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Defesa da Ku-Klux-Klan não tira grandeza de


Lobato, diz biógrafo
A polêmica em torno do suposto racismo de Monteiro Lobato — levantada no ano
passado após o Conselho Nacional de Educação recomendar a inclusão de notas
explicativas no livro Caçadas de Pedrinho — ganhou novo fôlego. Tudo por causa
da publicação de cartas inéditas do escritor na última edição da Bravo!.

Publicado 11/05/2011 17:17

Nelas, são revelados o pouco apreço do autor de Urupês por "mestiços" e sua
simpatia pela Ku-Klux-Klan, sociedade secreta norte-americana que defende a
supremacia branca. Em algumas cartas, Lobato também se mostrava favorável à
eugenia — estudo fundamentado na ideia de aprimoramento da espécie humana
a partir da genética, que serviu de base para o nazismo e os argumentos sobre a
pretensa superioridade da raça ariana.

O historiador Vladimir Sacchetta, co-autor da biogra a Monteiro Lobato — Furacão


na Botocúndia, relativiza a identi cação do criador de Emília com a eugenia.

rasil/? Segundo ele, as acusações de racismo endereçadas ao escritor não passam de


"bobagem", uma atitude “extemporânea”.

“No livro (Caçadas de Pedrinho), eles caçam e matam uma onça pintada. Hoje seria
um crime ambiental. Naquele momento, não era. O mesmo acontece com as
expressões usadas pela Emília. Se ela chama a Tia Nastácia de "negra beiçuda" ou
"negra de estimação", isso não signi ca que ela está com uma atitude racista”,
a rma o biógrafo em entrevista a Ana Cláudia Barros, do Terra Magazine.

Para Sacchetta, no entanto, “é indefensável" a defesa que Lobato faz da Ku Klux


rmelho? Klan. “Isso é bem pesado. Mas, ao mesmo tempo, Lobato tinha sido editor do Lima
Barreto. Entendeu? Ele funcionava por impulso. Sabe excitação intelectual? Aí, ele
banca uma Emília, que mostra a língua. Isso não diminui a importância do Lobato
para a cultura brasileira.”

Con ra abaixo a entrevista.

Terra Magazine: Qual era a relação de Monteiro Lobato com a eugenia?


Vladimir Sacchetta: É preciso entender a relação do Lobato com a eugenia no seu
tempo. Não adianta olhar para a eugenia hoje, tendo acontecido o que aconteceu
na aplicação desta teoria para se chegar à raça pura, coisa que o nazismo fez.

É a mesma coisa que discutir as malcriações que a Emília fazia para a tia Nastácia
em 1933, passando pelo ltro do politicamente correto do século XXI. Hoje é
inadmissível que se coloque, em qualquer livro, expressões como "negra beiçuda",
"negra de estimação", coisa que o Lobato fazia naquele momento no qual não se
discutia o politicamente correto. Ponto.

Lobato tinha o maior apreço pela Tia Nastácia dentro da sua obra. Tanto que ela é
a própria criadora da Emília, seu personagem mais importante. Ela é a detentora
de um saber popular, diferente do saber livresco do Visconde de Sabugosa.

/
Terra Magazine: Na sua interpretação, essas expressões apontadas pelos
críticos de Lobato são racistas?
VC: Não chamo de racistas. Racista é uma atitude muito negativa com relação à
raça negra. Elas se tornam racistas se você enxergá-las sob o prisma do
politicamente correto dos dias de hoje.

Terra Magazine: O que você está destacando é que eram expressões correntes
na época…
VC: Correntes, correntes. A Emília é uma projeção do próprio Lobato, é o alterego
do Lobato para dar voz e vez às crianças daquele tempo que não tinham voz nem
vez. O Lobato quebra essa hierarquia adulto-criança e cria essa personagem que
questiona, é irreverente, pensa com a cabeça própria. Lobato veio subverter a
ordem adulto-criança. Mais do que isso: ele considerava a criança um ser
inteligente. Não era um adulto em miniatura, nem um idiota. A obra dele coloca a
criança como um ser inteligente o tempo todo.

Chamar o Lobato de racista é complicado. Tanto que se você pegar o conto


Negrinha, que dá título ao livro de 1920, 1921, vai ver a história da negrinha, lha
de ex-escrava que é massacrada, torturada, violentada dentro de uma casa de uma
senhora virtuosa, branca. Aquilo é um libelo contra uma sociedade branca, racista
e mais, com a conivência da igreja católica.

Terra Magazine: Como biógrafo de Lobato, como você avalia essas críticas,
acusações de que ele seria racista?
VC: Acho uma bobagem. É uma discussão extemporânea. Primeiro, a obra de
Lobato não tem que ser modi cada, alterada nem mexida. Cabe ao professor, que
faz a mediação entre o livro e a criança ou a ao pai, uma explicação disso. Por que

rasil/? essa expressão era corrente e possível naquela época. Estamos falando de 1933,
ano de Caçadas de Pedrinho, que é o tema atual por conta do parecer do Conselho
Nacional de Educação.

No livro, eles caçam e matam uma onça pintada. Hoje seria um crime ambiental.
Naquele momento não era. O mesmo acontece com as expressões usadas pela
Emília. Se ela chama a Tia Nastácia de "negra beiçuda" ou "negra de estimação",
isso não signi ca que ela está com uma atitude racista.

Terra Magazine: Você falou em contextualizar, mas um dos argumentos dos que
rmelho? criticam essas expressões na obra de Lobato é que nem todo professor, nem
todas instituições de ensino estariam preparados para fazer essa
contextualização. Há quem defenda que os livros, por essa razão, não deveriam
ser adotados pelas escolas públicas. O que você acha disso?
VC: É uma atitude radical. O professor tem que estar preparado para essa
mediação e para essa explicação. Dentro da preparação de um educador, de quem
faz essa mediação da leitura…Estamos falando em crianças e jovens de 12, 14
anos, no máximo. É essa faixa que lê a obra.

Terra Magazine: Um pouco mais jovem…


VC: Um pouco mais novos. Acho que cabe ao educador apontar, contextualizar,
datar, explicar falando que isso hoje é inadmissível. Se a Emília vivesse hoje, não
usaria essas expressões.

Tivemos uma abolição tardia. O Lobato nasce seis anos antes da Abolição. Ainda
estava muito fresco. Tanto o interior quanto a cidade de São Paulo tinham ex-
escravos. Ele teve ama de leite. As histórias que ele traz para sua obra, Saci, mitos
brasileiros, ele ouviu das ex-escravas. Lobato teve uma Nastácia que foi babá de
um dos lhos dele.

Terra Magazine: Voltando para a questão da eugenia. Numas das carta que ele
escreveu para Godofredo Rangel, o escritor sugeriu que a literatura "é um
processo indireto de fazer eugenia, e os processos indiretos, no Brasil, 'work'
/
muito mais e cientemente". No livro Raça Pura, da historiadora Pietra Diwan,
Lobato também é citado como alguém que demonstrava simpatia pelo
movimento eugenista. Na condição de biógrafo, como você descreve a relação
do Lobato com a eugenia?
VC: O Lobato, como um intelectual curioso com as ideias, se metia a pensar a
respeito de tudo e dava suas opiniões, seus palpites. Creio que, naquele momento,
ele achava isso. Isso não signi ca que ele, mais para frente, vá defender a eugenia.

Lobato estava sempre revendo seus conceitos. Em 1914, ele cria o Jeca Tatu e diz
que era indolente, preguiçoso, sacerdote da lei do menor esforço. Quatro anos
depois, ao tomar contato com as pesquisas do Belisário Pena e do Arthur Neiva
sobre saúde pública, ele vê que o Jeca Tatu é um homem do campo excluído e
doente. Na segunda edição de Urupês, ele pede desculpa ao Jeca Tatu e diz: – Jeca,
você não é assim. Você está assim porque carrega vermes, protozoários, amebas.
Ele usa Expressão "zoológico de protozoários".

Terra Magazine: O que você está querendo destacar é que Lobato era capaz de
reconsiderar uma posição?
VC: Reconsiderou uma posição. Nessa carta que deu a polêmica entre a autora Ana
Maria Gonçalves e o Ziraldo (a carta enviada a Godofredo Rangel que fala sobre
mestiçagem), ela cita um trecho que está na primeira edição da Barca de Gleyre, de
1944. Na segunda edição, que está na obra completa, organizada por Lobato para
a Brasiliense, aquele trecho foi suprimido.

Terra Magazine: Por que foi suprimido?


VC: Porque ele repensou, viu que não tinha nada a ver e cortou.

rasil/?
Terra Magazine: Numa carta escrita a Arthur Neiva, em 15 de dezembro de 1935,
e publicada na última edição da Bravo!, Lobato, ao se referir à mestiçagem na
Bahia, diz: "Mas que feio material humano formiga entre tanta pedra velha!A
massa popular é possivelmente um resíduo, um detrito biológico. Já a elite que
brota como or desse esterco tem todas as nuras cortesãs das raças bem
amadurecidas".
VC: O Lobato tinha esses impulsos. Ele falava o que achava. Isso não diminui a
grandeza dele e nem deve ser posto sob o tapete por seus admiradores, biógrafos.

Terra Magazine: Uma crítica que costuma ser feita é que esse lado do Lobato
rmelho? simpático à eugenia, o suposto racismo não são retratados pelos biógrafos.
Como você vê isto?
VC: Lobato é um escritor, cidadão cercado de preconceitos por todos os lados. Por
exemplo, Lobato e a Semana de 22, que se coloca como marco zero da cultura
brasileira e a partir dela se cria uma gura teórica do Pré-modernismo. A semana
de 1922 quis trazer Lobato para seu grupo e ele não topou porque achava que os
modernistas brasileiros estavam importando escolas estrangeiras, europeias, sem
o devido espírito crítico.

Ele faz aquela crítica à exposição da Anita Malfatti. Os modernistas e os críticos da


escola modernista pegam e recortam essa crítica dele e pegam trechos em que
Lobato é radicalmente contra essa importação dos "ismos", como ele dizia,
chamava de arte caricatural. Eles descontextualizam o texto em que Lobato fala
que Anita era uma pintora poderosa, dominava a técnica. Ele faz muitos elogios a
ela.

Mas pegam o trecho em que ele critica dessa forma "lobatiana". Ele usa expressões
muito duras porque era um polemista. Aí, inventam um rompimento radical com o
movimento modernista, o que é uma mentira, uma bobagem.

Terra Magazine: Em outra carta de Lobato, também publicada na Bravo! — e


apresentada em fevereiro na "Carta aberta a Ziraldo" da escritora Ana Maria
Gonçalves —, ele diz: "País mestiço onde branco não tem força para criar uma
/
Ku Klux Klan, é país perdido".
VC: Claro que a defesa da Ku Klux Klan é indefensável. Isso é bem pesado. Mas, ao
mesmo tempo, Lobato tinha sido editor do Lima Barreto. Entendeu? Ele funcionava
por impulso. Sabe excitação intelectual? Aí, ele banca uma Emília, que mostra a
língua.

Isso não diminui a importância do Lobato para a cultura brasileira. É um homem


que levantou a bandeira do petróleo na década de 1930 e hoje temos a Petrobrás.
Concebeu, por exemplo, a literatura paradidática. Hoje, ela está em todas as
escolas.

Terra Magazine: Na sua opinião, essas questões que estão sendo levantadas
podem, de alguma forma, arranhar a imagem do Lobato escritor?
VC: Acho que não. O escritor é um homem como outro qualquer. Tem suas
contradições. Não é um ser imaculado e puro, coerente o tempo todo. É um ser
humano sujeito a chuvas e trovoadas.

Lobato, quando foi preso pela questão do petróleo, passou por um primeiro
julgamento no Tribunal de Segurança Nacional, que era um tribunal de exceção da
Ditadura Vargas e, nesse primeiro julgamento, ele foi absolvido. O que ele faz? Ele
pegou uma caixa de bombons meio comida, incompleta e mandou essa caixa para
o presidente do Conselho Nacional do Petróleo, general Horta Barbosa, e disse o
seguinte, que estava mandando um presente, agradeceu o tempo em que passou
preso, quando teve oportunidade de conhecer gente muito melhor do que o
primeiro escalão do governo.

O que aconteceu? O tribunal recorreu e ele foi condenado por conta desse ato

rasil/?
intempestivo. Esse era o Lobato. Um cara que funcionava intempestivamente.

Terra Magazine: O que o senhor acha da inclusão de notas explicativas nas


próximas edições dos livros de Lobato?
VC: Acho que alterar a escrita dele, de forma alguma. Talvez, colocar numa
introdução, uma explicação, até para orientar o mediador para a leitura da criança,
seja o pai, seja o professor.

Fonte: Terra Magazine

rmelho?
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