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CURITIBA
2003
À Idnal, Elza e Edlaine, pelo
amor, incentivo e compreensão.
Agradeço especialmente à
professora Fátima Regina Fernandes,
pela dedicação e amizade. E aos meus
colegas de turma: Adriana Mocelim,
Alexandre Barros, Fernanda Ferreira,
Marcelo de Souza, Paula Carvalho e
Sibeli Colere. Pelo apoio, amizade e
paciência.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.....................................................................................................5
1 CONTEXTO HISTÓRICO............................................................................12
1.1 A FORMAÇÃO DA CRISTANDADE..........................................................12
1.2 SACERDÓCIO VERSUS IMPÉRIO.............................................................14
1.3 A CENA ITALIANA.....................................................................................15
2 DANTE ALIGHIERI......................................................................................18
2.1DANTE: FLORENÇA....................................................................................18
2.2 DANTE: A POLÍTICA..................................................................................22
2.3 DANTE: o EXÍLIO........................................................................................24
3 O NASCIMENTO DO PURGATÓRIO........................................................28
3.1 O PURGATÓRIO DE SÃO PATRICIO........................................................30
3.2 O PURGATÓRIO DA DIVINA COMÉDIA.................................................32
4 OS GESTOS DO PURGATÓRIO.................................................................33
CONCLUSÕES PARCIAIS .............................................................................41
REFERÊNCIAS..................................................................................................43
5
INTRODUÇÃO
Em quase setecentos anos muitas coisas foram ditas e escritas sobre Dante
Alighieri e sobre sua obra, a “Divina” Commédia. Ambos despertaram o
interesse de pesquisadores de várias áreas do conhecimento, literatos, filósofos,
teólogos. Como também, em ocasiões menos freqüentes, de historiadores e de
muitos curiosos. Muitos estudos foram realizados na intenção de se compreender
melhor as idéias do autor e a sua obra.
Todavia, no campo da História, poucas pesquisas têm sido realizadas
tomando Dante ou a Commédia como objeto de estudo. Fato que nos deixa um
grande espaço em aberto. Na medida que Dante foi uma figura de importância na
sua época, a sua reconhecida relevância histórica e a grandeza de sua obra, um
testemunho da sociedade e da cultura da época medieval, esse espaço deixado
pela História precisa ser preenchido. Os poucos estudos históricos realizados
sobre o autor abordaram quase que exclusivamente os aspectos político e
filosófico-religioso. Outro aspecto que é também importante devido não só ao
caráter da Commédia, mas também devido ao contexto de transformação no
campo das idéias e no qual Dante está inserido, é o aspecto cultural. Este tem
sido desenvolvido muito mais pela Literatura que pela História.
A Commédia é também a obra mais “polêmica” do poeta, a que produz as
mais variadas e controversas interpretações. Uma das diversas imagens, e talvez
a mais difundida, que se construiu sobre Dante considera-o como um pensador
que, nas palavras de Hilário Franco Jr., “reuniu a intensa atividade intelectual do
primeiro e as grandes angústias e conflitos que caracterizaram o segundo. (...),
sintetizou o espírito de um século e antecipou o de outro”1. Esse tipo de
afirmação é decorrente principalmente do fato de Dante ter vivido na passagem
do século XIII para o XIV. Justamente num momento em que as estruturas que
sustentam a ordem da sociedade medieval (feudal) começam a entrar em crise,
1
FRANCO Jr., Hilário. Dante Alighieri: o poeta do absoluto. São Paulo: Brasiliense,
1986. p. 08.
6
afirmativamente essa questão. Acreditamos que para que seja possível encontrar
uma resposta satisfatória, se faz necessário em primeiro lugar definir se Dante
Alighieri foi ou não um homem à frente de seu tempo. Ou seja, se seu
pensamento é ou foi caracteristicamente medieval ou se estava antecipando
características modernas. Para isso é importante buscar compreender Dante e a
Commédia à luz das transformações políticas sociais e culturais que marcaram
esse período de transição.
Neste sentido o “Purgatório” enquanto novo espaço sagrado e de salvação
parece refletir grande parte das mudanças que afetavam a sociedade medieval,
em especial a sociedade “italiana” e florentina. Na medida em que ao mesmo
tempo é um espaço que pode ser considerado como burguês e reflete a ortodoxia
da Igreja de interiorização da fé. Está, portanto, em sintonia com o contexto de
transformação e transição que julgamos necessário para tentarmos compreender a
natureza do pensamento de Dante. Ou seja, compreendendo o Purgatório da
Commédia poderemos também compreender o pensamento de Dante.
Considerando estes fatores, optamos por estudar “O purgatório na Divina
Comédia de Dante” à luz de transformações culturais, políticas e sociais, e da
relação entre o contexto político e social e a produção de idéias e suas
implicações. Tal proposta é relevante no sentido em que se dispõe a estudar um
assunto pouco pesquisado pela História, Dante e a Commédia, a partir de uma
perspectiva, a História cultural, que também é pouco explorada.
No nosso entender, o surgimento do Purgatório deriva, ou melhor, reflete
esse contexto de crescimento econômico, de transformação social e de
“renascimento” cultural. Embora se trate em última instância de uma mudança
cultural, mudança na mentalidade coletiva, idealizada e concretizada pela Igreja,
ela só ocorre porque também se modificaram as formas políticas, econômicas e
sociais. Só ocorre porque algumas das bases em que se organizava a sociedade
feudal (medieval) também se modificaram.
Seguindo essas considerações buscaremos compreender então o
Purgatório como representação, como símbolo do conjunto de idéias e fatores
8
2
Especificamente os artigos: “Problemas e métodos em história cultural” (p. 125-
130); “A história dos sistemas de valores” (p. 131-142); “O renascimento do século XII.
Audiência e patrocínio” (143-160).
3
LE GOFF, op. cit.
4
LE GOFF, Jacques. O maravilhoso e o cotidiano no ocidente medieval. Lisboa:
Edições 70, 1983.
9
5
LE GOFF, op. cit. P. 63-72.
6
LEWIS, R. W. B. Dante. São Paulo : Objetiva , 2002.
7
STAROBINSKI, Jean. A literatura. IN: LE GOFF, Jacques e NORA, Pierre.
História: Novas abordagens. Rio de Janeiro : Francisco Alves, 1979. p. 133 – 143.
10
Algumas outras obras sem relação direta com a Fonte foram privilegiadas,
trabalhos historiográficos ou não. Entre os trabalhos que serviram de suporte para
o contexto sócio-político da Europa medieval e Península Itálica estão “A
civilização do ocidente medieval” do já referido autor Jacques Le Goff; “Itália:
os séculos de ouro”8 de Indro Montanelli, embora de caráter factual e ufanista
contribuiu com um panorama claro sobre a organização administrativa das
comunas italianas e das disputas políticas que envolvem essas cidades, o sacro
Império Romano Germânico e o Papado. Além de fazer referências a Dante
Alighieri. E o livro “A cultura do renascimento na Itália” escrito por Jacob
Burckhardt, embora trate do Renascimento Italiano, traz um resumo do contexto
político italiano no século XIII e algumas referências importantes a Dante e à
Divina Comédia.
Destacamos também os trabalhos “Dante Alighieri: o poeta do absoluto”9
do historiador Hilário Franco Jr, que traça um perfil bastante singular do poeta. O
artigo “O paraíso de Dante”10 de Orlando Fedeli, filósofo e teólogo, que
apresenta e discute algumas teses interpretativas sobre a simbologia da Divina
Comédia. O livro “Os dois corpos do rei”11 do historiador Ernest Kantarowicz,
sobre o pensamento político de Dante. E o trabalho de Le Goff “Os intelectuais
na idade média”12, que busca traçar um perfil do intelectual medieval.
Como já dissemos, a fonte por nós analisada é o Purgatório da Divina
Comédia. Optou-se por trabalhar com essa fonte por dois motivos: primeiro
porque a problemática apresentada refere-se diretamente ao pensamento de Dante
Alighieri, pretendeu-se esclarecer se a razão que leva Dante a escrever sobre o
Purgatório trata-se de uma iniciativa moderna (humanista) ou tradicional
(medieval). Segundo porque a proposta dessa pesquisa foi analisar como as
transformações pelas quais a sociedade medieval vem passando, permitiram que
esse novo espaço que é o Purgatório emergisse dentro do contexto social
medieval e dentro do imaginário coletivo. E se o pensamento do poeta é reflexo
desse contexto de transformação cultural, analisando o Purgatório da Divina
8
MONTANELLI, Indro. Itália: os séculos de ouro. São Paulo : Ibrasa , 1969.
9
FRANCO Jr., op. cit.
10
FEDELI, op. cit.
11
KANTAROWICZ, Ernst H. Os dois corpos do rei : um estudo sobre teologia política
medieval. São Paulo: Cia. das Letras , 1998.
12
LE GOFF, Jacques. Os intelectuais na idade média. Lisboa : Gradiva , 1984.
11
13
Cf. Supra, nota 7.
12
1 CONTEXTO HISTÓRICO
14
“Define, pela sua religião, o mundo ocidental medieval. Em conformidade com os
esforços de certos papas, deveria ser ela o quadro único e unificador do Ocidente. Ficou como
um ideal e nunca existiu devido à fragmentação dos Estados, à diversidade e antagonismo dos
interesses nacionais e à luta de classes”. LE GOFF, Jacques. A civilização do ocidente
medieval. Lisboa: Editorial Estampa, 1983. v. 2, p. 286.
15
Ibid., v. 1, p. 139.
16
Ibid., v. 2, p. 280.
13
17
LE GOFF, op. cit. v. 1, p. 113.
18
DUBY, Georges. Idade média, idade dos homens: do amor e outros ensaios. São
Paulo: Cia. das letras, [198-]. p. 146-147.
14
19
Preferimos utilizar a expressão península itálica, para designar a região de que
falamos, dado que um reino, país ou nação chamada Itália não havia ainda configurado-se como
tal no período do qual tratamos. Embora a região de que falamos estivesse inserida dentro dos
territórios do Sacro Império Romano Germânico, a fragmentação (independência) política e de
poder não nos permite considerar a referida região nem como parte do Sacro Império e nem
como um território independente, dado que as cidades italianas não formavam um reino coeso.
Nas vezes em que o termo Itália for utilizado será porque estaremos respeitando a idéia de um
outro autor por nós mencionado.
20
Para maiores detalhes conferir: BLOCH, Marc. A sociedade feudal. Lisboa: Edições
70, 1937. e LE GOFF, op. cit.., v. 1, p. 124-130.
21
Ibid., v. 1, p. 124-125.
22
MONTANELLI, Indro. Itália: os séculos de ouro. São Paulo: Ibrasa, 1969. p. 18.
23
FEDELI, op. cit., 19-20.
16
políticos de maior importância dentro da Comuna, não podiam ser ocupados por
cidadãos florentinos, eram recrutados nas cidades vizinhas, para que nenhuma
facção fosse prejudicada. As disputas entre os dois partidos terminavam em
condenações, expulsões, execuções e saques dos bens de membros do partido
rival.
As batalhas entre guelfos e gibelinos na Toscana tiveram fortes
repercussões na vida política de Florença. Três grandes batalhas envolvendo as
cidades da região marcaram a segunda metade do século XIII. As batalhas de
Montaperti (1260), Benevento (1266) e Campaldino (1289)24. Em Montaperti os
gibelinos obtiveram vitória decisiva. As principais famílias guelfas foram
banidas, inclusive em Florença onde boa parte da cidade foi destruída pelos
gibelinos. Curiosamente a família dos Alighieri, que pertencia ao partido guelfo,
não foi expulsa da cidade, é possível pensar que não fosse expressiva
politicamente nem representasse uma ameaça. Na batalha de Benevento25 a
situação se inverteu, a Liga guelfa foi a vencedora. Os gulefos expulsos puderam
retornar e os gibelinos foram banidos e tiveram suas casas destruídas. A batalha
de Campaldino contra os gibelinos de Arezzo e Pisa, também vencida pelos
guelfos, contou com a participação de Dante na cavalaria.
Com os gibelinos expulsos de Florença não demorou para que os guelfos
se dividissem dando início a novos conflitos. Tudo começou com uma simples
inimizade entre as famílias Donati e Cerchi, não com oposição política.
Os Donati eram uma família muito abastada tradicional de Florença,
Dante era casado com uma Donati, Gemma e muito amigo de Forese Donati,
primo de sua esposa. Os guelfos acabaram se dividindo e adotando o nome de
neri (negros) e Bianchi (brancos), nomes de duas facções em disputa importada
de Pistóia. Os que apoiavam os Donati assumiram o nome de neri e os que
apoiavam os Cerchi, o nome de bianchi. Embora casado com uma Donati, Dante
24
Ibid., p. 15-24. e também LEWIS, op. cit., p. 17-20. e ainda FRANCO JUNIOR, op.
cit., p.10 et. seq.
25
Foi na Batalha de Benevento entre os guelfos e gibelinos de Florença que se
enfrentaram Manfredo, filho de Frederico II e Carlos D’Anjou , chamado à península pelo Papa
Clemente IV, e que resultou na morte de Manfredo. LEWIS, op. cit., p. 19.
17
preferiu ficar do lado dos negros, provavelmente pela sua inimizade com Corso
Donati, primo de Gemma e irmão de Forese.
No decorrer do século XIII a organização administrativa de Florença
passou por pelo menos três mudanças: em 1207, “os antigos cônsules foram
substituído por um Podestà, que teria o poder executivo”26. Em 1248 “as
corporações impuseram uma nova constituição (...). Foi a chamada Constituição
do Primeiro ou antigo povo”27, criando o cargo de Capitão do Povo, chefe da
milícia citadina. Em 1282 os florentinos reformaram mais uma vez a constituição
da cidade, “desta vez o poder era confiado a Priores designados pelas Artes ou
corporações”28.
Além do Podestà e do Capitão do Povo o governo da cidade contava com
um conselho de Priores29, espécie de poder civil e judiciário. O priorado era ao
que parece a mais alta instância política da Comuna, os priores governavam a
cidade, emitam leis e julgavam os casos corrupção e de perturbação da ordem
pública.
26
FEDELI, op. cit., p. 19.
27
Id.
28
Id.
29
Os diversos autores consultados não concordam quanto o número de priores, que
podem ser de três a doze.
30
LEWIS, op. cit., p. 85.
18
2DANTE ALIGHIERI.
Passado quase setecentos anos da morte de Dante sabe ainda pouco sobre
sua vida. Muitas das informações que nos chegaram são aquelas extraídas das
obras do próprio poeta como Vita Nuova, D’monarquia, e Commédia. As
informações da época são fragmentadas e esparsas, as informações mais ricas são
posteriores e por isso já um tanto idealizadas.
O poeta Dante Alighieri nasceu na Toscana, norte da península itálica, na
cidade de Florença às margens do rio Arno. Florentia, como fora batizada pelos
romanos, era, na época de Dante, uma das mais ricas e importantes cidades da
península itálica, quiçá da Europa. A cidade tornara-se um importante núcleo de
19
31
LEWIS, R. W. B. Dante. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. p. 30-34. FRANCO
JUNIOR, Hilário. Dante Alighieri: o poeta do absoluto. São Paulo: Brasiliense , 1986.
DISTANTE, Carmelo. Prefácio. ALIGHIERI, Dante. A divina comédia : São Paulo : Editora
34 , 1998.
32
FEDELI, Orlando. O paraíso de Dante: introdução. Dante: sua vida, suas obras, seu
tempo. Cadernos Montfort. cf http://www.montfort.org.br/cadernos/dante0.html. p.2.
20
33
ALIGHIERI, Dante. op. cit., v.1: Inferno, canto XV, versos 22-33, p. 110.
34
Orlando FEDELI (FEDELI, op. cit., p. 02) e Carmelo DISTANTE (DISTANTE,
Carmelo. Prefácio. ALIGHIERI, Dante. op. cit., v1:Inferno. p.10) atestam a passagem de Dante
pela Universidade de Bolonha entre 1285 e 1287. Hilário FRANCO JUNIOR (FRANCO
JUNIOR, Hilário. op. cit., p. 30) diz que Dante também esteve em Pádua e Paris.
35
DISTANTE, Carmelo. op. cit.,p. 8.
21
vida, fui me encontrar numa selva escura: estava a reta minha vida perdida”36,
enviando-lhe Virgílio que será então o guia de Dante pelo Inferno e Purgatório. E
a própria Beatriz guiará o poeta no Paraíso.
Para Orlando FEDELI “o problema é que jamais ficou claro se esse amor
foi por alguém em concreto ou se foi uma expressão mítica”37. Contudo, não
descarta a hipótese de que Beatriz tenha sido alguém de carne e osso. Segundo
LEWIS38, Beatriz existiu realmente, chamava-se Beatriz Portinari, filha de Folco
Portinari, rico banqueiro florentino e uma das figuras de maior destaque da
sociedade florentina na época. Foi numa festa de aniversário na casa dos
Portinari que Dante viu Beatriz pela primeira vez e se apaixonou perdidamente,
assim permanecendo por toda a vida. Bem como Dante, o casamento da jovem
Beatriz já havia sido acertado por seu pai, a moça casou-se em 1287 com um
banqueiro chamado Simoni de Bardi. Beatriz teria morrido em 1290, deixando o
poeta inconsolável. Na Commédia, a figura de Beatriz aparece como um símbolo,
assim como Virgílio, símbolo da razão humana, Beatriz simboliza ou representa
a sabedoria Divina.
Dante casou-se entre 1283 e 128639 com uma moça chamada Gemma
Donati com quem teve três filhos, Pietro, Iacopo e Antonia, e talvez um quarto
chamado Giovanni. O casamento era parte de um contrato matrimonial, segundo
as regras da época, firmado em 1277 quando Dante tinha doze anos, entre o pai
de Dante e o pai de Gemma, Manetto Donati. Há uma lenda de que a filha de
Dante, Antonia, teria se tornado freira e adotado o nome de Beatriz40. Dante
jamais mencionou o nome da esposa ou dos filhos em qualquer uma de suas
obras41.
36
ALIGHIERI, Dante. op. cit.v.1: Inferno, canto I, versos 1-3, p. 25.
37
FEDELI, op. cit., p. 2.
38
LEWIS,. op. cit., p. 37-38.
39
Não há consenso entre os autores no que se refere a datas específicas de certos
acontecimentos da vida de Dante, por isso nós preferimos não nos ater a datas precisas, mas
coloca-las aproximadamente.
40
LEWIS,. op. cit.,p. 86.
41
Ibid., p.40-42.
22
42
LEWIS, op. cit., p. 76 et seq.
43
LEWIS, op. cit., 82-83.
44
Ibid., p. 85.
23
45
LEWIS, op. cit., 94-96.DISTANTE, op. cit., p. 10. e FEDELI, op. cit., . 22-23.
46
LEWIS, op. cit., p. 95-96. e FEDELI, op. cit., p.23.
47
FRANCO JUNIOR, op. cit., p. 50.
48
Ibid., p. 21.
24
49
LEWIS,. ibid., p. 30. e DISTANTE, Carmelo. Prefácio. ALIGHIERI,Dante. op. cit.,
v. 1: Inferno. p. 9.
50
ALIGHIERI, Dante. op.cit., v.3: Paraíso, cantos XV -XVII. p. 107-126.
51
“A meio caminhar de nossa vida”. ALIGHIERI, Dante.op. cit., v.1: Inferno, canto I,
p. 25.
52
LEWIS. op.cit,. p. 115.
25
negros que dominavam a cidade”53. A empreitada não deu certo, e Dante acabou
se desentendo com os demais exilados e afastou-se deles. Nos anos seguintes
aproximou-se das cidades setentrionais e vagou de corte em corte, prestando seus
serviços como conselheiro político, militar e como diplomata. Sua primeira
parada foi em Forlì, “próspero povoado de origem romana então governado por
Scarpetta Ordelaffi, partidário gibelino”54. Seis meses depois o poeta seguiu para
Verona, como emissário dos guelfos brancos região, e apresentou-se ao líder
gibelino Bartolomeo della Scalla, permanecendo durante nove meses até a morte
de Bartolomeo. Ao deixar Verona Dante segue para a cidade de Lunigiana a
convite do marquês de Malaspina. O marquês ouvira falar do talento diplomático
do poeta e o chama para resolver uma disputa entre ele e o Bispo de Luni. Dante,
em sua viagem pelo Além, se encontra com um Corrado Malaspina55 no
Purgatório. Este lhe indaga se conhece sua família, o poeta diz que não, mas
exalta sua fama muito conhecida, Malaspina então profetiza que no prazo de sete
anos Dante terá essa fama confirmada, numa alusão ao apoio que o poeta
receberá em Lunigiana. Segundo Hilário FRANCO JUNIOR56, Dante teria
freqüentado a Universidade de Bolonha entre 1304 e 1306, e em 1309 e 1310
teria estado na Universidade de Paris.
“Segundo Boccaccio, apesar de ter cumprido brilhantemente todas as obrigações ele não
obteve o título de Doutor em Teologia. Ou por lhe faltar o dinheiro necessário, ou por se
deixar entusiasmar pela entrada de Henrique VII na Itália, ou por esses dois motivos,
Dante não concluiu seus estudos em Paris, mas saiu deles bastante enriquecido”57.
53
LEWIS, op. cit., p. 98.
54
Ibid.,p. 99.
55
ALIGHIERI, Dante. op. cit., v.2: Purgatório, canto VIII, versos 118-138. p. 59.
56
FRANCO JUNIOR, op. cit., p. 30-31.
57
Ibid., p. 31.
26
58
RIBEIRO, Daniel Valle. Igreja e Estado na Idade Média: relações de poder. 2. ed.
Belo Horizonte: Lê, 1999.
59
LEWIS, op. cit., p. 86-87.
60
Ibid., p. 105-140.
61
Ibid., p. 143.
62
LEWIS, op. cit., p. 143.
27
63
ALIGHIERI, Dante. op. cit., v.1: Inferno,canto XXVII, verso 41, p. 182.
28
3 O NASCIMENTO DO PURGATÓRIO
A principal obra escrita por Dante foi batizada por ele de Commédia. O
adjetivo “divina” foi acrescentado posteriormente numa edição do século XVI.
Contudo, atribui-se a Giovanni Boccaccio, considerado primeiro grande
comentador de Dante, a primeira vez em que o termo foi utilizado. Boccaccio
também foi poeta e escritor e viveu mais ou menos setenta anos depois de Dante.
A Commédia de Dante Alighieri começou a ser escrita mais ou menos em 1307 e
foi concluída entre 1320 e 1321. Trata-se de uma narrativa escrita em versos que
contam a viagem que Dante teria feito ao além túmulo, ao Inferno, ao Purgatório
e ao Paraíso. O poeta latino Virgilio, a quem o próprio Dante chama de “meu
mestre”64, foi o guia no Inferno e no Purgatório. Beatriz, sua musa de infância, e
São Bernardo foram seus guias no Paraíso.
Contudo, esse tipo de narrativa de que Dante se utiliza não é uma
novidade. Ao contrário, trata-se de um estilo recorrente tanto dentro como fora da
Cristandade. O próprio Virgilio já havia utilizado uma narrativa semelhante, a
viagem ao além-mundo, na Eneida. Como também Homero já havia utilizado
antes na Odisséia. Como também o fizeram escritores cristãos e árabes que
viveram durante a época medieval. Entre os escritores medievais que trabalharam
com essa temática podemos citar Adam de Roe que, segundo Hilário FRANCO
JUNIOR, no século XII narra a viagem de São Paulo pelo Inferno. Também de
acordo com Hilário FRANCO JUNIOR, na mesma época, o místico Joaquim de
Fiore descrevera sua própria descida ao Inferno e sua ascensão ao Paraíso. Outra
obra, já muito famosa no século XIII, a Legenda Áurea (Lenda Dourada) escrita
por Giacomo de Voragine, narra a lenda segundo na qual São Patrício havia
visitado o Inferno e o Purgatório e visto o castigo dos condenados. Porém “se na
grande maioria dessas fontes utilizadas direta ou indiretamente por Dante não
64
ALIGHIERI, Dante. A Divina Comédia. São Paulo: Editora 34, 1998. v. 1: Inferno,
canto I, verso 85.
29
aparece o purgatório, isso não significa que ele fosse uma criação do Poeta”65.
Acredita-se que Dante tenha se “inspirado” nesses trabalhos para escrever a sua
Commédia.
O Purgatório nasce na segunda metade do século XII, no final de uma
grande reforma imaginada pela Igreja medieval para transformar toda a sociedade
conhecida como Reforma Gregoriana66. Esta foi uma ação ao mesmo tempo
religiosa e política. No aspecto religioso pretendia reformar e renovar o clero e
cristianizar verdadeiramente a sociedade, até então convertida apenas
superficialmente67. No aspecto político a Igreja pretendia a afirmação do poder
espiritual frente os poderes laicos. A Querela das Investiduras entre o Papa
Gregório VII e o imperador Henrique IV do Sacro Império Romano Germânico
traduz este aspecto político68.
Muito embora, graças aos esforços da Igreja, o medo do juízo final
povoasse o imaginário medieval, muitos homens tinham dificuldade em
abandonar os bens materiais e os prazeres da vida terrena, sobretudo
proporcionados pelo novo contexto de crescimento material. Aos poucos a
dicotomia entre o inferno e o paraíso imposta pela Igreja, já não atendia as
necessidades desta sociedade “que cada vez menos conseguia pensar no modelo
estritamente antagonista dos bons e dos maus, do preto e do branco”69. A fórmula
encontrada pela Igreja foi a determinação de um espaço sagrado no Além onde os
que não eram “nem totalmente bons, nem totalmente maus – distinção
agostiniana”70, e que se arrependiam, ainda que tardiamente, pudessem ter
esperanças de serem salvos. Este novo espaço foi o Purgatório, cuja única porta
de saída é o Paraíso.
65
FRANCO JUNIOR, Hilário. Dante Alighieri: o poeta do absoluto. São Paulo:
Brasiliense, 1986. p. 39.
66
LE GOFF, J. A bolsa e a vida. Economia e religião na idade média. São Paulo:
Brasiliense, 1986. p. 68.
67
Ibid, p. 65-67.
68
HEERS, J. História medieval. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1974. p.
95-110.
69
LE GOFF. op. cit, p. 67.
70
Ibid, p. 76.
30
71
LE GOFF,. O maravilhoso e o cotidiano no ocidente medieval. Lisboa: Estampa,
1983. p. 61.
72
LE GOFF,. op. cit., p. 61.
73
Aparentemente o Purgatório de São Patrício analisado por LE GOFF não é o mesmo
mencionado por Hilário FRANCO JUNIOR no começo deste capítulo, a Legenda Áurea, escrita
por Giacomo de Voragine.
31
escalar os nove círculos ou terraços da montanha até chegar ao topo onde fica a
entrada para o Paraíso.
79
DISTANTE, Carmelo. Prefácio. ALIGHIERI, Dante. A divina comédia: São Paulo:
Editora 34 , 1998.v. 1:Inferno.
33
4 OS GESTOS DO PURGATÓRIO.
80
ALIGHIERI, Dante. A Divina Comédia. São Paulo: Editora 34, 1998. Purgatório,
Canto III, versos 136-145.p. 30.
34
81
LE GOFF, Jacques. A bolsa e a vida. Economia e religião na idade média. São Paulo:
Brasiliense, 1989. p. 74.
35
82
LE GOFF, op. cit., p. 76.
83
ALIGIERI, Dante. op. cit., v1: Inferno, canto VIII, versos 52-70, p. 57
36
virgindade, já que em muitos casos é a esposa do morto quem vai interceder por
ele. Não nos parece que inocente signifique sem pecados, já que a princípio todos
os homens são pecadores, marcados pelo pecado original. Podemos pensar que,
assim como o homem antes de morrer deve expressar arrependimento sincero,
também o parente que permanece no mundo dos vivos e pede por sua alma
também deve observar a confissão e a contrição.
Peguemos um exemplo exterior à Commédia, o caso de usurário de Liège,
contado por Cesário de Heisterbach, por volta de 1220, e citado por LE GOFF84:
84
LE GOFF, op. cit., p. 77-78.
85
Id.
37
Outro fator que nos chama a atenção neste caso é o fato que um usurário
tenha sido salvo. A figura do usurário foi condenada pela Igreja durante toda a
Idade Média como um Pecado mortal. A nova condição econômica da
Cristandade faz com que os teólogos e religiosos repensem a condição do
usurário. Ele também merece ser salvo pelos serviços que presta dentro deste
novo contexto sócio-econômico.
Voltemos a examinar os casos da Commédia. No canto XIII, na cornija
dos invejosos, que têm seus olhos costurados com arame, Dante conversa com
uma moça de nome Sápia, que confessa ter sido invejosa e desejosa da desgraça
alheia, tendo se arrependido só na última hora. Ao saber que Dante é vivo e deve
a sua viagem à Graça divina, deduz que Deus o quer e portanto acolherá as
preces que ele Lhe fizer em favor da abreviação de sua pena no Purgatório.
86
LE GOFF, op. cit., p. 77.
38
“Tanto me agrada vosso cortês pedido, que eu não posso nem quero me esconder de
vós. Eu sou Arnaldo que choro e vou cantando; contrito, vejo a passada insensatez, e
contente vejo à minha frente a alegria que espero. Agora vos rogo, por aquele Poder que
vos guia ao topo desta escadaria, que vos recordeis, no devido tempo, de minha dor”89.
90
ALIGHIERI, Dante. op. cit., v2: Purgatório, canto XI, versos 121-136. p. 77.
40
CONCLUSÕES PARCIAIS
91
LE GOFF, Jacques. A civilização do ocidente medieval. Lisboa: Editorial Estampa,
1983. v. 1, p. 139.
43
REFERÊNCIAS
DUBY, Georges. Idade média, idade dos homens: do amor e outros ensaios.
São Paulo: Companhia das Letras, 1986.
44
_____ História: Novas abordagens. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979.
DANTE:
CAMPOS, Haroldo de. Pedra e luz na poesia de Dante. Rio de Janeiro: Imago,
1998.
FEDELI, Orlando. O paraíso de Dante: introdução. Dante: sua vida, suas obras,
seu tempo. Cadernos Montfort , cf.
http://www.montfort.org.br/cadernos/dante0.html