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O Trivium e o Quadrivium

Em busca de seu próprio desenvolvimento, o ser humano


baseia-se nas ciências e artes de sua época, em busca de
aprimorar o seu conhecimento e realizar novas descobertas.
Para nortear estes estudos, na Idade Médica, contávamos com
uma base curricular baseada nas sete ciências e artes liberais,
as quais denominamos (e as dividindo em grupos de três e
quatro) trivium e quadrivium. Mediante o seu domínio, o
homem é capaz de produzir obras e ideias com o poder de
elevar o espírito humano para além dos interesses puramente
materiais.
A Educação Liberal ou Artes Liberais é um conjunto de
estudos e disciplinas que provê conhecimentos, métodos e
habilidades intelectuais gerais para seus estudantes, ao invés
de focar em especializações ocupacionais. Embora a expressão
e conceito tenha se originado na Antiguidade, foi nas
universidades da Idade Média que ela adquiriu seu alcance e
significado de Studim Generale (título dado pela Igreja
Católica ou por Reis e Imperadores que indicava que o
instituto era de excelência internacional), bem como o número
de disciplinas que a compõe. Na Idade Moderna, eram
consideradas próprias para a formação de um homem livre e
desligadas da preocupação profissional, contrapondo-se às
artes mecânicas (estritamente técnicas, materiais e
profissionais).
É interessante notar que o conceito de arte nesta época é
diferente do que estamos habituados a entender. Aristóteles a
definiu como “a capacidade de produzir com raciocínio reto”
ou “uma disposição suscetível de criação acompanhada de
razão verdadeira”. Em suma, ainda não se havia produzido o
divórcio entre a teoria e prática, a ciência e arte. “A ciência
sem a arte não é nada”. A construção de uma catedral ou
monastério era compreendida, por exemplo, como uma
conjugação de atividade intelectual e manual: a ideia
concebida no espírito era materializada graças ao esforço e
habilidade da mão. Compreendia-se assim para todos os
ofícios da Idade Média. Isto nos estabelece elementos mais
claros para compreender porque que a Educação Liberal
também era denominada Artes Liberais.
Para entender o porquê da segunda parte do termo, “liberal”,
tomemos o que dizia o rei espanhol Alfonso X, o Sábio,
“querem totalmente livre de todo outro cuidado e estorvo ao
que desejava aprender”. Sendo assim, era “liberal” porque se
necessitava uma plena e total dedicação a seu estudo e
investigação.
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Segundo a educação clássica e medieval, para aproveitamento


total destas artes, precisamos das cinco virtudes intelectuais
(duas práticas e três teóricas). Nas definições clássicas,
a compreensão é o captar intuitivo dos princípios através do
pensamento e investigação lógica; a ciência é o conhecimento
das causas mais prováveis; a sabedoria é a compreensão das
causas fundamentais; a prudência é o pensamento coerente
concernente às ações e, por fim, a arte é o pensamento
aplicado à produção e capacidade de produzir.
A Educação Liberal era
dividida em dois grupos de disciplinas, o trivium e
o quatrivium. O primeiro concentra-se no estudo do texto
literário por meio de três ferramentas de linguagem
pertinentes à mente. Já o segundo, engloba o ensino do
método científico por meio de quatro ferramentas
relacionadas à matéria e à quantidade.
Etimologicamente, trivium significa “o cruzamento e a
articulação de três ramos ou caminhos”. Inclui a lógica (ou
dialética), a gramática e a retórica. Tinha como objetivo
prover disciplina à mente, para que esta possa expressar-se
através da linguagem. A partir da comparação aos estudos
mais avançados do quadrivium, surgiu a palavra trivial,
caracterizando aquilo que é básico, simples ou banal.
Lógica é o conjunto de estudos que visam a determinar os
processos intelectuais, que são condição geral do
conhecimento. Discute o uso do raciocínio em alguma
atividade e também é o estudo normativo e filosófico da
validez do raciocínio. Examina as formas que a argumentação
pode tomar, quais dessas formas são válidas e quais
constituem falácias.
Gramática é o estudo dos fatos da linguagem, falada ou
escrita, e das leis naturais que a regulam.
Retórica é o conjunto das regras relativas à eloquência. É a
arte de usar uma linguagem para comunicar-se de forma
eficaz e persuasiva.
Como outras artes normativas, que ajustam ou regulam
segundo um padrão ou norma, as artes da linguagem
consistem em estudos práticos que ajustam a linguagem
segundo uma norma, como por exemplo: o pensamento
segundo a verdade, as palavras faladas e escritas segundo
a correção ou a comunicação segundo a eficácia. É por isso
que, no âmbito das artes liberais e dos princípios da educação
superior, diz-se que “a verdade é a norma ou meta de lógica”,
“a correção é norma da gramática” ou “a eficácia é norma da
retórica”.
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A educação ocorre por meio da comunicação, ou seja, pelo


encontro de duas ou mais mentes que possuem algo em
comum. De acordo com este sistema, isso implica que a
conclusão do trivium, antes de tudo, é um estudo básico, cujo
objetivo primordial é dar início a uma vida de aprendizagem
com a qual se adquirem uma das cinco virtudes intelectuais
acima explicadas (se ainda o aluno não tem ao menos uma
destas virtudes).
Após a conclusão do Trivium temos o Quadrivium, que
significa o cruzamento de quatro ramos ou caminhos. É
voltado para o estudo da matéria e composto
por aritmética (a teoria do número), música (a aplicação da
teoria do número), geometria (a teoria do espaço)
e astronomia (a aplicação da teoria do espaço). Objetivava
prover meios e métodos para o estudo da matéria, sujeitos a
aprimoramento no âmbito das disciplinas ditas superiores.
A Aritmética investiga a propriedade dos números e as
operações possíveis entre eles.
No âmbito do quadrivium, a Música é entendida como o
estudo dos princípios musicais, tais como os sons, os ritmos e
a harmonia. Logo, não podemos confundi-la com a música
instrumental aplicada, que constitui uma das sete belas artes.
Geometria é a ciência que investiga formas, dimensões,
tamanho e posição relativa com as propriedades do espaço.
Astronomia é a ciência que trata da constituição, da posição
relativa e dos movimentos dos astros.

Segundo os
propugnadores de tal método educacional clássico, como
Raimundo Lúlio, para que se possa penetrar em níveis de
conhecimento superior das ciências, da metafísica ou
da teologia, o indivíduo deve ser capaz de pensar de forma
retilínea e coerente, fazendo uso correto e eficaz das palavras,
nos mais variados níveis de discurso. Sendo assim, após a
Educação Liberal, temos as disciplinas superiores, que são
a parte central e preparatória do currículo das universidades
medievais, preparando o aluno para entrar em contato com as
três principais formações de tais centros de saber:
a Medicina, o Direito e a Teologia.
A partir do século XVI as artes liberais passavam por várias
transformações que refletiam as mudanças daquela época.
Com as descobertas científicas, as grandes navegações, a
difusão da imprensa, o Renascimento e a Reforma, tornou-se
necessário adaptar as artes liberais às demandas de seu
tempo.
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O Humanismo italiano renascentista continuou a tradição de


ensino das artes liberais da Idade Média, enfatizando e
renomeando os estudos iniciais, o trivium, aumentando a sua
abrangência, conteúdo e significado no currículo das escolas e
universidades, sob o ambicioso nome de Studia humanitatis.
Precursores das atuais Ciências Humanas, ele mantinha o
estudo da gramática e da retórica, mas excluía a lógica, e
acrescentava o estudo do grego, da filosofia moral e da poesia,
na época a matéria mais importante do grupo.
Neste contexto, o educador Comenius separou a educação
superior da educação pré-universitária de jovens e crianças.
Segundo seu currículo, haveria o estudo das artes liberais
embutidas no nível equivalente ao ensino médio: a gramática,
a física, a matemática, a ética, a dialética e retórica, além das
línguas clássicas e modernas.
Porém, as Artes Liberais não sobreviveram ao Iluminismo
Europeu, sendo substituída pela educação científica. Deram
lugar à formação profissional a partir das reformas
universitárias na Prússia, lideradas por Alexander Humboldt e
na educação universitária francesa após a revolução.
A Educação Normal Superior e a Escola
Politécnica visava a formação profissional e considerava a
formação liberal como resquício da aristrocacia.
Gradualmente, a maior parte das universidades da Europa e
do mundo abandonaram a educação liberal. As primeiras
faculdades de nosso país abandonavam a formação liberal.
Esta forma de educação continuou a existir nos Estados
Unidos e Canadá. Em 1996, Roger Martin, presidente do
Moravian College (uma faculdade de artes liberais nos Estados
Unidos), relembrou o papel de Comenius no desenvolvimento
das artes liberais contemporâneas, na conferência What does
liberal education offer the civil society?, marcando a
reintrodução das artes liberais como programa no ensino
superior europeu. Após isto, algumas universidades brasileiras
já as incluem em seus currículos através de Bacharelados
Interdisciplinares. É válido ressaltar que elas não seguem
totalmente o esquema antigo, mas visam conhecer as ciências,
humanidades e tecnologias, adaptando o estudante às
mudanças da sociedade, tecnologias e do mercado, além de
estar pronto para avaliar e utilizar criticamente as
informações.
Voltemos agora os
nossos olhos para o ponto de vista esotérico. As sete artes
liberais correspondem aos sete graus iniciáticosanálogos
aos sete céus planetários, que representam uma hierarquia
de estados espirituais. A Gramática se assimilava à Lua, a
Retórica à Mercúrio, a Lógica à Vênus, a Aritmética ao Sol, a
Música à Marte, a Geometria à Júpiter e a Astronomia à
Saturno.
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Ao observarmos a Lua vemos a polaridade entre luz e


sombras, a variação de luminosidade em sua superfície.
Quando os raios de luz, oriundos da razão, não conseguem
tomar forma através de palavras, temos a sombra. À medida
que vamos construindo o conceito, a sombra vai diminuindo e,
quando a nova palavra surge, temos a luz, o brilho da Lua.
Além disto, as palavras são cíclicas e mudam com o tempo.
Hoje não utilizamos diversas palavras que eram usadas antes e
no futuro algumas palavras de hoje não mais estarão em uso.
Da mesma forma, algumas palavras em desuso podem
começar a ser reutilizadas hoje. Devido a isto associamos a
Lua à Gramática.
Vênus pode ser comparado à Lógica ou Dialética por causa
do aspecto de seu brilho, que é melhor de se ver do que
qualquer estrela, e à sua aparição, tanto em parte da manhã
quanto em parte da noite. A Lógica é a arte que mais vemos,
pois é o alicerce de todas. Além disto, quando o orador fala
face a face com o ouvinte, relacionamos à sua aparição
matutina, e quando fala por meio da escrita, de forma distante
e indireta, relacionamos à aparição do planeta à noite.
Mercúrio pode ser comparado à Retórica por causa de duas
propriedades: é visto como a menor “estrela” do céu e, em sua
passagem, é velado pelos raios do Sol mais do que qualquer
outra estrela. Podemos considerar esta arte como a menos
essencial, pois está contida em todas as ciências ao mesmo
tempo em que é inteiramente constituída delas; e sua
passagem é velada mais do que qualquer outra arte, já que
argumentos são sempre substituídos por outros mais
sofisticados e até mesmo polêmicos.
Todas as estrelas são banhadas pela luz do Sol e não podemos
olhar diretamente para ele. Da mesma forma, todas as ciências
são iluminadas pela luz da Aritmética, pois todos os assuntos
são considerados sob algum aspecto numérico. Por exemplo,
quando estudamos o movimento, levamos em consideração o
princípio da continuidade, que tem em si mesmo o princípio
de número infinito. A concepção de número não existe apenas
no conjunto de todos eles, mas cada reflexão que fazemos nos
leva a esta compreensão. Os números são a base de todas as
coisas. Além disso, não podemos olhar para eles, através do
intelecto, pois a medida e concepção dos mesmos é infinita e
isto nós não podemos compreender. Por isto temos esta
correlação.
Em Marte encontramos a mais bela relação, pois na
contagem dos sete céus e três móveis, é o quinto e o meio de
todos eles. Mesmo se colocarmos em pares, ele ainda estará no
quinto. Além disto, para Ptolomeu, Marte é tão quente que
seca as coisas e as incinera, por isto ele aparece na cor de fogo,
às vezes mais e às vezes menos, de acordo com a densidade ou
raridade dos vapores que a acompanham, que muitas vezes
inflamam por si só. Albumasar diz que a ignição desses
vapores significa a morte de reis e a mudança dos reinos e é
por isto que Sêneca disse que viu no céu uma bola de fogo na
ocasião da morte do imperador Augusto. A Música é a ciência
das relações, como podemos ver nas palavras e canções
harmonizadas. Também atrai para si os espíritos humanos que
são, por assim dizer, principalmente vapores do coração, de
modo que eles deixam quase completamente a sua atividade,
ou seja, quando escutamos o som de uma música o espírito
corre para recebê-la. Por isto associamos este planeta a esta
arte.
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Júpiter pode ser comparado a Geometria e podemos


visualizar isto nestas propriedades: uma é que ele se move
entre dois céus contraditórios (Marte e Saturno) com sua
temperança, sendo um planeta entre o frio de Saturno e o
calor de Marte (na concepção antiga); e outra é que é
visivelmente a “estrela” que mais parece branca, prateada. Os
movimentos da Geometria ocorrem entre duas coisas
antitéticas, ou seja, o ponto e o círculo, este em sentido amplo,
sendo qualquer coisa redonda, sólida ou superfície, pois, como
diz Euclides, o ponto é o início e o círculo é a sua figura mais
perfeita que deve ser concebida como o seu fim. Sendo assim,
a Geometria se move entre o ponto e o círculo, entre o início e
o fim, e esses dois são antitéticos; o ponto não pode ser
medido por ser indivisível e é impossível fazer a quadratura
perfeita de um círculo por causa de seu arco, o que faz com
que também não possa ser medido com exatidão. A Geometria
também é a arte mais branca na medida em que é sem mácula
de erro e mais certa tanto em si mesma quanto em sua serva, a
Óptica (caso houvesse algum, não se teria as formas exatas de
um objeto, sendo este criado ou obra da natureza, por
exemplo). Desta forma justifica-se a relação.
O céu de Saturno tem duas propriedades, pela qual pode ser
comparado à Astrologia. Uma delas é a lentidão do seu
movimento através dos 12 signos, pois de acordo com os
escritos dos astrólogos, é necessário um tempo de mais de 29
anos para a sua revolução. Outra é que ele é elevado acima de
todos os outros planetas. E essas duas propriedades são
encontradas na Astrologia. Para concluir seu ciclo (ou seja,
para dominar esta ciência) um grande espaço de tempo passa,
tanto por causa de suas servas, que são mais numerosas do
que os de qualquer uma das acima mencionadas ciências, e
por causa da experiência exigida nele para fazer julgamentos
corretos. Além disso, é muito maior do que todos os outros,
uma vez que, como diz Aristóteles, em sua essência, uma
ciência é rica em nobreza, em virtude da nobreza do seu tema
e em virtude de sua certeza; e este, mais do que qualquer dos
mencionados acima, é mais elevado e nobre, pois diz respeito
ao movimento do céu, e sua nobreza e certeza é impecável, já
que é proveniente de um princípio perfeito e regular. E se
alguém acredita que há uma falha nele, ele não pertence à
ciência, mas como diz Ptolomeu, da nossa negligência. Eis o
porquê de tal relação.
Em algumas Ordens Iniciáticas antigas, para entrar no templo,
em determinado grau, era necessário subir 15 degraus,
divisados em 3, 5 e 7. O primeiro degrau era relacionado ao
saber que tudo provem do Altíssimo, o segundo a igualdade
humana e o terceiro a guiar nossas ações na justiça e na
retidão de caráter. Assim temos o primeiro conjunto de
degraus (três). O segundo era relacionado aos cinco sentidos e
o terceiro às Artes Liberais, o trivium e
o quadrivium. Lembremos agora as normas para o estudo das
Artes Liberais, que são a verdade, a correção e a eficácia,
relacionando-as aos três primeiros degraus. Aos cinco
próximos degraus, os cinco sentidos, lembremo-nos das cinco
virtudes necessárias para o indivíduo que segue o currículo da
Educação Liberal. E aos sete últimos, o trivium e
o quadrivium, os sete graus relacionados aos sete planetas. E
aqui temos a formação de um homem livre e de bons
costumes, justificando assim a importância deste antigo
currículo e a necessidade de que a juventude de nossos dias
pudesse ser novamente guiada por tão belos princípios.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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dos limites profissionais. Disponível
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GONZALES, Federico. Programa Agartha: Introdução à
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em: http://introduccionalsimbolismo.com/portugues/ (acesso
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LAUAND, L. J. Currículo e Reformas Curriculares.
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STRAUSS, Leo. O que é educação liberal? Disponível
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Disponível
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http://pt.wikipedia.org/wiki/Artes_liberais (acesso em
10/06/2014)

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