Acabamos de ouvir o relato do Evangelho segundo João onde Jesus
intervém prodigiosamente numa festa de casamento para abastecer o estoque de vinho que tinha acabado. Nos parece estranho o evangelista dedicar o primeiro sinal de Jesus, de sete realizados no seu evangelho, a uma coisa tão banal como o fim do vinho de uma festa de casamento. No entanto, um olhar mais atento para teologia judaica e cristã primitiva, o que parecia superficial torna-se cheio de sentido. De fato, estamos no terreno da teologia e da historia de Israel, do povo eleito de Deus ao qual João quer dar um novo sentido. Cada expressão desta passagem que acabamos de ouvir tem uma razão de estar escrita. Cada simbolismo utilizado no texto do autor, tem profundas raízes na historia do povo de Deus. Tudo se dá numa festa de casamento. De fato, há algo que expressa melhor o amor entre duas pessoas que uma celebração de casamento com todo seu simbolismo? Quando duas pessoas que se amam se casam, formam uma família, e isso representa uma nova etapa na vida dos dois e das famílias envolvidas. Sair da casa dos pais, se responsabilizar, dividir as tarefas, criar expectativas, tudo isso faz parte do jeito de nossa cultura celebrar o casamento. Mas no tempo de Jesus, a celebração do casamento era diferente. A festa não durava apenas uma noite, se estendia por dias e dias. Os noivos muitas vezes só se conheciam no casamento, e muitas vezes era mais uma relação de interesses tribais do que propriamente amor entre duas pessoas. Mas havia exceções, como sempre. No entanto, o relato de João quer nos contar outro tipo de casamento: fala da união indissolúvel entre Deus e seu povo, muitas vezes expressada com símbolos do casamento no Antigo Testamento (cf. Is 62,5; Os.2; Is1,21-26; Ez. 16). A união agora se dá entre Jesus e a Igreja, comunidade de fiéis (Ef 5,32-33.25; Mt 22,1-14; 2Cor 11,1-4; Ap 12; 19,7-9). Na antiga religião do templo, o que era um peso, representado pelas leis e decretos que todo judeu piedoso deveria cumprir, como era o caso das abluções ( limpeza ritual com água), Jesus troca pela alegria (simbolizado no vinho). O vinho traz alegria ao coração, diz o Cântico dos Cânticos, e simboliza a vida do povo, a vida real e não ritual. Além do mais, o vinho também é símbolo do Espirito (At 2,15-16). O que jesus faz é devolver, no primeiro sinal, na nova criação, a alegria que a religião ritualística tinha tirado da vida das pessoas. Jesus transforma a religião naquilo que ela deve ser: fonte de alegria e de encontro, de religar (religare=religar, religião). Olhando por este viés, podemos questionar se a religião que praticamos não está transformada em simples gestos e rituais “aguados”, sem sabor, sem vida. Evangelho significa uma notícia alegre. Será que por vezes não proclamamos o evangelho com tom autoritário e ameaçador? Será que por vezes fazemos propaganda de Jesus de maneira errada, o transformando num juiz sem piedade, cheio de raiva pelos pecadores? Não seria o contrário? Basta ler os textos dos quatro evangelhos e percebemos que muitas vezes nossa fala sobre Deus não combina com a boa noticia que Jesus nos trouxe sobre Ele. A igreja, reunião dos que aceitam Jesus em sua vida, é o lugar do encontro, da fraternidade, da partilha de vida, de bens e de dons como Paulo escreveu aos cristãos de Corinto há dois mil anos atrás (1Cor 12,4-11). Por isso, o discípulo/a de Jesus não pode se apresentar as pessoas que ainda não creem Nele como alguém triste, sem alegria. O santo padre, o papa Francisco, escreveu isso na sua Exortação Apostólica “Evangelii Gaudium”(alegria do Evangelho), quando diz: “ há cristãos que parecem ter escolhido viver uma quaresma sem páscoa” (n. 6). No entanto, “a alegria do evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por ele e são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento! Com Jesus Cristo, a alegria renasce sem cessar”(n. 1). De fato, é o que acontece quando deixamos Cristo entrar de verdade em nossa vida: a alegria da vida retorna. Nada pode nos abalar porque o Senhor está conosco, sempre. Deixe Cristo transformar uma vida aguada, sem gosto, numa vida cheia de alegria e esperança, como bem escreveu João no texto que ouvimos hoje no evangelho. “cantai ao Senhor Deus um canto novo, manifestem seus prodígios a todos os povos”(Sl 95)
Curitiba, 17 de janeiro de 2016. Segundo domingo do tempo comum.