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AMADURECER OU AMARGAR?

Revisão de vida – Pra viver e não se arrepender

No filme Coração Valente, o ator Mel Gibson interpreta o guerreiro escocês


WILLIAM WALLACE que lidera seus compatriotas numa guerra contra os
desmandos e abusos do Rei da Inglaterra – Eduardo I, no século 14. O filme mostra
a crescente convicção e determinação de WILLIAM WALLACE na direção do
sonho de liberdade do seu povo. Ele enfrenta batalhas impossíveis, se expõe a
situações de riscos; é alvo de perdas inestimáveis. Mas o sonho de liberdade é o
combustível que o impulsiona a lutar.
Mas numa das batalhas decisivas, ele é surpreendido pela traição de um grupo
de nobres com quem havia firmado uma aliança. Seus homens estavam no meio de
uma batalha, e os traidores simplesmente voltam para trás, retirando suas tropas e
abandonam WILLIAM WALLACE e seus homens nas mãos do exército inglês.
Persistindo na luta, WILLIAM WALLACE nota que o rei e alguns cavaleiros
de afastam do campo de batalha, ele os persegue, e enfrenta um dos cavaleiros que
fazia a proteção do rei. WILLIAM WALLACE consegue retirar seu capacete e ver
seu rosto. E para sua surpresa, se tratava de ROBERT the BRUCE, seu principal
aliado, que havia garantido apoio incondicional à batalha contra o rei da Inglaterra.
A cena é notável. Olhando nos olhos do traidor, Wallace deixa seu punhal
caiar e prostra-se no chão como quem desistiu de lutar. Ele havia sido atingido, não
pela lâmina da espada daquele nobre, mas pela dor da traição e decepção. E este
tipo de infecção é altamente infeccioso para a alma, e algumas vezes mortal para os
sonhos e ideais. Quem é atingido por este tipo de ferimento, tem dificuldade de
sobreviver ao golpe ou passará o resto de sua vida lidando com suas sequelas.
I - O QUE ACONTECE COM AS PESSOAS AO LONGO DE SUAS VIDAS?
Ao longo da vida tenho observado um fenômeno que me deixa realmente
assustado. Quando reencontro pessoas que outrora eram cheias de espontaneidade,
alegria e entusiasmo para com a vida. No entanto, após muitos anos, essas mesmas
pessoas estão agora - frias, visivelmente cheias de reservas e sem brilho no olhar. A
situação é incomoda, pois parece que estou diante de estranhos.
O que aconteceu com elas? O que lhe roubou toda a espontaneidade, alegria e
vitalidade? O que houve, pois agora estão amargas e embrutecidas? Seria este o
destino de todos nós? Seria este o fim e todos aqueles que enfrentam a dor da
adversidade e decepção, ou precisam aprender a lidar com as sequelas da amargura?
Por outro lado, me sinto encorajado quando encontro homens e mulheres
mesmo de idade avançada, que diferentemente daqueles, na medida que
envelheceram se tornaram sábios. Eles buscam na lembrança suas experiências e
as compartilham com saudade e humor. Não porque suas vidas foram só de vitórias,
pelo contrário! Mas porque diante das adversidades e decepções, fizeram a opção e
olhar a vida na perspectiva positiva.
Henri Nouwen, no livro Mosaicos do Presente trata sobre este poder da opção
que temos diante das adversidades e decepções, veja o que ele diz: Pode parecer
estranho dizer que a alegria é o resultado das nossas escolhas (...) temos uma
hipótese de escolha, não tanto em relação às circunstancias de nossa vida, quanto
em relação à maneira como reagimos a essas circunstancias (...). Algumas pessoas
tornam-se ásperas à medida que envelhecem, outras envelhecem alegremente. Isso
não significa que a vida daqueles que se tornam ásperos tenha sido mais dura do
que a daqueles que se tornam alegres. Significa que foram feitas diferentes escolhas,
escolhas interiores, escolhas do coração.
A diferença entre aqueles que na medida que envelhecem amargam e aqueles
que se tornam sábios – não está na presença ou ausência de adversidades e
decepções. Ambos podem ter vivido de perto a dor gerada pela ferida da decepção,
experimentado as machucaduras da decepção. Mas enquanto o primeiro grupo fez
uma opção pela amargura, o segundo fez uma opção pela maturidade.
Rubens Alves tem um texto que exemplifica isso – “Pipoca”. Nesse texto o
autor faz uma analogia entre a transformação que o milho experimente ao ser exposto
ao calor. No final do processo, temos de um lado a pipoca, do outro o piruá – o milho
que resistiu à mudança.
A transformação do milho duro em pipoca macia...
Enquanto o fogo gerado pelas experiências de adversidade e decepção faz de
algumas pessoas verdadeiros piruás – gente dura, cética e amarga para com a vida, o
mesmo fogo faz de outros uma flor branca e macia como poder de dar alegria a
outros. E a diferença não estar nas circunstâncias enfrentadas, mas na opção que se
faz.
II - CIRCUNSTÂNCIAS QUE NOS IMPELEM À AMARGURA
Em 2 Tm 4, encontramos um excelente exemplo de alguém que, ao longo de
sua história de vida, foi provado pelo fogo das decepções, experimentou a dor da
traição e conviveu com o ardor amargo da ingratidão. Mas diante de tudo isso, sua
opção não foi pelo embrutecimento e amargura, mas sim pela vida e maturidade.
Nas últimas palavras de Paulo (2 Tm 4:9ss), ele faz menção de situações que
são, em si mesmas, cenários propícios ao embrutecimento e à amargura. Vejamos 3
destas:
1. Abandono em meio a uma jornada – “Porque Demas, tendo amado o presente
século, me abandonou...” (4:10).
Sabemos quase nada sobre Demas, a não ser por duas outras citações de Paulo
mesmo. Primeiro, escrevendo aos Colossenses, ele informa: “Lucas, o médico
amado, e Demas enviam saudações”. Segundo, escrevendo a Filemom, Paulo, mais
uma vez insere o nome de Demas, ao lado de Epafras, João Marcos, Aristarco e
Lucas, entre aqueles que eram chamados de “seus cooperadores”.
Logo, podemos inferir que Demas era um companheiro de jornada muito
próximo a Paulo. Participou das reuniões, ajudou na decisão sobre os caminhos a
seguir e as estratégias a se adotar; esteve sentado ao lado de Paulo, compartilhando
lágrimas e gargalhadas. Por fim, foi alvo do investimento pessoal de Paulo.
Mas, num determinado momento de sua história, Demas começou a comportar-
se estranhamente. Seus interesses começaram a mudar e sua fala manifestava que ele
estava com seu coração distante das coisas que motivavam Paulo e sua equipe.
“Demas, tendo amado o presente século...”, abandonou o grupo, causando decepção.
Caberia a Paulo optar pela amargura ou pela maturidade.
2. A difamação e oposição injustas – “Alexandre, o latoeiro, causou-me muitos
males” (4:13)
Diferente de Demas, Alexandre tornou-se um grande opositor de Paulo. Em 1
Tm 1:20 encontramos seu nome associado a Himeneu como um exemplo de pessoas
quem por não lidarem com seriedade a questão da consciência cristã, vieram a
naufragar na fé.
E o que é pior, tornou-se “um blasfemador/difamador”. Porque o termo
original pode e referir tanto a difamar a pessoa de Deus (blasfêmia) como difamar a
reputação de alguém (calúnia). Pela informação de Paulo, o segundo sentido me
parece que seria de melhor uso aqui. Logo, Alexandre tornou-se um propagador de
mentiras acerca de Paulo prejudicando sua imagem, maculando sua reputação.
Muitos lugares onde Paulo ensinava acerca do significado da vida, Alexandre
passava a sabotar sua pregação sugerindo equívocos em seu pensamento e
incoerências em sua vida.
Diante disso, Paulo se deparava com 2 opções: deixar que estas circunstâncias
afetassem seu coração ou não se abater por estas mentiras acerca de sua vida e seu
ensino.
3. Ausência de apoio no momento da adversidade – “Na minha primeira defesa,
ninguém foi a meu favor; antes, todos me abandonaram...” (4:15)
Em suas últimas palavras, Paulo faz menção a um fato muito triste, e, talvez o
mais doloroso de todos. Paulo gastou 3 anos de sua vida, viajando, pregando,
ensinando. Mostrou-se incansável, não se poupou, pelo contrário dedicou-se
intensamente às pessoas, buscando o fortalecimento da fé e a maturidade espiritual
de cada um. Enfrentou prisões, açoites, privações, naufrágios e toda as formas de
perigos e não desistiu.
Mas, no momento em que mais precisou do apoio daquelas pessoas para quem
se dedicou, foi surpreendido pela solidão. Teve que encarar um tribunal romano
solitariamente. Onde estavam aqueles que foram abençoados pelos seus estudos.
Onde estavam aqueles que foram assistidos por ele em meio às adversidades? Paulo
responde: “Todos me abandonaram...”.
Mais uma vez ele teve diante de si a opção de deixar que a dor da decepção se
propagasse dentro de sua alma ou por crescer na direção do perdão e do amor para
com aqueles que falham.
OPÇÕES QUE NOS CONDUZEM À MATURIDADE
Apesar de todas as adversidades e decepções, Paulo continuou a fazer planos e
a ter sonhos, bem como continuou desejando ter pessoas por perto e demonstrar
carinho por elas.
1. Esteja pronto para oferecer novas oportunidades
Uma frase de Paulo nos chama a atenção: “toma contigo Marcos e traze-o, pois
me é útil para o ministério” (2 Tm 4:11). É muito estranho esse pedido feito a
Timóteo; e mais estranho ainda, é ele afirmar que Marcos lhe era muito útil. Porque
antes, Marcos fora o pivô de uma desavença entre Paulo e Barnabé.
Agora Paulo parece que aprendeu a oferecer às pessoas que falham uma
oportunidade para viverem um novo momento. Mas isto, também quer dizer que
João Marcos mudou e reavaliou sua postura.
Pessoas falham. Isso é fato! Sejam elas amigos ou amigas, maridos ou esposas,
filhos ou filhas. Somos feridos por elas e sentimos a dor. A pergunta que deve ser é:
realmente eu quero vê-las diferente? Você quer viver o novo de Deus?
2. Entregue suas causas a Deus
Diante da lembrança dos problemas gerados por Alexandre, Paulo declara o
seguinte: “O Senhor lhe dará a paga segundo as suas obras” (4:13).
Diante das feridas geradas por inimigos como Alexandre, Paulo opta pela
agenda da não vingança, mas entrega sua causa a Deus.
a) Concentre-se no cuidado de sua integridade
Integridade é aquilo que somos quando ninguém no observa.
Reputação é o que as pessoas dizem sobre nós quando não estamos por perto.
(E desta não temos controle, pois estaremos na dependência da honestidade daqueles
que falam de nós). Mas a integridade depende tão somente de nossas opções e ações.
Por isso, o melhor de nosso esforço e determinação não deve se concentrar
no cuidado da nossa reputação; mas sim, na construção de uma vida de
integridade. Pois é ela que vai gerar uma boa reputação e nos proporcionar a paz
interior, consciência limpa – mesmo quando a nossa reputação é atacada.
b) Não permaneça no raio de alcance dos inimigos
Apesar de Paulo entregar sua contenda com Alexandre a Deus, ele adverte
Timóteo para que ele mantenha distante daquele homem: “Tu, guarda-te também
dele” (4:15). É prudente agir de forma cautelosa e sábia no trato com pessoas que
não se mostram confiáveis.
3. Exercite o perdão para com os que falham
Diante da lembrança de que, em seu primeiro julgamento, nenhum dos irmãos
esteve ao seu lado, Paulo completa: “Que isto não lhes seja posto em conta!” (4:16).
Paulo usa uma linguagem emprestada do meio contábil. Ele diz que seu
desejo era que Deus não computasse o erro daquelas pessoas na lista de débitos a
serem efetuados. Por que? Ele estava disposto a assumir e absorver o prejuízo gerado
à sua vida.
Per donum (por dádiva). Quem decide perdoar não está dizendo que foi
convencido de que o erro cometido é justificável. Se o fosse, não seria necessário o
perdão. Pelo contrário, uma ofensa real foi cometida e prejuízos materiais,
emocionais ou espirituais foram gerados.
O desafio de perdoar é um imperativo bíblico. Mas não é fácil acatá-lo. Embora
o desafio de perdoar seja o melhor caminho:
1) Em primeiro lugar, procuro me questionar: a pessoa que falhou para comigo,
tem algum saldo em meu coração?
2) Em segundo lugar, procuro avaliar: Qual das atitudes me gerará dano menor: o
perdão ou a cobrança? Às vezes, optamos por transformar a ofensa recebida em
um cheque sem fundo que, após ser reapresentado e devolvido, torna-se num
marcador das páginas de nossas agendas. Assim, diariamente temos a
oportunidade de nos lembrar da falta cometida e alimentarmos a amargura no
coração em relação ao ofensor.
Paulo optou pelo exercício do perdão. Ele se dedicou intensamente ao
cuidado e à instrução daqueles amigos e amigas na espiritualidade cristã. E no
momento que ele mais precisou, não obteve apoio. Mesmo assim ele decide não
manter este cheque sem fundo. Ele não computa como débito o ocorrido, mas liberta
seu coração para a manutenção dos relacionamentos.
Prova disso é que na parte final da carta a Timóteo, Paulo envia lembranças ao
casal de amigos – Priscila e Áquila, à família de Onesíforo, manda notícias sobre
Erasto, se preocupa com Trófimo que estava enfermo e envia abraços de Êubulo,
Prudente, Lino, Cláudia e todos os demais irmãos. Ele está cercado de
relacionamentos. E isso não foi porque as pessoas sempre corresponderam às suas
expectativas e nunca o decepcionaram, porque ao longo de sua vida, ele optou por
não considerar os cheques sem fundos e exercitou o perdão.

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