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A Cidade Das Mulheres PDF
A Cidade Das Mulheres PDF
Regina Abreu
Professora, UNIRIO
ções e sentimentos são expostos em son Carneiro, Ruth Landes foi aos pou-
uma narrativa em que é privilegiada a cos penetrando o universo da cultura
idéia do encontro com o outro, do qual negra. Édison Carneiro, na época com
ela retira o material para produzir sua 26 anos, era já um intelectual respeita-
obra. O falar de si e o construir a si mes- do, autor de dois livros sobre cultura e
ma nessa narrativa tornam-se indisso- religião negra na Bahia, repórter do jor-
ciáveis da produção do texto, na contra- nal O Estado da Bahia, integrante, jun-
mão de uma tradição hegemônica nas tamente com Jorge Amado e intelec-
ciências sociais que bane a primeira tuais locais, da Academia dos Rebeldes
pessoa dos relatos científicos e, como e simpatizante do Partido Comunista. A
assinalou Walter Benjamin, substitui a aproximação entre os dois deu início a
experiência pela informação e a narra- uma longa amizade e, como a própria
tiva pela história. A Cidade das Mulhe- Ruth Landes reconheceu, abriu-lhe as
res, escrito na contramão das tendên- portas da sociedade local, viabilizando
cias científicas vigentes no final da dé- sua pesquisa de campo.
cada de 40, significou a revitalização do O Brasil vivia, entretanto, sob a di-
estilo narrativo, contribuindo também tadura de Getulio Vargas. A antropólo-
para a construção de um modo de fazer ga americana foi seguida de perto por
antropologia marcado pela valorização policiais durante todo o seu percurso.
da experiência (a pesquisa de campo), No início de 1939, foi forçada pela polí-
pela sensibilidade para com as questões cia baiana a deixar às pressas o estado,
de gênero e, sobretudo, pela afirmação tendo de esconder seu material de pes-
da singularidade do sujeito no processo quisa. Pairavam sobre ela suspeitas de
de construção do conhecimento. espionagem e de filiação ao comunis-
Ruth Landes chegou ao Brasil em mo. Chegando ao Rio de Janeiro, Ruth
1938 para realizar uma “pesquisa an- Landes recorreu a amigos brasileiros
tropológica sobre a vida dos negros” e conseguiu visto de permanência por
com o objetivo de completar seu douto- mais algum tempo. Não lhe foi possível,
rado em antropologia na Universida- porém, retornar à Bahia, pois as autori-
de de Columbia. Com uma perspectiva dades que a haviam expulsado não es-
comparativa, a antropóloga nova-ior- tavam em completo acordo com a admi-
quina pretendia investigar as diferen- nistração central. Após permanecer al-
ças entre a situação inter-racial brasi- guns dias no Rio de Janeiro, onde, em
leira e a americana: “Ouvíramos contar companhia de Édison Carneiro, visitou
que a grande população negra [no Bra- alguns terreiros de “macumba”, partiu
sil] vivia fácil e livremente em meio à para os Estados Unidos.
população geral e queríamos saber de Somente em 1947, ou seja, oito anos
que forma a situação inter-racial diferia depois, Landes publicou os resultados
da nossa, nos Estados Unidos. Tratava- de sua pesquisa no livro intitulado The
se de um projeto que excitava a ima- City of Women. Na ocasião, uma parce-
ginação de poucas pessoas” (:35). A la importante do establishment antro-
pesquisa acabou tomando rumo com- pológico sobre o Brasil, tanto do lado
pletamente diverso do originalmente brasileiro quanto do americano, procu-
pretendido. Após uma breve estada no rou desqualificar suas descobertas. Ar-
Rio de Janeiro, a antropóloga embar- thur Ramos, então professor catedráti-
cou para a Bahia, onde permaneceu por co de antropologia na Universidade do
alguns meses. Lá, com o auxílio de Édi- Brasil, e Melville Herskovits, da North-
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