outros”, e
não através dos pais pois, de um modo, geral não se sentem à vontade para falar
destes temas com os pais. É referido pelos jovens que são as raparigas quem mais
se preocupa com o uso do preservativo, essencialmente por causa da gravidez e
que a SIDA não é uma grande preocupação real. Raparigas ”As raparigas focam
mais as coisas pelo amor, e esse rapaz é para toda a vida e as coisas têm de estar
certas; Rapazes ”Hoje ir para a cama é uma coisa banal, não quer dizer um
compromisso com alguém com antigamente”; Rapazes ”os pais confiam mais nas
raparigas, tem mais cabecinha e com os rapazes dizem para ter mais cuidado
para não engravidar uma rapariga e isso”.
Consumos (tabaco, álcool e drogas): em relação ao tabaco, os jovens são
unânimes quanto ao facto de o consumo das raparigas ser maior do que os rapazes
Alguns dos motivos apresentados pelos jovens para o consumo de tabaco foram: a
curiosidade, rebeldia, a afirmação, a dependência, a pressão de pares. Os jovens
referem que quando estão ”nervosos” fumam mais. Raparigas ”as raparigas
estão a fumar mais, eu vejo por mim na nossa turma fumam mais raparigas que
rapazes”, Rapazes ”Eu comecei a fumar um pouco por rebeldia porque no meu
colégio não se podia fumar e eu queria desobedecer ás ordens”, ”eu quando
estou mais nervoso é uns atrás dos outros “.
Quanto ao consumo de álcool, os jovens referem que cada vez existem menos
diferenças entre rapazes e raparigas, existem rapazes e raparigas que bebem muito
e há rapazes e raparigas que não bebem. Os jovens referem consumo de álcool
com os pares, por curiosidade, por modelo parental, para se embebedar, etc. Tanto
rapazes como raparigas referem que as raparigas que bebem, bebem mais do que
os rapazes. Raparigas ”Eu acho que cada vez existem menos diferenças entre os
rapazes e as raparigas; Em relação ao álcool, acho que já não há diferenças”,
”Acho que os raparigas tendem a ter mais bebedeiras que os rapazes; As
raparigas querem tudo em excesso, bebida, amor, mais ciúmes, somos muito
mais”.
Em relação ao consumo de droga, referem que está associado ao controlo do
humor e que existe uma procura contínua do prazer. Referem, ainda, que existem
drogas de ricos e drogas de pobres. Os jovens demonstram medo ou respeito pela
droga e têm a percepção de que o consumo de drogas tende a aumentar. É ainda
referido que os rapazes consomem mais droga do que as raparigas
Os jovens dizem que existe uma relação entre o consumo de álcool, tabaco e
droga, por causa do contexto em que estas substâncias são consumidas. Rapazes
”As raparigas são influenciadas mas não consomem tanto como os rapazes, tenho
amigos que as tomam e sei que isso está a aumentar e as raparigas também.
Ainda não chegam aos rapazes mas está a aumentar”.
Família: de um modo geral, os jovens referem boa relação com os pais. Embora os
200
rapazes refiram que falam mais com a mãe e as raparigas apresentem tendência
para se dar melhor com o pai. Rapazes ”Eu tenho boa relação com o meu pai e
com a minha mãe talvez até mais com a minha mãe”, Raparigas ”A minha mãe
está sempre lá para dizer quando está mal, para me chatear, e quando é nas
coisas positivas há muito pouco”.
Em relação à sexualidade e ao par sexual, nota-se uma nítida dificuldade em
abordar o tema com os pais, tanto de rapazes como de raparigas. Raparigas ”Com
o meu pai falo tudo menos sexo e relações amorosas”.
Conclusões e recomendações
Foram identificadas diversas diferenças e semelhanças de género no âmbito dos
comportamentos de risco e protecção. Diferenças que envolvem necessidades
específicas para cada género. A educação para a saúde deve desenvolver-se no
sentido de ir ao encontro das necessidades específicas, sugerindo-se uma
intervenção no âmbito da escola, centros de juventude, centros de saúde,
comunidade, na família, entre outros. Por tudo quanto foi dito, os promotores de
saúde têm de ser precisos e de salientar as vantagens e desvantagens dos diversos
comportamentos de saúde e risco, respectivamente (Green & Kreuter, 2000).
Podem também assistir os adolescentes na procura de alternativas realistas e mais
adequadas enfrentar com os diversos desafios e estímulos que se apresentam nesta
fase da vida, tais como: o stress, aborrecimento/tédio e depressão, e promover
actividades que proporcionem prazer, relaxamento e ocupação. Considerando as
desvantagens, os promotores de saúde devem focar o conteúdo das acções
preventivas no presente (não no futuro) e no dia-a-dia (ex. actividade física).
Deve-se ainda ter em conta as diferenças de género e a associação
tabaco/álcool/drogas e o estilo de vida. O tempo de lazer parece ser um bom ponto
de partida, assim como as alternativas de vida, a procura de prazer e de bem-estar
(Matos, Sardinha & Sallis, 1999; Matos & Sardinha, 1999; Aaron, Sorti,
Robertson, Kriska & LaPorte, 2002; Matos, Gaspar, Vitória & Clemente, 2003).
A intervenção deve focar as alternativas, ou seja, ajudar os adolescentes a
encontrar formas de lidar com a ansiedade, com o stress, com a depressão, com o
tédio, no relacionamento com o outro género, bem como com os desafios da vida
em geral, sem recurso ao consumo de substâncias (tabaco, álcool e drogas), à
violência ou à doença física ou mental.
A educação para a saúde nas escolas portuguesas poderia sem dúvida
desenvolver-se no sentido de ir ao encontro destas necessidades e incluindo
temáticas tais como a promoção de competências de comunicação interpessoal,
competências de identificação e resolução de problemas, a promoção da
assertividade e da resiliência nos jovens, em síntese tomando nas mãos o seu
papel de optimização da participação dos jovens na vida social, mantendo opções
201
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202
Introdução
A sexualidade é um fenómeno multi-dimensional e parte integrante da formação
da identidade, do auto-conceito, da auto-estima e, de forma geral, do bem-estar
físico e emocional. É também, uma componente essencial do relacionamento com
os outros, nomeadamente no domínio amoroso.
As modificações fisiológicas, de salientar o desenvolvimento físico e sexual na
adolescência, têm um impacto em quase todas as outras áreas (Newton, 1995).
Para se habituar aos seus corpos em mudança, os adolescentes devem aprender as
suas limitações, desenvolver competências, compreender os processos pelos quais
estão a passar e integra-los nas suas relações interpessoais. A exploração sexual é
importante para a formação da identidade sexual e oferece aos adolescentes a
oportunidade de integrar as suas necessidades com a aprendizagem de reconhecer
o outro, de o respeitar e de treinar a sua competência física, psicológica e social
para o envolvimento em comportamentos sexuais (Gagnon, 1990).
O relacionamento heterossexual durante a adolescência assume importância
significativa (Caissy, 1994; Newton, 1995). A transição de um relacionamento
heterossexual infantil para um relacionamento mais complexo, implica a
aprendizagem de novos comportamentos e atitudes, a aceitação da nova imagem
de si como elemento participante numa relação mais íntima e o trato com os
problemas e com as situações típicas deste domínio. Os adolescentes estão assim,
muito atentos às comparações com os outros, à sua aparência física, a ter ou não
namorada, factores que vão ter especial ênfase no auto-conceito e auto-estima. O
relacionamento heterossexual na adolescência fornece o contexto para o
desenvolvimento do papel psico-sexual. As situações associadas aos namoros
implicam para o convívio com pessoas do género oposto, aprendizagem de novos
comportamentos associados ao afecto, mas também a aprendizagem da
valorização como rapaz/rapariga num processo de clarificação da identidade
psico-sexual (Miller & Dyk, 1993).
Sexualidade e risco
A sexualidade considerada nos seus múltiplos aspectos é uma área de grande
importância no desenvolvimento e tem influência sobre a saúde física, saúde
mental e qualidade de vida dos indivíduos. O VIH/SIDA juntando-se a outros
riscos ligados a práticas sexuais, como a gravidez não desejada, fez com que a
204
Família
Tem crescido o interesse em compreender também o impacto que o ambiente
familiar assume na adopção e manutenção de comportamentos protectores ou de
risco para a saúde dos adolescentes, e mais especificamente, para a saúde sexual
(DiClemente, Wingood, Crosby, et al, 2001; Small & Luster, 1994).
O ambiente familiar não é uma dimensão unitária, sendo pelo contrário,
construído com base em factores psicológicos e sociais. As características
familiares, como as características parentais (composição familiar, educação, nível
de violência/abuso, e estatuto sócio-económico), as relações pais-adolescentes
(qualidade da relação familiar, proximidade, estilos parentais, supervisão,
comunicação e autonomia), modelos parentais no que respeita a atitudes e valores
face aos comportamentos sexuais (como a religião, atitudes perante o sexo) têm
sido identificados como influenciando as atitudes e comportamentos sexuais de
baixo ou alto risco para a saúde dos jovens (DiClemente, Wingood, Crosby, et al,
2001; Mcneely, Marcia, Shew et al, 2002; Huebner & Howell, 2003; Hutchinson,
Jemmott, Jemmott, Braverman, & Fong, 2003).
A influência parental nos comportamentos sexuais dos filhos depende em larga
medida da qualidade da relação que os pais estabelecem com os seus filhos
(Meschke, Bartholomae & Zenthall, 2002). Parece existir uma associação positiva
entre os adolescentes que percepcionam que têm uma boa relação familiar e o
início das relações sexuais mais tardio (Huebner & Howell, 2003). Um estudo
realizado por Dittus e Jaccard (2000) demonstrou que uma relação satisfatória
entre pais e filhos estava associada a menos envolvimento em relações sexuais,
maior utilização de contraceptivos numa relação sexual e a uma menor
probabilidade de engravidar no ano seguinte ao estudo.
Investigações sugerem que a percepção por parte dos adolescentes de um menor
controlo parental tem estado associada com a participação em mais
comportamentos anti-sociais, maior consumo de substâncias e mais
comportamentos sexuais de risco (DiClemente, Wingood, Crosby, et al, 2001;
Rodgers, 1999; Jacobson & Crockett, 2000). Resultados de estudos parecem
demonstrar que o controle e supervisão parental tende a promover um atraso no
início das relações sexuais, um menor número de parceiros sexuais e uma maior
209
satisfatória entre pais e adolescentes (Huebner & Howell, 2003). Esta combinação
entre relações próximas, ambientes de apoio e promoção do desenvolvimento da
independência, está associada com adolescentes que fazem transições de sucesso
para a fase adulta. Rodgers (1999) sugere que esta autonomia psicológica permite
ao adolescente desenvolver a maturidade psicológica e moral que está associada
com um baixo envolvimento em comportamentos sexuais de risco. As
intervenções com as famílias devem fornecer informações aos pais de como
devem manter um equilíbrio entre o desafio desenvolvimental dos adolescentes
que é o estabelecimento da sua autonomia e a sua função de proteger os seus
filhos. Os pais podem alcançar este equilíbrio transmitindo-lhes os seus valores,
mas mantendo em mente que o principal objectivo do controlo parental deve ser o
de promover um comportamento auto-regulatório por parte do adolescente
(DiClemente, Wingood, Crosby, et al, 2001).
Grupo de Pares
Diminuindo a dependência afectiva face aos pais, característica do período
infantil, o adolescente vai também alterar a relação com os companheiros e o
grupo vai revestir-se de grande importância no seu desenvolvimento emotivo e
integração psicossocial. O grupo de os pares passa assim, a ter uma influência
importante nas expectativas, atitudes e comportamentos sexuais dos jovens
(Kinsman, Romer, Furstenberg & Aschwarz, 1998; Lindsey & Billie, 1997).
Investigações sugerem que quando existe uma relação pouco próxima com os
pais, assiste-se, normalmente, a um aumento da influência dos pares nas questões
sexuais (Meschke, Bartholomae & Zenthall, 2002). Um estudo realizado por
Whitaker e Miller (2000), analisou o impacto da comunicação parental acerca da
sexualidade e do preservativo no comportamento sexual e utilização de
preservativos nos jovens e como interage com as normas dos pares acerca dos
mesmos temas. Os resultados demonstraram que ambas, quando observadas
individualmente têm influência no comportamento sexual e na utilização do
preservativo, parecendo existir uma interacção entre as duas na influência no
comportamento sexual. Os resultados sugerem que a comunicação entre pais e
filhos está associada com menores comportamentos sexuais de risco, menor
conformidade às normas dos pares e a uma maior crença que os pais fornecem
informação mais correcta acerca das questões sexuais. O diálogo entre pais e
filhos acerca da sexualidade e da utilização de preservativos pode ter impacto no
comportamento sexual dos adolescentes moderando a influência que as normas
dos pares têm no seu comportamento. Por outro lado, o comportamento sexual dos
jovens que não comunicavam com os seus pais acerca do início das relações
sexuais e do uso do preservativo estava mais relacionado com as normas dos pares
do que nos adolescentes que conversavam com os pais. O que parece acontecer é
211
que os adolescentes que não conversam com os pais tendem a dialogar mais com
os pares, a recorrer a eles quando têm dúvidas ou problemas e a guiar o seu
comportamento sexual mais pelas normas do grupo. A educação dos pais no
sentido de promover conhecimentos e competências para o diálogo entre os pais e
os filhos na área da sexualidade poderá ser uma estratégia eficaz na prevenção da
Sida.
Comunidade
Os adolescentes que residem em ambientes sociais de risco (alta prevalência de
violência e consumos de substâncias) podem estar mais vulneráveis a se envolver
com grupos de pares com normas comprometedoras para a saúde. Também as
organizações, as escolas, as igrejas, e os serviços comunitários devem desenvolver
programas que promovam atitudes e actividades pro-sociais, aumentem a auto-
estima, forneçam modelos positivos e supervisão aos adolescentes. Esta estratégia,
mais do que substituir o controlo parental, pode ser um recurso adicional e servir
para fortalecer e expandir o controlo parental (DiClemente, Wingood, Crosby, et
al, 2001).
Escola
A escola, enquanto espaço de grande importância na socialização, poderá então,
desempenhar a função de suscitar o ensaio de competências essenciais ao pleno
desenvolvimento da pessoa, tendo a seu favor, para esta missão, o facto de ser um
espaço de grande permanência temporal nas idades em que se realiza uma boa
parte das aprendizagens básicas de todos os indivíduos. De forma deliberada ou
não, a escola é um lugar de construção de saberes, que suscita vivências ao nível
afectivo-sexual.
Dar apoio às escolas é uma forma de investir nos adolescentes e prepará-los para
terem vidas produtivas e satisfatórias. As escolas são um local prioritário pois
oferecem oportunidades únicas para prevenir a infecção por VIH na medida em
que permitem: abranger um grande grupo de pessoas, incluindo jovens,
funcionários da escola, pais e membros da comunidade; educar os adolescentes
antes de eles se depararem com tomadas de decisão acerca da sua sexualidade e
comportamentos sexuais de risco; trabalhar na aquisição de conhecimento,
213
O Questionário
O questionário”Comportamento e Saúde em Jovens em Idade
Escolar”utilizado neste estudo foi o adoptado no estudo europeu HBSC em 1998
(Currie et al, 2000; Matos et al, 2000). Foram incluídas as questões demográficas
e um conjunto de questões relacionadas com expectativas para o futuro, história
de consumos (consumo de álcool, tabaco e drogas), prática de exercício físico e
tempos livres, hábitos alimentares e de higiene, bem-estar e apoio familiar,
ambiente na escola (amigos, professores e violência), imagem pessoal, queixas de
sintomas psicológicos e somáticos e crenças e atitudes face ao VIH/Sida.
seu desempenho escolar, os adolescentes com incentivo familiar para ter bons
resultados escolares, os adolescentes com algum apoio social por parte dos pares,
tendem a constituir o grupo do(a)s jovens com melhores conhecimentos sobre as
formas de transmissão do VIH/Sida e também com menos tendência a discriminar
os indivíduos infectados (Matos et al, 2003b).
Um maior conhecimento das formas de transmissão, aparece ligado a uma atitude
mais positiva face a pessoas infectadas sublinhando a importância de uma maior
informação como modo de diminuir atitudes discriminatórias, sugerindo que estas
se podem dever a falta de esclarecimento. Este perfil assim definido sugere
claramente a importância da promoção de um relacionamento interpessoal
gratificante entre pares, na Escola; sublinha a importância da Escola e dos
professores, não só a nível da transmissão de conhecimentos como a nível da
transmissão de atitudes, aponta ainda a importância que podem ter nestas idades
os”mass media”, nomeadamente a televisão, na promoção de comportamentos de
saúde e de atitudes seguras mas não discriminatórias entre pessoas que se
percepcionam como saudáveis e pessoas que são percepcionadas como doentes.
Os resultados do mais recente estudo HBSC em Portugal (Matos et al, 2003a)
reafirmam na sua generalidade este padrão.
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219
mais frequentemente como “negro”. A maioria dos jovens refere que fala
português em casa, no entanto cerca de metade dos jovens estrangeiros/africanos
referem outra língua em casa.
São os jovens estrangeiros/africanos que mais referem que não vêem ou não têm
pai nem mãe. Os jovens estrangeiros/africanos e portugueses, referem mais que os
pais (pai e mãe) pertencem a um nível baixo (nível cinco). Em relação ao nível de
instrução dos pais, verificamos que são ao jovens estrangeiros/africanos que mais
referem que os pais nunca estudaram ou têm curso superior, verificamos que são
os jovens estrangeiros/africanos que mais referem que as mães nunca estudaram.
Os jovens portugueses são os que mais referem que o nível financeiro da sua
família é “muito bom / bom”. São ao jovens estrangeiros/africanos que mais
referem que, às vezes, vão para a cama com fome.
Alimentação
Na escola, a maioria dos adolescentes refere que toma o pequeno almoço, almoço
e jantar. Quando se comparam as respostas dos rapazes e das raparigas, verifica-se
que são rapazes quem mais refere que toma pequeno almoço, almoço e jantar. São
os adolescentes mais novos quem mais refere que toma o pequeno almoço,
almoço e jantar. Em relação ao consumo de batatas fritas, hambúrgueres a maioria
dos adolescentes refere consumo uma vez por semana. Também a maioria dos
adolescentes refere consumo de doces, chocolates, colas e outros refrigerantes e
vegetais pelo menos uma vez por semana. Uma grande maioria refere consumo de
leite e fruta pelo menos uma vez por semana. Em relação ao consumo de batatas
fritas, hambúrgueres, colas e outros refrigerantes e leite são mais as raparigas que
referem consumo raramente ou nunca.
No entanto, tendo como referência o estudo nacional HBSC (Matos et al, 2003),
verifica-se que os jovens do presente estudo consomem mais hamburgueses,
cachorros quentes e salsichas, pelo menos uma vez por dia (19.2% vs 10%).
Na comunidade a maioria dos jovens refere que toma o pequeno almoço, almoço e
jantar. Em relação aos alimentos consumidos, a maioria refere consumo pelo
menos uma vez por dia leite, fruta e colas e outros refrigerantes. Mais de um terço
refere consumo, pelo menos uma vez por dia, de vegetais e doces ou chocolates. A
maioria refere consumo, raramente ou nunca, de hambúrgueres, cachorros quentes
e salsichas.
Comparando os jovens portugueses com os jovens estrangeiros/africanos,
verificamos que são os estrangeiros /africanos quem mais refere só tomar o
almoço e o jantar ou comer quando calha. Os jovens portugueses referem mais
consumo de leite pelo menos uma vez por dia.
Imagem do corpo
224
rapazes que referem que passam o seu tempo livre na rua e as raparigas mais em
casa. Sobre o número de horas que os adolescentes passam a ver televisão, durante
a semana, a maioria refere uma ou duas horas, enquanto que ao fim de semana a
maioria refere três horas ou mais.
Tomando como referência o estudo nacional HBSC (Matos et al, 2003), verifica-
se que os adolescentes do presente estudo praticam mais actividade física todos os
dias (22.9% vs 12.6%), praticam mais voleibol (21.2% vs 12.4%) e vêem mais
televisão, três ou mais horas, durante a semana (46% vs 33%).
Na comunidade, cerca de um terço dos jovens refere ter pratica de menos de três
vezes por semana ou três vezes ou mais. O tipo de desporto mais praticado pelos
jovens é o futebol, seguido pela ginástica e pelo basquetebol. As ocupações de
tempos livres mais assinaladas pelos jovens são audição de música, conversa com
os amigos, televisão ou vídeo. Os locais onde a grande maioria dos jovens refere
passar o seu tempo livre são o centro desportivo e o centro de juventude. Os
jovens na sua maioria passam quatro horas ou mais a ver televisão, quer durante a
semana, quer ao fim de semana
Comparando os jovens portugueses com os jovens estrangeiros/africanos, são os
portugueses que mais referem ocupação do tempo livre na companhia dos amigos.
Ao fim-de-semana, são os jovens portugueses que mais referem ver televisão uma
a duas horas por dia.
Uso de substâncias
Na escola, a maioria diz que não experimentou tabaco. São os mais velhos que
mais o referem. A grande maioria dos adolescentes diz que não consume tabaco.
São os mais velhos que mais referem já experimentam álcool. A maioria dos
adolescentes refere que nunca bebe bebidas alcoólicas. As bebidas destiladas são
as mais consumidas pelos adolescentes. São os rapazes que mais referem consumo
de cerveja e vinho todos os dias ou todas as semanas. São os adolescentes mais
novos que mais referem que nunca consumem cerveja, nem bebidas destiladas. A
maioria dos adolescentes refere que nunca ficaram embriagados. São as raparigas
que mais referem que nunca ficaram embriagadas. São os mais novos que mais
referem que nunca ficaram embriagados. São os rapazes que mais referem
experimentação de haxixe. São os mais velhos que mais referem experimentação
haxixe. É na zona da Amadora que os adolescentes mais referem experimentação
de haxixe. Dos adolescentes que referem experimentação de droga, a maioria
refere tê-lo feito com catorze anos ou mais. Os adolescentes mais velhos são os
que mais referem tê-lo feito com catorze anos ou mais. Os adolescentes de
Marvila são os que referem mais ter tido a primeira experiência com drogas com
14 anos ou mais e os adolescentes de Loures são os que mais referem tê-lo feito
com 12, 13 anos. A grande maioria dos adolescentes refere não ter consumido
226
droga no último mês. São as raparigas que mais referem não ter consumido. São
os mais velhos que mais referem consumo de droga, de modo regular, no último
mês. Os adolescentes na grande maioria referem que nunca experimentaram
haxixe. São as raparigas que mais referem que nunca experimentaram haxixe. São
os mais velhos que mais referem ter consumido haxixe mais de três vezes ao
longo da sua vida. A grande maioria dos adolescentes refere não ter consumido
haxixe no último ano. São os rapazes e os mais velhos que mais referem consumo
de haxixe no último ano. São os adolescentes da Amadora que referem mais
consumo.
Tomando como referência o estudo nacional HBSC (Matos et al, 2003), verifica-
se que os adolescentes do presente estudo apresentam valores face ao consumo de
substâncias equivalentes, no entanto consomem menos tabaco todos os dias
(3.3% vs 8.5%).
Na comunidade, a maioria dos jovens diz que não experimentou tabaco e mas que
experimentou álcool. A maioria dos jovens refere nunca consumir bebidas
alcoólicas, cerca de um terço refere consumir raramente cerveja e bebidas
destiladas. A maioria dos jovens refere que nunca ficou embriagado. O haxixe é a
substância ilícita mais experimentada pelos jovens. Os jovens que referem
experimentação de droga, apontam como a idade média da experimentação
catorze anos ou mais. A grande maioria dos jovens refere que não consumiu droga
no último mês. A grande maioria dos jovens refere que não ter experimentou
haxixe.
Comparando os jovens portugueses com os jovens estrangeiros/africanos, são os
jovens estrangeiros/africanos que mais referem consumo de tabaco pelo menos
uma vez por mês, consumo de bebidas alcoólicas em excesso (embriaguez) quatro
ou mais vezes, consumo de haxixe três ou mais vezes ao longo da vida e consumo
de haxixe, no último ano.
Violência
Na escola, cerca de um terço dos adolescentes refere envolvimento, de uma a três
vezes, em lutas no último ano. Sendo mais os rapazes que as raparigas. São os
adolescentes de treze anos que referem envolvimento, de uma a três vezes ou
quatro vezes ou mais, em lutas no último ano. Cerca de metade dos adolescentes
que referem envolvimento em lutas refere tê-lo feito com um amigo ou conhecido.
Mais de um terço da amostra sofreu uma lesão no último ano. São os rapazes que
sofreram mais lesões no último ano. Verifica-se que um número significativo de
adolescentes, já se envolveu em comportamentos de provocação na escola, seja
como "provocado" (vítima), seja como "provocador" (agente) e que mais de
metade dos adolescentes inquiridos refere que foi provocado na escola, nos
últimos dois meses. Mais de um quarto dos adolescentes afirma ainda ter
227
Ambiente familiar
228
Na escola, a grande maioria refere que mora com mãe, a maioria dos adolescentes
refere que mora com o pai e pouco menos de um terço refere outros familiares.
São os adolescentes da Amadora que mais referem não morar com a mãe. A
maioria refere que mora em casa todo o tempo. São os adolescentes mais novos
(treze e quinze anos) que menos referem morar em casa todo o tempo. Cerca de
metade dos adolescentes, refere que mora com duas a três pessoas em casa, um
terço refere viver com quatro a cinco pessoas. Mais de um terço dos adolescentes
refere que alguém que vivia em casa mudou de casa nos últimos cinco anos, a
maior parte irmãos ou outros familiares. Um quinto dos adolescentes refere que
alguém que não vivia em casa veio viver para casa nos últimos cinco anos, a
maior parte irmãos ou outros familiares. Quase metade dos adolescentes refere ter
entre dois e cinco irmãos. No que diz respeito à comunicação com a família, a
maioria dos adolescentes considera ser fácil falar com a mãe e mais de um terço
refere ser difícil falar com o pai. São os rapazes que consideram ser mais fácil
falar com o pai. São os adolescentes mais novos que consideram ser mais fácil
falar com o pai. Quase metade dos adolescentes refere sentir, às vezes,
preocupação com os pais e com as coisas de casa. São as raparigas que mais
referem sentir, muitas vezes ou sempre, preocupação com os pais e com as coisas
de casa.
Tomando como referência o estudo nacional HBSC (Matos et al, 2003), verifica-
se que os adolescentes do presente estudo apresentam valores superiores em
relação ao tamanho do agregado familiar, 4 pessoas ou mais (51.5% vs 45.3%), e
ao número de irmãos, dois ou mais (51.9 vs 29.5), referem menos morar com o
pai (67.4% vs 80.5%), apresentam uma maior dificuldade em falar com a mãe
(22.4% vs 16.7%) e com o pai (38.8% vs 35.6%).
Na comunidade, a grande maioria dos jovens refere morar com a mãe, menos de
metade refere morar com o pai e mais de um terço refere morar com outros
familiares. A maioria refere que mora em casa todo o tempo. A maioria dos
jovens refere morar em casa com quatro ou mais pessoas. A maioria dos jovens
refere ter entre dois a cinco irmãos e irmãs. Cerca de metade dos jovens refere que
nos últimos cinco anos alguém que vivia em casa mudou de casa, mais
frequentemente irmãos. Mais de um quinto dos jovens refere que nos últimos
cinco anos alguém que não vivia em casa veio viver para casa. A maioria dos
jovens refere que é fácil falar com a mãe e menos de um terço refere que tem
facilidade em falar com o pai. Mais de um terço dos jovens considera que às vezes
sente preocupação com os pais e com as coisas lá de casa.
Comparando os jovens portugueses com os jovens estrangeiros/africanos, os
jovens estrangeiros/africanos são os que mais referem não morar com o pai ou
com a mãe. São os jovens portugueses que mais referem morar, a maior parte do
tempo, em casa. Os jovens estrangeiros/africanos referem mais morar com seis
229
pessoas ou mais e nos últimos cinco anos, alguém que vivia em casa mudou de
casa e/ ou alguém que não vivia veio viver para casa; referem mais ter entre dois e
dez irmãos, enquanto que os jovens portugueses são os que mais referem ter um
ou nenhum irmão. São os jovens portugueses que mais referem ser fácil falar com
a mãe e com o pai.
Amigos
Na escola, a maioria dos adolescentes refere ter dois amigos ou mais. São os
rapazes que mais referem ter dois amigos ou mais. A grande maioria dos
adolescentes refere ter facilidade em arranjar amigos. São os rapazes que mais
consideram ser fácil arranjar amigos. A maioria dos adolescentes refere ficar, dois
ou mais dias, com os amigos depois das aulas. São os rapazes e os mais velhos
que dizem passar mais dias com os amigos depois das aulas. Metade dos
adolescentes refere nunca sair à noite com os amigos, são os rapazes e os
adolescentes mais velhos que mais referem sair à noite com os amigos, três ou
mais dias por semana. São os adolescentes de Loures que mais referem nunca sair
à noite com os amigos.
No entanto, tomando como referência o estudo nacional HBSC (Matos et al,
2003), verifica-se que os adolescentes do presente estudo são os que mais referem
ter apenas um amigo (24.3% vs 3.2%).
Na comunidade, a maioria dos jovens refere ter três amigos ou mais. A grande
maioria dos jovens refere ter facilidade em arranjar amigos. A grande maioria
refere ficar com os amigos depois as aulas dois dias ou mais por semana. A
maioria dos jovens não sai com os amigos à noite
Comparando os jovens portugueses com os jovens estrangeiros/africanos, os
jovens estrangeiros/africanos são os que mais referem ter nenhum amigo e ser
difícil arranjar novos amigos. São os jovens portugueses que mais referem não
sair nenhum dia com os amigos à noite.
Escola
Na escola, a grande maioria dos adolescentes refere gostar da escola. São as
raparigas e os adolescentes mais novos quem mais refere gostar da escola. Cerca
de um quarto dos adolescentes refere que é frequentemente ou sempre aborrecido
ir à escola. São os adolescentes mais velhos (quinze anos ou mais) que mais
referem considerar a escola aborrecida, sempre, frequentemente ou às vezes. A
maioria do adolescentes refere que nunca falta às aulas ou só o faz quando está
doente. São as raparigas e os adolescentes mais novos que mais referem nunca
faltar às aulas ou só o fazer quando estão doentes. A maioria dos adolescentes
refere sentir segurança na escola, às vezes. São as raparigas que mais referem
sentir segurança na escola, às vezes. A grande maioria dos adolescentes refere que
230
Saúde e bem-estar
Na escola, a maioria considera a sua saúde boa e apenas uma minoria considera a
sua saúde má. São os rapazes e os adolescentes mais novos que mais consideram a
sua saúde excelente. Em relação aos sintomas físicos, verifica-se que mais de um
terço dos adolescentes refere sentir dores de cabeça e que cerca de um terço refere
sentir dores de estômago. São as raparigas que mais referem sentir sintomas
físicos, quer dores de cabeça, quer dores de estômago. No caso dos sintomas
psicológicos, a maioria dos adolescentes refere sentir-se deprimido, com mau
humor e nervoso. São as raparigas quem mais refere estar deprimidas, com mau
humor e nervosa. São os adolescentes mais velhos que mais referem sentir
tristeza. Metade dos adolescentes refere que raramente ou nunca fica tão triste que
não aguenta. São as raparigas que mais referem, sentir-se tão tristes que não
231
Sexualidade
Na escola, a maioria dos adolescentes refere não ter tido relações sexuais. Dos
adolescentes que afirmam já ter tido relações sexuais, a maioria refere que tinha
catorze anos ou mais quando teve a primeira relação sexual. Dos adolescentes que
afirmam já ter tido relações sexuais, a maioria dos adolescentes refere ter usado
preservativo na última relação sexual. O método mais utilizado, na última relação
sexual, foi o preservativo seguido pela pílula. A grande maioria dos adolescentes
refere não ter tido relações sexuais sob o efeito de álcool ou drogas.
No entanto, tomando como referência o estudo nacional HBSC (Matos et al,
2003), verifica-se que os adolescentes do presente estudo referem mais relações
sexuais (32.9% vs 23.7%), os que tiveram relações sexuais referem-nas mais cedo,
entre os 11 anos ou menos (18.8% vs 17.2%).
Na comunidade, a maioria dos jovens refere relações sexuais. Dos jovens que
afirmam já ter tido relações sexuais, a maior parte refere a primeira aos catorze
anos ou mais. Cerca de metade refere ter usado preservativo na última relação
sexual. Os métodos contraceptivos mais utilizados na última relação sexual foram
o preservativo, seguido pela pílula e pelo coito interrompido. A grande maioria
dos jovens refere não ter praticado relações sexuais sob o efeito de álcool ou
drogas.
São os jovens da comunidade que mais referem relações sexuais. São os jovens da
escola que mais referem o uso de preservativo na última relação sexual. Os jovens
da comunidade são os que mais referem uso de pílula ou nenhum método
contraceptivo na última relação sexual, os jovens da escola são os que mais
utilizaram o preservativo.
Comparando os jovens portugueses com os jovens estrangeiros/africanos, os
estrangeiros/africanos são os que mais referem já ter tido relações sexuais. Dos
adolescentes que já tiveram relações sexuais, não se verificam diferenças
significativas, entre os portugueses e os estrangeiros, em relação à idade da
primeira relação sexual, em relação aos métodos contraceptivos utilizados na
última relação sexual, em relação a relações sexuais sob o efeito de álcool ou
drogas. Dos adolescentes que já tiveram relações sexuais, são os estrangeiros que
mais referem uso de preservativo na última relação sexual.
Conclusões
Uma das implicações destes resultados é que o desenvolvimento de programas
efectivos requer o conhecimento adequado dos comportamentos sexuais que
caracterizam as comunidades (McDermott, 1998). Considera-se ser necessário
234
Referências
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236
Introdução
A adolescência é um período de desenvolvimento onde ocorrem rápidas alterações
físicas, psicológicas, cognitivas e sócio-culturais, que se caracterizam por esforços
essenciais para superar os desafios, sendo as grandes tarefas da adolescência a
autonomia e a construção da identidade (DiClemente, Hansen, & Ponton, 1996).
Uma vez que a construção do estilo de vida se traduz na construção da identidade,
é fundamental pensar que o lazer, ao desempenhar um papel activo na promoção
da saúde, tem também um papel crucial na promoção de um estilo de vida
saudável no adolescente (Freire, 1999; Freire, & Soares, 2000). Alguns autores
preocuparam-se em investigar de que forma o estilo de vida do adolescente pode
influenciar o processo de desenvolvimento da sua identidade, realçando o uso do
tempo livre e a participação em actividades de lazer como as principais
componentes do estilo de vida que podem facilitar ou perturbar a construção da
identidade (Csikszentmihalyi, 1997; Shaw, Kleiber, & Caldwell, 1995).
Thorlindsson, Vilhjalmsson e Valgeirsson (1990), verificaram que os adolescentes
que tinham uma participação activa em desportos se mostravam menos ansiosos e
deprimidos, e apresentavam menos sintomas psico-fisiológicos e níveis mais
elevados de saúde do que os adolescentes que não praticavam desportos.
Alguns autores (Shaw, Kleiber, & Caldwell, 1995; Meschke, & Silbereisen,
1998), verificaram que as variações na participação do lazer e os interesses estão
associados ao género e que muitas actividades para adolescentes são
caracterizadas pelo seu carácter estereotipado em relação ao género. De acordo
com Freire e Soares (2000), as raparigas demonstram maior interesse por
actividades de entretenimento, como festas, discotecas, conversa com os amigos
(lazer social/romântico), enquanto que os rapazes preferem desportos, actividades
sociais e hobbies - lazer risco (Freire & Soares, 2000). Num outro estudo, Matos e
colaboradores (2003a), verificaram que os jovens preferiam actividades de lazer
sedentário, constatando que as raparigas optavam pela música, conversa e
companhia dos amigos e T.V., enquanto que os rapazes escolhiam com maior
frequência jogos de cartas, vídeo e computador. Vários são os autores que referem
que a satisfação com o lazer contribui, de forma significativa, para a percepção da
qualidade de vida, uma vez que possibilita grandes benefícios para o bem-estar
físico e psicológico (Freire, 1998). Nos vários estudos realizados, o aborrecimento
tem sido referido como estando associado a comportamentos de risco,
239
vez que estima-se que 50% dos fumadores regulares morram devido ao tabaco,
metade dos quais durante a meia idade (Matos, Gaspar, Vitória, & Clemente,
2003b). Na maioria dos casos a iniciação tabágica ocorre na puberdade e instala-
se ainda durante a adolescência (Matos et al., 2003b). Nos últimos anos tem-se
verificado um aumento no consumo de tabaco pelas raparigas. Verifica-se, de um
modo geral, que existem mais rapazes a fumar do que raparigas, embora essa
diferença se tenha vindo a atenuar (Matos et al., 2003a; Matos et al., 2003b;
USDHHS, 2001).
Matos, Simões, Carvalhosa, Reis e Canha (2000), num estudo efectuado acerca
dos consumos de tabaco, álcool e drogas em adolescentes, verificaram que,
relativamente ao consumo de álcool e tabaco, eram os rapazes e os mais velhos
que não só mais frequentemente tinham experimentado estas substâncias, como
também eram mais frequentemente consumidores regulares e abusivos (Matos, et
al., 2003a; Matos et al., 2003b). Estes resultados sugerem, de acordo com os
autores, que os jovens que já tinham experimentado, bem como aqueles que eram
consumidores regulares de álcool e tabaco, apresentavam um perfil de
afastamento em relação à família, à escola e ao convívio com os colegas em meio
escolar, e também um envolvimento mais frequente na experimentação de outras
drogas ilícitas, em lutas e situações de violência na escola (Matos et al., 2000). Da
mesma forma, afirmavam-se menos felizes e referiam com maior frequência
sintomas de mal-estar físico e psicológico do que aqueles que não fumavam nem
bebiam (Matos et al., 2000). O mesmo estudo constatou que as raparigas
experimentavam menos frequentemente drogas e que eram também elas quem
menos consumia, verificaram também que com a idade (dos 11 para os 16 anos),
aumenta também a percentagem de jovens que já experimentaram drogas ilícitas
ou que consomem. Estes jovens apresentam igualmente uma maior frequência em
outros consumos (álcool e tabaco) e referem também um maior envolvimento em
actos de provocação na escola e lutas físicas. Resultados estes que foram
confirmados por outros estudos (Matos, & Carvalhosa, 2001; Matos et al., 2003a).
Matos e colaboradores (2003a), de 1998 para 2002, constataram um aumento no
consumo de bebidas destiladas em detrimento do consumo de cerveja, um
aumento na frequência do estado de embriaguez e um aumento substancial no
consumo de drogas ilícitas, verificando que os rapazes consomem mais álcool,
tabaco e drogas do que as raparigas e que os consumos aumentam com a idade
(Matos, et al., 2003a). A droga mais frequentemente utilizada foi o haxixe que foi
também a droga preferencialmente utilizada na primeira experiência (Matos et al.,
2000; Matos et al., 2003a).
Matos e colaboradores (2003a) identificaram vários factores que poderão
contribuir para a iniciação e aumento do consumo de substâncias na adolescência,
nomeadamente, idade, etnia, estrutura familiar, atitudes tabágicas da família e dos
242
existia uma grande co-morbilidade destes sintomas nas raparigas, o que se mostra
consistente com investigações passadas onde se verificou que as raparigas se
encontravam mais vulneráveis a altos níveis de ansiedade e depressão do que os
rapazes (Matos, Barrett, Dadds, & Shortt, 2003c; Schraedly, Gotlib, & Hayward,
1999).
Seyle (1984), definiu o stress como uma resposta não específica do organismo a
um estímulo externo, considerando as situações de eustress (que contribuem para
a realização pessoal do indivíduo) do tipo cognitivo e as de distress (desgastantes
e improdutivas) como tendo uma carga negativa. O stress, envolve mudanças
bioquímicas, fisiológicas, comportamentais e psicológicas (Fonseca, 2002).
Lazarus (1966), baseado no seu modelo transaccional, encontrou uma relação
recíproca entre a ansiedade e o coping, concluindo que o tipo de coping bem como
os seus resultados terão influência na ansiedade, sofrendo ambos os constructos
alterações no decurso do processo de confronto com a situação stressante. Alguns
autores criticam a conceptualização de Lazarus, uma vez que não distingue os
resultados adaptativos dos não adaptativos (Seiffge-Krenke, 1995). Os mesmos
autores consideram que no decurso da adolescência se podem distinguir estilos
funcionais de coping (coping activo e interno) que conduzem à resolução da tarefa
e estilos de coping disfuncionais que levam a um afastamento do sujeito (Seiffge-
Krenke, 1995). Outros autores procuram relacionar o coping com as vertentes da
ansiedade estimulante vs. ansiedade debilitante, concluindo que a ansiedade
estimulante se encontra associada a níveis elevados de coping centrado na tarefa,
considerado como adaptativo. Pelo contrário, a ansiedade debilitante encontra-se
associada a coping de evitamento, por isso disfuncional (Raffety, Smith, &
Ptacek, 1997). Desta forma, os sujeitos com níveis mais elevados de ansiedade
estimulante referem níveis maiores de tensão, enquanto que aqueles que
apresentam níveis mais elevados de ansiedade debilitante experimentavam níveis
mais elevados, não só de tensão, mas também de preocupação e distracção
(Raffety, Smith, & Ptacek, 1997).
Os estudos efectuados com sujeitos de ambos os géneros mostraram que quando
confrontados com situações indutoras de stress os rapazes utilizam, geralmente,
estratégias centradas no problema enquanto as raparigas utilizam estratégias
centradas nas emoções (Cleto, 1998; Sarafino, 1998). No entanto, em questões
relativas à escola verificou-se que as raparigas utilizavam em paralelo com os
rapazes estratégias centradas no problema (Cleto, 1998). Serra (2002), verificou
que quando uma pessoa se sente invadir por emoções negativas fortes pode
adoptar certos comportamentos que a ajudem a sentir-se mais confortável. Alguns
deles são susceptíveis de se constituir numa fonte secundária de stress, como
sejam o caso do recurso a drogas ilícitas e o consumo excessivo de tabaco e de
bebidas alcoólicas.
244
Método
Participantes
Foi recolhida uma amostra de 176 adolescentes, que frequentavam o nível 2 do
curso técnico-profissional, num colégio público com uma população de baixo
245
Instrumentos
Para além dos dados demográficos, foram utilizados vários instrumentos de
medida:
Children’s Depression Inventory (CDI). A escala CDI foi construída por Kovacs
(1982), sendo composta por 27 itens que avaliam o grau de severidade da
depressão em crianças e adolescentes dos 7 aos 17 anos de idade. A escala é
composta por 5 sub-escalas (Escala A – Humor Negativo; Escala B – Problemas
Interpessoais; Escala C – Ineficácia; Escala D – Anedonia; Escala E – Auto-
Estima Negativa), sendo cada item cotado em 3 pontos (0 – Ausência de sintomas;
2 – Sintomas graves), devendo o jovem seleccionar a opção que melhor o
descreva, durante as duas últimas semanas. Para calcular o resultado total devem
somar-se os totais dos 27 itens e devem também ser apresentados os totais das 5
sub-escalas que compõem o CDI, variando o resultado total entre 0 e 54 pontos. O
CDI apresenta boas qualidades psicométricas, o alpha varia entre .71 e .89
(Ghareeb, & Beshai, 1989, Kovacs, 1983, Weiss, & Weisz, 1988, citados por
Kovacs, 1992), indicando uma boa consistência interna. A fidelidade teste-reteste
mostrou-se variável de acordo com a população em estudo e com o intervalo de
tempo utilizado (Kovacs, 1983, citado por Kovacs, 1992). Esta escala foi utilizada
neste estudo com o intuito de avaliar a depressão.
Revised Children’s Manifest Anxiety Scale (RCMAS): A RCMAS foi construída
por Reynolds e Richmond (1985), e traduzida para a população Portuguesa por
Carvalho e Baptista (1998), sendo composta por 37 itens de cotação dicotómica
(Sim/Não), que fornecem informações acerca do nível e natureza da ansiedade em
crianças e adolescentes dos 5 aos 19 anos de idade. A escala proporciona
resultados sobre a Ansiedade Total e das 4 sub-escalas que a compõem
(Ansiedade Fisiológica; Preocupação/Hipersensibilidade; Medo/ Concentração;
Escala de Mentira). A grande maioria dos seus itens (28) avaliam a ansiedade e os
restantes (9) compõem a escala de mentira. A RCMAS é útil na avaliação do stress
académico, na ansiedade aos exames, nos conflitos com o grupo de pares e com a
família e/ou com problemas de drogas. Os coeficientes de consistência interna
variam entre .78 e .85 tendo em conta a variável idade, e os coeficientes de
fidelidade teste-reteste variam entre .68 (9 meses) e .98 (3 semanas) (Reynolds &
Richmond, 1985). Utilizou-se esta escala com a finalidade de avaliar a ansiedade
nos adolescentes.
Kidcope: A escala foi construída por Spirito, Stark e Williams (1988) e utiliza-se
para avaliar as respostas das crianças e jovens, dos 7 aos 18 anos de idade, face a
246
Procedimento
Foram incluídas as 12 turmas do curso técnico-profissional. O questionário foi
autorizado e aplicado em sala de aula, de modo anónimo e voluntário.
Resultados
Para o tratamento dos dados foi utilizado o programa estatístico SPSS/PC
(Statistical Package for the Social Sciences), versão 11.0, no qual os resultados
foram codificados e analisados. Foi efectuada estatística descritiva com
apresentação das frequências para os dados demográficos e para o lazer. De
seguida, utilizou-se o teste do Qui-Quadrado (χ²) para os consumos, com análise
de residuais ajustados para localização dos valores significativos. Posteriormente,
efectuaram-se correlações para a ansiedade, depressão (r de Pearson) e para o
coping (r de Spearman), Teste t de Student para amostras não relacionadas e
Análise de Variância – Anova (comparação de variáveis contínuas com mais de
duas condições) seguida de Teste Scheffe, para localização dos valores
significativos. Por último foram realizadas regressões lineares múltiplas entre
todas as variáveis em estudo.
A amostra foi constituída por 176 sujeitos dos quais 102 eram raparigas (58%) e
74 rapazes (42%), com idades compreendidas entre os 12 e os 18 anos, com uma
média de 14.3 anos (d.p.=1.5). A média de idade das raparigas é de 14.3 e a dos
248
rapazes de 14.4. Estes 176 alunos estavam distribuídos por 11 turmas de 3 anos de
escolaridade diferentes sendo 37,5% do 1º ano, 34,7% do 2º ano e 27,8% do 3º
ano de escolaridade. Dos inquiridos 60,2% eram brancos e 38,6% negros. A idade
do pai varia entre 29 e 64 anos com uma média de 43.7 (d.p.=6.7), variando a
idade da mãe entre os 28 e os 54 anos (M=40.7; d.p.=5.9). Dos indivíduos que
constituem a amostra 16,5% referem que o pai já faleceu, 5,1% afirmam não o
conhecer, e 2,8% que foram abandonados por ele. No que diz respeito à mãe 6,8%
dos inquiridos relatam o seu falecimento, 1,1% refere não a conhecer e 2,3% ter
sido abandonado por ela. Os pais dos sujeitos possuem habilitações literárias
baixas, tendo muitos deles estudos até à 4ª classe (40,9% para os pais e 48,7%
para as mães) e uma percentagem menor estudos superiores (3,8% dos pais e 2,5%
das mães). A maioria dos pais desempenham funções com equivalência ao ensino
primário incompleto (44,8% para os homens e 48,8% para as mulheres) e uma
minoria com correspondência ao ensino superior (1,1% para o pai e 0,6% para a
mãe), estando 2,8% dos pais e 2,5% das mães reformadas, e alguns
desempregados (2,8% pais e 5,6% das mães). Dos sujeitos que compõem a
amostra, 44,6% vivem só com um dos progenitores, 39,4% vivem com os dois,
16% com outros familiares e 7,4% são internos no colégio.
Verifica-se que os adolescentes no geral preferem actividades como ouvir música,
conversar com os amigos, estar com os amigos, ver televisão ou vídeo e jogar às
cartas, jogos de vídeo ou de computador. Quanto ao género e à idade não se
verificaram diferenças significativas, verificando-se uma preferência acentuada
dos jovens, independentemente da idade ou do género, por actividades de lazer
sedentário (ouvir música, estar e conversar com os amigos). No entanto constatou-
se que as raparigas optavam mais frequentemente por estar e conversar com os
amigos (lazer social/romântico), enquanto que os rapazes e os mais novos
preferiram os jogos de cartas, vídeo, computador e ver T.V (lazer consumista). Os
mais velhos seleccionaram preferencialmente namorar e ir ao cinema.
Para analisar as questões relativas à experimentação e consumo de substâncias
utilizou-se o Teste Qui-Quadrado (χ²). Verifica-se que a maioria dos jovens que
constituem a amostra já experimentaram bebidas alcoólicas, tendo sido os mais
velhos (χ²=13.45; g.l=2; p<.05), e os que apresentam problemas de
comportamento (χ²=11.13; g.l=1; p<.05), que referem mais frequentemente
experimentação de bebidas alcoólicas, enquanto que os mais novos e sem
problemas de comportamento são aqueles que afirmam, mais frequentemente, não
o ter feito. Constata-se que os jovens com problemas de comportamento
consomem mais cerveja (χ²=10.72; g.l=1; p<.05) e bebidas espirituosas (χ²=13.82;
g.l=1; p<.001), do que aqueles que não apresentam perturbação do
comportamento. Verifica-se que os mais velhos (χ²=17.96; g.l=4; p<.05), e com
problemas de comportamento (χ²=24.65; g.l=2; p<.05), são os que mais
249
Discussão
No presente estudo procurou-se analisar a relação existente entre estilos de vida
(lazer, comportamentos e consumos), ansiedade, depressão e coping em
adolescentes.
No que diz respeito ao lazer, os resultados colocam em evidência a preferência
dos adolescentes por actividades, como audição de música, companhia e conversa
com os amigos, televisão e vídeo e jogo de cartas, jogos de vídeo e computador,
resultados semelhantes aos encontrados por Matos e colaboradores (2003a). De
realçar que a maioria das actividades seleccionadas pelos jovens são sedentárias.
Constatou-se, de igual forma, que as raparigas optavam por actividades de lazer
social/romântico, tais como companhia e conversa com os amigos, e os rapazes
por actividades de lazer consumista, nomeadamente jogos de cartas, vídeo e
computador. Estes resultados estão de acordo com os encontrados por outros
autores (Freire, & Soares, 2000; Matos et al., 2003a), que verificaram também a
existência de diferenças no lazer ao nível do género.
No que diz respeito aos consumos, verifica-se que os mais velhos e com
problemas de comportamento aqueles que mais frequentemente experimentaram e
consumiram álcool e drogas, o que se encontra de acordo com as conclusões a que
chegaram alguns autores (Matos et al., 2000; Matos et al., 2003a). Relativamente
ao consumo de tabaco, constatou-se que os mais velhos foram os que referiram
mais frequentemente experimentação e consumo regular de tabaco. Os valores de
consumo mais elevados das raparigas relativamente aos rapazes parecem estar de
acordo com alguns estudos que colocam em evidência o aumento de consumo
entre as raparigas (Matos et al., 2003a; Matos et al., 2003b; USDHHS, 2001). A
252
substância mais consumida pelos jovens desta amostra foi o haxixe que foi
também a substância mais utilizada na primeira experiência, o mesmo foi
verificado por Matos e colaboradores (2000, 2003a) em estudos anteriores. O
álcool foi a substância mais utilizada pelos adolescentes, o que se mostra
consistente com os resultados encontrados por Carvalho (1990), onde o autor
constatou que a maior parte das investigações realizadas na adolescência referem
o álcool como a substância mais utilizada.
Verificou-se a existência de correlações estatisticamente significativas entre as
variáveis da ansiedade e da depressão, o que parece indicar a existência de co-
morbilidade entre ambas, foram estas também as conclusões a que chegaram
Matos e colaboradores (2003c).
Neste estudo não se verificaram diferenças ao nível do género e da idade no que
respeita à ansiedade e à depressão. Os resultados mostram-se de acordo com os
obtidos por Joiner, Blalock e Wagner (1999), que não encontraram diferenças ao
nível do género para a ansiedade e depressão, tendo verificado a existência de
uma grande co-morbilidade destes sintomas nas raparigas. No presente trabalho
também não se verificaram diferenças ao nível do género e da idade relativamente
aos comportamentos. O facto de nesta investigação não se terem encontrado
diferenças ao nível do género e da idade para a ansiedade, depressão e
comportamentos poderá estar relacionado com o facto de os jovens que compõem
a amostra serem oriundos de famílias desestruturadas, com histórias de abandono,
maus tratos, violência doméstica e alcoolismo, o que por si só poderia originar
sintomas de ansiedade, depressão e perturbação do comportamento.
Nesta investigação encontraram-se diferenças entre os problemas de
comportamento e a ansiedade e depressão. Estes resultados mostram-se de acordo
com os obtidos por Brosnan e Carr (2000), que verificaram a existência de co-
morbilidade entre a perturbação do comportamento e a ansiedade e depressão.
Foram também encontradas diferenças, nomeadamente entre embriaguez,
frequência no consumo de tabaco, experimentação e frequência no consumo de
drogas e ansiedade e depressão. Tais resultados foram encontrados por
investigações passadas, em que os autores verificaram que os jovens que
consumiam álcool, tabaco e droga referiam com maior frequência sintomas de
mal-estar físico e psicológico (Matos et al., 2000), e que o consumo de
substâncias se encontra relacionado com a ansiedade (Matos et al., 2003a),
depressão e stress (Matos et al., 2003a; Wills, Sandy, Yearger, Cleary, & Shinar,
2001).
No que respeita ao coping, encontraram-se diferenças ao nível do género no que
se refere à distracção e ao isolamento social. Ao nível da idade encontraram-se
diferenças relativamente à distracção. O que sugere que os jovens optam por
estratégias de coping disfuncionais (evitamento), resultados que se encontraram
253
de acordo com os obtidos por Raffety, Smith e Ptacek (1997), que verificaram que
os indivíduos com níveis mais elevados de ansiedade debilitante optavam por
estratégias de evitamento.
Depois de analisar os contextos dos problemas foram criadas 7 categorias:
problemas relacionados com o próprio, família, problemas amorosos, com os
amigos, com a escola, com a comunidade e outros problemas. A grande maioria
dos problemas relatados pelos jovens dizem respeito à família (23,5%), entre eles
incluem-se desavenças familiares, violência doméstica, alcoolismo, abandono por
parte de um dos progenitores e em casos mais extremos a expulsão de casa.
Relativamente aos problemas com o próprio (7,8%) incluem-se relatos de solidão,
tristeza, pensamentos negativos, sensação de frustração e queixas sintomáticas,
tais como dores e pesadelos. Na categoria relacionada com a componente amorosa
(8,5%), encontram-se basicamente desentendimentos amorosos, desconfianças e
traições. No que diz respeito aos amigos (5,9%), os problemas incluem intrigas e
aborrecimentos entre o grupo de pares. Já na escola (15%), os problemas
resumem-se a desentendimentos e lutas entre colegas, discussões com professores,
faltas escolares e/ou disciplinares e fraco rendimento académico. Nos problemas
sociais (7,8%) incluem-se problemas com drogas, com a justiça, roubos de carros,
telemóveis e carteiras. Na categoria de outros (9,2%), incluem-se a morte de
familiares ou amigos e a fuga de casa. De referir que uma parte significativa dos
adolescentes (22,2%) não conseguiu descrever o problema.
Verificou-se que a ansiedade era prevista com recurso à depressão, explicando
47% da variância total. No que diz respeito à depressão verificou-se que era
prevista com recurso aos comportamentos, álcool e droga, explicando 24% da
variância total. Estes resultados parecem sugerir o facto que quer a depressão,
quer a ansiedade se encontram associadas ao consumo de substâncias, dados que
estão em concordância com a literatura onde se constatou que o consumo de
substâncias se encontra relacionado com a ansiedade (Matos et al., 2003a) e a
depressão (Matos et al., 2003a; Wills, Sandy, Yearger, Cleary, & Shinar, 2001) e
também a existência de co-morbilidade entre a ansiedade e a depressão (Kovacs,
& Devlin, 1998). De referir ainda que os resultados encontrados, parecem indicar
que os adolescentes optam pelo consumo de álcool e droga para fazer face à
depressão e à ansiedade, o que a longo prazo poderá ter consequências negativas a
nível emocional e interpessoal. O conhecimento e compreensão dos estilos de vida
e dos comportamentos dos adolescentes parece ser de extrema importância para
que se possa intervir e prevenir adequadamente na área dos comportamentos de
saúde. As práticas educativas que promovam estilos de vida saudáveis devem ser
implementadas, já que permitem o desenvolvimento de competências físicas e
psicológicas importantes no decurso da adolescência.
254
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255
Anexo
Problemas relativos ao próprio
“Senti-me triste e muito sozinha”;
“Estou chateado e triste”;
“O treino de futebol estava a correr-me bem, mas não fui convocado”;
“Fiquei super frustrada porque perdi o passe a meio do mês”;
“Portei-me mal e acho que vou para a casa de correcção, estou desiludido comigo
próprio”;
258
“Estava a jogar à bola, e ela acertou numa gaiola e fiquei preocupado com o
pássaro”;
“Fiquei preocupado quando tive pesadelos frequentes”;
“O problema foi quando parti o pulso e fiquei cheia de dores”;
“Problemas? É só problemas, só tenho problemas na minha vida e são maus”;
“Fiquei desiludido comigo, os meus pais não me deram o que eu queria e a culpa
foi minha
“Houve uma altura em que as coisas me corriam mal, e o meu pensamento era
negativo”;
Problemas Familiares
“A minha mãe contou-me um segredo e eu descaí-me ao meu pai”;
“Quando os meus pais se chateiam entre eles ou com o meu irmão”;
“Os meus pais separaram-se”;
“A minha mãe não quer que eu namore”;
“Quando me chateio com a minha mãe”;
“Foi quando o meu pai mandou o meu irmão para viver com a minha mãe”;
“Quando o meu pai chega a casa embriagado;
“O meu pai bate na minha mãe”;
“Tenho problemas com os meus avós”;
“Os meus pais estavam a discutir e o meu pai queria bater na minha mãe”;
“O meu irmão tentou violar-me”;
“Os meus pais estão separados”;
“A minha mãe quis que eu fosse viver com ela, mas depois não me ligou
nenhuma”;
“Quando vejo o meu pai fico aborrecida, porque ele não tem reacção nenhuma a
ver-me”;
“O meu tio pôs a minha avó contra mim”;
“Quando os meus pais se chateiam comigo”;
“Comecei a namorar com um rapaz, contei à minha mãe e ela não me apoiou”;
“O meu pai saiu de casa e eu comecei a ter más notas”;
“Quando a minha mãe me abandonou”;
“Nada está bem na minha vida, nem na escola, nem em casa. A minha mãe bate-
me e maltrata-me”.
“ Não gosto da minha mãe, mas amo-a!”;
“Discuti com a minha avó”;
“A minha mãe bate no meu irmão e diz que não gosta de nós”;
“Passo-me com a minha mãe, ela chateia-me a cabeça porque eu não estudo e
apaga-me a televisão”;
“A minha mãe descobriu que eu fumava e chateou-me a cabeça”;
“Quando tive de mudar de casa porque os meus pais se chatearam”;
259
Depressão na adolescência
Introdução
A adolescência envolve a aprendizagem e iniciação de uma grande variedade de
comportamentos críticos para a saúde e bem-estar que podem condicionar muito a
vida de adulto da pessoa. A rebelião contra o adulto, característica da
adolescência, também é manifestada no ambiente escolar, afectando o
desempenho académico. A adolescência expressa-se, em geral, numa crise em que
o jovem passa por um período de alterações psicológicas, físicas, emocionais e
cognitivas (Cruz, Sanfins, Lemos, Maltez & Félix, 1999). O adolescente
contemporâneo é um ser de paradoxos. Quer ser totalmente autónomo, mas, ao
mesmo tempo, solicita os pais para actos da vida quotidiana.
A depressão e as perturbações do humor depressivo foram durante muito tempo
subestimadas nos adolescentes. Várias razões estão na origem desta sub-
estimação. Muitos autores referiram que o humor depressivo nesta idade não era
estável. Uma outra razão está ligada às manifestações com designações muito
variadas que vão desde perturbações do comportamento (faltas à escola, fúrias,
fugas, condutas de aparência delinquente), até às chamadas perturbações
funcionais (fadiga, nervosismo, queixas somáticas), passando pelos problemas
escolares, pelos comportamentos bulímicos ou anorécticos e pelas condutas
aditivas. No entanto, as perturbações depressivas do adolescente têm
consequências negativas quer para os próprios adolescentes quer para o seu meio:
fracassos escolares, condutas suicidárias, dificuldades de relação, frequentes
perturbações psiquiátricas durante a vida ulterior de adulto (Braconnier &
Marcelli, 2000).
Alguns autores sublinham que a depressão da adolescência pode ter uma evolução
favorável num certo número de casos, mas pode também levar a modificações da
personalidade, podendo mesmo configurar a uma organização patológica
obsessiva, delinquente. A depressão não pode ser considerada como tendo uma
determinação homogénea. Assim, uma mesma apresentação clínica pode referir-se
a modalidades estruturais diferentes. Numa mesma organização psico-patológica,
o sistema factual, a resposta relacional, a capacidade de elaboração da dimensão
depressiva em função do seu próprio nível, a importância dos investimentos em si
e nos outros, a regulação da auto-estima medem a incidência da depressão na
adolescência, no seu aspecto traumático e do impacto sobre as capacidades de
262
depressão.
Os estudos têm verificado que os adolescentes que se sentem insatisfeitos com as
suas redes de apoio social, têm tendência para sintomas depressivos, ansiedade e
sensibilidade interpessoal.
Rudolph e Hammen (1999) verificaram que as raparigas adolescentes tinham a
experiência de níveis mais elevados de conflito e stress interpessoal nas relações
de pares com os pais. Assim, pode acontecer que as relações de pares
desempenhem um papel mais importante para as raparigas, em oposição aos
rapazes. Duas vezes mais raparigas do que rapazes ficam deprimidas na
adolescência. As raparigas evidenciam um aumento no afecto depressivo e um
aumento dos sintomas depressivos, começando no 8º ano (com 13 ou 14 anos),
enquanto o afecto e os sintomas depressivos para os rapazes permaneciam
relativamente constantes, aumentando apenas entre os 15 e os 18 anos de idade
(Hankin et al., 1998).
A diferença de género na depressão começa a surgir, de certa forma, depois dos
13 anos, mas torna-se muito notável e significativa depois dos 15 anos (Hankin et
al., 1998). O período entre os 15 e os 18 anos é a faixa etária mais importante de
focar, não apenas porque os valores de depressão aumentam dramaticamente para
ambos os géneros, mas também porque os valores de depressão do género
feminino aumentam para o dobro do valor de prevalência para o género
masculino. Este aumento é talvez mais notável porque os valores globais não
continuam a aumentar dos 18 aos 21 anos de idade, e novos casos de depressão
começam a decrescer. Deste modo, o meio e final da adolescência pode
representar um período crítico para uma vulnerabilidade extrema para a depressão
que é maior do que o risco associado à infância e, possivelmente até, ao estado
adulto. Esta vulnerabilidade extrema dos 15 aos 18 anos é especialmente grande
no o género feminino (Hankin et al., 1998).
De acordo com a quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos
mentais (DSM-IV; Associação Americana de Psiquiatria – American Psychiatric
Association , 1996), as Perturbações do Humor dividem-se em Perturbações
Depressivas (“depressão unipolar”), Perturbações Bipolares e em duas
perturbações baseadas na etiologia – Perturbação do Humor devida a um estado
físico geral e Perturbação do Humor induzida por substâncias. As Perturbações
Depressivas (isto é, Perturbação Depressiva Major, Perturbação Distímica e
Perturbação Depressiva sem outra especificação) distinguem-se das Perturbações
Bipolares pela ausência de história de Episódio Maníaco, Misto ou Hipomaníaco.
As Perturbações Bipolares (isto é, Perturbação Bipolar I, Perturbação Bipolar II,
Perturbação Ciclotímica e Perturbação Bipolar sem outra especificação) implicam
a presença (ou história) de Episódios Maníacos, Mistos ou Hipomaníacos,
habitualmente acompanhados pela presença (ou história) de Episódios
266
Depressivos Major.
A décima edição da Classificação Internacional das Doenças (ICD-10, 1994)
define um episódio depressivo de acordo com uma lista (abaixo indicada) de dez
sintomas que estão presentes durante pelo menos duas semanas. Quatro sintomas
indicam um episódio ligeiro, seis indicam um episódio de gravidade moderada e
oito indicam um episódio grave, não devendo ser levadas em conta outras doenças
ou uso de substâncias para o quadro de apresentação: 1. Humor depressivo
(anormalmente baixo para o indivíduo); 2. Perda do interesse (pelas actividades
habitualmente agradáveis); 3. Diminuição da energia (ou aumento da fadiga);
(Devem estar presentes pelo menos duas das características acima indicadas); 4.
Perda da confiança ou da auto-estima; 5. Sentimentos inapropriados de culpa ou
de recriminação; 6. Ideação ou comportamento suicida; 7. Problemas de
concentração; 8. Atraso ou agitação psicomotora; 9. Perturbações do sono; 10.
Aumento ou diminuição do apetite (com alteração do peso corporal).
Pode também ser especificado um sindroma somático, que exige a presença de
quatro dos seguintes oito sintomas: 1. Marcada perca do interesse pelas
actividades habitualmente agradáveis; 2. Ausência das respostas emocionais
habituais; 3. Despertar de manhã pelo menos duas horas mais cedo que o habitual;
4. Humor depressivo mais intenso durante a manhã; 5. Acentuada inibição
psicomotora; 6. Acentuada perca do apetite; 7. Perca de peso; 8. Acentuada perca
do desejo sexual.
Finalmente podem ocorrer ideias delirantes e/ou alucinações durante os episódios
depressivos. Em tal caso, especificar-se-á a presença de sintomas psicóticos.
Relativamente à abordagem terapêutica da problemática depressiva na
adolescência é preciso chamar a atenção para um paradoxo onde residem,
simultaneamente, a dificuldade, a especificidade e o interesse do tratamento. Se o
objectivo do tratamento, em termos semiológicos, é uma cessão, melhor dizendo,
um desaparecimento dos sintomas mais invalidantes (lentificação, retraimento,
desinteresse), ou dos mais dolorosos (sofrimento moral, desvalorização, ideia de
culpabilidade...), em contrapartida, o objectivo fundamental do terapeuta deve ser
o de relançar o trabalho psíquico próprio desta idade. O trabalho psíquico do
adolescente confronta necessariamente e, de forma quase inelutável, o indivíduo
com os afectos de tristeza, de morosidade, até mesmo de depressão: quase todo o
adolescente conhece, mais tarde ou mais cedo, a ”depressão”. Em geral, é porque
o adolescente não consegue prosseguir este trabalho psíquico, ou fazer-lhe face,
que os comportamentos patológicos surgem. Nestas condições, o objectivo da
terapia arrisca-se a estar em contradição com as possibilidades do adolescente
quando, graças à retoma do trabalho psíquico, o indivíduo se vê, de novo,
confrontado com os seus afectos de tristeza, de aborrecimento, de morosidade,
com os seus fantasmas de perca e com os receios depressivos. O adolescente
267
reencontra o estado mental que, precisamente, o fez adoecer. Este ponto constitui
a especificidade do tratamento da depressão na adolescência e explica que não se
pode considerar o episódio depressivo como único, isolado, independente da
personalidade, tratável somente através de medidas pontuais, tais como um
tratamento psicotrópico.
O tratamento da depressão na adolescência deve reconhecer, respeitar e, se
necessário, favorecer a retoma do trabalho maturativo próprio desta fase, trabalho
esse que inclui uma parte de afecto depressivo.
As três principais formas de intervenção disponíveis para os que sofrem de
perturbações depressivas são os tratamentos médico, psicológico e social.
Contudo, na prática, estes elementos tendem a combinar-se nos vários tratamentos
oferecidos pelos diferentes profissionais.
Os clínicos gerais/médicos de família, os assistentes sociais, os psicólogos
clínicos, os enfermeiros de saúde mental comunitários, os conselheiros e
psiquiatras têm papéis importantes no tratamento das pessoas com perturbações
depressivas. Comum a todas estas abordagens, e tão importante como as
características específicas do tratamento, são as características gerais que
manifestam, isto é, a aceitação, a cordialidade, a autenticidade, a compreensão, a
atitude tolerante, a confiança, a continuidade e o interesse que permite que o
profissional leve a sério problemas aparentemente insignificantes (Moore, Moore,
Wilkinson, 2003).
A maioria dos autores reconhece a necessidade de abordagens multi-focadas, em
particular no quadro das patologias complexas e graves, tais como as psicoses
afectivas da adolescência. Será ainda importante dar a cada acção terapêutica um
sentido compreensível aos olhos do adolescente. Deste ponto de vista, a
abordagem cognitiva pode ser preciosa. Torna-se necessário o recurso a um
tratamento antidepressivo quando o adolescente se afunda num ”episódio
depressivo major”, sobretudo se existe uma lentificação psicomotora. A
intervenção frequente ao nível da realidade, ou através de uma acção terapêutica
familiar, ou pela utilização de medidas concretas levam muitas vezes a uma
distanciação entre o adolescente e os seus próximos; O perigo de cronicidade,
quando o adolescente se instala num estado depressivo duradouro, complicado
pelos habituais comportamentos de retraimento, de passagem ao acto ou de auto-
tratamento (álcool, droga). Nas abordagens familiares ao tratamento, por vezes
designadas como terapia familiar, a pessoa com depressão é tratada em relação à
sua família. Isto não significa que a família seja considerada responsável pela
depressão do sujeito, mas sim que muitos dos problemas da depressão giram em
volta das dificuldades que os membros da família têm em comunicar entre si e em
se relacionar. Trazer a família para as discussões de grupo constitui, por vezes,
uma forma poderosa de ajudar cada um a convergir em vez de divergir, a
268
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272
Método
Participantes
A amostra foi constituída por 102 adolescentes que frequentavam o 9º ano de
escolaridade numa escola da cidade do Fundão. Foi uma amostra recolhida por
conveniência.
A média de idades é de 14 anos, sendo o valor mínimo de 13 anos e o valor
máximo de 18. A amostra foi constituída por 48 raparigas e 54 rapazes.
Instrumentos
Para a recolha de dados foi utilizado o Children’s Depression Inventory (CDI;
Kovacs, 1992). É o inventário de auto-avaliação mais comumente usado no exame
da depressão junto de crianças e adolescentes com idades compreendidas entre os
6 e os 18 anos. O CDI foi elaborado a partir do Inventário de Depressão de Beck.
Em comparação com este último, foram eliminados alguns itens, e acrescentados
outros (relacionados, p.e., com o aproveitamento escolar e com as relações com os
companheiros). O CDI é constituído por 27 itens classificados numa escala de 3
pontos que oscila entre 0 (ausência de problema) a 2 (problema grave),
relativamente a comportamentos vividos ou manifestados nas duas semanas
anteriores. Abrange um conjunto amplo de sintomas incluídos em itens que
examinam a disforia, o pessimismo, a auto-estima, a anedonia, preocupações
mórbidas, ideação suicida, sentimento de falta de valor, isolamento social,
tendências ruminativas, desempenho escolar, conduta social, sintomas vegetativos
(como perturbações do sono e do apetite, cansaço, queixas somáticas).
Os itens são compreensíveis e podem ser respondidos, de modo geral, por crianças
com um nível de leitura correspondente ao 1º ano de escolaridade. No caso das
crianças mais novas o técnico deve ler itens e a criança assinala a sua resposta na
folha do inventário. No entanto, a presença de 3 alternativas de resposta para cada
item requer competências cognitivas e capacidades de atenção que as crianças
mais novas com problemas psico-patológicos podem não conseguir satisfazer.
Uma consistência interna satisfatória constitui uma característica importante deste
inventário. Kovacs (1992) encontra coeficientes que oscilam entre .70 (crianças
com diagnóstico de diabetes) e .86 (crianças com perturbações emocionais).
Dum modo geral, a fidelidade teste-reteste é maior quanto mais reduzido é o
intervalo entre as aplicações e em grupos de crianças com problemas emocionais.
De acordo com Kovacs (1992) a explicação para os coeficientes mais reduzidos
em grupos não clínicos reside no facto de nestes grupos a sintomatologia
depressiva ser mais transitória. Existe igualmente uma diferença reduzida mas
278
Procedimento
Criados a partir da revisão da literatura sobre a adolescência, os questionários
aplicados aos adolescentes incluíram várias dimensões: ansiedade, depressão,
qualidade de vida, satisfação com a vida, expectativas em relação ao futuro e
rendimento escolar.
Os dados foram recolhidos no decurso do segundo período lectivo de 2002/2003,
numa escola da cidade do Fundão. A aplicação das escalas foi feita voluntária e
colectivamente a todos os alunos das turmas do 9º ano, durante as horas de aulas
na presença dos professores. Foi garantida a confidencialidade das respostas.
Resultados
A introdução dos dados e os procedimentos estatísticos foram efectuados com o
Statistical Package for Social Sciences (SPSS 11.0). Em seguida, procedeu-se à
análise descritiva dos dados de modo a caracterizar a amostra. A amostra foi
constituída por 102 adolescentes, 54 do género masculino e 48 do género
feminino (M = 1.47; dp =.50), com uma média de idades de 14 anos (dp = 1.12),
sendo o valor mínimo de 13 anos e o valor máximo de 18 anos.
A média de idades dos pais dos adolescentes que constituem a amostra, é
281
apresentam valores mais elevados nas áreas acima mencionadas, excepto ao nível
da tranquilidade.
Com base ainda no teste Anova, pode-se concluir que existem diferenças
significativas entre os adolescentes mais novos (13 e 14 anos), e os de idade
média (15 anos) em relação à média das notas, (F (1, 100) = 16.035, p<.001),
apresentando os mais novos uma média de 3.17 e os de idade média uma média de
2.82, assim como, entre os adolescentes mais novos e os mais velhos (16, 17 e 18
anos) em relação à média das notas (F (1, 100) = 16.035, p<.001), a média
apresentada pelos mais novos foi de 3.17 e a média apresentada pelos mais velhos
foi de 2.65.
Ao nível dos problemas interpessoais foram identificadas diferenças significativas
(F (1, 100) = 4.389, p<.05), entre os adolescentes de idade média, que
apresentaram uma média de .42 e os mais velhos, que apresentaram uma média de
1.15. Em relação à ineficácia, os mais novos que obtiveram uma média de 2.41 e
os mais velhos com um média de 3.75 apresentaram diferenças significativas (F
(1, 100) = 5.802, p<.01). Relativamente ao gosto pela vida, existem diferenças
significativas entre (F (1, 100) = 4.129, p<.05), os mais novos e os mais velhos,
apresentando os adolescentes mais novos uma média de 3.86 e os adolescentes
mais velhos uma média de 5.85. Por último, ao nível da facilidade de
aprendizagem existem diferenças significativas (F (1, 100) = 4.766, p<.05) entre
os adolescentes mais novos, que obtiveram uma média de 4.54 e os mais velhos,
que obtiveram uma média de 6.20.
Ainda através da análise do teste Anova e do Teste Post Hoc (Scheffe), pode-se
concluir que existem diferenças significativas entre o sucesso escolar dos
adolescentes, a ineficácia dos adolescentes, a auto-estima negativa dos
adolescentes, a depressão dos adolescentes, a esperança para o futuro e a
facilidade de aprendizagem. Em relação à ineficácia, os adolescentes com fraco
sucesso escolar (com uma média até 2.5) diferem significativamente dos que têm
sucesso escolar médio (com uma média até 3.5) e bom (com uma média a partir
de 3.5) (F (1, 100) = 19.769, p<.001), apresentando os adolescentes de fraco
sucesso escolar uma média de 4.50; os adolescentes de médio sucesso escolar uma
média de 2.74 e os de bom sucesso escolar uma média de 1.23. Por outro lado, os
que têm médio sucesso escolar (com uma média de 2.74) apresentam diferenças
significativas dos adolescentes com bom sucesso escolar (com uma média de
1.23), (F (1, 100) = 19.769, p<.01). Quanto à auto-estima negativa existem
diferenças significativas, (F (1, 100) = 3.705, p<.05), entre os adolescentes com
fraco e médio sucesso escolar, apresentando os adolescentes com fraco sucesso
escolar uma média de 3.28 e aqueles com médio sucesso escolar uma média de
1.93. Relativamente à depressão, os adolescentes com fraco sucesso escolar (com
uma média de 16.35) diferem significativamente dos de médio sucesso escolar
283
(com uma média de 11.12), (F (1, 100) = 4.958, p<.05), e daqueles que têm bom
sucesso escolar (com um média de 8.84), (F (1, 100) = 4.958, p<.05). Os
adolescentes com fraco sucesso escolar (com uma média de 7.43) diferem
significativamente dos adolescentes com médio sucesso escolar (com uma média
de 4.99), (F (1, 100) = 11.295, p<.001), e bom sucesso escolar (com uma média de
3.62), (F (1, 100) = 11.295, p<.001), em relação à facilidade de aprendizagem.
Através do coeficiente de correlação de Pearson, pode-se verificar que existem
várias associações significativas entre algumas escalas que utilizadas.
Foi obtida uma forte associação entre a auto-estima negativa e o humor negativo:
quanto maior a auto-estima negativa, maior o nível de humor negativo dos
adolescentes (r=.708; N= 102; p<.001). Existe uma forte associação entre o CDI
total e o humor negativo (r=.845; N= 101; p<.001). Existe uma forte associação
entre o humor negativo e a auto-estima negativa (r=.708; N= 102; p<.001). Existe
forte associação entre o CDI total e a anedonia (r=.820; N= 101; p<.001). Existe
forte associação entre o CDI total e a auto-estima negativa (r=.871; N= 101;
p<.001). Existe uma forte associação entre o humor negativo e o CDI total
(r=.845; N= 101; p<.001). Existe uma forte associação entre a anedonia e o CDI
total (r=.820; N= 101; p<.001). Existe uma forte associação entre a auto-estima
negativa e o CDI total (r=.871; N= 101; p<.001). Existe uma forte associação
entre o STAI total e o STAI - estado (r=.841; N= 102; p<.001). Foi ainda obtida
uma forte associação entre o STAI total e o STAI – traço (r=.861; N= 102;
p<.001).
A análise de regressão múltipla, pelo método Enter, efectuada com o objectivo de
analisar as variáveis preditoras do CDI total, evidenciou duas variáveis
independentes preditoras do CDI total. A primeira correspondeu ao género
(β=.324, N= 101, p<.001), e a segunda à média das notas (β=-.325, N= 101,
p<.01), explicando ambas 15% da variância (R2=.15). Desta análise, pode-se
concluir que as adolescentes são mais deprimidas e que os adolescentes com
melhores notas têm tendência a ser mais deprimidos. A análise de regressão
múltipla, pelo método Enter, feita com o objectivo de analisar as variáveis
preditoras do humor negativo, evidenciou apenas uma variável independente
preditora do humor negativo. Essa variável diz respeito ao género dos
adolescentes (β=.239, N= 102, p<.05), explicando 5% da variância (R2=.05).
Desta análise, pode-se concluir que as adolescentes têm um maior humor
negativo. Com o mesmo tipo de análise, constatou-se que apenas uma variável
independente, a média das notas, é preditora da ineficácia (β=-.483, N= 102,
p<.001), explicando 24% da variância (R2=.24). Verificou-se ainda, através da
análise de regressão múltipla pelo método Enter, que as variáveis independentes,
género (β=.401, N= 101, p<.001) e média das notas (β=-.231, N= 101, p<.05), são
284
Discussão
Este estudo verificou uma associação moderada entre ansiedade e depressão.
Contudo, foram encontradas diferenças de género e de desenvolvimento para os
sintomas depressivos.
Para além disso, os resultados indicaram que os adolescentes entre os 15 e os 18
anos revelaram níveis mais elevados de ansiedade e depressão do que os
adolescentes mais novos (13 e 14 anos de idade). Estudos anteriores têm revelado
uma tendência do aumento da depressão com a idade (Lewinsohn, Rohde
&Seeley, 1998; Schraedly, Gotlib & Hayward, 1999).
As raparigas revelaram maiores níveis de ansiedade e depressão que os rapazes.
Entre os 15 e os 18 anos, os valores da depressão do género feminino aumentam
para o dobro do valor de prevalência para o género masculino (Hankin et al.,
1998). Dados retrospectivos indicam que aos 6 anos de idade, o género feminino
tem já duas vezes mais probabilidade de ter tido a experiência de uma perturbação
de ansiedade, do que o género masculino (Allen, N.; Gotlib, I.; Lewinsohn, M.;
Lewinsohn, P.; Seeley, J., 1998).
Pode-se constatar que, os sintomas depressivos surgem de forma mais acentuada
na adolescência e que as raparigas têm maior probabilidade de apresentar
sintomas de ansiedade e de depressão. A pesquisa também sugere que a co-
morbilidade entre a ansiedade e a depressão será maior nas mulheres ao longo de
todos os estádios de desenvolvimento (Matos, M., Barrett, P., Dadds, M., &
Shortt, A., 2003).
Os resultados deste estudo sugerem que as raparigas, uma vez que são mais
ansiosas e deprimidas que os rapazes, apresentam um maior humor negativo, uma
auto-estima negativa mais elevada e níveis mais elevados de anedonia.
Este estudo confirmou uma interacção significativa entre as perturbações afectivas
(ansiedade e depressão) e o rendimento escolar.
Neste estudo, as raparigas apresentam ter melhores notas e maior facilidade de
aprendizagem. Desta análise, podemos concluir que os adolescentes com melhores
285
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Spielberger, C. D. (1983). Manual for the State - Trait Anxiety Inventory. Palo
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288
indivíduos que sentem ansiedade apenas quando falam em público; outros que
sofrem de ansiedade quando falam em público acompanhado por uma ou duas
outras formas de medo de desempenho; em terceiro lugar aqueles que, não lhes
tendo sido diagnosticada fobia social generalizada, experimentam uma ansiedade
social de interacção significativa num vasto número de situações. A estas três
categorias poderá aplicar-se a designação de Fobia Social Especifica ou Fobia
Social Circunscrita.
Ao contrário das crianças, os adolescentes e adultos com este tipo de fobia
reconhecem que o seu medo é excessivo e irracional (DSM-IV).
Geralmente a situação social ou de desempenho é evitada, podendo no entanto ser
enfrentada com sofrimento. O diagnóstico é apropriado apenas no caso em que o
evitamento, medo ou antecipação ansiosa do confronto com a situação social ou
de desempenho interfere significativamente com a vida profissional, académica,
social ou sexual da pessoa. O evitamento e ansiedade social transitórios são
comuns na infância e principalmente na adolescência, período em que começa a
existir um maior relacionamento com o grupo de pares (p.e., uma rapariga pode
evitar de falar ou comer em frente de rapazes, um rapaz por seu lado pode evitar
de falar junto do seu grupo de pares com medo de ser gozado). É importante
verificar se a ansiedade social se manifesta nos diferentes contextos em que a
criança ou adolescente está inserida e não apenas em interacções com adultos, o
que acontece por vezes quando a criança ou adolescente é inibido e tímido. Nos
sujeitos com menos de 18 anos, só os sintomas que persistem pelos menos durante
seis meses se qualificam para o diagnóstico de Fobia Social.
Outros estudos demonstraram que a média de idades de desenvolvimento da
Ansiedade Social, encontra-se entre os 15,5 e os 16 anos com picos de incidência
entre os 11 e os 15 anos de idade (Magee et al., 1996). Num estudo feito em
França com pacientes de cuidados primários, verificou-se que a idade média de
inicio da Ansiedade Social era de 15,1 anos de idade e 90% dos indivíduos do
estudo relataram que a patologia se tinha desenvolvido antes dos seus 25 anos
(Weiller et al., 1996; Stein et al., 1990 in Kasper, 1998). Straus e Last (1993)
referem a média de 12,3 anos de idade para o aparecimento da ansiedade social.
Outros estudos epidemiológicos sugerem, tal como referido anteriormente, que a
Ansiedade Social se desenvolve frequentemente antes ou durante a adolescência
(Ost, 1987; Magee, et al., 1996; Schneier, et al., 1992; Weissman et al., 1996;
Wittchen & Beloch, 1996). A idade média de início situa-se entre os 15 e 16 anos.
Podem, no entanto, existir variações culturais na idade de início.
Também tem sido referido que a crianças de 8 anos já se pode diagnosticar com
este tipo de patologia (Beidel & Turner, 1988; Last, Perrin, Hersen & Kazdin,
1992; Strauss & Last, 1993).
Um estudo realizado por Essau e seus colaboradores em 1999 constatou que os
290
avaliação das competências sociais dos fóbicos sociais são contraditórios. Clark e
Arkowitz (1975, in Gouveia s/d) e Glasgow e Arkowitz (1975, in Gouveia, s/d)
obtiveram resultados contrários aos estudos anteriormente referidos. Estes autores
não verificaram diferenças entre estudantes com ansiedade social e os grupos de
controlo, numa tarefa de interacção social com um colega do género oposto,
quando avaliados por observadores independentes. No entanto os fóbicos sociais
avaliaram o seu desempenho de forma mais negativa, comparativamente aos
estudantes sem Ansiedade Social.
Resultados semelhantes foram obtidos por Repee e Lim em 1992 (in Salkouskis,
1996). A amostra neste estudo era constituída por fóbicos sociais e indivíduos sem
este tipo de patologia, tendo sido pedido aos participantes que fizessem um curto
discurso para a audiência. Posteriormente foi pedido que auto-avaliassem a sua
execução, sendo essa avaliação comparada pela que era feita por observadores
independentes. Verificou-se que as avaliações dos observadores para o
desempenho global na tarefa eram semelhantes para os dois grupos, no entanto os
fóbicos sociais avaliaram o seu desempenho global de forma mais negativa que os
observadores, o que não acontecia com os indivíduos dos grupos de controlo.
Podemos então constatar que, a nível cognitivo, o conteúdo do pensamento dos
indivíduos que têm Ansiedade Social, quando confrontados com uma situação
social receada, se centra em temas de fracasso, falta de competências necessárias
para dar origem a uma impressão positiva, preocupações com a aparência e com a
possibilidade de avaliação negativa (Caballo, 1997). Hackman, Surawy e Clark
(1998) verificaram que nos fóbicos sociais existe ocorrência espontânea de
imagens negativas e distorcidas de si mesmo, em que se vêm a partir de uma
perspectiva de observador.
Nos fóbicos sociais a atenção é auto-focada (Hope, Heimberg e Klein, 1990).
Verifica-se igualmente, um aumento da consciência de si mesmo, o que aumenta a
percepção da sua ansiedade e desconforto e diminui a atenção disponível para os
estímulos exteriores relacionados com a situação. Beck e Emery (1985, in
Salkouskis, 1996) referem que o ponto central destes indivíduos, é o medo de um
inadequado desempenho na presença de outros, de sintomas de embaraço. Estes
autores referem ainda que, pelo facto já estar alertados para o perigo, os fóbicos
sociais são hipersensíveis à possibilidade de ser avaliados, e por isso,
consequentemente, criam um esquema cognitivo vigilante à possibilidade de
rejeição. Beck e Emery sugerem que os fóbicos sociais porque se sentem
vulneráveis à ameaça de falha na presença de outros, podem acabar por ”gelar” ou
bloquear. O facto de ter medo de falhar faz com que, a nível comportamental,
evitem as situações, não tendo assim oportunidade para testar a validade das suas
crenças e criando um círculo vicioso.
De seguida irão ser abordados os modelos teóricos cognitivos e cognitivo-
292
O modelo apresentado por Clark e Wells (1995) demostra o que ocorre durante a
interacção social. Segundo os autores, muitos indivíduos que têm Ansiedade
Social têm um alto nível de ansiedade quando antecipam uma situação em que
haja interacção social e são também percebidas altos níveis de emoções negativas,
mesmo depois da exposição à situação social. Os autores sublinharam uma série
de processos cognitivos, que assumem que existem antes e depois das interacções
sociais e que contribuem para a manutenção da Ansiedade Social. Antes de se
confrontar com uma situação social que temem, os fóbicos sociais revêem em
detalhe o que pensam que pode vir a acontecer. Quando começam a pensar na
situação, começam a ficar ansiosos, e os seus pensamentos tendem a ser
dominados por recordações de situações em que falharam, por imagens negativas
de si próprios e por previsões de fraco desempenho e rejeição. Por vezes estes
pensamentos fazem com que o fóbico social evite por completo a situação que
teme. Se, pelo contrário, o fóbico social enfrenta a situação, vai-se encontrar num
processo de auto-focagem, pensando que vai falhar, não prestando atenção a
qualquer sinal que demonstre que é aceite pelos que o rodeiam. Assim, o facto de
manter comportamentos de segurança, pode originar um comportamento social
pouco eficaz, que poderá ser interpretado pelos outros como distante e pouco
interessante podendo, por isso, originar respostas menos calorosas e amigáveis.
Esta situação pode traduzir-se em padrões de interacção menos positivos que
confirmam os receios de avaliação negativa e rejeição do sujeito, fazendo com que
se origine um círculo vicioso que mantém a Ansiedade Social (Gouveia, 1997,in
Gouveia, s/d).
Heimberg e Barlow (1991) desenvolveram um modelo cognitivo comportamental,
que se centra na influência da atenção auto-focada no aumento da ansiedade e
desempenho social ineficaz dos fóbicos sociais. O modelo tenta explicar o que
acontece quando um fóbico social é confrontado com uma situação de interacção.
Os autores referem que quando o indivíduo com este tipo de patologia se encontra
na situação que teme, desenvolve um conjunto de expectativas negativas acerca da
possibilidade de ficar ansioso e da sua percepção pelos outros, que faz com que
avaliem a situação como ameaçadora e os leva a auto-focar a atenção. Esta
atenção auto-focada faz com que aumentem os sintomas da ansiedade desviando a
atenção da tarefa social, o que consequentemente, faz com que o desempenho
social seja menos eficaz, levando ao evitamento de situações sociais.
Para uma escolha de estratégias terapêuticas adequadas e eficazes, tem que haver
à priori uma avaliação, para a compreensão clara da condição de Ansiedade
Social. O diagnóstico vai depender de uma avaliação cuidadosa dos sintomas e
sinais característicos da Ansiedade Social. A informação deve ser recolhida nos
diferentes contextos em que o adolescente está inserido (casa, escola, tempos
livres) bem como através dos diversos informadores (adolescente, pais,
294
professores e amigos).
A entrevista clínica surge como um instrumento de avaliação crucial para a
recolha de informação detalhada relativamente às dificuldades sentidas pelo
sujeito no dia a dia. A utilização de uma entrevista clínica estruturada facilita a
recolha de informação e vai permitir um melhor diagnóstico. A análise funcional
vai permitir a adequação dos procedimentos terapêuticos às particularidades de
cada indivíduo. A avaliação faz-se geralmente nas duas primeiras sessões, sendo
útil a utilização de uma entrevista clínica estruturada, como é o caso da Anxiety
Disorders Interview Schedule (ADIS-C; Silverman & Albano, 1995, in Crozier &
Alden,2001); Diagnostic Interview Schedule for Children-Revied (DISC-R;
Shaffer et al, 1993), Diagnostic Interview for Children and Adolescents (DICA;
Herjanic & Reich, 1997), Interviw Schedule for Children (ISC; Kovacs, 1985),
que se aplicam a sujeitos com idades entre os 8 e 17 anos. Outro exemplo é a
Children’s Assessment Schedule (CAS; Hodges, Cools, & McKnew, 1989) que é
útil na avaliação de pré- adolescentes e de sujeitos no início da adolescência. Pode
ser aplicada em sujeitos com idades entre os 7 e os 16 anos.
Para além da entrevista clínica, a recolha de informação passa também pela
aplicação de questionários de auto-relatos, tais como: a SAS-A – Social Anxiety
Scale for Adolescents, desenvolvido por La Greca em 1998 (in Crozier & Alden,
2001). Este instrumento é constituído por 22 itens, dos quais 18 traduzem medo
de avaliação negativa, evitamento social e desconforto os restantes 4 itens estão
em aberto para ser completados pelos adolescentes que se submetem a avaliação.
Outro instrumento para avaliar a Ansiedade Social nos adolescentes é o SPAI-C
(Social Phobia and Anxiety Inventory for Children; Beidel, Truner, & Morris,
1998) que é constituído por 26 itens. Este instrumento pode ser aplicado em
crianças e adolescentes com idades entre os 8 e 14 anos. Os questionários devem
ser aplicados antes do inicio do tratamento, durante e no final do tratamento.
Existem medidas psico-fisiológicas que facilitam o registo da actividade
cardiovascular e electro-dermal. Procedimentos de auto-monotorização surgem
como uma forma muito útil e prática de avaliar aspectos do comportamento social
no seu meio natural. A auto-monotorização consiste num registo de
comportamentos específicos que surgem em situações que provoquem ansiedade.
Auto-registos, folhas de registo diário e diários são as formas mais utilizadas de
auto-monotorização. A auto-monotorização permite obter informação útil para
avaliação dos estímulos ou situações que provocam ansiedade, a eficácia obtida
com determinados procedimentos de intervenção bem como a manutenção e
generalização das competências aprendidas. A auto-monotorização deve decorrer
desde da primeira à última sessão.
As intervenções comportamentais e cognitivas para a Ansiedade Social resultaram
das conceptualizações teóricas da etiologia e factores de manutenção da patologia.
295
melhor que o grupo que só foi submetido à exposição. Pode-se assim constatar
que a combinação de exposição com a reestruturação cognitiva apresenta uma
intervenção positiva para a Ansiedade Social e é mais eficaz que a exposição ou a
terapia cognitiva usadas isoladamente.
Pode-se concluir que a Ansiedade Social é uma perturbação da ansiedade que
provoca sofrimento emocional. As suas dificuldades típicas (ansiedade e
desconforto excessivos em contextos sociais, medo de avaliação negativa por
parte dos outros e consequente evitamento das situações sociais que geram
ansiedade) limitam o dia-a-dia do indivíduo, diminuindo significativamente o seu
funcionamento social e académico, o que reforça, muitas vezes, a sua baixa auto-
estima, isolamento social e sentimento de desajustamento ou incompetência
social. Pelo facto de existir uma grande incidência deste tipo de patologia na
infância e adolescência julgamos importante o desenvolvimento de estudos e
intervenções que visem a prevenção e intervenção precoce de forma a evitar o
surgimento da patologia que tende a agravar-se na idade adulta. O processo de
desenvolvimento implica a aprendizagem e o controlo de um conjunto de
competências para fazer face às exigências ambientais, cada vez mais complexas.
A falta de domínio dessas competências pode causar perturbações emocionais
(Baptista, et al, 2001).
Ainda que, nos últimos anos, se tenha constatado um maior interesse,
reconhecimento e estudo da Ansiedade Social, nomeadamente dos aspectos
epidemiológicos e clínicos, verifica-se ainda uma tendência para a negligenciar e
desvalorizar, não sendo ainda considerada por muitos médicos e psicólogos como
quadro clínico autónomo, existindo pois a necessidade de uma maior
sistematização da informação.
As dificuldades de diagnóstico devem-se à existência de comorbilidade com
outros quadros clínicos (perturbação de ansiedade generalizada, perturbação de
personalidade evitante). É pois importante uma abordagem abrangente das
perturbações emocionais da infância e adolescência baseada fundamentalmente
nos aspectos desenvolvimentais. É ainda importante, o estudo da psicopatologia
na infância e adolescência, incluindo uma adequada classificação, avaliação e
intervenção terapêutica, com base em modelos teóricos que contemplem a
etiologia e factores de manutenção, bem como maior divulgação da perturbação
em meio escolar.
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301
Desenvolvimento do adolescente
A adolescência engloba uma acção combinada entre as modificações biológicas,
sociais, cognitivas e os contextos, como a família, a escola, o grupo de pares e a
comunidade, em que os jovens vivem as exigências e as oportunidades para o seu
desenvolvimento. A prática de actividade física constitui, também, um contexto de
promoção e desenvolvimento de aptidões sociais e comportamentos interpessoais
adequados e de um sentimento de pertença a um grupo de referência, tão
fundamental para a saúde psicológica e emocional dos adolescentes.
Desenvolvimento físico
As transformações físicas/biológicas englobam as alterações do tamanho e forma
do corpo, que provocam algumas dificuldades na auto-imagem individual. As
mudanças biológicas decorrentes da puberdade são grandes e relativamente
rápidas. O crescimento em altura é particularmente evidente, a forma do corpo
altera-se, a capacidade física aumenta e inicia-se a sexualidade, a intimidade, no
fundo, a maturidade sexual (Claes, 1985).
O crescimento em altura deve-se, essencialmente, ao crescimento dos ossos
longos. Comparando ambos os géneros, constata-se que o surto de crescimento
físico ocorre, em média, mais tarde nos rapazes. Devido a este crescimento rápido
e alternado das diferentes partes do corpo – que ocorre de forma diferente no
rapaz e na rapariga – existe uma fase em que o adolescente parece descoordenado
e pouco proporcionado, sendo importante estar atento à forma como encara as
alterações na sua imagem e aparência física, que muitas vezes são vividas com um
certo dramatismo. Nos rapazes, os ombros tornam-se mais largos, em comparação
com as ancas, e as pernas são relativamente longas quando comparadas com o
comprimento do tronco. Por sua vez, as raparigas evidenciam ombros
relativamente estreitos, ancas largas e pernas mais curtas, comparativamente ao
tronco (Sprinthall & Collins, 1994).
Verifica-se também uma mudança significativa na capacidade de esforço físico.
Há um aumento da força, que advém do desenvolvimento da capacidade
muscular. Também aumenta o tamanho e a capacidade do coração e dos pulmões.
Os adolescentes ficam, então, mais aptos para actividades físicas mais exigentes,
embora de forma mais acentuada nos rapazes. Todavia, a capacidade de
desempenho de trabalhos vigorosos depende mais do treino e do desempenho de
da profissão/actividade, do que do género (Sprinthall & Collins, 1994).
A adolescência é um processo que tem sofrido alterações ao longo da história das
306
gerações. Nos últimos cem anos, tem-se assistido a um início cada vez mais
precoce da puberdade e a um crescimento mais rápido das crianças e dos
adolescentes. Os rapazes e raparigas do mundo ocidental são mais altos, mais
pesados e mais maduros do que os seus antepassados (Ribeiro, 1990b cit. in Lima,
2000). A altura média tem vindo a aumentar dois a três centímetros em cada
década, assim os adolescentes dos anos 80 são 16 a 24 centímetros mais altos do
que os do início do século (Sprinthall & Collins, 1994).
Segundo Hamburg (1999), a adolescência, não só se inicia mais cedo, como se
prolonga durante mais anos, devido à melhoria das condições de vida e às
mudanças sociais. Verifica-se que, apesar de os organismos amadurecerem
rapidamente, o mesmo não acontece com o cérebro que só alcança a maturação
social perto dos 20 anos. A percepção das regras do mundo adulto não é fácil,
dado que os modelos não são tão claros como anteriormente, alguns modelos de
comportamento seguidos pelos adolescentes não reflectem uma conduta social tão
linear e fiável como anteriormente e esta maior complexidade dificulta a previsão
do futuro. A erosão da família, cada vez menos tempo junta, os pais cada vez mais
tempo fora de casa, o aumento das famílias mono-parentais e a falta de apoio
social da rede de trabalho, são uma evidência cada vez maior. Para além disso, os
adolescentes têm cada vez mais acessos a mecanismos potencialmente
ameaçadores da vida, como certas actividades e substâncias.
Todavia, apesar das mudanças da sociedade, algumas das necessidades
características da adolescência têm resistido e revelam-se cruciais no
desenvolvimento saudável (Hamburg, 1999). São exemplo a necessidade de um
lugar seguro no grupo que lhes forneça um sentimento de pertença; a necessidade
de identificação/adopção de tarefas importantes e reconhecidas no grupo e que
garantam o respeito; a necessidade de se sentir uma pessoa válida; a necessidade
de segurança nos relacionamentos e em especial nos mais próximos.
A imagem corporal
A imagem corporal expressa na satisfação do adolescente com o seu corpo e com
as respectivas alterações e é primordial para o sentimento de valorização pessoal e
auto-estima. Os adolescentes têm geralmente uma percepção correcta do seu
corpo embora, nalguns casos, a aparência possa acarretar insatisfação e
sofrimento. Esta população é particularmente sensível aos estereótipos, aos ideais
e padrões de beleza e elegância vigentes, sendo que o grau de
proximidade/afastamento catalisa reacções mais ou menos negativas. A
preocupação com a aparência física e o peso é muito maior nas raparigas do que
nos rapazes o que torna a vivência da adolescência especialmente difícil para elas.
Nos rapazes, a atenção centra-se no desempenho físico e intelectual (Pinto
Gouveia, 2000 cit in Soares, 2000).
Desenvolvimento intelectual
A aceleração somática na puberdade é isolada, ou seja, a evolução do psiquismo
não segue o ritmo de evolução do corpo. As mudanças na esfera intelectual
permitem compreender e atribuir um significado particular às outras
transformações. É a nova capacidade de pensar que proporciona ao adolescente a
avaliação e gestão de muitas das transformações ocorridas.
O início do pensamento formal, a capacidade de distinguir o subjectivo do
objectivo e o eu do outro são aspectos determinantes na forma como os
adolescentes se vêem e se compreendem. O sistema de valores sofre
modificações, uma vez que o adolescente já é capaz de elaborar um tipo de
reflexão diferente da utilizada até então (ligação entre o desenvolvimento moral e
308
A construção da identidade
A maioria dos autores considera que o maior desafio é o desenvolvimento e
construção da Identidade. Erickson (1972) reconheceu a adolescência como um
estádio por direito próprio, o que significa que os adolescentes são reconhecidos
como pessoas com características específicas. O processo de formação da
identidade é encarado como integrador das transformações individuais, das
exigências sociais e das expectativas em relação ao presente e futuro. Ou seja, é
um processo que assenta na interacção entre o sentido de unidade que o
adolescente possui, enquanto ser em desenvolvimento, e o reconhecimento e
confirmação desse carácter único pela sociedade adulta . A identidade é algo uno,
com características dinâmicas e adaptáveis e que permanece para além da
passagem do tempo (Erickson, 1972). A construção da identidade é um processo
complexo que acompanha o ciclo de vida. Neste processo, a construção biológica,
a organização pessoal da experiência e o meio cultural dão significado, forma e
continuidade à existência (Kroger, 1989 cit in Lima, 2000).
O desenvolvimento do indivíduo é determinado e ocorre num contexto social
marcado pelas relações interpessoais, pela interacção com a família, com as
instituições sociais e com a cultura num momento histórico particular. A base da
personalidade adulta é constituída pelo conceito do eu. Assim sendo, uma boa
base determinará uma sólida identidade pessoal, ao passo que uma base instável
originará uma identidade difusa.
A adolescência exige e confronta o indivíduo com um conjunto de tarefas
psicossociais, cuja concretização deve contribuir para a formação de uma
309
Desenvolvimento sócio-afectivo
O desejo e a luta pela autonomia constituem uma tarefa crucial. Dentro e fora da
família, o adolescente vai tentar expressar a sua diferença e independência. Para
isso, intensifica a sua relação com o mundo social, exterior à família, que inclui a
escola, a comunidade e os pares (Menezes, 1990 cit in Lima, 2000). O processo de
conquista de autonomia e individualização afecta de modo particular as relações
com a família, com os pares e os outros em geral, conduzindo a modificações
importantes na esfera interpessoal. Há como que um movimento centrífugo em
relação à estrutura familiar, estabelecendo fortes relações com os pares (Youniss,
1980 cit in Lima, 2000), apesar de continuar a necessitar de apoio e suporte
familiar (Weiss, 1982 cit in Soares, 1996). De facto, na adolescência, a dimensão
cognitivo-afectiva da relação com a família permanece intacta e a sua expressão
comportamental é que se altera, diminuindo (Weiss, 1982; Paterson, Field &
Pryor, 1994 cit in Lima, 2000).
Tudo isto permite concluir que a autonomia do adolescente e a sua vinculação aos
pais constituem processos complementares e igualmente importantes para o
desenvolvimento do jovem nas diversas facetas do seu processo de socialização
(Soares & Campos, 1988). As relações com os seus pais modificam-se a vários
níveis: em termos de estrutura, passam de unilaterais a recíprocas e diferenciadas
(Youniss & Smollar, 1985 cit in Lima, 2000).
Com o avanço da idade, a permanência em grupo, as saídas, os convívios e o lazer
social ganham mais peso, levando a que o adolescente passe cada vez mais tempo
fora de casa. Assim, os factores explicativos deste fenómeno são extrínsecos à
família (Larson, Richards, Moneta, Holmebeck & Duckett, 1996 cit in Lima,
2000). De acordo com Youniss (1980) o tempo dedicado aos pais é preenchido
310
O grupo de pares
Sendo a família um contexto fundamental para o desenvolvimento do adolescente,
não é, de facto, o único. A pertença a um grupo não é uma condição do
adolescente e, portanto, é fundamental perceber como se processa a aceitação pelo
grupo de pares. É relativamente fácil para os adolescentes a predição das
características que facilitam o processo de aceitação pelo grupo de pares, que se
centra num conjunto implícito de normas de avaliação dos colegas, definindo a
partir delas critérios de inclusão e exclusão do grupo. No entanto, o que é válido
para um grupo pode não o ser para outros (Sprinthall & Collins, 1994). A atracção
física e outros padrões de comportamento (amizade, sociabilidade e
competências) constituem normas que regulam a aceitação social. Atitudes
desviantes e comportamentos negativos conduzem habitualmente a situações de
rejeição social, apesar de não haver características que por si só garantam a
aceitação ou a rejeição social .
Os pares contribuem de forma positiva para o desenvolvimento do adolescente.
Juntamente com a família e a escola, constituem os principais contextos de
desenvolvimento de competências fundamentais para o crescimento e adaptação à
vida adulta. Os adolescentes dedicam a maior parte do tempo ao investimento da
relação com os pares. Há um “alargamento do mundo social” devido ao maior
número e à diversidade de contactos sociais (Sprinthall & Collins, 1994, p. 359).
No entanto, todas as experiências sociais vividas pelos adolescentes são
fortemente influenciadas pelas disposições e normas existentes. No confronto com
as mudanças físicas e corporais, o adolescente experimenta novas sensações,
procurando lidar e adaptar-se a uma nova imagem de si. É preciso gerir a nova
imagem e o impacto que ela tem em si próprio e nos outros (Colemam, 1980b cit
in Lima, 2000). Os pares, obviamente, passam pelo mesmo e, por isso, a mútua
afinidade e compreensão.
O adolescente, ao longo do processo de crescimento e maturação, vai-se envolver
em diversos tipos e níveis de relação com os pares (de amizade, sociais de grupo,
amorosas). O desenvolvimento cognitivo influencia muito o modo como as
relações com os pares são construídas e vividas, tornando-se mais íntimas, de
maior mutualidade e reciprocidade (Berndt, 1982). A construção de relações com
os pares, a aceitação e integração num grupo de referência obedecem a uma
estrutura organizada e sujeita a regras. As relações de grupo são fundamentais ao
processo de socialização do adolescente (Hartup, 1983) e, à medida que cresce,
311
vai deixando de dar tanta importância ao pequeno grupo de pares da mesma idade
e género, privilegiando a participação e organização de actividades sociais em
grandes grupos de ambos os géneros. Contudo, popularidade e aceitação social
são conceitos distintos. Estudos demonstram que adolescentes de ambos os
géneros e de todos os níveis de escolaridade com traços de popularidade parecem
mais joviais, simpáticos, entusiastas e dinâmicos (Coleman, 1980), sendo a
atracção física um atributo importante para a popularidade e estatuto social
(Sprinthall & Collins, 1994). Para os rapazes, a capacidade e proeza atlética
também são um atributo importante e relevante. A competência social, isto é, a
facilidade com que se envolvem na organização de actividades de grupo, parece
constituir também um preditor da popularidade, principalmente quando mediada
por outras competências, tais como a capacidade de relacionamento empático nas
raparigas e um locus de controlo interno nos rapazes (Adams, 1983 cit in Lima,
2000). Nos rapazes, a popularidade relaciona-se mais com o sucesso no exercício
de uma actividade desportiva, enquanto que nas raparigas é mais determinante a
pertença a um grupo liderante (Sprinthall & Collins, 1994). De acordo com
Sprinthall e Collins (1994), a influência dos pares sobre o adolescente pode
classificar-se em dois tipos: informal e normativa. No primeiro tipo, os pares
funcionam como fontes/recursos de conhecimentos acerca dos padrões
comportamentais, atitudes, valores e respectivas consequências; no segundo tipo,
os pares exercem uma pressão social para que o adolescente se comporte de
acordo com os padrões que regulam as acções/comportamentos. Os dois tipos de
influência desempenham um papel importante no desenvolvimento de uma
consciência do eu por parte do adolescente, enquanto membro de um grupo social
.
A Comparação Social de comportamentos e capacidades entre os seus pares pode
ter consequências positivas e negativas para o adolescente. A mais evidente é a
conformidade, ou seja, a adopção dos mesmos comportamentos e atitudes dos
pares, que varia consoante os contextos. O estatuto e a posição social dentro do
grupo de pares influencia também o grau de conformismo manifestado (Sprinthall
& Collins, 1994), sendo os de estatuto elevado e baixo pouco conformistas. A
opinião dos pais é mais requisitada e valorizada para áreas que se relacionam com
a escola e/ou carreira vocacional. Por sua vez, os pares são solicitados para
decisões de âmbito social e pessoal (leituras, música, roupas) (Wills, 1996 cit in
Lima, 2000).
prévia dos diferentes factores que exercem maior ou menor influência sobre a
actividade física dos adolescentes, na expectativa de que o conhecimento
emergente dos diversos estudos possa emanar uma orientação para o
desenvolvimento de intervenções eficazes na mudança de comportamento tão
complexo.
Os factores de influência traduzidos nos diversos modelos teóricos são de natureza
psicológica, interpessoal, social, ou ambiental, embora nenhum, por si só, seja
suficiente para explicar a actividade física. Devemos considerar a forte
probabilidade de que diversos factores possam influenciar diferentes pessoas
podendo, por sua vez, a força dessa influência em cada indivíduo variar de um
momento para outro ou ao longo das diferentes fases do seu desenvolvimento:
infância, idade adulta e terceira idade (Sallis & Owen, 1999).
Outros estudos recentes têm procurado abordagens ainda mais alargadas
utilizando modelos sócio-ecológicos (Owen, Leslie, Salmon & Fotheringham,
2000), que procuram integrar a teoria sócio-cognitiva e os modelos ecológicos,
privilegiando o estudo das influências intra-pessoais, sociais e ambientais sobre os
comportamentos, neste caso, a actividade física (cit. in Sallis & Owen, 1999;
Mota & Sallis, 2002).
Estatuto sócio-económico
A actividade física dos adolescentes parece receber alguma influência do estatuto
sócio-económico. Embora não constitua tarefa fácil separar os efeitos do estatuto
sócio-económico da etnicidade, constatou-se que os jovens de maior estatuto
sócio-económico (ESE) tinham acesso a mais programas dentro e fora da escola
(Sallis & Owen, 1999). Num estudo realizado nos EUA, verificou-se que os
alunos da universidade com elevado ESE tinham mais aulas de educação física,
relatavam mais actividade nessas aulas e participavam mais em desporto de
equipa e actividades relacionadas com as aulas (Sallis, Zakarian, Hovell &
Hofstetter, 1996).
O ESE mediado pelo trabalho (associado às habilitações literárias e aos
rendimentos), segundo (Sallis et al., 1996), condiciona as actividades de lazer do
indivíduo, nomeadamente a actividade física, dado que o custo económico
inerente pode ser um factor explicativo da maior participação em diversas
actividades, das famílias de classes médias, relativamente às classes mais baixas.
De facto, o baixo ESE restringe, em termos financeiros, não só o meio de
transporte para os locais de prática, como a associação e participação em grupos
formais de actividade e o tempo livre disponível para práticas regulares de
actividade física (Sallis et al., 1996).
Num estudo Português (Matos et al., 2001), concluiu-se que os jovens que
praticam desporto afirmam com maior frequência que o pai tem uma profissão de
nível “bom” (e.g. chefia, quadro superior, profissão liberal). Contudo, os estudos
disponíveis não têm identificado de forma clara os processos pelos quais o ESE
influencia a actividade física dos jovens, apresentando conclusões que não são
consensuais (Sallis et al., 2000). Assim sendo, Mota e Sallis (2002) reconhecem
que, embora a investigação não reuna consenso, existem factores que são
determinados pelo ESE, tais como, o interesse dos pais pela participação dos
filhos, o acesso aos equipamentos, aos programas e locais de prática e a
participação em determinados tipos de actividade física ou desportiva. Para além
319
disso, as crianças e adolescentes de ESE mais elevado são, de facto, mais activos
que os restantes.
Obesidade
Nos últimos vinte anos, tem-se assistido a um aumento da obesidade e excesso de
peso nas crianças, principalmente dos países industrializados (WHO, 1998; Booth,
Chey, Wake et al., 2003; Ogden, Flegal, Carroll, Johnson, 2002; Tremblay,
Jatzmarzyk, Willms, 2002 cit. in Janssen, Craig, Boyce, Pickett, 2004). Segundo
alguns autores, esta tendência oscila entre 18 e 30% na população infantil e
juvenil (Keller e Stevens, 1996 cit. in Mota & Sallis, 2002). No Canadá a
prevalência da obesidade ou excesso de peso nos jovens entre 7 e os 13 anos era,
em 1981, de 12% tendo aumentado para 30% em 1996 (Tremblay, Jatzmarzyk,
Willms, 2002 cit. in Janssen et al., 2004). Nos Estados Unidos, as crianças são o
segmento da população obesa ou com excesso de peso que mais cresceu (Flegal,
Triano, 2000; ibidem).
Em Portugal, a situação não é diferente. De 1985 a 2001 o problema aumentou
19% na população em geral (Teixeira, 2002 cit. in Mota & Sallis, 2002), e nas
crianças e jovens, em particular, alguns estudos apontam para uma percentagem
muito elevada de alunos com excesso de peso, ou mesmo obesidade (Sardinha et
al. 1999), sendo mais notória nas crianças entre os 8 e os 10 anos de idade (Mota
et al., 2000; ibidem).
A relação entre a obesidade ou excesso de peso e a prática de actividade física na
adolescência pode ser vista de duas formas distintas: se, por um lado, a falta de
actividade física pode levar a aumentos de gordura corporal, por outro lado, há
que ter em conta que os jovens obesos são menos activos (Delgado & Tercedor,
2002). Neste sentido, a diminuição da actividade física poderá ser tanto a causa
como o efeito do aumento de peso ao longo da vida e, portanto, diferentes
avaliações teriam de ser feitas para chegar a uma relação causal estável (Voorrips
et al., 1992 cit. in Mota & Sallis, 2002). Todavia, há que considerar a
irrefutabilidade desta relação causal como um alerta para a urgente necessidade de
concretizar medidas no âmbito da saúde pública. Dos diversos estudos sobre esta
questão ressalta a conclusão de que: a obesidade na infância conduz a uma
variedade de problemas de saúde; o excesso de peso nas crianças está associado a
uma incidência da diabetes tipo II e a factores de risco das doenças
cardiovasculares; os jovens obesos ou com excesso de peso têm maior
probabilidade de se tornar adultos obesos; e os adolescentes obesos correm um
risco acrescido de morbilidade e mortalidade na idade adulta (Janssen et al.,
2004).
Sendo a obesidade uma doença que não responde facilmente ao tratamento, a
melhor estratégia, segundo MacKenzie (2000), é a prevenção que se deve centrar
320
Factores psicológicos
As correlações consistentes entre os factores psicológicos e a actividade física dos
adolescentes são escassas, e a maioria delas estão também correlacionadas com a
actividade física no adulto (Sallis & Owen, 1999). Entre os factores psicológicos
podemos encontrar os cognitivos (i.e, a percepção de auto-eficácia, a percepção de
barreiras e benefícios e as intenções); os factores emocionais (i.e, o divertimento,
o prazer e os estados de flow); e os factores comportamentais (i.e, o sedentarismo,
as formas de ocupação do tempo livre e o estilo de vida).
Percepção de auto-eficácia
A auto-eficácia é a mais forte variável cognitiva correlacionada com o exercício e
parece ser o preditor mais consistente do comportamento de exercício em
qualquer idade (Sherwood & Jeffery, 2000). Numa revisão, estes autores, referem
que a auto-eficácia prediz tanto as intenções para o exercício como outras formas
de comportamento de exercício.
Por definição a auto-eficácia é a crença individual na competência ou capacidade
de realização de determinada tarefa. Esta crença influencia as actividades que o
indivíduo decide realizar, o esforço dispendido e o grau de persistência
demonstrado perante dificuldades no desempenho ou situacionais (Bandura,
1986). No contexto do exercício, a auto-eficácia é o grau de confiança que o
321
indivíduo tem na sua capacidade para ser fisicamente activo perante diversas
circunstâncias, ou seja, a eficácia para ultrapassar barreiras (DuCharme &
Brawley, 1995).
Os estudos com jovens demonstraram que a auto-eficácia para a actividade física
determina fortemente a mudança na actividade física (Reynolds et al., 1990; Trost
et al., 1997 cit. in Sallis & Owen, 1999). Relativamente às crianças, apesar de
vistas como naturalmente motivadas para a realização, aquelas que têm elevadas
percepções de competência em qualquer contexto de realização estão mais
motivadas para a participação e empenham-se mais nesse domínio. No que diz
respeito à actividade física, a auto-eficácia constitui um factor preditivo, não só da
actividade presente, como da que se realizará no futuro (Sallis et al., 1992). O
mesmo estudo verificou que mudanças positivas na auto-eficácia ocorriam na
mesma medida que as mudanças na actividade física.
Uma vez que a percepção de competência nos jovens não é estável, variando com
o tempo e de um contexto para outro, os adolescentes com elevada percepção de
competência num desporto poderão sentir baixa percepção de competência noutro.
Este aspecto é bastante relevante no contexto da actividade física como promotor
da saúde dos adolescentes pois a percepção de competência ou percepção de auto-
eficácia variam, do mesmo modo, em contextos desportivos ou em contextos de
actividade física de recreação e lazer. No seu estudo, Mullan, Albison e Markland
(1997), quando distinguem três domínios de competência - competência
competitiva (i.e., desporto com competição), competência recreativa (p.e..,
bicicleta ou skate) e competências nas brincadeiras (p.e., dança, “jogo da
apanhada”) - verificaram que, nos rapazes, as duas últimas não apresentavam
diferenças significativas mas que ambas eram superiores à competência
competitiva; enquanto que nas raparigas a competência nas brincadeiras era
significativamente superior às outras duas, sendo a recreativa superior à
competitiva (cit. in Mota & Sallis, 2002).
Finalmente, apesar de, num estudo transversal com estudantes do secundário, se
considerar a auto-eficácia a variável mais correlacionada com a prática desportiva
em ambos os géneros (Zakarian, Hovell, Hofstetter, Sallis & Keating, 1994 cit. in
Sallis & Owen, 1999), outros estudos revelam que a percepção de competência
física é superior nos rapazes (Sallis et al., 2000).
Percepção de Barreiras
A actividade física apresenta-se inversamente correlacionada com a percepção de
barreiras ou obstáculos para ambos os géneros (Zakarian et al., 1994) e os
resultados dos adolescentes são muito semelhantes aos dos adultos, sendo as
principais barreiras a falta de tempo e de interesse (Tappe, Duda & Ehrnwald,
1989) (cit. in Sallis & Owen, 1999). A maioria dos estudos sobre as barreiras ao
322
Percepção de benefícios
A percepção de benefícios da actividade física encontra-se fortemente
correlacionada com a participação no exercício (...) (Zakarian et al., 1994 cit. in
Sallis & Owen, 1999).
No país de Gales, estudos envolvendo 4.000 jovens e jovens adultos, dos 16 aos
24 anos (não adolescentes), foi inquirido aos não-participantes em actividade
física o que poderia incentivá-los a tornar-se activos no desporto e a maioria das
323
respostas foram: o fitness ou perda de peso, o facto de ter mais tempo livre e de
praticar desportos que ajudam a manter boa saúde (Heartbeat Wales, 1987 cit. in
Biddle, 2001). Revisões de Biddle (1992) e de Gould e Patlichkoff (1988)
permitiram também distinguir as razões da participação em actividades físicas de
crianças e jovens mais velhos. As crianças sentem-se motivadas pela satisfação e
divertimento inerentes, pelas aprendizagens e desenvolvimento de competências,
pelo alcance do sucesso e vitória, pela condição física e saúde. Todavia, os jovens
mais velhos podem apresentar razões como o controlo de peso e a aparência
física. No entanto, Biddle (2001) considera que são necessários mais estudos para
compreender as diferenças nos motivos nos diversos tipos de actividade física,
através dos níveis de participação, estados de desenvolvimento, muito embora
persistam semelhanças em diversos contextos e grupos.
Segundo Mota e Sallis (2002) podemos encontrar uma percepção de benefícios
positivos na saúde, semelhante em participantes e não participantes. Embora a
maioria dos indivíduos que integram programas de promoção de exercício físico
percepcionem efeitos positivos na saúde, mas este facto não contribui
suficientemente para a manutenção do exercício. Torna-se relevante constatar que
a percepção de divertimento e bem-estar são mais importantes na adesão ao
exercício do que as preocupações com a saúde (Dishman, Sallis, Orenstein, 1985
cit. in Mota & Sallis , 2002).
Num estudo português, mostrou-se que a prática regular de actividade física
significa para os jovens certas vantagens, como o desenvolvimento do sistema
cardiovascular, respiratório, ósseo e muscular, mas também o desenvolvimento
afectivo, social e moral (Diniz, 1998).
Outro estudo português mais recente (Matos et al., 2003) revelou através de uma
amostra parcial que os jovens de 15 anos (do 10º ano) percepcionam mais
frequentemente benefícios pessoais da prática de actividade física, tais como, o
bem-estar, aprovação dos amigos, ajuda a manutenção do peso e o ajuda a passar
o tempo.
Factores emocionais
Uma das conclusões mais comuns das investigações é a de que as crianças e
jovens praticam desporto pela diversão. Num estudo italiano com 2500
participantes jovens desportistas (Buonamano, Cei & Mussino, 1995 cit. in
Biddle, 2001), o divertimento foi referido como a principal razão para a
participação dos jovens em praticamente metade da amostra. Segundo dados do
English Sport Council’s sobre os jovens no desporto, que envolveu uma amostra
de 4000 participantes com idades compreendidas entre os 6 e os 16 anos, os
motivos para a participação eram diversos, desde o divertimento em geral ao
fitness e às relações de amizade (Mason, 1995). Resultados semelhantes
324
dos 11 aos 15 anos de idade, Vlachopoulos, Biddle & Fox (1996) aplicaram o
inventário de sentimentos induzidos pelo exercício (Exercise-induced Feeling
Inventory) e descobriram que os sentimentos pós-corrida de ajustamento positivo,
revitalização e tranquilidade eram preditos pela orientação para a tarefa e
percepção de competência. Estes dois factores foram assim considerados
importantes para a ocorrência de experiências afectivas positivas no exercício
físico na escola (Biddle, 2001)
Finalmente, numa perspectiva de promoção da saúde pelo exercício, tendo como a
finalidade a motivação dos jovens para estilos de vida activos ao longo da vida,
Mota e Sallis (2002) consideram que devemos centrar-nos na qualidade da
experiência durante a participação e não nos resultados. Os autores entendem que,
se esta for positiva e divertida e se, através dessa experiência, se valorizarem as
percepções de competências do jovem, a probabilidade de que ele se mantenha
activo ao longo da vida sairá reforçada.
Factores comportamentais
A prática de actividade física é considerada um comportamento de saúde, similar
a outros como os cuidados de saúde primários, a alimentação, a prevenção de
consumos e a prevenção de comportamentos sexuais de risco e de violência
(Matos et al., 1999). Vários estudos têm relacionado estes comportamentos numa
perspectiva de adopção de estilos de vida saudáveis e neste sentido, os hábitos de
actividade física influenciam e são determinados por outros hábitos tais como a
alimentação, o consumo de álcool e drogas e o tabagismo (Matos et al., 2001).
Numa amostra que envolveu 2650 sujeitos com elevado nível de actividade física
e 1641 com baixo nível, os menos activos apresentavam maior consumo de tabaco
e drogas leves, hábitos televisivos e menos uso do cinto de segurança, assumindo
mais comportamentos negativos para a saúde (Pate, Heath, Dowda & Trost, 1996
cit. in Mota & Sallis, 2002). Segundo Wold (1993), nos adolescentes, o exercício
está relacionado com uma maior facilidade para novas amizades, obtenção de
apoio social e satisfação escolar, verificando-se, para além de benefícios na saúde,
importantes vantagens no processo de socialização, opondo-se assim aos
comportamentos desviantes que se associam com frequência ao sedentarismo (cit.
in Matos et al., 1999).
O estudo realizado por Matos et al. (2001) revelou que os jovens que praticam
actividade física afirmam mais frequentemente que: se sentem felizes, não
apresentarem sintomas físicos e psicológicos, gostam da sua aparência ou
consideram o seu corpo como ideal e consumem mais alimentos saudáveis (fruta,
vegetais ou leite). Concluiu, ainda, que os mesmos jovens consideram mais
frequentemente que “ir à escola não é aborrecido”, “os professores os consideram
com boas capacidades”, “é fácil falar com o pai ou com a mãe”, e por último,
326
revelam melhor relacionamento com os colegas. Por outro lado, o mesmo estudo
indica que os jovens que bebem álcool (todas as semanas ou todos os dias)
afirmam mais frequentemente que praticam actividade física e os que se envolvem
em comportamentos de violência na escola (quer como vítimas quer como
provocadores) afirmam mais frequentemente que praticar actividade física (Matos
et al., 2001).
À medida que os indivíduos estabelecem padrões de adesão a vários
comportamentos de saúde, menos deliberada é a tomada de decisão e o
comportamento torna-se mais habitual (Maddux, 1993 cit. in Sherwood & Jeffrey,
2000). De acordo com Maddux e DuCharme (1997), os hábitos de exercício ou
comportamento anterior de exercício determinam a manutenção do exercício (cit.
in Rosen, 2000). Em suma, embora não esteja ainda suficientemente esclarecida a
relação de causalidade entre a actividade física e a saúde, conforme reconhecem
Mota e Sallis (2002), torna-se pertinente considerar que ela leva à adopção de
outros comportamentos de saúde positivos.
Outro factor comportamental que influência a actividade física dos jovens é a
forma como ocupam o tempo livre, sendo, actualmente, um dos principais
problemas do ponto de vista da saúde. A evolução tecnológica tem levado os
jovens à adopção de formas de ocupação do tempo livre cada vez mais
sedentárias, nomeadamente através da televisão, o vídeo, os gameboys, o
computador e a Internet. Por outro lado, os meios de transporte motorizados têm
substituído os mais tradicionais, como deslocação a pé ou de bicicleta e a
utilização de escadas. Estudos referem que, em média, os jovens passam três a
cinco horas diárias a ver televisão ou a usar o vídeo, os videojogos e a Internet
(Kennedy, Strzempko, Danford & Kools, 2002 cit. in Matos et al., 2003),
ultrapassando o tempo livre dedicado a actividades físicas (Sjolie & Thuen, 2002;
ibidem). Esta tendência está associada à maior probabilidade de desenvolvimento
de comportamentos negativos de saúde, nomeadamente, comportamento violento,
consumo de álcool, tabaco e drogas (Strasburger & Donnerstein, 2000). Estes
dados confirmam-se no estudo de Matos et al. (2003) em que 56.8% dos jovens
referem que vêem televisão durante uma a três horas ao longo da semana e 56.6%
que vê televisão durante quatro ou mais ao fim-de-semana. São as raparigas que
passam mais tempo na televisão durante a semana, não havendo diferença ao fim-
de-semana entre os dois géneros.
Um outro estudo realizado em Portugal revela que os rapazes e os jovens do Sul
ocupam mais tempo em actividades de lazer como televisão, vídeos e jogos de
computador, sobretudo os do litoral e os de Lisboa (Matos et al., 1999). Os jovens
portugueses estão entre os maiores consumidores de televisão (King et al., 1996).
Segundo dados da Direcção Geral de Saúde (Nunes, 2002), relativos a 1998/1999,
72.6% da população portuguesa, com idades superiores a 15 anos (inclusivé),
327
ocupam os seus tempos livres a ver televisão e a ler, 18.3% fazem-no a passear e
apenas 7% a correr e a fazer desporto, verificando-se uma insignificante taxa de
2.1% dos jovens que praticam uma actividade física.
O estudo do HBSC de Matos et al. (2003) revelou que a ocupação dos tempos
livres mais assinalada pelos jovens portugueses audição de música (97.6%),
seguindo-se os itens jogos de cartas, jogos de vídeo ou computador (95.4%),
conversa com os amigos (95.2%), companhia dos amigos (95.2%) e ver televisão
ou vídeo (94.2%). A pratica de algum desporto surge somente em 10º lugar na
lista das preferências (90.2%). É importante constatar que a pratica de um
desporto não orientado por um treinador (78.4%) surge com uma percentagem
mais elevada do que a pratica de um desporto de competição ou orientado por um
treinador (72.2%). Outro aspecto interessante é que a aplicação aos trabalhos de
casa ou a mais trabalhos da escola (87.6%) ocupa o 14º lugar .
Analisando estes dados relativamente às diferenças significativas encontradas
entre o género e a idade, podemos concluir que as raparigas afirmam que passam
mais tempo a ouvir música, a conversar e a estar com amigos e a ver televisão,
enquanto que, os rapazes afirmam mais vezes que jogam cartas e jogos de vídeo
ou computador. São as raparigas quem refere que passa mais horas a ver televisão
e a fazer os trabalhos de casa durante a semana. No fim-de-semana, são também
as raparigas que passam mais horas a fazer os trabalhos de casa, enquanto os
rapazes passam mais horas no computador. Nas diferenças relativas à idade, são
os mais velhos que referem mais frequentemente ouvir música, conversar e estar
com os amigos. O tempo passado na televisão é maior no grupo de jovens de 15
anos, quer durante a semana quer durante o fim-de-semana. No entanto, são os
jovens desta idade que passam mais tempo a estudar durante o fim-de-semana,
sendo que os mais velhos ocupam menos tempo durante a semana com esta
actividade. Além disso, são estes quem passa mais tempo a jogar computador
(Matos et al., 2003).
Factores sociais
O nosso comportamento e pensamento seriam muito diferentes se vivêssemos em
total isolamento, pois somos fortemente influenciados pelo contexto social. Da
mesma forma, as variáveis de influência social são, naturalmente, importantes no
contexto da actividade física dos adolescentes, tendo em conta que a maioria
pratica exercício físico, integrando-se em equipas, classes ou grupos de
brincadeira.
A influência social é, assim, definida como a “percepção individual de
conforto/desconforto, assistência, informação, aprovação/desaprovação e/ou
pressão de contactos formais/informais com indivíduos, grupos ou outras
colectividades” (Wallston, Alagna, De Vellis & De Vellis, 1983 cit. in Carron,
328
Hausenblas & Estabrooks, 2001, p.3). Segundo Alcock, Carmen e Sadava (1991),
a influência social é a “pressão real ou imaginada para mudar o próprio
comportamento, as atitudes ou crenças” (cit. in Carron, Hausenblas & Mack,
1996; p.195). A maioria dos estudos indica a forte influência social na actividade
física dos adolescentes (Sallis & Owen, 1999).
Influência da família
Os pais podem influenciar a actividade física dos filhos de diversas formas
(Taylor, Baranowski & Sallis, 1994). Uma das mais evidente é a que Sallis e
Mota (2002) designaram por apoio instrumental: o apoio no transporte para os
locais de prática, o apoio material ou a disponibilidade de tempo. Num estudo
demonstrativo da influência do apoio instrumental na prática de exercício físico,
concluiu-se que o transporte das crianças para o local onde poderiam ser activas
seria mais eficaz do que encoraja-las ou mesmo jogar/brincar com elas (Sallis,
Alcaraz, McKenzie, Hovell, Kolody & Nader, 1992 cit. in Sallis & Owen, 1999).
Segundo Aaron et al. (1993), são as mães que, aparentemente, desempenham um
papel mais importante neste tipo de apoio. No entanto, é importante assinalar que
esta influência do apoio instrumental é tanto mais relevante quando verificamos
que também contribui para a diminuição dos níveis de actividade física dos jovens
(Mota & Sallis, 2002). De facto, os pais tendem a restringir cada vez mais a
actividade física dos filhos, coagindo as crianças a passar cada vez menos tempo
for a de casa, devido à insegurança ou à falta de locais de prática. Este factor, para
além de outros como um ambiente desencorajador, o transporte ou o dinheiro para
equipamento, podem predispor a criança a formas de inactividade (Taylor et al.,
1994). No estudo de Matos et al. (2003), em que se exploram os factores
associados à prática de actividade física, 63.9% (n=1504) dos jovens do 10º ano
de escolaridade afirmam que quase nunca os “pais gostam de fazer actividade
física” e 79.8% (n=1518) afirmam que quase nunca “fazem actividade física com
os pais”. De facto, muito embora os hábitos de actividade física dos pais
constituam uma importante influência, esta assumpção não é consensual. Alguns
estudos confirmam que pais activos têm filhos activos, enquanto outros apenas
sugerem que alguns pais mais activos apoiam a actividade física dos filhos de
forma mais directas (Sallis et al., 2000). É, contudo, consensual que o
desenvolvimento de estilos de vida activos saudáveis se estabelece muito cedo,
sendo determinado também por influência dos pais pois, quando eles são
inactivos, os filhos são potencialmente sedentários (Matos et al., 1999; Matos et
al., 2003). Provavelmente, esta associação estará dependente do padrão de
actividades comuns entre pais e filhos, uma vez que a influência só se fará sentir
caso a família realize actividades em comum (Taylor et al., 1994).
A influência dos pais também pode ser exercida, não directamente pelo seu
329
desporto (Yang et al., 2000 cit. in Mota & Sallis, 2002). Por outro lado, sendo de
menor frequência o reforço social obtido dos amigos que o da família, é natural,
que constitua uma mais forte fonte de motivação (Mack et al., 1996, ibidem).
Factores ambientais
A influência do meio ambiente na actividade física é cada vez mais sustentada,
sobretudo pelo desenvolvimento de modelos ambientais ou ecológicos,
nomeadamente no campo da intervenção mais ampla, por exemplo, comunitária.
Os aspectos relacionados com a influência ambiental, encontrados na literatura,
são principalmente: os espaços e equipamentos disponíveis e a acessibilidade, o
clima, a área geográfica e a segurança, existindo claras diferenças entre adultos,
jovens e crianças neste grupo de factores.
A influência dos factores ambientais é mais notória nas crianças do que nos
adolescentes. Sallis e Owen (1999) reiteram que, no caso das crianças, as horas
passadas fora de casa, são o melhor preditor da actividade física. Em
contrapartida, o tempo que passam em casa é um evidente obstáculo,
frequentemente provocado pelas preocupações dos pais com a segurança, pela
falta de espaços ou equipamentos próximos de casa como, por exemplo, um
parque infantil ou uma instituição com actividade desportivas. Contudo, embora
as crianças residentes em bairros de baixo nível sócio-económico percepcionarem
maior perigo, elas têm também mais probabilidade de ser fisicamente activas
(Romero, Robinson, Kraemer et al., 2001).
No caso dos adolescentes, um estudo com alunos do secundário não encontrou
aspectos da percepção do ambiente que estivessem relacionados com o exercício
vigoroso (Zakarian et al., 1994 cit. in Sallis & Owen, 1999), no entanto, apenas se
332
Conclusão
A actividade física é considerada um dos comportamentos de saúde que mais pode
contribuir para a promoção da saúde dos adolescentes e com probabilidade de que
isso se reflicta na sua saúde na idade adulta.
Os dados actuais sobre a elevada inactividade e falta de condição física das
crianças e jovens das nações mais ocidentais, que têm como consequência o
aumento progressivo do peso, têm alarmado os responsáveis pela saúde pública,
havendo quem considere que isto pode inverter décadas de progresso na redução
das mortes por doenças cardiovasculares. O investimento na promoção da
actividade física é considerado o mais eficaz e o mais barato na prevenção do
problema numa perspectiva comunitária, pois poderá estender-se a um vasto
número de indivíduos.
Por outro lado, não devemos esquecer que a actividade física, mais precisamente
os estilos de vida activos, ajudam no desenvolvimento saudável dos jovens e
crianças. Seja, através do desporto, dos jogos, da brincadeira, da dança, do
exercício estruturado, ou andando a pé ou de bicicleta, a actividade física, pode
trazer experiências válidas aos jovens que os ajudam na aprendizagem de
competências motoras básicas, assim como na integração social, no
desenvolvimento moral e social (Shields & Bredemeier, 1994), possibilitando,
também, a sensação de prazer e divertimento que retiram do movimento e
exploração (cit. in Logtrup et al., 2001).
Muito embora seja inquestionável a importância que assume a realidade dos dados
epidemiológicos e os efeitos da actividade física na saúde, esta informação não
permite, por si só, perspectivar as mudanças no sentido da melhoria da saúde no
caso particular dos adolescentes. Deste modo, considera-se crucial a compreensão
prévia dos diferentes factores que exercem maior ou menor influencia sobre a
actividade física dos adolescentes, na expectativa de que o conhecimento
334
Referências
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à obtenção do Grau de Mestre na área de Psicologia Clínica Cognitivo-
335
Luis Calmeiro
Intervenção na escola
A implementação de programas que ensinem aos jovens como começar e manter
uma actividade física regular deverá constituir um dos objectivos educacionais
primordiais (Sallis & Owen, 1999). Depois da influência inicial da família, a
escola tem sido vista como um local de eleição para o estabelecimento de hábitos
de actividade física (Smith & Biddle, 1995). A escola facilita o acesso a um
elevado número de jovens, inclui contextos institucionais de prática (i.e.,
Educação Física, Desporto Escolar) e constitui um local de excelência para
intervenções de carácter educativo. Para alem disso, o papel da Educação Física
343
escola, procura ensinar os alunos a ser responsáveis pelo seu próprio programa de
actividade física, tornando-os autónomos na escolha. Preconiza a interiorização e
integração no dia-a-dia de estratégias como o estabelecimento de objectivos, o
monólogo interno, o desenvolvimento da motivação intrínseca, a identificação de
barreiras e a resolução de problemas, a procura do apoio da família e dos amigos e
a manipulação do envolvimento (i.e., controlo do estímulo e gestão do reforço).
Os jovens aprendem a identificar e a construir um bom objectivo, preparando um
conjunto de pequenos passos que, de uma forma consistente, fomente uma vida
mais activa. A definição de objectivos e a sua divisão em pequenas metas melhora
a percepção de auto-eficácia, determinando a força do compromisso estabelecido
e a perseverança na sua manutenção. Desta forma, os indivíduos mais sedentários
poderão sentir-se tão bem sucedidos quanto os mais activos.
Durante a aplicação deste programa, os alunos são encorajados a planear a
actividade física para a semana seguinte. No sentido de motivar os alunos a
cumprir os seus objectivos, é implementado um sistema de recompensas que
reforce o comportamento alvo. Este sistema está sujeito a um conjunto de regras
que promovem o envolvimento na actividade física moderada e regular, o
comprometimento e a procura do apoio da família e dos amigos na prossecução
dos objectivos. Através de um processo de desvanecimento, vai sendo
progressivamente retirado à medida que os alunos se vão consciencializando dos
benefícios da prática e aprendendo formas de se auto recompensar.
O processo de resolução de problemas é também analisado com os alunos. A sua
abordagem estruturada, metódica e sistemática favorece a identificação e
experimentação de soluções criativas para a ultrapassagem de barreiras na
mudança comportamental (Calmeiro & Matos, 2004). Através desta estratégia os
alunos aprendem a identificar claramente problemas específicos, a redefini-los de
forma positiva e a encontrar alternativas.
Este processo assenta na utilização dos princípios do método científico, baseando-
se na experimentação e na recolha de dados. Após a identificação do objectivo
comportamental (e.g., prática de actividade física vigorosa três vezes por semana
durante pelo menos 20 minutos) procede-se a recolha de dados relativos aos reais
padrões comportamentais. Nesta fase, os processos de auto-monitorização ajudam
a identificar os padrões de comportamento que prejudicam ou favorecem a
manutenção ou adopção de uma prática regular. Uma vez identificados os
problemas, procuram-se as soluções que maximizem a mudança. Através de um
processo de brainstorming, ou pensamento alternativo, o sujeito é encorajado a
gerar uma lista de soluções, o mais alargada e criativa possível. Desta lista, as
melhores são escolhidas e colocadas em prática através da operacionalização de
novos objectivos. Após um período de experimentação destas soluções, é feita
nova recolha de dados comportamentais. Estes são comparados com os dados
346
Intervenção no desporto
O desporto fornece um contexto rico em situações que exijam o desenvolvimento
de mestria e o desempenho óptimo. Como já referido, este tipo de exigências não
são exclusivas da actividade desportiva, podendo-se encontrar em outros
domínios. Assim, através da actividade física desportiva, os jovens podem
aprender a construir e refinar competências de vida. Muitas vezes não é a falta de
competências que dificulta a obtenção do sucesso em outros domínios, mas sim a
falta de conhecimento sobre que competências e como as transferir (Danish et al.,
1992). Segundo estes autores, para que as competências possam ser transferíveis é
necessário que os jovens compreendam que:
349
este significado, bem como saber a quem pedir ajuda e como fazê-lo.
Esta ideia está na base no desenvolvimento de um programa de promoção de
competências de vida através do desporto, levado a cabo por Danish e
colaboradores no Life Competências Center da Virginia Commonwealth
University. O programa SUPER (Sports United to Promote Education and
Recreation) é destinado a jovens dos 10 aos 16 anos e tem como objectivo a
conversão das experiências desportivas em lições de vida. Os participantes são
ensinados a melhorar o seu rendimento desportivo através de capacidades motoras
e mentais e a reconhecer e aplicar estas capacidades em situações dentro e fora do
desporto (Danish et al., 2002).
Neste programa ajudam-se os jovens atletas a identificar o seu sonho no desporto,
a transformar o sonho em objectivos, a estabelece-los de um modo realista, a
desenvolver planos de acção para os atingir, a identificar e ultrapassar obstáculos,
a aprender a gerir as emoções, a acreditar nas capacidades próprias e a criar uma
rede de apoio social. Assim que os indivíduos sejam capazes de definir objectivos
específica e claramente, podem desenvolver as necessárias competências
interpessoais e intrapessoais (Danish et al., 1992; Dias et al., 2001).
A implementação do programa é realizada por atletas/estudantes mais velhos,
servindo não só de modelos aos mais novos, mas também facilitando a liderança,
na medida em que provêem do mesmo contexto físico e social que os
participantes. Os líderes ensinam as capacidades motoras, ajudam a melhorar o
desempenho desportivo e ensinam competências de vida. Neste processo, recebem
formação e supervisão dos membros do staff do SUPER.
No final do programa, os participantes deverão compreender que (1) existe uma
relação entre excelência do desempenho no desporto e excelência do desempenho
na vida, (2) as capacidade mentais podem melhorar tanto o desempenho
desportivo como pessoal, e (3) existem modelos de comportamento positivos por
entre os seus pares que servem de exemplos de sucesso com que os participantes
se podem identificar.
Conclusão
A actividade física é um meio de eleição para desenvolver competências de vida,
designadamente competências pessoais e sociais. As aprendizagens
proporcionadas pela prática podem ser transferidas com sucesso para outros
contextos da vida. No entanto, esta transferência não e automática. Só será feita
com sucesso se os indivíduos forem auxiliados na reflexão e integração das
aprendizagens.
O desenvolvimento e implementação de programas de ensino de competências
sociais e pessoais são cada vez mais frequentes, numa perspectiva de prevenção
do desajustamento social com crianças e adolescentes em oposição à tradicional
351
Referências
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352
Introdução
O desenvolvimento de uma auto-estima positiva contribui de forma determinante
para a qualidade de vida e bem-estar psicológico. Entre os adolescentes, a auto-
estima está associada a comportamentos saudáveis e a um elevado envolvimento
no desporto e no exercício, motivos pelos quais tem sido, consistentemente, um
dos principais objectivos dos programas de intervenção que se centram na
melhoria de competências e na promoção de comportamentos pró-activos e
saudáveis entre os jovens.
O desporto e a actividade física em geral têm sido objecto de estudo e utilizados
na realização de inúmeras intervenções. Porém, uma realidade cada vez mais
presente mostra que muitas crianças e adolescentes não se envolvem
suficientemente em actividade física, de forma a que ela possa ser associada a
benefícios de saúde. Os programas mais inovadores e bem sucedidos entre
adolescentes apresentam como objectivos a aquisição de competências na área
desportiva e a sua inclusão noutras áreas (que se pretende que se prolonguem no
futuro), e a orientação e experiências necessárias para que os jovens possam optar
por um estilo de vida activo e saudável para toda a vida.
O desporto aventura pode constituir uma abordagem inovadora de promoção da
auto-estima, de aquisição de competências pessoais e sociais, e de
desenvolvimento de um estilo de vida activo e saudável, constituindo-se uma
forma de intervenção apelativa para crianças e adolescentes.
A escola é um contexto único e o mais abrangente para o desenvolvimento nos
jovens de competências pessoais e sociais e para os ajudar a optar por
comportamentos activos e saudáveis. Neste sentido, possui potencial evidente,
tanto para resposta às necessidade individuais dos jovens, como para um impacto
positivo na saúde pública.
unidimensional como factor explicativo dos aspectos do self, parecendo não haver
qualquer suporte para a perspectiva unidimensional da auto-estima (Fox, 1998;
Marsh, Perry, Horsely & Roche, 1995). A crença de que os indivíduos podem ter
um elevado número de diferentes auto-percepções em aspectos separados das suas
vidas levou à aceitação do self como uma realidade multi-dimensional. A fase
contemporânea do estudo da auto-estima tem início quando o foco se passa a
centrar directamente nos mecanismos da mudança envolvidos no sistema do self
(Fox, 1997), como acontece no caso dos modelos hierárquicos multi-
dimensionais. A partir dos anos 80, com o progresso registado na avaliação da
auto-estima (Fox, 1998), ficou mais claro que, para a compreensão completa da
natureza e conteúdo da auto-estima de um indivíduo, é necessário aceder às suas
auto-percepções em diferentes domínios da vida. Os modelos hierárquicos multi-
dimensionais da auto-estima sugerem que as auto-avaliações em domínios
específicos estão de algum modo agregadas para formar a auto-estima global.
Neste sentido, o self corporal tem ocupado uma posição única no sistema do self
porque o corpo, através da sua aparência, atributos e capacidades, providencia um
substantivo interface entre o indivíduo e o mundo que o rodeia (Fox, 2000a).
Pesquisas neste domínio (e.g. Fox & Corbin, 1989) têm enfatizado a auto-estima
corporal como um constructo multi-dimensional e hierárquico, fazendo parte da
auto-estima global. Fox (1988, 1990) e Fox e Corbin (1989) sugerem um modelo
hierárquico multi-dimensional da auto-estima que sustenta que existe um nível
global de auto-estima relativamente estável e alto no cume, que é o resultado de
percepções avaliativas em vários domínios, como sejam o académico, o social, o
emocional ou o corporal. Cada domínio considerado representa os efeitos
combinados de percepções de um nível inferior de hierarquia, pelo que, à medida
que se desce na hierarquia, a estabilidade diminui e as facetas se tornam cada vez
mais fraccionadas e específicas de uma dada situação. No modelo apresentado
pelos autores, no caso da auto-estima corporal, considera-se que ela depende de
quatro dimensões: competência desportiva, corpo atraente, força física e condição
física. O modelo é particularmente atractivo, uma vez que sugere um mecanismo
testável, no qual os constructos globais, ainda que mais estáveis e duradouros,
estão abertos a modificações eventuais através de mudanças das auto-percepções
em níveis inferiores.
Fox (1999; 2000a; 2000b) analisou de forma sistemática os estudos em que o
exercício foi utilizado como meio para promoção da auto-estima corporal e outras
importantes auto-percepções como a imagem corporal. Segundo Fox, um aumento
claro da auto-estima não é um produto automático da aplicação de programas de
exercício, no entanto, pode ocorrer com certos regimes de exercício e com certas
pessoas, dependendo da importância que elas atribuem ao exercício. Os efeitos
positivos podem ser experimentados tanto pelo género masculino como pelo
359
feminino e também por todos os grupos etários, se bem que, neste caso, as
alterações mais vincadas ocorram nas crianças e em adultos de meia-idade. Por
outro lado, os programas de exercício devem demorar pelo menos 12 semanas
para que se registem alterações significativas, já que, segundo Fox, um extenso
período de prática garante mais facilmente melhorias fisiológicas que, quando
percebidas pelo sujeito, promovem a melhoria da percepção da sua imagem
corporal. Também os factores de adesão não podem ser dissociados daqueles que
promovem a auto-estima. Condições que tornam os programas de exercício
atraentes, tais como as qualidades do líder ou o ambiente em que se desenrola o
exercício, podem ser críticas para mudanças na auto-estima. Fox refere que o
exercício pode ser utilizado para promoção de auto-percepções corporais
positivas, mas não são claros os mecanismos de tais mudanças.
vida (Danish et al., 1996, citados em Dias, Cruz e Danish, 2001; Danish & Nellen,
1997). Nesta perspectiva, é interessante verificar que as competências de vida e as
competências desportivas têm várias similaridades: ambas são aprendidas da
mesma forma (através da demonstração, modelação e prática), e as competências
aprendidas num domínio são alegadamente transferíveis para outras áreas, dado
que muitas das competências são necessárias para o sucesso em variados
domínios. No entanto, como Danish, Petiptas, e Hale (1990) sublinham, não é o
desporto por si só que ensina competências de vida, mas sim uma experiência
desportiva, quando desenhada de maneira a que os seus participantes possam
valorizar e transferir o que é aprendido no contexto desportivo para outros
domínios, como sejam a escola, casa ou local de trabalho.
Danish e colaboradores (1992, citados em Dias, Cruz & Danish, 2001)
desenvolveram dois programas de intervenção psicológica que visam ensinar
crianças e jovens entre os 10 e os 14 anos a ser bem sucedidos em vários domínios
e contextos das suas vidas: o programa ”Going for the Goal”(GOAL) e o
programa ”Sports United to Promote Education and Recreation”(SUPER). Alguns
dos principais pressupostos e princípios subjacentes ao desenvolvimento destes
programas (Danish, 1997, 1998, 1999, citado em Dias, Cruz & Danish, 2001)
apontam a adolescência como a altura mais apropriada para o ensino de
competências de vida, reforçam a ideia de que as intervenções com adolescentes
devem aumentar os comportamentos de promoção da saúde e, simultaneamente,
diminuir comportamentos de risco que possam comprometer a saúde, e alertam
para o facto de que os jovens em risco não aderem aos programas tradicionais de
promoção da saúde.
O programa GOAL foi desenhado para ensinar a adolescentes um sentido de
controlo pessoal e confiança acerca do seu futuro, de modo a que possam tomar
melhores decisões e em último análise tornar-se melhores cidadãos (Danish,
Nellen, & Owens, 1996). O programa GOAL é normalmente aplicado em
contexto escolar, mas tem sido igualmente ensinado noutros contextos específicos.
O GOAL tem a duração de 10 horas, estruturadas num programa de 10 sessões
cuidadosamente seleccionadas e treinadas com estudantes com sucesso do ensino
secundário ou universitários – que servem, de certo modo, como imagem e
modelo para os adolescentes – e que posteriormente efectuam o enquadramento
das sessões a grupos de cerca de 15 crianças ou jovens. Alguns dos principais
resultados da investigação conduzida sobre o programa GOAL indicam que: os
participantes aprendem a informação ensinada no programa; os participantes têm
a capacidade de atingir os objectivos que estabelecem; os rapazes participantes
não reportam o mesmo aumento de comportamentos comprometedores para a
saúde (e.g. beber álcool ou fumar) como nos grupos de controlo; e que os
participantes consideram o programa GOAL divertido, útil, importante, e algo que
362
também poderia ajudar os seus amigos (Danish, & Nellen, 1997). Os autores do
programa reconhecem, no entanto, que o GOAL será uma intervenção mais
efectiva quando complementada por outras intervenções que tenham como alvo
comportamentos específicos que comprometam a saúde (Danish, & Nellen, 1997).
O programa GOAL foi o percursor do programa SUPER que utiliza o desporto
como um meio privilegiado de ensino de competências de vida a alunos-atletas e
simultaneamente pretende melhorar as suas capacidades e competências
desportivas, estabelecendo como objectivos a compreensão por parte dos
participantes de que (Danish, & Nellen, 1997): (1) existem alunos-atletas eficazes
e acessíveis que se apresentam como modelos; (2) as competências físicas e
psicológicas são importantes tanto no desporto como na vida; (3) é importante
estabelecer e atingir objectivos no desporto; (4) é importante estabelecer e atingir
objectivos na vida; e (5) os obstáculos para alcançar os objectivos traçados podem
ser ultrapassados. Desta forma, o programa SUPER baseia-se na premissa de que
as competências desportivas aprendidas no programa podem passar a ser
utilizadas em outros contextos, e que as competências de vida aprendidas, por
extensão também podem passar a ser usadas no desporto. Complementarmente,
quando os jovens atletas reconhecem que as competências mentais que possuem
são críticas para o seu sucesso no desporto, não só melhoram o seu desempenho
desportivo mas, sobretudo, estão em posição de transferir essas competências para
outras áreas da sua vida (Danish, & Nellen, 1997; Danish, Nellen, & Owens,
1996).
O treino dos jovens líderes varia entre 10 e 20 horas, durante as quais participam
em sessões sobre comunicação a grupos, organização de uma intervenção, ensino
de competências desportivas e de vida (as suas similaridades e diferenças),
transferência de competências entre áreas diferentes mas similares, e trabalho
efectivo com equipas incluindo tanto pares como adultos (Danish, & Nellen,
1997). Após esta fase, os líderes do programa SUPER são envolvidos em três
conjuntos de actividades com os seus pares mais novos, leccionando competências
desportivas relacionadas com desportos específicos, treinando os estudantes de
modo a que melhorem o seu desempenho desportivo e ensinando competências de
vida relacionadas com o desporto (Danish, & Nellen, 1997).
1
É o caso da Internacional Consensus Conference on Physical Activity Guidelines for Adolescents, que resultou no
estabelecimento de orientações para a promoção da actividade física em adolescentes, e contou com a participação de
especialistas e representantes de organizações de organizações científicas e governamentais (Sallis & Patrick, 1994).
364
1995; Palmi & Martín, 1997): (1) o prazer intrínseco e as profundas emoções e
sensações que suscitam; (2) o seu carácter flexível e ecléctico, como o ritmo do
nosso tempo; (3) o seu novo simbolismo; (4) os sentimentos de competência que
geram (i.e. a possibilidade de realizar tarefas arriscadas com elementos de
incerteza, ultrapassando com êxito uma tarefa difícil para outros); (5) superação
dos próprios limites; e (6) são actividades que se desenrolam num envolvimento
muito particular, com conotações subjectivas, como sejam o contacto com a
natureza e sensação de liberdade. Como refere Feixa (1995, citado em Gimeno,
Puente Fra, Montesinhos & Millán, 2000), existem notáveis convergências entre
os desportos de aventura e o imaginário da cultura juvenil, já que, em ambos os
casos, existe uma exaltação do corpo, do risco, da velocidade, da excitação e do
viver o presente a todo o custo. Talvez por isso, os desportos de aventura e risco
sejam habitualmente menos aceites e pouco reforçados socialmente por parte dos
adultos significativos do praticante (pais, professores, etc.), no entanto, jogam um
papel importante como agentes socializadores, permitindo ao jovem o reforço das
suas percepções de competência e um aspecto mais adulto e autónomo (Gombau
& Chirívella, 2001). Devidamente enquadrados, alguns dos aspectos apontados
fazem deste tipo de actividades um meio de educação motivante e privilegiado.
Para autores como Delignières (1999) ou Palmi e Martín (1997), os desportos de
aventura são um tipo de actividade física com importante carga de incerteza
(objectiva e subjectiva) e conotação com o desafio (busca do próprio limite e
superação de si mesmo). A prática destas actividades implica uma importante
carga psicológica na medida em que acarretam uma busca contínua do equilíbrio
óptimo entre a competência pessoal (percebida) e o envolvimento em ocasiões
desafiantes que permitem ao sujeito a avaliação da sua auto-eficácia (Delignières,
1999; Palmi & Martín, 1997). Por conseguinte, elementos de risco, perigo, desafio
e competência são aspectos centrais dos desportos de aventura. Importa clarificar
alguns dos conceitos habitualmente associados a estas práticas.
A competência, aqui, é entendida como a experiência ou a mestria que sobre o
envolvimento, ou especificamente sobre uma habilidade a executar. O perigo
”advém de uma situação criada pelo meio ou pelo próprio praticante, situação essa
que pode conduzir ao acidente”(Botelho, 2002, p. 75). Este conceito distingue-se
portanto do de risco, que é entendido como ”uma noção subjectiva que se liga à
interpretação do perigo que o indivíduo elabora quando confrontado com uma
situação desconhecida ou não habitual”(Botelho, 2002, p. 75). De uma forma mais
abrangente, o termo risco refere-se simplesmente ao potencial de perca de algo de
valor que, em caso de falha do resultado, pode tomar a forma de lesão física,
défice na estima social ou na auto-estima (Martin & Priest, 1986, citado em
Robinson, 1992). Nesta perspectiva, o risco considera o perigo de perca real ou
percebida (risco objectivo/risco percebido), podendo ser entendido desde um tipo
366
sendo antes uma prática ocasional. Esta pode ser uma forma de usufruir deste tipo
de actividades já que realizar uma actividade de aventura pode proporcionar uma
satisfação efémera a quem a pratica. No entanto, esta é apenas a forma mais
imediata de abordar a questão, já que poucas mais-valias se podem retirar deste
modo de encarar a prática dos desportos de aventura. Para que este tipo de
actividades assuma um verdadeiro interesse pedagógico e produza impacto
profundo nos participantes, é necessário que seja visto sob uma perspectiva
totalmente diferente. Todas as intervenções a este nível, para que surtam efeito,
devem ser delineadas com os objectivos esperados claramente definidos, e através
dos quais seja possível adquirir e melhorar competências pelo que, para tal, devem
ser enquadradas por professores com formação específica e vastos conhecimentos
das regras de segurança inerentes às actividades. Por outro lado, devem distinguir-
se as situações de prática individual, onde o risco é assumido individualmente,
daquelas em que existe um enquadramento colectivo das actividades, como se
passa no contexto escolar.
2
A primeira instituição a ministrar um programa Outward Bound foi fundada por Kurt Hahn na Escócia em 1941 e os
principais objectivos visavam o treino de jovens marinheiros Britânicos, de modo a que resistissem aos perigos da guerra,
através do desenvolvimento do seu potencial e uma de forte vontade de sobreviver. Actualmente os programas Outward
Bound destinam-se sobretudo, mas não exclusivamente, a adolescentes e jovens adultos que em pequenos grupos
desenvolvem actividades muito exigentes tanto em termos físicos como psicológicos, visando a melhoria da aptidão física,
incluindo longas caminhadas, corrida de crosse, escalada em rocha, canoagem em águas bravas, e outras actividades
vigorosas. O estabelecimento e a realização de objectivos individuais e de grupo em actividades de aventura, assim como a
oportunidade de experimentar e lidar com situações stressantes são igualmente componentes fundamentais dos programas
Outward Bound (Marsh, Richards & Barnes, 1986).
369
verificaram que os adolescentes mais velhos eram aqueles que apresentavam mais
frequentes sintomas de mal-estar físico e psicológico, menos auto-confiança e
mais fraca imagem pessoal, comparativamente aos mais novos que, mais
frequentemente, afirmavam sentir-se confiantes e felizes. A importância atribuída
pelos participantes aos componentes relevantes da auto-estima corporal, assim
como ao programa em geral, parece ter tido um efeito positivo no seu
comportamento (elevada adesão, motivação e empenho nas actividades, ou
inexistência de problemas de disciplina), mas para os autores é provável que os
participantes tenham passado a ser mais críticos consigo próprios nas áreas em
que se sentiam importantes, podendo este facto ter assumido um efeito limitador
nas auto-percepções. Aparentemente, o leque alargado de actividades do
Programa de Desporto Aventura parece ter desempenhado um fortíssimo factor
de motivação dos sujeitos, como atesta o reduzido número de abandonos ou de
alunos que não cumpriram o número mínimo de sessões estipulado, bem como
pelo facto de a unanimidade dos sujeitos se mostrar interessada em voltar a
participar num programa semelhante, revelando-se portanto motivados para a
manutenção da prática deste tipo de desportos. Os motivos adiantados pelos
participantes e pelos quais voltariam a participar relacionaram-se com o desafio
que o programa lhes proporcionou, com as melhorias sentidas em termos de
competência, assim como com aspectos relativos ao divertimento e ao
envolvimento natural onde decorreram as actividades. A partir dos resultados
obtidos e dos relatos de satisfação dos participantes relativamente à qualidade
geral do programa e das diversas actividades praticadas, Bernardo e Matos
sugerem que programas semelhantes de desporto aventura (i.e. desenvolvidos em
meio natural, fora do contexto do dia-a-dia, que favoreçam o desafio e a superação
pessoal, a aprendizagem de novas capacidades, a melhoria da condição física,
num ambiente de divertimento), podem ser uma forma inovadora, interessante e
motivante de desenvolvimento das auto-percepções e de promoção da actividade
física entre os adolescentes.
Conclusões
É na adolescência que se determinam, em larga escala, os comportamentos de
saúde e estilos de vida na idade adulta. O défice em competências pessoais e
sociais e o não envolvimento suficiente em actividade física de modo a que esta
possa ser associada a benefícios na saúde comprometem o desenvolvimento
integral de um número crescente de adolescentes. Claramente, ”Usar o desporto
para ensinar competências de vida não é a resposta; nada é.”(Danish & Nellen
1997, p. 111), assim como não o serão por si só, quaisquer dos programas de
intervenção anteriormente descritos, mas são estas as respostas que
investigadores, professores e restantes educadores têm para dar e que,
372
Referências
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374
Método
Participantes
Foi utilizada uma amostra de conveniência constituída por 16 alunos de uma
escola do 2º e 3º ciclos do ensino básico. Destes, 8 alunos apresentavam
comportamentos anti-sociais (CCAS) e 8 alunos foram identificados sem
comportamentos anti-sociais (SCAS). A selecção da amostra baseou-se na
sinalização efectuada pelos professores e pela psicóloga com base nos critérios de
aproveitamento escolar (mau aproveitamento escolar, com reprovações e
frequência do 5º ou 6º ano, para a amostra CCAS; bom aproveitamento escolar e
frequência do 8º ano, para a amostra SCAS), de comportamento na escola (com
participações disciplinares para a amostra CCAS, sem participações disciplinares
para a amostra SCAS), de participações no Tribunal de Menores por prática de
factos qualificados como crime (só para a amostra CCAS) e enquadramento sócio-
familiar (residentes em bairro de realojamento, precariedade económica e fraco
apoio familiar para a amostra com comportamentos anti-sociais: CCAS, com
apoio familiar e sem evidência de precariedade económica para a amostra sem
comportamentos anti-sociais: SCAS). Os jovens tinham idades entre os 13 e os 15
anos, género masculino, sem hábitos aditivos.
Instrumentos
Foi utilizada uma entrevista semi-estruturada cujas questões se basearam em
constructos paralelos entre a matriz teórica sócio-cognitiva e a matriz teórica
psicanalítica. A entrevista compõe-se de quatro partes:
(I) Integração Escolar e Familiar - com quatro questões abertas e genéricas sobre a
integração escolar (aproveitamento, relações com os colegas e professores,
comportamento, motivação para as actividades escolares e resolução de
problemas) e sobre a família (relações familiares, regras educativas, condições
socioeconómicas), para avaliar a forma como o jovem percepciona a escola e a
família e que estilo de comportamento utiliza nas relações com os pares e adultos.
(II) Problemas do Adolescente - com seis itens da versão traduzida de
Adolescente Problems Inventory – Short Form (API-SF; Gibbs et al., 1995) que
representa uma simplificação e adaptação da API original (Freedman, Rosenthal,
Donahue, Schlundt, & McFall, 1978). A API foi desenhada com o intuito de
fornecer um perfil de respostas dos jovens a um leque de situações sociais,
383
Procedimento
As entrevistas foram administradas individual e oralmente no gabinete do Serviço
de Psicologia e Orientação da escola, tendo sido, em média, despendidos entre 45-
60 minutos com cada indivíduo. As questões foram aprofundadas ou reformuladas
directamente pelo entrevistador, sendo pedido ao jovem que explicasse a sua
situação e o que fazia mais frequentemente nas questões genéricas sobre a
integração escolar e familiar (parte I - Integração Escolar e Familiar); que se
imaginasse nas situações e dissesse o que diria ou faria se fosse confrontado com
a situação (parte II - Problemas do Adolescente): ”Vou-te apresentar algumas
situações e imagina que és tu que estás nessas situações. Vais dizer-me em
seguida o que dizias ou fazias”; que exprimisse a sua opinião sobre os seus
problemas de comportamento e o seu futuro (parte III - Atitudes Face à Lei e ao
Futuro); que desse a sua opinião sobre as causas da delinquência, e em seguida,
escolhesse uma das duas opções explicativas (parte IV - Explicações da
Delinquência): ”Vou apresentar-te algumas questões sobre alguns problemas que
os jovens podem ter. Gostaria que primeiro desses a tua opinião e depois
escolhesses em duas respostas aquela que te pareça mais indicada para explicação
384
Resultados
Para a compreensão do discurso dos indivíduos de acordo com as matrizes
teóricas sócio-cognitiva e psicanalítica, as repostas foram submetidas a uma
análise de conteúdo.
À parte (I – Integração Escolar e Familiar), os do grupo com comportamentos
anti-sociais (CCAS) responderam, genericamente, que se sentiam bem na escola,
mas que não gostavam dos professores “são chatos”, “culpam de tudo”, “falam
de mais...são fofoqueiros”. Alguns salientaram uma boa relação só com um
professor. Todos assumiram que as avaliações eram más, que não iam às aulas,
mas que gostavam dos colegas. O grupo sem comportamentos anti-sociais
(SCAS) respondeu, no geral, que a escola corria bem, o aproveitamento era bom e
as relações com os colegas e professores igualmente boas. O grupo CCAS
apresentou soluções para a resolução de problemas com colegas e professores
entre o estilo passivo e agressivo: “não digo nada e vou para a rua”, “dei um
pontapé na porta”, “já tratei mal os outros”. O grupo SCAS apresentou
maioritariamente soluções de tipo assertivo: “falo, para ficar mais calmo”, “não
dou razões para embirrar”, “nem tentei baixar o meu nível...”.
Tanto o grupo CCAS como o SCAS, descreveu as relações familiares de uma
forma idealizada “(a família) estão muito tempo juntos”, “nunca houve
problemas”, apresentando, nos dois grupos, relações preferenciais no seio da
família, com a mãe ou um irmão. O grupo CCAS fez descrições mais simplistas
da família “é boa como as outras”, “é direita”, “é normal”.
Em relação à parte (II – Problemas do Adolescente), o grupo CCAS apresentou
respostas menos elaboradas que variaram predominantemente, entre a passividade
e a hostilidade. Os indivíduos do grupo SCAS deram respostas mais elaboradas,
apresentando tentativas de negociação e assinalando valores morais éticos.
Na parte (III – Atitudes Face à Lei e ao Futuro), as respostas foram idênticas nos
dois grupos, em relação à questão sobre os problemas com a lei, variando entre a
resposta negativa (não tem problemas) e a resposta positiva (tem problemas), sem
especificar, no geral, qual o problema.
À questão sobre os problemas com os outros, o grupo CCAS deu,
maioritariamente, respostas simplistas, afirmando que resolviam a falar, ou
apresentando soluções numa via mais agressiva: “chamo nomes para ofender”,
“luto para o meter no seu lugar”, “fico logo nervoso e alguém leva pancada”. O
grupo SCAS respondeu maioritariamente de uma forma mais elaborada, optando
por soluções mais assertivas: “se faz sentido o conflito, tento resolver” ou
encontram soluções numa via de assertividade escalonada, em que a agressividade
aparece como último recurso: “se a pessoa interfere com aquilo que eu tenho
385
mais respeito...se tiver de partir para a agressividade, vou mesmo”, “se eu estiver
certo e eles errados, eles é que terão que vir ter comigo”.
À questão sobre o seu futuro, ambos os grupos associaram, no geral, o futuro à
profissão, embora o grupo CCAS, tivesse dado respostas idealizadas sem
possibilidades reais de concretização: ”queria ser presidente, ganha-se muito
bem”, a maioria respondeu que queria ser futebolista, embora não praticasse com
regularidade ou empenho, e o grupo SCAS escolhesse essencialmente profissões
relacionadas com a actividade laboral dos pais.
Em relação à questão sobre as soluções para o comportamento delinquente, o
grupo CCAS respondeu, em alguns casos, que não sabia e em outros, remeteu a
solução para a frequência da escola ou o abandono do grupo de pares com
comportamentos desviantes: “parar de andar com colegas maus” ou ainda, sem
apresentar solução: “desistir da escola porque já baldava, mais valia desistir”. O
grupo SCCA encontrou, na sua maioria, soluções que passaram por um pedido de
ajuda aos pais, familiares ou outros: “procurar ajuda de um psicólogo”,
“consultar um médico”.
À questão sobre o futuro de um jovem delinquente, ambos os grupos foram
unânimes em afirmar a ausência de um projecto de futuro: “não tinha futuro”
(CCAS) ou acentuando as más expectativas: “estar lá dentro da prisão, quando
saísse, ia para as obras” (CCAS), “dirigia-me para um hospital, onde ficasse
fechado...” (SCAS).
Em relação à parte (IV – Explicações da Delinquência), comparamos as respostas
de escolha alternativa dadas pelos dois grupos, utilizando o teste Qui-quadrado.
Não foram evidenciadas diferenças significativas entre os grupos nas escolhas
assumidas (χ2(1)=0.11; p=0.736).
Comparando as respostas a cada pergunta, relativamente aos modelos escolhidos e
utilizando o Qui-quadrado na comparação pergunta a pergunta, evidenciaram-se
diferenças estatisticamente significativas em três questões. A questão que associa,
para o Modelo Sócio-Cognitivo, a dificuldade de previsão de consequências:
“porque não pensa bem nas situações em que se mete, não pensa nas
consequências do que faz?”, e para o Modelo Psicanalítico, a angústia: “porque
tem medo de alguma coisa que não sabe bem o que é, e, por isso, parte para a
violência?”, o resultado foi de 93.75% para a escolha referente ao Modelo Sócio-
Cognitivo, evidenciando uma diferença significativa (χ2(1)=5.14; p=0.02). A
questão que para o Modelo Sócio-Cognitivo, está associada a aprendizagem
social: “porque aprendeu com os outros que o uso da violência é um bom meio
para resolver os problemas?”, e para o Modelo Psicanalítico, a falha na função
contentora: “porque quando era criança, a mãe não lhe ligava muito e por isso não
lhe mostrou que ele podia vir a ser um bom rapaz?”, o resultado foi de 93.75%
para a escolha do Modelo Sócio-Cognitivo, evidenciando uma diferença
386
Discussão
Com o objectivo de compreender o discurso dos jovens de acordo com as matrizes
teóricas psicanalítica e sócio-cognitiva, as respostas abertas foram submetidas a
uma análise de conteúdo e as respostas de escolha alternativa entre o Modelo
Sócio-Cognitivo e o Modelo Psicanalítico, foram comparadas.
Na análise efectuada, evidenciam-se diferenças entre os grupos no tipo de
argumentos utilizados nas respostas, na forma de expressão verbal e nas soluções
apresentadas. O grupo sem comportamentos anti-sociais (SCAS) apresentou um
discurso mais elaborado, enquanto o grupo com comportamentos anti-sociais
(CCAS) manifestou-se fruste na elaboração do discurso e coartado no
pensamento. A pobreza da verbalização e das ideias é interpretada segundo o
Modelo Psicanalítico, como a incapacidade de simbolizar, de aceder à
representação, comprometendo o pensamento, que se mantém ligado ao real de
forma rígida, como foi sugerido na revisão da literatura. Por outro lado, a falta de
hábito de gestão das situações através das palavras encontra, no Modelo Sócio-
Cognitivo, a explicação na ausência de modelos parentais que estimulem a
387
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392
Anexo
tornam-se violentos?
Ou quando alguns jovens querem muito alguma coisa que não conseguem
alcançar, acabam por reagir com violência pois acham que essa é a única
forma de a obterem?
9-O que é que achas que deve fazer um jovem tem problemas relacionados com a
violência, roubos, faltas às aulas?
Pedir ajuda aos adultos e dizer-lhes que precisa de ser compreendido e de
ter carinho?
Ou pensar melhor nas consequências dos seus actos?
397
Introdução
O presente estudo refere-se à aplicação de um Programa de Promoção de
Competências Sociais (Matos, 1998) a jovens sujeitos a medidas tutelares pelo
Tribunal de Menores do Sistema de Justiça Português (Matos, Simões &
Carvalhosa, 2001). Este programa, com o enquadramento teórico referido, visa a
promoção de competências de relacionamento interpessoal como estratégia
preventiva do desajustamento social e pessoal e como estratégia de promoção da
facilitação da inserção sócio-escolar ou laboral, e abrangeu as seguintes áreas:
1) Competências de comunicação interpessoal verbal e não verbal;
2) Competências emocionais (identificação e gestão de emoções)
3) Competências cognitivas de identificação e solução de problemas, gestão de
conflitos e tomada de decisões;
4) Competências sociais (dar e pedir ajuda, expressar opiniões, expressar
sentimentos, expressar acordo e desacordo, defender ideias, defender direitos
próprios, resistir à pressão de pares, ver o ponto de vista do outro, negociar,
manter uma conversa, lidar com o fracasso e a exclusão, lidar com a ira, lidar com
o stress).
Incluiu ainda a formação de técnicos com vista à autonomia de agentes do sistema
judicial no desenvolvimento de novas acções de intervenção no âmbito do
trabalho de acompanhamento de menores na comunidade.
Metodologia
Estudo 1
Sujeitos
Participaram neste estudo 13 menores, do género masculino, com idades
compreendidas entre os 14 e os 16 anos, sujeitos a medidas de acompanhamento,
sem hábitos aditivos, que apresentavam perturbações no comportamento social
traduzidas em comportamentos desviantes. A maioria destes jovens tem o 5º ano
de escolaridade, vive com ambos os progenitores, tem uma situação económica
familiar precária e uma habitação também precária. O grande motivo que os
conduziu ao Instituto de Reinserção Social (IRS), foi o comportamento anti-
social. O projecto foi iniciado com 13 jovens, tendo sido conseguida, ao longo do
seu decurso, uma participação regular de 8 jovens.
Procedimentos
O trabalho realizou-se nas instalações da Faculdade de Motricidade Humana ao
longo de 23 sessões durante o ano lectivo, em sessões semanais de 90 minutos. A
410
selecção dos jovens foi feita pelos técnicos do IRS que os acompanham. Foi dito
aos jovens que a sua participação tinha carácter voluntário e que os dados
recolhidos eram confidenciais. Foram-lhes pagas as deslocações. Participaram
neste estudo seis técnicos formados no programa de Promoção de Competência
Sociais (Matos, 1998; Matos, Simões, & Carvalhosa, 2001).
O programa está integrado num projecto que visa a prevenção dos problemas de
comportamento social nos jovens. Através de um conjunto de exercícios de
carácter lúdico e da utilização de estratégias de discussão em grupo pretende-se
facilitar, nestes jovens, o reconhecimento das suas capacidades e a possibilidade
de as aplicar no seu relacionamento com o envolvimento social (escola, casa e
grupo social). O programa foi adaptado às características destes jovens, tanto nas
competências trabalhadas como nas metodologias utilizadas, tendo em conta as
suas necessidades sociais, características de aprendizagem e características
motivacionais. Foram trabalhadas essencialmente duas componentes do programa:
resolução de problemas e treino da assertividade.
As sessões tiveram uma regularidade semanal, segundo a seguinte estrutura base:
- Diálogo inicial em pequeno grupo (grupos de dois a três jovens com um técnico)
- em que é revisto o trabalho da última sessão e discutida a aplicação na vida
diária das situações trabalhadas na sessão anterior.
- Jogo de cooperação em grande grupo (todos os elementos) - em que se pretende
promover a entre-ajuda e união de acções para a prossecução de objectivos
comuns.
- Trabalho das competências em pequeno grupo (grupos de dois a três jovens com
um técnico) - em que são propostas situações específicas relacionadas com as
componentes do programa que estão a ser trabalhadas.
- Jogo de regras em grande grupo – em que se pretende identificar a regra como
estrutura organizadora de um trabalho de equipa.
- Relaxação em pequeno grupo - momento de retorno à calma, controlo da
respiração, controlo da ansiedade/agressividade e consciencialização corporal.
- Diálogo final e trabalho de casa em pequeno grupo - em que se faz uma reflexão
sobre a sessão e se atribui trabalho de casa (identificação, análise, transferência e
aplicação à vida diária das situações aprendidas na sessão).
Foram também proporcionadas algumas sessões com estrutura e contexto
diferentes com o objectivo de envolver os pais e a comunidade: jantar com os
pais, saídas ao exterior e festa final.
A avaliação inicial realizou-se na segunda sessão; a avaliação contínua foi
realizada sessão a sessão. A avaliação inicial não foi tomada em consideração para
a avaliação do programa dada a dificuldade e oposição dos jovens ao
preenchimento dos questionários. Os resultados que referiremos para a avaliação
do programa, dizem respeito à avaliação contínua.
411
Instrumentos de avaliação
Os dados relativos à caracterização dos sujeitos (idade, escolaridade, com quem
vivem, situação familiar económica e profissional, habitação e motivações) foram
fornecidos pelo IRS. Os sujeitos foram avaliados nas sessões iniciais, através do
preenchimento de instrumentos de auto-avaliação. Esta avaliação não foi levada
em consideração por problemas vários relacionados com o preenchimento dos
questionários.
Profile Of Moods States (POMS). Foi desenvolvido por McNair e cols. (1971)
para identificar e avaliar estados afectivos transitórios e flutuantes. Foi utilizado o
inventário da versão em Língua Portuguesa - Perfil de Estados de Humor
(Azevedo, Silva e Veiga, 1992).
Estratégias de Coping. Versão traduzida em português da versão francesa
desenvolvida por Graziani, Rusinek, Servant, Hautekeete-Sence, e Hautekeete
(1998) do original de Folkman e Lazarus (1985 in Graziani et al., 1998).
Escala AQ. É um dos questionários mais utilizados sobre agressividade. Foi
utilizada uma versão traduzida em português da escala original desenvolvida por
Buss e Perry (1992), que através de uma análise factorial produziu 4 escalas:
agressividade física, agressividade verbal, ira e hostilidade.
Escala de Ajustamento Social. Instrumento construído e desenvolvido pela
Aventura Social/FMH (Matos et al., 1995) com o objectivo de verificar o tipo de
respostas comportamentais dos indivíduos perante situações do dia-a-dia. É uma
banda desenhada com 14 situações. Todas as respostas implicam escolha de uma
de três opções apresentadas. A cada resposta dada é atribuído um valor:
“agressiva”, “inibida” ou “assertiva”.
A avaliação contínua foi realizada com os seguintes instrumentos:
Grelha de avaliação diária (pelos técnicos) - avalia o comportamento do sujeito na
sessão em vários itens: 1) participação, 2) comportamento interpessoal em relação
ao grupo, 3) comportamento interpessoal em relação aos técnicos, 4) reacção ao
insucesso, 5) centração nas tarefas, 6) agitação e 7) distracção, numa escala de 1
(deficitário) a 5 (excelente). Esta avaliação foi considerada parcelarmente e como
avaliação global do ”comportamento social” sempre que a consistência interna
dos itens o permitiu.
Auto-avaliação (pelos jovens) - realizada no final de cada sessão, consiste no
registo de 1) comportamento durante a sessão e 2) agrado ou desagrado por esse
comportamento numa escala de 1 (Mau) a 3 (Bom).
Resultados
A maioria dos jovens que comete actos anti-sociais apresenta lacunas nas
competências interpessoais e pessoais a nível comportamental e cognitivo. Para
412
Metodologia
Amostra
A partir de um universo inicial de 113 jovens, foram seleccionados aleatoriamente
16 jovens por equipa, num total de 90 menores, do sexo masculino, com idades
compreendidas entre os 12 e os 18 anos de idade, sem graves problemas de
consumo de drogas. Numa primeira descrição da amostra verificamos uma maior
percentagem de jovens com 15 anos (27%), sendo a média de idade de 15.2 anos,
um maior número de jovens de nacionalidade portuguesa (92%) e com um
agregado familiar constituído por 5 pessoas. A escolaridade varia entre o 3º e o 8º
ano, embora a maioria dos jovens (38.8%) tenha o 4º ano de escolaridade. Dos
jovens que têm processo tutelar (58%) o motivo mais referido é o “furto”. Dos
jovens que têm medida tutelar (42%) a mais referida é o “acompanhamento
educativo”. Em relação à história de consumo de substâncias, o tabaco é referido
como o mais consumido e depois o álcool: afirmam fumar tabaco 48.6% dos
jovens e 7.3% afirmam beber álcool. O consumo de drogas ilícitas não foi
assinalado por nenhum jovem. Como já referimos, este critério (não consumo
regular de drogas) foi um dos requisitos na selecção da amostra.
De acordo com a opinião dos técnicos, os jovens foram caracterizados, numa
escala de 1 a 5, nas seguintes áreas: capacidade de verbalização - vocabulário e
organização da frase, comportamento (empático, indiferente, inibido, hostil,
agitado) e agressividade (reactiva - quando é provocado, e pró-activa - inicia
provocações). A capacidade de verbalização (tanto para o vocabulário como para
a organização da frase) situou-se num nível considerado médio/inferior, bem
como o comportamento empático. Em relação à agitação e às manifestações
agressivas, grande parte dos jovens apresenta, quase sempre, um comportamento
agitado e reage agressivamente nomeadamente quando provocado.
Procedimentos
O estudo incluiu uma formação para Técnicos do IRS. A formação incluiu um
primeiro nível, 17 profissionais e técnicos do IRS, um segundo nível, 29 técnicos.
A partir desta formação foram elaborados e implementados seis projectos-piloto
do “Programa de Promoção de Competências Sociais” realizados a nível nacional
por técnicos do IRS e respectivas parcerias. Participaram no estudo 6 Projectos de
diferentes regiões do país. As 23 sessões decorreram durante 6 meses, em sessões
semanais de 90 minutos.
Programa de intervenção
O programa proposto e utilizado foi o mesmo que para o estudo 1, embora tivesse
sido levado a cabo pelos técnicos de reinserção social após formação e com
supervisão.
Instrumentos de avaliação
Foi realizada uma avaliação aos jovens, aos pais e aos técnicos participantes.
414
Auto-avaliação
- Questionário de Agressividade (Buss & Perry, 1992, tradução e adaptação de
Matos, Simões, Carvalhosa & Reis, 1999). Os itens estão distribuídos por quatro
escalas, destinadas a avaliar tipos específicos de agressividade: agressividade
física , agressividade verbal, ira e hostilidade.
- Inventário de Resolução de Problemas Sociais. Inventário de Dugas, Ladouceur,
e Freeston (1996, tradução e adaptação de Matos, Simões, Carvalhosa, & Reis,
1999).
- Escala de Resiliência. A escala de Resiliência de Grotberg (1995, tradução e
adaptação de Matos, Simões, Carvalhosa, & Reis, 1999) é constituída por um
conjunto de 15 itens agrupados em 2 áreas: "Eu tenho" e "Eu sou capaz"
- Escala de Competências Sociais. O questionário utilizado é a versão adaptada de
Goldstein (1980, tradução e adaptação de Matos, Simões, Carvalhosa, & Reis,
1999), constituído por uma listagem de 18 itens apresentada numa escala de 5
pontos.
- Escalas de Auto-conceito (Harter, 1988, tradução e adaptação de Matos, Simões,
Carvalhosa, & Reis, 1999), Auto-eficácia (Schwartz, 1993, tradução e adaptação
de Matos, Simões, Carvalhosa, & Reis, 1999) e Satisfação com a vida (Huebner,
1991, tradução e adaptação de Matos, Simões, Carvalhosa, & Reis, 1999).
Listagem de 16 itens relativos a duas áreas auto-eficácia e satisfação com a vida.
- Questionário de Comportamentos Delinquentes e de Lazer. Listagem de
comportamentos delinquentes (12 itens) que alternam com situações de ocupação
de tempos livres (11 itens) (Vieira, 1999).
- Psychopathy Screening Device (PSD). A escala de Psicopatia (EAP) (Frick &
Ellis, 1999, tradução e adaptação de Matos, Simões, Carvalhosa, & Reis, 1999) é
uma listagem de 20 situações apresentadas numa escala de 3 pontos (0 = nunca é
verdade; 1 = às vezes é verdade; 2 = é sempre verdade). Dezoito destas fazem
parte de 3 sub-escalas: narcisismo, impulsividade e não-emotividade.
- Tipo de família. Avaliado pelos 14 itens utilizados por Vieira (1999), a partir do
estudo de Wu e Kendal (1995). Esta escala divide-se em três sub-escalas: família
envolvente/permissiva (com 6 itens, ex.: “Recebo elogios e/ou sou encorajado”),
415
família punitiva (com 5 itens, ex.: “Mandam-me para o quarto quando algo corre
mal”) e família com regras (com 3 itens, ex.: “Dizem-me que não consuma
drogas”).
- Questões Health Behavior in School-aged Children (Currie, Hurrelmann,
Settertobulte, Smith, & Todd, 2000; Matos, Simões, Carvalhosa, Reis, & Canha,
2000). Conjunto de 34 questões retiradas do estudo nacional HBSC 1996-1998,
com foco em vários comportamentos de saúde – expectativas futuras, ambiente na
escola, história de consumos, bem-estar e apoio familiar, queixas psicológicas e
somáticas, crenças e atitudes face ao VIH/SIDA.
Avaliação Contínua
- A avaliação contínua foi realizada pelos técnicos presentes nas sessões através
de uma grelha de avaliação diária do comportamento do sujeito na sessão em
vários itens: participação, permanência e empenho nas tarefas; agressividade e
isolamento /inibição face aos técnicos; agressividade e desistência /desalento face
aos outros jovens; agressividade e desistência /desalento face ao fracasso;
participação, agitação, distracção, isolamento, agressividade e perturbação no
Global da sessão.
Avaliação Final/Processo
Questionário aos jovens contendo 18 perguntas com o objectivo de perceber
aquilo que consideraram ter aprendido até à altura, no âmbito das competências
sociais, com este programa. As perguntas apresentadas eram sobre conteúdos
trabalhados ao longo do projecto: 3 questões da área da Comunicação
Interpessoal, 3 sobre a Resolução de Problemas, 3 do Treino da Assertividade e 9
sobre tarefas não relacionadas com o programa.
416
Comportamentos Violentos
Em relação a provocações ocorridas, 76% dos jovens referem que já foram
provocados e também 73% já provocaram outros. Quando questionados sobre o
envolvimento em lutas nos últimos 12 meses, 43% dos jovens diz que esteve
envolvido 4 ou mais vezes mas não sofreu nenhuma lesão (84%).
Comparando estes resultados com os resultado do estudo HBSC realizado no ano
de 1998, em 191 escolas nacionais (Matos, Simões, Carvalhosa, Reis & Canha,
2000) sobre a saúde dos adolescentes portugueses, englobando 6903 jovens com
idades entre os 11 e os 16 anos, podemos observar que os jovens do presente
estudo (amostra IRS) tencionam mais frequentemente arranjar emprego ou
realizar uma formação profissional, enquanto que os jovens da amostra nacional
(amostra HBSC) tencionam prosseguir estudos ou ter estudos orientados para a
vida activa. Uma maior percentagem nos jovens do HBSC diz que gosta da escola.
Na amostra nacional HBSC, é muito inferior a percentagem de jovens que não
tem ou não vê o pai. Uma maior percentagem de jovens do IRS refere ser
provocado e provocar os colegas, refere ainda ter-se envolvido em lutas nos
últimos 12 meses e refere também ter andado com armas nos últimos 30 dias. Os
jovens da amostra do IRS referem ainda com mais frequência consumos de álcool,
tabaco e drogas. Referem com maior frequência a companhia dos amigos depois
das aulas ou do trabalho, duas ou mais vezes por semana. Em síntese, menor
relação com a família e escola, laços mais próximos com os pares em contexto
extra-escolar, maior envolvimento em situações de violência e maiores consumos
de álcool, tabaco e droga se comparados com os resultados nacionais (Matos et
al., 2000).
Avaliação contínua
A avaliação contínua foi realizada através do preenchimento de uma ficha em
cada sessão, em que se avaliava o comportamento do aluno numa escala de 1
(mau) a 5 (bom). O padrão de resultados sugere uma ligeira, mas sistemática,
melhoria nos vários indicadores do comportamento, face à tarefa, face ao técnico
e face aos colegas.
Avaliação final
Cerca de dois terços dos jovens refere que com o projecto aprendeu a “falar
melhor com as outras pessoas”, a “pensar mais antes de resolver um problema”, a
“falar com menos agressividade”. Estes dados sugerem que os jovens gostaram
419
Avaliação final-Processo
Foi pedido aos jovens que, de uma lista de 18 tarefas, assinalassem as que tinham
aprendido com o Programa de Promoção de Competências Sociais. Da totalidade
das tarefas apresentadas: 3 correspondiam aos aspectos trabalhados no conteúdo
da Comunicação Interpessoal, 3 ao conteúdo da Solução de Problemas, 3 ao
conteúdo do Treino da Assertividade e 9 eram tarefas que não se relacionavam
com o programa. Salientamos que 68% assinalaram correctamente duas ou mais
tarefas da Comunicação Interpessoal, 70% assinalaram correctamente duas ou
mais tarefas da Solução de Problemas e 77% assinalaram correctamente duas ou
mais tarefas do Treino da Assertividade. Estes resultados sugerem que os jovens
identificam os objectivos do programa que frequentaram e assinalam
aprendizagens correspondentes a esses objectivos.
A avaliação aos técnicos foi realizada através de 3 questionários de perguntas
abertas.
Follow-up
Num follow-up a cinco meses localizaram-se 66 dos 90 jovens inicialmente
incluídos. Assim, após 5 meses, grande parte deles encontrava-se na escola
(47.0%) ou a trabalhar (25.8%), 6.1% inactivos, 13.6% com processo no IRS em
meio não institucional e 4.5% (3 jovens) com processo no IRS em meio
institucional e 3% em formação profissional.
De acordo com a assiduidade ao programa, fomos dividir os 66 jovens em grupos:
grupo assíduo - assiduidade superior ou igual a 60% das sessões; grupo não
421
Síntese e Conclusões
No ano 1999 foi realizado na FMH um estudo piloto para aplicação de um
programa de promoção de competências pessoais e sociais com jovens sujeitos a
medidas tutelares não institucionais. O relatório deste estudo piloto (estudo 1)
pode ser consultado noutro trabalho (Matos, Simões & Carvalhosa, 2000). Nos
anos 1999 e 2001 foram realizadas acções de formação de nível I e II, com
técnicos do IRS e respectivos parceiros nas equipas. Seis projectos nacionais
foram seleccionados para implementação, supervisão e avaliação pela Equipa do
Aventura Social & Risco: trata-se de projectos de aplicação do programa, levados
a cabo pelos técnicos do IRS com jovens sujeitos a medidas educativas ou jovens
identificados com graves problemas de comportamento. A partir de uma amostra
inicial de 113 jovens propostos pelas seis equipas do projecto, foram
aleatoriamente seleccionados 90 menores para participação neste estudo.
Os jovens seleccionados são todos do sexo masculino, com idades entre os 12 e os
18 anos de idade, sem graves problemas de consumos de drogas, média de idades
de 15.2 anos, maioritariamente portugueses, brancos e estudantes, uma maioria de
jovens com o 4º ano de escolaridade. Na maioria provêm de famílias com nível
socio-económico baixo. Estavam, na maioria, em acompanhamento educativo,
sendo o furto o delito mais referido. Em relação à história de consumo de
substâncias, o tabaco foi referido como o mais consumido, seguido do álcool. A
capacidade de verbalização destes jovens (tanto para o vocabulário como para a
organização da frase) encontrava-se num nível considerado médio/inferior pelos
técnicos, tinham frequentemente um comportamento agitado e reacções
agressivas, nomeadamente quando provocados.
Quanto às expectativas de futuro, a maioria dos jovens pretendia arranjar
emprego, enquanto que, em geral, nos adolescentes portugueses destas idades a
maioria pretende prosseguir estudos. No que diz respeito ao sentimento em
relação à escola, a maioria gosta da escola mas, por outro, lado acha aborrecido ir
à escola, o que não acontece com a maioria dos adolescentes portugueses destas
idades (Matos, Simões, Carvalhosa, Reis & Canha, 2000). Cerca de metade dos
jovens diz que abandonou a escola há menos de 1 ano, sendo o motivo mais
422
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428
Anexo
Programa de PROMOÇÃO DE COMPETÊNCIAS SOCIAIS
(Matos, Simões & Carvalhosa, 2002)
Sessão 1:
Objectivos: Primeiro contacto. Visita às instalações e lanche.
Sessão 2:
Conteúdo trabalhado: Assertividade (grupos de dois com um monitor)
Objectivos: Observação do grupo nas dinâmicas que se pretendem implementar.
Observação da capacidade de cada um estabelecer relações no grupo.
Promover a cooperação e a criação de clima positivo no grupo.
Trabalhar a competência”defender uma opinião”.
Generalização ao quotidiano (TPC).
Sessão 3:
Conteúdo trabalhado: Assertividade (grupos de dois com um monitor)
Objectivos: Observação do grupo nas dinâmicas que se pretendem implementar.
Observação da capacidade de cada um estabelecer relações no grupo.
Promover a cooperação, a inter-ajuda e a criação de clima positivo no grupo.
Trabalhar a competência”dizer que não”.
Generalização ao quotidiano (TPC).
430
Sessão 4:
Conteúdo trabalhado: Assertividade (grupos de dois com um monitor)
Objectivos: Desenvolvimento da capacidade de cada um estabelecer relações no
grupo.
Promoção da capacidade de cada um estabelecer relações no grupo.
Trabalhar a competência”aceitar críticas”.
Generalização ao quotidiano (TPC).
Sessão 5:
Conteúdo trabalhado: Assertividade (grupos de dois com um monitor)
Objectivos: Desenvolvimento da capacidade de cada um estabelecer relações no
grupo.
Promoção da capacidade de cada um estabelecer relações no grupo.
Trabalhar a competência”lidar com o não se sentir aceite”.
Generalização ao quotidiano (TPC).
Sessão 6:
Conteúdo trabalhado: Assertividade (grupos de dois com um monitor)
Objectivos: Desenvolvimento do”self”.
Promoção da cooperação e respeito por regras em situação de jogo.
Trabalhar a competência”o ponto de vista do outro”.
Generalização ao quotidiano (TPC).
Sessão 7:
Conteúdo trabalhado: Assertividade (grupos de dois com um monitor)
Objectivos: Desenvolvimento do”self”.
Promoção da cooperação e respeito por regras em situação de jogo.
Consolidação dos competências trabalhadas.
Generalização ao quotidiano (TPC).
Sessão 8:
Conteúdo trabalhado: Assertividade (grupos de dois com um monitor)
Objectivos: Desenvolvimento do”self”.
Promoção da cooperação e respeito por regras em situação de jogo.
Consolidação das competências trabalhadas.
Generalização ao quotidiano (TPC).
Sessão 9:
Conteúdo trabalhado: Assertividade (grupos de dois com um monitor)
431
Sessão 10:
Conteúdo trabalhado: Assertividade (grupos de dois com um monitor)
Objectivos: Desenvolvimento da”auto-estima e auto-confiança”.
Promoção da cooperação e respeito por regras em situação de jogo.
Consolidação das competências trabalhadas.
Generalização ao quotidiano (TPC).
Sessão 11:
Actividade: Visita a um ginásio e realização de um conjunto de provas físicas.
Objectivos: Promoção da cooperação e respeito por regras em situação de jogo.
Participação numa prova de actividade física orientada.
Generalização ao quotidiano (TPC).
Sessão 12:
Conteúdo trabalhado: Solução de problemas (grupos de dois com um monitor)
Objectivos: Discussão sobre a”construção do futuro e expectativas”.
Promoção da cooperação e respeito por regras em situação de jogo.
Generalização ao quotidiano (TPC).
Sessão 13:
Conteúdo trabalhado: Assertividade (grupos de dois com um monitor)
Objectivos: Desenvolvimento do”auto-controlo”.
Promoção da cooperação e respeito por regras em situação de jogo.
Generalização ao quotidiano (TPC).
Sessão 14:
Conteúdo trabalhado: Assertividade (grupos de dois com um monitor)
Objectivos: Desenvolvimento do”fazer críticas”.
Promoção da cooperação e respeito por regras em situação de jogo.
Generalização ao quotidiano (TPC).
Sessão 15:
Conteúdo trabalhado: Assertividade/Solução de problemas (grupos de dois com
um monitor)
432
Sessão 16:
Conteúdo trabalhado: Assertividade (grupos de dois com um monitor)
Objectivos: Trabalho da competência”lidar com os sentimentos dos outros”.
Promoção da cooperação e respeito por regras em situação de jogo.
Generalização ao quotidiano (TPC).
Sessão 17:
Conteúdo trabalhado: Solução de problemas (grande grupo)
Objectivos: Aprendizagem de uma metodologia de abordagem de resolução de
problemas - o gerar alternativas e o pensamento consequencial.
Promoção da cooperação e respeito por regras em situação de jogo.
Generalização ao quotidiano (TPC).
Sessão 18:
Actividade: Jantar fora.
Objectivos: Convívio entre pais, jovens e técnicos.
Sessão 19:
Conteúdo trabalhado: Solução de problemas (grande grupo)
Objectivos: Solução, em conjunto, de problemas.
Promoção do respeito pelas ideias dos outros.
Promoção da cooperação e respeito por regras em situação de jogo.
Generalização ao quotidiano (TPC).
Sessão 20:
Actividade: Jogo de ténis no Estádio Nacional.
Objectivos: Promoção e cumprimento de regra numa actividade física em
contexto comunitário.
Generalização ao quotidiano (TPC).
Sessão 21:
Conteúdo: Solução de problemas (grande grupo)
Objectivos: Solução de problemas colocados pelos jovens.
Promoção da cooperação e respeito por regras em situação de jogo.
Generalização ao quotidiano (TPC).
433
Sessão 22:
Actividade: Danças africanas.
Sessão 23:
Actividade: Encerramento com festa final com entrega de diplomas
434
Introdução
Nas últimas décadas verificou-se uma transformação do conceito de saúde, que se
baseava na dicotomia”saúde/doença”, para um âmbito mais lato e presentemente
já reconhecido, a”saúde positiva”. Este conceito foi reafirmado na 1ª Conferência
Internacional para a Promoção da Saúde, em Ottawa como referente”não apenas a
ausência de doença mas um completo estado de bem-estar físico, mental e
social”(OMS, 1986). A Conferência constituiu-se como uma resposta às
expectativas crescentes sobre uma nova perspectiva de promoção da saúde em
todo o mundo e teve como finalidade a reflexão sobre a promoção da saúde como
um processo de capacitação das pessoas para o controlo e melhoria da saúde e
bem-estar.
Esta perspectiva de saúde positiva deve ser enquadrada em termos não só
individuais como interpessoais e ambientais, sendo que o significado de
saúde/bem-estar varia de grupo para grupo e de cultura para cultura. Assim a
saúde não deve ser só um objectivo individual mas antes um objectivo de cada
comunidade nas suas rotinas do dia-a-dia e na adopção de práticas promotoras da
saúde. Pretende-se que o indivíduo ou o grupo seja capaz de identificar
aspirações, satisfazer necessidades e adaptar-se ao envolvimento.
Paralelamente, surge o conceito de comportamentos de saúde, que define qualquer
actividade desenvolvida por um indivíduo, indiferente do seu estado de saúde
actual ou percebido, com o objectivo de promover, proteger ou manter a saúde,
quer esse comportamento seja eficiente para o fim ou não.
Matarazzo (1984, cit. in Ogden, 1999) definiu comportamentos ligados à saúde
em termos de comportamentos prejudiciais para a saúde – como fumar, fazer uma
alimentação rica em gorduras, consumir álcool em excesso – e comportamentos
de protecção da saúde – tais como lavar os dentes, usar cinto de segurança, prática
de actividade física, procurar informação relacionada com saúde, realizar ”check-
up” regularmente, etc.
Muitos factores ligados à protecção e ao risco na área da saúde tiveram a sua
génese na infância e na adolescência, fruto de uma aprendizagem social, de uma
experimentação ou de uma adesão a um grupo de pertença, que se tornou uma
alternativa. Assim, numa perspectiva de promoção da saúde, os jovens são um
importante alvo, sendo de prever acções específicas para cenários e idades
específicas. Por outro lado, estes jovens enquadrados no sistema de ensino regular
tornam-se mais acessíveis a programas que os apoiam nas suas escolhas
435
Violência
Imagens e relatos de violência prevalecem nos media; ocorrem nas ruas, nos lares,
escolas, locais de emprego e instituições. A violência afecta o tecido das
comunidades e ameaça a vida, a saúde e a felicidade de todos.
A Organização Mundial de Saúde define violência como o uso intencional de
força física ou de poder, real ou sob forma de ameaça, contra si próprio, contra
outra pessoa, ou contra um grupo ou comunidade, que resulte ou possa resultar em
danos ou ofensas físicas ou psicológicas, morte, ou carências de algum tipo. Este é
um fenómeno complexo e extremamente difuso.
Num contexto muito específico – na escola, existe um tipo de violência entre os
alunos, que muitas vezes é ignorado. Quando um ou vários alunos exercem acções
negativas (como por exemplo insulto, bater, excluir alguém de actividades,
assediar sexualmente) sobre outro(s) e se essa situação tem intencionalidade de
439
violência, qualquer que seja a tipologia com que esta se manifeste, na vida, nas
percepções e nos sentimentos dos jovens.
3
O índice de massa corporal (IMC) é determinado através da fórmula peso/estatura2. A classificação excesso de
peso/obesidade foi definida segundo parâmetros de Cole, Bellizze & Dietz (2000).
442
Uso de substâncias
A iniciação do uso de substâncias antes dos 15, 16 anos é um factor de risco para
uma variedade de problemas de saúde mental, de eventual abuso de drogas e má
adaptação no mundo adulto. Para além de dar a conhecer as consequências
nefastas do consumo de substâncias, é essencial ter em conta as expectativas e
vantagens percepcionadas pelos jovens quanto ao consumo de substâncias, tais
como: menor limitação cognitiva e comportamental, mais relaxamento, redução
de tensão e”stress”, facilidade/desinibição social e sexual e efeito anti-depressivo.
Drogas ilícitas
Há muitas definições da palavra droga mas a mais vulgarmente usada é a
seguinte:”droga é qualquer substância química que, quando tomada, modifica o
funcionamento do organismo, o comportamento, os pensamentos e os sentimentos
de uma pessoa”(Corrigan, 1985, cit. in Williams & Young, 2001). Trata-se de
uma definição simplista já que exclui drogas naturais como a marijuana, o tabaco
ou o café que têm já uma tradição de consumo de muitos anos e que são
consideradas actualmente no âmbito da dependência de drogas.
Reportando-nos aos jovens portugueses, nota-se um aumento no consumo de
droga para o dobro de 1998 para 2002 (resultados do estudo português HBSC,
2002), sendo que os rapazes consomem significativamente mais do que as
raparigas. Ao mesmo tempo, verifica-se que o consumo vai aumentando à medida
que aumenta a idade. Tanto para os rapazes como para as raparigas a droga mais
popular é o haxixe, seguido pelos estimulantes e por último a
Álcool
Os níveis elevados de consumo de álcool por adolescentes têm sido associados
com as três formas mais frequentes de mortalidade na adolescência,
nomeadamente, mortes por acidente (p.e. acidentes de viação), homicídios e
443
Amostra
O grupo em análise foi constituído por 11 adolescentes de uma turma do 8º ano de
escolaridade com idades entre os 13 e os 15 anos e com proporções aproximadas
de sujeitos dos dois géneros
A grande maioria destes adolescentes vive actualmente com o pai e a mãe tendo
em média um irmão. Apenas um dos elementos não tem irmãos. Analisando a
actividade profissional dos pais dos alunos verifica-se uma predominância de
profissões ligadas ao comércio bem como de mães domésticas. Segundo a
Notação Social das Famílias (Graffar), os núcleos familiares dos participantes
localizam-se em torno da ”classe média”.
Avaliação
Tendo em conta o carácter não obrigatório das sessões (grupos focais), pode-se
448
Recomendações
Considera-se de toda a pertinência a construção de um programa para a promoção
da saúde a aplicar nas escolas portuguesas desde o ensino básico. Já vários países
tomaram esta iniciativa de criar um currículo nacional que se articula com as
restantes disciplinas do plano de estudos dos alunos e que actua de forma
profiláctica no âmbito da saúde mental e dos estilos de vida saudáveis.
450
Referências
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Sallis, J. et al (1992) Determinants of Physical Activity and Interventions in
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Vannier, Maryhelen (1974) Teaching Health in Elementary Schools. Philadelphia:
Lea & Febiger.
Anexo
453
1ª SESSÃO -Apresentação
Objectivos da Sessão:
A sessão teve como principal objectivo a apresentação da investigadora e
apresentação do programa (temas, datas e funcionamento das várias sessões).
Foram realizadas actividades de quebra-gelo com o intuito de dar a conhecer os
nomes e interesses dos alunos. Foram propostos alguns tópicos de discussão sobre
actividades de tempos livres e dia-a-dia de forma a introduzir aos alunos o
funcionamento dos grupos focais e também conhecer o seu comportamento face
ao debate.
Neste grupo focal, tal como geralmente se verifica nas dinâmicas de grupo,
existem vários indivíduos com diferentes percursos, estilos de vida e
personalidades variadas o que faz com que a forma de participação no debate
varie. Enquanto alguns partilham livremente tudo o que o tema lhes suscita outros
chegam a não proferir uma única opinião durante toda a sessão. Assim sendo,
torna-se essencial a adopção de estratégias de condução do debate que apelem a
todos e convidem à participação respeitando a possível reserva de alguns
elementos mas mostrando sempre disponibilidade para ouvir o que queiram
partilhar.
Os trechos serão transcritos usando nomes fictícios de alunos.
inscrito na natação, mas tive de sair porque o nosso horário não dava”(Francisco).
Os alunos referiram ainda que há jovens que não aderem a uma modalidade
desportiva por medo de falhar e não ter um bom desempenho”Têm medo de
depois não serem tão bons como os outros”(Filipe).
Um aluno referiu existir descriminação para a prática de desporto nas
colectividades e no futebol:”Eu queria entrar para a equipa de futebol da minha
terra, mas como eles vêem que eu sou gordo não me deixam entrar, mas há um
colega meu que nem joga melhor do que eu que foi lá e deixaram-no entrar
logo.””Já me quis inscrever algumas vezes e fui rejeitado.”
Locais de Pratica da Actividade Física
Os alunos revelaram um bom conhecimento das instituições, clubes,
colectividades e parques desportivos da zona onde podem pratica de actividade
física. No entanto, poucos revelaram frequentar estes locais. De uma forma geral,
jogam com bolas (futebol, basquetebol e voleibol) no recreio e na rua perto de
casa. Foram referidas partidas de futebol informais, ao fim de semana.
Actividade Física, Consumos e Alimentação
A influência entre a actividade física e a alimentação ou os consumos de droga e
tabaco não se revelou um tema muito sugestivo para estes alunos. Verificou-se
que existe uma noção do efeito negativo das drogas e tabaco na prática
desportiva:”Há quem diga que o tabaco prejudica o desempenho no
desporto”;”Drogas é um bocado mau, porque quando fazem aqueles testes são
apanhados”(Beatriz);”Hoje em dia os jovens já têm mais informação sobre as
drogas (doping) e já não se metem nisso”(Filipe)
Por outro lado, a prática desportiva parece afastar os jovens de certos
comportamentos relacionados com o consumo:”Os jovens têm essa ocupação e
estão mesmo empenhados naquilo que esquecem os problemas e não se metem
por maus caminhos”(Ana)
Tempos livres
Alguns alunos referiram frequentar a biblioteca municipal nas horas livres quer
para requisitar livros quer para ir à internet. Para o grupo, a escola deveria ter mais
espaços disponíveis para a prática desportiva.
Em casa, parece não haver problemas quanto à variedade de actividades para
ocupar os tempos livres destes alunos. As actividades ver televisão e jogar
computador não foram contudo muito referidas, quanto à internet, não representa
um hábito neste grupo já que apenas dois alunos têm internet em casa.
Foi debatido o tema relativo às culturas juvenis que despertou o interesse de todos
os alunos, proporcionando uma troca de opiniões bastante e uma discussão
bastante”acesa”. Esta pareceu ser, para a maioria, uma primeira oportunidade para
reflectir sobre os aspectos (e a sua pertinência e relevância) que os levam a
distinguir e julgar os pares pela aparência.
455
3ª SESSÃO- Violência
Objectivos da Sessão:
Debate de ideias e opiniões sobre o tema, através de alguns pontos propostos:
A violência está a aumentar?;
Em que cenários ocorre a violência?;
A violência é só física?;
Que comportamentos ou actos violentos existem na escola?;
Que comportamentos ou actos violentos existem na zona de residência?;
O que está na origem de actos violentos/o que leva as pessoas a serem violentas?;
Quem se envolve mais em actos violentos, rapazes ou raparigas? Porquê?
Experiências com armas: onde? Quem? Porquê?
Os roubos foram a primeira forma de violência referida pelos alunos, bem como, o
facto de serem vítimas de ameaças e de agressões físicas caso não dêm dinheiro
ou outro bem aos colegas mais velhos. Foram identificadas 6 categorias distintas
de situações de violência enunciadas de seguida:
Violência na Escola
Um dos tipos de violência mais próximos das experiências dos alunos prende-se
com actos de bullying. Insultos, ameaças, pequenos roubos e algumas agressões
físicas sem grandes consequências são algumas das situações presenciadas e
vividas na escola.
Parece existir unanimidade quanto ao facto de serem os rapazes quem mais se
envolve em actos de violência. Isto parece dever-se a alguma impulsividade e à
sua imaturidade face às raparigas da mesma idade, uma vez que não param para
pensar nas consequências e reagem de imediato a insultos. Todos concordam
igualmente que se torna difícil reagir de forma controlada a insultos relacionados,
não directamente com o próprio jovem, mas com pessoas que lhe são queridas,
nomeadamente a mãe.”Para mim só há uma coisa me pode fazer ser violenta, que
é meterem a minha mãe ao barulho!”(Susana)
No que respeita à violência na escola, todos concordam que as participações
formais que as funcionarias fazem dos alunos que se envolvem em”brigas”ao
Conselho Executivo não são solução. Faltaram no entanto propostas para uma
solução adequada.
Violência Social/Cultural
O racismo foi referido, não como sendo violento por si só, mas como possível
fonte de actos violentos como ofensas verbais, desprezo ou agressões físicas. Por
456
outro lado, a guerra surge como forma de violência que recorre a armas poderosas
e que exerce um efeito marcante nas pessoas:”A guerra é uma violência não só
física como mental, porque há pessoas que ficam traumatizadas para o resto da
vida”(Daniel)
Curiosamente, os acidentes automóveis foram considerados por unanimidade uma
violência que afecta muitas pessoas. Os alunos relataram situações de falta de
civismo de alguns condutores que representam uma agressão para os outros
condutores podendo causar lesões físicas ou mesmo a morte.
Violência Familiar
Uma das facetas da violência mais explorada pelos alunos foi a violência
familiar:”Há pais que batem nos filhos e os tratam mal.”(Ana);”E também há
mulheres que são vítimas de violência doméstica dos maridos.”(Daniel)
Os alunos acham que, numa família, os filhos são vítimas indirectas da violência
entre os pais referindo que as discussões dos pais os afectam.
“Eu acho que aqueles alunos que são mais violentos têm mais problemas em
casa.”(Filipe)
As discussões conjugais e as separações dos pais foram referidas como
acontecimentos muito violentos e que podem ter consequências para os filhos.
Os alunos atribuem os actos de violência familiar (ditas discussões e agressões
físicas) à falta de diálogo entre as pessoas considerando que com compreensão
poder-se-iam evitar tais situações.
Violência no Desporto
A violência foi associada também ao desporto, nomeadamente aos jogos de
futebol. Os alunos fizeram alusão a alguns relatos de confrontos entre adeptos de
futebol transmitidos recentemente na televisão.
Foram analisadas modalidades desportivas de luta como o judo ou as artes
marciais, no entanto não foram consideradas como violência, já que têm como
principal objectivo capacitar a pessoa para sua defesa pessoal e não para a
agressão.
Violência na Televisão
Foram referidos pelos alunos alguns estudos realizados com crianças pequenas em
que se observou o seu comportamento enquanto assistiam a desenhos animados
violentos e desenhos animados não violentos que evidenciam o efeito negativo da
violência na televisão para as crianças. Este estudo é do conhecimento da maioria
já que foi transmitido recentemente na televisão. Os alunos classificaram o canal
PANDA como inofensivo para as crianças mas classificaram alguns desenhos
animados da SIC como demasiado violentos.
Violência e Consumos
Os actos violentos foram associados a situações de consumo de álcool e drogas
embora esta associação não tenha constituído grande pretexto para discussão.
457
Os alunos consideram que os vários actos violentos que referiram acontecem com
muita frequência e que têm vindo a aumentar, no entanto, parecem ter pouco
contacto com eles, isto é, não presenciaram muitas situações semelhantes apenas
as viram na televisão.
As conclusões que retiram desta sessão prendem-se maioritariamente com
apreciações negativas dos actos violentos e com a constatação da necessidade de
reflexão antes de reagir impulsivamente a situações quotidianas. As categorias
mais frequentes nesta sessão foram a violência familiar e a violência escolar
(bullying), que parecem ser as que mais afectam a vida e os sentimentos dos
alunos do grupo. Estes assuntos foram debatidos de forma bastante reflectida
tendo suscitado a expressão de algumas emoções associadas a experiências nestes
contextos.
não podem conviver tanto com os outros e ficam um bocado tristes por causa das
suas limitações.”
Bem-estar e comportamentos negativos
Os alunos consideram que por vezes o sentimento de superioridade em alguns
aspectos pode trazer bem-estar (“Ela é a melhor aluna da turma e eu quando tenho
uma nota melhor que ela fico feliz”) daí que algumas pessoas usem
comportamentos negativos para se superiorizarem, rebaixando os outros.
“Há pessoas que gostam de gozar os outros para se sentirem superiores e isso fá-
los sentir bem”.
Também os comportamentos de consumo foram associados indirectamente ao
bem-estar pela eliminação de sintomas de stress e de tristeza. No entanto, foram
sugeridas várias alternativas pelos vários elementos do grupo para conseguir esse
bem-estar sem recorrer a substâncias prejudiciais.
“Vale mais fazer um desporto”(Pedro);”...ou ficar sozinho um bocado para
pensar”(Francisco);”ou então estar com os amigos”(Sofia).
Formas de lidar com a tristeza/mal-estar
Para além da prática de actividade física e de actividades de lazer com
amigos/passear, jogar) os alunos sugeriram alguns comportamentos que utilizam
em situações de tristeza:”Vou para o meu quarto e fico sozinho a
pensar”(Tiago)”Vou para casa e fico a chorar”(Ana)”O melhor é procurar um
amigo para conversar”.
Bem-Estar na Escola
De uma forma geral, o convívio e principalmente as conversas com os amigos
parecem transmitir bem-estar aos alunos quando estão na escola.
“Eu e alguns colegas costumamos jogar xadrez e Uno que são jogos que dão para
conviver mais”(Filipe);”Eu e as minhas amigas vamos passear pela escola e
conversar”(Filipa)
Também o sucesso escolar surge como fonte de bem-estar e mesmo de
felicidade.”Quando temos boas notas, parece que as coisas correm logo
melhor”(Daniel)
Bem-Estar em Casa
Ouvir música no quarto e conviver com os amigos da rua (vizinhos) são as
principais formas de lidar com o mal-estar e a tristeza. Muitos alunos referem o
isolamento como primeiro recurso para situações de stress ou tristeza. De uma
forma geral, os alunos confessam que o ambiente familiar influencia o seu bem-
estar e o sentimento de felicidade.”Eu era mais feliz se tivesse paz em
casa”(Sofia).
Percepção da saúde pessoal
Vários alunos referem sintomas de saúde negativa tais como dores de cabeça e
dores nas costas. Quanto às primeiras, os jovens não sabem ao que se devem e as
461
segundas são atribuídas principalmente ao peso dos livros nas mochilas. Dois dos
alunos confessam recorrer a analgésicos com alguma frequência.
Felicidade
Verificaram-se algumas dificuldades em definir a felicidade e em avaliação o
nível de felicidade de cada um. Os namoros foram considerados como uma fonte
de felicidade assim como as boas relações com os amigos.
“As pessoas quando namoram até andam mais simpáticas e mais felizes”(Ana)”É
bom sentir que alguém gosta de nós...”(Filipe)
Este grupo focal leva-nos a uma conclusão curiosa: menos de metade dos alunos
se consideram felizes e alguns sentem-se mesmo pouco saudáveis devido a
sintomas de dor e cansaço. Apontam a falta de espaços desportivos e de
actividades lúdicas e de lazer na escola que promovam o bem-estar dos alunos.
As relações privilegiadas em caso de tristeza ou dúvida são claramente as
amizades, contudo, uma parte significativa do grupo admite ter uma relação
bastante aberta com os pais recorrendo a estes para conversas e desabafos.
Inevitavelmente, revelaram-se na discussão alguns assuntos tabu que raramente
são discutidos com qualquer adulto, são eles, os namoros e as dúvidas sobre
sexualidade.
Um ponto-chave deste debate foi a reflexão sobre o papel do psicólogo escolar o
que levou a uma diferença explícita de opiniões entre rapazes e raparigas. De
facto, enquanto que as raparigas referem que procurariam o psicólogo em caso de
sentirem necessidade de desabafar sobre um problema, os rapazes muito
dificilmente se deslocariam até ao gabinete de psicologia em qualquer
circunstância. Na discussão grupal, as raparigas do grupo tentaram chamar os
colegas à razão explicando-lhes (utilizando até relatos de experiências pessoais) a
importância de um psicólogo e tentando demovê-los da visão de que o psicólogo é
para os”malucos”.
Parece assim imprescindível pensar não só na prevenção de comportamentos
negativos para a saúde e desajustados do ponto de vista social, mas principalmente
fornecer mais alternativas saudáveis aos jovens para que obtenham o bem-estar
que procuram nesses comportamentos desviantes.
vergonha”(Pedro)
“Não há motivo nenhum para ter vergonha, vergonha era não os usar!”(Ana)
VIH e outras Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST’s)
A diferença entre VIH e SIDA não era clara pelo que foi esclarecida. Existia no
grupo uma ideia generalizada acerca da aparência de um indivíduo seropositivo
(mau aspecto, feridas, magreza etc) que teve de ser esclarecida já que um
seropositivo pode parecer saudável e não estar ainda doente.
As únicas formas de transmissão conhecidas eram o contacto com sangue
infectado e as relações sexuais. Havia ainda uma ideia errada de que as
transfusões sanguíneas podem ser responsáveis pela transmissão de HIV.
Desconheciam a transmissão de mãe para o feto e durante amamentação bem
como a transmissão através de agulhas usadas para fazer furos, piercings e
tatuagens. Foi ainda preciso explicar que duas pessoas não portadoras de VIH não
contraem VIH ao terem relações uma com a outra.
O tema Afectos e Relações Interpessoais conseguiu a melhor apreciação dos
alunos no que respeita ao interesse e utilidade, aspecto que se reflectiu não só no
comportamento interessado dos alunos ao longo da sessão mas também na
duração da mesma (cerca de 1 hora e 40 minutos).
Nesta sessão houve necessidade de proceder a vários esclarecimentos
nomeadamente no que respeita à formas de transmissão de VIH e à diferença entre
VIH e SIDA. Os alunos dizem sentir-se confiantes para contactar de forma
saudável com indivíduos seropositivos.
Quanto à sexualidade, verifica-se que apesar de haver um conhecimento bastante
bom sobre formas de contracepção e protecção face ao VIH, existem muitas
dúvidas e receios face às relações sexuais principalmente entre as raparigas.
Existe um receio de que os pais saibam alguns aspectos sobre a vida sexual das
jovens.
A actividade de esclarecimento de dúvidas colocadas anonimamente e por escrito
revelou a enorme necessidade que estes jovens têm de falar das suas inseguranças
abertamente. Alguns participantes chegaram inclusivamente a pedir mais papel
para escrever mais várias dúvidas.
De uma forma geral, pressente-se uma grande curiosidade pelo debate sobre
afectos e sexualidade e ao mesmo tempo um certo pudor.
8ª SESSÃO: Final
Objectivos da Sessão:
Definição conjunta do conceito de saúde na sua visão mais global
(Actividade”Círculo da Saúde”);
Recolha de opiniões sobre o Programa realizado e sugestões para futuros
programas para a promoção da saúde e bem-estar;
467
Introdução
No ano de 2002 deu-se início a uma parceria entre o Projecto Aventura
Social/Faculdade de Motricidade Humana, e a Junta de Freguesia de Santa Maria
de Belém. Este trabalho começou com um estudo realizado na referida Freguesia
sobre consumo de substâncias (tabaco, álcool e drogas), tendo sido a partir dele
delineados três projectos diferentes para três populações-alvo: crianças, pais e
idosos.
Este capítulo pretende apresentar a intervenção desenvolvida no âmbito do
Projecto concretizado com crianças e jovens de duas escolas da Freguesia, no ano
lectivo de 2003/2004.
Prevenção
Tem-se assistido a uma crescente preocupação pela prevenção. Tal facto é
observável no dia-a-dia da nossa sociedade, com campanhas presentes nos
diversos meios de comunicação social, com uma maior exposição e divulgação
dos Planos Municipais de Prevenção, entre outros factores. A prevenção tem
vindo a constituir uma estratégia de intervenção nas diversas áreas como a saúde,
a escola, a família, os amigos e o trabalho, não só a nível nacional, como também
nos diferentes continentes.
Por prevenção entende-se o conjunto de estratégias colocadas em prática, com o
objectivo de evitar o surgir de situações ou problemas negativos para a pessoa e
seu meio envolvente, tornando-se importante ter em consideração a sua
personalidade (expectativas, motivações, crenças, etc.), assim como o apoio das
pessoas e organizações da sociedade onde se insere. A conceptualização da
prevenção tem-se caracterizado por duas terminologias, onde a mais clássica
(Caplan, 1964) define: prevenção primária (a intervenção tem lugar antes do
problema surgir, de forma a evitar o seu aparecimento); prevenção secundária
(após o diagnóstico e com vista à sua solução, procura-se intervir o mais cedo
possível); e prevenção terciária (procura-se que o problema não volte a aparecer).
Na segunda conceptualização, são definidas por Gordon (1987) três fases:
prevenção universal (concebida para a população em geral); prevenção selectiva
(com o foco em grupos de maior risco relativamente à população em geral); e
prevenção indicativa/precoce (definida para grupos de alto risco antes do
aparecimento dos problemas, a partir de indicadores precoces).
469
Para alguns autores, como Moreira (2002), as duas tipologias acima descritas
referem-se a situações diferentes, pelo que não é possível unificá-las numa só. A
tipologia mais antiga define a altura na qual a intervenção decorre, quando
considerado o momento em que o problema surge, enquanto a segunda caracteriza
a prevenção de acordo com a sua população-alvo.
Não é possível falar de prevenção sem referir factores de risco e de protecção, que
podem ser observados em diversos níveis da vida da pessoa, como o social,
educacional, pessoal, familiar e relacional. Os factores de risco consistem nas
características, quer do indivíduo, quer da sociedade, que se encontram ligadas a
uma elevada probabilidade de um dano biológico/social, enquanto que os factores
protectores, elementos internos e externos ao indivíduo, promovem o
desenvolvimento de competências que diminuem as consequências do problema,
contribuindo para uma menor probabilidade de problemas ou dificuldades (Munist
et al., 1998). No entanto, ainda segundo estes autores, este contributo para a
redução ou extinção do nível de risco deve ser considerado como um todo, ou
seja, como uma dinâmica de um conjunto de factores protectores, pois a
ocorrência de apenas um deles não implica que a situação de risco não ocorra.
Nesta relação entre os dois tipos de factores fala-se por vezes de resiliência. Para
clarificar esta associação, é necessário definir a resiliência. Esta consiste num
processo activo de inclusão e adaptação positiva a contextos negativos, sob a
influência de duas condições criticas: (1) exposição significativa a situações
adversas; e (2) realização de uma adaptação positiva. Assim, um factor protector
também pode ser definido como uma característica que promove a resiliência
numa situação de risco (Luthar et al., 2000). Sublinha-se assim a importância do
conhecimento dos factores de risco e de protecção do indivíduo, de forma a dirigir
com maior eficácia e especificidade da intervenção. Esta pode ter como objectivo
geral diminuir os factores de risco através da promoção de factores protectores.
É possível então compreender a relevância da prevenção em diferentes áreas de
intervenção, nomeadamente na promoção da saúde e na educação junto das nossas
crianças e jovens, no sentido de garantir um melhor desenvolvimento pessoal e
social, e uma melhor adaptação aos novos desafios diários do seu crescimento.
Para uma prevenção eficaz é necessário o conhecimento de todos os factores
envolvidos, potenciando assim uma melhor resposta.
Intervenção Comunitária
Quando se fala de intervenção, esta pode referir-se a diferentes tipos de
estratégias, entre as quais se encontram as que focam a sua acção no indivíduo,
num pequeno grupo ou nas organizações, sendo que esta última surge pela
carência de uma reformulação social e de uma reorganização da própria
sociedade, uma vez que se identificam dificuldades ao nível político (Sanchez &
470
Ochoa, 1988).
No que se refere à intervenção ao nível das organizações, nomeadamente escolas,
hospitais, associações, instituições, entre outras, esta não pode incidir
exclusivamente nos indivíduos, mas deverá incluir a formação pedagógica dos
seus técnicos, nunca esquecendo a importância das relações interpessoais, do
trabalho em grupo, e ainda da vivência pessoal como meio de compreensão e
facilitador na intervenção (Ferra, 1992).
A intervenção comunitária surge então com o objectivo de aumentar a influência
da intervenção, promovendo acções que visam não só o indivíduo, como todos os
meios onde este está envolvido, conseguindo definir o todo que o constitui. A
intervenção baseada unicamente no indivíduo pode revelar-se ineficaz, na medida
em que por vezes é o meio que o influencia negativamente, logo pode constituir
um problema à modificação do mesmo.
Família
Na literatura actual, é possível encontrar algumas referências ao impacto das
relações intra-familiares em algumas esferas da vida do adolescente. Num estudo
realizado por Field & Diego (2002), os adolescentes com pontuações elevadas nas
relações com os pais demonstraram maior intimidade e contacto físico com os
pais, mais tempo passado em família, maior frequência na presença de uma pessoa
importante das suas vidas, melhores notas escolares, maior participação em
actividades físicas e desporto, e um menor consumo de drogas. Este grupo de
adolescentes, com maior qualidade de relação com os pais, apresentou um maior
bem-estar e menores índices depressivos, assim como uma menor percepção de
depressão parental. Noutro estudo efectuado por Oxford et al. (2001), os
processos familiares pró-sociais (as regras parentais, a monitorização parental, e a
ligação da criança aos pais) medidos directa e indirectamente, tiveram um impacto
negativo no início do consumo de substâncias por volta dos 12/13 anos, e um
472
Pares
Para uma melhor compreensão da importância e influência do grupo de pares na
adolescência, torna-se necessário referir dois temas: a aceitação ou rejeição social,
e o sentido de pertença a um grupo. Estes dois conceitos estão relacionados, na
medida em que o sentimento de pertença é influenciado pela aceitação ou não
nesse mesmo grupo.
A literatura existente ainda não conseguiu categorizar todos os factores que
explicam a aceitação ou rejeição social. No entanto, segundo Sprinthall & Collins
(1988), a atracção física, os comportamentos de amizade, a socialização, a
competência, e a capacidade para perceber as relações interpessoais, são
apontados como facilitadores da integração num grupo. A rejeição social, ainda
segundo o mesmo autor, pode surgir devido a comportamentos desviantes e
atitudes negativas.
Os factores anteriormente referidos como indicadores da aceitação ou rejeição
social são também relevantes para o sentimento de pertença a um grupo. A
identificação da criança com um determinado grupo surge quando os seus
interesses, motivações, necessidades, desejos e atitudes são semelhantes, e
correspondem às expectativas do grupo, observando-se uma homogeneidade de
comportamentos, que se não for respeitada, pode conduzir à exclusão do grupo.
É possível agora, e à luz do que foi anteriormente referido, colocar a questão de
como reage a família à influência dos pares sobre o seu jovem? A vida do
adolescente é rica no que se refere à oposição de valores, e atitudes parentais e dos
colegas. Segundo Sprinthall & Collins (1988) a concordância entre pais e grupo de
pares é muitas vezes superior à sua oposição, uma vez que os adolescentes são
muitas vezes influenciados por ambos na mesma direcção.
A pressão de pares revelou ser um mito que ajuda os adultos a explicar os
problemas dos jovens com problemas de comportamento, enquanto os
adolescentes de risco indicaram que a adopção do comportamento, e percepções
dos pares era uma estratégia consciente utilizada para fomentar o poder pessoal e
social (Ungar, 2000).
473
Consumo de substâncias
Os efeitos do consumo esporádico e regular de substâncias como o tabaco, álcool
e drogas, têm sido amplamente divulgados por diferentes meios, como campanhas
de prevenção nas escolas, meios de comunicação social, consultas médicas, entre
outras.
No que se refere ao consumo de álcool, este é maior não só nos rapazes quando
comparados com as raparigas, como também nos jovens mais velhos (Matos et al.,
2000). Este estudo nacional realizado em 2002 concluiu também que são os
rapazes que experimentam mais cedo.
Também o consumo de drogas aparece novamente como mais elevado nos
rapazes, e nos jovens mais velhos (Matos & Carvalhosa, 2003), com o querer
experimentar, os amigos também consumirem e o sentir-se só, como os principais
motivos para o consumo de drogas.
Num estudo de Matos, Gaspar, Vitória & Clemente (2003), o consumo regular de
tabaco surge associado a problemas nos domínios relacionais, comportamentais e
emocionais, uma vez que os jovens fumadores demonstram um maior afastamento
da família e da escola, passando menos tempo com os colegas na escola e mais
tempo fora da mesma. No que diz respeito ao domínio emocional, os jovens
fumadores e os que afirmam já ter experimentado esta substância, mencionam
mais sintomas de mal-estar físico e psicológico, apresentação de uma alimentação
menos equilibrada, referem serem menos felizes, e afirmam um maior
descontentamento com a sua imagem corporal. Segundo este mesmo estudo, tem
sido verificado nos últimos anos, uma maior experimentação e consumo de tabaco
por parte das raparigas.
É possível observar nos últimos anos uma crescente preocupação com as
diferenças entre rapazes e raparigas, no que diz respeito aos hábitos de consumo
de substâncias. No entanto, esta atitude não é extensível à diferenciação dos
programas de prevenção e intervenção pelo género, ou seja, de uma forma global
a eficácia dos programas é demonstrada, mas não é especificada para o género.
Conteúdos do programa
Comunicação Interpessoal
A Comunicação Interpessoal define a forma como nos relacionamos com os
outros. Nesta relação é necessário ter em atenção alguns aspectos importantes,
como a estima por nós próprios, o saber escutar, o espaço interpessoal, a postura,
a expressão facial, a voz, e o saber fazer uma pergunta. Os aspectos mencionados
podem ser inseridos em três categorias: a comunicação não-verbal (que engloba a
postura, os gestos, a expressão facial – desde o sorriso ao contacto visual –, e o
espaço interpessoal – íntimo, social e grupal ou comunitário); a comunicação
verbal; e a comunicação para-verbal (que inclui o tom e volume da voz, o ritmo,
a fluidez do discurso).
Solução de Problemas
A Solução de Problemas aborda uma metodologia que envolve seis passos
simples, essenciais na resolução de problemas, quer do quotidiano, quer pessoais.
Assim, quando surge um problema, torna-se importante parar e pensar no
mesmo, de forma a perceber a sua origem ou causa. De seguida, deve-se procurar
diferentes alternativas para a sua solução, assim como antecipar as consequências
de cada uma, isto é, o que pode suceder quando são colocadas em prática. Torna-
se então possível, depois de reunir esta informação, escolher a alternativa que é
eleita como a mais apropriada, para que as consequências sejam do interesse do
indivíduo e dos outros. Por fim, é a altura de agir. É aconselhado, depois de posta
em prática a alternativa seleccionada, realizar uma avaliação dos resultados
obtidos.
Assertividade
A Assertividade, a terceira componente do PPCS, pode ser definida como a
capacidade de, respeitando os nossos direitos e os dos outros, conseguir transmitir
a nossa opinião, os nossos sentimentos e pensamentos, mesmo quando não vão de
encontro ao consenso do outro ou do grupo. Esta noção implica ainda não só a
capacidade de dizer não, mas também a de expressão de sentimentos. No PPCS
477
Outros Programas
Life Competências Training Program – LST (Botvin et al., 2003)
OBJECTIVOS – Promoção de competências e prevenção de consumo de
substâncias, tendo sido delineado para se centrar nos factores sociais e
psicológicos promotores do consumo/abuso de substâncias, através do
desenvolvimento de competências de resistência à pressão social (pares) para
480
More Than Meets the Eye– MTME (Aboud & Fenwick, 1999)
483
etários, embora se pretenda que seja iniciado o mais precoce possível, mas tendo
sempre em conta as capacidades de compreensão de alguns conceitos por parte
das crianças.
METODOLOGIA – O programa está organizado em três componentes principais
divididas em sessões diárias: linguagem, pensamento e prestar atenção (entre 10 a
12 sessões); identificação e reconhecimento de sentimentos em si e no outro
(cerca de 20 sessões); e resolução de problemas (cerca de 15 sessões).
AVALIAÇÃO – A avaliação foi realizada através do Teste de Resolução de
Problemas Interpessoais de Shure & Spivack; do Teste”O que acontece no
próximo jogo”de Shure & Spivack; e da Escala de Comportamento na Pré-
primária de Hahnemann. Os resultados evidenciam, quando comparados com o
grupo de controlo, que as crianças têm maior facilidade em dar soluções mais
pertinentes, e suas consequências para problemas hipotéticos, e que um ano de
intervenção foi suficiente para se observarem melhorias no comportamento e nas
competências do programa. Os autores referem ainda que os resultados apontam
para que as competências do ICPS são mediadoras significativas de
comportamentos observáveis.
Linking the Interests of Families and Teachers Program – LIFT (Eddy et al.,
2000)
OBJECTIVOS – Modificar comportamentos que são identificados como sendo
percursores da delinquência e dos comportamentos agressivos na adolescência, e
reduzir comportamentos como a oposição, o desafiar e a inadequação social da
criança, assim como no que diz respeito à disciplina e monitorização pelos pais
POPULAÇÃO-ALVO – Crianças e seus pais.
METODOLOGIA – São definidas três grandes componentes neste programa: a
promoção de competências sociais, e de resolução de problemas em contexto de
sala de aula; a modificação de comportamentos no espaço de recreio; e o treino
dos pais, em grupo.
AVALIAÇÃO – A avaliação foi realizada através do preenchimento de
questionários pelas crianças, pais e professores; da recolha de registos escolares;
da observação das crianças na sala de aula e no recreio, e das interacções
familiares durante discussões de resolução de problemas. Os resultados mostram
que o programa diminui a frequência de problemas de comportamento e de
comportamentos anti-sociais, quando comparados os participantes com o grupo de
controlo. O estudo demonstrou ainda que se observaram mudanças nas crianças e
486
suas famílias, uma vez que o programa teve um impacto significativo a três níveis:
agressividade para com os colegas no recreio, comportamento agressivo dos pais
durante discussões familiares de resolução de problemas, e as impressões dos
professores relativamente aos comportamentos positivos para com os colegas.
Os dados a seguir descritos são referentes aos resultados obtidos pelos grupos de
intervenção e de controlo, assim como à intervenção realizada no âmbito do
Projecto.
Amostra
Participaram no estudo um total de 182 alunos e 10 professores de uma escola do
primeiro ciclo e de uma escola do segundo e terceiro ciclos pertencentes à Junta
de Freguesia de Santa Maria de Belém. Os alunos tinham idades compreendidas
entre os 8 e os 15 anos, na sua maioria do género masculino.
Procedimento
Grupo do Programa
O grupo que seguiu o Programa (GP) foi constituído por 50 alunos de duas
escolas da Freguesia..O GP tinha uma idade média de 10 anos e contou com 32%
de raparigas e 68% de rapazes.
O Programa de Promoção de Competências Sociais (PPCS) levado a cabo neste
projecto, foi adaptado do Programa elaborado por Matos (1998), do qual foram
seleccionados alguns dos conteúdos: comunicação interpessoal e gestão de
emoções/resolução de problemas (inicial); competências sociais e gestão de
emoções/resolução de problemas (avançada); e role playing (ver anexo 1).
Foram realizadas um total de 23 sessões, entre sessões regulares de uma hora, que
decorreram no contexto de sala de aula, e sessões extra, com ocupação de espaços
diferentes. A participação neste projecto foi definida com as professoras, e teve
carácter voluntário. As sessões regulares tiveram a seguinte estrutura:
Diálogo inicial – espaço onde é relembrada e revista a sessão anterior, e também
onde se pode contar ao grupo episódios importantes que tenham acontecido
durante a semana;
Actividade de quebra-gelo ou cooperação – são propostas actividades para
promover o conhecimento entre os participantes, o trabalho em equipa, a coesão
de grupo para a concretização de objectivos comuns;
Actividade de conteúdo – onde são propostas situações relacionadas com os
conteúdos específicos a desenvolver;
Diálogo final – espaço de diálogo onde se reflecte sobre as actividades
realizadas.
Foram também realizadas algumas sessões extra em termos de estrutura e
contexto, com o objectivo de promover contextos reais onde os participantes
poderiam aplicar e desenvolver as competências abordadas nas sessões semanais,
assim como promover o trabalho em grupo.
A avaliação inicial foi realizada entre a segunda e quinta sessões, devido à sua
extensão, tendo a primeira sessão utilizada para conhecimento dos grupos.
488
Grupo”Em Espera”
O grupo”em espera”(GE) foi constituído por 132 alunos, onde 56,8% eram
rapazes e 43,2% raparigas. A idade média do GE era de 10 anos.
Os alunos e professores do grupo”em espera”participaram em dois momentos
distintos, com o preenchimento do protocolo de avaliação do Projecto, que
coincidiram com as fases de avaliação inicial e final do grupo que seguiu o
programa
Instrumentos
No questionário utilizado na avaliação inicial e final preenchido pelos alunos,
foram incluídas as seguintes questões:
Demográficas. Foram questionados sobre o nome, a idade, o ano de escolaridade e
a escola frequentada.
Escala de atitudes face à autoridade institucional. As atitudes foram avaliadas
através dos 13 itens traduzidos e adaptados por Pereira & Pires (1999) do
questionário original de Rubini e Palmonari. Os sujeitos eram confrontados com
situações como”É justo transgredir a lei se não prejudicar ninguém”, em que as
opções de resposta variavam de 1 (completamente em desacordo) a 5
(completamente de acordo). Esta escala divide-se em três sub-escalas:
Positividade face ao Sistema Legal e à Autoridade Escolar,
Deveres/Transgressões face à Autoridade Institucional, e Parcialidade da
Autoridade Legal.
Escala de coping para adolescentes. As estratégias de coping foram avaliadas
através de 16 itens traduzidos e adaptados por Barrón et al. (2002) das Escalas de
Afrontamiento para Adolescentes de Frydenberg & Lewis e da Escala de
Bienestar Psicológico de Casullo & Castro. Os sujeitos eram confrontados com
situações como”Concentras-te na resolução dos problemas”, em que as opções de
resposta variavam de 1 (nunca) a 5 (sempre). Esta escala divide-se em três sub-
escalas tendo sido usadas as sub-escalas – Coping dirigido à resolução de
Problemas e Coping dirigido aos outros.
Escala revista da ansiedade manifesta na criança – RCMAS. A ansiedade foi
avaliada através dos 37 itens traduzidos e adaptados (Martins, 2000) da Revised
Children’s Manifest Anxiety Scale de Reynolds & Richmond. Os sujeitos eram
confrontados com situações como”Eu tenho dificuldades em decidir-me”, em que
as opções de resposta variavam entre sim ou não. Esta escala divide-se em quatro
sub-escalas: Ansiedade Fisiológica, Preocupação/Hipersensibilidade, Preocupação
489
Social/Concentração e Mentira.
Escala de avaliação do auto-conceito de competência. O auto-conceito de
competência foi avaliado através dos 18 itens traduzidos e adaptados por Faria &
Lima Santos (1996) do questionário original de Räty e Snellman. Os sujeitos eram
confrontados com situações como”Tenho em consideração os outros”, em que as
opções de resposta variavam de 1 (não tenho mesmo nada) a 5 (tenho mesmo
muito). Esta escala divide-se em três sub-escalas Resolução de Problemas,
Cooperação Social, e Assertividade Social.
Escala de avaliação subjectiva da escola. A avaliação subjectiva da escola foi
avaliada através dos 20 itens traduzidos e adaptados por Pereira & Pires (1999) do
questionário original de Rubini e Palmonari. Os sujeitos eram confrontados com
situações como”É-me difícil respeitar algumas regras da escola”, em que as
opções de resposta variavam de 1 (nada) a 5 (muito). Esta escala divide-se em três
sub-escalas (In)Adaptação às Regras Escolares, (In)Segurança face à Avaliação
Escolar, e Auto-estima em função da Experiência Escolar.
Escala de bem-estar psicológico para adolescentes. O bem-estar psicológico foi
avaliado através dos 28 itens da Escala de Bem-estar Psicológico para
Adolescentes (2001). Os sujeitos eram confrontados com situações
como”Consegui ver o lado positivo das coisas”, em que as opções de resposta
variavam de 1 (sempre) a 5 (nunca). Esta escala divide-se em cinco sub-escalas:
Ansiedade, Cognitivo-Emocional Negativa, Cognitivo-Emocional Positiva, Apoio
Social, e Percepção de Competências.
No questionário utilizado na avaliação contínua preenchido pelos alunos, utilizada
todas as sessões, os sujeitos são questionados sobre o seu comportamento na
sessão, em que as opções de resposta variam entre verde (bom), amarelo (mais ou
menos) ou vermelho (mau).
A avaliação final contou ainda com um pequeno questionário sobre
comportamentos de saúde. Este consistiu numa versão reduzida e adaptada para a
nossa população-alvo, do estudo”Health Behavior School-aged Children”(Matos
et al., 2003), tendo sido preenchido por todos os alunos que participaram na
avaliação.
No questionário utilizado na avaliação contínua preenchido pelos técnicos, são
cotados 14 itens da ficha de avaliação para cada aluno utilizada todas as sessões,
com situações como”Agressividade face aos outros jovens”, em que as opções de
resposta variam de 1 (mau) a 5 (muito bom).
Resultados
Questionário sobre comportamentos de saúde HBSC/OMS (Matos et al., 2003)
Não foi possível o preenchimento por todos os alunos. Assim, foram completados
111 questionários, dos quais 53,2% por rapazes e 46,8% por raparigas, com idades
compreendidas entre os 8 e os 15 anos. Os alunos desta amostra encontram-se
distribuídos pelos seguintes anos lectivos: 6,3% do 3º ano, 15,3% do 4º ano, e
78,4% do 5º ano de escolaridade.
Serão apresentados de seguida, para parte da nossa amostra, os resultados obtidos
nas diferentes temáticas abordadas: profissão dos pais, hábitos alimentares e de
higiene, sintomas físicos, prática de actividade física e tempos livres, uso de
substâncias, violência, ambiente familiar, relações de amizade e grupo de pares, e
ambiente escolar.
Estatuto sócio-económico
A maior parte dos pais dos alunos têm emprego, sendo a percentagem de pais
empregados superior à de mães com emprego. De forma a estimar o nível sócio
económico dos pais dos jovens, optou-se pela utilização da Escala de Graffar.
A maioria dos pais pertence ao nível 4 (médio-baixo).
Alimentação e higiene oral
No que diz respeito à frequência com que tomam o pequeno-almoço, verifica-se
que a maioria dos jovens o fazem todos os dias.
A maioria dos alunos consome fruta pelo menos uma vez por dia, e pouco menos
de metade consome de vez em quando. Mais de metade dos jovens consome
vegetais de vez em quando, e cerca de um terço consome todos os dias. Os
hambúrgueres, cachorros quentes e salsichas são referidos pela grande maioria dos
alunos como consumidos de vez em quando, com cerca de um quarto a fazerem-
no todos os dias.
491
No que diz respeito à relação com a família, a maioria refere ser muito fácil falar
com a mãe, sendo de salientar que com o pai os jovens referem mais dificuldades
em falar com ele. Relativamente à(o) irmã(o) e ao melhor amigo, novamente a
maior parte dos jovens refere ser muito fácil falar com eles.
Amigos
Quando questionados sobre o número de bons amigos, a maioria dos jovens refere
ter três ou mais. Relativamente ao número de dias em que ficam com os amigos
depois das aulas, a maioria dos jovens diz ficar seis dias. Quando inquiridos sobre
se contactam com os amigos através de SMS ou e-mail, a maioria dos alunos
questionados refere raramente ou nunca o fazer.
Escola
No que diz respeito à percepção da capacidade escolar pelos professores, a grande
maioria dos alunos considera que é boa. A maioria dos alunos questionados refere
gostar da escola. Relativamente à segurança sentida na escola, cerca de um terço
dos alunos sente-se muitas vezes seguro na escola, com a segunda resposta mais
frequente a ser o”sempre”. No que diz respeito à sua opinião sobre os colegas, a
maioria acha que às vezes os colegas são simpáticos e prestáveis, e que os aceitam
sempre como são. Cerca de metade dos jovens questionados sente-se feliz, com
pouco menos de metade a referir ser muito feliz. Metade dos jovens inquiridos
considera que ir à escola às vezes é aborrecido. Cerca de metade dos jovens refere
não ter ficado sozinho na escola nos últimos dois meses. No que diz respeito à
ajuda dos professores, a maior parte dos jovens refere que esta ocorre muitas
vezes. No entanto, em relação ao interesse demonstrado pelos professores, quase
metade dos alunos diz não saber se acontece. Quando questionados sobre a
constituição do agregado familiar, a maioria dos jovens refere morar com três
pessoas.
Escala de Atitudes Face à Autoridade Institucional
Os dados a seguir apresentados referem-se à avaliação inicial realizada nos dois
grupos de estudo (GP e GE).
A maioria dos alunos considera que os professores tratam os estudantes todos da
mesma forma, que a policia existe para fazer com que a sociedade seja melhor
para todos, que as leis salvaguardam os direitos de todos os cidadãos, ou seja,
demonstram positividade relativamente ao sistema legal e à autoridade escolar.
No que diz respeito às suas percepções relativas aos deveres e transgressões face à
autoridade institucional, os alunos inquiridos não considera que a maioria das
regras escolares são estúpidas e insignificantes, nem que existam apenas para
vantagem dos professores, referindo também que se dão bem com a maioria dos
seus professores. Ainda dentro desta temática, a maioria dos jovens discorda
quando são confrontados com o não se preocuparem com as regras escolares e
493
recusar a obedecer ao professor é justo por não existirem punições, e também com
o poder transgredir a lei se tal não prejudicar ninguém.
No que diz respeito à parcialidade da autoridade legal, a maioria dos alunos não
concorda que a policia gaste mais tempo a proteger os bens das pessoas ricas do
que a ajudar as pessoas normais, não tendo opinião formada em relação a se a
policia diferencia as pessoas por classes sociais ou se trata todos da mesma forma.
Avaliação do Projecto
No final do Projecto, foi realizada uma avaliação global, junto dos profissionais e
técnicos nele directamente envolvidos. O questionário foi preenchido por 5
professoras das Escolas envolvidas no Projecto, com idades compreendidas entre
os 29 e os 49 anos. Apenas as duas professoras puderam assistir às sessões
realizadas.
Sobre a avaliação global do Projecto, os questionários recolhidos demonstram que
a sua maioria indica que o Projecto foi”Bom/Muito Bom”.
Novamente a maioria dos inquiridos refere que as actividades propostas foram
adequadas aos objectivos propostos e ao nível etário das crianças, e que também
foram motivantes para os alunos.
No que diz respeito à avaliação realizada, a maioria dos inquiridos é da opinião
que é de difícil preenchimento. Sobre mudanças observadas no comportamento
495
dos alunos, é referido que estes estão mais preocupados com os colegas, e mais
concentrados nas tarefas.
As opiniões relativas à articulação entre as diferentes entidades envolvidas no
Projecto dividem-se entre o”Bom”e o”Satisfaz”.
À semelhança do que já tem sido demonstrado noutros programas portugueses no
âmbito da promoção de competências sociais, e também com diversos tipos de
população-alvo, a intervenção ao nível do desenvolvimento de competências de
comunicação interpessoal, da gestão de conflitos, da resolução de problemas, da
gestão emocional, e do treino assertivo, tem-se mostrado uma importante forma de
promover nas crianças e jovens capacidades que lhes permitam desenvolver o
auto-conceito, a auto-confiança, o respeito por si e pelos outros. Assim, estas
crianças e jovens poderão obter competências importantes para a sua vida, para a
prevenção de comportamentos de risco, promoção de comportamentos de saúde,
fundamentais no seu desenvolvimento pessoal e social.
Referências
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interventions to reduce prejudice. Journal of Social Issues, Winter.
Barrón, R., Castilla, I., Casullo, M., & Verdú, J. (2002). Relación entre estilos y
estrategias de afrontamiento y bienestar psicológico en adolescentes.
Psicothema, 14 (2), 363-368.
Bizarro, L. (2001). A avaliação do bem-estar psicológico na adolescência. Revista
Portuguesa de Psicologia (35), 81-111.
Botvin, G., Griffin, K., Paul, E., & Macaulay, A. (2003). Preventing tobacco and
alcohol use among elementary school students through life competências
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Caplan, G. (1964). Principles of preventive psychiatry. New York: Basic Books.
Comité sobre Adolescência do Grupo para o Adiantamento da Psiquiatria,
CAGAP. Dinâmica da adolescência. Aspectos biológicos, culturais e
psicológicos. São Paulo: Editora Cultrix.
Dias, C., Cruz, J., & Danish, S. (2001). O desporto como contexto para a
aprendizagem e ensino de competências de vida: programas de intervenção
para crianças e adolescentes. Análise Psicológica., XIX(1), 157-170.
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and Behavioral Disorders (Fall).
Faria, L., Santos, N., & Bessa, N. (1996). Auto-conceito de competência:
adaptação de um instrumento a adolescentes portugueses. In L. S. Almeida, S.
Araújo, M. M. Gonçalves, C. Machado & M. R. Simões (Eds.), Avaliação
496
Anexo
Programa de promoção de competências de saúde
Objectivos
Desenvolver nos jovens competências pessoais e sociais como forma prevenção
de comportamentos desajustados;
Desenvolver competências ao nível da comunicação interpessoal, da resolução de
problemas e gestão de conflitos, da assertividade e da gestão de emoções;
Desenvolver competências ao nível das relações interpessoais;
Desenvolver competências de trabalho e apoio de pares entre os jovens;
Preparação da transição para um novo ambiente escolar no próximo ano lectivo.
Descrição
O PPCS utilizado inclui três módulos:
(1) Comunicação Interpessoal e Gestão de Emoções/Solução de Problemas;
(2) Competências Sociais e Gestão de Emoções/Solução de Problemas; e
(3) (3) Role playing. O planeamento geral foi definido com quatro sessões
para cada um dos módulos, onde no final de cada um foi feita uma sessão
extra. Esta consiste numa actividade diferenciada, que proporciona aos
participantes a aplicação de conhecimentos adquiridos ao longo das
sessões.
Sessão-Tipo
Diálogo inicial;
Actividade de quebra-gelo ou cooperação (opcional no inicio ou final da sessão);
Actividade de conteúdo;
Actividade de quebra-gelo ou cooperação (opcional no inicio ou final da sessão);
Diálogo final.
Comunicação Interpessoal
Identificação das diferentes posturas em diversos contextos;
500
Gestão de emoções
Identificação de três tipos de emoções: Insegurança, irritação e felicidade;
Identificação dos elementos-chave da expressão facial no reconhecimento de
emoções/sentimentos.
Solução de Problemas
Desenvolver competências de resolução de problemas e de trabalho em equipa.
Competências Sociais
Diferenciar respostas passivas, agressivas e assertivas em diversos contextos;
Desenvolver as competências de”pedir ajuda”,”expressar acordo e
desacordo”(responder a críticas), e”resistir à pressão dos pares”.
Gestão de emoções
Identificar a linguagem hesitante, o contacto visual evasivo, os gestos nervosos e
o desrespeito pelos seus próprios direitos, como elementos chave na resposta
passiva (medo);
Identificar o tom de voz elevado, o contacto visual dominador, o espaço
interpessoal exagerado e a violação dos próprios direitos e dos outros, como
elementos chave na resposta agressiva (fúria);
Identificar a linguagem fluente, o contacto visual firme, a coerência das
componentes verbal e não verbal, e o respeito pelos próprios direitos e pelos dos
outros, como elementos chave na resposta assertiva (calma).
Solução de Problemas
Identificar e compreender os passos da metodologia de solução de problemas (seis
passos).
Discussão de Problemas
Promover pequenos grupos de discussão de problemas;
Aplicação a situações práticas e reais da metodologia de resolução de problemas;
Promover a participação de todos no debate.
Expectativas de futuro
Promover o desenvolvimento de expectativas de futuro próximo;
Desenvolver a capacidade de antecipação e planeamento.
Aplicação de conhecimentos
Promover a generalização e aplicação de conhecimentos para situações reais do
quotidiano.
Introdução
Os desafios da adolescência continuam a ser vistos como parte integrante do
desenvolvimento (Galambos & Leadbeater, 2000). As fracas condições
socioeconómicas têm sido relatadas como uma das mais comuns formas de
psicopatologia na adolescência, nomeadamente lares mono-parentais, fracos
recursos educacionais, desemprego, psicopatologia parental, fracas condições de
habitação, e áreas de residência onde o crime e a escassez de recursos de lazer e
socialização são uma constante (Matos, Simões & Carvalhosa, 2000).
Os problemas de comportamento na adolescência representam uma preocupação
para a saúde mental e educacional. As perturbações psicológicas simbolizam para
a comunidade um custo acrescido, que poderia ser reduzido pela implementação
de acções de prevenção bem sucedidas. O início da adolescência é um período
óptimo para a implementação de intervenções que visem aumentar o
desenvolvimento do indivíduo, e a prevenção de problemas (Petersen & Hamburg,
1986, citados por Meyer, 1999). Uma importante consideração a tomar em conta
quando falamos deste tipo de intervenções é o foco na prevenção de
comportamentos e atitudes e a sua generalização a vários domínios da vida. Estes
comportamentos e atitudes são geralmente designados por competências sociais
ou por resiliência (Danish, Petispas & Hale, 1990, citados por Meyer, 1999). O
conceito de competência social torna-se difícil de definir, uma vez que vários
autores sublinham diferentes componentes, no entanto, todos eles avaliam a
competência social como um comportamento social adequado, em que a sua
definição como ajustado, passa pela avaliação da situação em questão, do nível
etário, do contexto, da cultura e de um conjunto de intervenientes sociais (Matos,
1998). As competências sociais são vistas como comportamentos sociais
significativos (com os pares, a família, a escola), exibidos em situações
específicas, e que predizem comportamentos adaptativos, importantes e funcionais
na infância e na adolescência (Gresham, 1998; Wolf, 1978, citados por Gresham,
Sugai & Horner, 2001). Sem competências sociais para interagir construtivamente
e desenvolver relações interpessoais, as crianças são excluídas das oportunidades
de desenvolver no futuro, mais e complexas competências de vida (Mize & Abell,
2001). Torna-se assim fundamental compreender os factores de protecção que
estão associados a uma maior resiliência e assertividade. Isso permitirá o
desenvolvimento de programas de prevenção mais necessários em populações
503
também uma forma de comunicação não-verbal, que varia de acordo com o estado
de espírito do indivíduo, na dimensão tensão-relaxamento. A posição do corpo, e a
forma como o indivíduo se senta ou está de pé, reflectem os seus sentimentos
acerca de si e da sua relação com os outros. A aparência física representa um
importante marcador da relação interpessoal, uma vez que formamos de imediato
uma ideia do indivíduo acerca da personalidade, inteligência, estatuto sócio-
económico e grau de conformidade com as normas.
O comportamento verbal, juntamente com os sinais vocais transmite o significado
da informação, bem como estados emocionais. Assim sendo, as características da
voz, o volume, o tom, o timbre, a fluidez, a velocidade, a ênfase, a claridade, as
pausas e as oscilações são fundamentais neste processo. O som é visto como meio
básico de comunicação, ênfase da fala e meio de comunicação de atitudes,
sentimentos e traços de personalidade (Matos et al., 2000).
Determinados comportamentos sociais estão directamente dependentes do
processamento cognitivo que suportam, assim como, a descodificação de
informação e a resolução de problemas (Matos et al., 2000). A resolução de
problemas deverá incluir sete etapas: a identificação do problema, a fase de
diagnóstico, a produção de soluções, a selecção de possíveis soluções, a execução,
a avaliação e a adaptação (Cruz & Mazaira, 2001). A ideia que o sujeito tem das
suas capacidades de desempenho influencia o seu comportamento e a sua eficácia
na resolução de problemas (Bandura, 1976).
O apoio social tem também sido identificado como um conceito central da
resiliência (Holaday & McPeahrson, 1997, citados por O,Hearn & Gatz, 1999).
Fontana (1988, citado por Matos, 1998) considera que a primeira representação
social da criança é a família, e que para a maioria destas, este permanece o grupo
mais importante. A família é vista como o meio onde se inicia a vida em
comunidade, e é aí que a criança realiza as suas primeiras interacções sociais e
aprende as primeiras normas de viver em sociedade. Quando os pais surgem como
um modelo socialmente desajustado, que varia entre a agressividade e a
passividade, a criança não desenvolve mecanismos de auto-regulação, nem
capacidades para criar estratégias de resolução de problemas. A criança tenderá a
utilizar a violência, se esse foi o único comportamento que aprendeu como forma
de relacionamento.
Uma área importante mas normalmente negligenciada no tema das competências
sociais no adolescente é o funcionamento dentro do grupo de pares. A
competência de funcionar efectivamente numa situação de grupo, aumenta de
importância na adolescência. Esta questão implica o trabalho em cooperação
tendo em consideração a perspectiva dos outros, a coordenação das acções
individuais com as dos outros, a resolução de problemas de forma colaboradora e
construtiva e a negociação de conflitos (Cooper & Cooper, 1992, citados por
505
Englund, Levy, Hyson & Sroufe, 2000), dai que a rejeição por parte do grupo de
pares, resulte normalmente de um deficit ao nível das competências sociais
(Stormshak, Bierman, Bruschi, Dodge, & Coie, 1999).
Método
Participantes
A amostra consistiu em 36 alunos de uma escola do primeiro ciclo de um bairro
desfavorecido de Lisboa, dos quais 52,8% são rapazes, têm uma idade mínima de
12 anos e uma idade máxima de 14 anos, com uma média de 12,8 anos
(D.P.=.94). Tendo em consideração o grupo das raparigas, 88,2 % (15) têm 12
anos e 11,8% (2) têm 13 anos. No que diz respeito ao grupo dos rapazes, 68,4%
(13) tem 14 anos, 21,1% (4) tem 12 anos e os restantes tem 13 anos.
Em termos de escolaridade a maioria da amostra frequenta o 3º ano (47,2%),
41,7% são alunos do 4º ano, e 11,1% frequentam o 2º ano. O grupo das raparigas,
encontra-se na sua maioria (58,8%) no 4º ano, uma vez que apenas três das alunas
(17,6%) frequentam o 2º ano e quatro (23,5%) frequentam o 3º ano. O grupo dos
rapazes tem maior expressão (68,4%) no 3º ano, encontrando-se cinco alunos
(26,3%) no 4º ano e apenas um aluno no 2º ano (5,3%). Do total da amostra, 36
alunos são repetentes, sendo que 69,4% são repetentes pela 2ª vez e 30,6% são
repetentes pela 1ª vez. 94,7% dos rapazes são repetentes pela segunda vez,
enquanto que nas raparigas isso só se verifica para 41,2% da amostra. Em 80,6%
(29) da amostra, o pai habita a mesma casa, em 100% a mãe habita a mesma casa,
94,4% (34) têm os irmãos a habitarem com eles, 30,6% (11) têm a avó a habitar
com eles, 8,3% (3) têm o avó a habitar com eles, 2,8% (1) têm a tia a habitar com
eles, 8,3% (3) têm os sobrinhos a habitar com eles e 2,8% (1) têm o padrasto a
habitar com eles.
Quando falamos sobre a opinião das crianças acerca da sessão, verificamos que na
sua totalidade (100%), gostaram de participar e do tema. Quando questionados
acerca do que menos gostaram na sessão, apenas 8,3% (3) referiram que não
gostaram de falar das zangas dos grupos. Em relação ao que mais gostaram na
sessão, 69,4% refere que gostou de tudo, 13,9% refere que gostou mais de falar da
amizade e apenas 2,8% referem que gostaram da confusão. No entanto, existiram
algumas sugestões para um próximo grupo focal, e foram apontados temas como:
questões de comportamento (25%), actividades extra-curriculares (13,9%),
abandono dos filhos por mães muito jovens (11,1%), e acidentes de viação
(11,1%). Falando de estatuto profissional, 91,7% das mães têm uma profissão de
4º grau, e 8,3% de 5º grau e no caso dos pais, os que trabalham (30), têm uma
profissão de 5º grau. Quer num caso, quer noutro, a escolaridade máxima é até ao
6º ano. A idade máxima das mães é de 54 anos e a idade mínima de 27 anos,
sendo a média de 40 anos. No caso dos pais, a idade máxima é de 52 anos e a