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educação e

desenvolvimento
fundamentos e
conceitos
jorge carvalho arroteia
unidade de investigação
construção do conhecimento pedagógico
nos sistemas de formação
título
Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

autor
Jorge Carvalho Arroteia

design e serviços de prépress


Gabinete de Imagem
Fundação João Jacinto de Magalhães

impressão
Grafigamelas – Indústria Gráfica, Lda

edição
Universidade de Aveiro, Comissão Editorial
Departamento de Ciências da Educação
Campus Universitário de Santiago
3810-193 Aveiro

tiragem
350 exemplares

depósito legal
?????????????

ISBN
978-972-789-250-1

catalogação recomendada
Arroteia, Jorge de Carvalho, 1947-

Educação e desenvolvimento : fundamentos e conceitos / Jorge Carvalho


Arroteia. - Aveiro : Universidade de Aveiro. Comissão Editorial.
Departamento de Ciências da Educação, 2008. - 391 p.
Unidade de investigação construção do conhecimento pedagógico nos sistemas de informação
ISBN 978-972-789-250-1 (brochado)

Desenvolvimento da educação // Fundamentos da educação // Políticas


educativas // Avaliação da educação

CDU 37.014

Reservados todos os direitos. Esta publicação não pode ser reproduzida ou transmitida, no todo ou em parte, por qualquer processo,
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À minha Família,
Aos Mestres e Alunos,
Sempre presentes no meu trabalho.
Índice

Apresentação 13

Acção educativa 17
Programa 19
Projecto 20

Administração 25
Direcção 29
Motivação 29
Participação 30

Administração educacional 33

Análise social da educação 39


Aprendizagens escolares 40
Planos de estudos 41
Planos curriculares 42
Sucesso escolar 45
Recursos educacionais 46
Tecnologia e educação 47

Avaliação 49
Avaliação do ensino superior 52

Carta escolar 55

Democratização do ensino 63
Acessibilidades 66
Apoios educativos e sociais 67
Igualdade de oportunidades 70
Educação para todos 72
Demografia escolar 75
Diagrama de Lexis 76
Esperança de vida escolar 77
População escolar 78

Demografia e sociedade 83
Migrações e ensino 87
Prospectiva 91

Desempenho 95
Eficiência 96
Eficácia 96
Qualidade 97

Desenvolvimento da educação 103


Capital humano 105
Oferta escolar 107
Redes 108

Economia e educação 111


Despesas em educação 112
Financiamento da educação 113
Gastos em educação 113

Educação 115
Educação de base 116
Educação de adultos 116
Educação não formal 117

Educação comparada 119

Educação em centros urbanos 123


Educação e desenvolvimento 127
Desenvolvimento humano 128
Desenvolvimento comunitário 130
Desenvolvimento socioeconómico 133
Ensino superior e desenvolvimento regional 137

Educação e direitos 145


Direito à educação 145
Educação e direitos humanos 147

Escola 153
Estabelecimento de ensino 155
Instituição escolar 156
Sistema escolar 157

Escola eficaz 159

Família e educação 161

Formação inicial de professores 165

Formação ao longo da vida 169


Andragogia 171
Educação e formação de adultos 172

Formação profissional 175

Funções da educação 179

Gestão 183
Clima escolar 184
Estratégia 185
Liderança 186
Indicadores 189
Indicadores da OCDE 195

LBSE 197
Modalidades especiais de educação escolar 198

Métodos de investigação 199


Investigação-acção 201
Estudos de caso 203
Estudos monográficos 203
Análise organizacional 203

Mobilidade social 205


Meio social 206
Selecção social 206

Mudança social e educação 209


Analfabetismo 212
Inovação 214

Organismos internacionais 219


BIE – Bureau International d’Éducation 219
ONU – Organização das Nações Unidas 219
UNESCO – United Nations Educational, Scientific and Cultural Oganization 220
CE – Conseil de l’Europe 220
OCDE – Organisation de Coopération et de Développement Économiques 221
UE – União Europeia 221

Organização escolar 223


Organograma 225
Pedagogia social 227
Acção pedagógica 232
Inclusão social 233
Tempo de lazer e animação 233

Planeamento 235
Planeamento da educação 237
Métodos de planeamento da educação 242

Poder 245
Autonomia 247
Descentralização 249
Desconcentração 249
Regionalização 250

Política educativa 253


Construção da política educativa 255
Dimensões de análise 257
Contextos 258

Procura social da educação 261


Alunos 264
Escolarização 264
Massificação escolar 266
Crise de educação 266

Profissão docente 269

Reformas de ensino 275

Regulação do sistema educativo 283


Regulação do ensino superior 287
Regulação pela mão da avaliação 290
Regulação pela mão da inspecção 290

Rendimento escolar 295


Abandono escolar 295
Desperdício escolar 296
Resultados 297
Sucesso escolar 298

Sistema 299
Sistema de ensino 300

Sistema educativo português 303


Subsistemas 307

Sistema de informação educacional 327

Socialização 333

Território 341
Assimetrias regionais 342
Comunidade 344

Tipologia dos sistemas educativos 347


A base morfológica 349
A organização social 350
Coerência interna 352
Organização interna 354
União Europeia 357
Fundamentos da política educativa 357
Orientações relativas à educação e à formação 359
Questões em aberto 361

Nota final 365

Bibliografia 367
Apresentação

“Porque na muita sabedoria há muita arrelia, e o que aumenta o conhecimento,


aumenta o sofrimento”.
“Eclesiastes, 1, 18”

Ao longo da nossa actividade docente e profissional, fomos diversas vezes chamados a


participar em tarefas relacionadas com a direcção, a administração e a avaliação do sistema
educativo, no seu todo, ou de algum dos seus subsistemas e instituições, em particular.
Esta colaboração veio reforçar o interesse pelo aprofundamento dos aspectos relativos à
gestão e à orientação de certas medidas atinentes ao desenvolvimento, ao planeamento e
à evolução próxima do sistema educativo português. Frequentemente, constatámos como
muitas das decisões relativas ao planeamento e à administração deste sistema nem sempre
pareciam concordantes com os princípios teóricos, a racionalidade científica e os ensinamentos
académicos de algumas escolas de pensamento.
Com agrado, registamos como, no decurso das últimas décadas, muitos temas relacionados
com a análise sócio-organizacional do sistema educativo português têm vindo a ser aprofundados,
sobretudo em estudos de natureza académica, levados a cabo em diferentes instituições de
ensino superior e segundo perspectivas diferenciadas. Tal facto tem vindo a fortalecer uma
dinâmica investigativa e uma matriz teórica e reflexiva, indispensáveis ao progresso de muitas
ciências, nomeadamente as que integram, no seu corpus, a análise social dos fenómenos
educacionais, a administração pública e a política educativa. Contudo, apesar do enriquecimento
do acervo bibliográfico em diversas áreas do saber, os resultados de muitas das tomadas de
decisão de natureza política continuam a ser contraditórios em relação a certos pressupostos
teóricos, atinentes à matriz de funcionamento das organizações educativas – entendidas como
organizações sociais – ou, mesmo, quanto aos resultados esperados, gorando as expectativas
da população escolar e da sociedade em geral. Por isso, apesar da retórica dos discursos
oficiais, muitas delas devem ser equacionadas face aos pressupostos inscritos na Constituição
da República Portuguesa (CRP), relacionados com a construção de um Estado de direito
democrático, assente na democracia económica, social e cultural e no aprofundamento da
democracia participativa (artº 2), bem como na sua extensão a toda a população.
Não cabe no âmbito deste texto apreciar nenhuma medida concreta, sobretudo as que foram
tomadas depois da segunda metade de Novecentos, quando o sistema educativo português,
seguindo as tendências que se haviam verificado noutros contextos europeus, passou a registar
os efeitos do processo de democratização da educação, responsável pelo aumento progressivo
14 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

da população escolar, pelo alargamento da rede de estabelecimentos de ensino e de formação


e pelo desenvolvimento dos diversos subsistemas de ensino. Tão pouco nos cabe apreciar os
seus reflexos sobre as organizações escolares, a população estudantil, o sistema de ensino
no seu todo ou sobre a sociedade portuguesa. Tal facto exigiria uma análise aprofundada
das múltiplas medidas de acção educativa ditadas por princípios ideológicos e programáticos
enunciados nos textos de acção governativa e que, no seu conjunto, configuraram “políticas
de educação” distintas consoante o momento, as opções estratégicas, os interesses, as
disponibilidades e a visão dos seus responsáveis. O trabalho em questão pretende, sim,
recordar os fundamentos e os conceitos relacionados com o desenvolvimento dos sistemas
educativos. Assim:
· serve de roteiro à análise da desenvolução e planeamento, da acção e da política educativa
e da sua relação (e dependência), em relação aos fenómenos sociais que os acompanham.
Por fenómenos sociais entendemos, à semelhança de Gurvitch (1979, p. 27), os “fenómenos
sociais totais”, como “totalidades reais em marcha, em movimento permanente”, sendo
“o elemento vulcânico da realidade social, a origem das erupções desta “;
· toma em consideração o desenvolvimento de cada indivíduo e de todos os homens,
segundo processos que apontam para o conjunto de dimensões do ser humano;
· tem presente a disponibilidade e a utilização dos recursos postos à disposição do sistema
educativo, reunindo as mesmas unidades e factores na acção educativa, atributos que
Perroux (1987, p. 31-32) identifica como fazendo parte do “novo desenvolvimento”:
global, endógeno e integrado. Juntamos-lhe uma outra característica, o desenvolvimento
sustentado, tendo em consideração a evolução dos sistemas sociais e ambientais e a
pertinência da acção pedagógica e educativa na preservação dos equilíbrios societais e
naturais, resultantes da exploração incontida destes recursos, da exploração humana e
do agravamento das desigualdades sociais.

Neste sentido, justifica-se o título que escolhemos para este trabalho: educação e desen-
volvimento. De facto, entendemos que a educação deve ser considerada como um fenómeno
social, em evolução permanente, exigindo coerência, motivação e participação dos seus actores,
em articulação com o projecto, a identidade e a visão prospectiva das políticas educativas, de
formação e de investigação que as orientam. Por outro lado, ela é o principal factor responsável
pela evolução dinâmica das sociedades actuais, na busca do desenvolvimento e do bem-estar
humano e social, conducente ao crescimento, à inovação tecnológica (LOUREIRO, 1985), à
inclusão social e à procura de soluções contra as ameaças humanas, naturais e outras, que
pairam sobre a humanidade. E como recordam Debesse e Mialaret (1974, p. 367), qualquer
sociedade, capitalista ou socialista, “assenta na produção e no trabalho”, semelhantes nos
meios, diferentes nos fins, mas sujeitas à mesma evolução técnica que “caracteriza as duas
sociedades” (Loc. cit.).
Para o desempenho destas funções, cabe aos sistemas de ensino organizarem-se, de
forma não só a “perpetuar os valores e as competências dos seus habitantes, mas também
para preparar esta população para as mudanças que o progresso reclama” (UNESCO, 1965,
p. 13). De acordo com este documento da UNESCO (Loc. cit.), todo o sistema de ensino “é o
produto da sociedade (…) depende da estrutura social dominante e das aspirações culturais
Jorge Carvalho Arroteia 15

da população, das oportunidades oferecidas pelas diferentes profissões e do seu prestígio,


das disponibilidades orçamentais e dos recursos financeiros, enfim do conjunto do regime
politico e administrativo”. Complementarmente, consideramos o desenvolvimento como um
processo complexo, que tem a ver não só com o expansão e o crescimento do sistema
económico, mas também com as mudanças sociais e culturais que lhe andam associadas.
Neste contexto, ganha particular relevância a formação dos recursos humanos e o “acréscimo
de conhecimentos, de competências, de aptidões laborais (…) de todos os membros de uma
sociedade” (Op. cit., p. 74).

O estudo dos diferentes fenómenos educacionais que fazem parte do nosso quotidiano –
enquanto “actores” de um sistema responsável pela formação, investigação e prestação de
serviços à comunidade, como é o subsistema de ensino superior – obriga-nos a reflectir sobre
as decisões, as práticas e sobre os programas que fazem parte desta actividade, sobretudo
os que se relacionam com a docência, a investigação e a formação dos nossos alunos. Esta
vivência leva-nos a ter em consideração diversos tipos de abordagens dos fenómenos sociais
e dos processos de evolução e de mudança que reflectem o processo civilizatório que vivemos
e as influências da abertura das fronteiras do conhecimento e do saber que experimentamos.
A perspectiva que seguimos neste trabalho atendeu, portanto, às preocupações académicas
que nos assistem no domínio da análise social e organizacional da educação e à vivência
de situações diversas, com o acompanhamento e o cumprimento de funções burocráticas,
integradas em “cadeias hierárquicas” de organizações públicas, relacionadas com a direcção,
a gestão e a regulação do sistema educativo português. A experiência aí recolhida, completada
com a leitura e a pesquisa individual, foram enriquecedoras para a nossa reflexão, contribuindo
para a identificação de alguns eixos estruturantes de análise dos fenómenos sociais e
educacionais. De acordo com esta matriz, procuramos sistematizar, seguindo uma ordem,
sempre que possível, alfabética e ordenada, os fundamentos e os conceitos que nos pareceram
apropriados à compreensão dos aspectos relacionados com o desenvolvimento, a administração
e o planeamento da educação.
No trabalho que realizámos, evocamos alguns dos autores que, primeiramente, nos alertaram
para a importância de temas contidos nos programas das disciplinas do Departamento de
Ciências da Educação da Universidade de Aveiro, e que nos serviram de base à formação
“ao longo da vida” que encetámos. Assim, procurámos estruturar este trabalho dando primazia
aos conceitos que, em nosso entender, estão associados ao assunto que elegemos como tema,
a começar pelas notas sobre “acção educativa” e, a concluir, com a referência sobre algumas
das preocupações da UE sobre a educação e a formação no seio dos países europeus, e
sobre os desafios que se colocam à identidade e à diversidade dos seus sistemas sociais e
educativos (GARRIDO, 1996).
Como se verá em algumas abordagens, não prescindimos de referenciar obras e autores
que, para alguns, podem ser considerados “históricos”. Fazemo-lo seguindo o entendimento de
Mendras e Forsé (1983, p. 8), de relembrar o passado, de “raconter une histoire pour construire
un paradigme qui doit servir à comprendre d’autres transformations sociales relevant du même
type”. Esta é a nossa opção, por considerarmos, também, que, apesar da multiplicidade de
estudos e de análises recentes que incidem sobre os diferentes assuntos sociais e educacionais,
16 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

há uma matriz a ser tida em conta nos estudos actuais, a qual, nem sempre, é devidamente
valorizada em estudos recentes. A sua evocação constitui um testemunho do contributo de
certas obras para a compreensão da mudança social e o reforçar da “consciência colectiva”
e do legado científico de diversos autores que nos ajudam a compreeender as marcas dos
diversos “ciclos sociais” e que as gerações mais novas – sobretudo as que estão mais próximas
do nosso contexto de trabalho – não devem, de todo, ignorar.
Muitos outras referências podiam ou deveriam ser evocadas. Por se tratar de um primeiro ensaio,
reconhecemos o interesse de uma eventual actualização ou mesmo do seu aprofundamento,
sobretudo numa perspectiva comparada. Para tanto, esperamos o contributo dos que,
generosamente, entenderem pronunciar-se sobre o interesse, a oportunidade e a validade
deste “roteiro”.
Acção educativa

Em sentido amplo, a acção educativa é uma forma de “acção social”, entendida por Weber
(ARON, 1982, p. 509) como “um comportamento humano (…), uma atitude interior ou exterior
voltada para a acção, ou para a abstenção”, relacionada com o comportamento de outras
pessoas. Este tipo de acção, considerada não como revolucionária, “mas como uma tarefa
dinâmica de desenvolvimento das potencialidades sociais”, como assinala Ansart (1990, 265),
encara esta concepção dinâmica, “aberta à antropologia, à história, atenta à complexidade e à
mudança” (Op. cit., p. 266), como indispensável a qualquer tipo de análise, de cariz sociológico,
sobre fenómenos que afectam a escola e a nossa sociedade.
Diz-nos Sarmento (1997, p. 41) que “a abordagem da acção inscreve uma problemática que
é dominada pela extrema heterogeneidade dos conceitos que para ela são convocados (…)”.
Prossegue o mesmo autor, referindo que esta abordagem “faz-se sob as lentes das diversas
disciplinas que constituem as ciências sociais (a Sociologia, a Antropologia, a Psicologia Social,
a Ciência Política, as teorias organizacionais, etc.), cada uma delas interessada em promover os
seus próprios quadros conceptuais, em apresentar as suas próprias definições, em dilucidar as
antinomias e os dualismos que se colocam a propósito da relação da acção com o seu objectivo
científico próprio (acção e sociedade, acção e cultura, acção e sujeito, etc.)”.
No domínio que nos interessa, relacionado com o desenvolvimento, a política e o planeamento
da educação, a acção educativa abarca diferentes tipos de iniciativas, sobretudo de carácter
pedagógico e administrativo, conduzidas pela escola, pelos professores, pelo poder central,
no âmbito do ministério da tutela e serviços centrais dependentes, e levadas a cabo pelas
organizações escolares, pelo poder local e por entidades locais, direccionadas para a população
escolar (alunos e docentes) ou para a comunidade. Estas podem abarcar programas
específicos, de natureza educacional e formativa, de intervenção sócio-educativa e projectos
diferenciados, orientados para determinados estratos da população.
Parte integrante da acção educativa é o “acto educativo”, que Formosinho (“O sistema
educativo-conceitos básicos”, in: ALVES-PINTO, ALÇADA, SILVA, 1986/88, p. 277-290) define
por várias componentes (Op. cit., p. 279):
“a) instrução – é a transmissão de conhecimentos e técnicas;
b) socialização – é a transmissão de normas, valores e crenças, hábitos e atitudes;
c) estimulação – é a promoção do desenvolvimento integral do educando (desenvolvimento
intelectual, afectivo, motor, psicológico).”
18 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Como nos recorda Rocha (1988, p. 117), “a intervenção educativa tem por razão última
ajudar o educando a realizar-se integralmente como ser humano”. Daí a necessidade de se
atender à natureza humana: “o homem é activo – e realiza-se através de tarefas que, alterando
o ambiente, o modificam a ele próprio”. Por outro lado, tendo presente as orientações de
D’Hainaut (1980, p. 22), a acção educativa efectua-se em três níveis de decisão:
“· ao nível político, determinam-se os ‘fins’ da acção;
· ao nível da gestão da educação, precisam-se as ‘finalidades’ que deveriam conduzir a
realizar as intenções da política educativa;
· ao nível da realização, determinam-se os ‘objectivos’, que exprimem os resultados
esperados das acções que se empreendem para alcançar finalidades propostas ao nível
da gestão”.

Como qualquer acção humana, a acção educativa é condicionada por diversos factores,
relacionados com o tipo de sociedade, o regime político, a natureza da instituição de ensino,
a diversidade da população escolar (docente e discente), o envolvimento dos seus ‘actores’,
bem como pela relação escola-meio. Por ‘actores’, entendemos todos os interessados no
desenvolvimento das políticas educativas pertencentes quer ao “sistema político formal
(instituições oficiais: representantes eleitos, funcionários, dirigentes partidários, etc.) como
os que dispõem de estatuto político informal (grupos de interesse, associações voluntárias,
etc.) (FIGUEIREDO, 2001, p. 22). Daí considerarmos que qualquer acção educativa depende
do projecto educativo, de âmbito nacional, regional ou local, e assenta na elaboração de um
diagnóstico da realidade educacional, social e escolar, dos meios e recursos, dos objectivos
específicos e da programação e no desenvolvimento de acções concretas, a realizar nas escolas
ou de intervenção sobre o meio.
Dada a diversidade de situações e a multiplicidade de factores que condicionam o aprovei-
tamento escolar da população discente, é imperioso o conhecimento do sistema educativo
no seu conjunto, dos alunos e das suas identidades, das organizações escolares e das suas
particularidades, das estratégias a seguir em cada uma das situações, dos actores no seu
conjunto e da própria sociedade. Este conhecimento deve assentar no desenvolvimento da
investigação científica, baseada não só na descrição dos fenómenos sociais e educativos, mas
também na sua interpretação, compreensão e explicação, assim como na prática da autonomia
institucional e no apoio, no acordo e na colaboração entre os diversos parceiros responsáveis
pela educação e formação cívica da população discente.
O desenvolvimento destas acções, consubstanciada em iniciativas diversas, integradas em
projectos, programas e em planos de acção, sobretudo locais e regionais, devem traduzir as
opções de política educativa do poder central, os seus objectivos, os meios e as estratégias
relacionadas com as reformas institucionais, pedagógicas e de desenvolvimento da educação
na sua articulação com os demais sistemas sociais. Tal deve acontecer, igualmente, em relação
às autarquias: municípios e freguesias.
Havendo organismos internacionais que se preocupam com as questões do ensino e
da fomação, transcrevemos do “Portal da Unesco” – http://portal.unesco.org 22AGO06) o
enunciado de alguns tipos de acção, articulados com a política e as estratégias educativas:
Jorge Carvalho Arroteia 19

“i) acesso e participação à educação de base;


ii) equidade e redução das disparidades de género, das disparidades regionais, das
disparidades rural/urbano e das desigualdades sociais;
iii) qualidade e pertinência da formação nos diferentes níveis (educação de base, ensino
secundário geral, ensino técnico e profissional, ensino superior, educação de adultos,
etc.;
iv) lugar do sector privado e das comunidades locais na organização da educação;
v) regulação dos fluxos de alunos entre o ensino formal e não formal; público e privado;
secundário geral, técnico e profissional; superior curto e longo; elementar e secundário;
secundário e superior, etc.;
vi) aspectos institucionais, como a gestão, o planeamento e o equilíbrio entre a descen-
tralização, a desconcentração e a centralização;
vii) partenariado e comunicação entre os actores e os parceiros sociais, os níveis de
participação assim como as formas de participação e de comunicação;
viii) a gestão dos custos ao nível das despesas correntes e de capital;
ix) as políticas e as estratégias de mobilização de recursos em articulação com a descen-
tralização e o desenvolvimento do sector privado e o desenvolvimento de parcerias”.

Recorde-se que a importância da educação na promoção do desenvolvimento humano e


sustentável tem vindo a ser reconhecida por diversas instituições internacionais, pelo que a acção
e divulgação das “boas práticas” educativas devem ser incentivadas ao nível da escola, dos
serviços centrais e regionais e consideradas na gestão dos sistemas educativos. Para tanto, o
recurso a programas de formação específicos e a projectos curriculares e extracurriculares, que
permitam o desenvolvimento local e a participação alargada dos elementos que fazem parte da
escola e do seu meio envolvente, constitui um intrumento de valorização da acção educativa, quer
seja de natureza pedagógica ou de intervenção comunitária. Não devemos, no entanto, esquecer
que, face às mudanças constantes da nossa sociedade, a acção educativa de hoje exige dos
pedagogos uma atenção redobrada, no sentido de acompanharem esta evolução, adaptando a
sua actividade às exigências presentes e futuras dos alunos e da sociedade onde vivem.

Programa
O conceito de ‘programa’ suscita diferentes interpretações, consoante o tipo de análise a
empreender. Por isso, referimos várias propostas de definição. Para Landsheere (1979, p. 217),
o programa “é o conjunto integrado de actividades concebidas para atingir um determinado
fim”. Estas podem ser de diferente natureza, social, económica, cultural ou outra, incluindo um
leque de acções da mesma natureza ou complementares, mas levadas a cabo pela mesma
organização. Por ‘programa educativo’, entende o mesmo autor (Loc. cit.) o “plano de acção
em matéria de educação”.
Ainda no âmbito da educação, o ‘programa’ pode ser entendido de formas complementares.
Para D’Hainaut (1980, p. 19), o “programa” é, em princípio, “uma lista de matérias a ensinar
acompanhadas de ‘instruções metodológicas’ que eventualmente a justificam e dão indicações
sobre o método ou sobre a abordagem que os seus autores julgam a melhor, ou a mais
pertinente, para ensinar essas matérias”. Por sua vez, Vidal, Cárave e Florêncio (1992, p. 120)
20 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

entendem o ‘programa escolar’ como o “conjunto ordenado de conteúdos escolares”, e, para


Sáenz (1988, p. 474), como “o conjunto de actividades com objectivos educativos que o
professor ou a equipa de professores prepara, com vista à sua concretização no centro escolar”.
Neste caso, estas devem ter em atenção o conteúdo, o grau de instrução dos alunos, os níveis
a atingir no fim do curso, o material didáctico disponível, a idade dos alunos e as características,
em termos de homogeneidade/heterogeneidade do grupo escolar.
Por sua vez, Zabalza (1991, p. 12-23) entende o ‘programa’ como “o documento oficial
de carácter nacional ou autonómico em que é indicado o conjunto de conteúdos, objectivos,
etc., a considerar em determinado nível”. Mais, ainda: o programa “traduz os mínimos comuns
a toda uma sociedade, constituindo a ‘estrutura comum de uma cultura’ e as previsões
gerais relativamente às necessidades de formação e de desenvolvimento cultural e técnico
dessa mesma sociedade”. A sua gestão e aprofundamento são assegurados na escola pelos
professores, mas aos pais, à comunidade, às autoridades educativas e aos próprios alunos
é exigida uma larga participação no seu desenvolvimento. Tal justifica-se, na medida em que,
constituindo um programa escolar uma “estrutura central de referência”, torna-se imprescindível
ultrapassar as desigualdades existentes, de forma a que as metas a atingir pelos alunos
que frequentam o sistema educativo, qualquer que seja a sua origem geográfica e social,
sejam cumpridas.
Recorda-nos o mesmo autor (Op. cit., p. 17) que o programa, assim considerado, constitui
“um primeiro passo do desenvolvimento curricular”, entendido este “como um ‘continuum’
que se desenvolve em fases sucessivas e a diversos níveis do sistema escolar: administração
central, regiões, escolas, turmas concretas”.
Na lógica do desenvolvimento curricular, o desenvolvimento progressivo do programa, tendo
em conta as condições específicas de cada escola, das turmas, dos alunos, dos diferentes
contextos educativos, consubstancia a actividade de programação através da qual cada escola
pode “responder às necessidades educativas dos seus alunos e, inclusivamente, (…) colaborar
no desenvolvimento comunitário de todo o grupo social de que faz parte”.

Projecto
À semelhança do conceito anterior, também a noção de ‘projecto’ pode ser utilizada em
diferentes contextos, sociais, políticos, pedagógicos e outros. Em quaisquer deles, porém, o
projecto tem subjacente uma determinada acção, destinada a melhorar ou modificar uma ou
um conjunto de situações, surgindo como uma “constelação organizada de actividades que
são dirigidas para a realização de certos objectivos e para a obtenção de certos resultados”
(ERASMIE, LIMA, 1989, p. 63).
Para Vidal, Cárave e Florêncio (1992, p. 120), falar de projecto em educação “significa falar
de intenções e de adequação (…), a exposição, adaptação e desenvolvimento dos objectivos
e experiências educativas que se pretendem para um nível de ensino, etapa, ciclo ou área
concreta de ensino”. Por sua vez, M. Rodríguez (SÁENZ, 1988, p. 432) define ‘projecto’
como um “documento pedagógico, elaborado pela comunidade, que, com carácter temporal,
expressa, de forma realista e concreta, o que fazer no domínio educativo, tendo presente a
coerência de acção e a organização académica do centro”. Nesta perspectiva, o projecto
situa-se entre o “ideário” – “o que a escola quer ser – e as programações concretas que cada
Jorge Carvalho Arroteia 21

dia levam a cabo os elementos da mesma – o que a escola faz. O projecto expressa o que a
escola pretende” (Op. cit., p. 433).
A importância dos projectos pedagógicos é uma necessidade “para dinamizar o acto
educativo”, como refere Boutinet (1986, p. 20), uma vez que o seu desenvolvimento permite
“mobilizar a motivação dos alunos, aumentar a eficácia do sistema educativo, substituir
uma lógica de conteúdos, uma lógica de objectivos, de distinguir, enfim, no âmbito de um
programa, os elementos centrais e os elementos subsidiários”. Tal aplica-se não só a este tipo
de projecto, mas também aos projectos de ensino, de aprendizagem e aos projectos didácticos
e educativos. Estes últimos têm vindo a merecer a atenção redobrada por parte de alguns
cientistas nacionais (ERASMIE, LIMA, 1989; COSTA, 1990, 1991 e 1997; CANÁRIO, 1992;
BARROSO, 1992), que através da sua investigação têm chamado a atenção para a pertinência
e oportunidade do ‘projecto educativo’.
De acordo com Costa (1990a, p. 12), “a questão do Projecto Educativo de Escola aparece (…)
suportada por uma concepção política de sociedade que assenta num modelo de democracia
participativa com relevo para o papel de intervenção da sociedade civil. A tradução deste
modelo, ao nível educativo, passa por um sistema de ensino descentralizado e por uma escola
(comunidade educativa) com um grau de autonomia suficiente para definir e implementar o seu
próprio Projecto Educativo”. A sua relação com a autonomia, a direcção, a participação e a
comunidade educativa é, em data posterior, realçada por Formosinho (Prefácio. in: COSTA,
1991, p. 5), que entende o projecto educativo como um “instrumento organizacional de expressão
da vontade colectiva desta escola-comunidade educativa, é um documento que dá um sentido
útil à participação, é a corporização operativa da autonomia da escola comunidade”.
Neste sentido, o Projecto Educativo de Escola é, no dizer de Costa (Op. cit., p. 10), um
“documento de carácter pedagógico que, elaborado com a participação da comunidade
educativa, estabelece a identidade própria de cada escola através da adequação do quadro
legal em vigor à sua situação concreta, apresenta o modelo geral de organização e os objectivos
pretendidos pela instituição e, enquanto instrumento de gestão, é ponto de referência orientador
na coerência e unidade da acção educativa”, elaborado de acordo com o ideário da escola, o
plano anual e o regulamento interno (Op. cit., p. 20) e seguindo um conjunto de procedimentos,
tal como o preconiza o estudo de Costa (1991).
Cremos do maior interesse recordar uma outra proposta relativa à importância da pedagogia
do projecto, com particular relevância para a de Projecto de Classe. Para Hugon (1992, p. 108,
in: ESTRELA, FALCÃO, 1992), este será definido “como o conjunto de práticas pedagógicas
organizando situações educativas, concebidas em torno da realização de acções finalizadas
por uma produção concreta”, desenvolvido numa lógica de inovação e investigação-acção.
De acordo com experiências realizadas na região de Paris, esta autora (Loc. cit.), acrescenta:
“ao nível pedagógico, o projecto de classe é globalização do ensino, valorizando o saber-fazer,
pela multiplicação das prática. É a aquisição de utensílios à medida de situações verdadeiras…
Ao nível social, é uma noção que abre a escola para um outro tipo de relações: o estatuto da
criança modifica-se. Activa, torna-se parceira dos adultos e implicada nas aprendizagens.”
E que dizer da sua aplicação perante a diversidade de contextos e de públicos que caracterizam
o nosso sistema educativo, sobretudo em certas áreas residenciais na periferia de grandes
centros urbanos?
22 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

De acordo com a legislação que consagra o “Regime de autonomia, administração e gestão


dos estabelecimentos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário” (Dec.-Lei
nº 115-A/98, de 4 de Maio – artº 3), o “projecto educativo” é o “documento que consagra a
orientação educativa da escola, elaborado e aprovado pelos seus órgãos de administração e
gestão para um horizonte de três anos, no qual se explicitam os princípios, os valores, as metas
e as estratégias segundo os quais a escola se propõe cumprir a sua função educativa”.
Tendo em conta o avanço de estudos sobre este tema, recordamos que, no domínio
científico, um projecto de investigação é a “descrição de uma pesquisa a realizar e dos
meios necessários à sua realização” (LANDSHEERE, 1979, p. 217), a qual deve contemplar
os aspectos seguintes:
“1. problema;
2. como a solução do problema poderá contribuir para o progresso da teoria ou da prática
pedagógica (objectivos gerais e objectivos específicos);
3. hipóteses de solução;
4. definição dos principais termos utilizados;
5. primeira síntese da literatura;
6. etapas de observação ou da experiência:
a) o que se fará e como (plano experimental…);
b) que dados se pretende reunir;
c) como serão registados;
d) como serão validados;
e) como serão analisados;
7. calendário de trabalho;
8. necessidades de pessoal e de material;
9. orçamento.”

O sentido, amplo, da noção de projecto e a sua aplicação em diferentes contextos organi-


zacionais, escolas, empresas, associações e outras entidades, permite apresentar uma outra
definição de projecto (NOCE, PARADOWSKI, 2005, p. 14): “um projecto consiste numa acção
específica que permite estruturar metodológica e progressivamente uma realidade futura.
Um projecto permite elaborar uma resposta às necessidades de um utilizador; de um cliente ou
de uma clientela e implica um objectivo e acções a realizar com base num conjunto de recursos”.
Se tivermos ainda em conta a oportunidade do lançamento de projectos que tenham como
referência as necessidades básicas do indivíduo (saúde, educação, emprego e condições de vida)
(SERRANO, 2000, p. 21), então podemos falar em “pojecto social”, direccionado para um grupo
ou para uma organização ou instituição social, mas confinados, sempre, a uma área territorial.
Em suma, de acordo com Costa (2006, p. 89-90), o desenvolvimento de projectos
educacionais obedece a metodologias específicas, que podem dar origem a projectos de
natureza distinta, tais como:
“Projectos educativos locais – situados, fundamentalmente, no âmbito de actuação da
administração autárquica, designadamente a municipal, desenvolvidos sob a sua coordenação
e supervisão, traduzem-se em propostas de desenvolvimento educativo de uma colectividade
local, na base das quais se deverão construir as cartas educativas municipais (…).
Jorge Carvalho Arroteia 23

Projectos de desenvolvimento local e intervenção comunitária – trata-se de projectos


que dirigem a sua atenção para as comunidades locais e para as suas potencialidades de
desenvolvimento, identificando problemas comuns, construindo colectivamente as soluções e
os modos de realização através da mobilização dos recursos e vontades locais (…).
Projectos de formação – associados inicialmente aos programas de alfabetização, os
projectos de formação e educação de adultos abarcam hoje também outros domínios, como os
da formação contínua, da formação e do reconhecimento de competências, da requalificação
e reconversão profissional (e mesmo do ensino profissional) – ou seja, da chamada educação
permanente e formação ao longo da vida (…)”.
Na apresentação deste tema, podemos ainda evocar Serrano (2000, Introdução), que, a
propósito das características da sociedade actual e da mudança que a identifica, nomeadamente
as de natureza científica, técnica, e, sobretudo, educacional, considera que os projectos de
natureza social ajudam o homem a “tomar consciência dos seus próprios problemas”, podendo
contribuir, desta forma, “para a transformação e humanização da sociedade” (Op. cit., 19).
Para tanto, aponta como exemplo o desenvolvimento de projectos sociais, com o intuito de
melhorar uma determinada realidade social na qual florescem situações que importa remediar.
Pelo seu interesse, transcrevemos a definição que esta autora apresenta de “projecto social” –
orientado para um grupo social, uma instituição ou uma unidade territorial – bem como as
fases que importa considerar na sua realização (Op. cit., p. 20-21): “o projecto é um plano de
trabalho com carácter de proposta que concretiza os elementos necessários para conseguir
os objectivos desejados. Tem como missão prever, orientar e preparar o caminho para o que
se vai desenvolver. Todo o projecto compreende:
· uma descrição do que se quer alcançar, indicando com precisão a sua finalidade;
· uma adaptação do projecto às características do ambiente e às pessoas que o vão
desenvolver;
· dados e informações técnicas para o melhor desenvolvimento do projecto, assim como
os instrumentos de recolha de dados;
· os recursos mínimos indispensáveis à sua aplicação;
· uma calendarização precisa do desenvolvimento do projecto.

Estas são algumas das questões que se prendem com o desenvolvimento de diferentes
tipos de iniciativas, relacionadas com os problemas sociais contemporâneos, que convivem
com a instituição escolar, a qual tem uma palavra a dizer relativamente ao seu desempenho
pedagógico e à relação com a comunidade.
Administração

Em sentido amplo, a “administração” tem uma função específica, que é a de assegurar


o cumprimento das políticas definidas pelo Governo. Tal conceito está ligado ao exercício da
direcção, da gestão ou da governação, sobretudo de natureza pública. Assim, para Birou
(1978, p. 23), a “administração” é a “actividade que consiste em gerir e em fazer funcionar
instituições, empresas ou qualquer organização económica e social”, pública ou privada.
Por sua vez, Sumpf e Hugues (1973, p. 11) falam-nos de “administração” como o “conjunto de
relações sociais estabelecidas num grupo (…), relativas à prossecução de uma produtividade
mais racional, porque assenta num conjunto de decisões e na harmonização das motivações
de todos os membros do grupo”.
Entendida, ainda, como “a ciência e a arte de planejar, organizar, dirigir e controlar os
empreendimentos humanos” (SANTOS, 1964, p. 16), a administração prevê o exercício de
um conjunto de tarefas e de funções que permitem a consecução dos grandes objectivos
a atingir por qualquer empresa ou grupo organizado. Trata-se, portanto, de um processo
que engloba diversas fases e funções, que têm acompanhado a evolução das actividades
laborais e de produção, relacionadas com o crescimento da indústria e da própria sociedade.
Deste modo, constatamos a existência de etapas decisivas que facilitaram o seu desenvolvimento
e que levaram à racionalização da actividade humana no seio das organizações sociais, públicas
e privadas. Assim aconteceu, primeiramente, com a revolução industrial e a mecanização que
permitiu aumentar a produtividade manufactureira e a produção nas grandes unidades laborais.
Os principais escritos relativos à “teoria da administração” surgiram no início do século XX,
quando o engenheiro de empresas, Frederick W. Taylor, publicou, em 1911, um trabalho relativo
aos “Princípios da administração moderna”, ainda hoje aplicáveis à actividade humana. Dando
ênfase às tarefas e pensando, sobretudo, no aumento da produtividade e na realização dos
trabalhos rotineiros dentro da empresa, pela adaptação e treino do operário ao trabalho que
deve executar, Taylor assinalou alguns princípios fundamentais que, ainda hoje, se aplicam às
organizações modernas (BENÍTEZ, 1986, p. 26).
Destes, destacamos:
· “cada actividade laboral deve ser estudada de modo a definir-se a melhor maneira de a
realizar. Uma vez definida essa actividade, devem ser dadas a cada trabalhador instruções
escritas quanto ao modo de fazer o seu trabalho;
· (…) cada trabalhador deve ser seleccionado com base em critérios objectivos de forma
a atingir uma maior eficiência. Na fase seguinte deve garantir-se um aperfeiçoamento
específico e um aperfeiçoamento contínuo;
26 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

· (…) é necessário um sistema de controlo a fim de garantir que toda a actividade seja
realizada de acordo com o plano previamente estabelecido;
· (…) deve haver uma separação nítida entre planeamento e execução. A elaboração do
plano cabe à direcção e a sua execução ao trabalhador”.

Alguns anos mais tarde, em 1916, um outro engenheiro, Henry Fayol, num trabalho sobre
“Administração industrial e geral”, defendeu que “em todas as organizações existe uma série de
funções de cuja inter-relação e eficácia depende o êxito de qualquer instituição” (Op. cit., p. 27).
Contrariamente à anterior, conhecida pela “teoria da administração científica do trabalho”
(ou do “homem-máquina”), a “teoria clássica” de Fayol passou a dar maior atenção à estrutura
organizacional das empresas, assinalando como funções essenciais da administração as
seguintes: técnicas, relativas à produção de bens e serviços; comerciais, destinadas à compra
e venda de matérias; financeiras, relacionadas com a gestão de capitais; segurança, abarcando
a protecção de pessoas e bens; contabilísticas, relacionadas com a contabilidade da empresa;
e administrativas. O exercício desta última função engloba as seguintes fases: planeamento,
organização, direcção, coordenação e controlo. Estas tarefas devem integrar as diferentes fases
que assinalam a administração, nomeadamente a administração educacional, que prossegue
um determinado número de fins e de objectivos específicos.
Note-se que a administração dos sistemas de ensino, pela diversidade de estruturas que
a compõem e extensão territorial onde é exercida, deve ser igualmente encarada como uma
vasta ‘organização’, dominada por estruturas, centralizadas ou não, mas sujeitas à aplicação
de princípios reconhecidos como indispensáveis à boa gestão. Destacamos dentre eles: divisão
do trabalho, autoridade e responsabilidade, disciplina, unidade de comando e de direcção,
subordinação dos interesses individuais aos colectivos, centralização, hierarquia, ordem,
equidade e estabilidade (COSTA, 1996, p. 29).
Devido à evolução das tarefas e das próprias organizações sociais, hoje em dia as funções
relativas à administração das organizações sociais têm vindo a aumentar, contando actualmente
o management empresarial com novas funções. Destas, destacamos: previsão; planificação
(que compreende várias fases no seu processo, desde a recolha de dados à definição de
objectivos e à elaboração de planos e de programas); organização; direcção e coordenação;
motivação; comunicação; avaliação (GHILARDI, SPALLAROSSA, 1989).
Convirá recordar que o desenvolvimento das sociedades industriais e a especialização
crescente das funções e das organizações sociais sugeriram novas propostas relativas ao modo
de condução racional dessas actividades e ao aparecimento de novos contributos teóricos.
Dentro destes, destacamos a abordagem sugerida por Max Weber (CRUZ, 1989), que, no
enunciado da “teoria burocrática”, chama a atenção para a necessidade da racionalização das
actividades económicas e sociais, através da criação de órgãos especializados, dotados de
autoridade legal e racional. O poder exercido por esses órgãos privilegia a hierarquização, bem
definida (pela dependência dos cargos e não das pessoas, como sucedia no caso da submissão
tradicional e carismática), e a divisão do trabalho social, com base numa especialização funcional,
através da departamentalização. Igualmente necessários são o ingresso e a progressão na
carreira, assentes na competência técnica e não noutros privilégios sociais, tais como relações
familiares, amizades ou o carisma pessoal. Tais procedimentos são legitimados por regras
Jorge Carvalho Arroteia 27

formais, que definem, com precisão, os direitos e deveres de cada trabalhador, garantindo,
assim, a objectividade e as relações impessoais entre os diferentes membros da organização.
Uma das características do aparelho administrativo construído de acordo com este modelo
é, segundo Fernandes (1992, p. 36), “o sistema de normas exaustivamente definidas e a
estrutura de relações hierárquicas entre os diferentes níveis da organização é para Weber o
meio adequado para assegurar a coordenação eficaz da acção societária que a elite dirigente
pretende exercer sobre toda a sociedade”. Além destas, a existência de vínculos administrativos,
impedindo a proeminência dos direitos pessoais, devem apontar para o cumprimento de
grandes objectivos comuns que orientam as organizações burocráticas. Por outro lado,
a previsibilidade do seu funcionamento constitui uma das últimas características destas
organizações que reservam para o centro delas a responsabilidade da decisão, da inovação e
da coordenação de toda a actividade e informação, respeitante ao seu conjunto.
A falência dos procedimentos relativos às teorias já referidas, – principalmente em relação
à ‘teoria burocrática’, que se revelou sede de inúmeras disfunções relacionadas com a
despersonalização, o formalismo, a rotina e a resistência à mudança –, centradas, essencialmente,
na estrutura e no funcionamento das organizações sociais, acabou por mostrar, ainda durante
os anos trinta do século passado, a necessidade de se repensar o seu funcionamento, dando
maior ênfase às pessoas que as servem. Para tanto, contribuíram as experiências efectuadas,
na Western Electric (estudos de Hawthorne), por Elthon Mayo (em 1942), que mostraram
como “a conduta do trabalhador não depende tanto da sua personalidade, mas sim do
grupo laboral onde se insere”. Por outro lado, realçaram “a importância da comunicação
como elemento fundamental para evitar os conflitos nas organizações” (BENÍTEZ, 1986,
p. 27). Esta postura favorece a compreensão das necessidades sociais dos trabalhadores, a
motivação, o comportamento em grupo e a satisfação profissional das necessidades humanas
(das fisiológicas às de auto-realização), podendo trazer um acréscimo da produtividade por
parte dos elementos de qualquer empresa.
Por sua vez, as propostas contidas na “teoria das relações humanas” de Elthon Mayo
foram enriquecidas com o enunciado de novos contributos relativos ao comportamento
organizacional, dando ainda maior ênfase às pessoas. Referimo-nos à análise comportamental
representada pelas “Teorias do X e do Y” de Douglas Mac Gregor. Assinalou Mac Gregor
(“Teoria do X”) a grande repugnância do ser humano pelo trabalho e mudança, o desinteresse
em assumir responsabilidades de direcção e de procurar acima de tudo a segurança, pouco lhe
interessando, dado o seu carácter egoísta e ambição reduzida, os objectivos da organização.
Estes pressupostos serviram ao autor para procurar justificar, através de outro enunciado, a
“Teoria do Y”, a integração do homem nas organizações, a sua motivação e interesses.
Novamente de Benítez (Op. cit., p. 28), transcrevemos alguns dos princípios básicos desta
última teoria:
· “o trabalho é tão importante para o homem como o jogo, a diversão ou o descanso.
Segundo circunstâncias que podem variar, o trabalho pode constituir uma fonte de
satisfação (caso em que o fará voluntariamente) ou um castigo (caso em que o evitará);
· o controlo e as sanções não são os únicos meios para que o homem prossiga os fins da
organização. A satisfação induzida pelas características da personalidade (…) são um
estímulo para a actividade laboral;
28 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

· a capacidade de imaginação, de engenho e de espírito criativo existem em grande número


de indivíduos. Se o homem encontra as condições adequadas para desenvolver estas
capacidades então não só as reunirá como tentará assumir a sua responsabilidade;
· no estado actual das organizações, a capacidade intelectual do ser humano só é utilizada
parcialmente”.

Como já notámos, a evolução das organizações sociais, na actualidade, tem vindo a sugerir
novas pistas para a sua interpretação e análise. Por isso, diversos contributos têm surgido nos
últimos anos, relacionados com a vida das sociedades e com a sua complexificação actual.
Entre as novas propostas, salientamos a “teoria sistémica,” que considera a administração como
um “sistema” de variáveis múltiplas e dinâmicas, como um todo dinâmico, que tem em conta
os diferentes elementos da organização, como um todo de partes interligadas, relacionadas
entre si e orientadas para os mesmos objectivos.
Tal perspectiva, não sendo inovadora no domínio do estudo das organizações sociais,
contempla igualmente as relações entre estas e o seu meio envolvente e a sua modificação
através de mecanismos complexos de auto-regulação. Tal acontece, principalmente, com os
“sistemas abertos”, conhecidos pela sua capacidade de adaptação e de reacção ao meio –
“retroacção” – que permite a adaptação contínua do produto final às necessidades do próprio
meio, a continuidade e a sobrevivência das organizações sociais. Caso assim não se verifique,
predomina a certeza, a previsibilidade, o planeamento e o controlo cerrados, característicos
dos “sistemas fechados” e das teorias ‘clássica’ e ‘burocrática’ da administração.
A exposição destes aspectos referentes à teoria geral da administração não esgota o
enunciado de outros pressupostos, nomeadamente a “teoria da contingência”, que defende
não existirem “normas ideais” para dirigir as organizações sociais, já que estas dependem,
essencialmente, de factores contextuais. Se aplicadas à administração educacional, podemos
referir novas abordagens teóricas, tais como as “teorias da anarquia”, da “democracia”, da
“arena política” e outras. No seu conjunto, estas sugerem-nos a necessidade de uma análise
mais aprofundada da escola e das suas imagens organizacionais. Trata-se, aliás, de assunto
desenvolvido por outros autores, nomeadamente por Costa (1996).
A apresentação acima descrita não esconde a existência de novos atributos que devem
caracterizar a administração no seu conjunto, sobretudo se esta for entendida numa perspectiva
mais dinâmica e inovadora. Neste caso, a administração pode revestir os seguintes atributos:
· dinâmica: permeável a mudanças internas dentro da organização e a um melhor aprovei-
tamento dos seus recursos humanos;
· inovadora: facilitadora dessas mudanças;
· eficaz: garantindo os melhores resultados face ao planeamento realizado;
· estável e duradoura: funcionando independentemente das flutuações políticas;
· participativa: fomentando o envolvimento de todos os actores sociais afectados pelas
medidas de política educativa.

Tendo em conta o processo de crescimento económico e social das sociedades industriais,


estas têm vindo a registar um aumento crescente do sector público, devido à oferta acrescida
de bens e serviços que acompanham o bem-estar e o progresso social. Esta situação tem
Jorge Carvalho Arroteia 29

levado ao aumento crescente das despesas públicas, isoladamente e na sua relação com o
PIB, conduzindo, por isso, a uma maior racionalidade da “teia burocrática do Estado” e a uma
gestão mais cuidada e responsável dos seus agentes.

Direcção
A direcção, entendida como “a acção de dirigir, consistindo em estabelecer e manter uma
linha de actuação determinada”, exige o planeamento, execução e controle de um conjunto
de actividades a desempenhar no seio de uma organização social (DACAL, 1986, p. 154).
É, ainda, entendida como “um processo aberto e flexível, que pretende harmonizar os recursos
e os elementos pessoais com vista a alcançar metas previamente determinadas” (Loc. cit.) e
constitui uma das tarefas fundamentais de toda a actividade administrativa.
Se aplicada à educação, as actividades relacionadas com a preparação de iniciativas no
âmbito da acção e da política educativa exigem o domínio de um conjunto de princípios
estruturantes, sobretudo na área da administração pública e da gestão dos recursos humanos.
Por outro lado, requer um conhecimento aprofundado da estrutura e da organização do sistema
educativo, dos diversos subsistemas que o formam, do universo de instituições que o integram
e das pessoas que nele trabalham e frequentam. O cumprimento dos seus princípios directores,
a articulação entre os seus órgãos e a comunicação entre os seus elementos constituem a
essência do funcionamento deste sistema.
Tendo presente o desenvolvimento científico das teorias relacionadas com a organização
científica do trabalho, as mudanças de ambientes e a importância crescente dos aspectos
atinentes à direcção dos recursos humanos, o conceito de direcção, tal como a referimos,
tem vindo a evoluir, cabendo-lhe novas tarefas concernentes à gestão e à liderança das
organizações sociais. De facto, partilhando das mesmas responsabilidades de direcção, a
gestão e a liderança permitem alcançar os melhores resultados em termos de execução e
desempenho, de processos, de participação e de resultados, permitindo transformações
profundas no seio das organizações educativas.

Motivação
O cumprimento das funções clássicas do “management” (empresarial e educacional) deve
contemplar a motivação, que constitui um dos factores mais relevantes a assumir pelos
comportamentos individuais no seio das organizações. Dacal (1986, p. 306) refere-se à
motivação como revestindo “uma componente dinâmica, de estímulo à actividade para
objectivos e metas previamente estabelecidas e aceites pelo indivíduo”. Por isso, e sem
esquecer a “hierarquia das necessidades” – que, segundo Maslow, poderiam justificar o
cumprimento de certas tarefas – ou os trabalhos de Mc Gregor sobre as motivações individuais,
entendemos, à semelhança de Ghilardi e Spallarossa (1989, p. 35), que a “participação nas
actividades de direcção” constitui um dos factores positivos na motivação do pessoal docente
e na prossecução dos objectivos consignados em textos de reforma do sistema educativo.
Este facto pressupõe que o sucesso deste passa, necessariamente, pelo envolvimento dos
docentes na gestão do sistema educativo e, sobretudo, pela sua motivação em relação às
propostas de mudança e das reformas em curso. Sem pretendermos esgotar as funções
clássicas do management (empresarial e escolar), recordamos que a motivação constitui
30 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

um dos factores mais relevantes no assumir dos comportamentos individuais no seio


das organizações.
Reportando-nos à realidade portuguesa, a Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE)
defende nos seus princípios gerais (artº 43) que a administração e gestão escolares “devem
assegurar o pleno respeito pelas regras de democraticidade e de participação que visem a
consecução de objectivos pedagógicos e educativos”, auxiliados pelo “job enrichment” do
pessoal docente, que, segundo Ghilardi e Spallarossa (Op. cit., p. 35), constitui um terceiro
requisito indispensável à motivação do pessoal docente.
A leitura de diversas obras e contributos sobre esta matéria expressa orientações distintas
que hoje animam os modelos do “management educacional”. Com efeito, se tivermos em
conta os aspectos essenciais das teorias clássicas da administração, constatamos não ser
possível, em muitos dos seus aspectos, uma aplicação imediata desses princípios à gestão
das instituições escolares. Consideremos alguns exemplos. Para Fayol, tido como o “pai do
management moderno”, qualquer organização” é considerada como uma máquina construída
segundo normas rígidas”, que funciona fora de pressões internas ou externas. Assim entendida,
a “rigidez” e o “mecanicismo” constituem as características fundamentais das organizações
sociais que funcionam de acordo com os seguintes princípios basilares (Op. cit., p. 24):
especialização das incumbências; estandartização do rendimento; unidade de comando e
centralização da tomada de decisões.
Outras abordagens mais recentes, baseadas na “teoria das relações humanas”, tiveram
em consideração o estudo dos “componentes humanos da organização”, do conhecimento
do seu comportamento, dos hábitos e das motivações dos trabalhadores. Nesta perspectiva
assentam as teorias de Mc Gregor, nas suas relações com a teoria de Maslow (baseada
na hierarquia das necessidades humanas). Aqui as necessidades sociais de estima e de
auto-realização são apontadas tão importantes como as necessidades primárias de natureza
fisiológica e de segurança. Ainda, de acordo com Ghilardi e Spallarossa (Op. cit., p. 25), no
âmbito do management educacional qualquer instituição escolar tem de ser entendida como
um complexo “sistema aberto”, em condições “de exprimir elevados níveis de interacção com
o ambiente”. Por estas razões, a administração educacional surge-nos como uma operação
complexa identificada por diversas funções (cf: Fayol, Weber, Mayo, McGregor e outros), sujeitas
a interacções várias entre a escola e o seu meio ambiente, como assinalam outros autores
como Emery, Trist, Aldrich e outros.

Participação
A participação é um dos requisitos fundamentais para o bom funcionamento de qualquer
organização social, uma vez que implica um envolvimento pessoal no cumprimento dos
objectivos e colaboração em tomadas de decisão que dizem respeito ao grupo e aos seus
elementos. Em regra, estes estão animados por sentimentos de identificação, de pertença e
por laços de solidariedade, levando-os, geralmente, a ajustar os seus comportamentos aos
interesses colectivos. Modernamente, a cooperação constitui um dos pressupostos básicos
para os modelos de governação em “networks”.
Em relação à escola, observa Lima (1991, p. 164) que “a participação é uma das palavras-
-chave da política educativa depois de 25 de Abril de 1974 (e, de certa forma, já o era antes,
Jorge Carvalho Arroteia 31

enquanto reivindicação), omnipresente nos discursos político, normativo e pedagógico”.


Esta participação exige o envolvimento de outros públicos em actividades promovidas pela
instituição escolar, que não só os seus alunos e docentes, mas também os pais, as autarquias
e outras entidades, sendo uma consequência do processo de democratização do ensino e do
desenvolvimento de projectos de acção orientados para a participação pública dos pais e da
sociedade em geral. Daí o interesse do envolvimento de entidades exteriores à escola nas suas
actividades, nos seus órgãos de gestão e em actividades diversas que promovam uma maior
proximidade entre a instituição escolar e o seu meio.
A mobilização de entidades exteriores à escola permite partilhar diferentes responsabilidades
relacionadas com a gestão, a mobilização e o financiamento de actividades inerentes ao
ensino, facilitando, por esta via, os resultados conseguidos pela instituição escolar. Tal facto
resulta frequentemente da própria alteração das estruturas e da organização do sistema de
ensino, levando a uma maior intervenção do poder regional e do poder local em relação aos
problemas que afectam a comunidade. Um exemplo desta atitude é a participação dos pais, das
autarquias, das associações locais, representadas nos órgãos de gestão da escola, bem como
na possibilidade de elaboração de “projectos educativos” próprios, indiciadores da autonomia
acrescida das escolas no contexto local da sua actuação.
A participação dos cidadãos na vida das instituições democráticas insere-se no estabelecido
na CRP. Entre os diferentes órgãos abertos à participação democrática, refere-se o caso do
Conselho Nacional de Educação, “com funções consultivas, sem prejuízo das competências
próprias dos órgãos de soberania, para efeitos de participação das várias forças sociais,
culturais e económicas na procura de consensos alargados relativamente à política educativa
(…)”. Por sua vez, a Constituição Europeia consagra no seu artigo I-47 o Princípio da
democracia participativa, que permite o estabelecimento, através de canais adequados, do
diálogo entre e União e o cidadão.
Quanto à administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino, estes são
regidos pelos princípios de “democratização” e de “participação”. A sua condução deve
orientar-se por “uma perspectiva de integração comunitária”, prevalecendo os “critérios de
natureza pedagógica e científica sobre critérios de natureza administrativa”. Estes aspectos
estão definidos não só na Lei de Bases (artº 45), mas também nos documentos reguladores
do exercício desta gestão e administração escolar. Assim, de acordo com Sarmento (1997,
p. 557), “a construção de uma administração participativa da educação passa pela definição de
níveis de responsabilidade e pela construção de dispositivos que assumam o território como
nível de administração”, ou seja, a “ultrapassagem de uma lógica predominantemente vertical e
compartimentada da administração para uma lógica predominantemente horizontal e integrada,
aos diferentes níveis (central, regional, municipal, de ‘território educativo’ e de estabelecimento
de ensino)”.
A importância da participação dos pais na organização escolar levou Nóvoa (1992, p. 27) a
afirmar que “as escolas com melhores resultados são, normalmente, aquelas que conseguem
criar condições propícias a uma colaboração das famílias na vida escolar”, uma vez que
estes “podem ajudar a motivar e a estimular os seus filhos, associando-se aos esforços dos
profissionais do ensino”. Por outro lado, se atendermos à acção educativa, “o grande desafio
que se coloca às políticas de educação é o de manter vivas dinâmicas de reforma permanente
32 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

e de ajustamento contínuo, gerindo social e politicamente a instabilidade daí decorrente, ou


seja, conquistando a sociedade para a participação nos processos de mudança” (AZEVEDO,
1994, p. 31).
Estas são, com efeito, algumas das questões que se levantam à administração dos
sistemas sociais e educativos e ao envolvimento da sociedade nos seus processos.
Administração educacional

A administração do ensino corresponde a uma área específica da administração pública,


que incide sobre o sistema educativo, no seu conjunto, e as ofertas de formação das escolas
integradas no serviço público. A administração educacional, prosseguindo as finalidades
gerais da administração pública, tem natureza própria e métodos específicos que levam ao
cumprimento das políticas educativas, pelo que pode ser encarada sob diferentes perspectivas:
uma perspectiva funcional, relacionada com o exercício da função administrativa; uma outra,
institucional, relacionada com o funcionamento das estruturas e das organizações educativas;
outra ainda, mais social, relacionada com as novas funções atribuídas à educação por via da
mudança e da dinâmica social, em contextos rurais e urbanos, nacionais e globais.
Como afirma Azevedo (1994, p. 181), parafraseando Kant, “há duas invenções humanas
que podem ser consideradas mais difíceis do que quaisquer outras – a arte da governação e
a arte da educação; e as pessoas ainda se digladiam acerca do seu verdadeiro significado”.
De facto, tal como os demais sistemas sociais, o sistema educativo está marcado por uma estrutura
complexa, resultado de inúmeras interacções sociais e da acção de diversos condicionalismos
(de ordem filosófica, política, histórica, cultural, religiosa e comportamental, agindo isoladamente
ou em conjunto). Estes aspectos ganham maior significado se tivermos em conta as funções
específicas que este tem sido chamado a desempenhar, tais como a transmissão “às gerações
mais jovens das técnicas, dos conhecimentos, dos costumes, dos usos, das crenças e, em
geral, do património cultural criado ao longo da história” (DACAL, 1986, IX).
Note-se que, para além de agente de socialização, o sistema educativo assume, com
outros agentes de socialização, um papel activo nesse processo, estimulando a transmissão
do saber e as aprendizagens orientadas, igualmente, para a especialização laboral,
característica das sociedades desenvolvidas e com elevada divisão do trabalho. Para além
destas responsabilidades, reconhecemos que ao sistema educativo caberá ainda facilitar
o desenvolvimento das capacidades de reflexão crítica, tarefa que exige, na sua essência, a
assunção de um “modelo democrático” de gestão. Neste caso, os membros das organizações
educativas assumem um papel essencial no cumprimento dos objectivos que as instituições
escolares se propõem alcançar.
Não cabendo, agora, a análise das funções da educação, recordamos, à semelhança
de Faure, esse tipo de relação dialéctica que entre ambos se estabelece: o sistema escolar
reproduz e contribui, simultaneamente, para a transformação da própria sociedade. Trata-se da
“mudança social” decorrente da acumulação e da valorização de conhecimentos que permitem
à educação ser considerada como um poderoso “factor residual” desta mudança, promovendo
34 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

o progresso e a formação das gerações vindouras, com recurso aos conhecimentos acumulados
pelos seus antepassados. Note-se que esta capacidade de vencer as barreiras sociais, culturais
e tecnológicas, abrindo caminho ao avanço da sociedade, depende não só do teor dos
conhecimentos transmitidos, mas, acima de tudo, do modelo de organização e funcionamento
das estruturas educativas que permitem a acção educativa conducente à mudança. Este é,
também, o entendimento de Caillods (1989, p. 26), ao defender a mudança das estruturas
educativas como uma das condições fundamentais para a “melhoria institucional” e da qualidade
dos sistemas educativos.
Como o reconheceu Habermas, o nível de desenvolvimento de uma sociedade depende
da “capacidade de aprender permitida pelas instituições”. Assim, entendemos como é útil
relacionar a capacidade de inovação dos sistemas sociais com o tipo de organização, a
estrutura formal dos sistemas educativos e o modelo da sua administração. De entre outros
factores, tal depende, também, da procura social da educação que, de forma constante, tem
vindo a modificar os padrões de funcionamento, os modelos de gestão e a eficácia interna
e externa dos sistemas educativos. Reconhecemos como a “massificação da escola” trouxe
novos problemas (pedagógicos, institucionais e humanos), aos quais, nem sempre de forma
satisfatória, a organização e a gestão educacional conseguem responder. Este fenómeno realça
o papel da educação na formação dos recursos humanos, como factor de mobilidade e de
promoção social, e a acção da escola, “como uma necessidade para responder às necessidades,
cada vez mais variadas”, da nossa sociedade, conforme o reconheceu Caillods (Op. cit., p. 11).
Recorde-se que a procura de instrução tem alimentado os fluxos escolares, sugerindo a
sua importância, quer como um “bem de investimento”, quer como um “bem de consumo”.
Nestas circunstâncias, compreendem-se as expectativas que se colocam aos modelos de
gestão do sistema escolar, que terão obrigatoriamente de privilegiar, nos seus princípios e
fundamentos, uma estreita relação com o meio. Daí que o conhecimento e a participação da
sociedade sejam imprescindíveis para que o sistema educativo, como sistema aberto, possa
cumprir cabalmente as suas funções. Entre estas, cabe assegurar a participação alargada
da população, principalmente da população escolar (docentes e discentes). Reportando-nos
à realidade portuguesa, a Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei 46/86, com as alterações
que posteriormente foram introduzidas) defende, nos seus princípios gerais (artº 43), que a
administração e gestão do sistema educativo “devem assegurar o pleno respeito pelas regras
de democraticidade e de participação que visem a consecução de objectivos pedagógicos e
educativos, nomeadamente no domínio da formação social e cívica”.
A consulta de outros documentos evidencia orientações distintas, que animam os modelos
actuais do “management educacional”. Estes fundamentam-se em diversas teorias da
administração, embora não seja possível uma aplicação imediata de todos esses princípios à
gestão das instituições escolares. Vejamos alguns exemplos. Para Fayol, considerado como
o “pai do management moderno”, qualquer organização “é entendida como uma máquina
construída segundo normas rígidas”, funcionando independentemente das pressões internas
e externas que sobre ela se exerçam. Daí que a “rigidez” e o “mecanicismo” constituam as
características fundamentais das organizações que funcionam de acordo com os seguintes
princípios basilares (GHILARDI, SPALLAROSSA, 1989, p. 24):
Jorge Carvalho Arroteia 35

· especialização das incumbências;


· estandartização do rendimento;
· unidade de comando e centralização da tomada de decisões.

Mais próximas do modelo que perfilhamos, as abordagens que sustentam a “teoria das
relações humanas” desenvolveram-se a partir do estudo das “componentes humanas da
organização”, do conhecimento do seu comportamento, dos hábitos e das motivações dos
trabalhadores. Nesta perspectiva assentam as teorias de Mc Gregor nas suas relações com a
teoria de Maslow (baseada na hierarquia das necessidades humanas). De facto, as necessidades
sociais, de estima e de auto-realização são tão importantes como as necessidades primárias
de natureza fisiológica e de segurança. Contudo, se aplicadas ao management educacional,
qualquer instituição escolar tem de ser entendida como um complexo “sistema aberto”, em
condições de exprimir elevados níveis de interacção com o ambiente (Op. cit., p. 25). Nestas
circunstâncias, a administração escolar surge como uma operação complexa, identificada com
diversas funções (prever, organizar, dirigir, coordenar e controlar, na perspectiva de Fayol, ou
já, planificar, organizar, seleccionar, dirigir, coordenar, informar e orçamentar – POSCORB –
segundo Gulik e UrwicK), sujeitas a interacções diversas entre as organizações educacionais
e o seu meio ambiente.
Daí, portanto, que o conhecimento da comunidade onde a escola se insere constitua uma
das primeiras condicionantes da decisão estratégica e da orientação global das actividades a
desenvolver pela escola. Esta função deverá ser mesmo estimulada pelo Estado, como uma das
condições fundamentais para se conseguir o almejado “desenvolvimento endógeno” e a promoção
social das diferentes regiões. Com efeito, como nota Tedesco (CAILLODS, 1989, p. 331), “a
função do Estado não deverá ser a de impor um modelo cultural determinado mas a de encorajar
o recurso a valores e a formas de organização reflectindo um acordo essencial”, reconhecendo-se
como essenciais a “solidariedade”, a “criatividade”, a “participação” e a “eficiência”.
Anotemos outros ensinamentos relacionados com a teoria sistémica. Se identificarmos as
instituições educacionais com uma empresa interessada em manter o maior número de relações
com o seu meio ambiente, tal só é efectivado a partir de um processo organizacional que
permita uma optimização perfeita dos recursos humanos e materiais, de forma a garantir-se o
cumprimento de um conjunto de objectivos comuns da sua população. Assim, a melhoria da
qualidade de instrução, a “produtividade educativa” e a própria inovação são objectivos difíceis
de alcançar, mesmo com o recurso a sofisticados meios de informação tecnológica, caso as
expectativas dos seus agentes não sejam tomadas em consideração.
Se aceitarmos como premissa essencial da escola (e dos sistemas de ensino) a promoção
do desenvolvimento humano, pensamos, à semelhança do que escreveu Loureiro (1985,
p. 19), “que tal mudança é uma questão política e uma questão pedagógica e, por isso, as
estratégias respectivas devem ser cumulativamente políticas e pedagógicas”: estratégia
política que passará, necessariamente, pela redefinição clara dos objectivos e das metas a
atingir pelo sistema educativo português; estratégia pedagógica, assente na melhoria objectiva
das condições institucionais e na formação permanente dos agentes educativos, de forma a
concretizar-se a tão almejada democratização do ensino, o desenvolvimento humano dos alunos
e a promoção do sucesso educativo. Resta-nos inserir uma terceira alternativa, a inclusão de
36 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

uma estratégia administrativa e organizacional, que favoreça a descentralização administrativa


e a autonomia institucional, promovendo um maior empenhamento e participação nas tarefas
educativas por parte, dos pais, professores e de toda a comunidade. Só assim será possível
integrar os diferentes pressupostos da administração educativa e a manutenção das componentes
estruturais básicas ao nível quer dos sistemas de decisão, quer do sistema operativo.
Recorde-se que o sistema de decisão abarca o planeamento, a informação e o controlo,
integrando o sistema operativo a acção de todos os órgãos responsáveis pela realização e
execução dos planos e programas e pela gestão dos recursos materiais, humanos, técnicos e
económicos que fazem parte da administração central e local. Compreende-se, desta forma,
que, ao estabelecer a existência de “estruturas administrativas de âmbito nacional regional
autónomo, regional e local” (artº 43 – LBSE), o Estado atribua à administração central funções
de natureza distinta (artº 44):
“a) concepção, planeamento e definição normativa do sistema educativo, com vista a
assegurar o seu sentido de unidade e de adequação aos objectivos de âmbito nacional;
b) coordenação global e avaliação, da execução das medidas da política educativa a
desenvolver de forma descentralizada ou desconcertada;
c) inspecção e tutela, em geral, com vista, designadamente, a garantir a necessária
qualidade do ensino;
d) definição dos critérios gerais de implantação da rede escolar, da tipologia das escolas
e seu apetrechamento, bem como das normas pedagógicas a que deve obedecer a
construção de edifícios escolares;
e) garantia da qualidade pedagógica e técnica dos vários meios didácticos, incluindo os
manuais escolares”.

Já “a nível regional, e com o objectivo de integrar, coordenar e acompanhar a actividade


educativa, será criada em cada região um departamento regional de educação (…)”.
Reduzindo os diversos atributos de forma mais expedita e seguindo uma terminologia
proposta por Dacal (1986, XXVIII), são funções próprias da administração educacional:
· fixação de objectivos;
· planeamento e organização;
· informação e controle.

A primeira função está ligada à função política de concepção do sistema, tendo embora
presente que a determinação daqueles pressupostos está relacionada com as necessidades
do sistema social, às quais o poder político deve atender. Esta posição assenta no pressuposto
da existência de um paradigma multidimensional, num tipo de abordagem multidisciplinar, que
contempla as transformações operadas no sistema educativo nas suas diversas dimensões:
humana, sociopolítica, pedagógica e económica. Assim sendo, e tendo presente a prevalência
da dimensão humana sobre todas as outras dimensões, encaramos como fundamental a
implementação de estratégias educacionais que garantam um adequado desenvolvimento
económico, a repartição da riqueza, a promoção das igualdades de acesso e de sucesso
educativos, a harmonia entre a quantidade e a qualidade do ensino, a satisfação das necessidades
básicas e profissionais à população docente e discente, a adequada inserção das instituições
Jorge Carvalho Arroteia 37

escolares no tecido social económico e cultural e a afirmação de um modelo de gestão,


humanista e participativo. Este modelo passa pelo cumprimento de uma condição fundamental:
a autonomia.
A relação entre a administração educacional e o planeamento é, hoje em dia, mais estreita
e complementar, dada a mudança social em curso e as necessidades de recursos materiais,
humanos e financeiros, justificados pelas exigências, sempre burocráticas, implementadas pelo
poder. Por outro lado, a relação entre ambas justifica-se, tendo em conta a maior procura social
da educação e o aumento da esperança de vida escolar, a necessidade de uma adequada e
justa repartição dos recursos, a transparência da governação e a construção de novos cenários
resultantes da evolução da sociedade portuguesa, da sociedade europeia e da marcha dos
processos gerais de globalização.
Em Portugal, a política da educação é da responsabilidade dos Ministérios da Educação –
que integra os serviços centrais e as direcções regionais de educação – e do Ministério da
Ciência, Tecnologia, Inovação e Ensino Superior. Nas Regiões Autónomas, é da responsabilidade
dos Governos Regionais. De acordo com a LBSE (artº 45), “a direcção de cada estabelecimento
ou grupo de estabelecimentos dos ensinos básico e secundário é assegurada por órgãos
próprios, para os quais são democraticamente eleitos os representantes dos professores,
alunos e pessoal não docente (…)”. Por sua vez, de acordo com a legislação relativa ao “regime
de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos da educação pré-escolar e dos
ensinos básico e secundário” (Dec-Lei nº 115-A/98, de 4 de Maio – artº 7), são órgãos próprios
de administração e de gestão das escolas – ensino não superior (ME):
· Assembleia: órgão responsável pela definição das linhas orientadoras da actividade da
escola (com a participação e representação da comunidade educativa);
· Conselho executivo ou director: órgão de administração e gestão da escola nas áreas
pedagógica, cultural, administrativa e financeira.
· Conselho pedagógico: órgão de coordenação e orientação educativa da escola, nos
domínios pedagógico e didáctico, da orientação e acompanhamento dos alunos e da
formação inicial e contínua dos professores e funcionários;
· Conselho Administrativo: órgão deliberativo em matéria administrativa e financeira.

A estes compete respeitar os princípios orientadores da administração das escolas (artº 4 –


Dec.-Lei nº 115-A/98):
· democraticidade e participação de todos os intervenientes no processo educativo (…);
· primado de critérios de natureza pedagógica e científica sobre critérios de natureza
administrativa;
· representatividade dos órgãos de administração e gestão da escola (…);
· responsabilização do Estado e dos diversos intervenientes no processo educativo;
· estabilidade e eficiência da gestão escolar (…);
· transparência dos actos de administração e gestão”.

O cumprimento destes princípios aplica-se à administração educativa e ao exercício da


sua autonomia, na qual o “regulamento interno” tem um papel fundamental. De facto, este
estabelece (artº 3 – Dec.-Lei nº 115-A/98) “o regime de funcionamento da escola, de cada um
38 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

dos seus órgãos de administração e gestão, das estruturas de orientação e dos serviços de
apoio educativo, bem como os direitos e os deveres dos membros da comunidade escolar”.
Análise social da educação

A análise social da educação abarca o conjunto de procedimentos de natureza científica


que permitem conhecer as relações entre os fenómenos educacionais e os fenómenos de
natureza social, isoladamente, e nas suas relações com o sistema educativo. Este tipo de
análise pressupõe a identificação dos fenómenos em estudo, a sua interpretação, compreensão
e explicação, com base em metodologias específicas carreadas das diversas Ciências Sociais,
em particular da Sociologia, da Demografia, da Economia, da Antropologia ou da Geografia
Social. Assim, o mesmo fenómeno social e educacional, tal como o (in)sucesso dos alunos,
pode ser abordado de forma distinta, consoante a ciência que o retrata: interessa à sociologia,
nas suas relações com o meio e o grupo social; à administração, na análise das estruturas
que o enquadram; à psicologia, nos aspectos individuais e comportamentais do aluno;
à demografia, na análise quantitativa do mesmo; à economia, no que respeita aos custos; à
geografia da educação, na análise da sua distribuição territorial, em relação às características
da sociedade.
Se entendermos a educação como um fenómeno que deve atender às “necessidades
sociais”, a análise social da educação deve ocupar-se da compreensão dos fenómenos
educativos, entendidos aqui como o “conjunto de práticas, de modos de procedimento, de
costumes que constituem fenómenos perfeitamente definidos e que têm a mesma natureza que
os outros fenómenos sociais” (DURKHEIM, 1980, p. 72). Assim entendida, a análise social da
educação debruça-se sobre os fenómenos educativos, segundo perspectivas diferenciadas,
consoante a natureza e o objecto de estudo. Esta abordagem permite um entendimento
alargado da realidade escolar e social dos fenómenos e das questões fulcrais com que se
debatem os sistemas educativos na actualidade. A análise destas questões é concretizada
através do recurso a métodos apropriados que garantem a cientificidade desta abordagem,
nomeadamente através da conceptualização dos fenómenos em apreço, da selecção e crítica
das fontes, do processo de recolha dos dados, do tratamento da respectiva informação, da
divulgação dos resultados e dos processos de avaliação do estudo.
Tal como apontam Pires, Fernandes e Formosinho (1991, p. 32), a análise social da
educação está fundamentada na sua génese, exercício e objectivos, uma vez que esta
“aparece como tendo a sua origem na sociedade ou num grupo social (e não apenas na
vontade individual de cada membro); é uma acção exercida por várias pessoas e tem por
objectivo responder a necessidades ou projectos sociais (e não apenas a necessidades ou
projectos individuais)”. Mais, ainda, “a educação é uma acção global, visando a formação e
desenvolvimento total do homem e não apenas um aspecto parcelar”.
40 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

O aprofundamento de estudos nesta área não desmerece o aprofundamento de outras


abordagens, sobretudo no âmbito da Sociologia da Educação, cujas preocupações, de acordo
com Morrish (1979, p. 29-30), incidem na “análise dos processos sociológicos implicados nas
instituições educativas” (…), “na investigação dos aspectos sociológicos dos fenómenos e
instituições docentes, considerados essencialmente como problemas de natureza sociológica,
mais do que da prática educativa”. Se pretendermos inserir a natureza destes trabalhos numa
perspectiva mais ampla, relacionada com as tarefas a desempenhar por um sociólogo
(de acordo com o Departamento do Trabalho dos EUA), então podemos aceitar, como base da
sua intervenção, a definição que Horton e Hunt (1980, p. 30) registam sobre o seu desempenho:
“desempenha pesquisa sobre a origem e o desenvolvimento de grupos de seres humanos e
de padrões de cultura e organização social que surgiram da vida grupal da sociedade; coleta e
analisa dados científicos concernentes a fenómenos sociais, minorias étnicas, classes sociais
e mudança social (…)”.

Aprendizagens escolares
A aprendizagem de toda uma vasta gama de conhecimentos básicos, de tradições, de
modelos, de normas, de valores, de símbolos e de práticas sociais constitui um processo lento,
no qual participamos ao longo da nossa vida através de uma rede complexa de iniciativas,
interdependências e influências mútuas que se exercem entre o indivíduo e o meio onde vive.
Para tanto, contribui em primeiro lugar a socialização, processo amplo de natureza “psicossocial”,
através do qual “se forma a personalidade de base, sob influência do meio e particularmente
das instituições educativas, familiares, religiosas, etc.” (BIROU, 1978, p. 380).
O processo de aprendizagem que se inicia com o domínio das primeiras letras e a
aquisição das regras do comportamento familiar, de práticas sociais, de valores familiares,
colectivos e outros, fazem parte do nosso quotidiano e desenvolvem-se ao longo de
estádios sucessivos do crescimento humano, sendo auxiliadas por acção de múltiplos
factores e agentes que garantem o conhecimento de um número elevado de papéis e de
atitudes comportamentais, facilitadoras do processo de integração no nosso meio ambiente.
Entre outras definições deste fenómeno, retemos a de Cabanas (1984, p. 145), que define
a socialização “como um processo interaccional de aprendizagem social que permite à
pessoa humana durante toda a sua vida assumir, interiorizar e integrar na estrutura da
sua personalidade as formas e os conteúdos culturais do seu meio ambiente, bem como
incorporar-se progressivamente na sociedade na qual há-de viver como membro activo
da mesma”.
Embora com outro significado, fazem ainda parte deste processo as aprendizagens, os
métodos e as técnicas especializadas que se vão desenvolvendo ao longo de vários ciclos de
estudos e que permitem uma adequada capacitação profissional, capaz de garantir o exercício
de uma actividade, produtiva ou de serviços, no seio das sociedades industrializadas e de
serviços em que vivemos. Note-se, ainda, que a especialização laboral, própria das sociedades
desenvolvidas e com elevada divisão do trabalho social, realiza-se não só dentro das próprias
instituições escolares, mas, fundamentalmente, fora delas, privilegiando a acção de outros
agentes, que não só a escola, neste processo de socialização. Tal leque de conhecimentos
faz parte da chamada “educação informal” ou “paralela”, cuja relevância nas sociedades
Jorge Carvalho Arroteia 41

pós-industriais é por demais evidente, concorrendo, assim, com os processos clássicos de


ensino-aprendizagem, assegurados pela escola tradicional.
As aprendizagens oficiais são traduzidas em planos de estudos, ou planos curriculares, que
contêm os programas específicos de cada disciplina, aprovados oficialmente. Por sua vez, estes
são elaborados a partir de um conjunto de teorias e de métodos de ensino, elaborados de
acordo com os quadros ético, cultural, filosófico e pedagógico, e de diferentes contextos sociais e
políticos que definem o modelo de ensino, em articulação com o modelo de sociedade. Contudo,
a expansão da “sociedade de informação”, não só no domínio educacional, mas também na
indústria, nos serviços, nas comunicações, etc., oferece, cada vez mais, oportunidades em relação
às aprendizagens e às competências desenvolvidas na escola.
Tendo em conta o fenómeno actual da mundialização, baseada na comunicação e inovação
e a necessidade de novas aprendizagens, transcrevemos de Carnoy (1999, p. 75) o seguinte:
“os principais obstáculos à melhoria do ensino na maior parte dos países reside na dificuldade
de definir as melhores práticas na sala de aula e os materiais necessários para a sua aplicação.
Em consequência, para que a avaliação tenha um impacto significativo nos resultados escolares
do país, estes devem fazer um esforço contínuo para ajudar os professores (e a escola) a
melhorarem as práticas na sala de aula”. Por isso, como afirma Azevedo (1998, in: MARQUES
et al., p. 9), “o currículo escolar tem de ser profundamente revisto, as políticas públicas de
educação devem fazer tudo para evitar o surgimento de novas desigualdades no seio da
sociedade de informação, as instituições escolares precisam de ser incentivadas a construir
ambientes humanos de ensino e aprendizagem ‘que lhes permitam inovar estruturalmente,
além de se poderem equipar tecnologicamente’”.
Estas são algumas questões relacionadas com a obsolescência e a perenidade dos saberes
escolares e com a necessidade da adopção de novos métodos de ensino que favoreçam
uma formação permanente dos cidadãos, a sua motivação e interesse permanente; a oferta
de oportunidades e de recursos para que sejam estes a construir, de forma estimulante e
diversificada, novos objectivos e conhecimentos baseados na descoberta e na aquisição de
outras competências (RODRÍGUEZ, RODRÍGUEZ, 1992).

Planos de estudos
De acordo com Dacal (1986, p. 337), o plano de estudos consiste num “conjunto ordenado
de matérias e disciplinas que devem ser frequentadas num nível do sistema educativo, e cujo
aproveitamento dá direito à obtenção de um certificado, título ou diploma de valor académico
ou profissional”. Refere, ainda, o mesmo autor (Loc. cit.) que a selecção de matérias a incluir
nestes planos é determinada por diversos critérios:
· psicológicos (interesses e capacidades do aluno),
· sociológicos (necessidades da sociedade),
· ideológicos (valores e ideais filosóficos, políticos e religiosos),
· científicos (matérias fundamentais no âmbito do conhecimento),
· pedagógicos (matérias de maior valor formativo).

Tendo presente o estipulado na LBSE (artº 6), relacionado com a universalidade, obrigatoriedade
e gratuitidade do ensino básico, bem como nos seus objectivos (artº 7 – LBSE), os planos de
42 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

estudos integram diferentes áreas curriculares disciplinares, áreas curriculares não disciplinares
e uma área facultativa. Esta configuração procura assegurar uma educação que favoreça o
desenvolvimento “pleno e harmonioso da personalidade” de qualquer indivíduo, em particular
da criança, colocando a acção educativa no centro do próprio desenvolvimento humano,
e constitui uma das preocupações do nosso sistema educativo. Neste sentido, o sistema
educativo organiza-se de acordo com um conjunto de princípios estruturantes, em níveis
distintos, cada um deles com fins específicos e uma organização adequada de forma a
promover a “permanente acção formativa orientada para favorecer o desenvolvimento global
da personalidade, o progresso social e a democratização da sociedade”, como estipula o artº 1,
da Lei de Bases do Sistema Educativo Português.

Planos curriculares
O desenho dos planos curriculares tem em consideração o conceito de ‘curriculum’,
entendido por D’Hainaut (1980, p. 21) como sendo “um plano de acção pedagógica muito
mais largo que um programa de ensino”, compreendendo não só os “programas para as
diferentes matérias, mas também uma definição das finalidades da educação pretendida, uma
especificação das actividades de ensino e de aprendizagem (…) e, finalmente, indicações
precisas sobre as maneiras como o ensino ou o aluno serão avaliados”. Contudo, como recorda
Pardal (1993, p. 14), “um currículo escolar não corresponde a uma mera construção técnica
de planos de estudos, de estratégias de aprendizagem e de mecanismos de avaliação. Um
currículo escolar é uma construção sócio-pedagógica elaborada por uma estrutura política,
assente num conjunto de valores”.
De acordo com a LBSE (artº 8), e tendo presente a existência dos três ciclos sequenciais
nos quais se divide o nosso sistema de ensino (o ensino básico, o ensino secundário
e o ensino superior), o ensino básico (EB) compreende três ciclos sequenciais (artº 8),
sendo globalizante e da responsabilidade de um só professor, no 1º ciclo; organizado em
“áreas interdisciplinares de formação básica”, no 2º ciclo; e “integrando áreas vocacionais
diversificadas”, no 3º ciclo.
Destaca-se, no 1º ciclo do EB, o desenvolvimento da linguagem oral, a iniciação e
progressivo domínio da leitura e da escrita, das noções essenciais de cálculo, do meio físico
e social, das expressões plástica, dramática, musical e motora. No 2º ciclo, salienta-se a
formação humanística, artística, física, desportiva, científica e tecnológica, bem como a
educação moral e cívica. Já no 3º ciclo, aponta-se para a aquisição sistemática e diferenciada
da cultura moderna, nas suas dimensões humanística, literária, artística, física e desportiva,
científica e tecnológica.
Relativamente a cada um dos ciclos do ensino básico, transcrevem-se as componentes de
cada uma das outras áreas curriculares.
Quanto ao desenvolvimento curricular, estipula a LBSE (artº 47) que “a organização curricular
da educação escolar terá em conta a promoção de uma equilibrada harmonia, nos planos
horizontal e vertical, entre os níveis de desenvolvimento físico e motor, cognitivo, afectivo,
estético, social e moral dos alunos”. Prossegue com a indicação de que “os planos curriculares
do ensino básico incluirão em todos os ciclos e de forma adequada uma área de formação
pessoal e social, que pode ter como componentes a educação ecológica, a educação do
Jorge Carvalho Arroteia 43

consumidor, a educação familiar, a educação sexual, a prevenção de acidentes, a educação


para a saúde, a educação para a participação nas instituições, serviços cívicos e outros do
mesmo âmbito”.

Quadro 1

1º CEB 2ºCEB 3ºCEB


Área curric.disciplinar Línguas, Est. Sociais Lin. Port., Ling. Est.
Exp. Art. e Fis/Mot. Líng. Portuguesa Líng. Port.
Estudo do Meio Líng. Estr. (F/A/I) LE1; LE2
Língua Portuguesa Hist., Geog. Port.
Matemática
Área curric. disciplinar Ciênc. Hum., Sociais
História
Geografia
Área curric.disciplinar Matemática e Ciências Matemática
Matemática
Área curric.disciplinar Ciênc. Físicas e Nat.
Ciênc. Naturais
Físico-Química
Área curric.disciplinar E. Artist., Tecnológica Educ. Artística
Educ. Visual, Tecn. Educ. Visual
Educ. Musical Educ. Tecnolog.
Educ. Física Outra
Área curric.disciplinar Educação Física
Área curric.disciplinar Int. às TIC (9º ano)
Área curric.disciplinar Form. Pessoal, Social Form. Pes., Social
(Facultativa) Educ. Moral Relig. Educ. Moral Relig.
Áreas curric. não disciplinar Área de Projecto Área de Projecto Área de Projecto
Estudo Acompanhado Estudo Acomp. Estudo Acomp.
Formação Cívica Formação Cívica Formação Cívica

De forma global, a escolaridade básica deverá garantir uma articulação entre os ciclos e
obedecer a “uma sequencialidade progressiva, conferindo a cada ciclo a função de completar,
aprofundar e alargar o ciclo anterior, numa perspectiva de unidade global do ensino básico”,
de acordo com as seguintes particularidades:
· “desenvolvimento da linguagem oral e da iniciação e progressivo domínio da leitura e da
escrita, das noções (…) de aritmética e do cálculo, do meio físico e social, das expressões
plástica, dramática, musical e motora” (1º ciclo);
· “a formação humanística, artística, física e desportiva, científica e tecnológica e a educação
moral e cívica, visando habilitar os alunos a assimilar e interpretar crítica e criativamente
a informação (…)” (2º ciclo);
44 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

· “a aquisição sistemática e diferenciada da cultura moderna, nas suas dimensões


humanística, literária, artística, física e desportiva, científica e tecnológica, indispensável
ao ingresso na vida activa e ao prosseguimento de estudos, bem como a orientação
escolar e profissional que faculte a opção de formação subsequente ou de inserção na
vida activa, com respeito pela realização autónoma da pessoa humana” (3º ciclo).

No que ao ensino secundário diz respeito, este está organizado (artº 10) “segundo formas
diferenciadas, contemplando a existência de cursos predominantemente orientados para a vida
activa ou para o prosseguimento de estudos (…)”. Por outro lado, é defendida a “permeabilidade”
entre estes cursos, deixando em aberto a possibilidade de uma maior “mobilidade social”, que
poderá estar subjacente à estratificação social, orientadora da escolha destas duas vias.
Sobre as características do currículo, estipula o artº 47 da LBSE que “os planos curriculares
do ensino secundário terão uma estrutura de âmbito nacional, podendo as suas componentes
apresentar características de índole regional e local, justificadas nomeadamente pelas condições
socioeconómicas e pelas necessidades em pessoal qualificado”. Note-se que, de acordo
ainda com o anterior artigo, “a organização curricular da educação escolar terá em conta
a promoção de uma equilibrada harmonia, nos planos horizontal e vertical, entre os níveis
de desenvolvimento físico e motor, cognitivo, afectivo, estético, social e moral dos alunos”,
devendo, por isso, os planos curriculares incluir um leque variado de ensinamentos que favoreçam
esta formação.
Estas são algumas das preocupações que foram expressas na Lei 46/86, que deverão completar
os ensinamentos ministrados no seio de outras instituições, familiares ou educativas, de forma a
completar a prossecução dos objectivos sócio-afectivos, referentes à transmissão de valores e
modos de comportamento relativos à convivência social e política, às relações interpessoais, aos
papéis sociais, à sexualidade, etc. De facto, como recorda Loureiro (1985, p. 23), à escola caberá,
fundamentalmente, estruturar-se de forma a assegurar uma orientação das aprendizagens mais
no sentido da orientação do “desenvolvimento humano” do que na “transmissão de conteúdos
didácticos”, libertando-a, deste modo, da influência da organização social dominante que nela
vê, essencialmente, o desenvolvimento da sua função económica e política.
Nesta perspectiva e de acordo, ainda, com aquele autor, à escola caberia romper com
um certo “determinismo genético”, promovendo a descoberta das aptidões individuais,
de forma a transformá-la, directa e primordialmente, num “centro de activação e orientação
do desenvolvimento humano”. Prossegue este autor (Op. cit., p. 23-24), afirmando que este
processo deverá ser resultado de uma “interacção entre o que cada um é num determinado
momento e o seu meio”, tendo embora presente que, apesar de nos caber um papel relevante
na modificação do meio, este acaba igualmente por nos transformar. É a hipótese que este
autor sustenta, ao nível, sobretudo, da aprendizagem formal, quando afirma:
“1º Não há padrões de aprendizagem a priori, porque não pode haver padrões de
desenvolvimento (…).
2º Não se pode dizer que alguém não seja capaz de aprender, não possa ser escolarizado,
porque a aprendizagem passa a ser não descoberta mas construção de aptidões
do desenvolvimento de cada um e todo o ser humano como tal é sujeito de
desenvolvimento (…).
Jorge Carvalho Arroteia 45

3º O que se aprende não resulta tanto de aptidões específicas para essas aprendizagens
como da forma como estas são organizadas (…).
4º As aprendizagens são o meio e o instrumento privilegiados nos quais e pelos quais se
processa o desenvolvimento humano (…).
5º (…) as disciplinas, todo o currículo, devem ser organizadas e dadas de modo a constituírem
autênticos programas de activação do desenvolvimento humano (desenvolvimento
psicológico, social, vocacional, etc.)
6º A aprendizagem tende a ser individualizada ao máximo e o educador será cada vez
menos o especialista dum saber para se transformar num especialista do desenvolvimento
humano (…).
7º (…) o modelo da escola poderá ser assim um modelo verdadeiramente educativo, e não
ser um modelo psicológico, social ou qualquer outro.”

Quanto ao ensino superior, os planos curriculares “respeitam a cada uma das instituições
de ensino que ministram os respectivos cursos (…)”. De realçar que a conclusão dos níveis
anteriores confere o direito à atribuição de um diploma, o mesmo sucedendo com o ensino
superior, que, de acordo com a LBSE (artº 13), confere os seguintes diplomas: Bacharel,
Licenciado, Mestre e Doutor.
No seu conjunto, os respectivos planos curriculares estão organizados de acordo com
um conceito de currículo, o qual, segundo Zabalza (1991, p. 12), consiste no “conjunto de
pressupostos de partida, das metas que se deseja alcançar e dos passos que se dão para
as alcançar”; mais ainda, o currículo consiste no “conjunto de conhecimentos, habilidades,
atitudes, etc., que são considerados importantes para serem trabalhados na escola,
ano a ano”.
À parte de outros considerandos relativos à sequência das aprendizagens e da frequência
escolar em períodos correspondentes à duração do ensino básico e ao período de escolaridade
obrigatória, hoje em dia há a possibilidade de reconhecimento de alguns cursos ministrados
por outras entidades e/ou ministérios (sobretudo na área do emprego), através de programas
de “aprendizagem” e de “programas específicos” de formação, com reconhecimento dessas
competências às habilitações oficiais atribuídas pelo Ministério da Educação. Mesmo assim,
os desafios que se levantam ao desenvolvimento e construção dos curricula escolares têm
de ir mais além e atender às mudanças que afectam a nossa sociedade. Assim o reconhece
Azevedo (1998, p. 9): “o currículo escolar tem de ser profundamente revisto, as políticas públicas
de educação devem fazer tudo para evitar o surgimento de novas desigualdades no seio da
sociedade da informação, as instituições escolares precisam de ser incentivadas a construir
ambientes humanos de ensino e aprendizagem “que lhes permitam inovar estruturalmente,
além de se poderem equipar tecnologicamente”.

Sucesso escolar
O sucesso escolar pode ser expresso através dos resultados finais de funcionamento do
sistema educativo no seu todo, por sub-sistemas, níveis e estabelecimentos de ensino. A nível
pessoal, este é uma componente essencial do sucesso humano, pelo que “todo o sistema
educativo se deve ordenar intrinsecamente para o sucesso educativo” (PATRÍCIO, 1987, p. 147),
46 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

dado que “todo o insucesso educativo de qualquer educando é, a esta luz, um insucesso do
sistema” (Loc. cit.).
Se considerarmos o sistema educativo no seu conjunto, o sucesso escolar expressa-se
através de um conjunto de indicadores de mobilidade e de aproveitamento, relacionados com
a avaliação das aprendizagens dos alunos. No seu conjunto, a apreciação do rendimento
dos alunos pode ser analisada segundo diferentes dimensões, dentre as quais Barros (1996,
p. 47-68) enumera as seguintes:
· de natureza socioeconómica, relacionadas com as disponibilidades económicas dos
alunos;
· de natureza sociocultural, condicionadas pelo “capital cultural” da população escolar;
· de natureza escolar, relacionadas com os mecanismos de avaliação e o rendimento
dos alunos.

Diversas medidas legislativas têm vindo a ser aprovadas com vista à promoção do sucesso
escolar dos alunos. Dentro destas recordamos o Programa Interministerial para a Promoção
do Sucesso Educativo – PIPSE – (Decreto-Lei nº 178/71, de 30 de Abril), visando quer a total
escolarização no ensino básico quer a promoção do sucesso e da qualidade educativos.
Também o Programa Educação Para Todos – PEPT 2000 –, criado por Resolução do Conselho
de Ministros, nº 29/92, de 9 de Agosto, retoma os princípios anteriormente expressos, apelando
para um maior envolvimento e participação da sociedade.

Recursos educacionais
O conjunto de meios físicos, humanos, financeiros, e outros, que asseguram o funcionamento
dos sistemas de ensino constituem os recursos educacionais. Seguindo uma abordagem
sistémica, estes elementos representam os inputs, ou seja, “tudo o que entra no sistema
educativo, o que inclui não só recursos materiais e financeiros como também os alunos e
professores que pertencem ao sistema” (ME, 1987). Pela sua importância, destaca-se os
recursos físicos e financeiros, constituídos pela componente material e orçamental, que permite
o funcionamento do sistema de ensino, e os recursos humanos, compostos pelos agentes de
ensino, técnicos e funcionários que garantem o seu funcionamento.
De acordo com dados do ME-GIASE, o total de docentes, em 2003/04, no Continente, era
o seguinte:

Quadro 2

Nível/tipo Total
1º Ciclo 37 251
2º Ciclo 34 754
3º Ciclo e Secundário 82 099

Dada a sua natureza e escassez, a gestão dos recursos financeiros exige um conjunto
de procedimentos que envolvem a sua utilização eficaz (permitindo os melhores resultados
Jorge Carvalho Arroteia 47

com o menor dispêndio destes), racional ou económica, segundo critérios de equidade e de


coerência nacional. No seu conjunto, a utilização adequada destes recursos permite que os
adultos e os jovens socialmente desfavorecidos possam aceder aos limiares da formação cívica
e profissional, contribuindo, desta forma, para a redução das desigualdades sociais impostas
pelas “heranças”, individual e geracional, bem como para o incremento da participação cívica
dos cidadãos.

Tecnologia e educação
A mudança social que se tem vindo a verificar na nossa sociedade, decorrente da evolução
de uma sociedade industrial para uma outra, de carácter terciário e de serviços, exige, no dizer
de Martins (1999, p. 21), que o “sistema de ensino-formação de respostas, quer quanto ao tipo
de formação, quer quanto aos conteúdos curriculares, e que o sistema empregador tenham,
cada vez mais, de recorrer à reconversão dos seus trabalhadores e a uma formação contínua
e de forma permanente”. Estes procedimentos têm vindo a ser alicerçados na construção da
“sociedade de informação”, a qual, no dizer, ainda, de Martins ((Loc. cit.), baseado em trabalhos
de John Naisbitt (1988), assenta no uso intensivo das tecnologias de informação, as quais
“serão, de início, aplicadas às antigas tarefas industriais e, em seguida, darão gradualmente lugar
a novas actividades, processos e produtos” (Loc. cit.), entre os quais, o ensino de qualidade,
assente, também, na inovação nas comunicações e “na tecnologia de computadores“
(Loc. cit.), responsáveis pelo acelerar do ritmo de mudança.
Diversos autores têm vindo a dar o seu contributo na definição de conceitos, na aplicação
de técnicas e na divulgação de trabalhos e resultados escolares decorrentes da utilização de
diferentes “meios” e “sistemas” de ensino e de aprendizagem. Neste sentido, importa notar que
a utilização de tecnologia (ou de diferentes tecnologias) em educação pressupõe a existência de
um suporte físico, relacionado com a tecnologia educativa, que permite a utilização de técnicas
e de material diverso, susceptíveis de promoverem a eficácia do ensino. Complementarmente
a esta há uma outra dimensão, a científica, orientada para a resolução dos problemas da
aprendizagem e do ensino.
Transcrevemos de um antigo texto do ME-Québec (1982, p. 39) os aspectos positivos
relacionados com a sua divulgação:
“· aumentar a motivação dos alunos;
· faz apelo a aprendizagens anteriores;
· fornece novos estímulos de aprendizagem;
· activa a resposta do aluno;
· permite uma “retroacção” mais rápida;
· encoraja uma prática apropriada”.

De salientar que a utilização das novas tecnologias na educação (TIC), com vista a favorecer
as aprendizagens escolares e a formação profissional ao longo da vida, tem vindo a ser uma
das preocupações da grande maioria dos países europeus, da OCDE e outros, que têm vindo a
investir grandemente na sua utilização, precoce e universal. Entre os exemplos da sua aplicação,
nota-se o recurso crescente da sua utilização não só em sessões de ensino presencial, mas
também a divulgação e competitividade do ensino à distância, em cursos de diferente natureza,
48 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

no âmbito da escolarização de base e da formação inicial e contínua de profissionais em


diversos sectores e actividades.
Tal acontece de acordo com as exigências da sociedade de informação em que os sistemas
educativos devem “garantir uma educação relevante e de grande qualidade para todos os
estudantes” (SKILBECK, 1998, p. 33), utilização esta integrada “em estratégias educativas
mais globalizantes e num vasto quadro de políticas sociais, económicas e culturais coerentes”
((Loc. cit.) e onde os professores têm um papel fundamental a desempenhar. Assim, conclui este
autor (Op. cit., p. 48): “não foram os educadores que criaram as novas tecnologias do final do
século XX, nem são eles que as controlam, mas têm agora a oportunidade e a responsabilidade
de as usar criativamente e de um modo eficiente, no sentido de fortalecer e enriquecer a
educação de todos”.
Avaliação

Em relação aos processo ensino-aprendizagem, a avaliação pedagógica “é um processo


sistemático que visa determinar em que medida os objectivos educativos são alcançados
pelos alunos” (LANDSHEERE, 1979, p. 111). No que concerne ao processo do planeamento
socioeconómico, a avaliação é uma etapa fundamental deste, que permite conhecer não só
os resultados do trabalho e dos investimentos realizados, mas também melhorar alguns dos
pressupostos e dos procedimentos utilizados.
Não sendo um fim em si, a avaliação, se correctamente realizada, permite melhorar o
desempenho do sistema, no seu conjunto, e a acção dos seus actores, em particular. De facto,
como o reconhecem Estrela e Nóvoa (1992, p. 9), a avaliação tem uma função estruturante do
sistema de ensino, “que nunca deixou de estar presente no quotidiano escolar – nomeadamente
ao nível da regulação das práticas pedagógicas, das aprendizagens dos alunos e das relações
com a comunidade envolvente (…)”. Vejamos o entendimento de outros autores.
Para D.L. Stufflebeam et al. (1971), a avaliação consiste num “processo de identificar, obter
e proporcionar informação útil e descritiva acerca do valor e mérito das metas, a planificação, a
realização e o impacto de um objecto determinado, com o fim de servir de guia para a tomada
de decisões, para solucionar os problemas de responsabilidade e promover a compreensão
dos fenómenos”. Este entendimento exige o cumprimento de três fases principais, relacionadas
com a selecção, a recolha e a divulgação da informação pelas partes interessadas. O modelo
de avaliação elaborada por este autor – CIPP (contexto-input-processo-produto) – contempla
quatro grandes domínios (MATEO, 2000, p. 143-144):
· avaliação do “contexto”, cujos objectivos consistem na “definição do cenário onde se situam
os elementos relevantes do contexto”, ou seja, a leitura da realidade circundante;
· avaliação do “input”, destinada à recolha de informação “para estabelecer como utilizar
adequadamente os recursos existentes com o fim de alcançar os objectivos programados”;
· avaliação do “processo”, ou seja, “a análise do desenvolvimento do curriculum e a tomada
de decisões relacionadas com o controle e a sua gestão”;
· avaliação do “produto”, orientada para a “recolha de informação a fim de comprovar
se o produto final obtido com o desenvolvimento do curriculum responde ou não
às expectativas nele depositadas”, permitindo a tomada de decisão por parte da
administração sobre o programa em curso.

Num trabalho mais recente, este autor (STUFFLEBEAM, SHINKFIELD, 1993, p. 19) considera
que a avaliação “supõe comparar objectivos e resultados”, utilizando, por isso, diversos
50 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

procedimentos e objectivos que lhe permitam obter uma informação segura e imparcial sobre
todo sistema educativo. É este o entendimento de Rodrigues (1992, p. 16), que aponta a
abrangência da avaliação, nos seus “mais diversos níveis, aspectos e elementos, como por
exemplo: alunos; professores; ensino, métodos e estratégias; meios e materiais; manuais
escolares; suportes e documentos de ensino à distância; ciclos de ensino e estruturas
educativas; equipamentos e instalações escolares e de formação; estabelecimentos e
instituições de ensino; projectos, programas, planos de estudos e currículos; reformas
educativas e inovações de toda a ordem; políticas de educação; sistemas educativos globais
e seus subsistemas; e até a própria avaliação”.
Oportuno será considerar a necessidade de uma constante “referencialização” da prática de
avaliação, no sentido que Figari (1992, p. 135) lhe atribui, ou seja, “o conjunto das modalidades
que consistem em determinar um contexto e nele delimitar os elementos portadores de sentido,
em construir (ou reconstruir) um sistema de referências relativo a um objecto (ou a uma situação)
preciso e em relação ao qual se poderão justificar os diagnósticos e as avaliações”. Esta é
uma perspectiva que permite ultrapassar o carácter burocrático de muitas das abordagens
quantitativas e comparativas da avaliação, permitindo que esta “não se realize em função de
um referencial normativo preexistente e fechado, mas antes em função de uma referencialização
a construir”.
A avaliação prende-se não só com as aprendizagens dos alunos e o desempenho dos
docentes, mas também com o funcionamento da instituição escolar. De facto, como assinalam
Costa e Ventura (2005, p. 148), “proceder à avaliação de uma organização educativa sem
que esse investimento se repercuta na própria instituição – na identificação dos seus cons-
trangimentos, dificuldades e insucessos e em consequentes estratégias de mudança, de
melhoria das práticas educativas e de desenvolvimento do bem-estar das pessoas – constituirá
certamente uma perda de tempo”. De acordo com estes autores (Op. cit., p. 149), a avaliação
institucional da escola (auto-avaliação e desenvolvimento organizacional) repercute-se ao
nível das práticas das instituições educativas e na construção de “efectivas comunidades
de aprendizagem”.
Tendo em conta a LBSE, o seu artº 1 determina que o sistema educativo deve favorecer o
“desenvolvimento global da personalidade, o progresso social e a democratização da sociedade”.
Esta perspectiva obriga-nos a uma contínua avaliação dos “aspectos educativos e pedagógicos,
psicológicos e sociológicos, organizacionais, económicos e financeiros e, ainda, os de natureza
político-administrativa e cultural” (artº 49). Tal situação tem subjacente conhecer o funcionamento
e a eficiência interna do sistema, e analisar a sua eficácia. Assim, promover a eficácia do sistema
educativo e isoladamente a eficácia das diversas unidades que o constituem, principalmente das
escolas, é uma preocupação dos responsáveis da administração educacional, da população
docente e da sociedade.
A análise de um processo de avaliação prende-se com a utilização de diversos tipos de
indicadores. Entre eles destacamos os relacionados com: acesso, equidade, eficiência interna,
eficiência externa, eficácia, qualidade, custos e financiamento. No seu conjunto, a utilização da
informação recolhida através destes indicadores permite alterar a organização e as condições
de funcionamento das organizações sociais e educativas, contribuindo, ainda, para uma melhor
acção dos organismos intermédios. De realçar que os resultados da avaliação são fundamentais
Jorge Carvalho Arroteia 51

na avaliação das políticas educativas, tanto ao nível macro (relacionados com os resultados das
reformas educativas), como ao nível micro (resultados ao nível dos estabelecimentos de ensino).
No seu conjunto, o conhecimento destes permite melhorar o funcionamento das instituições,
das práticas e modelos de ensino, da organização dos estudos, da formação de recursos, do
aproveitamento global dos alunos e das relações entre a escola e a comunidade. Assim se
justifica o recurso a alguma da legislação relacionada com a avaliação dos alunos nos diversos
subsistemas de ensino.
No ensino básico, a legislação de 1992 (Desp. Normativo nº 98-A/92) referia que a “avaliação
dos alunos do ensino básico incide sobre o cumprimento dos objectivos gerais de cada um dos
ciclos e dos objectivos específicos de cada disciplina ou área disciplinar”, apontando diversas
vias de prosseguir as modalidades de avaliação formativa, sumativa, aferida e especializada.
Por sua vez, o Despacho Normativo nº 30/2001 estabeleceu novas orientações para a avaliação
dos alunos do ensino básico, considerando esta como “elemento integrante e regulador da
prática educativa”. De acordo com o preâmbulo deste documento, dá-se ênfase ao carácter
formativo da avaliação e à valorização de uma lógica de ciclo.
Da legislação publicada na sequência da reforma do ensino secundário e da publicação
da LBSE, nos finais da década de oitenta, destaca-se o Dec.-Lei nº 286/89, de 29 de Agosto.
Por sua vez, o Despacho Normativo nº 338/93 estabelece as diversas modalidades de “avaliação
formativa, sumativa e aferida”, com vista a estimular o sucesso educativo dos alunos, melhorar
a qualidade do ensino e da aprendizagem e “certificar os conhecimentos, competências e
capacidades dos alunos, quer para efeitos de prosseguimento de estudos, quer para ingresso
na vida activa” (Preâmbulo). Mais ainda, estabelece que a avaliação dos alunos do ensino
secundário “é um elemento integrante da prática educativa que permite a recolha sistemática
de informações e a formação de juízos para a tomada de decisões adequadas às necessidades
dos alunos e do sistema educativo”.
A acção educativa considera a avaliação dos alunos do subsistema de ensino superior
separado dos demais. Em simultâneo, a avaliação recobre não só o desempenho dos
alunos, mas também o desempenho dos professores e dos agentes e funcionários do
Estado. Neste caso, o processo de avaliação tem em consideração o trabalho desenvolvido
e os resultados alcançados dentro das organizações públicas. Quanto à população
docente, a avaliação do desempenho está consignada no respectivo Estatuto da Carreira
Docente (Dec.-Lei nº 139-A/90, de 28 de Abril). De acordo com o Decreto Regulamentar
nº 11/98, de 15 de Maio, “a avaliação do desempenho dos docentes passa (…) a ser encarada
como estratégia integrada no modo como as escolas, enquanto instituições dinâmicas e
inseridas num sistema mais amplo, desenvolvem e procuram valorizar os seus recursos
humanos” (Preâmbulo) de acordo com o estipulado no respectivo Estatuto da Carreira dos
Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário.
Como exemplo de um programa nacional recente, destaca-se o da avaliação integrada
das escolas, desenvolvido pela Inspecção-Geral de Educação (2001). Orientado para os
subsistemas de educação de infância, ensino básico e secundário, este programa tinha como
objectivos principais:
· “valorizar as aprendizagens e a qualidade da experiência escolar dos alunos;
· identificar os pontos fortes e fracos do desempenho das escolas;
52 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

· induzir processos de auto-avaliação nas escolas;


· recolher informação e caracterizar o desempenho do sistema escolar;
· regular o funcionamento do sistema escolar”.

Avaliação do ensino superior


A avaliação do ensino, reconhecida globalmente, em 1986, pela LBSE, só no decurso da
década de noventa é que foi regulamentada para o ensino superior através da publicação
de legislação específica: Lei nº 38/94 (Lei da Avaliação do Ensino Superior) e Dec. Lei
nº 205/98, responsável pela criação do Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior.
O desenvolvimento deste processo justificou-se pela expansão do ensino superior (ensino
universitário e ensino politécnico) registada em Portugal, sobretudo no decurso das duas últimas
décadas, traduzida no acréscimo significativo de alunos e de estabelecimentos de ensino (de
natureza pública, particular e cooperativa ou de natureza concordatária). Por isso, como
assinalaram Simão, Santos e Costa (2002, p. 243), o processo de avaliação deve ser encarado
“em termos sistémicos”, visando reduzir “uma elevada heterogeneidade institucional, em que
coexistem instituições e unidades de excelência com casos evidentes de duvidosa qualidade”.
Às instituições de ensino superior cabe um papel fundamental na formação dos recursos
humanos e de diplomados, nas diferentes áreas do conhecimento, e a sua participação no
desenvolvimento da sociedade portuguesa. Para tanto, compete-lhes desempenhar diversas
funções, tais como participar na “ressocialização dos saberes”, atribuição que, indo além do
seu contributo na formação inicial, obriga estas instituições a responder às necessidades de
aperfeiçoamento cultural e profissional da população. Estas actividades circunscrevem-se,
prioritariamente, a um determinado contexto geográfico ou território mais próximo, conduzindo
à “territorialização da formação”, o que sugere o desenvolvimento destas acções, orientadas
preferencialmente para esse contexto, e a atenderem às necessidades do tecido produtivo,
incentivando o trabalho e a investigação científica, contribuindo, desta forma, para a “partilha
da inovação” que acompanha todo o processo de desenvolvimento.
Referem-se os instrumentos fundamentais que estiveram na origem da criação do sistema
de avaliação deste subsistema de ensino, em particular a Lei nº 38/94 (“Lei de avaliação do
ensino superior”), aplicada às instituições de ensino superior universitário e de ensino superior
politécnico, públicas e não públicas. Na sua essência, esta lei estabeleceu as bases do sistema
de avaliação e acompanhamento das referidas instituições de ensino superior, tendo presente a
relevância da melhoria da qualidade, a informação e o esclarecimento da comunidade educativa
e da sociedade portuguesa em geral. Esta Lei definiu serem finalidades da avaliação:
“a) Estimular a melhoria da qualidade das actividades desenvolvidas;
b) Informar e esclarecer a comunidade educativa e a comunidade portuguesa em geral;
c) Assegurar um conhecimento mais rigoroso e um diálogo mais transparente entre as
instituições de ensino superior;
d) Contribuir para o ordenamento da rede de instituições do ensino superior.”

De acordo com esta legislação (artº 3), a avaliação incidiu sobre:


“a) O ensino, designadamente as estruturas curriculares, a nível científico, os processos
pedagógicos e as suas características inovadoras;
Jorge Carvalho Arroteia 53

b) A qualificação dos agentes de ensino;


c) A investigação realizada;
d) A ligação à comunidade, designadamente através da prestação de serviços e da
acção cultural;
e) O estado das instalações e do equipamento…;
f) Os projectos de cooperação internacional”.

Para melhor esclarecimento, transcrevem-se os princípios basilares deste sistema de


avaliação (artº 6):

“Autonomia e imparcialidade da entidade avaliadora;


Participação das instituições avaliadas;
Audição de docentes e discentes;
Publicidade dos relatórios de avaliação respeitantes a cada instituição, e das
respostas dos estabelecimentos avaliados”.

De acordo com a referida Lei, a avaliação contemplou um processo de auto-avaliação e um


processo de avaliação externa, desenvolvidos por comissões de especialistas de reconhecido
mérito. Esta última fase devia conduzir à avaliação global do ensino superior, a “meta-avaliação”.
A responsabilidade geral do processo de avaliação e de acompanhamento do ensino superior
foi atribuída, nessa data, ao Ministério da Ciência e do Ensino Superior, o qual devia assegurar
os princípios de “harmonia”, “coesão” e “credibilidade”. A coordenação da avaliação externa
cabe a “entidades representativas” do ensino público e do ensino particular e cooperativo
(universitárias e politécnicas), reconhecidas pelo referido Ministério.
Note-se que as alterações entretanto registadas, quer ao nível dos sistemas de formação,
quer nos sistemas produtivos e de emprego, conduziram a situações de algum desajuste, que se
repercutem na funcionalidade interna do ensino superior, bem como na sua eficiência e eficácia.
Alguns exemplos negativos desta coerência entre os elementos deste subsistema social e do
seu meio estão referidos no emprego desqualificado e no desemprego dos jovens diplomados,
facto que contraria muitas das expectativas relativas aos investimentos realizados (pessoais e
institucionais), ao funcionamento de algumas instituições e à organização deste subsistema de
ensino. Daí a atenção sobre as questões sobre o acesso, as relações entre o ensino superior e
a sociedade, a autonomia destas instituições, a formação dos recursos humanos, a qualidade
do ensino, a natureza da investigação e a internacionalização do ensino.
Neste sentido, o sistema de avaliação e acompanhamento das instituições de ensino
superior considerou como relevantes os aspectos relativos à ”procura efectiva dos alunos,
o sucesso escolar e os mecanismos de apoio social”, à “ inserção dos diplomados no
mercado de trabalho”, bem como os aspectos relativos ao funcionamento e gestão das
escolas, nomeadamente no que concerne à “colaboração interdisciplinar, interdepartamental
e interinstitucional” e à “eficiência de organização e gestão”. Trata-se de aspectos que
confirmam as preocupações sobre a qualidade das instituições de ensino superior, sobre a
coerência global do seu funcionamento e dos seus principais componentes, representados no
modelo sistémico que subjaz a estas preocupações.
54 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

A legislação anteriormente referida foi completada com a publicação da Lei nº 205/98, que
estabeleceu as regras gerais do processo de avaliação e acompanhamento do ensino superior,
nomeadamente a constituição das “entidades representativas”, dos “conselhos de avaliação”,
criados no seio de cada uma destas entidades, e do “Conselho Nacional de Avaliação do
Ensino Superior”. Este último foi reconhecido como entidade coordenadora da avaliação a
nível nacional e o garante da qualidade e da excelência necessários ao desenvolvimento do
processo de avaliação. Como entidades representativas foram aceites:
· Fundação das Universidades Portuguesas (para as universidades públicas);
· Associação dos Institutos Superiores Politécnicos Portugueses (para o ensino politécnico
público);
· Associação Portuguesa do Ensino Superior Particular (para as universidades e estabeleci-
mentos de ensino universitário e politécnico de natureza particular).

Na sequência desta legislação, foram criados quatro conselhos de avaliação responsáveis


pelo processo de avaliação externa das instituições de ensino superior, correspondentes aos
subsistemas universitário e politécnico, público e privado, sendo eles:
· Conselho de Avaliação do Ensino Universitário Público;
· Conselho de Avaliação do Ensino Politécnico Público;
· Conselho de Avaliação do Ensino Universitário Privado;
· Conselho de Avaliação do Ensino Politécnico Privado.

Estes são, com efeito, os aspectos essenciais que identificam o processo de avaliação,
que, embora iniciado em 1994 e abrangendo então todas as universidades públicas, foi
encerrado em 1999, para dar lugar, a partir de 2000, a um programa vasto e uniforme de
avaliação de todas as instituições de ensino superior, universitário e politécnico, públicas e
privadas. O ciclo posterior, com a duração de cinco anos, abarcou, em simultâneo com a
auto-avaliação institucional, a avaliação externa, no ensino universitário e no ensino politécnico,
dos cursos nas diferentes áreas científicas. Esta tarefa envolveu o Conselho Nacional de
Avaliação como entidade responsável por todo o processo de avaliação e de acompanhamento
das instituições de ensino superior em Portugal.
Recorde-se que, sendo a avaliação e o acompanhamento das instituições de ensino superior
entendidos como um “elo” da cadeia de melhoria da qualidade do nosso sistema de ensino,
nela devem tomar lugar de destaque não só os decisores políticos, mas também os utentes
deste sistema (alunos, pais, professores, empregadores e entidades ligadas às ordens e
às actividades profissionais). Por isso, foram considerados o contexto, os processos e os
resultados, entendidos como factores indispensáveis à melhoria qualitativa do desempenho
das instituições avaliadas e à melhoria da qualidade das políticas educativas que informam o
nosso sistema social e educativo.
Carta escolar

“A carta escolar é uma forma de planeamento a nível local, ou seja, um processo dinâmico que,
partindo de um diagnóstico detalhado da situação ao nível local e tendo por base os objectivos
e as normas fixadas a nível nacional, tem como finalidade a previsão das necessidades futuras
em matéria de educação, ao nível local, e propor as medidas necessárias para responder a
estas necessidades” (IIPE, 1982, p. 14). O conjunto destas medidas faz parte do planeamento
da educação e integra diversas etapas que abarcam: a escolha da metodologia de trabalho; a
alocação de meios para a sua realização; a criação de estrutura administrativa responsável pela sua
execução a aplicação; e a formação de decisores e de pessoal responsável pela sua gestão.
Para além da “carta escolar”, que deve incidir sobre a localização, actual e futura, da rede
de estabelecimentos escolares, importa assinalar a existência de demais equipamentos que
sirvam de suporte a outras actividades educativas, tais como cursos e programas relacionados
com a formação profissional. Neste caso, estamos em presença de uma “carta educativa”,
de extensão mais alargada, e que se constitui como um auxiliar do processo de planeamento
socioeconómico de âmbito regional ou nacional. Por isso, o traçado desta carta engloba não
só os equipamentos escolares, mas também outros equipamentos que permitam a realização
de actividades educativas inseridas em programas extra-escolares, de formação profissional,
de ensino recorrente e outras iniciativas abertas à sociedade e relacionadas com a educação
não formal.
Para a sua elaboração, importa conhecer em profundidade a população, as suas características
e distribuição, a localização dos equipamentos educativos, bem como as eventuais propostas
para a sua instalação, as quais devem ter em conta as densidades demográficas e as áreas
de recrutamento dos alunos, uma vez que, para a criação de um novo estabelecimento, é
necessário garantir um número mínimo de alunos que se desloquem dentro de uma área
geográfica, que não seja demasiado vasta. Da mesma forma, importa integrar no rol destas
preocupações a diversidade de outros factores locais que podem contribuir para a melhoria
do sistema educativo, em particular as que têm origem nas actividades da população e que
permitam a sua participação na construção de um espaço alargado, confinante da escola,
designado por “território educativo”.
Note-se que a extensão da área de recrutamento dos alunos depende da acessibilidade e
do tempo gasto na deslocação, das suas idades, das infra-estruturas de apoio à população
escolar e, naturalmente, do tipo de equipamento relacionado com o nível de ensino que estamos
a considerar. Nestas circunstâncias, a carta escolar tem sido um dos pilares do processo de
“microplaneamento” do ensino, identificado por um conjunto de vantagens em detrimento do
56 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

planeamento central. Neste sentido, tem cabido à carta escolar desempenhar uma função
relevante, na medida em que permite:
· racionalizar a utilização dos recursos;
· facilitar uma maior igualdade de oportunidades em matéria de educação;
· facilitar a concretização das reformas do sistema educativo (IIPE, 1982, p. 15).

Retemos algumas das etapas que nos permitem elaborar a carta escolar:
· “Diagnóstico: análise da oferta actual e identificação dos desequilíbrios existentes no
acesso à educação e nas condições do ensino.
· Projecção das necessidades de escolarização a nível local, em função do Plano.
· Preparação das propostas de modo a assegurar uma igualização das condições de
ensino e o respeito por certas normas de utilização dos espaços e dos professores”
(Op. cit., p. 16).

O traçado da carta escolar deve ter ainda em conta diferentes factores, dentre os quais
salientamos:
· demográficos, relacionados com as características da população residente na área do
seu traçado e na potencial clientela dos estabelecimentos que integram a rede;
· pedagógicos, tendo em atenção o tipo de ensino e a sua especialização, a tipologia dos
estabelecimentos e a sua ocupação;
· geográficos, atendendo sobretudo às acessibilidades, física, económica (custos de
funcionamento) e social (tendo em conta a redução das disparidades regionais na
escolarização dos alunos ou entre os diferentes grupos sociais);
· económicos, relativos aos custos de funcionamento;
· políticos, envolvendo aspectos relacionados com a administração do sistema e a autonomia
concedida aos diferentes estabelecimentos e agrupamentos que integram a rede escolar.

Interessa, ainda, recordar que na elaboração da carta escolar há sempre a interacção dos
níveis local, regional e nacional, pelo que a mesma deve ser acompanhada de um processo
de regionalização que tenha em conta as “características e as necessidades específicas de
cada região” (Op. cit., p. 34) e dos seus habitantes. Destacamos alguns aspectos práticos,
relacionados com o traçado da carta escolar.
De acordo com o texto de um estudo do GEP (1990a, p. 13), a carta escolar, como
“(re)configuração da rede escolar, deverá ser um processo dinâmico, expressão de uma política
educativa projectada num determinado horizonte temporal, permanentemente reavaliada e
actualizada, no quadro de uma prática de planeamento educativo, desenvolvida de uma forma
sistemática e continuada aos diversos níveis da Administração”. Mais ainda, o traçado da
carta escolar só é válido se se fizer acompanhar da identificação dos critérios de planeamento,
entendidos estes como “as normas orientadoras para a reorganização da rede escolar,
norteadas por princípios de diversidade e complementaridade, visando alargar a oferta de
tipologias de modo a responder às várias realidades regionais, quer demográficas quer sociais
ou outras e articular e associar, numa determinada área territorial, os vários estabelecimentos
e outros equipamentos sociais de modo a racionalizar a oferta.”
Jorge Carvalho Arroteia 57

Sendo assim, poderíamos ser tentados a pensar que a utilização da carta escolar só
terá significado num processo de macroplaneamento da educação e não à escala regional.
Recorde-se que o processo do microplaneamento da educação, a nível regional ou local,
é um dos processos mais eficazes na implementação de qualquer reforma educativa ou
num processo de democratização do sistema educativo, uma vez que facilita a satisfação
das necessidades reais em educação, aproximando a oferta da procura. Por esta razão
se compreende que esta designação possa vir a ser preterida a favor de uma outra, mais
abrangente – a de “mapa educativo –, o qual tenderá a realçar não só “a planificação das
actividades exclusivamente escolares, mas também todas as actividades educativas, incluindo
os programas extra-escolares de alfabetização, pós-alfabetização, formação profissional, etc”.
Por outro lado, a designação de “mapa educativo” contempla a existência de outros espaços
educativos, que não só a escola, facto que não deve deixar de ser devidamente encarado na
actualidade (IIPE, 1987, p. 48).
De acordo com este estudo (Op. cit., p. 50), a utilização da carta escolar permite “realizar
ou consolidar a escolarização primária e universal; incrementar o acesso ao ensino secundário;
melhorar a qualidade da educação e promover melhores condições de ensino nas escolas
sem provocar um forte aumento dos custos, organizar uma rede de centros educativos
de ensino técnico e profissional e elaborar o mapa das universidades ou de instituições do
ensino superior.”
Importa assinalar a importância do “mapa educativo”, quer na racionalização e utilização
dos recursos existentes, quer na redução das disparidades e na promoção das igualdades de
acesso aos equipamentos educativos. Sendo assim, o traçado de qualquer “mapa educativo”
deve contemplar não só os aspectos geográficos, relacionados, sobretudo, com a acessibilidade
e o traçado das áreas de influência, mas também com os factores demográficos que atendem,
nestas circunstâncias, à distribuição da população residente, à sua composição e estrutura, aos
movimentos natural e migratório, bem como às projecções futuras da população residente.
Para além destes factores e da consideração dos aspectos de natureza política e ocupacional
que condicionam a localização de um qualquer equipamento educativo – sobretudo quando
relacionado com a estrutura da mão-de-obra local e as actividades económicas dominantes –,
o traçado da carta escolar obedece, ainda, a diversos critérios, sobretudo de natureza
pedagógica, ligados à organização e à distribuição do serviço docente, à utilização dos
espaços educativos, à qualidade e eficácia do sistema educativo. De facto, como refere Barroso
(1990, p. 81), o estudo do “espaço escolar” constitui um dos factores de relevo na explicação
do rendimento dos alunos e da eficácia e qualidade do ensino. Daí que, para além do estudo
da organização do estabelecimento de ensino e da estrutura social da sua população, a leitura
pedagógica do espaço escolar, “nas implicações das diferentes soluções arquitectónicas na
realização do processo educativo,” permite realçar diversas áreas temáticas que podem ser
valorizadas no traçado da carta escolar.
Como instrumento auxiliar do planeamento e tendo em conta a quantidade de elementos
que reúne, o traçado desta carta revela-se, portanto, do maior interesse, uma vez que permite:
“racionalizar a utilização dos recursos; facilitar uma maior igualdade de oportunidades em
matéria de educação; facilitar a concretização de reformas do sistema educativo (IIPE, 1982,
p. 15). Estas funções da carta escolar permitem, por um lado, um melhor aproveitamento
58 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

dos recursos disponíveis e, por outro, facilitam ainda a análise detalhada das diferenças do
desenvolvimento da educação entre as diversas unidades territoriais ou eventualmente entre os
grupos sociais, promovendo um desenvolvimento mais harmónico do sistema educativo. Desta
forma, a carta escolar torna-se não só num poderoso instrumento do processo de planeamento,
mas também da política educativa, uma vez que, promovendo o melhor conhecimento das
regiões e dos seus resultados, facilita as tomadas de decisão do poder central, favorecendo,
por sua vez, uma “maior participação dos funcionários regionais e locais (…) no processo do
planeamento da educação” (Op. cit., p. 13). Compreende-se, assim, que a sua validade será
reforçada se esta se associar ao processo de regionalização do território, o qual, ao atender
às características específicas de cada região, permite uma melhor articulação entre os níveis
local e central e uma gestão mais correcta do sistema de ensino.
Como referiu Chau (1969, p. 44), a elaboração deste documento “não deve ser uma construção
puramente teórica”, devendo, por isso, atender às características dominantes da distribuição da
população e às áreas de recrutamento dos alunos, utilizando, portanto, outros critérios, como o
da acessibilidade, da tipologia dos equipamentos educativos e dos limiares da população, que
condicionam a configuração genérica da rede e a gestão de todos os seus recursos.
Completamos as referências sobre a carta escolar com a indicação das etapas e dos
factores a considerar na elaboração deste documento. De acordo com o IIPE (1982, p. 16), a
elaboração da carta escolar, compreende três etapas distintas:
· diagnóstico da oferta actual e identificação dos desequilíbrios existentes;
· projecção das necessidades de escolarização, a nível do ensino obrigatório e pós-
-obrigatório;
· preparação das propostas da carta prospectiva.

Quanto aos factores a ter em consideração, para além dos de ordem demográfica, os quais
devem atender, sobretudo, aos movimentos da população, e aos de ordem geográfica, os
quais, como referimos, devem ter sobretudo em conta a acessibilidade aos estabelecimentos
de ensino, deve atentar-se ainda nos custos financeiros (factor económico), nas disparidades
regionais de escolarização, nas disparidades entre os grupos sociais ou na resistência à
escolarização (factores sociais).
Embora referidos em último lugar, mas devendo ser considerados como prioritários, os
factores de ordem pedagógica, relacionados, por exemplo, com a carga horária, os horários
da população docente e discente, o grau de ocupação do estabelecimento, entre outros, são
aspectos relevantes a ter em consideração neste processo complexo e no cumprimento de
todos os objectivos que facilitem a democratização do ensino. Note-se que o desenvolvimento
de um sistema de ensino democrático, no qual todos os alunos tenham acesso à educação,
exige ainda uma verdadeira articulação entre os diversos subsistemas e redes de ensino, para
além de uma interacção entre os diferentes níveis de administração do sistema educativo.
Diversos estudos levados a cabo no âmbito da Sociologia da Educação têm demonstrado
as relações entre a “herança social” dos alunos, o “sucesso escolar” e a “mobilidade social”
da população escolar. Não sendo nosso objectivo discutir essa realidade, lembramos apenas
o interesse da comparação de certos indicadores sociais que podemos associar ao estudo
formal dos resultados escolares. Entre eles realçamos os indicadores de situação que
Jorge Carvalho Arroteia 59

podem ser utilizados nos estudos de comunidade, os quais precisam o contexto em que se
desenvolvem as actividades de ensino-aprendizagem. Destacamos, por isso, diversos tipos
de indicadores que podem ser agrupados, de acordo com as suas afinidades, de natureza
geográfica, demográfica, económica e social. Para além destes, podemos ainda considerar
os que dizem respeito à saúde, ao alojamento e, por fim, os diversos indicadores de natureza
sociocultural, largamente utilizados não só em estudos de comunidade, mas também em
estudos monográficos mais vastos.
Uma última palavra para a relevância da carta escolar na política educativa. Como foi referido
anteriormente, a carta escolar é um instrumento do planeamento utilizado em diferentes contextos
económicos e sociais, mas de grande utilidade prática na aplicação de qualquer política educativa.
Recordam-se, a propósito, algumas das características do planeamento educativo:
· começamos por realçar o seu carácter “integrador”. Tal significa que, quando se esboça
qualquer estudo prévio, deverá atender-se às infra-estruturas existentes, adaptando a
implantação de novos equipamentos educativos aos recursos já disponíveis, de modo a
verificar-se um aproveitamento e uma melhor utilização de todos os recursos educativos;
· identificamos, em seguida, o seu carácter “dinâmico”. Neste caso, uma vez identificada a
rede, deverá desenvolver-se o parque escolar, tendo em conta não só a malha existente –
“rede escolar” –, mas também as tendências e as perspectivas de desenvolvimento futuro
das diferentes regiões;
· para além destas características, “(…) o planeamento e a gestão da rede escolar
deverão subordinar-se essencialmente a conceitos de racionalização, o que pressupõe a
coordenação de recursos, a avaliação sistemática de metodologias, a análise de custos,
a criação de indicadores de eficácia numa perspectiva global de rentabilização do parque
existente e dos novos investimentos “ (GEPa, 1990, p. 40);
· deve, ainda, o planeamento caracterizar-se pela sua “diversidade”, “flexibilidade” e
“complementaridade” (Loc. cit.). O primeiro daqueles atributos permite, através do
recurso a várias tipologias, “adequar as dimensões e funções da escola à natureza local
e especificidade de cada região”; o segundo facilita “a integração dos equipamentos
educativos na organização social colectiva, através da utilização dos equipamentos
educativos para outros fins, que não só os de natureza pedagógica”; finalmente, o
último permite articular e associar “numa determinada área regional os recursos físicos
existentes, racionalizando a sua gestão e utilização.”

A aceitação destes conceitos pressupõe, assim, a definição de uma política de desenvolvimento


do território que atenda às assimetrias regionais e sectoriais existentes para que a nova rede de
estabelecimentos escolares possa vir a contribuir “para potenciar o desenvolvimento como
factor crítico e estratégico de valorização dos recursos humanos e produtivos e de melhoria
das condições de qualidade de vida” (Loc. cit.). É, aliás, o que pretende a Lei de Bases do
Sistema Educativo, que defende o planeamento da rede escolar, de forma a contribuir “para a
eliminação de desigualdades e assimetrias locais e regionais, de modo a assegurar a igualdade
de oportunidades de educação e ensino a todas as crianças e jovens” (artº 37).
A propósito da rede escolar, lembra a LBSE, no domínio da regionalização, que “o
planeamento e reorganização da rede escolar, assim como a construção e manutenção
60 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

dos edifícios escolares e seu equipamento, devem assentar numa política de regionalização
efectiva, com definição clara das competências dos intervenientes, que, para o efeito, devem
contar com os recursos necessários“ (artº 38). Sobre os edifícios escolares, dá as seguintes
indicações (artº 39):
· “Os edifícios escolares devem ser planeados na óptica de um equipamento integrado e ter
suficiente flexibilidade para permitir, sempre que possível, a sua utilização em diferentes
actividades da comunidade e a sua adaptação em funções das alterações dos diferentes
níveis de ensino, dos currículos e métodos educativos.
· A estrutura dos edifícios escolares deve ter em conta, para além das actividades escolares,
o desenvolvimento de actividades de ocupação de tempos livres e o envolvimento da
escola em actividades extra-escolares.
· A densidade da rede e as dimensões dos edifícios escolares devem ser ajustadas às
características e necessidades regionais e à capacidade de acolhimento de um número
equilibrado de alunos, de forma a garantir as condições de uma boa prática pedagógica
e a realização de uma verdadeira comunidade escolar.

Legislação apropriada, nomeadamente a Lei nº 159/99, de 14 de Setembro, tem vindo a


atribuir às autarquias locais, através dos Conselhos Municipais de Educação, responsabilidades
acrescidas no domínio da educação e, particularmente, na elaboração da “carta escolar”.
Neste âmbito, refere-se, ainda, o Decreto-Lei nº 7/2003, de 15 de Janeiro, que define
as normas de funcionamento e atribuições do “Conselho Municipal de Educação” (artº 3),
considerado como “uma instância de coordenação e consulta que tem por objectivo promover,
a nível municipal, a coordenação da política educativa, articulando a intervenção, no âmbito
do sistema educativo, dos agentes educativos e parceiros sociais interessados, analisando e
acompanhando o funcionamento do respectivo sistema e propondo as acções consideradas
adequadas à promoção de maiores padrões de eficiência e eficácia do mesmo”.
De acordo com este diploma (artº 10), a carta educativa é, “a nível municipal, o instrumento
de planeamento e ordenamento prospectivo de edifícios e equipamentos educativos a
localizar no concelho, de acordo com as ofertas de educação e formação que seja necessário
satisfazer, tendo em consideração a melhor utilização dos recursos educativos, no quadro
do desenvolvimento demográfico e socioeconómico de cada município”. Assim, um dos
primeiros objectivos da carta escolar (artº 11) é o de “assegurar a adequação da rede de
estabelecimentos de educação pré-escolar e de ensino básico e secundário, de forma a que,
em cada momento, as ofertas educativas disponíveis a nível municipal respondam à procura
efectiva que ao mesmo nível se mantiver” (…). A consulta deste documento permite aprofundar
outros conceitos fundamentais, tais como os de “rede educativa” (artº 13), de “equipamentos
educativos” (artº 14), bem como os preceitos fundamentais relacionados com o “ordenamento da
rede” (artºs 15 a 17) e os aspectos relativos à elaboração da carta educativa (artºs 18 a 21).
Tendo presente a evolução da nossa sociedade e os desafios que hoje se colocam quer ao
poder central quer ao poder local e ao papel relevante a desempenhar pelas autarquias nos
domínios da educação, do ensino, da formação e como promotoras do desenvolvimento local,
importa assinalar que as cartas educativas devem ter em consideração a existência de novas
dinâmicas sociais e de formação, enquadradas pelo desenvolvimento de “comunidades de
Jorge Carvalho Arroteia 61

aprendizagem”, propiciadoras de novas dinâmicas sócio-educativas. Nestas circunstâncias, o


traçado destas cartas deve contemplar (AZEVEDO, 2006, p. 62- 64) a cartografia dos “recursos
educativos da comunidade local”; assinalar as redes de “cooperação entre as escolas e outros
agentes sócio-educativos”; fomentar a “construção participada de políticas de educação
social”; considerar a “relevância da formação contínua e em serviço por parte de todos os
intervenientes nos projectos sócio-educativos e da investigação científica, sobretudo numa
lógica de investigação-acção” e permitir o “papel relevante de um planeamento estratégico
que seja criativo e flexível, construído sobre visões abertas quanto ao futuro, partilhadas entre
os actores sócio-educativos da comunidade”.
Pelo seu interesse, transcrevemos de Azevedo (Op. cit., p. 62) os aspectos a realçar na
cartografia que suporta a elaboração da carta educativa e que se deve distinguir não tanto pela
“quantificação dos recursos existentes, no quadro dos limites político-administrativos de um
dado territorio municipal, mas sobretudo:
i) na densidade de relações e redes já existentes e que se desvelam;
ii) na revelação da antropologia dos lugares e das suas histórias que surgem espantosas
à luz do dia;
iii) na identificação e no conhecimento e na valorização dos recursos realmente existentes,
alguns deles escondidos em instituições ainda dormentes para as dinâmicas
comunitárias;
iv) na identificação das falhas existentes e dos ‘buracos por preencher’, sobretudo junto de
grupos populacionais mais carenciados e, em geral, de fraco capital cultural;
v) na perspectiva integradora e sistémica a que pode conduzir toda a acção sócio-educativa”.

Estas considerações abrem novas perspectivas ao traçado e à dinamização deste


importante instrumento de planeamento local, que é a carta escolar, fazendo-o perder o seu
carácter estático, como as primeiras noções o faziam supor e adequando-o a novas formas
de administração social e territorial e às dinâmicas criadas em torno do movimento das
“Cidades Educadoras” e dos desafios da Pedagogia Social. Por outro lado, faz-nos relembrar
a oportunidade e pertinência dos processos de planeamento social e da sua articulação
com o planeamento educativo como forma de prosseguir objectivos e metas concretas do
desenvolvimento territorial e das comunidades locais.
Democratização do ensino

À democratização do ensino encontra-se subjacente o conceito de “direito à educação”


para todos os cidadãos e o estabelecimento de condições que permitam o cumprimento de
um período de escolarização básica, ou de “escolaridade obrigatória”. Na prática, traduz-se
na criação de condições de igualdade de acesso à educação, no acréscimo da frequência
escolar, nos resultados do sucesso dos alunos e no aumento da participação dos cidadãos
na vida da comunidade. Esta postura tem em conta a facilitação do acesso à escola a todos
os cidadãos, o reconhecimento de que esta frequência é útil para o crescimento económico
e social e o sentido de equidade, entendida como “garantia de êxito de todos através de uma
oferta educativa diversificada e de qualidade” (FIGUEIREDO, 2001, p. 39).
De acordo com Lima (1991, p. 124), “historicamente conotado com o ‘direito à educação’,
o conceito de democratização do ensino focalizou sobretudo o problema do acesso à
educação, reclamando-se então uma expansão da escola pública, a criação de mais escolas,
a consagração de uma escolaridade universal e gratuita, mais tarde de uma escolaridade
obrigatória sucessivamente mais prolongada, em suma, de uma escola para todos” (…). Porém,
a democratização do ensino e a construção da escola democrática não são realizações apenas
dependentes de uma efectiva política de acesso igualitário”.
Como foi assinalado num colóquio organizado na sede da Unesco (Paris, 17-21Junho,
1985), sobre a democratização da educação: “L’histoire de l’éducation pendant les dernières
décennies est marquée par la recherche constante de nouvelles méthodes et de nouvelles
stratégies susceptibles de promouvoir l’exercice de plus en plus large du droit à l’éducation,
considéré en tant que l’un des droits fondamentaux de l’homme comme l’une des conditions
indispensables au progrès économique, social et culturel des sociétés. L’ensemble des multiples
actions et activités visant à promouvoir ce droit se fusionnent dans un processus complexe qui
est appelé couramment la démocratisation de l’éducation, et qui se trouve en relation étroite
avec la démocratisation de la société”.
A eliminação dos obstáculos à frequência da população em idade escolar e os incentivos
à escolarização universal repercutiram-se no acréscimo da frequência da população escolar
registada em diversos países do globo, em particular nos países em vias de desenvolvimento,
no período posterior à segunda guerra mundial. Tais medidas traduziram-se na implementação
de ciclos de escolaridade básica, com o fim de responderem às necessidades dessa população
e da sociedade em geral. Este processo foi acompanhado por um alargamento da rede escolar
e pelo aumento dos efectivos docentes, fenómenos que romperam com muitas das barreiras
sociais e culturais dominantes, facilitando o acesso crescente da população jovem aos diversos
64 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

níveis de ensino, em particular ao ciclo correspondente à educação de base, promovida pelo


poder político e incentivada por alguns organismos internacionais, tais como a UNESCO, a ONU
e o Banco Mundial. Na sequência destas medidas, registou-se um aumento da “esperança
de vida escolar” em todos os níveis de ensino e um acréscimo da participação colectiva da
população (docente, discente e da sociedade em geral) nas tomadas de decisão relacionadas
com a gestão dos centros educativos.
O acolhimento dado a este fenómeno não se pode dissociar da democratização da
sociedade, nem tão pouco do esforço universal de se facilitar à população, em geral, o acesso
às infra-estruturas sócio-educativas e à educação de qualidade. De forma global, importa realçar
que o acesso ao sistema educativo é medido através de diferentes tipos de indicadores, em
particular os que respeitam as admissões no sistema e os que indicam a escolarização e a
transição dentro do mesmo.
O processo de democratização do ensino tem sido determinado pela evolução do contexto
internacional, em particular depois do eclodir dos fenómenos de industrialização e de urbanização,
que deram origem à escola de massas. Como o reconhecem Colom e Domínguez (1997, p. 23), “o
desenvolvimento económico e os êxitos conseguidos pelo capitalismo primitivo levou a que pouco
a pouco se aprofundassem os valores democráticos, e nesta perspectiva política se dotasse a
escola de maiores possibilidades funcionais (…). O desenvolvimento capitalista necessitava cada
vez mais de gente capacitada, pelo que se estabeleceu que a escola poderia ser um elemento
propiciador a nível formativo (…), o que fazia pressupor manter uma posição mais ambientalista
das aptidões intelectuais, estas já não eram específicas de uma classe ou de um nível económico,
pelo que se devia transformar aquele sistema escolar, hierárquico e reprodutor, a fim de preparar
um funcionamento escolar que se requeria compensador e corrector das diferenças sociais”.
Defende a CRP (artº 73) ser dever do Estado promover a democratização da educação e da
cultura, favorecendo, desta forma, a garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso
e êxito escolar (artº 74). Mais ainda, defende a participação democrática no ensino (artº 77), na
qual intervenham os professores e as suas associações, os alunos, os pais, as comunidades
e instituições de carácter científico na definição da política de ensino.
Por sua vez, a Lei de Bases do Sistema Educativo reconhece o âmbito do sistema educativo
que deve favorecer, no seu conjunto, o desenvolvimento global da personalidade, o progresso
social e a democratização da sociedade (artº 1). Daí o considerar, nos seus Princípios
Organizativos (artº 3), que o sistema educativo tem por responsabilidade descentralizar,
desconcentrar e diversificar as estruturas e acções educativas, com vista a proporcionar uma
correcta adaptação às realidades, um elevado sentido de participação das populações, uma
adequada inserção no meio comunitário e níveis de decisão eficientes.
Estabelece a Lei de Bases do Sistema Educativo Português (artº 2):
“1. Todos os portugueses têm o direito à educação e à cultura (…).
2. É da especial responsabilidade do Estado promover a democratização do ensino,
garantindo o direito a uma justa e efectiva igualdade de oportunidades no acesso e
sucesso escolares.
3. No acesso à educação e na sua prática, é garantida a todos os portugueses o respeito
pelo princípio da liberdade de aprender e de ensinar, com tolerância para com as escolhas
possíveis, tendo em conta, designadamente, os seguintes princípios:
Jorge Carvalho Arroteia 65

a) O Estado não pode atribuir-se o direito de programar a educação e a cultura segundo


quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas;
b) O ensino público não será confessional;
c) É garantido o direito de criação de escolas particulares e cooperativas”.
4. O sistema educativo responde às necessidades resultantes da realidade social, contribuindo
para o desenvolvimento pleno e harmonioso da personalidade dos indivíduos, incentivando
a formação de cidadãos livres, responsáveis, autónomos e solidários e valorizando a
dimensão humana do trabalho.
5. A educação promove o desenvolvimento do espírito democrático e pluralista, respeitador
dos outros e das suas ideias, aberto ao diálogo e à livre troca de opiniões, formando
cidadãos capazes de julgarem com espírito crítico e criativo o meio social em que se
integram e de se empenharem na sua transformação progressiva”.

Esta perspectiva é recente na história da sociedade portuguesa. Com efeito, se tivermos


em conta a evolução recente do sistema educativo português, registamos ser a partir dos
anos setenta (século XX), com Veiga Simão, que se divulga a utilização do conceito de
“democratização do ensino”, noção pouco corrente até então. As preocupações sociais deste
ministro, relacionadas com a “democratização” do ensino em Portugal, são patentes num
trecho dos seus discursos: “um princípio fundamental que não me canso de repetir […] é o
da necessidade de uma autêntica democratização do ensino que, sem excepção, permita a
qualquer jovem ocupar na sociedade o lugar que lhe compete, em exclusiva dependência da
sua capacidade intelectual e sem condicionalismos sociais e económicos”. Tais preocupações
estiveram na origem do alargamento da rede escolar, da criação de infra-estruturas pedagógicas
e científicas e do “Instituto de Acção Escolar” (IASE), em cujos objectivos cabia:
· a criação de cantinas escolares em todas as escolas e a substituição da “sopa tradicional”
pelo leite ou por outro alimento racional;
· a concessão de bolsas de estudo aos estudantes necessitados;
· a construção de alojamentos para estudantes e professores.

O conjunto destas medidas permitiu um aumento da frequência e do nível de instrução da


população portuguesa.
A este respeito importa assinalar que, muito embora a melhoria do nível de instrução de uma
população seja vital para o desenvolvimento económico e social de um país, o seu crescimento
rápido, tal como se regista em muitas regiões do globo, é considerado por alguns economistas
como um obstáculo em virtude das necessidades dos investimentos demográficos. Por isso,
ainda que promovendo a “universalidade” de um ensino primário (obrigatório), a sua duração
depende das disponibilidades financeiras, dos recursos humanos disponíveis, da evolução e
dos níveis de desenvolvimento do país, tendo em conta a existência de uma certa “aceleração
evolutiva” no desenvolvimento das sociedades, que “renovam autonomamente o seu sistema
produtivo e reformam as suas instituições sociais no sentido da transição de um a outro modelo
de formação sociocultural” (RIBEIRO, 1983, p. 55).
66 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Estas condições dão origem ao alargamento progressivo dos períodos de escolaridade


obrigatória, à adaptação dos programas e curricula às novas condições sociais e tecnológicas,
ao alargamento da rede escolar, em suma, à tentativa de “democratização” do ensino,
permitindo uma igualdade de oportunidades a todos os cidadãos no que respeita não só à
escolaridade obrigatória, mas também à frequência dos níveis de ensino, secundário, superior
ou mesmo da educação pré-escolar. Contudo, como nota Azevedo (1994, p. 29), muitas
destas medidas mantêm os traços de políticas educativas inconsistentes, as quais “confundiram
exigência escolar com reprovação e repetência e reduziram, em parte, a democratização à
abertura da porta de entrada das escolas a todos, condenando depois, lá dentro da “caixa
negra”, hipocritamente, uma parte tão significativa da população à reprovação e à exclusão”.
Note-se que o processo de democratização exige o conhecimento aprofundado da
população escolar, das suas características e dos diversos fenómenos relacionados com a
população discente, em ligação com os restantes fenómenos, de natureza social, que ocorrem
na sociedade. Da mesma forma, importa conhecer a localização dos equipamentos educativos,
as densidades demográficas e as áreas de recrutamento dos alunos, as acessibilidades,
situações identificadas através do traçado da “carta escolar” e presentes nas opções de
política educativa relacionadas com o desenvolvimento da educação e do seu contributo nos
processos locais e regionais de desenvolvimento sócio-económico e cultural.

Acessibilidades
A facilidade de acesso da população aos diferentes bens e serviços de ensino, aos
equipamentos culturais e outros constitui um factor de sucesso das medidas de acção
educativa e do processo de democratização do ensino. Daí que, ao analisarmos a procura
da educação e os seus resultados, possamos atender a diferentes aspectos que condicionam
essa proximidade ou acessibilidade. Entre eles, destacamos:
· A acessibilidade física, ditada pelas condições do relevo, das vias de comunicação, da
distância e do tempo dispendido no percurso entre a escola e a residência dos alunos.
Daí a delimitação desta acessibilidade pressupõe a definição de áreas de influência
específica – para cada escola ou nível de ensino – e a necessidade de criação de
mecanismos de compensação para os casos em que as dificuldades naturais ponham
em risco uma cobertura eficaz do serviço educativo e o aproveitamento dos alunos.

A necessidade da criação de uma rede de transportes escolares, de cantinas, de residências


escolares, de centros de ocupação dos tempos livres e de outros equipamentos sociais e
culturais é tanto maior quanto menor for a acessibilidade física, vindo colmatar as lacunas
deixadas por uma distribuição territorial dos equipamentos educativos menos eficiente.
· Para além dos aspectos físicos, a acessibilidade económica é outro dos factores que
condiciona a frequência escolar, principalmente nos níveis de escolaridade pós-obrigatória.
Com efeito, se a democratização do ensino é praticamente conseguida no ensino
básico e elementar, o alargamento do período de escolaridade obrigatório – também
designado por “esperança de vida escolar” legal – anda intimamente ligado às dificuldades
socioeconómicas e ao nível e condições de vida e de habitação dos cidadãos. Assim, se
tivermos em conta a situação das famílias portuguesas no decurso do último censo da
Jorge Carvalho Arroteia 67

população (INE, 2002, CII), verifica-se que, “em 2001, cerca de 10% dos alojamentos
não tinham pelo menos uma das quatro instalações básicas (electricidade, instalações
sanitárias, água canalizada e instalações de banho ou duche) (…). Denota-se que o litoral,
especialmente as regiões onde estão integradas as principais aglomerações urbanas,
apresentava melhores coberturas de infra-estruturas básicas”.
Estas condições realçam como a facilidade e os custos da frequência escolar devem ser
calculados em função não só das disponibilidades financeiras da família e das despesas
correntes – encargos com transportes, alimentação, alojamento e material didáctico –,
mas também da contabilização dos custos indirectos que um aluno poderia auferir se
tivesse optado por uma actividade profissional.
Este foi um dos temas de muito agrado para alguns economistas que, no início dos
anos setenta, consideraram o cálculo dos benefícios económicos, devidos ao grau de
instrução, como uma das “taxas de rendimento” (COOMBS, 1970, p. 49-53), a ter em
conta nos investimentos e no planeamento da educação.
· As acessibilidades acima referidas podem ser completadas com o conhecimento da
acessibilidade sociocultural, a qual pode conduzir à auto-eliminação de alguns grupos
sociais a determinados bens culturais e do ensino por razões de “herança cultural” do
seu agregado familiar, e de inibição cultural que os níveis de instrução menos elevados
podem ocasionar em relação à procura da educação. Estas causas, se aplicadas ao caso
português, podem justificar os abandonos precoces do sistema e algumas das quebras
das taxas de escolarização, sobretudo a nível do ensino secundário em certos distritos,
principalmente os do interior, onde a percentagem de população com elevado grau de
iletracia é ainda relevante. De facto, como refere Gras (1974, p. 283), “a sub-educação
dos pais nas classes desfavorecidas coloca-os numa situação difícil perante a orientação
das crianças, porque os impede de aperceber todas as perspectivas que oferece cada
nível escolar”, dificultando, nestas circunstâncias, a sua mobilidade social. Tal facto
justifica os elevados índices de analfabetismo e de iletracia da população, expressos
quer na ausência de frequência escolar, quer no deficiente domínio de conhecimentos
básicos de leitura e de outra espécie, registados na população portuguesa.

Uma breve referência sobre a realidade portuguesa em 2001 assinala a débil herança cultural
das populações residentes no Alentejo e no interior da região Centro do país, onde se situavam
as maiores taxas de analfabetismo da população portuguesa, ao contrário da faixa litoral, entre
a Península de Setúbal e o Vale do Lima, onde essas taxas apresentavam os menores valores
(INE, 2002, LXVIII). Como dificuldades desta ocorrência, podemos salientar, também, a
distribuição dos equipamentos no território consubstanciada na “carta escolar” ou, se
considerarmos uma visão mais alargada da mesma, os resultados de políticas educativas e
sociais menos consistentes.

Apoios educativos e sociais


A abertura da escola ao universo da população em idade escolar tem vindo a evidenciar
dificuldades de aprendizagem e de sucesso escolar, decorrentes do desenvolvimento humano
do aluno ou do nível de rendimento do seu meio familiar e social. Com o intuito de remediar
68 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

essas condições, são desenvolvidos apoios sociais e metodologias e estratégias diferenciadas,


relacionadas com o ensino e as actividades da sala de aula e outros apoios adicionais de
âmbito escolar e educativo. Estas preocupações têm subjacente a “construção de uma escola
democrática“ (Despacho conjunto nº 105/97), que procura “centrar nas escolas as intervenções
diversificadas necessárias para o sucesso educativo de todas as crianças e jovens; assegurar
de modo articulado e flexível, os apoios indispensáveis ao desenvolvimento de uma escola de
qualidade para todos e perspectivar uma solução simultaneamente adequada às condições e
possibilidades actuais (…)”.
Legislação mais recente (Ministério da Educação – Desp. nº 1438/2005-2ª Série) considera como
apoios educativos “o conjunto de estratégias e das actividades concebidas no âmbito curricular e de
enriquecimento curricular, desenvolvidas na escola e no seu exterior, que contribuam para que
os alunos adquiram as competências, de forma a possibilitar o sucesso educativo de todos os
alunos”. De acordo com este documento, esse apoio reveste-se das seguintes modalidades:
“a) pedagogia diferenciada na sala de aula;
b) programas de tutoria para apoio a estratégias de estudo, orientação e aconselhamento
do aluno;
c) programas de compensação (…);
d) programas de ensino específico da língua portuguesa para alunos oriundos de países
estrangeiros”.

Por sua vez, os apoios sociais consubstanciam-se, essencialmente, nas actividades da


acção social escolar. Entende-se por acção social o conjunto de realizações e de iniciativas
postas à disposição da população escolar e das suas famílias, que permitam superar as
condições individuais relacionadas com a herança material e cultural dos alunos e promover a
integração social, o desenvolvimento pessoal e o aproveitamento escolar. Revestindo diferentes
tipos de modalidades materiais, financeiras e outras, esta acção exerce-se quer ao nível do
ensino básico e obrigatório, quer nos restantes níveis de ensino, secundário e superior. Assim,
a LBSE estabelece, no seu artº 27, que “são desenvolvidos, no âmbito da educação pré-escolar
e da educação escolar, serviços de acção social escolar concretizados através da aplicação
de critérios de discriminação positiva que visem a compensação social e educativa dos alunos
economicamente mais carenciados”.
Dadas as profundas assimetrias sociais e culturais que identificam a sociedade portuguesa, o
acesso da população escolar aos equipamentos educativos, bem como o sucesso dos alunos,
é bastante diferenciado. Nestas circunstâncias, importa ter em conta não só as diferentes
“heranças culturais” da população escolar, mas também a diversidade social dos públicos que
frequentam o nosso sistema de ensino, assim como as desigualdades impostas por diferentes
acessibilidades, sobretudo de natureza cultural e económica, que afectam o acesso comum
desta população aos bens educativos. Situações desta natureza agravam as desigualdades
sociais de origem, induzem fenómenos de exclusão social que interessa remediar e exigem
uma eficaz justiça social que se traduza no apoio directo aos estudantes mais necessitados,
capaz de suprir aquelas dificuldades.
Se tivermos em conta o exemplo específico do ensino superior, a criação dos Serviços
e Acção Social foi estabelecida pelo Decreto-Lei nº 132/80, de 17 de Maio e 125/84, de
Jorge Carvalho Arroteia 69

26 de Abril. Por sua vez, o Decreto-Lei nº 129/93, de 22 de Abril, define as bases do sistema
de acção social no âmbito das instituições de ensino superior. De acordo com a Lei nº 1/2003,
cabe ao sistema de acção social a responsabilidade de concessão de bolsas, de empréstimos
e de outras formas de intervenção. Compete-lhe, portanto, desempenhar uma acção que
tende a superar as desigualdades sociais e económicas da população escolar e garantir que
a igualdade de oportunidades, promovida pela democratização do ensino, tenha em devida
conta a universalidade dos estudantes, abrangendo na sua acção todos os utentes do sistema
em condições de equidade e de justiça social.
De notar as dificuldades que acompanham esta situação, sobretudo se considerarmos as
marcas acentuadas da estratificação social que identificam a nossa sociedade. Por esta razão
importa que o sistema de acção social tenha presente a repartição equilibrada dos recursos,
de modo a garantir uma justa repartição dos apoios, directos e indirectos, suportados pelo
erário público. É esta complementaridade da acção familiar, porque necessária e indispensável
à superação das desigualdades económicas e sociais de origem, que tem de apoiar de forma
inequívoca (e sem agravar as injustiças sociais) a população estudantil, sobretudo os estudantes
deslocados dos seus ambientes familiares.
Estas preocupações foram referidas na Lei de desenvolvimento e qualidade do ensino
superior (Lei nº 1/2003), que atribui à acção social (artº 11):
“1. O Estado, através de um sistema de acção social do ensino superior, assegura o direito
à igualdade de oportunidades de acesso, frequência e sucesso escolar, pela superação
de desigualdades económicas, sociais e culturais”.

Enuncia, ainda, esta Lei diferentes medidas a tomar no âmbito do sistema de acção social,
relacionadas com bolsas de estudo, alimentação e alojamento, serviços de saúde, actividades
culturais e desportivas e apoios educativos. Por isso, a concluir, refere a mesma Lei:
“3. Aos estudantes dos estabelecimentos de ensino superior não público serão estendidos
os benefícios e regalias já asseguradas aos estudantes do ensino superior público no
âmbito da acção social do ensino superior”.

Por sua vez, a Lei nº 37/2003, de 22 de Agosto, que revogou a anterior legislação relativa
ao financiamento deste subsistema de ensino – Lei nº 113/97, de 16 de Setembro – estabelece
as bases do financiamento do ensino superior, e um conjunto de apoios sociais, directos e
indirectos, aos estudantes economicamente carenciados e à população estudantil em geral.
Destacam-se as bolsas de estudo, o acesso à alimentação e alojamento, as actividades
culturais, desportivas, os empréstimos e outros apoios educativos que os estudantes podem
beneficiar através do sistema de acção social.
Tendo presente o nosso contexto societal, a acção do sistema de acção social tem de
conjugar-se na busca de uma gestão eficiente e de uma prestação adequada que garantam
uma gestão eficaz no aprofundamento do processo de democratização social, da participação
familiar e da cidadania plena desta população escolar. Assim, os investimentos orientados
para o sistema de acção social, conjuntamente com os investimentos globais em formação
de recursos humanos, poderão não só facilitar a almejada melhoria da qualidade do ensino
70 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

superior e contribuir para o estabelecimento de sinergias necessárias à estabilidade social,


política e intergeracional que devem acompanhar o desenvolvimento da nossa sociedade e da
sua educação terciária.

Igualdade de oportunidades
A igualdade de oportunidades pressupõe a aplicação de um conjunto de medidas, de
natureza social e pedagógica, que permita as mesmas possibilidades de acesso à educação
e de sucesso a todos os alunos. Como assinala Éliard (2000, p. 8), esta questão, que já
fez correr muita tinta, mantém-se actual dado “o largo consenso que se afirmou durante
décadas em torno da ideia segundo a qual, através de reformas, a escola poderia igualizar
as oportunidades de acesso numa sociedade de contrastes responsável por ocultar e pôr
em causa a igualdade formal de direitos”.
De acordo com Simões (1997, p. 265), a “igualdade, no campo da educação, foi vista
durante décadas como a expansão da educação a todos, através da disseminação geográfica
de escolas e do alargamento social da frequência da escola”. Mais ainda, “a igualdade foi
concretizada em termos de estrutura escolar através da escola única e da unificação de vias
escolares”, do desenvolvimento do “curriculo uniforme” e de “tratar a todos os alunos do
mesmo modo, independentemente da sua origem, grupo de pertença ou condição – ensinar
a todos como se fossem um só (…) evolução institucional que visava dar a todos o mesmo
tipo de educação” traduzida numa “pedagogia uniforme (…) expressão na sala de aula do
ideal de igualdade” (Op. cit., p. 266).
Confundindo-se, parcialmente, com o processo de “democratização do ensino”, a noção
de igualdade de oportunidades está intimamente ligada ao nível de vida, à herança cultural e à
acessibilidade aos diversos equipamentos educativos e à informação. Da mesma forma, continua
associada à configuração administrativa e organizacional do sistema que, só por si, pode
contrariar as intenções postas numa política de abertura e de democratização da educação.
Como outros conceitos sociais, o princípio da igualdade de oportunidades tem vindo a
evoluir ao longo do tempo (COLOM, DOMÍNGUEZ, 1997, p. 24-25):
· até aos finais da primeira grande guerra, entendia-se que “seria missão dos sistemas
estatais de educação oferecer uma formação conveniente a cada inteligência e adaptar-se
assim às possibilidades dos alunos. Para isso, a escola deve orientar o seu trabalho
de acordo com as aptidões dos alunos”;
· no pós-guerra, com o avanço da democratização do ensino, “a nova forma de entender
a igualdade de oportunidades pressupõe uma visão mais ampla do problema das
diferenças sociais e do papel da educação na sociedade, já que incide particularmente
no desejo de abolir os obstáculos exteriores que podem impedir as possibilidades
educativas aos membros da sociedade”. Por isso, considerou-se relevante:
– abolição dos obstáculos geográficos que impeçam esse objectivo;
– ajudas financeiras aos alunos;
– unificação do ensino num corpo de conhecimentos básico. “Nestas circunstâncias,
os alunos, todos por igual, podem beneficiar durante mais tempo do sentido
igualitário e compensatório que aporta a educação” ((Loc. cit.).
Jorge Carvalho Arroteia 71

Em data mais recente, o princípio da igualdade de oportunidades assenta num novo modelo
sociológico, que defende ser o reconhecimento de que “a inteligência e as aptidões escolares
são de índole inteiramente sócio-cultural” (Loc. cit.). Logo, ”tem-se agora a convicção de que
a educação, na sociedade actual, deve ser um elemento igualitário e compensatório, pelo
que todos os alunos devem ter as mesmas oportunidades educativas, independentemente
da sua capacitação” (Loc. cit.). Assim, no dizer de Pardal (1991, p. 36), “o início da educação
escolar obrigatória corresponde ao momento a partir do qual mais se defende a igualdade de
oportunidades no plano escolar” ou, ainda, “sendo certo que a expansão da escolarização não
implica, por si mesma, igualdade de oportunidades, não deixa, todavia, de ser verdade que a
maior ou menor escolarização constitui um bom indicador de mobilidade social e de expansão
de oportunidades sociais” (Loc. cit.).
As diferentes concepções relacionadas com a igualdade de oportunidades defendem que
o sistema educativo não deve diferenciar a educação dos alunos em função das aptidões que
evidenciam. Tal facto leva a estender o ensino secundário a todos os alunos, sem que o sistema
educativo utilize qualquer mecanismo de filtração ou de separação, e a implantar um conceito
de ensino secundário que contemple ao mesmo tempo matérias de natureza intelectual e
profissional. Desta forma, o êxito do sistema escolar não estará já em preparar ou formar
os alunos mais capacitados, mas centrará a sua actividade em responder às necessidades
de todas as classes e de todos os indivíduos. A igualdade de oportunidades coloca-se
então como estratégia de resolver as “oportunidades desiguais” (COLOM, DOMÍNGUEZ,
1997, p. 26).
Entre as condições que afectam a igualdade de oportunidades, destacam-se as assimetrias
territoriais, que comprometem a aplicação do princípio da “descentralização democrática”,
defendido no artº 6º do CRP. Estas desigualdades sugerem, portanto, a aplicação de um
certo número de medidas que permitam “a realização da democracia económica, social e
cultural”, preconizada no artº 2º da CRP. Em nosso entender (ARROTEIA, 1984, p. 122 e 127),
tais medidas justificam-se plenamente se atendermos “ao relativo aumento da população e às
disparidades regionais existentes, ao acréscimo da população docente e de funcionários, em
virtude do aumento recente da população escolar (…), à maior participação das populações nas
decisões respeitantes ao sector educativo que acompanhará a descentralização dos sistemas
de educação”. Só assim o Estado cumprirá plenamente a sua missão: garantir a todos os
cidadãos “o direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso
e êxito escolar”, através das seguintes acções:
a) “assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito;
b) criar um sistema público de educação pré-escolar;
c) garantir a educação permanente e eliminar o analfabetismo;
d) garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais
elevados de ensino, de investigação científica e de criação artística;
e) estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino;
f) inserir as escolas nas comunidades que servem e estabelecer a interligação do ensino e
das actividades económicas, sociais e culturais;
g) promover e apoiar o acesso dos cidadãos portadores de deficiência ao ensino e apoiar
o ensino especial, quando necessário; (…)
72 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

i) assegurar aos filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa e o acesso à cultura
portuguesa;
j) assegurar aos filhos dos imigrantes apoio adequado para efectivação do direito ao ensino”
(artº 74 – CRP).

Educação para todos


Dentre as diversas iniciativas e programas de acção tendentes à promoção da
democratização do ensino, registam-se os esforços desenvolvidos por organismos internacionais
no sentido de promoverem a alfabetização da população do globo e as desigualdades, em
particular as que se relacionam com o género, nos diversos países e contextos civilizacionais.
Promovida pela UNESCO, a conferência mundial “L’éducation pour tous”, teve lugar em Jomtien
(Tailândia), em 1990, reunindo quase milhar e meio de responsáveis políticos, educadores e
representantes de ONG e OG que proclamaram a referida declaração universal – “Educação
para todos” (HALLAK, 1992). Para além da UNESCO, associaram-se na promoção desta
iniciativa a UNICEF, o PNUD e o Banco Mundial.
A referida reunião teve como objectivos principais: acentuar a importância e a incidência da
educação de base sobre todos os membros da sociedade; criar um consenso alargado para
encetar estratégias para satisfação das necessidades de aprendizagem das crianças, jovens
e adultos e criar um fórum mundial de partilha de experiências e de resultados da investigação
no sentido de reforçar os programas então em curso e os futuros.
Pelo seu interesse, enumeram-se os princípios básicos desse encontro:
1. Satisfação das necessidades básicas de aprendizagem a crianças, jovens e adultos;
2. Promover uma nova visão, ampla e renovada, da educação;
3. Universalizar o acesso à educação e fomentar a equidade;
4. Concentrar esforços na aprendizagem e na avaliação dos resultados;
5. Aumentar os mesmos e o alcance da educação básica;
6. Melhorar as condições de aprendizagem;
7. Fortalecer a concertação de acções;
8. Desenvolver políticas de apoio;
9. Mobilizar recursos;
10. Fortalecer a solidariedade internacional.

Transcrevem-se, ainda, as dez conclusões finais da referida Conferência:


1. O reconhecimento de sérias dificuldades financeiras, devido ao problema do endivi-
damento, o que torna difícil de pôr em marcha os objectivos da “educação para todos”;
2. O reforço e uma nova abordagem da questão da educação das mulheres;
3. A necessidade de uma participação efectiva dos pais e das colectividades na oferta de
serviços no domínio da educação de base;
4. A necessidade de passar do simples respeito pelas culturas nacionais a uma promoção
efectiva destas;
5. A necessidade de concentrar a atenção necessária aos desafios provocados pelas
mudanças tecnológicas rápidas e pela correspondente explosão da informação;
Jorge Carvalho Arroteia 73

6. A necessidade urgente de integrar o ensino da higiene e das ciências do ambiente na


educação de base;
7. A importância que há de dar maior atenção aos deficientes, aos grupos marginais e aos
refugiados;
8. O reconhecimento de que a importância à educação de base não deve negligenciar os
outros níveis de educação que são igualmente importantes;
9. A importância que há de sublinhar o perigo de se cair no analfabetismo e a necessidade
de incentivar o prosseguimento de estudos;
10. A necessidade absoluta de desenvolver iniciativas internacionais para satisfazer as
necessidades de uma educação de base para todos”.

O enunciado desta Conferência tem subjacente o enunciado de uma série de valores e de


princípios, nomeadamente o da igualdade de oportunidades, que permitam vencer as barreiras
sociais e impedir o “darwinismo” social dominante em certas sociedades.
Demografia escolar

De acordo com Clerc (1974, p. 221), a “demografia procede à descrição estatística dos
grupos humanos, dando especial atenção aos efectivos e aos factores que afectam os
movimentos e que permitem explicar e prever as variações dos efectivos”. No que respeita
à demografia escolar, trata-se de um ramo especializado da demografia social, interessado
no estudo quantitativo desta população. Ocupa-se, ainda, do estudo das características da
população e dos diversos fenómenos relacionados essencialmente com a população discente
(admissão, progressão interna e abandono do sistema educativo), relacionando-os com os
restantes fenómenos de natureza social que ocorrem na sociedade e com o conhecimento da
população docente e funcionários, integrados nesse mesmo sistema.
Para Girard (1970, XVIII), a “demografia escolar” estuda as características, a evolução, a
distribuição e frequência da população nos diferentes graus de ensino, a duração de cada ciclo
de estudos, os abandonos e as “migrações” entre os diferentes ciclos, tendo em conta que
as reprovações e os abandonos estão ligados a fenómenos patológicos e a causas exógenas,
relacionadas com o sistema escolar, ou endógenas, em ligação com as aptidões individuais.
Por outro lado, a “demografia escolar” interessa-se pelo conhecimento das características do
corpo docente, relativas ao número e estrutura por sexo e idades, às qualificações profissionais,
à sua origem social e geográfica, bem como à sua distribuição espacial e por níveis de ensino,
de modo a auxiliar a entender as condições reais de democratização da educação e, nesse
sentido, ajudar as tomadas de decisão relativas ao planeamento e à política educativa. Nesta
perspectiva, o campo de estudo da “demografia escolar” ultrapassa o mero conhecimento da
evolução, da estrutura e dos movimentos da população, para se interessar pelas condições
associadas ao desenvolvimento económico, pelas reformas sociais e pela inovação tecnológica
das sociedades pós-industriais, identificadas por uma hierarquia de sistemas de natureza
diferente (TOURAINE, 1982, p. 103) e elevado grau de diferenciação.
Embora parecendo difícil conciliar os interesses do ensino com o estudo da população,
a “difusão do saber” por um número cada vez maior de indivíduos “cria laços cada vez mais
estreitos entre os problemas do ensino e os problemas da educação”, isto é, “dirigindo-se aos
homens, o ensino passou para o domínio da demografia” (GIRARD, 1970, XVII). Esta afirmação
é particularmente verdadeira quando se assiste a um aumento crescente de alunos no sistema
escolar, porventura desajustado na sua concepção actual e, por isso, mal adaptado à realidade
presente. Tal realidade justifica amplamente a abordagem dos fenómenos demográficos e o seu
interesse no estudo da sociedade, bem como a importância que se pode reconhecer à “dinâmica
de tratamento de cultura” (WORSLEY, 1977) e às formas de “difusão do saber”, como o ensino
formal, que, hoje em dia, constitui um dos temas de estudo no âmbito das ciências sociais.
76 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Justifica-se, por isso, que, dada a especificidade de certos temas desta ciência, relacionados
principalmente com a explosão escolar ou centrados em torno do conhecimento do(s) sistema(s)
educativo(s), tenha surgido uma nova área de interesse, a demografia escolar, cuja relevância no
diagnóstico e nas tomadas de decisão de política educativa é hoje sobejamente reconhecida.
Que o digam, por exemplo, o leque de países em via de desenvolvimento, nos quais o aumento
dos efectivos escolares (discentes e docentes) e a expansão quantitativa dos seus sistemas
educativos têm vindo a tornar-se numa pesada carga financeira, levando, por isso, a modificar
muitas das metas de desenvolvimento inicialmente desejadas por esses países.
Como um ramo da demografia social, a demografia escolar recorre aos mesmos métodos
e técnicas utilizadas na análise demográfica, relativos à natureza dos dados, à sua dinâmica e
estrutura, ao tipo de análise (longitudinal ou transversal) e às projecções demográficas. Tendo
em conta o enunciado de alguns fenómenos escolares, eles podem ser assinalados, quer através
de valores numéricos, quer de diversas representações gráficas, das quais o Diagrama de Lexis
(nome de um demógrafo alemão do século XIX) constitui um bom exemplo.

Diagrama de Lexis
Dentre os aspectos relativos aos fenómenos demográficos escolares, importa assinalar
a duração da “vida escolar”, ou seja, o período de tempo efectivo em que o aluno frequenta o
sistema de ensino. Neste caso, e contrariamente ao que sucede em demografia geral, em que
os marcos importantes da vida de um indivíduo são o nascimento e a morte, em demografia
escolar conta-se o ingresso e o abandono do sistema educativo (ensino formal). Durante este
lapso de tempo – “vida escolar” –, devemos atender às “migrações”, isto é, aos movimentos
dos alunos entre os diversos níveis.
Como o reconhece Gras (1974, p. 297), “o lugar ocupado na estrutura social” está ligado ao
rendimento, à educação, à estrutura familiar, à reputação da comunidade, etc., agindo estes
factores uns sobre os outros “para preservar a estrutura social na sua forma actual, assim como
o lugar da família no seio desta estrutura”.
O estudo quantitativo da população humana realça uma variedade dos fenómenos
demográficos – natalidade, nupcialidade, fecundidade, mortalidade, etc. –, que condicionam
a evolução da população. Daqui se infere que o tempo constitui uma da variáveis essenciais
em demografia, podendo este ser avaliado através do recurso ao “Diagrama de Lexis”.
Em linhas gerais, referimos que este diagrama é constituído por um sistema de eixos cartesianos
ortogonais, nos quais estão marcadas em abcissas as datas de observação (variável temporal)
e nas ordenadas o intervalo de tempo (ou duração) entre o “acontecimento origem” (o que
introduz o fenómeno em estudo) e a manifestação desse fenómeno. Por sua vez, o traçado
das linhas diagonais – “linha de vida” – permite assinalar a interrupção de um determinado
fenómeno, conhecido por “ponto mortuário” (M), que pode corresponder não só à morte, ao
divórcio, à emigração, mas também, se aplicado ao estudo da população escolar, à saída do
indivíduo da escola.
Este diagrama facilita-nos os dois tipos de análise: a “análise longitudinal” e a “análise
transversal”, as quais, se aplicadas à “vida escolar” de um indivíduo, nos permitem seguir o seu
percurso dentro do sistema de ensino ou apenas os níveis de escolarização obtidos à saída
deste sistema. Durante a sua permanência no sistema educativo, são as “migrações internas”,
Jorge Carvalho Arroteia 77

isto é, os movimentos dos alunos entre os diversos níveis de ensino, e os abandonos que nos
alertam para a existência de eventuais patologias sociais que podem justificar a ocorrência de
valores extremos nestes fenómenos.

Duração

M
3

N
2

0
Q I II III IV Anos

Figura 1. Diagrama de Lexis

Como reconhecem outros autores (GRAS, 1974, BOUDON, 1979, CACOUAULT et al.,
1995, entre outros), a dimensão destes movimentos dentro do sistema educativo é reveladora
do grau de estratificação social e das facilidades de mobilidade geradas pela sociedade.
Com efeito, a frequência dos diferentes níveis de ensino é condicionada, primeiramente por razões
demográficas, que, de acordo com a população escolarizável, determinam as “pressões” sobre
o sistema. Outras razões são ditadas pelo lugar ocupado pelo aluno na estrutura social, facto
que ajuda a compreender melhor as relações existentes entre os sistemas social e o educativo.
Um dos indicadores desta relação é a duração ou permanência do aluno no sistema educativo,
ora considerado por “esperança de vida escolar”, cujo aumento tem vindo a alargar-se no tempo,
à semelhança do que sucede, por outras razões, com a esperança de vida da população.

Esperança de vida escolar


Esta designação é adaptada da Demografia Social e traduz a duração média de permanência
de um indivíduo no(s) ciclo(s) de estudos, enquanto frequenta o sistema formal do ensino.
Esta frequência exige a sua inscrição ou matrícula num determinado ano de estudos estabelecido
legalmente e a sua consequente renovação. A duração média da escolarização é, frequentemente,
condicionada pela “herança cultural” do aluno, mas a esperança de vida escolar depende
ainda da duração do ciclo de estudos obrigatório e do processo de democratização do
sistema. Assim, de acordo com um documento do IIPE (1989, p. 3), o cumprimento deste
ciclo é importante, uma vez que permite “aos educadores avaliar a pertinência dos objectivos
pedagógicos, dos programas e dos métodos de ensino, assim como examinar a relação
78 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

entre toda a série de factores internos e externos ligados à frequência e às performances ou


resultados escolares”.
Tomando como exemplo o caso português, o período de escolaridade obrigatória passou
dos seis anos, estabelecidos em 1964 (DL 45810), para os nove anos, com a publicação da
Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº 46/86). Estabelece esta Lei (artº 6):
“1. O ensino básico básico é universal, obrigatório e gratuito e tem a duração de nove anos.
(…)
4. A obrigatoriedade de frequência do ensino básico termina aos 15 anos de idade”.

Apontamos algumas datas em que o período de escolaridade sofreu alterações:


· Em 1960, verificou-se o seu alargamento para quatro anos, a alunos de ambos os
sexos (DL 42994 de Maio de 1960), pondo, assim, termo a uma situação existente desde
1956, que tornara o ensino obrigatório quatro anos para os rapazes e três anos para as
raparigas (DL 40964 de Dezembro, 1960);
· A anterior redução de escolaridade obrigatória para três anos (então de cinco anos, desde
1919), estabelecida em Março de 1930 (Decreto 18140), é uma consequência da política
seguida pelo Estado Novo, o qual, no dizer de Mónica (1978, p. 39), “estava empenhado
numa política geral de estagnação educacional e que era fundamentalmente indiferente à
problemática da educação popular”. Esta perspectiva foi modificada no começo dos anos
sessenta, devido a “pressões feitas pela Europa aquando do alargamento do período de
escolaridade obrigatória e da criação do ciclo preparatório” (Directo e TV).

O alargamento do período de escolaridade obrigatória para mais três anos constituiu uma
das preocupações da sociedade portuguesa que em 1986, através da Lei nº 46/86, viu esse
período aumentar para nove anos.
Note-se que, sendo a democratização do ensino praticamente conseguida a nível do ensino
básico, o alargamento da “esperança de vida escolar”, para além do período de escolaridade
obrigatório, anda ligado às dificuldades socioeconómicas e nível de vida dos cidadãos, que
acompanham diversas formas de insucesso escolar, bem como à expressão das “moratórias
educacionais”, ou seja, do adiamento da entrada no mercado de emprego por via do
alargamento do período de frequência escolar e de formação. De facto, tem-se vindo a assistir,
no decurso das últimas décadas, a uma entrada cada vez mais tardia dos alunos no mercado de
emprego, facto que tem vindo a contribuir para um aumento do capital cultural e de formação
da população jovem. Por isso, os “custos” da frequência escolar devem ser calculados não só
em função das despesas correntes com a educação, mas tabém tomando em consideração os
custos indirectos que um indivíduo deveria auferir, tendo anteriormente optado pelo exercício
de uma actividade profissional e consequente remuneração.

População escolar
O aumento da população escolar é indissociável do crescimento da população residente.
Com efeito, o crescimento natural da população durante um determinado período não é mais
do que uma variação dos seus efectivos, resultante da diferença entre os nascimentos e os
óbitos. Contudo, para além destes factores naturais, poderão ainda interferir os movimentos
Jorge Carvalho Arroteia 79

migratórios, cuja influência no cálculo dos efectivos da população escolar tem vindo a tornar-se
cada vez mais notória, sobretudo nas áreas afectadas pelos movimentos migratórios.
Para além destes factores, a frequência dos alunos nas organizações escolares poderá
ser afectada não só pelo crescimento da população em geral, mas também por outros
factores, dentre os quais se destaca a procura social do ensino e a política educativa.
No primeiro caso, o processo do ensino está intimamente relacionado com a melhoria do nível
de vida das populações e, no segundo, com as perspectivas de desenvolvimento económico,
que poderão provocar o alargamento do período de escolaridade obrigatória, da rede escolar
e a diversificação dos cursos (Secundários, Médios e Superiores), tendo em vista quer a
democratização do ensino, quer a sua adaptação às necessidades impostas pela evolução
tecnológica dos nossos dias.
Estes são os aspectos a considerar quando se analisam as frequências escolares e, sobretudo,
quando se realizam estudos prospectivos relacionados com os efectivos, a formação dos recursos
humanos e as metas de desenvolvimento económico, social e cultural. Nestas circunstâncias,
os métodos de previsão devem ter em conta não só os objectivos da política educativa e a
evolução recente da procura, mas também os fenómenos relacionados com a progressão
e a mobilidade dentro do sistema educativo, bem como as necessidades de formação e
de diplomados, determinados pelos cenários de crescimento, considerados em função das
políticas sectoriais e sociais (IIPE, 1983).
Como compreendemos, o alargamento do período de escolaridade acompanhou os esforços
de “democratização” do ensino sentidos no nosso sistema educativo, devido às pressões feitas
pelos restantes países europeus para o alargamento do período de escolaridade obrigatória.
Por estas razões, o aumento da população escolar não deixou de se acentuar no decurso dos
últimos anos, principalmente nos ciclos de estudo secundário e superior. Assim aconteceu em
Portugal, depois de 1974, data a partir da qual se registou uma “inflexão no sistema” (SAMPAIO,
1980, p. 12), com o processo de democratização da sociedade portuguesa. Alguns valores
recentes relativos ao continente podem comprová-lo.

Quadro 3

Alunos inscritos Ano lectivo 1980/81 Ano lectivo 1989/90


1º Ciclo EB 825 824 626 553
2º Ciclo EB 285 646 316 415
3º Ciclo EB 230 087 346 930
10º e 11º anos 90 134 129 872
Ens. Médio e Sup. 78 300 146 787

Em relação ao último período intercensitário, os dados inscritos nos recenseamentos da


população de 2001 registam em relação à população residente, com 15 ou mais anos, o
seguinte nível de instrução:
80 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Quadro 4

1991-2001
População 8 699 515
Pop. c/ act. Econ. 4 990 208
S/ nível de ensino 89 102
Ens.básico 2 971 350
1º CEB 1 531 043
2º CEB 810 947
3º CEB 629 360
Ens. Secundário 1 109 059
Ens. Superior 785 674
Bacharelato 168 723
Licenciatura 552 579
Mestrado 45 149
Doutoramento 19 223

Os valores anteriores mostram a variação dos alunos registada nos diferentes níveis de
ensino e acusa o decréscimo acentuado da população no 1º ciclo do EB, em consequência
da redução das taxas de natalidade da população portuguesa, ocorridas de há alguns anos a
esta parte. Pelo contrário, no que respeita aos restantes níveis de ensino, a variação reflecte
o aumento da “esperança de vida escolar”, o alargamento da própria rede e as perspectivas
de mobilidade social esperadas pela titularidade de um diploma, a par das causas naturais ou
demográficas que se acentuaram nos últimos anos. Disso nos dá conta a evolução relativa ao
3º ciclo do EB, a qual mereceu uma atenção por parte do INE (2002, LXIX), que, comparativamente
a 1991, destacou o seguinte:
· “Em 2001, a proporção de indivíduos com 15 ou mais anos que completou o 3º ciclo do
ensino básico, ou seja, o ensino obrigatório, foi bastante superior à de 1991, principalmente
nas mulheres em idades mais jovens.
· As maiores proporções verificaram-se na Grande Lisboa, Península de Setúbal e Grande
Porto (valores a oscilarem entre os 53,9% e os 43,4%). Em contraste, as mais baixas
observaram-se no Tâmega (20,3%) e no Pinhal Interior Sul (21,3%).
· As variações mais fortes, no período intercensitário, ocorreram na faixa litoral, com
destaque para Grande Porto, Pinhal Litoral Oeste, Grande Lisboa, Península de Setúbal
e Algarve; em contrapartida, o crescimento da população que completou este nível de
ensino, foi mais fraco nas sub-regiões do Norte e Centro interior, entre as quais se incluem
as de menor proporção”.

No que concerne à população docente, os dados actuais dão-nos conta da sua evolução no
tempo e distribuição por níveis de ensino, realçando os valores actuais as mudanças operadas
no sistema educativo português e a natureza das medidas de política educativa que o têm
condicionado. Em simultâneo, dão-nos conta da necessidade de se repensar o investimento
social em educação e na formação, como defende Azevedo (2002, p. 121), de modo a criar
Jorge Carvalho Arroteia 81

novas dinâmcias societais, bem como, de acordo com o citado autor ((Loc. cit.), a “assunção de
novas responsabilidades”, traduzidas numa “maior liberdade de ensinar e de aprender, uma maior
participação social, procurando e construindo a informação, avaliando, contrapondo, dando fim
a um ciclo de mera diabolização da administração pública e de profunda inacção social”.
Demografia e sociedade

O aumento dos efectivos escolares registado há mais de dois séculos nos países
industrializados do Ocidente Europeu só tardiamente, no termo da Segunda Guerra Mundial,
é que se tornou extensivo aos restantes países, principalmente aos que, a partir de então,
experimentaram os efeitos directos da chamada revolução industrial. Inicialmente, aquele
aumento dos efectivos escolares verificou-se apenas no ensino elementar (séculos XVII e XVIII)
e, a partir do século XIX, transmitiu-se ao secundário (CLERC, 1974, p. 235).
Embora produzindo os mesmos efeitos, a chamada explosão escolar tem causas
diferentes, se referidas a um ou a outro caso. Com efeito, à semelhança do que refere Girard
(1970, XXII), o aumento dos efectivos escolares e universitários nos países industrializados não
se explica pelo crescimento da população total ou pelo “movimento de natalidade”, mas sim pelo
aumento da “população dos jovens, que, em cada ano e para além da escolaridade obrigatória,
prosseguem os seus estudos numa escola ou numa universidade”. Segundo o mesmo autor
(Loc. cit.), a chamada “revolução escolar” deve-se a “um movimento contínuo, cujos efeitos
cumulativos se fazem sentir actualmente no topo da pirâmide”. De realçar que, a nível global,
o aumento destes efectivos foi uma consequência das grandes transformações sociais,
económicas e demográficas, decorrentes do processo da revolução industrial, expressas no
envelhecimento da população residente (e consequente baixa dos valores de fecundidade), no
crescimento urbano, na igualdade de sexos e na mobilidade social, as quais terão provocado
uma maior “procura social do ensino”.
Estas condições são praticamente extensivas aos países em vias de desenvolvimento,
salvo no que respeita ao envelhecimento da população, uma vez que os valores de natalidade
persistem, na maior parte dos mesmos, bastante elevados. Tal facto constitui um dos entraves
ao desenvolvimento do ensino, em virtude dos investimentos necessários a realizar, não só
neste sector, mas também na economia, na saúde, na assistência social etc., investimentos
tanto mais necessários quanto maior for o ritmo de crescimento dos habitantes deste país. São
os chamados “investimentos demográficos”.
No que respeita à realidade portuguesa, é de notar que, à semelhança do que se passou
noutros países da Europa, também a evolução da população escolar em Portugal, registada nas
últimas décadas, tem vindo a ser afectada pelo declínio gradual da natalidade (e da fecundidade)
que acompanhou o desenvolvimento industrial e urbano experimentado. Este fenómeno,
largamente difundido na maior parte dos países do Ocidente Europeu durante os séculos XVIII
e XIX, só tardiamente foi divulgado entre nós, condicionando não só o desenvolvimento da
economia nacional, mas também a expansão dos seus diversos sectores de actividade.
84 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Também por esta razão, a evolução da população portuguesa, que durante séculos
apresentou um regime demográfico de tipo tradicional, caracterizado por elevadas taxas de
natalidade e de mortalidade geral e infantil, passou a registar, sobretudo a partir dos anos
sessenta do século passado, uma quebra acentuada da sua natalidade (NAZARETH, 2004),
que para o conjunto do país pouco excedia os 10,5‰ em 2001, situando-se a mortalidade geral
pouco abaixo deste valor – cerca de 10‰. Esta evolução natural alterou-se profundamente
devido à melhoria significativa das condições de vida e sanitárias da população, à alteração
das suas estruturas demográficas e por acção dos movimentos migratórios.
Importa assinalar que, entre 1991 e 2001, a população total portuguesa passou de cerca
de 9,8 milhões de habitantes para 10,3 milhões, traduzindo-se este aumento numa redução
de 16% do grupo etário dos 0-14 anos; de uma quebra de 8,1% do grupo etário dos 15-24
anos e por acréscimos de 11,8% e 26,1%, respectivamente, para os grupos etários de 25-64
anos e de mais de 65 anos de idade. Estas referências acentuam o fenómeno progressivo do
envelhecimento da população portuguesa, a qual, de acordo com os dados do Censo de 2001
e tendo em conta o traçado da respectiva pirâmide etária (INE, 2002, LIII), era o seguinte:
· “O agravamento do fenómeno do envelhecimento demográfico, quer pela base da
pirâmide, como resultado da baixa de natalidade, quer pelo topo, em consequência do
aumento da longevidade, imprime um novo contorno à pirâmide etária de 2001.
· Estas transformações ocorreram em todas as regiões do país, a um ritmo especialmente
forte nas regiões menos envelhecidas, ou seja, nas regiões autónomas e no Norte.
· A idade média da população residente em Portugal (39,5 anos em 2001) registou um
acréscimo de cerca de 3 anos, comparativamente a 1991. A maior esperança média
de vida por parte das mulheres, devido ao fenómeno da sobremortalidade masculina,
reflecte-se na diferença de idades médias entre os dois sexos: 38 anos para os homens
e 41 anos para as mulheres.
· A relação de masculinidade passou de 93,1 homens por cada 100 mulheres, em 1991,
para 93,4, em 2001. Os homens excederam o número de mulheres até à idade exacta
dos 30 anos, enquanto em 1991 tal se verificava até aos 25 anos, consubstanciando
recentes melhorias no campo da mortalidade masculina e o maior afluxo de imigrantes,
essencialmente masculinos e nas idades activas jovens.”

Estas alterações são particularmente relevantes se apreciadas em função dos diferentes


grupos funcionais, em particular dos que frequentam o sistema educativo. Assim, tendo em
conta a população que frequenta o sistema regular de ensino (básico e secundário), entre os 6
e os 17 anos, registou-se, na última década, uma quebra significativa, de quase 1⁄2 milhão de
alunos, assim repartidos (SILVA, 2006, p. 74):
Jorge Carvalho Arroteia 85

Quadro 5

Grupo etário 1991 2001 Taxa de var. %


6-9 494 495 406 428 -18
10-11 277 757 213 368 -23
12-14 457 871 330 128 -28
15-17 484 535 372 523 -23
Total 6-17 1 714 658 1 322 447 -23

Estas alterações, conjuntamente com a das estruturas demográficas, traduzem novos


cenários demográficos – relacionados com a procura social da população escolar, em formação
inicial e ao longo da vida – pelo que transcrevemos do trabalho do INE (2002, LV), relacionado
com os resultados finais do censo de 2001 e respectivas assimetrias, o seguinte:
· “Em 2001, a proporção de jovens (0-14 anos) situou-se em 16% do total da população,
sendo ultrapassada pela proporção de idosos (65 ou mais anos), que registou o valor
de 16,4%.
· Tâmega, Ave, Cávado e as Regiões Autónomas detinham as mais elevadas proporções
de jovens (acima dos 18%), contrastando com os valores mais reduzidos observados
nas sub-regiões Beira Interior Sul e Pinhal Interior Sul.
· No que respeita à representação da proporção dos idosos, o mapa fica praticamente
invertido: Pinhal Interior Sul, Beiras Interiores e Alto Alentejo registam as proporções mais
elevadas do país, superiores a 25% do total da população residente.
· Entre 1991 e 2001, em todo o território nacional diminuiu a importância relativa dos
jovens e aumentou a de idosos. As Regiões Autónomas e o Norte registaram os maiores
decréscimos de jovens; Alentejo, Lisboa e Centro evidenciaram-se com os maiores
acréscimos de idosos”.

No conjunto dos movimentos migratórios (emigração e migrações internas), estes contribuíram


fortemente para alterarem a estrutura e a distribuição dos habitantes, reforçando a tendência, já
anteriormente sentida, de desertificação progressiva de grandes áreas do território, em particular
as mais montanhosas e do interior, em detrimento das áreas de maior acessibilidade do litoral
do país (NAZARETH, 1988). Dados mais recentes, de 2001 (INE, 2002, LVII), confirmam as
alterações principais registadas entre 1991 e 2001:
· “Em 2001, a taxa de atracção total em Portugal foi de 2,4% contra 1,7% em 1991, e
traduzia exclusivamente as entradas da população que residia no estrangeiro, desde
1995 e 1985, respectivamente, uma vez que os fluxos internos se anulam.
· Entre 1991 e 2001, as taxas de atracção total registaram um aumento significativo em
todo o país, à excepção da Região Autónoma dos Açores (-0,4 pontos percentuais),
sendo evidente o aumento da atractividade no litoral e em algumas áreas fronteiriças.
· Algarve (8,6%), Península de Setúbal (8%0), Oeste (7,6%), Pinhal Interior Norte (6,8%)
e Pinhal Litoral (6,7%) eram as sub-regiões mais actractivas em 2001, ou seja, as
que receberam uma maior percentagem de migrantes, provenientes de outras NUTS II ou
do estrangeiro.
86 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

· As taxas de atracção total mais baixas situaram-se na Região Autónoma dos Açores
(2,7%), Tâmega (2,9%), Grande Porto e Ave (3,6%)”.

Assim, ao crescimento demográfico regular conhecido ainda no início do terceiro quartel do


século XX seguiu-se, durante os anos sessenta, principalmente nas regiões rurais, uma quebra
significativa da população, seja pela diminuição da natalidade, seja pela atracção exercida pelos
centros industriais e urbanos, dentro e fora do país, que, dotados de melhores possibilidades de
trabalho, se tornaram mais atractivos para grandes contingentes migratórios. Este movimento
tem vindo a provocar, em todas as regiões do país, um esvaziamento progressivo dos seus
habitantes, alterando significativamente a composição e as estruturas demográficas da
população portuguesa. Tal facto deu, assim, origem à deslocação das populações oriundas
das regiões rurais que alimentaram um autêntico “êxodo”, contribuindo, desta forma, para o
aumento da população urbana, a par da desertificação crescente de algumas áreas do território,
gerando, hoje em dia, novos padrões da oferta educativa.
Estes aspectos foram retratados em 2001 (INE, 2002, LVIII), confirmando, relativamente ao
território nacional, que:
· “As sub-regiões com as taxas de repulsão mais elevadas eram o Douro, Beira Interior
(Norte e Sul), Pinhal Interior Sul, Baixo Mondego, Grande Lisboa, Baixo Alentejo e Alentejo
Litoral, que perderam entre 3,9% e 4,4% da população residente para outras NUTS III do
país. O peso relativo das saídas para outras unidades territoriais era diminuto nas Regiões
Autónomas dos Açores e da Madeira.
· Pinhal Interior (Sul e Norte) e Baixo Alentejo atenuaram substancialmente as taxas de
repulsão entre 1991 e 2001 (mais de 0,5 pontos percentuais).
· Para além do interior do país e do Alentejo, que se mantêm como as zonas mais
repulsivas, surgiram, em 2001, novos pólos emissores, associados a grandes centros
urbanos, designadamente de Grande Lisboa e Baixo Mondego (4,3%)”.

Estas alterações estão a traduzir-se no desenho das novas cartas escolares e nas opções
e estratégias de política educativa do poder central e do poder local. Situação semelhante foi
já descrita por Carron e Chau (1981, p. 77) em território suíço, mostrando como a alteração
das estruturas e dos efectivos demográficos condicionam a oferta escolar conduzindo, em
caso de perda, ao encerramento de escolas, e como este fenómeno se reflecte sobre a perda
de atractividade da comunidade condicionando, por sua vez, a evolução demográfica de um
determinado centro ou de uma área mais alargada, a própria região. Trata-se de um tema de
grande interesse este, o de apreciar como é que as desigualdades regionais, actuais e futuras
da oferta educativa, são “um fenómeno secundário decorrente das divisões administrativas
existentes” (Op. cit., p. 36) e da hierarquia cultural e política dos ‘poderes locais’.
Os aspectos acima referidos traduziram-se numa quebra acentuada da população em idade
escolar, no Continente português, comprovada pelos valores seguintes da população em idade
escolar, nos anos de 1991 e de 2001:
Jorge Carvalho Arroteia 87

Quadro 6

Pop. idade escolar 1991 2001


6-9 anos 494 495 406 428
10-11 anos 277 757 213 368
12-14 anos 457 871 330 128
15-17 anos 484 535 372 523
Total (6-17 anos) 1 714 658 1 322 447
População Total 9 375 926 9 869 343

Contudo, os movimentos migratórios foram decisivos para o alargamento da rede de


centros urbanos do país, contribuindo, igualmente, para o aumento de outras povoações, de
menores dimensões, que fazem parte do território. Daí que, como reflexo destes movimentos e
potenciando ainda os efeitos do alargamento do período de escolaridade obrigatória, se tenham
verificado, em alguns dos centros urbanos, aumentos dos efectivos escolares, justificados pela
atracção demográfica e melhoria das condições de vida da população residente e pela maior
acessibilidade aos equipamentos educativos.
Embora afectada por diversos tipos de constrangimentos relacionados com a natureza e
o tipo de investimentos realizados, bem como por outros recursos humanos e materiais, o
alargamento constante da rede escolar, consubstanciada na construção de novas escolas,
tem vindo a contribuir para acentuar certas disparidades que caracterizam o sistema escolar
e a sociedade portuguesa. Tais desequilíbrios não deixam, no entanto, de ser agravados quer
pela desigual distribuição dos rendimentos, de bens e do poder entre os diferentes grupos
e classes sociais quer, ainda, pelas diferentes acessibilidades: cultural, física e económica que
identificam a população residente ou mesmo pelo desenvolvimento dos movimentos pendulares
(de carácter duradouro) da população.
Note-se que, em qualquer sociedade, o acréscimo da esperança de vida traduz uma melhoria
significativa das condições de vida, de bem-estar e de desenvolvimento socioeconómico dessa
população, sendo certo que quanto mais elevada for a esperança de vida escolar-média de
uma população, tanto maior será o seu nível sociocultural e as perspectivas de crescimento
dos diversos sectores de actividade.

Migrações e ensino
Os fenómenos de mobilidade geográfica têm vindo a assumir, no contexto da sociedade
actual e do modelo de “escola de massas”, uma importância relevante dada a diversidade
da composição familiar, da estrutura etária e das expectaivas sociais, económicas e culturais
das populações migrantes. Mais uma vez, retomando os dados do recenseamento de 2001
(INE, 2002, LX), regista-se o seguinte:
· “Grande Lisboa era o principal centro receptor de população proveniente de outras
sub-regiões (8,1%), seguida do Baixo Mondego (6,6%). Estas, conjuntamente com
o Grande Porto e as NUTSIII envolventes, Baixo Vouga, Pinhal Litoral, Médio Tejo e
Lezíria do Tejo, registavam as maiores percentagens de entradas diárias de população
proveniente de outras unidades territoriais.
88 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

· De forma geral, as áreas que acolhem mais população nas deslocações pendulares estão
associadas a pólos de emprego ou ensino.
· Relativamente às saídas, Península de Setúbal observava a maior percentagem de
indivíduos que se deslocava diariamente para trabalhar ou estudar (15,9%), seguida,
com valores razoavelmente distantes, do Tâmega, Pinhal Interior Norte, Lezíria do Tejo
e Oeste, entre 9,0% e os 7,7%.
· O Algarve e as Regiões Autónomas registavam as menores proporções de saídas para as
outras sub-regiões, às quais se juntam todas as outras do interior do território nacional”.

Sendo reconhecida a importância dos centros urbanos, prestadores de serviços e de


oferta de formação de nível terciário, os quais cobrem não só as capitais de distrito, mas
também outros centros urbanos de menores dimensões, importa assinalar as interacções dos
movimentos de entrada e de saída população no terrritório nacional. Assim, de acordo com os
dados do censo de 2001 (INE, 2002, LXI), verifica-se que:
· “Em 2001, o maior número de interacções inter-regionais verificou-se em direcção
às áreas metropolitanas de Lisboa e Porto: na primeira, com origem na Península de
Setúbal e destino na Grande Lisboa; e na segunda, com origem no Tâmega e destino
no Grande Porto.
· É igualmente nas maiores bolsas de população flutuante – Grande Lisboa e Grande Porto –
que se concentra o maior volume de deslocações interconcelhias, ou seja, dentro das
próprias sub-regiões.
· Por todo o território nacional são visíveis os pólos de interacção com cidades de média
dimensão, especialmente no litoral e, de forma menos evidente, no interior.
· Os pólos universitários e de serviços registam os maiores fluxos de interacção, quer
inter-regionais, quer interconcelhios.
· Nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, pela própria condição de insularidade,
só se registaram interacções significativas a nível intra-regional”.

Estes são alguns aspectos relacionados com a mobilidade interna da população. No entanto,
para além das migrações internas, importa fazer referência ao grande número de cidadãos de
outras nacionalidades que residem em território nacional. Com efeito, o desenvolvimento de
comunidades imigrantes residentes em países da Europa Ocidental, constituídas inicialmente
por povos de origem mediterrânica, especialmente por portugueses, tem vindo a pôr em
evidência a presença de uma população jovem, em idade de escolarização, e o aparecimento
de um conjunto de problemas relacionados não só com a integração dos emigrantes adultos
mas, particularmente, com a socialização desta população pertencentes à “2ª geração”
de emigrantes.
Os dados relativos ao censo de 2001 (INE, 2002, LIX) indicavam o seguinte:
· “Em 2001, foram recenseados 226.715 indivíduos com nacionalidade estrangeira a residir
em Portugal, representando 2,2% do total da população residente.
· Entre 1991 e 2001, a proporção de estrangeiros duplicou, verificando-se um aumento
generalizado em todo o país, excepto nas Regiões Autónomas. Os maiores acréscimos
ocorreram no Algarve, Grande Lisboa e Península de Setúbal.
Jorge Carvalho Arroteia 89

· Angola (16,3%), Cabo Verde (14,6%) e Brasil (14,1%) eram as nacionalidades recenseadas
mais representativas em Portugal. Com proporções bastante significativas, os nacionais
de países como a Ucrânia, Moldávia, Roménia e Rússia vêm diversificar a composição
da população residente com nacionalidade estrangeira.
· Nas sub-regiões com maior proporção de estrangeiros (1,2% ou mais), predominavam
os nacionais de Cabo Verde (Grande Lisboa e Península de Setúbal), Brasil e Ucrânia
(Oeste), Ucrânia (Lezíria do Tejo), Reino Unido (Algarve), Alemanha e Cabo Verde (Alentejo
Litoral), Venezuela (Baixo Vouga e R.A. Madeira), França e Ucrânia (Pinhal Litoral)”.

A presença desta população tem vindo a dar origem a diversas iniciativas, visando a integração
social destes cidadãos e a manutenção da sua identidade de origem. Assim se justificou, nos
tempos idos do “ciclo europeu de emigração”, a criação, nos países de acolhimento, de cursos
de língua e de cultura maternas, iniciativas que, não obstante terem sido acarinhadas pelos
Governos de ambos os países, por via da dispersão destas comunidades, não permitiram,
ainda hoje, cobrir as necessidades de toda a população imigrante. Assim se compreendem
os fracassos escolares e certas dificuldades sociais desta população, sobretudo dos jovens,
que, tendo regressado a Portugal após uma permanência mais ou menos longa no estrangeiro,
não conseguiram superar as deficiências de aprendizagem no domínio da língua, referentes ao
período de permanência fora do seu país. Da mesma forma, poder-se-ão relacionar com esta
situação outros tipos de problemas: a sua identidade, a inserção tardia dos alunos nos sistemas
de ensino dos países de acolhimento e a sua inserção posterior no mercado laboral.
Note-se que o reconhecimento à diferença e o respeito pelas culturas de origem das
populações imigrantes justifica a criação de cursos de língua e cultura maternas, os quais,
funcionando de forma paralela ou integrados no sistema regular de ensino dos países de
acolhimento, permitem o ensino daquelas matérias às novas gerações de emigrantes. Para além
da leccionação dessas matérias, estas iniciativas contribuem, ainda, para o estabelecimento
de novas relações entre a população autóctone e as comunidades imigrantes, assentes
no desenvolvimento de actividades escolares e associativas. Dos exemplos conhecidos,
destaca-se, sobretudo, as manifestações de natureza intercultural, baseadas na “pedagogia
intercultural”, a qual tem procurado dar resposta aos desafios de relação, mobilidade,
interdependência e globalização que vão caracterizando as sociedades actuais.
Como em tempo notou o Conselho da Europa, sendo “o interculturalismo uma opção
sociológica global” deverá interessar não só às sociedades de origem ou às sociedades de
acolhimento, mas a toda a comunidade, em particular aos pais, às autoridades académicas,
às associações culturais e aos professores, favorecendo o desenvolvimento de acções
concretas que permitam reforçar a construção de uma consciência e unidade europeias,
ou seja, promovendo o espírito de cooperação e de solidariedade que os acordos políticos
procuram defender. Em simultâneo com estas iniciativas, o reconhecimento pelas sociedades
de acolhimento de outras culturas e traços de civilização específica da população imigrante
tem sido decisivo para concretizar diversos projectos escolares, que visam reforçar o carácter
multifacetado do espaço europeu e a sua diversidade étnica e cultural.
Note-se que o desenvolvimento de uma “pedagogia activa” e “diferenciada”, onde se
devem inserir as realizações de natureza intercultural – porque implica, em simultâneo, a
90 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

população escolar, as sociedades de origem e as sociedades de acolhimento – deve atender,


primeiramente, às necessidades específicas da população jovem imigrante e não aos interesses
dos grupos de adultos representados pelos professores ou só pelos familiares dos alunos.
Esta postura exige, assim, um conjunto de acções articuladas e partilhadas, que devem valorizar
as experiências pedagógicas e os programas de acção inovadores, para os quais devem ser
chamados a colaborar pais e professores, as autoridades escolares e os Governos de ambas as
nacionalidades. No seu conjunto, muitas outras manifestações de interesse cultural, desportivo
e recreativo, geralmente apoiadas pelos governos de ambos os países, têm sido tomadas por
iniciativa das Igrejas, dos sindicatos e das associações de emigrantes.
Experiências anteriores levadas a cabo em diversos países de imigração têm mostrado que o
êxito de muitas destas iniciativas passa por uma articulação conjunta dos projectos de natureza
intercultural, ao nível não só da sua concepção, mas também da sua realização, exploração e
avaliação. Daqui se infere a necessidade de se melhorar a formação da população docente,
que, para além de uma sólida formação pedagógica de base, deverá possuir uma outra mais
específica no domínio da educação intercultural. Por isso se justifica uma maior atenção aos
programas de formação inicial e contínua dos professores, sobretudo dos que trabalham mais
directamente com as comunidades imigrantes e que têm a responsabilidade da leccionação
dos cursos de língua e cultura portuguesas ou já de outras matérias integradas em experiências
pedagógicas inovadoras, em curso em diferentes países.
Pensando especificamente em Portugal, convirá notar que, em virtude da independência
dos territórios outrora sob administração portuguesa, registada durante a década de setenta,
a situação recente mostra alterações muito significativas no padrão normal das nossas
migrações. Assim, e à semelhança do que se tem verificado com outros países vizinhos da
Europa Mediterrânica, Portugal deixou de ser, apenas, um país de forte emigração para se
constituir, recentemente, como um pólo de atracção para novos imigrantes. Por este facto, as
referências e os padrões mais comuns das migrações a que anteriormente fizemos referência
modificaram-se totalmente, devido à enorme presença de imigrantes entre nós, realçando a
oportunidade e interesse dos estudos desta natureza. Justificam-no não só a experiência vivida,
no passado, pelos nossos compatriotas emigrados, mas também o fortalecimento das diversas
comunidades estrangeiras residentes no continente português.
No seu conjunto, estas têm-se mantido concentradas em torno quer dos principais
centros urbanos da área metropolitana de Lisboa, quer já noutros centros e distritos mais
industrializados do Norte e do Centro do território. Nestes espaços, coabitam africanos de
diversas nacionalidades, sul-americanos e asiáticos, das mais diversas origens e proveniências.
Para além destes, um número assinalável de cidadãos europeus completam o leque de
imigrantes que, desde os finais da década de setenta, tem chegado, cada vez em maior
número, ao nosso país. Para além destas comunidades, um número igualmente crescente
de cidadãos comunitários tem vindo a fixar residência entre nós (na maior parte espanhóis e
ingleses), engrossando o caudal de nacionalidades representadas entre os cerca de dez milhões
de habitantes residentes em Portugal, no início da década de noventa.
A diversidade de origem não esconde um outro fenómeno, igualmente notório na sociedade
portuguesa. É a existência, entre esta população, de emigrantes já regressados e de descendentes
seus naturalizados noutros países; de portugueses retornados das antigas colónias de África;
Jorge Carvalho Arroteia 91

de cidadãos africanos oriundos dos novos países de expressão portuguesa; e de outros


cidadãos que, legal ou clandestinamente, se estabeleceram em Portugal ou aqui aguardam
a oportunidade para se fixarem ou, pelo contrário, para se deslocarem para outro canto da
comunidade europeia.
Mais do que uma inventariação exaustiva destas nacionalidades e do seu montante, convirá
assinalar que o reconhecimento e a integração destas comunidades na sociedade portuguesa
passa, igualmente – como sucedeu com os portugueses na Europa durante os anos sessenta
e setenta – pela aceitação e reconhecimento da sua cultura, das suas raízes históricas e
dos traços dominantes das civilizações de origem. Só assim será possível contribuir para um
maior entendimento entre as diversas civilizações e culturas, promovendo, em simultâneo, a
aproximação entre elas e o desenvolvimento científico, económico e tecnológico, capaz de
superar as divergências políticas, sociais e culturais, bem como os fenómenos de exclusão
social que continuam a persistir no velho continente europeu.
Da mesma forma, e por via da antiguidade das relações estabelecidas entre este e os
outros continentes, só o entendimento e o respeito pelas diversas culturas e civilizações poderão
contribuir para o equilíbrio e desenvolvimento das relações entre os países do “centro” e os
novos blocos geoeconómicos da periferia, que hoje se confrontam não só com a fragilidade
dos seus recursos, mas também com uma plétora de cidadãos desejosos de reconhecerem
a paz e as vantagens das revoluções democrática e termonuclear, bem como os seus efeitos
sobre as condições de vida e a dignidade do ser humano.

Prospectiva
A construção de novos cenários e de tendências demográficas, económicas e sociais ocupa
cientistas com diferentes formações, sobretudo os que se preocupam com a mudança social e de
paradigmas que tem acompanhado a evolução dos modelos de organização social, de produção
e de consumo das sociedades pós-industriais. Trata-se de uma preocupação pertinente, na
medida em que, como o reconhecem Mendras e Forsé (1983, p. 253), “a sociedade de
amanhã, como a de hoje, deve apresentar uma certa coerência no seu conjunto, por detrás
de numerosas incoerências: é, por isso, necessário traçar uma imagem coerente”. No dizer,
ainda, dos referidos autores (Op. cit., p. 254), “o estudo das forças sociais não permite prever
o seu sucesso ou fracasso”, apesar da necessidade de observação dos fenómenos sociais,
em circunstância alguma, poder ser realizada, “isolando-os do seu contexto histórico particular”
(Op. cit., p. 259).
A evolução e a mudança da nossa sociedade e, por arrastamento, dos sistemas educativos
sugeriram a Husén (1978, p. 117) duas reflexões fundamentais:
“1. temos de encarar a educação como um sistema completo, o que significa que não o
devemos limitar aos sistemas do tipo da escola convencional;
2. temos de considerar o sistema educacional dentro do seu contexto social, económico e
político. O que exige é que haja uma ‘ampla opção’ pelas alternativas do futuro.”

Estas reflexões dão maior importância aos estudos prospectivos, baseados inicalmente
em projecções demográficas, económicas e outras, que se têm vindo a acentuar no contexto
das sociedades actuais, em mudança contínua, que é responsável pela alteração constante do
92 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

panorama e dos cenários de diferentes natureza. Daí o interesse de se procurar antever algumas
situações futuras, relacionadas com o desenvolvimento, o bem-estar social e a evolução e
necessidades dos sistemas de ensino e de formação.
De acordo com Martins (1996, p. 18), “os estudos prospectivos não visam (…) ler o futuro,
mas o traçar de um quadro social, entre outros possíveis, com base nas evidências, quer do
passado, quer e sobretudo do presente”. Esta noção, se aplicada à educação, remete-nos
para a consulta de outro autor, Grácio (1981, p. 649), que afirma: pela sua natureza e
funções, “a educação, do pequeno círculo familiar ao vasto campo nacional, é por natureza
uma actividade orientada para o futuro; é prospectiva”. Contudo, a aplicação dos métodos
de natureza prospectiva incidem não só sobre este subsistema social, mas também sobre os
demais sistemas sociais na sua globalidade, com particular incidência sobre os aspectos de
natureza demográfica, económica, estratégica e outros.
A prospectiva consiste, por isso, na combinação de diferentes metodologias que permitem
acompanhar e prever o futuro da sociedade ou de algum dos seus sistemas fundamentais.
Associada frequentemente à evolução tecnológica ou à economia, a sua referência no domínio
educativo tem acompanhado a evolução e as práticas relacionadas com o planeamento da
educação, com ênfase para a identificação de objectivos e de cenários a construir, através de
processos de aprendizagem colectiva, que apontam para a prossecução de um certo número
de fins estabelecidos.
A visão de futuro que se pretende alcançar, as metas a atingir, os meios e os actores a
envolver fazem parte da construção do planeamento estratégico, em que a prospectiva surge
como elemento congregador de esforços, de agentes e de dinâmicas necessárias para a
construção e modificação de um sistema de referência. Entre outros aspectos a considerar,
estes assentam num conhecimento adequado da rede, dos alunos, do pessoal docente,
da tipologia dos estabelecimentos e das despesas por aluno, e gerais, das necessidades e
dos perfis de formação, etc., aspectos que permitem avaliar as necessidades futuras dos
sistemas educativos.
Se aplicada ao processo de planeamento educativo, a análise prospectiva deve ter
em atenção:
· o planeamento como processo e não como actividade isolada;
· carácter prospectivo do planeamento;
· carácter último do desenvolvimento humano;
· melhoria qualitativa do sistema educativo;
· articulação dos diversos níveis do sistema educativo no contexto do progresso social;
· coerência com o projecto de sociedade assumido pelos cidadãos.

A relação entre o planeamento e a prospectiva assume-se, de acordo com Pimpão (1995,


p. 65), como sendo, aquele, “uma prospectiva normativa que confronta a incerteza não como
uma restrição, mas sim como um quadro de liberdade para definir a função de preferência
social mais desejada, lutando, assim, contra o determinismo e o acaso”.
A realização de estudos prospectivos, baseados em diagnósticos de situação e em
análises de natureza comparada, deve antecipar as medidas relacionadas com a evolução,
as necessidades de formação de recursos humanos e os processos de desenvolvimento.
Jorge Carvalho Arroteia 93

São uma responsabilidade das organizações educacionais e das sociedades que encaram o
direito à educação e à formação como uma das exigências morais e cívicas a cumprir pelo
Estado e pelo cidadão. Assim o entende Eurydice (1999, p. 8), que, em trabalho realizado
sobre a prospectiva em educação no seio dos Estados-Membros da UE, regista o seguinte:
“la prospective est un des principaux outils en mesure d’aider le décideur politique à orienter
l’action présente à la lumière des avenirs possibles. L’enjeu central consiste à distinguer, parmi
la masse des faits observables, ceux qui seront porteurs d’avenir. Pour ce faire, la prospective
et les scenarios qu’elle dévellloppe s’associent étroitement à d’autres approches (planification,
planification stratégique, projections quantitatives, etc.), en fonction des différentes étapes de
la réflexion prospective, pour servir des objectifs communs”.
Desempenho

O exercício da actividade docente e administrativa é objecto de apreciação, tendo em conta


o exercício das funções e das actividades, contempladas nos respectivos estatutos profissionais,
e considerando, igualmente, os conhecimentos e as competências adquiridas pelos alunos nos
programas e nas actividades de ensino.
São vários os factores de natureza administrativa, organizacional e pessoal que afectam o
exercício da actividade docente, nomeadamente a sua motivação e participação, pelo que nos
parece oportuno realçar, tal como o reconheceu Loureiro (1985, p. 316), que se “se der como
assente que a escola é o factor primordial da mudança social, os agentes educativos são a
base do próprio progresso e desenvolvimento social”, não havendo, portanto, “transformação
possível na educação, novas orientações no ensino, sem a respectiva transformação dos
agentes educativos”. Em termos mais amplos, podemos apreciar o funcionamento do sistema
educativo no seu desempenho e nos seus resultados. Daí ser possível associar, no primeiro
caso, o desempenho à sua eficiência e, no segundo, à sua eficácia.
A propósito dos ensinamentos que nos chegaram através da teoria sistémica, identificamos
a instituição escolar como uma empresa interessada em manter o maior número de ligações
com o seu meio ambiente. Neste caso, o seu desempenho é assegurado por um processo
organizacional que permite a optimização dos recursos humanos e materiais existentes, de
forma a garantir o cumprimento de um conjunto de objectivos comuns. Daí que a melhoria da
qualidade de instrução, a “produtividade educativa” e a própria inovação nos pareçam objectivos
difíceis de alcançar, mesmo com o recurso a sofisticados meios de informação tecnológica, se
as expectativas de cada um dos seus agentes não forem totalmente satisfeitas.
Recorde-se que o desempenho profissional anda associado não só à formação, inicial e ao
longo da vida dos professores, mas também ao clima organizacional das escolas, que afecta
indistintamente, os docentes e os alunos. Nesta perspectiva, apontamos de Brunet (1992,
p. 133) os aspectos que podem condicionar a satisfação individual e, por conseguinte, o próprio
desempenho pessoal:
· tipo de relações interpessoais;
· coesão do grupo de trabalho;
· grau de implicação na tarefa;
· apoio recebido no trabalho.

A propósito deste tema, recorda-nos Nóvoa (1992, p. 27), em ligação com a “escola eficaz”,
que a estabilidade profissional do corpo docente ”é uma condição essencial ao desenvolvimento
96 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

organizacional das escolas”, uma vez que “nenhum estabelecimento de ensino pode levar a
cabo projectos coerentes de acção se o seu pessoal mudar constantemente ou estiver sujeito
a situações de instabilidade”.
Em termos práticos, o desempenho dos professores obriga ao cumprimento de um conjunto
de obrigações e de deveres estipulados no respectivo Estatuto da Carreira Docente e em
legislação complementar relativa à avaliação do seu desempenho.

Eficiência
Por eficiência do sistema entendemos o processo que pretende caracterizar os resultados
parcelares, conseguidos durante o desenrolar de qualquer processo educativo, de acordo
com os meios disponíveis e os investimentos realizados. Definida por Chiavenato (1987.II,
p. 529) como uma “medida normativa da utilização dos recursos disponíveis nesse processo”, a
eficiência pode ainda ser entendida como uma “relação entre custos e benefícios”, pressupondo
um acompanhamento constante do processo educativo e uma análise crítica dos seus
instrumentos de avaliação.
Se pensarmos na eficiência educativa, há algumas informações relacionadas com o
funcionamento diário do sistema, tais como, número médio de dias escolares, assiduidade dos
professores e dos alunos, monitorização do sistema através dos serviços de inspecção, que nos
podem dar informações sobre o desempenho diário e o funcionamento global do sistema.
O senso comum considera a eficiência como o “fazer bem as coisas”.

Eficácia
De acordo com um documento do IIPE (1989, p. 3), a eficácia traduz-se numa relação “óptima”
entre as entradas e os resultados alcançados no decurso do funcionamento de um sistema.
A sua análise é feita através do recurso a um conjunto de indicadores de situação, que apontam,
frequentemente, para as condições de funcionamento e para as disfunções que afectam a sua
organização e processo.
Tentando uma definição mais precisa, “eficácia” do sistema é “uma medida normativa do
alcance de resultados” (CHIAVENATO, 1987.II, p. 528), noção que anda, geralmente, associada
aos resultados finais alcançados por essas complexas organizações que são os sistemas
educativos. Como se compreende, dada a sua natureza e complexidade, os objectivos alcançados
dependerão de vários factores internos e externos, dentre os quais se destaca a interacção com
o meio ambiente e o grau de envolvimento dos agentes que interferem no processo educativo.
Estes aspectos dizem respeito à eficácia externa do sistema. Contudo, se atendermos
à eficácia interna do sistema, esta tem em consideração a análise dos fluxos da população
desde a sua admissão ou entrada até à saída ou abandono (migrações internas dentro do
sistema). Maior eficácia interna implica um menor desperdício escolar, traduzido na melhoria
das condições de acolhimento do sistema escolar, na promoção do sucesso e na redução do
abandono escolar. A evolução deste fenómeno anda geralmente associado à disponibilidade
dos orçamentos e a condições internas de funcionamento dos estabelecimentos de ensino,
relacionadas com os equipamentos, os recursos humanos e a gestão pedagógica.
Se pensarmos em exemplos da “escola eficaz”, diz-nos Oliveira (XAVIER, SOBRINHO,
MARRA, 1994, p. 19) que, como “condições necessárias para uma escola eficaz, aparecem
Jorge Carvalho Arroteia 97

a autonomia de gestão da escola, a liderança pelo director, a participação da comunidade e


a existência de recursos sob controle local”. Aponta, ainda, o mesmo autor que as condições
suficientes para estas escolas incluem “a capacitação dos professores, o estabelecimento de
planos de carreira para o magistério e a avaliação externa das mesmas”. Nestas circunstâncias,
e como já o referimos noutro local (ARROTEIA, 1991, p. 187), “a concretização das expectativas
e das funções que atribuímos ao sistema escolar só é possível mediante a satisfação de um
certo número de funções sociais (…)” e pela “observância de um conjunto de normas ditadas
pela própria organização social onde aquele se insere”. É o caso da legislação escolar. Numa
perspectiva sistémica, consideramos, ainda, que estes dois pressupostos são fundamentais
para o bom funcionamento do sistema escolar, que só poderá atingir plenamente os seus
objectivos se os diversos elementos que o compõem se encontrarem devidamente articulados
e solidários no cumprimento de um objectivo específico e comum a todos os seus membros.
As relações sociais estabelecidas no seio da organização escolar, bem como os seus
resultados são fundamentais na construção de uma “escola eficaz”. Se referida ao conjunto de
unidades que fazem parte do sistema de ensino, esta noção obriga a atender à procura dos
alunos, à avaliação e adequação das suas aprendizagens e à participação da população escolar
e da sociedade, em geral, no seu funcionamento interno. Se tivermos em conta a eficácia
interna desse sistema, esta pode ser apreciada através dos fluxos de alunos e do conhecimento
das taxas de aproveitamento, de reprovação e de abandono, por ano escolar ou por ciclo de
estudos. A análise destes fenómenos pode ter em consideração o aluno, individualmente, ou
uma “cohorte”, ou seja, um conjunto de discentes que vivem em conjunto e durante o mesmo
lapso de tempo os mesmos fenómenos escolares.
De realçar que a noção de eficácia não é idêntica entre os educadores e os economistas,
na medida em que os primeiros tomam em consideração as aprendizagens dos alunos e,
os segundos, os recursos e a produtividade do sistema. Daí que as comparações não sejam
sempre coincidentes, uma vez que podemos apreciar sistemas com um bom desempenho
interno, ou seja, sem grandes desperdícios, e as aprendizagens dos alunos não corresponderem
às necessidades do mercado ou da sociedade. De facto, hoje em dia, a adaptação dos
cursos às necessidades do mercado de trabalho, bem como a empregabilidade geral
dos diplomados constituem indicadores utilizados na apreciação da eficácia externa do
sistema educativo.
O senso comum considera a eficácia como o “fazer as coisas certas”.

Qualidade
A expansão recente dos sistemas educativos, traduzida no alargamento da rede escolar e
no aumento crescente da população escolar, provocando, nalguns casos, uma saturação dos
equipamentos educativos, tem originado uma alteração crescente da qualidade dos serviços
educativos. Assim, a sua introdução no discurso da política educacional e no discurso
pedagógico é recente, vindo a impor-se por imperativos sociais e económicos, já que as
expectativas da sociedade em relação ao seu próprio desenvolvimento se transferem para
a escola, considerando a educação factor decisivo de crescimento e de bem-estar social e
atribuindo à escola responsabilidades na modernização da formação para a vida activa e na
criação de estímulos e motivações para a educação permanente, bem como na igualização
98 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

de possibilidades de sucesso no seio escolar” (ARROTEIA, PARDAL, MARTINS et al.,


1995, p. 20).
Difícil de definir e de agrupar num único indicador, a qualidade do serviço educativo
deve constituir uma das constantes preocupações dos responsáveis pela política educativa.
Este é um assunto do maior interesse na actualidade. Assim, se tivermos em conta um estudo
de C.E. Beeby (1967, p. 19), este refere-se ao dilema vivido pelos países em vias de
desenvolvimento, confrontados “a escolher entre a expansão quantitativa rápida (…) e exigida
pelo direito que todos têm à educação e a restrição desse direito, de modo a manter e
aumentar a qualidade do nosso sistema educacional que, em si mesmo, é uma realização
dispendiosa”. A este respeito, propõe o referido autor (Op. cit., p. 21-23) que a qualidade em
educação podia ser considerada em três níveis: “no nível mais simples está o que se poderia
chamar de conceito de qualidade de sala de aula (…)”; o segundo nível é apreciado fora já
da sala de aula, na praça do mercado, “pela relação entre a ‘entrada’ e a ‘saída’ do sistema
escolar, como medida da sua produtividade e eficiências imediatas (…)”; o terceiro nível, “onde
a qualidade é julgada com critérios sociais mais amplos (…)”. Afirma o referido autor (Op. cit.,
p. 23) que “nesse nível todos se tornam especialistas em educação. E cada um de nós julga
o sistema escolar nos termos das metas finais que estabelecemos para nós mesmos, nossos
filhos, nossa tribo, nosso país”.
Na sequência da expansão quantitativa dos sistemas de ensino e da importância reconhecida
à educação como factor de mudança social, a qualidade manteve-se na agenda das
preocupações da UNESCO, lendo-se, num documento do IIPE (1988, p. 1), que reconheceu:
“parmi ceux qui dénoncent ‘la baisse du niveau de l’éducation’ et qui réclament des mesures
pour améliorer la situation, on retrouve aussi bien des parents d’élèves, des enseignants et
des employeurs que des administrateurs, des planificateurs et des responsables politiques.
Dans le débat, il est évident que tout le monde n’entend pas toujours la même chose par ‘qualité
de l’éducation’”. Mais ainda, tendo em conta que o conceito de qualidade é relativo e que “en
fait, les critères de qualité doivent résulter des objectifs du système scolaire concerné, lequel doit,
à son tour, se fonder sur les conditions et les besoins du pays (…) les objectifs et les normes en
matière de rendement ou d’excellence du système éducatif ne sont pas prescrits une fois pour
toutes, mais ils doivent être revus à la lumière du processus de développement”.
Estas razões obrigam a que uma análise cuidada deste fenómeno deva ter em conta o
contexto social, o qual determina os inputs do sistema educativo, mas também os processos
pedagógicos e os resultados, respondendo às necessidades da população em geral e não
apenas de algumas das suas “élites”. Assim, a procura da qualidade nas aprendizagens
escolares tem vindo a orientar-se para novos conceitos que referem a “excelência” na educação
como uma das metas a atingir pelos sistemas educativos. De forma global, a qualidade
constitui uma das preocupações fundamentais dos governos, dos pais, dos professores e dos
empregadores que acolhem a população diplomada. Para tanto, terá contribuído a enorme
segmentação do mercado de trabalho registada hoje em dia, bem como a constante mutação
técnica e tecnológica que tem permitido à nossa sociedade construir a “era da informação”.
Como em tempo assinalaram Rassekh e Vaideanu (1987, p. 86), “a explosão da informação
e a difusão do saber foi um dos fenómenos particularmente importantes durante a última
década”. Daí que, a par do crescente aumento da população escolar (discente e docente) e
Jorge Carvalho Arroteia 99

das transformações sociais, económicas, políticas ou tecnológicas registadas nos últimos


anos, particularmente nas sociedades ocidentais, alguns estudos prospectivos anteviram,
para o início do século actual, que “a formação quer dizer a educação para a competência
e criatividade será o investimento mais importante uma vez que é o homem a única riqueza
e motor da indústria e do progresso material em geral” (Op. cit., p. 88). Por este motivo, a
educação tem uma função primordial: estabelecer “um equilíbrio entre a ciência e a tecnologia,
considerada como os meios e os valores que constituem a finalidade da vida e da acção
humana” (Loc. cit.). Para tanto, devem concorrer o estabelecimento de um certo número
de metas a serem cumpridas pelo sistema educativo no seu conjunto e não, apenas, por
alguns dos seus estabelecimentos e dirigentes. Na sua globalidade, estes deverão imprimir,
nas suas relações com os colaboradores mais directos, um tipo de liderança assente na
democratização, na participação, na motivação humana, na racionalidade e na qualidade
dos serviços educativos.
Tal como acontece nas empresas, a qualidade é, hoje em dia, uma questão de sobrevivência.
Por isso, a qualidade em educação é, no dizer de Ambrósio (CNE, 2002, p. 23), “um objecto
e um objectivo sociopolítico que carece de definição, de esclarecimento da intencionalidade
política subjacente à sua construção, de compreensão pública da influência do pensamento
económico, do pensamento de gestão, do pensamento educativo, do pensamento político,
dos quadros ideológicos subjacentes que sustentam esta intencionalidade”.
Dada a abrangência desta definição, a tão almejada “qualidade em educação” só pode ser
atingida quando todos os envolvidos no processo educacional – alunos e professores, pais e
funcionários, comunidade – alcançarem a satisfação plena do seu trabalho. A este propósito,
refere ainda Sallán (1996, p. 340) que a Q.T. “é um vector importante da vida das organizações”,
devendo estar sempre presente na definição das políticas, na formação do pessoal, na
comunicação interna e na sua avaliação sistemática. Por isso, cabe ao Estado implementar
programas de “Qualidade Total” (QT) que abranjam os diversos domínios, de natureza
pedagógica e administrativa, e que garantam o funcionamento do sistema. Ao aceitarmos
estes princípios, temos presente o esforço de transformação das organizações educativas,
o qual passa por incentivar a autoformação contínua e permanente dos agentes educativos
(em particular dos professores) e a dos seus utentes. Tal abertura permite o fortalecimento
de um “espírito crítico” que garanta à educação poder assumir-se como “um meio de
desenvolver a consciência e não unicamente um instrumento de treino e de endoutrinamento”
(Op. cit., 93). É esta a essência da “formação ao longo da vida”, que não pode ser menosprezada
pela administração educacional.
No dizer de Neiva (XAVIER, SOBRINHO, MARRA, 1994, p. 227), “as organizações existem
para satisfazer as necessidades e expectativas das pessoas. Esta é a razão de ser de uma
organização, ou seja, é a sua verdadeira missão. A qualidade do produto/serviço está directamente
associada ao grau de satisfação das pessoas. Qualidade e satisfação são quase sinónimos”.
Nestas circunstâncias, a “qualidade em educação” será alcançada quando todos os envolvidos
no processo educacional (alunos e professores, pais, funcionários e comunidade) alcançarem
a satisfação do seu trabalho. Assim se pronuncia Azevedo (1994, p. 182): “as organizações
escolares que evidenciam melhor qualidade parece serem aquelas que mais apostam na
permanente interacção quer entre os seus actores, as suas equipas de trabalho e os seus
100 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

orgãos internos, quer entre estes e os outros actores e instituições exteriores às escolas e que
com elas muito interesse têm em cooperar”.
Não nos parece difícil entender como estes diversos actores sociais constituem os
verdadeiros “clientes” do sistema educativo. E não esqueçamos de incluir neste grupo
o próprio Ministério da Educação, com a diversidade de orgãos e serviços, de estruturas
centrais e regionais, de natureza pedagógica e administrativa. Sendo assim, a esta entidade
cabe implementar programas de “Qualidade Total” que abranjam os diversos domínios, de
natureza pedagógica e administrativa, e que garantam o funcionamento do sistema. Espera-se,
portanto, que a aplicação de diversos programas de QT ao nosso sistema educativo permita
a melhoria não só do seu funcionamento e dos resultados, mas também das “performances”
desta organização, garantindo a optimização dos recursos humanos, materiais e financeiros.
Além do mais, tal deve permitir ultrapassar muitas das rotinas e das disfunções que preenchem
o quotidiano das escolas e dos serviços integrados neste sistema burocrático.
Do que sabemos acerca do funcionamento interno da instituição escolar, e não obstante
as tentativas de desconcentração que têm sido levadas a cabo com a criação de serviços
regionais do Ministério da Educação, os programas de QT só são aplicáveis no quadro de uma
maior autonomia da escola, de uma maior mobilização dos seus recursos e da participação de
todos os seus membros. Para tanto, haverá certamente que adaptar as estratégias educacionais
a um novo contexto social e político, económico e cultural, em consonância com as dinâmicas
locais e das próprias comunidades educativas.
Transcreve-se uma grelha de possíveis indicadores de qualidade da escola.
Em relação ao sistema educativo português, a Inspecção-Geral da Educação é o organismo
responsável pela”garantia da qualidade do sistema e de salvaguarda dos interesses legítimos
de todos os que o integram” (Dec. Lei nº 208/2002, de 17 de Outubro).
No caso de organismos internacionais, destacamos, a título exemplificativo, o programa
internacional SACMED, implementado pelo Institut International de Planification de l’Éducation
(UNESCO) e constituído por um consórcio de países da África Meridional e Oriental, para a
monitorização da qualidade em educação. De acordo com a Carta Informativa do IIPE (2006),
através do desenvolvimento deste projecto, a comunidade internacional compromete-se a
“melhorar todos os aspectos qualitativos da educação, garantindo os parâmetros mais elevados,
para conseguir resultados de aprendizagem reconhecidos e mensuráveis, especialmente no
domínio da leitura, da aritmética e das competências práticas essenciais”.
Jorge Carvalho Arroteia 101

Quadro 7

Despesas escolares
1. Despesas por aluno
2. Total de despesas escolares
Elementos materiais específicos
3. Dimensão da turma
4. Dimensão da escola
5. Materiais didácticos disponíveis
6. Recurso às novas tecnologias
7. Qualidade das construções escolares
8. Dimensão e actividade da biblioteca
9. Equipamentos laboratoriais
10. Cantina escolar
Qualidade profissional dos professores
11. Duração dos cursos de formação (universitária e formação profissional inicial)
12. Formação em serviço
13. Experiência prática (anos de serviço)
14. Aptidão profissional
15. Nível salarial
16. Origem socioeconómica
17. Pontualidade e absentismo
Métodos didácticos/Organização da sala de aula
18. Duração dos programas de ensino
19. Frequência de trabalhos de casa
20. Aquisição activa dos conhecimentos pelo aluno
21. Rendimento do aluno esperado pelo professor
22. Tempo gasto pelo professor na preparação das aulas
Gestão da Escola
23. Competência do Director
24. Grau de ocupação da escola
25. Reprovações dos alunos
Fonte: POSTLETHWAITE, 1988, p. 21 (Adapt. de IIPE, 1988)
Desenvolvimento da educação

O aumento da procura social da educação e da frequência dos diferentes níveis de ensino


anda associado à política de democratização desenvolvida pela maioria dos Governos,
nomeadamente no que diz respeito ao acréscimo de investimentos no sistema educativo,
bem como às expectativas de mobilidade social da população. Este fenómeno tem vindo a
acentuar-se desde o início da revolução industrial, acompanhando os processos de mobilidade
geográfica e social da população, a industrialização e a urbanização crescentes registadas
desde então. Tais aspectos têm condicionado, ao longo dos anos, o alargamento progressivo
da rede de estabelecimentos de todos os níveis de ensino, favorecendo, por esta via, a formação
profissional e a criação de novas oportunidades de emprego mais especializadas.
Em consequência destes fenómenos, o desenvolvimento da educação anda, igualmente,
associado à evolução das políticas de ensino e de formação dos recursos humanos, às
mudanças sociais e à evolução da nossa sociedade e da sua entrada na “era do conhecimento”.
Nesta perspectiva, faz sentido a afirmação de Delors (1996, p. 36) de que “a educação tem,
sem dúvida, um papel importante a desempenhar, se se quiser dominar o desenvolvimento do
entrecruzar de redes de comunicação que, pondo os homens a escutar-se uns aos outros, faz
deles verdadeiros vizinhos”.
Note-se, contudo, que, em sociedades marcadas por um crescimento contínuo da sua
população, “a expansão dos sistemas educativos tem constituído uma pesada carga financeira
para todos os governos e, em particular, para os dos países em vias de desenvolvimento”
(BRIMER, PAULI, 1971, p. 48). Este fenómeno exige um forte acréscimo de investimentos,
que os economistas designam por “investimentos demográficos”, os quais pesam sobre o
rendimento nacional, no sentido de permitir o acréscimo da população escolar e a manutenção
do nível de vida da população. Assim, a democratização do ensino, em termos de igualdade de
oportunidades, de acesso e de sucesso educativo, baseia-se no alargamento da rede escolar,
o que constitui um dos primeiros sinais externos do desenvolvimento da educação.
Tomando este exemplo em Portugal, assinalamos que, ao nível da educação pré-escolar, o
aumento da rede de estabelecimentos tem vindo a traduzir uma alteração do papel da família,
como “espaço educativo” e “instituição educativa mais antiga”, e uma valorização crescente dos
processos de socialização fora deste contexto. Ao nível do ensino básico, este processo foi o
resultado da democratização, bem como do alargamento da rede e do período de escolaridade
obrigatória para nove anos, depois da publicação da LBSE. No ensino secundário, este
processo beneficiou não só da construção de novos estabelecimentos de ensino, mas também
do aumento da “esperança de vida escolar”, em resultado do aumento do ciclo de estudos
104 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

obrigatório, da melhoria das condições de vida da população portuguesa e das perspectivas


de “mobilidade social”, decorrentes do aumento do período de escolarização. Já no ensino
superior, o seu desenvolvimento, no decurso do último século, acompanhou a evolução
sociopolítica da sociedade portuguesa, através do alargamento progressivo dos centros de
ensino universitário, os quais, há menos de meio século, estavam circunscritos aos centros
universitários tradicionais de Lisboa, Coimbra e Porto. Depois da criação do ensino superior
politécnico, a rede estendeu-se a todas as capitais de distrito e a outros centros urbanos.
A propósito desta procura, salientamos, desde o início do nosso século e durante
praticamente toda a sua primeira metade, o facto da frequência dos estabelecimentos de ensino
universitário constituir um privilégio das “élites” mais abastadas do país. Destaca-se a propósito
que, em 1910/11, o total de alunos que frequentava o ensino superior universitário pouco
ultrapassava os 1,2 milhares, número que, em 1940/41, ascendia a 8,7 milhares. No início da
década de sessenta, em 1960/61, o total de alunos matriculados nestes estabelecimentos de
ensino orçava já as duas dezenas de milhar (19,5 milhares). Depois de um aumento notável para
a época, em que foram tomadas medidas relacionadas principalmente com o ensino primário, o
ensino preparatório e o ensino secundário, registou-se um aumento significativo da população
escolar universitária, que atingiu os 28,0 milhares de alunos, em 1965/66. O referido montante
duplicou em menos de uma década, para atingir, em 1970/71, os 44,2 milhares de alunos e,
em 1974/75, os 61,3 milhares.
Com a revolução de 1974 e em consonância com as práticas de abertura do sistema
educativo aos alunos oriundos de todas as classes sociais, este acréscimo foi ainda mais
notável, justificando a enorme procura registada nos anos seguintes. Em menos de três
décadas, de 1970 à actualidade, o total de alunos matriculados no ensino superior quintuplicou,
passando de 69,2 milhares, em 1973/74, para mais de 312 milhares, em 1996/97, orçando, em
2003, os 388,7 milhares. Os dados ora referidos permitem apreciar a evolução da qualificação
da população portuguesa no decurso do último período intercensitário, a qual, de acordo com
o resultados obtidos em 2001 (INE, 2002, LXVII), permitem concluir:
· “Em 2001, a maioria da população portuguesa tinha apenas completado o 1º ciclo
do ensino básico (27,8%) ou não sabia ler nem escrever (26,4%). A população que
completou o 2º e o 3º ciclos representava, em cada ciclo, 13,8% do total. Nos restantes
níveis, destaca-se o ensino secundário, com 11,0%, e o ensino superior, com 7,1%.
· No período intercensitário, verificou-se uma melhoria das qualificações académicas,
tanto para os homens como para as mulheres. Nos ensinos secundário e superior,
as proporções quase duplicaram, sendo mais elevadas para a população feminina,
especialmente ao nível do bacharelato/licenciatura.
· A sitaução das mulheres manteve-se mais desfavorável nos níveis mais baixos (sem
qualquer qualificação e 1º ciclo do ensino básico)”.

Contrariamente ao fenómeno de crescimento demográfico, responsável pelo aumento da


frequência escolar, o envelhecimento da população, tal como se tem vindo a acentuar no
contexto português e europeu, levanta sérios problemas de natureza económica e demográfica,
parcialmente compensados pelo recrutamento da mão-de-obra estranha. Este fenómeno
tem-se verificado em diversos países do Ocidente Europeu, tais como a França, Alemanha,
Jorge Carvalho Arroteia 105

Suiça e Luxemburgo, países onde a quebra de nascimentos registados há mais de um século


tem vindo a provocar um défice acentuado de trabalhadores, compensado pelas migrações
internacionais. O mesmo fenómeno tem vindo a afectar Portugal, sendo responsável pelo
aumento da população escolar de origem estrangeira no sistema de ensino português, bem
como pelo desenvolvimento de diversas iniciativas, destinadas a acolher a população estrangeira
e os alunos de diferentes nacionalidades que frequentam as nossas escolas.
No contexto português, as alterações registadas nas últimas décadas em relação ao
povoamento tradicional, traduzindo um fenómeno intenso de desertificação das áreas rurais,
tem vindo a caucionar medidas de política educativa conducentes ao encerramento de certos
estabelecimentos de ensino e à deslocação dos alunos para centros escolares dotados de
outros equipamentos sociais e educativos, que garantam melhores condições escolar. Contudo,
importa avaliar o conjunto destas medidas, não apenas num contexto local e municipal, mas
também no seu todo e apreciar os seus reflexos nos processos de desenvolvimento endógeno e
de alargamento das desigualdades sociais ao nível dos pequenos centros rurais e o seu impacto
sobre os processos, até ao momento irreversíveis, de desertificação humana e de abandono
desses lugares que têm servido para estruturar o povoamento a nível nacional.
Por via da nossa participação na UE e, também, dos acordos celebrados entre os
Estados-Membros, o desenvolvimento da educação passa, igualmente, pela melhoria das
condições de aprendizagem e de trabalho, nomeadamente pela aprendizagem ao longo da
vida, e pelo contributo das actividades de I&D e sua ligação à sociedade. A relevância destas
iniciativas foi aprovada pelo Conselho Europeu, reunido em Lisboa em Março de 2000, que, nas
suas conclusões, reforça a importância da formação ao longo da vida como uma estratégia
fundamental para o desenvolvimento da educação e da formação na Europa, centrada nos
seguintes eixos fundamentais:
· aquisição e universalização de novas competências fundamentais, relacionadas com as
tecnologias da informação, o domínio das línguas estrangeiras, a cultura tecnológica, o
empreendedorismo e novas aptidões sociais;
· investimento acrescido em recursos humanos;
· inovação no ensino e aprendizagem;
· valorização da formação, designadamente nos domínios da aprendizagem formal e informal;
· orientação e informação;
· aproximação da educação e da formação dos parceiros e empresas.

Estes aspectos foram considerados fundamentais para a “uma transição bem sucedida para
uma economia e uma sociedade assentes no conhecimento”.

Capital humano
A noção de capital humano é um dos conceitos usados em economia da educação desde o
início dos anos sessenta (CERDEIRA, 1999, p. 36), desenvolvido por G. Becker, que “classificou
as características qualitativas dos activos com o termo de capital humano, que definia como um
investimento que incluía a escola, a aprendizagem, os gastos (…), a mobilidade geográfica e a
pesquisa em informação sobre os preços e rendimentos”. Mais ainda (Loc. cit.): “ a educação
aumenta a produtividade do trabalho do indivíduo e a sua acumulação provocará um fluxo de
106 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

rendimento. A educação acumulada pode, então, ser, como qualquer bem capital, associada
a uma taxa de rendimento (…).” Por isso, a sua medição “pode ser perspectivada, dum ponto
de vista microeconómico ou de um ponto de vista macroeconómico”, sendo que “o capital
humano, à partida, é avaliado numa base individual, ainda que posteriormente se possa
proceder a agregações” (Op. cit., p. 39).
Esta análise permite associar diferentes indicadores em educação, nomeadamente na
formação dos recursos humanos, e o contributo desta como um dos factores favoráveis
ao crescimento económico e ao acréscimo do PIB por habitante. De acordo com Martins
(1996, p. 150), “a educação, segundo esta teoria, contribui para o aumento da produtividade,
apresentando-se como um dos factores de crescimento económico (…), e produz os
conhecimentos técnicos exigidos pelas mudanças resultantes deste processo (…)”. Assim,
como observou Cabanas (1984, p. 47), a relação entre educação e desenvolvimento deve ser
entendida numa perspectiva dinâmica, “em que os sistemas educativos produzem resultados
capazes de induzir a mudança generalizada de atitudes na população receptiva às ideias de
progresso económico, proporcionando um leque de conhecimentos directamente aplicáveis
ao processo produtivo, permitindo assim um aumento sensível da capacidade criadora e
organizativa de um país”.
De facto, como refere Carnoy (1999, p. 41), baseado em estudos da OCDE, “o factor
humano é fundamental para a actividade económica, a competitividade e a prosperidade, quer
se manifeste sob a forma de saber e de competências quer sob formas menos tangíveis de
aceitação, abertura à inovação e de cultura de empresa”. Tal facto tem justificado a relação
entre os investimentos em educação, a escolarização, o alargamento dos ciclos de estudos e as
mudanças de programas e de métodos de ensino, como capazes de promoverem o progresso
e o desenvolvimento técnico e tecnológico. Assim o refere Martins (1996, p. 150), com base
em estudos de outros autores, que reconhece “existir uma forte relação, em países como os
EUA, URSS e Japão, entre o nível de instrução, o desenvolvimento económico e o progresso
tecnológico, verificando-se aumentos na produção como resultado do aumento da instrução
da mão-de-obra utilizada”.
Estudos recentes continuam a dar realce à relação entre o investimento em educação e
o crescimento económico, contributo que, segundo Martins (Op. cit., 153), “não se encontra
claramente esclarecido (…), não se assumindo contudo a educação como factor determinante
na estrutura e rumo seguido pela economia, mas mostrando-se indispensável à sua acção,
quer adequando a mão-de-obra ao sistema de emprego e tecnológico, quer socializando em
comportamentos exigidos pelo sistema produtivo e pelo sistema das disfuncionalidades, como
é o caso do desemprego”.
Este contributo é extensivo às competências e aos conhecimentos dos alunos em áreas
específicas, tais como a Matemática e as ciências, os quais são “componentes essenciais do
capital humano incorporado na força de trabalho” (IREDU, 2005). De facto, o desempenho
dos alunos quando inseridos no mercado de trabalho ou quando submetidos a testes
internacionais, como o PISA (“Programme for International Student Assessment”), realçam
níveis diferentes de qualidade da educação e da formação revelados pela população escolar,
nem sempre coincidentes com os investimentos e as despesas realizadas com o sector
de ensino.
Jorge Carvalho Arroteia 107

As questões acima referidas não desmerecem a oportunidade dos gastos em educação,


como factores relevantes do processo de desenvolvimento económico, social e cultural de
um país, numa perspectiva não de investimento individual, mas sim numa perspectiva de
investimentos indirectos e sociais, cujos benefícios se podem fazer sentir a médio e a longo
prazo e não no seu imediato. De facto, como nota Cerdeira (1999, p. 15), “o investimento na
educação pode criar num país, e numa região, uma vantagem competitiva, permitindo que
se dirijam novos empreendimentos e investimentos empresariais para essa região, uma vez
que existe mão-de-obra qualificada e especializada (…).” Adianta, ainda, a mesma autora
((Loc. cit.) que os investimentos em educação, e a consequente formação de recursos humanos
qualificados, “poderão ajudar à localização de novas iniciativas empresariais, elas próprias
geradoras de novas fontes de riqueza, desenvolvendo assim o nível de bem-estar da população
dessa região”.
Tendo presente a evolução dos estudos neste domínio, esta teoria tem vindo a ser criticada
em alguns dos seus aspectos, dando origem a novas abordagens, complementares da anterior,
mas convergentes, no sentido em que reconhecem que “a acumulação do conhecimento surge
como um factor fundamental do desenvolvimento económico” (Op. cit., p. 81), da inovação e
do bem-estar das populações.

Oferta escolar
Por oferta escolar entende-se a disponibilidade de infra-estruturas: edifícios, equipamentos,
recursos, cursos e outras acções promovidas pelo poder público e por entidades não públicas,
que permitem a escolarização dos alunos ou a frequência de cursos vocacionados para a
formação e a capacitação profissional da população. Esta oferta está consubstanciada no
traçado de uma rede escolar, constituída por diversos “nós” ou lugares centrais, hierarquizados
entre si e com diferentes níveis de acessibilidade em relação à população que servem.
De acordo com a Lei de Bases do Sistema Educativo (artº 2), são responsabilidades do
Estado e do próprio sistema garantir o “direito à educação e à cultura” de todos os portugueses,
bem como “promover a democratização do ensino, garantindo o direito a uma justa e efectiva
igualdade de oportunidades no acesso e sucesso escolares”. O mesmo artigo estipula ainda
“a liberdade de aprender e de ensinar”, devendo, para o efeito, organizar-se, de modo a:
· responder “às necessidades resultantes da realidade social, contribuindo para o
desenvolvimento pleno e harmonioso da personalidade dos indivíduos (…)”;
· promover o “desenvolvimento do espírito democrático e pluralista, respeitador dos
outros e das suas ideias (…), formando cidadãos capazes de julgarem com espírito
crítico e criativo o meio social em que se integram e de se empenharem na sua
transformação progressiva”.

Estes aspectos obrigam o Estado a uma definição mais cuidada da sua política educativa,
no sentido de favorecer a adequação da rede escolar às necessidades dos seus habitantes
e de lhes facilitar as melhores condições de ensino, de promover a fixação e a formação dos
seus docentes, de modo a atenuar as condições menos atractivas e os desequilíbrios regionais
e sectoriais que se registam em diferentes áreas do nosso território. Por isso, a disponibilidade
dos equipamentos educativos, expressa na carta escolar de uma região, constitui um dos
108 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

factores a ter em conta em qualquer processo de democratização do ensino, pelo que


este não terá sentido se não for alicerçado num correspondente alargamento da rede dos
equipamentos educativos. É neste sentido que se entende a oferta, tendo presente a sua
adequação às necessidades da população, o que constitui uma das prioridades do processo
de planeamento e um dos objectivos primordiais a prosseguir no âmbito de qualquer reforma
do sistema educativo.
A oferta escolar compreende o ensino público e o privado, a educação pré-escolar, o
ensino básico, o ensino secundário e o ensino superior, na sua diversidade de cursos e de
modalidades consideradas na LBSE. Tendo presente o regime actual de administração e
gestão dos estabelecimentos de ensino: educação pré-escolar e ensinos básico e secundário,
o Dec.-Lei nº 115-A/98, de 4 de Maio, dá ênfase à “organização da administração educativa
centrada na escola e nos respectivos territórios educativos”(Preâmbulo e artº 5), estabelecendo
o “agrupamento de escolas” como sendo a “unidade organizacional, dotada de órgãos próprios
de administração e gestão, constituída por estabelecimentos de educação pré-escolar e de
um ou mais níveis e ciclos de ensino, a partir de um projecto pedagógico comum, com vista à
realização das finalidades seguintes:
a) favorecer um percursos sequencial e articulado dos alunos abrangidos pela escolaridade
obrigatória numa dada área geográfica;
b) superar situações de isolamento de estabelecimentos e prevenir a exclusão social;
c) reforçar a capacidade pedagógica dos estabelecimentos que o integram e o aprovei-
tamento racional dos recursos;
d) garantir a aplicação de um regime de autonomia, administração e gestão (…)”.

Legislação posterior, nomeadamente o Decreto Regulamentar nº 12/200, de 29 de Agosto


(artº 3), fixa os requisitos necessários à constituição de “agrupamento de escolas”, tendo presente,
não só a existência de projectos pedagógicos comuns, a construção de percursos educativos
integrados e o desenvolvimento da educação pré-escolar, “como primeira etapa da educação
básica”, e a articulação entre níveis e ciclos de ensino, mas também a proximidade geográfica,
dando, assim, realce às questões de acessibilidade física do território e à oferta educativa.

Redes
O desenvolvimento da educação, nas suas diferentes modalidades, assenta na intervenção
directa sobre os indivíduos, em especial sobre as comunidades humanas, a partir de centros,
em regra, sedeados em locais fixos, ou “nós” de uma teia de “lugares centrais”, de onde
irradiam ou têm lugar as actividades relacionadas com o ensino, a formação e a investigação.
Neste sentido, podemos entender, como elementos estruturantes do sistema de ensino e
de formação, a existência de diferentes “nós”, de onde irradiam as actividades de natureza
formativa e educativa – as escolas, as associações, os clubes, as colectividades etc. –, que,
entre si, formam uma rede de organizações e de instituições, marcadas por diferentes tipos
de relação entre si e os seus elementos. São as chamadas “redes materiais”, constituídas pela
constelação e hierarquia de estabelecimentos de ensino e de formação, ligadas entre si e,
portanto, configurando “sistemas” que animam outro tipo de relações baseadas em contactos
e na troca de informação, que animam as redes sociais e as redes de conhecimento.
Jorge Carvalho Arroteia 109

Por isso, mais importante que as instalações físicas é o estabelecimento de comunidades de


interesses e de aprendizagem, que permitam o funcionamento destes lugares, que os animem
e que, através da participação e assiduidade do público, permitam o seu funcionamento e
garantam a perenidade destas instituições. Assim, mais do que de “rede escolar” ou “rede de
formação”, falamos em redes sociais ou redes de relação, estabelecidas entre os cidadãos,
eles próprios, e com as instituições, através das quais se exercem distintas formas de
colaboração, de apoio e de influência mútua. Se tivermos em consideração que as actividades
sociais desenvolvidas por um grupo de indivíduos têm objectivos comuns, então devemos
considerar a existência e partilha de recursos e a utilização de estratégias que permitam atingir
determinados fins de interesse colectivo.
São vários os exemplos de partilha e de envolvimento individual, familiar, comunitário, e
outros, em actividades de voluntariado e não só, com fins educacionais, asistenciais e outros,
que fortalecem as redes de coesão social e de intervenção sócio-educativa. Daí a importância
destas conexões, necessárias para o lançamento de projectos de intervenção pedagógica e
educativa de autoria da escola e de outras instituições, particularmente as que se ocupam de
projectos de animação e de intervenção comunitária, especialmente no âmbito da educação
social. Como referência, indicam-se as “redes socioeducativas” definidas por Azevedo
(2006, p. 39) e identificadas no quadro do projecto “Trofa Comunidade de Aprendentes”:
“1. Rede de Instituições TCA, que agrupa quer as instituições que aderem ao TCA e que
com esta dinâmica estabelecem ‘cartas de compromisso’, onde se registam direitos
e deveres, quer as instituições cooperantes, que se encontram em fase de adesão a
esta rede.
2. Rede de Iniciativas TCA, que reúne projectos de aprendizagem, seja em iniciativas do
próprio TCA, seja em iniciativas de várias instituições acreditadas pelo TCA.
3. Rede de Mediadores, que congrega todos os mediadores de aprendizagem TCA,
articulados em sub-redes de funcionamento, como, por exemplo, os mediadores de
instituição, os mediadores de escola, os mediadores voluntários.
4. Rede de formadores, que agrupa os formadores que vão colaborando na formação
promovida pelo e com o TCA (…).
5. Rede de técnicos e colaboradores, que reúne a equipa pedagógica que trabalha nas
várias dinâmicas do TCA, desde o atendimento pedagógico local até à dinamização de
iniciativas.
6. Rede de Serviços e de Unidades Locais de Atendimento, que agrupa os vários serviços
existentes e visa reflectir sobre a sua acção e promover a reflexão-formação permanente.
7. Rede de Voluntários TCA, que congrega aqueles cidadãos que se disponibilizam para
cooperar com as dinâmicas de aprendizagem e que, nesse mesmo processo, se vão
fornmando como voluntários TCA”.

O exemplo anteriormente considerado e desenvolvido em colaboração com o ensino


superior confirma o contributo deste subsistema no todo nacional e também no âmbito
regional, configurando, assim, uma apreciação mais cuidada da importância da rede destes
estabelecimentos na formação do “capital humano” e através de outros contributos, no
processo de desenvolvimento regional.
Economia e educação

Sendo a educação considerada uma actividade relevante em qualquer tipo de sociedade, na


medida em que contribui para a sua formação humana e pessoal e para melhorar a qualificação e
o desempenho profissional dos cidadãos, com incidência no crescimento do sector económico,
são múltiplas as relações que se podem estabelecer entre os sistemas económico e educativo.
Uma dessas facetas diz respeito ao estudo das relações entre o desenvolvimento económico e
o desenvolvimento da educação, nos seus aspectos quantitativo e qualitativo. A este respeito,
assinala Girod (1981, p. 46) “que a relação estatística do crescimento do PNB e do aumento
do nível (formal) de instrução pode ser interpretado em termos de aumento das competências
sobre a produtividade, e assim da rendibilidade dos investimentos educativos”. Ou seja, do
contributo dado pelo sistema educativo, no seu conjunto, para a formação de quadros e na
investigação, factores que contribuem para o crescimento e expansão dos diversos sectores
e actividades económicas de um país.
A este respeito, Cerdeira (1999, p. 29-96) refere que “a introdução da educação no campo
de análise do economista assenta na hipótese de que os fenómenos educativos jogam um papel
activo na economia” (Op. cit., p. 29), sugerindo, por isso, a abordagem deste fenómeno de
acordo com diferentes correntes do pensamento económico. Contudo, como realça esta autora
((Loc. cit.), a constatação das relações entre o desenvolvimento económico e educação começou
por se tornar evidente a partir da década de sessenta de Novecentos, com a afirmação crescente
da economia da educação e o interesse pelas análises “micro-económica do impacto da educação
sobre os salários” e “macro-económica do papel da educação e do saber da produção”.
Como observa Cabanas (1984, p. 46), o forte desenvolvimento de alguns sistemas económicos
ocidentais, chamando a atenção para a presença de um “factor residual” no processo produtivo,
não justificável pelo esforço físico, traduzido na “capacidade dessas pessoas para utilizarem
produtivamente os recursos naturais e os bens de equipamento, levou-os a considerar o
factor então designado de “capital humano”, cuja formação tem como principal obstáculo o
analfabetismo da população. De acordo com Cerdeira (Op. cit., p. 35-36):
· “a educação provoca um custo, correspondente à soma dos custos directos da
escolaridade e os custos indirectos imputáveis à obtenção dos estudos e, ainda, a um
custo de oportunidade, que corresponde aos rendimentos que se deixam de ganhar por
se permanecer no sistema educativo;
· a aquisição deste bem necessita de um certo tempo de ‘produção’, dado que um aluno na
sua educação cria, gastando uma certa ‘unidade’ de tempo de um bem (os conhecimentos,
o capital educativo), podendo-se supor que ela aumentou a sua produtividade”.
112 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Consumindo a educação verbas cada vez mais elevadas, uma outra vertente desta análise
orienta-se, fundamentalmente, para a avaliação global dos gastos em educação, pela sua
repartição per capita, bem como para a distribuição dos recursos no interior do sistema
educativo. Neste caso, a estrutura dos respectivos orçamentos traduz as opções políticas
relacionadas com as despesas correntes, os investimentos e os programas, conducentes à
reforma do sistema e à valorização dos recursos humanos que frequentam o sistema de ensino.
Esta formação contribui decisivamente para o enriquecimento do “capital humano”, ao mesmo
tempo que acarreta consigo diversos tipos de encargos.
O conjunto de fenómenos, de natureza económica, tradicionalmente ligados ao funcionamento
dos sistemas educativos tem vindo a realçar a pertinência de uma área científica especializada,
a economia da educação, inicialmente preocupada com “a apreensão da relação complexa
entre as necessidades de pessoal qualificado e a oferta – necessariamente diversificada – das
diferentes componentes dos sistemas de educação e de formação, e, por outro lado, para
assegurar que as somas postas à disposição destes sistemas eram suficientes e utilizados
da melhor forma” (DUVERGER, LADERRIÈRE, 1999, p. 19). Contudo, a sua aplicação na
actualidade está relacionada sobretudo com a elaboração, desenvolvimento e avaliação das
políticas educativas.

Despesas em educação
Este conceito contempla os gastos totais com o funcionamento do sistema educativo no
seu conjunto e por níveis de ensino, as despesas com os funcionários, a construção, aquisição
e manutenção de equipamentos e de edifícios, etc. Estes valores podem ser decompostos
em diversas rubricas: despesas de capital, quando se referem a aquisição de terrenos, a
construções e à aquisição de mobiliário e de equipamentos; despesas correntes, relativas
aos gastos com os pagamentos aos professores e aos funcionários e a outras despesas,
englobando os custos gerais relacionados com o funcionamento do sistema.
As despesas em educação podem ser de natureza privada, tais como os custos das
propinas e de frequência, os transportes, as materiais escolares e outros, suportados pelo aluno
ou pela família, ou de natureza pública ou social, que contemplam os custos assumidos pela
sociedade em relação ao sistema de ensino e de formação. De realçar que as despesas em
educação são condicionadas por diversos factores, dependentes da população escolar e da
sua repartição por idades e níveis de ensino, da acessibilidade dos alunos e da configuração
da rede escolar, da natureza e do tipo de recursos disponíveis e dos encargos administrativos
relacionados com o funcionamento global do sistema, da sua administração e gestão correntes,
dos salários, etc.
A noção de despesas não se deve confundir com os investimentos individuais (privados),
resultantes da frequência das instituições escolares, em qualquer nível de ensino. Nestes custos
podemos incluir não só os encargos de frequência, mas também os gastos relacionados com
o prosseguimento dos estudos e que impedem uma remuneração efectiva noutra actividade.
Como actividade social, as despesas com o financiamento do sistema educativo podem
ser apreciadas em separado.
Jorge Carvalho Arroteia 113

Financiamento da educação
O financiamento da educação abarca as diferentes fontes que garantem a alocação dos
recursos necessários ao funcionamento do sistema educativo. As verbas disponíveis podem
ter origem quer no sector público nacional, quer no sector público autárquico. Nestes casos,
as despesas estão inscritas no orçamento geral do Estado ou no orçamento das Autarquias.
Além destas, devem ser igualmente consideradas outras fontes de financiamento, como os
próprios alunos e as famílias, as empresas, as associações, alguns programas nacionais e
internacionais e, ainda, apoios específicos, provenientes da ajuda internacional.
A gestão destes fundos deve ter em conta a aplicação de diferentes critérios, nomeadamente
o critério da eficácia (utilização dos melhores resultados académicos com o mínimo de meios); o
critério da equidade (através da partilha das despesas, de forma proporcional, entre os diferentes
actores e agentes); e o critério da coerência nacional, baseado na sua distribuição no território
de forma proporcional e equilibrada.
Para efeitos de comparações internacionais, o financiamento expressa-se através do seu
valor em % do PIB e em termos globais, que constitui os gastos em educação.

Gastos em educação
A noção de gastos pressupõe duas concepções distintas: a de custos e a de despesas
em educação. Em relação aos custos, esta é uma noção complexa, elaborada a partir quer
dos gastos totais com o funcionamento do sistema educativo, no seu conjunto, – funcionários,
edifícios, equipamentos, etc., (custos sociais) –, quer dos investimentos individuais (privados),
resultantes da frequência das instituições escolares, em qualquer nível de ensino. Da mesma
forma, poder-se-á incluir nesta definição o tempo gasto com o prosseguimento dos estudos,
que impede uma remuneração efectiva noutra actividade.
De acordo com F. Orivel (1993, p. 8), certos estudos evitam o termo custo e preferem o de
despesas. De facto, “conhecem-se muito bem as despesas públicas em educação, porque elas
figuram nos orçamentos votados no parlamento, orçamentos que são facilmente acessíveis,
mas conhecem-se mal as despesas privadas, em particular as das famílias”. Neste caso, os
gastos reais das famílias só podem ser conhecidos através de inquéritos directos, sendo que
as despesas gerais, por subsistema de ensino, por unidade, por corpos profissionais ou por
actividade são devidamente contabilizados nos orçamentos públicos e privados das instituições
de ensino e de formação.
Pela sua relevância, importa assinalar o caso do ensino superior e o seu contributo no
processo de desenvolvimento de um país.
Educação

Para Durkheim (1968, p. 51), a educação, ou seja, “a acção exercida pelas gerações adultas
sobre as que não estão ainda maduras para a vida social”, tem como objectivo principal “suscitar
e desenvolver na criança um certo número de estados físicos, intelectuais e morais exigidos pela
sociedade (…) e pelo meio a que pertence”. É um conceito que dá ênfase ao carácter social
e global da educação. A forma mais usual desta é a educação formal, que inclui programas
escolares, ministrados e avaliados por agentes especializados, e cuja leccionação abarca um
conjunto de actividades obrigatórias e facultativas, desenvolvidas dentro ou fora da escola.
Esta perspectiva confere à educação activa um papel relevante na formação do educando
ou aluno através de uma “relação adaptativa optimizante que se consuma mediante a
comunicação e a acção” (PUIG, 1987, p. 237). Neste caso, os agentes principais são a escola,
a família, o meio e, nalguns casos, também, a profissão. Complementarmente a esta acção,
nota o mesmo autor a importância da educação permanente, direccionada especialmente para
indivíduos em idade adulta.
Para o cumprimento das finalidades que a sociedade espera, a educação deve reunir, de
acordo com Rayo (1998, p. 11), um conjunto de requisitos fundamentais que se prendem
com o funcionamento do sistema educativo, no seu conjunto, e com a acção dos diferentes
actores, em particular. Para tanto, sublinha o referido autor que esta “precisa de ter finalidades
e objectivos que assinalem as metas fixadas; de conteúdos e estratégias que permitam
conciliar o mundo dos saberes disciplinares com aqueles outros aspectos necessários para o
desenvolvimento pessoal como os valores e o desenvolvimento das capacidades sociais e
afectivas; de métodos apropriados e de técnicas que permitam a comunicação, participação
e cooperação; a aproximação intelectual e afectiva aos problemas da sociedade; de modelos
de avaliação que valorizem os progressos alcançados e as dificuldades inerentes a um projecto
humano tão ambicioso”.
A perspectiva que partilhamos é a de considerar não só os aspectos relativos à educação
formal, mas outras iniciativas complementares, relacionadas com o ensino, a investigação e a
formação, assumidas por entidades diversas, que não só as entidades públicas oficialmente
responsáveis pelas mesmas através da concepção, desenvolvimento e avaliação de um
conjunto de iniciativas pedagógicas e outras, que espelham a política educativa de um
Governo. Estas podem atender à educação formal, à educação não formal ou, ainda,
à educação ao longo da vida, relacionada com a formação pessoal e individual e o(s)
processo(s) de desenvolvimento socioeconómico e cultural de um país. Referimos diversas
formas de educação.
116 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Educação de base
A educação de base pode ser entendida como sendo a instrução e formação que deve
ser assegurada a cada indivíduo no sentido de lhe permitir desenvolver as suas capacidades
individuais e a inserção na sociedade em que vive. Esta formação é assegurada pela organização
escolar, decorrente da escolarização num período variável e da vivência de um conjunto de
princípios que assegurem uma vida cívica e a fruição dos direitos humanos fundamentais.
Pode confundir-se a educação de base com a educação regular e formal, dirigida à população
jovem e adulta, de carácter obrigatório, gratuito e universal.
No que respeita a realidade portuguesa, a educação de base corresponde ao ensino
básico, “universal, obrigatório e gratuito” (artº 6 – LBSE), uma vez que a educação pré-escolar
é considerada como “complementar ou supletiva da acção educativa da família, com a qual
estabelece estreita cooperação” (artº 4), no “reconhecimento de que à família cabe um papel
essencial no processo da educação pré-escolar” (artº 5). Para os alunos que prosseguem
os estudos para além do ensino básico, estabelece ainda o artº 4 que a educação escolar
compreende os ensinos básico, secundário e superior, e “integra modalidades especiais e inclui
actividades de ocupação de tempos livres”.

Educação de adultos
Não se esgotando na escolarização obrigatória, as aprendizagens fora deste período,
sobretudo em idade adulta, podem superar as necessidades e as carências de uma formação
de base ou vindo a completá-la em alguns dos seus aspectos. É o caso do ensino recorrente de
adultos, destinado aos indivíduos “que já não se encontram em idade normal de frequência dos
ensinos básico e secundário” (artº 20º – LBSE) e que desejam prosseguir estudos, especialmente
por razões de natureza profissional e cultural.
Na sociedade actual, a educação permanente e ao longo da vida torna-se necessária
dada a obsolescência dos saberes e a evolução técnica e tecnológica que experimentamos.
Assim, assinalaram Rassekh e Vaideanu (1987, p. 141): a educação permanente “constitui
uma resposta original e adequada aos desafios da era actual e o único meio de preparar o
indivíduo a participar e a exprimir-se, a defender os seus direitos e valores fundamentais duma
sociedade democrática, a auto instruir-se e a evoluir de forma eficaz numa sociedade marcada
por mudanças previsíveis e imprevisíveis”. De notar que os diversos tipos de educação, formal,
não formal e informal, têm um papel complementar na formação permanente do indivíduo, em
particular dos que experimentaram saídas prematuras do sistema de ensino.
De acordo com a LBSE, o ensino recorrente de adultos, embora “parte integrante da
educação escolar”, constitui uma modalidade especial de educação escolar (artº 16). Abrange
não só os alunos que “já não se encontram na idade normal de frequência dos ensinos básico
e secundário”, mas também os “indivíduos que não tiveram oportunidade de se enquadrar
no sistema de educação escolar na idade normal de formação, tendo em especial atenção a
eliminação do analfabetismo” (artº 20 – LBSE).
A organização curricular, metodologias de ensino e avaliação são específicas ao ensino
recorrente, que confere diplomas e certificados equivalentes aos do ensino regular, ou seja, ao
ensino ministrado de acordo com o estipulado na LBSE.
Jorge Carvalho Arroteia 117

Educação não formal


Esta designação genérica abarca o conjunto de conhecimentos adquiridos fora do sistema
formal de ensino, sem finalidades pedagógicas, sendo veiculada por diversos meios e agentes
de ensino e de socialização que, assim, concorrem com a instituição escolar.
Para Cabanas (1984, p. 49), a educação não formal, também designada por educação
“informal”, corresponde ao ensino extra-escolar, “englobando o conjunto de meios e de recursos
não escolares disponíveis e utilizados com fins formativos e/ou instrutivos”. Nesta perspectiva
se refere à “educação extra-escolar” a LBSE, que, no seu artº 4, estabelece: “a educação
extra-escolar engloba actividades de alfabetização e de educação de base, de aperfeiçoamento
e actualização cultural e científica e a iniciação, reconversão e aperfeiçoamento profissional e
realiza-se num quadro aberto de iniciativas múltiplas, de natureza formal e não formal”.
A educação não formal está, assim, associada a actividades de educação da população
adulta, relacionadas com as aprendizagens, conducentes a uma socialização de grupos
específicos de habitantes, quer registem ou não ameaças de exclusão social. De realçar que,
para além destas acções, hoje em dia o papel dos meios de comunicação social (imprensa,
rádio, cinema, televisão, Internet, etc) tem vindo a desempenhar um papel relevante na formação
dos cidadãos. Uma das características essenciais da educação não formal é a sua orientação
para os interesses do indivíduo, adquiridos através de actividades extra-escolares e, muitas
vezes, sem qualquer ligação com os planos de ensino veiculados pela escola.
Abarcando conhecimentos muito vastos e uma formação cultural bastante diversificada, em
concordância ou não com os programas escolares, a educação não formal (também designada
por educação paralela) tem vindo a beneficiar dos instrumentos de “comunicação de massas”,
sendo cada vez maior a sua importância nas “sociedades industriais” e nas “sociedades de
informação” dos nossos dias. Embora associada aos diversos agentes de socialização, a
educação paralela contribui, pela sua articulação e integração com os diversos saberes, para
fomentar a educação permanente e ao longo da vida.
Educação comparada

A actualidade de estudos, incidindo sobre realidades distintas dos sistemas educativos em


contextos societais diversificados, tem vindo a ganhar um número crescente de adeptos entre
algumas organizações internacionais, associações científicas, investigadores e classe política,
que procuram conhecer os efeitos das reformas, da inovação e a mudança nos sistemas
educativos e sobre os sistemas sociais.
Estes estudos têm como referência o desenvolvimento e autonomização crescente da
educação comparada, “consagrada, tradicionalmente, ao estudo internacional dos sistemas
educativos” (NÓVOA, 1998, p. 52), e o trabalho de Marc-Antoine Jullien de Paris (1817) –
“Esboço e noções preliminares de uma obra sobre Pedagogia Comparada”. Descreve o seu
autor ser uma obra “empreendida primeiro para os vinte e dois cantões da Suíça e para
algumas partes da Alemanha e da Itália (…) e séries de questões sobre a educação, destinadas
a fornecer os materiais das ‘Tábuas comparativas de observações’, para uso dos homens que,
querendo dar-se conta da situação actual da educação e da instrução pública nos diferentes
países da Europa, estiverem dispostos a concorrer para o trabalho de conjunto de que se expõe
aqui o plano e objectivo” (JULLIEN DE PARIS, 1967, p. 17). Este entendimento foi partilhado por
G. Meuris (ARROTEIA, MEURIS, 1993, p. 39), que afirma “la pédagogie comparée, discipline
qui relève des sciences de l’éducation, a pour domaine l’analyse et interpretation des pratiques
et des politiques en matière d’éducation dans différents pays et différentes cultures”.
Beneficiando do progresso das ciências e do aprofundamento de diferentes estudos,
sugeridos por antigos percursores, tais como Xenófanes, Tácito, Plutarco ou já Marco Polo
(ARROTEIA, MEURIS, 1993, p. 45-46), educação comparada é, hoje, uma ciência que
resulta, no dizer de Meuris (Op. cit., p. 47), do fenómeno de internacionalização do mundo
contemporâneo, que levou a que os decisores políticos orientem as suas opções “en tenant
compte des solutions adoptées ailleurs afin de rechercher les formules les plus pertinentes
et les plus efficaces por le développement de leur pays”. Tais preocupações permitem uma
“grelha de leitura para os esforços desencadeados por diferentes gerações de comparativistas
com vista à consolidação do seu campo de investigação e de acção” (NÓVOA, 1998, p. 62).
Este autor (Op. cit., p. 62-63) considera quatro aspectos fundamentais a ter em conta neste
domínio: a ideologia do progresso, um novo conceito de ciência, a ideia de Estado-nação e a
definição do ‘método comparativo’.
Note-se que a importância que os sistemas educativos assumem na actualidade, por se terem
tornado em complexas organizações sociais e como garante das expectativas de socialização,
alfabetização e de formação dos habitantes de qualquer país, justifica o interesse que hoje em
120 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

dia se atribui ao estudo quer das suas características globais – organização, funcionamento,
valores e objectivos –, quer na atenção que é dedicada a alguns dos subsistemas que os
compõem. Por outro lado, o conhecimento actual dos sistemas educativos e das reformas
em curso torna-se cada vez mais imperioso no contexto da globalização económica e social
e da apreciação dos factores de crescimento dos diferentes países do globo. Neste sentido,
o conhecimento dos sistemas educativos é relevante não só para efeito de comparações
internacionais, justificadas pela crescente interdependência das sociedades e dos grupos
sociais, mas também pelas necessidades de análise da realidade social que está subjacente
ao seu modo de funcionamento, de organização e aos resultados finais, traduzidos na qualidade
e desempenho dos diplomados.
No contexto da Europa Comunitária, estas comparações tornam-se necessárias, não
tanto para efeitos de uma harmonização das políticas educativas dos países que fazem parte
da UE, mas porque a mobilidade, que, hoje em dia, constitui um dos pilares da construção
europeia, assim o exige. Por esta razão, justificam-se as múltiplas reflexões que se vão
desenvolvendo, tendo em atenção os sistemas educativos, no seu conjunto, ou apenas
algumas das suas facetas, relacionadas com os fenómenos educativos e com as suas múltiplas
relações sociais.
Dos trabalhos a destacar, podemos apresentar como exemplo o estudo comparativo
realizado por Eurydice (1997), expressando mais o “ponto de chegada das reformas do
que o ponto de partida” (Op. cit., p. 9), das inovações introduzidas nos sistemas educativos
dos países da UE e da EFTA. Este estudo contém informações sobre as reformas levadas
a cabo entre 1984 e 1994, sobre a situação específica nos 15 países da UE e em 3 outros
pertencentes à EFTA/EEA e sobre o conjunto dos sistemas educativos, descriminando os
aspectos seguintes: objectivos, estrutura da educação obrigatória, administração da educação,
curriculum, professores e sua formação, medidas compensatórias das desigualdades, serviços
de apoio educativo e avaliação e inspecção do sistema.
De acordo com Garrido (1991, p. 54), quando se estudam os sistemas estrangeiros
de educação não devemos esquecer que tudo o que ocorre fora das escolas tem a maior
importância, como o que acontece dentro, e influencia, servindo, por sua vez, de interpretação,
aos factores internos. Desta forma, o contexto histórico-cultural que rodeia as diversas instituições
e componentes do sistema educativo constitui a primeira realidade a conhecer quando nos
debruçamos sobre os sistemas educativos. Assim, como assinalam Rassekh e Vaideanu (1987),
nas suas finalidades, estruturas, processos, conteúdos e métodos, estes são influenciados por
duas ordens de factores: os factores exteriores – factores sócio-económicos e culturais – e os
factores internos ou dinâmica própria do sistema. Nestas circunstâncias e de acordo com um
dos autores que primeiramente atendeu à comparação entre os sistemas educativos, Nicholas
Hans (1961), a chave capaz de explicar as diferenças entre eles é o carácter nacional alicerçado:
na unidade da raça, da língua e religião, no território e na soberania política (GARRIDO,
Op. cit., p. 61).
Embora tratando-se de um dos primeiros contributos para explicar o carácter nacional, chave
da explicação dos sistemas educativos, outros factores foram, mais tarde, incorporados pelos
autores americanos Cramer – Browne (1967), que consideraram como factores fundamentais
na construção do carácter nacional e dos sistemas educativos: o sentido de unidade nacional;
Jorge Carvalho Arroteia 121

a situação económica geral; as crenças e tradições básicas, incluindo nelas o legado religioso
e cultural; o status do pensamento educacional; os problemas linguísticos; o regime político:
comunismo, fascismo, democracia; e a postura colectiva, referente à cooperação e compreensão
internacionais (GARRIDO, Op. cit., p. 62).
Reconhecendo o interesse dos princípios anteriormente enunciados como essenciais para
a compreensão e explicação dos sistemas educativos, mesmo na actualidade, verificamos
que outros factores podem ainda ser incorporados, desta vez relacionados com o crescimento
económico e a evolução sociopolítica, factos que, no contexto das actuais sociedades,
valorizam, ainda mais, os estudos em Educação Comparada. Na verdade, esta, como “ciência
social em geral, ganha uma responsabilidade social acrescida, sobretudo na compreensão
para a compreensão do outro, como ser diferente, mas semelhante, através da descoberta de
novos horizontes de comunicação” (FIGUEIREDO, 2001, p. 75).
Note-se que a esta ciência não deve ser reservada, apenas, a interpretação e explicação
da situação presente (perspectiva demasiado estática), mas deve ajudar-nos, ainda, na
identificação das alterações previsíveis e da evolução dos sistemas educativos, reafirmando-se,
assim, uma outra perspectiva mais dinâmica, indispensável ao Planeamento e à Política
Educativa. Foi este, aliás, o entendimento de um dos comparativistas contemporâneos, Rosselo,
(1974) quando há algumas décadas afirmou: a Educação Comparada deve ajudar-nos não
só a discernir o ritmo da evolução da educação, mas também das reformas e das mudanças
que resultam desta evolução acelerada. Da mesma forma, deverá auxiliar a elaboração de
prognósticos sobre o futuro.
Estudos actuais, da responsabilidade de diferentes organismos internacionais, tais como
a UNESCO, a OCDE, o Conselho da Europa e a União Europeia, apoiam e justificam o
interesse e o desenvolvimento autónomo desta ciência. Por sua vez, o crescente interesse
em torno da análise das diferentes situações e contextos da realidade sócio-organizacional
e institucional que é a escola – como elemento fulcral do sistema educativo – tem justificado
múltiplas reflexões, levadas a cabo em encontros da especialidade, da Sociologia à História
e Filosofia da Educação, das Didácticas e Metodologias à Administração e Gestão Escolares,
reforçando, cada vez mais, o interesse e o aprofundamento dos estudos no âmbito da
Educação Comparada.
Por nos parecer oportuno, não deixamos de anotar algumas das reflexões que Garrido
(1991, p. 92-96) elaborou sobre esta ciência e sobre o seu objecto:
1. Não existe uma ciência comparativa da educação, mas apenas uma metodologia –
a metodologia comparada – aplicada à educação;
2. Existe uma ciência comparativa da educação porque existe um método comparativo
aplicável aos problemas educativos;
3. Existe uma ciência comparativa da educação porque esta dispõe de um objecto
específico, embora sem metodologia própria;
4. A Educação Comparada é, fundamentalmente, uma “Geografia da Educação”;
5. A Educação Comparada é, também, a “História Comparada da Educação Contem-
porânea”;
6. A Educação Comparada é o estudo comparado dos sistemas educativos existentes no
mundo de hoje.
122 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Quanto à sua finalidade, parece-nos evidente não só o seu cariz meramente teórico, mas
também o carácter prático e o contributo dos estudos de natureza comparada que incidam quer
sobre os sistemas educativos na sua configuração e estrutura organizacional (GASPAR, 1996),
em relação às reformas educativas (FIGUEIREDO, 2001), ou sobre subsistemas de ensino em
particular, como o ensino secundário (AZEVEDO, 2000) e profissional (PARDAL et al., 2004).
Baseados na capacidade humana de observação, de descrição, de compreensão temporal
e espacial, de estudos de caso, da experimentação de alguns dados observados, a Educação
Comparada recorre a metodologias que são próprias das ciências analíticas e sintéticas.
Dentro das primeiras, cabe o recurso à metodologia descritiva e experimental; dentro das
segundas, beneficia da metodologia histórica e comparativa.
Note-se que a investigação realizada no âmbito desta ciência não se deve afastar dos
trâmites seguidos pelas outras ciências sociais, reconhecendo-se, no entanto, como primordial,
o conhecimento do contexto social e das relações entre os diversos sistemas que com ele
interactuam. Esta postura segue, aliás, as recomendações de Gurvitch (1979, p. 17-18), quando
afirma ser essencial o conhecimento da realidade social, considerada em todas as suas escalas,
em todos os seus aspectos (por exemplo: estruturais e a-estruturais), de todos os níveis, todas
as escalas e aspectos da realidade social. Como este autor, defendemos que a análise dos
factos sociais deve orientar-se para a realidade social presente e não apenas para a passada;
deve considerar o conjunto dos “fenómenos sociais totais” e não somente uma parte dessa
realidade, ultrapassando, assim, a mera observação da “crosta exterior da sociedade”, ou seja,
as manifestações de carácter social que mais facilmente reconhecemos.
Justifica-se, desta forma, que a nossa atenção incida não só na mera descrição dos fenómenos
sociais, mas acima de tudo na sua explicação e na procura da metodologia adequada que permita
a compreensão da realidade social, tendo embora presente as precauções decorrentes da
análise comparativa, garantindo a objectividade e rigor científicos e evitando qualquer mutilação
da realidade e dos fenómenos sujeitos a comparação (SANTAMARIA, 1990, p. 81).
A necessidade de se prosseguirem, na actualidade, comparações internacionais entre os
sistemas educativos de diferentes países levou à apresentação, pela UNESCO, de um sistema
de classificação internacional normalizada da educação – International Standard Classification
of Education (ISCED) –, a qual está dividida em sete níveis educativos, correspondentes aos
seguintes sub-sistemas e modalidades:
· ISCED 0 – Ensino pré-escolar;
· ISCED 1 – Ensino básico (1º e 2º ciclo);
· ISCED 2 – Ensino básico (3º ciclo);
· ISCED 3 – Ensino secundário;
· ISCED 4 – Ensino pós-secundário;
· ISCED 5 – Ensino superior (bacharelato e licenciatura);
· ISCED 6 – Ensino superior (mestrado, doutoramento e pós-doutoramento).
Educação em centros urbanos

O reconhecimento da importância da evolução social, “como um conjunto de estágios através


dos quais todas as sociedades passam de simples a complexas e de homogéneas a heterogéneas”
(HORON, HUNT, 1980, p. 63), constitui um fenómeno que nos ajuda a compreender a
especificidade dos fenómenos educacionais, em áreas de forte concentração humana, de maior
atracção e convergência de bens, e de actividades humanas, bem como de populações de
origem (geográfica e social) diferenciadas, como sejam as cidades. Reconhecem os mesmos
autores (Op. cit., p. 67) que, “usualmente, as grandes cidades têm sido a sementeira da civilização,
ao passo que o desenvolvimento cultural tem sido mais restrito nas áreas rurais isoladas”.
Esta constatação exige uma maior atenção à acção pedagógica e educativa levada a cabo em
escolas dos centros urbanos, que não só os de maior dimensão, mas também nas cidades
médias, dotadas de diferentes tipos de equipamentos, serviços e recursos educacionais.
Tal facto justifica-se, ainda, pela natureza do capital cultural urbano e pela relação de
sociabilidade entre os habitantes da mesma comunidade urbana ou entre estes e os das
comunidades rurais mais próximas, cada vez mais atraídos pelos centros urbanos, dotados de
outros tipos de equipamentos sociais e culturais e de melhores acessibilidades em relação à
sua disponibilidade e utilização. Estas circunstâncias, que ajudam a compreender o movimento,
complexo, de desertificação rural, iniciado com a industrialização e urbanização mais recente,
trouxe um conjunto de alterações demográficas do tecido urbano, traduzidas, geralmente, pelo
esvaziamento residencial do centro e pela construção, na periferia, de bolsas de habitantes
marcados por determinados traços profissionais, étnicos e culturais. Nestas circunstâncias,
a construção de novas identidades urbanas tem vindo a tornar-se cada vez mais complexa,
decorrente de fenómenos associados à mobilidade geográfica e social e à “deslocalização”
e “relocalização” de novos moradores, dando origem a acções complexas e a programas de
intervenção social e educional, conduzidos especialmente pelo poder local.
A realidade urbana actual, objecto de estudo de diferentes disciplinas (Geografia, Ecologia
e Sociologia), tem vindo a dar origem a diferentes abordagens que realçam a importância das
dinâmicas sociais e de identidade social que ocorrem nas diferentes áreas urbanas, decorrentes
das novas formas de ‘habitat’ e da composição social dos moradores (MENDRAS, FORSÉ,
1983, p. 68). Este facto faz-nos evocar diversos tipos de análise, tais como os de Morris (1972),
Castells (1973), Chevalier (1977), Faria (1981) ou outros mais recentes, que assinalam diferentes
aspectos da “simbólica urbana” – expressiva “da acção das práticas culturais e resultantes
das relações (tensões) sociais existentes numa dada conjuntura de uma formação social”
(FARIA, 1981, p. 154) – e as suas relações com as práticas educacionais.
124 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Um estudo de Fernandes (2005, p. 247) recorda-nos ser necessário “atender às tendências


que atravessam as sociedades actuais, aos processos de desestruturação e de reestruturação
que as animam, para que se afirmem e se protejam os direitos do homem e se encontrem
formas de inclusão de todos e não de indigna exclusão”. Tal situação é tanto mais actual quanto
mais se fazem sentir os efeitos do “êxodo rural”, responsável pela desertificação acrescida das
áreas outrora dominadas pela agricultura de subsistência ou por iniciativas empresariais de
índole industrial, em decadência, e pelos efeitos da “globalização”, marcada pela intensificação
dos fluxos migratórios.
Recordam-nos alguns dos teóricos da geografia locativa os efeitos da acessibilidade, não só
no preço dos solos urbanos, mas também na distribuição dos equipamentos sociais. Assim, as
áreas mais distantes dos centros vitais de qualquer centro urbano tornam-se locais privilegiados
para a fixação de indivíduos com menores recursos, o que pode igualmente acontecer num
processo de desvitalização dos centros urbanos, quando são invadidos pelas actividades
terciárias e estas, por razões do próprio mercado, se vêem obrigadas a mudar de local e de
instalações. Contudo, mesmo dentro dum espaço urbano, as condições de acessibilidade
alteram-se, como se modifica a composição das famílias e dos habitantes que aí residem.
Por isso, será de esperar que o público escolar e as ofertas de formação acompanhem estes
processos complexos de urbanização dos espaços urbanos, dadas as maiores oportunidades
de frequência e acessibilidade aos centros educativos e de formação.
Entendendo ser a escola um dos equipamentos básicos e fundamentais determinante
de alguma “nodalidade”, no seio do tecido urbano, será de esperar que ela venha a desem-
penhar funções distintas dentro do mesmo espaço e funções semelhantes em espaços
contíguos. Daí que as funções que esta deve desempenhar, nomeadamente as de socialização,
personalização, capacitação e mudança social, devam ser entendidas como algumas das
tarefas primordiais que a escola deve continuar a assegurar nos meios urbanos. E mesmo que
a população residente na sua área directa de influência não seja homogénea, a socialização
alcançada por diversos meios e dirigida a públicos diferenciados deve facilitar a integração de
todos no meio social e diversificado onde vivem. Igual responsabilidade tem a escola no que
concerne ao facilitar o desenvolvimento da personalidade de todos os seus alunos, de promover
as diferentes aprendizagens e a divulgação de valores que garantem a construção de uma matriz
cultural própria, designada por vezes de “cultura urbana”, embora diferenciada e expressa na
personalidade de cada um dos residentes urbanos.
A preparação para a vida activa, sendo embora uma tarefa difícil de prosseguir e dependente
não só das heranças culturais, mas também das características do meio social e empresarial
envolvente, é primeiramente garantida, de forma ampla, pelo modelo das aprendizagens e
pelas propriedades individuais dos alunos. Contudo, a integração destes indivíduos no tecido
produtivo constitui-se como decorrente dos processos locativos de implantação das actividades
produtivas e dos serviços implantados, de forma diferenciada e distinta, no tecido urbano e
peri-urbano. Finalmente, em qualquer sociedade, a mudança social, desenvolvida à sua escala
e no seu microcosmos próprio pela escola, constitui outra das funções primordiais da educação
e da escola que estamos a considerar.
O enunciado destes pressupostos não esconde o rol de dificuldades que, hoje em dia,
competem à escola, em particular, e à educação, em geral, no contexto das sociedades modernas
Jorge Carvalho Arroteia 125

e pós-industriais em que vivemos. Identificar as sensibilidades e os interesses das diversas


comunidades que residem nestes centros urbanos, bem como desenvolver projectos que
contemplem o desenvolvimento humano da população que as habita, qualquer que seja a
sua herança cultural e a orientação das suas expectativas pessoais e sociais, constitui um
dos desafios a que todos temos e devemos saber responder. Por estas razões, projectos
distintos têm vindo a ser aprofundados, considerando a especificidade das comunidades
urbanas no seu todo e o seu contributo na elaboração de projectos educacionais que
ponham em relevância a interacção dos seus moradores e o seu envolvimento em projectos
de interesse colectivo.
O exemplo a referir é o dos Territórios Educativos de Intervenção Prioritária – TEIP – criados
em 1996 (Despacho nº 147-B/ME/96, de 8 de Julho). De acordo com Costa, Neto-Mendes
e Sousa (2001, p. 17), os TEIP têm como objectivo geral a “promoção escolar da educação
básica, muito em particular das crianças e dos jovens em situação de risco de exclusão social
e escolar”, através de:
“a) Melhoria do ambiente educativo e da qualidade das aprendizagens e do sucesso dos
alunos;
b) Uma visão integrada e articulada da escolaridade que favoreça a aproximação dos
três ciclos do ensino básico, bem como da educação pré-escolar, favorecendo o
desenvolvimento e integração das múltiplas dimensões educativas (a educação de
adultos, a iniciação profissional, a educação especial, o apoio psicopedagógico e a
orientação escolar e profissional, a acção social escolar e a saúde);
c) A criação de condições que favoreçam a ligação da escola à comunidade e à vida
activa, designadamente ajustando a oferta educativa aos projectos das comunidades e
implicando e co-responsabilizando as comunidades nos processos educativos;
d) A optimização dos recursos, através da sua gestão integrada, ao serviço da ‘progressiva
coordenação das políticas educativas”.

O leque e calendário de iniciativas acima referidas estão definidos no Projecto Educativo


de Escola. A este respeito, evocamos Rodríguez (1992, p. 31), que defende caber à escola
um papel relevante na defesa e oferta de valores relacionados com a participação, a
liberdade, a responsabilidade, a justiça e a solidariedade. Mais ainda (Op. cit., p. 53), a sua
acção pedagógica fica enriquecida se cultivar a autodisciplina, a capacidade de reflexão, a
disponibilidade crítica, a alegria, a generosidade e o desejo de aventura. Estes aspectos,
se aliados à existência de recursos diferenciados, têm vindo a permitir o desenvolvimento de
iniciativas que se aglutinam em pressupostos teóricos e pedagógicos da cidade, como espaço
de aprendizagem, de socialização, de vivência colectiva, de integração e de aprofundamento
da cidadania, no âmbito de projectos relacionados com a “cidade educadora”.
Como nota Azevedo (2006, p. 52), “a cidade, lugar onde se concentra a maior parte dos
seres humanos sobre a terra, também pode ser pensada como pedagogia, como comunidade
de aprendizagem. E a pedagogia está no coração da cidade (…) porque a cidade reconhece a
centralidade do humano nos processos de desenvolvimento das pessoas e das comunidades
que fazem a cidade”. Tal entendimento vai ao encontro do que Rodríguez (1992, p. 68)
defendeu, considerando que a “função da escola centra-se em transformar, em levar os seus
126 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

alunos da informação à cultura; da dispersão à integração; da abundância de recursos à


auto-organização; das possibilidades tecnológicas à liberdade”.
Estas são algumas das razões que sugerem uma maior atenção à acção pedagógica e
educativa nos centros urbanos e nas respectivas áreas metropolitanas, bem como às
dinâmicas socioeducativas que aí se têm vindo a desenvolver, sobretudo no contexto actual,
marcado pelo aumento da sua atracção sobre as populações rurais e pela miscigenização
da sua população. Estes fenómenos sociais são acompanhados de processos específicos,
relacionados com o ordenamento do território, marcado pela desertificação crescente das áreas
identificadas com uma maior ruralidade, em detrimento das áreas urbanas dotadas de outras
oportunidades laborais, culturais e de protecção na assistência e saúde.
Se tomarmos em conta a realidade portuguesa e sua evolução próxima, verificamos que os
padrões de distribuição dos habitantes se têm vindo a alterar, devido não só à desertificação
de certas áreas rurais, mas também ao crescimento dos centros de maiores dimensões – as
cidades, as vilas e outras povoações –, que passaram a oferecer certos tipos de equipamentos
próprios das povoações de maior dimensão. Assim, de acordo com os dados do último censo
da população (INE, 2002, XLVII), verifica-se o seguinte:
· “Em 2001, cerca de 55% da população residia em lugares com 2000 ou mais habitantes
(558 lugares). A evolução na última década foi no sentido da concentração da população,
com a população residente em lugares com 2000 ou mais habitantes a crescer a um ritmo
4 vezes superior ao crescimento global da população, sendo que a população residente
em lugares de menor dimensão ou residuais decresce 8%.
· O Continente detém 96% da população residente nestes aglomerados, sendo que os
restantes 4% se distribuem de forma aproximadamente igual pela Madeira e Açores.
· A rede urbana de Portugal Continental é ainda em 2001 bastante desequilibrada,
caracterizada por uma macrocefalia bicéfala (sustentada nas Áreas Metropolitanas e
centrada em Lisboa e Porto) e por uma proliferação de aglomerações na faixa atlântica,
que se estende da Península de Setúbal ao Minho-Lima, concentrando 85% da população
e 76% dos lugares do continente (incluindo os principais vales sub-regionais).
· Em termos de hierarquia de lugares, destacam-se Lisboa e Porto (ainda que o primeiro
tenha mais do dobro dos residentes do segundo) e, se forem excluídos os aglomerados
interiores, as Áreas Metropolitanas (que detêm, no seu conjunto, 60% da população
do Continente a residir neste tipo de aglomerados); seguem-se Braga, Funchal,
Coimbra, Guimarães, Leiria, Évora, Faro e Aveiro. Relativamente aos aglomerados dos
Açores, é de notar que Ponta Delgada aparece apenas na 25ª posição, com cerca de
20.000 habitantes”.

O interesse pela especificidade da educação nos centros urbanos, particularmente nos de


maiores dimensões, constituídos por verdadeiros “mosaicos demográficos e culturais”, é um
assunto que tem vindo a ganhar novos adeptos com a criação do movimento internacional
das “Cidades educadoras”, fundado em 1990, em Barcelona, e regido pela adopção de uma
Carta de Princípios, que é representado pelas autarquias, com o objectivo de melhorarem a
qualidade de vida dos seus habitantes, “através da prioridade política ao investimento cultural
e à aprendizagem ao longo da vida” (AZEVEDO, Op. cit., p. 58).
Educação e desenvolvimento

A análise da evolução das sociedades, nas suas diversas dimensões, económica, cultural e
outras, tem vindo a merecer diversos tipos de explicação por parte de cientistas sociais. Assim,
a importância concedida à educação, como factor de crescimento socioeconómico e de
desenvolvimento humano, tem a ver com a constatação, no período seguinte ao da Segunda
Guerra Mundial, coincidente com a fase de reconstrução económica e social da relação
existente entre os níveis de crescimento económico e os investimentos em educação. De facto,
a relação entre a educação e o desenvolvimento económico foi entendida pelos fundadores da
Unesco, os quais, de acordo com Holmes (1983, p. 13), “lançaram a ideia de que a educação
podia permitir uma melhoria do nível de vida e assegurar a paz e a democracia”.
Outros organismos internacionais, entre os quais a OCDE, assim o entenderam e em
conferência internacional, promovida por este organismos, realizada em Paris, no ano de
1966 – “Conférence sur les politiques de croissance économique et d’investissement dans
l’enseignement”, tem vindo a ser aceite, muito embora os modelos desenvolvimentistas de então
tenham vindo a evoluir, realçando a oportunidade e interesse da articulação entre as políticas
educativas e as demais políticas sociais e de emprego, nomeadamente as que respeitam ao
desenvolvimento local e regional. A partir de então, diversos trabalhos e pesquisas promovidas
por este organismo internacional e por outras entidades têm chamado a atenção para este facto,
não obstante as flutuações recentes, relacionadas com a emergência de diferentes ciclos de
crescimento e de crise, chamarem a atenção para a existência de diferentes factores, promotores
deste processo, relacionando-o, em muitos casos, com as etapas de desenvolvimento
económico. Numa abordagem essencialmente económica, Rostow (1966) considera cinco
etapas fundamentais na sua evolução: sociedade tradicional, pré-condições para o arranque,
arranque, marcha para a maturidade e era do consumo de massas (Op. cit., p. 14).
Tendo presente que o crescimento económico e o desenvolvimento do ensino andam
associados e que este deve traduzir-se não só no desenvolvimento individual do aluno, mas
também no bem-estar económico e político da sociedade, Beeby (1967, p. 45) chama a atenção
para a existência de diferentes factores “que justificam o conservantismo num sistema escolar em
quase todos os níveis de desenvolvimento”. Serve-se, para tanto, do exemplo da classe docente
(Op. cit., p. 46-50), justificando essa situação na falta de metas nítidas: “as metas básicas da
educação são menos claramente definidas do que as da maioria das outras profissões (…)”;
compreensão e aceitação: “poucas reformas no conteúdo e no método de ensino têm qualquer
valor até que sejam compreendidas e aceites de boa vontade pelos professores que devem
aplicá-las (…); professores, o produto do sistema: “eles tendem a incorporar em si mesmos as
128 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

virtudes e os defeitos do sistema e, contudo, só através deles é que este pode ser reformado
(…)”; isolamento do professor e limite da habilidade dos professores”.
Passadas várias décadas sobre o enunciado destes problemas, devemos considerar a
emergência de novas questões educacionais, relacionadas com este tema. Assim nos recorda
Martins (1996, p. 151), ao afirmar que “não pode, contudo, ser atribuída uma importância
exagerada à educação no desenvolvimento económico, já que este dependerá de um conjunto
de factores políticos, económicos (nacionais e internacionais) e sociais”.
Mesmo assim, importa realçar como os indicadores nacionais e internacionais ilustram,
globalmente, as diferenças entre as regiões potenciadores de níveis de desenvolvimento mais
elevado e as que registam melhores níveis de escolarização e de ensino-formação dos seus
cidadãos. Esta constatação é evidente, sobretudo, no ciclo actual, marcado pela emergência
da globalização e da sociedade de conhecimento, em que a modernização dos sistemas
sociais e educativos e o domínio das novas tecnologias surgem como primeiros responsáveis
pela mudança social e inovação tecnológica, potenciadores de elevados níveis de instrução e
de bem-estar da população. Há, no entanto, que referir a necessidade de estudos parcelares,
conduzidos à escala regional e local, que podem pôr em causa a aplicação de certos tipos
de investimentos em educação e formação e o seu aparente não-retorno em termos de
empregabilidade dos cidadãos.
Contudo, como nos recorda Azevedo (1998), “a formação e a qualificação geral dos cidadãos
constituem um pré-requisito cada vez mais imprescindível em ordem à sua participação
social, numa sociedade crescentemente exigente em informação e, sobretudo, em termos de
conhecimento”. Assim se compreendem os esforços que assentam no pressuposto de que a
“educação é o motor do desenvolvimento”, gerando diferentes dinâmicas sociais, sobretudo a
nível local e através do estabelecimento de diferentes parcerias, convenientemente conduzidas,
e da interacção entre os cidadãos animados por diferentes tipos de solidariedades sociais e
territoriais. Neste sentido, pronuncia-se, igualmente, Costa (COSTA, DIAS, VENTURA, 2005,
p. 10), quando afirma que a valorização das políticas educativas locais “acaba por ser também
uma resposta às dificuldades que os sistemas centralizados, como o da educação, têm revelado
para gerir eficazmente a complexidade e a heterogeneidade resultantes da expansão da rede
e da massificação escolares, acrescentando assim os argumentos da necessidade técnica e
da eficácia às razões de natureza política e ideológica”.
As considerações anteriores não nos devem fazer esquecer outras vertentes deste processo,
dado que, como afirma Carneiro (1994, p. 9), “uma nação desenvolvida é, assim, aquela
que conjuga um Estado consciente da sua subsidiariedade e uma sociedade munida dos
mecanismos de auto-regulação suficientes para acarinhar o crescimento das liberdades
fundamentais em cuja ordem se inscreve, inequivocamente, a de ensino”.

Desenvolvimento humano
O assegurar uma educação que favoreça o desenvolvimento “pleno e harmonioso da
personalidade” de qualquer indivíduo, em particular da criança, colocando a acção educativa
no centro do próprio desenvolvimento humano, constitui uma das preocupações do nosso
sistema educativo. Para tanto, tem de recorrer aos pais e educadores, à sociedade em
geral e às instituições educativas, baseando-se, fundamentalmente, nos programas oficiais
Jorge Carvalho Arroteia 129

(sem esquecer, como é óbvio, os “curricula ocultos”), de forma a promover a “permanente acção
formativa, orientada para favorecer o desenvolvimento global da personalidade, o progresso
social e a democratização da sociedade”, como estipula a Lei de Bases do Sistema Educativo
Português (artº 1).
Assente na socialização pela família, pela escola, ou por acção dos grupos de amigos,
dos meios de comunicação social e da sociedade em geral, a escola desempenha um papel
preponderante na construção da personalidade do indivíduo e na sua orientação profissional.
Este facto tende a facultar o desenvolvimento da personalidade do aluno, colocando a acção
educativa no centro do próprio desenvolvimento humano, o que deveria constituir uma das
preocupações fundamentais do nosso sistema de ensino. Daí que se procure a colaboração
dos pais e dos demais educadores (e actores sociais), que devem facilitar, juntamente com a
escola, o cumprimento dos objectivos gerais do nosso sistema educativo. No seu conjunto, este
deve contribuir para uma adequada formação da pessoa humana, desenvolver a capacidade
de trabalho e proporcionar, com base numa sólida formação geral, uma formação específica
para a ocupação de um justo lugar na vida activa, que permita ao indivíduo prestar o seu
contributo ao progresso da sociedade, em consonância com os seus interesses, capacidade
e vocação (artº 3 – LBSE).
Sendo certo que o desenvolvimento humano não se circunscreve a um único domínio,
recordamos que a LBSE defende a integração da criança em grupos sociais diversos,
complementares da família (artº 5); a aquisição dos conhecimentos basilares que permitam o
prosseguimento de estudos ou a inserção do aluno em esquemas de formação profissional
(…) (artº 7) e o facultar de contactos e de experiências com o mundo do trabalho (artº 9).
Este aspecto tem a ver com a formação profissional, entendida como um complemento da
preparação para a vida activa, iniciada no ensino básico e completada pela aquisição de
conhecimentos e de competências profissionais, para responder às necessidades nacionais
de desenvolvimento e à evolução tecnológica (artº 19).
Factor relevante dessa formação é desempenhado pelos conteúdos de ensino (artº 47 –
LBSE), traduzidos na respectiva organização curricular. De facto, a necessidade de responder
às necessidades da realidade social, contribuindo para o desenvolvimento pleno e harmonioso
da personalidade dos indivíduos, incentivando a formação de cidadãos livres, responsáveis,
autónomos e solidários e valorizando a dimensão humana do trabalho (artº 2º – Lei 46/86),
está consignada em diversos artigos que integram a LBSE, em particular nos que definem os
objectivos da educação pré-escolar, do ensino básico e do ensino secundário.
No que à educação pré-escolar diz respeito, notamos que esta deve facultar uma formação
cuidada da criança, complementando a acção educativa da família, com a qual deverá
estabelecer estreita cooperação (artº 4). Por sua vez, o ensino básico (artº 7), de carácter
universal, obrigatório e gratuito, deve assegurar que, nesta formação, sejam “equilibradamente
inter-relacionados o saber e o saber-fazer, a teoria e a prática, a cultura escolar e a cultura
do quotidiano (…)”.
Estas são algumas das preocupações que estão expressas na referida Lei de Bases e que
devem complementar os ensinamentos ministrados no seio das instituições familiares, religiosas
e educativas, de forma a completar a prossecução dos objectivos sócio-afectivos, referentes
à transmissão de valores e de comportamentos relativos à convivência social e política, às
130 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

relações interpessoais, aos papéis sociais, à formação profissional, etc. e que completam o
desenvolvimento humano e social facultado pela Escola.
De acordo com Loureiro (1985, p. 11-27), cabe às instituições escolares estruturarem-se
de modo a assegurarem uma orientação das aprendizagens, mais no sentido da orientação
do desenvolvimento humano do que na transmissão de conteúdos didácticos, libertando-a,
deste modo, da influência da organização social dominante que nela vê, essencialmente, o
desenvolvimento da sua função económica e política. Nesta perspectiva, e de acordo ainda
com aquele autor, à escola caberá romper com um certo determinismo genético, promovendo
a descoberta das aptidões individuais, de forma a transformá-la, directa e primordialmente,
num centro de activação e orientação do desenvolvimento humano. Mais ainda, acrescenta
Costa (1981, p. 570) que “a educação contribuirá para o desenvolvimento na medida em
que souber gerar nos cidadãos uma capacidade crítica que os habilite a resistir à demagogia
e à manipulação e concorra para dignificar a função que cabe à crítica nas sociedades
democráticas”. Esta perspectiva reforça o sentido que Rocha (1996, p. 34) atribui aos valores
em educação e, particularmente, aos relacionados com a liberdade e a autonomia. A este
respeito, assinala (Loc. cit.), “parafraseando Le Senne, diríamos que educar para a liberdade e
a autonomia é educar para a humanização e personalização do homem”.
Contudo, anteriormente à Escola, o meio familiar dever ter desempenhado uma função
primordial no sentido de favorecer ao indivíduo os suportes indispensáveis à sua realização
pessoal e social, garantindo-lhe as condições necessárias para “aprender a ter” e “aprender
a ser”, no contexto da sociedade em mudança em que vivemos. Mudança esta que leva
o ser humano a sentir-se “permanentemente insatisfeito e desejoso de se ultrapassar em
todos os domínios” (ROCHA, 1988, p. 9). Contudo, prossegue o mesmo autor (Loc. cit.) que
“tal atitude acha-se – paradoxalmente? – ligada a um generalizado sentimento de crise e
frustação”, uma vez que “sonhos longamente acalentados tiveram de ceder à dura realidade
dos factos: os recursos da humanidade nem sempre lhe permitem atingir as metas sonhadas”.
Entre estas contam-se as questões relacionadas com os modelos de escola, a natureza das
aprendizagens, o sucesso escolar e educativo, o acesso, as condições de vida da população
escolar, etc.
Recorde-se que um dos primeiros entraves ao processo de democratização do ensino reside
na ausência da frequência escolar de parte da população, que se traduz no analfabetismo.
Daí que um dos indicadores, utilizados pelo PNUD sobre o desenvolvimento humano (IDH),
considere a esperança de vida e a alfabetização da população adulta (>15 anos) como os
primeiros indicadores do desenvolvimento humano, entendido não como uma acumulação de
riqueza, mas centrado nas pessoas. De acordo com este organismo (PNUD, 1990, p. 10-11),
o desenvolvimento humano “é um processo que consiste no alargamento das possibilidades
oferecidas a cada um”, relacionadas com a “formação das capacidades humanas, a saúde e
o saber, e o modo como o indivíduo as aproveita no seu trabalho e tempos livres”.

Desenvolvimento comunitário
O interesse pelos estudos e iniciativas orientadas para a população residente num
determinado território, unida por laços de solidariedade e interacção comuns, tem vindo a
aumentar particularmente no âmbito de trabalhos relacionados com a educação de adultos,
Jorge Carvalho Arroteia 131

a educação laboral e de iniciativas relacionadas com a formação ao longo da vida. Diversos


autores e instituições, nomeadamente as Nações Unidas, têm vindo a valorizar o progresso
social através do desenvolvimeno comunitário e educativo. De acordo com Grácio (1988, p. 19),
este deve responder “a uma vontade de transformação e de progresso que há nas populações
ou que desperte nelas por adequada intervenção”.
Para Carmo (1998, p. 5), este pode ser definido como o “processo tendente a criar
condições de progresso económico e social para toda a comunidade, com a participação
activa da sua população e a partir da sua iniciativa”. Sublinha o mesmo autor (Loc. cit.),
baseado em estudos de Ezequiel Ander-Egg (1980, p. 69), que o desenvolvimento comunitário
caracteriza-se como “uma técnica social de promoção do homem e de mobilização de recursos
humanos e institucionais, mediante a participação activa e democrática da população, o estudo,
planeamento, e execução de programas ao nível de comunidades de base, destinados a
melhorar o seu nível de vida”.
De acordo com Mascareñas (1996, p. 23), o desenvolvimento comunitário “supõe a realização
de actividades educativas relacionadas com o bem-estar da comunidade que as acolhe”.
Este bem-estar pode ser expresso através de diferentes concepções de desenvolvimento, de que
se destacam as de natureza sociocultural, relacionadas com a evolução da própria sociedade, e
que permitem distinguir diversos tipos. Segundo o mesmo autor (Op. cit., p. 28-29), este reveste
quatro aspectos distintos:
a) aspecto económico, relacionado com o funcionamento da actividade económica;
b) dimensão social, relacionada com o acesso à educação e à participação colectiva nos
processos de produção;
c) dimensão política, relacionada com a formação da população de acordo com as
ideologias no poder;
d) dimensão cultural, considerando o desenvolvimento global de cada homem e de todos
os homens.

Hoje em dia, os conceitos de desenvolvimento integram ainda outras preocupações, como


as de desenvolvimento integrado, concebendo-o como resultado da interacção complexa
de diferentes factores de ordem política, económica, social, cultural, biológica e tecnológica,
que nos remetem para as questões fulcrais do ecodesenvolvimento. Assim, de acordo com
Mascareñas (Op. cit., p. 30-31), o ecodesenvolvimento deve revestir as seguintes características:
integral e integrado, endógeno, ecológico, local, equilibrado e harmónico, de base popular,
cooperativo, social e cultural.
De facto, como nota Azevedo (2006, p. 30), “a educação desempenha um eixo central no
desenvolvimento comunitário se atentarmos no seu potencial de construção de individualidade,
de responsabilidade, de sociabilidade e de sentido de comunidade, de ‘saber viver juntos’
(UNESCO)”. Daí que o lançamento de iniciativas orientadas para determinados grupos de
cidadãos, reunidos em comunidades, exijam a participação dos mesmos, o levantamento das
necessidades de intervenção e um pensamento crítico e construtivo sobre essas necessidades
e a forma de as altrapassar.
Quanto às estratégias a seguir, tomamos duas referências: para Grácio (1988, p. 19), estas
devem “provocar ou aceitar a participação das comunidades, promover a sua autonomia” (…) e
132 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

passam pela articulação e integração de diferentes serviços e técnicos, facto que “não diminui o
seu papel, antes acrescenta as suas responsabilidades, reclamando atitudes de disponibilidade
em relação às populações”. Por sua vez, segundo Carmo (1998, p. 7), as estratégias de
desenvolvimento comunitário assentam num conjunto de princípios que passamos a indicar:
“· o princípio das necessidades sentidas, que defende que todo o projecto de desenvolvimento
comunitário deve partir das necessidades sentidas, pela população e não apenas das
necessidades consciencializadas pelos técnicos;
· o princípio da participação, que afirma que a necessidade do envolvimento assenta na
perspectiva do crescimento económico inerente a qualquer tipo de desenvolvimento.
Quer dizer, tem em conta a economia comunitária, enquanto a sua capacidade para gerar
rendimento e emprego ou para manter e incrementar a sua situação económica relativa”.
Para tanto, o desenvolvimento comunitário deve assentar num conjunto de princípios que
configuram as estratégias a seguir e o conhecimento profundo da população no processo
do seu próprio desenvolvimento;
· o princípio da cooperação, que refere como imperativo de eficácia a colaboração entre
o sector público e privado nos projectos de desenvolvimento comunitário;
· o princípio da auto-sustentação, que defende que os processos de mudança planeada
sejam equilibrados e sem rupturas, susceptíveis de manutenção pela população-alvo e
dotados de mecanismos que previnam efeitos preversos, ocasionados pelas alterações
provocadas;
· o princípio da universalidade, que afirma que um projecto só tem probabilidades de
êxito se tiver como alvo de desenvolvimento uma dada população na sua globalidade
(e não apenas subgrupos dessa população) e como objectivo a alteração profunda das
condições que estão na base da situação de subdesenvolvimento”.

Pelo seu interesse, transcrevemos, ainda, do mesmo autor três modelos distintos de
desenvolvimento comunitário, baseados em critérios geográficos, conceptuais e no estilo de
intervenção. O primeiro, assente numa tipologia geográfica, “parte da observação de regularidades
observadas em diferentes zonas do mundo, tipificando o Desenvolvimento Comunitário de acordo
com os modelos dominantes nas diversas regiões”, tais como: o tipo americano, afro-asiático,
latino e europeu. Cada um deste tipos atende a situações específicas, tais como os bairros
dormitórios, as escolas comunitárias, os centros de saúde; os recursos naturais e as condições
estruturais e económicas; as assimetrias regionais e os processos de desenvolvimento regional
(Op. cit., p. 9). Para cada uma destas situações, são definidos diferentes objectivos de intervenção,
tais como a criação de comunidades humanas, assentes na cooperação; reconstrução da
estrutura social e económica; e a superação dos contrastes regionais ou a utilização do
desenvolvimento comunitário como meio dinamizados do próprio desenvolvimenro regional.
Para além dos objectivos concretos, são definidas estratégias distintas de modo a alcançar
os objectivos anteriormente assinalados.
Ainda de acordo com o mesmo autor (Op. cit., p.10), a tipologia conceptual, proposta por
Manuela Silva, distingue três tipos de intervenção:
· “tipo integrado correspondente, na tipologia anterior, ao afro-asiático, caracterizado pela
aplicação das técnicas de desenvolvimento comunitário à escala nacional;
Jorge Carvalho Arroteia 133

· tipo adaptado, análogo ao europeu, sempre que o projecto tenha escala regional;
· tipo projecto-piloto, semelhante ao latino e ao americano, quando a escala de intervenção
é mais restrita.”

Finalmente, transcrevemos do mesmo autor ((Loc. cit.) a tipologia dos modelos de intervenção
de Jack Rothman (1987), consentâneos com algumas das preocupações sociais, na actualidade.
São eles:
“· modelo de desenvolvimento local, caracterizado por uma intervenção muito localizada
(perspectiva microssocial), orientada para o processo de criação de grupos de auto-ajuda
em que o interventor assume um papel facilitador com uma forte componente socio-
educativa;
· modelo de planeamento social, caracterizado por uma intervenção de componente meso
e macro mais evidente, voltada para a resolução de problemas concretos (orientação para
o resultado), em que o interventor assume um papel de gestor de programas sociais;
· modelo de acção social, caracterizado por uma intervenção de perspectiva integrada
(macro, meso, micro), orientada para a alteração dos sistemas de poder em presença,
em que o interventor assume um papel de activista, advogado do sistema-cliente e
negociador, aproximando-se da figura do militante dos direitos cívicos”.

Havendo diferentes concepções sobre o desenvolvimento comunitário, não admira a


diversidade de temas que têm preocupado os cientistas sociais. Carmo (Op. cit., p. 17)
agrupa-as em cinco grandes grupos:
· aspectos teóricos, metodológicos e políticos;
· aspectos relacionados com a saúde comunitária;
· questões relativas às minorias;
· trabalho com crianças e jovens;
· apoio à família.

No seu conjunto, o tratamento destes temas exige uma formação teórica e metodológica
adequada e aprofundada, tendo em conta os diferentes contextos societais e humanos que
impelem a intervenções distintas no âmbito da educação e da formação.

Desenvolvimento socioeconómico
As relações entre a educação, a formação e o desenvolvimento constituem um dos temas de
maior interesse, tendo em conta a evolução da sociedade actual e os desafios relacionados com
a abertura que a caracteriza. Neste caso, a formação dos recursos humanos, se devidamente
orientada para as necessidades do país, desempenha um papel relevante, como motor deste
processo. De facto, como assinala Martins (1999, p. 99), “verifica-se existir uma relação forte
e plurifacetada entre educação e economia (…), não se assumindo, contudo, a educação
como factor determinante na estrutura e rumo seguido pela economia, mas mostrando-se
indispensável a sua acção, quer adequando a mão-de-obra ao sistema de emprego e
tecnológico, quer socializando em comportamentos exigidos pelo sistema produtivo e pelo
sistema de disfuncionalidades, como é o caso do desemprego”.
134 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

De acordo com Lopes (1987, p. 18-19), o desenvolvimento “tem que ver com as pessoas”
e impõe “condições de ordem qualitativa – desequilíbrio, de harmonia, de justiça social – cuja
verificação vai depender grandemente da racionalidade que seja possível impor à organização
espacial da sociedade”. Deve ser encarado em duas perspectivas, distintas e complementares,
a temporal e a espacial e avaliado em termos quantitativos e qualitativos; a primeira tem a ver
com a utilização de indicadores de bem-estar; a segunda, com a satisfação das pessoas.
Observa, ainda, o mesmo autor (LOPES, 1989, p. 10) que “não há desenvolvimento se não
houver desenvolvimento regional”, assente no traçado de regiões, estendidas como “entes,
sujeitos, do processo de desenvolvimento” (Op. cit., p. 11), como “unidades de aglomeração
especializada das gentes” (Loc. cit.), atraídas por processos mobilizadores e participados.
Não havendo concordância em relação à importância dos diversos factores promotores
deste processo, é, no entanto, reconhecida a importância da educação como potenciador
do desenvolvimento da sociedade. De acordo com Costa (1981, p. 565), a educação pode
contribuir para o desenvolvimento não só através da transformação dos “padrões culturais que
entravam a inovação requerida pelo crescimento económico”, mas também pela formação de
mão-de-obra que possa “munir-se de aptidões e qualificações necessárias à economia”. Estas
acções são relevantes na promoção do desenvolvimento sustentável, conceito que abarca
a satisfação das “necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as futuras
gerações satisfazerem as suas próprias necessidades” (Relatório de Gro Harlem Brundtland,
para a Comissão Mundial da ONU sobre “Meio Ambiente e Desenvolvimento” – 1987).
Tal passa pela utilização de estratégias que traduzam um maior equilíbrio entre os seres vivos,
em particular o Homem e a natureza, bem como em relação ao consumo.
Em termos gerais, as preocupações em torno do “desenvolvimento sustentável” – em que o
desenvolvimento humano se assume como um dos pilares do desenvolvimento, conjuntamente
com “a melhoria das condições de existência das futuras gerações, assim como o respeito
dos meios naturais de que depende a vida na Terra (DELORS, 1986, p. 71) – agrupam-se em
seis grandes domínios:
· satisfação das necessidades básicas dos cidadãos: educação, saúde, alimentação,
lazer, etc.;
· solidariedade com as gerações futuras, nomeadamente no que respeita à preservação
ambiental;
· participação colectiva na preservação ambiental;
· preservação dos recursos naturais;
· construção de um sistema social com base no emprego, na segurança social e no
respeito pela diversidade cultural;
· desenvolvimento de programas educativos relacionados com os temas anteriores.

Tendo presente a realidade do nosso país, e à semelhança do que notaram Carron e Chau
(1981, p. 11), em Portugal foi há muito notada uma relação muito directa entre “as disparidades
regionais em educação e o processo de desenvolvimento económico, social e cultural”. Bastará,
para o efeito, recorrer ao estudo, já antigo, de Caldas e Loureiro (1966, p. 144), que aponta a
existência (numa perspectiva de dinâmica do desenvolvimento) de quatro grandes manchas
que, longitudinalmente, decompõem o país em outras tantas zonas: as regiões I, II, III e IV”, que
Jorge Carvalho Arroteia 135

realçam manchas territoriais marcadas por défices crescentes de bem-estar económico e social.
Esta constatação foi corroborada por outros estudos (SEARL, 1980), onde se reconheceu o
acentuar daquelas assimetrias e uma hierarquização dos distritos do litoral, onde “Lisboa ocupa
uma distância (distanciada) da primeira posição, seguida do Porto por sua vez, também muito
afastado dos restantes distritos” (Op. cit., p. 82).
Análises mais recentes mostram o agravar destas tendências. Quanto à distribuição
global da população escolar, esta apresenta semelhanças à dos habitantes, comprovando
“as disparidades existentes entre o centro e a periferia e, sobretudo, entre as áreas rurais
e urbanas, onde a maior concentração de equipamentos culturais reforça os efeitos, já
acumulados, resultantes de um desigual crescimento económico” (ARROTEIA, 1984, p. 122).
Contudo, se tivermos em conta os dados mais recentes, relacionados com o último censo
da população, podemos encontrar situações controversas em relação ao emprego e à sua
polarização. Assim revela o índice de polarização de emprego, calculado através da relação:
população empregada na unidade territorial/população residente na unidade territorial e
empregada (INE, 2002, XLIX), em 2001, em que se destaca:
· “Em 2001, a geografia do índice de polarização de emprego revelava um número reduzido
de regiões com potencial de atracção de mão-de-obra distribuídas quer pelo litoral,
quer pelo interior. Das regiões do litoral destaca-se a Grande Lisboa, centro económico
do país, o arco delineado pelas regiões que integram Porto – Ovar – Aveiro, o sistema
produtivo do Pinhal Litoral centrado em Leiria e Marinha Grande e a região algarvia cujo
dinamismo assenta no turismo. As regiões fronteiriças com potencial de atracção de
mão-de-obra são regiões demograficamente em declínio, excepção feita ao Alentejo
Central, cuja geografia encerra realidades muito diferenciadas.
· Destacam-se, ainda, pelo défice de emprego que apresentam, a Península de Setúbal e
o Cávado, regiões funcionalmente integradas nas Áreas Metropolitanas, e o Pinhal Interior
Norte, polarizado pelo Baixo Mondego e Pinhal Litoral.
· Note-se que a generalidade das regiões que apresentam, em 2001, índices de polarização
de emprego inferiores a 1 traduzem um agravar dessa situação deficitária face a 1991,
ou decaíram mesmo de situações de superavit para situações deficitárias (sendo a
situação apresentada por algumas sub-regiões do Norte mais ilustrativa). Por outro
lado, as sub-regiões polarizadoras de mão-de-obra, em 2001, apresentam, face a 1991,
trajectórias distintas: consolidação da posição de pólos atractivos (Lisboa e Beira Interior
Norte); emergência de novos pólos (Alentejo Central e Entre Douro e Vouga); e perda da
capacidade de polarização, mantendo-se um quadro de superavit (restantes sub-regiões,
sendo a trajectória do Baixo Alentejo a mais expressiva).”

Esta realidade leva-nos a reflectir sobre os diferentes tipos de investimentos, sociais,


educacionais, formativos e outros, aplicados no território onde estas unidades se inserem.
Sugere-nos, ainda, uma avaliação cuidada da natureza dos projectos que os suportam e da
sua relação directa com as necessidades e as expectativas da população. Uma vez que foi
possível detectar o conjunto de fragilidades anteriormente referidas, convém recordar que a
frequência e os resultados escolares dependem não só da acessibilidade física (proximidade
dos equipamentos educativos), mas também de outros tipos de acessibilidade: a económica e a
136 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

cultural. A primeira depende, como o sabemos, fundamentalmente do nível de vida e dos custos
das deslocações e, a segunda, da “auto-eliminação” e “inibição cultural” de certos grupos sociais,
decorrentes da organização social e do trabalho (CARRON, CHAU. in: IIPE, 1982, p. 44).
Como factor responsável pelo atenuar de algumas destas assimetrias, temos diversos
tipos de experiências internacionais (INSTITUT DE LA MÉDITERRANÉE, 1997, p. 3) –, que
consideraram “o investimento na educação e na formação como chave do crescimento e do
progresso –, bem como o alargamento da rede de estabelecimentos de ensino superior que
tem sido encarado como um factor indispensável do desenvolvimento da nossa sociedade e
das mudanças sociais que a caracterizam.
Entre nós, o processo de expansão da rede dos diferentes níveis de ensino, principalmente
no ensino superior (universitário e politécnico), registou-se com maior intensidade no decurso
das duas últimas décadas, com a criação de novas instituições de ensino e investigação nos
principais centros urbanos, em especial nas capitais de distrito, bem como noutras cidades de
menores dimensões. Tal facto melhorou o acesso da população estudantil, sobretudo dos
alunos detentores de menor ‘capital’ social e cultural, à educação terciária. Por outro lado, tem
vindo a melhorar a formação de recursos humanos, que, inseridos no sistema produtivo, têm
vindo a contribuir para a consolidação do tecido empresarial e para a inovação tecnológica em
diversos sectores de actividade. Tal realidade parece corresponder ao que Martins (1996, p.
39) entende como sendo um imperativo do processo de mudança de uma sociedade industrial
para uma sociedade de informação, vindo o sistema de ensino a dar “respostas, quer quanto
ao tipo de formação, quer quanto aos conteúdos curriculares (…)”.
Na situação presente, o panorama do ensino superior tem sido, entre nós, não só o responsável
pelo crescimento dos centros urbanos, onde se instalaram os novos estabelecimentos de
ensino, e, consequentemente, pela animação dos circuitos económicos regionais, mas também
pela cobertura alargada da rede escolar de instituições de ensino, universitário e politécnico –
de natureza pública, particular, cooperativa e concordatária – e pela abertura deste sistema
a uma população diversificada nos seus interesses e origens geográficas e sociais. Daí que
reconheçamos as vantagens que o alargamento desta rede teve num país como o nosso,
marcado por taxas ainda elevadas de analfabetismo, de incumprimento de estudos, a nível do
ensino obrigatório, e de uma escolarização deficiente a nível do ensino secundário e os seus
efeitos no processo de democratização do ensino e da sociedade portuguesa.
Como em tempo reconheceu Costa (1981, p. 571), “o sistema de ensino será ou não um
instrumento de equidade consoante ofereça possibilidades reais de acesso generalizado
ou conduza a um processo educativo selectivo que consolide ou acentue as desigualdades
sociais e regionais”. Até porque, acentua o mesmo autor (Loc. cit.), “os pobres do PNB
e os pobres do sistema educativo são os mesmos”. Mais ainda, importa ter em conta os
múltiplos agentes e factores de natureza regional, que, à semelhança do que referimos sobre
o índice de polarização do emprego, podem pôr em causa alguns dos pressupostos teóricos
anteriormente referidos.
Defende a Constituição da República Portuguesa e a própria Lei de Bases do Sistema
Educativo que compete ao Estado “promover a democratização do ensino, garantindo o direito
a uma justa e efectiva igualdade de oportunidades no acesso e sucesso escolares “ (artº 2).
Na prossecução destes objectivos, o sistema educativo deverá organizar-se de forma a:
Jorge Carvalho Arroteia 137

· “(…) descentralizar, desconcentrar e diversificar as estruturas e acções educativas (…);


· (…) contribuir para a correcção das assimetrias de desenvolvimento regional e local,
devendo incrementar em todas as regiões do país a igualdade no acesso aos benefícios
da educação, da cultura e da ciência;
· (…) assegurar a igualdade de oportunidades para ambos os sexos (…);
· (…) contribuir para desenvolver o espírito e a prática democrática (…) (artº 3).

Por sua vez, o texto da Constituição Europeia aponta, no seu artº I-3, que “a União trabalha
para o desenvolvimento sustentável na Europa, fundado no crescimento económico equilibrado e
na estabilidade de preços, na economia social de mercado altamente competitiva, que favorece
o primeiro emprego e o progresso social, e um nível elevado de protecção e de melhoria da
qualidade do ambiente. Promove o progresso científico e técnico”. Complementarmente,
compete à União promover “a coesão económica, social e territorial, e a solidariedade entre
os Estados-membros”.
As questões relativas ao desenvolvimento socioeconómico, cultural e científico da Europa
constituem uma das preocupações da Cimeira de Lisboa, em que os países membros da UE
manifestaram a sua ambição, entre 2005 e 2015, de “tornar a Europa na economia, baseada
no conhecimento, mais dinâmica e competitiva do mundo, capaz de garantir um crescimento
económico sustentável, com mais e melhores empregos e com maior coesão social”.

Ensino superior e desenvolvimento regional


De acordo com um estudo da OCDE (1987), sobre o contributo da educação no desenvol-
vimento socioeconómico, “alguns países da OCDE utilizam o ensino como factor de promoção
de sectores industriais e emprego, bem como do desenvolvimento regional” (Op. cit., 15), sendo
que “o desenvolvimento e difusão da tecnologia como instrumento da política regional parecem
ser objecto de crescente atenção” (Loc. cit.).
Entre nós, a expansão crescente da rede de ensino superior em Portugal, registada depois de
Abril de 1974, é, igualmente, indissociável do processo de modernização e de democratização
da sociedade portuguesa verificado desde então. Tal facto tem-se manifestado não só no
aumento de estabelecimentos de ensino superior e no acréscimo de alunos, mas também numa
maior cooperação destas novas instituições de ensino com o tecido produtivo, com os serviços
e as empresas sedeadas na sua área de influência. Por outro lado, o alargamento desta rede
de formação tem sido acompanhado de numerosos investimentos públicos e privados, cujos
efeitos se têm feito sentir na animação dos centros urbanos e dos circuitos económicos locais,
com reflexos evidentes no processo de desenvolvimento regional.
Independentemente destes aspectos, a acção deste subsistema de ensino deve ser apreciado
tendo em conta o seu contributo na formação dos recursos humanos (nas suas vertentes de
formação inicial e contínua) e também na partilha da inovação tecnológica entre os novos
estabelecimentos de ensino e as empresas. De facto, como assinala Costa (2003, p. 44),
“haverá que estabelecer uma nova relação entre o ensino superior e o mundo do trabalho, em
termos de se conseguir um esforço conjunto de resposta a este grande desafio, o que passa
por se aceitar maior flexibilidade nos processos de formação e nos mecanismos de atribuição
de qualificações”.
138 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

A apreciação conjunta destes aspectos permite delinear a área de influência das redes de
formação já estabelecidas, permitindo o traçado de grandes “territórios” onde cada uma das
instituições exerce a sua acção com maior intensidade. Em nosso entender, a afirmação destes
territórios é um poderoso factor de desenvolvimento local, sendo, por isso, um dos meios de
avaliação destas instituições e do próprio subsistema de ensino superior.
Globalmente, podemos afirmar que, contrariamente ao que se verificou em muitos outros
países, a expansão do ensino superior em Portugal é um fenómeno recente, registado na nossa
sociedade depois dos anos sessenta. Acentuou-se desde então, em resultado do crescimento
económico e das transformações sociais entretanto operadas, das quais se destaca o processo
de democratização da sociedade portuguesa. Este foi o grande responsável pelo aumento
crescente da procura social da educação em todos os níveis de ensino, pelo alargamento da
rede escolar e pelo acréscimo das expectativas de mobilidade social da população.
Independentemente de outros factores que terão favorecido este fenómeno, relembramos,
depois da publicação da Lei nº 46/86, o alargamento do “ciclo de vida” escolar de seis para nove
anos, facto que acabou por influenciar, através do “efeito de onda”, um acréscimo ainda maior
de alunos nos ensinos secundário e superior. Acompanhando esta tendência, o subsistema
de ensino superior respondeu com a expansão e a diversificação da rede escolar depois da
criação das novas universidades e dos institutos superiores politécnicos. De realçar que o
crescimento da população escolar neste nível de ensino traduz as expectativas da sociedade
e de alguns dos seus segmentos mais dinâmicos, que têm depositado muitas esperanças nas
novas formações de índole terciária. Basta recordar a LBSE e as responsabilidades atribuídas
a este subsistema de ensino no seu conjunto.
A existência de um grande número de assimetrias e desequilíbrios espaciais entre as regiões
rurais e urbanas, do litoral e do interior, do norte e do sul do país, constitui um fenómeno bem
conhecido, que nos dispensamos de aprofundar. Diversos textos oficiais têm vindo a abordar esta
temática, realçando essas diferenças ou chamando a atenção para o problema da formação dos
recursos humanos, considerados como factor indispensável ao desenvolvimento regional. Entre
outros textos, recordamos os que dizem respeito à criação do ensino superior politécnico, que dão
particular destaque à formação de “profissionais de perfil adequado” de que o país “carece para o
seu desenvolvimento”. Estes documentos referem que estes novos estabelecimentos de ensino
devem “colaborar directamente no desenvolvimento cultural das regiões onde estão inseridos”,
bem como “prestar serviços à comunidade, como forma de contribuição para a resolução de
problemas, sobretudo de carácter regional, nelas existentes” (Decreto-Lei nº 513-T/79).
O enunciado destes princípios realça as expectativas criadas na ampliação da rede do
ensino superior, universitário e politécnico (não só de natureza pública, mas também do ensino
particular e cooperativo), que cobre largamente todas as regiões do nosso país.
Uma análise mais detalhada, incidindo sobre os investimentos realizados, mostrar-nos-ia
que, apesar dos gastos na edificação de novas escolas, muitos outros investimentos foram
efectuados na construção de infra-estruturas de natureza científica, cultural e social, contribuindo,
assim, para melhorar a qualidade do ensino e para fixar a população docente e discente.
Estes acontecimentos acabaram por reforçar a importância regional de alguns desses centros de
ensino superior, que, de forma global, beneficiaram do aumento da procura social da educação,
do alargamento da rede e dos investimentos públicos e privados aí realizados. No seu
Jorge Carvalho Arroteia 139

conjunto, a consolidação destes centros de ensino superior ficou, igualmente, assinalado pelo
alargamento das áreas e dos domínios de formação, bem como pela abertura das escolas à
comunidade através da prestação de serviços e da orientação dos cursos para as necessidades
do tecido produtivo local. Eventualmente, regista-se, ainda, a participação das novas escolas
no desenvolvimento de projectos de investigação, em articulação com as empresas e com os
outros parceiros sociais localizados na sua área de influência.
Estes considerandos são, genericamente, válidos, quer para as instituições universitárias,
quer para outras de natureza politécnica, havendo bons exemplos desta cooperação técnica
e científica que virá a contribuir para a implantação de novas redes de formação, bem como
para a fixação de quadros e para a transferência de conhecimentos que muitas das empresas
reclamam como indispensável para a viabilização e expansão das suas actividades. Note-se
que a acção do ensino superior não se esgota nas funções anteriores, havendo, igualmente,
que assinalar a sua contribuição na formação de recursos humanos em actividades de formação
inicial e permanente.
Compulsando alguns indicadores de frequência, podemos verificar que, mesmo assim, são
diversas as assimetrias que acompanham a repartição dos alunos por estabelecimentos de
ensino e cursos (ARROTEIA, 1996). O mesmo poderíamos assinalar quanto à abertura dessas
escolas superiores à comunidade, traduzida no desenvolvimento de projectos de I&D e cujos
efeitos se farão sentir nos resultados dessas empresas e no reforço da capacidade de atracção
de alunos e na fixação de professores.
Registe-se que a procura de muitos destes centros continua, mesmo assim, a revelar-se
pouco acentuada, em detrimento dos centros universitários tradicionais, onde a diversidade de
cursos e de estabelecimentos de ensino continua a atrair grande parte da população estudantil,
agravando, por conseguinte, os desequilíbrios já conhecidos na sociedade portuguesa. Embora
alguns dados actuais, relativos à frequência de alunos ou mesmo à natureza dos investimentos,
venham a realçar estas assimetrias, sugerimos a apreciação, conjunta, de outros factores, que,
a serem devidamente considerados, nos ajudarão a avaliar os efeitos do ensino superior no
processo de desenvolvimento do território.
Vejamos alguns aspectos desta tipologia de análise.

Formação dos recursos humanos


A apreciação da carta do ensino superior em Portugal realça a persistência de diversos
desequilíbrios, sociais e sectoriais, que caracterizam a sociedade portuguesa na actualidade.
Tal facto pode ser atestado não só pela localização dos estabelecimentos no território, mas
também pela frequência dos alunos, fazendo-nos recordar a existência de fortes assimetrias
de crescimento e de desenvolvimento económico e social.
Sendo já clássica a divisão do país em duas grandes áreas, com características sociais e
humanas, económicas e de relação distintas (representadas pela faixa litoral, de Braga a Setúbal
e Algarve, e a restante, pelo interior do país), será fácil compreender os fenómenos sociais que
lhes andam associados. Recordamos apenas os movimentos relacionados com as migrações
internas em direcção aos grandes centros ou mesmo as saídas para o exterior, fenómeno
que, durante mais de duas décadas, contribuiu fortemente para uma das mais poderosas
“hemorragias sociais” que afectaram a sociedade portuguesa.
140 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Para além destas características, diversos indicadores relacionados com a escolarização –,


tais como as taxas de frequência dos diferentes grupos etários, as taxas de repetência, as
taxas de abandono (sobretudo no termo da escolaridade obrigatória), a taxa de prosseguimento
de estudos, no ensino superior, e a taxa de escolarização, no grupo etário 18-24 anos –
o analfabetismo, a qualificação da mão-de-obra, a repartição dos quadros técnicos,
etc., poder-nos-iam ajudar a compreender melhor as restantes distorções que afectam o
território nacional.
Embora não cabendo ao ensino superior corrigir, em absoluto, essa situação, temos
verificado a importância dos novos estabelecimentos de ensino superior como potenciadores
do desenvolvimento local. E como se depreende da leitura da LBSE, e de muitos outros
documentos oficiais, espera-se o seu contributo para o desenvolvimento sectorial de algumas
actividades produtivas. Tal será alcançado através do ajustamento dos cursos ao perfil das
estruturas dominantes na região e à cooperação entre os sistemas produtivo e o educativo.
Assim acontece com muitos exemplos retirados da actual rede de formação, universitária e
politécnica, cujo desempenho actual parece mostrar este tipo de relação.

Natureza das aprendizagens


A apreciação de diversos indicadores – que não só os indicadores económicos, sociais
e culturais –, relativos à distribuição dos diplomados pelo ensino superior no território, são
relevantes para compreender os contrastes “centro-periferia” que caracterizam, ainda hoje, a
sociedade e o território nacional. Da mesma forma, esta análise permitir-nos-ia assinalar os
contrastes que existem entre as duas principais áreas metropolitanas, de Lisboa e do Porto, e
os restantes centros urbanos do continente.
Sendo certo que, embora a maior parte dos centros de maiores dimensões se distribua
pelo litoral, esta área do continente não é, contudo, uma “área com um desenvolvimento
homogéneo nem o interior é uma região deprimida na sua totalidade”. Com efeito, tomando
o exemplo dos diferentes distritos do continente, verificamos a existência de diversos núcleos
com níveis e ritmos de crescimento muito diferenciados e, por isso, exigindo terapias de
correcção diversificadas.
No seu conjunto, e sem nos referirmos à problemática da regionalização, entendemos
que um dos pressupostos teóricos do desenvolvimento regional poderá ser assegurado pela
acção da complexa, e já densa, rede de estabelecimentos do ensino superior, universitário
e politécnico, que cobre o país. Neste último caso, ao favorecer o recrutamento regional
de estudantes, o ensino politécnico está a dar mais um passo para a fixação dos quadros
indispensáveis à consolidação de muitas das suas actividades produtivas. E ao fazê-lo, o Estado
mais não está do que a cumprir um dos princípios fundamentais da Constituição da República
Portuguesa (artº 81), que defende caber ao Estado “promover o aumento do bem-estar social
e económico e da qualidade de vida das pessoas, em especial das mais desfavorecidas, no
quadro de uma estratégia de desenvolvimento sustentável”.
Estes princípios deverão promover “a correcção das desigualdades”, favorecendo, em
simultâneo, a democratização do ensino, como prevê a Constituição da República Portuguesa
e a Lei de Bases do Sistema Educativo.
Jorge Carvalho Arroteia 141

Partilha da inovação
Desempenhando as instituições de ensino superior um papel relevante no processo
de desenvolvimento da sociedade, parece-nos ser imprescindível relacionar a capacidade de
inovação de qualquer sistema social, e das próprias instituições educativas, com o tipo de
organização e a estrutura do sistema educativo. Assim, ao pensarmos nos factores que, hoje
em dia, afectam a configuração dos sistemas educativos, dominados por um conjunto de
interacções, “obedecendo a uma lógica particular”, não devemos esquecer a “procura social da
educação” e a “explosão escolar” que, de forma mais ou menos constante, mas diversificada,
consoante os níveis de ensino, têm vindo a modificar os padrões de funcionamento, a gestão
e a eficácia daqueles sistemas.
Neste caso, ultrapassado o período em que a educação formal era privilégio de alguns, a
democratização do ensino e o consequente processo de “massificação da escola” trouxeram
novos problemas – pedagógicos, institucionais e humanos –, aos quais nem sempre, de forma
satisfatória, os novos modelos de organização e de gestão conseguiram responder. Trata-se de
uma consequência inevitável, decorrente do aumento da população e da complexificação das
organizações escolares, que, embora condicionadas pela evolução dos recursos disponíveis,
não têm sido correspondido pelo aumento da qualidade dos serviços educativos. Contudo,
como é geralmente reconhecido, o aumento da procura social da educação constitui um dos
problemas actuais, surgindo a escola “como uma necessidade para responder às necessidades,
cada vez mais variadas”, da nossa sociedade.
Este fenómeno tem vindo a acentuar-se em diversos contextos e corresponde à maior
necessidade de formação de quadros e ao papel da educação como factor de mobilidade e
de promoção social. Daí decorre, como nota Haag (1981, p. 24), que a educação possa ser
considerada como um “bem de investimento” (…) “um dos elementos residuais que contribui
para o aumento da produtividade do factor de produção – trabalho –, condição necessária
para o crescimento do PNB” .
Por outro lado, a procura de instrução, decorrente do aumento do nível de vida, tem
alimentado cada vez maiores fluxos escolares, podendo ser considerada como um poderoso
“bem de consumo”, não obstante os meios, os métodos e os resultados alcançados porem,
frequentemente, em causa a eficácia dos sistemas de ensino. Compreendem-se, portanto, as
expectativas que se colocam nas instituições de ensino superior e nas suas relações com o
meio. Daí que o conhecimento e o envolvimento da comunidade sejam imprescindíveis para que
estas escolas, como sistemas abertos que são, possam cumprir as performances necessárias
ao cumprimento total das suas funções de ensino, de formação e de investigação e à sua
inserção na comunidade.
Note-se que a limitação de recursos e a sua desigual distribuição no território constituem
outro tipo de problemas que impedem esta acção. Com efeito, embora a “autonomia institucional
e a participação da colectividade” sejam considerados como um dos mais importantes
desafios que se colocam à gestão dos estabelecimentos de ensino superior, estes são também
requisitos essenciais para a melhoria das condições do ensino, para inovação e para a melhoria
da qualidade que se pretende imprimir no processo ensino-aprendizagem e à transferência
de conhecimentos entre as instituições de ensino superior e as demais instituições, de índole
social, cultural e empresarial.
142 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Realçamos, a este respeito, a importância da investigação científica nestes processos


de mudança, bem como as barreiras impostas pela própria estrutura produtiva nacional,
constituída por um tecido onde predominam as pequenas e as médias empresas, com uma
fraca participação nas actividades de I&D e uma fraca participação de investigadores e de
técnicos qualificados em muitos sectores produtivos nacionais.

Re-socialização dos saberes


Ao aceitarmos a importância crescente dos diversos actores sociais (pais e professores,
empresários e investigadores, técnicos e operários) no processo de mudança e de inovação
social e tecnológica, logo nos ocorrem as profundas alterações que os sistemas produtivos
têm vindo a experimentar, incentivando a auto-formação dos seus quadros.
Neste contexto, e para além de agente activo de socialização, a escola deverá promover
a aprendizagem de novos “saberes” e papéis que facilitarão a integração dos formandos na
vida profissional. Nestas circunstâncias, tendo presente a evolução da própria sociedade e
a obsolescência constante dos saberes, a oferta da formação permanente surge como uma
necessidade imposta não só por razões educativas, mas também porque ela induz novas
actividades de investigação, relacionadas com o desempenho da profissão.
A este respeito, estamos de acordo com Sanyal (1988), quando este defende a articulação
entre a educação e o trabalho, como factor indispensável à melhoria dos laços entre os
sistemas produtivo e educativo: “isto exige que o sistema educativo seja capaz de satisfazer
as necessidades do sector produtivo mas também que este último manifeste disponibilidade
para acolher os alunos saídos do sistema educativo cada vez mais complexo e diversificado”.
Estes aspectos reforçam a importância da cooperação entre o ensino superior e a indústria,
por via da realização de projectos comuns, de contratos de investigação, de bolsas de
investigação, etc., sendo de notar o seu contributo no desenvolvimento de acções de formação
permanente, vocacionadas para os quadros técnicos destas instituições. E esta será uma
aposta decisiva a prosseguir no futuro, apesar dos muitos obstáculos que a esta cooperação
se continuam a levantar.
A título meramente informativo, recordamos os seguintes:
· diferenças e, por vezes, conflitos entre os valores (e os objectivos) universitários e os
valores (e objectivos) da indústria;
· rigidez das estruturas universitárias, o que conduz, muitas vezes, a uma ausência de
diálogo entre as diversas disciplinas;
· quadro legislativo e administrativo pesado nas universidades, o que resulta em processos
de decisão identificados por uma certa lentidão.

Não obstante estas dificuldades, muitos dos projectos de parceria em curso mostram que as
actuais exigências do desenvolvimento económico, social e cultural reclamam de cada indivíduo
uma formação contínua, não somente “pelo prazer de melhorar os seus conhecimentos
(…) mas também pelo prazer de aperfeiçoar as necessidades da sociedade e de lhes oferecer as
potencialidades máximas de uma colectividade educada” (RASSEKH, VAIDEANU, 1987, p. 144).
Referindo-se aos sistemas educativos, os mencionados autores (Op. cit., p. 141) entendem
que educação permanente “constitui uma resposta original e adequada aos desafios da nossa
Jorge Carvalho Arroteia 143

época”, sendo o único meio a preparar os cidadãos para “participar na defesa dos seus direitos
e dos valores fundamentais de uma sociedade democrática”. Em nosso entender, esta é uma
questão fulcral a prosseguir pelo ensino universitário e pelo ensino politécnico, só podendo
falar-se em centros universitários (ou outros) com vocação regional e nacional se estes se
afirmarem como centros de formação permanente e não só como locais de formação inicial
de alunos, em áreas muitas vezes pouco ajustadas às exigências produtivas locais e culturais
do país e da região.

Territorialização da formação
Como notámos, dada a diversidade de instituições que fazem parte da nova rede de
instituições de ensino superior, universidades e politécnicos (de natureza pública e/ou
particular e cooperativa), justifica-se que atendamos a algumas especificidades relativas quer
à originalidade dos cursos, quer à sua acção no âmbito da formação pós-graduada e à sua
participação em projectos de intervenção junto da comunidade.
Tendo presente vários exemplos desta cooperação, outra forma de avaliar a importância
destes estabelecimentos no processo de desenvolvimento regional será alcançada através da
análise da sua inserção no espaço físico e social e da identificação dos respectivos “territórios
de formação” preferenciais de cada uma das instituições de ensino superior. Esta análise passa
pela delimitação da sua “área de influência”, em termos não só de recrutamento de alunos e de
professores, mas, sobretudo, pela extensão das suas actividades relacionadas com a formação
inicial e permanente, orientada para o mundo do trabalho. A mesma poderá ser reforçada
pela análise da investigação aplicada e pela cooperação inter-institucional firmada com outras
entidades, públicas e privadas, traduzidas na realização de projectos comuns.
Este conhecimento mostra-se necessário para a construção de “grelhas” de avaliação
parcelares, destinadas à análise das actividades desenvolvidas pelas novas instituições de
ensino superior e pela sua adequação aos interesses societais, representados no mesmo
território. A apreciação destas grelhas permite confirmar outros aspectos do funcionamento
interno destas instituições e orientar o exercício e o cumprimento das funções de leccionação,
de investigação e de prestação de serviços à comunidade estabelecidos por lei e da qualidade
das suas prestações junto da sociedade.
Atendendo à fase de consolidação do sistema de ensino superior português e aos cenários
que se colocam à sociedade portuguesa, dadas as transformações operadas no seu tecido
produtivo e empresarial e os desafios da internacionalização dos mercados, o desempenho
das instituições de ensino superior tem de ser apreciado tendo em conta os novos contextos
societais em que estão inseridas. Estes são, em nosso entender, os aspectos mais relevantes da
questão levantada pelo papel do ensino superior como factor de desenvolvimento regional.
Deixar de o referir seria esquecer a essência e a problemática do “desenvolvimento” que,
para além de se tratar de um termo “multívoco”, identificado com “a acção de desenvolver e o
que daí resulta” (PERROUX, 1981, p. 13), deve ser sempre “(…) concebido como a dinamização
de uma sociedade no seu próprio ser” (UNESCO). Os aspectos referidos pressupõem que a
maior escolarização da população acarrete mudanças significativas na sociedade.
Educação e direitos

As vantagens reconhecidas à educação pela frequência da escola e aprendizagens escolares


têm sido sublinhadas ao longo das diferentes civilizações e história, sendo realçadas pelas
correntes do pensamento filosófico e pedagógico, como nos conta a história da educação.
Assim, Rocha (1996, p. 41) assinala que “a busca da origem histórica dos direitos do homem
é tarefa que incumbe não só ao historiador e filósofo, mas também ao antropólogo social e
cultural”. No entanto, prossegue o mesmo autor, “não deve esquecer-se que tal origem é
bastante difusa e universal, radicando no mais fundo da consciência humana em dimensão
simultaneamente religiosa, filosófica, política, social e cultural”. Modernamente, novas correntes
do pensamento, assentes na universalidade da educação básica, têm vindo a consagrar o
direito universal à educação como uma das condições básicas ao desenvolvimento humano
e ao progresso da sociedade.
É vasto o rol dos direitos individuais, tais como o direito à paz, o direito ao cumprimento
dos tratados e o direito à defesa do ambiente, que são considerados como fundamentais,
sendo, por isso, abordados em programas de ensino e actividades escolares. Referimos
algumas facetas das correntes políticas e que centram na educação alguns dos desafios
legitimados pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela Assembleia
Geral das Nações Unidas, “como ideal comum a atingir por todos os povos e nações, a fim
de que todos os indivíduos e todos os órgãos da sociedade, tendo-a constantemente no
espírito, se esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver o respeito desses direitos
e liberdades e promover, por medidas progressivas de ordem nacional e internacional, o seu
reconhecimento e a sua aplicação universais e efectivos tanto entre as populações dos
próprios Estados-membros como entre as dos territórios colocados sob a sua jurisdição”.

Direito à educação
O direito à educação constitui uma das condições indispensáveis ao processo de
desenvolvimento pessoal da criança e do jovem e à participação cívica de qualquer indivíduo,
bem como ao crescimento socioeconómico e social de um país. Com efeito, a construção de
uma sociedade livre e democrática é uma das preocupações que anima os países dotados de
níveis de desenvolvimento e de bem-estar social mais avançados e, ainda, de muitos outros
que registam contextos sociais e culturais mais desfavorecidos. Para tanto, têm concorrido
diversos actores e políticas inclusivas, que têm por base os valores e as práticas sociais
defensoras da democratização e dos direitos humanos.
A respeito dos direitos da criança, assinala Rocha (1996, p. 58) que “a primeira vez que se
falou em direito da criança parece ter sido a 15 de Janeiro de 1850, quando, na Assembleia
146 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Legislativa Francesa”, Victor Hugo afirmou ((Loc. cit.): “toda a questão tem o seu ideal. Para mim,
o ideal desta questão do ensino é este: a instrução gratuita e obrigatória. Obrigatória, apenas
no primeiro grau; gratuita, em todos os outros. A instrução primária obrigatória é o direito da
criança (‘le droit de l’enfant’), que é mais sagrado ainda que o direito do país e se confunde
com o direito do Estado”.
O aprofundamento dos diversos direitos da pessoa humana e da criança, considerados
em diversas recomendações internacionais, nomeadamente na Declaração dos Direitos da
Criança, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20 de Novembro de 1959,
estabelece um conjunto de direitos relacionados com a ‘provisão’ ou direitos à posse de bens e
serviços; à ‘protecção’, contra actos e práticas dolorosas e ‘participação’ nas decisões que lhe
dizem respeito. O princípio 7º desta Carta assinala: “a criança terá direito a receber educação,
que será gratuita e obrigatória pelo menos no grau primário. Ser-lhe-á propiciada uma educação
capaz de promover a sua cultura geral e capacitá-la a, em condições de iguais oportunidades,
desenvolver as suas aptidões, sua capacidade de emitir juízo e seu sentido de responsabilidade
moral e social, e a tornar-se um membro útil da sociedade (…)”.
Sendo reconhecido o valor da dignidade da criança e da família humana, defendida no
princípio universal sobre a liberdade e a igualdade em “dignidade e direitos” de todos os seres
humanos (artº 1 – Declaração Universal dos Direitos do Homem – DUDH), é certo que, ainda
hoje, nem todas as sociedades ou grupos sociais aceitam as práticas sociais que configuram
este princípio.
No âmbito da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (2005, II-74), o direito à
educação está aí consignado, nos termos seguintes:
“1. Toda a pessoa tem direito à educação, assim como ao acesso à formação profissional
e contínua;
2. Este direito permite a faculdade de frequentar gratuitamente o ensino obrigatório;
3. A liberdade de criar estabelecimentos de ensino no respeito pelos princípios democráticos,
assim como o direito dos pais em assegurarem a educação e o ensino dos filhos de
acordo com as suas convicções religiosas, filosóficas e pedagógicas, são respeitadas
em consonância com as leis nacionais que regem esse exercício”.

Como foi notado, de acordo com o texto da CRP (artº 73), “todos têm direito à educação
e à cultura”, cabendo ao Estado promover a democratização da educação e da cultura. Mais
ainda, estabelece o artº 74 da CRP que “todos têm o direito ao ensino com garantia do direito à
igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar”, devendo este “ser modificado de modo
a superar qualquer função conservadora de desigualdades económicas, sociais e culturais”.
Discutir as razões que levam à discriminação, pela raça ou pela cor, pelo sexo ou religião,
pela língua ou opinião política dos cidadãos, é penetrar em profundidade no seio desses grupos
sociais e desvendar as razões intrínsecas de tais comportamentos; é desenhar um rol extenso
de situações, anómalas e incongruentes, desses grupos ou sociedades; é ainda promover ou
antecipar discussões, clarificar ideias e, acima de tudo, recolher os valores e os conceitos pouco
condizentes com a maioria das práticas sociais identificadoras da nossa sociedade.
Exemplos, vários, divulgados pelos meios de comunicação social fazem crer que o direito à
participação cívica das populações, à liberdade de expressão e à inclusão social são princípios
Jorge Carvalho Arroteia 147

universais que devem ser apropriados e defendidos colectivamente como uma das aspirações
mais sublimes da humanidade. Contudo, as ameaças que pairam sobre o cidadão comum,
em diversos aspectos do seu quotidiano, fazem pressupor que as condições de liberdade e
de segurança que, intrinsecamente cada cidadão tem direito, pouco valem perante a falta de
rigor e desempenho de muitos responsáveis políticos. E se é certo que, perante a lei, todos os
cidadãos são iguais, escusado será recordar como em muitas circunstâncias a dignidade de
uns suplanta a dignidade de outros, estes votados para o ostracismo e o esquecimento.
Os dados anteriormente referidos permitem recuar o direito à educação, assente no
enunciado da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprofundado por outros textos
legais, tais como a CRP, a LBSE e o Código Civil, em alguns dos seus artigos.

Educação e direitos humanos


De acordo com a “Declaração Universal dos Direitos do Homem” (DUDH), proclamada a 10
de Dezembro de 1948, pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, todos os
homens nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Tal facto resulta, nomeadamente,
da necessidade “que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família
humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça
e da paz no mundo” (Preâmbulo).
Este e outros considerandos que antecedem o texto da referida Declaração acentuam como
a socialização para a prática e respeito dos direitos do homem, das liberdades fundamentais,
são considerados fundamentais para o desenvolvimento humano e amistoso entre as nações,
para a dignidade da pessoa humana, para o progresso social e para a coooperação entre
as nações. Para tanto, não basta que a sociedade, o Estado, a comunidade ou a família
desempenhem o papel fundamental.
Estabelece o artº 26-3, pertence aos pais “a prioridade do direito de escolher o género de
educação a dar aos filhos”, mas é igualmente imperioso que outras instituições sociais adiram à
defesa destes princípios, cultivando no seu dia-a-dia o espírito, os sentimentos de justiça, de paz
e de fraternidade. Tal facto resulta do entendimento de que “o indivíduo tem deveres para com a
comunidade, fora da qual não é possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade”
(artº 29). Nestas circunstâncias, cabe, fundamentalmente, à organização escolar um papel
relevante na socialização do indivíduo e na defesa destes princípios; cabe-lhe incorporar nos
saberes que transmite os valores e as regras fundamentais que dignifiquem as práticas sociais
valorativas destes direitos; cabe à comunidade escolar valorizar essas práticas e reformular a
sua actuação, de modo a que esses direitos não sejam questionados, mas informem a cartilha
diária dos procedimentos da nossa sociedade.
Sabemos como as práticas sociais se desvalorizam e se transformam, como os hábitos se
atenuam e como os valores se alteram. Contudo, os sentimentos de liberdade e de fraternidade,
de paz e de respeito pelos cidadãos não podem deixar de ser um dos garantes da sobrevivência
da “polis” actual, em todos os seus aspectos, e na vida dos seus elementos. Como “sistemas
abertos”, as nossas sociedades acolhem com maior frequência cidadãos do mundo, de outras
origens e nacionalidades; cidadãos com estatutos sociais diferenciados, com formações
religiosas distintas e com necessidades económicas muito acentuadas; cidadãos que sentem,
no seu acolhimento e vivências diárias, os mesmos atropelos que estiveram na origem do êxodo
148 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

que os impele à mobilidade constante ou à fixação noutras paragens. Contudo, é característica


comum das nossas civilizações assentarem o seu crescimento económico na prosperidade das
suas actividades, no desempenho dos seus cidadãos, no culto dos seus valores e na prática
de solidariedades que estreitam a malha do seu tecido social, constituída, cada vez mais, por
cidadãos com raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política e origem social, de fortuna ou
nascimento, diferenciados (DHDH – artº 2).
Vários factores contribuem para o reforço desta vitalidade e atributos sociais. A informação
é, sem dúvida, um dos veículos mais relevantes. De facto a cidadania, tal como a concebemos
nos nossos dias, por ser total e vivida em plenitude de direitos, não se constrói sobre pilares
que advoguem a servidão ou a falta de reconhecimento da personalidade humana, mas sim
com o livre acesso à participação cívica e política e aos direitos que a vivência na “civitas” deve
proporcionar a todos os seus membros.
No que à realidade portuguesa diz respeito, a Constituição da República Portuguesa
estabelece dois princípios fundamentais: o da universalidade e o da igualdade. O primeiro
(artº 12) estabelece que “todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres
consignados na Constituição”; o segundo (artº 13) afirma que “todos os cidadãos têm a mesma
dignidade social e são iguais perante a lei”.
Vejamos alguns aspectos a partir da escola.
Como refere o preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, “o reconhecimento
da dignidade intrínseca a todos os membros da família humana e o da igualdade e inalienabilidade
dos seus direitos são o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”. Acrescenta
o mesmo documento: “Considerando que o desconhecimento e o menosprezo dos direitos do
homem deram origem a actos de barbárie, que são uma afronta à consciência da humanidade;
e que o advento de um mundo em que os seres humanos, libertos do temor e da miséria,
gozam da liberdade de palavra e da liberdade de crenças…”, estabelece o artº 1º da referida
Declaração: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados
de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”.
Definido este princípio basilar, estabelece a Declaração dos Direitos do Homem um rol de
outros 30 princípios relativos aos direitos e às liberdades fundamentais. Como é reconhecido
no preâmbulo desta Declaração, a instituição escolar é chamada a desempenhar um papel
essencial na transmissão destes direitos e liberdades fundamentais, desempenho este que
deve passar pelo livre direito de todos à educação.
Estabelece o artº 26º-1: “Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser
gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino técnico e
profissional dever ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos
em plena igualdade, em função do seu mérito”. Nestas condições, “a educação deve visar à
plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do homem e das liberdades
fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações
e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das actividades das
Nações Unidas para a manutenção da paz” (artº 26-2).
Devemos reconhecer como, em determinados contextos societais e políticos, alguns dos
princípios enunciados em relação à escola são tarefas difíceis de conseguir, tendo em conta as
opções relativas à alocação de recursos financeiros, à complexidade das funções da instituição
Jorge Carvalho Arroteia 149

escolar, à diversidade dos alunos e à procura crescente da educação, registada em todos os


níveis de escolarização. Tal facto tem sido ultrapassado através da democratização do ensino
e do acesso da população em idade escolar aos benefícios fundamentais, conferidos pela
escolarização alargada e pela maior permanência dos educandos na instituição escolar.
Recordamos que a abordagem das funções da escola, nas suas relações com os Direitos do
Homem, realça a existência de três princípios básicos e fundamentais, tal como nos é sugerido
pelo Parlamento Europeu:
· o princípio da universalidade: não se justificam excepções aos princípios consagrados
na Declaração dos Direitos Humanos, porque se reconhece não haver incompatibilidade
entre democracia e direitos humanos;
· o princípio da indivisibilidade: não se podem separar os direitos civis e políticos dos
direitos económicos, sociais e culturais;
· o princípio da interdependência: existe uma ligação directa entre direitos humanos,
democracia e desenvolvimento. Com efeito, as condições de exclusão social criam um
meio propício para a violação dos direitos humanos e constituem uma ameaça, grave,
para a consolidação dos regimes em vias de democratização.

As considerações anteriores acentuam a importância vital da escola como principal agente


de socialização. Contudo, não se exclui a articulação destas funções conjuntamente com a
acção de outros agentes, tais como a família, o grupo de amigos e os meios de comunicação
social. É evidente que cada um destes meios tem diferentes responsabilidades, sendo certo
que este processo é bastante complexo e exigente, requerendo a apreensão de diversos
conhecimentos e o desempenho de papéis específicos, que garantam uma melhor integração
e participação social. Estas noções acentuam o papel que Durkheim (1968, p. 51) atribuiu à
educação como: “a socialização metódica das gerações mais jovens”.
Como facilmente compreendemos, sendo esta uma das principais funções da educação,
identificamos diversos condicionalismos que nem sempre permitem à instituição escolar o
melhor cumprimento desta função. A natureza e a dimensão das instalações, bem como a
variedade dos equipamentos de que dispõe, são alguns dos factores que determinam o tipo
e a intensidade das aprendizagens. Do ponto de vista humano, a densidade de ocupação
dos edifícios, a dimensão das turmas, a formação dos docentes e a natureza das relações
interpessoais e o nível de satisfação dos diversos corpos – funcionários, professores e alunos –,
bem como as motivações para o trabalho, são factores condicionantes da aprendizagem e da
socialização da população discente.
Note-se que, a montante e a jusante da escola, outros factores condicionam estas tarefas.
Naturalmente que, devendo a família partilhar a responsabilidade desta função, ou mesmo
desempenhá-la em predominância – sobretudo nos primeiros anos de vida dos alunos –, é a
“herança cultural” dos alunos que vai condicionar, em primeiro lugar, o nível e a intensidade
do fenómeno de socialização. Complementarmente a este factor, são as acessibilidades
económicas e culturais, de natureza individual e social, que afectam este desempenho.
Reconhecemos que, exteriormente à escola, as disponibilidades financeiras determinam a
maior ou menor parcela do orçamento que lhe é consignado e são, acima de tudo, as medidas
de política educativa que corporizam esse apoio e condicionam a sua aplicação. Neste caso,
150 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

valeria a pena apreciar se estas medidas se orientam mais para os alunos ou para a escola, se
respondem aos anseios da comunidade educativa ou às ‘élites’ afectas ao poder, se apostam
na inovação ou na burocracia, se correspondem às expectativas da sociedade no seu todo ou
se correspondem a uma mera gestão administrativa do sistema. E porque estamos a invocar
a DUDH, importaria reter se a própria formação dos professores é adequada à cultura dos
princípios estabelecidos na presente Declaração.
É certo que a igualdade de direitos e de deveres consignada neste documento é frequen-
temente afectada por questões de raça e de natureza religiosa, social, política ou outras
situações aberrantes, que põem frequentemente em causa o estabelecido no artº 2 da referida
Declaração: “Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados
na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de
língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de
nascimento ou de qualquer outra situação”.
Para além dos aspectos já referidos, relacionados com a educação, também a vida cultural
merece uma referência particular, na medida em que reconhece o artº 27-1 que “toda a pessoa
tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de
participar no progresso científico e nos benefícios que deste resultam”.
Considerando a escola como centro de aprendizagens, a esta cabe orientar o desenvolvimento
dos alunos nos domínios intelectual, cognitivo, afectivo, psicomotor, espiritual e moral, favorecendo
o equilíbrio da personalidade e a sua realização pessoal. Para isso, este pequeno microcosmos,
que é a escola, tem de atender às características individuais, de natureza genética e aos traços
da personalidade dos alunos, organizando-se de modo a que aquelas possam emergir sem
condicionar, em absoluto, as aprendizagens desta população. Contudo, novas dificuldades
emergem desta situação, sobretudo as que resultam das condições ambientais e culturais em
que decorrem as aprendizagens escolares. Sendo certo que a escola deve ser capaz de formar
indivíduos capazes de respeitarem os princípios fundamentais de democracia, da promoção
e da defesa dos direitos humanos, da justiça, da equidade e da solidariedade, reconhecemos
as dificuldades, sobretudo de exclusão social, em que se operam algumas aprendizagens que
impedem o desempenho absoluto da função personalizadora da escola.
É certo que a instituição escolar desempenha uma função primordial no progresso individual
e colectivo da nossa sociedade, através da preparação dos jovens para a vida activa. Trata-se
de preparação laboral, que pode ser entendida como uma necessidade decorrente da evolução
que hoje experimentamos e que tem determinado constantes e profundas transformações na
divisão e na natureza do trabalho social. Estes atributos levam-nos a pensar que a escola tem de
continuar a desempenhar um papel específico na preparação para o desempenho da profissão
dos seus alunos. A este respeito, aponta a referida Declaração (artº 26) para a necessidade
de: “O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser generalizado; o
acesso aos estudos superiores deve estar ao alcance de todos em plena igualdade, em função
das aptidões individuais”. De facto, estabelece o artº 23 – DUDH: “Toda a pessoa tem direito
ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à
protecção contra o desemprego”.
Estas são algumas das questões que se estabelecem entre a escola e a sociedade nas suas
relações com a democratização, a Declaração Universal dos Direitos do Homem e o exercício
Jorge Carvalho Arroteia 151

da cidadania. Mais do que a inventariação destas condições, importa realçar o espírito de


abertura, de tolerância e dignidade, de liberdade, de igualdade e de solidariedade, valores
que devem fazer parte do quotidiano do nosso universo escolar. Como afirma Fernandes
(2005, p. 247), estas atitudes devem atender “às tendências que atravessam as sociedades
actuais, aos processos de desestruturação e de reestruturação que as anima, para que se
afirmem e se protejam os direitos do homem e se enscontrem formas de inclusão de todos e
não de indigna exclusão”. Po isso, “há que construir uma sociedade inclusiva. Essa é a tarefa
de todos” (Loc. cit.).
Escola

De acordo com Cabanas (1984, p. 57), a escola deve ser entendida como um grupo social,
caracterizado “por uma interacção entre determinado número de pessoas, por valores
semelhantes, objectivos comuns e, finalmente, por uma consciência de grupo”, em que
as características essenciais deste grupo são a sua interacção social e coesão, tendo em
vista atingir determinados objectivos, fixados para o mesmo. Nesta perspectiva, a escola
pode ser encarada de forma distinta:
· Como “instituição” (escolar), é entendida como “uma forma de organização social
que desempenha uma função social e tende a durar independentemente da vontade
dos seus membros” (BIROU, 1978, p. 209). A instituição escolar, como as restantes
instituições políticas, religiosas e familiares, apresenta uma especificidade que resulta
dos seus objectivos e regulamento, da sua organização interna, das características que
apresenta e da diversidade do público que a frequenta. De facto, enquanto “instituição
social” povoada por uma população solidária no cumprimento de determinados objectivos
e na satisfação de diversas necessidades culturais, profissionais e materiais, a escola
deve contribuir, de forma decisiva, para a formação do aluno e para a modernização do
sistema social e educativo.
· Como “organização social”, entendendo-a, à semelhança de Birou (Op. cit., p. 288),
como uma “articulação das estruturas sociais, das instituições (…) e das relações sociais
mais importantes, de modo a permitir o bom funcionamento da sociedade”. Para tanto, é
de esperar que a escola, enquanto organização social, saiba adaptar-se ao seu meio,
às condições do seu “ambiente” e à participação dos diversos actores sociais que nela
convivem: alunos, professores, funcionários e outros membros da comunidade local,
promovendo a mobilização de esforços e a partilha de responsabilidades na gestão do
seu quotidiano.

Nesta perspectiva e de acordo com Nóvoa (1992, p. 25), o estudo da “organização escolar
é fruto de um compromisso entre a estrutura formal e as interacções que se produzem no seu
seio, nomeadamente entre grupos com interesses distintos”, sendo os estudos direccionados
para esta organização orientados em três grandes domínios (Loc. cit.):
“· a estrutura física da escola: dimensão da escola, recursos materiais, número de turmas,
edifício escolar, organização de espaços, etc.;
· a estrutura administrativa da escola: gestão, direcção, controlo, inspecção, tomada de
decisão, pessoal docente, pessoal auxiliar, participação das comunidades, relação com
as autoridades centrais e locais, etc.;
154 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

· a estrutura social da escola: relação entre os alunos, professores e funcionários,


responsabilização e participação dos pais, democracia interna, cultura organizacional
da escola, clima social, etc.”
· Como “comunidade educativa“. Neste caso, “o Eu e os Outros podem fundir-se
abrindo-se e interpenetrando-se num plano mais íntimo, e a sua participação no Nós
pode comprometer as suas profundidades pessoais sem que todavia esta integração
atinja o seu máximo de intensidade” (GURVITCH, 1979, p. 176). Seguindo outro
autor (BIROU, 1978, p. 76), como “uma forma de sociabilidade baseada numa certa
consciência do nós”, traduzida em objectivos e práticas comuns, em sentimentos de
solidariedade e em cumplicidades que conduzem a uma participação acrescida nas
actividades colectivas.

O cumprimento destas tarefas é determinante não só para a construção da verdadeira


“comunidade educativa”, que abarca os actores mais directamente envolvidos na transmissão e
na construção do conhecimento pedagógico, ou seja, os alunos, mas também para os familiares
e os elementos externos que fazem parte do universo social que envolve a própria escola.
As diferentes concepções de comunidade, de Gurvitch e de Max Weber, sugerem que a
escola possa ser considerada como uma “colectividade real”, que, revestindo-se de funções
muito específicas, tem de prosseguir um conjunto de objectivos de natureza sociocultural e
profissional. Este entendimento é expresso por Q. Cabanas (1989, p. 59), que defende ser
a escola, “agente educativo chave dentro da sociedade, mas não o único que cumpre duas
funções principais: a função residual e a de coordenação: a primeira, facultando ao aluno um
conjunto de outros ensinamentos que não são adquiridos noutro local; a segunda, talvez a
mais difícil de prosseguir e alcançar, facultando a integração das aprendizagens oferecidas pela
escola, com os demais conhecimentos adquiridos pelo aluno no meio em que vive”.
Para além de ser considerada como uma “comunidade”, a escola (entendida no seu sentido
mais amplo) é também um “grupo social”, com características aproximadas das que lhe foram
definidas por Gurvitch (1979, p. 348): “unidade colectiva real (…) directamente observável
e fundada em atitudes colectivas, contínuas e activas, tendo uma obra comum a levar a
cabo.” Neste caso, a coesão do grupo assenta numa “unidade de obras e de condutas” e nas
“manifestações de sociabilidade” que aproximam os diversos elementos e membros deste
“agrupamento”, favorecendo a sua coesão e interacção mútuas. Nesta perspectiva, a escola é
um “grupo social” (“sistema social”, para BARROSO, 1996, p. 44), que segue um determinado
modelo estrutural e organizacional, sendo a sua actuação orientada por um conjunto de regras
e normas, internas e externas, que promovem o cumprimento de determinados objectivos, cujo
fim último deverá ser a promoção do desenvolvimento humano, o sucesso escolar e educativo
dos alunos e o desenvolvimento da própria sociedade.
Estes aspectos podem ser considerados a propósito dos diferentes tipos de abordagem:
institucional, sistémica e organizacional da escola. De facto, sendo a escola uma unidade vital
do sistema de ensino, é de esperar que, à semelhança da célula viva, ela própria mantenha
as mesmas características e exigências que permitem identificar aquele todo. Melhor dizendo:
sendo a escola uma “unidade complexa”, que aglutina uma população diferenciada, “vinculada
pela aceitação de certas normas e do desenvolvimento de projectos comuns centrados nas
Jorge Carvalho Arroteia 155

actividades escolares” (ARROTEIA, 1993, p. 31), ela deve apresentar outras características
que as distinguem das demais organizações sociais. Referimo-nos à “divisão do trabalho
social”, à “supervisão hierárquica” e às tomadas de decisão que devem ser praticadas no seu
interior, tendo em mente as características funcionais e orgânicas da população docente, o seu
desempenho profissional e a natureza das aprendizagens dos alunos.
Os traços acima referidos parecem dar razão à perspectiva crítica de escola, apresentada por
Husen (1974, p. 31), que, a propósito da identificação das novas características da sociedade
educativa, afirmou: “a escola actual é como uma indústria de produção maciça realizada em
unidades de grande escala, isto é, amplos edifícios com muitos alunos e muitos professores
dirigidos por uma equipa de burocratas. A produção baseia-se no pressuposto de que o ensino
e aprendizagem estão correlacionados: a mais ensino corresponde mais aprendizagem”.
Embora sem esgotar o enunciado das características de natureza organizacional e pedagógica
que devem identificar a escola, entendemos que esta tem de garantir um grande número
de funções que favoreçam a socialização e a promoção sociocultural e afectiva dos seus
alunos. Estes atributos são indispensáveis para o desenvolvimento do seu espírito crítico e
para a aquisição de conhecimentos empíricos, científicos e especializados, que garantem
o seu desempenho e inserção socioprofissional, a socialização, inclusão social e as práticas
de cidadania. Trata-se de alguns dos desafios que os sistemas educativos, como sistemas
sociais que são, têm de responder: substituírem a transmissão dogmática dos saberes, os
métodos de ensino autoritários, predominantemente didácticos (indutores de passividade), a
pouca criatividade e a reprodução cultural por uma maior participação e desempenho de todos
os seus agentes na construção e desenvolvimento do próprio sistema educativo, na inovação
e na mudança social.
De acordo com Pedró (1998, p. 111), “o problema principal consiste em discernir se os
nossos sistemas educativos podem mudar o bastante, e duma forma suficientemente rápida, ou
se, definitivamente, não há outro remédio senão refundá-los, com base em disposições diferentes
das que lhes deram vida”. Mais ainda, afirma o mesmo autor ((Loc. cit.): “A descentralização e
autonomia dos centros escolares podem representar uma verdadeira alternativa, ainda que
não isenta de riscos. Talvez a mercantilização da educação seja aquilo que mais rapidamente
possa contribuir para a necessária mudança, mas não podemos deixar de insistir no facto de o
mercador ser um excelente servidor mas um mau amo”.

Estabelecimento de ensino
A designação de estabelecimento de ensino não se deve limitar apenas à unidade física e ao
local onde se desenvolvem as actividades de ensino-aprendizagem, constituindo um “nó” de
uma “rede” alargada de outras instituições orientadas para a mesma actividade, mas também
como um caso de “organização social”, identificada por:
· um espaço físico e social, onde têm lugar diversos processos sociais;
· um regime (organização), dependente do poder central e que estabelece as normas de
funcionamento dos processos sociais estruturados e dinamizados que se desenvolvem
internamente;
· um projecto, que define as actividades internas e direccionadas para a comunidade e
uma interacção com a sociedade envolvente.
156 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Trata-se, portanto, de uma organização complexa que desempenha funções muito


diferenciadas, desde as de administração e de gestão às de ensino e formação, avaliação,
informação e animação.
De acordo com a LBSE (artº 40), os estabelecimentos de educação e de ensino podem ser
de diferente natureza e tipologias, destinados a albergar a população escolar dos diferentes
níveis, desde a educação pré-escolar ao ensino superior. Para além disso, os estabelecimentos
de ensino que funcionam em edifícios escolares (artº 39), construídos para o efeito, devem
ser edificados tendo em conta a sua flexibilidade, ou seja, terem “suficiente flexibilidade para
permitir, sempre que possível, a sua utilização em diferentes actividades da comunidade”,
ter em conta a realização de actividades escolares e o “desenvolvimento de actividades de
ocupação de tempos livres e o envolvimento da escola em actividades extra-escolares”, terem
dimensões apropriadas e “ajustados às características e necessidades regionais e à capacidade
de acolhimento de um número equilibrado de alunos, de forma a garantir as condições de uma
boa prática pedagógica e a realização de uma verdadeira comunidade escolar”, bem como
“contribuir para o sucesso educativo dos alunos”.
De acordo com dados do ME-GIASE, o total de estabelecimentos de educação e ensino,
em 2005/06, no continente, era o seguinte:

Quadro 8

Nível/tipo Total Público Privado


Educ. Pré-escolar 6 554 4 509 2 045
Ensino Básico
1º Ciclo 7 930 7 441 489
2º Ciclo 1 066 835 231
3º Ciclo 1 355 1 129 226
Ens. Secundário 626 478 148
Ens. Profissional 575 351 224
E. Pós-Sec. (não Sup.) 39 12 27

Instituição escolar
De forma ampla, as instituições sociais “são sistemas organizados de relações sociais que
incorporam certos valores e procedimentos comuns e atendem a certas necessidades básicas
da sociedade” (HORTON, HUNT, 1980, p. 161). No caso da instituição escolar, esta pode ser
entendida como “uma forma de organização social (…) que desempenha uma função social
e tende a durar independentemente da vontade dos seus membros” (BIROU, 1978, p. 209).
A instituição escolar, como as restantes instituições políticas, religiosas e familiares, apresenta
uma certa especificidade que resulta das suas características, da diversidade do público que
a frequenta e da sua organização interna. Tal facto resulta, de acordo com Horton e Hunt
(Op. cit., p. 156), do aumento da complexidade da vida moderna, “que não diminuiu a
importância das funções de ensino da família, mas trouxe a necessidade de muitos tipos de
instrução que exigem órgãos educacionais especializados”, tais como a escola.
Jorge Carvalho Arroteia 157

Para além de decalcar os modelos de estratificação e de organização sociais dominantes,


esta instituição cumpre, ainda, um certo número de funções específicas – umas manifestas,
outras latentes –, relacionadas, por um lado, com a aprendizagem e a transmissão dos
conhecimentos e, por outro, com a inovação, a mudança e a integração na comunidade, para
as quais a instituição escolar deverá contribuir. Estas situações são dificilmente conciliáveis
com a diversidade de interesses locais ou com a acção de diversos “actores” e contextos.
Contudo, a acção destas instituições, se alicerçada em projectos educativos abrangentes,
promotores do sucesso dos alunos e do desenvolvimento científico e sociocultural de âmbito
comunitário, pode contribuir para o lançamento de programas concretos de desenvolvimento da
educação, de reabilitação patrimonial, de formação de recursos humanos e outros, sobretudo
se articulados com o papel das autarquias, que contribuam para a melhoria da qualidade do
ensino e para a construção de uma imagem consentânea com as expectativas que a sociedade
nele deposita.
Como observa Lima (1991, p. 38), “a força da imagem institucional da escola releva,
em grande parte, do seu carácter organizacional e dos processos que actualiza ao reunir
professores e alunos no quadro de uma unidade social intencionalmente construída, com
determinados objectivos a atingir e processos e tecnologias como formas de os alcançar,
estruturando hierarquias e poderes, formas de comunicação, etc.”.

Sistema escolar
O sistema escolar é o conjunto das organizações de ensino, públicas e não públicas, que,
articuladas entre si, respondem às necessidades de instrução e de formação da população nos
seus diversos níveis e ao longo de diferentes etapas da sua vida pessoal. Tendo em conta as
funções do sistema, esta formação deve incluir a formação básica, inicial e ao longo da vida,
respondendo, assim, às solicitações dos indivíduos que o frequentam e da própria sociedade.
A concretização das expectativas e das funções que atribuímos ao sistema escolar só
é possível mediante a satisfação de um certo número de funções sociais e a observância
de um conjunto de normas ditadas pela própria organização social onde aquele se insere.
De facto, o estudo do sistema escolar como sistema social leva a que seja entendido como
“uma organização que contribui para a transformação de objectivos educativos (mediante,
primordialmente, uma acção instrutiva desenvolvida de forma sistemática e de acordo com
princípios e técnicas que pretendem ter uma base científica) e resultados que outorguem uma
resposta adequada a solicitações, expectativas e necessidades da sociedade e de grupos
individuais que a integram” (DACAL, 1986, X).
Estes pressupostos são fundamentais para o bom funcionamento do sistema escolar, que
só poderá atingir plenamente os seus objectivos se os diversos elementos que o compõem se
encontrarem devidamente articulados e solidários no cumprimento de um objectivo específico
e comum a todos os seus membros.
Escola eficaz

A reflexão sobre a “escola eficaz” tem vindo a aumentar deste o final dos anos sessenta
(NÓVOA, 1992, p. 22), e, em particular, depois do estudo realizado por R. Edmonds, em
1979, sobre “Search for effective schools: The identification and analysis of city schools that
are instructionally effective for poor children” (East Lansing, Michigan State University, 1983).
De acordo com este autor, uma escola eficaz é uma instituição onde não existe relação entre
os antecedentes familiares dos alunos e o seu sucesso, ou seja, uma escola que apresente as
seguintes características (GOOD, WEINSTEIN, 1992, p. 83-84):
“a) a gestão centrada na qualidade de ensino;
b) importância primordial das aprendizagens académicas;
c) clima tranquilo e bem organizado, propício ao ensino e à aprendizagem;
d) comportamentos dos professores transmitindo expectativas positivas quanto à possibilidade
de todos os alunos obterem um nível mínimo de competências;
e) utilização dos resultados dos alunos como base da avaliação dos programas e dos
currículos”.

De acordo com Lima (2005, p. 105), “investigações posteriores provocaram alargamentos


desta definição de eficácia. A focalização passou dos resultados para o progresso manifestado
pelos alunos”. Tal facto tem motivado a procura de diferentes respostas e a elaboração de
modelos diferenciados, onde se incluem diversos tipos de indicadores responsáveis pela “eficácia”
da escola. Assim o aponta Álvarez (1995, p. 41), quando afirma que “a maioria dos estudos sobre
escolas eficazes, bem como as investigações sobre a qualidade educativa, apresentam, como
indicadores constantes (CERI-OCDE, 1994), ‘o alargamento da responsabilidade por parte
da escola, a participação da comunidade escolar no funcionamento da escola e a existência
inequívoca de uma liderança pedagógica exercida em grupo’”.
A propósito da “escola eficaz”, diz-nos Oliveira (XAVIER, SOBRINHO, MARRA, 1994, p. 19)
que, como “condições necessárias para uma escola eficaz, aparecem a autonomia de gestão
da escola, a liderança pelo director, a participação da comunidade e a existência de recursos
sob controlo local”. Aponta, ainda, o mesmo autor que as condições suficientes para estas
escolas incluem “a capacitação dos professores, o estabelecimento de planos de carreira
para o magistério e a avaliação externa das mesmas”. Constituem pilares fundamentais deste
modelo de “escola eficaz” a democratização e a participação, a motivação humana e o estilo
de liderança, a racionalidade e a qualidade dos serviços educativos. A propósito das relações
entre alguns destes pilares, evocamos, mais uma vez, Oliveira (Loc. cit.), quando afirma:
160 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

“a democratização deve ser buscada enquanto instrumento para promover a qualidade, dentro de
uma cultura efectivamente democrática (…), mas sem perder de vista os seus fins próprios que é
o de capacitar os alunos a tornarem-se cidadãos conscientes e adequadamente instrumentados
para entender, analisar, conviver, criticar e transformar o seu meio e a sociedade”.
Dentro desta linha de pensamento, relacionada com a defesa dos princípios de democratização,
da participação e da melhoria da qualidade dos serviços educativos, cabe-nos mencionar
algumas situações que, geralmente, podem ser invocadas para alterar a generalização destes
pressupostos. Uma delas resulta, portanto, da abertura do sistema em função da universalidade
e da gratuitidade do ensino, bem como do alargamento da rede, o que induz, comummente,
uma maior procura da educação. Contudo, como se pode ler num documento da UNESCO
(1985), nem sempre a expansão da educação conduz “à deterioração da qualidade do ensino
a não ser que não seja acompanhada por um conjunto de medidas indispensáveis, a saber:
formação de docentes qualificados e em número suficiente, construção de salas de aula
adequadas e bem equipadas, elaboração de material didáctico (…)”.
Apesar destas considerações, parece-nos que poderemos ir mais longe se evocarmos a
natureza e a especificidade da escola, como organização social. Nestas circunstâncias, haverá
que prepará-la na sua estrutura e funcionamento, de modo a permitir que os seus elementos,
em especial o corpo docente, desempenhem a sua actividade satisfazendo o melhor possível as
respectivas motivações e interesses. Trata-se, no fundo, de aplicar à instituição escolar, nesta
nova era da “civilização pós-industrial,” como a identifica A. Toffler, os mesmos princípios que
hoje em dia são aplicados à gestão estratégica das empresas. Entre eles, conta-se a inovação,
a liderança, a gestão dos recursos humanos, a formação e a qualidade dos serviços (na óptica
do consumidor).
Relativamente à organização escolar, temos conhecimento das relações que este “micro-
cosmos” social estabelece com os demais sistemas sociais, partindo do princípio, como assinalou
Maslow, que o indivíduo é, sobretudo, motivado pela satisfação das suas necessidades.
Certo é que, ultrapassando um qualquer grau destas, passará a ser motivado pelas necessidades
correspondentes ao grau imediatamente superior. Por outras palavras, satisfeitas as necessidades
primárias – fisiológicas e de segurança –, as necessidades secundárias – sociais, de estima
e de auto-realização – surgem como determinantes para o estabelecimento de um clima
organizacional que induza uma maior e ampla participação de todos os membros da mesma
organização social. Daqui decorre a abertura e a maior participação que, hoje em dia, os
“líderes” deverão imprimir às suas relações com os colaboradores mais directos e o tipo de
liderança a adoptar na gestão desta instituição social e na construção da própria comunidade
escolar e educativa.
Família e educação

A associação da família ao processo educativo deve-se não só à importância daquela no


processo de socialização dos indivíduos, sobretudo nas sociedades de cariz mais tradicional,
mas também ao contributo da instituição familiar no processo de desenvolvimento humano
dos alunos, como facilitadora das suas relações com a sociedade. Assim, a aprendizagem das
noções básicas relativas ao mundo que nos rodeia, das tradições, das normas, dos valores e
das práticas sociais que permitem a vida em sociedade constitui um processo lento, cujo início
tem lugar nos primeiros anos da nossa vida e no seio da constelação familiar.
Como um processo dinâmico, a acção da família não se circunscreve apenas a este cenário.
Vai-se ampliando com a multiplicidade de influências e contactos que se estabelecem entre o
indivíduo e o meio social onde vive. Este fenómeno vai contribuir, desde os primeiros momentos
da nossa existência, para a formação da personalidade, na qual interferem não só as influências
da instituição familiar, mas também das instituições religiosas, educativas e culturais e dos
diferentes grupos sociais.
Note-se que o “processo de aprendizagem”, iniciado na família com o domínio das primeiras
palavras e a interiorização das regras de comportamento e das práticas sociais, dos valores
religiosos e humanos, dos diversos conhecimentos sobre o meio e a sociedade em que vivemos,
desenvolve-se ao longo de estádios sucessivos do crescimento humano, sendo auxiliado por
acção de múltiplos factores e agentes que garantem a aprendizagem de novos papéis e de
atitudes comportamentais, facilitadoras do processo de socialização. Como nos recorda
Cabanas (1984), esta não é mais do que um processo de aprendizagem social que permite
à pessoa humana, durante toda a sua vida, assumir, interiorizar e integrar na estrutura da sua
personalidade as formas e os conteúdos culturais do seu meio ambiente, bem como incorporar-se
progressivamente na sociedade na qual há-de viver como membro activo da mesma.
Embora com peso diferente, fazem igualmente parte deste processo os conhecimentos
que se vão adquirindo ao longo de vários ciclos de estudos e que permitem uma adequada
capacitação profissional, garante do exercício de uma actividade produtiva ou de serviços no
seio das sociedades industrializadas em que vivemos. A especialização laboral, característica
das sociedades desenvolvidas e com elevada divisão do trabalho social, tem lugar não só dentro
das próprias instituições escolares, mas, fundamentalmente, fora delas, privilegiando a acção
de outros agentes, que não só família e a escola, neste processo de socialização.
Note-se, ainda, que a transmissão destes tipos de conhecimentos, assegurada essencialmente
pelas classes adultas, bem como esta acção de acompanhamento e de controlo exercida pelas
gerações mais antigas sobre as mais novas, que não estão ainda maduras para a vida social, foi
162 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

uma das primeiras funções atribuídas por Durkheim (1980, p. 51) à educação, considerando-a
como uma socialização metódica das novas gerações. Outro objectivo deste processo é o de
suscitar e desenvolver na criança um certo número de estados físicos, intelectuais e morais
que lhe são exigidos pela sociedade política, no seu conjunto, e pelo meio social no qual se
encontra inserido.
Referindo outras características, este tipo de acção e de aprendizagem das condutas e das
regras de viver em sociedade, incrementado pela família, deverá estar em constante equilíbrio
com o crescimento da personalidade, sendo, por sua vez, um processo:
· contínuo, que se vai desenvolvendo ao longo de toda a vida do indivíduo. Embora mais
intenso na infância e juventude, prossegue ainda na fase adulta, mas de forma secundária;
· complexo, porque se realiza de acordo com os diversos estádios de crescimento humano
e ao longo das fases de desenvolvimento social do indivíduo;
· variado, porque nele interferem diversos factores e agentes, cada um dos quais com
uma importância decisiva no desenvolvimento da personalidade. Entre estes factores,
destacamos os de carácter interno, como os psíquicos e biológicos, e os de natureza
externa, de cariz sociocultural e interpessoal.

No cumprimento dos aspectos acima referidos, a família tem um papel fundamental. Contudo,
pode constituir-se como o primeiro elo de uma cadeia de reprodução das desigualdades
familiares e sociais, assegurada pela própria escola como resultado do diferente “capital cultural”
herdado pelos alunos no seu ambiente familiar. Nestas circunstâncias, e não sendo possível
generalizar a importância da escola no acréscimo da mobilidade social dos seus alunos, nem
contrariar as teses mais deterministas da reprodução social, assinalamos a importância da
formação profissional, hoje em dia fora do contexto familiar, como factor determinante de uma
melhor integração laboral dos jovens, sobretudo dos que provêm de famílias dotadas de menor
capital cultural.
Como nota Musgrave (1984, p. 45), “do mesmo modo que os que se tornam membros
de qualquer grupo necessitam de aprender os hábitos deste, também os novos membros da
família têm de ser socializados nos papéis que respeitam ao estádio do ciclo vital por que estão
a passar. No entanto, a família tem uma posição chave na estrutura social, uma vez que é
sobretudo através dela que a sociedade, em geral, inicia os seus novos membros”. Com efeito,
sendo esta que, desde o primeiro momento”, fornece cuidados físicos, mas também ensina
às crianças a interpretação que os pais fazem da realidade social circundante, sendo dentro
da família que a personalidade da criança se desenvolve nos primeiros anos e nos anos de
formação” (Op. cit., p. 45), os traços futuros da personalidade do indivíduo são marcados pela
vivência e pelas marcas da primeira socialização experimentada no seio do sistema familiar.
Dependendo, muito embora, alguns destes aspectos da natureza e da extensão deste
núcleo, bem como de algumas características individuais – marcadas fundamentalmente
pela hereditariedade biológica –, todos reconhecemos a esta instituição um papel notório na
transmissão da cultura e dos conhecimentos, das atitudes e dos valores, na formação da
personalidade e do carácter de qualquer cidadão. E, uma vez que a família está no centro
de todos estes problemas e das nossas preocupações, relegá-la para um papel subalterno
e secundário, excluindo-a da posição que lhe compete na sociedade, causará grave dano
Jorge Carvalho Arroteia 163

ao autêntico crescimento do corpo social, no seu conjunto. Por isso, devemos ter em conta
as alterações demográficas da população – com a redução crescente do número de filhos
por família, do envelhecimento progressivo dos habitantes, da alteração da composição e
estrutura dos núcleos familiares – e a evolução da sociedade, garantindo que esta mudança
não venha a distorcer quer a função da família, enquanto primeiro agente de socialização, quer
as atribuições da escola.
Espera-se da “instituição familiar” um conjunto de funções principais que Murdock sistematizou
em quatro grandes grupos: a função sexual, a económica, a reprodutora e a educacional. E como
o reconhece Musgrave (Op. cit., p. 62), uma das suas funções primordiais é a de “ajudar a
criança a atravessar a adolescência com um mínimo de comportamento anti-social, sem, no
entanto, lhe distorcer a personalidade, reprimindo-a mais que o devido”.
Para além dos considerandos anteriores, importa ter em atenção alguns aspectos da situação
das famílias em Portugal e da sua evolução no tempo. De acordo com o INE (2002, LXXXI),
“Em 2001, foram recenseadas 3 650 757 famílias clássicas residentes em Portugal, o que traduz
uma taxa de variação de 16,9% comparativamente com 1991 (…)”. Por sua vez, os dados
relativos à sua dimensão referem o seguinte (INE, 2002, LXXXII):
· “Em Portugal, do total de famílias clássicas residentes recenseadas em 2001, 17,3%
referiam-se a famílias com uma pessoa, 28,4% a famílias com duas pessoas, 25,2% a
famílias com três pessoas, 19,7% a famílias com quatro pessoas e 9,5% a famílias com
cinco ou mais pessoas.
· Comparativamente com 1991, as famílias de maior dimensão diminuíram o seu peso
relativo, sobretudo as famílias compostas por cinco ou mais pessoas, que perderam
5,9 pontos percentuais. As famílias com uma, duas e três pessoas aumentaram, com
destaque para as famílias unipessoais, com mais 3,5 pontos percentuais.
· Em 2001, as famílias de duas pessoas eram as mais significativas em Portugal e na
quase totalidade das NUTS II, com excepção para o Norte e para a Madeira (em que as
famílias mais representativas eram compostas por 3 pessoas). Este facto reflecte-se na
dimensão média da família, mais elevada sobretudo nas regiões do litoral Norte, Açores
e Madeira.”

Estas alterações foram, igualmente, acompanhadas de outras situações, de que destacamos,


apenas, as seguintes (INE, 2002, LXXXIII):
· “Em 2001, foram recenseadas 631 762 famílias clássicas unipessoais residentes em
Portugal, traduzindo uma taxa de variação de 44,9%, face a 1991.
· A percentagem de famílias unipessoais, no total de famílias clássicas, registou um
aumento de 3,5 pontos percentuais comparativamente com 1991, mais de metade das
famílias unipessoais eram famílias de idosos, destacando-se as famílias de uma idosa
(39,5%) (…)”.

Ainda sobre a composição dos núcleos familiares, importa assinalar (INE, 2002, LXXXIV
e LXXXV):
· “Em 2001, foram recenseados 353 971 núcleos familiares monoparentais em Portugal,
traduzindo uma taxa de variação de 11,0% comparativamente a 1991.
164 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

· A proporção de núcleos familiares monoparentais, no total de núcelos familiares, aumentou


2,3 pontos percentuais relativamente a 1991. Dentro dos núcelos familiares monoparentais,
a menor percentagem manteve-se no tipo de núcleo de mãe com filhos(…).”

Ainda na mesma data:


· “Em 2001, foram recenseados em Portugal 1 740 522 núcleos familiares de casais com
filhos, representando uma diminuição de 3,1 pontos percentuais da sua proporção, no
total de núcleos familiares de casais, face a 1991.
· A proporção de casais com filhos manteve-se superior a 50% em todo o território
nacional, observando-se os valores mais elevados no Norte, particularmente Cávado,
Ave, Tâmega e Entre Douro e Vouga, assim como nas Regiões Autónomas.
· Entre 1991 e 2001, registou-se um decréscimo generalizado da proporção de casais
com filhos (…), com excepção da Beira Interior Sul e R.A. Açores, onde aumentou
ligeiramente”.

Ainda sobre este assunto, podemos assinalar que, “entre 1991 e 2001, destaca-se o forte
aumento dos divorciados (104,2%) e dos casados sem registo (96,1%), traduzindo a crescente
instabilidade e informalidade das relações conjugais” (INE, 2002, LXV). Estes dados confirmam
as grandes alterações introduzidas, pela “mão da demografia”, no sistema educativo português
e certas medidas de política educativa relacionadas com as novas configurações da rede e
tipologia dos estabelecimentos escolares. Até porque, tendo em conta o nível de vida pouco
elevado da grande parte das famílias portuguesas, importa dar oportunidade à escola para “a
criação de programas educativos adequados a alunos de baixos rendimentos” (MARQUES,
1997, p. 38), como “instrumento fundamental de uma política educativa preocupada com a
igualdade de oportunidades (…)” e como necessidade da “assunção pela escola das funções
de suplência da família” (Loc. cit.).
Formação inicial de professores

A formação inicial (de professores) corresponde à frequência de um ciclo de estudos a


que deve permitir a aprendizagem dos conteúdos científicos e das práticas pedagógicas
fundamentais que garantem a formação docente e a sua preparação para o exercício da
profissão. Como observa Pardal (1991, p. 32), “a concepção da formação para aplicação a um
contexto determinado configura-se (…) indissociada de um conteúdo educacional, da morfologia
da sociedade e da estrutura do Estado, como parte da continuidade e da mudança de uns e
de outros, e como um dado de estabilidade da própria formação”.
Tratando-se de uma formação profissional específica, a formação inicial da classe docente
é marcada por factores diversos que marcam a sua originalidade e diversidade. De acordo
com Bardi (2003, p. 31), esta é fortemente condicionada pelas características políticas do seu
ambiente e, dependendo fortemente das perturbações de natureza económica, regista, de um
país para outro, modelos específicos, diferenciados, à procura de um permanente equilíbrio”.
É esta a imagem que nos fica quando compulsamos as propostas, os modelos e as decisões
políticas relacionadas com a classe docente.
O estudo dos diferentes modelos e sistemas de formação de professores no ensino
secundário, em Portugal, estudado por este autor (PARDAL, 1991, p. 4), realça, ao longo da
nossa história recente, a existência de diferentes sistemas de formação, assim traduzidos:
“a) Da Reprodução: Curso da Secção de Ciêncas Pedagógicas, da Faculdade de Letras
(1930-1974);
b) Dualista: Curso de Habilitação para o Magistério Secundário (1901-1911); Curso das
Escolas Normais Superiores (1911-1930); Cursos do Ramo de Formação Educacional,
das Faculdades de Ciências (criado em 1971, e ainda em vigor);
c) Da Integração: Licenciaturas em Ensino, de Universidades Novas (criadas em 1978, e
ainda em vigor);
d) Da Experiência: Profissionalização em Exercício (1980-1986)”.

Podendo seguir diversos modelos que garantem uma formação sequencial tri-etápica e
bi-etápica, incluindo nesta a formação académica de base, a formação de natureza pedagógica
e a prática pedagógica, referimos, ainda, a formação integrada, que contempla a realização da
prática pedagógica no percurso formativo do futuro docente. Loureiro (1981, p. 15-46) caracteriza
cada um destes modelos de formação da forma seguinte: o modelo sequencial tri-etápico
ficou conhecido pela existência de três momentos diferentes de formação: grau académico,
diploma em ciências pedagógicas e estágio; o modelo sequencial bi-etápico passou a vigorar
166 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

com a reforma das Faculdades de Ciências, em 1971, com a criação do ramo educacional; e,
finalmente, o modelo integrado, que passou a vigorar nas Universidades Novas, depois da sua
criação em 1973 e, mais tarde, seguido pelas Escolas Superiores de Educação.
Numa análise mais pormenorizada sobre as mudanças operadas no domínio da formação de
professsores nas três últimas décadas (1970-1997), Formosinho (1997, p. 48-49), considerando
a formação de professores do ensino pós-primário, assinala o seguinte:
“O primeiro lustro deste período (1970-1975) viu formulada a política de expansão acelerada
da educação escolar, através da Reforma Veiga Simão. Nesse mesmo período, ocorreram
as primeira mudanças significativas na formação de professores – a primeira proposta de
um modelo de formação inicial de professores nas Faculdades de Ciências (1971) e, a par
disso, a facilitação do acesso e da formação profissional (pós-académica) dos professores
(1969 e 1971).
O segundo lustro (1975-1980) viu a criação e consolidação dos primeiros modelos de
formação inicial integrada de professores nas Universidades Novas.
O terceiro lustro (1980-1985) assistiu à criação de um novo modelo de formação para os
professores não profissionalizados ao serviço – a profissionalização em exercício –; viu o início
do funcionamento das Escolas Superiores de Educação e a criação dos Centros Integrados
de Formação de Professores (CIFOPs) nas Universidades Novas.
O quarto lustro (1985-90) viu a consagração legal do modelo integrado de formação inicial
de professores e a institucionalização legal da formação contínua na Lei de Bases do Sistema
Educativo (…).
O quinto lustro (1990-95) viu a institucionalização de um modelo organizacional concreto de
formação contínua de professores (…).
Finalmente, o lustro de 1995-2000 (…) poderá vir a ser marcado pela institucionalização
da formação especializada de professores e pela criação de um modelo de acreditação dos
cursos de formação inicial e especializada de professores”.
Sendo os professores os primeiros agentes de mudança da própria escola, é necessário
que possuam uma adequada formação inicial, completada por um aperfeiçoamento contínuo e
pelo seu empenhamento directo na gestão e avaliação das reformas do sistema. Estas funções
estão explícitas na Lei de Bases, que define os grandes princípios gerais em que assenta a
formação de educadores e professores. Para tanto, estipula a LBSE (artº 30):
· “formação inicial de nível superior;
· formação contínua que complemente a formação inicial numa perspectiva de educação
permanente;
· formação flexível que permita a reconversão e mobilidade dos educadores e professores
dos diferentes níveis de educação e ensino (…);
· formação integrada quer no plano da preparação científico pedagógica, quer na articulação
teórico-prática;
· formação assente em práticas metodológicas afins das que o educador e professor
vierem a utilizar na prática pedagógica;
· formação que, em referência à realidade social, estimule uma atitude simultaneamente
crítica e actuante;
· formação que favoreça e estimule a inovação e a investigação (…)
Jorge Carvalho Arroteia 167

· formação participada que conduza a uma prática reflexiva e continuada de autoformação


e auto-aprendizagem”.

Estipula a LBSE (artº 31) que a “formação dos educadores de infância e dos professores
dos 1º, 2º e 3º ciclos do ensino básico se realiza em escolas superiores de educação e em
estabelecimentos de ensino universitário”, contrariamente aos professores do ensino secundário
cuja formação é assegurada por estabelecimentos de ensino universitário.
Por sua vez, a qualificação inicial dos professores do ensino superior coincide com os graus
de doutor ou de mestre, “bem como os licenciados que tenham prestado provas de aptidão
pedagógica e capacidade científica” (art. 35).
De realçar, como nota Pardal (1991, p. 300), que “ a formação de professores configura
(…) uma relação entre múltiplos agentes e uma situação de formação, uma teia de relações
entre formadores, formandos, organização administrativa e um sistema de objectos sociais
e pedagógicos”.
Formação ao longo da vida

A formação ao longo da vida engloba, no seu conjunto, diversas actividades relacionadas


com a aprendizagem ao longo da vida, defendida no Conselho Europeu de Lisboa, em Março
de 2000, assinalando, por esta via, “uma transição bem sucedida para uma economia
e uma sociedade assentes no conhecimento” (Comissão das Comunidades Europeias).
Esta preparação é fundamental não só do ponto de vista científico, dada a evolução contínua
da ciência e a necessidade da sua actualização científica, mas também do ponto de vista
pedagógico, já que se considera a inovação como indispensável ao processo de desenvolvimento
social, económico e tecnológico em que vivemos. Daí o significado que alguns autores conferem
à formação contínua de professores, os quais, segundo Pérez (1999, p. 268), desempenham
uma função básica, semelhante à da circulação sanguínea num organismo vivo, “que realiza
incessantemente o transporte e difusão a todo o organismo vivo da energia básica procedente
da nutrição e da oxigenação do ser vivo”. No dizer deste mesmo autor (Loc. cit.), “a função
básica de nutrição que alimenta todo o sistema orgânico” é a investigação operacional e a
função básica respiratória, é cumprida pela “inovação educativa que incorpora no organismo
o ar fresco imprescindíevl à oxigenação de todo o processo metabólico” (Loc. cit.).
No que respeita a esta população, a LBSE estipula, no seu artº 38, que “todos os educadores,
professores e outros profissionais da educação é reconhecido o direito à formação contínua”,
formação esta diversificada e “assegurada predominantemente pelas respectivas instituições
de formação inicial, em estreita cooperação com os estabelecimentos onde os educadores e
professores trabalham”.
Recordar a exigência actual da formação ao longo da vida exige encarar a participação
nas acções de formação como etapas de um processo formativo a que deve estar sujeita a
classe docente. Com efeito, o exercício desta como de outra actividade laboral exige destes
uma relação permanente com a escola e com os meios formativos, acção que propicie
uma actualização constante do saber e um melhor desempenho das tarefas profissionais.
Em termos globais, justificam esta atitude a divisão do trabalho social e a segmentação de
tarefas nas sociedades actuais, responsáveis pela crescente especialização do trabalho. Este
facto preconizado pela abordagem “taylorista” da administração tem sido seguida pelas diversas
correntes de pensamento “empresarial” desde o início deste século.
Outras razões sublinham a necessidade desta formação. Salientamos a inovação e o
desenvolvimento técnico e tecnológico, que obrigam ao prolongamento dos estudos, parcelares
ou mais especializados, durante o exercício de uma profissão. No que diz respeito à classe
docente, entendemos ser de considerar, ainda, a inovação das práticas pedagógicas e a procura
170 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

do maior sucesso educativo dos alunos como preocupações fundamentais que devem
acompanhar o processo de democratização do ensino, o desenvolvimento dos programas
relacionados com a educação para todos, a inclusão da população escolar e a qualidade
da educação.
O reconhecimento destes pressupostos, a necessidade e o interesse da formação contínua
é indispensável ao “percurso formativo da profissão docente” e pressupõe a existência
(cumprimento) de um estádio inicial de formação, marcado por dois atributos fundamentais:
a “capacitação profissional” e a “socialização para a formação”. Independentemente destes
aspectos, e uma vez inserida no mundo do trabalho, a prática docente pode ser melhorada
através da “estimulação profissional”, decorrente do cumprimento do estatuto da carreira
docente, da motivação e da satisfação do exercício das actividades profissionais consolidadas,
principalmente, em acções de formação contínua.
Se tivermos em conta a realidade portuguesa e as medidas mais recentes, relacionadas
com a política educativa, – nomeadamente as que respeitam a formação e gestão dos recursos
humanos –, devemos valorizar a oportunidade da reflexão sobre os modelos de formação inicial
e a importância da formação contínua na melhoria da qualidade do ensino e no desempenho
dos professores. Globalmente, pensamos que esta formação se reveste do maior interesse,
constituindo-se como uma das chaves fundamentais do sucesso escolar e educativo dos
alunos, do progresso social e da promoção cultural da comunidade.
De facto, o desafio que, hoje, se coloca aos sistemas educativos e aos seus actores, no
sentido de acompanharem as mudanças sociais, tecnológicas e a inovação, justifica o esforço
de actualização de conhecimentos dos agentes sociais mais directamente ligados à educação
da população discente, que tende a prolongar a sua esperança de vida escolar na procura de
melhor mobilidade social e inserção profissional. Estas expectativas obrigam a que se dispense
uma cada vez maior atenção ao desempenho dos sistemas educativos e ao desenvolvimento
da formação inicial e contínua dos professores. Justificam-na não só os interesses dos alunos,
mas também as exigências e as motivações da classe docente, que reclama uma actualização
e formação permanente junto da escola e de outras instituições de formação, principalmente
as do ensino superior.
Em relação a Portugal, as iniciativas oficiais desenvolvidas desde o início dos anos noventa
com a publicação do ordenamento jurídico da formação de professores, bem como o arranque
dos programas especiais de apoio financeiro à formação contínua de professores, em especial
o programa Foco, permitiram dar passos significativos com vista à melhoria do sistema de
ensino e à mobilidade dos docentes na sua carreira profissional. No processo então iniciado,
destaca-se a participação de diversas entidades, públicas e privadas, associações profissionais,
científicas e outras, que têm vindo a colaborar na formação contínua de professores. Destas
merecem particular destaque os centros de formação das associações de escolas.
Importa realçar que a coexistência no mesmo território educativo de centros de formação
e de instituições de diversos níveis de ensino tem permitido reforçar a relevância e o interesse
cultural, pedagógico e científico dos centros de formação criados por associações de escolas.
Com estas iniciativas, tem sido possível consolidar diversas comunidades educativas e assegurar
a participação de parceiros sociais distintos, igualmente empenhados na consolidação dessas
comunidades. De realçar que os interessados por estas iniciativas são não só as escolas,
Jorge Carvalho Arroteia 171

mas também os municípios (particularmente os que têm aderido ao movimento das Cidades
Educadoras), inserindo-se, neste caso, a sua intervenção como exemplo de actuação no
âmbito das políticas sociais e de formação dinamizadas pelas autarquias e tendo como base
territorial o município.
A formação e a aprendizagem ao longo da vida, aos níveis individual e institucional,
público e privado, constituem-se como um pilar da estratégia europeia de emprego e tem como
objectivo a sua concretização de forma contínua e visando melhorar conhecimentos, aptidões
e competências nos cidadãos europeus.

Andragogia
De acordo com Malcolm Knowles (1970), Andragogia é a “arte e ciência de orientar os adultos
a aprenderem”, contrariamente à Pedagogia que se preocupa com o ensino às crianças.
Não havendo oposição entre estas duas ciências, mas antes formando um continuum, indo da
educação centrada no professor à educação centrada no aprendente, a Andragogia atende
à evolução que sofremos ao longo da vida, passando do estado de pessoas dependentes a
independentes, autodireccionados e à acumulação de diferentes experiências que nos vão
servir de base para novas aprendizagens.
A sua acção assenta em cinco princípios estruturantes:
1. Autonomia – “o adulto sente-se capaz de tomar as suas próprias decisões e gosta de
ser percebido e tratado como tal pelos outros;
2. Experiência – a experiência acumulada pelos adultos oferece uma excelente base para
a aprendizagem de novos conceitos e habilidades;
3. Prontidão para a aprendizagem – o adulto tem maior interesse em aprender aquilo que
está relacionado com situações reais da sua vida;
4. Aplicação da aprendizagem – as visões do futuro e tempo do adulto levam-no a favorecer
a aprendizagem daquilo que possa ter aplicação imediata, o que tem, como corolário,
uma preferência pela aprendizagem centrada em problemas, em detrimento de uma
aprendizagem centrada em áreas de conhecimento;
5. Motivação para aprender – os adultos são mais afectados pelas motivações internas
que pelas motivações externas. Vale lembrar que as motivações externas estão ligadas
seja ao desejo de obter prémios ou compensações, seja ao desejo de evitar punições:
motivações internas estão ligadas aos valores e objectivos pessoais de cada um”.

Salientamos, ainda, as seguintes características da Andragogia:


· Relação professor/aluno: a aprendizagem adquire uma característica mais centrada no
aluno, na independência e na autogestão da aprendizagem;
· Razões da aprendizagem: as pessoas aprendem o que realmente precisam de saber
(aprendizagem para a aplicação prática na vida diária);
· Experiência do aluno: a experiência é rica e fonte de aprendizagem, através da discussão
e da solução de problemas em grupo;
· Orientação da aprendizagem: a aprendizagem baseada em problemas, exigindo ampla
gama de conhecimentos para se chegar a uma solução.
172 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Estas são, com efeito, algumas das orientações que se prendem com o desenvolvimento
desta área do saber.
O desenvolvimento desta ciência está, hoje em dia, cada vez mais justificada, em virtude da
alteração das estruturas demográficas da população residente nos países mais desenvolvidos,
devido ao aumento da sua esperança de vida e ao desenvolvimento de programas de acção,
relacionados com a formação ao longo da vida e com a ocupação dos tempos de lazer.

Educação e formação de adultos


O desenvolvimento da educação orientada para a população adulta tem vindo a merecer
a maior atenção por parte de organismos internacionais, tais como a UNESCO, e por parte
dos governos, preocupados com o aumento do analfabetismo e da “iletracia” entre os seus
habitantes. Em Portugal, foi com a Revolução de Abril de 1974 que a questão relacionada
com a educação de adultos passou a ser devidamente considerada com a criação, no
Ministério da Educação, de uma Direcção-Geral de Educação Permanente, responsável pela
elaboração do Plano de Educação de Adultos (PNAEBA), em 1979. De acordo com Melo (1981,
p. 375-376), este plano visava:
“a) o desenvolvimentro cultural e educativo da população (…);
b) assegurar, de modo permanente, a satisfação das necessidades básicas da educação,
formal e informal, de adultos (…);
c) assegurar as condições para que todos os adultos que o desejem tenham acesso à
alfabetização e, progressivamente, aos vários graus de escolaridade obrigatória;
d) assegurar a melhoria da qualidade pedagógica das acções de alfabetização e de
educação de base dos adultos”.

Na actualidade, as preocupações com esta modalidade de educação integram o “ensino


recorrente”, organizado em planos de estudos que conduzem à obtenção de um grau e
atribuição de um diploma ou certificado equivalentes aos do ensino regular. A sua organização
processa-se de forma autónoma deste, com programas distintos, relacionados com os três
ciclos de escolaridade básica: 1º, 2º e 3º Ciclo do EB.
Para além de outros objectivos, o ensino recorrente tem como objectivos fundamentais
(ME-Direcção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular):
· “A compreensão e o respeito pela diversidade dos costumes e das culturas, tendo em
vista a paz e a cooperação, tanto no plano nacional como no internacional;
· A consciencialização das relações que ligam o homem ao seu meio físico e cultural, no
sentido de melhorar esse meio, de respeitar e proteger a natureza, o património e os
bens comuns;
· A aquisição, só, em grupo e no contexto dos ensinos formal e não formal, de novos
conhecimentos, qualificações, atitudes ou comportamentos que contribuam para o
desenvolvimento integral da personalidade;
· A articulação progressiva entre a educação dos adultos e as diferentes actividades sociais
e profissionais;
· O desenvolvimento da capacidade de criar, só ou em grupo, novos bens materiais,
espirituais e estéticos;
Jorge Carvalho Arroteia 173

· O desenvolvimento da capacidade de discernimento necessária para:


· a utilização dos meios de comunicação social;
· a interpretação das diversas mensagens dirigidas pela sociedade ao homem
contemporâneo;
· “Aprender a Aprender” e de “Aprender a Empreender”.

A concluir, diremos com Girod (1981, p. 229) que a formação permanente “parece ser
uma fórmula permanente de obter efeitos particularmente notáveis quanto ao aumento das
possibilidades de promoção dos indivíduos de origem modesta”, ou seja, uma forma de ultrapassar
as barreiras socioculturais existentes e de promover a democratização da educação.
Formação profissional

Como refere Martins (1996, p. 168), nas sociedades socialmente estratificadas, “o indivíduo
precisa ser orientado e motivado para o desempenho de papéis sociais que se encontram
estratificados quanto a rendas e estatuto, o que, por si só, o irá posicionar numa escala
diferenciada”. Assim, o processo de socialização para o trabalho e de capacitação para o
desempenho de uma actividade laboral, ou seja, a formação profissional numa sociedade
marcada por uma cada vez maior divisão e segmentação do trabalho social, cabe às instituições
escolares e de formação especialmente vocacionadas para este efeito.
No entanto, esta pode realizar-se através da inserção no mercado de emprego, com carácter
subsidiário da formação escolar, e visando os indivíduos que saíram do sistema de ensino sem
qualificação própria e pretendem ingressar no mercado de trabalho. Complementarmente a
esta, o “sistema de aprendizagem visa assegurar a integração de profissionais qualificados
nas empresas”, em regime de alternância e contempla as valências seguintes: “reforço de
competências académicas, pessoais, sociais e relacionais, aquisição de saberes no domínio
cinetífico-tecnológico e uma sólida experiência na empresa” (CEDEFOP, 2006).
De acordo com a LBSE (artº 19), a formação profissional, “para além de complementar
a preparação para a vida activa iniciada no ensino básico, visa a integração dinâmica no
mundo do trabalho pela aquisição de conhecimentos e de competências profissionais, por
forma a responder às necessidades nacionais de desenvolvimento e à evolução tecnológica”.
O referido documento estabelece, ainda, as normas de acesso à formação profissional, como
a sua estrutura e organização, e defende, por outro lado, diversas formas institucionais que
assegurem o funcionamento dos cursos e módulos de formação profissional destinadas a esta
população escolar. Entre estas, contam-se não só as escolas de ensino básico e secundário,
as empresas e autarquias e outras instituições especialmente criadas para este efeito.
Em quaisquer dos casos tem acesso à formação profissional:
· “os que tenham concluído a escolaridade obrigatória;
· os que não concluíram a escolaridade obrigatória até ao limite desta;
· os trabalhadores que pretendam o aperfeiçoamento ou a reconversão profissionais”.

O GIASE/ME (2006, p. 18) considera a existência de três tipos de cursos:


· curso profissional, o que “tem por objectivo imediato a preparação científica e técnica
para o exercício de uma profissão ou ofício, privilegiando assim a qualificação inicial para
entrada no mundo do trabalho e permitindo ainda o prosseguimento de estudos”;
· curso de especialização tecnológica, que corresponde à “oferta formativa pós-secundária
não superior que prepara jovens e adultos candidatos ao primeiro emprego para o
176 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

desempenho de profissões qualificadas, por forma a favorecer a entrada na vida activa.


A organização do curso tem componentes de formação em contexto escolar e em
contexto de trabalho. Confere um Diploma de Especialização Tecnológica e qualificação
profissional de nível 4”;
· curso de educação e formação, “oferta formativa destinada preferencialmente a jovens
com idades iguais ou superiores a 15 anos, em risco de abandono escolar ou que já
abandonaram o sistema educativo antes da conclusão da escolaridade de 12 anos,
bem como àqueles que, após a conclusão do ensino secundário, não possuindo uma
qualificação profissional, pretendam adquiri-la para ingresso no mercado de trabalho.
Conferem qualificação profissional de nível 1, 2 ou 3 e certificação de conclusão dos 6º,
9º ou 12º anos de escolaridade, respectivamente”. Este tipo de formação está abrangido
pelo sistema de aprendizagem criado em 1980 e regulado pela Lei de Aprendizagem, de
1984, na qual tem parte activa o Instituto de Emprego e Formação Profissional.

No âmbito do ensino secundário, a formação profissional é assegurada pelos cursos


tecnológicos e pelas escolas profissionais. Estas foram instituídas em 1989, podendo ser de
natureza pública ou privada. Na sua essência, tais cursos têm presente a “inserção dos jovens
na vida activa (MARTINS, 1999, p. 105), conduzindo, mesmo assim, “a uma proliferação dos
diplomas com a sua desvalorização” (Loc. cit.), parecendo conduzir este ensino técnico e
profissional a apresentar “características capazes de dar respostas a situações funcionais
e disfuncionais muito diversas” (Loc. cit.).
Na sequência daquelas iniciativas, foram criados, em 2006 (Dec.-Lei nº 88/2006, de 23MAI06),
cursos de especialização tecnológica, como formações pós-secundárias, não superiores, que
visam conferir qualificação profissional de nível 4. De acordo com o referido diploma de criação,
esta formação caracteriza-se por:
“a) Ser uma formação técnica de alto nível;
A qualificação dela resultante inclui conhecimentos e capacidades que pertencem ao nível
superior;
c) Não exigir, em geral, o domínio dos fundamentos científicos das diferentes áreas dos
cursos;
d) As capacidades e conhecimentos adquiridos através dela permitirem assumir, de forma
geralmente autónoma ou de forma independente, responsabilidades de concepção e ou
de direcção e ou de gestão”.

Estes cursos assentam num modelo de formação com componentes de formação e de


aprendizagem, nas áreas técnica, científica e cultural, e nas exigências do mercado de trabalho.
Para tanto, as instituições de formação: escolas secundárias, profissionais, centros de formação
profissional, escolas tecnológicas e instituições de ensino superior devem estabelecer parcerias
com as empresas e os operadores do mercado de trabalho”, visando direccionar a aprendizagem
para uma efectiva inserção profissional e assegurar também o reconhecimento dessas
aprendizagens para efeitos de prosseguimento de estudos no ensino superior” (Preâmbulo).
Caso específico da formação profissional é a oferta de formação para adultos, com idade
superior a 18 anos, que corresponde à escolaridade básica de 9, 6 e de 4 anos e aos níveis
Jorge Carvalho Arroteia 177

de qualificação profissional 2 e 1 da Comunidade Europeia (classificação que engloba 5 níveis


distintos, cada um deles correspondente à aquisição de conhecimentos e de competências
profissionais, relacionados com a execução de determinadas tarefas, das mais simples ao
exercício autónomo de um profissão).
De salientar que a versão provisória da Constituição Europeia da Educação (artº III-282)
atribui à acção da União Europeia:
“a) facilitar a adaptação às mutações industriais, nomeadamente pela formação e reconversão
profissional;
b) melhorar a formação profissional inicial e a formação contínua, a fim de facilitar a inserção
e a reinserção profissional no mercado de trabalho;
c) facilitar o acesso à formação profissional e favorecer a mobilidade dos formadores e de
indivíduos em formação, nomeadamente os jovens;
d) estimular a cooperação em matéria de formação entre estabelecimentos de ensino ou
de formação profissional e empresas;
e) desenvolver a troca de informações e de experiências sobre questões comuns aos
sistemas de formação dos Estados-membros.
2. A União e os Estados-membros favorecem a cooperação com países terceiros e
organizações internacionais competentes em matéria de formação profissional”.

Tendo em conta a experiência vivida em diferentes países, Gomes (1990, p. 113) reconheceu,
a propósito deste tipo de ensino, profissionalizante, e da dualidade a respeito do ensino
académico, o seguinte: “observamos que a gama de alternativas adotada é limitada pelo pano
de fundo da estratificação social e da diversidade de recompensas concedidas a diferentes
tipos e graus de escolaridade e ao exercício de diferentes papéis profissionais. Isso não
significa que a escola atue nesta dinâmica como mero vagão, como também não exerce a
função de locomotiva. Cabe-lhe, portanto, agir do melhor modo possível dentro dos limites da
sua atuação”.
Funções da educação

Embora de forma explícita ou mesmo de forma implícita, o sistema educativo, enquanto


subsistema social, transmite um conjunto de noções, valores e conceitos que asseguram ao
indivíduo, nos diversos estádios do seu desenvolvimento, a sua integração social e profissional.
Difíceis de enumerar, este conjunto de ensinamentos, veiculados pela escola e pelo sistema
educativo em geral, realçam sempre a importância da educação na preparação do indivíduo
para a vida adulta.
Por definição, o sistema educativo português “tem por âmbito geográfico a totalidade do
território português” e “desenvolve-se segundo um conjunto organizado de estruturas e de
acções diversificadas” (artº 1º – LBSE). Estas agrupam-se em ciclos de aprendizagem distintos
e através de iniciativas diversas de natureza formal e não formal.
Lê-se, em diferentes alíneas do artº 3 da LBSE, que o nosso sistema educativo deverá
organizar-se (artº 3.a) de forma a “contribuir para a defesa da identidade e para o reforço
da fidelidade à matriz histórica de Portugal, através da consciencialização relativamente ao
património cultural do povo português, no quadro da tradição universalista europeia e da
crescente interdependência e necessária solidariedade entre todos os povos do Mundo”.
Esta é, uma das primeiras obrigações que realçam a “função socializadora”, a exercer não só
através da escola, mas também da família, dos grupos de amigos e da comunicação social.
Sendo esta uma das principais funções da educação, reconhecemos a existência de diversos
condicionalismos, físicos, materiais e humanos, que nem sempre permitem à instituição escolar
um melhor cumprimento. Complementarmente, são as disponibilidades económicas, individuais
e societais, da família e do país, que afectam esta acção. Contudo, a montante e a jusante da
escola, outros factores condicionam estas tarefas. Naturalmente que, devendo a família partilhar
a responsabilidade do processo de socialização, ou mesmo desempenhá-la em predominância,
sobretudo nos primeiros anos de vida dos alunos, é a “herança cultural” destes indivíduos que
vai condicionar, em primeiro lugar, o nível e a intensidade deste fenómeno.
Deixemos a “função socializadora” da educação. Retomemos uma segunda tarefa a cumprir
pela escola, neste caso a que permite “o desenvolvimento das capacidades de reflexão crítica,
estimulando a capacidade de formulação de juízos pessoais e a intervenção dos alunos
nos diversos sectores da vida social” (ARROTEIA, 1991, p. 32). Esta é a chamada “função
personalizadora”, que, complementarmente à primeira, orienta o desenvolvimento dos alunos nos
domínios, intelectual, cognitivo, afectivo, psicomotor, espiritual e moral, favorecendo o equilíbrio
da personalidade e a sua realização pessoal. Tais obrigações estão, igualmente, consignadas
no artº 3, da LBSE.b), c) e d), que estipula ser obrigação do nosso sistema educativo:
180 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

· “contribuir para a realização do educando, através do pleno desenvolvimento da personalidade,


da formação do carácter e da cidadania…;
· assegurar a formação cívica e moral dos jovens;
· assegurar o direito à diferença, mercê do respeito pelas personalidades e pelos projectos
individuais da existência, bem como da consideração e valorização dos diferentes saberes
e culturas”.

Já nos referimos ao papel que a escola desempenha na preparação dos jovens para a vida
activa. Da mesma forma, já demos a entender que esta preparação laboral pode ser entendida
como uma necessidade decorrente do processo civilizatório que hoje experimentamos e que
tem determinado constantes e profundas transformações na divisão e na natureza do trabalho
social. Tais atributos levam-nos a pensar que a escola deverá ter um papel a desempenhar
na preparação específica para o desempenho da profissão dos alunos que a frequentam.
É a chamada função de “capacitação profissional”, à qual deverá corresponder uma especialização
laboral que se torna mais evidente em algumas das vias do ciclo terminal de estudos da
escolaridade pós-obrigatória.
A LBSE, no seu artº 3.e), defende, ainda, que o sistema educativo se deve organizar, de
forma a:
· “desenvolver a capacidade para o trabalho e proporcionar, com base numa sólida
formação geral, uma formação específica para a ocupação de um justo lugar na vida
activa (…)
· contribuir para a realização pessoal e comunitária dos indivíduos, não só pela formação
para o sistema de ocupações socialmente úteis, mas ainda para a prática e aprendizagem
da utilização criativa dos tempos livres”.

Esperamos ainda da escola o cumprimento de uma outra função relevante: o seu contributo
para a “mudança social”, a qual se fará sentir não só por via dos conhecimentos transmitidos
pela própria escola, mas também através das aprendizagens sucessivas que vão permitir vencer
as barreiras sociais, culturais e tecnológicas e o avanço da sociedade. Como se compreende,
este atributo será naturalmente condicionado pelo tipo de organização social (bastante
estratificada), e pela configuração do próprio sistema educativo.
Como anteriormente notámos (ARROTEIA, 1993), um “sistema educativo aberto”, que garanta,
com sucesso, uma elevada esperança de vida escolar aos alunos e uma satisfação profissional
aos seus docentes, estará certamente em melhores condições de permitir esta mudança do
que um “sistema educativo selectivo”, onde as desigualdades sociais se perpetuam, arrastando
consigo a capacidade de mobilização interna e a dinâmica deste conjunto.
Convirá recordar que, em muitos dos seus aspectos, a capacitação profissional será avaliada
pela produtividade do próprio sistema, dos seus “outputs” e do contributo que o sistema
educativo vier a dar ao desenvolvimento dos restantes sistemas sociais. Daí que esta mudança
social ande, em muitos dos seus aspectos, intimamente ligada a uma outra função, não menos
relevante, a chamada “função económica”.
Tomando por base a LBSE, artº 3. g), h) e i), o sistema educativo português deverá organizar-se,
de forma a:
Jorge Carvalho Arroteia 181

· “descentralizar, desconcentrar e diversificar as estruturas e acções educativas, de


modo a proporcionar uma correcta adaptação às realidades, um elevado sentido de
participação das populações, uma adequada inserção no meio comunitário e níveis de
decisão eficientes;
· contribuir para a correcção das assimetrias de desenvolvimento regional e local, devendo
incrementar em todas as regiões do país a igualdade no acesso aos benefícios da
educação, da cultura e da ciência;
· assegurar uma escolaridade de segunda oportunidade aos que dela não usufruíram na idade
própria, aos que procuram o sistema educativo por razões profissionais ou de promoção
cultural, devidas, nomeadamente, a necessidades de reconversão ou aperfeiçoamento
decorrentes da evolução dos conhecimentos científicos e tecnológicos”.

Note-se que, cabendo à educação formal uma parte, apenas, da responsabilidade nas
aprendizagens que preparam para a vida activa, a função económica da educação será
igualmente posta em causa pela natureza das aprendizagens (e pelo contributo que estas venham
a revelar), induzidas pelo próprio sistema educativo. Em teoria, a escola deve contrapor-se à
“selecção social”, determinada pela estratificação social dominante. Contudo, sabemos que a
escola continua a desempenhar essa função de selecção, embora lhe caiba (artº 3.j) “assegurar
a igualdade de oportunidades para ambos os sexos, nomeadamente através das práticas de
co-educação e da orientação escolar e profissional, e sensibilizar, para o efeito, o conjunto de
intervenientes no processo educativo”.
Para além da importância da escola na formação das “élites”, através da selecção que
pratica, dos conteúdos que ensina, dos métodos de gestão que utiliza ou das actividades que
promove, a escola não deixa igualmente de desempenhar uma importante “função política” e
de formação para a “cidadania”. Assim, a LBSE, no seu artº 3.l), estipula: o sistema educativo
deve organizar-se de modo a:
· “Contribuir para desenvolver o espírito e a prática democráticos, através da adopção
de estruturas e de processos participativos na definição da política educativa, na
administração e gestão do sistema escolar e na experiência pedagógica quotidiana, em
que se integram todos os intervenientes no processo educativo, em especial os alunos,
os docentes e as famílias”.

A leitura que fazemos circunscreve-se aos aspectos enunciados na LBSE. Às organizações


escolares cabe a implementação de actividades que permitam a prossecução plena destes
objectivos, tendo em conta a necessidade de um novo modelo de escola, centrada no
desenvolvimento humano, na participação de todos os seus actores, na realização de múltiplas
actividades extra-curriculares, na reflexão e debate dos problemas actuais e na ligação estreita
à comunidade, ou seja, de uma escola “promotora e facilitadora de um processo educativo
integrador e participativa” (PATRÍCIO, 1990, p. 78).
Estes aspectos devem ter em conta a aprendizagem dos alunos e o desenvolvimento da
sua personalidade, promover o sucesso educativo desta população, incentivar a utilização dos
recursos educativos, estimular o diálogo entre os vários interlocutores do processo educativo, de
182 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

modo a promoverem o desenvolvimento social e humano dos alunos e a sua melhor adaptação
ao seu meio social (DURKHEIM, 1980, p. 58).
Consideremos, por fim, uma função primordial nas sociedades modernas: a “função cívica”.
De acordo com Colom e Domínguez (1997, p. 34), a educação desempenha, nas sociedades
modernas, quatro funções políticas importantes:
· “a formação da cidadania e, por isso, a aprendizagem vital numa sociedade livre e plural.
A educação integra o homem e o seu meio e permite desenvolver-se nele de acordo com
um código ético-ideológico que se vai inculcando com a escolaridade;
· a formação da entidade nacional, não só pela transmissão ideológica e axiológica, mas
também devido à coesão nacional que resulta de uma cultura comum, de formas e de
valores comuns e de uma forma de estar no mundo, igualmente comum e diferenciada
dos demais (conceito de cultura nacional);
· como consequência dos contributos anteriores, a educação ajuda à reprodução do
poder da classe dominante, o que permite o perdurar do sistema e das regras de jogo
estabelecidas (as democracias formais e os sistemas políticos de governo, de participação,
de eleição, de justiça, etc.);
· Alimentar e reforçar esta situação através do capital humano, do sistema económico
dominante (liberalismo industrial)”.

Da mesma forma, não escondem a necessidade do conjunto de preocupações relacionadas


com as expectativas da sociedade:
· Funções da educação;
· Educação e desenvolvimento humano;
· Educação e desenvolvimento económico e social.

Tal tipo de análise exige uma exploração mais segura dos diferentes contextos sociais e dos
fenómenos que lhe andam associados e que têm marcado algumas das grandes preocupações
de política educativa.
Gestão

De acordo com Dacal (1986, p. 247), a gestão consiste numa “função empresarial básica,
tendente à utilização mais eficaz possível, mediante a adequada execução de um complexo
conjunto de procedimentos racionais e tecnológicos, dos recursos com que conta uma
organização para a consecução dos seus objectivos”. O desenvolvimento desta actividade aplica-se
aos sistemas sociais e de ensino, no seu conjunto, e às organizações com responsabilidades na
educação e na formação da população escolar e adulta.
Note-se a importância do exercício das tarefas de gestão e o contributo das “boas práticas”,
não só ao nível dos estabelecimentos de ensino, mas também no âmbito das políticas públicas
relacionadas com as finanças, os recursos físicos e humanos, o currículo e a formação.
Se atendermos às tarefas relacionadas com o exercício destas funções ao nível das
empresas, Barroso (1996, p. 125), transcrevendo referência de outro autor, Katz, assinala o
seguinte: “os chefes executivos de um empresa desempenham três grandes categorias de
tarefas: ‘técnicas’ (de acordo com a natureza específica das actividades da organização);
‘de concepção’ (relativas ao funcionamento global e controlo da organização); ‘relações
humanas’ (abrange todos os aspectos da gestão de pesssoal)”. Por sua vez, “Morgan e a
sua equipa acrescentaram uma quarta categoria de tarefas ‘gestão externa’ (relações com
a comunidade e prestação de contas)”. A contextualização destas tarefas ao exercício das
funções de “chefe de estabelecimento de ensino” permitiu a Barroso (Loc. cit.) referenciar um
conjunto de 16 subcategorias que identificam as diferentes tarefas técnico/educativas contidas
naqueles quatro grandes grupos.
Havendo correntemente lugar para reparos, sobretudo devido aos disfuncionamentos do
sistema, geradores de perturbações ao nível dos diferentes subsistemas sociais relacionados
com o sistema de ensino, a gestão dos sistemas educativos e da escola tem vindo a tornar-se
cada vez mais complexa devido à diversidade de contextos nacionais e locais, à disponibilidade
de recursos financeiros, ao acréscimo da procura social da educação e à necessidade de uma
boa racionalização dos meios e do “capital humano” disponível. Por estas razões, torna-se
necessário desenvolver sistemas de informação credíveis e canais de informação fiáveis,
os quais permitam a formulação de políticas educativas que promovam o desenvolvimento
assertivo do sistema de ensino e a sua articulação com os demais sistemas sociais.
Embora as considerações acima tecidas digam respeito à gestão em sentido amplo, é
importante reflectir sobre a sua adequação ao sistema educativo, aos fenómenos, aos contextos
e às práticas que aí têm lugar.
184 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Clima escolar
Tal como acontece noutras organizações, também na escola o desenvolvimento de diferentes
tipos de liderança tem como resultado a criação de diversos ambientes de trabalho. Estes podem
ser apreciados em termos de motivação e da participação colectiva, de relações humanas ou
de desempenho, aspectos que se traduzem não só na construção e no desenvolvimento do
projecto da organização, nos resultados alcançados, mas também nas relações com o ambiente
externo. Assim, utilizando uma grelha proposta por Gomes (2005, p. 217), baseado em estudos
de outros autores, o clima da escola é uma das componentes de factores de efectividade da
mesma, conjuntamente com a liderança educacional, o consenso e coesão da equipe escolar,
o potencial de avaliação e o envolvimento dos pais. No caso específico do clima da escola, as
suas componentes fundamentais são as seguintes: “atmosfera de ordem; importância atribuída
a um clima de ordem; normas e regulamentos; sanções e recompensas; absenteísmo e evasão
(baixos ou nulos); boa conduta dos alunos; satisfação com o clima de ordem” (Loc. cit.).
Tendo presente o funcionamento das escolas, como organizações sociais, e procurando
transferir para este meio as experiências recolhidas noutros contextos sociais, nomeadamente o
meio industrial, o clima das instituições de ensino apresenta certas características evidenciadas
nesses trabalhos. Como assinala Carvalho (1992, p. 27), os estudos primeiramente realizados
sobre este assunto apresentavam duas características essenciais: “uma base conceptual nas
teorias clássicas da organização e uma base operacional na utilização de um conjunto de
instrumentos de medida e classificação do clima organizacional”.
A este respeito, Brunet (1992, p. 125-126) escreve que a noção de “clima organizacional” tem
variado ao longo dos anos, centrando-se na actualidade, “na medida perceptiva dos atributos
organizacionais”, os quais: “a) diferenciam uma dada organização, podendo considerar-se
que cada escola é susceptível de possuir uma personalidade própria, um clima específico;
b) resultam dos comportamentos e das políticas dos membros da organização, especialmente
da direcção, uma vez que o clima é causado pelas varáveis físicas (estrutura) e humanas
(processo); c) são percepcionadas pelos membros da organização; d) servem de referência
para interpretar uma situação (…), e) funcionam como um campo de força destinado a dirigir
as actividades, na medida em que o clima determina comportamentos organizacionais”.
Assim, os seus efeitos fazem-se sentir ao nível dos resultados individuais, do grupo e da
própria organização. Por isso, Carvalho (1992, p. 31) recorda que “o clima social de uma escola
incorpora duas dimensões interligadas:
a) clima organizacional, respeitante aos valores, normas e padrões de interacção dos
membros de uma escola relacionáveis com a intervenção administrativa (direcção e
gestão escolar);
b) clima académico, respeitante às atitudes e aos valores educativos, próprios dos professores
e dos alunos de uma escola”.

Tendo em conta as características acima referidas, o clima organizacional pode ir de um


extremo, aberto, ao outro, fechado, referindo “um sistema muito autoritário (fechado) até um
sistema muito participativo (aberto), como asssinala Brunet (1992, p. 130).
De Ghilardi e Spallarossa (1989, p. 115-119) recordamos os seis tipos distintos de clima
escolar, propostos por estes autores:
Jorge Carvalho Arroteia 185

· aberto: dominando a satisfação e a motivação dos diversos actores sociais;


· autónomo: caracterizado por alguma indiferença, impessoalidade e controlo escasso;
· controlado: com baixo grau de “sociabilidade” e fraca satisfação das necessidades
pessoais;
· familiar: realçando a proximidade entre os membros, fraca avaliação do trabalho dos
professores;
· paternalista: ocorrendo um maior controlo dos professores, omnipresença do líder e
alguma ausência de satisfação;
· fechado: responsável por alguma desmotivação geral e ausência de sucesso e contradição
interna das atitudes do líder.

No seu conjunto, estes estilos podem co-existir dentro da mesma organização ou serem
preponderantes ao longo dos seus diversos estádios de evolução.
No que respeita à escola, o clima da mesma, o “ethos” e, sobretudo, o clima da sala de aula
são factores decisivos no aproveitamento dos alunos, podendo revestir atitudes diferenciadas, que
estimulem a participação, a responsabilidade e o envolvimento colectivo nas tarefas escolares.

Estratégia
A estratégia surge associada ao cumprimento de um conjunto de objectivos, de metas, de
normas a executar e de passos a dar por uma organização que pretende atingir determinados
fins, estipulados em programas e em projectos. De acordo com Diz (1999, p. 9), “uma estratégia
fornece rumo certo a um conjunto de actividades diversas, mesmo que as condições da sua
execução se alterem rapidamente. Descreve a forma como a organização prossegue os
seus objectivos perante as ameaças e oportunidades do meio envolvente e os recursos e
capacidades da organização”. Envolve, assim, os objectivos a cumprir e as regras que ditam
o plano de acção da organização; a sua situação interna, que determina os meios postos
à disposição e a consideração do meio externo. De realçar que, tal como o processo de
planeamento em que está integrada, a estratégia pode variar em função de dificuldades e de
oportunidades surgidas no decurso de uma acção.
De acordo com um documento do ME (1987), “entre a política e o planeamento, situa-se a
estratégia”, concretizada “em um ou vários planos, podendo a ordem de prioridade dos objectivos
e a combinação dos meios mudar de plano para plano”. Não será, por isso, desajustado
evocar Cabanas (1989, p. 306), quando aponta a “flexibilidade”, a “continuidade”, a “adaptação”,
a “funcionalidade” e a “actualidade” como características necessárias à prossecução de uma
adequada estratégia educacional. Estratégia esta que, em nosso entender, e para valorizar
ainda mais a escola, terá de ser acompanhada pela implementação de processos de melhoria
da qualidade, assentes quer na formação contínua dos professores, quer na melhoria da
informação e da motivação dos diversos actores sociais envolvidos no sistema.
Estas são, com efeito, algumas das metas a atingir pela política de educação, que não
podem pôr em causa nenhum dos pressupostos anteriormente referidos, mas devem, isso
sim, atender cada vez mais ao equilíbrio entre os sistemas sociais e educativos e aos desafios
que ora se levantam, resultantes do ajustamento entre “as necessidades de crescimento e
de desenvolvimento económico (…); a procura crescente da educação e a promoção das
186 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

igualdades de acesso; a explosão do conhecimento e a natureza dos recursos disponíveis; a


harmonia entre a quantidade e a qualidade do ensino” (ARROTEIA, 1991, p. 166).
Como todo o processo de planeamento, a estratégia apresenta um conjunto de condicionantes
relacionadas com a configuração administrativa do sistema, em particular no que respeita às
relações: centro/periferia, traduzidas na própria configuração do Governo; e no centralismo/
descentralização/desconcentração, bem como nos modelos de gestão, com particular realce
para o desenvolvimento da gestão participada. Para além destes factores, a estratégia, como
fase principal de qualquer processo de planeamento, é afectada pela natureza do projecto e
dos programas de Governo, pelos meios e recursos, bem como pela natureza das decisões
normativas, operativas, administrativas e estratégicas das tarefas que permitem alcançar um
determinado fim social, cultural ou educacional, relacionado com aquele processo. É o caso
da educação de qualidade ou da democratização das TIC, apontadas, a par de outros, como
objectivos estratégicos da acção governativa.
Hoje em dia, a estratégia tem vindo a assumir um papel relevante quanto à visão e ao traçado
dos cenários relacionados com o processo de desenvolvimento, denotando-se como uma área
específica de intervenção, a gestão estratégica. De acordo com Diz (1999, p. 9), “a gestão
estratégica é o processo através do qual a gestão de topo determina a direcção e a performance
de longo prazo da organização, assegurando que se procede a uma formulação segura, a uma
implementação apropriada, a uma contínua avaliação e às correcções que desta resultem
necessárias”. Prossegue o mesmo autor (Op. cit., p. 10), afirmando, assim, que “a gestão
estratégica (…) ainda se encontra muito relacionada com a função de planeamento, função de
gestão na qual os gestores de topo se envolvem nas suas diversas componentes. O processo de
gestão estratégica utiliza a função de planeamento na determinação de objectivos e na selecção
e descrição de acções específicas para os atingir. O processo requer, ainda, planeamento pelos
indivíduos, a todos os níveis, e utiliza planos como forma de comunicação e coordenação.”
Por isso, esta requer diferentes contributos no sentido de permitir uma determinada linha
orientadora de acção, de participação e de implementação de objectivos relacionados com os
fins a prosseguir por uma determinada organização. Assim, se atendermos ao desempenho de
uma organização, este tipo de intervenção procura um equilíbrio entre a eficiência e a eficácia.

Liderança
De acordo com Diz (1999, p. 47), “a liderança estabelece o tom e instila os valores da
organização, constituindo-se como ponto de referência para os outros membros no cumprimento
do seu dever”. Assim, como defendem Ghilardi e Spallarossa (1989, p. 103), a “capacidade que
influencia o comportamento de pessoas e grupos para atingir determinados objectivos”, ou seja,
a “liderança”, depende de um conjunto de elementos respeitantes ao próprio grupo. São eles:
· a coesão entre todos os membros do grupo e a coordenação das suas actividades, em
função dos objectivos e das metas previamente fixadas;
· a motivação e o aproveitamento de todos os recursos (pessoais e técnicos) dos membros
do grupo, a fim de que eles sintam como seus os objectivos estabelecidos;
· a existência de redes de informação entre todos os membros, de forma a assegurarem
a representação dos objectivos comuns, tanto no seu interior como perante o ambiente
exterior.
Jorge Carvalho Arroteia 187

Em resultado desta acção, criam-se diversos estilos de liderança (Ob. cit., p. 105), de
que salientamos: “autoritário”, “democrático” e “laissez-faire”, tendo presente que raramente
existem estilos puros, mas sim a combinação das suas diferentes facetas. Mesmo assim,
podemos dizer que o estilo “autoritário” se identifica pelas tomadas de decisão, em exclusivo
pela direcção e com a indicação das tarefas e das actividades a cumprir entre os membros
do mesmo grupo, que são afastados de qualquer participação nas deliberações de gestão.
Já o estilo “democrático” caracteriza-se pelas tomadas de decisão de tipo participativo, pela
discussão entre os membros desse grupo (assistida e estimulada pelo “líder”), pela divisão de
tarefas e pelo facto de a escolha dos parceiros para as realizarem ser da responsabilidade
dos elementos do grupo. Por sua vez, no estilo “laissez-faire”, as tomadas de decisão não são
devidamente estruturadas, havendo liberdade de acção entre os membros da organização, em
virtude da participação, mínima, do respectivo “líder”.
Escusado será referir as virtualidades e os inconvenientes destas práticas de gestão.
O primeiro estilo de liderança parece favorecer a hostilidade, a agressão, a competitividade, a
tensão e, por vezes, a apatia e a fraca participação em relação à pressão exercida pelo “chefe”.
Acompanham, ainda, estas características a fraca satisfação pessoal ou a insatisfação pelo
trabalho realizado, resultantes, muitas vezes, de relações pessoais fracas e da ambiguidade e
rigidez nas relações entre os membros do grupo e o seu líder.
Mais favoráveis parecem ser as intervenções de tipo “democrático”. Neste caso, o desempenho
do líder facilita a cooperação, a produtividade e a integração acrescidas dos elementos nas
tarefas a executar e na sua repartição individual. Daí a maior participação colectiva, um maior
aproveitamento das capacidades individuais e uma organização mais racional dos trabalhos a
executar, traduzidas, igualmente, numa maior satisfação pessoal e do trabalho a desenvolver.
Por fim, o estilo “laissez-faire” dá origem, frequentemente, a um maior desperdício de tempo,
à formação de diversos “subgrupos” e à dificuldade de se atingirem os objectivos que deveriam
animar a própria organização. Em consequência, a satisfação pessoal é geralmente insuficiente
perante os fracos resultados alcançados pelo grupo.
Transpondo estes resultados para a organização escolar, certo é que o comportamento
dos “líderes” institucionais, e da própria direcção, nas suas relações com os professores, os
funcionários e os próprios alunos, vai determinar a existência de diversos tipos do “clima”
escolar e condicionar a “coesão” e a “qualidade” da escola, em função da natureza dos projectos,
da estratégia dos líderes e do empenhamento colectivo em torno de um projecto, dinâmico e
participado. Assim, a participação na decisão, nos seus diferentes níveis, exige um conjunto de
requisitos, relativos quer à disponibilização de redes de informação e à prática da participação,
quer ao exercício de liderança(s) capaz(es) de acompanhar as práticas de gestão e o
desempenho das organizações sociais.
Trata-se de um tema que tem sido objecto de diferentes tipos de abordagens (BILHIM,
1996), baseadas quer na “atribuição da liderança” a pessoas com determinados traços, tais
como “inteligência, personalidade ousada, aptidão verbal forte, agressividade, compreensão
e engenho” (Op. cit., 286), quer na “liderança carismática” (Op. cit., p. 287), assente na
autoconfiança, na visão sobre o futuro, na capacidade e facilidade de comuicação, em
convicções fortes, em comportamentos fora das normas, no reconhecimento como agente de
mudança e na sensibilidade em relação ao meio envolvente.
188 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Estes considerandos permitem ao referido autor (Op. cit., p. 288) afi rmar que esta
“é particularmente necessária quando existe no trabalho uma componente ideológica forte,
nomeadamente no período inicial de certas organizações”, podendo, por isso, ser ensinada
e aprendida.
Indicadores

O conhecimento da realidade social e escolar de um país ou de uma organização exige


a utilização de dados quantitativos que permitam identificar a extensão de um atributo ou de
uma característica comum aos diversos indivíduos que fazem parte do universo considerado.
Tal facto é, sobretudo, relevante em estudos de economia da educação, onde a noção de custo
unitário levanta um conjunto de questões relacionadas com a dificuldade de se afectar “um valor
monetário à actividade educativa, uma vez que não existe uma medida objectiva que permita
medir este bem” (ORIVEL, 1993, p. 5). Tal facto dificulta algumas das tomadas de decisão,
nomeadamente as que se referem à “escolha de programas com as mesmas finalidades ou
que se apresentam de maneira mais eficiente”. Prossegue o mesmo autor, afirmando que
“se se pode obter um resultado idêntico com um custo menor e, se assim não se procede,
desperdiçam-se recursos e obriga-se a sociedade a abdicar de outras utilizações pertinentes
destes recursos” (Loc. cit.).
Se quisermos referir o interesse do sistema de indicadores sociais, podemos transcrever de
Urbano (1972, p. 24) um exemplo de referências que ajudam a compreender a sua utilidade.
Assim, estes podem ajudar:
“1. Prever evoluções futuras e a valorizar a longo prazo as tendências sociais actuais;
2. Medir o impacto, provável, das acções alternativas (…);
3. Estimar o efeito real das iniciativas sociais, ou seja, que objectivos alternativos se podem
alcançar, tendo em consideração os recursos disponíveis e as expectativas de progresso;
4. Desenvolver e acompanhar os indicadores sociais que podem reflectir a qualidade
presente e futura da sociedade (…) e a direcção e ritmo de mudança;
5. Resumir, integrar e correlacionar os resultados das actividades de investigação desenvolvidas
por diferentes organismos”.

Estes objectivos não escondem a necessidade de se repensar, periodicamente, a natureza


dos referidos indicadores, bem como as suas fontes de recolha e meios de processamento
de dados, tendo em conta que os indicadores, sobretudo os de natureza quantitativa, se
devidamente associados e interpretados, são imprescindíveis para a tomada de decisões, na
medida em que exprimem relações entre situações distintas e a sua actualização permanente
permite conhecer e interpretar alterações de contexto e a mudanças sociais em evolução.
Além disso, se devidamente registados e acessíveis ao público, facilitam diferentes tipos de
análise, de natureza académica e outras.
190 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Pela sua natureza, podem, portanto, ser de natureza descritiva, ou analítica, podendo
agrupar-se em temas distintos. De um estudo de Cabanas (1984, p. 83-83), transcrevemos
os “indicadores básicos em educação”, por si sugeridos: taxas de escolaridade, estrutura
educativa, rendimento, democratização, qualidade, educação e desenvolvimento, gastos e
financiamento”. Esta proposta permite que os indicadores recolhidos em cada um dos grupos
assinalados sejam utilizados em política educativa pelos investigadores e público em geral.
Não havendo concordância em relação às tipologias seguidas, apresentamos outra proposta
relacionada com a natureza dos indicadores educacionais.
Referimos, em primeiro lugar, os indicadores de situação, tais como:
· indicadores básicos, que podem incluir dados relevantes sobre a frequência de ensino,
a estrutura da formação, o rendimento, o acesso, a qualidade, os custos e outros;
· indicadores de causalidade;
· indicadores de diagnóstico;
· indicadores de disparidades;
· indicadores de dispersão;
· indicadores de eficácia;
· indicadores de qualidade.

Pese embora a dificuldade em se avaliarem os resultados concretos de certas medidas de


política educativa, a quantificação dos fenómenos sociais e escolares surge como inevitável num
processo de planeamento e de avaliação dessas políticas. E, embora difíceis de estabelecer,
são indispensáveis ao diagnóstico correcto de uma determinada realidade social. No entanto,
a generalização destes indicadores não deve subestimar a importância de uma análise cuidada
que privilegie a educação como factor importante de desenvolvimento humano.
Aquando da análise do sistema educativo no seu conjunto, a diversidade de indicadores
que podemos utilizar pode incidir sobre aspectos tão variados como: acesso; equidade;
eficiência interna; eficiência externa; eficácia; qualidade; custos e financiamento, etc.
Se considerarmos a escala regional, a análise dos diferentes tipos de indicadores deve incidir
sobre três grupos fundamentais:
a) indicadores de cobertura do sistema, tais como: taxas de admissão, taxas de escolarização,
taxas de transição, indicadores de acessibilidade física;
b indicadores de rendimento do sistema, tais como: taxas de promoção, taxas de
aproveitamento, de retenção, taxas de reprovação e taxas de abandono;
c) indicadores de qualidade do sistema, que tenham em consideração os “rácios” (aluno/
turma; aluno/professor, características dos espaços e dimensão dos estabelecimentos).

Mais do que apreciar cada um destes indicadores, será oportuno recordar alguns dos
indicadores específicos da demografia escolar, que nos ajudam a compreender a realidade
portuguesa actual e os êxitos (e necessidades) das reformas educacionais. Globalmente, não
deixamos de agrupar diversos indicadores demográficos em três grandes grupos: os indicadores
de escolarização, os de aproveitamento e os de abandono. Assim:
a) – “indicadores de escolarização” dão-nos uma ideia de eficácia do sistema educativo
e da sua democratização (entendida não só como facilidade de acesso aos
Jorge Carvalho Arroteia 191

equipamentos educativos, mas também como equilíbrio de sexos na fruição


destes bens culturais). Entre estes, destaca-se:
– a taxa bruta de escolarização (relação entre o nº total de alunos matriculados
num determinado ciclo de estudos (independentemente da idade) e a população
residente em idade normal de frequência desse ciclo de estudos). De acordo com o
GIASE/ME (2006, p. 16), referem-se os ciclos de estudo e a idade normal (anos).

Quadro 9

Ciclo de estudos Idade normal (anos)


Educação Pré-escolar 3-5
Ensino Básico – 1º ciclo 6-9
Ensino Básico – 2º ciclo 10-11
Ensino Básico – 3º ciclo 12-14
Ensino Secundário 15-17
Ensino Superior 18-22

– a taxa real e as taxas específicas de escolarização (por idade, isolada ou grupo de


idades). No primeiro caso, trata-se da relação entre o nº de alunos matriculados
num determinado ciclo de estudos, em idade normal de frequência desse ciclo,
e a população residente dos mesmos níveis etários. Já a taxa de escolarização,
por idade, corresponde à relação percentual entre o nº de alunos matriculados
e a população residente, em cada uma das idades.
b) No que respeita aos indicadores de “aproveitamento”, recordamos:
– taxa de aprovação;
– taxa de retenção e desistência (relação percentual entre o nº de alunos que
não podem transitar para o ano de escolaridade seguinte e o nº de alunos
matriculados, nesse ano lectivo);
– taxa de transição/conclusão (relação percentual entre o nº de alunos que, no
final de um ano lectivo, obtêm aproveitamento, podendo transitar para o ano
seguinte, e o nº de alunos matriculados, nesse ano lectivo). A conclusão de
estudos aplica-se aos 9º e 12º anos de escolaridade;
– percentagem de repetentes (relação percentual entre o nº de alunos matriculados,
pela 2ª ou mais vezes, num determinado ano de escolaridade e o total de alunos
matriculados nesse mesmo ano de escolaridade).

No seu conjunto, estes indicadores dão-nos informações sobre a qualidade do ensino e os


desperdícios causados pelo insucesso escolar dos alunos.
c) Sobre os indicadores de “abandono”, referimos:
– taxa bruta de abandono;
– taxa de abandono de aprovados;
– taxa de abandono de reprovados;
– taxa de desistência.
192 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Estes dados são esclarecedores da atracção (e eficácia interna) do sistema, bem como
das suas capacidades de reter uma população escolarizável, para além do ciclo de estudos
obrigatório.
Os indicadores escolares especializados podem ser agrupados de forma diversa. Transcrevemos
de GEP/ME (1989, p. 18) uma referência sobre os chamados “indicadores de rendimento e de
impacto”, imprescindíveis ao planeamento educativo ao nível do diagnóstico, da definição de
objectivos e da avaliação. Assim:
a) indicadores da população que dizem respeito aos serviços educativos:
· taxas de escolarização por idade;
· taxa de alfabetização;
· distância média casa/escola percorrida pelos alunos (…);
b) indicadores de eficiência interna:
· rácio aluno/professor;
· taxas de repetência e abandono;
· frequência escolar média;
· taxas de aprovação, reprovação;
· custo da educação por aluno;
· espaços médios por aluno (áreas de sala de aula), etc.;
c) indicadores de eficácia externa:
· percentagem de saídas escolares, encontrando emprego no espaço de um ano;
· taxa de desemprego por nível de ensino;
· salários médios dos indivíduos com diferentes níveis e tipos de ensino, etc.;
d) indicadores de eficiência educativa:
· número médio de dias escolares por ano;
· número médio de escolas visitadas por inspectores/supervisores por ano, etc.;
e) indicadores de igualdade de oportunidades:
· taxas de escolarização por regiões (NUTII), por NUTIII e por concelhos;
· despesas em educação per capita;
· rácio aluno/professor, etc. (…).”

De realçar que a apreciação global destes dados não deixa de carecer de uma referência às
próprias condições de acessibilidades (física, económica e sociocultural), bem como de uma
explicação sobre as condições de mobilidade social – passagem ascendente ou descendente
de um estrato social a outro (BIROU, 1978, p. 259) –, ditadas pelo tipo de sociedade em
que vivemos. Neste caso, importa acrescentar aos dados anteriormente referidos a taxa de
feminilidade, entendida como sendo a “relação percentual entre a população escolar do sexo
feminino e a população escolar total (GIASE/ME, 2006, p. 17).
Transcrevemos de GEP/ME (1989, p. 39 e segs) o significado de alguns indicadores:
· taxa de repetência: “relação entre o nº de repetentes num dado ano de estudos e num
dado ano escolar e nº total de alunos (novos inscritos ou alunos que transitaram mais os
repetentes) que, no decorrer do ano escolar precedente, estavam inscritos nesse mesmo
ano de estudos”.
Jorge Carvalho Arroteia 193

· taxa de transição: “relação entre o nº de alunos inscritos pela primeira vez, ou seja,
que transitaram num determinado ano de estudos e num dado ano escolar e o nº total
(incluindo os repetentes) dos alunos inscritos no ano anterior, no ano de estudos
imediatamente inferior”.
· taxa de abandono: “relação entre o nº de alunos que deixaram o sistema, durante ou
no fim de um dado ano escolar e de um dado ano de estudos e o efectivo total desse
mesmo ano de estudos, durante esse mesmo ano escolar”.
· taxa de admissão: “relação entre o nº de crianças efectivamente admitidos (novos
inscritos) no 1º ano de um ciclo e o nº total dos que deveriam ser admitidos”.

Para além destes, tem vindo a revelar-se de grande interesse, sobretudo a nível do ensino
superior, a utilização do “índice de ocupação”, traduzido na relação entre o nº de alunos inscritos
no 1º ano, do curso x/nº de vagas atribuídas, ao curso x. Este indicador permite conhecer quer
o nível de procura efectivo de um determinado curso, quer a evolução da mesma ao longo de
um determinado período.
Para completar os dados anteriores, transcrevemos uma outra grelha de análise dos
sistemas educativos.

Quadro 10. Aspectos da análise

Indicadores
I – Demografia interna Acesso T. Admissão
(Bruta e idade específica)
T. Transição (entre ciclos)
Participação T. Escolarização
(Bruta e idade específica)
Eficácia interna T. Promoção
T. Reprovação
T. Abandono
T. Desperdício
T. Sobrevivência
Rácios
Análise dos Cohortes
II – Análise financeira Origens do financiamento
Natureza e discriminação das despesas
Custos unitários
III – Recursos humanos e equipamentos Pessoal docente
Pessoal não docente
Memória descritiva dos equipamentos
Rácios
Disparidades
Desperdícios
194 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Os indicadores escolares podem associar-se a outros indicadores demográficos, socio-


económicos e culturais que nos ajudam a um melhor conhecimento de sociedade, em geral,
servindo, por conseguinte, para uma melhor compreensão das relações estabelecidas entre
os sistemas social e educativo.
Reportando-nos à realidade portuguesa, são bem conhecidos os dados referentes a alguns
indicadores demográficos – “taxas de natalidade”, de “mortalidade infantil”, etc., bem como dos
seus efeitos sobre o sistema educativo português. Na verdade, se alguns deles condicionam,
directamente, os fluxos de entrada no sistema de ensino – caso da “taxa de natalidade”
e de “acréscimo natural” –, outros ajudam-nos a caracterizar a comunidade local e as suas
condições de vida – caso da mortalidade infantil. Outros, porém, se aplicados à população
escolar, expressam-nos as condições de democratização do ensino – caso da “relação de
masculinidade” – ou dão-nos referências mais profundas acerca da política educativa de um
determinado país, como sucede com a “esperança de vida escolar” da população discente.
O recurso a outros dados pode ajudar-nos a melhor enquadramento geral dos sistemas
educativos. Neste caso, as informações podem ser traduzidas em indicadores gerais, em
quocientes, em índices ou em taxas que nos permitem aprofundar o conhecimento dos sistemas
educativos, por país, facilitando, assim, certas comparações internacionais. Apresentamos
alguns indicadores inicialmente utilizados para contextualizar os sistemas educativos.
A. Indicadores de desenvolvimento económico:
· Produto Nacional Bruto (por habitante);
· Produto Nacional Bruto (taxa de crescimento anual);
· Produto Interno Bruto (PIB);
· variação da produção industrial;
· consumo de energia por habitante;
· rendimento per capita.
B. Indicadores de dependência externa:
· importações de mercadorias (CIF);
· exportações de mercadorias (FOB);
C. Indicadores de nível de vida e bem estar da população:
· esperança de vida da população;
· consumo diário de proteínas animais por habitante;
· percentagem da população residente em centros urbanos;
· estrutura etária da população/grupos funcionais: jovens< 20 anos; adultos;
20-59 anos e velhos> 60 anos;
· telefones (televisores, veículos automóveis e jornais, por ex.) por 1000 habitantes.
D. Indicadores de cobertura e eficiência do sistema educativo:
· taxa de escolarização (geral e por níveis de ensino);
· taxa de escolarização no ensino superior;
· despesas públicas com a educação (% em relação ao total);
· despesas públicas com a educação (em % do PNB);
· despesas públicas com a educação (repartição pelos diferentes níveis de ensino);
· repartição das despesas públicas (correntes e em capital) com a educação.
Jorge Carvalho Arroteia 195

Entre as diferentes preocupações referentes à recolha e à utilização destes instrumentos de


trabalho, a análise estatística dos indicadores qualitativos de “capital humano” relacionados com
o rendimento escolar e com as competências individuais específicas nos domínios da leitura,
das ciências, da matemática e outras, dão-nos informações concretas sobre o funcionamento
dos sistemas educativos e dos seus resultados em determinadas áreas. Entre eles, refere-se o
“Programme for International Student Assessment – PISA”, conduzido pela OCDE (2004).
No domínio dos indicadores internacionais, cabe uma referência aos “indicadores de
desenvolvimento humano”, publicados pelo UNDP (United Nations Development Programme).
Em textos diferentes, o UNDP (1990 e, sobretudo, em 2003, p. 27) confirma que o desenvolvimento
humano está centrado na promoção do bem-estar social, na dignidade humana, na liberdade,
na solidariedade, na tolerância, na equidade e no respeito entre os indivíduos. Por outro lado, o
desenvolvimento humano preocupa-se não só com a satisfação das necessidades essenciais dos
indivíduos, mas também em estabelecer um processo dinâmico de participação e de mobilização
colectivas, aplicando-se tanto aos países menos avançados como aos países industrializados.
Os índices utilizados têm em consideração a esperança de vida, as condições de saúde, o
acesso à educação e ao conhecimento e os recursos que permitem um nível de vida adequado.
Para além destas condições, de índole pessoal, o desenvolvimento humano considera, ainda, a
utilização de outras capacidades relacionadas com o lazer, a produção científica e cultural, bem
como aspectos relacionados com a participação e vivências, social e política, nomeadamente
as que se relacionam com os Direitos Humanos.
O “Human Development Report”, publicado, anualmente, pela UNDP, permite, assim,
conhecer os diversos indicadores relacionados com o “desenvolvimento humano”, por país, e
a sua ordenação mundial. Para tanto, utiliza quatro grupos de indicadores fundamentais:
· HDI: indicador de desenvolvimento humano, baseado em três domínios: longevidade,
medida através da esperança de vida ao nascer; conhecimento, avaliado pela literacia e
frequência da educação primária, secundária e terciária, e o nível de vida, calculado em
GDP/per capita;
· GDI: indicador de desenvolvimento humano, relacionado com as questões de género e
as desigualdades entre homens e mulheres no que respeita aos índices anteriores;
· GEM: indicador relacionado com as oportunidades de género, relacionadas com a
participação e a actividade política e económica entre homens e mulheres;
· HPI: indicador misto que atende aos aspectos relacionados com a pobreza (longevidade,
educação e nível de vida), em países em desenvolvimento (HPI-1) e em países industrializados,
(HPI-2) incluindo, ainda, a exclusão social (Op. cit., p. 353).

Indicadores da OCDE
O conhecimento actual dos sistemas educativos, da sua evolução e análise em diferentes
contextos sociais requer a utilização de diferentes fontes de informação e elementos de análise
que, de forma expedita, informem sobre os aspectos mais determinantes da frequência, dos
custos, da organização e dos resultados alcançados em diferentes contextos educativos.
A utilização desta informação, devidamente sistematizada e contextualizada, permite, ainda,
a análise comparada dos sistemas educativos e uma perspectiva alargada sobre os cenários
actuais e futuros da educação, em diferentes países.
196 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

No âmbito da sua acção internacional, a OCDE tem vindo a publicar um conjunto de


indicadores internacionais sobre o estado da educação em diferentes países: “Regards sur
l’Éducation” (2005), que se constituem como uma informação indispensável para os que
se interessam não só pelos estudos de natureza comparada, mas também pelo estado da
educação em diferentes contextos do globo. A série é composta por 30 indicadores, os
quais permitem entender melhor as análises das políticas de educação levadas a cabo por
este organismo internacional.
Como já assinalámos, a apreciação das políticas de educação, das estruturas, do funcio-
namento e dos resultados dos sistemas educativos exige ter em atenção o contexto em que
se inserem os sistemas e a recolha de informação diversificada sobre a população, os custos,
a escolarização e os seus resultados. Estes aspectos condicionam a arrumação actual das
três dezenas de indicadores seleccionados, em 6 grandes capítulos:
A. Contexto da educação (contexto demográfico);
B. Recursos financeiros e humanos investidos na educação;
C. Acesso à educação, participação e progressão;
D. Ambiente pedagógico e organização escolar;
E. Inserção social e profissional no termo da formação;
F. Resultados escolares dos alunos.

Não se tornando necessário recordar os indicadores que integram cada um destes grandes
grupos de informação, importa salientar que a sua selecção e tratamento permitem conhecer
os aspectos que servem de base a este organismo internacional para a análise das políticas
de educação e dos seus resultados.
LBSE

A Lei de Bases do Sistema Educativo Português (LBSE) – Lei nº 46/86, de 14 de Outubro,


resulta do trabalho parlamentar desenvolvido pelos partidos com assento na Assembleia da
República – PSD, PS, PCP, MDP/CDE e PRD –, que, após apreciação dos diferentes projectos
apresentados pelos grupos parlamentares, votaram, em 24 de Julho de 1986 (com os votos
contra do CDS e abstenção do MDP/CDE – in: PIRES, 1987, p. 7), o texto final desta Lei.
O texto inicial, constituído por 64 artigos, agrupados em 9 capítulos, foi sujeito a alterações
introduzidas pela Lei nº 115/97, de 19 de Setembro, e alterado pela Lei nº 49/2005, de 30
de Agosto, tratando-se de um documento estruturante da acção educativa, que estabelece o
“quadro geral do sistema educativo”.
Os nove capítulos são os seguintes: Cap. I: âmbito e princípios; Cap. II: organização do sistema
educativo; Cap. III: apoios e complementos educativos; Cap. IV: recursos humanos; Cap. V:
recursos materiais; Cap. VI: administração do sistema educativo; Cap. VII: desenvolvimento e
avaliação do sistema educativo; Cap. VIII: ensino particular e cooperativo e Cap. IX: disposições
finais e transitórias.
Nos diversos artigos que integram este documento, definem-se os aspectos gerais que
dizem respeito à orientação, à organização e ao funcionamento do sistema educativo português,
o qual tem por âmbito geográfico a “totalidade do território português”, mas que “deve ter
uma expressão suficientemente flexível e diversificada, de modo a abranger a generalidade
dos países e dos locais em que vivam comunidades de portugueses ou em que se verifique
acentuado interesse pelo desenvolvimento e divulgação da cultura portuguesa” (artº 1).
Destaca-se, na sua organização, a oferta da educação pré-escolar, da educação escolar e da
educação extra-escolar. No que à “educação escolar” diz respeito, esta abarca o ensino básico,
o ensino secundário e o ensino superior, diferenciados nos seus objectivos, organização, acesso,
graus e características da própria rede. Quanto à “educação extra-escolar”, notamos que esta
“engloba actividades de alfabetização e de educação de base, de aperfeiçoamento e actualização
cultural e científica e a iniciação, reconversão e aperfeiçoamento profissional” (artº 4º).
Como observa Lima (1997, p. 70), a “LBSE é mais avançada no domínio dos princípios gerais
do que em termos concretos de configuração organizacional e administrativa de um sistema
educativo realmente descentralizado, capaz de inverter a tradicional tendência centralizadora”.
Contudo, feita uma reflexão sobre a “arquitectura do sistema escolar português” (PIRES, 1997 –
in: BESSA et. al. 1997, p. 43), ao fim de dez anos da publicação deste diploma, o então
Secretário da Subcomissão da Lei de Bases do Sistema Educativo reconhece que o nosso
sistema escolar, que “pretende ser também educativo, isto é, que promova bons resultados”,
198 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

deve continuar a prosseguir dois fins essenciais: “que o sistema escolar entregue à sociedade
novas gerações de bons cidadãos nos sentidos económico, enquanto elemento produtivo,
cultural, enquanto elemento de coesão social, e político, enquanto participante nas decisões
que a todos e a cada um interessa; e que os processos desenvolvidos no interior da escola
promovam a realização do indivíduo, não só enquanto adulto em devir, mas já mesmo na
situação de aluno” (Op. cit., p. 45).

Modalidades especiais de educação escolar


De acordo com a LBSE (artº 16), constituem modalidades especiais de educação escolar:
· a educação especial;
· a formação profissional;
· o ensino recorrente de adultos;
· o ensino à distância;
· o ensino do português no estrangeiro.

Salientamos alguns aspectos destas modalidades:


· A educação especial, destinada a alunos com dificuldades educativas especiais
do ensino público, básico e secundário, contempla a adaptação das condições de
ensino-aprendizagem a este tipo de discentes através de equipamentos e de condições
materiais do ensino, às adaptações curriculares, de organização e de funcionamento
interno das escolas e dos cursos que os acolhem.
· A formação profissional, considerada noutra parte deste estudo, tem em vista permitir a
inserção dos alunos no mundo do trabalho quer através da frequência da rede regular
de ensino secundário, quer através das escolas profissionais.
· O ensino recorrente de adultos, igualmente referido noutra parte deste trabalho, acolhe
alunos que se encontram fora da idade legal de escolarização e acolhe públicos
diferenciados, nomeadamente os que desejam obter formação profissional.
· O ensino à distância, desenvolvido através do recurso “aos multimédia e às novas
tecnologias de informação constitui não só uma forma complementar do ensino
regular, mas pode constituir também uma modalidade alternativa da educação escolar”
(artº 21 – LBSE). A Universidade Aberta é a principal instituição que assegura este tipo
de ensino.
· O ensino do português no estrangeiro é uma modalidade que se destina à divulgação
e estudo da língua portuguesa, sobretudo em países onde residam comunidades de
emigrantes portugueses e noutros países, mediante acções e meios diversificados
que visem, nomeadamente, a inclusão da língua e da cultura portuguesas nos “planos
curriculares” e a “criação e manutenção de leitorados de português, sob orientação de
professores portugueses, em universidades estrangeiras” (artº 22 – LBSE). Os cursos
regulares de ensino não superior integram a rede oficial, da responsabilidade das
autoridades portuguesas, ou a rede particular, da responsabilidade de associações e
outras entidades. Por sua vez, os cursos de índole superior, em universidades, são da
responsabilidade do Instituto Camões.
Métodos de investigação

De acordo com Grawitz (1990, p. 384), o método é constituído “pelo conjunto de operações
intelectuais pelas quais uma disciplina tende a atingir as verdades que procura, as demonstra
e verifica”. Por isso, o método exige uma atitude concreta perante uma determinada realidade
e a sua explicação através de técnicas adequadas. Esta diligência assenta no domínio e no
conhecimento da teoria e do contexto em que se verifica a ocorrência do fenómeno (ou dos
fenómenos) em questão. Nestas circunstâncias, a explicação dos fenómenos sociais requer a
escolha do método adequado e o domínio de um conjunto de “regras práticas” que garantam
o conhecimento da organização e da “dinâmica social” que identifica os diversos sistemas
sociais. Diversificadas pela sua natureza, as técnicas de investigação constituem o suporte de
qualquer pesquisa social. É o conjunto destes processos que determina a metodologia seguida
e o aprofundamento de diversas técnicas de investigação.
Se pensarmos no domínio da política educativa, esta ciência utiliza métodos de abordagem
comuns às diferentes ciências sociais e uma metodologia própria, que, segundo Benítez
(1991, p. 36), deve assentar, fundamentalmente, na observação, na descrição e, em menor
grau, na experimentação e explicação”. Importa, contudo, assinalar que a metodologia de
análise dos fenómenos educacionais exige, sempre, a contextualização dos fenómenos
sociais e educativos.
Vejamos alguns aspectos relacionados com os métodos de investigação.
A apreensão dos fenómenos sociais, isoladamente, e as suas interacções com o meio
ambiente, levanta-nos algumas questões metodológicas, relacionadas com a escolha do método
mais apropriado para a compreensão e explicação dos fenómenos sociais e educativos (PARDAL,
CORREIA, 1995). Por isso, não nos deve bastar a “observação” e a “descrição” dos fenómenos
em causa, mas também a sua “explicação”, dada a importância desta no conhecimento das
situações específicas e complexas que acompanham os fenómenos sociais, ou seja, o
conhecimento mais aprofundado das relações de interdependência que se estabelecem entre
o “indivíduo” e o seu “meio”. Na prática, a adopção deste modelo permite-nos que, após a
constatação de um determinado fenómeno (ou manifestação social), se procure a explicação
provisória do mesmo, consubstanciada no enunciado da “hipótese”, cuja verificação deverá
ser confirmada no decurso da própria investigação. Estes são os pressupostos do chamado
modelo “hipotético-dedutivo”, utilizado no conjunto das ciências sociais.
As vantagens deste procedimento, que tem por fim conseguir os melhores resultados e
unidade dos contributos das diferentes ciências, assentam no entendimento de que os fenómenos
sociais podem ser apreciados, como refere Buckley (1976, p. 69), como um “complexo de
200 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

elementos ou componentes directa ou indirectamente relacionados numa rede causal”.


No entanto, a apreciação dos fenómenos sociais e educativos ganha outro significado se
aceitarmos a existência de um “contínuo equilíbrio e dinâmico” que permita à sociedade ser
encarada como “um todo estável, composto de partes, cada uma das quais desempenha uma
função própria em relação à totalidade” (FERNANDES, 1983, p. 30).
Tendo presente o que acabamos de assinalar, o estudo dos fenómenos sociais e educacionais
alcança melhores resultados se conseguir tratar um “grande número de variáveis e interpretar os
diversos elementos como partes de um todo orgânico” (COOMBS, 1970, p. 15), todo esse, na
opinião de Chiavenato (1987.II, p. 350), configurado como um “sistema”. Este entendimento
da relação e articulação entre os fenómenos sociais ajuda-nos na escolha dos diferentes
paradigmas e dos métodos de investigação.
Note-se que a escolha dos métodos e dos dados utilizados na caracterização dos sistemas
sociais e educativos depende não só do tipo de análise que se pretende efectuar, mas também
dos objectivos a atingir. Assim, perante os dados recolhidos, a opção por uma abordagem
“qualitativa” ou por outra de natureza “quantitativa” irá determinar o tipo de pesquisa, o modo
de tratamento dos dados e os resultados da investigação em curso.
Tomando como referência a recolha de dados sobre a escolarização e o aproveitamento
escolar, a recolha de informação relativa aos efectivos globais dos alunos e à sua distribuição
por ciclos de estudos, por sexo e idades, à sua origem geográfica e social ou à sua distribuição
por escolas, será vantajosa se associar a estas informações, elementos sobre o agregado e o
meio familiar do aluno. Eventualmente, poder-se-ão agregar novos dados relativos à escola,
relacionados com o corpo docente, a sua mobilidade e motivações, o clima organizacional da
escola e outros elementos relativos aos recursos educacionais.
Para além destes detalhes, outras indicações relacionadas com as condições de funcionamento
do sistema educativo, – encarado como uma “sociosfera, como sistema social global ou como
subsistema no interior de um sistema global” (FERNANDES, Op. cit., p. 46) –, são úteis quando
se pretende apreciar a qualidade do ensino, as relações com a comunidade e a sociedade
no seu conjunto. É neste contexto que ganha maior relevância a abordagem quantitativa da
educação e o recurso ao tratamento estatístico.
Atente-se que a recolha de dados numéricos constitui um passo importante de todo o processo
de investigação social, facto que permite uma maior precisão em termos de apresentação final
dos resultados e um certo número de comparações entre realidades sociais aparentadas pela
ocorrência do mesmo tipo de indicadores. Fazemos, no entanto, realçar que a recolha estatística
ganha maior significado se associada a um fenómeno específico e alicerçada numa determinada
observação para a qual construímos uma hipótese que vamos comprovar através da recolha
de novos dados e da utilização de fontes diversificadas. A propósito deste assunto, Worsley
(1977, p. 129) reafirma que a natureza dos resultados a atingir deve explicar “grande parte do
que já se observou” e dirigir a nossa atenção “para novos campos de observação”.
Esta recomendação obriga a ter certas precauções relacionadas com o tratamento destes
elementos, considerados como uma expressão quantitativa da dimensão e do significado de
qualquer fenómeno social. Assim sendo, os dados estatísticos devem referir-se a quadros
sociais precisos, determinados e bem delimitados, uma vez que, em caso contrário, podemos
correr o risco de constituírem, apenas, “manipulações matemáticas com os grandes números”
Jorge Carvalho Arroteia 201

(GURVITCH, 1979, p. 24). Estas tarefas podem resumir-se através da utilização de um esquema
circular de “dinâmica de investigação”, o qual, tendo presente uma determinada problemática
e a comprovação de um conjunto de hipóteses, vai prosseguindo de forma contínua.
De acordo com Q. Cabanas (1989, p. 62-63), o desenvolvimento desta investigação pressupõe
a existência de quatro momentos diferentes, a saber:
· determinação do “objectivo” da investigação;
· elaboração do “marco teórico”;
· escolha da “metodologia” (e das técnicas) a seguir na recolha de dados;
· elaboração das respectivas conclusões.

Referem-se algumas das modalidades de investigação que podem ser utilizadas no âmbito
da análise social da educação, a seguir de acordo com a natureza do trabalho de pesquisa, os
seus objectivos e as características do grupo sobre o qual incide o trabalho de pesquisa.

Investigação-acção
A investigação-acção pressupõe a recolha de informação, a análise detalhada de um
fenómeno ou conjunto de fenómenos sociais e uma intervenção orientada pelos resultados
dessa pesquisa. Como objecto da nossa atenção, podem situar-se os fenómenos relacionados
com o sistema educativo, na sua globalidade, ou, pelo contrário, determinados tipos de
fenómenos, incidindo sobre o aproveitamento dos alunos ou a sala de aula. Eventualmente,
pode, igualmente, interessar-nos o conhecimento do comportamento contextualizado dos
professores, dos alunos e da própria comunidade.
De acordo com Serrano (1990, p. 31), o desenvolvimento da “investigação-acção” pode
basear-se numa intervenção e pesquisa menos “positivista” e mais “interpretativa e compreensiva,
normalmente caracterizada como investigação qualitativa”. Na sua essência, esta modalidade
pressupõe o conhecimento de uma realidade social e uma intervenção, no sentido de a modificar.
Para tanto, torna-se necessário o conhecimento exaustivo do “objecto/meio social de pesquisa”,
conseguido através do recurso à “observação participante”.
Segundo Esteves (1986, p. 271), a investigação-acção reveste três objectivos fundamentais:
· “objectivos de investigação”, ou seja, a “produção de conhecimentos sobre a realidade”;
· “objectivos de inovação”, que permitam a “introdução de transformações numa determinada
situação, com o propósito de dar soluções a problemas como tais identificados”;
· “objectivos de formação de competências”, que facilitem o “desenvolvimento de um
processo de aprendizagem social envolvendo todos os participantes”.

O enunciado destes pressupostos evidencia o interesse que esta modalidade de investigação


confere à ligação entre a teoria e a prática, à observação de uma determinada realidade
sócio-educativa e à alteração desse cenário, de forma a melhorar-se a eficiência do processo
ensino-aprendizagem, a modificação das medidas de política educativa, o diálogo entre a escola
e a comunidade, etc. Para tanto, torna-se indispensável percorrer as diferentes etapas, idênticas
às de qualquer outro processo de pesquisa social, que apelam à importância de um diagnóstico
adequado, de uma formulação teórica completa, de uma planificação consistente e de uma
intervenção eficaz, que garanta a modificação das condições finais da investigação em curso.
202 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Ainda que a maior parte dos educadores a realize, sistemática e quotidianamente, enumeramos
as diversas fases que deve percorrer uma tarefa desta natureza, tendo em vista que a mesma
exige uma equipa alargada de trabalho e o domínio de diferentes metodologias de intervenção.
Esteves (Ob. cit., p. 275) aponta as fases seguintes:
· a construção de “uma estrutura colectiva de investigação”, dotada de “uma dinâmica de
cooperação interna e de abertura ao seu exterior”;
· a entrada em contacto “com a população a atingir, (…) em ordem à elaboração participante
de um diagnóstico preliminar”;
· a elaboração de um “diagnóstico preliminar onde se integrem as informações pertinentes
da situação, os ‘problemas sociais’ definidos e sentidos pelos grupos sociais locais, as
experiências passadas de solução e a sua avaliação na memória colectiva”;
· a preparação de uma “metodologia de participação (…), com vista à sua aplicação nas
restantes fases do projecto de acção: programação, execução, acompanhamento,
avaliação e reformulação”.

Pelas características que acabamos de assinalar, esta modalidade de investigação, se


aplicada à actividade docente, poderá fomentar a melhoria das relações entre os elementos do
mesmo grupo, já pelo seu envolvimento colectivo num projecto específico, já pela colaboração que
uma actividade desta natureza exige, tendo em conta a reflexão colectiva e as experiências dos
diversos investigadores. Da mesma forma, por se tornar necessário controlar sistematicamente
os resultados alcançados, a “investigação-acção” obriga a um rigor metodológico e a um
planeamento flexível que vá tendo em conta as modificações operadas no decurso da
investigação, na modificação das características observadas e no somatório das atitudes
individuais e colectivas dos indivíduos integrados na população observada.
Embora de forma indirecta, o incremento de actividades desta natureza, ligadas à “investigação-
-acção” ou a outras formas mais complexas de “formação-acção-investigacão”, constitui um
dos passos decisivos na implementação de qualquer processo de acção educativa e de
reforma do sistema, podendo ser útil no desenvolvimento de actividades de índole pedagógica,
nomeadamente as que se relacionam com a formação permanente dos professores. Sendo,
ainda, considerada como elemento promotor de inovação (SERRANO, 1990, p. 219), a
“investigação-acção” deverá revestir-se de outras características, designadamente as que lhe
garantem tratar-se de “um processo aberto, flexível e participativo, acessível a qualquer profissional
de educação comprometido com a resolução dos problemas que coloca a prática quotidiana”.
Contudo, como asinala Milaret (1992, p. 13), “o conceito de investigação-acção parece-nos
válido se conduzir a investigações que respondam a todas as exigências anteriormente indicadas
para o método científico. Porém, tal não impede que qualquer um faça da investigação-acção
uma poesia ou um romance; basta ter tomado consciência do que está a fazer. É, talvez, essa
uma das condições, respeitada, que supõe uma longa e, por vezes, dolorosa formação”.

Estudos de caso
Outras modalidades de investigação são frequentemente utilizadas em estudos de índole
pedagógica, independentemente ou de forma complementar ao processo já descrito. Realçamos
os “estudos de caso”, que, no dizer de Ferreol (1995, p. 173), apoiando-se em “hipóteses e
Jorge Carvalho Arroteia 203

sendo frequentemente orientadas por um esquema teórico”, assumem um carácter meramente


“exploratório” ou já de natureza “descritiva”. Dentre estes, assumem particular relevância os
“estudos monográficos”, centrados num fenómeno restrito. De acordo com Gurvitch (1979,
p. 25), são estes que garantem o melhor conhecimento de “todos os tipos de estrutura parciais
e globais”, onde incluímos a realidade social e escolar.
Referimos algumas das suas características fundamentais. No dizer de Léssard-Hébert
(1994, p. 170), a especificidade do “estudo de caso” resulta, essencialmente, da preocupação
de análise de um fenómeno “contemporâneo e situado na vida real”, pela ausência de fronteiras
“nitidamente demarcadas” entre esse fenómeno e o seu contexto e pela utilização de “fontes
múltiplas de dados”. Para além destas características, um “estudo de caso” deve evidenciar-se
pelas suas preocupações compreensivas, sendo, por isso, relevante em diversos tipos de
investigação social e pedagógica.

Estudos monográficos
No que concerne aos “estudos monográficos”, Gurvitch (Ob. cit., p. 24) defende que estes
devem “apoiar-se em todas as outras técnicas de investigação”, ajudando-nos, por isso, a
compreender a realidade circundante da escola. Isto porque, como assinalam Cazeneuve e
Victoroff (1982, p. 417), a monografia é um “estudo aprofundado ao máximo de uma pequena
unidade social bem delimitada e apreendida como uma totalidade; por exemplo, o estudo de
uma aglomeração, de uma família”.
A realização destes estudos, tão do agrado dos etnólogos e de outros cientistas sociais, exige
a qualquer investigador o recurso a diferentes meios que permitam reconhecer a profundidade e
a complexidade dos fenómenos sociais que, na sua essência, emergem da “crosta exterior” da
sociedade. Assim mesmo, interessará garantir o conhecimento correcto da sua “base morfológica”
(geográfica, demográfica, ecológica), antes de passarmos ao estudo das suas relações recíprocas.
Se aplicado à instituição escolar, o recurso à monografia ou mesmo a casos vividos na sala de
aula constituem dois processos que permitem alicerçar a chamada “análise institucional” da
escola, ou seja, a procura das relações entre o homem e a “instituição” escolar.
Como recorda Touraine (1982), os sistemas sociais, considerados isoladamente ou constituídos
por um “conjunto de sistemas”, funcionam como um todo, obrigando, por isso, à existência de
uma coerência entre os seus elementos. Daí que sejam características destas “estruturas
coerentes e significativas” (GOLDMANN), a interdependência, a equifinalidade, a dinâmica entre
os seus elementos, bem como a relação recíproca que, no seu conjunto, estes estabelecem
com o seu meio ambiente.

Análise organizacional
A “análise organizacional” procura conhecer como funcionam os “grupos humanos
organizados”, ou seja, a “pertinência de certos objectivos com a coerência do conjunto de
variáveis que podem caracterizar uma determinada instituição” (LANDSHEERE, 1979, p. 12).
Este tipo de abordagem considera, especificamente, as seguintes características da organização
escolar: a divisão de tarefas e de papéis, a divisão de autoridade e as cadeias hierárquicas, os
sistemas de comunicação, os critérios de avaliação e o controlo dos resultados alcançados
por essa organização.
204 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Deixando de parte outras características específicas de cada um destes tipos de análise,


notamos, a propósito desta última, a sua preocupação relativamente às motivações e às
condições de trabalho e de rendimento da organização escolar, dependentes das estruturas
formal e informal, bem como a actuação “estratégica” dos seus actores. Convirá recordar
que, contrariamente ao que sucede na organização formal (que especifica as competências
e funções, os objectivos organizacionais, as estruturas de autoridade e de controlo através
de leis e regulamentos), a organização informal admite diversos tipos de interacção social ou
mesmo certos tipos de comportamentos diferentes dos prescritos na organização formal. Esta
situação resulta, fundamentalmente, da persistência de grupos e de interesses individuais no
seio das organizações sociais. Por isso, admite a possibilidade dos indivíduos agirem com
alguma liberdade dentro da própria organização e de utilizarem estratégias distintas nas suas
relações com os demais, ou seja, a possibilidade de actuarem não de forma passiva, mas
com alguma margem de liberdade, garantida pelos condicionalismos presentes no momento
da sua acção.
A propósito destes considerandos, notamos que a escola não é uma mera reprodução do
sistema educativo, mas sim um “microssistema”, que, na sua composição e funcionamento,
revela os traços fundamentais da população que a povoa e as características do seu meio.
Estes aspectos corroboram a importância do conhecimento dos factores contextuais que
condicionam a vida e as actividades da própria escola e, também, a individualidade desta
instituição. Daí as precauções a ter não só na escolha e na recolha dos dados estatísticos com
ela relacionados, mas também no seu tratamento e interpretação.
Mobilidade social

A mobilidade social, entendida, de forma ampla, como sendo a passagem de um “status” social
a outro, anda associada aos fenómenos de mudança social, às desigualdades e às formas de
organização social dominantes, das quais resulta a existência de vários estratos sociais, aos quais
pertencem muitos dos seus membros. Este processo, reconhecido por “estratificação social”,
permite uma certa movimentação, quer horizontal, quer vertical (ascendente e descendente),
traduzida na transferência do indivíduo do seu grupo inicial para outro. Para tanto, a educação
poderá desempenhar um papel relevante, promovendo a “capilaridade” social a indivíduos
desfavorecidos cultural e/ou economicamente, contrariando, assim, os efeitos perversos da
selecção social e promovendo a inclusão dos indivíduos no seu grupo e sociedade.
Note-se que o desejo de mobilidade social através da educação constitui um dos factores
da actual “procura social” da educação. É comum a todos os grupos sociais, mas manifesta-se
principalmente entre os menos favorecidos. Sendo assim, a “democratização da educação”
surge como um factor importante no restabelecimento da igualdade de oportunidades,
principalmente em sociedades estratificadas, onde a escola funciona, frequentemente, como
agente de reprodução da estrutura das classes (GRAS, 1974, p. 39).
Como refere Girard (1970, XXVI), o desejo de ascensão social através da instrução, conhecida
por procura social do ensino, é uma consequência do progresso técnico, comum a todos
os grupos sociais, mas manifesta-se, principalmente, entre os menos favorecidos. Trata-se
de uma aspiração que, em regra, é contrariada por dificuldades que tem a ver não só com a
organização do próprio sistema de ensino e de sociedades em geral, mas também com um
conjunto de “aptidões individuais” e “privilégios culturais”, transmitidos pela família. Para a sua
atenuação, sugerem alguns autores a utilização de estratégias de compensação (GRAS, Op. cit.,
p. 32), visando reduzir as “desigualdades culturais”, próprias dos alunos pertencentes às classes
sociais mais desfavorecidas.
Em alguns dos seus aspectos, porém, o sistema escolar funciona como suporte e produto
de sociedades onde se insere. Esta é a teoria defendida por alguns sociólogos, que dão a
maior importância às relações entre o sistema político, o económico e o Estado, cujos efeitos
se fazem sentir directamente na escola através da sua organização, dos seus mecanismos
políticos de controlo e dos conteúdos ideológicos (ALTHUSSER, 1974). Do mesmo modo se
manifestam Bourdieu e Passeron (1987, p. 230), quando afirmam: “o sistema de ensino está
associado, na tradição teórica, a uma representação instrumentalista das relações entre a
escola e as classes dominantes”, conferindo-lhe, por conseguinte, a função de “legitimação
da ordem estabelecida”, ou seja, a “função de conservação da estrutura das relações de
206 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

classe característica dessa sociedade” (Op. cit., p. 248). Nestas circunstâncias, a escola não é
mais do que um agente de reprodução da estrutura de classes que permite, no caso de uma
organização social estratificada como é a nossa sociedade, certas formas de mobilidade social
ascendente ou descendente de um estrato social a outro.
Apesar do esforço de democratização do ensino seguida pela maior parte dos países, a
existência de desigualdades sociais, económicas e culturais entre a população impedem a
igualdade efectiva de acesso e frequência escolar a todos os seus membros, uma vez que a
igualdade de oportunidades é seriamente condicionada pelo rendimento, educação, estrutura
familiar e social e reputação na comunidade (GRAS, 1974, p. 297), levando a que os “estatutos
profissional e social se transmitam a par”.
Igualmente aplicáveis ao caso português, a constatação destas realidades levam-nos a seguir
com o máximo interesse as tomadas de decisão referentes ao princípio de “democratização da
educação”, definido na Constituição da República Portuguesa (artº 73), uma vez que, segundo
o texto oficial, “todos têm direito ao ensino com garantia de acesso e êxito escolar”. Daí que
se reconheça a necessidade do ensino ser modificado de modo a superar qualquer função
conservadora de desigualdades económicas sociais e culturais” (artº 74). Se tal não acontecer,
teve lugar a selecção social.

Meio social
A referência ao meio social torna-se obrigatória quando pensamos nas desigualdades em
relação ao acesso, à participação e ao sucesso educativos. De facto, as diferentes condições
de acessibilidade repercutem-se na frequência dos alunos e na avaliação de qualquer processo
educativo. Neste caso, deparamo-nos com diferentes variáveis (que não só a personalidade ou
as aptidões intelectuais), que identificam a população escolar. Daí que se atenda à importância
dos diversos quadros da vida social, ao seu contexto e valores, para justificar certas formas
de aprendizagem e o comportamento global de cada indivíduo. Entre os diferentes factores
explicativos, recordamos o nível económico da família e as diferentes “heranças”, nomeadamente
a “herança cultural”, como elementos identificadores do meio social da população escolar.
Por isso, as práticas pedagógicas nem sempre têm conseguido ultrapassar os traços individuais
e sociais próprios dos alunos.
Embora de forma indirecta, esta constatação não deixa de ser ainda manifesta na actualidade,
dando seguimento às críticas contundentes de algumas correntes do pensamento sociológico
que, durante os anos sessenta, realçaram este papel. Daí a oportunidade de salientarmos a
inclusão social como factor relevante a considerar no processo de desenvolvimento humano
e de participação cívica dos cidadãos, promovendo a mobilidade social e contrariando, desta
forma, os efeitos determinantes do seu meio.

Selecção social
Muito embora contribuindo para vencer determinados traços da chamada “herança
cultural”, as práticas pedagógicas nem sempre têm conseguido ultrapassar determinados
traços individuais e sociais específicos de cada aluno. Daí a escola poder ser considerada
como um grande factor de selecção social, perpetuando e reproduzindo os modelos sociais
onde se insere.
Jorge Carvalho Arroteia 207

Embora de forma indirecta, esta constatação não deixa de ser ainda manifesta na actualidade,
dando seguimento às críticas contundentes de algumas correntes do pensamento sociológico
que, durante os anos sessenta, realçaram o papel de selecção desempenhado pela organização
escolar, no seu conjunto, e pelos sistemas de ensino e de formação que continuam a deixar de
fora muitos “deserdados”, ou seja, muitos alunos oriundos de meios sociais desfavorecidos.
Mudança social e educação

Como referem Horton e Hunt (1980, p. 401), “todas as sociedades estão continuamente em
mudança. Surgem novos traços através de ‘descoberta’ e ‘intervenção’ ou através de ‘difusão’
de outras sociedades”. Mais ainda, reconhecem que a estrutura e a cultura estão na origem
desta mudança, sendo que é a “base cultural que proporciona o fundamento de conhecimentos
e habilidades necessários ao desenvolvimento de novos elementos” (Loc. cit.).
No mesmo sentido, pronuncia-se Martins (1999, Introdução), quando afirma: “as mudanças
estão a ocorrer em todos os sistemas: económico, no qual se assiste a uma mundialização da
economia e a alterações das regras de concorrência e dos paradigmas competitivos; político,
pela perda de poder por parte dos Estados-Nação e pela criação de organizações supranacionais
reguladoras das normas internacionais; cultural, pelo enfranquecimento da sua hegemonização
por blocos e consequente surgimento de minorias culturais e tendências para a individualização
dos sujeitos; tecnológico, no sentido da sua globalização e interacção crescente entre si e
outros subsistemas, particularmente o humano. Ao nível do sistema de produção, assiste-se,
igualmente, a profundas alterações na forma de produzir e de conceber os produtos, de
organizar a empresa, a produção e o trabalho e no modo como as empresas se posicionam na
concorrência e na ligação com os consumidores a que se destinam os seus produtos”.
Estas referências ajudam-nos a entender como a análise dos aspectos actuais, referentes
aos problemas que se colocam à educação nas sociedades de hoje, nos conduz a pensar nas
transformações operadas durante os três últimos séculos após a eclosão dos fenómenos, de
industrialização e urbanização, responsáveis pelos movimentos da população, em particular
as migrações internas (êxodo rural) que alimentaram o crescimento das grandes urbes.
Reconhecemos, antes de mais, que a urbanização actual tem as suas raízes mais próximas
no processo de industrialização que se tem vindo a expandir, de acordo com os diferentes
contextos naturais e societais, dos alvores do século XVII à actualidade.
Não sendo de todo um processo homogéneo e contínuo, o desenvolvimento das actividades
manufactureiras e fabris, consequentes à invenção da máquina a vapor, foi, no entanto, o
primeiro responsável por um grande número de perturbações sociais, que eclodiram com
a atracção maciça das populações rurais para os centros urbanos e com as inevitáveis
transformações, registadas, sobretudo, ao nível destes grupos, devido à participação maciça
de todos os membros da família, incluindo as mulheres, nos processos de produção.
O crescimento das actividades industriais e a criação de novas oportunidades de emprego
nas actividades conexas, nomeadamente no comércio e nos serviços, têm sido os grandes
responsáveis pela chegada de novos contingentes, que, em vagas maciças, têm alimentado
210 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

não só o crescimento desses centros, mas também o êxodo intenso que se tem verificado
noutras partes do mesmo território. A nível familiar, são igualmente reconhecidos os efeitos do
emprego mais estável e duradouro sobre os agregados familiares, determinando, assim, uma
maior estabilidade e rendimentos financeiros à família. Estas condições sugeriram, no entanto,
uma maior participação de todos os membros do agregado familiar, em especial das mulheres
até então responsáveis, nas sociedades rurais e tradicionais, por outros tipos de trabalhos que
não os directamente relacionados com as tarefas realizadas em longas cadeias de produção.
Escusado será de referir as alterações que, a nível familiar, trouxe este novo desempenho,
não só em termos da evolução do próprio grupo, mas acima de tudo na repartição de tarefas
e das responsabilidades que numa sociedade mais matriarcal e rural cabiam, em exclusivo, à
própria mulher. Referimo-nos às tarefas de guarda e de educação dos mais novos e ao seu
acompanhamento duradouro, que, depois do seu ingresso no mundo do trabalho, passou
a ser desempenhado por outras entidades estranhas à família. Nestes contextos, a escola
tem surgido como uma das instituições responsáveis por esse processo de socialização e
de acompanhamento, de ensinamento e de preparação dos jovens para o seu desempenho
pessoal antes de os preparar para o mundo profissional.
O conjunto destas tarefas tem vindo a ser acompanhado por uma contínua desestruturação
familiar, processo que, devido às alterações induzidas pelos intensos movimentos de mobilidade
geográfica das populações e à sua fixação na periferia ou no meio dos centros urbanos de
maiores dimensões, tem tido inúmeros reflexos na organização do espaço urbano e do espaço
peri-urbano, polarizado por aquelas actividades económicas. Uma dessas consequências tem
sido a inevitável concentração das populações urbanas em locais de maior acessibilidade física,
junto dos centros industriais e em locais onde as condições de arrendamento ou de posse de
alojamento se têm tornado mais convenientes.
Hoje em dia, porém, novos fenómenos têm vindo a emergir, mostrando a complexidade
dos processos de mudança e a sua extensão generalizada aos diversos países do globo ou
mundialização. Este fenómeno de globalização, baseado na divulgação da informação e na
inovação, assente na utilização das novas tecnologias, está a “desencadear uma revolução na
organização do trabalho, na produção de bens e de serviços, nas relações internacionais e na
cultura local” (CARNOY, 1999, p. 14), alterando, ainda, as relações humanas e a vida social.
A este respeito, Azevedo (2006, p. 20-21) aponta as três dimensões essenciais da
globalização: a dimensão económica, a dimensão política e a dimensão cultural. Aos diferentes
desafios, colocados por este fenómeno, responde a escola que “acolhe agora todos os
cidadãos, mas continua a não saber lidar com todos, gerando novos fenómenos de cristalização
das desigualdades sociais” (Op. cit., p. 22), pelo que, “apesar da evolução positiva verificada,
permanencem elevados caudais de alunos repetentes, de abandonos precoces e de saídas
desqualificadas para os mercados de trabalho”. Por isso, conclui este autor ((Loc. cit.): “continua
a ser muito difícil para países como Portugal, em plena ‘sociedade do conhecimento’, competir
à escala global com uma mão-de-obra tão pouco qualificada”.
O cenário desta realidade permite afirmar que, desde os finais do século XIX, mas sobretudo
depois da segunda metade do século XX, principalmente no decurso dos anos sessenta, se
intensificaram os movimentos migratórios internos e o crescimento dos grandes centros, em
especial de Lisboa e do Porto, bem como das respectivas áreas metropolitanas. Algumas
Jorge Carvalho Arroteia 211

causas podem ser referidas como responsáveis deste processo: a canalização de grandes
investimentos para a construção de infra-estruturas e para a construção de unidades fabris
na periferia destes centros arrastou consigo o desenvolvimento de outros serviços e uma
urbanização intensa, geradora de novos movimentos demográficos e sociais. Como reflexo
destes fenómenos, temos um crescimento mais intenso dos grandes centros litorais em toda a
metade ocidental do território, sobretudo entre Viana do Castelo e Setúbal, onde as estimativas
mais recentes apontam para uma concentração de mais de 2/3 da população residente e de
cerca de 3/4 da população urbana portuguesa.
Se juntarmos a este panorama os reflexos imediatos que tais movimentos tiveram na
construção de novos equipamentos sociais ou no reforço dos já existentes, temos, assim, uma
imagem do que é a sociedade portuguesa nos dias de hoje: uma sociedade dualista, onde ao
redor da população urbana, dotada de maiores acessibilidades sociais, económicas e culturais,
coexistem franjas de menor desenvolvimento; de uma estrutura urbana macrocéfala, marcada
pela existência de duas grandes áreas metropolitanas: Lisboa e Porto; de uma estrutura social,
económica e cultural desarticulada, por via das maiores acessibilidades que estes centros
apresentam em relação ao território circundante. Estas imagens justificam o prosseguimento
dos movimentos migratórios internos, do êxodo rural acentuado e da urbanização crescente e
galopante que prossegue em torno dos centros urbanos de maiores dimensões. Como reflexos
destes fenómenos, temos ainda as transformações sociais, que, gradualmente, têm afectado
a sociedade portuguesa, relacionadas com os fenómenos de industrialização e urbanização,
conduzindo, por sua vez, à desarticulação da sociedade rural aquando da sua transferência
para os grandes centros, ou, ainda, pelos efeitos perversos que têm conduzido à destruição
progressiva das comunidades rurais tradicionais, outrora marcadas por elevados índices de
analfabetismo, sobretudo no sexo feminino.
O conjunto destes factos intensificaram outras mudanças registadas na sociedade portuguesa,
assinaladas por Martins (1999, Introdução) como devidas ao “intensificar das suas relações com
o processo de mundialização (da vida, em geral, e da economia, em particular) pelo efeito
da sua adesão à EU; pela sua posição histórica na divisão internacional do trabalho e que
caracterizou Portugal como país semiperiférico; pela existência de estruturas produtivas e
processos de trabalho tradicionais”. De facto, a consulta dos dados contidos no censo de 2001
são sugestivos das diferenças regionais existentes no território nacional, relacionadas com a
diversificação social – representada pelo número de grupos socioeconómicos existentes num
determinado território e da sua repartição no espaço. Recorrendo ao índice de diversificação
social (INE, 2002, L), verifica-se:
· “Em 2001, todas as regiões apresentavam uma importância superior a 13% do total da
população activa, nos seguintes grupos: ‘empregados administrativos do comércio e dos
serviços’ e ‘operários qualificados e semi-qualificados’. Note-se, ainda, que o grupo de
‘trabalhadores administrativos do comércio e dos serviços não qualificados’ é superior
a 6% em todas as regiões.
· A geografia do grau de diversificação socioeconómica da população residente transmite,
em 2001, uma relativa uniformidade, à excepção da região Norte, onde se distinguem
internamente graus de diversificação bastante diferenciados. Nesta região, os principais
contrastes são entre a área nordeste, que regista o grau de diversificação mais elevado
212 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

do território nacional, e o conjunto das sub-regiões Cávado, Ave, Tâmega e Entre Douro
e Vouga, com grau de homogeneização socioeconómico que se destaca a nível nacional,
sendo que o grupo dos operários qualificados e semi-qualificados representam entre 37
e 48% da população activa.
· Em 1991, e não havendo comparabilidade directa devido a alterações dos grupos socio-
económicos, a leitura deixa antever um grau de diversificação teritorialmente mais amplo.”

Esta situação permite antever as perspectivas estruturais de mudança social no conjunto


da sociedade portuguesa e território nacional.

Analfabetismo
O analfabetismo é um fenómeno que reveste facetas distintas consoante é o resultado da
ausência de frequência do sistema educativo ou do abandono deste antes do cumprimento
do período de escolaridade obrigatória. Em quaisquer dos casos, traduz-se quer na ausência
do saber ler ou escrever ou então, no caso do domínio parcelar da leitura e da escrita, na
impossibilidade de as utilizar de forma autónoma e funcional. A sua expressão nas sociedades
actuais revela a existência de diferentes tipos de acessibilidades, relacionadas com o traçado
da rede, a política de ensino e com as heranças individuais que afectam a escolarização da
população e, por conseguinte, o processo de desenvolvimento socioeconómico de um país e
a formação do seu capital humano.
Sendo um fenómeno universal, tem vindo a ser reduzido em Portugal, com o desenvolvimento
da democratização do ensino e o acréscimo da frequência escolar em cursos regulares e em cursos
direccionados para a população adulta. Uma vez que estas condições têm vindo a alterar-se,
o analfabetismo tem sido ainda afectado pelas perdas demográficas da população mais idosa,
a que apresentava os maiores valores de ausência da frequência escolar e de incumprimento da
escolaridade obrigatória. Assim, com base numa estimativa elaborada no âmbito do PNAEBA
(1979, p. 7), a evolução da população analfabeta em Portugal era a seguinte:

Quadro 11

Ano Analfabetos/milhares
1940 4 565.3
1950 4 114.7
1960 3 582.4
1970 3 028.6
1979 2 692.6
1980 2 551.3
1990 1 833.4
2000 1 111.8

Note-se que a evolução dos conhecimentos e do sistema científico gerou novos grupos de
cidadãos que, embora recordando ainda alguns aspectos da leitura e da escrita, registam um
Jorge Carvalho Arroteia 213

desconhecimento de algumas das suas facetas e, sobretudo, das novas tecnologias, podendo
ser considerados como os analfabetos funcionais, em contraste com os analfabetos literais, os
que nunca frequentaram o sistema de ensino. Este facto está associado a diversas iniciativas do
Estado, com vista ao combate ao analfabetismo que em meados do século XX, em 1950, orçava
um milhão de habitantes com idade compreendida entre os 14 e os 35 anos. Daí decorreu o
lançamento da Campanha Nacional de Educação de Adultos, em 1952, envolvendo diversos
tipos de iniciativas coordenadas, a partir dos finais dessa década, pela Direcção Geral de
Educação Permanente, então criada.
Através da frequência dos Cursos de Ensino Primário Supletivo para Adultos, os alunos
obtinham diplomas de instrução elementar, modalidade de ensino que, a apartir de 1975, passou
a ser desenvolvida integrada no Plano Nacional de Alfabetização e, a partir de 1979, através de
um conjunto de acções, articuladas pelas autarquias locais pelo Plano Nacional de Alfabetização
e Educação de Base dos Adultos (PNAEBA). Depois da publicação da LBSE, o ensino recorrente
de adultos é garantido aos cidadãos “que já não se encontram na idade normal de frequência dos
ensinos básico e secundário” e aos “indivíduos que não tiveram oportunidade de se enquadrar
no sistema de educação escolar na idade normal de formação, tendo em especial atenção a
eliminação do analfabetismo” (artº 20). Visa, ainda, superar as condições de desfavorecimento
desta população, garantindo os ensinamentos e as aprendizagens básicas para a vida em
sociedade, tendo em conta “os grupos etários a que se destinam, a experiência de vida entretanto
adquirida e o nível de conhecimentos demonstrados”.
Durante a década de noventa, a luta contra o analfabetismo em Portugal ficou assinalada pelo
lançamento de novas iniciativas, orientadas não só para a aprendizagem formal, mas também
para a formação profissional. A criação da Agência Nacional de Educação e Formação de
Adultos (ANEFA), criada em parceria entre o Ministério da Educação e o Ministério do Trabalho
e da Solidariedade (Decreto Lei nº 387/99, de 3 de Setembro), representa uma nova concepção
na luta contra o analfabetismo, lutando pela formação de recursos humanos e promovendo
a educação ao longo da vida de grupos de cidadãos mais afectados pela exclusão social.
A experiência adquirida esteve na origem do reconhecimento das competências profissionais da
população sujeita a estes cursos, através da criação de Centros de Reconhecimento, Validação
e Certificação de Competências, que assinalam a importância crescente assumida na UE no
reconhecimento de competeência e na formação ao longo da vida.
Recordamos, no entanto, que a frequência escolar, nos diversos subsistemas de ensino,
tem os seus reflexos ao nível do sistema económico e social, sendo um bom indicador do
processo de desenvolvimento económico de um país, uma vez que a sua expansão, sob
diferentes formas de “iletracia”, compromete um dos direitos fundamentais do cidadão, que é o
direito à educação, promotor do desenvolvimento humano e do processo de desenvolvimento
socioeconómico.
Pelo seu interesse, transcrevemos do INE (2002, LXVIII) os resultados finais obtidos no
recenseamento da população em 2001:
· “Em 2001, Portugal registou uma taxa de analfabetismo inferior à de 1991, redução que
se observou em todas as NUTSIII.
· A taxa de analfabetismo das mulheres era substancialmente superior à dos homens,
em ambos os momentos censitários: em 1991, as taxas situaram-se em 7,7%,
214 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

para os homens, e em 14,1%, para as mulheres, baixando, em 2001, para 6,3% e


11,5%, respectivamente. Esta diferença deve-se, sobretudo, à maior proporção de
mulheres idosas.
· Em 2001, verificou-se uma grande amplitude nas taxas de analfabetismo, cujos valores
variaram entre os 5,3%, na Grande Lisboa e no Grande Porto, e os 19,8%, no Pinhal
Interior Sul (mais do dobro do valor nacional).
· As taxas mais elevadas concentraram-se no Alentejo e interior da região Centro, onde,
ainda assim, a melhoria foi mais evidente. Ao contrário, foi junto da faixa litoral, a norte
da Península de Setúbal (com excepção do Minho-Lima), que se registaram as taxas de
menor valor”.

Inovação
A inovação anda associada à mudança, à produção e ao aperfeiçoamento, termos
que, segundo Glatter (1992, p. 144), são demasiado ambíguos, com conotações técnicas e
políticas, dado que “a maior parte das tentativas de mudança e de inovação estão associadas a
determinados valores”. Trata-se de um conceito, frequentemente utilizado em ciências sociais,
nomeadamente em Geografia, Economia e pela Sociologia, em que a inovação surge associada
a processos de difusão territorial, ou cultural, “aos membros de um sistema social” (MENDRAS,
FORSÉ, 1983, p. 74), através de determinados canais e seguindo um calendário variável.
A este respeito, podemos referir o exemplo de Frank (1976, p. 6-7), considerando a “aculturação
do processo de desenvolvimento”, levado a cabo pelo “Ocidente (considerado aqui como a
comunidade atlântica dos países desenvolvidos e suas ramificações ultramarinas), difunde
conhecimento, especializações, organização, valores, tecnologia e capital para uma nação
pobre (…)”. Como assinala Holmes (1983, p. 12), “os países europeus introduziram nos territórios
coloniais certos aspectos dos seus próprios sistemas de ensino”, reproduzindo, nestes países,
os modelos tradicionais vigentes na Europa.
Convenhamos, no entanto, que “a explosão do saber e a aplicação de novos conhecimentos
vieram a pôr em causa os conteúdos e o modelo tradicional” (Loc. cit.), dando lugar ao
cumprimento de novas funções desempenhadas pela escola e a alterações pedagógicas
e institucionais dos sistemas educativos agora associados a factores diversos, de natureza
retrospectiva e prospectiva, mas sempre ligados a processos de mudança social. Geralmente,
estes têm por base uma alteração, moderada ou mais radical, dos modelos e programas de
formação, dos contextos e das aprendizagens escolares contempladas em programas de acção
e de renovação social ou pedagógica.
Nestas circunstâncias, a “acção” educativa, em sala de aula ou a nível da decisão, deve
considerar a inovação como uma preocupação constante, em resultado quer da evolução
da própria sociedade quer dos movimentos culturais que têm acompanhado as grandes
transformações sociais e políticas, nomeadamente no domínio da educação. Esta evolução
manifesta-se ao nível das concepções do homem, das finalidades e dos métodos da educação, da
formação dos docentes, das aprendizagens dos alunos e da gestão dos sistemas de ensino.
Este tema foi aprofundado por Correia (1989, p. 25), que, com base em estudos de outros
autores, afirma que o “processo de inovação é um factor de produtividade e é por isso que é
necessário favorecê-lo e encorajá-lo constantemente”. Mais ainda (Op. cit., p. 31), “a inovação é
Jorge Carvalho Arroteia 215

uma mudança deliberada e conscientemente assumida (o que exclui do seu campo as mudanças
produzidas pela evolução ‘natural’ do sistema), visando objectivos bem precisos: a melhoria do
sistema e o aumento da sua eficácia no cumprimento dos seus objectivos (o que exclui do seu
campo as práticas que transgridem a margem de tolerância do sistema). A inovação é, pois, um
processo planificado, prosseguindo objectivos compatíveis com os do sistema”.
Assim, se aceitarmos como objectivo essencial da escola (e do sistema de ensino português)
a inovação, baseada na promoção do desenvolvimento humano, pensamos, à semelhança
do que escreveu Loureiro (1985, p. 19),”que tal mudança é uma questão política e uma
questão pedagógica e por isso as estratégias respectivas devem ser cumulativamente
políticas e pedagógicas”. Estratégia política que passará, necessariamente, pela redefinição
clara dos objectivos e das metas a atingir pelo sistema educativo português nas próximas
décadas; estratégia pedagógica assente na melhoria objectiva das condições institucionais
e na formação permanente dos agentes educativos de forma a concretizar-se a tão almejada
democratização do ensino, o desenvolvimento humano dos alunos e a promoção do sucesso
educativo. Resta-nos, finalmente, inserir uma última alternativa: a inclusão de uma estratégia
administrativa e organizacional que favoreça uma acrescida descentralização administrativa e
a autonomia institucional, promovendo, assim, um maior empenhamento individual e colectivo
nas tarefas educacionais.
As referências anteriores corroboram a importância que Sallan (1996, p. 316) atribui
à melhoria das escolas, dependente esta quer de condições materiais relativas ao seu
funcionamento, quer de variáveis organizacionais, de estratégias de mudança e também
dos resultados. Tal perspectiva permite integrar os diferentes pressupostos da administração
educativa através da manutenção das componentes estruturais básicas ao nível do sistema
de decisão (por via das políticas), quer do sistema operativo consubstanciado nos resultados
imediatos de uma reforma educativa.
Como observa Pardal (1996, p. 20), “inovação educacional não identifica a reforma no
sistema educativo nem a mudança no mesmo. Uma reforma pode ser, ou não, inovadora; do
mesmo modo, uma mudança”. A este respeito, Sarmento (1997, p. 348), recorrendo ao contributo
de diversos autores, afirma que, “em Portugal, a reforma educativa tem sido predominantemente
analisada como produtora de formas decretadas de inovação, projectadas, de cima para baixo,
sobre os professores e outros actores do campo educativo, com efeitos desqualificadores
que são, em última análise, contraditórios com as proclamadas intenções de mudança”.
Daí que afirme este autor (Op. cit., p. 347): “inovação e mudança, quando produzidas de
cima para baixo (…), têm como efeitos, entre outros, a separação entre as instâncias de
decisão e de execução das ‘reformas’, a desqualificação dos saberes implicados na prática
dos professores, a intensificação do seu trabalho e, em última análise, o desapossamento dos
meios de autocontrolo profissional”.
Estas considerações reafirmam a acção de um conjunto de factores, nomeadamente os
que se relacionam com a política educativa e com o seu contributo na construção das políticas
de inovação. Assim, de acordo com Paul (1999, p. 143), “se se admite que a elevação do
nível de educação é uma condição para o desenvolvimento das actividades de inovação,
esta situação é insuficiente para garantir um crescimento económico baseado na inovação.”
Tal facto resulta, de acordo com este autor (Loc. cit.), da necessidade de se ter em conta todo
216 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

o sistema de inovação, “do qual o sistema educativo não é senão um dos seus componentes,
e, por outro lado, é preciso que as inovações técnicas possam ser acompanhadas de inovações
organizacionais no trabalho”. Trata-se de um desafio muito forte que exige a participação,
conjunta, de economistas, sociólogos e pedagogos (Loc. cit.), colaboração pouco usual
na competição entre as “elites” que constituem a nossa sociedade. Mais ainda, de acordo
com um estudo da OCDE (1987, p. 15), sobre o papel da educação no desenvolvimento
socioeconómico, dá-se, como exemplo, a inovação do processo de cooperação entre as
universidades e as empresas, uma vez que “não só a competência e funções tradicionais das
universidades se modificam, como também a sua investigação e participação na produção de
bens e serviços são afectadas”, dando origem a modelos inovadores neste tipo de relação.
Para finalizar, diremos que o cumprimento destas tarefas e a sua aplicação no domínio
da política educativa devem atender, cada vez mais, ao equilíbrio entre os sistemas sociais e
educativos e aos desafios que ora se levantam, resultantes do ajustamento entre as necessidades
de crescimento e de desenvolvimento económico; a procura crescente da educação e a
promoção das igualdades de acesso; a explosão do conhecimento e a natureza dos recursos
disponíveis; a harmonia entre a quantidade e a qualidade do ensino, que deverá beneficiar
todos os estratos etários e sociais da população portuguesa. Cremos, desta forma, ser possível
concretizar algumas das propostas de mudança necessárias à afirmação do nosso sistema
educativo, sobretudo no contexto europeu onde nos inserimos.
Pelo seu interesse, e tendo em conta a importância atribuída ao ensino superior nos processos
de desenvolvimento e inovação da sociedade portuguesa, transcrevemos dos resultados finais
do recenseamento de 2001 (INE, 2002, LXX e LXXI) as notas relativas à proporção da população
com o ensino superior e à sua variação em relação ao decénio seguinte:
· “Em 2001, a proporção da população portuguesa com 21 ou mais anos que tinha
completado o ensino superior mais do que duplicou relativamente a 1991, situação que
se estende a todas as regiões.
· Grande Porto, Baixo Mondego e Grande Lisboa concentravam as maiores proporções de
população que completou o ensino superior, com valores que oscilavam entre os 10,8%
e os 15,1%. Foi igualmente nestas NUTIII, conjuntamente com a Península de Setúbal,
que se verificaram os aumentos mais acentuados entre os dois momentos censitários.
· Por outro lado, as proporções mais reduzidas observaram-se no Tâmega e Pinhal Interior
(Norte e Sul), que registaram, paralelamente, as menores variações”.

Os dados acima referidos podem ser completados com a distribuição pelas áreas de
estudo do ensino superior, em 2001, a qual permite concluir, de acordo com a mesma fonte
(INE, 2002, LXXI):
· “Em 2001, a maior parte da população que completou o ensino superior optou pelas
áreas “Comércio e administração” e “Saúde”. De referir, ainda, as elevadas proporções
de indivíduos que completaram os cursos universitários nas áreas “Formação de
professores e ciências da educação” e “Letras e ciências religiosas”.
· A relação de masculinidade da população com o ensino superior foi de 72 homens por
100 mulheres, valor bastante inferior ao observado em 1991 (de 113), reflectindo a forte
entrada de mulheres no ensino superior.
Jorge Carvalho Arroteia 217

· Os homens completaram cursos superiores sobretudo nas áreas “Engenharia e técnicas


afins” e “Comércio e administração”, enquanto as mulheres preferiram as áreas “Formação
de professores e ciências da educação”, “Letras e ciências religiosas” e “Saúde”.

Se devidamente interpretados e associados a outros indicadores, estes podem ajudar-nos a


compreender alguns dos aspectos relacionados com as perspectivas de inovação e mudança
na sociedade portuguesa.
Organismos internacionais

O desenvolvimento das políticas educativas nacionais tem vindo a seguir, sobretudo a partir
da segunda metade de Novecentos, um conjunto de preocupações e orientações expressas
por diferentes organismos internacionais. De facto, importa salientar como a acção das
organizações oficiais, responsáveis pela política educativa nos diferentes países, interactuam
não só com “os seus meios locais, mas também em arenas mais amplas de relações e forças
situadas a níveis supra-organizacionais” (ESTEVÃO, 1997, p. 500).
No contexto actual da União Europeia, estas acções são anteriores à constituição da
Comunidade Económica Europeia e ao emergir das preocupações com a educação e a formação
dos recursos humanos no seio da actual UE25. De facto, o processo de reconstrução da Europa,
no termo do segundo conflito armado, iniciado com o Plano Marshall (1947) e pela assinatura
do Tratado de Roma (1957), permitiu lançar as bases para uma cooperação económica e social
entre os países fundadores, alargando-se mais tarde, e em datas distintas, aos demais países
europeus. Recorde-se, que em 1949, foi criado o COMECON – Mercado Comum dos Países
de Leste, sob dominação soviética; na mesma data, foi ainda criada a Organização do Tratado
do Atlântico Norte (OTAN).
Embora obedecendo a projectos próprios, algumas iniciativas relacionadas com o rumo
das políticas educativas na Europa foram influenciadas por estudos e reflexões produzidas por
outros organismos internacionais que se constituíram anteriormente ou no período posterior à
Segunda Guerra Mundial. Destacamos os seguintes:

BIE – Bureau International d’Éducation


O mais antigo dos institutos que hoje fazem parte da UNESCO. Foi criado em 1925, em
Genève, antes ainda da criação da ONU. Em 1969, é integrado na UNESCO. A sua actividade
tem vindo a orientar-se para os aspectos relacionados com o desenvolvimento curricular, o
planeamento e as reformas da educação, a literacia, a formação profissional e a utilização
das TIC em educação. Para além destes domínios, o BIE tem vindo a dar particular atenção
à reconstrução dos sistemas educativos em regiões de conflito armado ou na promoção da
prevenção da AHIV/AIDS.

ONU – Organização das Nações Unidas


Criada, oficialmente, em 24 de Outubro de 1945, em São Francisco (Califórnia) – data
da ratificação da Carta pelos 51 Estados-Membros fundadores – e, actualmente, sedeada em
Nova Iorque.
220 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

A ONU tem como objectivo principal “unir todas as nações do mundo em prol da paz e do
desenvolvimento, com base nos princípios de justiça, dignidade humana e bem-estar de todos”.
Além deste, prossegue ainda os seguintes objectivos:
· manter a paz no mundo;
· fomentar relações amigáveis entre as nações;
· trabalhar em conjunto para ajudar as pessoas a viverem melhor, eliminar a pobreza, a
doença e o analfabetismo no mundo, acabar com a destruição do ambiente e incentivar
o respeito pelos direitos e liberdades dos outros;
· ajudar as nações a alcançarem estes objectivos”.

Referem-se os seis princípios basilares relativos ao seu funcionamento:


“· Todos os Estados-Membros gozam de igualdade soberana.
· Todos os Estados-Membros devem obedecer à carta.
· Os países devem tentar resolver os seus diferendos através de meios pacíficos.
· Os países devem evitar utilizar a força ou ameaçar utilizar a força.

As Nações Unidas não podem interferir nas questões internas de um país.


· Os países deverão tentar dar toda a assistência à Organização”.

Em 1959, foi aprovada a “Declaração dos direitos da criança” pela Assembleia-Geral das
Nações Unidas.

UNESCO – United Nations Educational, Scientific and Cultural Oganization


Fundada em 16 de Novembro de 1945 como agência especializada da ONU, para os
domínios da educação, ciências naturais e sociais, cultura e comunicação, a UNESCO prossegue
um objectivo fundamental: a construção da paz no espírito dos homens.
A UNESCO promove a cooperação internacional entre os quase duzentos Estados-Membros
que dela fazem parte e tem vindo a desenvolver acções diversas, relacionadas com a luta
contra o terrorismo, apoio ao desenvolvimento sustentável, observância dos direitos humanos,
luta contra a pobreza e exclusão social, promovendo diversas iniciativas e actividades nestes
domínios.
A UNESCO dispõe de um instituto especializado na área do planeamento da educação, o
“Institut International de Planificatiom d’ Éducation” (IIPE), sedeado em Paris, cuja acção tem
sido orientada, igualmente, para o desenvolvimento de diversos projectos internacionais e para
a formação de quadros de educação de países membros, em particular os países em vias de
desenvolvimento.

CE – Conseil de l’Europe
O Conselho da Europa foi criado em 1949, sendo uma das mais antigas organizações de
natureza política na Europa. Agrupa 46 Estados-Membros, dos quais 21 localizados na Europa
Central. Está sedeado em Strasbourg. O CE tem como principais objectivos:
· “defender os direitos do homem e a democracia parlamentar e assegurar a primazia
do Direito,
Jorge Carvalho Arroteia 221

· estabelecer acordos entre os países europeus no sentido de harmonizar práticas sociais


e jurídicas dos Estados-Membros,
· favorecer a tomada de consciência da identidade europeia baseada em valores partilhados
e ultrapassando as diferenças culturais”.

Em termos de realizações concretas, o C.E. aprovou cerca de duas centenas de Convenções


e Tratados europeus, que têm força de Lei, muitos deles abertos a Estados não membros,
sobre questões relacionadas com os Direitos do Homem, a luta contra o crime organizado, a
prevenção e segurança, a luta contra a violência, a protecção de dados, a cooperação cultural,
o ambiente, a educação e a cultura.
Tem, ainda, aprovadas Recomendações aos Governos, definindo os princípios orientadores
em matéria de Direito, Saúde, Médias, Educação, Cultura e Desporto.

OCDE – Organisation de Coopération et de Développement Economiques


Criada em 14 de Dezembro de 1960, e à qual Portugal aderiu em 1961, esta organização
internacional conta com três dezenas de Estados-Membros. No seu âmbito, foi criado, em
1960, o CERI (Centro para a Investigação e Inovação no Ensino), promotor de diversos
trabalhos relacionados com a avaliação e políticas de ensino. Para além da análise dos
aspectos inerentes ao desenvolvimento económico, social e educacional dos países membros,
a OCDE tem vindo a distinguir-se pelos estudos relacionados com as políticas de educação nos
Estados-Membros e sua relação com as mudanças sociais e o crescimento económico.
As grandes preocupações deste organismo internacional prendem-se com as reformas do
ensino, conducentes à melhoria da qualidade em educação e à formação ao longo da vida.
Daí a publicação periódica de análises às políticas de educação nos Estados-Membros e
de outros volumes consagrados a diversos temas de ensino e formação, de investigação
ou relacionados com os recursos humanos e da sua articulação com as grandes opções,
estratégicas e de desenvolvimento, tomadas pelos Estados-Membros.

UE – União Europeia
A história da UE remonta à segunda metade de Novecentos, aquando da instituição, em
1951, da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), e particularmente a 1957, a quando
da assinatura do Tratado de Roma e da constituição da Comunidade Económica Europeia,
com objectivos comuns de criação de um “mercado comum” entre os seis países fundadores:
Alemanha Ocidental, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Países Baixos.
Sujeita a diversos processos de alargamento, nos quais se conta a adesão de Portugal,
em 1986, e à ampliação das áreas de cooperação entre os Estados-Membros, o interesse da
EU pelas questões da educação e formação só ficou registada vinte anos depois da fundação
da Comunidade, aquando da realização, em Outubro de 1972, da Cimeira de Paris, e do
levantamento das áreas de cooperação em matéria de educação (CARRAJO, 1996, p. 33).
Desde essa data, foram desenvolvidas diversas iniciativas comunitárias no âmbito da cooperação
nas áreas da educação e da formação.
Por sua vez, com a assinatura do “Tratado de Maastricht” (1992), firmado pelos 12 países
que então formavam a C.E.E., e com a apresentação de um texto de Constituição da EU, que
222 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

deu atenção (artos III-280, III-282 e III-283) às questões da cultura, da educação e desporto e
da formação profissional. As preocupações aí expressas dão seguimento ao lançamento de
anteriores iniciativas europeias nos domínios da educação e da formação, consignando o texto
preliminar da Constituição Europeia, no seu artigo III-282, o seguinte:
“1. A União contribui para o desenvolvimento de uma educação de qualidade, encorajando
a cooperação entre Estados-Membros e, se necessário, apoiando e completando a
sua acção. Respeita plenamente a responsabilidade dos Estados-Membros quanto ao
conteúdo do ensino e organização do sistema educativo, assim como a diversidade
cultural e linguística. (…)
A acção da União visa:
a) desenvolver a dimensão europeia da educação, nomeadamente através da
aprendizagem e difusão das línguas dos Estados-Membros;
b) favorecer a mobilidade dos estudantes e dos professores, encorajando o
reconhecimento académico dos diplomas e de ciclos de estudos;
c) promover a cooperação entre estabelecimentos de ensino;
d) desenvolver a troca de informações e de experiências sobre as questões comuns
aos sistemas educativos dos Estados-Membros;
e) favorecer a troca de experiências entre jovens e animadores sócio-educativos e
encorajar a participação de jovens na vida democrática da Europa;
f) encorajar o desenvolvimento da educação à distância;
(…)
2. A União e os Estados-Membros favorecem a cooperação com países terceiros e
organizações internacionais competentes em matéria de educação e do desporto, em
particular com o Conselho da Europa”. (…).

Estes são alguns dos assuntos relacionados com as acções dos organismos internacionais e
com os seus reflexos na construção das políticas educativas, em Portugal e noutros países.
Organização escolar

A análise das organizações escolares pressupõe o conhecimento global das organizações


sociais formais, entendidas, globalmente, como “grupos deliberadamente organizados,
relativamente duradouros, que operam consoante um conjunto de regras em busca de certas
metas” (HORTON, HUNT, 1980, p. 200). Trata-se, portanto, de organizações burocráticas,
marcadas pela organização e estrutura da autoridade, pela centralização e controlo das tomadas
de decisão e poder, pelo desempenho funcional dos seus membros e pela circulação hierárquica
do comando e informação. De acordo com Estevão (1996, p. 212), as organizações “são definidas
fundamentalmente como ‘sistemas políticos’ (…), como ‘contextos sociais atravessados por
relações de poder(…), como ‘arenas políticas’ que albergam uma variedade complexa de
indivíduos e de grupos; elas são ‘coligações de interesses’ que têm diferentes metas, valores,
crenças e percepções da realidade, onde se intersectam, na luta pelo poder, racionalidades
plurais que destroem, por seu turno, o mito da racionalidade do modelo ‘one best way’”.
Como assinala Lima (1991, p. 36), “o desenvolvimento da escola como organização
especializada, separada da Igreja e controlada pelo Estado, carrega uma longa história, rica de
significados. (…). E, contudo, a escola constitui um empreendimento humano, uma organização
histórica, política e culturalmente marcada”. De facto, a satisfação das necessidades sociais
da população escolar só é possível mediante a adopção de um determinado modelo de
organização social, que não deixa de se traduzir no desempenho das “funções colectivas
e estratificadas” que são desempenhadas pela instituição escolar. Daí que a articulação
necessária, entre os órgãos que a compõem, seja fundamental para o desenvolvimento da
consciência de grupo, da solidariedade e da interdependência entre os diversos membros que
favoreçam a prossecução de um certo número de objectivos comuns que concorrem para o
bom funcionamento do sistema.
Recorde-se que o funcionamento desta unidade obedece a certos condicionalismos que
afectam os sistemas educativos, entidades complexas cujo funcionamento está dependente
não só das grandes orientações e opções do sistema político, mas também de outros sistemas,
como o económico, o demográfico e o administrativo. É este o entendimento de D’Hainaut
(1980), que aponta a dependência destes não só do contexto sócio-cultural e do contexto
histórico, determinantes para o estabelecimento das diversas orientações de política educativa,
mas também do quadro filosófico, ético e religioso e do próprio quadro físico e geográfico.
Daí que, como assinala Lima (1991, p. 52), “os discursos políticos não deixam (…), de se
apropriar de certos sentidos da palavra organização em relação à escola, em detrimento de
outros – seja considerando a palavra como unidade social ou simplesmente como actividade
224 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

ou acto de organizar; seja atribuindo-lhe significados de um certo potencial de autonomia ou,


pelo contrário, acentuando uma conotação de controlo; seja, ainda, insistindo em diferentes
significados de racionalidade, por referência ou por omissão”.
Tendo presente o contexto europeu, onde se insere a situação de Portugal, importa assinalar
que a “estrutura do modelo escolar” tem vindo a sofrer uma profunda evolução, que, de acordo
com Mendes (2000, p. 326-330), passou, de uma primeira fase (séculos XII a XVIII), da afirmação
escolar “debaixo da influência tutelar da igreja (…) através de acções concretas protagonizadas
por congregações religiosas, merecendo um destaque particular os jesuítas” (Op.cit., p. 326),
à afirmação progressiva do Estado, durante o séc. XVIII ou das “Luzes”, no âmbito de “um
movimento social, económico e político que, associado à emergência dos Estados-Nação,
vai transformar a escola num instrumento privilegiado e central do processo de construção da
identidade nacional através da socialização e uniformização cultural (…)” (Op. cit., p. 328).
Nos séculos seguintes (XIX e XX), com a afirmação do Estado, a construção da escola
de massas “surge umbilicalmente associada ao modelo cultural do Estado-Nação”. Assim,
prossegue o mesmo autor (Op. cit., p. 330), afirmando que a “escola de massas” acaba por
consolidar formas e modelos de organização escolar, quer os mais estritamente pedagógicos,
quer outros de alcance mais administrativo.
Sobre as características organizacionais que “enformam a nossa representação colectiva
do modelo de ensino escolar” (Op. cit., p. 330-331), assinala este autor: “alunos agrupados em
classes graduadas (anos, turmas), com uma composição homogénea etária e/ou académica)
e um mínimo de efectivos pouco variável; professores actuando numa base individual,
assumindo-se como generalistas no caso do ensino primário ou como especialistas no do ensino
secundário; espaços estruturados de acção escolar, induzindo uma pedagogia centrada,
essencialmente, na sala de aula; horários escolares estabelecidos com rigor, o que instaura
uma prática de controlo social do tempo escolar; saberes escolares organizados em disciplinas,
que são as unidades estruturantes do ensino e do trabalho pedagógico”. É neste modelo que se
inscrevem as mudanças relacionadas com a organização interna da escola, nos seus diferentes
níveis e ao longo do tempo, e as estruturas diferenciadas de gestão administrativa e pedagógica,
ao nível do estabelecimento escolar e nas suas relações com o poder central.
Se tomarmos como exemplo a organização escolar, a sua análise pode, de acordo com
Lima (1991, p. 149), orientar-se de forma distinta:
· “uma análise organizacional da escola exclusivamente centrada nestas estruturas
configurará um tipo específico de focalização que designaremos por focalização normativa,
mais dependente do estudo do que deve ser (do ponto de vista da administração central),
do que propriamente daquilo que os actores possam entender que deve ser e, ainda,
daquilo que é (…).
· o estudo sociológico das organizações, não desprezando embora a perspectiva atrás
referida, concentra-se predominantemente no plano da acção organizacional e, no que
ao plano das orientações diz respeito, focaliza sobretudo outro tipo de estruturas e de
regras, menos visíveis”.
Jorge Carvalho Arroteia 225

Organograma
De acordo com Costa (1990b, p. 11), o organograma “foi considerado como o instrumento
privilegiado para a representação gráfica e esquemática da estrutura formal das organizações”.
Por isso, é uma forma de representação gráfica da estrutura de Governo, de um sistema social,
como o sistema educativo, das organizações escolares e de outras organizações sociais.
De acordo com M. Boisvert (1985, p. 37), “o organograma, para além de facilitar a compreensão
da distribuição das responsabilidades, permite pô-las em questão ao mesmo tempo que
se interroga sobre a orientação geral dada pela forma da estrutura à tomada de decisão.
Mas para ter uma ideia completa da geografia organizacional, é preciso que os postos
identificados no organograma sejam acompanhados da ‘descrição de funções’”.
Segundo o estudo de Costa (Op. cit., p. 17-20), podem coexistir quatro tipos de organogramas
nas escolas de ensino público:
“1. Organograma oficial: que decorre da análise exclusiva do seu quadro legal (…).
2. Organograma apercebido: consiste na representação que os vários membros de uma
escola fazem da sua própria estrutura organizacional (…).
3. Organograma real: aquele que tem por base um estudo sistemático e metódico de análise
organizacional (nomeadamente através da metodologia do ‘estudo de casos’), centrado
na investigação sobre o funcionamento real e quotidiano de determinado estabelecimento
(…).
4. Organograma necessário: (…) o organograma que a escola necessita para, de forma
eficiente e eficaz, atingir os (“novos”) objectivos que se propõe (…)”.

Havendo diferentes formas de o traçar, é comum que o organograma contemple diferente


tipo de informação, relacionada com o total de serviços ou de departamentos e o modo como
estes se relacionam e articulam entre si no sentido de garantir o funcionamento da organização.
Como exemplo desta malha, cita-se o caso do Ministério da Educação, cuja estrutura orgânica
integra, a par dos órgãos e dos serviços da administração directa, centrais e regionais, a rede
de estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e de ensino não superior.

Administrador

Sala do Expediente Secretariado Arquivo

Sala do Correio CEFASI Pavilhão I Residência – 5 Bicas

Figura 2. Organigrama da Administração – U.A.


226 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Esquematicamente, o organograma é constituído por uma malha de figuras geométricas,


que representam os órgãos de acordo com uma determinada hierarquia, e por um conjunto de
segmentos que os unem. A estrutura gráfica daqui resultante, de tipo vertical, radial, horizontal
ou outra, destaca a partilha de poder e a relação entre os referidos órgãos. Por outro lado,
deve permitir uma leitura clara e actual da organização. Como exemplo, transcreve-se um
organigrama dos serviços de Administração da Universidade de Aveiro.
Pedagogia social

De acordo com Cabanas (1984, p. 122), a Pedagogia Social deve ser entendida como
“a ciência da educação social do indivíduo, ou seja, a Pedagogia especial que estuda o modo
de o formar de modo a que consiga alcançar uma boa adaptação social”. Trata-se, portanto,
de uma “ciência prática, como outra modalidade da Pedagogia, mas duplamente prática, como
pedagogia e como pedagogia aplicada” (CABANAS, 2000, p. 27). Nestas circunstâncias, as
suas preocupações podem abarcar diferentes assuntos, tais como: “1) Estudo da natureza
social do indivíduo. 2) Conceito e processo de socialização. 3) Natureza e fins da educação
social: educação convivencial, educação cívica e política, formação de atitudes sociais.
4) Os meios de educação social: métodos gerais e especiais, métodos pedagógicos com
dimensão social. 5) Grupos de trabalho e dinâmicas de grupo. 6) Casos de inadaptação social
e de marginalização social. 7) Delinquência juvenil e reinserção social. 8) Sistemas pedagógicos
inspirados em concepções sociológicas.” (CABANAS, 1984, p. 122).
Por sua vez, Fermoso (1994, p. 21) considera que a pedagogia social “é a ciência prática
social e educativa não formal que fundamenta, justifica e compreende a normatividade mais
adequada para a prevenção, ajuda e reinserção dos que já padeceram ou padecem, ao longo
da sua vida, de deficiências de socialização ou em relação à satisfação de necessidades básicas
referidas nos direitos humanos”.
A realidade social presente justifica algumas considerações suplementares a este respeito,
tendo presente a matriz conceptual da pedagogia, entendida como “ciência, arte e técnica
de ensinar”. Com efeito, a análise dos diferentes fenómenos sociais e educativos que, hoje,
fazem parte da nossa preocupação como professores, investigadores e agentes promotores da
mudança não pode deixar de considerar as profundas transformações operadas na sociedade,
na família e na escola, como responsáveis por essas situações. Para tanto, têm contribuído
diversos acontecimentos e inovações, que, no seu conjunto, marcam etapas progressivas do
desenvolvimento técnico e tecnológico, do desenvolvimento social, económico e cultural, cujos
efeitos se fazem sentir ao nível das organizações sociais e do indivíduo, do funcionamento
das instituições sociais e do comportamento individual do cidadão, isoladamente e nas suas
relações com os restantes membros da mesma comunidade.
Todos reconhecemos como a evolução dos nossos dias transforma em efémero, amanhã,
o que hoje consideramos como actual e é objecto das nossas preocupações imediatas.
Pensar de outra forma é renegar a importância da evolução e do conhecimento humano, das
suas aplicações práticas e do seu contributo para a evolução da sociedade. Contudo, ao
analisarmos os muitos aspectos relativos à evolução e ao desenvolvimento social e cultural,
228 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

técnico e tecnológico, deparamo-nos com situações não resolvidas, que contrastam com a
marcha, o tipo e a natureza dos fenómenos mais significativas da evolução e do desenvolvimento
da nossa humanidade. Entre essas questões, relevam os aspectos relacionados com a nossa
vivência como cidadãos e o nosso relacionamento com o outro, nomeadamente os grupos
marginalizados e as questões ambientais.
Não importa assinalar a natureza e os factos que comprovam a capacidade de inovação
revelada por certos grupos sociais e que, hoje, são acessíveis a toda a população. A velocidade
a que se propaga a informação, e com ela a inovação e a mudança, deixou há muito de
acompanhar a marcha do homem, dos antigos veleiros, dos comboios a vapor e do próprio
avião, para estar disponível quase de imediato, desafiando a velocidade do som. Tal significa
que, apesar de o homem poder beneficiar de muitas das inovações técnicas e tecnológicas
que hoje marcam a revolução termonuclear que atravessamos, mantém, na sua composição
genética, a mesma arquitectura da dos nossos antepassados mais próximos, embora tenha
desenvolvido capacidades inauditas, relacionadas com a inteligência, a abstracção e a
capacidade de negociação, que importa assinalar. Por outras palavras, queremos dizer que,
não obstante as mudanças operadas no seu ambiente físico, social e cultural, o homem
mantém-se fiel à sua composição e estrutura orgânicas, continuando, por isso, a merecer os
mesmos cuidados e atenção, a sofrer os mesmos efeitos e a carecer de idêntica atenção da
dos nossos antepassados mais próximos.
Este tipo de observação não desmerece a necessidade de uma contextualização da própria
evolução da humanidade e das circunstâncias que, ao ditarem essa evolução, reorientam
as nossas preocupações e a acção pedagógica e educativa. Por outras palavras, clamam
a nossa atenção para questões que ultrapassam os muros da organização escolar e que
reclamam um tipo de atenção e de intervenção relacionada com os problemas do mundo social
e contemporâneo. Analisar a nossa intervenção, como professores e agentes de mudança
na actualidade, obriga-nos a repensar a nossa actuação, como educadores, e a nossa
responsabilidade social, enquanto membros deste grupo alargado, embora com tradições e
práticas distintas, que habita o nosso país e região.
Como cidadãos do mesmo espaço territorial e político, vivemos ao longo do nosso percurso
formativo experiências distintas, que marcam a nossa personalidade, que condicionam os nossos
projectos e que orientam o futuro profissional com que aspiramos. Para tanto, contribuíram
diferentes condições familiares, escolares, culturais, económicas e outras. Relevante foi a
formação escolar que recebemos assim como as heranças económica e cultural.
Importante é a formação que adquirimos, as práticas que exercemos e os projectos que
desenvolvemos. Não importa aqui recordá-los à exaustão. Apenas salientar que as heranças
acompanham-nos e fazem-nos despertar para as diferenças que encontramos no nosso meio.
Algumas delas, por serem demasiado contrastantes, reclamam a nossa atenção imediata,
chamando-nos a intervir, não de forma violenta, mas tendo em atenção a diversidade do outro.
Procuramos com a nossa acção alterar as condições que o cercam e contribuir para outro tipo
de desempenho, individual e social. Pode até acontecer que queiramos, com a nossa acção,
melhorar as condições em que se encontra o semelhante mais próximo, afastando-o de perigos
ou de condições que podem pôr em causa o seu desenvolvimento humano, ou as condições
mais nefastas da sua própria existência.
Jorge Carvalho Arroteia 229

A transformação social, sem ser da responsabilidade exclusiva da escola, reclama, no entanto,


a acção de outras instituições e organizações sociais, a quem damos o nosso contributo, sob a
forma de “partenariado”, ou com as quais desenvolvemos projectos específicos, relacionados
com uma acção educacional organizada, promotora do desenvolvimento local, ou seja, do
“bem-estar social, indissociável de alguns padrões quantitativos, indicadores de qualidade de
vida, mas que é essencialmente qualitativa”. Afirma, ainda, Canário (1995, p. 155): “integrando
as dimensões económica, social, cultural e educativa, o desenvolvimento passa também pela
existência de redes, formais e informais, de solidariedade, activas, cujos efeitos são visíveis em
acções, iniciativas e projectos”.
É esta a especificidade de intervenção do educador social, cujo âmbito de actuação não se
limita, apenas, às instituições de natureza social e cultural, mas que vê o seu campo de acção
alargado, podendo intervir sobre questões que, não sendo exclusivamente de natureza social,
sobre estas exercem uma poderosa e grande influência. Precisando melhor, a acção educativa
que este pode exercer em instituições de índole diferenciada pode ter a ver com questões
distintas, relacionadas com o desenvolvimento social e cultural dos cidadãos, sobre as suas
condições de vida ou de risco, mas também com as suas condições futuras quer sejam de
natureza social, cultural, cívica ou mesmo de natureza ambiental.
O desenvolvimento de projectos nos diversos domínios acima referidos chama a nossa
atenção para a necessidade de uma educação cívica e especializada, que esteja atenta aos
diversos domínios do social, muito para além da vivência das experiências escolares. É neste
aspecto que o educador social exerce uma acção pedagógica intensa, orientada por princípios
deontológicos e práticas profissionais que o distinguem dos demais trabalhadores sociais.
A perspectiva que defendemos no âmbito desta acção pedagógica, centrada no homem
e orientada para o social, dá relevo às iniciativas que favoreçam os aspectos mais amplos
relacionados com o indivíduo em si, em particular os aspectos relacionados com a sua
personalidade; com a sociedade, sobretudo no que respeita à socialização e, eventualmente,
aos aspectos que se prendem com o exercício de uma actividade produtiva, ou seja, com a
capacitação individual.
Outros domínios reclamam uma acção pedagógica que cabe no âmbito de uma intervenção
social. Contudo, tendo presente o complemento de formação pelo qual pugnamos no desenho
do perfil do educador social, o qual deve ter por base uma formação específica no domínio da
educação (educação de infância ou educação básica), parece-nos que a sua acção deve
completar funções a desempenhar pela escola, completando-as sempre que necessário.
De facto, como nota Caride (2005, p. 261), as políticas sociais e culturais onde se pode inscrever
esta acção contempla “os problemas de inadaptação e de marginalização social, a educação
de adultos e o desenvolvimento comunitário, a promoção e a animação sociocultural, o ócio e
o tempo livre, a formação e a inserção laboral, etc.”.
O método de trabalho centra-se, neste caso, numa intervenção direccionada para o indivíduo
e o seu grupo, fortalecendo as suas relações sociais e o desenvolvimento de projectos específicos
que possam envolver diferentes interessados e actores. Centrado na acção, sobretudo na acção
educativa, o trabalho assim desenvolvido será acompanhado de uma pesquisa continuada em
que se procurará, em função de um esquema previamente delineado, melhorar e corrigir, pela
acção, os aspectos recolhidos por uma investigação previamente estabelecida. Aproximamo-nos
230 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

assim de um método conhecido de “investigação-acção”, centrado em actividades colectivas, mas


concentradas no indivíduo, ou grupo de indivíduos que carecem de maior atenção, que Caride
(2005, p. 69) designa por “acção-intervenção social”. Trata-se de uma metodologia utilizada em
pedagogia social, nos seus grandes domínios de intervenção, tais como a animação sociocultural,
a educação especializada, a educação de adultos e educação (ou formação) laboral.
Consequentemente a estas modalidades de investigação, podemos utilizar diferentes
formas de intervenção e de mediação, de forma a alcançar dinâmicas sociais de socialização e
aprendizagem entre os indivíduos que participam nestas iniciativas e definir domínios específicos
de uma acção educativa, exercida fora da instituição escolar, mas com ela intimamente
relacionada, dirigida para diversos grupos e estratos sociais. Podemos eleger distintos temas
que requerem uma acção orientada para pais, grupos sociais distintos e comunidades alargadas.
Contudo, não podemos deixar de acompanhar as preocupações e os problemas que nos
cercam e que exigem uma atitude cívica e de acção concreta por parte de alguns de nós.
Pelo seu interesse, recordamos a necessidade dos diferentes projectos de intervenção
se estruturarem em torno de acções que valorizem a criação de “comunidades de aprendi-
zagem” (AZEVEDO, 2006) e na utilização de técnicas inovadoras de mediação, neste caso
“mediação da aprendizagem” (Op. cit., p. 56), as quais, de acordo com este autor (Loc. cit.),
permitem “romper com os fechamentos pessoais e de grupos”, reunindo, por conseguinte, as
vantagens seguintes:
· “valoriza os sujeitos da acção e se torna próximo deles: os seus problemas, as suas
histórias, as suas esperanças;
· faz face à guetização instalada na administração dos serviços pessoais existentes na
própria comunidade, públicos e privados;
· gera cooperação entre pessoas, iniciativas e instituições, partindo do quanto já existe de
solidariedade e de trabalho em rede;
· apoia itinerários pessoais e de aprendizagem e dinâmicas de aprendizagem cooperativa
de pequenos grupos”.

De acordo com a experiência recolhida no Projecto “Trofa Comunidade de Aprendentes”,


Azevedo (Op. cit., p. 57) aponta os aspectos favoráveis relacionados com a acção dos
“mediadores de aprendizagem”, vistos como:
· sujeitos vocacionados para as actividades de relação, de comunicação e de proximidade
humana;
· agentes de desenvolvimento pessoal e comunitário;
· técnicos aptos a informar, aconselhar, encaminhar e acompanhar itinerários de
aprendizagem, pessoais e colectivos;
· técnicos preparados para fazer a ponte entre as pessoas, entre as instituições, entre as
iniciativas de aprendizagem”.

Recordar alguns dos assuntos que, hoje, preenchem a agenda dos professores, dos
pedagogos, dos decisores e dos cidadãos não é tarefa simples. Basta evocar o nosso
relacionamento com o meio físico e social onde habitamos; pensar nos contrastes que nos
cercam e nos procedimentos distintos dos que nos rodeiam. Não podemos inventariar todos
Jorge Carvalho Arroteia 231

os assuntos que exigem uma atenção redobrada da nossa parte, como cidadãos e, sobretudo,
como responsáveis pela formação de grupos de cidadãos que nos são confiados.
Já anteriormente atendemos às questões próximas da nossa experiência e vivência cívica e
ambiental. Dois temas que emergem do nosso relacionamento com o outro e do respeito que
temos da herança natural comum que nos rodeia e que pretendemos transmitir aos vindouros.
Dois temas que exigem habilidades e intervenções diferenciadas, assentes no respeito pela
individualidade de cada um, na sua diferença, mas evocando a necessidade do despertar de
uma “consciência colectiva” em torno das grandes questões que hoje afligem a humanidade.
Aspectos relacionados com o nosso comprometimento, em relação ao passado ou à nossa
acção futura, fazem parte dos temas desta nossa reflexão, que, pela pertinência do tema,
oportunidade do seu tratamento, contexto em que é referido e perspectivas em que pode ser
analisado, merece o nosso reconhecimento e atenção.
As preocupações acima referidas têm vindo a ser evocadas por uma nova ciência da
educação, a “Pedagogia Social” – com origem na Alemanha, quando este país, sujeito a profundas
transformações sociais, económicas e políticas, decorrentes do processo de revolução industrial
em curso – defendida por Natorp (1898), ao realçar, no seu livro sobre “Pedagogia Social”, que “as
condições sociais da educação e as condições da educação na vida social estão estreitamente
unidas, formando o tema da pedagogia social” (AZEVEDO, 2006, p. 8). Trata-se de uma
preocupação que, a partir de então, vai ter os seus defensores e distintas orientações. Assim,
no contexto gaulês, esta ciência, “éducation sociale”, está muito orientada para a animação
e intervenção comunitária, a educação de adultos e a formação laboral. Em Inglaterra, a
pedagogia social está ligada ao trabalho e serviço social, e em Espanha, tendo adoptado a
designação germânica, tem vindo a aprofundar a sua orientação na área da socialização dos
indivíduos, jovens e adultos, com dificuldades neste domínio, e da sua integração social.
Em Portugal, as preocupações sobre esta matéria têm vindo a seguir diferentes orientações,
consoante a matriz das escolas, universitárias e politécnicas, de natureza pública e não pública,
que oferecem formação nesta área. Assim, para Azevedo (Op. cit., p. 10), a Pedagogia social,
inscrita na área científica das ciências sociais, “corresponde a uma ciência da educação que
tem como objecto formal a fundamentação, justificação e compreensão da prática educativa
desenvolvida em contexto social”. Por isso, em termos de objecto material, diz este autor
(Loc. cit.): “obriga a considerar uma pluralidade de dimensões de actuação, de acordo com
as exigências de educação e formação das pessoas e das comunidades”. Portanto, “entre
estas dimensões, situa-se, obrigatoriamente, a educação social, mas também a animação
sócio-cultural, a educação infantil e de adultos, a formação laboral e ocupacional, a educação
para a saúde e para o consumo, a dimensão educativa dos meios de comunicação social, a
educação parental e tantas outras” (Loc. cit.).
Defende, ainda, o mesmo autor (Op. cit., p. 11) que a “pedagogia social surge-nos assim
como o saber científico capaz de dar coerência conceptual a uma pluralidade e diversidade de
práticas educativas”, assentes em diferentes saberes, que Azevedo (Op. cit., p. 13) enuncia:
“a) saber matricial de todas as práticas pedagógicas desenvolvidas em contexto social,
formais e informais (…).
b) saber teórico-prático, alimentado pelo contributo de uma diversidade de disciplinas,
segundo uma perspectiva integrada e integradora (…).
232 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

c) saber estratégico, orientado para a intervenção, para a procura intencional de mudanças


positivas e, nessa medida, enformado pela esperança e pela crença na novidade
do tempo (…)
d) saber histórico, implicado enquanto tal na resposta aos imperativos de desenvolvimento,
definidos num determinado espaço democrático e, obrigatoriamente, atento às situações
de urgência social (…).
e) Saber ético e estético, um saber axiologicamente comprometido com a beleza moral, de
acordo com uma concepção de desenvolvimento humano, assente no reconhecimento da
alteridade absoluta, testemunhada por cada ser humano enquanto sujeito de unicidade,
isto é, enquanto ser com ‘direito ao rosto’ (…)”.

Acção pedagógica
Complementarmente à acção educativa, a acção pedagógica, centrada no desenvolvimento de
actividades educacionais coordenadas ou em articulação com a escola, constitui uma tarefa que
pode ganhar diferentes contornos e formas de expressão, consoante o público e a natureza das
acções a desenvolver. De qualquer modo, estas correspondem a processos de aprendizagem,
de produção de saberes assentes em actividades diversas, mas baseadas, fundamentalmente, na
socialização, na mediação e em realizações que incluam uma acção coordenadora da escola,
direccionada para a educação familiar, a educação comunitária e o desenvolvimento local,
através de diferentes iniciativas educativas, de natureza formal e não formal.
De acordo com Canário (1995, p. 154), a escola é uma das organizações que tem de
coordenar esforços entre si, se quiser alcançar objectivos relacionados com o partenariado e
o desenvolvimenrto comunitário. De facto, “o papel da escola é visto como central, pois é nela
que as necessidades das crianças e famílias podem ser identificadas e encaminhadas”, uma
vez que “as famílias não são encaradas como clientes da escola, mas como os seus principais
parceiros”. Neste sentido, prossegue a autora ((Loc. cit.), afirmando que “o cerne do partenariado
é o maior poder de decisão das famílias e das crianças, o que pressupõe um grau bastante
elevado de autonomia dos organismos locais, escola incluída, para que possa negociar os
objectivos locais e os meios de financiamento”.
Tendo em conta a experiência recolhida no decurso da sua investigação, Ferreira (2005,
p. 414) defende a criação de “dinâmicas de animação comunitária e de desenvolvimento local
como processos educativos globalizados e emancipatórios”, assentes em diferentes contextos e
modalidades educativas. Para tanto, prossegue o mesmo autor (Op. cit., p. 421) ser a animação
a palavra-chave deste sucesso, ou seja, “através de uma intervenção educativa globalizada e
participada, a animação desempenha um papel importante na elevação da auto-estima colectiva
relativamente a um território e à sua história e património cultural e ambiental e na criação de
uma vontade colectiva de mudança”.
O exemplo de articulação entre a escola e outras entidades é-nos dado através da realização
de diferentes tipos de iniciativas, entre as quais se destacam os “projectos sociais”, orientados
para a população em idade escolar, tais como os menores abandonados, a delinquência juvenil,
a integração dos jovens no mercado de trabalho, e muitos outros que tendem a reduzir os
efeitos da exclusão social a que são votados alguns grupos funcionais, em idade ou já fora de
idade de escolarização. Neste caso, a acção pedagógica pode ser direccionada para a vasta
Jorge Carvalho Arroteia 233

população jovem, afectada por “comportamentos desviantes, relativamente ao corpo de normas


estabelecidas e aos padrões culturais dominantes” (MARTINS, 1993, p. 27).
Na sua relação com a Pedagogia Social, a intervenção, sistematizada e orientada sobre a
realidade social onde se quer intervir através da operacionalização de um determinado projecto
social, pressupõe uma recolha de todos os dados relacionados com os problemas que afectam
uma determinada população, implicando, por isso, uma análise cuidada das necessidades
de intervenção sócio-educativa. Pela sua relevância, transcrevemos de Pérez-Campanero
(1991, p. 37-38) as três fases fundamentais que compõem o modelo para a “Análise das
Necessidades de Intervenção Sócio-educativa” (ANISE), defendidas por esta autora: a fase
de reconhecimento, que parte da identificação das situações que geram a intervenção
sócio-educativa e que culmina com a recolha dos instrumentos e das fontes de informação;
a fase de diagnóstico, que, partindo do conhecimento de uma determinada realidade actual,
identifica as suas causas e o problema; a fase de tomada de decisão, que estabelece as
prioridades e propõe as soluções, “avaliando o custo, impacto e viabilidade” (Op. cit., p. 38).
Trata-se de um percurso que implica etapas distintas e o envolvimento de diferentes actores,
recursos e contributos disciplinares, que permitem ao ser humano distintas aprendizagens,
baseadas na participação, descoberta e emancipação individual e colectiva.

Inclusão social
A inclusão social consiste na aceitação de um indivíduo ou grupo de indivíduos pelos grupos
sociais dominantes, pela sociedade em geral ou pela escola, permitindo-lhe, desta forma, uma
participação cívica plena e o gozo dos direitos fundamentais, nomeadamente o acesso e o
sucesso escolar. Neste processo, é reconhecida a importância da participação em actividades
de natureza educativa, promovidas, ou não, pela escola, como meio de aproximação entre a
escola e o indivíduo.
Contrariamente ao conceito oposto, o da exclusão, a inclusão social acompanha o fenómeno
mais amplo de democratização social, sendo vivido de forma voluntária e expressando, no caso
de populações diferentes, um elevado grau de socialização. E a CRP (artº 13) preconiza, para
todos os cidadãos, “a mesma dignidade social” e igualdade perante a lei.
De realçar que o desenvolvimento da educação, na actualidade, tem vindo a conferir-lhe
um papel relevante na promoção do desenvolvimento humano e da inclusão social, através
de acções específicas de luta contra a pobreza, da promoção dos valores universais de
tolerância e de paz ou mesmo através do lançamento de programas concretos, orientados
para a divulgação das novas tecnologias de informação e de comunicação. No seu conjunto,
espera-se que tais medidas permitam atingir os grandes objectivos estabelecidos no âmbito dos
programas universais relacionados com a democratização do ensino, tais como a “Educação
para todos”.

Tempo de lazer e animação


Nas sociedades actuais, o tempo consagrado a outras actividades que não o desempenho
de actividades profissionais tem vindo a aumentar e a alargar-se a diferentes grupos sociais.
Trata-se de um fenómeno que tem vindo a acentuar-se depois do processo de industrialização,
aumentando nas sociedades urbanas e de serviços em que vivemos. É, igualmente, um dos
234 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

direitos considerados na Declaração Universal dos Direitos do Homem, que considera, no


seu artº 24, que “toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres e, especialmente, a uma
limitação razoável da duração do trabalho e a férias periódicas pagas”.
A importância dos tempos de ócio tem vindo a beneficiar o desenvolvimento de certas
acções de natureza educacional, permitindo que os tempos de ócio venham a ser utilizados
como tempos educativos. É o caso do aproveitamento de diferentes actividades desenvolvidas
em exposições, conferências, visitas de estudo e em muitas actividades de campo, relacionadas
com o ambiente, o património e o contacto com o meio natural. O aproveitamento do tempo
de lazer recorre, assim, a actividades baseadas na intervenção social e na animação de
natureza sociocultural, que permitem dar resposta a dificuldades de natureza pessoal e de
desenvolvimento humano referidas pelos formandos.
Estipula o artº 48 da LBSE que “as actividades curriculares dos diferentes níveis de ensino
devem ser complementadas por acções orientadas para a formação integral e a realização
pessoal dos educandos no sentido da utilização criativa e formativa dos seus tempos livres”.
Ao apontar a existência de diversos objectivos e actividades, dentre elas o caso do desporto
escolar, a LBSE (art. 48.4) encara a ocupação dos tempos livres como um espaço de formação
e de cidadania, reconhecendo-lhe a missão de “valorizar a participação e o envolvimento das
crianças e dos jovens na sua organização, desenvolvimento e avaliação”.
Em todos os casos, a escola, para além da sua função educativa, desempenha uma função
cultural, se entendida como um centro educativo aberto, podendo congregar em seu redor os
membros da sociedade onde se insere.
Planeamento

O desenvolvimento do processo de planeamento toma, frequentemente, como referência


o exemplo das ex-Repúblicas Socialistas onde os processos de crescimento económico eram
consignados em documentos com duração fixa, em regra de cinco anos, que estabeleciam
as metas e o “produto” resultante das acções relacionadas com o crescimento económico e
social. De acordo com Pimpão (1995, p. 62), “neste sentido, o planeamento surge como o
processo normal de afectação de recursos e a administração pública passa a coincidir com a
própria actividade de planeamento”.
Importa recordar que o planeamento económico foi inspirado nos planos quinquenais da
URSS, que tiveram o seu início na década de vinte do século passado, com a preparação do
1º Plano Quinquenal, em 1923. Os princípios deste processo foram alargados à educação
através de “planos directores”, de cumprimento obrigatório, que determinavam o financiamento,
os objectivos e os resultados a atingir em termos de diplomados nos diversos níveis de ensino e da
sua relação com as necessidades de mão-de-obra, determinadas pelo crescimento económico.
Nas sociedades de tipo ocidental, o planeamento tem sido utilizado em economia,
bem como nos processos de ordenamento físico e social do território e na administração
pública, relacionados com a implantação de determinadas actividades e com a urbanização.
Estes exemplos consideravam o estado de ocupação do território e as alterações que o
poder central, ou os municípios, pretendiam modificar. Estas instruções eram reunidas em
instrumentos de trabalho e de orientação estratégica, consignadas nos respectivos “planos”.
De igual modo, o crescimento e complexificação crescentes da administração pública têm
levado a uma valorização acrescida do processo de planeamento, considerado por Pacheco
(1995, p. 33) como “a principal componente na dimensão estratégica da actuação da
Administração Pública” e, como tal, com “reflexos na tomada de decisão em matérias de
despesa pública”.
De acordo com o mesmo autor (Op. cit., p. 35-36), “o processo de planeamento central
em Portugal tem basicamente duas vertentes: o planeamento do esforço de desenvolvimento,
elaborado num contexto intertemporal de médio/longo prazo, e o planeamento de curto prazo,
que é a concretização do primeiro (…). Daqui resultam diferentes tipos de instrumentos, dos
quais destaca este autor (Loc. cit.) os seguintes:
· as grandes opções do plano de médio prazo;
· o plano de médio prazo;
· as grandes opções anuais;
· o plano anual;
236 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

· o programa de investimentos e despesas de desenvolvimento da administração pública


(PIDAC);
· o plano de desenvolvimento regional (PDR).

Entre os exemplos mais antigos do planeamento em Portugal, citamos os Planos de Fomento


(iniciados em 1953), através de versões distintas (1º Plano de Fomento: 1953-58; 2º Plano de
Fomento: 1959-64; Plano Intercalar de Fomento: 1965-67; 3º Plano de Fomento: 1968-73; e
4º Plano de Fomento: 1974-79). Devido à revolução de 1974, este último não foi executado.
O significado atribuído ao planeamento difere, quanto ao processo e ao produto, no sistema
público e fora dele. Sobretudo no domínio empresarial, tem vindo a afirmar-se o planeamento
estratégico, que pode ser entendido como um processo onde os objectivos, as estratégias,
a execução e o respectivo controlo e avaliação são previamente definidos, embora com a
possibilidade de ajustamentos e de resolução de estrangulamentos surgidos durante a sua
execução, que permitem alcançar os objectivos inicialmente previstos. A grande vantagem deste
processo reside na flexibilidade do mesmo, contrária à rigidez do planeamento tradicional.
No domínio da educação, a construção das diferentes iniciativas e das reformas que
acompanham as medidas de política educativa exigem, também, a identificação de um conjunto
de objectivos, dos meios e dos instrumentos e o cumprimento de um conjunto de etapas
que marcam a concepção, desenvolvimento e avaliação desses passos e medidas. Assim, o
planeamento, que não só o planeamento económico e o territorial, exige uma visão “integrada”,
a qual, de acordo com V. Oliveira (1975, p. 1-2), deve reunir quatro atributos: assumir um
carácter sistémico, apresentar diferentes alternativas, proceder à avaliação das alternativas e
ser considerado como um processo evolutivo, sujeito a “ajustamentos contínuos”.
Esta é a noção de planeamento que privilegia os objectivos, os instrumentos de actuação
e a participação pública como factores indispensáveis ao êxito, à coordenação das diferentes
iniciativas e ao aproveitamento das sinergias e dinâmicas facilitadoras da participação activa
e do desenvolvimento de projectos e de propostas facilitadoras da construção de uma
identidade que se pretende melhorar. No domínio do planeamento educativo, a mobilização e
a participação alargadas beneficiam não só os beneficiários directos do sistema educativo, em
especial alunos e professores, mas também a sociedade em geral.
As considerações anteriores corroboram o entendimento de Coombs (1970, p. 14), que
considera o planeamento como um “processo contínuo”, envolvendo diversas fases e processos,
que devem permitir satisfazer “da maneira mais eficaz as necessidades e os objectivos dos
estudantes e da sociedade”. Neste sentido, este recorre a um conjunto de princípios
orientadores da sua acção, em diversos domínios e áreas de formação, tais como a Ciência
Política, a Economia, a Sociologia ou mesmo a Cibernética.
O conhecimento dos princípios orientadores da estrutura e do funcionamento do sistema
educativo requer, igualmente, o domínio dos diversos aspectos relacionados com a condução
e aproveitamento dos seus recursos. Dada a especificidade do sistema educativo, justifica-se
a atenção que se pode dar aos aspectos pedagógicos e à condução dos seus recursos
humanos. Por isso, de acordo com Dacal (1986, p. 342-3), o planeamento deve ser antecedido
por uma acção mais ampla e geral, a “planificação”, entendida como a “acção conducente à
elaboração do plano, cientificamente organizado e, frequentemente, de grande amplitude, para
Jorge Carvalho Arroteia 237

atingir um objectivo determinado”, e o “planeamento” como sendo a “ordenação dos elementos


que constituem o plano, com vista à prossecução de determinados objectivos”.
Assim, se aplicado ao contexto escolar e à realidade portuguesa, o “regime de autonomia,
administração e gestão dos estabelecimentos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e
secundário” (Dec.-Lei nº 115-A/98, de 4 de Maio – artº 3) considera o “plano anual de actividades”
como um instrumento do processo de autonomia das escolas, referindo-o como “o documento
de planeamento, elaborado e aprovado pelos órgãos de administração e gestão da escola,
que define, em função do projecto educativo, os objectivos, as formas de organização e de
programação das actividades e que procede à identificação dos recursos envolvidos”.

Planeamento da educação
De acordo com o IIPE (1970), “o planeamento da educação é a aplicação de uma análise
sistémica e racional ao processo de desenvolvimento da educação; tem como fim dirigir
a educação de maneira mais eficaz às necessidades e aos objectivos dos estudantes e
da sociedade”. Numa perspectiva complementar, defende Martins (1996, p. 182) que o
“planeamento deve ser entendido numa dupla dimensão: a primeira compreende o dispor
racional dos elementos presentes no sistema de formação-emprego, a segunda obriga a
que se faça uma reflexão global, que preveja a articulação e implicações do sistema de
formação-emprego com os outros subsistemas sociais e o nível das prioridades de realizações
de cada sistema, especialmente do de educação-formação”.
O planeamento indica as metas a atingir num determinado período e permite ajustar as
estruturas e a qualidade dos serviços educativos à procura, às necessidades e aos objectivos
da educação num determinado período da vida social. Este processo poderá ser, ainda,
entendido como um programa de acção que, a partir da fixação de determinados objectivos,
orienta a mobilização dos meios e dos recursos necessários para a sua prossecução. No seu
conjunto, permite um melhor funcionamento do sistema educativo, internamente e nas suas
relações com a sociedade.
Os fundamentos do planeamento parecem remontar à velha Grécia, ou mesmo antes, com
Platão, para quem a elaboração de um “plano educacional” devia responder às necessidades
de liderança e aos objectivos políticos de Atenas. Outros exemplos podem ser encontrados ao
longo do processo histórico de construção dos diferentes sistemas educativos, em particular
na Europa, continente onde, primeiramente, se fez sentir a necessidade de uma ligação mais
estreita entre a sociedade e os sistemas de ensino.
Antes da generalização e da sua aplicação em diferentes contextos, sobretudo antes da
Segunda Guerra Mundial, Coombs (1970) assinala que o planeamento da educação ficou
marcado por quatro características fundamentais:
· a sua perspectiva de curto prazo;
· o seu carácter fragmentário e, portanto, também não articulado, ou seja, não garantindo
a relação entre todas as iniciativas no mesmo processo;
· não dinâmico, isto é, pouco receptivo a mudanças.

Estes traços foram alterados com as mudanças sofridas no continente europeu durante
o terceiro quartel do século XX, com a reconstrução das economias europeias, a penúria de
238 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

mão-de-obra, a expansão económica e a inovação que identificam os primeiros anos da


segunda metade de Novecentos.
De acordo com um documento do ME (1989), “o planeamento é feito a diferentes níveis:
do nível nacional até ao nível médio da unidade administrativa mais pequena, e mesmo do
estabelecimento. Pode ser feito separadamente, para os diferentes subsistemas e áreas
geográficas, antes dos diferentes planos serem integrados no plano nacional para a educação”.
Por isso, o planeamento da educação “efectua-se dentro de um extenso quadro de objectivos
e políticas nacionais para a educação” e deve ser iniciado por estudos de diagnóstico que
permitam conhecer a realidade que se pretende alterar.
O desenvolvimento deste processo assenta em cinco princípios fundamentais (COOMBS,
1970):
· o planeamento da educação deve ter como limite o futuro e não uma perspectiva limitada
no tempo;
· deve ser global, ou seja, ter uma visão integrada do sistema educativo e da sua evolução,
coordenada, no futuro;
· deve ser integrado, isto é, articular-se com os demais planos de desenvolvimento;
· deve fazer parte integrante da administração da educação e das tomadas de decisão
neste domínio;
· deve preocupar-se com os aspectos qualitativos do desenvolvimento da educação e não
apenas com os seus aspectos quantitativos.

Desenvolvendo-se à escala nacional ou local, meramente indicativo ou imperativo, o


planeamento da educação deverá andar ligado às outras formas de planeamento social,
elaboradas pelo Governo central (planeamento centralizado), ou a nível das regiões (planeamento
descentralizado). Por isso, não deve ter apenas em atenção as questões relacionadas com
este sector, mas ter em conta as grandes opções estratégicas de desenvolvimento do país,
relacionadas com o aproveitamento dos recursos endógenos e humanos.
Apontam-se os traços fundamentais do processo de planeamento: universalidade, viabilidade,
coerência, eficiência e flexibilidade.
O instrumento fundamental de acção neste processo é o “Plano”, documento estratégico
que traça os objectivos a atingir, os meios e os recursos disponíveis que permitem atingir
esses fins. Como foi notado, deve assentar no diagnóstico da situação actual, apontando, para
além da estratégia, a metodologia, os programas e os projectos de intervenção, bem como
os recursos necessários para se atingirem os fins consignados. Destas fases, o diagnóstico
do sistema educativo e a recolha exaustiva de todos os elementos estatísticos e outros,
relacionados com a demografia, a mão-de-obra, o emprego, a economia e as finanças, são
fundamentais para o planeamento educativo.
Tradicionalmente, o planeamento da educação teve como objectivos essenciais o desenvolvimento
dos recursos humanos, valorizando o contributo da educação para aumento do PNB. Para tanto,
foi-se desenvolvendo, tomando, como referência, três métodos fundamentais:
· método da procura social, baseia-se na frequência espontânea e corrente dos equipamentos
de ensino. Por isso, as projecções que o acompanhavam tinham como referência as
projecções económicas dos gastos e dos custos da educação.
Jorge Carvalho Arroteia 239

· método da mão-de-obra, relacionando a educação com o processo de crescimento


económico;
· taxas de rendimento, relacionando os benefícios sociais, ou seja, os “custos-benefícios”
carreados pela educação. Centrava-se na análise: custos-benefícios dos investimentos
educativos.

Modernamente, encara-se como relevante o “factor residual” da educação (teoria residual),


que privilegia a educação como factor adicional do crescimento económico.
Os métodos acima referidos estão relacionados com o processo de desenvolvimento
económico registado nos países mais desenvolvidos, sobretudo a partir da década de sessenta
do século XX, em resultado quer do processo de democratização do ensino, quer da
evolução técnica e tecnológica que passou a requerer indivíduos com melhores qualificações
profissionais. Esta constatação estendeu-se aos países em vias de desenvolvimento, que viram
na elevação do nível de instrução da população a possibilidade de iniciarem o processo de
crescimento económico.
Tendo em conta a evolução dos cenários que apontam para a evolução global da sociedade,
marcada por novas características e desafios impostos pelo desenvolvimento tecnológico, pelo
progresso acelerado, pela complexidade e incerteza dos fenómenos sociais, o processo de
planeamento tem vindo a alterar alguns dos seus pressupostos iniciais, introduzindo novos
conceitos e formas de intervenção, relacionados com a mudança e o desenvolvimento futuro,
integrados no planeamento estratégico da educação. Neste caso, o planeamento assenta
numa visão prospectiva, em objectivos a atingir e em cenários possíveis que condicionam a
aplicação do plano. Esta perspectiva de visão dinâmica do planeamento da educação pressupõe
um processo de avaliação continuado e dinâmico, que tenha em consideração os resultados
alcançados e as alterações do meio e dos actores envolvidos no processo. De realçar que o êxito
deste depende, ainda, da sua articulação com o planeamento social, no seu conjunto, e da relação
estabelecida entre as diversas entidades e intervenientes no processo de desenvolvimento.
Dada a relevância dos factores demográficos, o interesse pelo conhecimento da situação
actual e, principalmente, das perspectivas de crescimento e da dinâmica da população, confere ao
planeamento da educação um papel relevante, já que, como refere Chau (1969, p. 85), este não é
possível “se não se tiver sempre presente o perfil demográfico actual e futuro da nação”. Assim,
nota Coombs (1970, p. 14) que o “planeamento da educação não se interessa exclusivamente
pela “expansão quantitativa da educação”, mas também com a realidade, qualitativa e
quantitativa, sendo sua preocupação fundamental a de “definir a melhor maneira de manter a
complexidade das relações, internas e externas, do sistema em estado de equilíbrio (dinâmico)
e de as “orientar na direcção desejada” (Op. cit., p. 16). Nestas circunstâncias, reconhece o
mesmo autor haver um maior interesse em conhecer as “distorções e os desequilíbrios graves
quer no interior do ensino quer entre o sistema de ensino e a sociedade”.
O desenvolvimento deste processo, fora do contexto dos países socialistas, surge no termo
da Segunda Guerra Mundial com a necessidade de reconstrução dos países devastados pelo
conflito e em articulação com o processo de planeamento social e das actividades económicas.
Estas razões levaram à autonomização do planeamento da educação, processo que se
considerou de grande relevância, uma vez que, aplicando-se a todo o sistema educativo,
240 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

revestia aspectos não só quantitativos (relacionados com o acréscimo de frequência), mas


também qualitativos (relacionados com a formação, os métodos e os processos de ensino).
Por outro lado, tendo em conta a sua elaboração a curto, médio, e a longo prazo, permitia
uma relação mais estreita e integrada com o planeamento económico e social. A expansão
do planeamento de educação ficou a dever-se, nos anos cinquenta, à expansão da economia
mundial e à intervenção do Banco Mundial e da Organização dos Estados Americanos (OEA),
em 1958. É a chamada “época clássica”, que se prolonga, ainda, pela década seguinte, em
que o planeamento é encarado como solução para os problemas educativos, económicos e
políticos da humanidade.
Nos anos sessenta, por acção ainda do Banco Mundial e do financiamento de projectos
educativos em diversos países, as realizações previstas no planeamento são assim centralizadas
em diversos programas e globalizadas à escala mundial. É a época das soluções estatísticas e
econométricas, em que o campo de intervenção se alarga a outros organismos internacionais,
tais como a UNESCO, que, através do IIPE (Institut International de Planification de l’Éducation),
iniciou uma formação especializada nesta área. Por sua vez, a Organização de Cooperação
e Desenvolvimento Económico (OCDE) é responsável por outras iniciativas, designadamente
a realização do “Projecto Regional do Mediterrâneo”, e por diversas análises das políticas de
educação em Estados-Membros. Estes projectos acentuavam a estratégia de planeamento
com base na formação dos recursos humanos.
A partir de 1968, com a realização de uma conferência internacional sobre “Planeamento
da Educação”, o IIPE tem vindo a prosseguir a sua actividade de formação, investigação,
cooperação técnica e divulgação dos princípios relacionados com a expansão e a melhoria dos
sistemas educativos, debruçando-se sobre facetas diversas, tais como: equidade; qualidade;
estrutura e administração da educação; curriculum; custos e financiamento da educação;
planeamento, técnicas e perspectivas; informação, monitorização e acompanhamento dos
sistemas. O conjunto destas preocupações pressupõe que o processo de planeamento
seja devidamente acompanhado por um conjunto de decisões, de natureza normativa e
administrativa, de natureza estratégica e de natureza operativa, que permitam assegurar que
esta actividade humana continue a ser considerada como a mais efectiva e eficaz num processo
de desenvolvimento social e humano das populações.
Sem pretendermos analisar as fases que identificam as grandes inquietações internacionais
neste domínio, referimos que, depois dos anos oitenta, a consciência dos desequilíbrios
sociais, económicos, culturais e ambientais esteve na origem de outro tipo de preocupações,
relacionadas com o desenvolvimento de políticas de “convergência” e de políticas de fomento
económico de “integração” da população. Daí decorrem diversas iniciativas relacionadas com
a formação profissional, entendida como instrumento de política de emprego destinada a
promover o desenvolvimento económico e social, como meio de assegurar a preparação dos
jovens para a vida activa e como instrumento de promoção da igualdade de oportunidades no
acesso ao mercado de trabalho.
As preocupações com o planeamento da educação continuam actuais, tendo em conta
que este processo permite a resposta adequada aos desafios da política de educação em
domínios concretos, relacionados com a procura, a oferta e as necessidades da sociedade ou
do mercado, mas também em relação à alocação dos recursos, que permitem o funcionamento
Jorge Carvalho Arroteia 241

do sistema. Daí que as preocupações anteriores, referentes à procura social, à formação de


mão-de-obra e ao custo-benefício, venham, progressivamente, a ganhar outra dimensão
de análise e de acção relacionada com o retorno social do aumento de instrução e da
formação, através da sua ligação com a economia e o mercado de trabalho (factor residual
da educação), com a formação das “élites” (em particular, a classe política) e as perspectivas
futuras, relacionadas com a prospectiva e os projectos de desenvolvimento da sociedade.
Assim, os reflexos do planeamento da educação extravasaram os domínios do retorno social,
da economia e da política, para se associarem aos aspectos de inovação e de mudança, numa
atitude prospectiva e de mudificação de cenários.
O conjunto destas preocupações estão plasmadas num documento recente do IIPE sobre
“A educação para todos”. Estas referem-se, em particular, à formação de recursos humanos,
o que constitui um dos grandes desafios que, hoje, se colocam aos países que pretendem
a formação de quadros capazes de assumirem as funções de gestão do conhecimento e da
inovação em que assenta o progresso económico e científico. Mais recentemente, o director do
IIPE, J. Hallak (CARNOY, 1999, p. 5), dava conta das novas preocupações do planeamento da
educação, realçando o seguinte: “o interesse consagrado à expansão e ao desenvolvimento dos
sistemas educativos chegou ao fim, tendo sido substituído pelo desejo constante de melhorar
a qualidade do processo educativo no seu conjunto e de avaliar os resultados obtidos”.
Mais ainda, “os planificadores e administradores estão conscientes da importância das
estratégias a desenvolver e do papel desempenhado pelos diversos mecanismos de regulação:
escolha dos modelos de financiamento, exame e emissão de certificados e diplomas ou de
outras estruturas de regulação e de avaliação”.
Como outros processos sociais, a avaliação utilizada no planeamento pode incidir sobre
aspectos diferentes: sobre o processo e sobre o produto. Se tiver em conta o processo, esta
deve ser contínua e ter um carácter formativo, por oposição à avaliação final, de conjunto, se
considerar os resultados. Mesmo assim, atendendo a que o processo de planeamento engloba
diversas fases e/ou programas, estas devem ser apreciadas individualmente e no seu todo,
tendo em consideração os aspectos seguintes: finalidades da acção, objectivos e metas a
alcançar, conteúdos, metodologia geral do programa, técnicas pedagógicas utilizadas, normas
da avaliação, recursos utilizados e calendarização geral do programa de acção.
Perante as transformações sociais e a constante alteração dos contextos nacionais e
internacionais, o planeamento, e em particular o planeamento educacional, tem vindo a apresentar
novas perspectivas, tais como:
· racionalização da tomada de decisões, em função da limitação dos recursos (estratégias
para refrear e racionalizar os gastos);
· formulação das prioridades (planeamento sectorial);
· reforma do sistema educativo (funções de diagnóstico e prospectivas da educação);
· democratização e planeamento (a incidência do planeamento na participação responsável
dos cidadãos sobre a vida social);
· mobilização do potencial das comunidades locais (descentralização das tomadas de
decisão: acção regional e comunitária);
· o planeamento como processo de concertação: Estado/sociedade;
· ênfase sobre a qualidade da educação;
242 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

· atenção às novas situações de multiculturalismo e bilinguismo;


· reforço dos traços entre educação, trabalho e produção.

Note-se que o exercício e a prática do planeamento da educação envolvem diversos


contributos, tipos de análise e estratégias de desenvolvimento. A título exemplificativo, recordamos
como os objectivos da Cimeira de Lisboa (em Março de 2000), promovida pela Comission de
Communautés Européennes, inventariou, no que respeita aos objectivos concretos dos sistemas
educativos nos países da UE, cinco preocupações comuns a todos os países: a qualidade dos
sistemas educativos e de formação; o acesso à educação e à formação a todos os cidadãos; as
competências fundamentais a incluir nos percursos escolares e de formação inicial dos jovens,
nomeadamente no que respeita às tecnologias de informação e de comunicação; a abertura
dos centros escolares e dos centros de formação (incluindo as universidades) aos cidadãos;
e, por fim, uma maior eficácia no desempenho dos referidos sistemas.
Os objectivos traçados nesta cimeira, no sentido de tornar a Europa, até ao ano de 2010,
dotada de uma “economia do conhecimento mais competitiva e dinâmica” do globo, põem
em realce a pertinência e oportunidade do planeamento da educação como instrumento
fundamental ao serviço não só da melhoria do desempenho dos sistemas educativos e
de formação, mas também do desempenho qualitativo e quantitativo do emprego e da coesão
social, instrumemtos fundamentais para a afirmação e construção da União.

Métodos de planeamento da educação


Dois métodos fundamentais foram largamente utilizados nos processos de planeamento
da educação até ao início dos anos noventa.
O primeiro teve em consideração a análise custo-benefício, que consiste, basicamente, na
apreciação das condições que resultam da frequência de um curso, na obtenção de um diploma
ou de uma formação especializada, em função do investimento humano e material envolvido
nesse processo. Pode, ainda, ter em atenção a perda de oportunidades materiais e sociais,
decorrentes dessa participação. Em qualquer dos casos, este tipo de análise utiliza indicadores
relacionados com a situação material, cultural e outra, assim como os resultados conseguidos
após a obtenção de um determinado estatuto escolar e/ou académico.
Um segundo método correpondeu à estimativa das necessidades de mão-de-obra. Este
conceito anda associado ao processo de planeamento de formação de recursos humanos, a
nível geral, por sectores de especialização, tipo de formação, habilitação académica e profissional.
Trata-se de um dos métodos em que assenta o planeamento da educação, justificando os
investimentos, a oferta de cursos e de formação, de acordo com as carências sentidas em
determinados mercados e sectores económicos, a nível nacional ou regional.
O método em questão anda ligado às necessidades da educação, registadas globalmente
pela sociedade, e que têm vindo a variar ao longo dos séculos, em consequência da evolução
técnica, tecnológica e de informação, que obriga à aprendizagem permanente e ao longo da
vida como forma de reduzir a “iletracia”, em diversos domínios, e que se tem vindo a agravar no
nosso tempo.
A pertinência e actualidade destes e de outros métodos usados no planeamento da
educação, no sentido de melhorar o processo de democratização e de qualidade do ensino
Jorge Carvalho Arroteia 243

ou de responder às múltiplas expectativas da sociedade sobre os sistemas educativos, são


tanto mais relevantes quanto mais se fazem sentir diversos tipos de situações há muito referidas
em estudos internacionais (UNESCO, 1970, p. 19), e que não se encontram debeladas,
tais como: “O aumento da procura social da educação (…). A pressão económica sobre
os sistemas educativos, resultante de taxas moderadas do crescimento económico (…).
Os sistemas educativos ficarão cada vez mais mal adaptados em relação ao seu ambiente
(…). Os cidadãos mais instruídos verão agravado cada vez mais o desemprego em muitos dos
países em vias de desenvolvimento (…). Os jovens manifestarão um desinteresse crescente
em relação às estruturas, aos programas e aos métodos de ensino, os quais, frequentemente,
na sua perspectiva, não correspondem ao ideal democrático oficialmente proclamado pela
sociedade, à situação económica, social, cultural e emocional, caracaterística do nosso tempo,
e aos princípios mais elementares de uma comunicação humana e simples entre os docentes
e os discentes”.
O panorama acima descrito recorda-nos como muitos dos fenómenos actuais, que afectam
diferentes sistemas educativos, poderiam ser atenuados, em resultado do trabalho consistente,
mas muitas vezes pouco apreciado, do planeamento educativo e da utilização de diferentes
métodos e estratégias adequadas à mudança social que nos acompanha.
Poder

De acordo com Horton e Hunt (1980, p. 286), o poder “é a capacidade de controlar a acção
dos outros. Inclui a ‘força’, que é o uso ou a ameaça de coerção física; a ‘autoridade’, que
é um direito reconhecido de dar ordens aos outros; e a ‘influência’, que é a habilidade para
afectar as acções dos outros, independentemente de autoridade. A influência apoia-se tanto
nas qualidades pessoais como nos controles que uma pessoa exerce sobre as recompensas
que os outros desejam”.
O exercício do poder anda, portanto, associado às relações humanas e às práticas de um
grupo dominante, que, numa perspectiva marxista, conduzem à luta entre classes sociais.
A este respeito, recordamos de M. Weber (1958. in: GIACOBBI, ROUX, 1990, p. 249-250),
“como todos os agrupamentos políticos que historicamente o precederam, o Estado consiste
numa relação de ‘dominação’ do homem sobre o homem assente num meio de violência
legítima (quer dizer, sobre a violência que é considerada como legítima). O Estado não pode
existir senão na condição de que os homens dominados se submetam à autoridade exercida
pelos dominadores”. De acordo com o mesmo autor (…), existem “três razões internas que
justificam esta dominação e, por conseguinte, três fundamentos desta legitimidade:
· primeiramente, a autoridade “eterna, do passado”, quer dizer, assente em costumes
santificados pela sua validade imemorial e pelo hábito de os respeitar enraizado no homem.
Tal é o “poder tradicional” exercido, outrora, pelo patriarca e pelo senhor da terra;
· em segundo lugar, a autoridade baseada na “graça” pessoal e extraordinária de um
indivíduo (carisma); esta caracteriza-se pela devoção pessoal dos indivíduos à causa
defendida por um homem e pela sua confiança nessa pessoa, que é singularizada por
qualidades prodigiosas, pelo heroísmo ou por outras particularidades exemplares que fazem
o chefe. É este poder “carismático” exercido pelo profeta ou, no domínio político, pelo de
chefe de guerra eleito, por um grande demagogo ou pelo chefe de um partido político;
· há, ainda, a autoridade que se impõe, baseada na “legalidade”, na crença da existência de um
estatuto legal, de uma “competência” assente em regras, definidas racionalmente ou noutras
formas de autoridade baseadas na obediência, que se traduz em obrigações decorrentes
de um determinado estatuto. É este o poder exercido sobre o “servidor do Estado”
moderno, assim como pelos detentores de poder que se fundamentam nesta relação”.

Tendo presente a existência de diferentes tipos de poder, o tradicional, o carismático e legal,


importa realçar que este se fundamenta em três regras essenciais: o costume, a autoridade
pessoal e o direito. Neste caso:
246 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

· a fonte de legitimidade provém da regra do direito e do exercício de uma autoridade


racional;
· o aparelho do poder é exercido por um corpo de funcionários hierarquizados;
· as características são as que identificam uma burocracia centralizada.

Esta burocracia é assim constituída por um corpo de agentes especializados que elabora,
aplica e interpreta as leis e os regulamentos “que delimitam a esfera de acção do poder legal”
(GIACOBI, ROUX, 1990, p. 137). Detentores de competência técnica adequada, constituem
uma “élite de poder” que reivindica uma posição estratégica no sistema. As “elites”, ou seja,
os grupos restritos de cidadãos que detêm a “capacidade para afectar o comportamento
dos outros” (HORTON, HUNT, 1980, p. 271), são compostas, segundo os mesmos autores
(Op. cit., p. 272), por indivíduos “cuja posição lhes permite transcender os ambientes comuns
de homens e mulheres comuns (…)”, de acordo com a posição que ocupam na hierarquia e
nas organizações sociais.
O exercício do poder pelo Estado, através da administração pública, obriga a que este atenda
a diferentes formas de organização que lhe permitam exercer a sua capacidade de organização
e de gestão sobre o território e as populações, bem como promover o desenvolvimento
sociocultural dos cidadãos, elaborando planos de desenvolvimento e gerindo-os a diferentes
níveis: central, intermédio (ou regional) e local. Por isso, em qualquer sistema de poder, a tomada
de decisão pode estar concentrada no centro – centralização – ou, então, pode transferir a
participação para unidades periféricas (serviços, empresas), de forma descentralizada.
De acordo com Formosinho (“A regionalização do sistema de ensino”, in: ALVES-PINTO,
ALÇADA, SILVA, 1986/88, p. 291-309), “a administração do sistema escolar em qualquer país
pode ser centralizada ou descentralizada. Numa administração centralizada, todas as decisões
importantes são tomadas no topo do sistema, isto é, nas chefias dos serviços centrais do
Ministério da Educação” (Op. cit., p. 292). Este modelo de administração pode ser concentrado
e desconcentrado. No caso da administração centralizada concentrada, Formosinho (Op. cit.,
p. 293) afirma que “o superior hierárquico dos serviços centrais é o único competente para
tomar decisões, limitando-se os agentes dos escalões inferiores a informar e a executar”.
A realidade portuguesa contempla diferentes formas de poder: o poder central e o poder
local; o primeiro constituído pelo Governo, como “órgão de condução da política geral do país
e o órgão superior da administração pública” (artº 185 da CRP); o segundo composto pelas
“autarquias locais”, ou seja, freguesias, municípios e regiões administrativas.
No âmbito da Lei das Autarquias Locais (Dec.-Lei nº 100/84), a qual actualiza e reforça a
atribuição das autarquias locais e a competência dos respectivos orgãos, estas – no continente,
a região administrativa, o município e a freguesia; e nas Regiões Autónomas, o município e a
freguesia –, “são pessoas colectivas territoriais, dotadas de órgãos representativos, que visam
a prossecução de interesses próprios das populações respectivas”. É de sua competência
(artº 2) zelar pelos interesses próprios e das populações no que respeita não só aos bens
próprios ou sob sua jurisdição, mas também noutros assuntos como o desenvolvimento, a
saúde, a educação e ensino, a cultura, os tempos livres e desporto, a defesa do meio ambiente,
etc. De acordo, ainda, com a CRP (artº 239), as atribuições e a organização das autarquias
Jorge Carvalho Arroteia 247

locais, “bem como a competência dos seus órgãos” são reguladas por lei, “de harmonia com
o princípio da descentralização administrativa”.
A configuração acima descrita não deixa de tornar necessárias outras acções, nomeadamente
as que se centram na actividade escolar e na sua autonomia. De facto, como reconhece Lima
(1999, p. 69), “a educação para a democracia, só realizável através de acções educativas e de
práticas pedagógicas democráticas, conhece na autonomia (individual e colectiva, de alunos e
de professores) um elemento decisivo à sua concretização”.

Autonomia
As questões relacionadas com a autonomia têm vindo a ganhar ênfase com a mudança de
regime político, posterior ao 25 de Abril, e a discussão sobre a reforma da escola pública, na
sequência da aplicação do modelo de “descentralização e desconcentração administrativas”
(artº 267 da CRP) e a procura de uma maior articulação entre o Estado e a sociedade.
De facto, tendo presente o conjunto de valores que não podem ser esquecidos no
contexto de uma sociedade democrática, a descentralização do Estado, a abertura e a
participação acrescida da sociedade civil são princípios fundamentais que reforçam a promoção
da igualdade de oportunidades, o progresso científico, a coesão social, a participação
política dos cidadãos, a justiça e a solidariedade social reclamada pela nossa sociedade.
Nestas circunstâncias, a estrutura da Administração Pública deverá evitar a burocratização,
aproximando os serviços das populações e assegurando a participação dos interessados na
sua gestão efectiva. Deve, ainda, promover a desconcentração administrativa, sem prejuízo
da necessária eficácia e unidade de acção e dos poderes de direcção e superitendência do
Governo (artº 267 da CRP).
Se relacionada com a política educativa, a desconcentração de serviços do Ministério da
Educação, através da criação das Direcções Regionais de Educação, foi o primeiro passo para
o desenvolvimento deste processo, que se intensificou com a transferência, para as autarquias
locais, de competências concentradas no poder central, relacionadas com os transportes
escolares, as construções escolares, a rede escolar, a participação pública nos órgãos da
escola e outros aspectos relacionados com a educação, os tempos livres e o desporto.
De acordo com Nóvoa (1992, p. 26), “a autonomia é um dos princípios centrais das políticas
educativas dos anos 90. Trata-se de dotar as escolas com meios para responderem de forma
útil e atempada aos desafios do quotidiano (…), contribuindo, assim, para a “responsabilização
dos actores sociais e profissionais e, por outro, à preocupação de aproximar o centro de
decisão da realidade escolar”. Assim se compreende o regime de autonomia, administração e
gestão das escolas, aprovado na sequência da reforma educativa de oitenta, e a transferência
para os planos regional e local de muitas das decisões outrora concentradas num modelo
centralizado de administração do Estado.
De facto, dada a complexidade dos problemas sociais e educacionais que se reflectem
no funcionamento do sistema educativo, no seu conjunto, e das organizações escolares, em
particular, nomeadamente as que respeitam os seus objectivos e diversidade de expectativas
sociais, os modelos de gestão centralizada dos sistemas de ensino têm vindo a registar um número
crescente de críticas e de propostas relacionadas com o seu funcionamento e organização.
Salientamos as questões relacionadas com a universalização do ensino, a sua modernização
248 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

ou a sua ligação mais efectiva à comunidade, temas que sugerem a adopção das políticas
educacionais adequadas aos interesses e às necessidades dos diferentes grupos sociais.
Por outro lado, a disponibilidade de recursos ou a sua desigual distribuição no território
(reclamando a mudança das estruturas administrativas e as alternativas relativas à centralização/
descentralização do sistema) constituem outro tipo de questões que afectam a gestão corrente
destes sistemas. De qualquer modo, importa assinalar que este deve garantir:
· a promoção dos valores e das práticas relacionadas com o processo de democratização;
· a melhoria da eficiência e da qualidade do ensino e a afirmação do sistema científico
e tecnológico nacional, de forma a contribuir para o desenvolvimento da sociedade
portuguesa e para a afirmação das comunidades científica e académica nos seus
contextos europeu e internacional;
· a promoção da igualdade de oportunidades entre as instituições (públicas e não públicas);
· a justa repartição de meios para a realização de projectos de âmbito nacional e
internacional;
· o desenvolvimento e consolidação de projectos educacionais e de investigação científica,
particularmente no contexto europeu.

A prática da autonomia contraria o centralismo burocrático e o poder de decisão concentrado


nos serviços centrais do Estado.
Relativamente às escolas, data de 1989 a publicação do “Regime jurídico da autonomia
da escola” oficial, dos 2º, 3º ciclos do EB e do ES (Dec.-Lei nº 43/89). De acordo com este
documento (artº 2), entende-se por autonomia da escola – que se desenvolve nos planos
cultural pedagógico e administrativo – “a capacidade de elaboração e realização de um projecto
educativo, em benefício dos alunos e com a participação de todos os intervenientes no processo
educativo”. Para tanto, a escola deve ter em consideração as características e os recursos, as
solicitações do meio e os apoios da comunidade onde se insere.
Esta legislação foi alterada posteriormente, nomeadamente pelo Dec.-Lei nº 115-A/98, de
4 de Maio, que aprova o “Regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos da
educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário”, que se aplica “aos estabelecimentos
públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básicos e secundário, regular e especializado,
bem como aos seus agrupamentos” (artº 1). De acordo com o referido documento, a autonomia,
ou seja, “o poder reconhecido à escola pela administração educativa de tomar decisões nos
domínios estratégico, pedagógico, administrativo, financeiro e organizacional (…)”, assenta em
três instrumentos fundamentais: o projecto educativo, o regulamento interno e o plano anual
de actividades.
Em trabalho dedicado à autonomia das escolas públicas, Afonso (1999, p. 54) reconhece,
contudo, que, “no nosso país, a administração da educação concretiza-se no quadro de um
sistema centralizado e hiper-regulamentado”, uma vez que “a centralização corresponde a
uma tradição que é comum a toda a administração pública portuguesa, com profundas raízes
na própria construção histórica do Estado, tradição acentuada e reforçada durante o Estado
Novo, por óbvias razões de natureza ideológica e política”. Daí que, de acordo com este autor
(Op. cit., p. 45), a “autonomia das escolas públicas não se restrinja à gestão da dependência
face à burocracia governamental, nem se concretize apenas através dos dispositivos formais
Jorge Carvalho Arroteia 249

definidos na legislação sobre gestão escolar”, apesar “do controlo hierárquico e da produção de
normativos” ser considerado como um dos entraves estruturais apontados quanto à devolução
de poderes à escola.

Descentralização
Contrariamente ao centralismo burocrático, a “descentralização” administrativa identifica-se
por haver uma repartição do poder político por diversos níveis e órgãos de decisão, autónomos,
reservando-se o nível superior a coordenar a sua acção no território. Verifica-se, assim,
a transferência do “poder normativo”, central, para níveis inferiores da administração, de
base territorial regional ou local, que Formosinho (“A regionalização do sistema de ensino”,
in: ALVES-PINTO, ALÇADA, SILVA, 1986/88, p. 291-309) define da forma seguinte: “uma
administração diz-se descentralizada quando existem organizações e órgãos locais não
dependentes hierarquicamente da administração central do Estado (não sujeitos, portanto, ao
poder de direcção do Estado), autónomas administrativa e financeiramente, com competências
próprias e representando os interesses locais” (Op. cit., p. 296).
No âmbito da gestão escolar (COSTA, 1991, p. 43), a descentralização pode ser funcional e
territorial. A descentralização funcional ((Loc. cit.) consiste “na distribuição de tarefas específicas
a organismos especializados”, tal como acontece com o ensino superior; a descentralização
territorial (Loc. cit.), “mais do que um processo técnico, constitui um princípio político de
organização do estado democrático (decorrente da CRP), e um princípio dinâmico no
processo de descentralização dos níveis de administração, nomeadamente a descentralização
da administração regional (…)”.
De recordar que os princípios de “desconcentração” e de “descentralização” administrativas
estão expressos na CRP (artºs 237 e 267), defendendo, por sua vez, a LBSE a sua aplicação
às estruturas e acções educativas. Além de imperativos constitucionais, a desconcentração e
a descentralização surgem como garantes de uma maior proximidade entre o poder político e
o meio social envolvente, além de facilitarem uma maior participação das populações e uma
melhor coordenação e articulação dos órgãos periféricos, nas suas relações com o poder
central. Por outro lado, “a inserção no meio comunitário” e a prossecução de níveis de “decisão
eficientes” constituem duas das vantagens acrescidas desta adaptação às realidades actuais
(artº 3. g, – LBSE).
De acordo com Nóvoa (1992, p. 17), “a modernização do sistema educativo passa pela
descentralização e por um investimento das escolas como lugares de formação (…). As escolas
têm de adquirir uma grande mobilidade e flexibilidade, incompatível com a inércia burocrática
e administrativa que as tem caracterizado. O poder de decisão deve estar mais próximo dos
centros de intervenção, responsabilizando directamente os actores educativos”.

Desconcentração
A “desconcentração” administrativa verifica-se quando o poder central delega poderes
em orgãos (ou serviços) de nível inferior, continuando, no entanto, a exercer a sua acção e
tutela sobre estes. De acordo com Formosinho (“A regionalização do sistema de ensino”, in:
ALVES-PINTO, ALÇADA, SILVA, 1986/88, p. 291-309), “na adminsitração desconcentrada há,
em graus intermédios e inferiores, chefes com competência para decidir imediatamente, embora
250 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

sujeitos à direcção e inspecção dos superiores, que podem modificar as decisões tomadas”
(Op. cit., p. 293). Assim, para Costa (1991, p. 43), a desconcentração territorial, “sendo embora
uma forma limitada de distribuição de poderes (cujas vantagens se situam, fundamentalmente,
ao nível técnico), pode assumir significativa importância como princípio dinâmico ao serviço do
processo de descentralização”.
Tendo presente a CRP (artº 267), a administração pública, assim estruturada, tem em vista
o “aproximar os serviços das populações e o assegurar a participação dos interessados na
sua gestão efectiva”. Mais ainda, ao estabelecer “adequadas formas de descentralização e
desconcentração administrativas, sem prejuízo da necessária eficácia e unidade de acção e dos
poderes de direcção e superintendência do Governo”, este pretende racionalizar os meios a
utilizar pelos serviços “e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações
que lhes dizem respeito” (artº 267 – CRP).
Por sua vez, a LBSE estabelece (artº 43), quanto à administração do sistema educativo,
a adopção de “orgânicas e formas de descentralização e de desconcentração dos serviços,
cabendo ao Estado, através do ministério responsável pela coordenação da política educativa,
garantir a necessária eficácia e unidade de acção”.
A delegação territorial das funções do Estado pressupõe a “participação directa e activa”
dos cidadãos, condição e instrumento fundamental de “consolidação do sistema democrático”
(artº 109 – CRP).
De acordo com a Lei Orgânica do Ministério da Educação, as Direcções Regionais de Educação
”desempenham, no âmbito das circunscrições territoriais respectivas, funções de administração
desconcentrada, relativas às atribuições do ME e às competências dos seus serviços centrais,
assegurando o apoio e informação aos utentes do sistema educativo, a orientação e coordenação
do funcionamento das escolas e o apoio às mesmas, bem como a articulação com as autarquias
locais no exercício das competências atribuídas a estas na área do sistema educativo”.

Regionalização
A regionalização é um processo administrativo, com base territorial, as regiões administrativas,
dotadas de autonomia e de orgãos próprios que visam a defesa dos interesses das populações.
A Constituição da República Portuguesa de 1976 consagra a existência de Regiões Plano
(artº 95), definidas “com base nas potencialidades e nas características geográficas, naturais,
sociais e humanas do território nacional, com vista ao seu equilibrado desenvolvimento e
tendo em conta as carências e os interesses das populações”. Hoje em dia, o processo de
regionalização continua na ordem do dia, em resultado da constatação de assimetrias regionais,
relacionadas com o processo de desenvolvimento do território e o exercício do poder.
Nesta perspectiva, L. Sá (1997, p. 33) defende que a região como “pessoa colectiva pública
de população e território cujos órgãos são legitimados pelo sufrágio universal, cujo âmbito
territorial corresponde a um espaço de exercício do poder abaixo do Estado-Administração
Central e imediatamente acima dos municípios e cujos poderes e meios financeiros não resultam,
essencialmente, de um poder de auto-organização, antes derivam de normas e deliberações
emanadas dos órgaõs de soberania”.
O traçado de regiões foi inicialmente determinado por factores naturais, relacionados com
semelhanças geográficas, por factores humanos, relacionados com a forma de aproveitamento
Jorge Carvalho Arroteia 251

do território, e por limites de natureza administrativa, no âmbito da intervenção do poder público.


Eventualmente, este processo assenta em factores relacionados com o desenvolvimento do
território e com a natureza dos fluxos e da sua expressão no espaço. Contudo, observa
Lopes (1995, p. 28) que a regionalização não é uma simples divisão do território em regiões.
É um “processo de organização espacial da sociedade para a gestão eficiente do património,
não apenas natural ou económico, mas também social e cultural, na perspectiva dinâmica
do desenvolvimento que pressupõe a fixação de objectivos (socioeconómicos, culturais e
outros), a escolha e adopção de estratégias, a selecção e adopção de políticas, a acção e o
acompanhamento (controlo) da execução, sempre no quadro realista dos meios”. Mais ainda,
precisa o mesmo autor que a regionalização “passa pela adjudicação de poderes aos entes
regionais a constituir, na base naturalmente das competências que lhes sejam reconhecidas e
das atribuições adequadas a fazer-lhes; na base, naturalmente, também, de meios a afectar-lhes
e, em geral, de capacidades a dar-lhes”.
Em relação ao nosso país, a divisão do território nacional em grandes unidades tem sido
feita a partir da identificação de características semelhantes de natureza geográfica (regiões
naturais), de desenvolvimento económico (regiões homogéneas), de relações funcionais (regiões
polarizadas) ou a nível de intervenção do poder central (regiões plano e NUT, para fins
estatísticos). Estabelece, ainda, a CRP (artº 80), que a organização económico-social do Estado
assenta num conjunto de princípios, entre os quais se conta o “planeamento democrático do
desenvolvimento económico e social”.
A divisão do país em unidades territoriais, de acordo com as diferentes áreas de governação,
pode ser ilustrada pelo Ministério da Educação, que integra cinco Direcções Regionais de
Educação: Norte, Centro, Lisboa, Alentejo e Algarve.
Política educativa

A análise dos múltiplos aspectos relacionados com as orientações programáticas, as escolhas


estratégicas, a organização, o desenvolvimento e as práticas relacionadas com o desenvolvimento
e funcionamento do sistema educativo, bem como a sua avaliação, isoladamente e na sua
articulação com os demais sistemas sociais, constitui objecto privilegiado de análise em
política de educação. Assim, de acordo com Figueiredo (2001, p. 24), estas são desenvolvidas
em resposta a um problema/situação problemática, com objectivos e finalidades concretas e
seguindo um processo que deve incluir as seguintes fases:
“i) identificação do problema;
ii) inclusão deste na agenda política;
iii) formulação de vários cenários de soluções possíveis;
iv) tomada de decisão, ou seja, opção por uma delas, que se traduz em política pública;
v) implementação ou realização dessa política pública;
vi) avaliação.”

Em termos gerais, podemos definir esta área científica como sendo o relato da acção
educativa promovida pelo poder político. O exercício deste poder e a definição da “política
educativa” são entendidos de diversas formas. Para Birou (1978, p. 307), esta pode ser entendida
como a “arte de governar um Estado” ((Loc. cit.), ou ainda: “o exercício de um poder organizado
com vista a uma acção específica numa qualquer colectividade” (Op. cit., p. 308).
De entre outras definições de política educativa, importa destacar:
· “ramo particular da ciência política que estuda e analisa todos os aspectos políticos da
educação” (PUELLES, in: CABANAS, 1989, p. 299);
· o “estudo das diversas dimensões da política em geral” (BIROU, Op. cit., p. 308).

Outras tentativas de definição abrem novas perspectivas de análise:


· “Em si mesma, a política educativa não é mais do que um aspecto da política geral e faz
parte dela como um apêndice que se articula com as demais perspectivas que constituem
a política global de uma determinada sociedade”. Por isso, “a política educativa, assim
contextualizada, apresenta-se como a actividade do poder público destinada a dar resposta
aos problemas sociais da educação, pelo que no fundo se converte num conjunto de
medidas de política geral cujo objectivo específico é, em todas as suas dimensões, o
educativo” (COLOM, DOMINGUEZ, 1997, p. 20).
254 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Entende-se que a diversidade de assuntos que cabem no âmbito desta ciência levam
a que uma abordagem da política educativa possa evidenciar tendências e perspectivas muito
diferenciadas, consoante as orientações da escola ou os interesses científicos dos investigadores
que se debruçam sobre estes fenómenos. Com efeito, estes podem destacar diferentes assuntos
entre aqueles que constituem a plêiade de temas que merecem uma análise aprofundada das
decisões e das práticas do foro educativo. Daí que possamos enriquecer a lista de contributos
com novas propostas de definição.
Para Dacal (1986, p. 356), a política educativa é o “conjunto de acções que, no domínio da
educação, são realizadas com vista à prossecução do bem comum de uma sociedade” ou,
ainda, o “conjunto de normas que regulam o exercício da educação de forma a cumprirem um
direito comum (o direito à educação) e o desempenho, através de orgãos próprios de direcção
e de gestão, por meio dos quais o poder político realiza a sua política educativa (administração
educativa)” (Loc. cit.).
Já Benítez (1991, p. 29) entende que a política educativa consiste na “análise dos sistemas
educativos, tanto a educação formal como a educação não formal” ou, ainda, no “estudo dos
aspectos políticos dos fenómenos educativos e da política educativa do Estado, bem como à
política educativa dos outros grupos sociais (confessionais, sindicais, patronais, associações,
etc.) (Op. cit., p. 33).
A identificação do objecto da política educativa exige outro tipo de considerações, relacionadas
com os pressupostos teóricos de acção: doutrina política, ou já formas de acção concreta, a
“Policy”. Se atendermos à primeira, importa salientar que os assuntos de análise de política
educativa podem ser igualmente objecto de análise por parte de outras ciências, nomeadamente
por parte da Filosofia Política, entendida esta como a “reflexão sobre a natureza do Estado, do
Poder, do bem colectivo que uma política concreta deve visar, sobre as leis da moral colectiva
que devem guiar a constituição e o exercício do Poder (ética política) e sobre as melhores
formas de governo” (BIROU, 1978, p. 308). O mesmo autor (Loc. cit.) refere que a doutrina
política é o “conjunto estruturado de opções gerais sobre o projecto global de uma sociedade
ou de um modelo de governo”.
A “Policy” pode ser entendida de formas distintas (HOUGH, 1984, p. 13), como sinónimo de
plano, de programa, distinguindo-se destas, no entanto, como uma medida de acção e como
resposta a um problema, orientado por objectivos concretos no sentido da sua resolução e
por uma apreciação final sobre os resultados alcançados.
Outras propostas, como a da UNESCO (2006), consideram a política educativa como
“um plano de acção para a educação e a tradução operacional da educação de um Governo”,
contemplando a análise sectorial, a política e estratégias e o programa de acção. Pelo seu
interesse, transcrevemos os principais domínios em que se pode basear um processo desta
natureza, relacionado com a análise dos fenómenos sociais e educacionais, sobretudo os que
ocorrem no seio do sistema educativo. Quanto à sua natureza, esta pode ser:
· análise casuística, quando a apreciação incide sobre os fenómenos de procura e acesso, –
ao processo educativo, aos recursos humanos, à gestão e à avaliação do sistema, no seu
conjunto ou de algum dos seus subsistemas em particular, ou à organização escolar;
· reformas educativas, entendidas como alterações profundas dos processos e das
opções relativas ao funcionamento do sistema;
Jorge Carvalho Arroteia 255

· estudos comparados, relacionados com a análise de temas diversos, incidindo sobre a


organização, a estrutura ou sobre determinados aspectos do funcionamento dos sistemas
educativos, no seu conjunto ou de algum dos seus subsistemas em particular.

Estes exemplos não escondem a necessidade das análise parcelares relacionadas com a
organização escolar, isoladamente e nas suas relações com outras organizações sociais, os
seus públicos e a sociedade. Assim, o interesse de uma articulação entre as diferentes áreas
do saber e a sua exploração através de uma disciplina científica e curricular, sobretudo em
cursos de pós-graduação, implica, no dizer de Afonso (1999, Introdução), “um esforço prévio
de reflexão em torno de dimensões analíticas diversas, que podem ir da simples procura de
novas especificidades legitimadoras quer a nível académico, quer ao nível institucional até à
procura de justificações de cariz mais epistemológico e teórico-conceptual”.
Como construção social, a Política Educativa obedece a um conjunto de factores que
condicionam a sua preparação e execução, bem como o desenvolvimento das acções
que a identificam.

Construção da política educativa


As considerações anteriores relacionadas com a análise dos fenómenos sociais e com
a política educativa podem ser completadas com um outro tipo de análise que incida sobre
a sua construção e actualidade. Este tipo de análise implica ter em atenção um conjunto de
aspectos que interferem no desenvolvimento das medidas condicionadoras do funcionamento
e do desempenho do sistema.
Como observa D’Hainaut (1980, p. 42), “o termo de política implica uma certa consciência da
filosofia da acção educativa, e uma certa estratégia na sua realização”. Por isso, ela inscreve-se
“no quadro mais largo de uma filosofia da educação e é o resultado de múltiplas influências em
interacções, provenientes dos sistemas sociais que agem sobre o sistema educativo e que eles
mesmos estão sob a influência do contexto filosófico, ético e religioso, do contexto histórico,
do quadro geográfico e físico, assim como do contexto sociocultural onde se situa o sistema
educativo considerado”. Tendo presente esta reflexão, salientamos a importância de diferentes
contextos na construção das políticas de educação:
· o contexto demográfico, que determina a maior ou menor procura natural da educação
e a sua evolução;
· o económico, que condiciona os recursos físicos, materiais e financeiros a alocar
ao sistema;
· o político, que determina as opções estratégicas da governação e o quadro genérico que
acolhe essas medidas;
· o administrativo, que enquadra a acção governativa dentro dos pressupostos teóricos
da administração e do direito constitucional.

Para além destes contextos, a construção das políticas de educação deve ter em consideração
outros cenários, determinados pelos processos de mudança social e pela avaliação da acção
governativa. Contamos, para isso, com as iniciativas relacionadas com o planeamento, a direcção
e organização dos sistemas educativos, o modelo de gestão das escolas, o desempenho e
256 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

participação dos actores, a regulação e a avaliação do sistema, no seu conjunto, e dos diversos
subsistemas que o compõem, das organizações, dos agentes e dos alunos. Importante é ter
ainda em conta os resultados de iniciativas anteriormente postas em execução e apreciadas
de forma correcta, de modo a que os seus resultados possam ser bem interpretados.
A construção de uma política de educação não é possível de concretizar se não tiver
em consideração um ideário, um projecto de desenvolvimento e uma visão prospectiva,
relacionada com os objectivos a atingir, os resultados esperados e as suas consequências
sobre a sociedade em geral. De facto, tendo em conta Duverger e Laderrière (1999, p. 19), a
construção das políticas educativas, cada vez mais dependentes da economia da educação
devem ter em conta um conjunto de princípios orientadores, dos quais salientamos:
“· a evolução acelerada da sociedade do conhecimento, baseada no desenvolvimento
dos recursos humanos e respondendo às necessidades sociotécnicas constantemente
diversificadas e renovadas;
· a emergência (…) da educação ao longo da vida, em que o período inicial, fundamental,
não é senão a primeira etapa;
· a competição cada vez mais intensa, face ao acréscimo de novas necessidades sociais,
entre diferentes modalidades de financiamento, tanto públicos como privados;
· a consideração do processo de descentralização no funcionamento dos sistemas
educativos e de formação, considerado como favorável a uma melhor gestão, e mais
próximos das necessidades expressas pelos diversos actores e parceiros e, em simultâneo,
o desenvolvimento de processos de avaliação que permitam conduzir de forma mais
apropriada e favorecer a auto-regulação”.

A este respeito recorda-nos, ainda, F. Pedró (1988, p. 110) que as políticas educativas
“nunca devem ser consideradas como políticas isoladas, mas como fazendo parte de um
esforço mais global que afecta as políticas de infra-estruturas, de telecomunicações, de
investigação e desenvolvimento, de ocupação e formação permanente dos recursos humanos”.
Por isso, se tivermos em conta a construção da escola, na sociedade de informação, há que
atender a três elementos críticos fundamentais:
“· os investimentos em ‘soft’ e ‘hard’, que deviam passar a ser considerados gastos correntes
e amortizados por outras utilizações educativas não estritamente escolares;
· o risco de exclusão e de fractura social, segregando aqueles que já vivem na sociedade
da informação dos que provavelmente nunca o conseguirão;
· a resistência à mudança, típica de todos os sistemas educativos”.

Estes são, alguns dos aspectos que consideramos relevantes aquando da análise das
políticas de educação e que nos ajudam a compreender algumas das medidas relacionadas
com a natureza, a participação, a motivação, a satisfação e as expectativas sociais da
acção educativa.
A apreciação da política educativa abarca diversas dimensões, que incluem critérios e
indicadores distintos. Passamos a referir alguns destes aspectos.
Jorge Carvalho Arroteia 257

Dimensões de análise
As escolhas relativas ao enunciado e ao desenvolvimento dos temas de estudo seguem o
modelo de análise de certos autores (GIROD, 1981, BENÍTEZ, 1991, HADDAD, 1995 e outros)
e as nossas preocupações no domínio da análise social e organizacional da educação. Para o
efeito, contemplamos seis dimensões que podem ser utilizadas na construção de uma grelha
interpretativa das políticas educativas:
· a primeira tem a ver com a dimensão pessoal das acções de política educacional e os
seus reflexos no cidadão, enquanto aluno, docente ou funcionário. Aqui se incluem os
aspectos relacionados com o cumprimento das funções da educação, nomeadamente
as que contribuem para estruturar a personalidade do discente. Da mesma forma, cabem
aqui os aspectos relativos à motivação e à participação dos docentes e funcionários e
as questões de profissionalismo e desempenho;
· a segunda está relacionada com a dimensão social dessas acções, ou seja, com os
efeitos sobre os cidadãos, particularmente no domínio das relações entre a escola e a
sociedade. Relevante neste tipo de análise é, ainda, a apreciação das diferentes funções
da educação, que não só as que preparam o indivíduo para a vida em sociedade, mas
também as demais que contribuem para a integração profissional, política e cívica do
cidadão. Neste grupo, podemos ainda analisar as questões relacionadas com o acesso, a
igualdade de oportunidades, a inclusão e a mudança social operada pela escolarização de
um maior número de alunos e as consequências que daí resultam para a sociedade;
· a terceira centra-se na dimensão organizacional da escola, sobre o sistema educativo, no
seu conjunto, e o relacionamento deste com o meio ambiente. No primeiro caso, cabem
as análises sobre a tipologia do sistema; no segundo, os aspectos que se prendem com a
análise do funcionamento das organizações escolares, com a sua organização, estrutura,
liderança, participação pública e abertura à sociedade;
· a quarta preocupa-se com a dimensão territorial das iniciativas de acção educativa,
particularmente no que respeita à sua extensão territorial e à sua interligação com
as diferentes políticas públicas. Aqui, importa ter em atenção a extensão da rede de
equipamentos de ensino e os seus efeitos na organização do território; as formas de
articulação entre o poder central e o poder local, ao nível da transferência e da partilha
de poderes, e a integração entre as diferentes políticas públicas;
· a quinta atende à dimensão prospectiva e ao desenvolvimento futuro da educação. Pela
sua natureza, este tipo de análise tem a ver com a antecipação dos cenários relacionados
com o futuro e a prospectiva em educação, o projecto de sociedade e os pilares de
desenvolvimento em que este deve assentar;
· a sexta, e última, realça a dimensão comparada de análise das políticas de educação.
Neste caso, incluem-se os múltiplos aspectos que permitem identificar as semelhanças
e diferenças entre os sistemas educativos, quer em relação ao seu funcionamento global,
utilizando indicadores, quer através da análise dos modelos de governação. Estes são
diferentes aspectos que permitem a análise das políticas comparadas no âmbito da
educação e da formação.
258 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

No seu conjunto, estes aspectos têm em linha de conta uma perspectiva sistémica de análise
dos fenómenos sociais e educacionais. Defendemos que o sistema de ensino deve ser tratado
como um todo, interagindo com o seu meio e enquadrado por contextos distintos, tais como
o histórico, o sociocultural e outros.
Os efeitos das medidas de política da educação fazem-se sentir não só a nível individual,
mas também societal e organizacional. Mais ainda, exercem a sua influência sobre as dinâmicas
que acompanham as opções estratégicas relacionadas com a organização e o desempenho
do sistema de ensino e de formação; repercutem-se sobre as organizações e os territórios
educativos dominados por “nós” de uma rede mais extensa, que se dá pelo nome de “rede
escolar”, e pelas circunscrições territoriais de maior extensão. De facto, embora incidindo sobre
uma população escolar diferenciada, as tomadas de decisão relativas ao sector da educação e
da formação exercem a sua acção sobre o território, o seu ordenamento e sobre os fluxos de
pessoas, de capitais, de informação, de conhecimento e outros. Permitem, além disso, construir
espaços cimentados pela formação e conhecimento, tanto mais evidentes quanto maior for a
dinâmica associada a estes processos.
As considerações acima referidas não escondem a oportunidade de análise das políticas
de ensino numa perspectiva sectorial e aprofundada, sobretudo no âmbito da ciência política,
da economia, da demografia, da sociologia ou de outras ciências sociais. Neste caso,
as abordagens incluem não só o estudo dos fenómenos educacionais, mas também o seu
tratamento especializado, com base no corpus científico dessas matérias. Em qualquer dos
casos, a política de educação deve manter como epicentro a escola, sendo condicionada por
contextos bastante diferenciados, que passamos a referir.

Contextos
Como acção social deliberada, a preparação e execução das políticas sociais, educativas,
culturais e outras são condicionadas pelo seu meio ou contexto. Destacamos os que nos
parecem mais significativos:

Contexto administrativo
A construção da política educativa, o relato das iniciativas e medidas que incidem sobre o
sistema educativo, sobre o seu funcionamento e desenvolvimento, bem como a avaliação dos
resultados evidenciam diversos condicionalismos, nacionais e internacionais, que influenciam
essas acções. Mais ainda, reflectem os diversos contextos, de natureza administrativa, política,
demográfica, socioeconómica e pessoal em que as mesmas se inserem.
Anteriormente, já nos referimos à importância que D’Hainaut (1980) lhe atribui. Recordamos,
no entanto, como toda a análise da acção e da política educativa não pode ser desligada do
meio social alargado que a acolhe, nem dos ambientes específicos que determinam as opções
e as estratégias, os meios, os recursos e os resultados que as acompanham. O conjunto destes
aspectos determina a diversidade de contextos de acção, de que começamos por salientar
o contexto administrativo, assente em princípios estruturantes que orientam a gestão das
entidades (organizações e sistemas) que têm a seu cargo a concepção, execução e avaliação
das políticas de educação. Este contexto assenta num leque de princípios orientadores da
actividade administrativa.
Jorge Carvalho Arroteia 259

Contexto demográfico
A oferta dos equipamentos educativos e as acessibilidades conferidas à frequência da
escola, ditadas por princípios que têm a ver com a construção de um projecto político e social,
dependem, em termos reais, da pressão demográfica exercida pelo montante, pela distribuição
e pela estrutura da população residente. Daí a relevância do contexto demográfico, relacionado
com a carga e os movimentos da população, na construção da política de educação.
Embora direccionada a todos os cidadãos, os resultados da política educativa são fortemente
condicionados pela extensão das diferenças territoriais, nomeadamente as assimetrias existentes,
que entravam a sua aplicação e resultados.

Contexto pessoal e social


A natureza social da educação exige que se atenda às dimensões pessoal e social da
educação, as quais podem justificar alguns tipos de medidas de política de educação, orientadas
para certos grupos de alunos, de cidadãos e da população em geral.
Embora tendo presente a acção educativa direccionada ao cidadão, a política educativa
deve ter em consideração as necessidades dos diferentes estratos sociais que depositam nas
iniciativas de carácter político fundadas expectativas de mudança, de desenvolvimento social
e cultural e, sobretudo, de desenvolvimento humano.

Contexto político
Mais do que o contexto administrativo, o contexto político é o principal responsável pelo
processo de acção educativa, a nível da concepção, desenvolvimento, regulação e avaliação da
política de educação. Em regimes democráticos, estes atributos decorrem da responsabilidade
que advém do sufrágio universal e do exercício dos mandatos de Governo, elaborados segundo
as bases ideológicas e programáticas do partido no poder e sufragados nas urnas.
A aprovação, em assembleia parlamentar, dos diplomas legais que regem a actuação do
Governo deverá estar articulada com os princípios universais consagrados na DUDH e com
outros princípios basilares assentes no direito e em convenções internacionais. No seu conjunto,
os valores universalmente aceites constituem a armadura política que suporta o conjunto de
iniciativas e de decisões no âmbito da política de educação.
Tendo presente a situação portuguesa, a CRP (artº 16) estabelece que os “preceitos
constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados
em harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem”. Mais ainda, no seu artº 111,
define que “o poder político pertence ao povo e é exercido nos termos da Constituição”, sendo
que “a participação directa e activa dos cidadãos na vida política constitui condição e instrumento
fundamental de consolidação do sistema democrático” (artº 112 – CRP).

Contexto socioeconómico
A relevância do contexto socioeconómico ultrapassa a atenção que devemos dar aos
aspectos relacionados com as disponibilidades e as oportunidades de natureza económica
estabelecidas no país, mas deve atender às grandes questões relacionadas com o processo
de desenvolvimento de uma sociedade e ao papel que à educação cabe nesse processo
de crescimento.
Procura social da educação

O aumento crescente da população escolar, em todos os níveis de ensino, tem sido um


fenómeno comum registado em diversos contextos e países do globo, principalmente nos
países em vias de desenvolvimento, justificado por razões de natureza demográfica e de política
de educação. A primeira prende-se com o crescimento da população e com o aumento do seu
movimento natural; a segunda justifica-se pelos esforços de democratização e pela importância
crescente atribuída à educação e à formação, como potenciadoras do desenvolvimento
económico, social, e à inovação.
Este movimento tem vindo a prosseguir na actualidade, não só por razões de natureza
individual (decorrentes das expectativas do indivíduo), social (derivadas do processo de
mobilidade social), e económica (valorização crescente dos diplomas), mas também de
índole cultural (enriquecimento e satisfação das necessidades de aprendizagem) e tecnológica
(decorrentes da maior segmentação e estratificação do trabalho social).
Estas são algumas das causas que levam à procura crescente da educação, encarada,
globalmente, como factor de desenvolvimento humano e de progresso social. Assim o encarou
a UNESCO, que, em tempo, justificou este fenómeno: “Pour la majorité des états membres
(de l’Unesco), il apparaît indispensable d’accroître l’éfficacité du dispositif éducatif dans
une perspective de développement global, en cherchant à appréhender et à maîtriser les
inter-relations entre l’ensemble des processus éducatifs et l’environnement économique,
social et culturel”. Repare-se, no entanto, que, a par das dificuldades de natureza económica
apresentadas pelos países onde a expansão dos sistemas de ensino se registou com maior
intensidade, a progressão nos estudos da população jovem é contrariada pelo próprio sistema
de ensino, em regra mal adaptado às necessidades dos alunos e às próprias necessidades de
desenvolvimento sentidas na actualidade.
Por outro lado, devemos, igualmente, contar com as dificuldades crescentes dentro do
próprio sistema, já que, como nota Girard (1970, XXVII), “apesar da mobilidade crescente, a
probabilidade de acederem aos estudos superiores e de ocuparem funções elevadas na vida
profissional não é igual para as crianças dos diferentes meios”. Particularmente significativas são
as diferenças encontradas, em países de imigração, entre a população escolar autóctone e a
população imigrante. Nestes casos, as perspectivas de mobilidade social destes alunos parecem
ser mais reduzidas, devido aos mecanismos de ascensão e de mobilidade social serem mais
apertados para estes cidadãos.
No que respeita à situação portuguesa, verifica-se que a evolução da população escolar no
sistema educativo acompanha as tendências da regressão demográfica, causada pela quebra
262 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

de nascimentos. Mesmo assim, a procura da educação nos diversos níveis e ciclos de ensino, do
pré-primário ao superior, constitui um fenómeno que deve ser analisado, não só na perspectiva
demográfica, mas também social, devido às expectativas de mobilidade social conferidas pela
obtenção de um diploma. Assim, dentre os diferentes tipos de análise relacionados com a procura
do ensino, destaca-se a democratização do mesmo, registada na sociedade portuguesa no último
quartel do século XX, que se afigura como aquela que se manifestou com maior evidência na
sua evolução e resultados. A abertura do sistema educativo a um número crescente de alunos,
o alargamento progressivo da rede de estabelecimentos de ensino, as expectativas geradas pela
obtenção de uma formação especializada e a obtenção de um diploma explicam uma procura
acentuada da educação, praticamente em todos os subsistemas de ensino.
No domínio da educação pré-escolar, a procura acompanhou a emancipação progressiva
da mulher, e a sua inserção no mercado de trabalho tornou-se inevitável à medida que as novas
oportunidades de emprego e a alteração dos padrões de família tradicionais cederam aos
impactos da industrialização-urbanização e à terciarização da nossa sociedade. E o alargamento
da rede actual configura-se tanto como o resultado daquelas tendências como pelo entendimento
da importância da educação de infância no desenvolvimento cognitivo, escolar e social da
população mais jovem.
Quanto ao ensino básico, a sua evolução a partir da década de setenta faz transparecer
duas situações distintas: a conjugação dos factores demográficos com a natalidade em
franca recessão e os reflexos da política educativa posteriores à publicação da Lei de Bases do
Sistema Educativo (Lei nº 46/86), que promoveram o aumento da “esperança de vida” escolar
e o alargamento da escolaridade obrigatória para nove anos. Independentemente das vias em
que se desenvolve o ensino secundário, a progressão de alunos neste “ciclo”, terminal para uns
e intermédio para a maior parte da população escolar que entra no ensino superior, realça o
“efeito de onda” causado pela maior permanência dos discentes no sistema e da sua transição
para o ciclo seguinte. Tal facto sugere o aprofundamento de estudos relacionados com o
conhecimento não só da evolução da população escolar no decurso das últimas décadas, mas
também os resultados imediatos dos investimentos realizados neste sector.
Como observa Azevedo (2002) num estudo sobre a educação em Portugal no início do
século XXI, “a sociedade está a mudar muito e a nova “sociedade do conhecimento” parece
defluir sobre a realidade social portuguesa simultaneamente como uma enorme oportunidade
e como um pesadelo incomensurável”, até porque, com o acentuar das assimetrias sociais e
espaciais, o alargamento da Europa aos países de Leste “e o incremento da competividade da
economia de mercado constituem factores acrescidos de preocupação” (Op. cit., p. 7).
Os exemplos acima referidos testemunham a existência de uma rede nacional de formação
que abarca estabelecimentos de ensino público e de natureza particular e cooperativa.
A sua criação foi determinante para que o processo de democratização do ensino e da própria
sociedade se garantisse e consolidasse. Com esta, abriram-se novas oportunidades de
aprendizagem, bem como novas perspectivas de formação e de mobilidade social, contrariando,
assim, os figurinos dominantes que reconheciam a educação como um privilégio das “élites”,
acessível, quase exclusivamente, aos dotados de maior capital económico e cultural.
Quanto ao ensino superior, a abertura do subsistema universitário seguiu a lógica
dos princípios que tiveram na base a Revolução de Abril e que defendiam a aproximação
Jorge Carvalho Arroteia 263

progressiva das diferentes classes e grupos sociais. E a frequência escolar, mas principalmente
o ensino superior, desde sempre responsável pela formação das “classes dirigentes”, foi então
encarado como um factor determinante da democratização da própria sociedade. A análise
da evolução recente deste subsistema de ensino sugere algumas reflexões. Em primeiro lugar,
e considerando o subsistema de ensino superior no seu todo, a formação especializada de
longa duração, indispensável ao progresso científico e tecnológico do país, tornou-se acessível
às camadas letradas e populares, por via do alargamento progressivo da rede escolar e da
institucionalização do “sistema binário” (universitário e politécnico).
Note-se que a aproximação gradual de Portugal à Europa e a sua integração na União
Europeia obrigam a uma qualificação crescente da população portuguesa. Esta qualificação
tem vindo a ser implementada pelo poder político, favorecendo a criação de uma rede pública
de estabelecimentos de ensino universitário e politécnico, de uma rede de estabelecimentos
de natureza concordatária e de uma rede de estabelecimentos de ensino superior de natureza
particular e cooperativa.
Sem pretender recuar no tempo, lembramos que as “cohortes”, que, primeiramente,
experimentaram os efeitos da abertura do sistema educativo, da expansão da rede, do
alargamento da escolaridade obrigatória e da melhoria das acessibilidades física, cultural e
económica da população portuguesa, constituíram um primeiro e largo caudal demográfico
que as instituições universitárias e politécnicas, públicas, concordatárias, particulares e
cooperativas acolheram sem grandes restrições. Contudo, porque o número de nascimentos
se manteve tendencialmente decrescente e apesar das taxas de escolarização, sobretudo nos
grupos etários mais jovens, terem aumentado, a oferta continuou a subir, gerando os primeiros
sintomas de preocupação.
Na situação actual, a frequência dos estabelecimentos de ensino superior, sendo inferior
à capacidade de acolhimento do próprio sistema, tem vindo a gerar sinais evidentes de uma
crise quantitativa de alunos, sugerindo novas estratégias de recrutamento e de acolhimento da
população discente. Para além do défice de alunos face à capacidade de acolhimento actual,
juntaram-se indicadores de ausência de qualidade (devido à expansão, não regulada, deste
subsistema de ensino), que, afectando alguns “nós” desta rede, acaba por denegrir alguns dos
estabelecimentos que integram a referida malha. De facto, como assinala Costa (2003, p. 99),
“em especial na década de 90, o percurso evolutivo do ensino superior assumiu uma fase de
crescimento alucinante, sem qualquer lógica de racionalidade organizativa, sempre sacrificada
pela intenção de um aliciamento fácil da procura, perante a qual foram perdendo sentido
critérios de exigência qualitativa, intenções de resposta, motivações de natureza vocacional ou
preocupações de relevância socioeconómica ou cultural dos cursos que eram ministrados”.
Sendo certo que a expansão recente da rede de ensino superior não obedeceu a critérios
de correcção das assimetrias espaciais, nem tem respondido cabalmente às necessidades
de formação dos recursos humanos necessários ao desenvolvimento regional, parece-nos,
mesmo assim, que, no seu conjunto, as instituições de ensino, universitárias e politécnicas,
de natureza pública, concordatária, particular e cooperativa, geraram sinergias potenciadoras
do desenvolvimento endógeno e da formação do “capital humano” que o país tem vindo a
aproveitar. Mais recentemente, esta procura pode ser encarada como resultado, também, da
saturação do mercado de emprego, incapaz de absorver, em tempo útil, os excedentes de
264 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

mão-de-obra jovem e adulta no fim de alguns dos ciclos de formação académica e profissional.
Mesmo assim, a procura da educação tem sido encarada como facilitadora da promoção
social e profissional dos novos diplomados, juntando-se à função que lhe é reconhecida, por
algumas correntes do pensamento, a sua capacidade de romper com a estratificação social
dominante e auxiliar a mobilidade social dos alunos bem como permitir a inovação, a mudança
e o desenvolvimento socioeconómico e cultural da sociedade portuguesa.
Sempre que o sistema educativo não se encontra em condições de acolher todos os alunos
que o procuram, gera-se o excesso da população escolar, que se traduz no fenómeno de
massificação escolar e de crise.

Alunos
A apreciação do desenvolvimento dos sistemas de ensino pode ser expressa não só em
termos de frequência de alunos, mas também através da análise da população docente e dos
funcionários que garantem o seu funcionamento. Importa assinalar que por alunos entende-se
o indivíduo matriculado no sistema educativo e, por isso, sujeito a um conjunto de normas,
de deveres e de direitos relacionados com a postura cívica, a aprendizagem e a avaliação de
conhecimentos atinentes às necessidades formativas e de desenvolvimento humano e cívico.
O conjunto destes princípios são referidos em documentos próprios – “Estatuto do Aluno” –,
de que referimos a Lei nº 30/2002 de 20 de Dezembro, relativa aos alunos do ensino não
superior. De acordo com este documento (artº 11), “a matrícula em conformidade com a lei
confere o estatuto de aluno”, o qual compreende direitos e deveres aí consagrados. No seu
todo, promove “a assiduidade, a integração dos alunos na comunidade educativa e na escola, o
cumprimento da escolaridade obrigatória, o sucesso escolar e educativo e a efectiva aquisição
de saberes e competências” (artº 2).
A admissão e registo permite conhecer o total de inscrições e os movimentos dos alunos
dentro do sistema, no caso deste se organizar em ciclos de estudos, obrigatórios ou não.
A esta evolução do número de inscritos designamos por frequência, expressa em valores
globais, por ciclo de estudos, por curso e ano escolar. Estes dados traduzem-se, geralmente,
em valores globais, ou brutos, representados por “taxas”, para os separar dos que expressam
as suas relações com outros elementos através do cálculo de indicadores de natureza diferente,
como os “quocientes”, os “rácios” e outros.
A análise da população escolar, em particular dos alunos, tem vindo a ser realizada através
de publicações e outras fontes de informação divulgadas pelas entidades oficiais, em especial
pelo Ministério da Educação, por académicos e outros estudiosos com preocupações na área
da educação e pelas diversas ciências que lhe consagram os seus estudos.

Escolarização
O aprofundamento do significado de alguns valores relacionados com a frequência e o
aproveitamento escolar pode ser apreciado através da qualificação académica da população,
registada aquando da realização dos censos da população. O mesmo pode ser completado,
anualmente, através da consulta de estatísticas especializadas, tais como as “Estatísticas
Demográficas” e as “Estatísticas da Educação”, que permitem calcular a “relação percentual
entre o número de alunos matriculados e a população residente, em cada uma das idades”
Jorge Carvalho Arroteia 265

(SILVA, 2006, p. 82). Se tivermos em conta os dados do último censo da população (INE, 2002,
LXVII), em 2001 a situação era a seguinte:
· “Em 2001, a maioria da população portuguesa tinha apenas completado o 1º ciclo
do ensino básico (27,8%) ou não sabia ler nem escrever (26,4%). A população que
completou o 2º e o 3º ciclos representava em cada ciclo 13,8% do total. Nos restantes
níveis, destaca-se o ensino secundário com 11,0% e o ensino superior com 7,1%.
· No período intercensitário, verificou-se uma melhoria das qualificações académicas tanto
para homens como para mulheres. Nos ensinos secundário e superior, as proporções
quase duplicaram, sendo mais elevadas para a população feminina, especialmente ao
nível do bacharelato/licenciatura.
· A situação das mulheres manteve-se mais desvaforável nos níveis mais baixos (sem
qualquer qualificação e 1º ciclo do ensino básico).”

Os dados acima referidos podem ser completados através de uma análise evolutiva,
calculados por Silva (2006, p. 82), segundo os níveis de educação/ensino, público e privado,
em diferentes anos lectivos. No seu conjunto, e à parte das diferenças que reflectem a nível
regional, urbano e rural, são reveladores do processo de democratização do ensino em Portugal
e das políticas sociais e educativas levadas a cabo nas últimas décadas.

Quadro 12

Ano lectivo E.P. Esc. 1º CEB 2º CEB 3º CEB E. Sec. E. Sup. (%)
1985/86 26,7 100,0 60,7 41,0 17,8 6,0
1990/91 47,1 100,0 71,7 58,3 31,0 10,8
1995/96 55,7 100,0 88,1 80,8 58,8 20,3
2000/01 74,8 100,0 87,0 86,8 62,5 26,1
2003/04 77,1 100,0 86,9 82,0 58,0 27,3

Este valores, de índole geral, devem ser completados através do cálculo de alguns
indicadores, de frequência, aproveitamento, sucesso, inserção na vida activa e outros, que
permitam a sua comparação entre diferentes regiões do país e o melhor conhecimento do
funcionamento interno do sistema educativo. Passaremos a enunciar alguns deles, deixando a
sua explicação e cálculo para ser apreciado noutros estudos da especialidade.
Os indicadores de resolução mais simples referem-se à “escolarização” dos alunos,
expressas nas respectivas taxas. Recorde-se que, de acordo com Pressat (1979, p. 243),
as “taxas” poderão definir-se como uma relação entre os acontecimentos registados
numa dada população e a sua população média durante um determinado período, sendo
designadas “taxas brutas” as que medem a frequência com que os fenómenos demográficos
se manifestam no conjunto da população e “taxas específicas” as que se restringem a
determinadas parcelas dessa população. De acordo com esta definição, ganham particular
relevância as seguintes: quanto à “escolarização”, as taxas bruta, geral e específica
de escolarização.
266 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Um segundo grupo de indicadores diz respeito às taxas de “aproveitamento”. Destas,


destacamos as taxas de aprovação e de reprovação, as taxas de repetência e de passagem,
a taxa de retenção, etc. No que concerne aos “abandonos”, salientamos as taxas de abandono
dos aprovados e dos reprovados e a taxa de desistência. Por fim, resta considerar outros
indicadores ou índices relativos, por exemplo, ao aproveitamento escolar e às entradas e
saídas do sistema.
Não sendo tratados de forma exaustiva, os indicadores anteriores permitem-nos, se
devidamente calculados, conhecer alguns dos aspectos da demografia interna do sistema
educativo, sendo certo que tal informação será ampliada se, aos elementos em apreço,
associarmos outros dados, tais como os rácios e os quocientes, que melhor nos permitam
aprofundar o diagnóstico deste sistema.
Da mesma forma, será vantajosa a utilização de outros indicadores que contemplem
a cobertura e a estrutura do sistema, a qualidade e o rendimento do processo educativo,
os seus gastos e financiamento e, eventualmente, os restantes indicadores de natureza
macroeconómica, social e cultural que precisem o contexto em que se desenvolvem as
actividades de ensino-aprendizagem.

Massificação escolar
O acréscimo, constante, da população escolar, sobretudo nos ciclos elementares da
educação formal – escolaridade básica – ou mesmo nos ciclos mais avançados do secundário
e superior, tem-se vindo a reflectir não só na saturação dos sistemas educativos, mas, acima
de tudo, na deterioração quer da qualidade de ensino quer das condições do exercício da
profissão docente. Daí que, procurando responder às solicitações desta população (em
crescimento), a escola tenha relevado alguns dos atributos que a identificavam como elemento
principal do processo de desenvolvimento humano e de socialização.
Algumas das questões acima referidas estão, hoje em dia, a ser contrariadas devido à
quebra da natalidade e à redução natural da procura do ensino, permitindo, assim, uma reflexão
adequada sobre as medidas de política educativa que contrariem os efeitos do excesso da
frequência escolar.
Note-se, mesmo assim, que a procura social que, hoje, se verifica em certas áreas da
formação e do ensino realçam a necessidade de se atender ao incremento dos limiares
de frequência de certos cursos e instalações, promovendo a sua habilitação, de forma a
responder à necessidades locais e nacionais de formação de recursos humanos. Por isso,
se impõe a formulação adequada de políticas de formação e ensino que tenham em conta
os princípios basilares do planeamento da educação, da gestão adequada de todos os seus
recursos, físicos, humanos e financeiros, e a participação acrescida da comunidade e das
autarquias locais.

Crise de educação
O debate em torno da situação dos sistemas educativos, confrontados, hoje em dia, com
um aumento da procura dos recursos humanos, materiais e financeiros e com as expectativas
crescentes, relacionadas com os resultados e o desempenho, tem vindo a alimentar
um conjunto de reflexões, sugeridas por diferentes autores e organismos internacionais.
Jorge Carvalho Arroteia 267

Entre estes, destaca-se a UNESCO, que, em 1968, promoveu, em Paris, a “Conférence


Internationale sur la Planification de l’Éducation”, consagrada a este tema.
É reconhecido entre os economistas da educação que a crise da sociedade actual exerce
os seus efeitos sobre a educação, traduzindo-se os mesmos ao nível: político, devido ao
fracasso dos sistemas político-sociais; económico, devido à escassez de recursos financeiros;
social, resultante do excesso da procura; ético, acompanhando a crise de valores e técnico,
decorrente do processo acelerado de mudança social. Os resultados destas mudanças são
sentidas por uma população numerosa, sobretudo os jovens, para os quais o seu futuro não
deve, necessariamente, inscrever-se “nos limites de uma sociedade inexoravelmente votada
ao desemprego e à precariedade” (ÉLIARD, 2000, p. 126), em que se questiona a missão da
escola, “não em termos de adaptação à sociedade actual, em vias de mudança, mas em termos
de futuro, de progresso da humanidade” (Op. cit., p. 128).
Note-se, contudo, que o acréscimo de frequência escolar, decorrente do processo de
democratização do ensino, foi responsável pelo aumento da população escolar, não só nos níveis
correspondentes à formação de base, mas também noutros ciclos de ensino, encaminhando
para a escola um número crescente de alunos com diferentes origens geográficas e sociais. Este
fenómeno foi acompanhado por uma utilização intensa dos equipamentos educacionais e por
um aumento das despesas de funcionamento, com a construção de novos edifícios e aquisição
de equipamentos, contratação e formação de recursos, apoios concedidos aos alunos, etc.,
levando a uma redução da eficácia e da qualidade dos serviços educativos.
Em alguns contextos, ao fenómeno de explosão escolar associaram-se outros acontecimentos
de natureza política, económica, social e cultural que afectaram o funcionamento dos sistemas de
ensino, no seu conjunto, levando ao agravamento das condições de ensino e ao desfasamento
entre as necessidades e as respostas, as expectativas e o produto, os projectos e a sua gestão
e desenvolvimento. Tais situações alimentaram o conceito de crise, designação que identifica
as consequências da grande afluência escolar registada durante os últimos anos, na maior
parte dos países do globo; o aumento da procura social da educação, em áreas de formação
e especialização profissional (no caso dos países desenvolvidos) ou a nível da educação básica
(nos outros países); a quebra da qualidade do ensino e a ineficácia dos sistemas educativos,
constantemente confrontados com as mutações sociais, económicas e tecnológicas, registadas
na actualidade.
A este respeito, parece-nos pertinente evocar um relato extraído de um estudo promovido
pelo Ministère de l’Éducation du Québec (1982), sobre a quebra de confiança na Escola, facto
que tem vindo a acentuar-se, devido a:
· “O público em geral não acredita que o sistema escolar seja capaz de definir, e, ainda
menos, atingir, os objectivos prioritários;
· os pais julgam que os professores são incompetentes para promoverem as aprendizagens
dos seus filhos;
· os professores estão cada vez menos convencidos que os seus alunos (estudantes) são
capazes de estudar;
· os pais, e a sociedade em geral, implicam-se cada vez menos nos trabalhos escolares;
· os governos estão cada vez menos disponíveis para conceder fundos adicionais destinados
ao desenvolvimento escolar”.
268 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

O conjunto destas observações sugere o desenvolvimento de estratégias pedagógicas,


administrativas e de gestão, que privilegiem a inovação e a mudança, uma utilização eficaz
dos recursos disponíveis e a divulgação de métodos de ensino que permitam uma resposta
adequada, e em tempo oportuno, aos desafios que hoje se colocam aos sistemas de ensino
e de formação, nomeadamente as que respeitem: a modernização dos processos de gestão,
dos conteúdos e dos métodos de ensino; a formação dos docentes; o alargamento da rede
dos estabelecimentos públicos e não públicos; e a participação alargada da sociedade em
iniciativas relacionadas com a acção e a política educativa.
Em suma, podemos assinalar, tal como fez Cabanas (1984, p. 29), que a crise da e na
educação “baseia-se no desfasamento existente entre as necessidades e as respostas do
sistema educativo”.
Profissão docente

As preocupações que, nos últimos anos, têm surgido devido ao processo de democratização
do sistema educativo português traduzem-se no aumento da população discente e docente.
Este fenómeno está na origem da profissionalização do corpo docente, uma vez que a
“sociedade exige, crescentemente, um professor qualificado, tanto nos planos científico e
tecnológico, como nos planos cultural e pedagógico” (PARDAL, 1993, p. 28), bem como o
desenvolvimento de estudos diversos, relacionados quer com as características organizacionais
da escola, quer com o exercício da profissão docente, nomeadamente no contexto das
organizações escolares e no confronto com as outras profissões.
Sobre este assunto, Barroso (1999, p. 29) afirma que “a maior parte dos estudos
organizacionais sobre a escola têm demonstrado de que modo as características do trabalho
docente contribuíram para alterar as estruturas burocráticas que serviram de modelo à
administração e organização da escola pública”, facto que tem a sua origem na “forte exigência
de profissionalismo dos seus agentes” (Loc. cit.). Por sua vez, Mendes (1996) discute o tema
do profissionalismo docente em Portugal, tendo afirmado que “o enquadramento da profissão
docente no contexto geral das ocupações sociais é objecto de interpretações divergentes
consoante o quadro teórico e conceptual subjacente ao exercício (…)” (Op. cit., p. 11).
Noutro estudo dedicado ao mesmo assunto, o referido autor (MENDES, 2000, p. 4) diz-nos
que “os professores são naturalmente aqueles sobre cujos ombros a sociedade deixou cair o
mais pesado fardo, quase todo feito de exigências e de responsabilidades”. De facto, perante
a diversidade de públicos que frequentam a escola e as expectativas pessoais que encerram,
torna-se difícil, num contexto de profundas mudanças sociais e de desenvolvimento tecnológico,
bem como de profundas alterações organizacionais na gestão pedagógica e administrativa
destas instituições, desenvolver uma adequada construção e actualização de modelos de
formação e de desempenho desta profissão. De facto, como assinala Barroso (1999, p. 29),
o governo das escolas “exige um forte compromisso entre o Estado e os profissionais que
permita preservar uma ética do serviço público, no quadro de uma relação profissional face a
face, em que o prestador de serviço (o professor) desenvolve a sua acção como o agente dos
interesses do segundo (aluno-cidadãos e suas famílias), devido à confiança que nele depositam
e ao capital de conhecimentos e de informação que possui”.
Ainda sobre este tema e relacionado com os reptos desta profissão, Mendes (Loc. cit.)
interroga-se sobre “is teaching a science or a art?”. A resposta é a seguinte: “preferimos
responder que o trabalho dos professores é evidentemente enformado por contributos
“científicos” e “artísticos”, resultantes de um complexo processo de socialização profissional e
270 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

não só, o que confere às suas escolhas (…) um carácter inevitavelmente ‘político’, relegando
o ‘técnico’ para o devido nível da instrumentalidade que lhe cabe”.
Para além de diferentes contributos científicos acerca da matriz de formação dos docentes,
sobre a qual Mendes (Op. cit., p. 97-156 ) destaca a do “professor como professor reflexivo”
(Schon), a de “professor-investigador” (Stenhouse) e a de “professor como intelectual transfor-
mador” (Giroux), reconhecemos o como o exercício desta profissão exige uma sólida formação
científica de base, complementada por sucessivas formações ao longo da vida. Mais ainda,
torna-se necessário que se atenda à especificidade das organizações escolares e dos novos
públicos, à natureza das matérias leccionadas e ao perfil de saída dos diplomados pelo ensino
superior, de modo a entendermos os desafios e as oportunidades relacionadas com o exercício
da profissão docente. Embora reconhecendo a dificuldade desta reflexão, apresentamos
algumas questões que se prendem com o exercício da prática docente e com as necessidades
específicas de formação, relacionadas com o desempenho da actividade docente.
Vejamos alguns aspectos que determinam a abertura permanente à formação ao longo da
vida, ao desenvolvimento da investigação e à participação docente, decorrente da alteração dos
contextos sociais e da escola. Consideramos, em primeiro lugar, as alterações dos contextos,
social, económico, cultural, tecnológico e científico, decorrentes das transformações sociais
que se têm operado de forma acelerada, agindo como indutores de processos de globalização
que se repercutem na escola, na família e na sociedade, influenciando os alunos, os pais e os
professores. Tais transformações levam-nos a encarar a necessidade não só de novos modelos
de formação inicial, mas também de novas formas de organização e de gestão pedagógica e
institucional que facilitem a tarefa docente, a construção do conhecimento e a sua adequação
aos novos cenários impostos pela mobilidade, internacionalização, ensino à distancia e
aprendizagem ao longo da vida.
Num contexto social marcado pelas alterações dos sistemas sociais e educativos decorrentes
da abertura da escola a públicos diversificados nas suas origens geográficas, sociais e culturais
a democratização surge como principal responsável pelo aumento da frequência escolar, pelo
alargamento da rede, pelo aumento da população (discente, docente e funcionários), pela
diversificação das tarefas e dos serviços educativos, pelo maior envolvimento dos diversos
actores sociais, nomeadamente dos empregadores – que, cada vez mais, reclamam uma ampla
participação nos processos de decisão e de gestão do sistema educativo –, os seus efeitos
repercutem-se não só na escola, mas também no desempenho profissional dos docentes.
De facto, com a democratização do ensino, a escola acolheu, igualmente, uma população
docente heterogénea na sua formação e interesses, nas suas expectativas e projectos, no seu
envolvimento e participação na vida da própria instituição escolar. E como foi notado, trouxe,
igualmente, alunos herdeiros de diversas culturas e bens culturais, possuidores de capitais
diferenciados e de heranças de saber distintas, de todo difíceis de integrar em modelos de
formação e em projectos educativos estáticos, menos atentos à diversidade desta população
discente. De facto, numa sociedade em mudança implica ter em atenção a emergência de um
novo tipo de aluno e de indivíduo, capaz de expressar, através da sua formação, os efeitos
da cultura (formação) adquirida através da sua frequência da instituição escolar. No plano
individual, alguém capaz de se integrar socialmente, nomeadamente através do exercício de
uma profissão.
Jorge Carvalho Arroteia 271

Por outro lado, o exercício da actividade docente em instituições que são solicitadas
a abrir-se à sociedade local, à comunidade de origem urbana, industrial ou de serviços,
comunidades estas detentoras de saberes e de experiências diferenciados, de projectos e de
culturas distintas, de tradições e de heranças socioculturais diferenciadas, exige das instituições
de ensino superior e dos seus agentes posturas e modos de intervenção distintos. Tal facto
decorre do exercício da actividade docente e da sua actividade num contexto em que as
escolas, na sua origem, objectivos e funções, repartem a sua acção com outros meios de
saber, formativos e culturais, e com outras entidades, formais e paralelas, que convergem, à
sua maneira, para a construção do conhecimento. Embora não estando em causa a razão da
instituição escolar nem a especificidade destas organizações sociais, quedamo-nos perante
algumas das funções que lhe são mais adequadas.
Referem-se diversos autores à sua função primordial, de capacitação profissional, e
à função de mudança social que desempenha nas sociedades hodiernas. Capacitação
profissional que deve habilitar para o desempenho de uma actividade específica, mesmo que
a sociedade actual se veja tão confrontada com a mutação dos saberes, com a evolução dos
conhecimentos, com o domínio das novas tecnologias, com a obsolescência dos saberes
tradicionais, com a precariedade dos estatutos sociais e, com o questionamento constante
dos modelos de formação. E se a formação ao longo da vida entrou já no nosso quotidiano,
não será possível à escola e ao professor preparar-se para a mudança se ele próprio não
interiorizou essa mudança e se não lhe forem dados meios para a sua constante e permanente
actualização.
O mesmo acontece se as escolas não forem capazes de acompanhar, a par e passo, a
evolução da própria sociedade ou se esta não as considerar como parceiros adequados para
este desafio. Se não se consolidar uma cultura adequada, ou “ethos” organizacional, capaz
de enfrentar a mudança como uma necessidade e não como algo que trava a liberdade e
desempenho dos professores, e se não forem, enfim, tomadas iniciativas facilitadoras do
desempenho da profissão docente no âmbito da “pedagogia de ensino superior”, não é
possível renovar a Escola. As exigências contidas na LBSE, relacionadas com as qualificações
do professor do ensino superior (artº 32), exigem a habilitação académica de grau de doutor, de
mestre ou de licenciados “que tenham prestado provas de aptidão pedagógica e capacidade
científica”. Contudo, não são considerados parâmetros específicos os atributos individuais
relacionados com a capacidade de exposição e de síntese, a comunicação interpessoal, a
disponibilidade pessoal perante os alunos ou mesmo a valorização concreta destas características,
a par da capacidade investigativa.
O exercício da actividade docente, nos contextos que descrevemos e nos cenários que
apresentámos, constitui um desafio a toda a prova: uma tarefa que exige saber, tenacidade,
doação e empenhamento, formação constante e orientada para enfrentar as novas realidades
e contextos societais, o exercício de novas funções e a perenidade da acção da velha
instituição escolar. Ser professor não é, apenas, ser um actor social, interessado no devir da
própria instituição escolar e atento aos sinais de mudança que afectam o seu funcionamento.
Nos dias de hoje, é ter igualmente em conta o exercício de uma profissão distinta das demais,
pelas funções pedagógicas e científicas que desempenha, pelos métodos de trabalho que
utiliza e pelos resultados que obtém.
272 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Tal reflexão obriga-nos a considerar outros aspectos inerentes à profissão docente,


nomeadamente os que se relacionam com as representações sociais do próprio docente, que
podem assumir significados diferentes consoante o subsistema de ensino – universitário ou
politécnico – e a tipologia da instituição em que se lecciona e as características da comunidade
e da sociedade em que se vive. Daí que o exercício da função docente tenha no domínio das
representações sociais e dos efeitos práticos dessas representações (traduzidas no valor dos
respectivos salários ou no estatuto social da carreira docente) efeitos muito diversos, que se
repercutem, inevitavelmente, no desempenho da profissão.
Este facto exige estratégias diferenciadas, que condicionam a tarefa e o múnus profissional,
referentes ao desempenho profissional e à mobilidade. Mobilidade que decorre da natureza da
função docente, muitas vezes geradora de conflitos com a profissão, com a instituição, com
os alunos e com a sociedade. Mobilidade imposta pela identificação e escolha de estratégias
adequadas ao desempenho profissional. Estratégias estas que, iniciadas geralmente na
titularidade de um Mestrado ou já de um Doutoramento, marcam formas distintas de
desempenho e de progressão numa carreira definida por estatutos autónomos (universitário
e politécnico).
Importa, ainda, atender à produção/reprodução de ambientes escolares diferenciados, de
produções/reproduções sociais diversificadas, relativas ao exercício profissional e, muitas vezes,
geradores de conflitos geracionais que afectam, indistintamente, esta profissão. E é nestes
contextos que emergem diversas orientações metodológicas e linhas de pensamento, diferentes
actuações e práticas profissionais, distintos actores, muitas vezes com linhas de orientação
metodológica contraditórias, onde as experiências de natureza individual ou mesmo grupal se
sobrepõem, tantas vezes, às linhas de orientação metodológica dos programas e dos projectos
educativos definidos pela própria instituição escolar. Contudo, o exercício da docência no
ensino superior exige o ser solidário ao nível da instituição onde se lecciona e da área científica
e profissional em que se integra, dando, assim, oportunidade à sobrevivência e à continuidade
da instituição escolar. É manter a solidariedade funcional do grupo a que se pertence e manter
essa afiliação, no domínio laboral, para além da escola e da comunidade onde se reside.
O enunciado das questões anteriores, embora relativas a contextos das nossas instituições
escolares, leva-nos a recordar a actividade docente – entendida como acção educativa, na
perspectiva de Durkheim – como uma empresa contraditória, geradora de angústia e de
entusiasmo (HANNOUN, 1995). De angústia, porquanto enfrentando, no seu dia-a-dia, uma escola
em mutação e um público cada vez mais diferenciado e afectado por estas transformações, o
professor sente as dificuldades de, sozinho, promover essa mudança. E não consegue, por si
só ou mesmo associado aos seus companheiros, mudar isoladamente a escola e muito menos
a sociedade onde vive. De entusiasmo, porque a riqueza e o contacto das experiências vividas,
as metodologias utilizadas e as iniciativas desenvolvidas, de acordo com a diversidade e a
especificidade desses alunos, bem como os afectos cultivados permitem vislumbrar, na sua
actividade profissional, a riqueza de acompanhar o crescimento e o desenvolvimento humano
dos seus alunos numa interacção mútua com a própria sociedade.
Os aspectos assinalados mostram como é necessário ter em conta o contexto social da
própria escola e recuperar o humanismo que identificou as sociedades ocidentais; ter em
atenção o desenvolvimento humano dos alunos; ter em consideração o saber e o exemplo de
Jorge Carvalho Arroteia 273

professor; prosseguir métodos pedagógicos adequados, baseados em objectivos claros e no


envolvimento de todos os actores (alunos e professores); ter em conta a leitura dos sinais dos
tempos, como forma determinante de análise e da acção sociocultural.
Embora sem pretendermos apontar qualquer resposta simplificadora da realidade complexa
do exercício da função docente ou da importância das “didácticas no ensino superior”,
parece-nos oportuno recordar que a criação de ambientes escolares humanizados, fundados
na construção de espaços de trabalho onde coexistam o trabalho escolar e o extra-curricular,
necessários ao exercício desta profissão. Aqui devemos construir espaços onde os saberes
curriculares consigam responder aos insucessos das aprendizagens dos alunos e contribuir
para a construção de comunidades inclusivas, centradas na formação e no desenvolvimento
humano da população discente e dos professores.
Parafraseando Hannoun (1995), diríamos ainda que, na sua função de educador e de
produtor de conhecimentos, o professor deve conseguir: “conciliar as determinações do mundo
com a liberdade da pessoa humana”. Para tanto, tem de saber aliar:
· as competências profissionais adequadas que lhe permitam dominar um “corpus”
científico na sua área ou domínio profissional;
· auxiliar os alunos na aquisição desses saberes, promovendo e incentivando a reflexão e
pesquisa próprias;
· promover a exploração adequada das metodologias e técnicas de ensino que facilitem
a construção de saberes fundada nas tarefas de docência e de investigação;
· basear a sua actividade, nas suas dimensões formativa e de investigação, numa acção
pedagógica, de natureza relacional e humanista, que dê corpo a uma nova escola
e pedagogia.

É neste contexto e acção que se fundamenta o interesse pelas iniciativas e realizações que
se prendem com o prosseguimento de políticas que atendam, convenientemente, à formação
dos recursos humanos para os diversos subsistemas de ensino, nomeadamente do ensino
superior. Neste caso, justifica-se o aprofundamento da Pedagogia Universitária (REIMÃO, 2001),
entendida não como uma ciência obsoleta, de carácter “oculto” ou de menor interesse, mas
sim como uma nova área científica, aberta a novas investigações e de reconhecido interesse
no desenvolvimento de novos contextos e situações de aprendizagem, de comunicação e de
construção do conhecimento científico, no âmbito do ensino superior.
Reformas de ensino

O processo de mudança dos sistemas educativos e a sua adaptação às exigências de novos


contextos sociais e políticos, por iniciativa reformista do Governo ou por acção externa, tal como
acontece em relação ao ensino superior com a sua configuração ao Processo de Bolonha, são
acompanhados de alterações pedagógicas, organizacionais e administrativas, que, dada a sua
profundidade, se podem enquadrar no âmbito das reformas do ensino.
Não havendo concordância em relação à sua melhor definição, transcrevemos de Figueiredo
(2001, p. 26), baseado num estudo de T. Husen (1986), que o desenvolvimento de uma
reforma educativa, na sua perspectiva de estratégia de formulação, adopção, implementação e
avaliação, deve obedecer a seis princípios estruturantes: o primeiro considera que as reformas
educativas “são parte das reformas sociais”; o segundo, relativo à inciativa da reforma, a nível
nacional e central, mas exige debate, negociação, consulta pública e motivação, a nível local
e institucional; o terceiro considera que, “ao planear uma reforma de grande envergadura,
deve ter-se em conta as tradições e as práticas fortemente enraizadas”, considerando que a
mudança deve vir a ocorrer gradualmente; o quarto obriga à maior participação possível em
todas as fases de construção da reforma; o quinto deve ter em consideração a resistência à
mudança; e o sexto “preconiza a necessidade de construção desde o início de um sistema de
avaliação e monitorização da reforma”.
Por sua vez, Colom e Domínguez (1997, p. 26) afirmam: “As reformas educativas pretendem
de forma flexível desenhar as estruturas dos sistemas educativos mediante contributos específicos
a fim de alcançarem a igualdade educativa entre todos os cidadãos (…). As inovações pedagógicas
vão mais orientadas para a escolarização dos mais incapacitados a fim de alcançarem as quotas
de aprendizagem que pode assumir: neste sentido, as políticas de compensação educativa,
a implantação de novas tecnologias ou a política de integração são algumas das medidas
demonstrativas das funções que se pretendem concretizar mediante medidas inovadoras”.
Também Mendes (2000, p. 307) adianta que “as reformas educativas, do ponto de vista
conceptual e da decisão política, são objecto de uma problematização crescente (…)”, aumentando
tal “criticismo” “à medida que se vão sucedendo as experiências reformistas no terreno e à medida
que o desenvolvimento das ciências sociais e humanas permite níveis de conhecimento superiores
sobre a acção dos actores e seus constrangimentos e consequências”.
Relativamente ao contexto europeu e internacional, o estudo realizado pela Eurydice (1997,
p. 7), relativo às reformas dos sistemas educativos entre 1984 e 1994, entende por “reforma
educacional” como “toda a inovação educacional que abrange a elaboração, implementação ou
abolição de políticas destinadas a mudar o ‘produto social’ do processo educativo e das suas
276 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

prioridades ideológicas, económicas e políticas”. Ainda no contexto internacional, o estudo de


Carnoy (1999) acerca dos efeitos da mundialização sobre as reformas educativas aponta três
tipos distintos (Op. cit., p. 41-51):
· as que “respondem à evolução da procura de qualificações para o mercado de trabalho
nacional e internacional e às novas idéias de organização da produção, baseadas no êxito
escolar e nas competências profissionais” – reformas baseadas na competitividade;
· as que ”respondem às restrições orçamentais do sector público e ao rendimento das
sociedades privadas, reduzindo os meios de que dispõem o sector público e o sector
privado para financiar a educação e a formação” – reformas baseadas em imperativos
financeiros;
· as que “tentam cumprir a função política importante da educação como agente de
mobilidade social e de igualdade social” – as reformas baseadas na equidade.

Tendo em conta a evolução próxima do sistema educativo português, diversos estudos


permitem a compreensão e análise das principais medidas e reformas realizadas. De Fernandes
(1992) transcrevemos alguns dados que nos permitem compreender a sua evolução próxima,
nomeadamente nos períodos liberal e republicano. Assim, de acordo com este autor (Op. cit.
p. 57), “com a criação dos liceus em 1836 por Passos Manuel (Decreto de 17 de Novembro)
institucionaliza-se em Portugal um sistema de educação escolar em três níveis – primário,
secundário e superior –, que perdurou até à actualidade”. Mesmo assim, “não obstante a ruptura
política com o antigo regime, assumida pelo regime liberal, há uma continuidade de concepções
educativas, de formas de organização da instrução e do processo político de implantação das
reformas entre os dois” (Op. cit., p. 58).
Por sua vez, Simões (1988) estudou o conjunto das reformas de política educativa
durante o período do “Estado Novo” (1926-1968), permitindo-lhe destacar a natureza das
medidas então tomadas, nomeadamente a orientação da “educação para a passividade”,
em função das características do regime de Salazar e dos traços rurais dominantes da
sociedade portuguesa.
Relacionado com o período alargado da 1ª República à Revolução de Abril/74, transcrevemos
de Carvalho (1986) algumas notas relacionadas com a evolução das reformas educativas
em Portugal.

1. Aspectos gerais da 1ª República


· Como nota dominante do período referente à 1ª República, constata-se a necessidade da
reforma da mentalidade portuguesa, que muitos consideram só ser possível através da
instrução e da educação. Por isso, a educação republicana surge como uma “educação
interessada na criação e consolidação de uma maneira de ser português, capaz de
expurgar a Nação de quantos males a tinham mantido (…) arredada do progresso
europeu, sem força, sem coragem, sem meios para sacudir de si a sonolência em
que mergulhara” (CARVALHO, 1986, p. 651 e segs.). Algumas circunstâncias pesam
negativamente no desenvolvimento deste projecto. Vejamos algumas delas:
· analfabetismo: “Portugal é um país de analfabetos”. De facto, em 1911, 75% da
população portuguesa era analfabeta; em 1930, 67,8%;
Jorge Carvalho Arroteia 277

· insuficiente nº de escolas primárias: em 1910/11 existiam em Portugal 5 552


escolas oficiais do ensino primário, em 1925/26, existiam 7 126;
· deficiente preparação pedagógica dos professores;
· mísera situação económica.

Não obstante estas dificuldades, foram promovidas algumas medidas, de que se destaca a
Reforma do Ensino Primário, em três escalões (Decreto de 29 Março 1911):
· elementar (obrigatório, para todas as crianças, entre os 7 e 9 anos);
· complementar (facultativo, para as crianças dos 10 aos 12 anos);
· superior (facultativo, para crianças dos 12 aos 14 anos).

Acompanhou esta iniciativa a criação das Escolas Normais Primárias (Lisboa, Porto
e Coimbra).
Reconhece R. Carvalho (Op. cit., p. 678) que “o país real não possuía as condições mínimas
para suportar o arranque das providências decretadas, não só por dificuldades económicas,
que em tudo tinham reflexo, como também por carência de uma mentalidade disposta a aceitar
mudanças de comportamento social”. Mesmo assim, o ímpeto reformista da 1ª República
prosseguiu com:
· reforma do ensino primário (10 Maio 1919), que determinou os seguintes graus: geral
(obrigatório, para todas as crianças, entre os 7 e os 12 anos) e superior (facultativo, dos
12 aos 15 anos);
· reforma do ensino secundário (17 Abril 1917).

Estas medidas foram completadas com as seguintes propostas legislativas:


· manutenção dos Cursos Complementares de Letras e de Ciências;
· manutenção dos Liceus Nacionais centrais (Lisboa, Porto e Coimbra) e dos Liceus
Nacionais (1 por cada capital de distrito);
· criação das Universidades de Lisboa e do Porto (22 Março 1911);
· estatuto da Educação Pública (João Camoesas) – 1923.

Com o fim da 1ª República (28 Maio 1926), e nos anos posteriores, foram tomadas
medidas, relacionadas com o ensino primário e com os outros níveis de ensino. Resumimos
as seguintes:
· reforma do ensino primário (1927) – redução de 2 anos no total da escolaridade;
· redução do ensino primário geral (“elementar”), entre os 7 e os 11 anos;
· redução do ensino primário superior (“complementar”), entre os 11 e os 13 anos;
· reforma do ensino primário (1930). Neste caso, dos 4 anos de ensino primário obrigatório,
só os três anos passam a constituir o ensino elementar (exame final), sendo o 4º ano de
complementaridade.

Para além destas medidas, foi ainda determinado:


· proibição da co-educação;
· extinção do ensino primário complementar;
278 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

· encerramento das Escolas Normais Primárias e sem substituição pelas escolas de


Magistério Primário, destinadas à preparação dos professores primário elementar e aos
do ensino infantil;
· criação dos “Postos de ensino” (1931) e dos “Regentes Escolares” e a desvalorização
da profissão de professor do ensino primário;
· afirmação da cultura do “saber ler, escrever e contar” nas populações rurais.

Estas medidas foram acompanhadas de diversas iniciativas relacionadas com os outros


sistemas de ensino, tais como:
· reforma do ensino liceal (1927) – redução da escolaridade liceal de sete para seis anos;
· publicação do “Estatuto do Ensino Secundário” (18 Dez 1931), destinado a “codificar
toda a dispersa legislação respeitante a este grau de ensino” (programas, normas de
concursos de livros a adoptar, uso do caderno diário, funções dos Reitores; Liceus:
nacionais centrais, nacionais e municipais);
· criação dos cursos de Ciências Pedagógicas (1930);
· publicação do “Estatuto da Instrução Universitária” (1926);
· “Bases da Remodelação do Ministério da Instrução Pública” (1936) e a criação da
Mocidade Portuguesa;
· adopção do Livro único (1936);
· realização do Plano dos Centenários, em 1940 (Centenários de 1140 e de 1640);
· a reforma do ensino liceal (1947), com Curso Geral de 5 anos e Curso Complementar
(Letras e Ciências) de 2 anos;
· a reforma do ensino técnico profissional, industrial e comercial (1947) (ciclo preparatório
de 2 anos e aperfeiçoamento profissional de 4 anos).

No início da segunda metade de Novecentos, destacamos outras medidas, tais como:


· lançamento do “Plano de Educação Popular” (1952) dos Cursos de Educação de
Adultos e da Campanha Nacional de Educação de Adultos (Pires de Lima);
· determinação relativa à escolaridade de 4 anos (4ª classe) para os alunos do sexo
masculino (1956) – Leite Pinto;
· alargamento do ensino dos adultos para a 4ª classe (Leite Pinto);
· alargamento da escolaridade obrigatória para 4 anos (1960) (Leite Pinto);
· criação da Faculdade de Letras do Porto (1962);
· criação dos Estudos Gerais Universitários de Angola e de Moçambique (1962);
· desenvolvimento do “Projecto Regional do Mediterrâneo” (1959-1964), pelo Ministro Leite
Pinto, e a inserção da escola portuguesa no “moderno esquema de correlação entre o
Ensino e a Economia” (1959);
· alargamento do período de escolaridade obrigatória para 6 anos (ensino primário com
dois ciclos: elementar – 4 classes e complementar – 2 classes (Galvão Teles);
· criação do Ciclo Preparatório (2 anos) após aprovação no exame da 4ª classe (1968),
· criação do IMAVE (Instituto dos Meios Audiovisuais de Ensino);
· exoneração de Salazar e nomeação do Primeiro-Ministro, Marcelo Caetano (1968);
Jorge Carvalho Arroteia 279

· lançamento do “Projecto do sistema escolar” e “Linhas gerais da reforma do ensino


superior” (1971), pelo Ministro da Educação, Veiga Simão.

Entre os exemplos recentes de reforma do sistema educativo português, recordam-se,


apenas, duas das mais recentes: a Lei nº 5/73 e a Reforma promovida pela CRSE.
· Lei nº 5/73 – Como princípio geral, o estabelecimento do regime de escolaridade obrigatória
de 8 anos, bem como a exigência de frequência até 14 anos. No que respeita ao Ensino
Básico, assegurado pelo Estado, a duração prevista era de 8 anos, repartidos em dois
ciclos distintos: o Ensino Primário de 4 anos e o Ensino Preparatório, com igual duração.

Para além destes aspectos, previa ainda a Lei nº 5/73 a generalização da educação pré-escolar,
com carácter supletivo em relação à família, destinado às crianças dos 3 aos 6 anos de idade.
Ao Ministério da Educação caberia a responsabilidade da formação do respectivo pessoal docente.
Para tanto, contemplava a referida Lei o reforço do Ensino Médio e a criação de diversos cursos,
de educadores de infância, Professores do Ensino Primário, Auxiliares Sociais, etc.
Também em relação ao ensino secundário, previa-se a constituição de um 2ª ciclo secundário,
com a duração de 4 anos, repartido em dois ciclos distintos: o 1º Ciclo ou Curso Geral e 2º Ciclo
ou Curso Complementar.
A preocupação com a “democratização” do ensino passava, igualmente, pela reforma do
ensino superior, de que destacamos: a institucionalização de cursos de pós-licenciatura (de
doutoramento e de especialização profissional), o desenvolvimento da investigação científica,
o alargamento da rede de estabelecimentos do ensino superior (Politécnico e Universitário), e
a possibilidade dos adultos poderem ingressar neste nível de ensino através da realização de
exames Ad-hoc.
Em complemento ao que anteriormente referimos, transcrevemos parte do texto da Base I
da Lei nº 5/73:
“e) Assegurar a todos os cidadãos o acesso aos vários graus de ensino e aos bens da
cultura, sem outra distinção que não seja a resultante da capacidade e dos méritos, para
que o Estado deverá organizar e manter as convenientes instituições oficiais de ensino,
de investigação e de cultura e apoiar instituições particulares com a mesma finalidade.
f) Proporcionar uma educação básica a todos os portugueses”.

A queda do Governo de Marcelo Caetano, em 25 de Abril de 1974, interrompeu o processo


de aplicação desta reforma, sucedendo-se, nos anos seguintes, um conjunto de medidas que
vieram permitir o acesso de um número cada vez maior de alunos à educação.
Depois da Revolução de Abril de 1974, e particularmente desde o início da década de
oitenta, segue-se um período de longa discussão política, com a elaboração de diferentes
projectos de Lei de Bases do Sistema Educativo Português, até à sua aprovação, em 1986.
Depois desta, iniciam-se os trabalhos da Comissão de Reforma do Sistema Educativo, que,
em 1986, publica o “Projecto Global de Actividades” e, em 1988, o “Projecto de Reforma”
(CRSE, Julho de 1988), onde se registam os seguintes princípios orientadores:
“a) a concepção de uma escola pluridimensional, orientada para a prossecução do sucesso
educativo de cada um;
280 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

b) a elaboração de uma organização curricular, marcada por preocupações de modernidade,


sentido de utilidade e respeito pelos valores da cultura portuguesa;
c) a racionalização da administração da educação , orientada por uma decidida descentralização
regional e institucional e por um sentido participativo alargado;
d) o desenvolvimento de um subsistema de formação técnica e profissional, orientado por
uma matriz coerente e aberta de valorização e de creditação de acções de formação
profissional, integradas ou articuláveis com a educação escolar;
e) a adopção de novos modelos de formação e gestão dos agentes educativos, designa-
damente através de maior exigência qualitativa na formação inicial e contínua dos
professores e da aprovação de um estatuto dignificador das carreiras docentes e técnicas
de educação”.

O aprofundamento do estudo relacionado com a evolução do sistema educativo português,


no decurso das duas últimas décadas, realça um conjunto de profundas alterações que foram
introduzidas nos domínios dos planos curriculares de ensino, da organização pedagógica e
administrativa das escolas, na formação dos recursos humanos e nos estatutos profissionais
dos docentes, medidas que configuram processos de reforma a destacar na história recente do
nosso sistema educativo. No seu conjunto, estas medidas identificam a orientação das políticas
educativas na actualidade, as quais têm sido condicionadas por um conjunto de factores, entre
os quais sublinhamos:
· a ideologia dominante e os “programa da acção” (enquadramento geral das grandes
famílias políticas europeias);
· a situação económica do país determina os meios e os recursos disponibilizados;
· os programas de Governo e a estratégia e acção políticas, no sentido do papel a desenvolver
pela escola e o papel que lhe cabe na transformação da própria sociedade;
· os relatórios sobre avaliação e sobre políticas educativas, escolas de qualidade e outros,
produzidos pela OCDE, bem como as recomendações elaboradas por outros organismos
internacionais.

Mesmo assim, os resultados alcançados não conseguiram superar as expectativas sociais e


pedagógicas, pelo que, como observa Azevedo (2001, p. 121), importa prosseguir com novas
medidas e investimentos que permitam uma “nova dinâmica de assunção de responsabilidades,
uma maior liberdade de ensinar e de aprender, uma maior participação social, procurando e
construindo a informação, avaliando, contrapondo, dando fim a um ciclo de mera diabolização
da administração pública e de profunda inacção social”.
No conjunto dos países do Ocidente Europeu, tem-se vindo a assistir, a partir dos finais dos
anos sessenta do século XX, a um conjunto de reformas do ensino que traduzem as profundas
mudanças sociais e laborais aqui registadas. Entre elas, salientamos as mudanças introduzidas,
no decurso da década de oitenta, nos sistema de educação e de formação nos países de UE
e da EFTA/EEA, particularamente ao nível da escolaridade obrigatória, no sentido de preparar
as gerações mais novas, os “futuros actores da Europa do século XXI” (EURYDICE, 1997), o
que põe em evidência a importância acordada entre os Governos de diferentes países, a fim de
dar resposta à procura social, económica e cultural dos sistemas sociais nos países de regime
Jorge Carvalho Arroteia 281

democrático e ao progresso em curso. Esta situação incentivou a mobilidade geográfica da


população entre os países do centro e os da periferia e deu origem a diversos ajustamentos
dos sistemas educativos a estas novas condições, impostas pelo desenvolvimento social,
económico e tecnológico.
Regulação do sistema educativo

O normal funcionamento do sistema educativo requer a aplicação de um conjunto de


princípios orientadores da sua actividade e de normas que garantam a universalidade de
procedimentos, sobretudo de natureza administrativa e pedagógica, a funcionalidade das
escolas e as aprendizagens dos alunos. Se aplicados à escola, a regulação consiste, de acordo
com Sarmento, citando Derouet (1997, p. 441), no “efeito de coordenação onde se mobiliza o
‘conjunto de processos que fazem com que que todos os estabelecimentos, apesar de tudo,
funcionem”, aspectos que nos remetem para as questões relacionadas com a administração
e a gestão dos estabelecimentos de ensino.
Conforme se notou, estes atributos requerem a coordenação das diferentes iniciativas e
a acção das entidades responsáveis por essas tarefas, nomeadamente no que se refere ao
cumprimento da legislação em vigor. Por isso, o acompanhamento e o controlo do sistema
educativo, nomeadamente no que respeita ao cumprimento da legislação, ao desempenho
das organizações escolares e do pessoal e à avaliação dos resultados dos alunos, exigem,
de acordo com Silva (2006, p. 123), a definição do “projecto de sociedade”, sendo que
“a tendência para esta regulação é clara e, aparentemente, até um pouco irracional visto que a
taxa de esforço que existe não parece ser compensada por ganhos sociais ou de eficiência”.
No seio do sistema educativo português, a regulação é da responsabilidade dos serviços
de inspecção. De acordo com a LBSE (artº 49):
“1. o sistema educativo deve ser objecto de avaliação continuada, que deve ter em conta
os aspectos educativos e pedagógicos, psicológicos e sociológicos, organizacionais,
económicos e financeiros e ainda os de natureza político-administrativa e cultural.
2. Esta avaliação incide, em especial, sobre o desenvolvimento, regulamentação e aplicação
da presente lei”.

Ainda no capítulo referente ao desenvolvimento e avaliação do sistema educativo, diz o


artº 53: “a inspecção escolar goza de autonomia no exercício da sua actividade e tem como
função avaliar e fiscalizar a realização da educação escolar, tendo em vista a prossecução
dos fins e objectivos estabelecidos na presente lei e demais legislação complementar”.
Esta apresentação deixa em aberto a orientação precisa das actividades de avaliação e de
inspecção do sistema, separando as actividades relacionadas com o ensino superior dos
demais subsistemas de ensino.
No seu estudo sobre a avaliação e inspecção das escolas, Silva (Op. cit., p. 207) observa
que “à Inspecção foram atribuídas funções de controlo do sistema educativo ao serviço de um
poder ou de uma administração burocrática centralizada”. Assim, “a IGE tem pautado a sua
284 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

política e orientação operacional, fundamentalmente a partir da década de noventa do século


XX, por alguma articulação com as tendências dos serviços europeus de inspecção congéneres,
designadamente atribuindo um papel significativo às tarefas de avaliação das escolas”.
Não havendo uniformidade quanto às orientações relacionadas com o significado da
avaliação e da inspecção, aceitamos que a primeira se pode orientar mais para actividades
atinentes ao desempenho do sistema, enquanto que a segunda para as actividades referentes
ao seu acompanhamento, funcionamento e verificação da conformidade. Várias leituras
podemos fazer desta orientação e da noção de controlo:
· em sentido restrito, este resume-se à verificação da exactidão, da precisão, da conformidade
(check) (LANDSHEERE, 1979, p. 57);
· eventualmente, este pode ser menos rígido e ter em devida consideração as “performances
do processo” (adaptive control);
· pode, ainda, orientar-se para a qualidade (quality control), tendo, neste caso, em consideração
a “conformidade do produto às normas de precisão, de composição, de forma, (…)
previamente determinadas”. Como assinala o mesmo autor ((Loc. cit.), deve incidir sobre
o sistema educativo ((monitoring of a educacional system), consistindo então “numa
observação sistemática e regular da evolução de um sistema educativo, a fim de o manter
na linha dos objectivos fixados e de impedir eventuais disfuncionamentos”.

Recordamos Landsheere (Op. cit., p. 238), que nos esclarece sobre a tarefa do auditor
(evaluation auditor). Neste caso (Loc. cit.), a auditoria consiste em confiar a experts externos a
evaluation auditor
responsabilidade de “verificar se a avaliação do ensino, realizada pelos inspectores, directores
gerais ou avaliadores ligados a um estabelecimento (…) foi efectuada de forma correcta,
suficientemente rigorosa e imparcial”. Trata-se de uma tarefa complementar da actividade
inspectiva, mas com ela intimamente relacionada.
Para I. Mayo (1990, p. 11), a missão da inspecção é “observar algo a partir de dentro”, ou
seja, desempenhar a função inspectiva com base no exame e na observação (Inspectio-onis)
de algo que se conhece bem o seu interior e funcionamento. Esta perspectiva não exclui, antes
completa, a tendência para o cumprimento desta tarefa conjuntamente com a verificação dos
procedimentos e da sua conformidade em relação às normas e aos critérios previamente
determinados. Tal pode corresponder a um novo conceito de avaliação, caracterizado pelo
acompanhamento dos resultados, pela sua discussão permanente, negociação e participação
acrescida dos actores envolvidos no processo. Trata-se de uma avaliação interactiva, assente
em novos conceitos e metodologias de gestão, nomeadamente a gestão estratégica.
Crítico em relação às funções de inspecção, M. Santos (2003, p. 94) afirma: “a inspecção
incide no processo e não no produto, isto é, preocupa-se prioritariamente com a conformidade
dos procedimentos administrativos, no cumprimento estrito do texto da lei, sem preocupações
explícitas pela qualidade da gestão e pela prossecução dos objectivos dos Serviços, incluindo a
satisfação dos clientes”. Logo de seguida, acrescenta: “esta visão estrita e redutora do conceito
de “base legal” necessita de uma alteração profunda”. Por isso, conclui o autor: “sem fugir à
questão central da responsabilização dos agentes – autonomia e responsabilização são duas
faces da mesma moeda –, o controlo externo deverá ter como orientação predominante o
contributo construtivo para a melhoria da qualidade dos Serviços”.
Jorge Carvalho Arroteia 285

Outros autores, nomeadamente M. Bernard (1987, p. 12), defendem a realização de


“auditorias” ao sistema educativo, entendidas como “o controle dos controles”, ou seja,
“um processo construído e negociado, baseado numa leitura plural e interactiva entre o controlo
e a avaliação”. Este acompanhamento sistemático do sistema pode, assim, ser entendido como
uma forma de regulação, justificável em instituições dotadas de alguma autonomia, que permita
um maior envolvimento e participação dos actores sociais, mormente no que respeita à sua
aprendizagem colectiva, relacionada com os objectivos e os meios postos à disposição das
instituições de ensino superior. Por isso, os resultados decorrentes da avaliação dos sistemas
educativos contribuem não só para melhorar a sua organização, funcionalidade e relações
com a sociedade, mas também, para induzir um conjunto de procedimentos e de mudanças
que afirmem o desempenho deste sistema, isoladamente e na sua articulação com os demais
sistemas sociais.
Com base em estudos de diversos autores, Silva (2006, p. 224) questiona estes resultados,
afirmando que “persistem muitas dúvidas e incertezas acerca da capacidade das inspecções
proporcionarem uma genuína melhoria do desempenho e dos resultados dos serviços que são
objecto de inspecção”. De qualquer modo, a tendência para a criação de um “Estado regulador”
(SILVA, Op. cit., 228) justifica a existência legal dos serviços de inspecção, não obstante a
necessidade de uma avaliação ajustada do seu funcionamento e resultados.
Embora tendo presente as manifestações relacionadas com a evolução e a expansão
do conhecimento, a acção e a política educativas, não se podem desligar dos contextos
institucionais e societais que afectam os diversos cenários, educacionais, culturais e outros,
que condicionam a acção reformista e inovadora das instituições educativas. Neste sentido, as
tarefas de inspecção e de avaliação podem desempenhar uma importante função reguladora,
com benefícios para as instituições, os alunos e os cidadãos.
Pelo seu interesse, referimos, em separado, alguns aspectos relativos à regulação do
ensino superior.
Regulação do ensino superior

A análise da evolução recente do sistema de ensino superior em Portugal anda associada


à publicação de legislação diversa, relacionada com os estatutos, autonomia, financiamento e
avaliação deste sistema. Entre esta, conta-se a que diz respeito ao desenvolvimento e qualidade,
com particular incidência na regulação externa através da avaliação e da inspecção. Note-se que
as exigências actuais da nossa sociedade e do Estado vão no sentido de uma maior exigência
e qualidade da administração pública e do desenvolvimento de actividades de regulação interna
(controlo interno ou autocontrolo), apoiadas por mecanismos de controlo externo, desenvolvidos
por entidades independentes.
Embora de forma complementar, as práticas seguidas pela administração pública, relativas à
verificação do desempenho e ao cumprimento legal dos procedimentos, devem ser consideradas
como instrumentos de apoio à gestão da coisa pública e, por isso, consideradas como
instrumentos relevantes de apoio à decisão política. Contudo, tendo em conta algumas
práticas da administração pública, o controlo externo é tido, geralmente, como demasiado
desincentivador da gestão. E, na situação presente, colide até, em diversos aspectos, com o
espírito das instituições de ensino superior, que reclamam a sua função como promotoras da
inovação e da modernização, e da própria sociedade.
Embora prosseguindo métodos distintos, o conhecimento aprofundado da organização
e do funcionamento dos serviços públicos é, hoje, objecto de diversas intervenções, que
assentam no desenvolvimento de mecanismos internos de controlo interno (particularmente
no domínio da avaliação interna) e, sobretudo, em acções de controlo externo. Neste caso,
regista-se a importância das acções de auditoria – como indutoras do processo de melhoria de
funcionamento interno das organizações –, bem como as intervenções de carácter inspectivo,
baseadas na apreciação do cumprimento estrito da lei. Estes procedimentos enquadram-se,
globalmente, em actividades de regulação pública, ou seja, desenvolvida directamente pelo
Estado ou por outras entidades de natureza pública.
Importa referir que a regulação do ensino superior corresponde ao conjunto de normas e
de regras que estabelecem a organização, funcionamento e o cumprimento das actividades
desenvolvidas pelas instituições que integram este sistema. Assim, a regulação compreende não
só a preparação e aprovação das normas, mas também a sua implementação e a verificação
do cumprimento das regras, determinadas pela administração pública.
No nosso caso, o “Regime jurídico do desenvolvimento e qualidade do ensino superior”
(Lei nº 1/2003) estabelecia no Capítulo V, referente à “Garantia de qualidade do ensino superior”,
serem atribuições do Estado nesta matéria (artº 33º – 2):
288 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

“a) Assegurar que as instituições prestem informação sobre os indicadores de qualidade


dos estabelecimentos de ensino e cursos e publicitá-la;
b) Assegurar a existência de um sistema de avaliação e acompanhamento das instituições
de ensino superior;
c) Criar um sistema de fiscalização, assente na Inspecção-Geral da Ciência e do Ensino
Superior, independentemente do sistema de avaliação”.

De acordo com a citada Lei (artº 39), à Inspecção-Geral compete-lhe “fiscalizar o ensino
superior e o cumprimento da legislação em vigor”.
Como assinala Afonso (CNE, 2002, p. 97), a responsabilidade da verificação da conformidade
legal é uma função primordial da inspecção na lógica da “burocracia weberiana”, constando,
portanto, da verificação do “cumprimento dos normativos e o respeito pelas formalidades”.
Entendemos, porém, não ser a única, uma vez que os serviços de inspecção não podem deixar
de ter presente os conceitos da Nova Gestão Pública ((New
New Public Management
Management), ), bem como a
sua adequada aplicação à modernização do Estado e às reformas da administração pública.
Nesta perspectiva, importa melhorar a “morfologia” e o funcionamento dos serviços de
interesse público, de modo a garantir a sua melhor prestação e de proteger e garantir os direitos
de cidadania da população portuguesa. Por isso, a implementação de estratégias conducentes
à reforma e à modernização do Estado exige a adopção de alternativas à actual prestação
dos serviços públicos, sugerindo não só a melhoria do seu funcionamento, mas também o
aproveitamento adequado dos recursos materiais, humanos e financeiros ora disponíveis.
É neste contexto que se inserem as actividades relacionadas com a inovação e a mudança,
onde a avaliação das políticas públicas desempenha um papel fundamental.
Tendo presente a evolução da sociedade de informação em que vivemos e os desafios que
esta encerra no âmbito dos modelos de intervenção pública e da sua ligação aos cidadãos,
parece-nos relevante defender a complementaridade de acções em matéria de avaliação das
políticas públicas. Por isso, achamos oportuno recordar a proposta de Ferrão (1996, p. 45),
relativa à avaliação comunitária de programas regionais, avaliação esta que, sendo comum aos
trabalhos no âmbito das ciências sociais, é exercida em três níveis distintos:
· “ex-ante, que opera na fase de formulação dos objectivos de política e da configuração
dos programas de actuação, um nível que se socorre essencialmente de critérios avaliativos,
como a coerência, a pertinência e a adicionalidade;
· on-going, que opera na fase de desenvolvimento/execução dos programas, muito centrada
no sistema de acompanhamento e gestão, e que lança mão de critérios avaliativos do tipo
eficiência e conformidade;
· ex-post, que opera na fase de confronto com resultados/realização efectivos e, sobretudo,
com a produção de efeitos, a qual valoriza critérios avaliativos, como a eficácia, a
eficiência e a adesão”.

A referência a estes níveis de avaliação (geralmente utilizados em trabalhos no domínio


das ciências sociais) – entendida como um processo amplo, pressupondo “procedimentos de
interacção mais ou menos longos e administrativamente institucionalizados” (Op. cit., p. 31) –
Jorge Carvalho Arroteia 289

reforça o sentido “instrumental”, “estratégico” e “substantivo” da “avaliação total”, reguladora


do sistema de ensino superior.
É certo que, nestas acções de regulação, a avaliação e a inspecção, embora de forma
distinta – como se deduz das modalidades de avaliação ex-ante, on-going e ex-post acima
referidas – têm de articular entre si os procedimentos, de modo a reforçarem as suas funções de
fiscalização e de acompanhamento do sistema. Mais ainda, como aponta Ferrão (Op. cit., p. 40),
torna-se necessário ”transformar a avaliação em processos mobilizadores e de aprendizagem
colectiva, superando as visões que a reduzem a um conjunto de procedimentos técnicos e
burocráticos de fiscalização”.
É este o desafio que se coloca aos serviços de inspecção no âmbito dos sistemas de
ensino superior científico e tecnológico nacional. Um desafio que emerge da necessidade de
dar resposta ao Governo e à opinião pública relativamente ao funcionamento do sistema das
instituições de ensino superior; às actividades desenvolvidas pelos parceiros do sistema; aos
investimentos realizados, bem como aos resultados alcançados. Uma actuação que aponte para
o reforço da sua intervenção no domínio das auditorias de gestão, que promova a qualidade
e o desempenho das instituições de ensino superior – ao nível da eficiência, da eficácia e dos
resultados – e que facilite a participação e a aproximação aos cidadãos. Esta cooperação passa,
ainda, pela colaboração estreita com outros serviços públicos, nomeadamente com os que
têm a seu cargo o registo de indicadores de funcionamento do ensino superior, a acreditação
e a avaliação.
No âmbito do sistema de ensino superior, recordamos a legislação, em tempo publicada,
que consagra a existência dos mecanismos de regulação:
· Lei nº 38/94, de 21 de Novembro, estabelece as bases do sistema de avaliação e
acompanhamento das instituições de ensino superior;
· Decreto-Lei nº 205/98, de 11 de Julho, cria o Conselho Nacional de Avaliação do Ensino
Superior;
· Decreto-Lei nº 205/2002, cria a Inspecção-Geral da Ciência e do Ensino Superior;
· Lei nº 1/2003, de 6 de Janeiro, aprova o Regime Jurídico do Desenvolvimento e da
Qualidade do Ensino Superior;
· Decreto-Lei nº 149/2003, de 11 de Julho, aprova a orgânica da Inspecção-Geral da
Ciência e do Ensino Superior.

Ao estabelecer as normas de regulação dessas instituições, o Estado pretendeu assegurar


o seu bom funcionamento e desempenho, incentivando a qualidade e defendendo os direitos
elementares de cidadania da sua população. Definiu, ainda, as regras a cumprir, de modo a
garantir a sobrevivência das instituições em benefício da comunidade científica e da própria
sociedade portuguesa.
Importa assinalar que a regulação, permitindo a reprodução de uma determinada entidade
em condições de equilíbrio, principalmente sob a forma de contratos (FÉRREOL, 1995, p. 228),
não está isenta de conflitos. Assim acontece em qualquer processo de “regulação social”,
em que as normas estabelecidas (e os resultados do desempenho) nem sempre geram um
“julgamento unânime” da parte dos indivíduos e das instituições, particularmente das instituições
de ensino superior. A este respeito, recordamos que a missão do ensino superior ”não se
290 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

esgota no imediatismo dos resultados de curto prazo, sendo necessária prudência na análise
dos indicadores de desempenho, por forma a não pôr em causa o ambiente adequado à
reflexão, à aprendizagem e à criação” (SIMÃO, 2003, p. 32), pelo que a inovação e a mudança,
a operarem-se, são merecedoras de algum tempo de reflexão.
Pensamos oportuno referir, a este respeito, dois dos mecanismos de regulação deste
subsistema, pela mão da avaliação e pela mão da inspecção.

Regulação pela mão da avaliação


A expansão registada pelo sistema do ensino superior, universitário e politécnico, no decurso
das duas últimas décadas, expressa na evolução da sua população docente e discente, no
alargamento da rede, na diversificação dos cursos e, naturalmente, no empolamento dos
orçamentos relativos ao funcionamento das instituições públicas e privadas, justifica a atenção
que, hoje em dia, o poder político e a própria sociedade conferem a este subsistema de
ensino. Justifica-se, ainda, este facto pelas alterações registadas nos sistemas produtivos e
de emprego, conduzindo a situações de emprego desqualificado e de desemprego nos jovens
diplomados, o que faz agravar muitas das observações críticas e expectativas goradas que se
colocam ao funcionamento e à organização deste subsistema de ensino.
Referidos na LBSE os princípios orientadores do ensino superior universitário e politécnico,
o funcionamento das escolas e a actuação do seu corpo docente são regulamentados por
diversos documentos legais. Destes, destacamos os que acentuam as questões relacionadas
com a democratização do ensino superior, das suas relações com a sociedade e da autonomia
das instituições de natureza universitária e politécnica. A estas preocupações têm-se vindo a
juntar outras mais recentes, relacionadas com a natureza e a qualidade do ensino, a natureza
da investigação e a internacionalização do ensino e da investigação.
Englobando aspectos distintos, ao ensino superior universitário são atribuídas, por lei,
responsabilidades diferentes das do ensino superior politécnico, razão pela qual o processo de
avaliação em curso, embora baseado em princípios comuns, tem vindo a contemplar algumas
nuances assentes na diversidade, na organização deste subsistema e no seu funcionamento.
Contudo, como nota Costa (2003, p. 110), o interesse pelo papel da “avaliação” “só pode ser
interpretado como uma mensagem clara de que, a um tempo de crescimento anárquico do
sistema de ensino superior (…), se vai seguir um outro em que a lógica será a de uma regulação
consistente”. Mais ainda, “que o desequilíbrio do binómio ‘quantidade versus qualidade’, até
agora em favor do primeiro, vai ser decididamente invertido”.

Regulação pela mão da inspecção


A criação da Inspecção-Geral da Ciência e do Ensino Superior, serviço integrado na
administração directa do Estado, sob tutela do então Ministério da Ciência e do Ensino Superior
(em 2002), coincide, temporalmente, com a evolução da sociedade portuguesa, dominada pela
procura crescente da educação terciária, pelo incremento da formação ao longo da vida e
pela consciencialização da necessidade de revisão das políticas educativas, relacionadas com
os modelos de formação, o desempenho e a avaliação das instituições de ensino superior.
Para além dos factores relacionados com os sectores do ensino e da investigação, juntam-se,
neste contexto, novos cenários societais, determinados pela globalização e internacionalização
Jorge Carvalho Arroteia 291

dos mercados; pelo progresso científico e inovação tecnológica; pelo acréscimo da mobilidade
de mão-de-obra e de capitais, conjuntamente com as exigências de competitividade, de
mobilização do capital humano e de adequação dos novos conhecimentos e competências da
educação terciária e do seu ajustamento aos sistemas de emprego. Tais circunstâncias obrigam
a acréscimos significativos do investimento na qualificação dos recursos humanos e à inovação
nas práticas de gestão pedagógica e científica das instituições do sistema de ensino superior.
Este é o cenário dominante no contexto europeu e internacional e que está na origem dos
esforços oficiais encetados, com vista à melhoria dos sistemas de ensino e de formação
superior,a fim de garantir o desenvolvimento sustentado das sociedades pós-industriais e o
desempenho eficaz das actividades económicas que as animam. Tendo presente esta realidade,
importa assinalar a importância do ensino superior, universitário e politécnico, na formação do
capital humano, em diversas áreas científicas, e nos processos de investigação e inovação,
indispensáveis ao desenvolvimento da nossa sociedade e à sua afirmação internacional.
Se atendermos à evolução recente do sistema educativo português, em particular ao
subsistema de ensino superior, verificamos que, decorrida a fase de expansão da rede de
estabelecimentos universitários e politécnicos – de natureza pública, concordatária, particular
e cooperativa – e da sua abertura a uma população cada vez mais diversificada nas suas
origens geográficas e sociais, este tem vindo a consolidar-se, permitindo o aprofundamento do
processo de democratização social e de participação cívica da nossa população.
Tendo em conta as diferenças socioculturais e as assimetrias espaciais que afectam a
igualdade dos cidadãos ao acesso aos benefícios da educação, da cultura e da ciência é
importante recordar que a democratização do ensino, da cultura e da ciência, tem de ser
acompanhada da melhoria dos indicadores de desempenho e de qualidade ao nível da
docência, da formação e da investigação, asseguradas pelas instituições de ensino superior.
Estes requisitos devem igualmente permitir uma melhor articulação entre os sistemas de
educação-formação-investigação e a sociedade, o seu reconhecimento cultural e científico,
a validação dos padrões de exigência, a valorização do mérito e a afirmação da função social
das instituições de índole superior.
Os aspectos acima referidos são indispensáveis à consolidação do sistema de educação
terciária e à nossa participação na construção do espaço europeu de ensino superior consubs-
tanciado no tratado de Bolonha. Contribuem, ainda, para o desenvolvimento da nossa sociedade
e para a criação de condições que garantam a melhoria dos níveis de instrução, de qualificação
profissional e de qualidade de vida dos portugueses. Sendo estas algumas das preocupações
evidenciadas pela comunidade académica e científica, importa reafirmar:
· a oportunidade das medidas de política educativa que garantam a aposta na qualidade
do ensino e da investigação e o reforço das sinergias entre ambos;
· que promovam a igualdade de oportunidades no acesso aos bens culturais e científicos;
· que fomentem o desenvolvimento de projectos e de programas de natureza científica
e tecnológica;
· que garantam o aumento da produtividade e da utilidade pública dos sistemas de ensino
superior e de investigação científica e tecnológica, sobretudo através da introdução de
práticas de gestão eficientes, da internacionalização da sua actividade e da avaliação
adequada dos seus resultados.
292 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Por isso, importa:


· garantir, nesta missão, a liberdade entre o ensino superior, público e o não público
(assente em critérios idênticos de exigência e rigor de funcionamento);
· fomentar a cooperação entre si e a sua ligação ao mercado de trabalho.

Os objectivos anteriormente enunciados reforçam a necessidade de uma constante inovação


e o enfrentar de novos desafios com que se debatem os nossos sistemas de ensino e de
investigação:
· no seu desempenho nacional e internacional, no âmbito da formação do capital humano e da
aplicação da investigação na promoção do desenvolvimento humano, no progresso social,
cultural e económico da sociedade portuguesa, bem como na melhoria do bem-estar
da sua população;
· na promoção de uma utilização adequada dos recursos de investigação financiados
pelo Estado, no sentido de melhorar a capacidade de resposta das instituições de
ensino e de investigação às necessidades do desenvolvimento do país e aos desafios
da internacionalização;
· na prestação de um serviço público de âmbito nacional, capaz de congregar as sinergias
necessárias para a estabilidade social e política, institucional e intergeracional, dos actores
individuais e colectivos interessados na afirmação da educação terciária.

Estes são alguns dos aspectos considerados pela Inspecção-Geral da Ciência, Inovação e
do Ensino Superior, aquando da publicação do Decreto-Lei, nº 205/2002 (artº 10º), que referia:
“A Inspecção-Geral da Ciência e do Ensino Superior é um serviço dotado de autonomia
administrativa e técnica, com atribuições no âmbito da auditoria e do controlo do funcionamento
do sistema de ensino superior e do sistema científico e tecnológico, bem como dos restantes
serviços e organismos do MCES e de salvaguarda dos interesses dos utentes dos mesmos”.
A leitura desta legislação levou-nos a considerar que as atribuições deste serviço apontam,
fundamentalmente, para duas tarefas distintas: auditoria e controlo do funcionamento dos
sistemas de ensino superior, científico e tecnológico nacionais, tarefas a desempenhar com
outras instituições oficiais, nomeadamente com as entidades responsáveis pela avaliação deste
subsistema de ensino. Neste caso, e como aponta M. Santos (2003, p. 96): “o sistema de avaliação
deverá alimentar uma base de dados e indicadores, por forma a propiciar informação devidamente
validada e, consequentemente, com credibilidade, a todos os parceiros interessados”.
Note-se que as questões relacionadas com a regulação externa (inspecção e avaliação) são
indissociáveis da autonomia e do projecto das instituições de ensino superior. Este deve assentar
na identificação clara do “projecto” pedagógico, científico, cultural e de inserção na comunidade
(BROCH, CROS, 1992) e constituir-se como um aspecto fundamental a ter em conta por esta
nova inspecção. De facto, como nota Costa (2003, p. 105), “ao Estado incumbe (…) assegurar
que esses ‘projectos educativos próprios’ dispõem de qualidade justificativa da sua integração
na oferta disponível e, ainda, que são conformes à Constituição da República”.
Nestas circunstâncias, justifica-se que a liberdade de livre escolha por parte dos candidatos
ao ensino superior, entre estabelecimentos de ensino de natureza diferente, traduzida na
“liberdade de ensinar e aprender”, deve assentar em requisitos fundamentais de qualidade e de
Jorge Carvalho Arroteia 293

constitucionalidade, garantidos pelo Estado. Em complemento, referimos, mais uma vez, ser nosso
entendimento que a autonomia destas instituições – traduzida no seu “projecto educativo” –
deve ser tida em conta nas acções que incidam sobre estas instituições de ensino superior pelas
entidades com responsabilidade de auditoria e de controlo do seu funcionamento.
Relativamente ao ensino não público, a autonomia pedagógica, científica e cultural constitui
um dos aspectos do seu funcionamento, estabelecido nos estatutos das referidas instituições,
pelo que a realização de auditorias e de inspecções devem propiciar:
· uma reflexão sobre o seu desempenho e sobre a melhoria da qualidade do sistema;
· favorecer a troca de experiências em torno dos resultados da regulação no ensino superior;
· contribuir para o desenvolvimento de programas de qualidade no ensino superior,
particularmente no sistema não público.

Estas atribuições estão de acordo com o referido por alguns autores.


Citando P. Boumard ((in: ESTRELA, RODRIGUES, 1994, p. 53), “falar de auditoria é considerar
os estabelecimentos como sujeitos sociais coerentes, e é o eventual desvio entre esta coerência
vital e as modalidades efectivas de sua realização que constitui objecto de exame”. Importa,
por isso, que os mecanismos de auditoria e de controlo, interno e externo, permitam identificar
e acompanhar as situações normais e as que carecem de intervenção apropriada, permitindo
informar o decisor político e o público interessado sobre a natureza das anomalias e das
disfunções que afectam este ou aquela parte do sistema. Nestas circunstâncias, deve o
processo de fiscalização ser complementar da auditoria e do controlo interno e externo e
que, uma vez posto em prática, seja o garante da tomada das melhores decisões políticas,
relacionadas com o funcionamento e o desenvolvimento das nossas instituições de ensino e
de investigação.
Controlo interno, auditoria e fiscalização devem, portanto, ser entendidas como comple-
mentares entre si e fundamentais na procura de soluções adequadas que visem o melhor
funcionamento das instituições e o exercício das boas práticas de gestão correntes nos nossos
estabelecimentos de ensino. Deve esta “triangulação” assegurar o cumprimento da lei em vigor,
dos princípios de conformidade e a autonomia das instituições, de forma a:
· promover o seu envolvimento no processo de melhoria da qualidade;
· apreciar devidamente a pertinência dos projectos institucionais em que esteja envolvida
e a sua coerência contextual;
· exigir os melhores resultados do desempenho em termos de: eficácia (objectivos/
resultados) e de eficiência (recursos/resultados).

Os procedimentos acima referidos poderiam dar oportunidade ao desenvolvimento de


propostas inovadoras ao nível da administração pública, reiterando a confiança nos parceiros
sociais e nas entidades que compartilham com o Estado a responsabilidade da formação dos
recursos humanos, da inovação e da internacionalização destes sistemas sociais.
Destas propostas, destacamos a elaboração de “contratos de confiança”, baseados
na construção da “memória organizacional” (LOUCHE, 1994, p. 190) que deve animar
as instituições de ensino superior. Este tipo de contratos, reconhecedores da cultura
294 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

organizacional de cada uma das entidades, facilitaria a implementação de mecanismos de


avaliação interna das instituições e, por conseguinte, a função de uma Inspecção.
Utilizando a proposta de M. Santos (2003, p. 95), a incidência dos “contratos de confiança”
deveria passar “pelo acompanhamento e análise de procedimentos, com vista à sua adequação
e à prossecução dos objectivos estabelecidos, pelo levantamento de indicadores de input e
desempenho e pela reflexão sobre estes indicadores conducente a uma eventual (re)definição
de estratégias, planos e procedimentos”.
Este projecto não nos parece estar em desacordo com os princípios estabelecidos na Lei
nº 1/2003 (6JAN03) – “Regime Jurídico do Desenvolvimento e Qualidade do Ensino Superior”,
que atribuiu ao Estado (artº 33º-1) “uma função essencial na garantia da qualidade do
ensino superior, mas subsidiária da sociedade e das instituições”. Por esta via, cabe a esta
Inspecção-Geral a responsabilidade de fiscalização do sistema (artº 33-2.c).
Rendimento escolar

A permanência dos alunos no sistema educativo e as migrações internas que ocorrem


através da sua frequência em diversos ciclos de ensino são apreciadas através de um conjunto
de parâmetros de avaliação, que nos permitem identificar o rendimento escolar desta população.
Contudo, importa assinalar a existência de diferentes critérios que nos permitem conhecer os
aspectos relativos à vida escolar e às saídas dos alunos do sistema educativo.
De salientar que, apesar dos encargos acrescidos com o funcionamento dos sistemas
educativos e das políticas promotoras da democratização do ensino, apoiadas pelos organismos
internacionais, tais como a UNESCO, o fraco rendimento escolar é, ainda hoje, responsável pela
exclusão escolar e social de milhares de indivíduos que não conseguem cumprir a escolaridade
de base ou que, tendo-a frequentado, permanecem económica e culturalmente marginalizados
por via dos resultados escolares, das representações sociais que impendem sobre eles ou
pela ausência de programas de remediação eficazes, que permitam ultrapassar as barreiras,
nefastas, impostas pelas avaliações escolares.
Perante diversas propostas de análise do rendimento escolar, incluímos aqui as que se
referem a saídas antecipadas do sistema educativo

Abandono escolar
A saída prematura do sistema educativo, antes dos alunos completarem o ciclo de estudos
que iniciaram, é conhecida por abandono escolar. Este conceito aplica-se aos alunos que
frequentam o período de escolaridade obrigatória, ou seja, os que saem do sistema educativo
antes de completarem o 9º ano de escolaridade, e calculado em relação ao total da população
entre os 10 e os 15 anos de idade.
No caso de outras saídas que se verificam ao longo do ano ou no termo do ano escolar,
antes, durante, ou após a conclusão da escolaridade obrigatória, podem ser referidas: como
saídas antecipadas, no caso do cálculo incidir sobre a população entre os 18 e os 24 anos,
e saídas precoces, no caso dos alunos saírem da escola antes de completarem o ensino
secundário (12º ano), e tomando por base o mesmo grupo de cidadãos, dos 18 aos 24 anos
de idade (SILVA, 2006).
Trata-se de indicadores escolares de grande significado, qualitativo e quantitativo, uma vez
que expressam o fracasso escolar dos alunos, bem como a importância de factores internos
e externos no sistema, geradores de situações de exclusão social.
A extensão do abandono escolar revela aspectos relacionados com o desenvolvimento
pessoal dos alunos, nomeadamente os que se referem à inteligência, personalidade e atitudes,
296 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

que afectam, de forma distinta, o seu rendimento académico, assim como causas sociais,
relacionadas com a origem geográfica e social, o género, as acessibilidades, a tipologia da
escola, etc.. Por outro lado, põe em causa a organização e funcionamento dos sistemas de
ensino e de formação quando este abandono, geralmente precoce, é acompanhado por uma
entrada desqualificada no mercado de trabalho.
O incremento deste fenómeno em alguns contextos locais e regionais põe a descoberto
as diferentes condições sociais, económicas e culturais dominantes, geralmente externas
ao sistema educativo, mas também condições internas, relacionadas com a escola, que
condicionam a sua organização, funcionamento e o sucesso dos alunos.
A estas condições, responsáveis pela exclusão social da população escolar, devemos
associar factores internos ao sistema, relacionados com os planos curriculares, a gestão
pedagógica e administrativa da escola, o desempenho dos professores e outros condicionalismos
responsáveis pela redução da “esperança de vida escolar” de muitas populações escolares. Estas
circunstâncias determinam a oportunidade de diferentes medidas de natureza pedagógica,
organizacional e de acção social, que permitam a redução deste fenómeno, o qual pode ter,
como causas imediatas, elevados níveis de absentismo, indutores das saídas prematuras do
sistema de ensino.

Desperdício escolar
O desperdício é um conceito que tem em conta quer o rendimento efectivo dos alunos,
enquanto frequentam o sistema educativo, quer o não aproveitamento global das suas
possibilidades, essencialmente por razões de natureza pessoal ou institucional.
Poderemos, ainda, falar em desperdício, em sentido mais amplo, quando avaliamos os
resultados finais alcançados pela população escolar (ou apenas por algumas “cohortes” –
conjunto de indivíduos que vivem o mesmo fenómeno durante o mesmo período de tempo,
em geral o ano civil – ou estratos profissionais), em função dos objectivos, dos recursos e dos
meios que lhe são oferecidos, dificultando a aprendizagem ou o exercício da função docente.
Durante a vida escolar dos alunos, o desperdício escolar é um importante indicador de
eficácia interna do sistema e manifesta-se através das saídas precoces dos alunos do sistema
(abandono escolar), pela sua permanência além do período de escolaridade obrigatória
(repetência) ou, ainda, pelos resultados da aprendizagem (sucesso/insucesso escolar).
A manifestação deste fenómeno tem diversas consequências, quer para os alunos quer para
a sociedade. Em relação aos discentes, o desperdício reduz a eficiência educacional da escola,
e os alunos atingidos pelo insucesso podem manifestar formas de desajustamento social,
decorrentes da falta de confiança, dos sentimentos de inferioridade ou da falta de confiança
em si. Na sociedade, estes fenómenos traduzem-se num acréscimo significativo de encargos,
designadamente os que respeitam à realização de programas específicos, orientados para a
socialização, a capacitação profissional e a ocupação dos tempos de lazer desta população.
O conhecimento do desperdício escolar, referido pelas taxas de retenção (ou seja, de
alunos que permanecem num dos ciclos do ensino básico, em relação ao total de discentes que
iniciaram esse ciclo de estudos), de abandono e de promoção (ou passagem), é fundamental
para estabelecer o diagnóstico e conhecer a eficácia interna de um ciclo de estudos ou do
próprio sistema educativo.
Jorge Carvalho Arroteia 297

Resultados
O desenvolvimento dos sistemas educativos na actualidade e a abordagem que deles
fazemos com base na análise sistémica impõem que tenhamos em consideração o rendimento
e os resultados finais do processo educativo. Estes podem ser expressos de forma distinta,
consoante consideramos as aprendizagens dos alunos, traduzidas no sucesso académico dos
mesmos, no total de diplomados, na adaptação das aprendizagens ao mercado de trabalho, no
contributo dos investimentos em educação no processo de desenvolvimento social, económico
e cultural do país, etc.
Não podendo existir uniformidade de critérios em relação à importância de cada um
dos aspectos referidos, o produto resultante do processo educativo, traduzido em termos
quantitativos, qualitativos e no desenvolvimento humano da população escolar, cabe no
âmbito desta designação, cuja expressão estatística vem consubstanciada em diversos
tipos de indicadores: de frequência, de aproveitamento, de saída e de inserção profissional,
classificados, geralmente, por insucesso. Como nos recorda Martins (MARTINS, CABRITA,
1991, p. 10), “diz-se que qualquer entidade apresenta insucesso quando não consegue atingir
os objectivos propostos ou isso não acontece no tempo previsto”.
Em relação à população escolar, o referido autor (Loc. cit.) prossegue, afirmando que,
em relação ao insucesso escolar, “este é usualmente atribuído ao facto de os alunos não
atingirem as metas – fim de ciclos – dentro dos limites temporais estabelecidos, traduzindo-se
na prática pelas taxas de reprovação, repetência e abandono escolar”. Contudo, muitas outras
consequências das aprendizagens escolares não podem ser expressas quantitativamente,
mas podem ser aproveitadas em processo de certificação de competências, individuais e
profissionais, permitindo, assim, uma melhor integração social e laboral do indivíduo.
Tomando por base um estudo internacional desenvolvido pela OCDE sobre “Schools and
quality. A International report”, do qual utilizámos a tradução em língua espanhola (PAIDÓS/
MEC, 1991, p. 184), transcrevemos as dez características referidas pelas escolas que então
foram consideradas como desempenhando um papel decisivo na determinação dos resultados
escolares dos alunos:
“1. Um compromisso com normas e metas clara e previamente definidas.
2. Planificação em colaboração, co-participação na tomada de decisões e trabalho colectivo
em tarefas de experimentação e de avaliação.
3. Direcção favorável ao início e manutenção da melhoria.
4. Estabilidade de pessoal.
5. Estratégia para a continuidade do desenvolvimento do pessoal relacionado com as
necessidades pedagógicas e de organização de cada escola.
6. Elaboração de um currículo cuidadosamente planeado e coordenado que assegure um
papel relevante para cada aluno adquirir o conhecimento e as destrezas essenciais.
7. Um elevado nível de implicação e apoio dos pais.
8. Procura e reconhecimento dos valores próprios de cada escola.
9. Máximo emprego do tempo de aprendizagem.
10. Apoio activo e substancial da autoridade educativa responsável”.
298 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Outros aspectos podem ser considerados. Assim, num texto publicado por Nóvoa (1992,
p. 77-98), de T. Good e R. Weistein, sobre “As escolas marcam a diferença: evidências, críticas
e novas perspectivas”, estes autores chamam a atenção para as limitações quanto ao modo
de encarar os resultados escolares dos alunos, considerando, para o efeito, a estabilidade dos
resultados escolares, a validade e a multiplicidade de critérios e o facto dos resultados médios
dos alunos poderem ser enganadores.

Sucesso escolar
O sucesso escolar expressa os resultados finais de funcionamento do sistema educativo
no seu todo, por subsistemas, níveis e estabelecimentos de ensino. A nível pessoal, traduz o
aproveitamento escolar dos alunos, individualmente, por turma e por curso.
A este respeito, recordamos que a transmissão e avaliação de conhecimentos constituem
uma das tarefas essenciais da escola, sendo certo que a esta não cabe o domínio absoluto
na transmissão e na construção dos saberes, exigindo a participação de outros meios e
agentes que favoreçam a aquisição de um conjunto de normas de actuação e de regras de
convivência que favoreçam a integração social do indivíduo. Estas tarefas assentam num
processo complexo de socialização, que pressupõe uma aprendizagem social, a qual, segundo
Cabanas (1984, p. 145), abarca três aspectos distintos: psicológico, cultural e social:
· o primeiro pressupõe “um desenvolvimento das estruturas psíquicas do indivíduo de tal
forma que este não perca a sua identidade nem autonomia individual”;
· o segundo, “os conteúdos e traços culturais específicos de uma sociedade e cultura
determinadas”;
· o terceiro, uma vasta aprendizagem social – “educação social” –, que abarca a formação
de uma “consciência social”, a elaboração de uma “postura social” e, finalmente, uma
participação activa – “acção social”.

Como nos recorda Martins (MARTINS, CABRITA, 1991, p. 13-19), diversas causas podem
estar associadas ao sucesso dos alunos, tais como as condições económicas e culturais da família
de origem dos alunos; as condições socioculturais e escolares, associadas “à forma como está
organizada a escola, sobretudo os currículos académicos” e causas escolares, relacionadas com
o sistema de ensino, e que Martins (Op. cit., p. 15-16) considera responsáveis pelo “insucesso
estrutural” que o afecta, relacionadas com o “tipo de articulação escola-alunos, caracterizada por
um poder arbitrário da escola que na senda da unificação formal não contempla as desigualdades
socioculturais das diferentes populações escolares que a frequentam”.
A avaliação das aprendizagens dos alunos, dos conhecimentos adquiridos e da sua
integração na sociedade permite identificar, no seu conjunto, o sucesso da população escolar,
a qual não é indissociável do desempenho e do sucesso do sistema educativo que os acolhe,
revelando, na prática, a necessidade de profundas alterações no modo de funcionamento da
organização escolar e na edificação do sistema educativo. De facto, como assinala Martins
(Op. cit., p. 24) no estudo sobre o insucesso escolar, “qualquer política de fundo sobre a escola
terá de prever novos conteúdos curriculares, novas formas de orientação e funcionamento,
novos métodos de avaliação e onde as desigualdades económicas e culturais dos alunos sejam
claramente contempladas”.
Sistema

Tendo presente que a sociedade é “concebida como um sistema ou um todo integrado”


(FERNANDES, 1983, p. 31) e que, assim, “qualquer mudança de um elemento tende a
provocar um processo de redefinição dos restantes elementos de forma a conseguir-se de
novo o equilíbrio do sistema”, fácil é entender como as decisões e as práticas no âmbito do
sistema educativo são indissociáveis das tomadas de decisão relativas aos outros sistemas
sociais. Esta referência tem subjacente a noção de “sistema”, entendido como o conjunto de
elementos que se articulam entre si, de modo a constituírem um todo organizado, tal como
nos foi definido por L. von Bertalanfy ((in: CHIAVENATO, 1987. II, p. 350), para quem o mesmo
é o “conjunto de unidades reciprocamente relacionadas”, que referem diversas propriedades,
entre as quais se destacam:
· o objectivo,
· o globalismo, ou totalidade,
· a entropia,
· a homeostasia.

A primeira destas noções reforça o sentido comum ou propósitos da unidade na prossecução


de fins colectivos; a segunda aponta para a interligação das partes, dos elementos, das
unidades orgânicas deste conjunto; a terceira recorda “a tendência que os sistemas têm para
o desgaste”; e a última sublinha o equilíbrio das partes nas suas relações internas, entre si, e
externas, com o meio ambiente.
A junção destas duas propriedades reforça o sentido que Birou (1978, p. 374) atribuiu à
noção de “sistema”, entendido como uma “combinação de partes de um conjunto, articuladas
de modo a constituírem um todo ou a contribuírem para um resultado comum”. E os resultados
dessa acção podem ser apreciados pela natureza dos “produtos”, revelados pela natureza e
adequação das formações e dos recursos humanos que o sistema escolar lança, cada ano,
no mercado de emprego. Será lógico esperar que os outputs resultantes da “laboração” do
sistema escolar estejam intimamente ligados às condições de funcionamento da(s) complexa(s)
unidade(s) que integra(m) a(s) unidade(s) central(ais) de processamento e, acima de tudo, dos
inputs que alimentam anualmente esta unidade, nas suas relações com a sociedade.
Os sistemas sociais podem ser encarados como:
· sistemas abertos (caso do sistema educativo);
· sistemas fechados, em que o seu funcionamento não sofre influência do exterior.
300 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

A este respeito, recordam-nos Colom e Dominguez (1997, p. 7) que “todo o sistema de


educação se desenvolve de acordo com as necessidades sociais próprias do momento
histórico durante o qual surge para dar resposta adequada às preocupações, problemáticas
e perspectivas que se sentem na sociedade”. Nesta perspectiva, as decisões de política
educativa, ora entendida como “intervenção deliberada do Estado no domínio da Educação”,
referem sempre uma “acentuada componente prospectiva e de mudança. No fundo, pretende
com as acções de hoje instaurar novos modelos de convivência, amanhã” (Loc. cit.). Esta é
uma das razões por que, quando se desenvolvem acções no âmbito do sistema educativo, se
devem ter presentes alguns dos pressupostos teóricos que suportam a análise prospectiva,
sobretudo no domínio da construção de projectos de sociedade ou de iniciativas concretas,
diferentes das actuais.

Sistema de ensino
A designação de sistema de ensino antecede a de “sistema educativo”, tal como é definido
na LBSE (artº 1). Anteriormente à publicação da Lei de Bases, entendia-se que este sistema
integrava todas as estruturas dependentes do Ministério da Educação, desde a educação
pré-escolar ao ensino básico, secundário e superior, o ensino artístico, a educação especial e a
educação de adultos. Um “sistema formalmente alargado”, estendendo-se “desde a educação
pré-escolar ao ensino pós-graduação, ainda que a sua expressão prática não corresponda
inteiramente a essa dimensão” (COSTA, 1981, p. 73).
Com a publicação da LBSE e a clarificação da organização do sistema educativo, nomea-
damente da educação extra-escolar, considera-se que o desenvolvimento das diferentes acções
e iniciativas de natureza educativa – respeitantes com a educação formal e com a educação não
formal – podem caber a diferentes entidades oficias e não oficiais, relacionadas com formação
pessoal e profissional. Aqui se incluem, também, diversas actividades relacionadas com a
educação paralela (designação genérica que abarca o conjunto de conhecimentos adquiridos
fora do sistema formal de ensino, (através da imprensa, da rádio, da banda desenhada, do
cinema, da televisão, da internet, etc.), em espaços educativos e de formação.
Citam-se as associações culturais e outras, os clubes, as academias e outras entidades
capazes de disponibilizarem espaços de formação, orientados para a população jovem, para
a população adulta ou já para a população sénior. No seu conjunto, estas podem oferecer
cursos de diferente natureza, vocacionados para a aprendizagem de determinadas matérias
e para o aprofundamento dos aspectos relacionados com a socialização em grupo, com o
desenvolvimento pessoal ou mesmo com actividades de índole profissional, não reconhecidas
oficialmente pelo seus diplomas, mas com inegável valor formativo.
À semelhança de outros sistemas, consideramos estes espaços educativos como fazendo
parte do sistema de ensino e desempenhando uma função alargada no domínio da formação,
da ocupação dos tempos livres e do desporto escolar.
A este respeito, importa assinalar que a LBSE (artº 48) consagra o desenvolvimento
de actividades de “complemento curricular” que devem contribuir para o “enriquecimento
cultural e cívico”, para a “educação artística e inserção dos educandos na comunidade”.
Daí que possamos considerar o conjunto destas entidades e das actividades programadas com
fins educacionais, tais como os programas de ocupação de tempos de lazer, de actividades
Jorge Carvalho Arroteia 301

artísticas, recreativas e desportivas, como fazendo parte de um sistema alargado, reconhecido


pela especificidade dos ensinamentos que ministra, das aprendizagens que faculta, das
competências que desenvolve, em articulação ou de forma complementar ao sistema escolar
e educativo.
Sistema educativo português

Por sistema educativo pode entender-se o conjunto de estruturas, de meios e de recursos


que, de forma organizada e articulada, cumprem as funções da educação, em particular da
educação formal. Neste contexto, importa atender à sua organização administrativa, às
estruturas pedagógicas, aos conteúdos da educação, às orientações e métodos pedagógicos,
à população escolar (docente e discente) e às medidas de acção governativa que o regem,
como aspectos relevantes que permitem a sua identificação e diferenciação dos demais.
Não sendo de todo necessário recordar, salientamos que o nosso sistema educativo
“é o conjunto de meios pelo qual se concretiza o direito à educação, que se exprime pela
garantia de uma permanente acção formativa orientada para favorecer o desenvolvimento
global da personalidade, o progresso social e a democratização da sociedade” (artº 1 – LBSE).
Enquanto subsistema social, o sistema educativo rege-se por um conjunto de preceitos
organizativos que assentam em princípios consignados na Constituição da República, tais
como: “todos os portugueses têm o direito à educação e à cultura”. Por isso, o nosso sistema
educativo é solicitado a desempenhar um conjunto de funções, a saber:
· assegurar a transmissão de conhecimentos, de experiências e de informações que
permitam a formação cultural e cívica dos alunos, bem como a sua formação cívica
e artística;
· assumir, conjuntamente com a família e os meios de comunicação social, a acção como
agente de socialização, auxiliar dos demais e promotor do desenvolvimento social e
humano dos alunos;
· desempenhar uma acção institucional específica no âmbito da educação pré-escolar e
dos ensinos básico, secundário, profissional, artístico, superior e outros, que responda
às necessidades, aspirações e expectativas da sociedade.

No seu conjunto, o resultado destas atribuições é condicionado pelas orientações políticas dos
seus responsáveis, pelos meios afectos ao seu funcionamento, pela formação e participação dos
seus “actores”, pelo desenvolvimento de parcerias e pelo contributo de outros agentes externos.
De acordo com a LBSE (artº 54), “é reconhecido pelo Estado o valor do ensino particular
e cooperativo”, podendo os estabelecimentos desta natureza “que se enquadrem nos seus
princípios gerais, finalidades, estruturas e objectivos do sistema educativo serem considerados
parte integrante da rede escolar” (artº 55 da LBSE).
De acordo com Serrão (1981, p. 17), “ao olhar do aprendiz de historiador, dado sistema
de ensino, estruturado no tempo e no espaço, mergulha sempre as suas raízes em realidades
304 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

mais fundas e englobantes que nem sempre são imediatamente acessíveis (…)”. Tal facto
obriga a uma análise detalhada da evolução do sistema de ensino na sua relação com a
estrutura social e as ideologias dominantes. Da mesma forma, obriga a uma apreciação da
natureza e consistência das políticas educativas seguidas, da visão estratégica e do projecto
dos seus responsáveis, do empenho dos seus actores e, acima de tudo, do desperdício que
tem caracterizado o funcionamento deste subsistema social.
Estes aspectos não escondem os desafios que se colocam à própria instituição escolar,
exigindo um grande envolvimento e participação de todos os seus utentes e responsáveis na
prossecução dos objectivos acima referidos. Recordamos que tal postura exige, sobremaneira, a
aceitação desta realidade social, que são os sistemas educativos, como um conjunto de unidades
formando um todo organizado, e de elementos interdependentes, de modo a promoverem um
melhor resultado final (output)
output) do que se estas partes funcionassem isoladamente.
output
Naturalmente que, sendo a escola um elemento vital deste universo, é de esperar que, à
semelhança da célula viva, ela própria mantenha, no seu quotidiano, as mesmas características
e exigências que permitem identificar aquele todo. Melhor dizendo: sendo a escola uma unidade
complexa que alberga uma população diferenciada, “vinculada pela aceitação de certas normas
e do desenvolvimento de projectos comuns centrados nas actividades escolares” (ARROTEIA,
1993, p. 31), deve referir as características que marcam o seu meio e apresentar traços
idênticos aos que identificam as demais organizações sociais.
Neste caso, como “organização social” que é, organizada, sobretudo, para a aprendizagem,
mas sem perder o seu pendor burocrático e administrativo, a escola deve prosseguir um
conjunto de objectivos, pedagógicos, administrativos/organizacionais e institucionais, e ser
dotada de estrutura formal, imposta pela administração, e espontânea, construída pelos
elementos que a integram. Estas propriedades devem garantir:
· a “divisão do trabalho social”, consubstanciada na partilha das diversas tarefas e no
assumir de diferentes papéis;
· a divisão de autoridade e a existência de um sistema de comunicações entre os seus
membros;
· a existência de critérios objectivos de avaliação e de controle, traduzida numa “supervisão
hierárquica” que abranja as tomadas de decisão dentro da organização.

Recordam-se que os objectivos anteriores dizem respeito:


· os de natureza pedagógica, à realização das actividades educativas e de aprendizagem,
em situação escolar formal e não formal;
· os de natureza administrativa/organizacional, às funções e tarefas que tornam possível
a subsistência da organização escolar;
· os de natureza institucional, à articulação das escolas com as entidades do meio em que
ela se insere.

Para completar esta apreciação, recordam-se alguns dos objectivos principais a prosseguir
pelas organizações escolares (SERGIOVANI, 1978, p. 32):
· “servir a sociedade e (…) buscar a sua aprovação”,
Jorge Carvalho Arroteia 305

· “servir a si mesma, através da integração e da manutenção”. A estes requisitos poderíamos


ainda acrescentar:
· o sucesso escolar, garantido sobretudo pela qualidade das aprendizagens;
· a eficiência, traduzida, fundamentalmente, na relação custos da educação/sucesso
escolar dos alunos;
· a satisfação profissional da sua população, manifestada na segurança que sentem em
relação ao seu trabalho e estima, na autonomia e na capacidade da sua auto-realização.

Note-se que parte destes atributos estão intimamente relacionados com as características
e o estilo dos docentes, com o seu desempenho profissional, com a diversidade e a natureza
dos alunos, com a progressão dos conhecimentos e aprendizagens desta população, da sua
fase de crescimento e, sobretudo, da própria organização da escola.
Recordamos, no entanto, que, à medida que as organizações sociais vão evoluindo e
aumentando nas suas dimensões, tornam-se mais maduras e complexas, passando, frequen-
temente, por diversas crises e convulsões. De certa forma, as crises de “liderança”, de “autonomia”,
de “controlo” e outras parecem acompanhar as diversas etapas de vida das organizações sociais
onde as escolas se inserem.
Vejamos outros aspectos, agora relativos à “territorialização” da política educativa, tal como nos
é referida na LBSE. Em primeiro lugar, convirá notar que o sistema educativo português tem por
“âmbito geográfico a totalidade do território português – continente e regiões autónomas”. Trata-se
de uma configuração que realça a existência de um “estado unitário”, onde persistem, a par das
estruturas administrativas de âmbito nacional, as de nível regional autónomo, regional e local.
Por outro lado, a coordenação política “incumbe a um ministério especialmente vocacionado
para o efeito” (artº 1), no caso vertente o Ministério da Educação, que, através das suas
estruturas, ilustra diferentes níveis de organização educacional:
· o primeiro nível, ou institucional, aparece-nos como responsável pela formulação das
políticas educativas, pela definição do projecto educativo nacional e das suas finalidades,
pela regulamentação genérica do sistema e pela representação global que cabe ao nível
mais elevado da hierarquia do Ministério da Educação, representado pelo Ministro e pelos
seus Secretários de Estado;
· ao segundo nível, intermédio, cabem as acções de planeamento e coordenação de
programas e estruturas administrativas e pedagógicas, relacionadas com a instrução, a
socialização e a estimulação, propriedades que podem ser desempenhadas quer pelos
diversos serviços centrais do ME, quer pelos serviços regionais;
· o terceiro nível, operacional, caracteriza-se pelo desempenho das funções de planeamento,
execução e de controle da actividade educativa. Estando sobretudo representado pela
escola, a esta cabe desenvolver um esforço notável de interligação com a comunidade
local e incentivar a participação dos alunos e professores, das famílias e das autarquias,
das entidades representativas das actividades sociais, culturais, recreativas e das
instituições de carácter científico.

Não será difícil aceitar que o desempenho destas acções depende de um conjunto de factores,
de natureza pessoal (relativos à população docente e discente), de natureza material (relacionados
306 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

com as características das infra-estruturas que servem a escola), e relacionais, dependentes


do tipo de relações, horizontais e verticais, estabelecidas entre aquela população.
Estas considerações lembram-nos os diferentes aspectos que caracterizam as estruturas
organizativas de “tipo horizontal”, a saber.
· pressupõem a distribuição de funções entre os diferentes componentes de uma
organização, baseando-se no princípio da divisão do trabalho;
· permitem um maior grau de especialização dos membros da organização, a título
individual e colectivo;
· implicam a dedicação de cada um dos membros da organização a um trabalho concreto,
bem como a constituição de orgãos que assumam a realização colegial de funções.

Pelo contrário, as estruturas organizativas de “tipo vertical” identificam-se:


· pela fixação de níveis de responsabilidade devidamente hierarquizados;
· pela definição clara de conceitos de responsabilidade, autoridade e delegação;
· pela existência de níveis hierárquicos distintos;
· pela definição clara das competências através de organogramas.

Se aplicada à gestão dos estabelecimentos de ensino (DACAL, 1986), a organização


“horizontal” adopta como solução prática a distribuição de funções entre diversos órgãos e
pessoas; a “vertical” assenta no princípio da distribuição do poder por níveis diferenciados e
por critérios de autoridade e responsabilidade.
Tendo presente a realidade portuguesa, verificamos que a LBSE, no seu artº 44, discrimina
os níveis de administração e as funções que cabem à administração central e à administração
regional. À primeira compete, nomeadamente:
· “concepção, planeamento e definição normativa do sistema educativo, com vista a
assegurar o seu sentido de unidade e de adequação aos objectivos de âmbito nacional;
· coordenação global e avaliação da execução das medidas da política educativa (…);
· inspecção e tutela, (…) com vista, designadamente, a garantir a necessária qualidade
do ensino;
· definição dos critérios gerais de implantação da rede escolar, da tipolgia das escolas
e seu apetrechamento, bem como das normas pedagógicas a que deve obedecer a
construção dos edifícios escolares;
· garantia da qualidade pedagógica e técnica dos vários meios didácticos, incluindo os
manuais escolares”.

Por sua vez, à administração regional cabe “integrar, coordenar e acompanhar” toda a
actividade educativa. Para o efeito, as Direcções Regionais de Educação, enquanto organismos
desconcentrados do Ministério da Educação, gozam de alguma autonomia relativamente a
aspectos específicos da sua actuação. Já em relação aos princípios gerais que orientam a
administração do sistema educativo, o artº 43 da referida Lei afirma que “a administração e
gestão do sistema educativo devem assegurar o pleno respeito pelas regras de democraticidade
e de participação que visem a consecução de objectivos pedagógicos e educativos,
nomeadamente no domínio da formação social e cívica”.
Jorge Carvalho Arroteia 307

O sistema educativo português compreende, a par do ensino público, funcionando


“na directa dependência da administração central, das regiões autónomas ou das autarquias”
(GIASE/ME, 2006, p. 18), o ensino privado, “sob iniciativa e responsabilidade de gestão
de entidade privada com tutela pedagógica, científica e técnica” (Loc. cit.). Assim, a LBSE
(artº 54) reconhece o valor do “ensino particular e cooperativo como uma expressão concreta
da liberdade de aprender e ensinar e do direito da família a orientar a educação dos filhos”.
No seu conjunto, “os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo que se enquadrem
nos princípios gerais, finalidades, estruturas e objectivos do sistema educativo são considerados
parte integrante da rede escolar” (artº 55 da LBSE), ficando, por isso, sujeitos à acção de
coordenação exercida pelo ministério da tutela.

Subsistemas
Embora considerado no seu todo, o sistema educativo português organiza-se em diversos
subsistemas, cada um dos quais com objectivos, organização e actividades diferenciadas.
De acordo com a LBSE, este integra, para além da educação pré-escolar, três outros subsistemas
fundamentais: o ensino básico, o ensino secundário e o ensino superior.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28

PT 1º Ciclo 2º Ciclo 3º Ciclo


Curs. Científico-
Jardim de Infância Ensino Básico -Humanísticos Ensino Universitário

Ensino Politécnico

Cursos Tecnológicos
Cursos Artísticos Especializados Cursos de Especialização Tecnológica
Cursos Profissionais

Educação pré-escolar – CITE 0 Secundário inferior geral – CITE 2 Ensino superior


(sem ser da responsabilidade do Min. Educação) (incluindo o pré-profissional) – CITE 5A

Educação pré-escolar – CITE 0 Secundário inferior profissional – CITE 2 Ensino superior


(da responsabilidade do Min. Educação) – CITE 5B
Secundário superior geral – CITE 3
Primário – CITE 1
Secundário superior profissional – CITE 3 Escolaridade obrigatória
a tempo inteiro
Estrutura única – CITE 1 + CITE 2
(não há distinção institucional entre CITE 1 e 2) Pós-secundário não superior – CITE 4 a tempo parcial

Tempo parcial ou em alternância Ano complementar Estudos no estrangeiro


-/n/- Estágio obrigatório + duração Atribuições aos níveis CITE: CITE 0 CITE 1 CITE 2

Figura 3
308 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Educação Pré-escolar
De acordo com a Lei de Bases do Sistema Educativo, a educação pré-escolar, no “seu
aspecto formativo”, é “complementar e ou supletiva da acção educativa da família, com a qual
estabelece estreita cooperação” (artº 4-2). Destinada às crianças com idade compreendida
entre os três anos e a idade de ingresso no ensino básico, a educação pré-escolar preenche,
nos seus objectivos, os grandes desígnios da chamada função socializadora da educação,
habilitando a criança a adaptar-se “ao meio social em que vai viver” (DURKHEIM, 1980, p. 58).
É o que se pode ler através da consulta do artº 5 da LBSE, que aponta como primeiros
objectivos da educação pré-escolar:
“a) estimular as capacidades de cada criança e favorecer a sua formação e o desenvolvimento
equilibrado de todas as suas potencialidades;
b) contribuir para a estabilidade e segurança afectivas da criança;
c) favorecer a observação e a compreensão do meio natural e humano para melhor integração
e participação da criança;
d) desenvolver a formação moral da criança e o sentido de responsabilidade, associado ao
da liberdade;
e fomentar a integração da criança em grupos sociais diversos, complementares da família,
tendo em vista o desenvolvimento da sociabilidade;
f) desenvolver capacidades de expressão e comunicação da criança, assim como a
imaginação criativa, e estimular a actividade lúdica;
g) incutir hábitos de higiene e de defesa da saúde pessoal e colectiva;
h) proceder à despistagem de inadaptações, deficiências ou precocidades e promover a
melhor orientação e encaminhamento da criança”.

Não sendo nosso objectivo analisar as grandes metas desta iniciação, que apontam não
só para a “socialização” da criança mas também para o desenvolvimento harmonioso da sua
personalidade e orientação escolar futura, recordamos que ao Estado compete garantir uma
rede de estabelecimentos adequada, bem como garantir a formação dos recursos humanos.
Assim, a análise dos princípios orientadores, relativos à formação destes educadores e dos
outros professores, pode ser aprofundada pela leitura dos artº s 30 a 33. Mesmo assim,
transcrevemos os princípios gerais em que assenta esta formação (artº 30):
“a) formação inicial de nível superior (…);
b) formação contínua que complemente e actualize a formação inicial numa perspectiva de
educação permanente;
c) formação flexível que permita a reconversão e mobilidade dos educadores e professores
dos diferentes níveis de educação e ensino;
d) formação integrada quer no plano da preparação científico-pedagógica quer no da
articulação teórico-prática;
e) formação assente em práticas metodológicas afins das que o educador e o professor
vierem a utilizar na prática pedagógica;
f) formação que, em referência à realidade social, estimule uma atitude simultaneamente
crítica e actuante;
Jorge Carvalho Arroteia 309

g) formação que favoreça e estimule a inovação e a investigação, nomeadamente em relação


com a actividade educativa;
h) formação participada que conduza a uma prática reflexiva e continuada de auto-informação
e auto-aprendizagem.”.

Recorde-se que a integração da educação pré-escolar no sistema educativo português


remonta a 1973, aquando da reforma do sistema educativo, e só em 1978 foram criados
jardins-de-infância dependentes do Ministério da Educação. Contudo, apenas na década
de noventa, em 1995, este Ministério preparou o plano de expansão da rede de educação
pré-escolar, o qual, em articulação com outros ministérios, vieram a permitir, depois de 1997
e da publicação da Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar (Lei nº 5/97, de 10 de Fevereiro), o
desenvolvimento da educação pré-escolar, destinada às crianças com idade compreendida
entre os 3 anos de idade e a idade de ingresso nos ensino básico.
De acordo com esta Lei (artº 2), “a educação pré-escolar é a primeira etapa da educação
básica no processo de educação ao longo da vida, sendo complementar da acção educativa
da família, com a qual deve estabelecer estreita cooperação, favorecendo a formação e o
desenvolvimento equilibrado da criança, tendo em vista a sua plena inserção na sociedade
como ser autónomo, livre e solidário”. O referido documento consagra o ordenamento jurídico
da educação pré-escolar.

Ensino Básico
De acordo com a LBSE (artº 4-3), e no que à “educação escolar” diz respeito, esta abarca
o ensino básico, o ensino secundário e o ensino superior, diferenciados nos seus objectivos,
organização, acesso, graus e características da própria rede. Recorda-se que a duração do
ensino básico coincide com o período de escolaridade obrigatória (de nove anos, entre os seis
e os quinze anos de idade), sendo este universal, obrigatório e gratuito (artº 6 – LBSE).
De acordo com a referida Lei (artº 8):
“1 o ensino básico compreende três ciclos sequenciais, sendo o 1º de 4 anos, o 2º de dois
anos e o 3º de três anos, organizados nos seguintes termos:
a) No 1º ciclo, o ensino é globalizante, da responsabilidade de um professor único,
que pode ser coadjuvado em áreas especializadas;
b) No 2º ciclo, o ensino organiza-se por áreas interdisciplinares de formação básica
e desenvolve-se predominantemente em regime de professor por área;
c) No 3º ciclo, o ensino organiza-se segundo um plano curricular unificado, integrando
áreas vocacionais diversificadas, e desenvolve-se em regime de um professor
por disciplina ou grupo de disciplinas”.

Em relação aos grandes objectivos deste nível de ensino, recordamos não só a sua função de
“socialização”, ou seja, de adaptação e de inserção dos alunos ao (no) meio e à (na) sociedade,
através da transmissão de valores, da aquisição de conhecimentos e das aptidões, mas
também a função “personalizadora,” relacionada com o seu desenvolvimento cognitivo, afectivo
e psicomotor.
310 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Transcrevemos da LBSE (artº 7) os principais objectivos do ensino básico:


“a) assegurar uma formação geral comum a todos os portugueses, que lhes garanta a
descoberta e o desenvolvimento dos seus interesses e aptidões, (…) promovendo a
realização individual em harmonia com os valores da solidariedade social;
b) assegurar que nesta formação sejam equilibradamente inter-relacionados o saber e o
saber-fazer, a teoria e a prática, a cultura escolar e a cultura do quotidiano;
c) proporcionar o desenvolvimento físico e motor, valorizar as actividades manuais e
promover a educação artística (…);
d) proporcionar a aprendizagem de uma primeira língua estrangeira e a iniciação de
uma segunda;
(…)

Não sendo necessário recapitular os objectivos deste nível de ensino, diremos, ainda, que
ao ensino básico caberá prosseguir outros fins, relacionados com a inserção profissional, com a
prática da cidadania e com a orientação escolar dos seus alunos, devendo, nomeadamente:
“n) proporcionar, em liberdade de consciência, a aquisição de noções de educação cívica
e moral;
o) criar condições de promoção do sucesso escolar e educativo de todos os alunos”.

Quanto à sua organização, estabelece a LBSE (artº 8) a existência de três ciclos sequenciais,
cabendo a cada ciclo “a função de completar, aprofundar e alargar o ciclo anterior, numa
perspectiva de unidade global do ensino básico”.
A Reorganização Curricular do Ensino Básico foi estabelecida através dos Dec.-Lei
nº 6/2001, de 18 de Janeiro, e 209/2002, de 17 de Outubro. O preâmbulo do primeiro
documento refere-se ao “desenvolvimento do currículo nacional, entendido como o conjunto
de aprendizagens e competências, integrando os conhecimentos, capacidades, as atitudes e
os valores, a desenvolver pelos alunos ao longo do ensino básico, de acordo com os objectivos
consagarados na Lei de Bases do Sistema Educativo para este nível de ensino”. Em capítulos
distintos, o referido texto debruça-se sobre os princípios gerais, a organização e gestão do
currículo nacional e sobre a avaliação do mesmo.
Por sua vez, o último diploma (Preâmbulo) vem “rentabilizar os recursos existentes nas
escolas, introduzir a avaliação sumativa externa, as tecnologias de informação e comunicação
como área curricular disciplinar, bem como clarificar as orientações constantes nas matrizes
curriculares de forma a conferir-lhes um melhor equilíbrio pedagógico”.

Ensino Secundário
O ensino secundário constitui um único ciclo de estudos (10º, 11º e 12º anos de escolaridade)
e organizou-se, primeiramente, em cursos orientados para o prosseguimento dos estudos e em
cursos predominantemente orientados para a vida activa, ou cursos tecnológicos. Têm a duração
de três anos e contemplam três componentes de formação: geral, específica e técnica.
O novo modelo de organização do ensino secundário foi iniciado em 1990/91 e generalizado
em 1993/94. De acordo com a LBSE (artº 9), os objectivos fundamentais do ensino secundário
são os seguintes:
Jorge Carvalho Arroteia 311

“a) assegurar o desenvolvimento do raciocínio, da reflexão e da curiosidade científica e o


aprofundamento dos elementos fundamentais de uma cultura humanística, artística,
científica e técnica (…);
b) facultar aos jovens conhecimentos necessários à compreensão das manifestações
estéticas e culturais e possibilitar o aperfeiçoamento da sua expressão artística;
c) fomentar a aquisição e aplicação de um saber cada vez mais aprofundado, assente no
estudo, na reflexão crítica, na observação e na experimentação;
d) formar, a partir da realidade concreta da vida regional e nacional, e no apreço pelos
valores permanentes da sociedade, em geral, e da cultura portuguesa, em particular,
jovens interessados na resolução dos problemas do país e sensibilizados para os
problemas da comunidade internacional;
e) facultar contactos e experiências com o mundo do trabalho (…);
f) favorecer a orientação e formação profissional dos jovens (…);
g) criar hábitos de trabalho, individual e em grupo, e favorecer o desenvolvimento de atitudes
de reflexão metódica, de abertura de espírito, de sensibilidade e de disponibilidade de
adaptação à mudança”.

As opções fundamentais estabelecidas na LBSE estão consubstanciadas no Dec.-Lei,


nº 286/89 de 29 de Agosto, que procede à definição dos planos curriculares dos ensinos
básico e secundário. Legislação posterior veio estabelecer novas modificações neste subsistema
de ensino, em relação quer à sua organização curricular e a novos cursos, como os cursos
de especialização tecnológica (CET), quer em relação à organização, gestão do currículo,
avaliação e certificação das aprendizagens relacionadas com os cursos de nível secundário,
nomeadamente os cursos científico-humanísticos, os cursos tecnológicos e os cursos artísticos
especializados, incluindo os do ensino recorrente e os “cursos profissionais ministrados em
estabelecimentos de ensino público, particular e cooperativo que ofereçam o nível secundário
de educação” (Preâmbulo do Dec.Lei nº 74/2004, de 26 de Março).
De acordo com esta legislação, a oferta formativa do ensino secundário passou a estar
agrupada em torno de quatro tipos de cursos: científico-humanísticos (especialmente orientados
para o prosseguimento de estudos no ensino superior); tecnológicos (orientados, mormente,
para a qualificação e inserção no mercado de trabalho e prosseguimento de estudos superiores);
artísticos especializados (destinados à formação avançada nas áreas da música, das artes
visuais e da dança) e cursos profissionais (especialmente orientados para o ingresso no mercado
de trabalho).
Sobre a história do ensino secundário em Portugal, recordamos que este se confundiu,
durante décadas, com o ensino liceal, que evoluiu separadamente para o ensino técnico,
remontando este à “aula do comércio”, criada pelo Marquês de Pombal, em 1759 (MARTINS,
1996, p. 245). Contudo, só em meados do século XIX é que o ensino técnico e profissional
assumiu importância e significado com Fontes Pereira de Melo (1852) e, mais tarde, com Emídio
Navarro (1886), a quem se deve a mais importante reforma no século passado (Ob. cit., p. 246),
com a sua divisão em ensino elementar, preparatório e especial.
Recorda-nos Serrão (1981, p. 28-30) que, aquando da implantação da República, o nosso
sistema de ensino sofria de diversas vicissitudes, nomeadamente da falta de verbas para
312 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

o recrutamento de professores e para a construção de novos edifícios, sendo que, no que


respeita ao ensino liceal, a República limitou-se a administrar a herança monárquica, mantendo,
além do mais, o estatuto pedagógico estabelecido em 1895 (Jaime Moniz). Acrescenta este
autor que o mesmo aconteceu no tocante às escolas comerciais e industriais, que, aliás, se
foram generalizando.
A estagnação deste subsistema de ensino parece prosseguir durante os primeiros anos do
Estado Novo, facto comprovado através do aumento pouco significativo de equipamentos e
da sua população escolar, que se repartia entre um ensino liceal, que dava acesso directo à
Universidade, e um ensino técnico, pouco desenvolvido (SERRÃO, 1981, MARTINS, 1996).
Note-se que o incremento do ensino liceal remonta ao tempo de Passos Manuel (1836), que,
procurando valorizar o significado da “instrução secundária” (CARVALHO, 1986, p. 565), criou
um Liceu em cada uma das capitais de distrito, com excepção de Lisboa, que ficou dotada
de dois. Estas medidas comprovam a perspectiva da época em circunscrever a formação das
elites nacionais e locais a um reduzido número de centros urbanos, situação que se manteve
durante décadas e só é ultrapassada na segunda metade do nosso século.
A situação social em Portugal durante os anos trinta, sofrendo dos efeitos da crise
económica e da própria guerra, só se alterou na década seguinte, com a melhoria gradual das
infra-estruturas, devido à electrificação do país e à construção de algumas vias de comunicação.
Estes investimentos incentivaram o desenvolvimento de novas técnicas de produção, a
construção de fábricas, a formação de mão-de-obra e a industrialização do país. Não admira,
por isso, o esforço desenvolvido no arranque da indústria nacional, a braços com a falta de
pessoal qualificado, e o deficiente nível de formação cultural da população, estrangulamentos
fundamentais no processo de desenvolvimento económico e social do país. Estas razões
terão justificado, a reforma do ensino técnico de 1947 (no mesmo ano da reforma do ensino
secundário), que reforçou, na sua essência, a estrutura binária do nosso ensino secundário.
Recorde-se que a configuração deste modelo havia sido determinada pela legislação de
1930 (Decreto nº 18420), que estabeleceu, como finalidades do ensino técnico profissional, a
preparação de indivíduos de ambos os sexos que se destinam às carreiras da indústria ou do
comércio e determinou ser este ensino de carácter secundário, sendo leccionado em escolas
industriais e comerciais, diferente, por isso, do ensino liceal.
Transcrevemos de Martins (1996, p. 251) as características do então ensino secundário,
marcado por dois “traços” profundamente diferenciados no que respeita:
a) à composição curricular: um, mais teórico e com predomínio de cadeiras de cariz
humanístico-científico, e outro, mais prático e onde se pretendia desenvolver a destreza
manual;
b) ao tipo de selecção: o ensino liceal era a via escolhida pelas classes médias e altas e o
técnico pelas classes médias baixas e baixas;
c) as saídas diferenciadas quanto ao desempenho de papéis sociais e profissionais;
d) ao estatuto diferente: uma via liceal nobre, uma via técnica associada a um conjunto
de estigmas.

Diversos factores marcaram a evolução da sociedade portuguesa na transição da primeira


para a segunda metade deste século, bem como os primeiros anos das décadas seguintes.
Jorge Carvalho Arroteia 313

A par das numerosas assimetrias existentes na sociedade portuguesa, bem caracterizadas


por S. Nunes e outros autores, destacamos o reconhecimento da expansão da indústria
portuguesa e a inserção geoeconómica de Portugal nos grandes espaços (em particular, a
EFTA e a CEE).
A integração de Portugal nestes espaços veio permitir explorar, em situação preferencial, certos
segmentos do mercado internacional e de criar ocasiões de inserção em fluxos internacionais
(de mercadorias, de pessoas e de informação), sugerindo, por isso, diversas tentativas de
ordenamento social e económico do país, nomeadamente através da elaboração dos Planos de
Fomento e o reconhecimento da necessidade de formação de recursos humanos. É o que aponta
Grácio (1985, p. 72): as manifestações das correntes desenvolvimentistas (…) vão crescendo
de frequência, num discurso marcado pela apologia do progresso, da expansão e diversificação
industrial, da modernização da exploração agrícola, bem como da gestão empresarial, da
“liberalização” política, das reformas sociais e educativas, da abertura à Europa. Assim se
compreende a iniciativa do Ministro da Educação, Galvão Teles, aquando da apresentação do
relatório “Projecto Regional do Mediterrâneo” (elaborado em ligação com a OCDE), ao determinar
que o mesmo seja tomado em consideração (…) quer nos trabalhos de planeamento regional das
instalações escolares (…) quer nos de planeamento qualitativo da acção educativa.
Alguns indicadores referentes à sociedade portuguesa no início da década de sessenta
ajudam-nos a compreender melhor o significado dessas medidas. Entre elas, recordamos os
índices elevados de analfabetismo, o baixo nível de instrução da população portuguesa e a fraca
qualificação da mão-de-obra, onde prevaleciam, sobretudo, os diplomados pelo ensino médio
(PROJECTO REGIONAL DO MEDITERRÂNEO, 1964, p. 14). Este documento (Op. cit., p. 91)
dá-nos conta do ensino secundário, o qual vinha a registar notáveis acréscimos de frequência,
devido ao incremento anual das conclusões do ensino primário e ao desejo manifestado por
massas cada vez maiores de população para prolongar voluntariamente a escolaridade.
No entanto, a proporção dos alunos que prosseguem os estudos secundários relativamente
aos que se encontravam inscritos na 4ª classe de instrução primária está longe de atingir
valores aceitáveis, sobretudo quando se atenta na reduzida escolaridade obrigatória vigente.
De todos os cursos secundários, porém, foram os técnicos os que mais se expandiram, tendo
as frequências quase triplicado entre 1950 e 1960. Estas conclusões são comprovadas pelos
valores relativos à frequência escolar e à sua evolução, recolhidos por Pardal (1991, p. 147),
no seu estudo sobre o ensino secundário.
Note-se, ainda, que a necessidade de introduzir melhorias no sistema foi reconhecido por
diversos responsáveis da pasta da Educação, de que destacamos o Ministro Leite Pinto, para
quem “o desenvolvimento económico e a instrução andam a par”, sendo “todo o dinheiro
gasto na educação […] um investimento económico rentável” (GRÁCIO, 1985, p. 76). Assim se
compreendem as primeiras medidas relativas ao ensino primário: obrigatoriedade de frequência
até à 4ª classe e alteração dos programas, a que se sucederam as medidas de Galvão Teles,
que alargou o período de escolaridade obrigatória para seis anos, através da criação do Ciclo
Complementar do Ensino Primário, do Ciclo Preparatório do Ensino Secundário e do Ciclo
Preparatório TV, como modalidade do Ciclo Preparatório do Ensino Básico.
Tratando-se de medidas inovadoras para a época, a essência destas reformas não
deixa, mesmo assim, de fazer supor a manutenção de uma certa ordem social, por via da
314 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

prevalência das condições de reprodução social estabelecidas com este alargamento: o Ciclo
Preparatório, mantendo-se nos centros urbanos, prosseguia a formação das élites urbanas;
o Ciclo Preparatório TV e as 5ª e 6ª classes, a funcionarem nas escolas primárias, rurais, com
professores deste ramo de ensino, sofriam dos efeitos de um ensino não presencial e da menor
preparação destes agentes. As medidas anteriores, implementadas gradualmente no território,
foram objecto de reformulação, neste caso apresentadas por Veiga Simão, que, batendo-se
pela democratização do ensino, viu aprovado, através da Lei nº 5/73, o alargamento do período
de escolaridade obrigatória para oito anos, compreendendo os ensinos primário e preparatório.
Relativamente ao ensino secundário, a proposta estipulava a sua composição em dois ciclos,
de dois anos cada, com a designação de curso geral e de curso complementar.
As alterações introduzidas no sistema educativo após Abril de 1974 modificaram profundamente
a referida Lei, não deixando de valorizar os princípios de democratização sugeridos por aquele
ministro. Tal não podia deixar de acontecer depois da promulgação da Constituição da República
Portuguesa – CRP (artº 74), que estabeleceu o direito à igualdade de oportunidades de acesso e
êxito escolar. Daqui decorre um conjunto de decisões facilitadoras do processo de democratização
do ensino e que se repercutiram no funcionamento global do sistema educativo.
Entre as medidas tomadas na sequência da Revolução de Abril de 1974, a extinção do
ensino técnico, em Junho de 1975, e a unificação do secundário revestiram-se, de acordo com
Grácio (1985, p. 87), de uma decisão política de transparente inspiração democrática, pondo,
assim, termo à dualidade ensino liceal-ensino técnico que, então, vigorava. Com esta abolição,
pretendia-se, sobretudo, anular a discriminação ao nível do ensino secundário, contribuindo
para o processo de democratização da sociedade portuguesa, e acabar com o ensino de
“élites”, que representava, para largos estratos da população, o antigo ensino liceal. Contudo,
as mudanças operadas fizeram-se à custa de uma licealização dos conteúdos do ensino, não
diferindo, demasiado, do praticado na via até aí privilegiada (Op. cit., p. 215).
Ao tempo e de acordo com Emídio (1981, p. 194), o ensino liceal, sendo mais tradicionalista e
selectivo e dotado de feição vincadamente “humanístico-científica”, orientava-se para a satisfação
das exigências de dois mercados de trabalho: o do funcionalismo público administrativo e o das
escolas de magistério primário (…) o das profissões liberais e dos quadros técnicos superiores,
mediante a preparação em via linear para a frequência da Universidade. Pelo contrário, nota
este autor que o ensino técnico procurava satisfazer a necessidade de operários e alimentar os
fluxos necessários à formação de quadros médios a nível dos institutos, industriais e comerciais,
e das escolas de regentes agrícolas, sendo, portanto, mais prático, aberto e carecido de
fundamentação teórica e cultural.
Estas medidas são questionadas por Azevedo (1994, p. 107), que assinala o mito unificador
e igualitarista do ensino secundário, o qual, não tendo promovido a desejada igualdade de
oportunidades, terá, pelo contrário, contribuído para a segregação e a exclusão social. Mesmo
assim, estas afirmações realçam o alcance das alterações operadas neste subsistema de
ensino. Nesse sentido, a unificação do curso geral e a criação dos cursos complementares
de via única vieram atenuar, no dizer de Bowles e Gintis ((in: MUSGRAVE, 1984, p. 347), a
reprodução da “hierarquia da divisão do trabalho dominante no local de trabalho”. De facto,
Musgrave (Ob. cit., p. 217) faz notar que, em qualquer sociedade, o modo de desenvolvimento
de sistemas de conhecimento está em relação estreita com a sua estratificação, sendo que,
Jorge Carvalho Arroteia 315

numa sociedade de classes, o poder assenta na riqueza, e os que o têm querem preservar o
privilégio da distribuição não só da riqueza como também do saber.
Ainda no dizer de Grácio (1985, p. 87), aquelas medidas serviram uma estratégia de
igualização individual de oportunidades educativas, dando seguimento ao estipulado pela
Constituição da República Portuguesa (artº 74º), que determina ser dever do Estado modificar
o ensino de modo a superar qualquer função conservadora de desigualdades económicas,
sociais e culturais. Recorde-se que o relatório da UNESCO (1982, p. 78) apontava para a
necessidade de uma reformulação curricular do ensino secundário, incluindo uma iniciação ao
mundo do trabalho e a aquisição de noções pré-profissionais, correspondendo às aptidões e
às aspirações dos interessados.
Por sua vez, a proposta de reorganização dos planos curriculares dos ensinos básico e
secundário, coordenada por Fraústo da Silva (CRSE, 1987, p. 237), vai mais longe e aponta,
como objectivos do ensino secundário: o alargar, aprofundar e consolidar a formação
geral adquirida no ensino básico, além de prosseguir outras metas: uma formação mais
especializada e estruturada em diversos domínios do conhecimento e uma formação
vocacional que permita a integração na vida ou o acesso a modalidades complementares
de formação profissional específica. Tal deveria ser prosseguido tendo em atenção alguns
princípios orientadores (Ob. cit., p. 189), considerados como traves-mestras do processo
curricular. Citam-se: a promoção do sucesso escolar e educativo, o sentido integrador da
aquisição educativa, a dimensão participativa nas actividades educativas e a formação para
a educação permanente.
Alguns destes princípios são retomados por Carneiro (1988, p. 16-17), que, perante o
aumento da pressão dos efectivos escolares sobre o ensino secundário e o possível desequilíbrio
entre a procura e a oferta, defende a transformação do ensino secundário num sistema muito
diversificado, não só ao nível dos cursos, mas também ao nível institucional. Tal entendimento
não esconde, mesmo assim, o grande desafio que se continua a colocar a este subsistema de
ensino e cuja apreciação foi largamente aprofundada ao nível quer da CRSE quer, sobretudo,
do Conselho Nacional de Educação (1990) quanto à sua identidade – no sentido de lhe garantir o
acesso ao mundo do trabalho – e dependência. Aquela identidade deverá facultar a convergência
dos objectivos do ensino secundário, no sentido de assumir as suas próprias metas, conteúdos,
estratégias e regime de progressão (CNE, 1990, p. 529), garantindo-lhe um “novo profissionalismo”,
capaz de resistir às mudanças do nosso tempo. Pelo contrário, entendemos a dependência
como o assumir da função quase exclusiva de ponte para o ensino superior (Loc. cit.), com
reflexos evidentes em todos os seus objectivos pedagógicos e estrutura curricular.
São estas as grandes questões que, no nosso entender, condicionam este subsistema de
ensino, igualmente afectado pelos efeitos da globalização da intensificação da concorrência
e da rapidez da mudança que afecta a nossa sociedade. Neste contexto, os sistemas de
ensino e de formação são, hoje em dia, confrontados com novos e constantes desafios, de
modo a satisfazerem os interesses dos alunos e as expectativas da própria sociedade.
Este entendimento é corroborado por Gaspar (1996, p. 244), que, a propósito da expansão
quantitativa do ensino secundário em Portugal depois dos anos setenta, afirma que este surge
como a resposta possível a alguns dos problemas nacionais, contribuindo para o “esbatimento
de assimetrias económicas e culturais de âmbito regional; o alargamento de oportunidades de
316 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

acesso à educação e cultura, com a consequente elevação do nível académico da população


e, nomeadamente, da sua qualificação profissional; e a consolidação da democracia com a
possibilidade de uma participação mais esclarecida e, por isso, melhor assumida”.
Quanto à organização deste subsistema de ensino, para Hallak (1998, p. 16) a questão
fundamental reside em recolocar o ensino secundário entre um tronco comum de formação de
base e as formações especializadas do ensino superior. Perante este dilema, defende o mesmo
autor ((Loc. cit.): “le secondaire doit avoir pour priorité de préparer l’individu à prendre en charge
sa propre formation permanente, ce qui permettra le développement des compétences requises
par la societé et l’économie: i.e. apprendre à faire et apprendre à apprendre”.
É igualmente nesta perspectiva de formação ao longo da vida que Delors (1996, p. 115)
sugere o desenvolvimento do ensino secundário, seguindo três princípios estruturantes: a
diversidade das formações, a alternância a desenvolver entre o estudo e uma actividade
profissional ou social e a busca de melhorias qualitativas. Não sendo propostas meramente
teóricas, convirá destacar que a auscultação da população docente do ensino secundário
(FERNANDES, 1998, p. 37-41) confirmou algumas destas questões, nomeadamente as que
se referem à identidade do E.S. e à tendência para a integração dos cursos profissionais no
ensino regular. Pela sua pertinência, transcrevemos o conjunto de sugestões recolhidas por
aquele autor, sobre a estrutura organizativa do ensino secundário:
a) melhor articulação entre os ensinos básico e secundário;
b) diversificação da formação secundária e constituição de um tronco comum às diferentes
formações;
c) ajustamentos curriculares nos cursos tecnológicos, que permitam responder às reais
necessidades, interesses e capacidades dos alunos;
d) reforço das estratégias de orientação vocacional, que ajudem as famílias e os alunos a
optarem pelos percursos formativos mais ajustados às suas necessidades;
e) defesa de um ensino secundário com identidade, não esquecendo a necessária
articulação com o ensino superior;
f) manutenção do ensino recorrente.

O atendimento destas propostas reforçará, certamente, o “efeito de externalidade” positiva


do ensino secundário, trazendo à sociedade um conjunto de benefícios sociais, de momento
ainda não conseguidos. Até porque, como observa Azevedo (1994, p. 88), a escola secundária
tem sido um locus cultural e social que fomenta ainda uma elevada expectativa de ascenção
social pela via que abre à obtenção de um diploma de um curso superior (…)”.

Ensino Superior
De acordo com a LBSE (artº 11), o ensino superior compreende o ensino universitário e o
politécnico. Globalmente, prosseguem os objectivos relacionados com:
· a “criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo”;
· a formação de diplomados “em diferentes áreas do conhecimento”;
· o desenvolvimento do “trabalho de pesquisa e de investigação científica”, a divulgação de
“conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem património da humanidade”;
Jorge Carvalho Arroteia 317

· o “suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional” e o “conhecimento


dos problemas do mundo de hoje”;
· o “continuar a formação cultural e profissional dos cidadãos pela promoção de formas
adequadas de extensão cultural”.

A grande diferença entre ambos reside, fundamentalmente, no reforço da preparação


“científica e cultural”, a qual deve identificar a formação universitária, em detrimento da formação
“cultural e técnica”, que deve ser apanágio do ensino superior politécnico. Na tentativa de
definir os ensinos Universitário e Politécnico, o CRUP (2004, p. 8) precisou outras noções,
adiante assinaladas:
“Universidade é uma comunidade de saberes que tem por missão criar e transmitir
conhecimentos em áreas disciplinares alargadas, cuja difusão e aplicação sirva as solicitações
e as preocupações da Sociedade. O Ensino Universitário visa conferir aos estudantes uma
formação em ambiente de investigação e de construção teórica do conhecimento, que os
habilite a contribuir para o avanço do saber e respectivas aplicações, estimule o espírito crítico,
o empreendedorismo e a capacidade de pesquisa (…).
Instituto Politécnico é uma comunidade de ensino, numa diversidade de áreas disciplinares,
que tem por missão transmitir conhecimentos, fomentando o desenvolvimento e aplicação
do saber, constituído através de actividades que atendam a solicitações e a preocupações
socioeconómicas, particularmente da região em que se insere. O ensino politécnico visa conferir
aos estudantes uma formação especialmente ligada à vida activa, em ambiente de pesquisa,
orientada para a transferência dos avanços científicos em inovação, que promova o espírito de
empreendedorismo e a capacidade de participação activa em acções de desenvolvimento”.
Vejamos alguns aspectos relativos à evolução deste subsistema de ensino. O desen-
volvimento do ensino superior em Portugal, durante o século XX, segue a marcha dos diferentes
acontecimentos sociais e políticos que marcaram a evolução da sociedade portuguesa, em
particular no decurso da segunda metade desse século. Assim, contando até ao início dos
anos setenta, apenas com o ensino médio e o ensino universitário, Portugal acolhia, então,
quatro universidades públicas: Coimbra, Lisboa, Porto e a Universidade Técnica de Lisboa. Além
destas, existia ainda o ensino superior militar (incluindo o ensino náutico). Quanto ao ensino
superior politécnico, criado em finais dos anos setenta, só no decurso da década seguinte
assistimos à sua entrada em funcionamento e expansão (ARROTEIA, 1996 e 2002).
Quanto à sua frequência, importa realçar que, desde o início desse século e durante
praticamente toda a sua primeira metade, registou-se um acréscimo bastante lento da população
estudantil. Com efeito, no início do século XX, em 1910/11, a população que frequentava o
ensino superior universitário português orçava os 1,2 milhares. Ainda antes de meados desse
século, esse montante ascendia, em 1940/41, a 8,7 milhares, valor que, no início da década
de sessenta, em 1960/61, atingia os 19,5 milhares.
Depois de um aumento rápido para a época, durante a qual foram tomadas diversas
medidas relacionadas com o processo de democratização do ensino, tornou-se mais evidente
o contributo da educação universitária na formação dos recursos humanos necessários ao
desenvolvimento social e cultural do país. Esta situação esteve na origem do alargamento
da rede escolar, em todos os níveis de ensino, e no investimento em formação dos recursos
318 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

humanos, em particular de professores. Por isso, assistimos a um aumento significativo da


população escolar universitária, que, orçando os 24,1 milhares, em 1960/61, superou os 28,0
milhares de alunos, em 1965/66. Este valor duplicou em menos de uma década, para atingir,
em 1970/71, os 44,2 milhares de alunos e, em 1974/75, os 61,3 milhares.
Entre os textos legais que podem ser considerados relevantes para a compreensão deste
fenómeno, cita-se a Lei nº 5/73 (conhecida pela reforma “Veiga Simão”), que, nos seus princípios
fundamentais, defendia o direito à educação a todos os portugueses, a obrigatoriedade de uma
educação básica generalizada e a liberdade de ensino em todas as suas modalidades. Estes
princípios influenciaram decisivamente as medidas da política educativa depois da Revolução de
Abril de 1974 e, em particular, após a promulgação da Constituição da República Portuguesa
(em 1976), que consagra o direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar a
toda a população.
Depois destas datas, com as medidas relativas à abertura do sistema educativo a alunos
das diferentes classes sociais, o acréscimo da população estudantil no ensino superior foi ainda
mais significativo. Tal facto justifica-se não só por razões de natureza política, que permitiram
o alargamento da rede de estabelecimentos de ensino, mas também por razões de natureza
socioeconómica e cultural, que conduziram à enorme procura da educação em todos os
níveis. E por “efeito de onda”, esta tendência levou ao aumento significativo de alunos no
ensino superior. O acréscimo desta população escolar anda associada à criação de novos
estabelecimentos de ensino e, em particular, à publicação do Decreto-Lei nº 513-T/79, que
criou o ensino superior politécnico. Uma vez instituído, inicia-se o processo de expansão da
rede, facto que foi particularmente sentido no decurso dos anos oitenta, nomeadamente com
a publicação do Decreto do Governo nº 46/85.
O interesse na ampliação da rede é justificado no preâmbulo deste documento: “as análises
mais recentes sobre o sistema de ensino superior português e sobre a sua capacidade para
responder às necessidades do mercado de trabalho, entre as quais se salienta a realizada pela
OCDE no quadro da política educativa portuguesa, apontam para a urgência de uma expansão
significativa de capacidade de resposta do ensino superior politécnico, nomeadamente nas
suas vertentes de tecnologia e gestão”.
A publicação deste e doutros documentos insere-se num conjunto de medidas de política
educativa que visavam a formação de recursos humanos a nível superior, bem como a
democratização e a diversificação do ensino superior. Entre elas, destacamos as que permitiram
a expansão do ensino superior particular e cooperativo (universitário e politécnico) e que
estiveram na origem do crescimento alargado do número de estudantes nestes subsistemas
de ensino. Com efeito, em menos de três décadas, de 1970 à actualidade, o total de alunos
matriculados no ensino superior quintuplicou, passando de 69,2 milhares, em 1973/74, para
mais de 312 milhares, em 1995/96.
No ano de 1999/2000, o total de alunos matriculados no ensino superior ultrapassava
os 370,7 milhares, dos quais 252,2 milhares, no ensino público, e 118,5 milhares, no ensino
superior não público. Depois de um máximo, em 2002/03, em que se inscreveram no ensino
superior mais de 395,4 milhares de alunos, no ano seguinte esse valor reduziu-se para 388,7
milhares, acusando o “efeito de onda” demográfico, decorrente da redução da natalidade,
iniciada há algumas décadas.
Jorge Carvalho Arroteia 319

Os valores seguintes, relativos às inscrições em 31 de Dezembro, registam esta variação.

Quadro 13

Tipo de Ens. Superior 1990 1995 2000 2002 2003


Público Universitário 102 916 138 286 167 435 171 667 169 481
Público Politécnico 30 547 58 482 100 481 110 761 109 641
Part. e Coop. Univ. 21 327 43 623 43 560 38 789 36 071
Part. e Coop. Pol. 22 983 61 444 59 501 60 915 59 797
Univ. Cat. Portug. 7 113 9 574 10 560 10 412 10 641
Total 186 773 313 435 384 322 395 478 388 724

Estes elementos permitem realçar que, na sua evolução, o sistema de ensino superior, em
Portugal, atravessou diversas fases, a saber:
· diversificação: com a criação do “sistema binário” (ensino politécnico e ensino universitário),
registada no início dos anos setenta e consolidada com a publicação da LBSE;
· expansão: alargamento da rede com a criação de diversos estabelecimentos de ensino
em diversos pontos do país, facto que veio reforçar o processo de democratização do
ensino e da sociedade portuguesa;
· consolidação: com a entrada em funcionamento de novos cursos em instalações
definitivas, a estabilização do número de alunos nos diversos subsistemas e a elaboração
de planos de desenvolvimento estratégico.

O cumprimento destas metas abona a favor da importância actual do ensino superior e


da sua relevância nos processos de formação dos recursos humanos, de modernização da
sociedade e na promoção das mudanças tecnológicas, sociais e culturais que o país carece
para o seu desenvolvimento.
Recorde-se que, hoje em dia, a par da redução da população estudantil, o ensino superior
é confrontado com novos desafios impostos pela evolução da sociedade e do seu tecido
empresarial, bem como pela internacionalização dos mercados e globalização. Estes factores
exigem uma constante e contínua avaliação do seu desempenho institucional, assim como a
sua articulação com os sistemas de emprego e investigação tecnológica. Estes aspectos são
particularmente relevantes tendo em conta a configuração actual do subsistema de ensino
superior, configurado na existência do ensino superior universitário e no ensino superior
politécnico: o “sistema binário.
A institucionalização do “sistema binário” do ensino superior em Portugal, consagrado
na publicação das LBSE, assinala um processo de larga produção legislativa e de diversas
medidas, que vieram possibilitar a emancipação do subsistema de ensino politécnico, face ao
ensino universitário tradicional. Embora com objectivos distintos, importa realçar, como bem
assinala Costa (2003, p. 102), que, tratando-se de modalidades distintas de ensino superior,
estas “correspondem a duas culturas de relação com a sociedade: o ensino universitário
encara essa relação com um distanciamento que favorece uma reflexão crítica centrada na
320 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

sua evolução com o correr do tempo, enquanto que o ensino politécnico a encara numa lógica
de enraizamento instantâneo e constante”.
Para além das expectativas sociais criadas, sobretudo a nível regional, com o alargamento da
rede, a formação dos recursos humanos e o contributo destas instituições para o desenvolvimento
regional, a sua criação veio favorecer o processo de democratização do ensino, iniciado ao
longo dos sessenta. A sua criação ficou ainda assinalada com os investimentos públicos
canalizados para a construção das novas infra-estruturas de ensino e investigação, bem como
pelo crescimento dos diversos centros urbanos onde estas novas escolas ficaram sedeadas.
A coexistência de dois subsistemas, o universitário e o politécnico, constitui um exemplo
de diversificação do ensino superior, motivada pela procura dos alunos e pelas exigências do
tecido produtivo nacional. A situação actual, marcada pela complexidade de oferta de escolas
e de opções de cursos, realça a natureza dos “fenómenos sociais e totais” (GURVITCH, 1979),
que marcam a evolução recente deste sistema de ensino e os seus reflexos imediatos na
sociedade portuguesa.
Sem irmos muito além, recordamos a importância das universidades na sociedade
portuguesa, entendidas como “organismos dependentes do Ministério da Instrução Pública”,
remontando a mesma ao início do Estado Novo, aquando da publicação do “Estatuto da Instrução
Universitária”, em 27 de Julho de 1930. Com a publicação da Lei nº 5/73, é estabelecida a
separação do ensino superior entre Universidades, Institutos Politécnicos e Escolas Normais
Superiores, e outros estabelecimentos equiparados.
A expansão e diversificação do ensino superior e a institucionalização do “sistema binário”
vieram a ser formalizadas através da publicação do Decreto-Lei nº 402/73, onde se justifica a
criação do ensino superior politécnico como uma necessidade de responder às exigências do
“desenvolvimento social e económico” do país, bem como ao “desenvolvimento da sociedade
portuguesa”. Neste sentido, foi criada uma rede de estabelecimentos de ensino superior de
natureza politécnica. A distinção entre as diferentes instituições foi assim definida:
· “As Universidades são instituições pluridisciplinares que procuram assegurar a convergência
dos diversos ramos do saber e às quais compete especialmente ministrar o ensino superior
de curta e de longa duração e de pós-graduação, promover a investigação fundamental e
aplicada…e, no âmbito da sua missão de serviço à comunidade, considerar o estudo da
cultura portuguesa” (artº 3).
· “Os Institutos Politécnicos são centros de formação técnico-profissional, aos quais compete
especialmente ministrar o ensino superior de curta duração (…) e promover a investigação
aplicada e o desenvolvimento experimental, tendo em conta as necessidades no domínio
tecnológico e no sector dos serviços, particularmente as de carácter regional” (artº 4).
· “As Escolas Normais Superiores são centros de formação e aperfeiçoamento de professores
para o ensino básico (…) que ministram cursos superiores de curta duração, (…) e que
desenvolvem investigação educacional e apoiam pedagogicamente os organismos de
ensino e de educação permanente, constituindo focos de irradiação cultural nas regiões
onde se inserem” (artº 5).

A rede escolar foi alargada com a criação de novas instituições do ensino superior:
Jorge Carvalho Arroteia 321

· “São criadas as Universidade Nova de Lisboa, de Aveiro e do Minho e o Instituto


Universitário de Évora” (artº 8);
· “São criados os Institutos Politécnicos da Covilhã, Faro, Leiria, Setúbal, Tomar e Vila Real”
(artº 10);
· “São criados os Institutos Politécnicos de Coimbra, Lisboa, Porto e Santarém, por
reconversão e fusão dos institutos industriais e comerciais e escolas de regentes agrícolas
existentes nestas cidades” (artº 10);
· “São criadas as Escolas Normais Superiores de Beja, Bragança, Castelo Branco, Funchal,
Guarda, Lisboa, Ponta Delgada, Portalegre e Viseu” (artº 11).

Note-se que, anteriormente a 1973, o “sistema binário” estava representado pelo ensino
universitário e pelo ensino médio, ministrado nos Institutos Comerciais, nos Institutos Industriais,
nas Escolas de Magistério Primário, nas Escolas de Enfermagem e nas Escolas de Regentes
Agrícolas. Integravam, ainda, o ensino médio outras escolas ligadas especialmente aos sectores
da defesa e das pescas. Nestes casos, a diversificação entre estes subsistemas de ensino,
até à sua integração no ensino superior (durante a década de setenta), fazia-se ao nível da
admissão dos alunos ou das habilitações de base, distintas das do ensino universitário, e através
da natureza dos cursos, da sua duração e dos respectivos diplomas, de natureza idêntica à
do bacharelato (Lei nº 61/78).
Apesar da criação do ensino superior politécnico, a afirmação do modelo binário demorou
algum tempo a consolidar-se, passando até por diversas etapas intermédias. Começamos por
destacar a autorização concedida pela Assembleia da República ao Governo, em Setembro de
1977 (Lei nº 71/77) – após a extinção, em 1974, do ensino médio e da sua transformação em
ensino superior –, para “legislar sobre a criação e estrutura do ensino superior de curta duração
e a sua inserção no esquema geral do ensino superior”.
Na sequência desta Lei, o Governo publicou, em 14 de Outubro do mesmo ano,
o Decreto-Lei n. 472/77, o qual, face à integração do ensino médio no ensino superior,
contemplou o ensino superior de curta duração, “tendente à formação de técnicos especialistas
e de profissionais de educação a nível superior intermédio” (artº 1). Como justificação desta
iniciativa, resultante do aumento da “produção de diplomados portadores de uma formação
teórica semelhante às escolas universitárias (…) sem por outro lado ter havido a preocupação
de se estudar a correspondência entre a quantidade de diplomados a formar (…) e as reais
necessidades do País”, aponta-se:
· a ausência da “formação de técnicos de nível médio”, por via da transformação do ensino
médio em ensino superior, “sem cuidarem de preencher a lacuna que desse modo se
criou, não só no sistema de ensino, como na própria formação de técnicos de que as
actividades económicas carecem”,
· a necessidade de se formarem “técnicos qualificados de nível superior intermédio, com
um estatuto próprio e uma designação profissional correspondente”.

De acordo ainda com o referido documento (artº 2), “o ensino superior de curta duração
será ministrado em estabelecimento de ensino predominantemente de âmbito regional com a
denominação de escolas superiores técnicas e escolas superiores de educação”.
322 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

A consolidação do “sistema binário” passou, ainda, pela publicação de legislação referente


ao “ensino superior de curta duração” e à sua designação por “ensino superior politécnico”
(Decreto-Lei nº 513-T/79, de 26 de Dezembro), que aponta, como causa principal destas
medidas: “dotar o País com profissionais de perfil adequado de que este carece para o seu
desenvolvimento”.
Recordam-se, a propósito, as razões que estiveram na origem desta deliberação:
· por um lado, a necessidade de “coexistência do ensino superior politécnico, impregnado
de uma tónica vincadamente profissionalizante, com o ensino superior universitário, de
características mais conceptuais e teóricas”;
· por outro, a sua ligação mais estreita às actividades produtivas e sociais, garantindo a
formação de “educadores de infância, professores dos ensinos primário e preparatório
e técnicos qualificados nos domínios da tecnologia industrial, da produção agrícola,
pecuária e florestal, da saúde e dos serviços”.

A diversificação deste subsistema de ensino, através do alargamento da rede e da criação


de diversas escolas, abarcou diferentes domínios científicos. Lembramos as escolas superiores
de educação e as escolas superiores técnicas (agrupadas ou não em Institutos Politécnicos),
cuja implantação cobriu, praticamente, todos os distritos do país. A criação das primeiras
foi justificada pela necessidade de assegurar a formação inicial de educadores de infância,
bem como de professores do ensino primário e para todo o ensino básico (do 1º ao 6º ano
de escolaridade). Foi, igualmente, considerada “como medida que tem como objectivo o
alargamento efectivo da escolaridade obrigatória”. Estas preocupações levaram à criação de
uma ESE por capital de distrito, a qual foi, posteriormente, integrada no respectivo Instituto
Politécnico. Nos casos dos distritos de Aveiro, Braga e Évora, optou-se pela instalação de uma
estrutura de cariz semelhante, os Centros Integrados de Formação de Professores, integrados
nas respectivas Universidades.
Por sua vez, as escolas superiores técnicas tinham como responsabilidade a formação de
“técnicos qualificados nos sectores da produção agrícola, pecuária e florestal, da tecnologia dos
produtos alimentares e industriais, da gestão e da contabilidade, da saúde e do jornalismo”.
Recordam-se as finalidades então estabelecidas para o ensino superior politécnico (artº 1 –
Decreto-Lei nº 513-T/79):
“a) Formar, a nível superior, educadores de infância, professores dos ensinos primário e
preparatório e técnicos qualificados em vários domínios de actividade;
b) Promover, dentro do seu âmbito, a investigação e o desenvolvimento experimental,
estabelecendo a ligação de ensino com as actividades produtivas e sociais;
c) Apoiar pedagogicamente os organismos de ensino e de educação permanente;
d) Colaborar directamente no desenvolvimento cultural das regiões em que estão inseridos;
e) Prestar serviços à comunidade, como forma de contribuição para a resolução de
problemas, sobretudo de carácter regional, nela existentes”.

Note-se que a ampliação da rede do ensino superior politécnico prosseguiu em diversos


momentos, recordando-se os anos oitenta (Decreto do Governo nº 46/85, de 22 de Novembro)
como um período relevante na criação de diversas escolas. No preâmbulo do documento
Jorge Carvalho Arroteia 323

anterior, lê-se o seguinte: “as análises mais recentes sobre o sistema de ensino superior
português e sobre a sua capacidade para responder às necessidades do mercado de trabalho,
entre as quais se salienta a realizada pela OCDE no quadro da política educativa portuguesa,
apontam para a urgência de uma expansão significativa de capacidade de resposta do ensino
superior politécnico, nomeadamente nas suas vertentes de tecnologia e gestão”.
A referência à legislação anterior realça um conjunto de medidas que, desde o início dos anos
setenta, permitiram a consolidação do “sistema binário”. Tal prossegue com a publicação da
“Lei de Bases do Sistema Educativo Português” (em 14 de Outubro de 1986), que, no seu artº 11,
estabelece: “o ensino superior compreende o ensino universitário e o ensino politécnico”.
Ao ensino universitário cabe: “assegurar uma sólida preparação científica e cultural e
proporcionar uma formação técnica que habilite para o exercício de actividades profissionais
e culturais e fomente o desenvolvimento das capacidades de concepção, de inovação e de
análise crítica”. Por sua vez, é da responsabilidade do ensino politécnico: “proporcionar uma
sólida formação cultural e técnica de nível superior, desenvolver a capacidade de inovação e
de análise crítica e ministrar conhecimentos científicos de índole teórica e prática e as suas
aplicações com vista ao exercício de actividades profissionais”.
Reconhece a LBSE a mobilidade dos estudantes entre os estabelecimentos de ensino
superior nacionais (artº 13), “pelo reconhecimento mútuo do valor da formação e competências
adquiridas em cada unidade e ainda através de um sistema de créditos baseado na análise
dos planos de estudo”.
Anteriormente à publicação desta Lei, já a ligação entre estes dois elementos havia sido
contemplada na legislação relativa ao ensino superior politécnico, através do Decreto-Lei
nº 513-T/79. E a possibilidade de cooperação entre os dois subsistemas foi confirmada pela
Lei nº 108/88, de 24 de Setembro, relativa à “Autonomia das Universidades”.
Define o referido documento estas instituições como: “centros de criação, transmissão
e difusão da cultura, da ciência e da tecnologia, que, através da articulação do estudo, da
docência e da investigação, se integram na vida da sociedade”. Quanto às competências,
as universidades devem “colaborar na formulação, pelo Estado, das políticas nacionais de
educação, ciência e cultura, pronunciando-se, designadamente através do Conselho de Reitores
das Universidades Portuguesas, sobre os projectos legislativos que lhes digam respeito”.
Relativamente ao Ensino Superior Politécnico, o documento correspondente ao “Estatuto
e autonomia dos estabelecimentos de ensino superior politécnico” (Lei nº 54/90, de 5 de
Setembro de 1990) define os institutos politécnicos como “instituições do ensino superior que
integram duas ou mais escolas superiores globalmente orientadas para a prossecução dos
objectivos do ensino superior politécnico numa mesma região, as quais são associadas para
efeitos de concertação das respectivas políticas educativas e de optimização de recursos”.
Esta Lei estabelece, no seu artº 4, o seguinte: “No âmbito das suas atribuições e visando
uma mais adequada prossecução dos seus objectivos, os institutos politécnicos, ou as suas
escolas superiores, podem estabelecer acordos, convénios e protocolos de cooperação com
instituições congéneres e, bem assim, com estabelecimentos de ensino superior universitário,
ou com outros organismos públicos ou privados, nacionais, estrangeiros ou internacionais”.
Para além dos aspectos acima referidos, importa assinalar que o ensino superior nos países
da União Europeia está a ser desenvolvido de acordo com o estabelecido na “Declaração de
324 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Bolonha”, preparada pela Confederação Europeia das Conferências de Reitores e pela Associação
Europeia de Universidades e assinada, em 19 de Junho de 1999, por 29 países europeus,
com vista à reforma das estruturas dos sistemas educativos do ensino superior, de uma forma
convergente, no sentido da construção de um espaço europeu de educação superior.
O texto então assinado, de cooperação entre os diversos estados, visa promover a
construção de uma “Europa de Conhecimento”, com base na educação, formação, investigação
e inovação, assente no cumprimento dos seguintes objectivos:
· adopção de um sistema de graus facilmente legíveis e comparáveis;
· adopção de um sistema essencialmente baseado em dois ciclos principais, estudos
pré-graduados e graduados;
· estabelecimento de um sistema de créditos – à semelhança do sistema de ECTS – como
um meio apropriado para promover uma mobilidade de estudante mais abrangente;
· promoção de mobilidade, superando obstáculos para o exercício efectivo de movimento
livre de estudantes e de professores;
· promoção da cooperação europeia na avaliação da qualidade de ensino, com vista a
desenvolver critérios e metodologias comparáveis;
· promoção das necessárias dimensões europeias de ensino superior, particularmente no
que diz respeito ao desenvolvimento curricular, cooperação internacional, esquemas de
mobilidade e programas de estudo, treino e pesquisa.

Esta Declaração, que é um compromisso conjunto e um programa de acção, tem como


antecedentes os documentos referentes à “Magna Carta Universitatum”, assinada em 18
de Setembro de 1888, por ocasião do nono centenário desta Universidade, e a Declaração
Conjunta da Sorbonne, assinada pelos quatro ministros responsáveis da França, Alemanha,
Itália e Reino Unido.
Na sequência da assinatura desta Declaração, o CRUP (2004, p. 6) apontou um conjunto
de princípios”pelos quais se deve reger a futura estrutura de ciclos e graus do Ensino Superior”,
que passamos a transcrever (Loc. cit.):
· “Transparência na designação dos cursos de todos os subsistemas do Ensino Superior
público e privado.
· Mobilidade de estudantes entre as instituições do Ensino Superior, no âmbito Nacional
e Europeu (…).
· Compatibilidade com as estruturas de graus vigente na Europa.
· Legibilidade das formações e diplomas.
· Equidade e igual exigência nas condições de acesso aos ciclos de formação, incluindo
a garantia de financiamento dos dois ciclos previstos”.

Na sequência da assinatura desta Declaração, a Conferência de Berlim (assinada em 2005)


definiu como prioridades (SOARES, 2005, p. 16):
· “implementar o uso efectivo de um sistema baseado em dois ciclos;
· promover a instalação de um sistema efectivo de garantia da qualidade;
· desenvolver um sistema de reconhecimento de graus e de períodos de estudos”.
Jorge Carvalho Arroteia 325

Pela sua importância e reflexos sobre os sistemas de ensino superior dos diferentes países
europeus e na sociedade, a análise da Declaração de Bolonha e das diferentes linhas de acção
que foram sendo introduzidas neste processo, nomeadamente em conferêncis internacionais
de Lisboa, Praga, Berlim e Bergen, merecem um estudo aprofundado, a realizar após a sua
entrada em funcionamento.
Sistema de informação educacional

A disponibilidade de informação constitui um dos requisitos fundamentais do processo de


desenvolvimento, de planeamento e das tomadas de decisão, relacionadas com a política
de educação e de outras políticas sectoriais. De facto, como assinala Zorrinho (1991,
p. 17), “a informação é hoje um dos factores estruturantes do funcionamento e da evolução
social. Vivemos numa sociedade que, sendo pós-industrial, cada vez mais é designada
por ‘sociedade de informação’, ou mesmo, numa evolução conceptual mais recente, por
‘sociedade do conhecimento’”. Assim, a recolha de informação relacionada com a evolução,
o acompanhamento e a avaliação dos sistemas de ensino exige um conjunto de dados diferen-
ciados, de natureza qualitativa e quantitativa, sobretudo de natureza estatística, direccionados
para os aspectos demográficos, económicos, sociais, culturais e outros.
Na actualidade, às fontes de informação mais tradicionais, relacionadas com a procura dos
alunos, devem juntar-se outros elementos indispensáveis para a tomada de decisão, incidindo
sobre os recursos físicos e materiais e, sobretudo, sobre a população docente, as suas
habilitações, necessidades de formação, expectativas de carreira, mobilidade e outras, bem
como informações relativas ao mercado de trabalho, aos contextos e às exigências impostas
pela sua evolução e crescimento. No dizer de Zorrinho (1991, p. 21), devemos encarar esta
recolha, “na perspectiva de gestão estratégica (…), gerir (pel)a informação é condicionar a
base genética de evolução da organização através da acção sobre os padrões de leitura do
ambiente interno e externo”, permitindo, desta forma, tomadas de decisão assertivas e um
melhor controlo das organizações sociais.
Numa perspectiva quantitativa, o conhecimento dos fenómenos relacionados com a
população escolar, que não só da sua evolução ou das suas características, é facilitado
através da consulta dos dados contidos nos recenseamentos gerais da população, realizados
decenalmente, bem como através das estatísticas especializadas, em particular as estatísticas
da educação, editadas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). Para Santos (1993, p. 22),
estas podem ser utilizadas de forma variada:
“· para descrever o volume e o fluxo de alunos, pessoal docente e administrativo, equipamento
e material didáctico;
· para comparar tipos de ensino e resultados entre instituições e grupos populacionais
diferentes;
· para controlar e compatibilizar as operações do dia-a-dia;
· para planear, o que obriga a dispor de informação, não só da situação corrente, mas
também de resultados prováveis de escolhas alternativas;
328 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

· para avaliar o bom êxito do sistema educativo, à luz de objectivos determinados, ou o


impacto de um programa específico de acção;
· para orientar a pesquisa em educação, a fim de investigar as relações causais entre
factores externos e internos ao sistema educativo”.

O interesse no conhecimento destes dados resulta, fundamentalmente, da necessidade de


se proceder a um levantamento da procura e oferta dos equipamentos educativos, bem como
da identificação dos desequilíbrios existentes no acesso e no sucesso educativos, com vista à
elaboração não só das projecções relativas às necessidades de escolarização, mas também
de propostas que assegurem uma igualização das condições de ensino e o respeito por certas
normas de utilização dos espaços e dos professores.
O conhecimento da frequência do sistema educativo, bem como a apreciação de alguns
indicadores relativos à população escolar (número actual, sua distribuição por ciclos de estudo,
evolução no tempo, duração da “esperança de vida escolar” e outros) e ao nível de instrução
dos restantes habitantes, constitui um auxiliar precioso, que nos permite conhecer o estádio de
evolução cultural e social de um determinado território. Recorde-se que os valores indicativos de
um crescimento negativo da população escolar e os baixos níveis de instrução dos habitantes
fazem-se geralmente acompanhar de índices reveladores de bem-estar social precário e de
repulsão demográfica, indiciadores de um fraco nível de desenvolvimento social, económico e
cultural dessas regiões. Assim o revelam muitos dos índices utilizados na caracterização dos
sistemas de ensino, nomeadamente os que respeitam ao desenvolvimento socioeconómico e
cultural das populações.
A construção de um sistema de informação baseia-se, portanto, na recolha, tratamento e
difusão de uma série de elementos estatísticos e outros, que devem reunir um conjunto de
propriedades sobre a informação que se recolhe. Entre estas, salientamos:
· a relevância da informação recolhida, dado que nem todos os dados disponíveis interessam;
· a sua temporalidade, ou seja, toda a recolha de informação deve ser datada e contex-
tualizada temporalmente;
· a sua fiabilidade, quer dizer que a informação deve ser recolhida, tratada e divulgada
seguindo critérios científicos e rigorosos;
· a sua controlabilidade, ou seja, relacionando a informação recolhida com a sua veracidade
e fiabilidade.

Como fonte privilegiada da informação educacional, contam-se as estatísticas, as quais, de


acordo com um documento do GEP/ME (1989, p. 9), podem ser utilizadas:
· “para descrever o volume e o fluxo de alunos, pessoal docente e administrativo,
equipamento e material didáctico;
· para comparar tipos de ensino e resultados entre instituições e grupos populacionais
diferentes;
· para controlar e compatibilizar as operações do dia-a-dia desta actividade altamente
descentralizada;
· para planear quando é necessária a informação, não só da situação corrente, mas
também de resultados prováveis de escolhas alternativas;
Jorge Carvalho Arroteia 329

· para avaliar o bom êxito do sistema educativo, à luz de objectivos determinados, ou do


impacto de um programa específico de acção;
· para orientar a pesquisa em educação a fim de investigar as relações causais entre
factores externos e internos ao sistema educativo”.

Como exemplo mais antigo de sistema de informação, referem-se os recenseamentos da


população. Estes constam de um “conjunto de operações que permitem conhecer, numa
data precisa, os efectivos da população de um território, com detalhe sobre a repartição desta
população por unidade administrativa e segundo uma gama mais ou menos extensa das suas
características” (PRESSAT, 1979, p. 188). Porque realizados periodicamente e cobrindo todo o
território, os recenseamentos da população permitem a obtenção de dados do maior interesse,
referentes a diferentes grupos e gerações.
Relativamente ao caso português, temos exemplos de:
· Censos da população em 1864,1878, 1890, 1900, 191, 1920, 1930;
· Recenseamentos gerais da população: 1940, 1950 e 1960;
· Recenseamento geral da população e recenseamento geral da habitação em 1970, 1981,
1991 e 2001.

Note-se que os recenseamentos da população (censos da população, nalguns anos)


publicam, desde 1890, informação sobre o grau de instrução da população residente, a
qual poderá ser completada, em anos posteriores, com elementos contidos em publicações
especiais sobre a educação. Destas fazem parte as “Estatísticas da Educação”, publicadas
regularmente desde 1940. Complementarmente, o “Anuário Estatístico”, publicado igualmente
pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), pode conter algumas informações de interesse.
Enriquecem esta informação outros dados estatísticos que, ao longo dos anos, têm sido
publicados pelo Ministério da Educação e por outras entidades oficiais. Entre elas, salientamos
a Direcção Geral do Ensino Superior, o Observatório da Ciência e do Ensino Superior (MCITES)
e o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social (ex-Ministério do Emprego e Segurança
Social, no que respeita à educação pré-escolar). Quanto às Regiões Autónomas dos Açores e
da Madeira, os dados são disponibilizados pelas Secretarias Regionais de Educação.
Para além destas fontes de natureza “documental”, podemos considerar igualmente,
como relevantes, as fontes de natureza “não documental”, obtidas através de instrumentos
directos de recolha científica. Pode, no entanto, acontecer que a recolha da informação que
necessitamos recorra a outros documentos já elaborados, disponíveis em arquivos, em
estudos e documentos de índole diversa, em publicações periódicas e outras, cuja consulta
se torna obrigatória para se compreender a sociedade (ou apenas certas facetas), entendida
esta “não tanto como um sistema de elementos interdependentes, mas como sistema em
estado de transformação permanente” (BOUDON, 1980, p. 38), isto é, sujeita à análise crítica
das suas fontes e conteúdos.
De uma forma geral, as fontes ora enunciadas permitem-nos obter elementos já trabalhados
por outrem e, por isso, as designamos por fontes de natureza “secundária”, diferentes das que
utilizamos em resultado do trabalho de levantamento directo da nossa investigação, ou seja,
da utilização de fontes de natureza “primária”.
330 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Quanto às “fontes não documentais”, elas são constituídas, essencialmente, pelos dados
recolhidos por “observação directa” (participante e não-participante), por meio de “entrevistas”,
de “questionários” e de “estudos no terreno”. No seu conjunto, estas permitem o levantamento
de diferentes elementos, quantificáveis ou não, de condutas e de interacções, fundamentais para
a verificação da(s) hipótese(s) inicialmente formulada(s). Em quaisquer dos casos, a observação
e a consulta documental não devem inviabilizar o recurso a outras fontes de informação não
documentais, as quais acabam sempre por evidenciar duas dimensões distintas: a “quantidade
das pessoas envolvidas na recolha de informação” e a “actividade pessoal do investigador na
recolha de informação” (WORSLEY, 1977, p. 109), determinando, por isso, a natureza dos
instrumentos de recolha.
Para além destas, os documentos não escritos (rádio, televisão, cinema, documentos
iconográfi cos e outros) constituem, cada vez mais, recursos de inegável valor para o
conhecimento dos indivíduos, dos grupos, das instituições e das próprias sociedades. Tal
facto resulta não só da grande divulgação que têm ganhado estes meios, mas também da
importância crescente que se dá à compreensão de certos factos sociais através do estudo
das suas múltiplas manifestações culturais.
Promovida por alguns dos organismos internacionais considerados neste trabalho, pelos
Governos e por centros de recursos especializados, é possível, hoje em dia, aceder a diversas
fontes de informação especializada sobre a população, em geral, e sobre as características
dominantes das sociedades actuais.
Recordamos, ainda, que a recolha dos dados que nos permitem desenvolver qualquer
trabalho de pesquisa constitui uma das tarefas mais complexas do investigador quando se inicia
na explicação e na procura das relações entre os diferentes fenómenos sociais. Com efeito, a
compreensão dos “fenómenos sociais totais” (Mauss) exige, no entender de Gurvitch (1979,
p. 17), uma análise exaustiva das diferentes camadas que se interpenetram em profundidade
e que constituem não só a “crosta exterior da sociedade,” mas também as “superestruturas
organizadas”, as “práticas quotidianas”, os “valores e ideias colectivas” e a “mentalidade social,
colectiva e individual”. Daí que, para além das precauções já indicadas sobre a utilização e
contextualização dos diferentes indicadores, o investigador social se debata, ainda, com as
dificuldades inerentes à fidedignidade e à natureza das fontes.
Sob a responsabilidade da OCDE, da UNESCO ou de outros organismos, tais como o CIEP
(Centre International d’Études Pédagogiques), estão acessíveis, em suporte escrito e para
consulta em páginas Web, informações diversas relacionadas com as políticas educativas, a
avaliação dos sistemas educativos, os conceitos usados em educação (“Glossários”) e outros
dados que tornam mais acessíveis e universais, para consulta, os sistemas nacionais de
informação estatística.
No seio da UE, a rede europeia EURYDICE funciona como a “rede institucional que colige,
actualiza e difunde informação fiável e comparável sobre as políticas e os sistemas educativos
em toda a Europa”. Neste sentido, esta rede de informação, com sede em Bruxelas e por
unidades nacionais sob a responsabilidade dos respectivos Ministérios de Educação, tem por
missão (cf: http://www.eurydice.org.):
· recolha de dados de base e informação sobre a sua evolução;
· comparação entre os sistemas, as acções e as políticas;
Jorge Carvalho Arroteia 331

· elaboração de indicadores e acompanhar a sua evolução;


· preparar a análise prospectiva e estratégica;
· reunir e preparar os resultados de pesquisas e de estudos;
· identificar os recursos documentais disponíveis.

Os dados desta rede europeia estão disponíveis na base de dados EURYBASE.


Socialização

A aprendizagem das normas, dos valores, de certos traços do comportamento e de um sem


número de conhecimentos que promovam a fácil integração do indivíduo na sociedade que o
rodeia constitui uma das chamadas “funções manifestas” da escola. Contudo, nem só a esta
cabe tal responsabilidade, sendo coadjuvada por outros agentes, entre os quais se destaca a
família, as igrejas, os grupos (de amigos e outros) e os meios de comunicação social.
De acordo Cabanas (1989, p. 94), sendo a socialização um processo que dura toda a vida,
abarca três aspectos fundamentais:
· um vertical, que diz respeito aos agentes – família e educadores de todos os tipos – que
agem sobre o indivíduo de forma a modelá-lo;
· um horizontal, constituído pela interacção com os pares e com os grupos correspondentes
ao mesmo status;
· um outro, projectivo, com vista à preparação do indivíduo para o desempenho futuro de
determinadas funções.

Ainda segundo o mesmo autor (Loc. cit.), a socialização poderá ser:


· espontânea, fruto da experiência vivida;
· institucionalizada, a que tem lugar através de instituições que a promovem de forma
sistemática e intencional, como a família, a escola, os meios de comunicação social, a
profissão, as associações e a comunidade.

Esta questão remete-nos, de imediato, para a análise dos principais agentes de socialização,
os quais, no dizer de Musgrave (1984, p. 33), promovem a criação de uma versão da realidade
social no espírito da geração seguinte, que pode estar em consonância com a dos adultos ou,
nalgumas dimensões, apresentar desvios relativamente aos seus critérios. Note-se que o processo
de socialização pode ser entendido de formas distintas, mas complementares entre si.
Musgrave (Op. cit., p. 20 ), numa perspectiva estrutural, realça a importância dos papéis
que os indivíduos desempenham ao longo da sua vida e nas várias posições que assumem.
Numa vertente interpessoal, realiza-se através da interacção contínua com os outros indivíduos.
Assim (Loc. cit.), qualquer grupo pode ser considerado como um conjunto de posições sociais
estruturadas de certa maneira, porque os seus membros esperam um certo comportamento uns
dos outros. Entende-se nesta citação que cada um de nós desempenha papéis diferenciados
ao longo da vida, conforme a posição que assume na estrutura social e o grupo em que está
integrado – família, escola, empresa, partido político, autarquia, comunidade.
334 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Nestas circunstâncias, haverá que atender à modelação recíproca entre duas ou mais
pessoas à medida que actuam umas sobre as outras (Op. cit., p. 26). Promovendo a aceitação
de determinados modelos de comportamento ou, pelo contrário, gerando conflitos, as
aprendizagens assentam na aplicação de sanções geradoras de alguns comportamentos
desviantes como resultado, tantas vezes, de uma falha do processo de socialização.
Outras abordagens podem ser realizadas. Se tivermos em conta que a socialização tem um
papel preponderante na construção da personalidade do indivíduo, a qual se vai construindo
através de um contacto progressivo e de um desenvolvimento, social e afectivo entre o mesmo
e a família, a escola, os grupos de amigos e a sociedade em geral. Note-se que este contacto
progressivo manifesta-se através de linhas de conduta que poderão estar, mais ou menos,
adaptadas aos padrões sociais comuns, permitindo, desta forma, a avaliação do processo de
socialização, em sentido positivo, quando essas condutas se apresentam adaptadas ao meio
social, ou então desadaptadas, realçando, neste caso, o fracasso daquele processo.
Pensando na realidade portuguesa, logo nos apercebemos da importância da escola
no processo de socialização dos alunos, responsabilidade esta que, de uma forma global,
é atribuída ao sistema educativo, que, entre outras funções, deverá assegurar (artº 3 –
Lei 46/86): “(…) a defesa da identidade nacional” e o “reforço da fidelidade à matriz histórica
de Portugal, através da consciencialização relativamente ao património cultural do povo
português”. Outros aspectos são considerados, nomeadamente os que respeitam o “pleno
desenvolvimento da personalidade, da formação do carácter e da cidadania”, a “formação
cívica e moral dos jovens “, etc.
O conjunto destes princípios organizativos são desenvolvidos nos diferentes objectivos
relativos à educação pré-escolar, ao ensino básico e ao ensino secundário, tendo presente que
uma das funções do sistema educativo é o de “responder às necessidades da realidade social,
contribuindo para o desenvolvimento pleno e harmonioso da personalidade dos indivíduos,
incentivando a formação de cidadãos livres, responsáveis, autónomos e solidários e valorizando
a dimensão humana do trabalho” (artº 2 – Lei 46/86). Estas preocupações mantêm-se expressas
nos grandes objectivos da educação pré-escolar, do ensino básico (1º, 2º e 3º ciclos) e do
ensino secundário.
Recorde-se que o processo de socialização pode ser ainda entendido de formas distintas,
mas complementares entre si, como assinala Musgrave (1984): numa perspectiva estrutural,
realçando a importância dos papéis que os indivíduos desempenham ao longo da sua vida e
nas várias posições que assumem, ou, de uma outra forma, numa perspectiva interpessoal,
através da interacção com os outros. De acordo com aquele autor (Op. cit., p. 20), “qualquer
grupo pode ser considerado como um conjunto de posições sociais estruturadas de certa
maneira porque os seus membros esperam um certo comportamento uns dos outros”. Assim
se compreende que do desempenho sucessivo destes papéis, ao longo de toda a vida do
indivíduo e em interacção constante com os demais membros do grupo a que pertence, resulte
a unidade e a coesão da estrutura social dominante.
A segunda perspectiva, de natureza interpessoal, privilegia uma “modelação recíproca”
entre duas ou mais pessoas que se “modelam uma à outra à medida que actuam uma sobre a
outra” (Op. cit., p. 26). Promovendo a aceitação de determinados modelos de comportamento
ou pelo contrário gerando conflitos, as aprendizagens assentam tantas vezes na aplicação de
Jorge Carvalho Arroteia 335

sanções, geradoras de alguns comportamentos desviantes como resultado, tantas vezes, de


uma falha do processo de socialização.
Entre eles destacamos o papel da família, e a sua função educativa por excelência. Como
Durkheim, diremos que a função educacional constitui uma forma de socialização especial, de
socialização metódica da juventude através da acção dos mais velhos.
Por outro lado, e como nota o supracitado autor (Op. cit., p. 45), do mesmo modo que os
que se tornam membros de qualquer grupo necessitam de aprender os hábitos deste, também
os novos membros da família têm de ser socializados nos papéis que respeitam ao estádio do
ciclo vital por que estão a passar. No entanto, a família tem uma posição chave na estrutura
social, uma vez que é sobretudo através dela que a sociedade em geral inicia os seus novos
membros. Com efeito, sendo esta que, desde o primeiro momento, fornece cuidados físicos
e ensina às crianças a interpretação que os pais fazem da realidade social circundante, sendo
dentro da família que a personalidade da criança se desenvolve nos primeiros anos e nos anos
de formação (Loc. cit.), os traços futuros da personalidade do indivíduo são marcados pela
vivência e pelas marcas da primeira socialização experimentada no seio do sistema familiar.
Dependendo muito embora alguns destes aspectos da natureza e da extensão deste núcleo
familiar, bem como de algumas características individuais dos seus membros, marcados
fundamentalmente pela hereditariedade biológica, todos reconhecemos a esta instituição um
papel notório na transmissão da cultura e dos conhecimentos, das atitudes e dos valores
que interferem na modelação da personalidade e do carácter de qualquer cidadão. Assim,
reconhece Musgrave (Op. cit., p. 62) que uma das funções primordiais da família é a de ajudar
a criança a atravessar a adolescência com um mínimo de comportamento anti-social, sem, no
entanto, lhe distorcer a personalidade reprimindo-a mais que o devido.
Nesta linha de pensamento, muito haveria certamente a dizer acerca da escola – da sua
organização interna, dos programas, dos agentes e das suas relações com a comunidade –
e da importância que esta desempenha como meio de socialização dos alunos. Mesmo
assim, e como exemplo de uma organização formal, a escola deverá apresentar-se como um
sistema organizado, cimentado pela interdependência e solidariedade entre os seus membros,
prosseguindo igualmente determinados objectivos específicos e em ligação estreita com a
sociedade onde se insere.
Destes pressupostos resultará uma certa capacidade de actuação e de intervenção que
atenua os contrastes sociais, a herança cultural, as diferenças de personalidade e os traços
da hereditariedade individual dos alunos e que não deixam de se traduzir no processo de
socialização e de transmissão de conhecimentos que se operam no seio da comunidade
escolar. A este respeito, parece-nos, uma vez mais, oportuno citar Loureiro (1985, p. 18),
quando aponta que o fenómeno de escolarização da sociedade não se traduziu em resultados
concretos do ponto de vista pedagógico, indicando como razões justificativas as que respeitam
ao figurino social da escola standartizada, em que predomina a lei do mais capaz, para não
dizer do mais forte, e em que o desenvolvimento humano se mede por critérios de ajustamento
em relação à “norma”, excluindo, por definição, os que dela se desviam.
Tendo presente a realidade portuguesa, diremos apenas que um dos princípios organizativos
referidos na Lei de Bases aponta a importância do sistema educativo na realização pessoal e
comunitária dos indivíduos, nada acrescentando, no entanto, sobre a estratégia pedagógica
336 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

a seguir, no sentido de promover a redefinição dos valores culturais e a procura das novas
identidades culturais reclamadas pela sociedade actual. Tal facto deve-se quer à configuração
genérica do sistema organizacional e administrativo escolar português, o qual não deixa de
apontar as fraquezas e as incidências de uma explosão escolar acentuada, quer à saturação
evidente dos espaços e ao deficiente acompanhamento pedagógico dos alunos por parte de
uma população docente cada vez mais habilitada academicamente, mas pouco sensível, por
vezes, ao cumprimento de outras tarefas que ultrapassam largamente a mera transmissão de
conhecimentos obrigada pelo programa.
Algumas razões poderão estar na origem deste tipo de comportamento. O grau de ocupação
de alguns espaços escolares, a natureza de certas medidas de política educativa, a falta de
perspectivas de afirmação social, decorrentes da desvalorização económica e social da função
docente, a desmotivação e o mal-estar que reina em alguns estratos da população escolar,
da educação pré-primária ao ensino superior, não deixam de se repercutir na classe docente,
nas suas condições de trabalho e motivações, recriando um mau clima interno e uma fraca
interpenetração entre a escola e a comunidade. Nestas condições, dificulta-se o processo de
socialização dos alunos e o diálogo com os restantes agentes deste mesmo processo.
Para além da família e da escola, também os meios de comunicação social, em particular
a televisão e o cinema, desempenham um papel cada vez maior na socialização das crianças.
Tal facto repousa na difusão maciça destes meios e na quebra da importância da família como
meio de socialização, decorrente, sobretudo, das transformações sugeridas pelas novas
condições tecnológicas e económicas em que vivemos.
Recorde-se, a propósito, como a divisão do trabalho social, a emancipação feminina –
traduzida, neste caso, por uma maior participação no mercado de trabalho –, o crescimento
desmesurado das grandes urbes, sem a correspondente melhoria das infra-estruturas de
transporte e sociais, etc., se repercutiram nessa perda de influência da família no processo de
socialização das crianças.
Resta-nos, finalmente, considerar a importância da comunidade neste complexo e vasto
processo de socialização. Nestas circunstâncias, pensamos, fundamentalmente, na acção
exercida pelos membros de um determinado agrupamento social e humano, com uma certa
proximidade de residência e podendo estabelecer, eventualmente, relações sociais entre os
membros (BIROU, 1978, p. 76). Assim, e como foi anteriormente notado, os símbolos, as
ideias, os valores e as normas de comportamento transmitidas, porque repousam tantas vezes
numa idêntica herança cultural, numa consciência colectiva comum, mais não fazem do que
transmitir os modelos sociais existentes fundamentados, a maior parte das vezes, nas tradições,
nos costumes e nas rotinas. No entanto, apesar dos modelos sociais constituírem um nível ou
camada de profundidade especial da realidade social (GURVITCH, 1979, p. 95), não deixam
de actuar ao nível das condutas colectivas, funcionando, então, como um apreciável elemento
neste processo de socialização.
Retenhamos o caso dos membros desta comunidade serem os grupos de amigos e
colegas, os quais, cultivando determinadas culturas juvenis, têm um papel relevante na
transmissão de saberes, na aprendizagem de novos papéis e na modelação das formas de
comportamento individuais e colectivas, reforçando, por isso, o peso dos factores sociais
e ambientais neste processo de socialização. Como acentua Musgrave (1984, p. 109),
Jorge Carvalho Arroteia 337

os grupos servem-se de fontes culturais do seu meio para criarem novos estilos e para
exprimirem significados geracionais.
Este fenómeno surge, então, como resultado de uma emancipação progressiva dos jovens,
que, escapando ao controle da escola e da família, desenvolvem um cada vez maior número
de actividades fora dessas instituições, quando muitas delas poderiam ser acompanhadas,
de outra forma, se não fora a ocorrência da “massificação” escolar. Estas circunstâncias
acabam por reforçar o desenvolvimento de várias subculturas, como o demonstrou Coleman
(in: MUSGRAVE, 1984, p. 121), que, em resultado de pesquisas efectuadas em escolas
secundárias americanas, encontrou quatro tipos de subculturas dominantes: divertimento,
escolar, vocacional e deliquente.
Exemplificando com os resultados deste autor, a maior parte dos alunos eram membros da
primeira cultura, que se baseava na sua participação, através dos grupos de colegas, na vasta
gama de recursos extracurriculares de que dispõem as escolas secundárias americanas e nas
muitas actividades de preenchimento dos tempos livres fora das horas de escolaridade, mas
preparadas na escola. Nestas circunstâncias, os alunos frequentavam a escola, não com o
intuito de participarem nas actividades escolares, mas sim com a finalidade de se encontrarem
com os colegas e amigos, sendo a escola não tanto um local de aprendizagem, mas sim de
encontro e diversão.
Como acentuámos, dada a multiplicidade de subculturas juvenis, o aparecimento de
comportamentos desviantes surge como reflexo da heterogeneidade da população escolar,
da multiplicidade de projectos que os animam, da herança cultural que transportam e das
características (dimensão, alternativas de tempos livres, apoio pedagógico) da própria escola.
Daí que o aparecimento de grupos com valores opostos à própria escola seja uma constante,
dependendo os seus efeitos não só da base familiar desses alunos, mas também do êxito
alcançado pela população juvenil nas respectivas actividades curriculares. Comprova-o, aliás,
mais uma transcrição de Musgrave (Op. cit., p. 123), quando escreve: (…) “o tipo de grupo de
colegas a que o adolescente adere e a medida em que é por ele influenciado a favor ou contra
a escola radicará, largamente, nas suas próprias circunstâncias familiares”.
Muito haveria certamente a dizer, também, acerca da escola – da sua organização interna,
dos programas, dos agentes e das suas relações com a comunidade – e da importância
que esta desempenha como meio de socialização dos alunos. De facto, como exemplo
de uma “organização formal”, a escola é um sistema organizado, cimentado por uma
certa interdependência e solidariedade entre os seus membros, prosseguindo, igualmente,
determinados objectivos específicos e em ligação estreita com a sociedade onde se insere.
Difícil se torna enunciar, ainda, o papel dos meios de comunicação social, em particular
da televisão e do cinema, no processo de socialização das crianças, tendo em conta a sua
difusão maciça e a quebra da importância da família como meio de socialização, decorrente,
sobretudo, das transformações sugeridas pelas novas condições tecnológicas e económicas
em que vivemos. De facto, as exigências de formação sentidas pelas diversas classes e grupos
profissionais são cada vez mais uma constante da sociedade actual, que confere igualmente um
papel preponderante à chamada educação informal, que se vai operando, de forma contínua,
através de múltiplos processos educativos, indiferenciados e inespecíficos.
338 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Como acentua Cabanas (1989, p. 96), este tipo de educação “não intencional, inconsciente,
por vezes deformadora, geralmente não sistemática, contínua na sua acção e auxiliada por
diversos factores sociais”, tem vindo, cada vez mais, a ganhar terreno sobre a chamada educação
formal (que é assegurada pelo sistema educativo), tornando-se, por vezes, de valor pedagógico
duvidoso e tantas vezes contraproducente. Por outro lado, dado o seu carácter difuso,
espontâneo e ambiental, tem vindo a fortalecer o peso da chamada “escola paralela”, cuja
eficácia persuasiva resulta, como acentua Cabanas (Loc. cit.), de “não actuar a nível crítico,
mas quase sempre a nível emocional, exercendo sobre o indivíduo uma sugestão quando não
uma verdadeira manipulação”.

Educação
INFORMAL
Espaço
família/escola

Educação
infância/adolescência PERMANENTE

Tempo
in: CABANAS; 1989; 96

Figura 4

Se associarmos estas características ao processo de socialização, logo nos apercebemos


como os canais da “educação informal” são bastante variados, confundindo-se, muitas vezes,
com os próprios agentes de socialização. Entre aqueles destacamos, para além dos meios de
comunicação que temos vindo a considerar, os grupos de amigos e as respectivas subculturas,
os livros e a imprensa, os espectáculos, os clubes, etc.
Pensemos, também, noutro grupo de agentes de socialização, as associações, em
particular as associações profissionais, sindicais e outras, geralmente atentas não só à
qualificação profissional dos seus quadros, mas também à formação profissional e ideológica
dos seus filiados. Embora de forma distinta, consideramos dois casos deste processo.
O primeiro, relacionado com a qualificação profissional dos seus membros e o interesse
das associações profissionais em promoverem a formação contínua dos seus associados.
Este tipo de intervenção tem em vista acompanhar os efeitos da evolução tecnológica e
a minimizar os problemas, cada vez mais complexos, que se põem ao cidadão incapaz
de acompanhar, isoladamente, esses avanços. Referimo-nos, em particular, aos diversos
programas que constituem a chamada “educação permanente”, e nos seus reflexos imediatos
sobre os processos e métodos de leccionação e abordagem de fenómenos tão complexos,
quanto os actuais.
Jorge Carvalho Arroteia 339

Podemos afirmar que as necessidades de uma formação contínua e permanente resultam


não de um mero capricho ou prazer de aperfeiçoamento da formação inicial, mas de uma
exigência dos cidadãos, no sentido de aproveitarem ao máximo as suas capacidades e os
efeitos da inovação tecnológica que nos rodeia. Tratando-se, embora, de uma forma distinta
de socialização, o papel das associações não deixa de ser notória, quer neste domínio, quer,
sobretudo, no âmbito da formação político-ideológica dos seus membros. Podemos, neste caso,
falar de uma forma de socialização política, orientada, fundamentalmente, para a formação de
“élites” e de quadros de chefia para os diversos níveis de decisão e de intervenção política.
Território

O desenvolvimento dos fenómenos sociais e educacionais tem como cenários diferentes


espaços nacionais e regionais, marcados por características físicas, humanas, socioeconómicas e
culturais distintas, consoante os traços da população dominante. Do ponto de vista geográfico,
o território corresponde, assim, quer a um espaço político dominado por um determinado tipo
de autoridade política e administrativa, quer a um “espaço socializado, qualquer que seja a
sua dimensão, apropriado pelos seus habitantes” (BAUD, BOURGEAT, BRAS, 1997, p. 130).
Neste caso, a noção de território assenta não só numa unidade física, mas também na “obra
humana”, ora entendida como uma memória histórica e cultural, que determina certo tipo de
representações sociais, não configuradas a um espaço restrito de natureza física ou política.
As fronteiras mentais que identificam um determinado espaço social – próprio de uma
determinada sociedade – são invisíveis, podendo estar na origem de traços de identidade e
de pertença de determinadas comunidades humanas, rurais, urbanas e de outra natureza,
que podem alimentar sentimentos regionalistas mais ou menos intensos. De acordo com os
autores acima referidos (Op. cit., p. 365), “uma sociedade é uma colectividade que ocupa um
determinado território, dirigido por instituições próprias e no seio das quais se expressam formas
de solidariedade, laços de cooperação e de troca e laços culturais”.
As relações estabelecidas entre os habitantes de um espaço determinado configuram
unidades “socioespaciais”, marcados pela expressão e coerência de certos traços de identidade,
de actividades, de vivência colectiva dos fenómenos sociais e culturais ou do mesmo tipo de
relações estabelecidas entre a sociedade ou as comunidades humanas, com um determinado
espaço terrestre ou território .
O conceito de território, não só como espaço apropriado física e culturalmente pela
população, tem vindo a ser utilizado na explicação de alguns fenómenos educacionais,
sobretudo os que se relacionam com o exercício do poder no âmbito das políticas educativas
e da administração da educação. De acordo com Barroso (1996, p. 103), o “conceito de
territorialização é utilizado para significar uma grande diversidade de princípios, dispositivos
e processos inovadores, no domínio da planificação, formulação e administração das políticas
educativas que, de um modo geral, vão no sentido de valorizar a afirmação dos poderes
periféricos, a mobilização local dos actores e a contextualização da acção política”. Assim podem
designar “as várias modalidades de descentralização, recentralização e redescentralização
que têm caracterizado as medidas tomadas em diversos países neste domínio” (Loc. cit.).
Da nossa parte, entendemos que o espaço geográfico ou território, expressando o resultado da
acção humana e de diferentes formas de intervenção política, constitui um domínio privilegiado
342 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

de análise interdisciplinar que reforça a sua natureza e essência, ora considerado também como
“espaço educativo”, cenário de diferentes formas de progresso, nomeadamente no âmbito do
desenvolvimento local e comunitário.
Para efeitos estatísticos, o território nacional encontra-se dividido em 3 grandes unidades
territoriais – NUT I –, ou seja, o Continente, a Região Autónoma dos Açores e a Região
Autónoma da Madeira, “sendo que a primeira unidade se desagrega em 5 regiões (NUTS II) e 28
sub-regiões (NUTS III). O territário nacional está, ainda, subdividido em unidades administrativas:
308 concelhos e 4241 freguesias” (INE, 2002, XLV).

Assimetrias regionais
A constatação da existência de contrastes regionais, relacionados com a distribuição da
população no território, acompanha o desigual processo de crescimento económico e de
desenvolvimento cultural entre diferentes regiões ou países. O mesmo se regista em relação ao
acesso, à frequência e ao aproveitamento escolar, acentuando, por esta via, as desigualdades
sociais que acompanham a sociedade portuguesa. Este é um fenómeno que se tem vindo a
acentuar, expressando o resultado da repartição e do aproveitamento diferenciado de recursos,
sobretudo dos recursos humanos, evidenciados por diversos indicadores, nomeadamente os
que se relacionam com o nível de vida e de bem-estar da população, a filosofia, as estratégias
e as políticas regionais e do desenvolvimento socioeconómico do país.
Recorda-se que estas assimetrias (ou disparidades) regionais são devidas a diferentes
factores:
· factores físicos, relacionados com a topografia, os recursos naturais, a natureza do solo,
a disponibilidade de água e o clima;
· factores demográficos, relacionados com a densidade demográfica, o tipo de povoa-
mento, o movimento natural da população e a sua concentração no território;
· factores económicos, relacionados com a industrialização, a diversidade, as actividades
da população e a produtividade do país;
· factores socioculturais, relacionados com a estrutura da propriedade, a formação e
qualificação profissional, a disponibilidade de equipamentos culturais, etc.

A importância destes factores anda associada ao traçado das diferentes “acessibilidades”,


o que permite individualizar áreas territoriais com características semelhantes (homogéneas)
ou mais díspares, que evidenciam assimetrias e disparidades regionais, relacionadas com a
cobertura da rede ou com a ocorrência de certos fenómenos educacionais. Neste caso, as
disparidades regionais decalcam a ocorrência dos contrastes de natureza física e humana,
económica, social e cultural que caracterizam um determinado território. Estas considerações
são, igualmente, válidas para as “regiões naturais”, que se distinguem pela existência da
homogeneidade de traços naturais idênticos, em contraste com as regiões vizinhas.
No que respeita à educação, o seu desenvolvimento fica, igualmente, condicionado pela
existência destes diversos factores e traduz-se no território em contrastes muito distintos,
relacionados com a frequência da população escolar, os seus recursos, a distribuição e a
natureza dos equipamentos, bem como com os resultados. Estes contrastes andam associados à
qualidade do ensino e à formação dos diplomados. Tais diferenças são, igualmente, determinantes
Jorge Carvalho Arroteia 343

da procura do ensino (por sexo, rendimento familiar, origem geográfica e social), do rendimento
escolar e da mobilidade da população no seio do sistema educativo.
Em Portugal, para além dos condicionalismos físicos conhecidos em todo o território
português, estão igualmente diagnosticadas um certo número de assimetrias espaciais que
o texto da Constituição da República Portuguesa propõe alterar, nomeadamente através
da promoção da “coesão económica e social de todo o território nacional, orientando o
desenvolvimento no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões e
eliminando progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo e
entre o litoral e o interior” (artº 81.c).
As acções a desenvolver, no âmbito económico e social, pelo Estado assentam na fruição
colectiva do “direito à educação e à cultura” (artº 73 – CRP) e na “democratização da educação”
que garanta que “todos têm o direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de
oportunidades de acesso e êxito escolar” (artº 74). Daí que “o Estado crie uma rede de
estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população” (artº 75),
de modo a assegurar a todos os cidadãos “a superação das desigualdades económicas, sociais
e culturais” existentes (artº 73).
A expressão destes contrastes está plasmada na rede de estabelecimentos de ensino, nas
acessibilidades dos alunos e, sobretudo, nos resultados escolares, levando o poder central e
o poder local a definirem novos padrões da “carta escolar” e da rede de estabelecimentos de
ensino, nos seus diversos níveis. Também a distribuição dos recursos humanos no território,
em termos gerais e de acordo com diferentes áreas de especialização, decalca muitos dos
contrastes ditados pela geografia do território e agravados pelas opções de desenvolvimento
regional ao longo de décadas.
Este panorama continua a comprovar as assimetrias espaciais e sociais que identificavam a
sociedade portuguesa e que levaram Nunes (1964, p. 407) a identificá-la como uma “sociedade
dualista onde ao redor de restritas áreas de economia e sociedade moderna se mantém toda
uma vasta zona de economia e sociedade tradicional, definida não só pelo seu grau de
urbanização, mas pela densidade do escol cultural, uma vez que é neste que se contêm os
principais agentes propagadores, pela via intelectual e pela criação económica, das novas
formas de civilização” (Op. cit., p. 415). Esta situação mantém-se na actualidade, dado o reforço
da litoralização, ou seja, do acréscimo contínuo da população em direcção aos grandes centros
urbanos do litoral, agravando a desertificação humana das terras do interior do país.
Se tivermos em consideração os resultados expressos no último censo da população, em
2001 (INE, 2002, XLVI), regista-se uma densidade média de 110 habitantes/Km2, facto que
não deixa de fazer transparecer o seguinte:
· “A ocupação humana do território continental mantém os traços históricos de diferenciação
norte-sul e litoral-interior: densidades mais elevadas a Norte do Rio Tejo, com uma
estrutura de povoamento difuso, que assume o expoente máximo na região Norte;
baixas densidades a sul daquele rio, com uma estrutura, de povoamento concentrado.
A componente litoralizante agudiza esta estrutura, pondo em evidência um território a
Norte do Tejo, contrastado com um litoral de ocupação mais difusa, mas muito mais
densificada que o interior e opondo um Algarve litoral a um Algarve serranio. Neste
panorama, evidenciam-se algumas das cidades médias do interior, a Norte do Tejo –
344 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Chaves, Bragança e Vila Real, Viseu, Guarda, Covilhã, Fundão e Castelo Branco – e a
Sul – Portalegre, Elvas, Évora e Beja. No território insular, a ocupação sustenta-se nos
principais centros populacionais de cada ilha (Angra do Heroímo, Ponta Delgada e Funchal),
privilegiando o litoral e, de uma forma genérica, os espaços de exposição a sul.
· As áreas de maior densidade, com uma extensão significativa, são, por um lado, os dois
centros das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto e, por outro, os alinhamentos do
Vale do Ave, Tâmega e Cávado, que tendem a aglutinar-se com o Grande Porto.
· A variação da população consubstancia e acentua estas ideias: perda de população
generalizada no interior (com excepção da Cova da Beira e Alentejo Central) e ganhos
populacionais nas áreas litorais”.

A desigual repartição da população no território exigia outros considerandos, relacionados


com a existência de factores de diferente natureza, que condicionam o agravamento das
assimetrias espaciais, sociais e culturais dominantes, bem como as tomadas de decisão
relativas às políticas sociais e educativas, geradoras da sua atenuação.

Comunidade
A noção de comunidade, entendida como um agregado humano caracterizado pela existência
de um espírito de solidariedade colectivo, por uma interacção constante (decorrente da
proximidade de residência), pela defesa comum de certas normas e princípios e pela aceitação
de certas regras de convivência social, é uma realidade bastante antiga, que pode ser entendida
de formas distintas. De acordo com Durkheim (1968), a comunidade realça uma relação estável e
duradoura – coesão social –, ou seja, uma ”consciência colectiva”, entendida como o “conjunto
de crenças e de sentimentos comuns à média dos membros de uma sociedade”.
Por outro lado, Horton e Hunt (1980, p. 359) entendem a comunidade como “um agrupamento
local dentro do qual as pessoas realizam uma série completa de actividades da vida”. Recorrendo
a estudos de outros autores, Horton e Hunt (Loc. cit.) reconhecem que esta inclui: “(1) um
agrupamento de pessoas, (2) dentro de uma área geográfica, (3), com uma divisão do trabalho em
funções especializadas e interdependentes, (4) com uma cultura comum e um sistema social que
organiza as suas actividades, (5) cujos membros estão cônscios de sua unidade e de pertencerem
à comunidade e (6) podem agir colectivamente de modo organizado”.
Por sua vez, Gonçalves (1991, 99) apresenta uma outra proposta, de raiz antropológica, pouco
diferente das anteriores: “a comunidade caracteriza-se pela consciência dos seus limites espaciais,
com os quais se identifica a si própria e perante as outras comunidades”, ou seja, “uma espécie
de sociedade global autártica que, possuindo uma base territorial, tem a possibilidade de viver
globalmente nesta unidade, por intermédio de instituições sociais adequadas, identificando-se
por interesses e valores materiais e espirituais comuns” ((Loc. cit.).
A forma mais antiga de tipificar estes grupos é a sua classificação em comunidades rurais e
comunidades urbanas. Contudo, porque a sua identificação não é consensual, sobretudo no
seio da “sociedade de massa” que nos rodeia, – entendida como um “agregado de indivíduos
separados, desvinculados e anónimos, com organização social baseada em contrato e não
em parentesco, onde os vínculos entre pessoas são utilitários e não pessoais ou sentimentais
(…)”, a utilização deste conceito tem sido adoptada em diversos contextos. Assim, a existência
Jorge Carvalho Arroteia 345

de uma “comunidade” (local, escolar e educativa) implica a existência de importantes redes de


comunicação entre os seus membros: a escola, a família, a autarquia e as associações (de pais
e outras), que, entre si e muitas vezes através dos mesmos elementos, estreitam essa ligação,
utilizando, como actores, os alunos/filhos, pais e professores.
O estudo da comunidade exige o conhecimento desta em diversos aspectos e domínios,
que se pode resumir no quadro anexo:

Quadro 14. Estudos de comunidade – indicadores de situação

Natureza dos indicadores Relevo


Clima
Geográfica Povoamento
Densidade demográfica
Funções centrais
Hierarquia dos "lugares centrais"
Demográfica População residente
Evolução da população
Movimento da população Mov. naturais
Mov. migratórios
Estrutura da população Sexo
Idade
População rural e urbana
População activa/sectores de actividade
Económica Estrutura do emprego
Tecido produtivo Indústria transformadora
Explorações agrícolas
Comércio e serviços
Social Caracterização da rede e acessibilidade viária
Equipamentos e serviços de solidariedade social
Saúde Recursos e infra-estruturas existentes
Cobertura médico-sanitária
Hierarquia dos serv. de saúde e acessibilidade médica
Alojamento Tipo e ocupação dos alojamentos
Idade e estado de conservação
Rede sanitária e esgotos
Socioculturais Taxa de analfabetismo
Imprensa local (tiragem e nº de publicações)
Nº de Bibliotecas e Museus
Tradições e manifestações culturais

Se atendermos aos sistemas educativos e à sua unidade fundamental representada


pela escola, este conceito pode aplicar-se ao conjunto da população docente e discente e
aos funcionários e familiares dos alunos directamente envolvidos no processo educativo –
346 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

“comunidade escolar”. Por isso, autores há, como Simões (1989, p. 39-42), que distinguem a
“comunidade escolar”, “restrita e fechada em si mesma”, da “comunidade educativa”, aberta a
todos os interessados no processo educativo e, como tal, delimitada por uma “fronteira social,
mais ampla e fluida, que abrange todos os interessados, de modo directo ou indirecto, na
educação escolar”.
A referência à comunidade educativa aparece em diversos textos legais relativos à
organização e administração das escolas e ao desenvolvimento dos respectivos projectos
educativos. Assim, a lei nº 30/2002, de 20 de Dezembro (artº 4), relativa ao “estatuto do aluno do
ensino não superior”, considera que “a autonomia de administração e gestão das escolas e de
criação e desenvolvimento dos respectivos projectos educativos pressupõe a responsabilidade
de todos os membros da comunidade educativa pela salvaguarda efectiva do direito à educação
e à igualdade de oportunidades no acesso e no sucesso escolares, pela prossecução integral
dos objectivos dos referidos projectos educativos, incluindo os de integração sociocultural, e
pelo desenvolvimento de uma cultura de cidadania capaz de fomentar os valores da pessoa
humana, da democracia e do exercício responsável da liberdade individual”.
O desenvolvimento actual de projectos sócio-educativos, relacionados com a acção
pedagógica no âmbito da pedagogia social, de que tomamos como referência o Projecto
“Trofa Comunidade de Aprendentes” (AZEVEDO, 2006), tem subjacente um novo conceito, o
de “comunidade de aprendizagem”, assente em princípios éticos e antropológicos, assentes
no respeito e reconhecimento individual de cada pessoa, em projectos de mediação e numa
dinâmica sócio-educativa comunitária, que “valoriza os sujeitos da acção e se torna próximo
deles (…); gera cooperação entre pessoas, iniciativas e instituições, partindo do quanto já existe
de solidariedade e de trabalho em rede; apoia itinerários pessoais de aprendizagem e dinâmicas
de aprendizagem cooperativa de pequenos grupos” (Op. cit., p. 56).
Os aspectos que acabamos de enunciar confirmam a necessidade da relação entre a escola
e a comunidade, encarada esta no sentido global, ou seja, em relação à própria sociedade.
Nesta perspectiva, o contacto entre ambas deve basear-se numa comunicação aprofundada,
baseada na cooperação com a família, as associações, as autarquias, os meios de comunicação
e outros agentes que possam incrementar e irradiar a influência da escola para além do seu
território. Por isso, as relações que devem ser estabelecidas entre ambas apontam para uma
estreita colaboração entre elas, assentes no diálogo e na colaboração mútua, que deverão
permitir o desenvolvimento de acções que favoreçam a instituição escolar: “compreender para
participar e participar para transformar” (CABANAS, 1984, p. 60).
Tipologia dos sistemas educativos

A abordagem do sistema educativo português é uma realidade social complexa e estruturada,


de acordo com o modelo sistémico que a análise comparativa pressupõe. Algumas achegas,
decorrentes da consulta de outros autores, permitir-nos-ão, certamente, a construção da tão
almejada tipologia. A elaboração de uma tipologia resulta de uma operação de classificação de
tipos que se constroem quando se observa certo número de realidades da mesma natureza
que apresentam diferenças entre si, de forma a obter uma representação conceptual ou um
modelo racional que permita dar conta, intelectualmente, das características específicas de
cada tipo assim elaborado (BIROU, 1978, p. 405).
De acordo com a afirmação precedente, uma das primeiras dificuldades que se levanta
é justamente a de saber quais os critérios a utilizar na construção destas tipologias, tendo
presente que a sua elaboração, por se tratar de uma construção científica, não deve estar em
oposição à natureza e essência dos próprios fenómenos nem aos factos que fazem parte e
são objecto da nossa classificação.
Recorrendo, com efeito, às principais etapas do método comparativo, interessa-nos, portanto,
definir o que é que se classifica, como se classifica e quais os princípios utilizados nesta operação.
No caso vertente, o objecto da nossa atenção são realidades complexas – os sistemas
educativos –, compostas de partes solidárias e interdependentes, que têm como fulcro a
escola, os alunos e os demais intervenientes da comunidade educativa. Tais elementos estão
inseridos num cosmos dominado por um regime político, por determinadas regras e leis do
mercado e por um quadro institucional definido, em vigor para o conjunto de habitantes de um
determinado território.
Seguindo o exemplo de D’Hainaut (1980, p. 43), para além do próprio sistema educativo,
também os restantes sistemas – político, económico e administrativo – estão inseridos em
contextos históricos e sócio-culturais mais vastos, bem como em quadros físicos, geográficos,
filosóficos, éticos e religiosos, que completam a caracterização desse sistema social.
Como notámos noutro local (ARROTEIA, 1991, p. 158), dada a especificidade da realidade
social e a sua irredutibilidade a qualquer outra realidade, (…) a articulação entre os diferentes
sistemas sociais e o seu enquadramento físico, ético, moral e contextual nem sempre é perfeito,
dando origem a algumas disfunções que reflectem na sua eficácia global e no descontentamento
de certos estratos directamente atingidos pelas medidas de política educativa. Contudo, esta
situação não invalida a necessidade do conhecimento, aprofundado, dos diferentes contextos –
económico, político, cultural, jurídico e laboral –, que nos obrigam a pensar a educação como
uma realidade social complexa, em conexão com os demais sistemas sociais.
348 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Como notámos, a elaboração de uma tipologia exige a identificação dos princípios da


classificação em que se deve basear a elaboração das classes, que expressam as diferentes
representações de uma determinada realidade social, e a elaboração desses mesmos tipos.
Nestas circunstâncias, a definição das classes que os tipos exprimem pressupõe a existência de
algumas características em comum, algumas delas revelando-se com maior intensidade, para
além de exigir a existência de grupos de certa forma homogéneos dentro de um determinado
universo social.
A este propósito, Birou (1978, p. 69) afirma o seguinte: a classe existe como tal somente
quando se situa em relação à sociedade global e quando os seus membros têm um mínimo de
consciência colectiva. Contudo, o que nos interessa é a identificação dos fenómenos sociais
que apresentam algumas características agrupadas e que, desta forma, nos permitem um
melhor entendimento de um qualquer fenómeno social total.
Relembremos, a propósito, que defendemos, tal como Gurvitch (1979, p. 13), a (…) apreensão
dos “fenómenos sociais totais em marcha” e das estruturas nas quais eles se exprimem
pelo menos parcialmente. Daí, portanto, que a nossa atenção incida, outra vez, sobre esta
realidade complexa, como são os sistemas educativos, os quais, desde a Segunda Guerra
Mundial, têm vindo a experimentar uma grande expansão e desenvolvimento, apoiando-se
no crescimento económico e na evolução tecnológica registada em grande quantidade dos
países do globo.
A classificação a que procedemos não se trata propriamente de uma classificação metódica,
a qual permite fazer comparações exaustivas de fenómenos, organizando-os por grupos,
empiricamente constituídos, segundo o critério de um número de semelhanças elevado, de modo
a que o levantamento das suas diferenças significativas se encontre operacionalmente facilitado,
mas mais de uma classificação de natureza sistemática, que se baseia na escolha de um
conjunto finito e relativamente limitado de características, estudando, sistematicamente, as suas
constantes variações no maior número possível de casos que se oferecerem à observação.
Este entendimento assenta numa série de observações realizadas anteriormente, fazendo-se
daí realçar os seus elementos distintivos e mais significativos. A partir daqui, será possível definir
o que são os “tipos”, sendo que estes constituem um padrão, resumindo as características
essenciais dos fenómenos de uma mesma classe, e em volta do qual oscilam as variações
individuais. Não se trata, portando, de definir “tipos ideais”, segundo a concepção Weber,
entendidos como estruturas que revelem, cada uma em si, a unidade coerente de uma adequação
de sentido tanto quanto possível completa, mas que, precisamente por isso, ocorrem de facto,
nesta forma pura, absolutamente ideal (…) (CRUZ, 1989, p. 601), mas de procurar estabelecer
relações entre os fenómenos sociais insertos numa determinada realidade e contexto social.
Eis o quadro resumo da nossa proposta:
Jorge Carvalho Arroteia 349

Quadro 15. Tipologia dos sistemas educativos

Bases de classficação Tipo


Morfologia social Sociedades em desenvolvimento
Sociedades industriais
Sociedades pós-industriais
Diferenciação social Sistema educativo aberto
Sistema educativo selectivo
Coesão interna Sistemas mecânicos
Sistemas orgânicos
Eficácia Sistemas educativo em equilíbrio
Sistemas educativo em desperdício

Analisemos os fundamentos desta construção tipológica.

A base morfológica
Tendo presente estas considerações, a natureza e a essência dos fenómenos sociais, entendidos
como totalidades reais em marcha, em movimento permanente (GURVITCH, 1979, p. 27),
e ainda a morfologia social em que os fenómenos se inserem, uma das nossas preocupações
será, portanto, a de analisar não só a base física e material da sociedade, mas também as suas
estruturas sociais e aparelhos organizados, expressos no modelo do próprio Estado.
A primeira questão será respondida pelo recurso a um conjunto de indicadores que nos
permitirão não só enquadrar os sistemas educativos num contexto socioeconómico e cultural
mais vasto, como também descrever o território, os habitantes e as actividades dominantes
nesse território, dominado por uma determinada estrutura sócio-organizacional e cultural que
identifica um dado modelo de sociedade. Pretendemos, assim, não só conhecer os aspectos
mais relevantes da crosta exterior da sociedade (por meio dos dados de natureza geográfica
e demográfica) como também, e seguindo o método sociológico, tomar em consideração
todos os níveis, todas as escalas e aspectos da realidade social (Op. cit., p. 17) que permitem
a identificação das sociedades globais onde vivemos.
Tendo presente esta realidade, propomos (ARROTEIA, 1991, p. 69-77) o recurso a dois
grandes grupos de indicadores: os de enquadramento dos sistemas educativos e os que
incidiam particularmente nos estudos de comunidade. Dentro dos primeiros, seleccionamos,
agora, os que dizem respeito ao desenvolvimento económico, à dependência externa; ao nível
de vida e bem-estar da população, bem como aos indicadores de cobertura e eficiência do
sistema educativo.
No que respeita aos indicadores seleccionados para estudos de comunidade, seguimos
a escolha genérica aos itens relacionados com o conhecimento geográfico, demográfico
e as actividades da população, mantendo uma referência global aos dados relativos aos
equipamentos de natureza social e sociocultural do país ou região.
Embora com as reservas que uma tal classificação impõe, em virtude da ausência de
parâmetros rígidos em se possa firmar a separação entre elas, entendemos que a perspectiva
evolucionista que nos foi proposta por Darcy Ribeiro (1983) ajudar-nos-á a separar
350 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

as Sociedades em Desenvolvimento – identificadas pelo peso excessivo das actividades


extractivas ou agrícolas e pelo fraco peso do sector industrial e dos serviços e por um sistema
económico baseado na economia de subsistência –, das Sociedades Industriais – conhecidas
pela expansão crescente das indústrias e serviços e pelo crescimento das respectivas taxas
de urbanização –, e das Sociedades Pós-Industriais – caracterizadas pelo peso elevado das
actividades terciárias, pelos índices acrescidos de urbanização e pelos níveis de bem-estar e
de desafogo económico dos seus habitantes.
A passagem das sociedades tradicionais às sociedades modernas, fruto de uma determinada
evolução social, poderá ser identificada por um conjunto de mudanças sociais que, de acordo
com Birou (1978, p. 267), se repercutem: ao nível da superfície morfológica; das instituições e
das estruturas; da organização social e dos estatutos sociais; dos esquemas e dos modelos
de conduta; dos comportamentos, dos costumes e das condutas práticas, da cultura e dos
modelos culturais.
No que concerne às suas implicações sobre a educação, Cabanas (1989, p. 113) anota
que os sistemas educativos arcaicos se caracterizam, entre outros aspectos, pela transmissão
dogmática de saberes, de normas e de valores pré-estabelecidos, pela utilização de métodos de
ensino autoritários, predominantemente didácticos, esperando-se do educando uma passividade
que facilite a sua perfeita socialização. Pelo contrário, os sistemas educativos modernos, porque
coexistem com sociedades pluralistas e dinâmicas, procuram fomentar o espírito crítico do
aluno, a liberdade e capacidade de mudança. Daí que os conteúdos sejam mais científicos,
transmitindo-se grande quantidade de conhecimentos empíricos e especializados.
Outras diferenças residem no predomínio da educação informal, no primeiro caso, e do
desenvolvimento da escola como instituição educativa especializada, de saberes e de formação,
decorrente do processo da própria revolução industrial, ou ainda da fraca participação escolar,
em contraste com a grande procura social que ocorre nas sociedades de consumo que já
experimentaram a revolução cibernética actual.
De uma forma mais precisa (RIBEIRO, 1983, p. 347), a distinção entre os dois últimos tipos
de sociedade poderá ainda resultar da divisão do trabalho social; da mobilidade social dos
seus habitantes; da concentração de mão-de-obra; da acumulação de capital e da orientação
e sentido do crescimento económico, o que implica, nos agentes sociais, comportamentos
particulares: capacidade de inovar, utilização do cálculo económico, aplicação da ciência ao
desenvolvimento das técnicas e “atitudes racionais”.
A ocorrência, apenas, da revolução industrial ou o desenrolar da revolução termonuclear
ajuda-nos, também, a separar estes dois tipos de sociedades. Note-se que, de acordo com
Ribeiro (Op. cit., p. 149), a primeira surge no corpo das formações capitalistas mercantis pela
acumulação de inventos mecânicos que permitiram multiplicar fantasticamente a produtividade
do trabalho humano. Por sua vez, a revolução termonuclear terá beneficiado da acumulação de
desenvolvimentos no campo das ciências básicas e suas aplicações tecnológicas, conduzindo
a alterações profundas dos complexos socioculturais.

A organização social
De acordo com as Teorias da Evolução Sociocultural, entendemos também que a uma
classificação de etapas evolutivas de base tecnológica devam corresponder classificações
Jorge Carvalho Arroteia 351

complementares, fundadas nos padrões de organização social e nos moldes de configuração


ideológica (Op. cit., p. 34). Daí que seja de esperar que aos diferentes tipos de sociedades
correspondam diferentes tipos de sistemas educativos.
Nestas circunstâncias, e à semelhança do que sucede com o microcosmo escolar, o
ambiente social constitui um ponto de referência e uma oportunidade para o estabelecimento
de trocas entre as instituições escolares e o meio, sem que, muitas vezes, de tal facto não
resultem conflitos de interesse ou institucionais, que se traduzem no clima das instituições e
na qualidade dos serviços educativos.
Tendo presente o que anteriormente referimos sobre as conexões entre os diversos sistemas
que integram o sistema social, será de esperar que as características assumidas pelos sistemas
educativos estejam sobretudo relacionadas com o sistema político e a natureza da classe
dominante. Tal facto, já justificado pelas relações entre os diversos sistemas sociais, está ainda de
acordo com as afirmações de Pareto (ARON, 1987, p. 426), quando reconhece que as sociedades
são caracterizadas pela natureza das suas elites, mormente das elites de governantes.
Será, então, de esperar que os objectivos a atingir pelos sistemas educativos expressem,
significativamente, os interesses da(s) classe(s) dominante(s). Tal facto é igualmente assinalado
por Worsley (1977, p. 218), quando afirma: “o desenvolvimento do ensino está ligado não
só à racionalidade económica mas também à forma como o poder se encontra distribuído
na sociedade”.
Podemos, desta forma, associar o tipo do regime político dominante às próprias características
dos sistemas educativos. Será, assim, de esperar que as características assumidas pelos
sistemas educativos sejam diferentes num regime democrático, aberto à participação política
de todos os habitantes, e um regime autocrático, onde o poder está concentrado num grupo
restrito de servidores ligados ou titular do poder.
No primeiro caso, é de esperar que a frequência escolar relativa aos diversos subsistemas
seja alargada a todos os grupos e classes sociais (entendidas estas como agrupamentos de
indivíduos relativamente homogéneos), não só em termos de acessibilidade, mas também
de sucesso educativo. Esta noção é a que tem sido veiculada pela UNESCO acerca da
democratização do ensino.
Nestas circunstâncias, será de esperar que, a num sistema educativo aberto, a frequência
escolar, para além de elevada em todos os níveis de ensino, seja determinada por medidas
de política educativa que assegurem uma elevada esperança de vida escolar e um sucesso
educativo que não ponha em questão a origem social, étnica ou religiosa nem o sexo
dos alunos. Trata-se, afi nal, de considerar como prioritárias medidas que facilitem a
democratização do ensino, remediando, desta forma, as desigualdades sociais existentes
e/ou as deficientes interacções entre o sistema educativo e o indivíduo que dificultem o acesso
e o sucesso educativos.
Será, ainda, de aguardar que as medidas de política educativa estimulem uma participação
dos diversos grupos sociais – pais, alunos, professores, funcionários e membros da comunidade
educativa, em geral –, por forma a garantir-se uma grande acessibilidade e participação na
gestão do próprio sistema.
De acordo com um documento da UNESCO (1985, p. 5), esta democratização exige medidas
específicas, visando assegurar a coerência do sistema educativo, eliminando impasses, bem
352 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

como barreiras artificiais entre os diferentes níveis, tipos e ramos de ensino, exigindo, por isso,
a criação de condições para uma maior mobilidade, por sua vez horizontal e vertical no interior
do sistema educativo e de favorecer que esta mobilidade assegure a cada etapa da educação
uma dupla função: por um lado a preparação para a entrada na vida activa e por outro a de
permitir a continuidade dos estudos e a passagem de um tipo de ensino para outro.
No mesmo sentido se expressa a Declaração Universal dos Direitos do Homem (artº 26), ao
defender que toda a pessoa tem direito à educação. Por sua vez, esta deve ser gratuita, pelo
menos no que respeita ao ensino elementar e fundamental. Mais ainda: o ensino elementar
é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser generalizado; o acesso aos estudos
superiores deve ser aberto a todos, em função do seu mérito.
No campo oposto, situamos um sistema educativo selectivo, designação que atende não só
à sua organização ou funcionamento interno, dificultando o acesso e a progressão dos alunos
dentro do sistema, mas ainda à sua origem social. Neste caso, o que afasta ou dificulta o acesso
e o sucesso educativos é não só a acessibilidade física, resultante de uma rede que vagamente
responde às solicitações dos alunos mais carenciados, mas também a acessibilidade cultural,
resultado de uma fraca herança cultural dos familiares dos alunos e das poucas expectativas
que estes põem na frequência da instituição escolar.
Note-se que este modelo anda, geralmente, associado a um tipo de sociedade estratificada,
onde, embora coexistam diferentes classes sociais, as diferenças entre elas são bem marcadas.
Por outro lado, faz-se sempre acompanhar de deficientes condições de capilaridade e de
mobilidade social que identificam este tipo de sociedade. Nestas circunstâncias, a fluidez e a
circulação conseguidas pelas medidas de política educativa, com vista à democratização do
ensino, tendem a tornar estes sistemas educativos cada vez menos cerrados, dando garantias não
só de uma cada vez maior circulação social, mas facultando, ainda, a cada aluno a possibilidade
de usufruir de oportunidades iguais, embora sendo tratado de maneira diferente (T. Husen).
Como se depreende, este exemplo acompanha-se de outras situações, nomeadamente de uma
escolaridade reduzida e da predominância de uma população escolar oriunda de “elites” ou de
grupos sociais (na maior parte dos casos minoritários), ligados ao poder.
Em jeito de conclusão, não deixaremos, contudo, de assinalar a importância assumida
pelo ensino como meio de mobilidade social, mas igualmente a sua importância como factor de
estratificação social e reprodutor das desigualdades sociais que identificam um determinado tipo
de sociedade.

Coerência interna
Não se confina, no entanto, a estes dois critérios a classificação que pretendemos realizar.
É que, para além do contexto social em que os sistemas educativos se inserem e da abertura que
revelam ao exterior, estes merecem, ainda, ser conhecidos pelas suas características internas,
que atendam à composição, à estrutura, aos movimentos internos da sua população e ao modelo
organizacional em que assentam. Esta perspectiva leva-nos a pensar nas analogias entre os
sistemas educativos e os sistemas produtivos, cabendo ao primeiro a produção de diplomados,
a capacitação da população activa e a prestação de outros serviços à comunidade.
Nestas circunstâncias, é de esperar que os sistemas educativos possam ser avaliados pelo
seu rendimento (tal como acontece com os outros sistemas produtivos), dependendo a sua
Jorge Carvalho Arroteia 353

produtividade e rendimento dos conteúdos do ensino e da sua adaptação às necessidades


dos alunos; dos custos do ensino; da eficácia do ensino e da utilização de métodos eficientes;
da duração dos estudos e do seu prolongamento, para além do que é requerido pelas
necessidades reais; da reforma fiscal e dos recursos que lhe são atribuídos, da administração
do sistema que deve procurar gastar um orçamento mais racional e, por isso, mais produtivo
(CABANAS, 1989, p. 362). Estas observações justificam que, cada vez mais, se discuta a
rendibilidade dos sistemas educativos, encarando-se não só a função social, mas também a
função produtiva da educação, tendo em conta os rendimentos económicos que esta acarreta,
quer para o indivíduo quer para a sociedade.
Por entendermos que os benefícios carreados pela educação ao nível dos sistemas social e
produtivo merecem um tratamento adequado ao nível da Economia da Educação, atenderemos
mais à produtividade interna do sistema, tendo presente que este não deixa de se confrontar
com uma série entradas ((inputs) de alunos, de professores e de meios financeiros e de saídas
(outputs), traduzidos na natureza dos produtos que saem do sistema educativo e na sua
adaptação às necessidades do mercado nacional.
Note-se que o sistema educativo faz parte de uma sociosfera mais ampla e, portanto, deve
ser entendido como um subsistema no interior de um sistema global (FERNANDES, 1983,
p. 46). Nestas circunstâncias, a escolha das variáveis a que primeiramente nos referimos
permitiu-nos não só conhecer o contexto social, económico e cultural exterior ao sistema
educativo, mas também as suas necessidades e carências imediatas. Sendo assim, e à
semelhança do que já notámos (ARROTEIA, 1991, p. 111), o conhecimento do sistema de ensino
ficará enriquecido se analisarmos as diversas facetas que o caracterizam não só externamente,
mas também ao nível da sua funcionalidade interna, nos domínios intra e extra-educativo.
Tal facto permitir-nos-á ajuizar se os resultados alcançados, expressos nos diversos índices
e indicadores em uso, estão ou não de acordo com os investimentos realizados e as
expectativas da população que o frequenta.
De acordo com o que anteriormente referimos, interessa-nos analisar a sua eficiência e
eficácia internas, baseadas em diversos indicadores que atendam, principalmente, aos fluxos e
ao aproveitamento dos alunos, bem como aos custos financeiros decorrentes dessa frequência.
Eventualmente, haverá outros factores que interessa ter em conta, como a igualdade de
oportunidades, as disparidades existentes e o grau de participação dos alunos, dos professores
e da comunidade local, na gestão do próprio sistema.
Dentre as variáveis seleccionadas, defendemos o recurso aos indicadores relativos à abertura
do sistema – de que constitui um bom exemplo a taxa de escolarização –; aos movimentos
internos – calculados através das taxas de admissão; ao fluxo dos alunos no sistema – por meio
das taxas de passagem, de repetência, de abandono e de transição; e ao estudo dos rácios e
dos cohortes. Naturalmente que esta caracterização poder-se-á enriquecer através do cálculo
das disparidades e dos desperdícios, entre a sua população docente.
O recurso a outros indicadores, nomeadamente os que se prendem com os investimentos
realizados, o grau de satisfação e a gestão dominante, permite-nos avaliar a conexão entre os
diversos factos sociais. Pretendemos, com esta construção, ter uma visão de conjunto, fazendo
sobressair a multiplicidade de tempos em que se movem os fenómenos sociais totais presentes,
passados e futuros (GURVITCH, 1979, p. 31) através da aplicação do método tipológico.
354 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

Tendo presente o que anteriormente referimos, e utilizando um dos conceitos em uso nas
sociedades industriais, o de racionalidade – pressupondo esta (…) o uso calculado de recursos
para a obtenção de determinado fim ou fins de maneira mais económica possível – (WORSLEY,
1977, p. 281), separamos os sistemas educativos em equilíbrio e em desperdício.
Os sistemas educativos em equilíbrio são os que apresentam, no seu conjunto, uma
articulação coerente entre os meios e os resultados alcançados, o que significa que os seus
objectivos, além de prosseguidos, são alcançados sem grandes perdas. No caso dos sistemas
educativos em desperdício, os resultados finais (outputs) não correspondem à qualidade nem ao
número dos inputs que os alimentam, sendo de esperar, para além de um grande insucesso dos
alunos, fraca participação e desmotivação da classe docente, bem como uma fraca adaptação
dos diplomas às necessidades da própria sociedade.

Organização interna
Já nos referimos, anteriormente, à necessidade de classificação dos sistemas educativos,
atendendo, desta vez, ao modelo organizacional e à sua estrutura interna. Recorremos,
para este efeito, a alguns conceitos fundamentais da teoria geral das organizações, que nos
permitem definir, primeiramente, o que é um sistema e, depois, uma organização. Para o
primeiro, aceitamos tratar-se de um conjunto de elementos interagentes; um grupo de unidades
combinadas que formam um todo organizado e cujo resultado (output),
output), é maior do que aquele
output
que as unidades poderiam ter se funcionassem independentemente, tal como as definiu
Chiavenato (1987.II, p. 350).
De acordo, ainda, com o conceito de Von Bertalanffy (1974), o objectivo a prosseguir pelos
diferentes elementos ou unidades reciprocamente relacionadas que identificam um sistema
rege-se também por outras características comuns, a saber: o globalismo, a entropia e a
homeostasia (Op. cit., p. 351). A primeira daquelas características garante-nos a transmissão
de qualquer alteração introduzida numa das suas componentes aos restantes componentes
do sistema. A segunda chama-nos a atenção para a tendência para o desgaste, para a
desintegração, para o afrouxamento dos padrões e para um aumento da aleatoriedade.
A homeostasia garante, por fim, o equilíbrio entre as partes do sistema.
Associada a este conceito, podemos considerar uma organização, de acordo com Birou
(1978, p. 288), como sendo um tipo de articulação das partes, dos elementos (dos órgãos),
de maneira a permitir o bom funcionamento do conjunto. Nestas circunstâncias, entre as
diversas organizações sociais, a escola surge como uma unidade complexa, aglutinando uma
determinada população, vinculada pela aceitação de certas normas, e do desenvolvimento de
projectos em comum em torno das actividades escolares.
Sobressai desta afirmação não só a integração e a interdependência das organizações
escolares face ao sistema social, mas também a existência de uma consciência colectiva e
solidariedade entre os seus elementos, atributos que resultam, ainda, de uma socialização dos
seus membros nas práticas que lhes são próprias (WORSLEY, 1977, p. 210)
Este tipo de atributos recorda-nos outros conceitos, como os que nos foram deixados por
Durkheim sobre a divisão do trabalho social, a consciência colectiva e as características da
solidariedade social, que provêm do facto de um certo número de estados de consciência serem
comuns a todos os membros da mesma sociedade (DURKHEIM, 1977-I, p. 130). Este conceito
Jorge Carvalho Arroteia 355

permitiu-lhe precisar, com mais clareza, a noção de solidariedade mecânica, a qual resulta de
uma grande homogeneidade da população, de uma forte analogia e coesão que une, entre si,
as diversas moléculas sociais, bem como de uma certa uniformidade de crenças e atitudes,
daí resultando uma forte consciência colectiva. De acordo com este autor (DURKHEIM, 1977-II,
p. 88), a solidariedade mecânica está ligada à existência do tipo segmentar, que permite à
sociedade circunscrever mais estreitamente o indivíduo, mantendo-o mais fortemente ligado
ao seu meio doméstico e, por consequência, às tradições.
Pelo contrário, a solidariedade orgânica, devida à divisão do trabalho social, identifica-se por
cada órgão ter aí efectivamente a sua fisionomia especial, a sua autonomia e, deste modo, a
unidade do organismo é tanto maior quanto mais acentuada for essa individuação das partes
(DURKHEIM, 1977-I, p. 153). Em oposição, portanto, à primeira, esta forma de solidariedade
baseia-se na interdependência e na diversidade dos seus membros.
Este tipo de considerações facilita a analogia que fazemos dos sistemas educativos,
quanto ao seu modelo organizacional, em sistemas mecânicos e em sistemas orgânicos
(CHIAVENATO.II, 1987, p. 206).
De acordo com este autor, os primeiros identificam-se por um relacionamento do tipo
autoridade-obediência; por uma divisão do trabalho e supervisão hierárquica rígidas, por
tomadas de decisão centralizadas e por uma forte repressão. Pelo contrário, os sistemas
orgânicos, baseados na confiança e crenças recíprocas, na interdependência e responsabilidade
compartilhada, na solução de conflitos através da negociação, permitem, nomeadamente, uma
consciencialização social dos participantes, tornando as organizações colectivamente sabedoras
dos seus destinos, permitindo o desenvolvimento de ”uma nova consciencialização social dos
participantes das organizações” (Loc. cit.).
União Europeia

A União Europeia (UE) tem como origem a criação, em 1951, da Comunidade Europeia do Carvão e
do Aço (CECA), composta por seis Estados-Membros: Alemanha Ocidental, Bélgica, França, Itália,
Luxemburgo e Países Baixos. Em 1957, estes países assinaram o Tratado de Roma, que criou
a Comunidade Europeia da Energia Atómica (EURATOM) e a Comunidade Económica Europeia
(CEE). Através deste acordo, os países membros decidiram suprimir as barreiras comerciais
que os separavam e constituir um “mercado comum”, alargado aos seis países membros.
Com a assinatura do Tratado de Maastricht (1992), a cooperação entre os Estados-Membros
foi redefinida, criando-se então a UE, baseada na criação de um mercado único, através da
supressão de obstáculos comerciais e da livre circulação de pessoas, de bens e de capitais.
Por isso, foi, então, decidido avançar com a União Económica e Monetária (UEM), através da
criação de uma moeda única europeia, o Euro, que começou a circular nos países membros
em 1 de Janeiro de 2002. Por sua vez, o texto da Constituição da UE consagra os princípios
de uma acção comum nos domínios da educação e da formação.
Assim:

Fundamentos da política educativa


Por via da integração de Portugal na União Europeia e do alcance das políticas de carácter
social, cultural e de emprego na UE, com reflexos nas áreas da educação e da formação, estas
são condicionadas pelas decisões comunitárias nestas matérias. Assim tem acontecido através
de um conjunto de Recomendações comunitárias e da articulação de um conjunto de medidas
relacionadas com a educação e a formação de recursos humanos no seio da UE25.
No seu conjunto, as políticas educativas dos Estados da União têm vindo a seguir o
processo político da construção europeia, bem como os contextos económico, social e cultural
dominantes em cada um dos seus países membros. Importa recordar que o fenómeno de
escolarização que, hoje em dia, se constitui como indicador do processo de desenvolvimento
na Europa sofreu um grande impulso aquando do alargamento do processo de industrialização
e urbanização incrementado pela revolução industrial, quando se deu início à chamada “escola
de massas”, ou seja, quando se abriu a escola a um leque alargado de públicos diferenciados
nas suas origens geográficas e sociais.
Com o termo da Segunda Guerra Mundial e o processo de crescimento económico que
se seguiu, acentuaram-se as necessidades de formação geral e, sobretudo, da formação
especializada, alimentando o processo de democratização do ensino que se fez sentir não
só em países europeus, sobretudo da Europa meridional, mas que se estendeu também
358 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

a outros contextos, nomeadamente aos países que, gradualmente, se emanciparam da


colonização europeia.
As necessidades impostas pela procura crescente da educação foram acompanhadas de
iniciativas diferenciadas no domínio do planeamento da educação, que se repercutiram no
funcionamento, organização e resultados dos sistemas educativos. Para tanto, contribuíram
diversos organismos internacionais, cuja acção vamos destacar mais adiante.
A crise energética e laboral, desencadeada nos primeiros anos da década de setenta,
veio a colocar novos desafios a todos os sistemas educativos, pondo em causa, devido ao
desenvolvimento do fenómeno do desemprego, a missão da escola, os seus programas e
conteúdos de ensino, enfim, a organização e funcionamento dos sistemas de ensino. Assim,
as preocupações com a qualidade do ensino, a avaliação do sistema e as relações deste com
o mercado de trabalho são aspectos recentes que assinalam as preocupações políticas dos
Governos de diferentes países e que começam a emergir como temas de debate, promovidos
por instituições internacionais.
A queda do Muro de Berlim, em 1989, com o simbolismo que lhe está associado de abertura
da Europa Ocidental aos países do Leste europeu, abriu as portas a um longo processo de
globalização, de competetividade dos mercados, de acréscimo da mobilidade humana e de
emergência de novos fenómenos sociais, baseados na diversidade, na inclusão e exclusão
sociais, aspectos a que os sistemas educativos procuraram responder através de medidas
concretas de política de educação.
O termo do século XX ficou, ainda, assinalado por novos avanços científicos e tecnológicos,
que permitiram a utilização da Web, a intensificação da globalização e dos sistemas de
informação, o desenvolvimento da sociedade cognitiva e os desafios que esta enfrenta,
decorrentes da emergência de novos paradigmas civilizacionais, ditados pelo avanço
tecnológico, pelo desenvolvimento da investigação científica, pela mobilidade humana, pela
incerteza e por outros fenómenos sociais que vivemos no dia-a-dia.
Estas marcas foram acompanhadas por um conjunto de iniciativas que se basearam no
desenvolvimento, a partir de 1980, de uma rede de informação sobre a educação na Europa
comunitária, a EURYDICE, destinada a recolher, analisar e difundir informação sobre as políticas
e os sistemas educativos dos países membros, com vista a facilitar a cooperação entre esses
Estados. É constituída por uma unidade central e por diversas unidades nacionais. Esta rede
desenvolveu, desde a sua criação, estudos monográficos de apresentação dos sistemas
educativos dos Estados-Membros, estudos comparados sobre temas específicos e a recolha
de indicadores de diferente natureza.
Esta rede de informação põe à disposição do público uma outra rede, a EURYBASE,
que funciona como uma base de dados sobre os sistemas de ensino dos diferentes países
europeus. Para efeitos de recolha e de tratamento estatístico, a UE dispõe de um serviço
central de estatística, o EUROSTAT, e de um centro europeu destinado ao desenvolvimento
da formação profissional, o CEDEFOP, que faz o acompanhamento dos sistemas de ensino e
de formação profissional no seio dos países da União Europeia.
Note-se que a acção da UE em matéria de educação e de formação tem vindo a ser
articulada com outros organismos internacionais, nomeadamente o CE, a OCDE, a UNESCO
e outros organismos, tais como o EFT – “European Training Foundation”.
Jorge Carvalho Arroteia 359

As preocupações em torno do ensino e da formação têm vindo a ser consubstanciadas


por acção de diversos programas e pela criação de diferentes tipos de redes, conducentes à
preparação de uma política educativa europeia. Destas iniciativas, salientamos, portanto:
· a criação da rede Eurydice;
· o lançamento do programa: “Dimensão europeia na educação”;
· o desenvolvimento do programa “Língua” e o ensino das línguas estrangeiras nos países
membros;
· a defesa do princípio de igualdade de oportunidades educativas;
· a política de formação de professores.

Na área da formação e do ensino profissional e superior, destacamos o desenvolvimento


de alguns programas que têm promovido a mobilidade e a formação de recursos humanos em
diferentes domínios de ensino:
· Programas Erasmus e Sócrates;
· Programa Comett;
· Programa Leonardo.

Portugal tem vindo a participar nestas iniciativas desde a sua integração na UE, em 1986.

Orientações relativas à educação e à formação


Embora de forma resumida, assinalamos alguns dos acontecimentos relacionados com a
construção da política europeia de educação, desenvolvidos desde a criação da Comunidade
Económica Europeia.

Período de 1963-1976
· 1971 – Reunião dos Ministros da Educação da CEE;
· 1973 – Apresentação do projecto de acção, elaborado por Henri Jane (Belga), com
referência à elaboração de uma política comunitária da educação e à necessidade de
uma política de formação profissional;
· Reunião dos nove Ministros da Educação da CEE (Resolução de Junho de 1974 e criação
do Comité de Educação);
· 1976 – Acções em matéria educativa – Comité de Educação:
(discutidas pelo Parlamento Europeu)
· Transição dos jovens para a vida activa;
· Ensino aos migrantes e familiares;
· Ensino de línguas estrangeiras;
· Criação da rede EURIDICE;
· Divulgação das novas tecnologias no ensino;
· Luta contra o analfabetismo;
· Igualdade de oportunidades para ambos os sexos;
· Ensino a deficientes;
· Formação de professores e fomento da dimensão europeia nas escolas;
360 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

· A formação profissional, como factor decisivo na mobilidade de mão-de-obra, no seio


dos países membros (CEE);
· Desenvolvimento de actividades relacionadas com a orientação profissional (jovens
e adultos);
· Divulgação dos serviços de orientação, sua coordenação e reforço da cooperação
comunitária.

Período de 1976-1980
· Alto desemprego juvenil;
· Criação da “formação em alternância”.

Recomendações sobre a formação profissional:


· Transição entre a escola e o mundo de trabalho;
· Desenvolvimento da formação contínua;
· Promoção da orientação profissional;
· Fomentação da formação profissional (à população em geral, a trabalhadores migrantes
e a deficientes).

Período de 1980 em diante


Desenvolvimento de políticas de formação profissional relacionadas com:
· a formação profissional como instrumento de política de emprego destinada a promover
o desenvolvimento económico e social;
· a formação profissional como meio de assegurar a preparação dos jovens para a
vida activa;
· a formação profissional como instrumento de promoção da igualdade de oportunidades
no acesso ao mercado de trabalho.

Para além destas acções, relatamos outras iniciativas, sobretudo Recomendações,


relacionadas com:
· Preparação dos jovens para a vida activa;
· Desenvolvimento da educação e da formação contínuas;
· Reconhecimento de títulos e correspondência das qualificações profissionais (1991);
· Acções diversas: CEDEFOP, FSE, IFAPLAN, Programa Leonardo da Vinci.

Pelo seu interesse, transcrevemos algumas preocupações da Comission Européene (1995),


traduzidas no estudo: ”Enseigner et appprendre: vers la societé cognitive”, que preconizava a
construção da sociedade cognitiva, através:
· aquisição de novos conhecimentos;
· aproximar a escola das empresas;
· lutar contra a exclusão;
· domínio de três línguas comunitárias;
· igual relevância dos investimentos físicos e em formação.
Jorge Carvalho Arroteia 361

No que a Portugal diz respeito, o Conselho Nacional de Educação (1997) elencou um


conjunto de desafios, de que destacamos os seguintes aspectos:
· Construção da Europa e identidade nacional;
· A refundação do Contrato Social Europeu (o contrato social de Rosseau) e a realidade
contemporânea, face ao:
· Pleno emprego;
· Estado providência;
· Crescimento material;
· Igualdade de oportunidades;
· Governabilidade.
· Cumprir a Europa pela Educação:
· Cidadania (educação intercultural);
· Coesão social (cidade democrática/formação de capital humano);
· Competitividade;
· Criação de emprego;
· Sociedade de informação.
· A União Europeia do conhecimento (pilares):
· Mobilidade;
· Qualidade;
· Dimensão europeia;
· Educação ao longo da vida;
· Sociedade de informação.
· A criação de redes de conhecimento.

O conjunto destas iniciativas estão de acordo com o estado de situação e propostas


contidas no Relatório da Comissão – “Les objectifs concrets futurs des systèmes d’éducation”,
p. 37), referido por Lawn e Nóvoa (2004, p. 203), onde se lê o seguinte: “Nous devons certes
presérver les différences de structures et de systémes que reflètent les identités des pays et
régions d’Éurope, mais nous devons également admettre que nos principaux objectifs, et les
résultats que nous visions, sont remarquablement semblables. Nous devrions nous inspirer de
ces similitudes pour apprendre à mieux nous connaître, partager nos succès et nos échecs
et utiliser ensemble l’éducation pour faire progresser les citoyens européens et la societé
européenne dans le nouveau millénaire”.

Questões em aberto
A transcrição anterior sugere a referência a uma outra reflexão, transcrita pelos mesmos autores
(Op. cit., p. 204), em que se chama a atenção para as conclusões da Cimeira de Lisboa (2000)
e para as responsabilidades dos diferentes Estados-Membros em matéria de educação. A sua
leitura permite enquadrar algumas das orientações mais recentes, conduzidas pela UE em matéria
de educação: “Les conclusions de Lisbonne on accordé à l’Union, implicitement, un mandat pour
développer une approche commune dans le domaine de l’éducation. Ce mandat est bien clair
dans la demande formulée auprés des ministres pour débattre les objectifs communs de leurs
362 Educação e desenvolvimento: fundamentos e conceitos

systèmes éducatifs. Voilá ce qui conduira à un reforcement de la dimension européenne des


politiques éducatives nationales”.
Pelo seu interesse, transcrevemos de Durand-Prinborgne (2000, p. 4-5) as cinco preocupações,
enunciadas na Cimeira de Lisboa (Março de 2000), em que o Conselho Europeu expressou, como
preocupações fundamentais ao nível dos sistemas de ensino, os aspectos relacionados com a
qualidade dos sistemas de educação e de formação; o acesso à educação e à formação em
todos os estádios de vida; os conteúdos, que permitem desenvolver as competências da base
dos alunos, nomeadamente nos domínios das tecnologias de informação e de comunicação; a
abertura dos estabelecimentos de ensino à sociedade; e, finalmente, a eficácia dos sistemas de
ensino. Estas preocupações estiveram na origem da redacção de cinco orientações comunitárias,
a incrementar com o auxílio da Comissão Europeia (Op. cit., p. 18):
· “Melhorar o nível de educação e de formação na Europa, reforçando a qualidade da
formação dos professores e dos formadores, dedicando um esforço especial em relação
às aptidões relacionadas com a leitura, a escrita e o cálculo;
· Facilitar a generalização do acesso da educação e da formação em todos os estádios
da vida, através do esforço de melhorar o acesso e de reforçar a educação e a formação
ao longo da vida e também a mobilidade entre modalidades distintas;
· Melhorar as competências de base para a sociedade do conhecimento, nomeadamente
através da integração da TIC e conferindo maior importância às aptidões individuais e
procurando remediar a penúria de certas competências;
· Abrir a educação e a formação ao ambiente local, à Europa e ao resto do mundo através
do ensino de línguas estrangeiras, da mobilidade, do reforço de laços com as empresas
e o desenvolvimento do ensino de acordo com as necessidades destas;
· Utilizar os recursos de forma adequada, garantindo a qualidade nos estabelecimentos
escolares e instituições de formação, melhorando a adequação entre os recursos e
as necessidades e permitindo aos estabelecimentos escolares concretizarem novos
partenariados com o fim de os ajudar nas sua novas funções, mais diversificadas que
as anteriores”.

A apresentação destes reflexões tem vindo a permitir, ao longo dos últimos anos, enfrentar
o desafio da Cidadania Europeia, tema que se coloca na actualidade, em relação à unidade,
competitividade e capacidade concorrencial da Europa, face à marginalização, à neomiséria, à
exclusão e à perda de cidadania de muitos cidadãos residentes no velho continente. Daí que
a refundação do Contrato Social Europeu, tendo em conta a realidade contemporânea e as
preocupações subsequentes registadas no seio dos países da UE, exija soluções diversas, que
atendam, nomeadamente: ao pleno emprego, ao fim do Estado Providência, ao crescimento
material, à igualdade de oportunidade e à procura da educação ao longo da vida.
Neste sentido, são vários os desafios que ora se levantam, sobretudo os que se relacionam
com a perspectiva de cumprir a Europa pela educação e o aprofundamento das questões de
cidadania, assentes numa perspectiva identitária – baseada na herança comunm – e, sobretudo,
numa perspectiva pragmática, em que as políticas educativas dos Estados-Membros sejam
definidas por “objectivos comuns e estratégias que permitam avaliar e comparar os resultados”
(LAWN, NÓVOA, 2004, p. 201). Daqui decorrem um conjunto de questões que se levantam à UE
Jorge Carvalho Arroteia 363

na actualidade, relacionadas com o exercício da cidadania (e o desenvolvimento da educação


intercultural, no contexto de um “mosaico cultural” diversificado), pelo reforço da coesão social,
pela formação de capital humano, pela criação de emprego e aumento da competitividade e
pelo alargamento da sociedade de informação.
O cumprimento destes desafios assenta num conjunto de pilares de actuação, dentre os
quais o estudo de Lawn e Nóvoa (2004) aponta os seguintes: qualidade, acesso e abertura
dos sistemas de educação e formação e abertura ao mundo exterior. Como é evidente, cada
um destes pilares inscreve um conjunto de iniciativas próprias que permitem à velha dama –
a Europa –, outrora dominadora, senhora do mundo e dos padrões de civilização ocidentais,
continuar a afirmar-se no contexto mundial, na modernidade social emergente e acompanhar as
questões contemporâneas que exigem maior agilidade, atenção, postura crítica e ousadia, no
sentido de manter o seu lugar no contexto das civilizações emergentes que tendem a retomar
o seu espaço noutros cenários a oriente da “ecúmena” europeia.
Note-se que o cumprimento das políticas de educação na UE releva não só da análise e da
reflexão interna ao nível dos diferentes países, mas também de orientações patrocinadas quer
pela UE quer por outros organismos internacionais, tais como a OCDE, a UNESCO, e outras
entidades, designadamente fundações e outras, de iniciativas privada.
Não sendo, de todo, possível elencar os diferentes domínios em que a UE tem vindo a
actuar no âmbito da educação e da formação, resumimos alguns dos aspectos que, no
nosso entender, podem orientar o aprofundamento dos assuntos comuns relacionados com
estes fenómenos, de cuja evolução pode depender o futuro próximo e o desenvolvimento da
sociedade europeia. Por outro lado, podem ajudar a leitura próxima das medidas concretas e
dos resultados das políticas educativas dos Estados Membros da UE.
Nota final

A elaboração deste trabalho corresponde a um processo longo e moroso, relacionado com a


pesquisa e a recolha de informação sobre os processos de desenvolvimento e de planeamento
da educação, das suas relações com os demais fenómenos sociais e das suas incidências
nas políticas educativas. Valeram-nos, num primeiro momento, os estudos promovidos pela
UNESCO – e, mais tarde, pela OCDE e pela UE –, bem como a formação que procurámos vir
a aprofundar no domínio das Ciências da Educação.
Este percurso obrigou-nos à consulta de uma vasta bibliografia, muito dela fazendo parte
da “literatura cinzenta”, divulgada em seminários e cursos de especialização promovidos pelo
IIPE-Paris. Estas fontes alicerçaram muitas das nossas preocupações académicas e
profissionais, pelo que o trabalho presente pode ser entendido como uma síntese do estudo
que realizámos ao longo de alguns anos, durante o qual tivemos necessidade de recorrer a
conceitos, agora organizados segundo uma perspectiva pessoal, trabalhados modernamente
elaborados por outros autores e com significado distinto daquele que apresentamos. Mesmo
assim, ousámos realizar este esforço, tendo presente alguns ensinamentos, nomeadamente os
de alguns Mestres e amigos de diferentes Universidades, que nos souberam transmitir o interesse
e o gosto pela investigação científica, entendida como “todo o esforço que faça progredir a
Ciência, em qualquer dos seus domínios”, e esta como um instrumento de progresso, “um
instrumento de educação, uma força do Humanismo dos nossos dias, um apelo constante à
objectividade, à compreensão tolerante e ao juízo equânime (…)” (RIBEIRO, 1970, p. 33 e 48).
Este foi um dos sentimentos que nos animou na redacção deste texto; um outro foi
alimentado pela “insaciável ambição, nascida de uma sempre crescente confiança do Homem
nas suas capacidades e recursos” (ROCHA, 1988, p. 9). A estes se juntou a expectativa que o
mesmo possa contribuir para mais uma leitura dos nossos sistemas, social e educativo, que,
apesar da retórica anunciada, persistem, muitas vezes, a esquecer os professores, “as pessoas
que moram nos alunos” (AZEVEDO, 1994), os “deserdados” e os “oprimidos e privados dos
supremos bens do homem: a liberdade e a esperança” (RIBEIRO, Op. cit., p. 108).
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