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Ponto-chave
O modelo de (bio)tensegridade deve nos lembrar
de que a carga compressiva ou tensional tem efeitos
de mecanotransdução mecânicos (e químicos) – e de
que a forma da arquitetura importância é relevante
– e de que, à medida que ela muda, também mu-
dam suas funções (ver Fig. 1.1). (Mecanotransdução
é descrita mais adiante neste capítulo. Ela se refere
à maneira como as células convertem estímulos me-
cânicos em atividade química.)
Quadro 1.1
Exemplos de caracterizações funcionais de fáscia (Kumka & Bonar, 2012)
Fáscia de ligação: Compreende tecido conecti- Por exemplo, a fáscia crural do membro inferior
vo denso que pode ser classificado como ativo ou existe como coberturas tipo meias que variavel-
passivo e que “inclui fáscias de músculos, fáscia de mente oferecem compressão e tensão, enquanto
regiões (cabeça e pescoço, tronco, membros), apo- afetam fortemente a eficiência muscular e o re-
neuroses, arcos tendinosos e bainhas neurovascula- torno venoso. As camadas densas são separadas
res” (Terminologia Anatômica, 1998). por tecido conectivo frouxo que facilita os movi-
Fáscia de ligação ativa: contém inúmeros recep- mentos de deslizamento entre elas, permitindo
tores de dor e mecanorreceptores; é ativa durante ações diferenciais de camadas individuais.
o movimento e na estabilização das articulações Fáscia de separação: Compreendendo principal-
e crucial para a transmissão de força (ver mais mente tecido conectivo frouxo, este material fino
adiante neste capítulo). Ela pode ter a capacidade como uma teia de aranha cria envelopes, bolsas,
de contrair para oferecer pré-tensão aos múscu- compartimentos, túneis, bainhas e revestimentos
los. Exemplos: fáscia toracolombar; trato IT. que separam órgãos e regiões do corpo, reduzindo
Fáscia de ligação passiva: mantém continuida- a fricção enquanto oferecem potenciais de absorção
de entre as estruturas; tem funções propriocep- de choque e de deslizamento, em resposta ao movi-
tivas; é passivamente envolvida na transmissão mento, à tensão e à distensão.
de força via colocação de carga a partir dos mús- Exemplos incluem pericárdio, peritônio e bai-
A fáscia facilita o deslizamento dos tecidos uns rante o ciclo da marcha, por exemplo. Pense em
sobre os outros; cangurus ou gatos!
A fáscia também oferece um meio de armazena-
As múltiplas funções da matriz de tecido conec-
mento de energia – agindo como uma espiral via tivo, com suas qualidades combinadas de força
estruturas fasciais pré-estressadas, tais como os e elasticidade – de biotensegridade – podem ser
grandes tendões e as aponeuroses da perna, du- descritas pela única palavra resiliência. Isso pode
ser definido como a capacidade de se adaptar às do corpo (Langevin e colaboradores, 2011a; Swan-
forças distorcidas e, onde apropriado, a capacida- son, 2013). O que surge é que:
de de retornar à forma e posição originais, que é a
A fáscia é conectada a todos os outros tecidos
qualidade da rede fascial. Resiliência também des-
do corpo, microscópica e macroscopicamente
creve a capacidade de se recuperar rapidamente a
– de modo que suas matrizes de colágeno tridi-
partir da doença ou lesão (ver Quadro 1.2).
mensionais são arquitetonicamente contínuas –
desde a cabeça até o dedo do pé, desde células
Características funcionais da individuais até órgãos principais.
A fáscia tem propriedades elásticas, plásticas e
fáscia viscoelásticas coloidais (ver Quadro 1.2).
As definições e os conceitos em relação à fáscia (aci-
A fáscia é bastante inervada – participando
ma) oferecem ideias úteis sobre como podemos com- na propriocepção e na sensação de dor (ver
preender de modo clínico os componentes fasciais Quadro 1.3).
Quadro 1.2
Propriedades fasciais – tixotropia, plasticidade, elasticidade, viscoelasticidade e os processos de
arrasto (drag), histerese e deformação
A fáscia tem um conjunto notavelmente diverso de pro- O colágeno é a proteína mais amplamente distri-
priedades – e elas têm implicações para os terapeutas buída no corpo e é responsável pelas propriedades
manuais. Deve-se ter em mente dois princípios essen- coloidais da fáscia.
ciais ao considerar as características fasciais: A propriedade tixotrópica dos coloides significa
Lei de Hooke: Estresse imposto sobre os tecidos (i.e., que, quanto mais rapidamente a força é aplicada
o grau de força que está sendo aplicado) é diretamen- (carga), mais rigidamente o tecido responderá – por
te proporcional à tensão produzida (p. ex., mudança no isso a probabilidade de fratura quando a força rápi-
comprimento) dentro dos limites elásticos dos tecidos. da encontra a resistência de osso. Se a força for apli-
Ver discussão de elasticidade e plasticidade abaixo. cada gradualmente, a “energia” é absorvida pelos
Lei de Wolffe: Tecidos (p. ex., osso, fáscia) se remode- tecidos e armazenada neles, com implicações tera-
lam em resposta às forças ou demandas colocadas so- pêuticas potenciais (Binkley & Peat, 1986).
bre eles. Chen e Ingber (2007) descrevem como as forças O armazenamento de energia também é uma ca-
mecânicas são transmitidas dentro do citoesqueleto e racterística de preparação para movimento – con-
da matriz nuclear das células, onde mudanças bioquími- forme explicado abaixo (Schleip e colaboradores,
cas e de transcrição ocorrem por meio do processo de 2012a).
mecanotransdução. Uma carga manual, sustentada e suave é um requisito se
A fáscia é um coloide, que compreende partículas o arrasto (drag) e a resistência forem reduzidos quando
de material sólido, suspenso em líquido. A quan- são induzidas mudanças naquelas estruturas de tecidos
tidade de resistência que os coloides oferecem à moles fasciais mais sujeitas à mudança, isto é, as cama-
carga aplicada aumenta proporcionalmente à ve- das fasciais frouxas, mais superficiais, em vez das fáscias
locidade de aplicação de força. Para um exemplo mais profundas, densas.
simples de comportamento coloidal, considere uma Os tecidos moles mostram graus variados de elasti-
mistura espessa de farinha e água. Se o coloide re- cidade (viscosidade, resiliência ou “cedência”) a fim
sultante for lentamente agitado com um palito ou de resistir à deformação quando a carga é aplicada.
uma colher, o movimento será suave, mas qualquer A propriedade elástica da fáscia é possível porque
tentativa de movê-lo rapidamente encontrará uma esses tecidos têm a capacidade de armazenar um
resistência semirrígida (conhecida como “arrasto pouco da energia mecânica que é aplicada a eles.
[drag]”). Essa qualidade dos coloides é conhecida Eles são, então, capazes de utilizar isso quando re-
como tixotropia – mais evidente na matriz extrace- tornam a seu formato e tamanho originais quando
lular (descrita mais adiante neste capítulo). a carga é removida.
Esse processo de armazenamento de energia, e de
Greenman (1996) descreveu como a fáscia trata as
perda de energia, é conhecido como histerese (Co- cargas e tensões, tanto de forma plástica quanto
meaux, 2002). As propriedades de histerese (e creep, elástica, com suas respostas dependendo – varia-
descritas abaixo) oferecem explicações possíveis velmente – do tipo, da velocidade, da duração e da
para a metodologia de liberação miofascial (ou in- quantidade da carga. Quando a carga é gradual-
dução, ver o Cap. 14), bem como aspectos de terapia mente aplicada à fáscia, seguem-se reações elás-
neuromuscular (Cap. 15). Essas qualidades devem ticas nas quais a folga é reduzida à medida que os
ser levadas em conta durante a aplicação da técnica. tecidos respondem. Uma carga persistente leva ao
Se a carga for repetida de maneira excessiva ou fre- que é coloquialmente chamado de “creep”, em que
quente, ela pode superar o potencial elástico dos o formato do tecido alonga e distorce lentamente
tecidos, levando à deformação plástica. Uma mu- devido à propriedade viscoelástica do tecido conec-
dança permanente, ou uma distorção plástica se- tivo. Um exemplo de deformação é o processo de
mipermanente, da matriz de tecido conectivo pode compressão gradual que afeta os discos interverte-
ocorrer, e o retorno ao normal apenas será possível brais quando ficam na posição vertical.
com a introdução de energia suficiente para permi-
A rigidez de qualquer tecido se relaciona a suas pro-
tir uma reversão do processo de deformação, ideal- priedades viscoelásticas e, portanto, à natureza co-
mente por meio de terapias manuais aplicadas len- loidal tixotrópica do(a) colágeno/fáscia.
tamente (Doubal & Klemera, 2002).
Cantu e Grodin (2001) utilizam o termo “caracte-
Olson e Solomonow (2009) oferecem um forte rísticas de deformação” para descrever o que eles
exemplo dos efeitos da elasticidade exaustiva que veem como a característica “exclusiva” de tecido
resulta de carga repetitiva: “as propriedades do tecido conectivo. Esse termo incorpora a característica de
viscoelástico tornam-se comprometidas pela repetição deformação viscosa (permanente, plástica), bem
clínica de flexão – extensão do tronco que consequen- como os potenciais de deformação tipo espiral
temente influencia a ativação muscular. A redução da (temporária, elástica), conforme resumido ante-
tensão nos tecidos viscoelásticos dos humanos ocorre riormente.
durante flexão-extensão cíclicas e é compensada por
atividade aumentada da musculatura a fim de manter
a estabilidade. O reflexo ligamento-muscular é inibido Ponto-chave
durante as atividades passivas, mas torna-se hiperati- A percepção dessas múltiplas qualidades fasciais
vo após flexão cíclica ativa, indicando que os requisitos oferece insights aos fisioterapeutas em relação às
de momento são as variáveis de controle. Imagina-se diversas maneiras como a carga mecânica pode in-
que a exposição de rotina prolongada à flexão cíclica fluenciar o que eles estão tocando. Outro aspecto
minimiza a função dos tecidos viscoelásticos e coloca desse contato é como o sistema nervoso é influen-
demandas crescentes sobre o sistema neuromuscular, ciado, e também por dinâmica de líquido – ambos
o que, com o passar do tempo, pode levar a um distúr- são discutidos mais adiante neste capítulo.
bio e uma possível exposição à lesão”.
A fáscia é funcional, não passiva. Ela é dinâmica Inervação da fáscia
e ativa – participando no movimento e na esta-
bilidade.
Deixando de lado os processos de mecanotrans-
dução (conforme mencionado anteriormente e
descrito em mais detalhes adiante), como o corpo
Ponto-chave se regula e se adapta ao seu ambiente depende, em
grande parte, do registro neural que oferece a in-
Kumka (comunicação pessoal, 2013) oferece uma
formação cerebral quanto aos requisitos internos e
perspectiva médica: “características morfológicas da
externos. A interpretação de tais informações, re-
fáscia – sua localização, relações, inervações, etc. – são
cebidas de receptores da dor e de mecanorrecep-
as ‘rodovias’ por meio das quais a fáscia deve ser abor-
dada pelos médicos”.
tores de vários tipos, determina a maneira como o
corpo responde às demandas da vida.
Quadro 1.3
Principais estações de geração de respostas fasciais
Receptores de Golgi: Estes são abundantes em te- bem mais abundantes em – por exemplo – feixes
cido conectivo denso. Nas junções miotendinosas e musculares e fáscia – do que as estações de relato
nos ligamentos de articulações periféricas, eles são de Pacini e de Ruffini. A densidade mais alta está lo-
conhecidos como órgãos tendinosos de Golgi, calizada no periósteo. 10% são mielinizados (Tipo 3),
onde eles respondem à contração muscular. Outros e o restante é não mielinizado (Tipo 4). Alguns são
receptores de Golgi respondem aos movimentos responsivos à pressão rápida, outros, ao alonga-
de alongamento ativos (mas provavelmente não mento fascial (e cutâneo). Outros são de limiar lento
aos passivos) – com diminuição imediata do tônus – respondendo a um toque que é ‘tão leve quanto o
em fibras motoras relacionadas. Permanece incerto pincel de um pintor’ (Mitchell & Schmidt, 1977). Eles
até que ponto a carga manualmente aplicada pode também são conhecidos como receptores de tecido
evocar respostas de Golgi (Schleip, 2003). miofascial intersticial (interoceptores). Schleip (2011)
Mecanorreceptores de Pacini e paciniformes: sugere que esses interoceptores têm influências au-
Estes receptores intrafasciais são encontrados no tônomas – sobre a pressão arterial, por exemplo.
tecido conectivo denso. Os corpúsculos de Pacini
O emprego clínico de estratégias manuais apropria-
na fáscia muscular, junções miotendinosas, cama- das a fim de influenciar receptores neurais diferen-
das capsulares profundas e ligamentos espinais são tes é explorado com mais detalhes no Capítulo 5.
relatados por responderem a mudanças na pressão
e na vibração – mas não na compressão sustentada
– com efeitos que levam a feedback proprioceptivo Ponto-chave
aumentado e controle motor. A percepção das maneiras como graus, durações e
Mecanorreceptores de Ruffini: Estes estão loca- direções diferentes de carga podem influenciar as
lizados no tecido conectivo denso, nos ligamentos estruturas neurais dentro da fáscia oferece opções
das articulações periféricas, na dura-máter e nas terapêuticas relevantes para a clínica, por exemplo,
camadas capsulares externas. Alguns respondem a uma carga leve, reduzida e tangencial (que afeta
mudanças rápidas de pressão, mas a maioria é afe- os mecanorreceptores de Pacini), em comparação
tada por pressão sustentada, ou golpes – profundos com um alongamento moderado, sustentado (que
– rítmicos lentos, bem como por forças de alonga- afeta os órgãos tendinosos de Golgi). Uma sensação
mento lateral (tangencial). Os efeitos incluem ativi- de “corte/picada” agudo(a) é comumente relatada
dade simpática reduzida. quando a fáscia disfuncional está sendo alongada
Mecanorreceptores intersticiais (p. ex., Tipos ou comprimida.
3 e 4): Estes oferecem informação sensorial, e são
Os proprioceptores são mecanorreceptores que ceptores nos músculos se conectam às camadas
monitoram constantemente a posição articular, fasciais às quais os fascículos musculares se in-
a carga do tendão, a tensão do ligamento e o es- serem como parte do processo de transmissão
tado do tônus e da contração muscular. Os ór- de força (discutido mais adiante neste capítulo).
gãos tendinosos de Golgi (ver Quadro 1.3) são
Stecco e colaboradores (2007) demonstraram a
exemplos de proprioceptores especializados presença de uma variedade de estruturas neu-
que são envolvidos na preservação da integri- rais na fáscia profunda – incluindo corpúsculos
dade articular. A propriocepção da fáscia é for- de Ruffini e de Pacini. Isso sugere fortemente
necida principalmente pelos mecanorreceptores que a fáscia participa da percepção de postura,
localizados dentro das estruturas fasciais, bem bem como de movimento, tensão e posição (ver
como do que foi chamado de “ectoesqueleto” Quadro 1.3).
(Benjamin, 2009). Isso descreve um “esqueleto
Além disso, a fáscia toracolombar (FTL) é den-
de tecido mole” virtual no qual os mecanorre- samente inervada com diferenças acentuadas
Ponto-chave
Principais características fasciais Até que ponto os efeitos de mecanotransdução (de-
clinicamente relevantes vido às diferentes formas e graus de carga sobre as
células) podem ser influenciados por terapia manual
Como observado, a fáscia fornece continuidade es- ainda é objeto de estudo. Contudo, há evidências de
trutural e funcional entre os tecidos moles e duros que a alteração de tensão de tecido local pode in-
do corpo como um componente sensorial, elástico- fluenciar a cura pós-traumática, via mecanotransdu-
-plástico e onipresente que reveste, sustenta, separa, ção, como, por exemplo, por meio de mudanças na
conecta, divide, envolve e dá coesão ao restante do colagenase e/ou produção de TGF-β1. Essas carac-
corpo – enquanto às vezes permite movimentos de terísticas fasciais são discutidas adiante e em mais
desvio, deslizamento –, bem como desempenha um detalhes no Capítulo 5.
papel importante na transmissão de forças mecâni-
cas entre as estruturas (Huijing, 2007).
Os elementos individuais contidos naquele resu-
mo (“elástico”, “plástico”, “sensorial”, “de separação”,
Matriz extracelular (MEC)
“de deslizamento”, etc.) precisam ser esclarecidos e A MEC é o microambiente físico no qual as células
individualmente discutidos – como o são nos capítu- operam. A MEC também fornece a oportunidade
los de abertura do livro e em muitas das discussões para as células se ancorarem (usando complexos de
dos métodos clínicos na Seção 2. aderência descritos adiante).
Todas essas funções e atributos da fáscia são O espaço ao redor e entre as células compreende
interessantes; contudo, alguns têm maior relevân- uma malha elástica intricadamente organizada de
cia clínica do que outros. Potenciais características proteína localmente secretada, fibras de colágeno e
fasciais clinicamente relevantes que merecem aten- moléculas de polissacarídeos, bem como água rica
ção incluem as maneiras como as células fasciais em íons e glicosaminoglicanos (GAGs) – tais como
respondem às diferentes formas e graus de carga ácido hialurônico – que formam a MEC. As células
mecânica (mecanotransdução), bem como o aspecto principais da fáscia, os fibroblastos, sintetizam a
MEC e o colágeno em resposta à carga.
múltiplo de conexão, envolvimento e ligação da fás-
cia e como estes influenciam a avaliação terapêutica
As superfícies das células que produzem os ma-
e o tratamento. teriais constituintes da MEC – fibroblastos – são
diretamente conectadas a ela por GAGs e fibras esses papéis de forma mais eficiente quando os
de colágeno. tecidos em que eles estão operando são firmes/
Fibras de colágeno extracelulares na matriz gi- tensos, em vez de flácidos/relaxados – com essas
ram rapidamente, até 50% em apenas 24 horas, características (firme/mole) sendo reconhecidas
demonstrando uma natureza ativa em constante por seus receptores de superfície, as característi-
mudança (Hocking e colaboradores, 2009). cas de aderência.
Dois fatores principais orientam o desenvolvi-
Wipff e Hinz (2009) observaram que, quando
mento de miofibroblastos: estresse mecânico e colocados em plástico rígido, os miofibroblastos
fator de crescimento de transformação beta-1 respondem aumentando e desenvolvendo feixes
(TGF-β1): de fibras de tensão espessos – mas, quando colo-
Os miofibroblastos sentem estresse usan- cados em uma superfície mole, suas aderências
do aderências de matriz especializada (ver focais não se desenvolvem, permanecendo rela-
adiante). tivamente pequenas (ver Fig. 1.2 e Lâmina 1).
A relevância terapêutica da dinâmica de líquidos e a
Complexos de aderência de matriz MEC são descritas abaixo.
celular (CAMEs)
As células se ancoram ao andaime da MEC usando
Ponto-chave
substâncias aderentes solúveis. Estas prendem os
proteoglicanos e as fibras de colágeno aos recep- A relevância clínica de uma compreensão da nature-
tores na superfície celular. Usando essa estrutura za e das funções da MEC inclui a percepção de que,
arquitetônica (ver observações sobre tensegridade, por exemplo, várias formas de carga modificam seu
anteriormente neste capítulo), as células percebem e comportamento com efeitos profundos sobre estru-
tura e função. A influência da terapia manual sobre
convertem sinais mecânicos em respostas químicas,
tais processos é discutida no Capítulo 5, enquanto
permitindo que elas reajam à carga externa de ma-
os capítulos na Seção 2 descrevem modelos de tera-
neira instantânea. Portanto – além de suas funções
pias individuais.
aderentes –, as moléculas de adesão celular ajudam
a modular a transdução de sinal:
“CAMEs são complexos excepcionalmente flexíveis e
dinâmicos e seus componentes sofrem rotações rápidas Células especializadas, estruturas e
e reguladas para manter as correntes de informações funções da fáscia (Benjamin, 2009)
mecânicas e químicas delicadamente equilibradas.
Apesar do papel crucial de CAMEs na migração ce- A fáscia mantém o corpo integrado, envolvendo
lular, a sinalização por meio desses complexos fornece uma rede tensional ampla do corpo de tecidos mo-
influência sobre quase toda função celular principal, les, colagenosos, às vezes densos e fibrosos e às ve-
incluindo, por exemplo, a sobrevivência, a diferencia- zes elásticos e frágeis (teia fina).
ção e a proliferação das células” (Lock e colaborado- Observação: Esta lista não é abrangente, mas salien-
res, 2008). ta os principais elementos envolvidos na estrutura e
Literalmente, as células informam células adja- na função fasciais:
centes de suas respostas físicas e químicas à car-
Colágeno: Derivado da palavra grega clássica
ga alterada. Nesse processo, a carga física tam- para cola, kola, o colágeno é formado por diferen-
bém é transferida para complexos de aderência tes combinações e concentrações de proteínas,
– os “membros” virtuais das células que “se an- amarradas juntas em uma variedade de fibras.
coram” à MEC. A arquitetura do colágeno é às vezes descrita
Isso é particularmente relevante durante a cica- quanto às direções dessas fibras, bem como à
trização de feridas. Descobriu-se que, quando os espessura e à densidade da estrutura resultante.
miofibroblastos são ativados para exercer a fun- O colágeno fornece suporte, formato e estabili-
ção de estabilizadores estruturais/arquitetôni- dade, enquanto a razão pela qual ele se funde
cos da ferida em reparação, eles desempenham com elastina (ver abaixo) determina seu grau
Integrinas: Projeções de proteína do tipo aérea,
Ponto-chave vitais para comunicação célula-para-célula e
Diferentes formas de aplicação de carga terão efei- célula-para-MEC. Myers (2012) explicou isso de
tos de mecanotransdução sobre os miofibroblastos, forma esplêndida: “A MEC é conectada às mem-
com influência significativa sobre a remodelagem e branas celulares e, por meio delas, ao citoesqueleto
a reabilitação. via centenas ou milhares de integrinas de ligação
na superfície celular. As forças de fora da célula são
transmitidas por meio dessas conexões aderentes para
os trabalhadores internos da célula. Assim, nós po-
demos agora entender que cada célula, assim como
‘experimentando’ seu ambiente químico, está ‘sentin-
do’ e respondendo a seu ambiente mecânico... Forças
também se movem na outra direção – da célula para
a MEC – no caso de contração muscular ou de (mio)
fibroblasto que é transmitido por meio da membrana
até a MEC adjacente”.
Fibronectina: Consiste em uma substância do
tipo cola que, por exemplo, liga-se às integrinas,
as proteínas receptoras abrangentes de células.
Elastina: Elas permitem que os tecidos no cor-
po recuperem seu formato após alongamento ou
contração; por exemplo, onde a fáscia superficial
precisa permitir movimento de deslizamento
significativo, como no dorso da mão, os níveis de
elastina são aumentados para permitir a restau-
ração da posição e do formato após o movimento.
FIGURA 1.2 Miofibroblasto na superfície sólida (esquerda) e su-
Fibrilina: Este constituinte da MEC é essencial
perfície mole (direita). Ver também Lâmina 1 (Wipff & Hinz 2009). para a formação de fibras elásticas que fornecem
força e flexibilidade ao tecido conectivo. Quando mento constante, vibração perpendicular e osci-
ela sofre uma mutação genética, resulta em sín- lação tangencial. O grau de eficácia foi julgado
drome de Marfan. por pressão de líquido aumentada de AH, visto
Gordura (tecido adiposo): A fáscia superficial que “a pressão gerada no líquido entre o músculo e a
(ver adiante mais informações sobre este tópico) fáscia... [durante o tratamento]... faz com que a dife-
contém, em diferentes áreas do corpo, camadas rença de fluido aumente”. Os achados foram que
distintas de gordura que fornecem isolamento e “vibração perpendicular e oscilação tangencial podem
amortecimento na forma de tecido fibroadiposo. aumentar a ação do tratamento na matriz extrace-
Fator de crescimento de transformação beta- lular, fornecendo benefícios adicionais nas terapias
1 (TGF-β1): Esta é uma proteína secretada que manuais que atualmente usam apenas movimentos de
realiza muitas funções celulares, incluindo o deslizamento constantes”.
controle de crescimento celular, proliferação e
Langevin e colaboradores (2011b) mostraram que
diferenciação de células. Um novo colágeno é a redução do potencial de deslizamento da fás-
formado em resposta à carga mecânica (como cia na área toracolombar (descrita tecnicamente
no exercício ou na terapia manual) e ele estimu- como “força de cisalhamento toracolombar re-
la, entre outras substâncias, o TGF-β1. De acor- duzida”) correlaciona-se com espessura aumen-
do com Langevin (2006), o alongamento breve tada da FTL, e, nos homens, parece predispor à
diminui os efeitos de TGF-β1 na produção de dor lombar. Esse elo específico de gênero entre
colágeno adicional – que pode ser relevante um movimento de deslizamento livre da fáscia
para as técnicas de terapia manual que visam na FTL, a espessura das camadas de tecido co-
reduzir o risco de formação de cicatriz/fibrose. nectivo e dor lombar permanece inexplicado.
A inatividade reduz a função de proliferação de
colágeno nos tecidos musculares – mas não nos Modelo de deslizamento alternativo de
tendões – de maneira drástica (Kjaer e colabora- Guimberteau
dores, 2009). Um modelo diferente é sugerido (Guimberteau &
Bakhach, 2006; Guimberteau, 2012), no qual é obser-
Lubrificantes fasciais vado que:
Proteoglicanos (PG), glicosaminoglicanos “A noção tradicional de diferentes fáscias ou do sis-
(GAG): Estas substâncias do tipo muco e que tema de deslizamento, de escorregamento do sistema co-
adoram água, compostas de proteína e molécu- lagenoso... concentra-se na separação dessas estruturas.
las de açúcar em várias combinações, formam A microscopia de mapeamento eletrônico sugere que esse
a substância fundamental – uma característica sistema não consiste em camadas sobrepostas, diferentes.
frouxamente condensada da MEC. Essas subs- Na realidade, há uma única arquitetura tissular com espe-
tâncias têm papéis importantes em auxiliar a cializações diferentes. Para enfatizar suas implicações fun-
difusão de nutrientes e de resíduos, bem como cionais, nós chamamos esse tecido de sistema de absorção
oferecer uma casa para condroitina e outros sul- colagenoso (dinâmico) multimicrovacuolar (SACMVC).”
fatos e várias fibras de colágeno com funções de As observações detalhadas de Guimberteau e
estabilização, compressão ou tensão. colegas sugerem que:
Ácido hialurônico (AH): Este componente de
Esse ambiente intercelular contém um gel de
PG e GAG tem funções lubrificantes e ajuda a proteoglicano altamente hidratado, com alto
manter a viscosidade da MEC. Uma camada de conteúdo lipídico. Suas laterais compreendem
ácido hialurônico lubrificante fica entre a fáscia vacúolos entrelaçados compostos por colágeno
profunda e o músculo (Langevin, 2009). e elastinas.
Efeitos de carga sobre o AH: Usando métodos
O SACMVC é visto como o bloco de construção
de modelagem matemáticos sofisticados, Roman de: “uma rede interorgânica, que funciona em níveis
e colaboradores (2013) compararam os efeitos de diferentes e que realiza três papéis mecânicos princi-
lubrificação de AH quando três formas diferen- pais: (i) responde a qualquer tipo de estímulo mecâ-
tes de carga manual foram aplicadas: desliza- nico de uma maneira altamente adaptável e de eco-
nomia de energia; (ii) preserva as estruturas, fornece capacidades de ligação à água da substância
informação durante a ação e volta para seu formato fundamental do tecido conectivo do porco, eles
original; (iii) assegura a independência e a autonomia descobriram que o conteúdo de água tinha re-
das várias unidades funcionais”. duzido – como quando se espreme uma esponja.
Isso efetivamente facilitou a rigidez dos tecidos.
Eles também observam que:
Após cerca de 30 minutos, o conteúdo de água
“...a função do sistema microvacuolar é manter as aumentou novamente, de modo que, várias ho-
estruturas periféricas próximas, mas não mecanica- ras após o alongamento, houve um aumento na
mente afetadas pela ação do corpo em progresso. In- rigidez elástica do tecido. Eles concluíram que
versamente, ele também oferece resistência, primeiro a fáscia parece se adaptar hidrodinamicamente
minimamente depois aumentando à medida que a em resposta aos estímulos mecânicos, tais como
carga aumenta”. compressão e alongamento, basicamente devido
É oferecido um exemplo prático no qual a flexão a um efeito de preenchimento e de compressão
do dedo é observada, durante a qual: “o movi- mecânica do tipo esponja na bioarquitetura dos
mento do tendão flexor raramente é perceptível na GAGs e proteoglicanos que têm afinidade com
palma da mão. Acontece o mesmo sob o tecido areolar a água. Isso sugere que pelo menos alguns dos
cutâneo, que é o elo de conexão entre o músculo, o ten- efeitos da terapia manual e do exercício – relati-
dão, a gordura, a aponeurose e as áreas subdérmicas. vos à facilidade de movimento, rigidez, etc. – re-
O sistema SACMVC situado entre o tendão e seu te- lacionam-se às mudanças no conteúdo de água
cido adjacente parece favorecer o deslizamento ideal. dos tecidos conectivos. Isso tem uma possível
A excursão do tendão pode ser grande e rápida sem relevância para reduzir edema, bem como para
resistência e sem provocar qualquer movimento no aumentar o suporte de água para proteínas sub-
tecido adjacente, sendo responsável pela ausência de -hidratadas, permitindo extensibilidade aumen-
quaisquer repercussões dinâmicas de tal movimento tada dos tecidos.
sobre a superfície da pele”.
Reed e colaboradores (2010) estudaram de que
A capacidade do SACMVC de responder de for- maneiras o líquido se move entre os vasos lin-
ma flexível é alterada quando influências negati- fáticos e sanguíneos periféricos e os tecidos
vas tais como edema, traumatismo, inflamação, intersticiais. Eles descobriram que, durante a
obesidade e/ou envelhecimento ocorrem, crian- inflamação, por exemplo, as propriedades físi-
do mudanças no formato microvacuolar. cas dos tecidos conectivos frouxos (envolvendo
GAGs e ácido hialurônico, conforme descrito an-
teriormente) podem mudar em uma questão de
Ponto-chave minutos, resultando em um aumento de até cem
A relevância clínica do conhecimento sobre MEC e vezes no fluxo de líquido. Eles propõem que:
GAGs (tal como ácido hialurônico) salienta a impor- “células de tecido conectivo aplicam forças de tensão
tância de funções de deslizamento/desvio – seja sobre as fibras da MEC que sucessivamente impedem
entre as camadas fasciais ou envolvendo um me- a substância fundamental sub-hidratada de absorver
canismo diferente. Em essência, a capacidade de líquido e inchar”. O tecido conectivo é visto como
atividade muscular sem atrito é a ideal. Há alguma um aspecto ativo do equilíbrio hídrico e da fi-
evidência de que diferentes formas de carga tera- siologia.
pêutica podem ajudar a criar potencial de desliza-
Meert (2012) observa que o líquido na MEC: “cria
mento aumentado. Ver o Capítulo 5 para mais deta- um espaço de transporte para nutrientes, resíduos
lhes sobre as formas específicas de carga. e substâncias mensageiras e realmente facilita a ho-
meostase entre a região extracelular e a intracelular.
Além disso, o sistema linfático filtra esse suprimento
para fora do oceano de líquidos intersticiais e o drena
Dinâmica de líquido e fáscia
para o sistema venoso”.
Quando Klinger e colaboradores (2004) exa-
“Os fibroblastos respondem à tensão do tecido co-
minaram os efeitos do alongamento sobre as nectivo por ajuste homeostático da pressão de líquido
intersticial e fluxo de líquido transcapilar. A trans- úteis da evidência de pesquisa atual – transferên-
missão de forças dos fibroblastos para a matriz ex- cia de carga.
tracelular... causa mudanças na pressão hidrostática
intersticial... influenciando a resposta à lesão e à in- Camadas e bolsas fasciais
flamação” (Langevin e colaboradores, 2005). (Willard, 2012a)
Fryer e Fossum (2009) sugerem que as contra-
ções isométricas usadas nas técnicas de energia Forças de tensão que resultam de contrações muscu-
muscular (TEM; ver Cap. 13) “aumentam a drena- lares e demandas de carga são espalhadas para teci-
gem dos espaços intersticiais reduzindo as concentra- dos adjacentes – e distantes – via folhas fasciais, bem
ções de citocinas pró-inflamatórias”. como por meio de filamentos densificados, cordões,
A dinâmica de líquido fascial e as mudanças tiras, invólucros e conexões tipo corda (tendões, liga-
fasciais intramusculares ajudam a explicar os mentos, retináculos, etc.).
efeitos das modalidades envolvendo contrações A fáscia também compreende uma variedade
isométricas (tais como TEM e facilitação neu- complexa de bolsas, septos, bolsos e envelopes que
romuscular proprioceptiva). contêm, separam e dividem tecidos e estruturas –
enquanto, em muitos casos, permitem uma facilida-
de de deslizamento, desvio que fornece a base para
Ponto-chave o movimento sem atrito entre as camadas de tecidos
moles. Isso pode ser perdido ou reduzido por ade-
A relevância clínica da dinâmica de líquido e da rências e densidade aumentada.
fáscia indica uma maior influência de líquido/água
A geografia da fáscia pode ser dividida em cate-
sobre a flexibilidade e a rigidez, bem como sobre
gorias funcionais amplas:
a distribuição de substâncias, tais como nutrientes,
produtos pró-inflamatórios e anti-inflamatórios e a 1. Fáscia (frouxa) superficial, ou areolar ou pani-
drenagem de resíduos durante processos como in- cular;
flamação e reparo de tecido – com influências sobre 2. Fáscia axial profunda (ou de revestimento);
a função homeostática. 3. Fáscia meníngea (circunda o sistema nervoso);
4. Fáscia visceral (circunda e sustenta os órgãos).
Quadro 1.4
Tecido conectivo frouxo e alongamento
Langevin e colaboradores (2005) relataram que o libera ATP no espaço extracelular encorajando uma
alongamento sustentado e leve (abaixo de 20% da mudança no formato da célula, possivelmente envol-
elasticidade disponível) produzia um aumento de- vendo produtos de ruptura com efeitos analgésicos.
pendente do tempo significativo no perímetro do Além disso, o trajeto da proteína Rho instiga remode-
corpo de células de fibroblastos e área transversal: lagem das aderências focais da célula, que servem de
“esse estudo [tem] implicações importantes para nosso mediadores de quando e como a célula se liga à matriz
entendimento de movimento normal e postura, bem extracelular, levando ao relaxamento do tecido conec-
como para terapias usando estimulação mecânica de tivo” (Langevin, 2013).
tecido conectivo, incluindo fisioterapia, massagem e
Ver o subtítulo, “Complexos de aderência de matriz
acupuntura”.
celular (CAMCs)”, para uma explicação sobre “ade-
Fourie (2009) observa que estudos em animais e em rências focais”.
humanos indicam que o grau ideal de alongamen-
to, requerido para alongar o tecido conectivo frouxo,
Quando submetidos a esforços mecânicos (tal como
não deve exceder 20% da elasticidade disponível, alongamento sustentado leve), os fibroblastos den-
com 5 a 6% geralmente sendo adequados. tro da fáscia muscular secretam interleucina-6, que
mostrou influenciar significativamente a diferencia-
“Quando o tecido conectivo se alonga (p. ex., via ex-
ção que é essencial para o reparo muscular e que
tensão física ou estimulação mecânica com uma
agulha de acupuntura), as células de fibroblastos que influencia fortemente os processos inflamatórios
ajudam a produzir e manter a matriz de tecido co- (i.e., tem o potencial de desencadear efeitos pró-
nectivo aumentam e se achatam. Nós sugerimos que -inflamatórios ou anti-inflamatórios dependendo
os complexos de aderência focal sobre as superfícies de outros fatores) (Hicks, 2012).
dos fibroblastos detectam alongamento e iniciam a
Os fibroblastos sintetizam a MEC e o colágeno em
sinalização mediada pela proteína Rho. A célula então resposta à carga tal como o alongamento.
Age como um isolante do calor e regulador tér- orientação de fibrilas de colágeno, bem como
mico; vários líquidos que permitem movimentos
Armazena energia na forma de triglicerídeos; como as funções de deslizamento e desvio des-
Fornece canais para veias e, em algumas áreas, ses tecidos (ver observações sobre MEC ante-
fibras nervosas grandes e bem protegidas, bem riormente neste capítulo e observações sobre
como contendo inúmeros mecanorreceptores GAGs);
(Schleip e colaboradores, 2012b);
Reed e colaboradores (2010) resumiram as prin-
Às vezes aloja estruturas musculares vestigiais – cipais características da substância fundamental
por exemplo, o platisma no pescoço; da fáscia superficial, como segue:
Contém fibras elásticas que permitem que a pele
se alongue (derme, epiderme) e que também “A MEC do tecido conectivo frouxo, constituindo a matriz
criam propriedades elásticas e de tensão que intersticial, tem três componentes principais:
facilitam um grau de alongamento seguido por a. colágenos constituindo o andaime rígido para órgãos
um retorno ao estado original; e organismos;
Conecta a fáscia mais profunda com a superfície b. fibras e microfibrilas elásticas;
do corpo; alojando lóbulos adiposos (subdivi-
c. a substância fundamental composta por proteoglica-
sões pequenas;
nos e ácido hialurônico, bem como glicoproteínas.
Contém substância fundamental – a MEC –
que enche os espaços entre as células e que Essa matriz intersticial fornece a rota de transporte para
tem múltiplas propriedades que determinam a nutrientes e materiais residuais entre o lado abluminal da
barreira endotelial para as células parenquimais de qual- como os mesentérios. Essa fáscia também funciona como
quer tecido. um conduto para os feixes neurovasculares e linfáticos,
visto que eles irradiam para fora do mediastino torácico,
A fáscia superficial também contém vários tipos
abdominal e pélvico até alcançar os órgãos específicos”.
de células importantes, incluindo:
adipócitos para armazenagem de gordura;
A fáscia visceral circunda e sustenta os órgãos
fibroblastos (ver observações anteriormente
e fornece o “tecido de invólucro” para as estruturas
da linha média do corpo (Drake e colaboradores,
no capítulo);
várias células sanguíneas protetoras, tais
2010) – ela é contínua a partir da região nasofaríngea
e cervical, por meio do tórax (mediastino), passando
como neutrófilos e macrófagos;
mastócitos e células plasmáticas;
pelo diafragma, por meio do abdome, até o soalho
glândulas sudoríparas.
pélvico. Na linha média, além do plexo abdominal
e dos nervos autônomos, ela aloja vasos principais,
tais como a aorta e os sistemas da veia cava, bem
Ponto-chave como o ducto torácico. A fáscia visceral envolve efe-
tivamente todos os órgãos principais, cobre os reves-
Aspectos significativos de tecidos conectivos frou-
timentos pleurais e peritoneais e forma as bainhas
xos superficiais encontram-se em sua relativa aces-
neurovasculares. A fáscia mediastinal, que basica-
sibilidade para compressão, alongamento e/ou
mente compreende o tecido conectivo frouxo, por-
agulhamento – como exemplos. Uma carga com o
tanto, forma a cavidade compartimental central do
objetivo de aumentar o comprimento foi sugerida
por requerer pressão de alongamento leve (bem
tórax, alojando órgãos principais, bem como estru-
abaixo de 20%) – sustentada por minutos, não se- turas neurais e vasculares.
gundos. Existem métodos de terapia manual que têm in-
fluências terapêuticas potenciais para o mediastino
(Barral & Mercier, 2004).
FIGURA 1.4 (a) Camadas de fáscia muscular. (b) Camadas de fáscia muscular esquelética.
Inserção do serrátil
posteroinferior
Fáscia toracolombar
Inserção do
oblíquo interno
EIPS
Inserção do
glúteo médio
Sacro
FIGURA 1.5 Camada profunda
da fáscia toracolombar, inserções
ao glúteo médio e inserções entre
Inserção do ligamento sacrotuberoso
a camada profunda e o músculo
eretor da espinha.
Escalenos e o tórax
Como as lâminas e membranas fasciais que as en-
volvem e as conectam, os músculos escalenos são
contínuos com estruturas torácicas – variando des-
de os músculos peitorais até o pericárdio. Portanto,
é insensato conceber a disfunção dos escalenos sem
levar em consideração a que eles estão conectados –
via fáscia – de maneira anatômica e funcional.
Stecco e Stecco (2012) observaram que: “as fáscias
intermusculares e do epimísio servem como áreas de inser-
ção para fibras musculares que [...] podem mecanicamente
alcançar um elemento esquelético sem necessariamente
ser diretamente inserido ao osso”. Isso é aparentemente
verdadeiro para conexões às fáscias superficiais (tais
como a fáscia crural e a fáscia antebraquial), que for- FIGURA 1.6 Fáscia do epimísio dos músculos peitoral maior e ser-
rátil anterior – observe a continuidade da fáscia superficial entre es-
necem áreas de inserção amplas para fibras muscu- tes e a fáscia cervical. Ver também a Lâmina 2.
lares (ver Fig. 1.6 e Lâmina 2). Foto: cortesia de Carla Stecco.
Continuidade fascial da cervical, do podem de fato ser de origem fascial e que a fonte
dessa disfunção pode estar distante de onde ela é
tronco e do ombro percebida.
Stecco e Stecco (2012) relataram sobre os resultados
de suas inúmeras dissecções. Por exemplo: “As fás- A conexão latíssimo do dorso e
cias profundas do ombro apresentam características que
quadril-glúteo máximo
são similares às fáscias do tronco e das extremidades. Em
particular, as fáscias dos músculos peitoral maior, del- Com voluntários, Carvalhais e colaboradores (2013)
toide, trapézio e latíssimo do dorso formam uma camada foram capazes de mostrar que a tensão ativa do la-
única, envolvendo todos esses músculos e passando tíssimo do dorso – por exemplo, quando o ombro
sobre o serrátil anterior, onde elas formam uma forte era ativamente aduzido e a escápula deprimida,
lâmina fascial”. usando força equivalente a 25% de uma contração
Eles continuam: “Todas essas fáscias aderem-se voluntária máxima – produzia rotação lateral do
firmemente aos seus respectivos músculos devido a uma quadril contralateral, junto com rigidez de glúteo
série de septos intramusculares que se estendem desde a máximo (GM) passiva (também contralateral) au-
superfície interna dessas fáscias, dividindo o próprio mús- mentada.
culo em muitos feixes”. É inimaginável que a carga so-
bre qualquer um desses músculos não afetasse dire- Dor no glúteo máximo e no joelho
tamente todos os outros mencionados (ver Fig. 1.5).
Stecco e colaboradores (2013) também identifica-
Esse padrão de músculos “separados” sendo unidos
ram um elo de transmissão de força desde a fáscia
por estruturas fasciais é repetido nos membros, nas
toracolombar, via GM, até o trato IT e para a fren-
costas, na região cervical, etc.
te até o joelho, sugerindo que: “a hipertonicidade do
glúteo máximo poderia explicar a tensão aumentada na
Como a carga dos isquiotibiais é região lombar, causando dor lombar e na região lateral
distribuída do joelho.
Franklyn-Miller e colaboradores (2009) demonstra- Em todos os (12) pacientes, o glúteo máximo apresen-
ram – usando microcalibradores de esforço – que o tou uma inserção principal na fáscia lata tão grande, que
grau de força usado em um alongamento dos isquio- o trato iliotibial poderia ser considerado um tendão de in-
tibiais resulta em uma variedade de transferências serção do glúteo máximo ... [explicando] ... a transmissão
de carga inesperadas: das forças desde a fáscia toracolombar até o joelho [e] pos-
sivelmente explicando por que a hipertonicidade do GM
240% do esforço imposto é transferido para o poderia causar uma síndrome de fricção do trato IT (SFTI)
trato iliotibial (IT). ou, de modo geral, dor no joelho.
145% da carga dos isquiotibiais é transferida A resolução de SFTI só pode ser atingida quando a
para a fáscia lombar ipsilateral via ligamento sa- biomecânica do quadril é abordada de forma apropriada”.
crotuberoso.
103%, para o compartimento crural lateral.
45%, para a fáscia lombar contralateral.
Conexões da linha superficial
26%, para a fáscia plantar. posterior validadas por
A transmissão de tensão via continuidades fasciais
eletromiografia
durante o alongamento pode, portanto, afetar mui- As associações musculares conectadas à cadeia ci-
tos tecidos, exceto o músculo ao qual a carga está nemática miofascial, conhecida como a linha su-
sendo aplicada. perficial posterior (Myers, 2009; ver detalhes mais
Os pesquisadores relatam que “a tensão é adiante neste capítulo e em mais detalhes no Cap. 3,
distribuída por meio de um padrão consistente – particularmente na Fig. 3.2b), foram testadas usando
[que] – correlaciona-se intimamente com a orien- eletromiografia (Weisman e colaboradores, 2014).
tação das fibras de colágeno”. Isso sugere a pos- Os achados desse estudo, que tinha o objetivo
sibilidade de que restrições musculares aparentes de “mapear a associação de ativações musculares ao longo
Os trilhos que Myers (2009) descreveu são listados 12. Linha anterior profunda: tibial posterior, flexo-
abaixo (e em mais detalhes no Cap. 3). Quando se res longos dos artelhos, compartimento posterior
reflete sobre essas conexões catalogadas por Myers, profundo, poplíteo, cápsula posterior do joelho,
deve-se manter em mente a observação de van der grupo adutor, pélvico, ligamento longitudinal an-
Wal (2009) de que nenhum músculo se insere ao terior, psoas, ilíaco, quadrado do lombo, diafrag-
osso em qualquer lugar no corpo e que as conexões ma, mediastino, músculos longos, complexo hio-
ósseas são sempre feitas via estruturas de tecido co- ideo, assoalho da boca, músculos da mandíbula.
nectivo intervenientes:
Essas “linhas de trilhos anatômicos” são discutidas
1. Linha anterior superficial: extensores dos arte- com mais detalhes no Capítulo 3.
lhos, compartimento crural anterior, quadríceps, Como mencionado, existem muitos modelos di-
reto abdominal e fáscias abdominais, esternal e ferentes que interpretam as cadeias e conexões que a
fáscia esternal, esternocleidomastóideo. fáscia fornece. Como um exemplo, ver as discussões
2. Linha posterior superficial: flexores curtos dos no Capítulo 9 sobre Manipulação Fascial®, em que
artelhos e aponeurose plantar, tríceps sural, is- áreas locais de coordenação – e percepção – são iden-
quiotibiais, ligamento sacrotuberoso, fáscia sa- tificadas em relação às sequências miofasciais.
crolombar, eretor da espinha, fáscia epicraniana.
3. Linha lateral: músculos fibulares, comparti-
mento crural lateral, trato IT, abdutores do qua- Ponto-chave
dril, oblíquos abdominais laterais, intercostais
Não é possível exagerar a relevância clínica de uma
internos e externos, esternocleidomastóideo e percepção de cadeias e elos musculares (seja do mo-
esplênios. delo Trilhos Anatômicos ou de um dos muitos outros
4. Linha espiral: esplênios, romboides (contralate- que foram descritos). Entender a distribuição de car-
rais), serrátil anterior, oblíquo externo, oblíquo ga e a função recíproca das continuidades miofas-
interno (contralateral), tensor da fáscia lata, tra- ciais amplia as escolhas clínicas em relação à terapia
to IT anterior, tibial anterior, fibular longo, bí- manual e exercícios e abordagens de tratamento e
ceps femoral, ligamento sacrotuberoso, eretor da reabilitação.
espinha.
5. Linha do braço posterior superficial: trapézio,
deltoide, septo intermuscular lateral, grupo
extensor.
Como os problemas fasciais
6. Linha do braço posterior profunda: romboi-
des, levantador da escápula, manguito rotador, iniciam
tríceps, fáscia ao longo da ulna, ligamentos cola-
As múltiplas formas pelas quais a disfunção fascial
terais ulnares, músculos hipotenares.
pode se manifestar são exploradas no Capítulo 2.
7. Linha do braço anterior superficial: peitoral
Como na maioria da disfunção musculoesquelética,
maior, latíssimo do dorso, septo intermuscular
as “causas” tendem a ser facilmente resumidas como
medial, grupo flexor, túnel do carpo.
uso excessivo, uso errado, desuso e abuso.
8. Linha do braço anterior profunda: peitoral me-
A disfunção fascial pode resultar de traumatismo
nor, fáscia clavipeitoral, bíceps, fáscia radial, liga-
de desenvolvimento lento (desuso, uso excessivo e
mentos colaterais radiais, músculos tenares.
uso indevido) ou de lesão repentina (abuso) que leva
9. Linha funcional anterior: peitoral maior (borda
à inflamação e remodelagem inadequada (tal como
inferior), linha semilunar, piramidal, adutores
formação de cicatriz excessiva ou desenvolvimento
anteriores (longo, curto e pectíneo).
de fibrose):
10. Linha funcional posterior: latíssimo do dor-
so, fáscia lombossacral, GM, vasto lateral (ver
A “densificação” pode ocorrer envolvendo distor-
Fig. 1.5). ção de relações miofasciais, reduzindo as facilida-
11. Linha funcional ipsilateral: latíssimo do dor- des de deslizamento e alterando a propriocepção
so (borda externa), oblíquo abdominal externo, e o equilíbrio musculares (Stecco & Stecco, 2009).
sartório. Como um resultado dessas mudanças, a carga
crônica de tecido forma “padrões de restrição de te- As opções terapêuticas relativas a tais mudanças são
cido mole globais” (Myers, 2009). exploradas no Capítulo 5 e no decorrer da Seção 2,
“Quando a fáscia é estressada mecanicamente em ex- na qual há capítulos separados sobre 15 modalidades
cesso, inflamada ou imóvel, a deposição de colágeno e diferentes que visam a disfunção fascial.
de matriz torna-se desorganizada, resultando em fibro-
se e aderências” (Langevin, 2008). Referências
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Clin Orthop Relat Res 203:301–308
sem dor lombar. O deslizamento potencial entre
Bouffard N et al 2009 Tissue stretch decreases procollagen-1 and TGF-β1 in
camadas fasciais também mostrou ser significati- mouse subcutaneous fascia. Abstract. 2nd Fascia Research Congress.
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Stecco e colaboradores (2013) sugerem que uma Cantu R, Grodin A 2001 Myofascial manipulation, 2nd edn. Aspen
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A fáscia também é muito afetada pelo processo de en-
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À medida que envelhecemos, a pele muda, o que conventional and complementary health care. Elsevier GmbH, Munich
é caracterizado pela evolução de rugas, que refle- Franklyn-Miller A et al 2009 The strain patterns of the deep fascia of the
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