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A revolução silenciosa

das águas subterrâneas


no Brasil:

uma análise da importância


do recurso e os riscos pela falta
de saneamento
Autores do estudo:

Ricardo Hirata (CEPAS|USP)


Alexandra Vieira Suhogusoff (CEPAS|USP)
Silvana Susko Marcellini (CEPAS|USP e consultora)
Pilar Carolina Villar (UNIFESP e CEPAS|USP) Estudo de Águas
Laura Marcellini (Consultora)
Subterrâneas
Realizado por:
Instituto Trata Brasil

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1. Introdução BOX 1. As distintas formas de
se obter água subterrânea
As águas subterrâneas são aquelas que se encon- No Brasil, as águas subterrâneas são extraídas por
tram sob a superfície terrestre, preenchendo com- meio de poços tubulares (popularmente conhecidos As águas subterrâneas são extraídas por meio dos O poço artesiano é aquele poço em que a água
pletamente os poros das rochas e dos sedimentos, como artesianos ou semiartesianos), poços escava- poços ou pelo aproveitamento direto das nascentes. eleva-se de forma natural sem ajuda de bombas,
constituindo assim os chamados aquíferos. dos e de nascentes (Box 1 para definições). Infeliz- As nascentes são pontos de descarga natural jorrando acima da superfície do solo. Nem todo
mente, o número real de poços no país é desconhe- dos aquíferos que interceptam a superfície de um poço tubular é artesiano.
Elas são críticas para a segurança hídrica global, já cido. Apesar da obrigatoriedade por lei do registro terreno e que depois darão origem a corpos de
que nesses aquíferos encontram-se 97% das águas e/ou de autorização de extração (outorga) de água, água superficiais como rios ou lagos. No entanto, algumas companhias perfuradoras uti-
doces e líquidas do planeta, o que os torna o maior o número de captações regulares e legais é de pou- lizam de forma equivocada o termo poço artesiano
reservatório de água potável da humanidade. co mais de 1%, no caso dos poços tubulares. No caso dos poços, eles podem ser divididos como sinônimo para qualquer poço tubular perfu-
em duas categorias principais: i) poços tubulares, rado. Já o poço semiartesianos é aquele poço tu-
As águas subterrâneas são essenciais para a vida, A quantidade de água extraída ou o seu valor são popularmente chamados de artesianos ou semiar- bular com profundidades menores que 50-60 m.
não apenas por abastecerem as cidades e o cam- mascarados por essa condição de clandestinidade tesianos, e ii) poços escavados, que recebem diver- Poços tubulares podem atingir profundidades de
po e servirem de insumo para diversas atividades e qualquer estudo que busque identificar o papel do sos nomes segundo a região do Brasil. até 2.000 m.
econômicas, mas também por sustentarem vários recurso hídrico subterrâneo deve superar a falta de
sistemas aquáticos como rios, lagos, mangues e dados oficiais. Poço tubular: trata-se de uma perfuração realizada Poço escavado: perfurado e construído de forma
pântanos. Sem as águas subterrâneas, as flores- por meio de máquinas de forma vertical, cilíndrica, manual e revestido por bloco cerâmico, tijolo ou
tas em regiões de clima seco ou tropical não se Assim, este estudo apresenta a importância que o revestida com material em PVC aditivado ou em anel de concreto para retirada de água do aquífero.
manteriam em pé, tampouco os ambientes aquáti- recurso subterrâneo tem para o abastecimento pú- aço, em forma de tubos e filtros, para captar água
cos existiriam ou cumpririam as suas funções blico e privado no Brasil, seus valores econômicos, subterrânea de um aquífero. Em terrenos cristalinos Em média, esses poços possuem até 25 m de pro-
ambientais. o seu papel ecológico e da falta de saneamento na (rochas duras), o diâmetro costuma variar entre 4 e fundidade e diâmetro de um a dois metros. Esse tipo
degradação da qualidade dos aquíferos no país. 6 polegadas e em sedimentares entre 4 e 8 polega- de poço também é denominado de cacimba, poço
Ao contrário das águas superficiais, as águas das ou até 18 polegadas. raso, poço caipira, poço amazonas, poção etc.
subterrâneas não se revelam facilmente aos ol- A divulgação desses dados para a sociedade con-
hos, fato que compromete sua gestão: longe tribui para tornar o invisível, visível, e incentivar a
dos olhos, longe do coração. A natureza ve- proteção desse patrimônio hídrico e ambiental, que
lada desse recurso subterrâneo acoberta sua im- garante água para a subsistência, bem-estar huma-
portância social, ambiental e econômica, bem no, desenvolvimento socioeconômico e manuten-
como dificulta o diagnóstico sobre sua situação e ção de ecossistemas e seus serviços ambientais.
a consolidação de políticas públicas específicas.
O foco principal do estudo foram os poços
A percepção da sociedade sobre a existência desse tubulares, já que são as captações que extraem
recurso e de sua importância econômica e ambiental é os maiores volumes de água subterrânea para o
deficiente mesmo nos municípios ou setores desenvolvimento de atividades econômicas de
econômicos onde essas águas constituem a prin- qualquer localidade.
cipal fonte hídrica.

O desconhecimento sobre o seu papel e das ações


Figura B1-1. Nascente; Figura B1-2. Poços escavado Figura B1-3. Poço tubular
necessárias para a sua proteção torna os aquíferos (autora: Alexandra V. Suhogusoff) (autor: Antonio Pinhatti)
mais vulneráveis ao risco de contaminação ou ao
mal uso, o que pode acarretar sua superexplotação.

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2. A importância das águas
subterrâneas para a sociedade
brasileira

A água subterrânea é o recurso natural mais ex- abastecimento múltiplo (14%), no qual o destino da
traído do subsolo brasileiro. O total de água água é em grande parte diversificado para a presta-
bombeada, pelos mais de 2,5 milhões de poços ção de serviços urbanos.
tubulares1,supera os 17.580 Mm3/ano (557 m3/s)2,
ou seja, volume suficiente para abastecer a cada Alguns estados são mais dependentes desse
ano a população atual brasileira ou 10 regiões met- recurso, destacando-se São Paulo, Piauí, Ceará,
ropolitanas do porte de São Paulo, o equivalente a Rio Grande do Sul, Bahia e Paraná (Figura 2).
217 milhões de pessoas.
Já para o uso rural, o principal estado usuário de
Inúmeras atividades econômicas utilizam as águas águas subterrâneas é Minas Gerais, seguido de
subterrâneas para suprir suas necessidades pelo São Paulo, Bahia, Tocantins e Rio Grande do Sul
país (Figura 1), sendo o seu uso distribuído entre (Figura 3).
atendimento doméstico (30%), agropecuário (24%),
abastecimento público urbano (18%) e

4% Figura 2. Dependência dos estados brasileiros por água subterrânea para uso urbano segundo
24% a distribuição de poços tubulares (CPRM 2018).
30%

18%
10%
14%

Agricultura/Pecuária Abastecimento público urbano


Abastecimento múltiplo Abastecimento industrial
Abastecimento doméstico Outros (lazer,etc.)

Figura 1. Perfil de usuários de água subterrânea no país (CPRM 2018).

1 Dados de poços escavados e de nascentes são praticamente inexistentes. Por possuírem vazões baixas, essas captações não foram considera-
das nessa publicação, embora seu número seja bastante expressivo. Somente para a zona rural brasileira, o Censo Agropecuário do IBGE (2017)
reporta que há aproximadamente 3 milhões de captações por poços escavados e nascentes. Esses tipos de captações constituem a principal fon-
te de água em regiões periurbanas sem rede de água, em povoados nas montanhas e serras e pequenas propriedades rurais. O número de poços
tubulares foi baseado em projeções entre dados do Censo Agropecuário, que reporta que há pelo menos 1,03 milhão de propriedades rurais com
pelo menos um poço tubular, e a conjuntura apresentada no SIAGAS, que mostra que há mais poços nas cidades do que no campo (CPRM 2018).
2 O valor considera a soma entre 1,5 milhões de poços tubulares urbanos, de vazões médias de 4 m3/h, 6 horas de operação (24 m3/dia) por
12 meses de funcionamento e 1 milhão de poços tubulares rurais, de vazões médias de 4 m3/h, 6 horas de operação e 6 meses de
funcionamento, pois são usados para a irrigação preponderantemente. Figura 3. Dependência dos estados brasileiros por água subterrânea para uso rural segundo
a distribuição de poços tubulares (CPRM 2018).

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Se toda a água subterrânea extraída fosse oferecida BOX 2. O uso e a importância das Nos países europeus, a importância dos recursos As águas subterrâneas têm viabilizado o desen-
subterrâneos gerou a aprovação de uma diretiva volvimento de diversas atividades econômicas, haja
ao preço médio praticado pelos operadores do ser- águas subterrâneas pelo mundo
viço público de água, que é de R$ 3,36/m3 (SNIS europeia específica (Diretiva nº 2006/118/CE) na vista as seguintes vantagens:
2016), a receita total chegaria ao patamar de R$ 59 qual se reconhece que essas fontes hídricas repre-
A captação anual estimada de água subterrânea
bilhões por ano. Desse modo, é possível estimar sentam as massas de água doce mais sensíveis e (a) a água subterrânea possui excelente qualidade
no mundo, a partir de 2010, supera os 1.000.000
que esse é o valor anual da água subterrânea para importantes da União Europeia. Essa afirmação jus- natural, geralmente potável, permitindo seu uso
Mm3, o que a coloca na posição de substância com
a economia brasileira. Esse cálculo é uma simplifi- tifica-se pois 75% dos europeus são abastecidos direto com pouco ou nenhum tratamento na maioria
cação, pois nem toda água subterrânea é utilizada maior nível de extração no subsolo. As águas sub-
por aquíferos. O suprimento hídrico da Dinamarca e das captações;
para fins de abastecimento, bem como o seu preço terrâneas têm um papel fundamental em diversos
a Áustria é garantido, praticamente de forma exclu-
para os usuários agrícolas e industriais é mais baixo, países, estando presente no abastecimento das (b) o aquífero tem uma grande capacidade de ar-
siva, pelas águas subterrâneas.
ao passo que seu uso para fins de engarrafamento populações, irrigação e indústria (Tabela B2-1). mazenamento de água, tornando as vazões dos
representa valores consideravelmente superiores. poços estáveis, mesmo após longos períodos de
Tabela B2-1: As nações com as maiores extrações Elas também representam uma fonte importante no
anuais estimadas de águas subterrâneas para todos os estiagem;
abastecimento público e na irrigação para a Ale-
Esse tipo de estimativa pode ser defendido na me- usos (NGWA 2016, adaptado de Margat & van der Gun
2013, e dados próprios). manha, França, Itália e Espanha. A Ásia é o con-
dida em que o abastecimento é o principal usuário (c) desde que respeitados os cuidados e a legisla-
Extração de água subterrânea tinente que possui o maior número de grandes
e que quase toda a água extraída de poços tubula- ção sobre o tema, os poços podem ser perfurados
Vazão anual Uso Uso Uso usuários em termos de volumes, dentre os quais
res é potável e possui qualidade igual ou superior País estimada na doméstico industrial em quase toda parte, propiciando o abastecimento
àquela distribuída pelos prestadores dos serviços em 2010 irrigação e urbano (%) destacam-se Índia, China, Paquistão, Irã, Bangla-
(Mm3/ano) (%) (%) sem a necessidade de longas linhas de adução;
públicos de água. O cálculo realizado avalia ape- desh, Arábia Saudita, Indonésia, Turquia, Japão e
Índia 251.000 89 9 2 Tailândia. (d) a construção de captações pode ser escalonada
nas o papel do recurso como insumo, desconside- China 111.950 54 20 26
rando sua importância na prestação dos serviços Estados Unidos 111.700 71 23 6 no tempo. À medida que a demanda por água au-
Paquistão 64.820 94 6 0 No caso específico do Brasil, em 2015, somente os
ecossistêmicos. menta, pode-se perfurar mais poços, evitando-se
Irã 63.400 87 11 2
Bangladesh 30.210 86 13 1 usos legalizados extraíam 6.620 Mm3/ano de água grandes investimentos iniciais;
Da mesma forma, o total de 2,5 milhões de poços México 29.450 72 22 6 subterrânea. Contudo, os poços regulares são a mi-
Arábia Saudita 24.240 92 5 3
tubulares existentes no país tem acumulado um in- Brasil 17,580 noria; portanto esse número está muito abaixo da (e) o poço é uma obra simples e rápida e há várias
24 (*) 66 (**) 10
vestimento de R$ 75 bilhões , referente a serviços Indonésia 14.930 2 93 5
real explotação. Estima-se que o Brasil extraia em empresas perfuradoras detentoras de tecnologias
Turquia 13.220 60 32 8
de perfuração e instalação de revestimentos e Rússia 11.620 3 79 18 média 17.580 Mm3/ano, transformando-o em um modernas e adequadas. Um poço em terreno cris-
equipamento de bombeamento. Esse valor remon- Síria 11.290 90 5 5 talino pode ser finalizado em apenas uma semana e
Japão 10.940 23 29 48
usuário significativo de águas dentro do contexto
ta a cerca de 6,5 anos de todos os investimentos Tailândia 10.740 14 60 26 mundial (Tabela B2-1). poços em sedimentos, em até um mês;
anuais realizados no saneamento do país (SNIS 2016). Itália 10.400 67 23 10

O recurso hídrico subterrâneo é quase sempre a úni- (f) os poços apresentam baixo custo de operação
(*) somente agricultura e pecuária Percebe-se que as águas subterrâneas são utiliza-
ca opção de água potável no campo e nas periferias (**) inclui uma parcela do abastecimento rural doméstico, e manutenção, podendo funcionar de forma
saneamento em indústrias, e serviços urbanos. das por países com perfis socioeconômicos bas-
das cidades, que não dispõem de rede pública de autônoma, sem a necessidade de atenção contínua
tante distintos e seu uso prioritário varia, mas de
água. Além disso, a água subterrânea obtida através As águas subterrâneas são fundamentais nos cinco de um técnico.
forma geral a agricultura é o principal usuário.
da perfuração de poços particulares surge como continentes. Na América, além de Estados Unidos e A explotação das águas subterrâneas é influenciada Essas características têm implicado na perfuração
fonte alternativa ou complementar em resposta a
México, que são considerados grandes usuários, es- por características relacionadas ao tipo de atividade
falhas no abastecimento público ou ao seu menor de poços tubulares de forma crescente em todo o
ses recursos desempenham um papel importante no econômica, condições climáticas, demandas pelo
custo diante dos valores cobrados pela água forne- país, viabilizando inclusive aqueles negócios e em-
abastecimento público de países como Belize, Costa uso da água, presença de recursos hídricos su-
cida pelos operadores do serviço público. preendimentos distantes de rios ou da rede pública
Rica, Equador, Venezuela, Bolívia, Peru e Uruguai. No perficiais, características do aquífero, capacidade de água. Somente entre os anos de 2010 e 2015,
norte da África, países como a Argélia, Chade, Egito, tecnológica de perfuração, custo-benefício das
Diversos usuários, residenciais, de serviços ou houve um aumento de 9 vezes nas concessões de
Líbia, Marrocos e Sudão, também dependem desses várias fontes de água e a tradição pelo uso de uma
industriais preferem utilizar as águas subterrâneas outorgas no país (ANA 2016).
mesmo tendo disponibilidade de rede de água recursos não apenas para o abastecimento público ou outra fonte de água.
potável. Isso se justifica em vista da boa qualidade como também para a irrigação.
das águas subterrâneas, dos baixos custos de De forma geral, há uma grande dificuldade para
extração e da autonomia de se possuir uma fonte A Austrália tem a água subterrânea como fonte obtenção de dados confiáveis sobre a explotação
hídrica exclusiva (Box 2). prioritária nos vários usos, incluindo o abastecimento e sua distribuição entre os usuários, não apenas no
público. Brasil, mas no mundo.
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Riscos e cuidados a serem tomados Em suma, é recomendável a contratação de estudo O uso das águas subterrâneas sem ou em desa- O Censo Agropecuário do IBGE (2017) contabilizou
na perfuração de poços. técnico prévio para avaliar a viabilidade do recurso, cordo com os termos da outorga é considerado que 1,03 milhão de propriedades rurais possuem
seja do ponto de vista geológico, seja jurídico, bem infração administrativa prevista no artigo 49 da Lei pelo menos um poço tubular. Independentemente
O uso das águas subterrâneas não é isento de como incluir os custos administrativos. Federal nº 9.433/1997. Além disso, essa conduta das estimativas de poços existentes, apenas a mi-
riscos, dentre os quais citam-se: poderia ser enquadrada no crime do art. 60 da Lei noria dos usuários de águas subterrâneas encontra-
Em muitos casos, o custo da água subterrânea é
Federal nº 9.605/98. se em situação regular (pouco mais de 1% do total
(a) a não obtenção da vazão de água esperada em mascarado pela irregularidade ou ilegalidade do
dos 2,5 milhões de poços existentes).
vista da complexidade hidrogeológica do meio; poço (Box 3).
Por isso, antes de se perfurar um poço é importante
(b) problemas de qualidade da água pela contami- que o interessado consulte o órgão gestor de recur- Esse cenário é preocupante pois impede que
Ainda que de forma tímida, percebe-se que os
nação do poço por atividades existentes no entorno sos hídricos sobre as exigências necessárias para esses usos sejam contabilizados no balanço
órgãos ambientais, o Ministério Público e os presta-
(esgotos, deposição de resíduos sólidos, armaze- realizar o aproveitamento dessas águas. hídrico da bacia, o que pode gerar um quadro de
dores dos serviços de água têm buscado coibir o
namento de produtos e combustíveis etc.) ou por superexplotação e interferências nos volumes de
uso clandestino das águas subterrâneas, por meio
características naturais da rocha; Há um descompasso enorme entre o número de água extraídos pelos usuários de águas superficiais
da solicitação do fechamento de poços ilegais ou
poços reais, o cadastrado no SIAGAS da CPRM e e subterrâneas legalizados.
(c) diminuição da produção ou perda do poço impondo a regularização dos irregulares.
aquele dos efetivamente outorgados. No Relatório
devido à superexplotação do aquífero ou a interfer-
Conjuntura 2017, a ANA (2016) estimou a existência O maior número de outorgas válidas pertence ao
ências geradas no fluxo subterrâneo pela operação
de 1,2 milhão de poços; o SIAGAS tem o registro de setor de abastecimento urbano e rural, seguido pela
de poços próximos;
305.415, enquanto no ano de 2015 existiam ape- indústria (Figura B3-1). Contudo, ao se analisar o
BOX 3. A irregularidade, a nas 36.308 poços registrados com outorgas válidas
(d) impossibilidade da perfuração do poço pela consumo per capita dos usuários (relação de núme-
ilegalidade e o desconhecimento (ANA, 2016).
existência de restrições legais que podem levar ao ro de outorgas/vazão), o principal usuário é a agri-
das captações de água
seu fechamento. cultura (48,7 m3/h), seguido da indústria (20,9 m3/h)
subterrânea Deve-se alertar que o fato de um poço ter cadas- e do abastecimento (17,9 m3/h). Ou seja, propor-
O uso das águas subterrâneas está condicionado tro no SIAGAS não quer dizer que ele seja regular. cionalmente, os usuários da irrigação utilizam mais
Com exceção dos usos considerados isentos (art.
à obediência de diversas formalidades legais que O presente estudo estimou que o Brasil tenha mais água que os outros setores (ANA, 2016).
12, § 1º da Lei Federal nº 9.433/1997), a explotação
incluem: i) o registro do poço e a obtenção de au- de 2,5 milhões de poços tubulares.
das águas subterrâneas está sujeita à obtenção de
torizações no âmbito dos órgãos públicos (outorga
outorga de direitos de uso de recursos hídricos.
de direito de uso de recursos hídricos, declara-
ção de uso isento, licença de perfuração etc.); ii) a Número de outorgas de direito de uso das águas
Número de outorgas de direito de uso das águas
Número de outorgas de direito de uso das águas
Número de outorgas de direito de uso das águas Vazão total (m³/s) por tipo das outorgas de direito de uso
Vazão total (m³/s) por tipo das outorgas de direito de uso
Vazão total (m³/s) por tipo das outorgas de direito de u
Vazão total (m³/s) por tipo das outorgas de direito de uso
Esse instrumento constitui o ato administrativo que
possibilidade de cobrança pelo uso do recurso subterrâneas válidas em 2015
subterrâneas válidas em 2015
subterrâneas válidas em 2015
subterrâneas válidas em 2015 das águas subterrâneas em 2015
das águas subterrâneas em 2015
das águas subterrâneas em 2015
das águas subterrâneas em 2015
define os termos e as condições mediante as quais 4.187
4.187 4.187 4.187 9
hídrico, se esse instrumento estiver implantado na 9 9 9
o Poder Público permite, por prazo determinado, o 3.898
bacia; e iii) a necessidade de realizar monitoramen- 3.898
3.898 3.898
uso de recursos hídricos. 53
53
53 53
to da qualidade da água.

A inobservância das exigências legais pode gerar a As águas subterrâneas são bens de domínio 18.635 93
93
93 93
responsabilidade ambiental do usuário, implicando, estadual, portanto cabe aos órgãos e entidades 18.635
18.635 18.635
9.588
por exemplo, no pagamento de multas ou até no estaduais gestoras de recursos hídricos autorizar a
9.588
9.588 9.588
fechamento do poço. Por isso, antes de perfurar perfuração de poços e uso dos aquíferos. 56
Irrigação Outros Abastecimento urbano e rural Indústria Abastecimento urbano e rural Industria Irrigaçao Outros
um poço, deve-se verificar as condicionantes legais 56
56 56
Irrigação
Irrigação Outros Irrigação
Outros Abastecimento urbano e rural
Outros
Abastecimento urbano e rural Indústria
Abastecimento urbano e rural
Indústria Indústria Abastecimento urbano e rural Industria Irrigaçao
Irrigaçao
Abastecimento urbano e rural
Abastecimento urbano e rural Industria Outros Irrigaçao
Industria
Outros Outros
com o órgão responsável pela gestão de recursos No caso do Estado de São Paulo, nos usos isentos
hídricos estadual. de outorga, a legislação exige que o proprietário ca- Figura B3-1. Distribuição dos usos de águas subterrâneas nas outorgas no Brasil (ANA, 2016).

dastre seu poço no órgão competente, o qual certi-


fica o uso isento. Apesar da minoria dos usuários buscar a outorga nos últimos anos (2010-2015) em todos os
regularização de seus poços, percebe-se um in- setores e regiões brasileiras (Figura B3-2).
cremento considerável no número de pedidos de

10 11
3. A importância das águas
subterrâneas no abastecimento
público de cidades

Segundo a ANA (2010), 52% dos 5.570 mu- ao tamanho das cidades. As águas subterrâneas são
nicípios brasileiros são abastecidos to- a opção exclusiva para 48% dos municípios com
tal (36%) ou parcialmente (16%) por águas população menor que 10 mil habitantes e para 30%
subterrâneas (Figura 4). A explotação desse daqueles com 10 a 50 mil habitantes.
recurso hídrico é inversamente proporcional

Total  de  municípios  brasileiros   Municípios  <  10k  hab   10k  <=  Municípios  <  50k  hab  
45   30   12  
1%   1%   1%  

Figura B3-2. Evolução das concessões de outorgas no Brasil, por regiões administrativas (ANA, 2016). 747  
895   30%  
2028   37%  
36%  
2618  
47%  
O Sudeste concentra de forma absoluta a maior Nos estados do Centro-Oeste, Nordeste e Norte, 1185  
48%   1351  
parte das outorgas, tendo experimentado um chama a atenção o baixo número de outorgas 55%  
crescimento de 62% entre 2014-2015, especial- concedidas entre os anos de 2010 e 2011, o que 356  
335   14%  
mente em decorrência da crise hídrica (ANA, 2016). pode ser retrato do desinteresse pela legalização da 879  
16%   14%  
situação do poço ou ainda problemas relacionados
Esse dado demonstra que os usuários recorreram ao cadastro e transmissão das informações para
às águas subterrâneas em períodos de estiagem. a ANA. 50k  <=  Municípios  <  100k  hab   100k  <=  Municípios  <  500k  hab   Municípios  >  500k  hab  
2   1   1  
0%   0%   2%  

26  
69   10%  
20%  
17  
42%  

92  
73   34%   149  
206   23  
21%   56%  
59%   56%  

Água  Superficial   Abastecimento  Misto   Água  Subterrânea   Indeterminado  

Figura 4. Municípios brasileiros abastecidos por águas subterrâneas – total e


por intervalos de tamanho populacional (ANA 2010).

12 13
Os municípios menores são os mais vulneráveis menos preparados para o enfrentamento das novas Em termos populacionais, dos 172 milhões de Já a dependência por esse recurso subterrâneo é
socioeconomicamente, pois via de regra possuem realidades prenunciadas pelas mudanças climáti- brasileiros que têm acesso à rede pública de água, maior no estado de Roraima (75%), seguido por
as populações mais pobres e menor capacidade cas globais, particularmente aqueles situados nas somente 30,4 milhões (17,7%) são atendidos pelas Rio Grade do Norte (67%), Maranhão (63%) e Mato
técnica e financeira para superar os problemas regiões Nordeste e Norte do Brasil (Figura 5). águas subterrâneas, ao passo que os 141,6 milhões Grosso do Sul (58%) (Figura 7).
advindos da variabilidade hídrica, e portanto, estão restantes (82,3%) são servidos por fontes super-
ficiais. Essa proporção decorre do fato de que as Embora os dados oficiais (SNIS 2016) mostrem que
maiores cidades são prioritariamente supridas pelas em cidades maiores as águas superficiais são o re-
águas superficiais. Em municípios maiores que 500 curso mais utilizado, é necessário avaliar o papel
mil habitantes, somente 2% deles contam com as do abastecimento complementar de poços tubula-
águas subterrâneas para o abastecimento integral res privados nos centros urbanos. Um exemplo é a
de suas demandas. Em outros 56%, o abastecimento Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), onde
é misto (Figura 4), onde a contribuição do recurso 99% do abastecimento público é realizado por
subterrâneo está geralmente associada aos bairros água superficial (ANA 2010). Entretanto, em 2015,
mais distantes dos centros urbanos. estimou-se a existência de mais de 13 mil poços
tubulares privados, que no seu conjunto extraiam
Assim, o total de água extraída de aquíferos para mais de 11 m3/s, implicando em uma dependência
o abastecimento público em todo o país é de de 18% das águas subterrâneas e não apenas de
1.660 Mm3/ano ou 52,6 m3/s (Figura 6), ou seja, o 1% (Hirata et al. 2015, Bertolo et al. 2015) (Box 4).
equivalente para abastecer dois terços da
Região Metropolitana de SP. A participação no Em Recife (PE), oficialmente, o abastecimento hí-
abastecimento público de água é diferenciada em drico subterrâneo da cidade é inexistente, porém os
cada estado da federação. São Paulo, por exemplo, poços privados atendem a 25% da população (Hi-
é de longe o maior consumidor de águas subter- rata & Montenegro 2018). A importância desse re-
rânea em volume, extraindo 484 Mm3/ano, seguido curso revela-se ainda maior à medida que o sistema
por Minas Gerais, com 139 Mm3/ano, Paraná, com público de água não tem condições de substituir
132 Mm3/ano e Maranhão, com 110 Mm3/ano. essa produção privada. Esse tipo de dependência
pode ser observado em outras capitais ou cidades
Consumo de água subterrânea pela população atendida por rede de abastecimento por estado e no Brasil
de grande a médio porte no interior brasileiro.
10000

Figura 5. Distribuição dos municípios segundo o uso de água subterrânea, superficial e misto
e intervalo de tamanho populacional (ANA 2010).

Consumo de água (Mm3/ano)


1000

100

10

1
Brasil SP MG PR MA RN MS PA BA RS MT CE AM GO PI AL TO SC PE RR SE RO DF PB RJ AP AC ES

Figura 6. Consumo de água subterrânea pela população atendida por rede de abastecimento de água por
estados e no Brasil (dados ANA 2010, SNIS 2016, IBGE 2017).
14 15
Proporção entre consumo de água superficial e subterrânea por população atendida por rede de abastecimento por
Proporção entre consumo de água superficial e subterrânea por população atendida por rede de abastecimento por
estado e no Brasil
estado e no Brasil
O problema é mais preocupante, pois mais de 60% Além disso, pensando que a captação desse volume
100%
100%
dos poços tubulares existentes na BAT são irregu- de água é em grande parte convertida em esgotos
90% lares ou desconhecidos pelo órgão outorgante, o e estes já são absorvidos por redes já instaladas,
90%
Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE). seria uma grande oportunidade para as operadoras
80%

80%
de água e esgoto de incrementarem suas receitas
70% As águas subterrâneas são um recurso intensamente por serviços já prestados.
70% explotado nas áreas centrais da RMSP, mas estu- O valor do esgoto gerado pelas águas subterrâneas
60%
dos hidrogeológicos recentes mostram que o seu na BAT é de mais de R$ 1 bilhão/ano5.
60% 50% potencial poderia ser superior a 20 m3/s, desde
que os novos poços fossem perfurados em áreas Esse arranjo entre o setor público e os usuários
40%
50% afastadas das maiores densidades de captações privados poderia ser uma alternativa de otimização
30% (Bertolo et al. 2015). do suprimento de água em cidades. As companhias
40%
de água carecem de investimentos e têm limitações
20%
Poços tubulares privados podem ser importantes
30%
em garantir o seu abastecimento. Já o usuário ne-
aliados no abastecimento público, aumentando a
10% cessita de assistência técnica para perfurar bons
segurança hídrica das cidades, mesmo as de maior
20% poços e mantê-los adequadamente.
0%
RR RN MA MS PA TO PI AL AM MT RO PR CE AP SP SE Brasil GO MG BA AC RS PE SC PB DF ES RJ porte.
consumo de água subterrânea consumo de água superficial
10% Um programa governamental ou mesmo da com-
Figura 7. Proporção entre consumo de água superficial e subterrânea por população atendida por rede de O prestador do serviço público de água pode ser
panhia de água poderia garantir que o usuário
abastecimento público de água por estados e no Brasil (dados ANA 2010, SNIS 2016, IBGE 2017).
0% beneficiado pela presença desses poços, pois
RR RN MA MS PA TO PI AL AM MT RO PR CE AP SP SE Brasil GO MG BA AC RS PE SC PB DF ES RJ tivesse tal suporte técnico em troca da regulariza-
não necessita investir em obras de captação de
consumo de água subterrânea consumo de água superficial ção de seus poços e dos pagamentos corretos pela
BOX 4. O papel oculto das águas água para aumentar a oferta de água para esses
água aos órgãos dos sistemas estaduais de geren-
subterrâneas na segurança usuários. Somente na RMSP, o total dos poços tu-
ciamento de recursos hídricos e pelo serviço de es-
hídrica da Bacia Hidrográfica do bulares representa um investimento de aproximada-
goto, o que reduziria as perdas de faturamento dos
Alto Tietê (Região Metropolitana mente R$ 3904 milhões e, se toda a produção de 11
operadores dos serviços públicos de saneamento
de São Paulo). m3/s fosse dirigida ao abastecimento pessoal, tal
e permitiria o aumento dos investimentos na bacia
vazão poderia dar conta de 6 milhões de residentes.
hidrográfica.
O abastecimento e a coleta de esgoto público dos Assim, o papel e importância da água subterrânea
municípios da Região Metropolitana de São Paulo para a RMSP é muito maior do que as estatísticas O cenário ideal é aquele em que o governo aposte
Hoje a irregularidade, ilegalidade e o desconheci-
(RMSP) está a cargo prioritariamente da SABESP oficiais apresentam. Na recente crise hídrica, essa em esquemas de governança hídrica participativos,
mento dos poços causam evasões de centenas de
e subordinadamente de algumas empresas munici- dependência ascendeu a 25% do total de água pro- nos quais se estabeleçam relações de parcerias
milhões de reais anualmente em todo o país.
pais. A RMSP praticamente confunde-se geografi- duzida, devido à redução na produção das fontes
com os usuários de poços particulares.
camente com a Bacia Hidrográfica do Alto Tietê superficiais, sobretudo dos sistemas Cantareira e
(BAT). Mais de 61 m3/s (2018) de água são distribuí- Alto Tietê, combinada a uma forte corrida para a
A existência desses poços permite que esses
dos a uma população de mais de 21 milhões de perfuração de novos poços tubulares.
usuários não utilizem a rede pública principalmente
pessoas.
nos momentos de estiagem contribuindo para mini-
A relevância desse recurso ganha destaque diante
mizar a sobrecarga do sistema público.
A SABESP opera 69 poços tubulares, que represen- da atual estrutura do sistema público de produção
tam 1% do total do abastecimento público. de água, que não pode prescindir desses 11 m3/s,
Entretanto, há mais de 13 mil poços tubulares priva- já que tem operado próximo ao seu limite. A perda
dos (Figura B4-1), os quais extraem um total de 11 dessa vazão de água subterrânea significaria sérios
m3/s. Como a maior parte dessa água complemen- riscos ao abastecimento público.
ta o abastecimento público, é possível afirmar que
4O valor considera 13 mil poços da RMSP com um custo individual de R$ 30 mil.
a dependência da RMSP pelo recurso subterrâneo 5O valor considera a cobrança de R$ 3,91/m3 de esgoto (tarifa até 20 m3/mês da SABESP, 2018) para um volume total de 8,8 m3/s
é superior a 18%. (80% do consumo de água)
16 17
4. O papel das águas
subterrâneas para a
sustentabilidade dos
ecossistemas

As águas subterrâneas são parte integral do ciclo Quando, por algum motivo climático, geológico
hidrológico. As águas no interior de um aquífero ou de interferência antrópica, essa descarga não
fluem de forma lenta, desde a zona de recarga, onde ocorre, o corpo de água superficial seca.
geralmente infiltram-se as precipitações atmosféri-
cas, até a zona de descarga, onde as águas sub- A perenidade desses corpos superficiais não ape-
terrâneas vertem diretamente em corpos de água nas contribui para o fluxo de água em si, como tam-
superficial, como rios, lagos, pântanos e o mar. bém é necessária para manter a vida aquática e a
vegetação de margem, para ajudar no transporte
A descarga das águas dos aquíferos para um corpo de sedimentos ao longo de seus canais e para pro-
superficial é seguramente a mais importante fun- mover a diluição de esgotos e resíduos lançados
ção ecológica que desempenham as águas subter- impropriamente no seu curso, além de propiciar
râneas (Figura 8). beleza cênica.

Durante a estiagem, os rios, pântanos, mangues


e lagos não recebem águas das chuvas e a sua
perenidade é assegurada pelo fluxo de base, ou
seja, pela descarga de água advinda dos aquíferos.

Figura B4-1. Distribuição de poços tubulares na Bacia do Alto Tietê (Servmar & FABHAT 2012, Conicelli 2014).

Tratar Plumas Contaminantes


Em Aquíferos
Manter Ecossistemas pela
Outro número que esconde a relevância das águas abastecimento de pequenas cidades, entretan- Alimentar Árvores
Descarga Submarina

subterrâneas é a proporção da população não to, mesmo para localidades que possuem rede
assistida pela rede de abastecimento público. pública, a presença de um grande número de Manter Pântanos Irrigar Plantações Manter Mangues
Em Períodos Secos Perenizar Rios e Lagos
Abastecer de Água
No país, cerca de 35 milhões de pessoas não têm poços privados atenua significativamente os sérios Cidades e Campo
( Fluxo de Base)
Controlar a Intrusão
Salina de Aquíferos
em suas casas água encanada (SNIS, 2016). problemas de oferta hídrica, evitando assim um
colapso no abastecimento urbano.
Como saída, grande parte dos domicílios recorrem Oceano
Água Água
Aquífero
aos poços escavados e tubulares ou às aduções de As pessoas não assistidas pelos operadores do ser- Doce Salgada
água de nascente para suprir suas necessidades viço público de águas e esgotos, somadas àquelas Aquitarde Água
Água
Aquífero Confinado Doce Salgada
hídricas e de saneamento. Desse modo, as águas que contam com água encanada e que utilizam a
subterrâneas vêm atendendo às populações social- água subterrânea por poços privados em centros • Beleza Cênica, • Vegetação de • Irrigação e • Abastecimento • Remediação • Beleza Cênica, • Vida Aquática • Água Doce • Ecossistemas
Vida Aquática e Grande Porte e Dessedentarização de Cidades, Serviços Natural Vida Aquática e Vegetal e Continental Marinhos
Terrestre e Irrigação do Solo Animal e Indústria de Aquíferos Biodiversidade Animal, Controle Subterrânea
mente mais vulneráveis e pobres no país. urbanos, resultam em um número de usuários de
Serviços das Águas Subterrâneas

Biodiversidade e Vegetação de Sedimentos


•Abastecimento Ribeirinha, ao Mar
água subterrânea muito maior que o reportado nas Rural Transporte de
Sedimentos,
As águas subterrâneas são fundamentais para o estatísticas oficiais. Diluição de
Efluentes e
Geração
de Energia

Figura 8. Serviços desempenhados pelas águas subterrâneas e aquíferos.

18 19
Geralmente em áreas tropicais, o fluxo de base 5. A perigosa ligação entre a as advindas de estocagem de produtos perigosos,

representa 30-40% do total de vazão de um rio. qualidade das águas subterrâneas deposição de resíduos sólidos ou lançamento de

Na estiagem, a água do rio pode provir quase que e a falta de saneamento básico efluentes industriais.

inteiramente do fluxo de base, mesmo em rios à população


de grande porte como o São Francisco. Em um A falta de redes de esgotamento sanitário e/ou as

estudo recente, calculou-se que a contribuição As águas subterrâneas apresentam geralmente precárias condições das redes existentes devido a

subterrânea no fluxo total do rio na região de des- excelente qualidade natural e, na maior parte das falhas de projeto e manutenção correspondem às

carga do Aquífero Urucuia era superior a 80% du- vezes, dispensa-se o tratamento pós-extração, fontes de degradação de aquíferos ambientalmente

rante os períodos de seca (ANA 2018). como é comum às águas de rios, lagos e açudes. mais preocupantes, responsáveis pelos maiores ca-
sos de contaminação em volume e área no Brasil

A existência do lençol freático garante também que Um exemplo disso é a água mineral, que é natu- (Hirata et al. 2015) (Box 5).

plantas de porte, como árvores, obtenham água ralmente potável e corresponde a um tipo de água
durante o período de estiagem, quando o solo subterrânea, porém nem toda a água subterrânea Box 5. A falta de saneamento e
não recebe chuvas. Outro papel crucial da água possui as características necessárias para ser con- a contaminação de aquíferos
subterrânea é a sua descarga ao mar. O fluxo de siderada mineral. urbanos brasileiros – os casos
águas subterrâneas impede o ingresso da água sal- de Natal (RN) e Urânia (SP)
gada marinha no continente e, consequentemente, Os problemas de qualidade natural das águas
a não salinização de aquíferos costeiros, além de subterrâneas relacionam-se aos elementos quími- A falta de saneamento em cidades é uma das Há clara relação entre as maiores concentrações
atuar na regulação da salinidade de mangues. Em cos que são incorporados à água vindos do in- principais causas de contaminação de aquíferos, desse contaminante nas áreas onde historicamente
algumas situações, as descargas dos aquíferos no temperismo e dissolução de minerais nas rochas. como atestam as extensas plumas de nitrato sob não há rede de esgoto. O tratamento das águas
fundo oceânico sustentam comunidades ecológi- Geralmente os mais comuns estão relacionados ao as áreas urbanas. Há relatos bem documentados com nitrato é caro, o que obriga o operador do ser-
cas específicas que vivem em ambientes de mistura ferro, manganês e dureza e mais raramente ao flúor, que mostram a contaminação de aquíferos sob viço de saneamento a diluir essas águas com outras
de água doce e água salgada. cromo, bário e arsênio (Hirata et al. 2006, Bertolo et cidades (Varnier et al. 2018), mas talvez uma das não contaminadas, sobretudo aquelas vindas dos

al. 2007). mais emblemáticas seja a Região Metropolitana de açudes. É certo que há necessidade de se estender
Os aquíferos também possuem potencial para diluir Natal (RMN, RN). Nessa região, a degradação pela a rede pública de esgoto para toda a cidade, en-
e degradar compostos contaminantes que acabam Com a forte urbanização e a intensificação das falta de esgoto tem limitado o uso das águas tretanto tal medida resultaria em aquíferos limpos
se infiltrando no solo. A zona de solo e o próprio atividades antrópicas, sobretudo após os anos subterrâneas para o abastecimento público. A RMN somente depois de algumas décadas, devido à
aquífero constituem grandes reatores biogeoquími- 1960, têm sido crescentes os relatos de contamina- tem uma população de 1,2 milhão de pessoas dis- reduzida velocidade das águas subterrâneas e ao
cos com capacidade de tratar os contaminantes, ção de aquíferos e das águas subterrâneas. tribuída em 9 municípios. ambiente oxidante do aquífero, que preserva o con-
mas o aquífero propriamente dito pode diluir taminante. Outra medida importante é que a instala-
grandes plumas de contaminantes dissolvidos. A CETESB (2018) registra, por exemplo, quase 6 mil A companhia estadual de águas (CAERN) abastece ção de redes de esgoto preceda a ocupação urbana

áreas declaradas contaminadas no Estado de São 95% da população, mas apenas 35% são beneficia- nos novos bairros.
Assim, o papel das águas subterrâneas vai muito Paulo, embora acredita-se que o número seja 10 das por rede de esgoto. O abastecimento é majori-

além do abastecimento de água às populações ou vezes maior. tariamente subterrâneo baseado em mais de 1.500 Embora redes de esgoto sejam a medida de en-
mesmo da produção de bens e serviços. A relação poços tubulares, suplementado por águas oriundas genharia mais eficiente para reduzir o impacto dos
água superficial e subterrânea e os sistemas eco- Tal percepção é baseada nos históricos de contami- das lagoas de Extremoz e Jiqui, ambas conectadas efluentes urbanos em aquíferos, a mera existência
logicamente dependentes dos recursos hídricos nação em outros países e já reportados por autores e perenizadas pelas descargas de aquíferos. de tais redes não garante a integridade do aquífe-
são pouco aparentes, mas não menos importantes, como Hirata et al. (2015) e Barbosa et al. (2017). ro. Estudos em cidades paulistas, conduzidos pelo
e a não existência das águas subterrâneas faria Essas contaminações são associadas a atividades A poluição por nitrato atinge 70% e 60% dos poços CEPAS|USP, mostram que o vazamento da rede
com que o planeta fosse muito mais seco e menos pontuais, responsáveis pela degradação de áreas da CAERN no norte e sul de Natal, respectivamente, pública urbana é capaz de gerar e manter extensas
diverso biologicamente. de algumas centenas de metros quadrados, como e tornam a água não potável (Figura B5-1). plumas contaminantes em concentrações que su-
peram os limites de potabilidade.

20 21
Urânia é uma cidade de pouco mais de 9 mil habi- cidade carecia de rede esgoto, seguida pela área No país, 39% de todo o esgoto gerado não é cole- resenta aproximadamente 3.785 Mm3 (Figura 9),
tantes no interior de São Paulo e que em sua parte onde a rede era mais antiga. Estudos em Presidente tado: 12% é destinado para sistemas individuais de dos quais 99% infiltram-se nos subsolos anual-
central conta com uma rede de esgoto construída Prudente mostraram igualmente uma relação entre tratamento in situ e 27% não é coletado, tampouco mente, ou seja, 3.747 Mm3/ano.
nos anos 70. Entretanto, estudos hidrogeoquímicos o tempo de vida da rede de esgoto, a densidade tratado. Ademais, apenas 44% do total de esgoto é
mostraram que a pluma contaminante está pre- populacional e as maiores concentrações de nitrato coletado e tratado e17% embora coletado é despe- Fossas sépticas, mesmo as corretamente construí-
sente extensivamente no aquífero, sobretudo até no aquífero freático sob a cidade. As áreas em que jado posteriormente em corpos hídricos superficiais das, contaminam as águas subterrâneas com nu-
60 m de profundidade (Figura B5-2). A área mais a rede de esgoto foi instalada antes de 1990 tinham (Figura 9). trientes, em especial o nitrogênio (Robertson et al.
afetada pela contaminação encontra-se onde a os poços mais contaminados. Na ausência de redes coletoras, o destino da maior 1991), cuja degradação muitas vezes não é atingida
parte do esgoto é o lançamento no solo, através de devido à capacidade de atenuação limitada dos
fossas negras e sumidouros (99%), e apenas 1% é aquíferos. As grandes plumas de contaminação de
lançado em cursos de água superficial (IBGE, 2008). nitrato sob cidades sem rede de esgoto é conse-
O volume anual relativo à parcela não coletada rep- quência desse problema.

Figura B5-1. Contaminação das águas subterrâneas por nitrato originado do esgoto urbano
de Natal (RN) (Hirata et al. 2015).
Figura 9. Destinação do esgoto urbano no Brasil e nos estados (dados ANA 2017).

Há nítida correlação entre a densidade de sistemas Embora a instalação de redes de esgoto seja a ma-
de saneamento in situ, como fossas sépticas e ne- neira mais eficiente e comum para se evitar a con-
gras, e as maiores concentrações de nitrato e clo- taminação de aquíferos urbanos, sua simples pre-
reto em aquíferos (Foster & Hirata 1988, Suhogusoff sença não é suficiente para assegurar a proteção
et al. 2013). Em áreas de alta densidade populacio- desses reservatórios. Os materiais empregados na
nal, como em favelas e assentamentos, o problema construção dessas redes antes da década de 1990,
é mais notável e preocupante, pois a falta de água compostos predominantemente por cerâmica, con-
encanada impele os habitantes a recorrerem às creto ou ferro, encontram-se em franca deterioração
águas subterrâneas através de poços escavados, e volumes expressivos de esgoto acabam vazando,
que costumam ser contaminados pelas próprias causando a contaminação dos aquíferos. Estima-se
fossas negras e sépticas instaladas em suas cer- que o vazamento deva ser superior a 10% do total
canias. de esgoto coletado, causando a infiltração de 582
São numerosos os casos reportados e documen- Mm3/ano de efluente urbano.
tados de contaminação de aquíferos em áreas sem
rede de esgoto no exterior (Foster et al. 2002) e no A contaminação de aquíferos gerada pela falta de
Figura B5-2. Contaminação de nitrato no Aquífero Adamantina em Urânia (SP) e a relação Brasil (Suhogusoff et al. 2013, Hirata et al. 2015, manutenção da rede de esgoto urbano é corroborada
com vazamento de antigas redes de esgoto (Hirata et al. 2015).
Varnier et al. 2017). por vários estudos no Estado de São Paulo, sobretu-

22 23
do aqueles conduzidos pelo CEPAS|USP (Centro de Assim, estima-se que a cada ano o subsolo do 6. As águas subterrâneas como
Pesquisas de Águas Subterrâneas da Universidade país receba uma carga total de esgoto de 4.329 alternativa para enfrentar os
de São Paulo) nas cidades de Marília, São José do Mm3/ano, que corresponde à soma entre o esgoto efeitos das mudanças climáticas
Rio Preto, São Paulo, Bauru, Urânia, Andradina e gerado pela falta de rede coletora (3.747 Mm3/ano) globais e o atendimento da região
Presidente Prudente (Hirata et al. 2015, Varnier et e aquele proveniente do vazamento da própria rede, semiárida
al. 2018) e também em várias capitais no Norte e desprovida de manutenção (582 Mm3/ano).
Nordeste do país, incluindo Belém, Fortaleza, Natal, Esse volume é equivalente ao enchimento de As mudanças climáticas globais (MCG) referem- fortes e intensas durante o período úmido e chuvas
Recife (Hirata et al. 2015). aproximadamente 1,8 milhão de piscinas olímpicas se a alterações significativas no regime de chuvas, reduzidas e irregulares espacialmente nos períodos
por ano (ou quase 5 mil piscinas/dia). temperatura, evaporação e umidade em relação aos secos.
A diversidade de usos e ocupação do território valores históricos de uma região. As causas des-
somada à geologia dessas cidades permitem A lição aprendida dos vários casos de contami- sas mudanças estão associadas ao aquecimento Períodos longos e anômalos de estiagem vêm
conjecturar que o problema de contaminação de nação de aquíferos urbanos pelo esgoto sanitário que o planeta vem experimentando como resultado ocorrendo pelo país e também têm sido atribuídos
aquíferos urbanos pelo vazamento de esgotos das é que qualquer urbanização deveria ser precedida das crescentes emissões de gases de efeito estufa às MCG pelos cientistas. Recentemente, entre os
redes coletoras pode estar ocorrendo em pratica- pela instalação de uma rede de esgoto, construída oriundos de atividades antrópicas (IPCC 2018) anos de 2013 e 2017, o país foi acometido por perío-
mente todas as cidades brasileiras onde a instala- com materiais modernos, como plásticos resis- sobretudo nas últimas três décadas. dos de seca prolongados e atípicos, o que afetou
ção precedeu a década de 1990. tentes e com juntas adequadas e duráveis, e regu- boa parte do seu território, traduzindo-se em uma
larmente mantida. No Brasil, os efeitos observados têm correspondido crise hídrica intensa que atingiu 2.706 municípios
Estudos desenvolvidos em aquíferos sob cidades ao aumento dos extremos climáticos, com chuvas (IBGE 2017) (Figura 10).
providas de redes de esgoto têm mostrado que os Nas áreas antigas da cidade, a troca da rede de
casos de contaminação são mais pronunciados nas esgoto deve ser prioritária, sob pena de se perder
seguintes condições: o aquífero urbano devido à sua contaminação.

(a) em áreas de maior densidade populacional, pois Embora essa seja uma solução de engenharia indis-
com a geração de mais esgoto, há mais vazamento pensável, cabe ressaltar que uma vez eliminada a
e este atinge o aquífero em maiores quantidades; fonte de contaminação, algumas décadas serão ne-
cessárias para que o aquífero faça sua autodepura-
(b) em áreas de redes de esgoto mais antigas, pois ção, se nenhuma intervenção humana for realizada.
tais redes apresentam taxas de vazamento maiores
em situações onde as tubulações foram instaladas
antes de 1990. O vazamento ocorre porque além da
falta de manutenção, os materiais do passado são
tecnologicamente menos resistentes à corrosão e
aos impactos mecânicos causados pela acomoda-
ção dos solos e pela própria variação de fluxo do
efluente;

(c) em regiões mais rasas do aquífero, mostran-


do que as concentrações de contaminantes vão
diminuindo com a profundidade.

Figura 10. Municípios brasileiros que sofreram crise hídrica no período de 2013-2017, segundo o
abastecimento preponderante (dados ANA 2010, IBGE 2017).

24 25
Contrapondo os resultados dos municípios que de- por água subterrânea (36%) foram menos im- BOX 6. O Programa Água Doce e o abastecimento de populações
clararam situação de crise hídrica com a(s) fonte(s) pactadas pela longa estiagem de 2013-2017 que rurais no Semiárido brasileiro
de abastecimento de água utilizada(s), observa- aquelas abastecidas exclusivamente pelas águas
se que as cidades abastecidas exclusivamente superficiais (47%) (Tabela 1).
O semiárido brasileiro ocupa 969,6 mil km2 (11% em convênio com os estados e municípios.
Tabela 1. Municípios brasileiros que sofreram a crise hídrica (2013-2017) em função do tipo de
do território) distribuídos em 9 estados, abarcando O PAD é uma iniciativa para prover de água potável
manancial predominante (dados IBGE 2017).
1.133 municípios. Nessa região, vivem mais de 21 as comunidades mais pobres do semiárido.
Não passou por crise Passou por crise Não Soube Informar Total
Manancial % (Nº de municípios) % (Nº de municípios) % (Nº de municípios) % (Nº de municípios)
milhões de pessoas, das quais 9 milhões em área rural.
Ele se aproveita de poços tubulares já perfurados e
Superficial 18,7 (1.044) 27,3 (1.518) 1,0 (57) 47 (2.619) As dificuldades do abastecimento da população e que muitas vezes estão abandonados pela alta
Subterrâneo 20,1 (1.122) 15,1 (840) 1,2 (66) 36 (2.028) da atividade agropecuária estão mais associadas salinidade de suas águas. O tratamento da água
Misto 9,3 (520) 5,9 (329) 0,5 (30) 16 (879) às irregularidades de chuvas do que propriamente se faz com um dessalinizador de osmose reversa
Indeterminado 0,43 (24) 0,34 (19) 0,02 (1) 1 (44) às baixas taxas de pluviometria, que é em média de dedicado para cada poço.
Total 48,7 (2.710) 48,6 (2.706) 2,8 (154) 100 (5.570) 500 mm/ano. A região também é caracterizada pelo
elevado nível de pobreza e reduzidos investimentos O PAD já diagnosticou 3.145 comunidades, em
em infraestrutura, o que agrava e limita as ações de 298 municípios, e contratou mais de 700 sistemas
Dos 5.570 municípios brasileiros, 48,6% (2.706) seja, que incluem o uso e a distribuição de águas superação dos problemas decorrentes das longas de dessalinização, com 530 obras concluídas (até
passaram por crise hídrica. Desses, 56% (1.518) superficiais e subterrâneas. Durante os períodos de estiagens. 2018), em 170 municípios no país.
usavam água superficial e apenas 31% (840) água cheia, a extração de água superficial poderia ser
subterrânea. Isso demonstra como os sistemas de intensificada, enquanto na estiagem a água No semiárido, não há rios perenes e a construção Esse programa tem se mostrado mais que um siste-
abastecimento que utilizam águas subterrâneas são subterrânea poderia ser a opção principal. Em um de açudes foi a forma de reservar a água super- ma de dessalinização de água subterrânea para o
mais resilientes em longos períodos de estiagem. outro arranjo, o excesso de água superficial trata- ficial, ainda que esse sistema tenha eficiência abastecimento de populações rurais, já que além
da poderia ser usado para recarregar os aquíferos, limitada, dada sua grande vulnerabilidade à evapo- de fornecer água, contribui para o desenvolvimento
A maior resiliência dos municípios por águas sub- de forma a restituir a perda do armazenamento da ração. Milhares de poços tubulares têm sido per- regional.
terrâneas está associada aos volumes significativos última estiagem por meio de sistemas de recarga furados na região, pois as águas subterrâneas são
de água armazenada naturalmente em aquíferos, artificial. a única fonte hídrica para muitas comunidades. O PAD incorporou ações que incentivam a produção,
que podem sustentar longas e contínuas extrações tais como a adaptação e a criação de peixes nas
de água mesmo na ausência de recarga através das Situações críticas de abastecimento de água têm Entretanto, a falta de estudos e conhecimento águas salgadas geradas no sistema de osmose
chuvas. sido amenizadas em regiões sujeitas a longos da dinâmica de água nos aquíferos fraturados reversa ou a irrigação de plantas com esses efluen-
períodos secos como o semiárido brasileiro, onde complexos vêm limitando o sucesso dos poços tes em uma agricultura biossalina.
Dessa forma, as cidades e o campo poderiam es- o esvaziamento de açudes vem sendo contor- perfurados.
tar mais preparados para o enfrentamento de estia- nado com a implementação de várias ações de O PAD também permitiu a organização da comu-
gens caso a oferta de água fosse mais diversificada fornecimento alternativo de águas, incluindo Ademais, devido à grande evaporação das águas, nidade local, pois o gerenciamento da planta des-
e as águas subterrâneas fossem incorporadas de principalmente o uso da água subterrânea. muitos poços apresentam águas com elevado teor salinizadora é feita pelos moradores, que de forma
forma integrada ao sistema de distribuição dos salino. Há aquíferos sedimentares caracterizados coletiva decidem pelo manejo do sistema.
empreendimentos. O estado Ceará, por exemplo, perfurou mais de 3 por médias a altas vazões e boa qualidade das
mil poços nos últimos três anos exclusivamente águas, que, todavia, estão restritos em área. Mais recentemente, a participação dos agentes
Os aquíferos podem regularizar as ofertas de água para o abastecimento das populações das cidades de saúde e os educadores locais foi incluída ao
de fontes mais vulneráveis à estiagem, como as e da zona rural, em resposta aos 7 anos de seca Esse quadro de grande vulnerabilidade social e programa, de forma a estender os seus benefícios
provenientes de rios, açudes e lagos. Assim, um que tem atingido a região (Teixeira 2018) (Box 6). climática fez com que em 2004 fosse lançado o à educação de jovens e à prevenção de doenças.
empreendimento hidrologicamente mais seguro Programa Água Doce (PAD) pelo governo federal,
poderia se beneficiar de estratégias integrativas, ou

26 27
7. Conclusões 8. Recomendações

As águas subterrâneas são responsáveis por uma Importante notar que o uso das águas subterrâneas A importância inequívoca das águas subterrâneas (c) Criar ações que incluam os prestadores de ser-
revolução no Brasil. Longe das estatísticas oficiais deve ser condicionado ao acompanhamento de para a sociedade brasileira e para a manutenção do viços públicos de saneamento como parceiros de
de saneamento, de forma paulatina e silenciosa, as conhecimento técnico e à obediência de diversas meio ambiente aquático e de florestas e a pouca órgãos de governo e comitês de bacia na execução
cidades e o campo têm recorrido a esse recurso formalidades legais, que incluem o registro do poço visibilidade que esse recurso representa para a so- de políticas públicas para a gestão das águas sub-
para suprir as suas necessidades de água, tornar e a obtenção da outorga, a possibilidade de co- ciedade requerem que ações para a sua proteção terrâneas, por meio de planos de monitoramento e
possível os seus negócios e melhorar a qualidade brança do uso do recurso hídrico e a necessidade sejam tomadas tendo por base os seguintes pilares: fiscalização conjuntos.
de vida da população. As águas subterrâneas são de se realizar o monitoramento da qualidade da
geralmente mais baratas e mais acessíveis que água extraída. i) comunicação com vistas à conscientização da (d) Criar programas de identificação de áreas críti-
as águas superficiais para os pequenos e médios sociedade e do governo sobre o real papel social cas do recurso hídrico subterrâneo, ou seja, onde
usuários. Por estarem em quase todas as partes, A inobservância das exigências legais pode gerar a e ambiental e valor econômico das águas subter- os aquíferos apresentam maior perigo de contami-
permitem que o seu uso não necessite de longas e responsabilidade ambiental do usuário, implicando, râneas; nação e de superexplotação, como forma de orien-
caras adutoras. por exemplo, no pagamento de multas ou até no ii) fortalecimento dos órgãos de controle e gestão tar as políticas de proteção das águas subterrâneas.
fechamento do poço. Por isso, antes de se perfurar dos recursos hídricos, sobretudo aqueles associa-
Como os aquíferos encontram-se sob a superfície, um poço, o interessado em explotar água subter- dos à fiscalização e disciplinamento do uso das (e) Planejar e ampliar a implantação de redes de es-
longe dos olhos, esse recurso é ignorado pela so- rânea deve verificar as condicionantes legais com o águas; goto e estações de tratamento dando prioridade a
ciedade e governantes, o que prejudica sua gestão órgão responsável pela gestão de recursos hídricos iii) ampliação da cobertura de coleta e tratamento novas áreas de ocupação humana em detrimento
e controle social. Mais de 88% dos poços tubulares estadual. de esgotos; e às áreas de ocupação urbana mais antigas, onde
são desconhecidos, ou seja, não estão em nenhum iv) criação de programas permanentes de proteção o aquífero já se encontra contaminado. Nas áreas
cadastro oficial dos órgãos gestores, que têm a Em suma, o não reconhecimento da importância das águas subterrâneas, baseados em pesquisa e antigas, as companhias de saneamento deveriam
responsabilidade do controle do acesso e uso do das águas subterrâneas em vista do caráter oculto estudos técnicos. implementar programas sistemáticos de reparação
recurso. Essa estatística mascara ainda mais a im- desse recurso faz com que sua gestão seja limitada e substituição das antigas tubulações por materiais
portância das águas subterrâneas implicando em e marcada por graves deficiências. Sendo assim, são recomendações necessárias: mais resistentes ao tempo.
prejuízos sociais, ambientais e econômicos para a
sociedade brasileira. Além dos riscos de retirada de água além das ca- (a) Promover mudanças nas políticas públicas que (f) Trazer o tema águas subterrâneas e o recurso hí-
pacidades do aquífero, há também problemas de culminem na evolução de práticas de gestão in- drico subterrâneo para a formação acadêmica de
Estrategicamente, tem-se que analisar o recurso hí- degradação da qualidade. Nesse quesito, um dos tegrada de recursos hídricos, como preconizada profissionais universitários e técnicos por meio da
drico subterrâneo sob duas perspectivas. A primei- maiores impactos é aquele advindo da falta de es- pela Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº inclusão de novos cursos, com uma abordagem
ra envolve a grande capacidade de armazenamento gotamento sanitário ou da insuficiente manutenção 9.433/1997), abrangendo as áreas de saneamento moderna da gestão urbana e de meio ambiente.
dos aquíferos, o que permite garantir e regularizar o de redes já existentes. Cerca de 4.329 Mm3/ano de e águas subterrâneas e o planejamento territorial e Ademais, que as universidades e centros de pes-
abastecimento de cidades e a irrigação, mesmo em esgotos são injetados nos aquíferos, contaminan- das atividades econômicas e o meio ambiente. quisa promovam a capacitação e atualização pro-
longos períodos de estiagem, fenômeno que tende do-os e restringindo a disponibilidade hídrica sub- fissional de técnicos atuantes no setor, tanto do
a se agravar diante das mudanças climáticas globais. terrânea para as populações. (b) Ampliar a execução de estudos hidrogeológi- lado dos contratantes como dos ofertantes de ser-
cos, com o objetivo de identificar oportunidades de viços voltados às águas, para ganhar celeridade na
A segunda manifesta-se pelo fato de que as águas O desconhecimento gera a falta de ação e, portan- explotação sustentável dos recursos hídricos sub- evolução das políticas públicas no país.
subterrâneas já são imprescindíveis no contexto hí- to, é necessário tornar o recurso hídrico subterrâ- terrâneos para ampliação da oferta de água para a
drico atual. Elas fazem parte do abastecimento ur- neo mais visível para a sua boa gestão. Conhecer sociedade e de aumentar a resiliência do abastec- (g) Criar programas permanentes de comunica-
bano de 52% das cidades brasileiras e os seus 2,5 para proteger. imento por meio do uso conjuntivo das águas sub- ção para orientação e conscientização do público
milhões de poços, a maioria privados, extraem mais terrâneas e superficiais, atrelando a investimentos usuário das águas subterrâneas, sobre as neces-
de 17.580 Mm3/ano (557 m3/s), ou o suficiente para relacionados à pesquisa e ao monitoramento do sidades de regularização dos poços e de estudos
abastecer toda a população do país. recurso. técnicos prévios à perfuração de poços e sobre os
impactos da perfuração e extração das águas.

28 29
9. Referências bibliográficas e
sugestões de leitura
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30 31
GLOSSÁRIO
Abastecimento de água (sistema): conjunto de Formação geológica: unidade mapeável confor- tivo ato, consideradas as legislações específicas Recarga natural - infiltração natural de água nos
obras, estruturas hidráulicas e serviços necessários mada por rochas que apresentam características vigentes. aquíferos, sem intervenção antrópica, ou facilitação
para assegurar distribuição de água adequada aos geológicas comuns, que a distingue de outras ao por práticas conservacionistas, e compreende uma
diversos usos. seu redor, incluindo composição, ambiente de Pluma de contaminação: dispersão dos poluentes variável do ciclo hidrológico.
formação etc. dissolvidos provenientes de uma fonte pontual de
Água potável: água apropriada para o consu- contaminação. Essa expansão é influenciada pelo Recarga artificial - introdução não natural de água
mo humano, cujos parâmetros microbiológicos, Fossas negra ou rudimentar: cavidade construída fluxo da água subterrânea (gradiente hidráulico, ve- em um aquífero, por intervenção antrópica plane-
físicos, químicos e radioativos atendam ao padrão no solo que recebe esgotos, podendo ou não atin- locidade, tipo de recarga), pela permeabilidade do jada, por meio da construção de estruturas projeta-
de potabilidade e que não ofereça riscos à saúde. gir aquífero freático. É sanitariamente condenável. solo e pela natureza e volume dos contaminantes. das para esse fim.
Os padrões de potabilidade são definidos pela Outro termo empregado é sumidouro, mas este ger-
Portaria do Ministério da Saúde nº 2.914/2011. almente associado à infiltração de outras águas. Poço: cavidade aberta no solo para atingir um Resiliência: capacidade de um sistema em absor-
aquífero. ver distúrbio e se organizar enquanto passa por
Águas subterrâneas: águas que ocorrem natural- Fossa séptica: 1. vala escavada na terra, na qual mudança de modo a manter essencialmente as
mente ou artificialmente no subsolo. dejetos orgânicos depositados sofrem fermentação Poço artesiano: (ver poço tubular). mesmas funções, estrutura, identidade e retroali-
e perda de umidade. 2. Fossa ou tanque subterrâ- mentações.
Água mineral: águas subterrâneas que são pro- neo onde se promove a decomposição anaeróbia Poço escavado: poço escavado geralmente de
venientes de fontes naturais ou de fontes artificial- parcial de esgoto doméstico. forma manual e revestido de bloco cerâmico, tijolo Saneamento básico: conjunto de serviços, in-
mente captadas que possuam composição química ou anel de concreto para retirada de água do lençol fraestruturas e instalações operacionais com vistas
ou propriedades físicas ou físico-químicas distintas Fluxo de base: porção da vazão ou fluxo de um freático. Em média, esses poços possuem até 25 ao abastecimento de água potável, esgotamento
das águas comuns, com características que lhes curso d’água que é alimentado unicamente por metros de profundidade e diâmetro de um metro. sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sóli-
confiram uma ação medicamentosa. água subterrânea. dos, drenagem e manejo das águas pluviais urba-
Poço ilegal: aquele cuja perfuração e uso das nas (Lei nº 11.445/2007).
Aquífero: formação geológica com capacidade de Intemperismo: processo ou conjunto de processos águas subterrâneas não encontram amparo na
acumular e transmitir água através dos seus poros, combinados químicos, físicos e/ou biológicos de lei, portanto sua existência é proibida e, conse- Sedimento: Material fragmentário originado por in-
fissuras, ou espaços resultantes de sua dissolução. desintegração e/ou degradação e decomposição quentemente, o pedido de outorga seria negado. temperismo e erosão de rochas e solos que é trans-
de rochas causados por agentes geológicos portado por agentes geológicos (rio, vento, gelo,
Aquífero freático ou livre: reservatório cujo limite su- diversos junto à superfície da crosta terrestre. Poço irregular: aquele cuja perfuração e uso correntes etc.) e que se acumula em depressões
perior é a superfície de saturação, que se encontra das águas subterrâneas encontram respaldo na geográficas, onde sofre processos de diagênese
submetida à pressão atmosférica. Linhas de adução: sistema de infraestruturas lei, porém é exigido o cumprimento de determi- e litificação para então formar as rochas
hidráulicas (tubos, canais, galerias) destinadas a nados trâmites ou são impostas restrições ou sedimentares.
Aquífero cristalino: reservatório de água subter- transportar a água desde a origem da captação até condicionantes para esse uso, que não foram aten-
rânea, onde a água ocorre em fraturas ou fissuras à distribuição. didas pelo proprietário do poço. Segurança hídrica: condição que visa garantir
de rochas ígneas, metamórficas e algumas sedi- quantidade e qualidade aceitável de água para
mentares. Mudança climática: qualquer mudança do clima Poço semiartesiano: (ver poço tubular). abastecimento, alimentação, preservação de
ao longo do tempo, seja devido à variabilidade ecossistemas e demais usos, associados a um nível
Aquífero fraturado: (ver Cristalino). natural, seja como resultado da atividade humana. Poço tubular: é um poço circular de diâmetro re- aceitável de riscos relacionados com a água para as
duzido, perfurado com equipamento especializado pessoas, economias e meio ambiente.
Aquífero sedimentar: reservatório subterrâneo, Nascente: local de início de um curso d´água, formando uma estrutura hidráulica que, permite
onde a água se encontra nos poros de rochas sedi- caracterizado pelo lugar de maior altitude desse a extração econômica de água de camadas pro- Sumidouro: (ver fossa séptica).
mentares consolidadas, sedimentos inconsolidados curso onde seu trecho de drenagem mais a mon- fundas do subsolo constituídas por um ou mais
ou solos. O armazenamento e a circulação da água tante (primeiro trecho) surge no terreno com ou sem aquíferos. De modo geral, o poço é revestido inter- Vazão do poço: volume de água produzido pelo
ocorrem nos poros do material geológico. escoamento superficial de água. É também o aflora- namente com tubos metálicos ou plásticos, a fim poço por uma unidade de tempo, geralmente em
mento da água subterrânea ou onde o nível freático de evitar a entrada de água indesejável e não per- m3/h ou m3/s.
Ciclo hidrológico: fenômeno global de circulação é tem cota altimétrica superior à topografia. mitir o desmoronamento de camadas instáveis de
fechada da água entre a superfície terrestre e a terreno que foram atravessados, e também de tu- Zona de recarga: área em que ocorre infiltração de
atmosfera, impulsionado fundamentalmente pela Outorga de direito de uso: instrumento de gestão bos com filtros por onde aflui a água. água capaz de alimentar o aquífero.
energia solar associada à gravidade e à rotação de recursos hídricos, pelo qual o usuário recebe O poço tubular, pode ser denominado de poço ar-
terrestre. uma autorização para fazer uso da água, garantindo tesiano caso seja construído em um aquífero que Zona de descarga: área em as águas subter-
a captação de determinada vazão de água, de uma esteja submetido a uma pressão tal que o faça jorrar râneas emergem naturalmente do sistema aquífero,
Estiagem: fenômeno natural que ocorre quando há determinada fonte hídrica, em um local definido, água acima da superfície do solo. O poço tubular formando nascentes ou alimentando rios, ou que
um período de tempo sem a ocorrência de chuvas. para um determinado uso, durante um determinado é conhecido popularmente ou comercialmente de são extraídas artificialmente através de poços.
período de tempo e que pode lhe assegurar um di- poço artesiano, independentemente de ser jorran-
Explotação e exploração de água: o termo explo- reito, o direito de uso da água. Trata-se de um ato te. O termo poço semiartesiano também se refere
tação refere-se ao uso de um bem ou recurso, ou administrativo mediante o qual a autoridade outor- a um poço tubular, normalmente não jorrante e
seja, a extração de água para um determinado uso. gante competente faculta ao requerente o direito de cuja profundidade de perfuração não ultrapassa a
Já o termo exploração tem o significado de estudar uso dos recursos hídricos, por prazo determinado, 50-60 m da superfície.
ou investigar. nos termos e condições expressas no respec-
32 33
PRINCIPAIS MENSAGENS

Anualmente são extraídos mais O valor econômico da água subterrânea


de 17.580 Mm3 (557 m3/s) de água dos extraída pode ser estimado em R$ 59 bilhões/
aquíferos através de poços tubulares, ano, tendo como base a cobrança praticada
volume suficiente para abastecer a cada pelos operadores do serviço de
ano toda a população brasileira ou cerca abastecimento de água potável. Ricardo Hirata: Silvana Susko Marcellini:
de 217 milhões de pessoas. Professor Titular do Instituto de Geociências da Uni- Consultora/pesquisadora em Recursos Hídricos.
versidade de São Paulo (USP) e Diretor do Centro Engenheira Civil pela UFPR, com mestrado, douto-
de Pesquisas de Águas Subterrâneas (CEPAS|USP). rado e pós-doutorado em Recursos Hídricos pela
No Brasil, estima-se que haja mais de 1.518 municípios abastecidos por água Geólogo com mestrado de doutorado pela USP e Escola Politécnica da USP. Pós-doutoranda do
superficial no país passaram por crise hídrica Pós-Doutorado pela Universidade de Waterloo Instituto de Geociências da Universidade de São
2,5 milhões de poços tubulares, cujos custos
nos últimos 10 anos, contra 840 abastecidos (Canadá). Trabalhou no Departamento de Águas e Paulo (USP) no Centro de Pesquisas de Águas Sub-
envolvidos em perfuração e instalação somam
por água subterrânea.
mais de R$ 75 bilhões. Esse valor é equivalente Energia Elétrica; Instituto Geológico de São Paulo, terrâneas (CEPAS|USP).
Cidades dependentes do recurso subterrâneo
a 6,5 anos de todos os investimentos anuais no Centro Panamericano de Engenharia Sanitária
são mais resilientes à estiagem e têm mais
aplicados em saneamento no país em 2016. condições de enfrentarem os desafios impostos (CEPIS, Peru) da Organização Pan Americana da Pilar Carolina Villar:
pelas mudanças climáticas globais. Saúde (OPAS), foi consultor da UNESCO, Agência Professora do Instituto Saúde e Sociedade da
Internacional de Energia Atômica e OPAS; e Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e
membro do GWMATE (Groundwater Management pós-doutoranda do Instituto de Geociências da
O Estado de Roraima é o mais dependente Advisory Team) do Banco Mundial. Universidade de São Paulo (USP) no Centro de
A cada ano 4.329 Mm3 de esgoto são
dos recursos hídricos subterrâneos, Pesquisas de Águas Subterrâneas (CEPAS|USP).
despejados na natureza pela falta de redes
com 74% de sua população recebendo coletoras e/ou vazamentos nas redes já Alexandra Vieira Suhogusoff: Advogada, com mestrado e doutorado pelo
água subterrânea em suas casas. existentes, volume suficiente para encher Professora no Instituto de Geociências da Univer- Programa de Pós Graduação em Ciência Ambiental
5 mil piscinas olímpicas por dia. Trata-se sidade de São Paulo (IGc-USP) e pesquisadora da USP (PROCAM/USP).
de um dos maiores casos de sênior do Centro de Pesquisa de Águas Subter-
contaminação de aquíferos no Brasil. râneas (CEPAS-USP). Geóloga pelo IGc-USP, Laura Marcellini:
52% dos 5.570 municípios brasileiros
com doutorado em Hidrogeologia pelo Programa Consultora, Diretora Técnica da ABRAMAT
dependem total (36%) ou parcialmente
de Pós-Graduação de Geociências em Recursos (Associação Brasileira da Indústria de Materiais de
(16%) das águas subterrâneas para
A existência de rede coletora de esgoto não Minerais e Hidrogeologia (PPGRMH-USP) e pós- Construção), Engenheira civil pela Escola Politécnica
o abastecimento público.
é garantia de preservação da qualidade da doutorado pelo Instituto de Geociências da Univer- da USP, com Especialização em Administração de
água de aquíferos. O vazamento de redes sidade Federal do Rio Grande do Sul (IGeo/UFRGS). Empresas pela FIA-USP.
mal projetadas ou antigas, estimado em
582 Mm3/ano (10% do efluente coletado), Instituto Trata Brasil:
A maioria dos 35 milhões de brasileiros tem sido suficiente para contaminar aquíferos
Uma OSCIP – Organização da Sociedade Civil de In-
sem água encanada dependem das em quase todas as cidades brasileiras.
teresse Público – formada em 2007 com a missão de
águas subterrâneas
contribuir para a melhoria da saúde da população e a
proteção das águas do país através da universaliza-
88% dos poços tubulares existentes ção do acesso aos serviços de água tratada, coleta e
no Brasil são desconhecidos pelo poder tratamento dos esgotos.
São Paulo é o estado que usa
público, pois não estão incluídos em
mais água subterrânea em volume
nenhuma base de dados do governo.
para o abastecimento público de
seus municípios.

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Realização

Apoio

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