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HISTÓRIA DO BRASIL I

CURSOS DE GRADUAÇÃO – EAD

História do Brasil I – Profª. Drª. Maria Cecília de Oliveira Adão, Prof. Dr. Everton Luis
Sanches e Prof. Dr. Flávio Henrique Dias Saldanha

Olá! Sou Maria Cecília de Oliveira Adão, doutora em História Polí ca


pela Unesp (Franca), membro do GEDES (Grupo de Estudos de Defesa
e Segurança Internacional) e professora do Clare ano. Pesquiso
questões relacionadas ao estudo de gênero e às Forças Armadas.
E-mail: ceciliaoadao@yahoo.com.br

Sou Everton Luis Sanches, professor de História, diretor de teatro


amador, ator e dramaturgo. Também trabalhei um pouquinho com
TV e vídeo. Em meu mestrado e em meu doutorado, realizados no
curso de História e Cultura da Unesp (Franca-SP), pesquisei a men-
sagem deixada por Charles Chaplin em seus filmes e sua relação
com o período histórico. Sou casado e não tenho filhos. Gosto mui-
to de cinema, teatro e música. Meu principal hobby é tocar e cantar,
apesar de dedicar pouco tempo a isso.
E-mail: evertonsanches@zipmail.com.br

Olá. Meu nome é Flávio Henrique Dias Saldanha. Sou formado em


História pela Universidade Federal de Ouro Preto, bem como mestre
e doutor em História pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho”, campus de Franca-SP. Particularmente, considero a
História uma disciplina interessante e, além disso, intrigante. Afinal,
se quisermos transformar o que nós somos no presente, devemos
primeiro conhecer quem nós fomos no passado. Nesse sentido, es-
pero que, neste Caderno de Referência de Conteúdo História do Bra-
sil I, possamos aprender e compreender bastante nossa complexa
formação nacional naquilo que diz respeito à constituição de uma
sociedade colonial, escravocrata e devotada ao fornecimento de matérias-primas para a
metrópole portuguesa.
E-mail: fhsaldanha@hotmail.com

Fazemos parte do Claretiano - Rede de Educação


Maria Cecília de Oliveira Adão
Everton Luis Sanches
Flávio Henrique Dias Saldanha

HISTÓRIA DO BRASIL I

Batatais
Claretiano
2013
© Ação Educacional Clare ana, 2010 – Batatais (SP)
Versão: dez./2013

981 A176h

Adão, Maria Cecília Oliveira


História do Brasil I / Maria Cecília Oliveira Adão, Everton Luis Sanches,
Flávio Henrique Dias Saldanha – Batatais, SP : Claretiano, 2013.
242 p.

ISBN: 978-85-8377-059-6

1. Análise crítica do contexto e do imaginário europeus à época da expansão


ultramarina. 2. O choque cultural entre as culturas ameríndias, africanas e
européias na constituição da sociedade colonial. 3. Contradições sociais e
política colonial na América portuguesa. 4. Contextualização dos estudos e
debates historiográficos sobre o período e análise de documentos históricos.
I. Saldanha, Flávio Henrique Dias. II. Sanches, Everton Luis. III. História do
Brasil I.

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Camila Maria Nardi Matos Felipe Aleixo
Carolina de Andrade Baviera Filipi Andrade de Deus Silveira
Cá a Aparecida Ribeiro Paulo Roberto F. M. Sposati Ortiz
Dandara Louise Vieira Matavelli Rodrigo Ferreira Daverni
Elaine Aparecida de Lima Moraes Sônia Galindo Melo
Josiane Marchiori Mar ns
Talita Cristina Bartolomeu
Lidiane Maria Magalini
Vanessa Vergani Machado
Luciana A. Mani Adami
Luciana dos Santos Sançana de Melo
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SUMÁRIO

CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO


1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 9
2 ORIENTAÇÕES PARA ESTUDO .......................................................................... 10

UNIDADE 1 EXPANSÃO MARÍTIMA PORTUGUESA


1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 35
2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 35
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 36
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 41
5 EXPANSÃO MARÍTIMA: MOTIVAÇÕES PORTUGUESAS ................................. 42
6 PRIMEIROS CONTATOS: TUPIS ........................................................................ 55
7 REPRESENTAÇÕES DO DESCOBRIMENTO DO BRASIL ................................... 58
8 ESCAMBO E FEITORIAS .................................................................................... 63
9 CAPITANIAS HEREDITÁRIAS E GOVERNO GERAL ........................................... 68
10 TEXTOS COMPLEMENTARES ............................................................................ 70
11 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 77
12 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 77
13 E REFERÊNCIAS................................................................................................. 78
14 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 78

UNIDADE 2 SENTIDO DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA NO SUL DO


EQUADOR
1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 81
2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 81
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 82
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 84
5 SENTIDO DA COLONIZAÇÃO NA AMÉRICA PORTUGUESA ............................ 84
6 TRABALHO ESCRAVO ........................................................................................ 94
7 PLANTATION AÇUCAREIRA: SANGUE, SUOR E AÇÚCAR NO BRASIL
COLONIAL.......................................................................................................... 105
8 TEXTO COMPLEMENTAR .................................................................................. 114
9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 116
10 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 116
11 E REFERÊNCIAS ................................................................................................ 117
12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 117

UNIDADE 3 IGREJA E RELIGIOSIDADES NA AMÉRICA PORTUGUESA


1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 119
2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 119
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 119
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 123
5 RELIGIOSIDADE POPULAR NA AMÉRICA PORTUGUESA ............................... 123
6 SINCRETISMO RELIGIOSO ................................................................................ 132
7 IRMANDADES RELIGIOSAS: AUTONOMIA E DEPENDÊNCIA ......................... 137
8 TEXTO COMPLEMENTAR ................................................................................. 145
9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 147
10 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 148
11 E REFERÊNCIAS................................................................................................. 148
12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 149

UNIDADE 4 AS DIFERENTES COLONIZAÇÕES DO NORTE, SUDESTE


E SUL: PECUÁRIA, BANDEIRAS, OURO E DIAMANTES
1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 151
2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 151
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 152
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE .............................................................................. 153
5 “BOOM” POPULACIONAL DO CENTRO SUL: OURO E DIAMANTES .............. 156
6 PRODUÇÃO PARA O MERCADO INTERNO: PECUÁRIA E AGRICULTURA
DE SUBSISTÊNCIA ............................................................................................. 163
7 BRECHAS NO SISTEMA: REBELIÕES COLONIAIS E QUILOMBOS ................... 168
8 TEXTO COMPLEMENTAR .................................................................................. 180
9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 183
10 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 183
11 E REFERÊNCIA................................................................................................... 184
12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 184

UNIDADE 5 ILUMINISMO NA AMÉRICA PORTUGUESA


1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 187
2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 187
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 187
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 190
5 CRISE DO ANTIGO REGIME: O DIREITO A REBELIÃO CONTRA A
TIRANIA E A OPRESSÃO ................................................................................... 190
6 CRISE DO SISTEMA COLONIAL......................................................................... 192
7 PARADOXO DO ILUMINISMO PORTUGUÊS: MARQUÊS DE POMBAL ........... 194
8 INCONFIDÊNCIA MINEIRA: “LIBERDADE AINDA QUE TARDIA” .................... 199
9 CONJURAÇÃO DOS ALFAIATES: IDEIAS FRANCESAS NA BAHIA .................... 205
10 TEXTO COMPLEMENTAR .................................................................................. 207
11 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 212
12 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 212
13 E REFERÊNCIAS ................................................................................................ 213
14 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 213

UNIDADE 6 VINDA DA FAMÍLIA REAL PARA O BRASIL


1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 215
2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 215
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 216
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 218
5 CORTE PORTUGUESA NO BRASIL .................................................................... 219
6 ABERTURA DOS PORTOS E REINO UNIDO ...................................................... 224
7 REVOLUÇÃO PERNAMBUCANA DE 1817 ........................................................ 229
8 PROCESSO DA INDEPENDÊNCIA: UM REI PORTUGUÊS NO BRASIL
INDEPENDENTE ................................................................................................ 231
9 TEXTO COMPLEMENTAR ................................................................................. 237
10 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 239
11 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 240
12 E REFERÊNCIAS ................................................................................................ 241
13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 242
EAD
Caderno
de Referência
de Conteúdo

CRC

Ementa –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Análise crítica do contexto e do imaginário europeus à época da expansão ul-
tramarina. O choque cultural entre as culturas ameríndias, africanas e europeias
na constituição da sociedade colonial. Contradições sociais e política colonial na
América portuguesa. Contextualização dos estudos e debates historiográficos
sobre o período e análise de documentos históricos.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

1. INTRODUÇÃO
Neste primeiro contato com a história de nosso país, você
terá a oportunidade de conhecer os principais desafios encontra-
dos durante o processo de colonização deste território e as con-
tradições entre os indígenas nativos e os invasores/colonizadores
portugueses, além de conhecer as polêmicas que ocuparam estu-
diosos de modo geral e historiadores empenhados em entender a
formação de nosso país.
Alguns assuntos abordados são polêmicos, tornando neces-
sário trazer à tona um pouco da trajetória realizada pela historio-
10 © História do Brasil I

grafia ao tratar deles. Como em toda discussão realizada pelo his-


toriador em seu ofício, foi preciso fazer alguns recortes entre o
grande número de possibilidades interpretativas, autores e obras
importantes a serem consultados para a escrita das unidades.
Também foi necessário delinear os temas explorados, de modo a
abarcar as preocupações pertinentes a esta primeira etapa de es-
tudo sobre a história do Brasil, oferecendo as bases necessárias
para que você possa dar continuidade aos seus estudos.
Dessa maneira, tentamos contemplar aquilo que pareceu in-
dispensável ao desenvolvimento do conhecimento acerca da am-
plitude sociocultural e política de nosso país, dos seus conflitos e
da sua composição humana.
Esperamos que você tenha um bom aproveitamento duran-
te o estudo!

2. ORIENTAÇÕES PARA ESTUDO

Abordagem Geral
Prof. Ms. Rodrigo Touso Dias Lopes

Neste tópico, apresenta-se uma visão geral do que será estu-


dado neste Caderno de Referência de Conteúdo. Aqui, você entrará
em contato com os assuntos principais deste conteúdo de forma
breve e geral e terá a oportunidade de aprofundar essas questões
no estudo de cada unidade. No entanto, essa Abordagem Geral
visa fornecer-lhe o conhecimento básico necessário a partir do
qual você possa construir um referencial teórico com base sólida
– científica e cultural – para que, no futuro exercício de sua profis-
são, você a exerça com competência cognitiva, ética e responsabi-
lidade social. Vamos começar nossa aventura pela apresentação
das ideias e dos princípios básicos que fundamentam este Caderno
de Referência de Conteúdo.
© Caderno de Referência de Conteúdo 11

No Caderno de Referência de Conteúdo História do Brasil


I, estudaremos a formação do nosso país desde o seu descobri-
mento, passando por todo o período colonial, até chegarmos às
margens do Ipiranga, com a independência do Brasil em relação a
Portugal.
Você deve ter em mente, no entanto, que a história não se
desenvolve de maneira linear nem é perfeitamente encadeada,
como se os quatro séculos de colonialismo, como se todo esse pas-
sado de exploração e dependência do nosso país servisse apenas
de mola propulsora para levar os homens do início do século 19 a
darem um grito de liberdade às margens do córrego do Ipiranga.
Seria mais fácil compreender a história se ela, de fato, fosse
assim. Mas, ao contrário, nossa história parece mais fruto de um
grande choque ocorrido no início do século 16.
Um choque criado a partir da colisão de três culturas distin-
tas: a europeia, representada pelos portugueses; a indígena, exis-
tente na América; e a africana, forçada a participar desse encon-
tro. Vamos ver isso melhor?
Você saberia dizer quem eram esses homens europeus e por
que eles vieram para este lado do Atlântico a partir do final do
século 15?
O historiador Boris Fausto (1994), em seu volumoso com-
pêndio de História do Brasil, e, também, o historiador inglês dedi-
cado à civilização ibérica Charles Boxer (2001), em seu O Império
Marítimo Português, admitem, pelo menos, quatro características
que colocaram os ibéricos, mas, principalmente, os portugueses,
em posição de se jogarem ao mar antes de seus outros contempo-
râneos.
São elas: a situação política portuguesa, o gosto pela aven-
tura, o desenvolvimento técnico e, claro, a atração por ouro e
especiarias. Vamos ver, brevemente, a seguir, cada uma dessas
características.

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12 © História do Brasil I

A situação política portuguesa antes da expansão marítima


era um pouco diferente da de outros reinos europeus. Portugal, no
século 15, era um reino unificado, menos sujeito a levantes inter-
nos, como era o caso da França, da Inglaterra, da Itália e mesmo
da Espanha.
Desde a Revolução de Ávis, entre os anos de 1383 e 1385,
o poder político foi centralizado na figura do rei português, e, ao
redor dele, reagruparam-se setores importantes da sociedade,
como, por exemplo, a nobreza e os comerciantes, forjando a orga-
nização burocrática do Estado.
Portugal firmava-se, então, como um reino unificado e, por-
tanto, capaz de colocar sua população à serviço de uma empreita-
da como a exploração comercial marítima.
Essa população, que seria quem, efetivamente, iria a outros
lugares, conquistando o mundo, leva-nos para a segunda caracte-
rística que coloca os portugueses em posição de realizar a expan-
são: o gosto pela aventura.
Aventura, aqui, não quer dizer que esses homens pudessem
ser mais radicais que outros quaisquer, mas, sim, que a visão de
mundo deles era, em muito, diferente da que temos hoje. Vamos
ver isso nas palavras de Boris Fausto (1994, p. 23):
Há cinco séculos, estávamos muito distantes de um mundo intei-
ramente conhecido, fotografado por satélites, oferecido ao desfru-
te por pacotes de turismo. Havia continentes mal ou inteiramente
desconhecidos, oceanos inteiros ainda não atravessados. As cha-
madas regiões ignotas concentravam a imaginação dos povos eu-
ropeus, que aí vislumbravam, conforme o caso, reinos fantásticos,
habitantes monstruosos, a sede do paraíso terrestre.

Para você ter uma ideia, Colombo escreveu em suas cartas


que chegou a ver três sereias pulando para fora do mar ao lado
da sua embarcação, mas que ficou decepcionado, porque elas não
eram tão bonitas como ele imaginara.
Outra característica fundamental para a expansão marítima
foi o desenvolvimento técnico, e este pode ser exemplificado pela
© Caderno de Referência de Conteúdo 13

invenção de três importantes instrumentos: o quadrante, o astro-


lábio e a caravela.
O quadrante e o astrolábio possibilitavam que os navegantes
soubessem da sua localização por meio de medições utilizando a
altura relativa aos astros, podendo, assim, além de se localizarem,
gerar as referências que melhorariam a qualidade das cartas car-
tográficas portuguesas, enquanto a caravela, sendo uma embarca-
ção mais versátil, permitiu que realizassem viagens mais longas e
mais rápidas.
Por fim, a quarta característica dos portugueses: a atração
por ouro e especiarias. O ouro era utilizado como moeda há mui-
to tempo; além disso, ele adornava palácios, igrejas e corpos, por
isso, a compreensão da sua busca é bastante simples. Mas você
saberia dizer qual a razão de as especiarias serem tão procuradas?
Antes da invenção dos modernos refrigeradores, o único
modo de se conservar a carne depois de morto o animal era utili-
zar o calor do fogo ou do próprio sol e o sal, mais frequentemente
uma combinação deles, o que podia resultar em carne de sol, car-
ne seca, carne estrelada ou defumada.
O resultado, naquela época, era eficiente, mas não muito
agradável ao paladar, o que fazia que a pimenta fosse bastante
cara, porque ela disfarçava bem o que a comida não tinha de bom.
Mas não apenas a pimenta: a noz-moscada, a canela, o gen-
gibre, o cravo, o anis, o açafrão e, até mesmo, o café e o açúcar
foram, por certo período, comercializados como especiarias.
É claro que essas quatro características de que falamos agora
não eram exclusivas dos portugueses. Genoveses e espanhóis, por
exemplo, também se aventuravam cada vez mais longe.
Assim, jogados ao mar em busca de ouro e especiarias,
apoiados numa técnica que se servia do astrolábio, do quadrante
e da caravela e tendo no imaginário o mundo fantástico próprio
daquele período, chegaram os portugueses ao Brasil. Mas como
será que foi esse desembarque?

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14 © História do Brasil I

Após 44 dias de viagem, a maior armada portuguesa até en-


tão posta ao mar para ir até as Índias pela rota descoberta por
Vasco da Gama chegou ao Brasil.
Existem muitas controvérsias sobre as condições dessa via-
gem e sobre a coincidência da descoberta envolvendo o conheci-
mento das correntes marítimas do Atlântico, o clima propício na-
quela época do ano, a aparente naturalidade do encontro, o fato
de ser uma armada de tantas naus (13 no total) e, principalmente,
a assinatura do Tratado de Tordesilhas, que, seis anos antes de se
acharem, oficialmente, as terras brasileiras, convencionou a Portu-
gal a posse das terras após 370 léguas de Cabo Verde.
De qualquer maneira, são pouquíssimos os países que pos-
suem uma certidão de batismo como a nossa: a carta de Pero Vaz
de Caminha. Tendo permanecido inédita por mais de dois séculos,
essa carta faz a narrativa do que se passou na chegada da frota de
Cabral ao Brasil, registrando as impressões de Caminha sobre a
terra e as pessoas.
Há outros dois relatos conhecidos sobre a viagem de Cabral
ao Brasil, a saber: o relato do piloto anônimo, que acrescenta in-
formações sobre a continuação da viagem às Índias; e a carta de
Mestre João, que também estava na frota, dando conta das dificul-
dades do uso do astrolábio e do quadrante por culpa do balanço
nas caravelas.
O desembarque foi registrado muito tempo depois, em óleo
sobre tela, pelo pintor acadêmico Oscar Pereira da Silva (1922),
numa tela chamada Descobrimento do Brasil, ou Desembarque
de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro em 1500, que pode
ser vista no site disponível em: <http://www.itaucultural.org.br/
aplicExternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=obra&cd_
verbete=2952&cd_obra=6248&cd_idioma=28555>. Acesso em:
25 out. 2010.
© Caderno de Referência de Conteúdo 15

Tendo sido aluno de outro grande pintor brasileiro, Victor Mei-


relles, Oscar Pereira da Silva teve preocupações semelhantes às de
seu mestre, ou seja, construir uma iconografia da história nacional.
Para percebermos isso, veremos, na Unidade 1, como Victor
Meirelles retratou a primeira missa ocorrida no Brasil. A tela é de
1861 e representa muito mais a intenção do homem do século 19
na construção da história pátria do que o que pode ter se passado
naquela primeira missa, ocorrida em 1500.
Você poderá observar na tela, por exemplo, que Meirelles
mostra os indígenas assombrando-se e admirando-se com a che-
gada da cruz e do português ao território “brasileiro” e aceitando-
-os pacificamente. Talvez, pacificamente até demais.
Na arte do século 19, ainda veremos, pelo menos, mais dois
exemplos de como a arte produziu, a partir de seus traços, o ima-
ginário em relação ao indígena: com a tela Moema, também de
Victor Meirelles, pintada em 1866, e com O Último Tamoio, de Ro-
dolfo Amoedo, pintada em 1883.
A obra Moema pode ser encontrada no site
disponível em: <http://www.masp.art.br/servicoeducativo/
assessoriaaoprofessor-ago06.php>. Acesso em: 26 out. 2010.
Já a obra O Último Tamoio pode ser encontrada no site
disponível em: <http://www.museuvictormeirelles.org.br/
agenda/2010/oficina_marilizchristo.htm>. Acesso em: 26 out.
2010.
Em ambas as obras, o mito do bom selvagem é evocado,
bem como a ideia de identidade e de solidariedade entre jesuítas
e indígenas. Mas será que essas imagens correspondem à história
do índio no Brasil colonial?
O encontro entre portugueses e indígenas variou de natu-
reza muito rapidamente, segundo as fontes. O encontro descrito
por Pero Vaz de Caminha em 1500, como vimos, e a viagem des-
crita pelo diário da nau Bretoa em 1511 mostram situações bem

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16 © História do Brasil I

diferentes ao longo dos dez anos iniciais da conquista: enquanto


Caminha observou a gentileza e a beleza dos índios – e das índias!
–, o diário da nau Bretoa dá conta da leva, para Portugal, de mais
de 5.000 toras de pau-brasil, 3.000 peles de onças, 600 araras vivas
e 35 escravos índios, oficialmente, os primeiros escravos da nossa
história.
Durante as três primeiras décadas que seguiram o descobri-
mento, a exploração portuguesa na América seguiu, em grande
parte, o modelo do qual a nau Bretoa foi exemplo: expedições sis-
temáticas para retirar do território a maior quantidade de madeira
que fosse possível.
Havia, também, algumas expedições de segurança, princi-
palmente depois de percebido o interesse francês nas terras re-
cém-descobertas.
Esse interesse francês deu impulso para que o governo por-
tuguês se decidisse pela organização e, depois, pela colonização
do território, para que a exploração fosse garantida. Assim, em
1530, deu-se a expedição de Martin Afonso de Souza, que redun-
dou na fundação de São Vicente em janeiro de 1532 e na escolha,
em março do mesmo ano, do modelo de capitanias hereditárias
para a colonização do Brasil.
A ideia, que já havia dado certo nos Açores e na Ilha da Ma-
deira, era a de dividir a costa brasileira em faixas que variavam
entre 30 e 100 léguas e dar aos homens que as governassem pode-
res extraordinários, reservando ao rei apenas o direito à suserania,
semelhante ao da Europa feudal.
Em contrapartida, os donatários deveriam arcar com todas
as despesas de ocupação, transporte, exploração e administração
das suas faixas de terra. De acordo com Caio Prado Jr. (1999), em
História Econômica do Brasil, não aparecendo nenhum grande fi-
dalgo interessado na empreitada, as capitanias recaíram sobre 12
indivíduos de pequena expressão econômica e social.
© Caderno de Referência de Conteúdo 17

Caio Prado Jr., (1999, p. 31) complementa que:


[...] a maior parte deles fracassará na empresa e perderá nelas to-
das as suas posses (alguns até a vida), sem ter conseguido estabe-
lecer no Brasil nenhum núcleo fixo de povoamento. Apenas dois
tiveram sucesso; e um deles foi grandemente auxiliado pelo Rei.

De fato, dos 12 homens que aceitaram o desafio, quatro


nunca vieram para cá. Dos oito restantes, três morreram sem mui-
ta demora, um foi acusado de heresia e mandado para a Inquisi-
ção em Portugal, três simplesmente falharam e um teve sucesso:
Duarte Coelho, na capitania de Pernambuco.
Assim, concordando com Caio Prado Jr. (1999), tivemos,
além do sucesso particular de Duarte Coelho, apenas a capitania
de São Vicente como sobrevivente, esta que havia sido fundada
pela expedição anterior de Martin Afonso de Souza e que nunca
mais veria seu donatário.
Ainda que somente essas duas capitanias vingassem, seu
modelo de exploração da terra alterou a economia e o modo de
vida dos envolvidos no processo. Era o início da plantation, basea-
da no trabalho escravo e na cultura em larga escala da cana-de-
-açúcar.
A escolha do açúcar como produto de exploração privilegia-
do nas terras da colônia seguiu a mesma lógica da escolha das capi-
tanias: era a extensão da lógica portuguesa, já aplicada na Madeira
e em Açores, também ao plano econômico. Como a exploração do
pau-brasil era monopólio da Coroa, a cana-de-açúcar figurava uma
escolha certeira.
Mas certeira do ponto de vista estritamente econômico, pois
a sua cultura abriu a brecha para a ganância do lucro exagerado e
para a devastação das florestas existentes aqui, quer fosse para
plantar, quer fosse para fazer arder as fornalhas.
Além disso, foi a mola para a exploração em larga escala de
indígenas e para o tráfico de homens e mulheres feitos escravos
no continente africano e trazidos pra cá para animar esse sistema
com seu trabalho compulsório por mais três séculos.

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18 © História do Brasil I

Inicialmente vindos da Guiné, depois, de Angola e, por fim,


da Costa da Mina, entre 9 e 13 milhões de africanos embarcaram
em seu continente rumo ao Brasil.
Um terço nunca chegou; morreu na viagem, vítima de vários
tipos de doenças e problemas que poderiam ter a bordo dos na-
vios negreiros, conhecidos como tumbeiros. O poeta Castro Alves,
em Navio Negreiro, escrito em 1880, lembrou-se desses homens
e mulheres, fazendo um ataque à escravidão no Brasil. O verso é
sobre a aparência de opulência e festa brasileira, que escondia a
vergonha de haver sido criado um país sob o sistema escravista.
Existe um povo que a bandeira empresta
Pr’a cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?!...
Silêncio!... Musa! chora, chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto...

Até agora, falamos das causas que permitiram a Portugal ser


pioneiro na expansão marítima e do choque de civilizações do qual
resultou o Brasil colonial; choque esse representado pelos portu-
gueses, pelos indígenas e pelos africanos.
Falamos, também, dos modos de exploração do território,
com a extração do pau-brasil e, depois, com o plantio da cana-de-
-açúcar.
Agora, enfocaremos um produto que, do seu surgimento ao
aparente esgotamento de sua extração, mudou a fisionomia da co-
lônia: o ouro.
Iniciada no final do século 17, a mineração, por todo o século
18, era a atividade econômica mais rentável praticada na colônia,
rivalizada apenas pelo próprio tráfico de escravos africanos.
De fato, durante todo o século, calcula-se que, aproximada-
mente, 850 toneladas de ouro foram extraídas das Minas Gerais
brasileiras. Mas você sabe o que foi feito de toda essa riqueza?
© Caderno de Referência de Conteúdo 19

De acordo com Caio Prado Jr. (1999, p.57), agora, em sua


obra Formação do Brasil Contemporâneo:
[...] ao contrário do que se dá na agricultura e em outras atividades
da colônia, a mineração foi submetida desde o início a um regime
especial de minuciosa e rigorosa disciplina.

Disciplina posta em exercício para que a Coroa pudesse ab-


sorver essa riqueza. Toda área de mineração, assim que desco-
berta, deveria ser anunciada às autoridades locais competentes.
Elas faziam a demarcação da área aurífera e dos lotes de minera-
ção que seriam distribuídos aos mineradores. Esses lotes de terra
eram conhecidos como datas.
O descobridor da área era o primeiro a escolher a sua data; a
Fazenda Real escolhia em segundo lugar, e essa área seria, depois,
vendida em leilão público. Para os demais mineradores presentes,
a repartição era feita por sorte, cabendo a cada um uma data cor-
respondente ao número de escravos que possuía.
O organismo que deveria administrar tudo isso, bem como
dar conta dos problemas envolvendo mineradores, era a Intendên-
cia de Minas.
Todo o ouro extraído das áreas datadas deveria ser levado
para as Casas de Fundição; lá, ele seria fundido em barras cunha-
das e quintado, ou seja, seria subtraída de seu total a parte fixada
pela Coroa como imposto, e, por fim, certificado, isto é, entregue
ao portador original com um certificado de sua origem e, é claro,
com um aviso de que, desse ouro, já foi tirada a parte da Coroa.
Como podemos perceber, as Casas de Fundição e as Inten-
dências de Minas eram órgãos bastante centralizadores de poder,
pois deveriam lotear as áreas auríferas, administrar o processo,
vigiar a extração, legislar e julgar incidentes, além de cobrar os im-
postos – o quinto.
Mas, de tudo o que deveria fazer, a cobrança do imposto
foi no que a Intendência mais se especializou. Veja o que afirmou
Caio Prado Jr (1999, p. 58): “[...] os mineiros que se arranjassem lá

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20 © História do Brasil I

como fosse possível, porque em caso contrário havia as derramas,


os confiscos, as masmorras do Limoeiro ou as deportações para a
costa da África”.
Como a Coroa fixava a quantia anual que ansiava receber
como quinto, frequentemente, a mineração não extraía ouro o
suficiente que chegasse a completar a parte desejada da Coroa
portuguesa. Na verdade, Lisboa não era o destino final do ouro, ele
apenas passava por lá rumo à Inglaterra, que, por acordos comer-
ciais, como o famoso tratado de Methuen, conseguia vender seus
produtos a Portugal, literalmente, a peso de ouro.
Quando a quantia não era alcançada seguidamente, uma
derrama era anunciada, ou seja, a cobrança, de uma vez, dos valo-
res atrasados dos quintos dos anos anteriores. Essa cobrança não
era feita na Casa de Fundição sobre o ouro extraído, mas, sim, a
partir de um senso que indicava os bens em ouro que os morado-
res das zonas auríferas possuíam; bens esses que os soldados da
Coroa se encarregavam de buscar.
Aliás, é importante que você saiba que o mote da Inconfi-
dência Mineira foi a declaração de que haveria uma derrama em
fevereiro de 1789.
A região de Vila Rica, hoje, Ouro Preto, após quase um sé-
culo como área de exploração aurífera, portanto, administrada e
vigiada pela Intendência de Minas, tornou-se uma sociedade mais
burocratizada e, consequentemente, mais urbana: ourives esta-
beleciam-se na cidade, bem como toda uma gente que vivia de
oferecer aos mineiros o restante da base material que, justamen-
te por serem mineiros, não tinham meios de suprir: comerciantes
de várias espécies, mercadores, prestadores de serviços, artistas e
poetas.
Além disso, os filhos das classes abastadas, ligadas à admi-
nistração da Coroa, os quais haviam estudado em Coimbra ou na
França, chegavam por lá, trazendo consigo as ideias do Iluminismo
para dentro da zona aurífera.
© Caderno de Referência de Conteúdo 21

Assim, a mistura entre o Iluminismo, às vezes, republicano


de alguns mineiros ilustrados, a sua posição hegemônica dentro
da estrutura administrativa colonial e a ameaça da Coroa com mais
um desmando, cobrando deles e dos demais moradores das Minas
pelo ouro não extraído, foram o que forjou a Inconfidência Mineira.
A ideia era aproveitar a derrama para promover a revolução.
De acordo com o historiador inglês Kenneth Maxwell (1973), seria
fundada uma república liberal, cuja capital deveria ser São João
del Rey.
Tomás Antônio Gonzaga seria o novo presidente, o ferro se-
ria explorado para o avanço técnico da nação, o distrito diaman-
tino seria liberado, hospitais e universidades seriam criadas, e,
quem sabe, até a escravidão seria abolida. Pelo menos, os planos,
ainda que vagos, eram esses.
No entanto, tendo vazado a ideia de um levante local, a ad-
ministração colonial suspendeu a derrama, desarticulando o movi-
mento. Depois, os envolvidos começaram a ser acusados e presos;
dentre eles, estavam Tomás Antônio Gonzaga e Joaquim José da
Silva Xavier, o Tiradentes. Cláudio Manuel da Costa foi encontra-
do morto na Casa dos Contos, em Vila Rica, oficialmente tendo se
suicidado.
Malogrado o levante, restava uma lição a ser dada. Coube a
Tiradentes o papel de representar todos os envolvidos na Inconfi-
dência, bem como de representar a própria Inconfidência e a sua
luta por liberdade no que Boris Fausto (1994) chamou de grande
encenação da Coroa, buscando mostrar sua força e desencorajar
futuras rebeldias. A única sentença de morte mantida foi a de Tira-
dentes, tendo ele sido enforcado e, depois, esquartejado em 1792.
As ideias liberais que serviram de inspiração para o movi-
mento mineiro foram responsáveis por insuflar outras regiões con-
tra os desmandos dos governos absolutistas, como a revolta na
Ilha de Santo Domingo, hoje, Haiti, em 1792, e a Revolução Fran-
cesa, em 1798.

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22 © História do Brasil I

Tendo saído vitorioso da revolução, Napoleão não tardou


a tentar conquistar o restante da Europa, incluindo a Inglaterra.
Contra isso, Portugal representava uma importante peça a ser con-
trolada, pois, como vimos, os acordos seculares assinados entre
Inglaterra e Portugal criavam uma verdadeira brecha inglesa no
continente e era preciso fechá-la.
Em 1807, as tropas francesas, então aliadas à Espanha, in-
vadiram Portugal rumo a Lisboa, com o general francês Junot à
frente. A decisão do governo português era dramática: ceder ao
bloqueio dos franceses, negando à Inglaterra acesso ao continente
europeu, ou ceder aos interesses ingleses, fazendo guerra contra a
poderosa França. Sobre essa situação, o historiador David Rabelo
(1997) comparou Portugal a um marisco, espremido entre o mar (a
Inglaterra) e o rochedo (a França).
Obrigado a escolher, optou D. João VI, o príncipe regente,
pela vinda da Corte portuguesa para suas terras americanas, o Bra-
sil. Com essa saída, Portugal aliava-se definitivamente à Inglaterra
e rompia com os franceses.
A saída, no entanto, mantinha o que Portugal tinha de essen-
cial, pois a Coroa portuguesa permanecia sobre uma cabeça portu-
guesa, e as terras do Brasil não passavam para o domínio nem de
ingleses nem de franceses.
O embarque é famoso: em três dias, quase 15 mil pessoas
embarcaram em naus da Coroa e da Inglaterra, bem como em ou-
tras tantas embarcações particulares que se amontoavam no por-
to de Lisboa. Uns dizem que D. João embarcou na calada da noite,
outros dizem que o fez disfarçado.
O certo, em ambos os casos, é que a última coisa que D. João
podia querer era chamar a atenção dos que ficariam em terra.
Chegando ao Rio de Janeiro, D. João não encontrou, de cer-
to, uma capital propriamente dita: era uma cidade portuária, sem
© Caderno de Referência de Conteúdo 23

infraestrutura básica adequada, que, literalmente, da noite para o


dia, se viu acrescida de 15.000 habitantes e foi alçada à sede admi-
nistrativa do reino.
A adaptação não foi fácil: um presídio virou palácio, e alguns
moradores tiveram suas casas desapropriadas para se tornarem
moradia dos que chegavam; ademais, foram abertos jornais (A Ga-
zeta do Rio de Janeiro), teatros, bibliotecas, academias literárias e
científicas, bancos e, também, o Jardim Botânico.
Os portos foram abertos para o comércio com as nações ami-
gas, ou seja, com a Inglaterra, mas, desse fato, também tirou o Rio de
Janeiro seus benefícios. Como principal porto e com a sede da monar-
quia, a população do Rio de Janeiro nos anos imediatamente poste-
riores à vinda da Corte viu-se dobrar de 50 para 100 mil pessoas.
Um núcleo urbano considerável, como o Brasil nunca havia
visto, foi formado, o que não quer dizer que o convívio entre cario-
cas e lusitanos fosse absolutamente pacífico: para os portugueses,
era apenas a colônia vestida de metrópole.
Essa posição ficaria mais clara na medida em que a Europa
se livrava do furacão napoleônico. Muitos portugueses desejavam
aproveitar essa oportunidade para promover a restauração do país
à situação anterior à vinda da Corte para o Rio.
Mas as transformações ocorridas na cidade e no povo, no en-
tanto, não davam mais espaço para retrocessos. Vamos ver como
Boris Fausto (1994, p. 129) estabeleceu essa ideia:
[...] a independência se explica por um conjunto de fatores, tanto
internos como externos, mas foram os ventos trazidos de fora que
imprimiram aos acontecimentos um rumo imprevisto pela maioria
dos atores envolvidos, em uma escalada que passou da defesa da
autonomia brasileira à idéia de independência.

Esses ventos de fora foram a queda de Napoleão e, também,


a Revolução Liberal do Porto, ocorrida em Portugal em 1820.

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24 © História do Brasil I

Com a vinda da Corte, Portugal entrou numa grave crise que


se expressava de diversas formas: crise econômica pela falta de co-
mércio com o Brasil, crise política pela ausência do governo central
e crise militar, já que foi um marechal inglês quem deu as cartas
em Portugal na ausência do rei.
O caráter da Revolução do Porto, no Brasil, era contraditório:
de um lado, questionavam-se os aspectos absolutistas do gover-
no, exigindo que se elaborasse uma Constituição; de outro lado,
ansiava-se pelo retorno do Rei e, com ele, de todo um status que
era vigente dez anos antes.
D. João VI, com receio de também perder o status de rei em
Portugal, regressou em 1821 e levou consigo parte dos portugue-
ses que vieram com ele. No Brasil, ficou seu filho Pedro como re-
gente.
Nesse mesmo ano, em Lisboa, são formadas as Cortes, ou
seja, uma assembleia constituinte para a escrita da primeira carta
magna, que deveria servir a Portugal e ao Brasil, já que este era,
então, Reino Unido à Portugal e Algarves.
Os deputados brasileiros e portugueses enfrentaram-se para
decidir pelo retorno ou não de Pedro a Portugal, o que seria, efe-
tivamente, o retorno também do Brasil à condição de colônia por-
tuguesa. O Dia do Fico, em 9 de janeiro de 1822, era a resposta de
Pedro e dos brasileiros à proposta portuguesa.
O clima de separação estabelecia-se no ar, e o exército, leal
a Portugal, era obrigado a abandonar o Rio. Formou-se, então, um
esboço de tropa nacional e, também, de um novo ministério para co-
mandar a administração brasileira, ainda formado de portugueses,
mas tendo à frente um brasileiro: José Bonifácio de Andrada e Silva.
Fortalecendo-se no poder, Pedro legislava apoiado pela es-
posa, Leopoldina, por Bonifácio e por tantos outros, mas seus
© Caderno de Referência de Conteúdo 25

decretos foram invalidados em Portugal pelo próprio pai, que o


deixara aqui um ano antes. Então, em 7 de setembro de 1822, ten-
do sido alcançado por um correio urgente enquanto saía de São
Paulo, correio esse que o avisava do afronte do pai, não se conteve
mais: proclamou ali mesmo, em São Paulo, aos 24 anos, a indepen-
dência do Brasil.
Isso tudo é parte da história do nosso Brasil entre os séculos
16 e 19, mas não pense que ela para por aqui. Não falamos de
outras regiões que se desenvolveram no mesmo período a par-
tir de processos diversos, porém, ativemo-nos à história política e
econômica nacional desse tempo, da qual todos fazemos parte e a
qual pode servir de inspiração para que você continue estudando
e encontrando pessoas e fatos no passado que nos ajudem a com-
preender quem somos hoje.

Glossário de Conceitos
O Glossário de Conceitos permite a você uma consulta rá-
pida e precisa das definições conceituais, possibilitando-lhe um
bom domínio dos termos técnico-científicos utilizados na área de
conhecimento dos temas tratados no Caderno de Referência de
Conteúdo História do Brasil I. Veja, a seguir, a definição dos princi-
pais conceitos:
1) Anomia: ausência de leis ou regras de organização. Falta
de regras práticas para a vida em sociedade.
2) Antropofagia: ato de se alimentar de carne humana,
seja para fins rituais, seja para fins de sobrevivência. Si-
nônimo de canibalismo.
3) Bulas papais: documentos que continham ordens do
papa e que eram selados por uma bola (do latim “bulla”)
de cera ou de metal, que podia ser chumbo ou, em raras
ocasiões, prata e ouro.

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26 © História do Brasil I

4) Concílio de Trento: foi uma convocação pela qual as au-


toridades máximas da Igreja católica se reuniram na ci-
dade de Trento. Tal concílio durou quase 20 anos, e os
religiosos reunidos nele acabaram por reafirmar os prin-
cípios da religião católica. Contudo, a formação do clero
seria mais rigorosa, por meio da criação dos seminários;
além disso, o Tribunal do Santo Ofício e a Inquisição fo-
ram retomados como forma de combater e de condenar
aqueles fiéis que colocassem em cheque a fé e a autori-
dade da Igreja católica.
5) Contrarreforma Católica: também conhecida como Re-
forma Católica, foi uma resposta dada pela Igreja católica
ante as críticas e os protestos feitos por Lutero e demais
religiosos. De modo geral, os preceitos que fundamenta-
vam a fé católica, tão criticada pelos protestantes, aca-
baram sendo reafirmados pelo clero católico no Concílio
de Trento.
6) Derrama: dispositivo adotado pela Coroa portuguesa
para arrecadar os impostos devidos pelos súditos. No
período auge da mineração no Brasil colônia (século 18),
os habitantes da região de Minas eram obrigados a pa-
gar uma taxa anual de 1.500 arrobas de ouro. Caso esse
valor não fosse alcançado, o fisco decretava a derrama
até que fosse atingida a meta. Todos os direitos indivi-
duais eram suspensos durante a derrama.
7) Edenização: o termo em questão faz alusão ao Jardim
do Éden, o Paraíso do qual Adão e Eva foram expulsos
depois de comerem o fruto proibido da árvore da ciência
do bem e do mal.
8) Escambo: sistema de troca de mercadoria por trabalho.
Nos primeiros tempos do Brasil colonial, os portugueses
utilizaram esse sistema para obter pau-brasil ao trocar
bugigangas (espelhos, chocalhos, machados, facas etc.)
com os indígenas.
© Caderno de Referência de Conteúdo 27

9) Feitorias: entreposto comercial pelo qual os portugue-


ses armazenavam o pau-brasil, entre outros bens, até o
seu embarque para a Europa.
10) Fetichismo: ato de atribuir poderes mágicos ou sobrena-
turais a determinados objetos, que passam a ser utiliza-
dos com fins religiosos.
11) Homem poligâmico: um homem casado com várias mu-
lheres.
12) Iconografia: repertório de imagens próprio de uma obra,
gênero de arte, artista ou período artístico. Material pic-
tórico relacionado a um tema ou que o ilustra.
13) Levante: área geográfica de extensão não específica, si-
tuada na região do Oriente Médio, próxima ao mar Me-
diterrâneo, não incluindo a Península Arábica. Do ponto
de vista dos europeus, região em que o sol se levanta.
14) Mamelucos: cruzamento de índio com o branco portu-
guês.
15) Positivismo: no contexto deste Caderno de Referência
de Conteúdo, é apresentado como a compreensão de
que as fontes históricas não devem ser interpretadas,
mas lidas como possuidoras da verdade absoluta.
16) Reforma Protestante: foi um movimento de caráter re-
ligioso iniciado no século 16 pelo religioso Martinho Lu-
tero, que contestou os preceitos defendidos pela Igreja
católica, entre eles, o culto à Virgem Maria e aos santos
católicos, o celibato dos padres e a venda de indulgên-
cias, ou seja, a concessão do perdão dos pecados em
troca de pagamento em dinheiro.
17) Sabbat: de acordo com os ritos pagãos, é um culto no qual
seus integrantes celebram a vida e a natureza. Mas, para a
Igreja católica, o sabbat era visto como uma reunião pre-
sidida pelo Diabo e com a participação de bruxas em que
se praticavam sacrifícios humanos e orgias sexuais.
18) Santo Ofício: era o tribunal da fé pelo qual a Igreja cató-
lica julgava as práticas e as condutas de seus fiéis vistos
como heréticos.

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28 © História do Brasil I

19) Suíte: composição moderna, instrumental, baseada em


diversos movimentos inteiramente livres quanto ao nú-
mero e ao caráter melódico.
20) Teleológico: refere-se ao estudo dos objetivos, das ori-
gens ligadas às finalidades. Vincula-se ao conhecimento
da finalidade primeira de determinada instância.
21) Terra de Santa Cruz: foi a segunda denominação dada
pelos portugueses às terras descobertas por Pedro Álva-
res Cabral. Inicialmente, acreditava-se que Cabral havia
descoberto uma ilha, daí o primeiro nome ser Ilha de
Santa Cruz. Entretanto, o nome religioso reflete o espíri-
to de propagação da fé cristã que acompanhava as expe-
dições marítimas portuguesas.

Esquema dos Conceitos-chave


Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais im-
portantes deste estudo, apresentamos, a seguir (Figura 1), um Es-
quema dos Conceitos-chave do Caderno de Referência de Conteú-
do. O mais aconselhável é que você mesmo faça o seu esquema de
conceitos-chave ou até mesmo o seu mapa mental. Esse exercício
é uma forma de você construir o seu conhecimento, ressignifican-
do as informações a partir de suas próprias percepções.
É importante ressaltar que o propósito desse Esquema dos
Conceitos-chave é representar, de maneira gráfica, as relações en-
tre os conceitos por meio de palavras-chave, partindo dos mais
complexos para os mais simples. Esse recurso pode auxiliar você
na ordenação e na sequenciação hierarquizada dos conteúdos de
ensino.
Com base na teoria de aprendizagem significativa, entende-se
que, por meio da organização das ideias e dos princípios em esque-
mas e mapas mentais, o indivíduo pode construir o seu conhecimen-
to de maneira mais produtiva e obter, assim, ganhos pedagógicos
significativos no seu processo de ensino e aprendizagem.
© Caderno de Referência de Conteúdo 29

Aplicado a diversas áreas do ensino e da aprendizagem es-


colar (tais como planejamentos de currículo, sistemas e pesquisas
em Educação), o Esquema dos Conceitos-chave baseia-se, ainda,
na ideia fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel, que es-
tabelece que a aprendizagem ocorre pela assimilação de novos
conceitos e de proposições na estrutura cognitiva do aluno. Assim,
novas ideias e informações são aprendidas, uma vez que existem
pontos de ancoragem.
Tem-se de destacar que “aprendizagem” não significa, ape-
nas, realizar acréscimos na estrutura cognitiva do aluno; é preci-
so, sobretudo, estabelecer modificações para que ela se configure
como uma aprendizagem significativa. Para isso, é importante con-
siderar as entradas de conhecimento e organizar bem os materiais
de aprendizagem. Além disso, as novas ideias e os novos concei-
tos devem ser potencialmente significativos para o aluno, uma vez
que, ao fixar esses conceitos nas suas já existentes estruturas cog-
nitivas, outros serão também relembrados.
Nessa perspectiva, partindo-se do pressuposto de que é
você o principal agente da construção do próprio conhecimento,
por meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações
internas e externas, o Esquema dos Conceitos-chave tem por
objetivo tornar significativa a sua aprendizagem, transformando
o seu conhecimento sistematizado em conteúdo curricular, ou
seja, estabelecendo uma relação entre aquilo que você acabou
de conhecer com o que já fazia parte do seu conhecimento de
mundo (adaptado do site disponível em: <http://penta2.ufrgs.
br/edutools/mapasconceituais/utilizamapasconceituais.html>.
Acesso em: 11 mar. 2010).

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30 © História do Brasil I

Grandes navegações

Chegada dos portugueses à América

Processo de colonização

Choque cultural e resistência indígena Latifúndio, escravidão e monocultura

Catequização, Capitanias hereditárias Expedições


miscigenação e exploratórias ao
sincretismo religioso interior da colônia
Governo-geral

Mineração de ouro e diamantes e mercado interno de subsistência

Crise do Antigo Regime e crise do sistema colonial

Revoltas e contestações ao poder da Coroa

Inconfidências Mineira e Baiana

Transferência da Corte portuguesa para o Brasil

Abertura dos portos

Brasil – Reino Unido com Portugal e Algarves

Processo de Independência do Brasil

Figura 1 Esquema dos Conceitos-chave do Caderno de Referência de Conteúdo História do


Brasil I.

Como você pode observar, esse Esquema dá a você, como


dissemos anteriormente, uma visão geral dos conceitos mais im-
portantes deste estudo. Ao segui-lo, você poderá transitar entre
um e outro conceito e descobrir o caminho para construir o seu
© Caderno de Referência de Conteúdo 31

processo de ensino-aprendizagem. O Esquema dos Conceitos-cha-


ve é mais um dos recursos de aprendizagem que vem se somar
àqueles disponíveis no ambiente virtual, por meio de suas ferra-
mentas interativas, bem como àqueles relacionados às atividades
didático-pedagógicas realizadas presencialmente no polo. Lem-
bre-se de que você, aluno EaD, deve valer-se da sua autonomia na
construção de seu próprio conhecimento.

Questões Autoavaliativas
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados, as quais podem ser
de múltipla escolha, abertas objetivas ou abertas dissertativas.
Responder, discutir e comentar essas questões, bem como re-
lacioná-las com a prática do ensino de História pode ser uma forma
de você avaliar o seu conhecimento. Assim, mediante a resolução de
questões pertinentes ao assunto tratado, você estará se preparando
para a avaliação final, que será dissertativa. Além disso, essa é uma
maneira privilegiada de você testar seus conhecimentos e adquirir
uma formação sólida para a sua prática profissional.
Você encontrará, ainda, no final de cada unidade, um gabari-
to, que lhe permitirá conferir as suas respostas sobre as questões
autoavaliativas de múltipla escolha.

As questões de múltipla escolha são as que têm como respos-


ta apenas uma alternativa correta. Por sua vez, entendem-se por
questões abertas objetivas as que se referem aos conteúdos
matemáticos ou àqueles que exigem uma resposta determinada,
inalterada. Já as questões abertas dissertativas obtêm por res-
posta uma interpretação pessoal sobre o tema tratado; por isso,
normalmente, não há nada relacionado a elas no item Gabarito.
Você pode comentar suas respostas com o seu tutor ou com seus
colegas de turma.

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32 © História do Brasil I

Bibliografia Básica
É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus
estudos, mas não se prenda só a ela. Consulte, também, as biblio-
grafias complementares.

Figuras (ilustrações, quadros...)


Neste material instrucional, as ilustrações fazem parte in-
tegrante dos conteúdos, ou seja, elas não são meramente ilus-
trativas, pois esquematizam e resumem conteúdos explicitados
no texto. Não deixe de observar a relação dessas figuras com os
conteúdos do Caderno de Referência de Conteúdo, pois relacionar
aquilo que está no campo visual com o conceitual faz parte de uma
boa formação intelectual.

Dicas (motivacionais)
O estudo deste Caderno de Referência de Conteúdo convida
você a olhar, de forma mais apurada, a Educação como processo
de emancipação do ser humano. É importante que você se atente
às explicações teóricas, prá cas e cien ficas que estão presentes
nos meios de comunicação, bem como par lhe suas descobertas
com seus colegas, pois, ao compar lhar com outras pessoas aqui-
lo que você observa, permite-se descobrir algo que ainda não se
conhece, aprendendo a ver e a notar o que não havia sido perce-
bido antes. Observar é, portanto, uma capacidade que nos impele
à maturidade.
Você, como aluno dos cursos de Graduação na modalidade
EaD, necessita de uma formação conceitual sólida e consistente.
Para isso, você contará com a ajuda do tutor a distância, do tutor
presencial e, sobretudo, da interação com seus colegas. Sugeri-
mos, pois, que organize bem o seu tempo e realize as atividades
nas datas estipuladas.
É importante, ainda, que você anote as suas reflexões em
seu caderno ou no Bloco de Anotações, pois, no futuro, elas pode-
rão ser utilizadas na elaboração de sua monografia ou de produ-
ções científicas.
© Plano de Ensino 33

Leia os livros da bibliografia indicada, para que você amplie


seus horizontes teóricos. Coteje-os com o material didático, discu-
ta a unidade com seus colegas e com o tutor e assista às videoau-
las.
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas, que são importantes para a sua análise sobre os
conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos
para sua formação. Indague, reflita, conteste e construa resenhas,
pois esses procedimentos serão importantes para o seu amadure-
cimento intelectual.
Lembre-se de que o segredo do sucesso em um curso na
modalidade a distância é participar, ou seja, interagir, procurando
sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores.
Caso precise de auxílio sobre algum assunto relacionado a
este Caderno de Referência de Conteúdo, entre em contato com
seu tutor. Ele estará pronto para ajudar você.

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Claretiano - Centro Universitário
EAD
Expansão Marítima
Portuguesa

Por mares nunca dantes navegados (CAMÕES, 2010).

1. OBJETIVOS
• Identificar as principais causas da expansão marítima por-
tuguesa.
• Apontar o choque cultural entre europeus e indígenas no
Novo Mundo.

2. CONTEÚDOS
• Conquista e colonização.
• Resistência indígena.
• Capitanias hereditárias e Governo-geral.
36 © História do Brasil I

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Tenha sempre em mente que a história contada utiliza re-
cortes bibliográficos. Comumente, o recorte bibliográfico
realizado pelo historiador discute os pontos de vista de di-
versos historiadores, os quais são escolhidos em virtude de
serem reconhecidos, dentro do discurso histórico, no que
diz respeito a determinado assunto. Em outras palavras, é
feita uma escolha devido à importância do pesquisador no
esclarecimento daquilo que está sendo abordado. Desse
modo, trata-se sempre de uma discussão parcial, por mais
abrangente que ela se proponha a ser. Os critérios da abor-
dagem de cada historiador e a sua metodologia de análise
são fundamentais para se definir a triagem bibliográfica.
2) Procure estabelecer, de forma crítica, relações entre
aquilo que você estudar e outras fontes que falem a res-
peito dos temas abordados. Muitos estudos são publica-
dos em artigos científicos, cujo acesso está cada vez mais
facilitado via internet. Portanto, você pode consultá-los
de acordo com o seu interesse em determinados temas
explorados nesta unidade, assim como rever conceitos e
informações sobre os quais tenha dúvidas.
3) No Tópico Capitanias Hereditárias e Governo-geral, você
terá a oportunidade de conhecer um pouco da cultura
indígena. Caso se interesse em saber mais sobre o as-
sunto, acesse o site disponível em: <http://www.tvcultu-
ra.com.br/auwe>. Acesso em: 19 jan. 2009.
4) Antes de iniciar os estudos desta unidade, pode ser in-
teressante conhecer um pouco da biografia dos pensa-
dores, cujo pensamento norteia o estudo deste Caderno
de Referência de Conteúdo. Para saber mais, você pode
acessar os sites indicados.

Luiz Carlos Figueiredo


O autor é jornalista, bacharel em letras clássicas e Filosofia. Com sua esposa
Janaína Amado, o autor publicou diversos livros a respeito de um tema que lhe é
caro, as conquistas ultramarinas do início da idade moderna (texto disponível em:
<http://www.editorasaraiva.com.br/nossosAutoresDetalhes.aspx?autor=371>.
Acesso em: 27 set. 2010).
© U1 - Expansão Marítima Portuguesa 37

Janaína Amado
Doutora em História, a autora é professora de História Mo-
derna na Universidade Federal de Goiás. É co-autora da co-
leção “Nas ondas da história”, editada pela Atual, do livro di-
dático “Gente, terra verde, céu azul -- Goiás” e “Conflito social
no Brasil: a revolta dos Mucker”, entre outros (texto disponível
em: <http://www.editorasaraiva.com.br/nossosAutoresDetalhes.
aspx?autor=282>. Acesso em: 27 set. 2010).

Jaime Cortesão
Historiador português, nasceu em Ançã, Cantanhede, em 29 de Abril de 1884;
morreu em Lisboa em 14 de Agosto de 1960. Formou-se em Medicina em 1909,
foi professor no Porto de 1911 a 1915. Tendo sido eleito deputado em 1915,
defendeu a participação de Portugal na Primeira Guerra Mundial onde participou
como capitão-médico voluntário do Corpo Expedicionário Português, tendo publi-
cado as memórias dessa experiência. No Brasil residiu no Rio de Janeiro, tornan-
do-se professor universitário, especializando-se na história dos descobrimentos
portugueses e na formação do Brasil. Regressou a Portugal em 1957 (imagem
e texto disponíveis em: <http://www.arqnet.pt/portal/biografias/jaime_cortesao.
html>. Acesso em: 27 set. 2010).

Charles Boxer
Nascido em 1904, de uma família abastada de militares ingleses, passou os 23
anos de sua carreira no exército na parte oriental do Império Britânico. Foi espião
inglês e prisioneiro de guerra dos japoneses durante a Segunda Guerra Mundial.
Catedrático do King’s College e professor de várias universidades na Europa e
nos EUA, Boxer nunca obteve graduação acadêmica. É um dos mais respeita-
dos historiadores da aventura colonial portuguesa (texto disponível em: <http://
revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT430755-1661,00.html>. Acesso em:
27 set. 2010).

Raymundo Faoro
Nascido em 1925, faleceu no ano de 2003. Foi historiador, advogado, escritor,
cientista, político, membro da ABL (Academia Brasileira de Letras) e presidente
da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de 1977 a 1979.

Caio Prado Júnior


Além de historiador, foi escritor e político (1907-1990). Suas
obras sobre a história do Brasil, entre elas, Evolução Política
do Brasil (1933) e Formação do Brasil Contemporâneo (1942),
inauguraram uma tradição historiográfica que se identificou com
o marxismo, no sentido de buscar uma forma alternativa de ex-
plicar a realidade colonial brasileira a partir de suas contradições
sociais, políticas e econômicas (imagem disponível em: <http://
www.algosobre.com.br/images/stories/assuntos/biografias/
Caio_Prado_Junior.jpg>. Acesso em: 19 jan. 2009).

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38 © História do Brasil I

Sérgio Buarque de Holanda


O autor, nascido em 1902 e falecido no ano de 1982, é conside-
rado um dos grandes historiadores brasileiros. Seu livro Raízes
do Brasil (1936) destaca-se, ao lado de Casa-grande e Senza-
la, de Gilberto Freyre, e Formação do Brasil Contemporâneo,
de Caio Prado Júnior, como uma obra síntese de interpretação
do Brasil (imagem disponível em: <http://www.algosobre.com.
br/images/stories/assuntos/biografias/Sergio%20Buarque%20
de%20Holanda.jpg>. Acesso em: 19 jan. 2009).

Darcy Ribeiro
Foi antropólogo, político e escritor (1922-1997). Foi, ainda, o
primeiro reitor da Universidade de Brasília. Na vida pública,
destacou-se pela criação dos Centros Integrados de Ensino
Público (CIEP) durante o primeiro governo de Leonel Brizola
no Rio de Janeiro. Pouco antes de falecer, publicou o livro O
Povo Brasileiro, obra na qual defende a ação colonizadora de
Portugal, na medida em que os portugueses foram pioneiros na
sua centralização política e na exploração dos mares e ocea-
nos (imagem disponível em: <http://www.pdt.org.br/images/
darcy_1.jpg>. Acesso em: 19 jan. 2009).

Hans Staden
Nasceu em Homberg (Suíça) em 1525 e faleceu em Wolfhagen
(Alemanha) em 1579. Staden foi um aventureiro e mercená-
rio alemão que fez duas viagens ao Brasil. Na segunda vez
que aqui esteve, foi feito prisioneiro pelos índios tupinambás,
os quais o mantiveram em cativeiro por mais de nove meses.
Durante o tempo em que ficou prisioneiro, Staden observou os
costumes dos indígenas, em especial, o ritual antropofágico.
Quando retornou para a Europa, escreveu, em 1557, um livro
de grande sucesso, intitulado Viagens e Aventuras no Brasil
(imagem disponível em: <http://www.ubaweb.com/ubatuba/personagens/ima-
gens/hstaden1.gif>. Acesso em: 19 jan. 2009).

Jean de Léry
Nasceu em Côte-d’Or (França) em 1534 e faleceu na Suíça em 1611. Léry foi um
pastor e missionário calvinista que, em 1556, veio para o Brasil com um grupo
de missionários protestantes franceses para a França Antártica, que era uma
colônia francesa localizada na baía de Guanabara (Rio de Janeiro). Uma vez
fracassada a tentativa dos franceses de estabelecer uma colônia no Brasil, Léry
retornou para a França e escreveu, em 1578, o livro Viagem à Terra do Brasil, no
qual relatou as suas experiências e vivências no Brasil.

André de Thévet
Nasceu em Angoulême (França) em 1502 e faleceu em Paris em 1590. Thévet
foi um frade franciscano francês e, assim como Léry, também veio para a França
Antártica. Após o fracasso da colônia francesa no Brasil, Thévet escreveu, em
© U1 - Expansão Marítima Portuguesa 39

1558, o livro Singularidades da França Antártica, no qual responsabiliza os cal-


vinistas franceses pelo fracasso da França Antártica. Foi justamente essa acu-
sação que fez o francês Jean de Léry escrever, em resposta a Thévet, o livro
Viagem à Terra do Brasil.

Manoel da Nóbrega
Nasceu em Sanfins do Ouro (Portugal) em 1517 e faleceu no Rio de Janeiro em
1570. Foi um sacerdote jesuíta e veio para o Brasil na companhia do primeiro
governador-geral da colônia, Tomé de Souza. Nóbrega escreveu várias cartas
sobre os costumes e a catequese dos índios. Tais cartas, por sua vez, constituem
valiosos documentos históricos a respeito da história do Brasil colônia.

José de Anchieta
Nasceu em San Cristóbal de La Laguna (Espanha) em 1534 e fa-
leceu em Iriritiba (Espírito Santo) em 1597. A exemplo de Manoel
da Nóbrega, Anchieta foi um sacerdote jesuíta que veio para o
Brasil para a catequese dos indígenas. Dentre seus vários fei-
tos no país, destaca-se como um dos membros fundadores de
São Paulo. Como prova e mérito dos trabalhos realizados por
Anchieta, o papa João Paulo II declarou-o beato (imagem dispo-
nível em: <http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/padre-jose-
-de-anchieta/padre-jose-de-anchieta.php>. Acesso em: 5 out. 2010).

Florestan Fernandes
Nasceu em 1920 e faleceu em 1995. Foi sociólogo e político,
sendo eleito duas vezes deputado federal pelo Partido dos Tra-
balhadores (PT). Fernandes escreveu mais de 50 livros e algu-
mas centenas de artigos. Suas obras abordam temas sobre a
História, a Sociologia e a Antropologia no Brasil. (imagem dispo-
nível em: <http://www2.camara.gov.br/internet/constituicao20a-
nos/parlamentaresconstituintes/parlamentaresconstituintes/bio-
constituintes.html?pk=106601>. Acesso em: 19 jan. 2009).

Manuel José de Araújo Porto-alegre


Foi poeta, pintor, professor, jornalista, diplomata e teatrólogo, nasceu em José do
Rio Pardo, RS, em 2 de novembro de 1806, e faleceu em Lisboa, Portugal, em 29
de dezembro de 1879. Em 1826 veio para o Rio estudar pintura com Debret na
Academia de Belas Artes, cursando também a Escola Militar e aulas de anatomia
do curso médico, além de Filosofia. Em 1831, graças a uma subscrição promovi-
da por Evaristo da Veiga, e à proteção dos Andradas, seguiu Debret à Europa, a
fim de aperfeiçoar-se como pintor. Ligado a Garrett, foi porventura quem orientou
os patrícios chegados a Paris interessados pelo Romantismo. De volta ao Rio,
desenvolveu intensa atividade artística, educacional, administrativa e literária.
Colaborou com Domingos de Magalhães na criação da revista Niterói (1836) e
fundou com Joaquim de Macedo e Gonçalves Dias a revista Guanabara (1849),
veículos que abrigaram os grupos iniciais do Romantismo no Brasil. Em 1858
ingressou na carreira consular, servindo como cônsul do Brasil na Prússia, com
sede em Berlim, depois na Saxônia, com sede em Dresden (1860-1866), e final-

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40 © História do Brasil I

mente em Lisboa (1866-1879), onde veio a falecer. Escreveu artigos, biografias,


peças de teatro, estudos políticos, poesias, que ainda não foram todas reunidas,
tendo ele publicado as principais nas Brasilianas (1863). Pseudônimo: Tibúrcio
do Amarante. Fez parte do primeiro grupo romântico brasileiro, cuja poesia é
marcada por um forte nacionalismo. Abandonou a mitologia clássica em proveito
da temática nacional. A sua empresa literária, contudo, foi o poema épico Colom-
bo, em que trabalhou desde 1840, publicando episódios em revistas da época
a partir de 1850. Endeusava reverentemente o amigo Domingos de Magalhães,
atribuindo-lhe a chefia da “regeneração das nossas letras”, mas tinha ele mesmo
a noção da influência da sua obra como início da cor local nativista.
Obras: Brasilianas, poesia (1863); Colombo, poema épico, 2 tomos (1866). Es-
creveu várias peças teatrais, entre as quais: Prólogo dramático (1837); Angélica
e Firmino (1845); A estátua amazônica (1851); A restauração de Pernambuco
(1852); Os judas (1858); Canto inaugural (1859); O prestígio da lei (1859); Os
voluntários da pátria (1877). Também encontram-se publicadas as suas Cartas a
Monte Alverne (1964) e a Correspondência com Paulo Barbosa da Silva, na Co-
leção Afrânio Peixoto, da ABL (1990). Porto-alegre foi o primeiro artista a publicar
uma caricatura no Brasil. Entre 1837 e 1839, de volta de sua viagem à Europa,
Manuel de Araújo Porto-alegre produziu uma série de litografias satíricas que
eram vendidas em unidades separadas nas ruas do Rio de Janeiro. O artista
escreveu Prólogo dramático, podendo, pois, ser considerado nosso primeiro dra-
maturgo, Porto-alegre lançou ainda, em 1844, a revista Lanterna Mágica, primei-
ra publicação de humor político da imprensa brasileira, que circulou por onze edi-
ções, incorporando a charge e a caricatura, que deixaram assim de ser vendidas
separadamente (texto disponível em: <http://www.museusdoestado.rj.gov.br/cca/
textos/Araujo%20Porto%20Alegre.pdf>. Acesso em: 6 jun. 2010).

Claude d’Abbeville
Não se sabe o local e a data exatos do nascimento de Claude d’Abbeville. Toda-
via, o capuchinho francês faleceu em Rouen (França) em 1632. Abbeville veio
ao Brasil para a França Equinocial (Maranhão), uma tentativa dos franceses de
estabelecer uma colônia ao Sul do Equador, e estudou a fauna e a flora brasilei-
ras. Ao retornar para a Europa, Abbeville escreveu o livro História da Missão dos
Padres Capuchinhos na Ilha de Maranhão e Terras Circunvizinhas.

Momborê-uaçu
Pouco se sabe a respeito da vida de Momborê-uaçu. O que se sabe ao certo é
que ele foi um chefe tupinambá que, no Maranhão, proferiu o famoso discurso
registrado pelo capuchinho francês Claude d’Abbeville. Nesse discurso, o líder
indígena desconfiava das intenções dos franceses de estabelecer uma colônia
no Brasil, julgando-as semelhantes à intenção dos portugueses.

Martim Afonso de Sousa


Nasceu em Vila Viçosa (Portugal) em 1490 ou 1500 e faleceu
em Lisboa em 1564 ou 1571. Nobre e militar português, além
de ser o donatário da capitania de São Vicente, organizou
uma expedição que explorou a foz do rio da Prata (imagem
disponível em: <http://portalsaofrancisco.com.br/alfa/brasil-
-colonia/imagens/martim.jpg>. Acesso em: 19 jan. 2009).
© U1 - Expansão Marítima Portuguesa 41

Duarte Coelho Pereira


Nasceu em Miragaia (Portugal) em 1485 e faleceu em Portugal
em 1554. A exemplo de Martim Afonso de Sousa, Duarte Coelho
foi um nobre e militar português que recebeu do rei de Portugal
a capitania de Pernambuco. Dentre os vários feitos de Coelho
Pereira, destaca-se a fundação da cidade de Olinda.

Tomé de Sousa
Nasceu em Rates (Portugal) em 1503 e faleceu no mesmo local em 1573 ou
1579. Foi o primeiro governador-geral do Brasil, uma vez fracassado o sistema
de capitanias hereditárias. Dentre as várias pessoas que vieram ao Brasil com
ele, destaca-se o grupo de jesuítas chefiado pelo padre Manuel da Nóbrega (ima-
gem disponível em: <http://www.colegiosaofrancisco.com.br/alfa/brasil/imagens/
tome-de-souza.jpg>. Acesso em: 19 jan. 2009).

Francisco Adolfo de Varnhagen


Nasceu em 1816 e faleceu em 1878. Foi historiador, diplomata,
bem como militar, e escreveu livros e textos sobre a história do
Brasil ao longo do Segundo Reinado (imagem disponível em:
<http://www.cervantesvirtual.com/portal/fbn/biografias/francisco_
varnhagen/index.shtml>. Acesso em: 5 out. 2010).

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
A partir deste momento, vamos começar nossa primeira
unidade de estudos acerca da história da América portuguesa, na
qual veremos os principais fatores que levaram os portugueses à
expansão marítima pelo oceano Atlântico. Uma expansão que re-
sultou na descoberta de novas terras e povos ao longo das rotas
marítimas até as Índias.
Além disso, veremos, igualmente, as formas pelas quais
os portugueses se estabeleceram e se relacionaram com os po-
vos indígenas no Novo Mundo. De modo geral, vamos estudar os
primórdios da conquista e da colonização do Brasil colonial, uma
conquista e uma colonização que fascinaram e, ao mesmo tempo,
assustaram tanto portugueses quanto indígenas nas paragens tro-
picais ao Sul do Equador.

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42 © História do Brasil I

Vamos vencer mais este desafio na Educação a Distância


(EaD). Lembre-se de que você é o protagonista do seu conheci-
mento!

5. EXPANSÃO MARÍTIMA: MOTIVAÇÕES PORTUGUESAS


No contexto das grandes navegações europeias dos séculos
14 e 15, quando os europeus descobriram novas terras ao redor
do mundo, o reino de Portugal destacou-se pelo pioneirismo na
exploração dos mares. Dentre os fatores que contribuíram para
esse pioneirismo, podemos destacar a posição geográfica que Por-
tugal ocupa na Península Ibérica, uma larga faixa costeira voltada
para o oceano Atlântico.
Nesse sentido, o historiador Raymundo Faoro (2000, p. 57)
acredita que, apesar de a geografia ter "papel de fundamental re-
levo na história das navegações, ela não explica, por força própria,
os acontecimentos que iriam engrandecer o século".
Contando, ao final da Idade Média, com cerca de um milhão
de habitantes, Portugal possuía um comércio marítimo descrito
por historiadores como modesto (BOXER, 2002), porém, em con-
tínuo e sólido desenvolvimento (FAORO, 2000). O principal centro
comercial marítimo português era Lisboa, situada em um dos pou-
cos portos naturais da costa. A cidade contava, na primeira metade
do século 15, com cerca de 40 mil habitantes; dela, partiam para
Flandres, para a Inglaterra, para o Mediterrâneo e para o Marro-
cos produtos como sal, peixe, vinho, azeite, frutas, cortiça, favas e
couros e chegavam trigo, tecidos, ferro, madeira, ouro e prata em
barras, bem como moedas de ouro, vindos do Marrocos (BOXER,
2002). É interessante perceber que Faoro (2000) atribui a esse tipo
de comércio um dos pontos favoráveis à primazia portuguesa na
aventura ultramarina, posto que, na sua interpretação, essa po-
sição geográfica estratégica favorecia a ligação entre o Mediter-
râneo e o Norte da Europa. Sendo um entreposto comercial im-
© U1 - Expansão Marítima Portuguesa 43

portante, Portugal atraía comerciantes e navegadores de diversos


pontos europeus e estabelecia, assim, o comércio de transporte,
que vem a ser aquele que não pressupõe o investimento do lucro
do comércio nas regiões produtoras do interior do território por-
tuguês.
Nas palavras do autor:
A praia portuguesa consolidou, muito cedo, a posição de vínculo
das relações entre o Mediterrâneo e o norte da Europa. Lisboa, a
cidade "de muitas e desvairadas gentes" de Fernão Lopes, foi o cen-
tro e o núcleo de irradiação de comerciantes ingleses, flamengos,
alemães, galegos e biscainhos, ao lado de comerciantes aragone-
ses, catalães, franceses, italianos (FAORO, 2000, p. 60-61).

A possibilidade de se estabelecer em Portugal e de desfru-


tar de privilégios comerciais, garantias que estavam asseguradas
pelas "cartas de segurança", ou "cartas de segurança real", atraía
muitos europeus, especialmente os italianos. Para o historiador
inglês Charles Boxer, apesar de os comerciantes portugueses te-
rem de disputar com os mercadores estrangeiros, tanto em Lisboa
como na cidade do Porto, os primeiros conseguiam destacar-se.
De acordo com levantamento apresentado em seu livro O Império
Marítimo Português:
[...] entre 1385 e 1456, de um total de 46 navios empenhados no
comércio marítimo entre Portugal, Inglaterra e Flandres, captura-
dos por corsários ou confiscados em portos, 83% pertenciam aos
portugueses, 15% aos estrangeiros, e 2% eram de propriedade mis-
ta. Dos vinte casos em que se conhece a origem das cargas desses
navios, 55% pertenciam aos portugueses, 20% aos estrangeiros e
25% eram de portugueses e estrangeiros (BOXER, 2002, p. 22-23).

Para Faoro (2000, p. 61), a associação de portugueses e es-


trangeiros, um "aspecto cosmopolita" do comércio local, fazia que
Portugal se apresentasse como "o centro das transações mundiais
do comércio, bolsa da Europa, ninho das especulações de toda
sorte". Por “especulações de toda sorte”, podemos entender "as
sutis e finas operações de dinheiro", operações comerciais que
iam além do transporte e do comércio de mercadorias e que aden-
savam a arrecadação de impostos e os montantes negociados nos

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44 © História do Brasil I

contratos reais. Por tudo isso, o autor considera a presença desses


negociantes e as transações por eles realizadas o "impulso das na-
vegações, costeiras primeiro, e ultramarinas mais tarde" (FAORO,
2000, p. 61).
Podemos, então, perceber que a posição geográfica foi um
dos fatores que favoreceram Portugal na empresa ultramarina em
relação aos demais reinos europeus. Como alerta Faoro (2000), a
“conjugação” de outros fatores foi determinante para o pioneiris-
mo português na aventura pelas terras de além-mar.
É necessário destacar que o reino de Portugal teve uma ori-
gem marcada pela guerra e pelo encontro de vários povos. Afinal,
a Península Ibérica, localizada bem próxima à África, foi palco de
contato e de conquista de diversos povos, desde os romanos aos
árabes, que, de certa forma, ajudaram a constituir, para aqueles que
habitavam a região, um sentimento de pertencimento, de uma par-
ticularidade local, especialmente em relação aos mouros islâmicos.
Os árabes, chamados de "inimigos inimicíssimos", ocupavam
a Península Ibérica desde o século 7º, sendo, também, denomina-
dos de infiéis, mouros, islamitas, sarracenos e maometanos. Essas
designações abrangiam todos aqueles que praticavam o islamis-
mo, o que incluía:
[...] povos e pessoas de origem árabe e não árabe, asiáticos, africa-
nos e europeus, gente com diferentes costumes, línguas, formas de
organização social e estágios de desenvolvimento técnico (AMADO;
FIGUEIREDO, 1999, p. 14).

Embora expulsos, ainda no século 12, durante a guerra de


reconquista que levou à formação de Portugal como primeiro
Estado europeu moderno, pela prolongada presença, exerceram
grande influência na cultura portuguesa. Marcaram a arquitetu-
ra, denominaram utensílios e técnicas, bem como introduziram e
intensificaram novos plantios, tais como: o limoeiro e a laranjeira.
Para Boxer (2002), um exemplo dessa influência era a associação
das palavras “azeite” e “azeitona”, de origem árabe, ao óleo e ao
fruto provenientes da oliveira, árvore que possuía nome latino,
© U1 - Expansão Marítima Portuguesa 45

cujo cultivo fora desenvolvido sobremaneira pelos muçulmanos.


Sobretudo na região Sul, mais densamente ocupada, cunharam
termos econômicos, militares e administrativos, bem como batiza-
ram diversas localidades. Um exemplo é a denominação da região
de Algarve, cuja origem é o árabe al-garb, que significa “oeste”,
“poente” ou “ocidente”.
Além da interferência cultural, também contribuíram para
criar as condições necessárias às grandes navegações. O aperfei-
çoamento do astrolábio e o uso das tábuas astronômicas foram,
na interpretação de Jaime Cortesão (s.d), resultado da constante
preocupação árabe em determinar as posições geográficas para
uso religioso ou para a determinação do movimento dos astros.
Explicitando essas contribuições, o autor considera que:
É de notar que o conhecimento das latitudes era necessário à cons-
trução dos relógios de sol horizontais que ornavam os lugares onde
se fazia a oração. Da mesma sorte a prática de voltar a face para a
Meca durante as preces, direção fornecida pela posição do mirab
dentro da mesquita, era regulada pelas coordenadas geográficas
da cidade santa e do lugar onde o crente se encontrava. Finalmente
para pronunciar o horóscopo em astrologia, era necessário dividir o
Céu em doze mansões, cujas medidas se fixavam conforme a época
do ano e as latitudes geográficas (CORTESÃO, s.d., p. 35).

Outro subsídio árabe para a empresa marítima foi a trans-


missão do conhecimento científico grego da Antiguidade por meio
da tradução de obras de Aristóteles e Ptolomeu, que provocaram,
durante o século 12, grande curiosidade e transformação na forma
de se pensar a ciência. Mesmo entre pensadores da Igreja, passou-
-se a considerar a importância dos escritos antigos. Foi consideran-
do essas leituras que eles lançaram as bases de estudos voltados
para o domínio das terras de além-mar. Nas palavras entusiasma-
das de Cortesão (s.d., p. 29):
Grandes espíritos, como Bacon, Ockam e Raimundo Lulo, todos
Franciscanos, prenunciam nos seus escritos as claridades do Renas-
cimento. Estudam-se os geógrafos antigos; comparam-se e discu-
tem-se as suas asserções; multiplicam-se as hipóteses, as teorias
e as citações sobre o lugar da Terra no Universo, as dimensões do
Globo, a repartição das águas e das terras, a habitabilidade das di-

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46 © História do Brasil I

ferentes zonas; e simples viajantes ou cosmógrafos lançam a idéia


da existência de continentes desconhecidos, de circum-navegar a
África ou atravessar o oceano até encontrar a Índia.

Ainda que permanecessem em constante estado de guerra,


no século 12, cristãos e muçulmanos mantinham relações comer-
ciais, as quais, muitas vezes, eram intermediadas por judeus. Os
mouros navegavam pela costa Ocidental da Europa, onde, prova-
velmente, deixaram com dádiva o uso da vela latina, que inspirou
as velas usadas nas caravelas. É interessante perceber que, desde
o século 11 e com a intensificação das trocas comerciais provocada
pelas Cruzadas, a navegação e os comércios marítimo e terrestre,
dominados pelos árabes, despertavam a estranheza, a curiosida-
de e a cobiça dos europeus. Cortesão (s.d.), ao comentar as via-
gens comerciais muçulmanas pela China, pela Malásia e pela costa
Oriental da África, bem como as caravanas que chegavam por terra
ao Sudão, considera que:
Esses dois mundos, separados pelo ódio religioso, pouco ou mal
conhecidos um do outro, temiam-se, espiavam-se e constituíam
até pelo incentivo de mistério que os velava, objeto de cobiça recí-
proca, mas naturalmente muito mais para os cristãos, aos quais as
vagas mais sedutoras notícias da riqueza dos países muçulmanos e
mais ainda do Oriente, deslumbravam e acendiam ciumentas am-
bições (CORTESÃO, s.d., p. 18).

Podemos considerar que o desenvolvimento comercial ex-


perimentado pela Europa em fins do século 12 levou, dentre ou-
tras situações, a três que são complementares:
• formação de feiras como a de Champanhe, à qual merca-
dores de diversos pontos do continente afluíam;
• desenvolvimento das casas bancárias, especialmente as ita-
lianas, que estabeleciam filiais nas principais cidades portuá-
rias, inclusive em Lisboa, e que permitiam o financiamento
de diversos tipos de empreendimentos comerciais;
• consequente aperfeiçoamento das técnicas navais reali-
zadas nos séculos 13 e 14, levando a um incremento do
comércio marítimo europeu. Isso leva-nos a ponderar que:
© U1 - Expansão Marítima Portuguesa 47

[...] a civilização da Cristandade adquiriu por esta forma durante


os últimos séculos da Idade Média um caráter acentuadamente
comercial e marítimo, e, por conseqüência, fortes necessidades e
capacidades de expansão (CORTESÃO, s.d., p. 25).

Assim, Portugal desejava tornar-se o principal distribuidor


dos produtos africanos e asiáticos, inclusive das especiarias, que
haviam caído no gosto dos europeus, pela possibilidade de serem
utilizadas tanto na elaboração de remédios e cosméticos como na
composição e na conservação de alimentos, especialmente da car-
ne. Além disso, podiam, ainda, ser usadas para o tingimento de te-
cidos. Queriam controlar o comércio do ouro, da pimenta, do mar-
fim e dos escravos que chegavam às mãos dos europeus vindos do
Norte do continente africano, bem como o de metais preciosos,
sedas, tecidos finos, artesanato de luxo, especiarias e porcelanas
que vinham da Ásia (AMADO; FIGUEIREDO, 1999).
No entanto, principalmente a partir do final do século 13,
a aceleração dessa expansão era constantemente impedida pelos
obstáculos impostos pelos muçulmanos, que dominavam o comér-
cio dos produtos de luxo, das especiarias, dos escravos e do ouro,
dentre outras mercadorias consumidas pelos europeus. O acesso
destes às rotas terrestres que levavam até as regiões produtoras
era impedido; ademais, o alto preço praticado pelos árabes em vir-
tude do grande número de intermediários impossibilitava a com-
pra e a distribuição em maior escala de determinados produtos.
“Em meados do século 15, a Europa se apavorou diante das inves-
tidas dos turcos muçulmanos oriundos da Ásia e dos mouros, que
tentavam reerguer-se no norte da África" (AMADO, FIGUEIREDO,
1999, p. 14).
A esses problemas, podemos acrescentar a progressiva falta
de metais preciosos a que se submetia a Europa, pois o pagamen-
to dos produtos era efetuado nessa moeda, que se tornava cada
vez mais escassa. Como exemplos dessa escassez, podemos citar o
controle sobre a quantidade de ouro que era utilizada no adorno
das imagens sacras e o fato de que as moedas portuguesas eram

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48 © História do Brasil I

cunhadas com uma liga de prata e cobre e não de ouro, sendo


raras as moedas nacionais produzidas com esse metal antes do
século 15. Interessava, pois, aos portugueses tomar o controle do
comércio marítimo e ter acesso, por mar, às regiões produtoras de
ouro.
Nesse empreendimento, a Coroa portuguesa sempre teve o
apoio da Igreja, que considerava os muçulmanos inimigos a serem
combatidos. Aliás, é com o apoio do clero que, em 1496, os árabes
que ainda residiam no país são expulsos, mantendo-se o espírito
de constante combate a eles.
Pensando a presença estrangeira na Península Ibérica e a po-
sição da Igreja em relação aos muçulmanos, Cortesão (s.d., p. 33)
afirma que "em parte alguma da Europa se fez sentir tão benefi-
camente a influência da civilização árabe e se prolongou por tão
longo tempo o espírito militante das Cruzadas."
Dessa forma, podemos afirmar que esse ódio religioso, ma-
terializado na expulsão e no constante combate aos mouros, ser-
viu para unificar o país e dar-lhe uma identidade e para fornecer
um dos impulsos necessários à empresa marítima. Diante disso,
Raymundo Faoro (2000, p. 63) afirma que:
A religião, no século 15, em Portugal, era a expressão ardente da
causa nacional, da independência e da missão do reino: elo que
congregava não apenas o homem a Deus, mas o homem, à pátria.

Com os objetivos de guerrear contra os muçulmanos e de


defender os cristãos, foi criada, em 1319, pela Igreja, a Ordem de
Cristo, uma organização religiosa exclusivamente portuguesa do-
tada de características militares. De acordo com Amado e Figueire-
do (1999, p. 17), a ordem possuía “jurisdição espiritual sobre todas
as regiões conquistadas" e havia sido
[...] extremamente importante para a construção e a consolidação
do império, além de fornecer aos portugueses recursos financeiros,
humanos e militares, prestígio, apoio político e orientação religiosa.
(1999, p.17)
© U1 - Expansão Marítima Portuguesa 49

Os autores consideram, ainda, que:


A bandeira branca com a cruz vermelha da Ordem de Cristo, pre-
sente nos veleiros, exércitos, fortalezas, igrejas e edificações lusas
nos quatro cantos do mundo, talvez tenha sido o símbolo mais di-
fundido do império português (AMADO; FIGUEIREDO, 1999, p. 17).

Podemos perceber que as necessidades comerciais e as mo-


tivações religiosas estavam profundamente entrelaçadas e, mui-
tas vezes, confundiam-se, pois eram percebidas como uma só. Na
Oração da Obediência, enviada ao papa em 1485, Vasco Fernando
de Lucena (apud AMADO; FIGUEIREDO, 1999, p. 16) afirma que:
Do descobrimento e exploração dessas terras parece-me já está a
ver quantas e quão grandes somas de riquezas, honras e glórias
virão, tanto para o povo cristão como principalmente para vós, San-
tíssimo Padre [...].

É nesse intuito que a Igreja, considerando os reis católicos


depositários e ferramentas da vontade divina, lhes concede, com
base no seu poder secular, poderes para conquistar e evangelizar,
expandindo, assim, os domínios da fé católica. São muito ilustra-
tivas as bulas papais Dum Diversas e Romanus Pontifex, de 18 de
junho de 1452 e 8 de janeiro de 1544, respectivamente. Elas auto-
rizam, nessa ordem:
Atacar, conquistar e submeter sarracenos, pagãos e outros infiéis
inimigos de Cristo; a capturar os bens e os territórios a eles perten-
centes; a reduzir a escravidão perpétua e a transferir suas terras e
propriedades para o rei de Portugal e sucessores.
Circunavegar a África, e, assim, estabelecer contato por mar com
os habitantes das Índias, “que, segundo se diz, honram o nome de
Cristo”, e, numa aliança com eles, prosseguir na luta contra os sar-
racenos e outros inimigos da fé. O príncipe é autorizado a submeter
e converter os pagãos (mesmo os que não estivessem manchados
pela influência muçulmana) que pudessem ser encontrados entre
o Marrocos e as Índias (BOXER, 2002, p. 37).

Percebemos, então, que os conquistadores cristãos recebe-


ram autorização da Igreja para combater, pilhar, escravizar, sub-
meter e converter tanto os muçulmanos, já conhecidos, como os
povos que, porventura, viessem a conhecer, mesmo que essas prá-
ticas contrariassem os ensinamentos de Cristo.

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50 © História do Brasil I

Diante do que foi exposto, podemos aferir que a empresa ma-


rítima portuguesa se motivou e se tornou fruto do esforço não só
da Coroa portuguesa, mas também de uma classe de comerciantes
composta por portugueses e estrangeiros europeus, principalmente
italianos, e do apoio inconteste da Igreja, que impulsionava e legi-
timava as ações de expansão comercial e religiosa. Nesse sentido,
concordamos com a afirmação de Faoro (2000, p. 63):
Todos colaboraram na grande arrancada, submissos, famintos de
honras e de saques, ávidos de lucros ardentes de fé – todos por si
sob a bandeira real, que os cobria e lhes dava cor, vida e energia.
[...] Seu espírito: cruzada, rapina, pirataria, dilatação do império e
da fé.

Desse modo, Portugal, desfrutando de uma posição geográ-


fica favorável, imbuída de um sentimento, ao mesmo tempo, reli-
gioso e nacional na luta contra os árabes, destacou-se, ainda, por
ter sido a primeira monarquia centralizada da Europa Ocidental.
Enquanto o restante do continente era uma miríade de pequenos
reinos feudais, em Portugal, os nobres foram submetidos à autori-
dade real por meio de uma política de alianças e de favores tácitos
na longa guerra de expulsão dos mouros da Península Ibérica.
A política de alianças entre o rei e os senhores feudais foi
essencial para o aumento das propriedades reais, pois, de acordo
com Faoro (2001, p. 19):
Do patrimônio do rei – o mais vasto do reino, mais vasto que o
do clero e, ainda no século 14, três vezes maior que o da nobreza
– fluíram rendas para sustentar os guerreiros, os delegados monár-
quicos espalhados no país e o embrião dos servidores ministeriais,
aglutinados na corte. Permitia, sobretudo, a dispensa de largas
doações rurais, em recompensa aos serviços prestados pelos seus
caudilhos, recrutados, alguns, entre aventureiros de toda a Europa.
Os dois caracteres conjugados – o rei senhor da guerra e o rei se-
nhor de terras imensas – imprimiram a feição indelével à história
do reino nascente.

Além dos fatores citados anteriormente, que foram decisivos


para a expansão marítima de Portugal, há de se destacar, ainda,
outro elemento igualmente relevante: o espírito aventureiro.
© U1 - Expansão Marítima Portuguesa 51

Nesse sentido, o historiador Sérgio Buarque de Holanda


(1995, p. 43) comenta:
Pioneiros da conquista do trópico para a civilização, tiveram os por-
tugueses, nessa proeza, sua maior missão histórica. E sem embargo
de tudo quanto se possa alegar contra sua obra, forçoso é reconhe-
cer que foram não somente os portadores efetivos como os porta-
dores naturais dessa missão. Nenhum outro povo do Velho Mundo
achou-se tão bem armado para se aventurar à exploração regular e
intensa das terras próximas à linha equinocial [...].

Na opinião do mesmo autor, o português aventureiro dos sé-


culos 14 e 15 era um:
[...] tipo humano [que] ignora as fronteiras. No mundo tudo se
apresenta a ele em generosa amplitude e, onde quer que se erija
um obstáculo a seus propósitos ambiciosos, sabe transformar esse
obstáculo em trampolim. Vive dos espaços ilimitados, dos projetos
vastos, dos horizontes distantes (HOLANDA, 1995, p. 44).

Com essas observações em mente, cremos que é relevante


lembrar que, no contexto europeu do final do século 14 e do iní-
cio do século 15, os reinos europeus começavam a se organizar,
econômica e politicamente, em torno do rei por meio da aliança
deste com a nascente classe burguesa. É o que podemos chamar
de Estado Nacional. Conforme foi citado anteriormente, o reino
português foi formado precocemente se considerado o tempo de
formação das demais monarquias europeias. Ademais, é impor-
tante ponderar que, a partir de 1385, ocorreu uma forte centrali-
zação do poder na figura do rei de Portugal por meio da Revolução
de Avis.
Essa revolução foi o resultado conjugado da aliança entre o
Mestre de Avis – o nobre D. João –, com a nascente burguesia co-
mercial e o povo durante a crise sucessória ao trono lusitano, que
teve início com a morte do rei D. Fernando. Pelo tratado de Salva-
terras de Magos, a rainha, Dona Leonor Telles, governaria como re-
gente até que sua filha, Dona Beatriz, casada com o rei de Castela,
tivesse um filho varão. Caso este nascesse, os reinos de Portugal e
Castela seriam unidos. Contudo, parte da nobreza e da burguesia
era contrária à união dos dois reinos por temerem a perda de seus

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52 © História do Brasil I

direitos e privilégios. A revolução teve início com o assassinato, em


dezembro de 1383, do Conde de Andeiro pelo Mestre de Avis, que
era amante secreto de D. Leonor Telles, cujo romance em muito
desagradava ao povo. Assim, o Mestre de Avis, após uma série de
lutas, foi aclamado como o rei D. João I, dando início à dinastia dos
Avis, que reinou em Portugal até 1580.
De modo geral, a revolução foi decisiva para a centralização
do poder monárquico em Portugal, na medida em que o rei D. João
I, apoiado pela burguesia comercial e pelo povo, submeteu o clero
e a nobreza à sua autoridade. A burguesia lusitana, agora, fortale-
cida e contando com o apoio real, organizou uma série de expe-
dições marítimas com o intuito de encontrar uma rota alternativa
para o rendoso e lucrativo comércio de especiarias nas Índias.
A busca de uma rota alternativa para se chegar ao comércio
das Índias ocorreu em virtude da tomada de Constantinopla pelos
turcos otomanos em 1453, quando o comércio de caravanas pelo
Oriente Médio praticamente se fechou com a Europa.
Conforme elucidam Amado e Figueiredo (1999, p. 10), os
reis e os príncipes portugueses, preponderantemente os da dinas-
tia de Avis, apoiavam, de diferentes maneiras, as atividades que
visavam à expansão do comércio marítimo:
Financiavam expedições terrestres, viagens marítimas e a constru-
ção de navios; incentivavam a formação de companhias comerciais
e financeiras, a maioria delas somando capitais particulares e públi-
cos; patrocinavam estudos náuticos, astronômicos e cartográficos;
organizavam exércitos, que, dentro e fora do reino, defendiam ou
impunham os interesses do império; compilavam e criavam leis, or-
ganizando o Estado e adaptando a sociedade aos novos tempos;
fundavam órgãos públicos, capazes de administrar as conquistas;
negociavam, com o papa e outros reis e príncipes, acordos e trata-
dos para garantir as novas terras e os postos comerciais. Comanda-
vam, enfim, a política portuguesa de navegação, conquista e colo-
nização.

Um exemplo expressivo da aliança entre a burguesia e o rei


foi a conquista de Ceuta, entreposto comercial localizado no Norte
da África, em 1415. De fato,
© U1 - Expansão Marítima Portuguesa 53

[...] o ataque a Ceuta tinha o escopo de se apropriar do centro do


comércio de Mediterrâneo, que fluía da África e da Ásia, com o
ouro sudanês e as especiarias trazidas pelas caravanas, servia à no-
breza e inflamava o zelo cruzado – cruzado e não missionário – do
clero. [...]. Mais do que uma obra de grupos, empresa de interes-
ses, a conquista se caracterizou como manifestação do capitalismo
de Estado – senhores territoriais, comerciantes, letrados, todos se
congregam sob um comando superior, representado por um corpo
dirigente, que recruta os membros de toda a parte, sem guardar o
caráter mandatário (FAORO, 2001, p. 73).

A conquista de Ceuta, como pudemos ver na passagem an-


terior, foi mais do que “uma obra de grupos”. De certo modo, essa
conquista caracterizou-se “como manifestação do capitalismo de
Estado", que se circunscreve no contexto das grandes navegações
europeias, da qual Portugal foi pioneiro. Está claro que a expansão
europeia pelos oceanos não foi motivada apenas por fatores eco-
nômicos. Havia, igualmente, razões religiosas, políticas e sociais.
Há alguns historiadores que afirmam que a globalização teve
início justamente com as grandes navegações europeias.
No caso de Portugal, não poderia ser diferente: a conquista
da praça africana representou novas terras para a nobreza, a ex-
pansão da fé cristã para o clero e novos mercados para a burgue-
sia – terras, almas e mercados que as naus lusitanas almejavam
conquistar ao partirem de Lisboa e de outros portos portugueses.
Lisboa, por sinal, "faz-se, no século XV, a plataforma das expedi-
ções ultramarinas", pois era "o centro e o núcleo de irradiação de
comerciantes aragoneses, catalães, franceses, italianos” (FAORO,
2001, p. 70).
Diante do que foi exposto até agora, o historiador Caio Pra-
do Júnior (1999, p. 22) faz a seguinte afirmação:
Nesta avançada pelo oceano [Atlântico, os portugueses] descobri-
rão as ilhas (Cabo Verde, Madeira, Açores), e continuarão perlon-
gando o continente negro para o sul. Tudo isto se passa ainda na
primeira metade do século. Lá por meados dele começa a se dese-
nhar um plano mais amplo: atingir o Oriente contornado a África.
Seria abrir seu proveito uma rota que os poria em contato direto
com as opulentas Índias das preciosas especiarias, cujo comércio

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54 © História do Brasil I

fazia a riqueza das repúblicas italianas e dos mouros por cujas mãos
transitavam até o Mediterrâneo. Não é preciso repetir aqui o que
foi o périplo africano, realizado afinal depois de tenazes e sistemá-
ticos esforços de meio século.

O périplo africano mencionado pelo autor nada mais foi do


que o contorno do continente africano pelas expedições marítimas
portuguesas, cujo feito foi alcançado por Vasco da Gama em 1498.
O sucesso almejado pela expedição de Vasco da Gama levou
o rei e os comerciantes portugueses a organizarem uma outra e
maior expedição marítima para as Índias. O comando dessa expe-
dição foi confiado a Pedro Álvares Cabral, que, em abril de 1500,
aportou em terras habitadas por indivíduos de cabelos negros e
esguios que andavam, inocentemente, nus.
Desse contato, inicialmente, fortuito e pacífico, mas, depois,
dramático e trágico, nasceria um país que viria a ser conhecido
como Brasil. Nesse aspecto, é importante frisar, particularmente,
que, quando da chegada das caravelas portuguesas nas terras lo-
calizadas ao Sul do Equador, não existia, propriamente, um país
chamado Brasil. Havia, sim, um imenso território com densas flo-
restas tropicais e equatoriais, entrecortado por serras e rios e,
principalmente, habitado por milhares de povos indígenas com
cultura, costumes e línguas próprios.
Segundo a carta de Pero Vaz de Caminha, ou seja, de acordo
com a visão de um europeu, esses povos eram, a princípio, dóceis
e pueris, mas, com o avançar do tempo e com o contato cada vez
mais estreito com os portugueses e demais europeus, mostraram-
-se animais, bárbaros (o canibalismo muito contribuiu para a visão
bestial do índio) e preguiçosos (os índios não tinham o hábito de
produzir excedentes, ao contrário do nascente espírito capitalista
que se desenvolvia na Europa).
Além disso, o processo de nossa formação nacional foi alta-
mente violento, ao contrário de uma visão que ignora ou, quando
muito, minimiza os conflitos e as contradições sociais.
© U1 - Expansão Marítima Portuguesa 55

Nesse aspecto, Darcy Ribeiro (1995, p. 168) alerta:


O processo de formação do povo brasileiro, que se fez pelo entre-
choque de seus contingentes índios, negros e brancos, foi, por con-
seguinte, altamente conflitivo. Pode-se afirmar, mesmo, que vive-
mos praticamente em estado de guerra latente, que, por vezes, e
com freqüência, se torna cruento, sangrento.

Tendo em mente essas considerações, vejamos, agora, as


principais características dos primeiros habitantes de um território
que, posteriormente, seria conhecido como Brasil.

6. PRIMEIROS CONTATOS: TUPIS


Os povos indígenas, de acordo com Ribeiro (1995, p. 29):
Não era[m], obviamente, uma nação, porque eles não se sabiam
tantos nem tão dominadores. Eram, tão só, uma miríade de povos
tribais, falando línguas do mesmo tronco, dialetos de uma mesma
língua, cada um dos quais, ao crescer, se bipartia, fazendo dois po-
vos que começavam a se diferenciar e logo se desconheciam e se
hostilizavam.

Em linhas gerais, os índios formavam "uma miríade de po-


vos tribais", ao contrário do que pensavam os portugueses quan-
do aqui chegaram. Estes forneceram mais relatos e detalhes das
tribos pertencentes ao tronco linguístico Tupi, isso porque foram
os Tupis os povos indígenas que entraram em contato com os por-
tugueses em quase todas as regiões em que eles estabeleceram os
primeiros núcleos populacionais.
Assim, descreveremos as principais características dos po-
vos Tupis, haja vista que eles foram melhor descritos pelos relatos
de viajantes dos séculos 15 e 17, dentre eles, Hans Staden, Jean
de Léry, André Thévet, Manuel da Nóbrega e José de Anchieta.
Lembre-se de que essas descrições foram feitas por europeus; por-
tanto, carregam as marcas específicas daquele período e do seu
modo de ver o mundo.
De modo geral, os Tupis praticavam a agricultura, a caça e a
pesca e partilhavam entre si toda a produção obtida do seu traba-

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56 © História do Brasil I

lho. Não eram sedentários, visto que mudavam de local quando se


escasseavam a caça, a pesca e os demais meios necessários para a
sobrevivência.
As tarefas cotidianas eram distribuídas de acordo com o
sexo. As mulheres eram responsáveis por cuidar das crianças, da
agricultura (desde o plantio à colheita), da coleta de frutos, da fa-
bricação de farinha, do preparo da comida e da fabricação de ces-
tos e redes. Os homens, por sua vez, eram incumbidos de derruba-
rem as matas para o preparo do terreno para o plantio; da caça e
da pesca; de fabricarem arcos, flechas e canoas; da construção das
casas; e, principalmente, da guerra.
No que diz respeito à guerra, esta exercia a função de um
ritual sob o qual girava toda a organização tribal dos Tupis. O ca-
nibalismo, ou a antropofagia, foi a expressão tupi que mais hor-
rorizou os portugueses, pois, para eles e, principalmente, para os
jesuítas, o canibalismo era uma prática orientada e conduzida pelo
demônio.
Os Tupis organizavam-se socialmente em tribos com ramifi-
cações menores, conhecidas como aldeias. Essas aldeias, segundo
Florestan Fernandes (apud HOLANDA, 1981, p. 73):
[...] compunham-se, em média, de quatro a sete malocas ou ha-
bitações coletivas. Estas eram dispostas no solo de modo a deixar
uma área quadrangular livre, o terreiro, bastante amplo para a rea-
lização de cerimônias como as reuniões do conselho de chefes, o
massacre e a ingestão das vítimas, as atividades religiosas lideradas
pelos pajés, as festas tribais etc., as quais muitas vezes também en-
volviam a participação dos membros dos grupos locais vizinhos. Em
zonas sujeitas ao ataque de grupos tribais hostis, as malocas eram
circundadas por uma estacada ou caiçara, feita com troncos de pal-
meiras rachados, ou por um duplo sistema de paliçadas, entre os
quais colocavam estrepes agudos e cortantes.

Como podemos perceber, eram nas malocas que se realiza-


vam as principais atividades sociais dos Tupis: festas, cerimônias e
reuniões. Todos ali viviam como uma grande família. Ademais, os
membros que moravam nas malocas tinham laços de parentesco
entre si. Isso era possível graças ao casamento poligâmico.
© U1 - Expansão Marítima Portuguesa 57

No que diz respeito ao casamento na vida social dos Tupis,


Fernandes (apud HOLANDA, 1981, p. 77), mais uma vez, esclarece:
Em resumo, pois, os Tupis praticavam o casamento preferencial na
forma avuncular (matrimônio do tio materno com a sobrinha) e na
de matrimônio entre primos cruzados. Dessa maneira, alianças es-
tabelecidas entre parentelas distintas passavam a renovar-se inde-
finidamente, o que preservava a solidariedade baseada nos laços
de parentesco.

No entanto, um homem podia conseguir uma esposa fora de


sua aldeia, mas ele estaria sujeito a uma série de obrigações para
com a família da noiva e, em especial, para com os parentes do
sexo masculino.
Geralmente, a organização dos povos Tupis seguia um pa-
drão de funcionamento pelo qual o passado regia as ações no
tempo presente. Dito em outras palavras, as leis e as normas es-
tabelecidas pelas gerações passadas ordenavam a conduta da ge-
ração atual, e todos (homens, mulheres, crianças, jovens e velhos)
sabiam o que fazer nas mais variadas situações que envolviam as
atividades socioculturais da aldeia.
Nesse sentido, as situações que fugiam do normal eram ava-
liadas por um conselho formado pelos homens mais velhos, que
decidiam pela manutenção dos costumes transmitidos e herdados
dos antepassados, a exemplo do relato a seguir:
Bem sei que esse costume é ruim e contrário à natureza, e por isso,
muitas vezes procurei extingui-lo. Mas todos nós, velhos, somos
quase iguais e com idênticos poderes; e se acontece um de nós
apresentar uma proposta, embora seja aprovada por maioria de
votos, basta uma opinião desfavorável para fazê-la cair; basta al-
guém dizer que o costume é antigo e que não convém modificar o
que aprendemos de nossos pais (HOLANDA, 1981. p. 79).

Todavia, nem esses homens mais velhos conseguiram defi-


nir, de forma favorável aos indígenas, as relações com os coloniza-
dores. Aliás, são justamente essas relações que vamos discutir na
continuidade. Vamos analisar as representações do descobrimen-
to do Brasil e estudar o que foi o sistema de escambo e as feitorias.

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58 © História do Brasil I

7. REPRESENTAÇÕES DO DESCOBRIMENTO DO BRASIL


Vamos, agora, entender um pouco melhor aquilo que foi
produzido pela arte, retratando o descobrimento do Brasil e o im-
pacto do contato entre os indígenas e os colonizadores. Tais repre-
sentações levam-nos a meados do século 19.
A partir desse século, realizaram-se diversas representações
que abordavam o tema do descobrimento do território que se tor-
naria o país chamado Brasil, traçando o cenário e as circunstâncias
em que, supostamente, havia ocorrido. Vamos abordar algumas
dessas representações, que são amplamente discutidas e que apa-
recem, também, nos livros didáticos. Os matizes de tais represen-
tações, contudo, levam-nos ao século 18, sendo a partir desse sé-
culo que começaremos o nosso estudo.
Foi no final do século 18, no ano de 1773, que foi disponibi-
lizado para consulta aquele que é considerado o mais importan-
te documento a respeito do descobrimento do Brasil: a carta ao
rei D. Manoel, que teria sido redigida no primeiro dia de maio de
1500 pelo escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral, Pero Vaz de
Caminha. Sua publicação parcial pelo historiador castelhano João
Baptista Muñoz deu-se em 1790; no Brasil, foi o padre Manuel Ay-
res do Casal que a publicou em 1817, porém, foram excluídos os
trechos que tratavam do tema da sexualidade. Foi somente em
1826 que esse documento histórico foi publicado na íntegra pela
Academia de Ciências de Lisboa, tendo sido, ainda, traduzido para
o alemão, francês e inglês. Ao território brasileiro, ficou reservada
a edição publicada pela Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro em 1877 e as edições posteriores de 1892 e 1900.
Resgatando alguns aspectos contextuais que envolveram o
período tratado no que se refere à construção da memória, vamos
considerar uma mudança de costumes na tradição funerária que
alcançou o culto cívico no Brasil. Para tanto, faremos algumas re-
© U1 - Expansão Marítima Portuguesa 59

lações, partindo da discussão realizada por Eduardo Victorio Mo-


rettin em seu artigo Produção e Formas de Circulação do Tema do
Descobrimento do Brasil: uma análise de seu Percurso e do Filme
Descobrimento do Brasil (1937), de Humberto Mauro.
Conforme Morettin (2000) descreve, até o início do século
19, os mortos eram, comumente, enterrados no interior das igre-
jas, com o intuito de que a alma do falecido alcançasse, mais fácil
e rapidamente, o reino dos céus, pressupondo a crença de que a
igreja fosse o "Portal do Paraíso". Todavia, tal tradição esbarrou
em uma questão sanitária. Segundo a tese defendida pelo médico
Manuel Maurício Rebouças na Escola de Medicina de Paris, os ga-
ses exalados pelos corpos em decomposição poderiam prejudicar
a saúde dos vivos. Desse modo, Rebouças propôs, em 1831, uma
reforma funerária como medida de saneamento público, de ma-
neira que os cemitérios fossem localizados distantes das cidades.
Tal reforma foi realizada somente após uma epidemia, ocorrida em
1855 e 1856. A partir de então, os mortos e os vivos não mais ocu-
param o mesmo espaço físico no mundo secular.
Tal mudança também sinalizou, conforme discutiu o autor,
uma transformação no modo como era encarada a Igreja, já que
um dos pontos da tese de Rebouças era a utilização do cemitério
para educar civicamente os povos, na medida em que os túmulos
permitiam, em sua monumentalidade, celebrar a virtude cívica de
determinados cidadãos. Portanto, avalia Morettin (2010), a virtu-
de cívica passou, a partir de então, a predominar sobre a devoção
religiosa. Foi também em 1856 que o professor, artista e jornalista
Manoel de Araújo Porto-alegre (1856) apontou a necessidade de
se cultuarem civicamente os mortos.
De parte a parte, podemos considerar que a crescente divul-
gação da carta de Caminha no século 19 coincidiu com um período
em que cresceu a preocupação com a construção de um referen-
cial simbólico a ser perpetuado pela jovem nação.

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60 © História do Brasil I

Segundo Morettin (2000, p. 137):


Não havia um referencial simbólico da ainda jovem nação a ser ce-
lebrado e perpetuado. Diante deste inquietante cenário, tratava-se
de selecionar as personagens dignas de permanecerem imortali-
zadas pelo pincel ou pela espátula. Seleção que traduzia um du-
plo esforço: em primeiro lugar, de jogar luz sobre as figuras que
se destacaram no passado, redimindo-as do esquecimento ao qual
foram relegadas; por último, de livrá-las das dissensões acerca de
sua ação, presentes no momento em que participavam da luta po-
lítica, a fim de que pudessem ser cultuadas e tivessem seus feitos
projetados para o futuro.

Desse modo, temos, na segunda metade do século 19, diver-


sas representações e debates de historiadores a respeito da his-
tória do Brasil pautados na carta de Caminha. Conforme resume
Morettin (2000, p. 139-140):
Em suma, o debate historiográfico da época havia levantado e dis-
cutido as principais polêmicas por intermédio dos documentos, de-
finindo também os mortos a serem cultuados. Em relação a este
último aspecto, no século XIX dispôs às gerações futuras os locais
sobre os quais deveriam erguer-se os panteões dedicados ao culto
cívico, no quadro de preocupações de Rebouças e Porto-Alegre. Es-
tamos nos referindo ao jazigo de Cabral, encontrado por Varnhagen
no ano de 1839 na cidade de Santarém, em Portugal.

Do ponto de vista da pintura, a obra de Victor Meirelles inse-


re-se no debate, acompanhada da interferência direta de Manuel
de Araújo Porto-alegre. O pintor Victor Meirelles de Lima estudou
na Academia Imperial de Belas Artes em 1847, tendo Manuel de
Araújo Porto-alegre como um de seus professores. Desse modo,
sua obra seria orientada de perto por Porto-alegre, que mediou
sua produção, tendo indicado o tema da primeira missa realizada
na presença dos índios e, ainda, sugerido a Meirelles que tomasse
a carta de Caminha como fonte de inspiração para a pintura. Con-
forme descreveu Morettin (2000, p. 147-148):
O mesmo Porto-Alegre que em 1856 reclamava da ausência de
imagens que representassem nossa história e da falta de apego ao
passado por parte das gerações mais jovens, colaborou na constru-
ção de um dos mais importantes marcos iconográficos da fundação
do Brasil e da pintura de História do século XIX. Seguindo um tra-
jeto similar ao da historiografia, observamos nas artes plásticas do
período a elaboração e a eleição de um conjunto de referenciais
para se entender o nascimento do país. No caso da pintura, trata-se
© U1 - Expansão Marítima Portuguesa 61

de escolher e selecionar imagens. No entanto, e isto é fundamen-


tal, este processo ancora-se na História, como a indicação da carta
de Caminha parece ser suficiente para indicar. Neste sentido, o pro-
cesso de construção é duplo e com interfaces: da História nasce a
Arte e da Arte nasce a História.

O quadro foi concluído em 1861 e exibido no Salon de Paris.


Um dos fatores considerados a seu respeito é a reunião dos ele-
mentos que constituem a nação brasileira, como o índio, o homem
branco e a exuberância da natureza. Tais elementos – a mata e o
contato do homem branco com o índio – retratam a coesão da
obra com a carta de Caminha, contemplando seus relatos sobre o
contato com o índio e todo o cenário edênico que ele encontrara.
Superada parte do estranhamento e estabelecido o contato com
os índios, conforme Caminha descreveu em sua carta, por ordem
de Cabral, foi realizada a primeira missa.
Desse modo, podemos apreciar, na Figura 1, a reprodução
do quadro, que foi feito em óleo sobre tela e que mede 268cm x
358cm; essa obra está exposta no Museu Nacional de Belas Artes
do Rio de Janeiro.

Figura 1 Primeira missa no Brasil, 1861.

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62 © História do Brasil I

Vejamos, agora, um trecho da carta de Caminha.

Trecho da carta de Caminha––––––––––––––––––––––––––––


Ao domingo de Pascoela pela manhã, determinou o Capitão ir ouvir missa e ser-
mão naquele ilhéu. E mandou a todos os capitães que se arranjassem nos batéis
e fossem com ele. E assim foi feito. Mandou armar um pavilhão naquele ilhéu, e
dentro levantar um altar mui bem arranjado. E ali com todos nós outros fez dizer
missa, a qual disse o padre frei Henrique, em voz entoada, e oficiada com aquela
mesma voz pelos outros padres e sacerdotes que todos assistiram, a qual missa,
segundo meu parecer, foi ouvida por todos com muito prazer e devoção.
Ali estava com o Capitão a bandeira de Cristo, com que saíra de Belém, a qual
esteve sempre bem alta, da parte do Evangelho.
Acabada a missa, desvestiu-se o padre e subiu a uma cadeira alta; e nós todos
lançados por essa areia. E pregou uma solene e proveitosa pregação, da história
evangélica; e no fim tratou da nossa vida, e do achamento desta terra, referindo-
-se à Cruz, sob cuja obediência viemos, que veio muito a propósito, e fez muita
devoção.
Enquanto assistimos à missa e ao sermão, estaria na praia outra tanta gente,
pouco mais ou menos, como a de ontem, com seus arcos e setas, e andava
folgando. E olhando-nos, sentaram. E depois de acabada a missa, quando nós
sentados atendíamos a pregação, levantaram-se muitos deles e tangeram corno
ou buzina e começaram a saltar e dançar um pedaço. E alguns deles se metiam
em almadias – duas ou três que lá tinham – as quais não são feitas como as que
eu vi; apenas são três traves, atadas juntas. E ali se metiam quatro ou cinco, ou
esses que queriam, não se afastando quase nada da terra, só até onde podiam
tomar pé.
Acabada a pregação encaminhou-se o Capitão, com todos nós, para os batéis,
com nossa bandeira alta. Embarcamos e fomos indo todos em direção à terra
para passarmos ao longo por onde eles estavam, indo na dianteira, por ordem
do Capitão, Bartolomeu Dias em seu esquife, com um pau de uma almadia que
lhes o mar levara, para o entregar a eles. E nós todos trás dele, a distância de
um tiro de pedra.
Como viram o esquife de Bartolomeu Dias, chegaram-se logo todos à água, me-
tendo-se nela até onde mais podiam. Acenaram-lhes que pousassem os arcos e
muitos deles os iam logo pôr em terra; e outros não os punham.
Andava lá um que falava muito aos outros, que se afastassem. Mas não já que a
mim me parecesse que lhe tinham respeito ou medo. Este que os assim andava
afastando trazia seu arco e setas. Estava tinto de tintura vermelha pelos peitos
e costas e pelos quadris, coxas e pernas até baixo, mas os vazios com a barriga
e estômago eram de sua própria cor. E a tintura era tão vermelha que a água
lha não comia nem desfazia. Antes, quando saía da água, era mais vermelho.
Saiu um homem do esquife de Bartolomeu Dias e andava no meio deles, sem
implicarem nada com ele, e muito menos ainda pensavam em fazer-lhe mal.
Apenas lhe davam cabaças d’água; e acenavam aos do esquife que saíssem em
terra. Com isto se volveu Bartolomeu Dias ao Capitão. E viemo-nos às naus, a
comer, tangendo trombetas e gaitas, sem os mais constranger. E eles tornaram-
-se a sentar na praia, e assim por então ficaram (UNIVERSIDADE FEDERAL DE
SANTA CATARINA, 2010).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
© U1 - Expansão Marítima Portuguesa 63

Sobre a obra Primeira Missa, pintada por Victor Meirelles,


Morettin (2000, p. 151) esclarece:
A princípio, poderíamos dizer que Primeira Missa segue, em linhas
gerais, as preocupações de Caminha em relação à forma pela qual
este evento foi assimilado pelos habitantes da terra. Entre outros
elementos, encontramos na tela, logo em primeiro plano, o índio
mais velho que aponta para o centro da cena, ou seja, para a cele-
bração da missa. Podemos vê-lo com um de seus braços pousado
sobre outro membro de sua tribo, numa postura de quem procu-
ra compartilhar o momento “espiritualizado” com os demais. Ao
registrá-lo nesta atitude, Meirelles procura ativar a comunhão de
interesses indicada pelo escrivão. Utilizando esta estratégia, por
exemplo, o artista ressalta o caráter sacro do episódio que, embo-
ra presente no documento, ganha em sua tradução imagética uma
dimensão totalizante, pois tudo conflui para a aceitação da religião
católica no novo território.

Contudo, além da devoção religiosa ao catolicismo que foi


representada, também foi promovida a relação econômica e co-
mercial no contato entre colonizadores e indígenas. Desse modo,
compreenderemos melhor de que maneira os portugueses conse-
guiram realizar esse contato inicial, bem como o comportamento
dos índios em relação a isso. Assim, entenderemos melhor o que
foram o escambo e as feitorias.

8. ESCAMBO E FEITORIAS
Com respeito ao escambo, podemos defini-lo como uma for-
ma não compulsória de trabalho pela qual os indígenas prestavam
serviços voluntariamente para os portugueses.
Em um primeiro momento, o contato dos Tupis com os por-
tugueses não provocou profundas transformações na organização
social dos primeiros. Isso porque os segundos eram em menor
número e concentravam-se no litoral. Além disso, os portugueses
que ficavam nas feitorias dependiam dos índios para suprir suas
necessidades de alimentação e de segurança, principalmente de
outras tribos hostis e dos demais europeus, especialmente dos
franceses.

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64 © História do Brasil I

Ademais,
[...] artefatos como o machado, a enxada, a faca, a foice, além dos
tecidos, dos espelhos, dos colares de vidro e outras quinquilharias,
logo foram muito cobiçados pelos indígenas. A ponto de se sujei-
tarem não só a permutá-los com os próprios bens, mas a prestar
serviços em condições muito árduas para consegui-los (HOLANDA,
1981, p. 79).

No entanto, o uso dos instrumentos fornecidos pelos portu-


gueses não foi assimilado pelos Tupis da forma como aqueles con-
cebiam o trabalho, ou seja, produção, acumulação e consumo. De
certa forma, os índios tendiam a assimilar a sua cultura somente
àqueles objetos do seu interesse, menosprezando os hábitos e os
bens culturais dos europeus, como o uso de vestimentas, o casa-
mento monogâmico, entre outros.
Contudo, quando os portugueses decidiram colonizar as
novas terras por meio do sistema das capitanias hereditárias, as
relações entre eles e os Tupis modificaram-se de forma irreversí-
vel. Isso porque, antes, no sistema de escambo, os portugueses
dependiam dos índios para sobreviver e para extrair os produtos
tropicais, dentre eles, o pau-brasil. Nesse sentido, os europeus não
interferiram na organização e nos costumes dos Tupis.
As coisas mudaram de tom quando os portugueses passaram
a chegar em maior número, estabelecendo fazendas e constituin-
do povoações com administradores coloniais e padres jesuítas. Os
índios, que, pelo seu padrão cultural, desconheciam a produção
com excedentes, foram logo taxados de preguiçosos e de indolen-
tes ao trabalho. Segundo a ótica dos europeus, os Tupis deveriam
ser reduzidos à escravidão nas fazendas e nos engenhos de açúcar.
Assim, o português, branco e colonizador, condenou o aborí-
gine à situação de submissão.
Embora os portugueses tenham sido retratados como heróis
desbravadores e civilizadores das terras do Novo Mundo, eles so-
freram reveses dos Tupis, os quais, apesar da superioridade nu-
mérica, eram incapazes de selar alianças duradouras entre si, bem
© U1 - Expansão Marítima Portuguesa 65

como com as demais tribos indígenas. Esse fato, por sua vez, foi
utilizado habilmente pelos europeus (tanto portugueses quanto
franceses), que se aproveitavam das inimizades entre as tribos in-
dígenas para estabelecerem alianças ao seu favor.
Para tanto, concorriam na empresa colonial portuguesa ao
Sul do Equador os colonos propriamente ditos, os administradores
da Coroa e os religiosos da Companhia de Jesus, os jesuítas.
Os colonos eram o agente efetivo da colonização. Seus obje-
tivos eram tomar as terras e as mulheres dos Tupis e reduzi-los ao
completo estado de dependência.
Já o administrador partilhava os mesmos anseios dos colo-
nos, porém, devia zelar pelos interesses da Coroa, no sentido de
coibir abusos em relação aos indígenas. Afinal, havia tribos hostis
aos portugueses que praticavam escambo com as demais nações
europeias, como, por exemplo, com os franceses. Nesse sentido,
era necessário ter prudência no trato com os Tupis, embora, mui-
tas vezes, as mesmas autoridades fizessem vista grossa diante das
atitudes abusivas dos colonos.
Por fim, há o terceiro concorrente, que eram os jesuítas; no
entanto, eles merecem uma atenção mais detalhada, como vere-
mos no próximo tópico.

Missões jesuíticas
Lembre-se de que já estudamos a educação jesuítica no Ca-
derno de Referência de Conteúdo Fundamentos Históricos e Filosó-
ficos da Educação. Dessa forma, procure associar o conhecimento
que você já tem com o conteúdo seguinte.
De modo geral, os jesuítas são retratados como protetores
dos Tupis perante as ações dos colonos e dos agentes da Coroa
portuguesa. Muitos foram os atritos entre ambos, posto que os
padres da Companhia de Jesus foram expulsos das colônias portu-
guesas. O decreto de sua expulsão pelo Marquês de Pombal data
de 3 de setembro de 1759, mas isso é outra história.

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66 © História do Brasil I

Vale destacar que a ação dos jesuítas concorreu tanto quanto


a dos colonos no processo de aculturação e extermínio dos Tupis.
Por mais brandas e bem-intencionadas que fossem as intenções
dos jesuítas, no afã de conduzir os índios à civilização cristã, seus
efeitos foram altamente perversos para a sua desestruturação so-
cial e cultural. Isso porque os religiosos da Companhia de Jesus,
movidos pelo elevado espírito moral de sua causa, concentraram
suas atenções para o descrédito dos pajés e dos membros mais ve-
lhos das tribos, inculcando dúvidas a respeito de sua autoridade,
principalmente, nos mais jovens e nas crianças, alvo preferencial
dos jesuítas.
Paralelamente a essas ações, os padres estudaram a estrutu-
ra gramatical e a fonética das línguas indígenas e criaram a língua
geral, ensinando-a, de forma uniforme, para todos os índios com
os quais entravam em contato. Mas o efeito maior no processo de
destribalização promovido pelos jesuítas foi a redução dos Tupis
em missões.
Reduzidos nessas missões, os índios foram privados dos seus
antigos costumes, tais como: andarem nus, dormirem juntos e te-
rem várias mulheres. Além disso, os jesuítas alteraram as tarefas,
antes, atribuídas pelos índios a cada sexo, o que proporcionou de-
sequilíbrio nas relações entre os indígenas e entre eles e a nature-
za. Tratava-se da imposição de comportamentos e ideias que não
respeitavam as hierarquias e a cultura dos indígenas.
Como será que os Tupis reagiram perante a colonização por-
tuguesa?
De modo geral, os indígenas desenvolveram três formas de
resistência: guerra ao homem branco; submissão voluntária, seja
como aliado, seja como escravo; e fuga.
A fuga era a menos eficaz diante das demais formas de resis-
tência, em função da penetração cada vez maior dos portugueses,
com especial destaque para os bandeirantes paulistas, pelo inte-
rior da colônia, conforme abordaremos na Unidade 4. Entretanto,
© U1 - Expansão Marítima Portuguesa 67

para os Tupis que fugiam da presença portuguesa, o isolamento


era uma espécie de defesa natural da tribo, bem como um alerta
sobre o seu destino, caso eles se aproximassem dos lusitanos e de
outros povos europeus.
A respeito disso, é bastante evidente o relato registrado pelo
capuchinho francês Claude d’Abbeville do chefe Momboré-uaçu,
que, em 1614, se posicionou contra a aliança de sua tribo com os
franceses:
Vi a chegada dos peró [portugueses] em Pernambuco e Potiú; e co-
meçaram eles como vós, franceses, fazeis agora. De início, os peró
não faziam senão traficar sem pretenderem fixar residência. Nessa
época dormiam livremente com as raparigas, o que os nossos com-
panheiros de Pernambuco reputavam grandemente honroso. Mais
tarde, disseram que nós devíamos acostumar a eles e que preci-
savam construir fortalezas, para se defenderem, e edificar cidades
para morarem conosco. E assim parecia que desejavam que cons-
tituíssemos uma só nação. Depois, começaram a dizer que não po-
diam tomar as raparigas sem mais aquela, que Deus somente lhes
permitia possuí-las por meio do casamento e que eles não podiam
casar sem que elas fossem batizadas. E para isso eram necessários
paí [padres]. Mandaram vir os paí [padres]; e estes ergueram cru-
zes e principiaram a instruir os nossos e a batizá-los. Mais tarde
afirmaram que nem eles nem os paí podiam viver sem escravos
para servirem e por eles trabalharem. E assim, se viram constran-
gidos os nossos a fornecer-lhos. Mas não satisfeitos com os escra-
vos capturados na guerra, quiseram também os filhos dos nossos e
acabaram escravizando toda a nação; e com tal tirania e crueldade
a trataram, que os que ficaram livres foram, como nós, forçados a
deixar a região (HOLANDA, 1981, p. 86).

Imagine o constrangimento que os franceses sentiram dian-


te desse discurso!
Nesse texto, o historiador diz que os portugueses atribuíam
"título de nobreza" às suas esposas indígenas. Diziam que ela era
descendente de um grande líder de uma tribo importante e, por
isso, desposava-a. Gilberto Freyre (1998), em Casa-grande e sen-
zala, também toca no assunto.
Diante do exposto, que conclusão você consegue tirar das
palavras de Momboré-uaçu a respeito da situação dos índios na-
quele período e atualmente? Reflita sobre esse questionamento.

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68 © História do Brasil I

9. CAPITANIAS HEREDITÁRIAS E GOVERNOͳGERAL


No que diz respeito à colonização das novas terras descober-
tas ao Sul do Equador, foi somente por volta de 1530 que Portugal
decidiu explorá-las e colonizá-las definitivamente. Isso porque o
comércio com as Índias já não rendia o quanto era esperado em
virtude da concorrência com as demais nações europeias, em es-
pecial com a França e a Inglaterra. Assim, os olhos da Coroa portu-
guesa voltaram-se para a Terra de Santa Cruz.
Contudo, havia, ainda, uma questão crucial: Portugal não
dispunha de capitais suficientes para a empresa colonial no Novo
Mundo.
Diante disso, qual foi a solução encontrada pela Coroa?
A resposta encontrada foi o sistema de donatarias, que os
portugueses já adotavam nas ilhas da Madeira e de Cabo Verde,
no oceano Atlântico. Mas o que era, efetivamente, esse sistema?
De modo geral, as capitanias hereditárias eram concessões
de terras feitas pelo rei de Portugal para os chamados donatários
gerais. Estes eram nobres que tinham a responsabilidade de con-
quistar, colonizar, explorar e defender as terras concedidas com
seus próprios recursos. Dessa forma, a Coroa portuguesa dividiu o
território colonial em 15 faixas de terra.
A doação das terras era feita por meio de um documento co-
nhecido como carta foral, com a qual o donatário detinha o título
de Capitão (daí capitania) e plenos poderes civis e militares. Nesse
sentido, os colonos que viviam nas capitanias hereditárias deviam
total obediência ao donatário.
Ademais, vale lembrar que, embora hereditárias, as capita-
nias eram propriedade da Coroa portuguesa. Quando o Capitão
falecia, as terras eram herdadas pelo filho mais velho, e, na ausên-
cia deste, o rei de Portugal nomeava outro donatário para as terras
vacantes.
© U1 - Expansão Marítima Portuguesa 69

No entanto, o sistema de donatarias fracassou, durando


poucos anos, mais precisamente de 1534 a 1548. Isso porque mui-
tos dos fidalgos portugueses contemplados com as cartas forais
simplesmente não tomaram posse das terras no além-mar. Muito
provavelmente, levaram em conta a distância, os riscos e as despe-
sas, evidentemente, bastante elevadas.
Todavia, houve exceções. As capitanias de São Vicente e de
Pernambuco, por exemplo, doadas para Martim Afonso de Sousa
e Duarte Coelho Pereira, prosperaram com a exploração da agro-
manufatura do açúcar.
Diante do fracasso das capitanias hereditárias, a Coroa por-
tuguesa, em 1548, decidiu criar o Governo-geral. A criação do
Governo-geral não significava que o sistema de donatarias tives-
se sido abandonado. Ao contrário, agora, os donatários deveriam
prestar obediência ao governador-geral. Este era assessorado pelo
provedor-mor, pelo ouvidor-mor e capitão-mor, responsáveis, res-
pectivamente, pelos sistemas tributário, de justiça e de defesa mi-
litar.
O primeiro governador-geral foi Tomé de Sousa, cuja posse
foi em 1549. Em sua administração, destacam-se a fundação da
capital da colônia, Salvador, e a expulsão dos franceses do atual
estado do Maranhão, a França Equinocial, em 1567.
Além das capitanias hereditárias e do Governo-geral, havia,
também, as Câmaras Municipais. Estas eram estabelecidas pelos
colonos nas sedes das cidades e das vilas e constituíam-se de três
ou quatro vereadores, que eram eleitos pelos homens-bons da lo-
calidade. Estes escolhiam, também, o juiz ordinário, que presidia a
Câmara Municipal.
É importante que você saiba que os chamados “homens-
-bons” eram, geralmente, os grandes e ricos proprietários do lugar.
Obviamente, os escravos, bem como os judeus e os homens livres
pobres, não tinham o mesmo status social de um homem-bom.

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70 © História do Brasil I

10. TEXTOS COMPLEMENTARES


Você sabia que, no que diz respeito à descoberta do Brasil,
há outra carta que atesta o descobrimento das terras situadas ao
Sul do Equador, além da carta de Pero Vaz de Caminha?
Essa carta foi escrita pelo espanhol João Faras, também co-
nhecido como João Emeneslau. Não se sabe exatamente quando
ele a escreveu, mas, provavelmente, foi entre os dias 28 de abril
e 1º de maio de 1500. O que se sabe é que João Faras fez parte
da comitiva que viajou com Cabral em 1500 e que ele escreveu
uma carta dando ciência ao rei de Portugal, D. Manuel I, da "des-
coberta" da nova terra.
O aspecto curioso dessa carta é que Faras afirmava que a
nova terra, ou "sítio desta terra", aparecia em um mapa-múndi.
De acordo com as suas próprias palavras, “Quanto, Senhor, ao
sítio desta terra, mande Vossa Alteza trazer um mapa-múndi que
tem Pero Vaz Bisagudo e por aí poderá ver Vossa Alteza o sítio
desta terra". No entanto, o mapa-múndi "não certifica se esta
terra é habitada ou não" (CULTURATURA, 2010, p. 01).
É importante destacar que, historicamente, há muitas ma-
neiras de os fatos do passado serem narrados, tendo em vista
que a História não se ocupa propriamente do que se passou, mas
do que se conta sobre o passado e, especialmente, do modo es-
colhido para contá-lo. Assim, nossa história nada mais é do que
uma sucessão de visões e de olhares construídos sobre os fatos
históricos que chegaram até nós no presente. Dessa forma, a afir-
mação de que a carta de Caminha é o documento da origem do
Brasil (quando não havia propriamente um país chamado Brasil)
é apenas uma das visões de nossa história.
Veja a carta que foi descoberta pelo historiador Francisco
Adolfo de Varnhagen.
© U1 - Expansão Marítima Portuguesa 71

Carta de mestre João Faras ––––––––––––––––––––––––––––


Senhor: O bacharel mestre João, físico e cirurgião de Vossa Alteza, beijo vossas
reais mãos. Senhor: porque, de tudo o cá passado, largamente escreveram a
Vossa Alteza, assim Aires Correia como todos os outros, somente escreverei so-
bre dois pontos. Senhor: ontem, segunda-feira, que foram 27 de abril, descemos
em terra, eu e o piloto do capitão-mor e o piloto de Sancho de Tovar; tomamos a
altura do sol ao meio-dia e achamos 56 graus, e a sombra era setentrional, pelo
que, segundo as regras do astrolábio, julgamos estar afastados da equinocial por
17º, e ter por conseguinte a altura do pólo antártico em 17º, segundo é manifesto
na esfera. E isto é quanto a um dos pontos, pelo que saberá Vossa Alteza que
todos os pilotos vão tanto adiante de mim, que Pero Escolar vai adiante 150
léguas, e outros mais, e outros menos, mas quem diz a verdade não se pode
certificar até que em boa hora cheguemos ao cabo de Boa Esperança e ali sabe-
remos quem vai mais certo, se eles com a carta, ou eu com a carta e o astrolábio.
Quanto, Senhor, ao sítio desta terra, mande Vossa Alteza trazer um mapa-múndi
que tem Pero Vaz Bisagudo e por aí poderá ver Vossa Alteza o sítio desta terra;
mas aquele mapa-múndi não certifica se esta terra é habitada ou não; é mapa
dos antigos e ali achará Vossa Alteza escrita também a Mina. Ontem quase en-
tendemos por acenos que esta era ilha, e que eram quatro, e que doutra ilha vêm
aqui almadias a pelejar com eles e os levam cativos.
Quanto, Senhor, ao outro ponto, saberá Vossa Alteza que, acerca das estrelas,
eu tenho trabalhado o que tenho podido, mas não muito, por causa de uma per-
na que tenho muito mal, que de uma coçadura se me fez uma chaga maior que
a palma da mão; e também por causa de este navio ser muito pequeno e estar
muito carregado, que não há lugar para coisa nenhuma. Somente mando a Vos-
sa Alteza como estão situadas as estrelas do (sul), mas em que grau está cada
uma não o pude saber, antes me parece ser impossível, no mar, tomar-se altura
de nenhuma estrela, porque eu trabalhei muito nisso e, por pouco que o navio
balance, se erram quatro ou cinco graus, de modo que se não pode fazer, senão
em terra. E quase outro tanto digo das tábuas da Índia, que se não podem tomar
com elas senão com muitíssimo trabalho, que, se Vossa Alteza soubesse como
desconcertavam todos nas polegadas, riria disto mais que do astrolábio; porque
desde Lisboa até às Canárias desconcertavam uns dos outros em muitas pole-
gadas, que uns diziam, mais que outros, três e quatro polegadas, e outro tanto
desde as Canárias até às ilhas de Cabo Verde, e isto, tendo todos os cuidados
que o tomar fosse a uma mesma hora; de modo que mais julgavam quantas po-
legadas eram, pela quantidade do caminho que lhes parecia terem andado, que
não o caminho pelas polegadas. Tornando, Senhor, ao propósito, estas Guardas
nunca se escondem, antes sempre andam ao derredor sobre o horizonte, e ainda
estou em dúvida que não sei qual de aquelas duas mais baixas seja o pólo antár-
tico; e estas estrelas, principalmente as da Cruz, são grandes quase como as do
Carro; e a estrela do pólo antártico, ou Sul, é pequena como a da Norte e muito
clara, e a estrela que está em cima de toda a Cruz é muito pequena. Não quero
alargar mais, para não importunar a Vossa Alteza, salvo que fico rogando a Nos-
so Senhor Jesus Cristo que a vida e estado de Vossa Alteza acrescente como
Vossa Alteza deseja. Feita em Vera Cruz no primeiro de maio de 1500. Para o
mar, melhor é dirigir-se pela altura do sol, que não por nenhuma estrela; e melhor
com astrolábio, que não com quadrante nem com outro nenhum instrumento. Do
criado de Vossa Alteza e vosso leal servidor.
Johannes
artium et medicine bachalarius (CULTURATURA, 2010).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

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72 © História do Brasil I

Veremos, a seguir, fragmentos e comentários de um texto


sobre as representações do descobrimento do Brasil no cinema,
sobre a sua relação com o quadro de Victor Meirelles e, também,
sobre os usos didáticos dessas representações. Você pode ter aces-
so a ele na íntegra por meio do site disponível em: <http://www.
scielo.br/pdf/rbh/v20n39/2984.pdf>. Acesso em: 24 set. 2010.

Um pouco mais sobre as representações do descobrimento


e sua função cívica –––––––––––––––––––––––––––––––––––
Além da pintura, outras formas de representar o descobrimento foram utilizadas,
sobretudo com ênfase na função cívica, ou seja, na função de educar as massas
para o reconhecimento da história da nação. Entre elas, temos o panorama.
Panorama é como se define um grande quadro que, tendo um formato circular,
permite ao espectador se colocar no centro dele e observá-lo, de modo a ter uma
visão em 360 graus. Ele surgiu em meados dos séculos 18 e 19 e cobrava-se
ingresso para que o espectador o pudesse ver. Meirelles, além de seu quadro em
óleo sobre tela, também realizou um panorama com o tema da primeira missa no
Brasil. Conforme Morettin (2000, p. 153):
Tratavam-se de pinturas de grandes dimensões: o de Meirelles sobre o
Rio de Janeiro, concluído em 1888 e exibido no Brasil alguns anos depois,
tinha 115 metros de comprimento por 15 metros de altura e 36,6 metros de
diâmetro. Neste tipo de trabalho, o espectador ficava no centro, observan-
do a pintura cilíndrica e podendo contemplá-la a 360º graus. Para tanto,
construíam-se enormes rotundas, cobrando-se ingressos. Em resumo, o
artista encontrava-se diante de um meio diverso, onde a relação com o
público era diferente, apesar de o suporte ainda ser a tela. A respeito dos
panoramas de Meirelles, sabemos que a afluência foi grande, sendo com-
posta também por estudantes.
Traduzindo em números, o panorama da primeira missa teve, no primeiro dia de
sua exposição, ocorrido em junho de 1900, aproximadamente, 1159 visitantes
pagantes e cumpriu um papel importante naquele período. O próprio Meirelles
teria reconhecido a importância disso para atrair os jovens para um sentimento
nacional (MORETTIN, 2000).
As imagens produzidas com o tema do descobrimento foram reproduzidas cons-
tantemente em livros didáticos como um recurso pedagógico para ilustrar, ali-
mentando a imaginação dos alunos. Todavia, também podemos elencar o cine-
ma como ampliador das possibilidades de difusão das imagens e das represen-
tações do descobrimento.
O filme Descobrimento do Brasil, de Humberto Mauro (1937), figura como exem-
plo notório disso. Tais formas de explorar o tema de maneira pictórica, ou seja,
por meio da imagem (parada ou em movimento), possuem suas relações intrín-
secas.
Assim, podemos analisar que os alunos, ao verem as imagens nos livros de
História, têm a sensação de que estão diante da reprodução exata do evento
© U1 - Expansão Marítima Portuguesa 73

histórico narrado. Tendo eles sido contemporâneos ao universo da fotografia e,


mais recentemente, às imagens produzidas pelos filmes, assim como conside-
rando que o livro didático, muitas vezes, traz em si uma descrição mais direta
e sem brechas para as polêmicas tratadas dentro da historiografia, a função da
imagem deixa de ser apenas ilustrar: trata-se de uma tradução fiel do que foi o
passado. Vamos ver um trecho do artigo de Morettin (2000, p. 154-155) em que
se trata disso:
Três questões podem ser colocadas em relação ao panorama do pintor
catarinense. A primeira diz respeito à função educativa destas imagens,
tal como enunciada por Meirelles. Este caráter pedagógico terá a sua di-
mensão simbólica ampliada por intermédio de um outro meio de circulação
iconográfica, a saber, o livro didático. No final do século XIX, a pintura de
História feita no Brasil encontra um novo veículo de exposição, que dialoga
diretamente com os alunos. Circe Bittencourt, ao analisar a presença de
imagens neste material, refere-se às reflexões do historiador e autor de
diversos livros didáticos Ernest Lavisse que, em 1887, prefaciou desta ma-
neira um de seus livros:
As crianças têm necessidade de ver as cenas históricas para compreender
a história. É por esta razão que os livros de história que vos apresento estão
repletos de imagens. Desejamos forçar os alunos a fixarem as imagens.
Sem diminuir o número de gravuras que existiam no texto, compusemos
novas séries delas correspondendo a uma série para cada livro. Cada série
é acompanhada de questões que os alunos responderão por escrito, após
terem olhado o desenho e feito uma pequena reflexão sobre ele. É o que
denominamos de revisão pelas imagens e acreditamos que este trabalho
possa desenvolver a inteligência das crianças ao mesmo tempo que sua
memória.
Tendo em vista os livros didáticos brasileiros produzidos a partir do século
XIX, a autora aborda as características de seu material iconográfico. Aponta
para a influência francesa na composição das ilustrações referentes à His-
tória Geral ou Universal. No caso da iconografia relacionada à História do
Brasil, era necessário criar um outro referencial.
As ilustrações mais comuns sobre o passado da nação foram reproduzidas,
por desenhistas ou fotógrafos, de quadros históricos produzidos no final do
século XIX. Dessa galeria de arte que os livros didáticos foram os principais
divulgadores, dois quadros têm sido os mais reproduzidos desde o início do
século: o 7 de setembro de 1822, de Pedro Américo, e a A Primeira Missa
do Brasil, de Vitor Meirelles de Lima.
O quadro A Primeira Missa do Brasil, de Vitor Meirelles de Lima, já foi visto ante-
riormente (Figura 1); agora, podemos observar, por meio da Figura 2, o quadro 7
de setembro de 1822, de Pedro Américo.

Claretiano - Centro Universitário


74 © História do Brasil I

Figura 2 7 de setembro de 1822.

A força com a qual a memória histórica construída no século XIX acerca do


tema do Descobrimento se consolida e se amplia pode ser medida por este
último aspecto. Condensando o saber considerado correto sobre a Histó-
ria, e ganhando contornos de verdade, as imagens inseridas nos manuais
transformam-se na representação visual do fato, sobre o qual não devem
pairar dúvidas e muito menos interpretações, dado o caráter impositivo
e unívoco do conhecimento transmitido pelo livro didático. É interessante
notar como a imagem, polissêmica por excelência, é utilizada aqui de ma-
neira restritiva. Ela está lá, pelo menos na vontade manifesta dos autores
e editores do material, não para ser discutida enquanto fonte datada e his-
toricamente produzida, mas sim para confirmar o sentido do texto escrito,
traduzindo visualmente uma leitura do passado e amarrando História e Arte
à mesma operação: a da redução do tema ao fato.
Em outras palavras, os principais referenciais que temos, em imagens, do des-
cobrimento foram produzidos no final do século 19. Aliás, foi exatamente no final
desse século que surgiu o cinema. Assim, compõe-se um cenário comum: as
diversas representações que serviram de referência e a inovação da imagem,
com o surgimento da imagem em movimento.
Nesse sentido, Morettin (2000, p. 155) continua:
Além da preocupação com a educação cívica, duas outras questões re-
metem-nos ao filme Descobrimento do Brasil. Em primeiro lugar, o pano-
rama vincula-se diretamente ao surgimento do cinema. É pensando nesta
relação que Vicente de Paula Araújo, em estudo já citado, insere o pano-
rama de Meirelles. Angela Miller, tendo em vista um outro contexto cultu-
ral, aponta para outros liames. Um aspecto refere-se à constituição dos
panoramas enquanto espetáculo, dado que pressupõe o comparecimento
massivo da população. Afora isto, existe um determinado tipo de ilusionis-
mo espaço-temporal que será desenvolvido posteriormente pelo cinema-
tógrafo. Por último, estamos diante de uma forma de entretenimento que
antecipa o drama, o movimento e o espetáculo épico do cinema dos primei-
ros tempos. Em segundo lugar, a crítica de A Gazeta de Notícias recoloca a
identidade de propostas entre a Arte e a História, pois a obra artística teria
© U1 - Expansão Marítima Portuguesa 75

permitido a vivência do fato tal qual ele teria ocorrido.


É interessante observar que Meirelles e o tema do descobrimento estejam
presentes neste momento de transição para o cinema.
Desse modo, podemos estabelecer que há certa reunião de elementos estéticos
vinculados à imagem, que, por um lado, pretendem dar a dimensão daquilo que
ocorreu no Brasil, ou seja, dos seus principais eventos. Por outro, tais elementos
aparecem de forma mais precisa no cinema, porém, sem a finalidade de trazer à
tona qualquer tipo de história, constituindo apenas um meio de entretenimento.
Contudo, os temas cívicos estavam presentes desde as nossas primeiras produ-
ções cinematográficas:
Neste contexto, é importante citar o filme Os Guaranis (1908), produzido
pela companhia Photo-Americana. Inspirada no romance de José de Alen-
car, o filme foi feito no circo Spinelli, “uma pantomima tal qual era apresen-
tada no picadeiro”, encenada pelo palhaço negro Benjamin, que se pintava
de branco para interpretar Peri. De acordo com o Jornal do Brasil, de 7 de
setembro de 1908, a pantomima começava “com o deslumbrante prólogo,
A Primeira Missa no Brasil”, e terminava “com a esplêndida apoteose A
Fuga de Peri com Ceci”. Assim, o tema já não circula apenas pelos es-
paços da cultura reconhecida enquanto tal pela sociedade, como o das
paredes do Museu Nacional de Belas Artes, mas ganha outras dimensões
pela aliança de dois meios eminentemente populares, como é o caso do
circo e do cinema deste período (MORETTIN, 2000, p. 155).
Posteriormente, as mudanças no cinema levariam a atribuir as imagens do des-
cobrimento produzidas em filmes como uma importante referência, imagens for-
tuitas em torno da história. Podemos dizer isso ao tratar do filme Descobrimento
do Brasil (1937), de Humberto Mauro:
O filme de Mauro insere-se em outro registro, pois, ao contrário dessa pro-
dução popular feita em uma época em que o cinema não tinha o estatuto
cultural adquirido nas décadas seguintes, Descobrimento do Brasil faz par-
te de um projeto que se julga portador da maneira correta de tratar a histó-
ria cinematograficamente, proporcionando a visualização do fato histórico,
tal como dito acima. Ponto de chegada de uma boa parte das questões
acima discutidas, a película foi recebida como o melhor filme brasileiro de
sua época, conforme vemos em Graciliano Ramos, e exemplo de filme
histórico, por colocar o documento (carta de Pero Vaz) em primeiro plano.
Esta produção de 1937 foi pensada inicialmente como um curta-metragem
sobre a região produtora de cacau na Bahia, que conteria uma reconstitui-
ção da descoberta do Brasil. Produzido pelo Instituto de Cacau da Bahia,
Descobrimento deixou de lado este aspecto documental, fazendo parte de
um projeto mais amplo de discussão acerca das possibilidades do uso do
cinema para fins educativos. Para validar a sua inserção no mercado, con-
tou com a colaboração intelectual de pensadores reconhecidos em seu
período, como Afonso de Taunay e Edgar Roquette-Pinto, além da parti-
cipação de Heitor Villa-Lobos, que compôs a música especialmente para
o filme. A presença do historiador garantiu que determinadas questões,
como a teoria da casualidade, em conformidade com o pensamento de
Varnhagen e Abreu, fossem “visualizadas”. Além disso, o trabalho de Mau-
ro mobilizou todos os referenciais iconográficos acima mencionados em
uma tentativa complementar de conferir autenticidade à obra. Encontra-
mos referências diretas aos quadros já analisados de Meirelles, Pereira da
Silva, Aurélio de Figueiredo e Pedro Peres (MORETTIN, 2000, p. 155-156).

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76 © História do Brasil I

Assim, as imagens produzidas pelo filme supracitado recorreram àquelas cons-


truídas anteriormente a respeito do descobrimento, assim como à carta de Ca-
minha. Ademais, o filme foi realizado num momento em que o cinema já tinha
adquirido um status mais elevado dentro da produção cultural.
É importante dizer que, dentro da narrativa do filme de Mauro, foram excluídos
os elementos que pudessem denunciar que se tratava de um filme, ou seja, que
distanciassem a situação filmada do momento histórico tratado. O filme foi orga-
nizado para que o expectador assistisse a ele como quem vê a história. Não fos-
se o bastante, ele usou música composta por um dos maiores ícones da música
brasileira: Heitor Villa-Lobos.
Desse modo,
Cabe por fim destacar o papel que a música de Villa-Lobos tem no inte-
rior deste projeto, levando-se em consideração a tradição historiográfica
aqui mobilizada. Se, por um lado, a recorrência à História é usada como
expediente para afastar a obra do melodrama, conferindo-lhe o aspecto
educativo preconizado pelos autores do projeto, por outro, a música ofere-
ce material para dimensões inéditas, ausentes do relato dos especialistas
contratados para conferir autenticidade à produção. Assim, ela não apenas
ilustra situações, acentua sentimentos ou reforça em determinados mo-
mentos a interpretação, conforme o que se espera habitualmente de uma
trilha sonora. No caso deste filme de Mauro, as quatro suítes compostas
para Descobrimento sugerem imagens diversas das que estão presentes
na Carta, nos livros e nos quadros. A segunda peça, por exemplo, é dividida
em três partes: “Impressão Moura”, “Adágio Sentimental” e “A cascavel”. O
adágio é referido da seguinte forma: “Lembrança nostálgica e saudosa dos
tripulantes, das suas terras e dos seus entes bem amados”. De fato, esta
nostalgia estará no filme, como pode ser observado nas seqüências que
tratam da viagem pelo Atlântico. Nelas, Mauro atende a uma outra deman-
da, criando situações, imagens e seqüências a partir do código musical,
mas dentro de um universo no qual se movimenta com desenvoltura: o da
melancolia. Nestes momentos, o diretor aproxima-se mais daquele que é
um dos principais intuitos do compositor: o de criar ambientes que reflitam
os “estados d’alma” dos tripulantes (MORETTIN, 200, p. 159-160).
A carta de Caminha, as telas, os panoramas, a reprodução das telas nos livros
didáticos e, finalmente, o filme a respeito do descobrimento reservaram em si re-
lações intrínsecas que, podemos concluir, se retroalimentaram enquanto nutriam
as mentes das pessoas. Eles ofereceram, a partir das palavras de Caminha,
imagens que permaneceram como referência de nossas concepções sobre o
descobrimento do Brasil.
A importância, portanto, de estudar tais imagens está em entender que tipos
de representações foram construídos sobre o descobrimento. Também podemos
verificar quais são os recursos possíveis para apreender e contextualizar tais
imagens; sobretudo, devemos tomá-las como fontes de análise de como e com
que objetivos o passado foi retratado, mas não necessariamente de como ele
aconteceu.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
© U1 - Expansão Marítima Portuguesa 77

11. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Sugerimos que você procure responder, discutir e comentar
as questões a seguir que tratam da temática desenvolvida nesta
unidade.
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
você testar o seu desempenho. Se você encontrar dificuldades em
responder a essas questões, procure revisar os conteúdos estuda-
dos para sanar as suas dúvidas. Esse é o momento ideal para que
você faça uma revisão desta unidade. Lembre-se de que, na Edu-
cação a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma
cooperativa e colaborativa; compartilhe, portanto, as suas desco-
bertas com os seus colegas.
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Em que sentido a formação do Estado Nacional português, anterior aos de-
mais países da Europa, foi importante para sua expansão ultramarina?
2) A partir da figura do árabe, podemos explicar como os fatores religiosos e
econômicos se juntaram para impulsionar a empresa marítima?
3) As representações do descobrimento correspondem à concepção formulada
a partir do século 17. Isso ocorreu motivado por qual conjunto de fatores
socioculturais?
4) Como a carta de Pero Vaz Caminha foi importante para a produção das re-
presentações do descobrimento?

12. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, estudamos os fatores históricos que favore-
ceram a primazia portuguesa nas grandes navegações. É interes-
sante lembrarmos que, nessa empreitada e na chegada dos por-
tugueses ao território que viria a ser chamado de Brasil, houve,
de maneira constante, o contato e o estranhamento com o outro,
fosse ele o árabe ou o indígena. Vimos, também, as diversas visões
e representações da chegada dos portugueses e do seu contato
com os nativos.

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78 © História do Brasil I

Na unidade que se segue, veremos como se deu a formação


social e econômica da colônia, bem como qual foi o “sentido” de
nossa colonização.
Vamos lá!

13. EͳREFERÊNCIAS

Sites pesquisados
CAMÕES, L. V. Canto I (Parte I). Jornal da Poesia. Disponível em: <http://www.revista.
agulha.nom.br/camoes1.html>. Acesso em: 28 out. 2010.
CULTURATURA. Carta de mestre João Faras. Disponível em: <http://www.culturatura.
com.br/dochist/Carta%20de%20Mestre%20João%20Faras.pdf>. Acesso em: 15 jan.
2010.
MORETTIN, E. V. Produção e formas de circulação do tema do descobrimento do Brasil:
uma análise de seu percurso e do filme Descobrimento do Brasil (1937), de Humberto
Mauro. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 20, n. 39, 2000. Disponível em: <http://
www.scielo.br/pdf/rbh/v20n39/2984.pdf>. Acesso em: 24 set. 2010.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. Literatura Brasileira. Textos literários em
meio eletrônico. A Carta, de Pero Vaz de Caminha. Disponível em: <http://www.cce.ufsc.
br/~nupill/literatura/carta.html>. Acesso 11 fev. 2010.

Lista de figuras
Figura 1 – Primeira missa no Brasil: disponível em: <http://peregrinacultural.wordpress.
com/2009/04/page/2/>. Acesso em: 23 set. 2010.
Figura 2 – 7 de setembro de 1822: disponível em: <http://cafehistoria.ning.com/photo/
independencia-ou-morte-7-de?context=user>. Acesso em: 12 out. 2010.

14. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


AMADO, J.; FIGUEIREDO, L. C. A formação do império português (1415-1580). São Paulo:
Atual, 1999.
BOXER, C. R. O império marítimo portugês. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
COTESÃO, J. Os descobrimentos pré-colombinos dos portugueses. Lisboa: Portugália, s.d.
FAORO, R. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 3. ed. São Paulo:
Globo, 2000.
FERNANDES, F. Antecedentes indígenas: organização social das tribos tupis. In: HOLANDA,
S. B. de (Org.). História geral da civilização brasileira. São Paulo: Difel, 1981. v. 1. n. 1.
© U1 - Expansão Marítima Portuguesa 79

FREYRE, G. Casa-grande e senzala. Rio de Janeiro: Record, 1998.


HOLANDA, S. B. de. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
PRADO JR., C. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1999.
RIBEIRO, D. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995.

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