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M I S T I C I S M O l C I Ê N C I A l A R T E l C U L T U R A

VERÃO 2019
Nº 307 – R$ 10,00

ISSN 2318-7107
Cerimônia de emanações especiais de proteção e Paz para a Terra
As Lojas, Capítulos e Pronaoi Rosacruzes realizam uma cerimônia muito especial que
envia vibrações de harmonia e paz para a Terra e todos os seres que nela habitam.
Nestes momentos cruciais pelos quais passa a humanidade, em que recrudescem as intolerâncias e
ao mesmo tempo surgem inúmeros movimentos em prol da paz, da tolerância e da harmonia entre
os povos, convocamos todos os Rosacruzes a participarem ativamente do ritual de LUZ, VIDA e
AMOR no Organismo Afiliado que mais lhes aprouver, contribuindo desta forma para fortalecer
as energias positivas do Cósmico em favor de toda a Humanidade e da nossa Mãe Terra.

uma nitas que una


ra h sun
“ Ter t ”.
n MENSAGEM

Prezados Fratres e Sorores


© AMORC

Saudações Rosacruzes!

Apresento mais uma edição de “O Rosacruz” para os


membros de língua portuguesa.
A Ordem tem se desenvolvido em Portugal com novas
instalações na cidade do Porto e significativas adaptações
na Loja Rosacruz de Lisboa, incluindo o Martinismo local.
À despeito do recente ciclone que atingiu Moçambique e
de os nossos fratres e sorores terem recebido nosso apoio metafísico, pedimos que
vibrem por nossos irmãos e irmãs africanos porque muitos perderam suas casas e
quase tudo. Não obstante, há planos para a fundação de três Pronaoi naquele país.
Angola, por sua vez, vem se desenvolvendo de forma visível no campo do
rosacrucianismo e um templo novo em um terreno localizado em zona nobre de
Luanda deverá surgir.
Encaminho anexo uma breve homenagem ao Frater Christian Bernard, nosso
Imperator. Este opúsculo procura relembrar a trajetória de um dedicado Rosacruz e
leal Servidor dos Mestres.
Os artigos desta revista procuraram destacar assuntos que são do interesse de todo
membro da Ordem, pois levantam questões e lançam luz sobre a psicologia humana e
sobre as buscas e realizações que o estudante sincero tem em sua vida.
Espero que seu conteúdo esclareça, levante dúvidas e, sobretudo, conforte o seu
coração de místico.
Despeço-me com meus melhores votos de Paz Profunda.

Sincera e Fraternalmente
AMORC-GLP

Hélio de Moraes e Marques


Grande Mestre

VERÃO 2019 · O ROSACRUZ


1
n SUMÁRIO

04 Solidão
Por CHRISTIAN BERNARD, FRC
04
07 Um presente vivo de amor
Por WIM BARBARD, FRC

10 O eminente Robert Fludd – um apologista da Rosacruz


Por RALPH M.LEWIS, FRC

20 Criando seus próprios universos:

10
Sonhos modelando a realidade
Por MARIO SALES, FRC

26 A pedra e o caçador
Por BÊH OUATTARA, FRC

30 O espírito de voluntariado
Por KENNETH U. IDIODI, FRC

36 Máscara e personalidade

20
Por SÉRGIO CARLOS COVELLO, FRC

39 A Paz
Por ANDRÉ GENERINO DA SILVA, FRC

40 A Grande Fraternidade Branca


Por FRANCISCO RODRIGUES DE FREITAS, FRC

48 Sanctum Celestial
“A ALMA DO MUNDO” por H. SPENCER LEWIS, FRC

52 Ecos do passado
UMA HOMENAGEM À HISTÓRIA DA AMORC NO MUNDO
36
2 O ROSACRUZ · VERÃO 2019
O
s textos dessa publicação não representam a palavra oficial da
AMORC, salvo quando indicado neste sentido. O conteúdo dos
artigos representa a palavra e o pensa­mento dos próprios autores
Publicação trimestral da e são de sua inteira respon­sabilidade os aspectos legais e jurídicos que
Ordem Rosacruz, AMORC
possam estar inter-relacionados com sua publicação.
Grande Loja da Jurisdição de Língua Portuguesa
Bosque Rosacruz – Curitiba – Paraná Esta publicação foi compilada, redigida, composta e impressa na Ordem
Rosacruz, AMORC – Grande Loja da Jurisdição de Língua Portuguesa.
Todos os direitos de publicação e repro­dução são reservados à Antiga
e Mística Ordem Rosae Crucis, AMORC – Grande Loja da Jurisdição de
Língua Portu­guesa. Proibida a reprodução parcial ou total por qualquer meio.
As demais juris­dições da Ordem Rosa­cruz também editam uma revista
do mes­mo gênero que a nossa: El Rosacruz, em espanhol; Rosicru­cian
Digest e Rosicrucian Beacon, em inglês; Rose+Croix, em francês; Crux
Rosae, em alemão; De Rooz, em holandês; Ricerca Rosacroce, em italiano;
Barajuji, em japonês e Rosenkorset, em línguas nórdicas.
CIRCULAÇÃO MUNDIAL

Propósito da expediente
Coordenação e Supervisão: Hélio de Moraes e Marques, FRC
Ordem Rosacruz n

A Ordem Rosacruz, AMORC é uma orga- n Editor: Grande Loja da Jurisdição de Língua Portuguesa
nização interna­cio­nal de caráter templário,
místico, cul­tural e fraternal, de homens e
n Colaboração: Estudantes Rosacruzes e Amigos da AMORC
mulheres dedicados ao estudo e aplicação

como colaborar
prática das leis naturais que regem o uni-
verso e a vida.
Seu objetivo é promover a evolução da
huma­nidade através do desenvolvimento
das potencia­lidades de cada indivíduo e
n Todas as colaborações devem estar acom­panhadas pela declaração do
propiciar ao seu estudante uma vida har- autor cedendo os direitos ou autori­zando a publicação.
moniosa que lhe permita alcançar saúde,
felicidade e paz.
n A GLP se reserva o direito de não publicar artigos que não se encaixem
Neste mister, a Ordem Rosacruz ofe- nas normas estabelecidas ou que não esti­verem em concor­dância com a
rece um sistema eficaz e comprovado de pauta da revista.
instrução e orientação para um profundo
auto­c onheci­mento e compreensão dos n Enviar apenas cópias digitadas, por e-mail, CD ou DVD. Originais não
processos que conduzem à Iluminação. serão devolvidos.
Essa antiga e especial sabedoria foi cui-
dadosamente preservada desde o seu n No caso de fotografias ou ilustrações, o autor do artigo deverá providenciar
desenvolvimento pelas Escolas de Misté- a autorização dos autores, necessária para publicação.
rios Esoté­ricos e possui, além do aspecto
filosófico e metafísico, um caráter prático. n Os temas dos artigos devem estar relacionados com os estudos e práticas
A aplicação destes ensinamentos está ao rosacruzes, misti­cismo, arte, ciências e cultura geral.
alcance de toda pessoa sincera, disposta a

nossa capa
aprender, de mente aberta e motivação
positiva e construtiva.

Religiões Mundiais: No canto superior esquerdo a


faixa do zodíaco. As constelação de Touro, Áries e
Peixes representam as influências que descem à Terra
e são responsáveis pelo estabelecimento das insti-
tuições religiosas e filosóficas apresentadas. Maomé,
segurando páginas do Alcorão, o Touro Celestial, o
Deus Persa do Sol – Mitra, o Alto Sacerdote de Israel
Rua Nicarágua 2620 – Bacacheri
82515-260 Curitiba, PR – Brasil
segurando o Menorah, o Touro Ápis, o Pai Nilo, as
Tel (41) 3351-3000 / Fax (41) 3351-3065 Pirâmides, o Cordeiro de Deus e outros símbolos
www.amorc.org.br religiosos compõem a pintura de J. Augustus Knapp.

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n IMPERATOR

Solidão Por CHRISTIAN BERNARD, FRC – Imperator da AMORC*

M
uitas vezes, as pessoas confiam e, consequentemente, tenho milhares de
em mim, confidenciando: “Eu irmãos e irmãs, amigos e companheiros de
me sinto sozinho”; “sinto-me viagem. Eu nunca estou sozinho. Você pode
excluído”, “não me encaixo”, ter esse mesmo sentimento ao saber que
“fui abandonado” e assim por diante. pertence à grande família da humanidade.
Independentemente de sermos extrovertidos A origem latina da palavra solidão é
ou introvertidos, não vivenciamos a solidão “solitude” que é definida como: “… situação
da mesma maneira. Alguns dizem que de uma pessoa que está sozinha, momen-
não existe, outros que você se acostuma. tânea ou duradouramente. A solitude é um
De minha parte, experimentei uma estado de abandono, de separação, que uma
forma de solidão como filho único pessoa sente em contraste com a cons-
e sou bastante introvertido. ciência humana ou a sociedade”.
Mas as coisas estão diferentes há Na vida cotidiana, a solidão pode
muito tempo e estou feliz por ter ser muito angustiante, na verdade,
uma grande família hoje em dia, mais angustiante do que qualquer
ou melhor, duas famílias grandes, outra coisa, resultando, às vezes, de
pois sou afiliado da Rosacruz uma tragédia, uma deficiência, uma

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separação definitiva ou temporária de alguém Podemos ver que aqueles que se afun-
querido, ou de ser abandonado. O famoso po- dam na solidão profunda raramente são
eta francês do século 19, Alphonse de Lamar- alegres, comunicativos e responsivos aos
tine, escreveu: “Você está perdendo uma única outros. Você vai me dizer que eles podem, é
pessoa e todo o mundo está vazio!” claro, simplesmente ser pessoas conscientes
Há pessoas que estão genuinamente iso- e profundamente meditativas, e também
ladas e outras que, apesar de encontrarem podem ser muito felizes, ter grande rique-
muitas pessoas diariamente e de ter muitos za interna, estar contentes com sua própria
contatos em todos os momentos, sentem- companhia e assim por diante. Não tenho
-se terrivelmente sozinhas. Esse isolamento dúvidas de que isso é possível, e conheço
emocional é, portanto, todo na mente, e é pessoas assim. No entanto, essa solidão pode,
vital não obter satisfação apenas fora dela em alguns casos, mascarar um desconten-
e não construir paredes invisíveis que não tamento, até mesmo uma tendência ao que
tenham porta ou janela entre nós e os ou- denominamos depressão, uma noite obscura
tros. As pessoas, claro, imaginam que essas e permanente. Se esta solidão também incluir
paredes protegem, mas isso não é verdade, é silêncio, isso pode estar confirmando o que
bem o contrário. Sem saída para o exterior, eu disse anteriormente. No entanto, esse não
eles nos sufocam interiormente, impedem- é sempre o caso, e também é verdade que
-nos de liberar nossas emoções e nos con- um excesso de tagarelice e expressividade
finam em um ambiente doentio, nocivo e pode ser sintomático de uma enorme sen-
prejudicial à nossa saúde emocional e física. sação de solidão ou de um vazio interior.

Nossa linguagem sabiamente compreendeu Quando eu disse “a solidão é santa”, eu não


os dois lados de estarmos sozinhos. Ela criou quis dizer com a solidão uma separação
a palavra “isolamento” para expressar a dor ou um completo esquecimento das pessoas
de estar sozinho. E criou a palavra “solidão” e da sociedade, mas uma retirada onde
para expressar a glória de estar sozinho. a alma pode comungar consigo mesma.

– Paul Tillich – Alfred De Vigny

“ É bem sabido que temos que ser


uma boa companhia para nós mesmos,
mas isso não exclui ser boa companhia
para os outros também.

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n IMPERATOR

É bem sabido que temos que ser uma boa Voltando a esta sensação de solidão que
companhia para nós mesmos, mas isso não todos nós experimentamos em graus va-
exclui ser boa companhia para os outros tam- riados, podemos dizer que ela surge mais
bém. Sua resposta pode ser que geralmente frequentemente em épocas difíceis, quando
as pessoas estão longe de ser agradáveis e não estamos tristes ou com dor. É acompanhada
se pode ter muito a ver com elas, e que suas por um sentimento de que os outros não nos
falhas tão óbvias lhe causam mais aborreci- compreendem, pela noção de não sermos
mento e angústia do que interesse ou prazer. apreciados pelas ações e pelo trabalho que re-
Qual é a fonte desse sentimento de solidão alizamos, por lutar sozinhos, por não sermos
que sentimos, que muitas vezes nos leva apoiados nem ajudados… em resumo, por
a dizer que estamos sempre sozinhos? É estarmos sozinhos, completamente sozinhos,
porque, ao encarnarmos, estamos deixando carregando um fardo pesado e suportando
uma família, a grande Alma Universal, com as dores do mundo em nossos ombros.
pesar? É porque a nossa mãe biológica, ao nos Sentir que não somos compreendidos por
expulsar do seu corpo, nos forçou em instan- outra pessoa ou por outras pessoas, ou…,
tes a nos tornarmos um ser independente e, a como as expressões populares dizem, “pregar
partir de então, lançados para descobrir outro no deserto”, “não ser ouvido nem mesmo
universo? Ou é o peso das responsabilidades gritando”, e assim por diante…, deixa um
e deveres exigidos de nós individualmente? profundo sentimento de solidão no cora-
ção humano. Muito provavelmente será
“Na solidão somos nós os menos sozinhos.” assim por muito tempo ainda, pois isso faz
parte de nossa natureza humana, está liga-
– Lord Byron do ao nosso ego. Leitor dessas reflexões…,
lembre-se de que você não está sozinho!
Quando superamos um obstáculo e triunfa-
mos sobre uma provação, ficamos orgulhosos “Vou levar tempo para ficar sozinho
de ter feito isso por nós mesmos, sem a ajuda hoje. Vou levar tempo para ficar
de mais ninguém. Um feito pessoal é mui- quieto. Nesse silêncio escutarei…
tas vezes uma melhor experiência e melhor e ouvirei minhas respostas.”
sentimento do que um sucesso de grupo. Do
nascimento à morte, constantemente recorre- – Ruth Fishel 4
-se a este princípio básico: individualidade,
à qual se acrescenta responsabilidade e,
muitas vezes, culpa. Esta última pode, é claro,
ser coletiva e estar ligada a uma nação ou
grupo, mas na maioria das vezes é a nossa.

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n LEITURA COMPLEMENTAR

presente
Um
vivo de amor
Por Wim Barbard, FRC

M
INHA ESPOSA tem
uma certa “fraqueza”
por…, não, deixe-me
começar de novo…,
minha esposa tem uma grande “força”:
ela ama gatos. Na verdade, ela ama todas
as criaturas vivas, grandes e pequenas,
embora especialmente gatos. E eles a
amam também com uma intensidade
e devoção que eu mal consigo começar a
compreender. De fato, a vida se realiza para
ela quando seu amor e sua compaixão são
derramados sobre animais desfavorecidos
de todos os tipos e, felizmente para mim,
ela me considera um “animal honorário”.
Um dia ela trouxe para casa um gato cego. É
o único até agora, mas tenho certeza que haverá
mais com o tempo. Sua bondade para com os
animais não tem limites, exceto ocasionalmente,
quando aponto para a aparência macilenta da
minha carteira; cuidar de animais de estimação

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n LEITURA COMPLEMENTAR

não é barato e eles são para a vida toda. de pé? Eu não sei, mas antes que eu pudesse
Como nossos filhos, eles crescem conos- interromper este experimento cruel, todos
co, amadurecem conosco e compartilham nós aprendemos com um baque que os gatos
tudo o que possuímos. As crianças rapida- cegos não caem de pé. Eles caem de costas ou
mente encontraram um nome para o gato, de lado, mas nunca de pé. Bumpy não ficou
Bumpy (desastrado), sem dúvida porque ferido porque a cama era macia, e durante
ele colide com a mobília o tempo todo. as repetidas tentativas ele nunca parou de
Estou descobrindo que um gato cego ronronar por um só instante! Acredito que
provoca uma tentação irresistível às crianças Bumpy teria a mesma disposição doce se ele
travessas. “Vamos ver se ele vai esbarrar na pudesse ver, mas nossos animais de estimação
cadeira se o chamarmos”, gritou meu filho com visão perfeita nunca foram tão bondosos
de cinco anos Dylan, supostamente carinho- como esta pequena criatura maravilhosa.
so com os animais, que criou uma pista de É tentador pensar que Bumpy pode, de al-
obstáculos, é claro. Gritos de diversão quando guma forma, compensar sua deficiência sen-
Bumpy chocava-se nos vários obstáculos, do mais gentil para nos privilegiar, mas isso é
se sacudia, mas bem naturalmente tentava absurdo, não é? Eu vi nessa pequena criatura
de novo e de novo, até alcançar o meu filho uma alma tão avançada na sua condição de
que o chamava. Muito cruel, eu pensei, e gato como a minha alma jamais poderia ser
estava prestes a adverti-lo duramente em sua humanidade.
quando Ângela, minha filha de sete anos, Qualquer problema que Bumpy
aproximou-se de Bumpy com pena, pudesse nos causar, sua cegueira
pegou-o e sentou-se para ficar com ele simplesmente fez com que ele se
só para ela. Ele então ronronou cons- esforçasse mais do que os
tantemente enquanto ela o acariciava
como uma bola enrolada em seu colo,
e logo os dois estavam dormindo.
Um amigo um tanto atrevido só
queria ver se a regra sobre gatos
sempre caírem em pé se aplicava à
Bumpy. Então, segurando-o de
cabeça para baixo sobre a cama,
ele o soltou. Por que os gatos
parecem sempre caírem

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outros, e com a graciosidade e o bom humor das em como tratar todos os animais, mas
de uma “alma velha”! para mim, principalmente em como tratar
Nunca deixou de me surpreender o quão outros humanos também. Se Bumpy pode ser
bonito ele é, apesar de sua deficiência. Seu tão bondoso e indulgente, então devemos nos
senso de audição é agudo, e ele localiza a ma- elevar ao seu nível de evolução e assim fazê-lo
riposa voadora com grande precisão antes de também. Bumpy encontra facilmente o quar-
pular no ar para capturá-la. Eu nunca o vi ser to de qualquer criança com quem tenha esco-
bem-sucedido, mas a sua brincadeira quando lhido dormir e pode entrar e sair pela por-
ele salta feliz e graciosamente na grama alta tinhola de gato da cozinha como se ela nem
do quintal, faz eu me sentir comparativamen- estivesse lá. Mesmo quando tratado por crian-
te muito pequeno. Por que não posso ser tão ças travessas, ele permanece calmo, sereno
feliz e grato pela vida? Afinal, eu posso ver. e paciente, e nunca deixa de ronronar o seu
Sua paciência e carinho, como quando amor por elas. Ele é um presente vivo de amor
ele carinhosamente lambe cada partícula de e para o destino que tornou isso possível
sujeira das patas do nosso confuso Beagle, para mim: obrigado, obrigado, obrigado! 4
é de tamanha beleza e
amor que nos ensina
todas as lições
profun-

O
comportamento do Ser Humano para com os animais também faz
parte de suas relações com a Natureza. Ele tem o dever de amá-los
e respeitá-los. Todos participam na cadeia da vida tal como se
manifesta na Terra e todos são agentes da Evolução. Ao seu nível,
eles são também veículos da Alma Divina e participam no Plano Divino. Va-
mos mesmo ao ponto de considerar que os mais evoluídos dentre eles são seres
humanos em devir. Por todas essas razões, consideramos indignas as condições
em que muitos deles são criados e abatidos. Quanto à vivissecção, nela vemos
um ato de barbárie. De maneira geral, consideramos que a fraternidade deve
incluir todos os seres que a vida pôs no mundo. Compartilhamos também essas
proposições atribuídas a Pitágoras: “Enquanto os homens continuarem a destruir
sem piedade os seres vivos dos reinos inferiores, não conhecerão nem a santidade
nem a paz. Enquanto eles massacrarem os animais, haverão de se matar entre
si. Com efeito, quem semeia morticínio e dor não pode colher alegria e amor”.
– Manifesto Positio Fraternitatis Rosae Crucis.

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n PERSONALIDADE

O eminente
Robert Fludd
Um apologista da Rosacruz
Por RALPH M. LEWIS, FRC

T
odos temos nossas convicções, te- a uma convicção, exatamente como o faz
nham elas nascido de crenças ou no caso de uma ofensa contra o seu ser ou
da experiência. Essas convicções caráter físico. Convicções ou pontos de co-
constituem nossa fonte de conhe- nhecimento que se tornaram intimamente
cimento. Filosoficamente, a ideia de crença associados aos ideais morais e religiosos de
como conhecimento pode ser contestada. um indivíduo são defendidos mais ardente-
Pode-se argumentar que, para ser conside- mente. Eles estão profundamente arraiga-
rado verdadeiro, o conhecimento deve ser dos na sua natureza psíquica, emocional.
suscetível de confirmação pela experiência Robert Fludd era um homem de con-
sensorial. Não obstante, para muitas pes- vicções morais que não constituíam mera
soas, na ausência de uma realidade antagô- herança de ideias. Elas estavam apoiadas
nica, uma crença subsiste como concepção numa estrutura intelectual, em decorrên-
pessoal, como conhecimento válido. cia de muito estudo pessoal, experiência e
Essas convicções tornam-se uma parte meditação. Consequentemente, um desafio
íntima da personalidade do indivíduo. Seu a suas convicções provocava uma reação
Eu intelectual, se bem definido, participa defensiva, em palavras e atos, que exigia
de sua condição de subsistência, em igual- grande coragem. Uma coisa é proclamar-
dade com o seu bem-estar físico. Para a mos nossas crenças num ambiente tole-
mente, uma convicção forte tem caráter de rante; outra coisa é delas falarmos numa
realidade. Tem existência tão real quanto o época hostil e ante uma mentalidade an-
nosso corpo ou a nossa família. A oposição tagonista. E foi isto que fez Robert Fludd,
a uma convicção, portanto, suscitará tan- não apenas uma vez, e sim, muitas vezes.
ta resistência como num correspondente Na bela paisagem acidentada de Kent,
ataque à própria pessoa ou seu caráter. A na Inglaterra, perto da pitoresca vila de
sensibilidade da personalidade, o grau de Bearsted, encontram-se os remanescen-
emotividade do indivíduo, determina a in- tes de Milgate House, o lar senhorial de
tensidade da retaliação a qualquer oposição Robert Fludd. A estrutura original, da qual

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n PERSONALIDADE

ainda resta uma parte, e a que foram feitos permanência no Continente, Fludd manti-
acréscimos posteriores, foi erigida por Sir nha um laboratório, onde construiu vários
Thomas Fludd, que era Tesoureiro de Guerra e curiosos dispositivos mecânicos, um dos
da famosa rainha Elizabeth I. Foi ali que quais era uma lira automática. Consta que
nasceu Robert Fludd, em 1574. O ambiente, muitos desses dispositivos tinham valor
ainda hoje é inspirador. Veem-se áreas de prático. Na verdade, alguns autores atri-
matas, intercaladas de campos cortados por buem a Fludd o invento do barômetro.
agradáveis riachos, onde pastam rebanhos
de carneiros. Nele sentimo-nos isolados do
tumulto político e social. Essa tranquilidade Era de Intelectuais
deve ter tocado a consciência, o espírito de Parece que os estudos farmacêuticos de
Fludd, em sua infância. Perto da casa, en- Fludd o levaram aos portais da alquimia e
contram-se o roseiral e outros jardins, onde ele os cruzou. Como a alquimia estava ligada
ele cultivava as plantas que usava em seus ao Hermetismo, à Filosofia Oculta, Fludd
experimentos farmacêuticos e alquímicos. logo se interessou pela filosofia Rosacruz.
Seguiu diligentemente os ensinamentos e as
A Educação doutrinas de Paracelso, a que se compararam
muitas de suas ideias posteriores. Muitas
de Fludd circunstâncias indicariam que Fludd teria
conhecido, no Continente, o famoso Grande
Numa época em que a educação superior Mestre Rosacruz da Alemanha e filósofo
era até certo ponto um luxo, o jovem Robert hermético, Michael Maier. Embora fosse
teve a sorte de ter um pai cuja situação Maier um homem de apenas uns trinta anos,
econômica lhe permitiu frequentar escola era então conhecido por suas obras sobre o
superior. Matriculou-se ele em St. John’s Hermetismo e a Cabala. Nele deve Fludd. ter
Oxford, no dia 10 de novembro de 1592, encontrado um verdadeiro tesouro, dado o
e obteve seu grau de Mestre de Artes (M. interesse de Maier pelo esotérico, a secreta
A.), em 1598. Tendo concluído o Mestrado, sabedoria e ordem por trás dos fenômenos da
passou os seis anos seguintes estudando Natureza. No jovem Fludd, Maier encontrou
e viajando pelo Continente Europeu. Este um vívido intelecto, uma fértil imaginação, e
costume de viagens de estudo por países um devotado amor pela sabedoria esotérica.
estrangeiros, entre os europeus cultos, Fludd retomou à Inglaterra e foi admitido
naquela época e mais recentemente, quan- à prática da medicina em 1606. Em 1609,
do as condições o permitiam, era tido tornou-se membro do Colégio de Médicos.
como requisito de uma boa educação. A versatilidade de seus talentos estava
Os estudos de Fludd pelo Continente sendo expressa em outros canais que não o
absolutamente não foram restritos ao de- da medicina. Tornou-se também filósofo,
senvolvimento de seu conhecimento de anatomista, físico, químico, matemático e
medicina. Seu empenho era diversificado e engenheiro. Sua obra literária foi numerosa
influenciado por seu interesse pela filosofia e brilhante, embora por vezes enfadonha.
natural. Seu fascínio pelas ciências, e suas Algumas de suas principais obras foram:
conscienciosas observações e análises, refle- Apologia Compendiaria pro Fraternitatem
tem-se na sua obra literária e nas metódicas de Rosae Crucis (Leyden, 1616); Tractatus
ilustrações de seus textos. Durante sua Apologeticus Integritatem Societatis de Rosea

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Paracelso Michael Maier

Cruce Defendens (Leyden, 1617); Mosaic viu uma aliança com os luteranos. Houve
Philosophy, Tractatus Theologophilosophicus também um grande número de pessoas
etc.(1617); um tratado em três partes, que ficaram fascinadas com os propósitos
dedicado à fraternidade Rosacruz, e proclamados pelos Rosacruzes, nunca antes
Summum Bonorum (Frankfurt, 1629). tendo ouvido falar desse movimento se-
Escreveu também numerosos opúscu- creto. E houve ainda aqueles que tentaram
los sobre Teosofia Cabalística e doutrinas explorar o interesse público despertado pe-
Rosacruzes, bem como sobre a cura pela fé. los panfletos sobre a Fraternidade da Rosa-
O Grande Mestre Michael Maier visitou Cruz, declarando-se membros da mesma.
a Inglaterra entre 1614e 1620 (a data precisa
é controversa). Essa visita ocorreu pouco
depois da publicação da célebre Fama e da Iniciação de Fludd
posterior Confessio, tendo aquela constituído Na Inglaterra, Maier restabeleceu sua as-
o primeiro anúncio público da Fraternidade sociação com Robert Fludd. Historiadores
da Rosa-Cruz. Esses panfletos tornaram- da Ordem Rosacruz, bem como outros que
-se um ponto focal de muita controvérsia. optaram por escrever sua história como
Muitas pessoas, ao lerem os panfletos, realização literária, declaram que Maier
tornaram-se imediatamente hostis ao movi- então iniciou Fludd nos Graus Superiores
mento Rosacruz. As concepções liberais da da Ordem. Foi em 1618 que Maier publi-
Fama e da Confessio contrariaram a hierar- cou sua Themis Aurea, que continha as
quia da Igreja Católica Romana, que nelas leis da Fraternidade da Rosacruz. Estas

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n PERSONALIDADE

leis foram talvez transmitidas a Fludd, em Fludd nos Graus Superiores, como Mago,
decorrência de suas reuniões privadas. por ocasião de sua visita à Inglaterra.
Subsequentemente, pelo menos, Robert Consta de um relato que, no dia 6 de
Fludd tornou-se um Mago da Ordem, na janeiro de 1604, a Rainha deu um baile de
Inglaterra. Destemidamente, ele permitiu máscaras no Whitehall. Inigo Jones, célebre
que sua ligação com a Ordem fosse conhe- arquiteto, foi incumbido de desenhar as fan-
cida. Chegou mesmo a expor os objetivos tasias dos cavalheiros. Em um dos desenhos
gerais da Ordem a seus colegas médicos, em que submeteu à apreciação, ele escreveu as
Londres, onde exercia sua profissão. Seuc co- palavras, “Um Rosacruz”. Assim, evidente-
legas o respeitavam, porque o consideravam mente, os Rosacruzes eram suficientemente
“proeminente em sua qualidade de médico”. conhecidos para que um personagem de-
Não se deve inferir, do que já foi dito, nominado “Um Rosacruz” fizesse sentido.
que Robert Fludd foi a primeira pessoa da Como escreveu F. de P. Castells, famoso his-
Ordem Rosacruz que dela falou aos seus toriador de ordens arcanas, se o baile teve lu-
conterrâneos. Há provas de que a Ordem gar no dia 6 de janeiro de 1604, com toda cer-
Rosacruz era conhecida, na Inglaterra, teza Inigo Jones teria preparado os desenhos
antes que a Fama fosse publicada em sua pelo menos algumas semanas antes, para a
versão original, mais ou menos em 1614. A apreciação de Sua Majestade. Assim sendo,
Ordem era também conhecida onze a doze isto constituiria prova de que os Rosacruzes
anos antes que Michael Maier iniciasse seriam conhecidos, na Inglaterra, já em 1603.

Themis Aurea Inigo Jones

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Ben Jonson, teatrólogo cuja obra mais rasse “Um Rosacruz” pelo simples fato de
célebre é O Alquimista, esteve ativamente usar uma fantasia e se declarar Rosacruz.
associado a Inigo Jones, em muitas realiza- Tudo isto, repetimos, vem comprovar o
ções. Consta que era ele quem interpretava fato de que a Ordem era conhecida antes
certas referências alegóricas para a coroa. da publicação da Fama e da iniciação de
Com efeito, ele disse que se poderia cha- Fludd, por Maier, mais ou menos em 1615.
mar de “Um Rosacruz” a um simples tolo, Embora os historiadores estranhos
porque o personagem seria representação aos círculos da Ordem Rosacruz e das
de um homem que nutrisse a tola ideia Ordens Maçônicas considerem a liga-
de que, simplesmente declarando-se um ção de Francis Bacon com os Irmãos da
Rosacruz, isto o tornaria um membro da Rosa-Cruz uma questão controversa, os
fraternidade secreta. Acrescenta Jonson que membros dessas ordens, principalmen-
essa pessoa acreditaria, tolamente, que “te- te, estão convictos dessa ligação. Francis
ria ingressado, por seu próprio juramento, Bacon, ou Lord Verulam, esteve realmen-
nessa Ordem sublime”. E conclui afirman- te associado a destacados Rosacruzes da
do que o indivíduo que assim meramente época, e foi seguido de um grupo que se
se juramenta merece ser chamado de “um reunia como um “colégio invisível”. A
simples tolo”. Aquela fantasia, portanto, obra de Bacon, A Nova Atlântida, publica
não visava ridicularizar a Ordem, mas, da em 1627, apresenta muitos pontos de
designar como tolo aquele que se conside- espantosa semelhança com os propósitos

Ben Jonson Francis Bacon

VERÃO 2019 · O ROSACRUZ


15
n PERSONALIDADE

declarados na Fama. Especialmente no


tocante à “Casa de Salomão” (lar do sábio), Em defesa
onde homens cultos se reuniriam para
dedicar sua vida à aquisição de conheci- da verdade
mento. Além disso, os requisitos impos- Os ataques contra a Fama, por parte de des-
tos a esses sábios da Nova Atlântida são tacados jesuítas e outros, que procuravam
comparáveis aos deveres morais exigidos denegrir a Ordem Rosacruz, taxando-a de
dos Irmãos da Rosa-Cruz. Criptógrafos, grupo luterano recentemente organizado, e
interpretando o código constante dos es- de sociedade secreta anticristã, desafiaram a
critos de Bacon, trouxeram à luz muita força das convicções de Fludd. Ele se tomou
coisa que só pode ser explica da em fun- o maior apologista Rosacruz da Inglaterra.
ção de sua filiação à Ordem Rosacruz. Este é um termo clássico, que designa aquele
Ao mesmo tempo que se reconhece que propugna em defesa de um princípio ou
que Bacon foi Imperator da Ordem para uma causa. Acredita-se que Fludd escreveu
a Inglaterra, sabe-se que Robert Fludd foi sua Apologia, publicada em 1616, depois que
Mago ou Grande Mestre desse país. A no- Maier o visitou, na Inglaterra, e lhe conferiu
toriedade de Bacon na corte, e os poderosos os mais altos Graus Rosacruzes. A coragem
inimigos políticos que ele tinha, forçaram- de Fludd deveria ser um incentivo para os
-no a ocultar sua ligação com a Ordem na Rosacruzes contemporâneos, pois, a Ordem
época. Deve ter havido estreita colaboração ainda é alvo de vilipêndio por parte de re-
entre Robert Fludd e Francis Bacon. Este ligiosos intolerantes. Muitos dos ataques
era um gênio da época e, embora Fludd contra a Ordem atual, embora procurem
também fosse um homem extremamente caluniar seu fundador na América do Norte,
culto, podemos, sem diminuir sua impor- o Dr. H. Spencer Lewis, também visam, su-
tância, admitir que ele ecoava, em suas tilmente, a suas doutrinas. Essas insinuações
obras, algumas das concepções de Bacon. seguem um padrão que sugere uma campa-
Muitos historiadores da Franco- nha religiosa. Assim é, embora os ataques
Maçonaria concordam em que Robert muitas vezes apareçam em diferentes publica-
Fludd também foi Maçom. Muitas das ções, por vários autores. A persistência e acri-
provas apresentadas não são tão convin- mônia dos autores desses artigos usualmente
centes quanto as de sua ligação com os se estende a lançar calúnias contra outras co-
Rosacruzes, pois, estas estão comprovadas nhecidas e importantes ordens místicas, com
nas numerosas obras de Fludd sobre a as quais a ortodoxia de sua fé não concorda.
Ordem Rosacruz, em que ele fez asserções Talvez o maior oponente, o maior anta-
públicas em favor da Ordem. Durante gonista de Robert Fludd tenha sido Andreas
anos, enquanto Fludd exercia medicina em Libavius (1560 – 1616). Libavius era um
Londres, sua residência e seu consultório intelectual e fecundo autor de obras sobre
estavam situados na rua Coleman. Este filosofia Hermética e alquimia. Estudara os
local ficava a alguns metros da Maçonaria. trabalhos de Paracelso, porém, a eles pos-
Alguns historiadores exploram este fato – teriormente se opusera. Trabalhara muito
numa espécie de afiliação por localização tempo na tentativa de transmutar metais
que, entretanto, não tem valor como prova. comuns em ouro, mas não tivera êxito, e
Um indivíduo pode viver na mesma rua isto o amargurara. Quando começaram a
de uma igreja e não ser um de seus fiéis. aparecer obras Rosacruzes em que a trans-

16 O ROSACRUZ · VERÃO 2019


mutação material era subordinada à
alquimia espiritual, e esta era procla-
mada como a verdadeira arte, Libavius
retaliou. Consta que se sentiu pesso-
almente ofendido com a referência,
na literatura Rosacruz, aos “ímpios
e execráveis fazedores de ouro”.
Libavius passou a atacar sistema-
ticamente todos os propósitos de-
clarados dos Irmãos da Rosa-Cruz,
conforme estabelecidos no Confessio.
Enfatizava que qualquer atividade
realizada em segredo deveria estar
necessariamente aliada às trevas. É
difícil crer que um homem do quila-
te intelectual de Libavius realmente
pensasse assim. Antes, isso revela
uma reação emocional ao que ele
considerava um golpe contra o seu
orgulho. Além disso, Libavius não
gostava dos símbolos cabalísticos
hebraicos que apareciam nas obras
dos Rosacruzes e, em sua Fratemitatis
de Rosea Cruce, acabou acusando
a fraternidade de ser “anticristã”.
Apologia
Fludd defendeu zelosamente os
Irmãos da Rosa-Cruz contra os ata-
ques de Libavius, em seu Tractatus
Apologeticus, publicado em 1617. Em
1629, apareceram suas obras Summum
Bonorum e Sophioe cum Moria
Certamen. Nesta última, replicava os
ataques feitos pelo Padre Mersenne. À
dúvida levantada pelo Padre, quanto a
onde se encontravam os Rosacruzes,
respondeu Fludd: “Na casa de Deus,
de que o Cristo é a pedra angular”.
Em outras palavras, habitavam eles o
reino espiritual, onde os homens são
as “pedras vivas”. Num trabalho publi-
cado em 1633, disse Fludd: “Quanto
aos antigos pretensos Rosacruzes, hoje
conhecidos como Sapientes, Sophi,
Andreas Libavius ou Sábios”, que eles, “quais arquite-

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17
n PERSONALIDADE

Diagrama mostrando a posição do homem no universo, 1617-19 Mosaic Philosophy

tos, construam o Templo da Sabedoria”. Em em várias categorias, das quais, três princi-
muitas obras, Fludd usava termos de arqui- pais eram: (1) magia natural “ … o campo
tetura, como expressões simbólicas. Aliás, mais oculto, mais secreto da física, no qual
em certos registros maçônicos da época são inferidas as propriedades místicas das
há exortações, isto é, alocuções, assinadas substâncias naturais”; (2) magia matemática,
“Fludd”. Nelas é usada a mesma fraseologia pela qual podem os adeptos “construir má-
arquitetônica, como linguagem simbólica, quinas maravilhosas, com seu conhecimento
de modo que elas são aceitas como prova da geométrico”; (3) magia divina, composta
ligação de Robert Fludd com a Maçonaria. das leis morais e dos preceitos teológicos.
Os ensinamentos de Fludd, como já foi Fludd expressa a ideia de que o universo
dito, foram muito influenciados por seu provém de Deus e a Ele retomará. A Criação,
estudo de Paracelso. As concepções deste declara ele, “é a separação entre o princípio
último eram generalizações oriundas de sua ativo (luz) e o princípio passivo (trevas), no
própria pesquisa científica. A cosmologia e a seio da Divina Unidade (Deus)”. Para ele, o
teologia de Fludd são principalmente as dos universo consiste em três mundos: o arqué-
Rosacruzes da Europa continental. Em seus tipo (Deus), o macrocosmo (o mundo), e
escritos, há muita referência à palavra magia. microcosmo (o homem). Todas as partes de
É preciso compreender que esta palavra, na cada mundo se correspondem umas às ou-
época, referia-se à utilização de muitos tipos tras; isto é, há um paralelismo harmonioso
de fenômenos. Fludd classificava a magia entre elas. Sustenta Fludd que as coisas não

18 O ROSACRUZ · VERÃO 2019


são mero resultado da necessidade, mas, do (c) Portanto, não pode ser parte da Natureza”.
determinismo, da vontade de Deus. Em sua Após sua morte, em 1637, Fludd foi
obra, Mosaic Philosophy, Capítulo VII, diz sepultado na Igreja da Santa Cruz; em
ele: “Pois, em primeiro lugar (rogo-vos res- Bearsted. Esta igreja fica a alguns quilô-
ponder) que é mais antigo do que Deus, con- metros de Milgate House, onde ele nasceu.
siderando-se que Ele existia antes de tudo? Um monumento à sua memória encontra-
Que existe antes do ponto, na Geometria, e -se hoje naquele secular edifício. Nele há
que é menos do que o ponto, na medição? uma inscrição exaltando suas virtudes. Esse
Ou qual dos números da Aritmética tem monumento “é uma cópia do monumento
posição anterior à da unidade? Segue-se, ne- de Camden, na Abadia de Westminster”.
cessariamente, que Deus é livre e volitivo em Há uma placa de bronze, no pavimento
suas ações, visto que Ele existia por Si mes- lajeado daquela igreja, indicando onde foi
mo, sem relação com qualquer outro ser…” sepultado o corpo de Fludd. Os Rosacruzes
que contemplam aquele monumento
A denúncia sentem-se fortalecidos em suas convicções,
e se renova sua coragem para defender,
da superstição em qualquer lugar e a qualquer momen-
to, o nobre propósito da Ordem. 4
Robert Fludd, como sempre fizeram os
Rosacruzes, denunciou as superstições
que, na mente das massas, tinham sido as-
sociadas à Fraternidade. Investiu contra a
“magia venéfica, necromântica, maléfica e
teúrgica”. Isto eliminava todas as tentativas
de comunicação com os mortos e daquilo
que hoje se conhece como magia negra. Os
escritos de Johannes Kelpius, Rosacruz pos-
terior que, em 1694, trouxe os ensinamentos
Rosacruzes pela primeira vez para a América
do Norte, em forma organizada, refletem
grande parte das obras de Robert Fludd.
As teorias panteísticas – Deus em todas
as coisas – de Fludd, foram contestadas pelo
astrônomo, Kepler. Suas discussões constitu-
íram um acontecimento literário da época.
Em resposta à Apologia de Kepler, diz Fludd
em parte (1622): “Finalmente, Pitágoras, e
todos os demais filósofos abençoados com al-
gum contato Divino, reconheceram que Deus
é uno, indivisível. Por conseguinte, podemos
argumentar silogisticamente como segue: (a)
Aquilo que era um todo antes de qualquer di- Figura deJohannes Kelpius
visão não é parte de alguma coisa; (b) Ora, a
alma era um todo antes de qualquer divisão;

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19
n ROSACRUCIANISMO

Criando seus
próprios universos:
Sonhos modelando
a realidade
Por MARIO SALES, FRC

20 O ROSACRUZ · VERÃO 2019


T “ Corpos
odos os Rosacruzes estão fami-
liarizados com os princípios da
visualização criativa. Infelizmen-
te, por razões que são difíceis
saudáveis podem
de discutir em um único artigo, muitos veicular melhor os
deles não conseguem pôr em prática os
ensinamentos recebidos acerca da criação poderes latentes
mental, mesmo no nível mais elevado da
Ordem conhecido como Grau de Artesão.
ou manifestos da
Isto sempre me intrigou e parte da minha mente de qualquer


resposta a esta questão está no aspecto
psicológico que nunca deve ser desprezado ser humano.
quando analisamos nossos fracassos místi-
cos, ou melhor, colocando em outras pala-
vras, nossas dificuldades para ter sucesso
em todos os sentidos, espiritual, emocional Intelectualmente, portanto, a técnica
ou material usando as técnicas místicas. de visualização criativa parece realmente
Parece óbvio o que vou comentar, mas simples de realizar, é preciso apenas que
esta é mais uma armadilha psicológica: visualizemos o que desejamos e que veja-
nada que é tão óbvio do ponto de vista mos a imagem com clareza em nossa mente,
intelectual pode ser fácil de compreen- reproduzindo este exercício de imagina-
der verdadeiramente e internalizar. ção três vezes por dia, por alguns dias.
É o que ocorre com a técnica de visualiza- A pergunta é: por que tantas vezes, isto
ção criativa. Talvez esta seja a mais poderosa simplesmente não funciona? Eu não possuo
técnica distribuída aos seus membros pela nenhuma estatística, mas sei que a maio-
AMORC e, embora os estudantes rosacruzes ria de nossos membros não goza de total
de sanctum ou mesmo aqueles que frequen- felicidade quanto à sua vida particular e
tam organismos afiliados e já ouviram pales- que não apresenta uma particular facili-
tras ou leram sobre esta técnica, sejam capazes dade para a consecução de seus objetivos,
de citá-la e responder satisfatoriamente a um e que encontram, como qualquer outro
interrogatório intelectual sobre ela, dando de- grupo esotérico ou humano, dificuldades
talhes de como ela pode ser realizada ou posta humanas na consecução de seus objetivos.
a nosso serviço, provavelmente muito poucos Ora, se os rosacruzes realmente soubes-
usufruem como deveriam desta magnífica sem, com segurança, realizar seus desejos
ferramenta, e um maior número ainda nunca com o uso da técnica de visualização criativa,
a utilizou de forma rotineira em seu cotidiano. as portas da rosacruz seriam estreitas para
A razão é simples: eles têm uma com- dar vazão à quantidade de pessoas que a pro-
preensão apenas intelectual da técnica. curariam em busca desse “segredo do Gênio
Não a praticaram, não esbarraram nas da lâmpada” que os rosacruzes ensinam.
questões práticas de sua aplicação, não Só que, como sabemos, não é assim.
fizeram dela uma rotina diária. Por pressa, Certas técnicas ensinadas pela AMORC,
desinteresse, ou mesmo porque não per- senão todas, não são receitas de bolo tão
severaram no domínio desta técnica, não mecânicas que possam ser reproduzidas
conseguem o domínio da própria vida. perfeitamente apenas com a compreensão

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21
n ROSACRUCIANISMO

intelectual de seus princípios. E por mais


que nós rosacruzes possamos ensinar nossas
técnicas, ainda resta o segundo elemento
da equação a ser considerado: aquele que a
recebe deve assimilá-la antes de aplicá-la.
O que pode então estar entre o ensino
e a assimilação deste princípio poderoso,
que transforma a vida em um campo de
energia plástico e dócil às nossas neces-
sidades, desfazendo de vez a maldição
bíblica que diz que em Gênesis 3:19 “Do
suor do teu rosto comerás o teu pão, até
que tornes à terra, porque dela foste toma-
do; porquanto és pó, e ao pó tornarás”?
Responder a esta questão é começar a
desfazer os nós conceituais e psicológicos
que impedem a realização de nossos so-
nhos. Vejamos estes obstáculos, um a um. dem que seus membros busquem esco-
lhas saudáveis em suas vidas, respeitando
Os aspectos seu direito à privacidade de suas decisões
e sua autonomia psicológica e social.
biológicos Corpos saudáveis podem veicular melhor
os poderes latentes ou manifestos da mente
O primeiro fator que tem significativa in- de qualquer ser humano, da mesma maneira
fluência sobre a capacidade de visualização que carros mais potentes podem acelerar a
do místico é o fator biológico. Nem todas nossa viagem de um ponto a outro do estado
as pessoas têm níveis neurológicos comple- em que vivemos, mesmo que sejam apenas
xos o bastante para atingir a compreensão um dos fatores da equação. O outro fator
intelectual de certos aspectos do fenômeno é o motorista. Ele sim é o responsável pela
de visualização. Não me refiro à Inteligência, segurança da viagem, impedindo que um
que é um conceito bem mais complexo, mas carro potente se transforme em um perigoso
a distúrbios como baixa irrigação cere- acessório e não em um auxiliar proveitoso.
bral por motivos circulatórios, sequelas de Digamos que de nada adianta um corpo
doenças neurológicas, ou de doenças dege- bem cuidado e um sistema nervoso de
nerativas ou crônicas como diabetes, hiper- qualidade se o responsável por ambos não
tensão arterial, ou distúrbios ventilatórios tem a maturidade espiritual adequada para
secundários, a asma ou bronquite, ou mesmo aproveitá-los bem. A saúde pode ser apro-
ao enfisema por uso abusivo do cigarro, veitada ou desperdiçada. Depende do jeito
bebidas alcoólicas ou mesmo drogas ilícitas. que se escolha usá-la. De qualquer forma,
Sem uma estrutura cerebral íntegra sem saúde física nenhum místico pode ter
haverá importante prejuízo da capaci- tranquilidade para exercer plenamente seu
dade de visualização do indivíduo e, por direito à felicidade e ao progresso espiritual
esta razão, e não por uma questão moral, e material. Daí a importância de darmos
que ordens sérias como a AMORC defen- atenção ao nosso corpo físico e a qualida-

22 O ROSACRUZ · VERÃO 2019


de de nosso sistema nervoso, dando-lhes de é requerido e a leitura, a contemplação
as condições necessárias para funcionar de quadros de grandes mestres da pintura,
corretamente. Entre estas condições, posso e mesmo a tentativa de visualizar as ce-
elencar o sono suficiente, alimentação nas descritas em uma história, ajudam a
balanceada e a preservação de uma lucidez educar nossa capacidade de abstração.
satisfatória, evitando-se o uso inadequado Eu citei o teatro e o cinema. Ali, talvez,
ou sem prescrição médica de medicamen- se possa argumentar, não há o que imaginar,
tos que possam influenciar nosso grau de pois as imagens já estão dadas. Só que por
atenção ou prejudicar nossa concentração. trás de uma história, seja no cinema ou no
teatro, existe um enredo, uma trama que nos
O segundo fator: invade com seus pormenores, seus detalhes
e que, principalmente nas tramas de mis-
a sensibilidade tério policial, suscitam nossa curiosidade
e, consequentemente, nossa imaginação.
estética Ser capaz de criar enredos torna a imagi-
nação mais dinâmica. Cada vez que eu visua-
Construir uma imagem mental depende lizo um desejo posso fazê-lo de modo estáti-
de clareza quanto aos nossos objetivos. co ou dinâmico, sendo que o segundo é, sem
Para isso teremos que sintetizar em uma dúvida, o modo mais provável de gerar resul-
imagem ou cena dinâmica as ideias de um tados mais significativos, já que é o mais pa-
desejo que queremos ver realizado. Esta recido com a vida em si que eu quero imitar.
composição pode trazer certa dificuldade As pessoas não estão paradas e imóveis
àquele que não está acostumado a pensar nas cidades, nem em silêncio todo o tempo.
por imagens ou a vivenciar sensações esté- Tudo no Universo é movimento. Imagens
ticas provenientes da contemplação da arte, dinâmicas e de preferência com enredo por
principalmente da arte visual do teatro, da trás delas são provavelmente mais harmô-
pintura ou do cinema. Cenários para se- nicas com o mundo real e mais eficazes
rem criados, principalmente na imaginação, como elementos para a materialização.
dependem do uso da nossa sensibilidade
artística, como se pintássemos um quadro.
Imagens toscas e mal elaboradas pre-
judicam nossa visualização e a construção
destas imagens deve ser tão cuidadosa e
elaborada quanto possível. É comum mes-
mo na AMORC passarmos a ideia de que a
técnica de visualização criativa está à dis-
posição de todas as pessoas que a queiram
usar, mas esta é apenas parte da verdade,
não porque queiramos, mas principalmente
porque as pessoas são diferentes e, enquanto
algumas veem nitidamente o que desejam
de olhos fechados, outras são incapazes de
sonhar ou de imaginar com clareza aquilo
que desejam. Algum grau de sensibilida-

VERÃO 2019 · O ROSACRUZ


23
n ROSACRUCIANISMO

O terceiro fator: estas crenças não conseguiremos vencê-las


em força, já que lutarão contra nossos desejos
as crenças de forma silenciosa, sorrateira, sabotando
esses desejos e destruindo-os com discrição.
Por último, falemos das crenças. Como exemplo, vamos considerar uma
Costumamos usar essa palavra como pessoa que deseje ter um carro mais mo-
sinônimo da expressão “convicção profun- derno, mas que seja de origem humilde e
da”. Nós não estamos falando de opiniões tenha passado por muitas dificuldades para
descompromissadas ou de comentários chegar a sua atual situação material. Diga-
eventuais, mas de valores que nos sus- mos que após muito trabalho e esforço esta
tentam e nos quais depositamos os ali- pessoa atingiu uma situação socioeconômica
cerces de nossa vida prática e mental. satisfatória, mas não suficiente para aquisi-
Nossas crenças determinam nossa con- ção deste modelo de automóvel que deseja.
fiança em nosso sucesso ou nossa incerteza Ao desejá-lo, e baseada na sua história
quanto às nossas capacidades. Quem crê de vida, uma voz silenciosa dentro dela lhe
em si mesmo, costuma-se dizer, tem mais dirá: “Veja, este é um desejo descabido, você
chances do que aquele que não crê ou que não tem condições de conseguir tal coisa,
crê que não é capaz. Mesmo as crenças está além de suas possibilidades e por isso
negativas são crenças e determinam nosso você não pode tê-la”. Talvez a voz não diga
desempenho tanto psíquico quanto material. claramente isto, mas em síntese o que ela quer
E não se muda uma crença ou um conjun- dizer é “Desista!”, só que ela não diz, apenas
to de crenças ou convicções com uma simples sugere ao indivíduo, do fundo do seu subcons-
conversa, uma simples demonstração inte- ciente, que ele não conseguirá o que deseja.
lectual. Nossa resistência a novos conceitos é É isto que nosso antigo Imperator,
diretamente proporcional ao tipo de crenças Harvey Spencer Lewis, queria dizer no
que possuímos e o grau de profundidade com penúltimo capítulo de seu clássico texto
que elas estão plantadas em nosso interior. “Princípios Rosacruzes para o Lar e para os
Talvez no passado fosse mais difícil Negócios”, cujo título sugestivo é “O Es-
entender este aspecto, mas hoje, recorrendo queleto no Armário”. Se não resolvermos
à estrutura conceitual da psicanálise e da dentro de nós mesmos estas questões, não
psicologia, podemos facilmente aceitar este vamos conseguir progredir além do limi-
argumento. Uma das noções da psicanálise te que estabelecemos para nós mesmos.
mais cara ao seu criador é a de subconscien-
te, uma estância da psique humana onde re-
sidem nossos valores mais profundos de uma
forma desorganizada e caótica, mas com uma
capacidade infinita de influência sobre nosso
comportamento alterando nossas ações de
maneira não racional. Aí reside o terceiro véu
que precisa ser retirado para que a manifesta-
ção da vontade criadora seja límpida e eficaz.
Cada vez que desejamos alguma coisa,
vamos ou ao encontro das nossas crenças ou
contra elas. E sempre que nós formos contra

24 O ROSACRUZ · VERÃO 2019


Este indivíduo está fadado a fracassar.
Suas visualizações serão confusas, ou in-
completas, ou débeis, com imagens pouco
nítidas, não porque ele não consiga visu-
alizar aquilo que deseja, mas porque no
fundo não crê que aquilo que deseja seja
possível de obter. Ele tem objeções íntimas
e profundas inconscientes à realização deste
desejo e por isso não conseguirá realizá-lo.
Talvez elabore, como decorrência destas
crenças inconscientes, um discurso moral
para justificar seu fracasso de visualizador,
dizendo a si mesmo que provavelmente não que podemos chamar de psicoterapia esotéri-
tem merecimento para conseguir tal coisa, ca, através de eventos de impacto emocional,
e que o Cósmico, por motivos cármicos, apela-se ao interior do indivíduo extirpando
resolveu não atender ao seu pedido. De fato, seus receios e suas inseguranças, apresentan-
as razões para seu fracasso são cósmicas, do-lhe outro modelo de Universo, não hostil,
mas não estão tão longe dele como supõe, mas cúmplice de seus desejos e ansioso para
porém, dentro do mais profundo univer- satisfazê-los. Espera-se com estes dois méto-
so que existe, seu próprio subconsciente. dos o mesmo resultado, recuperar no indiví-
A pergunta que se segue é: posso mo- duo sua autoestima, sua segurança pessoal,
dificar esta situação de alguma forma? desfazer nele quaisquer receios diante da
Com certeza é possível. Se vamos existência, independentemente do que tenha
conseguir ou não dependerá da nossa sido programado dentro dele nesta vida, no
sinceridade em querer mudar. caso da psicoterapia ortodoxa, e em todas as
Muitos textos e áudios da AMORC suas vidas anteriores, no caso da iniciação.
trabalharam este tema, a necessidade de É bom não esquecer que as fontes de
permitir a transformação de nossas cren- crenças são muitas e todas devem ser en-
ças, nossas convicções. Só pela troca de frentadas: as religiosas, as educacionais, sem
crenças, mudando aquelas que nos limitam falar naquelas provenientes do meio socioe-
por aquelas que nos libertam e nos impul- conômico onde o indivíduo foi criado, coisas
sionam adiante, a verdadeira alquimia de que combinadas geram um perfil moral,
qualidade de vida é possível. uma combinação de valores que molda a
Existem dois modos de modificar esta personalidade do indivíduo em questão.
situação, de cambiar a qualidade de nossas Estes são os três fatores que me vêm à
crenças: o método psicoterapêutico e o mente quanto à qualidade e mesmo eficá-
método iniciático. cia da técnica de Visualização Criativa. Se
O psicoterapêutico pode ser chamado considerados antes da visualização em si, e
de iniciação profana: de acordo com algu- aperfeiçoados, garantirão com certeza que o
ma escola psicoterapêutica, o profissional estudante rosacruz desfrute desta poderosa
habilitado por métodos orais ou dramáticos técnica de modo mais proveitoso, tornando-
auxilia o paciente a vasculhar seu interior e -se capaz finalmente de criar seus próprios
encontrar as raízes de seu comportamento na universos e fazendo seus sonhos modelarem
sua história de vida. Já no método iniciático, da maneira que quiser sua realidade. 4

VERÃO 2019 · O ROSACRUZ


25
n LITERATURA MÍSTICA

Por BÊH OUATTARA, frc*

26 O ROSACRUZ · VERÃO 2019


S
ana era um grande caçador e com uma reputação
bem estabelecida. Nunca voltava de mãos vazias de
uma caçada. Hoje, no entanto, o vento parecia ter
virado, pois, desde a manhã, fazia horas que ele per-
corria o campo e nada de perdiz, nem de lebre, nem de maca-
co. O Sol estava quase no zênite e tudo continuava na mesma.
Agora, ele tinha quase certeza de que esta caçada seria
infrutífera. Assim, pela primeira vez, o grande caçador se
preparava para voltar para a aldeia com as mãos vazias. Foi
quando ele ouviu um canto.
No começo ele acreditou que fosse um zumbido em seu
ouvido, mas depois se tranquilizou: não era um zumbido
no ouvido. Acreditou então ser um sonho, mas não era um
sonho. Pensou, por um momento, ser um barulho de avião:
mas não, não era um barulho de avião.
Nessa densa floresta ele escutava alguma coisa. Seria este
barulho longínquo um enxame de abelhas? Ou uma nuvem
de gafanhotos?
Decidiu ver com seus próprios olhos e se deixou guiar pe-
los insólitos ruídos. Quanto mais ele avançava, mais os ruídos
se assemelhavam a vozes. Quem, no entanto, poderia cantar
nesta floresta que ele conhecia tão bem? Aqui, existe apenas
floresta e nada além do que floresta! Em cinco quilômetros à
volta, não há nem campo, nem aldeia.
Enquanto se questionava, não percebeu que avançava flo-
resta adentro. De repente, por trás de uma moita, ele ouviu
cantar. Sim, cantavam. Prudentemente, deu três passos para
o lado, para espiar a cena. Na realidade, porém, estava toma-
do por um grande medo. Do lugar em que se encontrava, viu
um espetáculo perturbador.
Ali as árvores formavam um círculo perfeito. Neste círcu-
lo, estavam agrupados homens, mulheres e crianças. Como
o resto do círculo estava escondido pelos cipós, ele precisou
afastá-los ligeiramente com a mão esquerda, o que produziu
um leve estalar. Ele ficou com muito medo. Mas isto lhe per-
mitiu contá-los: eles eram doze.
Agora o canto crescia, elevava-se pelas árvores. Era como
se fosse uma festa; como se as árvores, a relva, todo o verde
e os animais participassem da quermesse. Reproduzido pelo
eco, o canto era assim:

VERÃO 2019 · O ROSACRUZ


27
n LITERATURA MÍSTICA

“ Cada vez que um mau pensamento ou


uma ideia ruim germinava na cabeça de um
rapaz ou de uma moça da aldeia, ele, ou
ela, vinha escutar o canto do Coração.
“O Triângulo, duas irmãs, um irmão. continuavam a incomodá-lo. Os homens,

Uma se chamava PAZ porém, tinham desaparecido.
A outra se chamava LIBERDADE Sana, o caçador, encheu-se de coragem e
E ele se chamava AMOR. foi até o local. O que ele viu? De todo o cená-
rio, restava apenas uma bela pedra, uma pe-
O Triângulo, duas irmãs, um irmão. dra em forma de coração. Seria um presente
Uma se chamava VERDADE do Gênio da floresta? Seria esta a pedra mi-
A outra se chamava JUSTIÇA lagrosa ou “a Pedra Filosofal” da qual tanto
E ele se chamava AMOR. havia ouvido falar?
O caçador pegou o “Coração”, colocou-o
O Triângulo, duas irmãs, um irmão. em sua bolsa de caça e retornou para a aldeia.
Uma se chamava ALEGRIA Chegando à aldeia, reuniu sua mulher e
A outra se chamava TOLERÂNCIA seus três filhos, abriu a sacola de caça, tirou
E ele se chamava AMOR a Pedra. Assim que pousou a pedra no chão,
ela se pôs a cantar:
O Triângulo, duas irmãs, um irmão.
O Triângulo, duas irmãs, um irmão. “O Triângulo, duas irmãs, um irmão.
O Triângulo, duas irmãs, um irmão”. Uma se chamava PAZ
A outra se chamava LIBERDADE
Nunca antes ele havia ouvido este canto. E ele se chamava AMOR.
No entanto, sentia-se feliz com a ideia de que
devia se tratar de um acontecimento impor- O Triângulo, duas irmãs, um irmão.
tante. Seus olhos, seus ouvidos estavam ma- Uma se chamava VERDADE
ravilhados com este espetáculo único. A outra se chamava JUSTIÇA
E justo no momento em que se deleitava E ele se chamava AMOR.
com o canto da floresta e começava a canta-
rolar baixinho… tudo acabou! O Triângulo, duas irmãs, um irmão.
O grupo tinha desaparecido. Como se fos- Uma se chamava ALEGRIA
se num sonho. O lugar tinha ficado deserto. A outra se chamava TOLERÂNCIA
As árvores continuavam a formar o círculo; E ele se chamava AMOR
a moita permanecia lá; e até mesmo os cipós O Triângulo, duas irmãs, um irmão.

28 O ROSACRUZ · VERÃO 2019


O Triângulo, duas irmãs, um irmão. Uma se chamava VERDADE
O Triângulo, duas irmãs, um irmão”. A outra se chamava JUSTIÇA
E ele se chamava AMOR.
O pai, a mãe e os filhos estavam extasiados.
O Triângulo, duas irmãs, um irmão.
A partir deste dia, cada vez que a ira, a Uma se chamava ALEGRIA
raiva ou qualquer outra ideia similar tentava A outra se chamava TOLERÂNCIA
se apossar de um dos membros da família E ele se chamava AMOR
Sana, ele ia procurar a Pedra, escutava-a e sua
ira desaparecia como por encantamento. O Triângulo, duas irmãs, um irmão.
Nunca mais houve brigas na casa. Nun- O Triângulo, duas irmãs, um irmão.
ca mais houve julgamentos familiares. Não O Triângulo, duas irmãs, um irmão”.
houve mais nada. O casal tornou-se um casal
feliz e as crianças também o eram. A cada dia O Conselho dos Sábios ficou deslum-
a família tornava-se mais e mais exemplar. brado com os dizeres do canto e seduzido
Surpresos com a mudança ocorrida na pela melodia. Todo mundo sabia da fe-
casa dos Sana, os vizinhos quiseram desco- licidade que reinava na família de Sana.
brir o segredo. Foi por isso que, certa noite, Portanto, o Chefe decidiu que, doravante,
favorecidos pelo breu da escuridão, um vi- todos os habitantes da aldeia agiriam como
zinho de nome Dognimin, enquanto toda a Sana. Sana, a contragosto, aceitou que a
aldeia dormia, veio escutar à porta da família Pedra permanecesse na casa do Chefe.
Sana. Então ele ouviu a Pedra cantar. E ouviu Assim, cada vez que alguém era tomado
a Alegria dos Sana. pela ira, vinha escutar a Pedra milagrosa e se
No dia seguinte, Dognimin foi contar acalmava. Cada vez que um mau pensamento
tudo para Dôh, o Chefe da aldeia de Kou- ou uma ideia ruim germinava na cabeça de
lochonkaha. Sana foi convocado perante um rapaz ou de uma moça da aldeia, ele, ou
o Conselho dos Sábios. Pois é preciso não ela, vinha escutar o canto do Coração.
esquecer, começava-se a suspeitar que Sana Desde então o ódio desapareceu. A inveja
fosse um feiticeiro. desapareceu. As calúnias e os mexericos desa-
Quando Sana relatou sua aventura, o pareceram. A aldeia tornou-se uma aldeia feliz.
Conselho exigiu a Pedra miraculosa. Sana foi Gradualmente, Koulochonkaha conta-
buscá-la. Quando se ajoelhou e posou a Pedra giou outras aldeias. Sua felicidade foi ex-
aos pés do Chefe da aldeia, ela entoou o canto: portada. Muitas outras aldeias tornaram-se
aldeias felizes.
“O Triângulo, duas irmãs, um irmão. As últimas notícias nos dão conta que o país
Uma se chamava PAZ inteiro tornou-se feliz. E o milagre continua…
A outra se chamava LIBERDADE outros países começam a ser contagiados! 4
E ele se chamava AMOR.

O Triângulo, duas irmãs, um irmão. * Excerto do livro “Contos de Amor e de Paz”, publicado pela GLP.

VERÃO 2019 · O ROSACRUZ


29
n REFLEXÃO

O espírito de
voluntariado
Por KENNETH U. IDIODI, FRC, PhD*

30 O ROSACRUZ · VERÃO 2019


“Voluntários não são pagos, não porque não têm
valor, mas porque são inestimáveis.”
– Sherry Ánderson

À
s vezes, o desejo de prestar serviço mentos conhecidos por serem perigosos para
aos outros de uma maneira a saúde por seus produtores continuam a ser
específica pode se tornar tão agressivamente comercializados e consumidos.
forte que estamos dispostos Materiais tóxicos bem conhecidos con-
a investir nossos recursos pessoais para tinuam sendo usados para fazer muitas
prestar o serviço. E quando fazemos isso sem das coisas que manuseamos e consumimos
qualquer desejo de recompensa, que não diariamente. Seria fácil chegar à conclu-
seja a satisfação de completar a ação, então são de que o espírito comercial no homem
o verdadeiro espírito de voluntariado nasce. obscureceu o espírito de voluntariado se
Essa paixão por colocar nossos talentos em passarmos pelo aparente domínio do espírito
prática para o benefício de outros tem sido de ganância que os seres humanos demons-
responsável, principalmente, pelo avanço traram em todo o mundo. No entanto, sem o
tecnológico e cultural da humanidade. espírito de voluntariado, o espírito comercial
No entanto, o desejo de lucro pessoal é não terá alicerces sobre os quais operar e o
outra força muito poderosa que impulsiona as desenvolvimento humano irá rapidamen-
atividades das pessoas. Não há dúvida de que te parar ou mesmo entrar em regressão.
a motivação do lucro também desempenhou
um papel significativo no avanço da tecnologia
e da cultura. Os indivíduos que buscam lucro Expandindo o Eu
têm sido muito úteis na disseminação de pro- Enquanto o interesse no comércio é impulsio-
dutos e serviços em todo o mundo. Para obter nado principalmente por um desejo egoísta
lucro, essas pessoas estão preparadas para ir que se volta apenas para o eu, o espírito de
a grandes distâncias para nos trazer bens e voluntariado é, ao contrário, alimentado por
serviços. Lucrar não é ruim: na verdade, é ne- uma expansão abnegada de interesse pelos
cessário que lucros sejam obtidos para manter outros. A diferença entre egoísmo e abnegação
a maioria dos produtos e serviços existentes. está na identidade inconscientemente atribuída
Contudo, o mercantilismo tem uma ten- ao eu. Se o eu sou pensado como uma figura
dência a sair do controle como resultado da isolada distinta, sem qualquer conexão impor-
ganância que leva as pessoas a procurar lucros tante com qualquer outra pessoa, haverá uma
excessivos a todo custo. Como resultado disso, tendência inconsciente de atender exclusiva-
um serviço ou produto originalmente bené- mente às vontades e desejos pessoais. Em ou-
fico pode ser comprometido pelo comércio tras palavras, isso levará ao extremo egoísmo.
descontrolado; tanto que o produto ou serviço Essa condição de completo egoísmo,
entregue aos usuários finais pode acabar sendo como acabamos de descrever, não é inco-
mais prejudicial do que útil. Infelizmente, há mum, a despeito do fato de os seres humanos
muitas evidências disso hoje. É muito triste serem gregários, instintivamente buscando e
notar que muitos produtos domésticos comu- desfrutando da companhia dos outros, sejam
mente usados, alimentos embalados e medica- eles membros da família ou amigos. O forte

VERÃO 2019 · O ROSACRUZ


31
n REFLEXÃO


favorecer sua própria raça acima de outros
… enquanto é racista, uma tendência de favorecer seu
próprio sexo acima do sexo oposto é sexista;
houver alguma uma tendência ou inclinação extrema em
relação a uma religião específica torna-se
forma de tendência fanatismo. Claramente, não importa quantas
pessoas identifiquemos, enquanto houver
contra outros, alguma forma de tendência contra outros,
haverá sempre um potencial para discórdia.
haverá sempre Contudo, uma pessoa que é completamente
imparcial e que considera todos os seres hu-
um potencial para manos como parte de si, independentemente


da nacionalidade, raça, sexo, religião, ou
discórdia. qualquer outra classificação, é um humanista.
O místico entende que é a mesma força
vital que flui através de seu corpo que tam-
vínculo que se forja entre os membros da bém anima todas as outras formas de vida nos
família expande inconscientemente a nossa reinos animal e vegetal. É a mesma Consciên-
identidade para incluí-los e nós os conside- cia Universal que se expressa no homem, nos
ramos como parte de nós. Nesse caso, nos animais, nas plantas e até mesmo nos mine-
sentimos obrigados a atender também às rais. Nos momentos em que o místico expe-
necessidades e desejos de nossos familiares, e rimenta uma fusão de sua consciência com
não apenas às nossas necessidades pessoais. a Consciência Cósmica Universal, a conexão
No entanto, uma pessoa relativamente rica entre todas as coisas existentes torna-se muito
que cuida apenas de seus familiares ainda clara. Por causa disso, o místico vive em
será vista como egoísta pela sociedade. harmonia com todos os aspectos da natureza.
Os membros de uma comunidade ide- Além de seu semelhante humano, o
almente esperam que todas as pessoas que místico aprecia e sente profundamente uma
vivem nela se identifiquem com a comuni- conexão com os pássaros no céu, os peixes
dade e contribuam para o seu progresso. E no mar, os animais domésticos, os animais
este progresso é frequentemente alcançado selvagens, as árvores, as flores, as colinas, as
através dos membros mais privilegiados rochas, as estrelas, o sol, a lua e praticamente
que dão apoio aos menos privilegiados. todas as outras coisas na existência. E essa
No entanto, se várias comunidades estão conexão não é imaginária porque existem
envolvidas e um indivíduo possui uma po- laços invisíveis que ligam tudo que existe a
sição que permite influenciar a liberação de uma unidade. A verdadeira natureza de uma
benefícios destinados a essas comunidades, coisa não pode ser conhecida sem enten-
qualquer tendência injusta para favorecer der sua relação com outras coisas. Assim,
a comunidade do próprio indivíduo será o místico, ao perceber as conexões entre as
considerada paroquial ou tribal. Da mesma coisas, é mais capaz de entender suas ver-
forma, em grande escala, a tendência injusta dadeiras naturezas e como interagir com
de um indivíduo favorecer o seu próprio país tudo e com todos. O místico sabe que tudo
acima dos outros é vista como nacionalismo. e todos no universo estão conectados com
Em termos demográficos, uma tendência de todo o resto e com qualquer outra pessoa!

32 O ROSACRUZ · VERÃO 2019


Nossa missão
cósmica
Há uma tendência geral de pensar em uma
missão cósmica como um serviço grandioso
ou espetacular que um indivíduo foi divina-
mente encarregado de realizar em benefício
da humanidade. É verdade que em alguns
casos uma missão cósmica pode trazer fama e
aclamação mundial ao indivíduo. No entanto,
se pensarmos um pouco, perceberemos que
nem toda missão cósmica é assim. E, de fato, a
grande maioria das missões cósmicas será re-
alizada como atividades simples e comuns que
nunca serão percebidas. Nossas vidas são, na
verdade, feitas de atividades simples e comuns,
como pensar, observar, falar, comunicar e in-

O poder da intuição teragir com os outros de várias maneiras, mo-


vendo coisas materiais para vários propósitos
Existe uma inteligência universal global e atendendo às várias demandas biológicas de
que rege ou governa todas as coisas. Todo nosso corpo físico. As pessoas ricas e famosas
mundo está constantemente em comunica- têm suas vidas constituídas por esses compo-
ção com essa inteligência; no entanto, isso nentes básicos, exatamente como aqueles que
geralmente acontece de uma forma incons- são pobres e relativamente desconhecidos.
ciente. Quando nos tornamos conscientes Em tudo o que fazem, os seres humanos
dela, a chamamos de intuição. A intuição é a estão consciente ou inconscientemente lutan-
faculdade mais importante do ser humano. O do por saúde, felicidade e paz em suas vidas.
poder da intuição para nos alertar do perigo E a obtenção destas não depende de forma al-
iminente é provavelmente o mais conhecido. guma da conquista da fama, do glamour e da
Contudo, cultivar nossa intuição nos fortuna. Muitas ações pequenas que realiza-
serve de inúmeras outras maneiras à medi- mos em nossa vida diária podem nos ajudar,
da que navegamos pelas complexidades da bem como ajudar os outros a se aproximarem
vida. Cada um de nós tem um papel especí- da obtenção de saúde, felicidade e paz. Que
fico que desempenha no esquema cósmico maior missão cósmica poderia haver do que
das coisas e é nossa intuição que nos guia esta, quando pelas pequenas ações que rea-
a desempenhar adequadamente esse papel. lizamos, pelas palavras que falamos e pelos
Quando entendermos que existem servi- pensamentos que cultivamos, contribuímos
ços que estamos destinados a exercer no de alguma maneira para a obtenção da saúde,
mundo de forma especial e única, seremos felicidade e paz? Um sorriso, um conselho
levados a voluntariar-nos sem qualquer gentil, um ombro amigo, um abraço, uma
pensamento de ganho pessoal. E teremos a ajuda material aos necessitados, um pensa-
maior satisfação de fazer isso porque esta- mento positivo de benevolência para com
remos cumprindo nossa missão cósmica. outro, esses são os elementos que compõem

VERÃO 2019 · O ROSACRUZ


33
n REFLEXÃO

uma missão cósmica. E estas coisas não são Nos livros bíblicos de Mateus e Lucas, um
feitas porque outros nos dizem para fazer. mestre faz uma viagem e deixa seus servos
Elas são oferecidas gratuitamente ou volun- encarregados de alguns bens. Quando ele
tariamente no verdadeiro espírito de serviço, voltou, avaliou o quão bem os servos empre-
sem qualquer pensamento de ganho pessoal. gavam o que estava sob sua custódia. Aqueles
Quando vivemos nossa vida dessa manei- que foram capazes de empregar o que tinham
ra, entramos em parceria consciente com a para fins proveitosos foram vistos como pro-
Inteligência Universal e todas as forças criati- dutivos e foram recompensados ​​de acordo.
vas e construtivas do Cósmico são colocadas O único empregado que decidiu não correr
à nossa disposição. Como resultado, desco- riscos com o que estava sob seus cuidados
brimos que o que alcançamos em nossa vida acabou perdendo mais do que lhe foi dado.
supera de longe o que temos a capacidade de No curso de nossa vida na Terra, absor-
alcançar com nosso próprio esforço individu- vemos muitas das nossas características
al. Essa compreensão deve nos ajudar a man- da cultura em que vivemos. No entanto,
ter um senso de humildade. Continuamos a temos alguns atributos que se originaram
gozar do apoio das forças criativas e constru- de nosso ser interno. Seria uma pena se
tivas do Cósmico, desde que não cometamos voltássemos para a cultura da mesma forma
o erro de arrogar a nós mesmos poderes que havíamos recebido sem a inclusão
e autoridade que realmente não temos. de alguns elementos únicos como nossa
À medida que nos concentramos em nossos própria contribuição. E não há melhor
talentos dados por Deus e os aplicamos cuida- maneira de revelar as qualidades únicas de
dosamente para o benefício dos outros, guiados nossa natureza do que através do volun-
pela voz da intuição, o espírito de voluntariado tariado. A sociedade a que pertencemos
é despertado em nós. Quando descobrimos pode facilmente nos forçar a ocupações que
que temos habilidades especiais em certas áre- não nos permitem expressar-nos plena-
as, estas devem indicar-nos as áreas da vida em mente. Nós nos contentamos com essas
que devemos cooperar com a Inteligência Uni- ocupações principalmente com o propó-
versal para o bem de todos. De que serve qual- sito de ganhar a vida. No entanto, através
quer talento que temos, se não for usado para do voluntariado, podemos realmente ser
que outros os apreciem e se beneficiem deles? nós mesmos e nos expressar ao máximo.

34 O ROSACRUZ · VERÃO 2019


Vivendo sas atividades, se possível, listando-as da mais
a menos desejada. Quando tiver concluído a
nossos valores lista, avalie suas atividades atuais na vida para
determinar quantas delas estão na sua lista.
Os benefícios psicológicos do voluntaria- Muitos que realizam este exercício po-
do são bem conhecidos pelos conselheiros dem encontrar uma correlação muito deses-
profissionais que observam na interação timulante entre seu inventário de valores
com os pacientes que uma vida significa- e suas atividades atuais na vida. Contudo,
tiva e mais determinada só é alcançada essas pessoas não precisam ficar desanima-
quando as pessoas são capazes de viver seus das. Um simples redirecionamento de parte
valores. Jonathan Hetterly, um conselheiro do seu tempo e esforço para as suas áreas
profissional licenciado, narrou sua expe- de interesse através do trabalho voluntário
riência nessa área da seguinte maneira: corrigirá a anomalia.

“Muitas pessoas que vêm à terapia se


beneficiam do voluntariado. Isso lhes Construindo um
dá uma sensação de realização e lhes
proporciona sentimentos positivos mundo melhor
sobre si mesmos. Dá às suas vidas O despertar do espírito de voluntário marca
um senso de propósito e significado. o começo da autorrealização. E à medida que
Mas o maior benefício para elas é nos engajamos no voluntariado, progredi-
que o serviço voluntário fornece uma mos pelo caminho do autodomínio e contri-
sensação de viver seus valores”. buímos para a evolução da humanidade e a
maior manifestação de luz, vida e amor no
Viver nossos valores significa simplesmente mundo. Como Kofi Annan, ex-secretário-
estar envolvido de forma ativa em coisas que -geral das Nações Unidas, disse uma vez:
são profundamente importantes para nós.
E quando nos envolvemos em tais coisas, é “Se desejamos que as nossas esperanças
sempre com a intenção de causar um impac- de construir um mundo melhor e
to ou uma diferença positiva. A confiança mais seguro se tornem mais do que
em nossa capacidade de fazer uma diferença ilusões, precisamos do engajamento
no mundo geralmente vem com a idade e de voluntários mais do que nunca”.
a experiência. A maioria dos jovens duvida
de sua capacidade de influenciar positiva- Portanto, cabe a cada um de nós abraçar o
mente o meio ambiente e muitos continuam voluntariado e realmente ajudar a tornar o
a lutar com essa dúvida por toda a vida. mundo um lugar melhor. Essa é uma obri-
Uma autoavaliação simples e direta sobre gação que não podemos nos dar ao luxo de
se estamos ou não vivendo nossos valores e ignorar. Que a inspiração divina, a bênção
fazendo a diferença no mundo poderia ser e a proteção estejam sobre nós quando
facilmente feita. Uma maneira de fazer isso voluntariamos sinceramente nossos servi-
envolve fazer um inventário pessoal das ati- ços para a melhoria da humanidade. 4
vidades que trariam uma sensação de alegria
* Frater Kenneth U. Idiodi, PhD é Grande Administrador da Língua
ao nosso ser interior sendo também benéfi- Inglesa para a África Ocidental. Artigo publicado originalmente
cas para outros. Faça uma lista de até dez des- no “Rosicrucian Heritage” de 2018, vol. 25, nº 01.

VERÃO 2019 · O ROSACRUZ


35
n AUTOCONHECIMENTO

e personalidade
Por SERGIO CARLOS COVELLO, FRC*

36 O ROSACRUZ · VERÃO 2019


A “
personalidade constitui-se de
várias esferas mentais, des- É possível
de o eu mais profundo, es-
sencial, até o eu exterior.
ter mais de uma
Na sua superfície, está a máscara rela-
cionada com o desempenho de papéis, que
máscara, uma para
não reflete o que o indivíduo é, mas o que ele cada ambiente em


supõe que a sociedade quer que ele seja - a
face sem rugas ou o rosto maquiado, como se que se vive…
costuma dizer. Trata-se de construção psico-
lógica cuja tarefa consiste tanto em esconder
motivações reprováveis como em transmitir Atrás da máscara, estão os apegos, o ódio,
uma autoimagem idealizada, visando à adap- o egoísmo, a agressividade, o desprezo, os
tação social. Com a máscara, formada de desejos inconfessáveis que compõem o lado
atitudes politicamente corretas, o indivíduo escuro da personalidade (a sombra) e geram
sente-se aceito, pois passa uma imagem que angústia por representarem desvalores. Só
os outros aprovam e aplaudem, parecendo- existe a máscara porque o ego é imperfeito.
-lhe assim mais fácil obter a colaboração de Do contrário, para que serviria o disfarce?
seus semelhantes. Por ser um compromisso A máscara, em verdade, nada mais é do
com a sociedade, varia de acordo com as que uma fachada bonita que esconde muita
circunstâncias a que o ego deve ajustar-se imperfeição que a pessoa não quer admitir
para viver sem atritos. Não se confunde com e muito menos mostrar. Mas a formação da
o ego, porque este é mais amplo, nem muito máscara é um processo inconsciente. Desde
menos com o Eu real. Como no teatro antigo, cedo, a criança aprende a imitar os adultos
a máscara (persona) é feita de artifícios e nas diversas situações da vida e incorpora
fingimentos. De uma parte, determina-se ao ego atitudes que não correspondem à sua
pelas expectativas sociais, costumes, hábitos verdadeira individualidade. Muita vez, o in-
e crenças; de outra, forma-se pelas ambições divíduo se confunde com a própria máscara e
do próprio sujeito de ser estimado, conse- se convence que ela é o seu eu (identificação)
guir cargos e empregos, receber elogios etc. e a sua sombra são os outros (projeção). Daí
É possível ter mais de uma máscara, uma o espírito excessivamente crítico para com
para cada ambiente em que se vive: a más- as falhas alheias. Na parábola do fariseu e
cara da seriedade nos negócios e na vida o publicano (Lucas, 18; 9-14), vê-se que o
pública, a do poder na política e no desem- fariseu estava tão identificado com a máscara
penho de cargos de relevo, a da santidade a ponto de julgar que suas práticas religiosas
na religião etc. Cada máscara acarreta certo fossem o seu ser espiritual, e projetar no pu-
tipo de conduta ou postura diante da situ- blicano a sua sombra: “Ó Deus, graças te dou
ação em que é despertada. Quem veste a porque não sou como os demais homens,
máscara do poder, por exemplo, está sempre roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda
demonstrando autoconfiança e indepen- como este publicano: jejuo duas vezes por se-
dência. Mas quando necessita de outrem, mana e dou o dízimo de tudo quanto ganho”.
situado em plano superior, pode vestir a Com exceção das pessoas autorrealizadas,
máscara da humildade: altivo com os in- tanto os homens como as mulheres desenvol-
feriores, submisso com os superiores… vem uma máscara, pois precisam adaptar-se

VERÃO 2019 · O ROSACRUZ


37
n AUTOCONHECIMENTO

ao meio em que vivem, sob pena de serem É, sem dúvida, mais fácil manter a más-
duramente punidos pela coletividade. A cara e ser a máscara: “Isto sou eu, e
identificação com a máscara, toda- ponto final”! É cômodo, não dá
via, faz com que o ser humano o trabalho de lidar com o que
viva alheado de sua essência. é frágil na personalidade.
Querendo parecer bom, aca- Cobre-se a criança interior
ba sufocando com a máscara e faz-se de conta que é
o que ele tem de realmente adulto… A sensação de
bom, deixando também segurança, no entanto,
de superar as fraquezas é ilusória, pois as fragi-
que tanto o atormentam. lidades não desaparecem
Numa sociedade egóica, por ficarem escondidas. A
como a nossa, toda feita de identificação com a másca-
aparências, não é fácil livrar-se da ra é uma vivência superficial
máscara. Tirar a máscara é tão dolo- nada realizadora. Pessoas muito
roso quanto arrancar a pele, visto que a más- preocupadas com a opinião dos outros
cara não deixa de ser uma pele psíquica. Sem não conseguem jamais tirar a máscara,
ela, o ego desnuda-se, mostra quem é, como e, quando eventualmente o fazem, logo
o ator quando retira a maquiagem. Nes- a repõem, como na poesia de Fernando
tes belos versos, Fernando Pessoa diz bem Pessoa. Não conseguem deixar de viver na
sobre a dificuldade de arrancar a máscara: periferia de sua identidade psicossocial.
Conscientizar-se da máscara é o pri-
“Depus a máscara e vi-me ao espelho. meiro passo no autoconhecimento rumo
Era a criança de há quantos anos. ao Eu superior. Quando a consciência se
Não tinha mudado nada… expande, o ser já não necessita da másca-
É essa a vantagem de saber tirar a máscara. ra, pois os aplausos não mais o seduzem
É-se sempre a criança, nem as críticas o molestam. A autoa-
O passado que foi ceitação dá segurança efetiva e permite
A criança”. encontrar os meios de transformar em
qualidades as motivações reprováveis.
Sem a máscara do poder, da seriedade, Para ser feliz, não basta desfazer-se da
da autoconfiança, da erudição, o homem máscara. É preciso, também, livrar-se do
revela-se criança com toda a sua fragili- ego e encontrar o Eu superior ou o Self espi-
dade e singeleza. Pode viver com a espon- ritual. Viver no ego é refletir o que se recebe
taneidade da criança que não está ainda da sociedade: preconceitos, meias verda-
contaminada com a malícia e os valores des e virtudes esfarrapadas. Viver no Eu
discutíveis. Porém, sem a máscara, sente- superior é realizar o divino que existe no
-se desprotegido e volta logo a vesti-la: homem. O Eu superior não precisa de más-
caras, pois jamais pode ser atingido pelo
“Depus a máscara, e tornei a pô-la. que vem de fora, e tampouco espera algo
Assim é melhor, de quem quer seja. Realizado, está sempre
Assim sou a máscara irradiando compaixão e compreensão. 4
E volto à personalidade como
a um terminus de linha”. * Frater Sergio Carlos Covello é Psicanalista e Membro da URCI.

38 O ROSACRUZ · VERÃO 2019


n poesia

Desejo a todos a paz!


A paz das três horas da madrugada,
Do sono profundo do meu filho
E do silêncio que escuto em volta
E dentro de mim.

Desejo a todos a paz!


A paz do homem que encontrou um tesouro…
Que não é ouro nem prata
Mas brilha,
Tal e qual o verdadeiro sentido da vida.

Desejo a todos mais do que a minha paz!


Desejo a paz dos rios
Que nascem, humildes, nas montanhas
Entre rochas, percorrem milhares de quilômetros
E vão desaguar no mar,
Cumprindo com serenidade sua sina.

Desejo a todos
A paz dos Concertos de Brandenburgo!
A paz da música divina
Que Deus legou ao homem
Como um caminho a seguir.
Por ANDRÉ GENERINO DA SILVA, FRC
Desejo a todos a paz dos ventos,
Dos pássaros, das nuvens, das altas montanhas.
A paz que habita
O profundo oceano
E as galáxias.

Desejo a todos a paz dos anjos,


Dos Arcanjos, Serafins, dos Espíritos de Luz
E de todos que conseguiram
A Iluminação, o Nirvana, o Paraíso…

Desejo a todos a paz dinâmica,


Que, na loucura do dia-a-dia, escapa-nos por entre os dedos
Mas, ainda assim, é a meta principal dos seres em vias de evolução,
Que acreditam em um destino glorioso para a Criação
E trabalham arduamente para que a humanidade
Alcance a Paz Profunda! 4

VERÃO 2019 · O ROSACRUZ


39
n TRADIÇÕES

A Grande
Fraternidade
Branca Por FRANCISCO RODRIGUES DE FREITAS, FRC*

40 O ROSACRUZ · VERÃO 2019


P
ara o estudante de misticismo, vo desenvolvimento interior e a ilumina-
uma das questões que mais o ção, quando mantiver contato com ela.
entusiasmam e despertam o Dessa forma, são duas as questões com
seu interesse é a que se refere à que nos defrontamos ao abordar este tema,
existência da Grande Fraternidade Branca e quais sejam:
à forma de manter contato com essa Sagrada
Assembleia de Adeptos. – O que é a Grande Fraternidade Branca?
A simples menção do termo Grande
Fraternidade Branca faz vibrarem as cor- – Como fazer para manter contato
das da sensibilidade interior do estudante, com essa Organização?
transportando-o a regiões sublimes do seu
espaço interno, onde experiencia o inefável. Existem diversas formas de responder à
O desejo e a vontade de conhecer mais sobre primeira questão, pois o conceito do que
ela têm conduzido muitos buscadores aos se entende como Grande Fraternidade
portais de ordens iniciáticas como a Ordem Branca ainda não é unívoco, ampla-
Rosacruz, AMORC, pois acreditam que mente aceito por todos os buscadores,
essas organizações dispõem das informa- mas sofre mudanças, conforme vai se
ções necessárias ao esclarecimento do que ampliando o nível de conhecimento.
seja essa Fraternidade e a forma de manter Para alguns, a Grande Fraternidade
contato com algum de seus membros. Branca é entendida como uma organiza-
De outra parte, essa busca da Grande ção de mestres iluminados, que vivem em
Fraternidade Branca, quando inadequada- comunidades monásticas, nos recessos
mente orientada, tem feito com que estu- mais secretos do Tibet, em cujos santuá-
dantes perambulem por caminhos sem saída rios conhecimentos esotéricos permane-
tomando parte em organizações inautênticas cem secretos e devidamente protegidos, à
as mais diversas, distanciando-se cada vez disposição de buscadores que se disponham
mais do objetivo que desejam alcançar. a vencer as provas necessárias. Conforme
A procura da Grande Fraternidade esse modo de ver, a Grande Fraternida-
Branca, semelhantemente à busca do Santo de Branca seria um centro irradiador do
Graal e à procura de Shangri-Lá, representa, conhecimento místico e esotérico, cuja
na verdade a busca do conhecimento e da finalidade estaria em proteger esse mes-
iluminação. Nessa perspectiva, o estudante mo conhecimento das mentes ainda não
julga que somente terá alcançado o efeti- adequadamente preparadas para utilizá-lo,


Para alguns, a Grande Fraternidade
Branca é entendida como uma organização
de mestres iluminados, que vivem em
comunidade monásticas, nos recessos
mais secretos do Tibet…
” VERÃO 2019 · O ROSACRUZ
41
n TRADIÇÕES


… por mais disseminado que
esteja, o conhecimento esotérico
permanece inacessível enquanto não
é entendido e experienciado.
mantendo-se, assim, secreto por entre

nias esotéricas estariam sob a proteção dessa
as distantes montanhas daquele país. organização, no nível humano e material.
A ideia de que a Grande Fraternidade Para outros, dentre os quais os Rosacru-
Branca seria uma organização monástica zes, a Grande Fraternidade Branca seria o
incrustada nas montanhas do Tibet resulta, conjunto de doutrinas, rituais e cerimônias,
talvez, do fato de que o conhecimento esoté- métodos e processos de aprendizagem esoté-
rico, durante muitos séculos, esteve restrito rica provenientes da sabedoria conjugada de
àquela região, em cujos mosteiros e santuá- muitas mentes iluminadas ao longo dos sé-
rios as cerimônias e rituais eram conservados culos, compondo com essas mentes uma for-
e praticados em sua pureza, protegidos da te egrégora, conforme descrevemos abaixo.
curiosidade e da perseguição dos profanos. De acordo com essa abordagem, ela
Posteriormente, os mestres do conheci- não seria uma Organização material com-
mento e da sabedoria, até então restritos aos posta de homens iluminados, mas sim a
monastérios tibetanos, decidiram por sair de sabedoria esotérica que, seguindo a cadeia
suas celas e, levando consigo o segredo dos da tradição cósmica, após ter sido investi-
santuários, iniciaram longa peregrinação pelo gada, experienciada, praticada, verificada
mundo, fundando, em cada região ou país por e confirmada pelos Adeptos ao longo dos
onde passavam, organizações místicas e fra- séculos, chegou até nós como um legado
ternais, às quais transmitiam o conhecimento sagrado. Nessa perspectiva, uma ordem
e o poder de que dispunham. Desse trabalho fraternal está ligada à Grande Fraternidade
teriam nascido as ordens iniciáticas, as escolas Branca quando o conjunto de doutrinas e
de mistério responsáveis pela disseminação práticas ritualísticas que desenvolve per-
dos ensinamentos esotéricos e místicos aos tence ao legado da sabedoria primordial.
buscadores que comprovassem a sua sinceri- No entanto, a simples posse do con-
dade de propósitos. A esse conjunto de ordens junto de doutrinas, cerimônias e rituais
esotéricas também denominou-se de Grande não assegura que uma organização esteja
Fraternidade Branca, justamente porque elas, efetivamente ligada à Grande Fraternidade
em conjunto, detinham as doutrinas esotéri- Branca e que dela receba o impulso neces-
cas, os rituais e as cerimônias que eram preser- sário ao desenvolvimento do seu trabalho.
vadas nos santuários tibetanos. Dessa forma, Pois é sabido que, por mais disseminado que
o equívoco de atribuir à Grande Fraternidade esteja, o conhecimento esotérico permanece
Branca uma organização física, material e vi- inacessível enquanto não é entendido e ex-
sível, está ligado ao fato de se atribuir também perienciado. Por isso, ainda que disponível
que o conjunto de doutrinas, rituais e cerimô- e visível em sua forma alegórica ou simbó-

42 O ROSACRUZ · VERÃO 2019


lica, o ensinamento esotérico permanece
secreto e seguro até que pela prática, pela
experiência, pela vivência, seja transfor-
mado em algo vivo, pulsante e presente nas
ações da fraternidade, em todos os níveis.
Aceitando-se que a Grande Fraternida-
de Branca existe a partir de um conjunto
das doutrinas, rituais e cerimônias eso-
téricas, é interessante conhecer algumas
dessas doutrinas em sua formulação in-
telectual, a fim de que tenhamos alguma
ideia de como esses princípios podem
nos levar ao conhecimento maior do
universo, do micro e do macrocosmo.
A primeira dessas ideias, talvez a mais
fundamental, é a de que TUDO ESTÁ
EM TUDO. É a de que todas as coi-
sas que existem no universo integram o
UM, sem qualquer possibilidade de que
algo possa SER fora dessa Unidade.
A compreensão da unidade do Cosmos
é essencial para a aquisição da sabedoria
interior que promove o desenvolvimento
espiritual do homem. Embora seja uma
verdade esotérica para a qual existe, sob
certos aspectos, unicidade de entendimen-
to, a compreensão efetiva desse fato não
decorre apenas de sua aceitação intelec-
tual, mas através de vivência simbólica que
possibilite penetrar, efetivamente, no seu
âmago e assumi-lo inteiramente como um
conhecimento resultante da própria expe-
riência. Essa ideia de unicidade do Cosmos
permeia praticamente todas as filosofias
esotéricas e todas as doutrinas religiosas,
mantendo maior ou menor grau de pureza,
conforme esteja mais ou menos próxima da
fonte da sabedoria perene. A preservação
desse conhecimento, através de símbolos
e alegorias, de rituais e cerimonias, tem
sido uma das principais ações visíveis da
Grande Fraternidade Branca, pois, embora
hoje esse conhecimento seja aceito pacifi-
camente pela maioria das pessoas, não foi

VERÃO 2019 · O ROSACRUZ


43
n TRADIÇÕES

desenvolvimento de forma consciente, poden-


do optar por submeter-se a um processo de
estimulação psíquica que lhe assegure amadu-
recimento espiritual de forma mais rápida.
Essas ideias básicas da sabedoria eso-
térica orientam praticamente todos os
métodos e processos de aprendizagem
disseminados pela Grande Fraternidade
Branca e a sua compreensão e vivência são
essenciais para possibilitar algum tipo de
contato efetivo com essa sublime organi-
zação existente em níveis suprassensíveis.
Esses conhecimentos, que hoje são
colocados abertamente, numa época distan-
te de nossa história, quando a ignorância,
a intolerância e o preconceito indicavam
o grau de atraso do desenvolvimento da
consciência humana, eram transmitidos
apenas verbalmente ou por meio de sím-
bolos e alegorias para grupos restritos de
iniciados. E durante muitos séculos foi
necessário manter esse tipo de procedi-
mento, antes que fosse possível colocá-los
em livros e monografias, e que deles se
pudesse falar e escrever com liberdade.
Algumas das maravilhas da literatura eso-
térica, que hoje são amplamente divulgadas
sempre assim, havendo épocas em que a sua e disponíveis como é o caso dos Upanishads,
afirmação era considerada como heresia. a do Baghavad Gita, eram secretas, com
Outra ideia básica é a de que o universo acesso exclusivo aos mais elevados místi-
tem consciência e de que está em processo cos e disponíveis em textos aos iniciados.
de crescente autoconhecimento, sendo que o Conquanto a unidade do Cosmo, ideia
homem é um dos canais através do qual esse fundamental da sabedoria esotérica, seja
autoconhecimento se expressa. amplamente aceita e disseminada hoje, existe
Admitir que o Cosmos tenha consciência grande distância separando esse conhecimen-
ao lado da ideia de sua unidade, signifi- to intelectualmente aceito de sua prática. A
ca afirmar que o homem e o universo são vivência da fraternidade ainda é restrita a uns
uma única e só realidade, razão porque a poucos iniciados, pois a ilusão da separativi-
consciência que se manifesta no homem é a dade está presente na maioria dos indivíduos
própria consciência cósmica expressando-se e inspira ações contrárias a essa unidade.
no nível de realidade humana. Os efeitos dessa ilusão são danosos ao
Uma outra ideia primordial do ensino equilíbrio cósmico. O homem agride os
esotérico é o de que o homem é um ser auto- seus semelhantes de diversas maneiras,
consciente, capaz de dirigir o seu processo de física e psicologicamente. As condições de

44 O ROSACRUZ · VERÃO 2019


“ A agressão que o homem faz ao seu
habitat… é um sintoma de que a unidade
cósmica ainda é, para ele, um conceito
teórico, um ideal com o qual não está
comprometido existencialmente.
vida que são infligidas pelo homem aos seus

pela disseminação de métodos, processos e
semelhantes, em algumas situações críticas técnicas esotéricas que propiciem a vivên-
evidenciam a ausência do sentimento de cia intensa do sentimento de unidade e de
que TODOS SOMOS UM e que estamos fraternidade, a fim de que o homem possa
unidos indissoluvelmente na vivência do compreender que a unidade do Cosmos
drama cósmico. A agressão que o homem exige ações que preservem o seu equilíbrio
faz ao seu habitat, destruindo florestas, em todas as suas expressões, principalmente
poluindo os cursos d’água, exterminando na natureza, pois é através dele que a VIDA
os animais, os pássaros, contaminando o se manifesta em miríades de formas.
ar que todos respiramos, é um sintoma de Enquanto os ensinamentos das escolas
que a unidade cósmica ainda é, para ele, tradicionais, sob a égide da Grande Frater-
um conceito teórico, um ideal com o qual nidade Branca, mostram o homem como
não está comprometido existencialmente. um ser autoconsciente e capaz de dirigir o
As cidades, o ritmo de trabalho, a quali- seu próprio desenvolvimento até tornar-se
dade de vida que o homem está construindo um ritmo cósmico consciente, ainda per-
para si e para a sua família mostram, atra- manecem nas escolas que ensinam nossas
vés dos índices alarmantes e crescentes das crianças a prática pedagógica que as vê
doenças, da fome, do desabrigo, do desampa- apenas como uma unidade de produção, de
ro das crianças e dos idosos, do desperdício consumo ou de prazer, sufocando, através
de recursos naturais, da violência em todas as de uma pedagogia pragmática e utilitarista,
suas formas, que ainda não existe suficiente as suas manifestações mais refinadas de
manifestação de AMOR nas ações humanas, espiritualidade, restringindo e, às vezes,
de sorte que a consciência cósmica talvez aniquilando a expressão do seu ser interior.
tenha tido poucas oportunidades de expres- A Grande Fraternidade Branca, pois,
sar-se no nível humano dessa realidade. continua com o seu trabalho de impul-
Observando, assim, o mundo em que nos sionar a mente e o coração dos iniciados,
é dado viver, percebemos que a ideia básica não mais para tornar conhecido o seu
e fundamental da sabedoria esotérica, a da princípio maior da Unidade, mas para
unidade, que anima e inspira todo o esforço torná-lo algo vivo, em todas as ações
místico, ainda não está arraigada no coração do homem, neste aqui e neste agora.
e na mente do homem. E como sabemos, Chegou o momento, talvez, de os estu-
não será através de discursos de exortações dantes de misticismo debruçarem-se sobre os
que esse panorama será modificado, mas ensinamentos tradicionais, sobre as doutrinas

VERÃO 2019 · O ROSACRUZ


45
n TRADIÇÕES

das Escolas Tradicionais, examinando o que terior estão registradas algumas leis e alguns
é possível fazer, não para doutrinar pessoas, princípios naturais, que, integrando uma
mas para criar condições de expressão e sabedoria primordial, poderão conduzi-lo à
manifestação dessas Ideias, para a vivência felicidade resultante da harmonia cósmica
desses princípios, na realidade do mundo que que é a expressão de sua harmonia interior.
nos cerca, com as suas complicações, com A segunda questão colocada na abor-
as suas incertezas, com os seus tumultos. dagem deste tema refere-se a como manter
A vivência da unidade cósmica é essencial contato com a Grande Fraternidade Branca.
para construir ou reconstruir pontes entre os Como foi dito no decorrer deste traba-
homens, entre marido e mulher, entre pai e lho, a Grande Fraternidade Branca não é
filho, entre patrão e empregado, entre irmãos, uma organização formalmente estruturada,
enfim. Não porque isso seja obrigatório pela do ponto de vista da realidade humana,
lei dos homens, não porque seja uma injun- mas um conjunto de doutrinas, rituais e
ção de dogmas religiosos, mas como con- cerimônias esotéricas tradicionais. Assim,
sequência natural da experiência e vivência qualquer contato deve ser feito através
da unidade, na inefável harmonia cósmica. dessas doutrinas, rituais e cerimônias que
A Grande Fraternidade Branca, em todos formam a sabedoria esotérica primordial.
os momentos da história humana, sempre O primeiro passo, então, seria o de afiliar-se
esteve voltada para a conquista da felicidade a uma organização iniciática autêntica, cujos
do próprio Ser Humano. Não uma felicidade ensinamentos façam parte dessa Fraternidade,
alicerçada em ilusões, mas fundamentada no como é o caso da Ordem Rosacruz, AMORC.
ser o próprio SER. A felicidade que resulta da Após cruzar os umbrais de uma fraterni-
alegria interior, da vivência do sentimento su- dade legítima e ligada à Grande Fraternidade
til da harmonia com todas as coisas. Ela não Branca, o estudante desejoso de realmente
é um conjunto de doutrinas e práticas ritua- aprofundar contatos com a sabedoria perene
lísticas destinadas a inspirar as fantasias e os dedicar-se-á com devoção e entusiasmo ao
sonhos de um misticismo desengajado da rea- trabalho, procurando o entendimento e a
lidade concreta. Como um corpo vivo de dou- prática dos ensinamentos recebidos, pre-
trinas, rituais e cerimônias, ela tem por objeti- parando-se, desse modo, para a Iniciação
vo transformar o mundo, pela transformação psíquica, que significa o ingresso na vene-
interior do homem que constrói esse mesmo rável Assembleia dos Adeptos, existente em
mundo com os seus pensamentos e as ações. níveis suprassensíveis. Esta Iniciação é o
A vivência do princípio da unidade cós- ingresso do estudante no seu universo inte-
mica não pode estar restrita aos experimen- rior começando vida nova, a partir de novos
tos e práticas individuais de harmonização, conhecimentos, ao nível de vivência profun-
através dos quais o estudante busca uma paz da, e até mesmo de transformação celular.
não encontrada no mundo conturbado em Quando o estudante apreende num insight
que vive, mas deve extravasar numa mani- instantâneo e completo uma lei ou princípio
festação generalizada de AMOR por tudo e que faça parte da sabedoria tradicional, dá-se
por todos. As doutrinas das quais as ordens a sua iniciação a essa irmandade oculta e
iniciáticas são canais de expressão e mani- o estudante passa a integrar a mais elevada
festação não têm por objetivo a especulação organização do mundo e a ser uma unidade
sobre o oculto, sobre o extraordinário, senão consciente da consciência universal. Ain-
lembrar ao homem que no seu universo in- da que se trate de importante e profunda

46 O ROSACRUZ · VERÃO 2019


civilizações antigas, de gestos submersos
na eternidade do tempo. E então sua alma
canta a nostálgica canção cósmica, buscan-
do a unidade com todos os seres, reencon-
trando a harmonia que sempre existiu.
As suas faculdades latentes alcançam,
então, o mais elevado grau de autoexpres-
são consciente, em si mesmo e através
de si, alcançando todo o universo, por
meio da consciência da Grande Fraterni-
dade Branca, da qual agora faz parte.
O estudante compreende, então, que
a vida mística não é um sonho ou apenas
um ideal, nem está ligada apenas a rituais
e exercícios de harmonização, mas consiste
na contínua aplicação do poder da vonta-
de em direção à fraternidade universal.
Podemos concluir afirmando que a
Grande Fraternidade Branca constitui uma
consciência, uma ampla e poderosa cons-
ciência grupal, integrada pela consciência
individual de todos os adeptos, filósofos,
sábios, santos e homens de boa vontade, de
todos quanto no silêncio de seus santuários
meditam, oram e velam pela humanida-
transformação em sua vida, o iniciado terá de, espargindo as mais elevadas e sutis
percepção consciente desse fato de modo vibrações de AMOR, PAZ, HARMONIA,
gradativo, a fim de que possa realmente agir BONDADE e SAÚDE, não a qualquer
como um ritmo cósmico consciente, expres- indivíduo em particular, mas como uma
sando em todos os momentos e em todas as irradiação de uma Luz em um ambiente
suas ações a própria harmonia universal. escuro, dissipando, assim, as trevas exte-
A iniciação psíquica transmite ao estu- riores com a LUZ do seu archote interior.
dante a convicção de que ele é o elo da vida, Integrar-se à Fraternidade Branca
aquele que une o que foi ao que será. Em significa harmonizar-se com as mais
suas veias, ele percebe que corre o sangue elevadas e sublimes forças universais
do universo e a energia do mundo. Seu para trabalhar num esforço conjugado e
coração vibra aos acordes de música silen- consciente para que o universo prossiga
ciosa, sublime e divina. A continuidade da no seu processo de autoconhecimento e
existência torna-se transparente e seus olhos de autoexpressão, por meio de faculda-
contemplam a realidade de mil anos e toma des humanas trabalhadas e refinadas pela
consciência de sua vida ao longo das idades. elevação do nível de consciência. 4
A iniciação o faz uno com o universo
vivo e ele pode ler na memória de suas * Frater Francisco Rodrigues de Freitas é ex-Grande Conselheiro
células o registro de idades passadas, de da Região NE3.

VERÃO 2019 · O ROSACRUZ


47
A Alma do
Mundo
Por H. SPENCER LEWIS, FRC
ex-Imperator da AMORC

L
i recentemente algu- provam conclusivamente que fosse pouco compreendida
mas das obras místicas ele foi um alto oficial, chefe pelos estudantes poste­riores,
de Sir Francis Bacon, executivo e entusiástico de- porque se tornou ultrapas-
escritas durante o tempo fensor do Rosacrucianismo sada e uma nova expres-
em que ele era Imperator da durante sua vida. Em ver- são surgiu em seu lugar.
Ordem Rosacruz. Apesar do dade, muitos dos livros A expressão de Bacon era
fato de que alguns estudiosos que tratam deste assunto “Alma do Mundo”. É bem
pesquisadores desprepara­ têm sido conhecidos por evidente que Bacon utilizava
dos da história Rosacruz competen­tes historiadores esta expressão para desig-
afirmem que não há nenhu- Rosacruzes durante muitos nar a Mente Cósmica ou a
ma evidência que revele as anos e extratos desses livros Consciência Cósmica ex-
atividades de Bacon junto têm aparecido em muitos pressa na humani­dade e que
aos Rosacruzes, eu trouxe manuscritos Rosacruzes. permeia todo o espaço.
de Londres mais dois raros Em muitos dos escritos Acho a expressão usada
volumes, para serem acres- místicos de Bacon, verifi- por Bacon muito bonita e,
centados às obras de Bacon camos que ele usava uma toda vez que penso nela, ou
de nossa biblioteca; volumes expressão que era provavel- que leio em alguns dos ve-
que tratam do lado místico mente muito significativa lhos manuscritos Rosacruzes
das atividades de Bacon e para ele, porém que talvez ingleses qualquer referência

48 O ROSACRUZ · VERÃO 2019


à “Alma do Mundo”, é como Tenho visto estas frases sentimos ao tato, degus-
que se eu entrasse numa serem analisadas em de- tamos e cheiramos, e que
forma muito sutil de con- trimento do sentido que isso é uma parte da Alma
tato psíquico com Bacon, pretendeu Bacon quando as do Mundo ou, em outras
e percebesse exatamen­te a escreveu. Alguns compre- palavras, uma parte da
conotação que ele tinha em enderam erroneamente as Consciência Cósmica. Este
mente quando criou esta ex- palavras prece­dentes, como pensamento seria contrário
pressão e se decidiu a usá-la. se Bacon tivesse dito que a às outras afirmações feitas
Tomemos, por exemplo, parte psíquica do homem profusamente por Bacon
um trecho de suas obras é aquilo por meio do que em todos os seus escritos
escrito por volta do ano de nos movemos, enxergamos, místicos, e certa­mente
1600, como podemos inferir
pelo lugar ocu­pado em sua
correspondência e outros de
seus escritos:

“O homem, no princípio
(quero dizer o verda-
deiro homem interior),
tanto durante como até
pouco tempo após sua
criação, era pura Essência
Intelectual, livre de todas
as tendências físicas e
carnais. Nesse estado,
a Anima, ou Natureza
Sensível, não prevalecia
sobre a natureza espiritu-
al, como o faz agora em
nós … A parte celestial,
etérea e senso­rial do ho-
mem é aquilo por meio
do qual nos movemos,
enxergamos, sentimos ao
tato, degustamos e cheira-
mos, e temos contato com
todas as coisas materiais
de qualquer espécie… em
termos simples, é parte
da Alma do Mundo.” Retrato de Francis Bacon (1561-1626) numa gravura de 1845, autor desconhecido.

VERÃO 2019 · O ROSACRUZ


49
seria contrário aos princí-
pios do Rosacrucianismo Duas como as faculdades físicas
possuídas pelo homem, e
e misticismo em geral.
Todo místico ou ocultista formas de que, por esta razão, podemos
nos mover, enxergar, sentir ao
sabe que não é o homem
interior ou psíquico que vê, Consciência tato e perceber as coisas tanto
de modo psíquico como físi-
sente ao tato, degusta, ou Bacon estava tentando mos- co, mas que essa função, essa
ouve as vibrações do mundo trar, no tratado de que foram consciência psíquica, consti-
objetivo, material; e todo tirados estes excertos, que tui uma parte da Consciência
místico sabe que estes sen- a consciência psíquica do Cósmica universal.
tidos objetivos, ou seu fun- homem e sua consciência A Psicologia ensina que
cionamento, não utilizam a objetiva estão intimamente a fronteira entre o estado de
consciência conhecida como rela­cionadas, e que parte de sono e o estado de vigília é
consciência psíquica ou uma delas é encon­trada na tão indefinida que é difícil
cósmica do universo. O que outra. Ele estava tentando dizer quando o homem pas-
Bacon realmente diz com tornar claro o fato de que, sa de um para o outro esta-
estas palavras é que, na rá- embora o homem fosse dual do. A Fisiologia oferece tam-
pida e pretensiosa evolução em sua natureza e em sua bém o seu conheci­mento a
física do homem, através do consciência, as duas partes este respeito, afirmando que,
engrandecimento do Eu ex- não eram nitidamente disso­ precedendo a manifestação
terior, à consciência objetiva ciadas e tão separadas uma exterior do estado de sono,
ou personali­dade física tem da outra ao ponto de não vários órgãos e funções do
sido permitido o controle e haver nenhuma forma de corpo relaxam em suas ativi-
domínio do homem interior, intercomunicação ou de rela- dades, e muitas células co-
espiritual. Sabemos que isto cionamento reflexo. Ele es- meçam a entrar num estado
é verdade em tão grande tava tentando mostrar que o de dormência antes mesmo
­proporção da humanidade íntimo relacionamento entre que a pessoa esteja conscien-
atual, que tem sido respon- estas duas formas de cons- te do desejo de dormir.
sável por muitas formas de ciência do homem tornou O misticismo também
sofrimento e provação pelas possível ao mesmo mudar sustenta que a fronteira
quais o homem deve passar gradualmente o domínio do entre o Eu interior, psíqui-
enquanto está aprendendo Eu objetivo, material, sobre o co, e o Eu exterior, físico, é
as lições da vida. Bacon pre- Eu subjetivo, espiritual, sem muito indefinida, porque na
tendeu dizer tam­bém que nenhum súbito renascimen- linha divisória entre os dois
a consciência espiritual, ou to e sem nenhum período de há uma fusão de ambos os
a parte celestial e etérea da verdadeiro caos em sua vida. estados, o que vem a cons-
consciência do homem e sua Suas palavras afirmam tituir realmente um terceiro
capacidade para ver, ouvir, claramente que há uma parte estado, conhecido nos meios
sentir ao tato e cheirar, per- etérea, como também uma místicos como estado in-
tence à Alma do Mundo, ou parte sensorial do homem, termediário de consciência.
Consciência Cósmica. Eis associada a movimento, vi- Muitos dos mais incomuns
por que a palavra “parte” é são, sensação, paladar e olfa- de todos os fenômenos psí-
utilizada na última frase do to, que pode se harmonizar quicos ocorrem nesse estado
excerto supracitado. com as coisas materiais assim e, por esta razão, são difíceis

50 O ROSACRUZ · VERÃO 2019


de ser compreendidos, e mento aqui na Terra pode o cia operem própria e eficien-
muito difíceis de ser repeti- homem viver total e exclusi- temente, e ele possa entrar à
dos ou reproduzi­dos. vamente em sua consciência vontade no terceiro estado,
Esta feliz e íntima relação objetiva, com total ausência ou estado intermediário de
entre as duas partes do ho- de sensibilidade espiritual. consciência, onde poderá
mem torna possível à pessoa E finalidade da nossa estar em conta­to consciente
que esteja cansada do méto- Organização, como também com ambos os estados, e será
do errôneo de vida (em que de nossos estudantes indivi­ capaz de transferir as im-
o Eu interior, psíquico, está dualmente, como de estudan- pressões de um para o outro.
apri­sionado e esquecido, e tes do mundo inteiro interes- Este é o estado ideal para a
ao homem exterior, físico, é sados nestes assuntos, auxiliar felicida­de do homem e seu
permitido poder ilimitado a trazer uma condição de sucesso na vida; e é este esta-
com incontrolados equívo- maior equilíbrio à existência do de existência que constitui
cos) transferir, gradati­va e do homem, por meio da qual verdadei­ramente o modo de
eficazmente, o domínio do seus dois estados de consciên- vida Rosacruz ou místico. 4
poder de um para o outro,
ou ao menos igualar as for-
ças entre os “Eus” ou as na-
turezas do seu ser.
A menos que o homem
esteja plenamen­te harmoni-
zado com a Alma do Mundo,
ou Consciência da Mente
Cósmica, ou a Cons­ciência
do Infinito, como ele está
harmoni­zado com a consci-
ência do mundo objetivo e
suas sensações e impressões,
estará vivendo e existindo
apenas pela metade em seu
presente estado mundano. O
homem não pode viver total
e exclusivamente no estado
espiritual enquanto está vi-
vendo neste plano terreno; e
um tal estado de consciência
não seria desejável, nem real-
mente benéfico para ele. É so-
mente na transição, quando o
Eu objetivo é completamente
abandonado, que o homem
pode viver total e exclusiva-
mente em sua consciência
Gravura de Jean Theodore de Bry, de Tomus Secundus… distributa, 1619, de Robert
espiritual. E em nenhum mo- Fludd, ilustrando a filosofia hermética de Fludd sobre a harmonia entre corpo e alma.

VERÃO 2019 · O ROSACRUZ


51
Nesta seção sempre
homenagearemos a história
de nossa Ordem no mundo
e na língua portuguesa,
lembrando por meio de
imagens os pioneiros que
.com

labutaram pelo Ideal Rosacruz


© thinkstock

e plantaram as sementes cujos


frutos hoje desfrutamos. A
todos eles, a nossa reverência.

Missão Cósmica Cumprida


E assim se encerra um ciclo vitorioso para o nosso querido Imperator, Frater Christian Bernard.
Neste ano o Frater Claudio Mazzucco assumirá a função e escolhemos dedicar este espaço da coluna
Ecos do Passado para falar da visita do Frater Christian Bernard à Grande Loja da Jurisdição de Lín-
gua Portuguesa, em outubro de 1990.
Era o momento da XIII Convenção
Nacional Rosacruz e Frater Christian
tinha sido instalado ritualisticamente
como Imperator da AMORC havia 2 me-
ses. Por ocasião desta visita ao Brasil ele
foi homenageado pelas autoridades da
época da Câmara Municipal de Curitiba
como “Ilustre Visitante de Curitiba”.
E que visita! Lá se vão quase 30 anos
desta sua visita à nossa jurisdição…
Foram momentos marcantes
que certamente ficarão na memória
do Frater Christian Bernard, pois
no final do evento ele falou para os
convencionais sobre fatos referentes à
sua trajetória na AMORC e correspon-
dente evolução na Senda Rosacruz, desde
quando aos 15 anos recebeu autoriza-
ção do Imperator Frater Ralph M. Lewis
para se tornar um estudante rosacruz.
Entre o desabrochar e o murchar
está a oportunidade de viver. E viver é
sentir a presença do instante que flu-
tua entre o passado e o futuro.*
* Revista “O Rosacruz”, 1º trimestre de 1991.

52 O ROSACRUZ · VERÃO 2019


Tradicional Ordem M artinista
As relações entre Deus, o Homem e a Natureza
Estudar as relações entre DEUS, o Homem e a Natureza é como um exercício de ciência herméti-
ca no qual nos damos conta da integração permanente da Natureza, do Homem e da Divindade,
no grande teatro da existência. A Natureza e o Homem não devem ser considerados entidades
distintas, e sim atores equivalentes, ou seja, alter egos de igual poder, agindo em planos paralelos
como ferramentas do Grande Arquiteto do Universo.
Natureza e Homem devem ser considerados, por nós místicos, as chaves dos mistérios revela-
dos do conhecimento das coisas sagradas. São os suportes vivos das leis divinas e compreendem
uma função pedagógica na busca da Divindade.
Quer se trate da Torah judaica, do Zohar, da Bíblia cristã ou dos Escritos herméticos, todos
esses textos sagrados nos permitem não só estabelecer uma correspondência, mas também com-
preender por que DEUS pode ser descoberto por meio do Homem e da Natureza.
“O Homem encerra tudo o que está em cima, no céu, e em baixo, na terra, tanto as criaturas
terrestres como as celestes” nos diz o Zohar.
“DEUS criou o Homem à sua imagem. Ele o criou à imagem de DEUS”. Nos diz também o
Gênesis (1-27).
Essas duas citações nos permitem compreender por que DEUS pode ser descoberto por meio do
Homem e da Natureza. O Misticismo Rosacruz/ Martinista nos oferece maravilhosos instrumen­tos:
as leis da analogia e da correspondência. Podemos descobrir nessas citações a arquitetura visível e
invisível da Natureza, assim como a anatomia do Homem.
Refletir sobre as relações existentes entre DEUS, o Homem e o Universo nos coloca não ape-
nas in situ nas pistas deixadas por nossos Mestres do passado, que em suas obras não deixaram de
evocar os aspectos da questão, como igualmente in vivo pelo poder do ritual subjacente às leis mais
secretas da encarnação do Homem na matéria e à perda de suas faculdades psíquicas de ordem
superior, que a ela se seguiu.
O ritual testemunha também o renascimento do Homem que, uma vez liberto do jugo dos
sentidos e da matéria, e dos problemas da vida diária, prepara-se para a nascente reintegração ao
seio do Pai, onde deixará ser um escravo da Natureza para tornar-se um servidor e mediador entre
DEUS e o Universo.
Texto inspirado em O Pantáculo nº 2, 1994, “As Relações entre Deus, o Homem e a Natureza”.

S.I.
A
humanidade recebe de tempos em tempos personalidades-
-alma que são “divisoras de águas”, ou seja, o mundo é um
antes delas e outro após elas.
Como verdadeiros mensageiros de Luz a serviço da
humanidade, esses seres receberam do Cósmico a missão de causar
uma forte influência na sociedade em que estavam inseridos,
recebendo postumamente o reconhecimento pela visão, liderança
e iluminação que abrangeram todo o nosso mundo. Vieram
para mudar, romper paradigmas e deixar os seus pensamentos,
palavras e ações como exemplos de seres humanos especiais.
Esta capa da revista “O Rosacruz” é dedicada a esses seres
de luz que, como Mestres, nos ensinaram o sentido da vida.

Marie Curie – Umas das maiores benfeitoras da


humanidade foi a cientista polonesa Maria Salomea Skło-
dowska, nascida em 07 de novembro de 1867, em Varsóvia.
Foi a primeira mulher da história a ser honrada com um
Prêmio Nobel de Física. Sua notoriedade foi tanta que ela se
consagrou como a primeira pessoa e única mulher a ganhar o prêmio por duas vezes. E não parou aí!
A infância pobre foi o impulso que ela teve para se mudar da Polônia para a França para poder estudar.
Lá começou a usar o nome Marie. Em 1895 casou-se com o dedicado professor da Faculdade de Física
e Química de Paris, Pierre Curie, e então passou a se chamar Marie Curie. E assim a família Curie
conquistou cinco prêmios Nobel.
Marie coordenou pesquisas pioneiras importantíssimas no ramo da física e junto com seu marido desenvolveu
os princípios da radioatividade. Seu trabalho foi tão importante para a ciência que, após a morte de seu mari-
do em 1906, ela conseguiu ser a primeira mulher a ser contratada como professora na Universidade de Paris.
Dedicando suas vidas aos estudos, o casal fez a descoberta do elemento químico radium e em 1914 surgia
o Instituto de Radium da Universidade de Paris com Marie trabalhando na direção das pesquisas que eram
realizadas pelo instituto. Albert Einstein que conheceu Marie pessoalmente, certa vez rendeu tributo à sua
memória dizendo as seguintes palavras: “Sua fortaleza, sua pureza de vontade, sua austeridade para con-
sigo mesma, sua objetividade, seu julgamento incorruptível, eram de uma espécie que, juntos, raramente
são encontrados em uma pessoa só... sua modéstia profunda jamais deixou margem para fatuidade.”
Marie viveu para o trabalho, mas também por ele morreu em 1934 devido os efeitos negativos provocados
pela radiação, pois ela permanecia muito tempo exposta aos seus estudos e experimentos. Sua filha mais velha
Irène continuou com a trajetória da família Curie no ramo da física. Ela e o marido, o físico Frédéric Joliot-
Curie, compartilharam o prêmio Nobel de Química de 1935 pela síntese dos novos elementos radioativos.
“A vida não é fácil para nenhum de nós. Mas que importância isto tem?
Devemos ainda ter perseverança e, acima de tudo, confiança em nós mesmos.
Com essas duas qualidades, todas as coisas se tornam possíveis.”
– Marie Curie

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