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PARTICIPAÇÃO INDÍGENA NA CONSTRUÇÃO DE POLÍTICA PÚBLICAS

Podemos entender a expressão políticas públicas como um conjunto


de ações articuladas, de responsabilidade do Estado, que têm por objetivo o
atendimento a necessidades, interesses ou direitos coletivos. Estão
respaldadas por leis e normas jurídicas. Ganham existência em sucessivas
etapas, dentre as quais podemos destacar as de formulação, planificação
orçamentária, execução e monitoramento/controle social. Políticas públicas
envolvem, ou podem envolver, órgãos que compõem o Poder Executivo nos
seus três níveis ou instâncias: federal, estadual e municipal.

A efetivação de direitos de cidadania para povos indígenas pressupõe


o reconhecimento de sua autonomia, enquanto coletividades diferenciadas.
Assim, a participação indígena na construção de políticas públicas diferencia-
se de outros grupos sociais à medida que é representativa de coletividades
com especificidades que as distinguem da sociedade nacional.

A Convenção 169 da OIT dispõe:

Artigo 6º

1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os


governos deverão:

a) consultar os povos interessados, mediante


procedimentos apropriados e, particularmente, através de
suas instituições representativas, cada vez que sejam
previstas medidas legislativas ou administrativas
suscetíveis de afetá-los diretamente;

b) estabelecer os meios através dos quais os povos


interessados possam participar livremente, pelo menos na
mesma medida que outros setores da população e em
todos os níveis, na adoção de decisões em instituições
efetivas ou organismos administrativos e de outra
natureza responsáveis pelas políticas e programas que
lhes sejam concernentes;

c) estabelecer os meios para o pleno desenvolvimento


das instituições e iniciativas dos povos e, nos casos
apropriados, fornecer os recursos necessários para esse
fim.

2. As consultas realizadas na aplicação desta Convenção


deverão ser efetuadas com boa fé e de maneira
apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar
a um acordo e conseguir o consentimento acerca das
medidas propostas.

Artigo 7º

1. Os povos interessados deverão ter o direito de escolher


suas, próprias prioridades no que diz respeito ao processo
de desenvolvimento, na medida em que ele afete as suas
vidas, crenças, instituições e bem-estar espiritual, bem
como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma,
e de controlar, na medida do possível, o seu próprio
desenvolvimento econômico, social e cultural. Além disso,
esses povos deverão participar da formulação, aplicação
e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento
nacional e regional suscetíveis de afetá-los diretamente.

2. A melhoria das condições de vida e de trabalho e do


nível de saúde e educação dos povos interessados, com
a sua participação e cooperação, deverá ser prioritária
nos planos de desenvolvimento econômico global das
regiões onde eles moram. Os projetos especiais de
desenvolvimento para essas regiões também deverão ser
elaborados de forma a promoverem essa melhoria.

3. Os governos deverão zelar para que, sempre que for


possíve1, sejam efetuados estudos junto aos povos
interessados com o objetivo de se avaliar a incidência
social, espiritual e cultural e sobre o meio ambiente que
as atividades de desenvolvimento, previstas, possam ter
sobre esses povos. Os resultados desses estudos
deverão ser considerados como critérios fundamentais
para a execução das atividades mencionadas.

4. Os governos deverão adotar medidas em cooperação


com os povos interessados para proteger e preservar o
meio ambiente dos territórios que eles habitam.

Além dos mecanismos de garantia da participação cidadã aos povos


indígenas, a Convenção 169 da OIT e o ordenamento jurídico nacional (as leis
e normas do Brasil) determinam que sempre que medidas legislativas ou
administrativas afetarem povos indígenas, estes deverão ser consultados
mediante procedimentos adequados. Trata-se do direito de consulta livre,
prévia e informada.

A Funai, enquanto órgão coordenador da política indigenista no Brasil,


é membro ou acompanha, e deve fomentar a participação de povos e
representantes indígenas em instâncias de participação, monitoramento e
controle social de políticas indigenistas, ou seja, que afetam, ou interessam ou
contemplam povos e terras indígenas.

Na busca de equilíbrio de forças, a Funai deve apoiar o processo de


participação dos povos indígenas com o objetivo de possibilitar a discussão dos
seus direitos e garantias, como medidas de intervenção, de forma a impactar
na realidade local nas comunidades indígenas, alterando e qualificando
políticas públicas relacionadas a povos indígenas.
A criação de um Conselho Nacional de Política Indigenista 1 para
consolidar o espaço de participação indígena nacional e possibilitar poder de
decisão à atual Comissão Nacional de Política Indigenista era uma das
principais reivindicações dos povos indígenas na atualidade, tendo o referido
conselho sido criado em abril de 2016. Outro espaço importante construído
pelos povos indígenas para participação política é dentro da Política Nacional
de Gestão Territorial e Ambiental, PNGATI que tem um Comitê Gestor no seu
arranjo institucional.

São outros exemplos de espaços de participação, gerais ou específicos


para tratar da temática indígena, em âmbito federal: os Conselhos Nacionais de
Educação Escolar e Educação Escolar Indígena, de Saúde e de Saúde
Indígena, de Segurança Alimentar, de Política Cultural, de Promoção da
Igualdade Racial, de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, de Juventude,
dos Direitos da Mulher, dos Direitos da Criança e do Adolescente, entre outros
como os Conselhos de Meio ambiente.

Muitos destes espaços de participação social também existem em


âmbito estadual e municipal e devem igualmente prever a participação indígena
para garantir que os modos de vida indígenas sejam reconhecidos,
respeitados, valorizados e considerados pelas políticas públicas que se
desenvolvem em todas as esferas (federal, estadual e municipal).

Em relação a essa divisão de responsabilidades entre estados e


municípios foram criadas importantes leis nas áreas de saúde e educação,
dentre as quais citamos:

1
O Conselho é um órgão colegiado de caráter consultivo, responsável pela elaboração,
acompanhamento e implementação de políticas públicas voltadas aos povos indígenas. Foi
criado pelo Decreto n.º 8.593, de 17/12/15 e é composto por 45 membros, sendo 15
representantes do Poder Executivo federal, todos com direito a voto; 28 representantes dos
povos e organizações indígenas, sendo 13 com direito a voto; e dois representantes de
entidades indigenistas, com direito a voto. Nacionalmente, a CNPI constitui se no mais
relevante espaço de articulação e concertação de políticas públicas voltadas aos povos
indígenas, envolvendo vários órgãos do governo federal e representantes indígenas de todas
as regiões do país.
a) Acerca da educação voltada para os povos indígenas: Lei nº
9394/1996, Lei nº 10172/2001, Decreto nº 26/91, Portaria
Interministerial MJ/MEC nº 559/91, Lei 10558/2002, Lei nº
11096/2005, Decreto nº 7778/2012: essas legislações
estabelecem que a Funai não possui competência direta para
execução de políticas públicas de educação escolar e superior
indígenas, cabendo ao Ministério da Educação e às Secretarias
Estaduais e Municipais de Educação;
b) Acerca da saúde indígena: Lei nº 8080/90, Portaria nº 254/2002,
Lei 12.314/2010, Decreto nº. 7.336/2010, Decreto nº 7778/2012:
tais legislações estabelecem que compete à Secretaria de
Saúde Indígena, vinculada ao Ministério da Saúde, executar a
política de atenção básica à saúde dos povos indígenas, sendo
as áreas de média e alta complexidade responsabilidade de
Estados e Municípios, no sistema de compartilhamento de
atribuições do SUS. Assim, cabe à Funai o papel de monitorar e
acompanhar as ações de saúde desempenhadas pela SESAI,
Estados e Municípios.

Sendo assim, na atualidade a responsabilidade pela promoção e


execução de políticas públicas indígenas também é responsabilidade de
estados e municípios, devendo ser garantida a participação dos povos
indígenas também nestas instâncias.

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