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L E I N° 9.610, D E 19 D E F E V E R E IR O D E 1998.(Legislação de Direitos Autorais)


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norm aatualizada-pl.htm l
CONTINGÊNCIAS NÃO HOMOGÊNEAS
Esta publicação coroa um longo processo de desenvolvimento profissional a que
vimos assistindo em Belo Horizonte, desde os primeiros contatos que o grupo
mineiro teve com a Análise do Comportamento até suas mais recentes vertentes
clínicas e educacionais. 0 livro testemunha o resultado do esforço de cooperação
recíproca entre centros de desenvolvimento profissional com níveis de excelência,
uma clara demonstração de que o conhecimento evolui a partir da integração
de contingências de reforçamento não homogêneas. De um lado, o grupo local
de professores, pesquisadores, psicólogos e alunos que, sem poupar esforços,
buscaram, ativamente, profissionais de outros postos, aptos para selecionarem
repertórios comportamentais - a partir de uma matriz jâ extremamente elaborada
- na direção de um trabalho científico rigoroso e socialmente relevante. De outro
lado, profissionais com perfil missionário e comprometidos com a própria filosofia
do behaviorismo radical de que melhores comportamentos emergem com melhores
contingências, o que os desafiou, dentro de suas respectivas possibilidades e
com muito afeto, a colaborar com este projeto integrador, modelo de atuação
comportamental. 0 resultado pode ser apreciado e avaliado nas páginas deste
volume. Tenho certeza de que todos sorrirão satisfeitos no final da leitura.

Hélio José Guilhardi

ESETec
CIÊNCIA DO COMPORTAMENTO
conhecer e avançar

2
Copyright © desta edição:
ESETec Editores Associados, Santo André, 2002.
Todos os direitos reservados

Teixeira, Adélia Maria Santos

Ciência do Comportamento -C onhecare Avançar. - Orgs. Adélia Maria Santos Teixeira,


Ana Maria Lé Sénéchai-Machado, Nely Maria dos Santos de Castro,
Sérgio Dias Cirino. 1* ed. Santo André, SP: E S E T e c Editores A ssociados, 2002.

196p. 23cm

1. Psicologia do Comportamento: pesquisa, aplicações


2. Betiavlorlsmo Radical
3. Análise do Comportamento
4. Terapia com porta mental

C D D 155.2
C D U 159.9.019.4

ESETec Editores Associados

Capa: Flávia Castanheira

Agradecemos a todos que, direta ou indiretamente, colaboraram com a produção deste


material. Cabe um crédito especial à designer Flávia Castanheira, que nos presenteou com
um trabalho de especial beleza e sensibilidade.

Solicitação de exemplares: comercial@esetec.com.br


Tfcl. 49905683/44366866
www.esetec.com.br
CIÊNCIA DO COMPORTAMENTO
conhecer e avançar

Adélia Maria Santos Teixeira


Ana Maria Lé Sénéchal-Machado
Nely Maria dos Santos de Castro
Sérgio Dias Cirino
Adriana Cunha Cruvinel Organizadores
Aiysson Albis Carvalho Pinto
Ana Maria Lé Sénéchal-Machado
André Luiz Freitas Dias
Carlos Augusto de Medeiros
Cíntia Guilhardi
Cloves Alves Baier
Helton Rocha Campos
Hérika de Mesquita Sadí
Luciana Maluf
Luiz Octavio Souza de Oliveira
Marco Antônio Amaral Chequer
Marcos Alexandre de Medeiros
Maria Amalia Pie Abib Andery
Maria Cristiana Seixas Villani
Marta Regina Barbosa Assunção
Nelson de Campos Nolasco
Ntcolau Kuckartz Pergher
Ntlza Micheletto
Ricardo Corrêa Martoni
Roosevelt R. Starling
Sandra Marta de Castro Bemardes
Sônia dos Santos Castanheira
Tereza Maria de Azevedo Pires Sério

ESETec
Editores Assoclmdo*
2002
S umário

P r e f á c io ..................................................................................................... v

A presentação ................................................................................................. v ii

F o r m aç ão oe t er a pe u t as a n a l ít ic o - com portam enta i s : colocando O MODELO 508 AS


CONTINGÊNCIAS DO MODELADO
Roosevelt R. Starling (FUNREI/DPSIC) ................................................ 1

0 LUGAR DA EMOÇÃO NA ANÁLISE DO COMPORTAMENTO


André Luiz Freitas Dias, Luciana Maluf (PUC-SP) .................................. 39

A lg u m a s d a s c o is a s q ue B. F. S k in n e r pooe d ize r a pro fesso res e estu dantes de

P s ic o lo g ia in t er e s sa d o s em educação

Sandra Maria de Castro Bernardes {Instituto de Psicologia - PUC-MINAS) .... 45

A lg u n s aspec t o s da a b o r d a g e m s h n n e r ia n a s o b r e edu cação

Maria Cristiana Seixas Viliam (Instituto de Psicologia da PUC- M inas)............ 53

Educação especial e o compromisso com a an á lise experimental do comportamento


Cintia Guilhardi, Leila Bagaiolo (PUC-SP)............................................. 59

A n á l is e do c o m p o r t a m en t o : u m m o delo oe a n á l is e a p l ic a d a

Nelson de Campos NoLasco (N AC-BH).................................................. 73

I n terv en ç ão co m po r t a m en t a l n a c l ín ic a

Sônia dos Santos Castanheira (FAFICH - UFMG)....................................... 9\

A a n á l is e f u n c io n a l n a c l ín ic a comportamental

Marco António Amaral Chequer (UNIVALE - PU C-SP).................... .........

É POSSÍVEL SABER SE O CLIENTE ESTÁ FALANDO A VERDADE?


Nicolau Kuckartz Pergher (PUC-SP) .................................................. 113
B e h a v io r is m o e C o m p r o m is s o S o c ia l
Maria Regina Barbosa Assunção (Centro Universitário Newton Paiva - BH) 129

V a r ia ç õ e s de id e n t id a d e s e x u a l : u m ponto de v is t a t er a pê u t ic o co m portam ental

Ana Maria Lé Sénéchal-Machado (FAFICH -UFMG) ................................. 137

V a r ia b il id a d e c o m po rta m en ta l : u m a in t r o d u ç ã o

Adriana Cunha Cruvinel, Hérika de Mesquita Sadi, Marcos Alexandre de Medeiros


(PUC-SP) ..................................................................................... 145

V
Aquisição de discriminação em múltiplos EXT (MIX VI) e EXT (MIX EXT VI) em ratos
Cloves Alves Baier, Alysson Albis Carvalho Pinto, Helton Rocha Campos, Luiz Octavio
Souza de Oliveira (FAFICH - UFMG)..................... ,................................ 151

0 MODELO DE SELEÇÃO POR CONSEQÜÊNCIAS A PARTIR DE TEXTOS DE 8 F SlíINNER


Maria Amalia Pie Abib Andery, Nilza Micheletto, Tereza Maria de Azevedo Pires
Sério (PUC-SP) ................................................................ ............. 159

P odemos nos b e n e f u a r do conceito de metacontingénoas n a a n â u s e dos problemas so cia is ?


Ricardo Corrêa Martone ................................................................. 1^3

A n á l is e f u n c io n a l d o c o m po rtam en to v e r b a l n a cl Jn ic a c o m p o r t a m en t a l

Carlos Augusto de Medeiros (FAFICH - FMG)...................................... 185

vi
P r e f á c io

O livro Oencia do Comportamento: conhecer e avançar reúne textos


que cobrem diferentes temas em Análise de Comportamento, ordenados, com
competência, em dois volumes por um grupo de docentes mineiros.

Marcando seu compromisso com o fazer ciência e divulgá-la,


tanto quanto com o aplicá-la, o conjunto resultante se volta, num primeiro
momento, para a formação do analista do comportamento e, num segundo
momento, para a atuação deste profissional na resolução de problemas
sociais e individuais. Assim, aborda, através de seus autores, entre outras,
questões conceituais, questões m etodológicas, aspectos específicos da
formação do psicólogo analista do comportamento, tópicos de pesquisa,
problemas de ensino e educação, técnicas terapêuticas, questões éticas,
treino de pais, educação especial, dependência química e identidade sexual.

Ao longo de 31 capítulos, a riqueza de interesses e responsabilidades


dos autores se revela, tanto na diversidade dos tópicos abordados como no
cuidado com que são tratados,

0 livro espelha e, de certo modo, docum enta a produção


resultante do trabalho iniciado há 30 anos por um grupo de professores da
Universidade Federal de Minas Gerais voltado para os estudos dos concei­
tos, métodos e técnicas que a Análise do Comportamento desenvolve para
o uso dos estudiosos do comportamento.

Preocupados com a análise de processos básicos, tanto quanto


de processos aplicados, este grupo cresceu. A partir da UFMG, espalhou-se,
em Belo Horizonte, para a Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais,
para o Unicentro Newton Paiva e para o Centro Universitário da Fundação
Mineira de Educação e Cultura; em Governador Valadares, para a Universi­
dade Vale do Rio Doce; em São João Del Rei, para a Fundação de Ensino
Superior de São João Del Rei; em Três Corações, para a Universidade Vale
do Rio Verde; em Juiz de Fora, para o Centro de Ensino Superior de Juiz de
Fora; em Itajubá, para a Fundação de Ensino e Pesquisa de Itajubá; em
Divinópolis, para a Universidade do Estado de Minas Gerais; em Alfenas,
para a Universidade de Alfenas; em Uberaba, para a Universidade de Uberaba
e em Uberlândia, para a Universidade Federal de Uberlândia. Estabeleceu
intercâmbio com colegas de outros estados, trocando alunos, professores,
bolsistas estagiários, e realizando projetos de ensino e pesquisa conjuntos.


A tra v é s de c u r so s de g r a d u a ç ã o , p ó s -g r a d u a ç ã o e de
especialização, esse grupo, agora ampliado, vem exercendo sua esfera de
influência interagindo tanto com a comunidade científica maior de médicos,
psiquiatras, educadores, farmacólogos e biólogos como com a comunidade
leiga. Hoje, esse crescimento e essa influência acham-se aqui representa­
das, ainda que de forma incompleta, nesta obra com um total de mais de
400 páginas.

Parabéns à com u n idade m ineira. Que ou tros centros de


pesquisa, ensino e aplicação de Análise do Comportamento no Brasil sigam
seu exemplo.

Carolina Martuscelli Bori


Maria Amélia Matos
A g r a d e c im e n t o s

Ao lançarmos uma primeira publicação que apresenta em termos inequívo­


cos o vigor da Ciência do Comportamento em nosso estado e que também
vem coroar o sério e contínuo trabalho da comunidade com porta me ntalista
residente em Minas Gerais, coube-me a difícil tarefa de apresentar, em nome
dos colegas organizadores, os nossos agradecimentos. Nas últimas quatro
décadas, muitos estudiosos dedicaram os melhores anos das suas vidas para
conhecer, divulgar e fazer avançar a ciência do comportamento em nosso
estado, quer na aridez e solidão da pesquisa básica ou no sempre mal remu­
nerado magistério quer nas hoje riquíssimas mas então pioneiras áreas apli­
cadas - a clínica psicológica, a educação normal e especial e também nas
aplicações que já se ensaiam: a análise comportamental das organizações, a
neuropsicologia comportamental, as intervenções em contextos médicos
hospitalares e a medicina do comportamento, as intervenções em contextos
especiais, como por exemplo, as ações junto às comunidades de risco e a
prática esportiva.
Um dos primeiros problemas com o qual me deparo é a quase certe­
za de que, se tentássemos fazer um mínimo de justiça a todos esses pioneiros,
dando a conhecer os seus nomes, tal lista conteria inevitáveis, injustificáveis e
injustas omissões.
Mas ainda que pudéssemos listá-los a todos, por onde começaría­
mos? Já se disse que "se hoje enxergamos mais longe é porque estamos de pé
sobre os ombros de gigantes". Até quando recuaríamos no tempo para fazer
justiça a todos esses corajosos e abnegados homens e mulheres que ousaram
desafiar as convenções e a tradição para falar de uma maneira ainda hoje tão
nova e revolucionária sobre o comportamento humano? Conhecemos os nossos
gigantes: os então jovens e inquietos brasileiros e brasileiras que pioneiramente
foram aprender e divulgar em nosso país aquela nova linguagem, que tanto lhes
tocava a inteligência e a sensibilidade. São hoje os nossos mais queridos mode­
los de dedicação à ciência e de generosidade pessoal: não retiveram o que dura­
mente adquiriram; compartilharam! Mas quantos países mais precisaríamos visi­
tar para sermos consistentes e fiéis à história da Ciência do Comportamento? Em
quantos idiomas falavam esses gigantes? A quais desses gigantes precisaríamos
necessariamente agradecer e a quais poderíamos arriscar omitir? E bem justo
seria lhes agradecer nomeando, um a um, todos eles. Cada um deles foi um
artífice das contingências a que hoje respondemos; cada um deles está presente,
de maneira muito verdadeira, neste livro que ora colocamos a disposição do
público estudioso.

ÍX
Entretanto, precisamos também ter presente que, ao respondermos à
feia daqueles gigantes, transformamos uma vez mais o nosso ambiente: ao nos
abrirmos para o novo, ao nos responsabilizarmos pela solidez do chamado que nos
faziam, justificamos o trabalho deles e também nos tomamos sujeitos da ainda
recente história do estudo científico do comportamento humano. Inúmeros pro­
fissionais e estudantes estiveram envolvidos nas atividades que precederam e esta­
beleceram as contingências que se materializam nestes dois volumes do Ciência do
comportamento: conhecer e avançar. Aqui, uma vez mais, nos vemos às voltas com o
mesmo problema que destacamos anteriormente. Poderíamos listá-los a todos?
Poderíamos pesar e avaliar a importância do entusiasmo, da dedicação, da serieda­
de de cada um deles, a fim de a todos fazer justiça e, ao mesmo tempo, não impor­
mos ao leitor uma lista por demasiado extensa, por tantos que foram aqueles que
em incontáveis sábados e domingos e em igualmente incontáveis segundas, terças
e quintas, deixaram o seu descanso e o seu lazer e sacrificaram ainda mais o seu dia
de trabalho para dispor as contingências que agora controlam esse texto que escre­
vo? Melhor talvez nem tentar. Melhor talvez lembrar-lhes que os frutos que produ­
ziram serão novas sementes de incontáveis novos livros, que ajudarão a transfor­
mar a vida de incontáveis pessoas, mais e mais e cada vez mais, ampliando sempre
a nossa presença responsável ética e humanamente sensível na cesta de práticas
psicológicas a serem selecionadas por suas conseqüências.
Que flexível e rica pode ser esta ferramenta da humanidade, o com­
portamento verbal: cá estamos a todos agradecendo, sob a afirmativa de ser im­
praticável a todos agradecer!
E talvez tenhamos, na observação anterior, a possibilidade de um
novo, justo e essencial agradecimento. De maneira geral, a comunidade dos cien­
tistas do comportamento tende a entender a palavra ciência como sendo o com­
portamento verbal do cientista ao falar de uma maneira especial sobre o mundo.
Disso, uma particularidade: temos definido comportamento verbal como um tipo
de comportamento operante que depende, para sua instalação e manutenção, da
ação reforçadora de uma comunidade verbal, de uma outra pessoa, sendo assim um
evento social que exige um falante e um ouvinte para que possa ocorrer. Dessa
forma, de nada adiantaria terem falado os nossos gigantes, de estarmos falando
nós, caso essa feia não caísse em ouvidos sensíveis, em pessoas cujas histórias as
fizeram merecedoras dos adjetivos curiosas, abertas, inteligentes e ousadas. Estamos,
assim, agradecendo a cada um dos ouvintes que, através da sua resposta ativa de
ouvir, mantiveram e mantêm viva e florescente a Ciência do Comportamento. Estamos
agradecendo a você, caro leitor!
Pelos organizadores,
Roosevett R. Starling
Inverno de 2002.

X
A presentação

Nunca subestimem o poder contido em uma contraposição.


A emergência e a consolidação da Ciência do Comportamento, em
Minas Gerais, desde os anos 70, estiveram fadadas ao fracasso. Contingências
adversas, provindas de várias origens, dificultavam e interceptavam qualquer
iniciativa favorável à sua implementação.
Um grupo muito restrito de professores, apoiado e respeitado
por docentes não comprometidos com esta abordagem psicológica, convi­
veu anos e anos com tais dificuldades, resistindo a todas as tentativas de
sufocamento de ações associadas à eclosão de uma Psicologia baseada nos
padrões das Ciências Naturais em Minas Gerais.
Ultrapassando essa longa trajetória histórica, registramos nossa
sobrevivência com a presente publicação.
Os dois volumes deste livro agrupam trabalhos apresentados
por professores e alunos em eventos que focalizaram a Ciência do Compor­
tamento e foram realizados em Belo Horizonte nos anos de 2000 e 2001.
Os docentes estão vinculados a diversas instituições de ensino
superior: UFMG, PUCMG, Centro U niversitário NEWTON PAIVA, FUMEC,
UNIVALE, FUNREI, PUCSP, USP e IACCAMP (Instituto de Análise de Compor­
tamento de Campinas). Os discentes que participaram deste trabalho, em
sua maioria, são mestrandos na PUCSP.
Os capítulos dos dois volumes do livro abrangem uma ampla
variedade de assuntos, acompanhando as temáticas dos eventos corres­
pondentes: Capacitação e Atuação ( I Jornada Mineira de Ciência do Com-
portamento/2000); Aplicações e Avanços ( I I Jornada Mineira de Ciência
do Comportamento/2001); Pesquisa e Aplicações (I Seminário de Análise
do Comportamento/2001); 0 Homem e o Método ( I I Encontro das Escolas
de Psicologia de Belo Horizonte/2001).
Dessa forma, no volume I, o capítulo 1 é dedicado à questão
da capacitação dos analistas do comportamento; os capítulos 2 a 11 ver­
sam sobre sua atuação, abordando aplicações variadas do quadro conceituai
correspondente; o capítulo 12 discute questões relacionadas com a pesqui­
sa e os capítulos 13, 14 e 15 ocupam-se de avanços no modelo conceituai
da análise do comportamento.
Do mesmo modo, no volume II, o capítulo 1 aborda a questão
da capacitação do terapeuta com porta mental; os capítulos 2 a 11 ocupam-

xi
se de aplicações diversificadas da análise do comportamento; os capítulos
12 e 13 versam sobre pesquisa e os capítulos 14, 15 e 16 discutem avanços
do modelo conceituai da análise do comportamento.
Essa classificação dos artigos é arbitrária e as categorias utili­
zadas não são mutuamente exclusivas.
A organização dos textos, na forma apresentada, não obedece
a uma cronologia em correspondência com a sequência dos eventos reali­
zados. Cumpre apenas a função de orientar o leitor quanto à origem dos
trabalhos, quanto à natureza de seus conteúdos e quanto à procedência de
seus autores.
Convém salientar que os artigos publicados neste livro revelam
uma grande heterogeneidade. Pode-se constatar uma diversidade na forma­
ção acadêmica dos autores e uma variabilidade em seus interesses temáticos.
Considera-se que isso poderá mostrar-se útil como contribuição para a ex­
pansão da Ciência do Comportamento e especialmente da Análise do Com­
portamento Aplicada.
Embora atentos às tendências, concentradoras de interesse,
nesse campo de conhecimento, estamos convencidos de que a variação é
uma condição indispensável para a sua expansão, cabendo à comunidade
científica, como um todo, selecioná-la.

Belo Horizonte, maio de 2002


Adélia Maria Santos Teixeira
1
F o rm a ç ã o de te r a p e u ta s a n a lít ic o - c o m p o r t a m e n t a is : co­

lo c a n d o o m o d e lo s o b a s c o n tin g ê n c ia s do m o d e la d o 1

R o o se ve lt R. StarLing

F U N R E I/D P S IC

I ntrodução , r a c io n a l e fu n dam en tação t e ó r ic a

Este trabalho relata o programa de formação de terapeutas ana­


lític o -co m p o rtam e n ta is, conform e d e sen volvido pelo autor no está gio
curricular em psicologia clínica oferecido aos graduandos do curso de psico­
logia da Universidade Federal de São João del-Rei, localizada na cidade de
mesmo nome em Minas Gerais.
São apresentados o racional e os fundamentos teóricos que am­
param a proposta do programa, suas principais características definidoras e
modo de funcionamento, parte do material instrucional usado em consonân­
cia com aqueles fundamentos e processo, e são oferecidas algumas indica­
ções para futuros desenvolvimentos.
Uma interpretação comportamental de um processo de formação
profissional poderia ser a de que formar um profissional é dispor contingên­
cias especificamente definidas, facilitando, assim, a instalação de um contro­
le preciso dos estímulos presentes na situação profissional sobre as respos­
tas do formando e maximizando a probabilidade de que a sua ação profissi­
onal, a sua resposta, seja positivamente conseqüenciada.
De fato, uma teoria, qualquer teoria, é um conjunto de declara­
ções verbais sobre um determinado fenómeno. Por si e em si mesma, nada
faz e nada pode fazer. Uma teoria é comportamento verbal, tatos e mandos
que eventualmente especificam as possíveis conseqüências de uma ação qual­

1 Este trabalho è uma versSo revisada e ampliada da palestra de mesmo título, apresentada à I Jornada
Mineira da Ciência do Comportamento, realizada em Belo Horizonte, MG, em julho de 2000.

1
quer sobre um dado fenômeno (regras), fruto, espera-se, de exposições bem
sucedidas do modelo e/ou modelador às contingências que presidem o fenô­
meno. Nesse sentido, uma teoria contém um conjunto de regras: se o pacien­
te tossir pela tardinha, mas não pela manhã [S°], prescreva o remédio X [R] e
ele provavelmente irá parar de tossir [S11*]; se o bife estiver na cor tal [S°], ele
está pronto para ser retirado da frigideira [RJ e você poderá saborear um
"bom " bife [SR*]; se o cliente relata um sonho [SD], faça-lhe algumas pergun­
tas sobre os detalhes do sonho [R] e você poderá discriminar os processos
inconscientes que governam as suas respostas [SR+]; se o cliente apresenta
respostas de ansiedade [S°], procure discriminar os antecedentes e as conse­
qüências destas respostas [R] e você poderá manipular estas variáveis para
extinguir aquelas respostas [SR*]. Nesta visão, quaisquer resultados discerníveís
no mundo natural só podem ser obtidos se (1) o profissional discriminar com
precisão os estímulos relevantes e emitir a resposta especificada pela regra e
se (2) a regra descrever com acurácia as variáveis intervenientes e a sua cor­
relação com a resposta programada para reforço pela contingência que o fe­
nômeno efetivamente dispõe. Dessa maneira, o que uma teoria pode fazer é
controlar o comportamento daquele que fala de uma maneira específica sobre
um dado fenômeno, ou seja, fala sobre ele de acordo com uma certa teoria
(Starling, 2001).
Temos, então, duas vertentes a considerar: de um Lado, o fenô­
meno por si mesmo e as contingências que ele determina; do outro, a descri­
ção que uma teoria faz do fenômeno e as contingências que ela, a teoria,
determina. Disso decorre que o desempenho de um profissional (suas respos­
tas) está assim multicontingenciado e o resultado final dependerá da maior
ou menor correspondência entre a contingência estabelecida pela teoria e a
disposta pelo fenômeno. Casos em que essa correspondência não se verifica
são descritos na linguagem coloquial pelo dito popular: "na prática, a teoria
é outra!".
Dois problemas, dentre outros, são suficientemente freqüentes
num processo de formação profissional para manter a propriedade descritiva
do dito popular acima mencionado. Um é constituído peLo fato de que as
variáveis que intervêm na situação prática necessariamente diferem daquelas
atuantes na situação do aprendizado teórico: são contextos diferentes e o
laboratório nos demonstra de maneira convincente que o aprendizado é ge ­
ralmente dependente do contexto em que ele ocorre (Donahoe e Palmer, 1994;
Catania, 1999).

2
0 outro problema, quase um corolário do primeiro, é constituído
pela diferença entre o aprendizado teórico formal, que na nossa cultura se faz
de maneira predominantemente verbal, e o aprendizado prático, predomi­
nantemente modelado pelas contingências; essa distinção guarda correspon­
dência com a distinção entre conhecim ento deliberativo e conhecim ento
operacional (Skinner, 1972; Baum, 1999). No ensino formal, o aprendizado
teórico tem como resultado colocar o repertório verbal do aprendiz sob o
controle de determinados S°'s verbais; e o prático, o de adicionar uma habili­
dade ao seu repertório, colocando-a sob controle dos estímulos do próprio
fenômeno.
A resposta que a cultura oferece para esses problemas é antiga e
bastante conhecida: damos ao aprendiz algumas regras básicas e tratamos de
expô-lo às contingências do próprio fenômeno, para que estas possam então
promover a modelagem fina daquele desempenho através do processo de
seleção pelas conseqüências (Baldwin e Baldwin, 1986). Dessa prática, nova­
mente decorrem outros tantos problemas. Um deles é que o saber operacional
proporcionado pela exposição prática é essencialmente não-verbal, isto é, o
aprendiz - e, eventualmente, também o mestre! - pode não discriminar ver­
balmente as variáveis que controlam a sua prática naqueles aspectos e assim
- um outro problema - pode descrever (explicar, falar) sobre o que faz de
maneira incongruente com as variáveis que de fato estão funcionalm ente
correlacionadas com as suas respostas. Por exemplo, posso saber nadar sem
saber falar sobre o porquê eu nado. Por outro lado, posso falar sobre o por­
quê eu nado de ta l forma que encubro as variáveis relevantes para o meu
nadar, dizendo, por exemplo, que "isso é um dom dos deuses" ou que "é da
minha natureza nadar" Dentre outras inconveniências, essa linguagem difi­
culta sobremaneira o ensino/aprendizagem. No exemplo, ou o aprendiz rece­
beria de alguma maneira mágica o "dom ", ou sofreria uma transubstanciação
mudando a sua "natureza", ou estaria restrito a um aprendizado direto por
ensaio e erro - seleção pelas conseqüências -, com o tempo desnecessaria­
mente aumentado que esta condição estabelece para a aprendizagem.
De qualquer forma, as profissões da saúde, dentre elas a psicolo­
gia, reproduzem com maior ou menor sistem atização essa prática cultural,
oferecendo alguns tatos e regras (aprendizado teórico)e, a seguir, expondo
os seus futuros membros às contingências do fenômeno, o que se dá através
dos estágios, das "práticas" diversas, programas de extensão, etc. Aqui, vale
observar que a ênfase que a biomedicina e as profissões correlatas (odonto-

3
logia, enfermagem, etc.) colocam na aquisição de habilidades revela-se supe­
rior a da psicologia. Um exame dos currículos destas diferentes formações
profissionais habitualmente nos mostra que o número de horas curriculares
destinadas à exposição direta do aprendiz às contingências determinadas pelo
fenômeno, ou seja, a "prática", é maior naquelas outras profissões do que na
psicologia.
Consideremos, agora, o quadro típico de uma situação de treina­
mento em psicologia clínica convencional. Habitualmente, o terapeuta-aprendiz
está sozinho, sentado à frente do seu primeiro cliente. Nenhuma das regras
que ele aprendeu permite que ele se sinta seguro para responder à profusão
de estímulos, internos e externos, presentes naquele contexto. 0 cliente se
comporta, gera estímulos. Temerosa e cautelosamente, o terapeuta-aprendiz
responde com o melhor da sua discriminação da situação e, o mais das vezes,
termina o seu atendimento com uma sensação aguda de inadequação, de ca­
rência de estratégias interventivas, de incertezas sobre a propriedade da sua
atuação. Até aqui, tudo bem: afinaL, é exatamente para resolver isso que exis­
te o supervisor e a prática da supervisão. Mas, infelizmente, é também aqui
que começam alguns problemas; alguns mais significativos para a situação
clínica em particular e outros comuns àquilo que a psicologia convencional
chama, amplamente, de problemas de "comunicação". A seguir, e a título de
ilustração, examinamos dois deles.
Já no in ício do século passado, Sigm u nd Freud (1 8 5 6 -1 9 3 9 )
chamava a nossa atenção para o controle, predominantemente respondente
(CS's), que alguns estímulos gerados pelo terapeuta podem exercer sobre as
respostas do cliente e, inversa e simetricamente, para o controle que alguns
estímulos gerados pelo cliente podem exercer sobre as respostas do terapeuta.
Sabemos hoje que as duas situações estão sob o controle de um só processo
com porta mental, mas, não existindo naquela época uma linguagem mais pre­
cisa e discriminada para falar sobre o comportamento, e estando a construção
teórica limitada pelos pressupostos do dualismo psicofísico cartesiano; Freud
o classificou com base no sujeito que emitia a resposta, tendo assim denomi­
nado a resposta de "transferência" quando era o cliente que respondia sob
aquele controle, e "contra-transferência", quando quem respondia era o
terapeuta, atribuindo-as ambas às ações autônomas de supostas instâncias
imateriais (Freud,1999; 1912). Kohlenberg e Tsai (2001) retomaram a análi­
se das variáveis independentes presentes nas interações terapeuta-cliente e
indicam ter feito dela um dos focos da sua particularidade técnica de inter­

4
venção (FAP, Psicoterapia Analítica Funcional), tratando-a sob o título gené­
rico de CRB's (Comportamentos Clinicamente Relevantes), Um exame cuida­
doso provavelmente demonstraria uma superposição apenas parcial entre os
fenômenos que Kohlenberg e Tsai consideram sob esta única categoria verbal
(CRB) e aquele considerado pelas duas categorias verbais propostas por Freud
(transferência e contra-transferência) , embora certamente este último in-
clua-se entre os analisados por eles. Recusando uma interpretação mentalista
e oferecendo um tratamento extensivo do fenômeno sob uma perspectiva
analítico-comportamental, remeto a esses autores o leitor interessado num
estudo ampliado do fenômeno abordado neste parágrafo.
A natureza operante do comportamento de ouvir já está convin­
centemente assentada para a análise do comportamento, tanto através de
dados experimentais como através de análises teóricas (Skinner, 1978, 1995;
Donahoe e Palmer, 1994; Catania, 1999). Ouvimos o que as nossas contingên­
cias nos permitem, não necessariamente o que o outro falou. Variáveis cultu­
rais, ontogenéticas e os efeitos das contingências presentes no momento do
ouvir podem controlar o que eu ouço, bem como a futura narrativa do que eu
ouvi. Figurativamente, o falante fala sob o controle das suas contingências
(que incluem, é claro, a sua história com porta mental) e o ouvinte ouve sob o
controle das contingências dele.
Tendo presentes as observações anteriores, consideremos nova­
mente o quadro típico de uma supervisão convencional: o terapeuta-aprendiz
ouve, sob o controle das contingências presentes no momento em que ouve,
o que o cliente fala a partir das contingências dele, no momento em que fala.
A seguir, o terapeuta-aprendiz narra (fala) ao supervisor o que ele ouviu, sob
as contingências do momento em que narra, narrativa que o supervisor ouve
sob o controle das suas próprias contingências. Depois de ouvir, o supervisor
responde (fala) sob o controle das suas contingências e o terapeuta-aprendiz
falará ao cliente, sob as contingências atuantes no momento em que falará,
aquilo que ouviu o supervisor falar, sob as contingências do momento em que
ouviu, fala que o cliente, finalmente, ouvirá sob o controle das contingências
dele, no momento em que ouve. Convenhamos que os elos desta cadeia são
por demais complexos para supormos que, através desse processo, pudésse-

! A rigor, uma terceira categoria verbal utilizada por Freud estaria relacionada âs duas citadas: a "aliança
terapêutica" (observando-se sempre que esta, assim como a maioria das categorias verbais propostas por
Freud, costuma ser apresentada com grandes variações de definição e entendimento, muitas vezes contra­
ditórios, o que parece ser inevitável em conceitos que não possuem referentes empíricos).

5
mos assegurar que o terapeuta-aprendiz viesse a responder com discrimina­
ção apropriada aos estímulos gerados pelo cliente. No mínimo, o tempo ne­
cessário para que o reforçamento diferencial proporcionado pela exposição à
situação clínica refinasse essas respostas, em um nível de precisão satisfatório,
seria inaceitavelmente longo, se temos em consideração que os problemas
que a psicologia clínica é chamada a solucionar são de natureza prática e
implicam invariavelmente sofrimento psicológico (quando não também físi­
co) presente ou futuro, para o cliente e para o seu grupo social.
0 modelo que está sendo relatado nasceu da insatisfação do au­
tor com esta situação. Desde as etapas iniciais do seu desenvolvimento, a
pergunta orientadora foi: como assegurar uma melhor precisão e rapidez na
modelagem do comportamento do terapeuta-aprendiz? 0 que se segue é o
detalhamento deste programa e, assim sendo, o corpo principal deste traba­
lho.

C a r a c t e r ís t i c a s d e f in id o r a s , v a r i á v e i s c r í t ic a s e p r o c e d im e n t o s d o p r o g r a m a

Dois processos com porta mentais são relevantes para a diferenci­


ação de respostas e a aquisição de novas habilidades: a modelagem e a
m odelação (Catania, 1999). Am bos são com um ente tratados nos textos
introdutórios á análise experimental do comportamento e, por essa razão,
não serão discutidos aqui (um tratamento interessante da modelação/ im ita­
ção pode ser encontrado em Malott, Malott e Tojan, 2000). A idéia foi então
combinar os dois processos, fazendo-os atuar conjuntamente. Ainda que com
as im precisões já observadas acima, na su p ervisão tra d ic io n a l cabe ao
supervisor a função de modelador, raramente atuando também como modelo,
num sentido estrito. Para que ele, o supervisor, pudesse também funcionar
como um modelo preciso, deveríamos então encontrar uma maneira de (a)
colocar o supervisor sob as mesmas contingências do terapeuta-aprendiz e
(b) tornar as respostas (ações profissionais) do supervisor disponíveis para o
terapeuta-aprendiz, idealmente com a menor latência possível entre o esti­
mulo do cliente e a resposta do supervisor, a fim de minimizar a possibilidade
de que contingências adventícias pudessem ganhar controle sobre o aprendi­
zado.

6
avaliação final do estagiário para efeitos acadêmicos.
0 atendimento se dá sempre em duplas: um "terapeuta" e um
"co-terapeuta". Esses papéis não são rígidos. "Terapeuta" é o membro da du­
pla que está, naquele momento, respondendo ao cliente, e os papéis alter­
nam-se livremente durante o atendimento. Por sua vez, cada dupla é observa­
da por uma outra dupla, que é também observada por ela, quando "observa­
dores" e "terapeutas" revezam suas funções. Assim, temos duas duplas que se
alternam entre "observadores" e "terapeutas", cada uma delas com o seu cli­
ente próprio. Esse arranjo, o atendim ento em duplas terapêuticas, é tão
freqüente e habitual nos ambientes terapêuticos contemporâneos, que não
ocorre a necessidade de defendê-lo na sua utilidade clínica e formativa, A
literatura internacional está repleta de relatos casuais deste arranjo e somen­
te numa cultura clínica ainda dominada pelo modelo freudista, como é a bra­
sileira, é que esse detalhe poderia causar espécie. Na verdade, o que deveria
causar espécie, e muito, é a reprodução passiva e acrítica, por outras aborda­
gens, de um padrão de atendimento que só faz sentido dentro dos pressupos­
tos mentalistas e funcionais da escola freudista. No caso específico das inter­
venções analítico-comportamentais, os padrões freudistas são algo a ser de­
cididamente evitado, por limitar enormemente o pleno aproveitamento das
novas e revolucionárias possibilidades que esta aplicação trouxe para a práti­
ca da clínica psicológica (veja-se, a esse respeito, o instigante artigo de Guedes,
1993).
Cada atendim ento é estruturado quanto a sua distribuição do
tempo, de acordo com um procedimento empírico originalmente desenvolvi­
do em conjunto com os primeiros ensaios do programa ora relatado (Starling,
1999), Este procedimento divide o atendimento em três etapas, que se distin­
guem pelas diferentes contingências que estabelecem, cada uma delas, para
as respostas do cliente e do terapeuta, como se apresenta e detalha a seguir.
Este autor acredita que esse procedimento já tem apresentado suficiente va­
lor heurístico para justificar a sua divulgação.
De fato, uma das características das terapias de orientação
comportamentalista é a sua preocupação com o desenvolvimento de técnicas
de intervenção sistem atizadas e empiricamente validadas, tanto em agrupa­
mentos ou padrões relativamente freqüentes e estáveis de disfuncionalidades
comportamentais como em déficits ou excessos comportamentais pontuais
ou pervasivos. Protocolos terapêuticos básicos têm sido sugeridos tanto para

11
Uma solução que poderia parecer óbvia seria colocar o supervisor
como modelo, atendendo, ele mesmo, sob a observação do aprendiz. Mas
essa situação teria o inconveniente de treinar o aprendiz num contexto dife­
rente daquele em que se daria a sua prática (conforme já comentamos acima,
sobre o controle contextual da aprendizagem): não seria diretamente sobre
as r e s p o s ta s dele, o a p re n d iz , que in c id ir ia m as o p e ra ç õ e s de
conseqüenciamento. Por outro lado, a utilização de uma sala de observação,
onde pudesse estar o supervisor, atenderia à condição " a" acima, ou seja,
colocaria o supervisor sobre as mesmas contingências do terapeuta-aprendiz
(ou o mais aproximadamente possível disto), mas falharia em atender à con­
dição "b ", tornar as respostas (ações profissionais) do supervisor imediata­
mente disponíveis para o terapeuta-aprendiz.
A solução adotada foi gravar a imagem e o som de alguns dos
atendimentos em VHS (vídeo-cassete). Por razões práticas, limitou-se a gra­
vação a um de cada quatro atendimentos. 0 cliente é previamente esclarecido
deste procedimento e das razões para isso e o seu consentimento informado
é obtido. As informações assim obtidas são tratadas em estrita obediência ao
Código de Ética dos psicólogos e também adere, por decisão do supervisor, às
recomendações do The Belmont Report (1979). Se a presença da câmara (ou
o conhecimento de que está sendo filmado) constitui um estímulo suficiente­
mente poderoso para caracterizar um contexto que invalidaria a relação clíni­
ca, por torná-la atípica, é uma questão para a pesquisa. Este autor desconhece
estudos em píricos que estabeleçam inequivocam ente esse fato. Um dado
observacional que já pode ser citado a este respeito é que, no início dos pri­
meiros atendimentos em que a câmara está presente, observa-se que os clien­
tes ocasionalmente olham para a câmara, indicando que ela foi um estímulo
relevante o suficiente para eliciar uma resposta de observação (Catania, 1999).
Não obstante, esta resposta diminui de freqüência ao longo do atendimento e
não é maís observada a partir do terceiro ou quarto atendimentos, exceto
ocasionalmente. É possível que a habituação extinga o poder de controle da
câmara, transformando-se esta num estímulo funcionalmente neutro (Sato,
1995). Em adição a isso, as respostas não-verbais (CER's) e o relato verbal
dos clientes não indicam ser diferentes dos relatos verbais e respostas não-
verbais apresentadas pelos clientes em contextos clínicos típicos e, para um
mesmo sujeito, não se distinguem notavelmente daqueles observados nos

7
atendimentos em que a câmara não está presente, mesmo quando se trata da
demonstração de CER's potentes e de relatos de natureza mais íntima. Assim,
o programa de formação que estamos relatando assume que a filmagem não é
uma variável que possa comprometer o objetivo de aproximar a situação de
treinamento da situação de desempenho futuro.
A terapia analítico-comportamental, fiel à sua origem experimen­
ta l (a n álise experim ental do com portam ento), tem com o uma "re g r a "
orientadora informal a de que "não existe cliente resistente, mas sim terapeuta
resistente". Essa expressão é metafórica, naturalmente. Em algumas circuns­
tâncias e por vários dificultadores ambientais, as respostas-problema do cli­
ente podem ser extrema-mente resistentes à mudança (confira-se, para três
ilustrações exemplares, Wason, P.C. e Johnson-Laird, P.N., 1970; Eisenberg,
1986 e Dube e Mcllvane, 2001). Entretanto, seu valor heurístico para a práti­
ca da terapia analítico-comportamental é inegável, pois ela nos força a conti­
nuamente manter o foco da análise no comportamento do terapeuta, pela
simples e satisfatória razão que, como já vimos acima, o terapeuta somente
pode agir sobre uma resposta-problema do cliente sendo ele mesmo - ou o
contexto terapêutico, numa consideração extensa - importante fonte de ope­
rações de estímulo e de conseqüenciamento para as respostas do cliente, quer
seja diretamente, na situação clínica, quer seja como facilitador indireto da
exposição do cliente às novas contingências ou, ainda, às velhas contingênci­
as mas com um novo repertório. Consistentes com essa posição, boa parte
dos estudos sobre a prática da terapia analítico-com portam ental enfocam,
como variável crítica para o resultado desejado, o comportamento do terapeuta
no contexto clinico (além do já citado Kohlenberg e Tsai, 2001, veja-se tam ­
bém Delitti, 1997, Meyer, 2001).
Os estagiários deverão ter cursado com bom aproveitamento as
d isc ip lin a s de orientação com portam ental oferecidas pela escola e são
selecionados através de entrevista com o supervisor. 0 estágio desenvolve-se
em 30 semanas, conforme se pode ver na Programação Detalhada do Estágio,
reproduzida no Apêndice I deste trabalho. As primeiras cinco semanas são
reservadas para o treinamento de algumas habilidades necessárias para a ava­
liação comportamental, revisão conceituai e para o treinamento na condução
de um diagnóstico clínico convencional, desejável para um diagnóstico for­
mal segundo o CID-10 e DSM IV que, pelo poder normativo da profissão médi­
ca, termina por ser uma exigência legal em um sem número de situações pro­
fissionais, tais como laudos para planos de saúde, para a Justiça, em perícias,
etc. (Matos, 2001).

8
Para sim p lificar o número de variáveis do treinam ento, são
selecionados, dentre os clientes registrados na clínica universitária que te­
nham entre 21 e 45 anos de idade, os que declaram uma problemática de
respostas depressivas primárias, desde que não comprometidas por desorga­
nizações mais agudas do comportamento, como as que se encontram nos qua­
dros classificados como bipolares pela taxonomia psiquiátrica convencional.
Esta seleção objetiva assegurar que os estagiários possam aprender manejos
já bem delineados e testados para esse agrupamento específico de respostas
disfuncionais e, como um efeito colateral desejável, eles terão as probabili­
dades de reforçamento positivo maximizadas para a sua primeira experiência.
A delimitação da faixa etária reduz a possível participação de variáveis bioló­
gic as e so c ia is típ ic a s de determ inadas faixas etárias (a d ole scê n cia e
senectude), bem como reduz a diferença de idade entre o terapeuta-aprendiz
e seu cliente, aumentando a probabilidade de que as contingências atuantes
sobre o cliente sejam aproximadas às contingências já experimentadas pelo
terapeuta-aprendiz.
Após a seleção, os clientes são avaliados funcionalmente para a
determinação de déficits e/ou excessos comportamentais, prováveis variá­
veis de controle e outras variáveis críticas, conforme apresentadas, resumida­
mente, no Apêndice I I I , Folha Resumo de Avaliação Funcional. Para essa ava­
liação, consideramos as classes de respostas depressivas descritas em Caval­
cante (1997) como ponto de partida, ampliando-as e modificando-as confor­
me a especificidade da história comportamental do cliente indicar. Esta avali­
ação dá origem a um protocolo clínico tentativo, o qual será implementado e
avaliado periodicamente quanto aos seus resultados (veja-se o Apêndice I).
Essa avaliação é periodicamente conduzida através de uma verificação de a l­
terações na freqüência relatada dos déficits e excessos comportamentais pre­
viamente identificados, da observação e registro da freqüência de novas res­
postas relatadas e/ou verificadas durante os atendimentos e dos resultados
quantitativos e qualitativos da aplicação do Inventário de depressão de Beck,
BD I, obtidos sem analm ente e subm etidos a uma análise e interpretação
comportamentais (para considerações sobre escalas para avaliação da depres­
são e sobre o Inventário de depressão de Beck, consulte-se Calil e Pires, 1998,
e Gorestein e Andrade, 1998).
As quatro etapas da intervenção clínica (avaliação, intervenção,
término e acompanhamento) começam a partir da sexta semana e vão até a
vigésima nona semana. 0 tempo previsto para o tratamento (24 semanas ou

9
seis meses) corresponde ao tempo mínimo sugerido na literatura da área para
um tratamento comportamental das apresentações depressivas, critério de
seleção dos clientes, conforme já se comentou acima. Se ao fim deste período
o cliente ainda apresentar disfunções importantes, a sua permanência em
tratamento é reavaliada. Clientes com disfunções residuais poderiam ser en­
caminhados ao SUS/Posto de Saúde Municipal para a finalização do seu trata­
mento, uma alternativa prevista, mas que, até a presente data, não precisou
ser adotada. Na verdade, e com uma única exceção, todos os clientes atende­
ram aos critérios mínimos que adotamos para alta clínica - BD I normal e ex­
pressiva redução ou extinção dos déficits/excessos comportamentais obser­
vados - no prazo do tratamento. Para a exceção mencionada, o tratamento
foi prolongado por mais 14 atendimentos, quando então aqueles critérios
foram atendidos.
De fa to , os r e s u lta d o s c lín ic o s m e receriam um m e lh o r
d e ta lh a m e n to , até m esm o p elo s b o n s r e s u lta d o s o b tid o s , m as este
detalhamento representaria um afastamento da finalidade predpua deste tra­
balho, que é relatar o programa que estamos utilizando para a formação de
terapeutas analítico-com portam entais.
Paralelamente, os estagiários são solicitados a estudar uma série
de textos, selecionados pelo supervisor, relacionados a cada etapa do estágio
e distribuídos ao longo das 30 semanas. Além de complementar alguns apren­
dizados importantes para o desempenho no estágio, esses estudos visam a
ampliação, a particularização e a generalização dos manejos básicos aprendi­
dos para intervenções em outros quadros disfuncionais, não depressivos, A
seleção de textos está em constante mudança, conforme novas experiências
são publicadas e, por esta razão, uma listagem deles não é oferecida neste
trabalho. Não obstante, pode ser útil relacionar as categorias sob as quais
eles se agrupam. São elas: 1) Questões éticas; 2) Variáveis clínicas na terapia
analítico-comportamental; 3) Avaliação comportamental; 4) Técnicas em in ­
tervenções analítico-com portam entais; 5) Estudos clínicos: apresentações
depressivas; 6) Estudos clínicos: apresentações ansiosas; 7) Estudos clínicos:
apresentações o b se ssiv o -c o m p u lsiv a s e tra n sto rn o s do com portam ento
repetitivo; 8) Estudos clínicos: disfunções sexuais; 9) Estudos clínicos: suicí­
dio e manejo de crises; 10) Estudos clínicos: intervenções no casal e na fam í­
lia. Para cada categoria, os estagiários devem preparar um estudo dirigido
(TE, Tarefa Especial). Para cada uma delas, é procedida uma avaliação da apren­
dizagem, normalmente uma verificação oral, e estes resultados comporão a

10
uns quanto para outros, desde o inicio das primeiras aplicações clínicas da
ciência do comportamento. Originalmente propostos por autores orientados
pelo comporta-mentalismo metodológico, tais como Wolpe (1976) e Lazarus
(1979), essa tendência tem sido aparentemente selecionada por suas conse­
qüências. Trabalhos nesta direção tornam-se cada vez mais freqüentes e ela­
b o ra d o s, c o n d u z id o s por in v e s t ig a d o r e s c lín ic o s o r ie n ta d o s p elo
n e o c o m p o rta m e n ta lism o m e to d o ló g ic o ( c o g n it iv is t a s ), de o rie n ta ç ã o
com portam ental-cognitiva e analítico-com portam ental, como podemos ver,
por exemplo, em Beck, Rush, Shaw e Emery (1979), Rim e Masters (1983),
Butler (1987), Scott, W illians e Beck (1994), Rangé (1995), Datillio e Freeman
(1995), Caballo (1996), Miltenberger, Fuqua e Woods (1998), Barlow (1999),
Miltenberger (2001). Esta produção permite concluir que importante parte da
comunidade terapêutica comportamentalista tem considerado útil sistem ati­
zar alguns manejos técnicos básicos para o tratamento de disfunções, cujas
variáveis criticas já estão razoavelmente bem identificadas. Como conseqüên­
cia, acabam por estabelecer para cada uma delas uma referência do tempo
total médio para a intervenção. Uma referência da duração esperada do trata­
mento pode nos permitir uma base importante para criticar e rever as hipóte­
ses clínicas e as estratégias interventivas utilizadas em um tratamento que se
prolongue além desta duração média e, assim, providenciar as correções ne­
cessárias, se tal for o caso. A referência de uma duração média de um trata­
mento implica a desejabilidade de referenciar também o tempo de cada aten­
dimento.
Na supervisão, é bastante comum verificarmos em relatos de aten­
dimentos que o terapeuta-aprendiz esteve predominantemente respondendo
aos estímulos que o cliente produziu, habitualmente relacionados a sua his­
tória comportamental mediata ("a semana passada") e/ou a sua colagem de
estímulos imediata (Baldwin e Baldwin, 1986). Ainda que o terapeuta-apren-
diz possa ter respondido com adequação técnica a esses estímulos, coube ao
cliente dispor as contingências às quais respondeu o terapeuta, ou, mais tec­
nicamente, as contingências do cliente acabam por ter controle exclusivo so ­
bre o conteúdo, o tempo e o ritmo do atendimento. Para uma intervenção de
fundamentação experimental, como a analítico-comportamental, que pressu­
põe planejamento e diretividade (previsão e controle), podem ser úteis o
desenho e o teste de estruturações do tempo de atendimento que estabele­
çam bases técnicas para a sua otimização, para o controle equilibrado do
atendimento (variáveis do cliente e do terapeuta ou do método terapêutico)

12
e que, simultaneamente, minimizem o risco de homogeneizá-lo e/ou torná-lo
excessivamente diretivo.
Numa primeira tentativa para o estabelecimento desta base técni­
ca para o controle do tempo de atendimento, na fase do tratamento propria­
mente dito (as fases de avaliação, término e acompanhamento têm demandado
uma estruturação de tempo diferenciada), tenho utilizado, para minha referên­
cia e dos meus estudantes, a divisão do tempo de atendimento em três unida­
des básicas, as quais denominamos Emergentes, Rapport e Agenda3. Essas uni­
dades se repetem duas vezes cada uma, dentro dos 50/60 m inutos que
correspondem ao tempo clássico de um atendimento de terapia psicológica.
Como as utilizamos, essas unidades básicas - Emergentes, Rapport e Agenda -
não são estanques, como também o tempo reservado a cada uma delas é uma
faixa de tempo, permitindo flexibilidade e adequação do procedimento às ne­
cessidades específicas daquele atendimento. Indicam que, naquela faixa de tem­
po, os estímulos gerados ou manipulados pelo terapeuta devem estar orienta­
dos para induzir/evocar/eliciar verbalizações e respondentes emocionais pró­
prios daquela unidade. De certa maneira, esse procedimento implica treinar o
cliente nessa estruturação, o que tem sido obtido após três ou quatro atendi­
mentos. Estímulos gerados pelo cliente que pudessem receber um melhor trata­
mento em outras unidades, que não aquela do momento, podem ser atendidos
ou defletidos, conforme circunstâncias especiais daquele atendimento e daque­
le cliente.
A primeira delas denominamos Emergentes, para a qual reserva­
mos em torno de dez minutos. É uma unidade que "pertence" ao cliente, na
qual ele dá o tema e estrutura o tempo. Normalmente, uma pergunta simples
do tipo "Como foi a sua semana?" é suficiente para iniciá-la. Tem uma dupla
função: para o cliente, permite-lhe tratar dos seus emergentes, isso é, relatar
os eventos ocorridos na última semana e/ou provenientes da sua colagem
pessoal de estímulos naquele momento. Para o terapeuta, oferece uma amos­
tra bem próxima do comportamento "natural" do cliente, as principais contin­
gências atuantes no seu dia-a-dia, seu repertório e padrões com porta mentais
mais freqüentes, os respondentes emocionais eliciados por esses padrões, a
menor ou a maior adequabilidade dos seus tatos e auto-relatos. Corrobora ou
não as hipóteses que orientaram a formulação do protocolo terapêutico e

1 As descrições redigidas em Linguagem expressiva e coloquial das funções da etapa denominada


Rapport, colocadas entre aspas, foram inspiradas pela leitura de Othmer e Othmer (1992).

13
expõem contingências especiais que, quer pela novidade quer pelas variações
na intensidade, possam ter ganho um controle aumentado sobre as respostas
do cliente. Desta fase, podem nascer agendas especialmente formuladas para
atender circunstâncias especiais e/ou intervenções paralelas com técnicas não
previstas, inicialmente, no protocolo.
A segunda unidade é o Rapport, à qual dedicamos uma faixa de
tempo ao redor de cinco minutos. 0 Rapport destina-se à renovação e ao
fortalecimento da relação cliente-terapeuta, isto é, o reforçamento da respos­
ta de comparecer aos atendimentos. Repetida a cada consulta, essa unidade
tem a finalidade de "aquecer" e preparar o cliente para o trabalho de agenda
subseqüente, firmando o caráter especial daquela relação e eliciando e refor­
çando respondentes em ocionais favoráveis ao desenvolvimento do trabalho
clínico. Geralmente, introduzo essa unidade com um simples "Quer saber o
que eu penso de tudo isso ?" ou uma de suas inúmeras variantes. Como a uso,
tem por principais funções:
• Restabelecer o con tato interpessoal: dar respostas cultural, so cia l e
afetivamente adequadas e consoantes aos estímulos verbais e não-verbais
gerados por aquele cliente naquele momento, ou seja, aos emergentes
apresentados na primeira unidade, que é o relato das contingências que
estiveram/estão atuando na vida do cliente. Numa formulação expressiva,
"ouvir e responder com empatia ao aqui e agora do cliente".
■ Discriminar e avaliar a intensidade das contingências aversivas atuando
sobre o cliente naquele momento e responder com adequação e consonân­
cia cultural, social e emocional. Ou seja, expressivamente: "encontrar o
sofrimento e mostrar compaixão".
• A cada vez, resumir e salientar as respostas disfuncionais apresentadas
pelo cliente, remetendo-as a classes operantes mais amplas ("mudando a
perspectiva"), e reforçar as estratégias bem- sucedidas já aplicadas pelo
cliente ao longo do tratamento, citando-as e estimulando a sua generali­
zação ("recuperando o controle do cliente sobre o seu ambiente"). Estabe­
lecer, evocar e reforçar as discriminações verbais do cliente sobre as variá­
veis do meio externo e interno que provavelmente tenham algum controle
sobre suas repostas disfuncionais ("facilitando e ampliando o in s ig h f).
A A gen da é a terceira unidade e o núcleo do tratamento. Vinte
minutos são dedicados a ela. Introduzida com um singelo "Bem, agora vamos
à nossa Agenda de hoje!", ou variante, é uma unidade que "pertence" ao
terapeuta, na qual a sua diretividade é ampliada. Como a maior parte dos

14
textos clínicos discute exaustivamente o manejo técnico, que é o foco desta
unidade, limito-me a apresentar, a seguir, um delineamento esquemático do
seu conteúdo. De maneira ge ral tem por função:
Examinar os ensaios comportamentais (tarefas terapêuticas) da semana,
calibrando-as ou reformulando-as, verificando as suas conseqüências, o
custo da resposta alternativa, estimando o impacto das mudanças em ou­
tras contingências que também atuam sobre o cliente e na implantação de
estratégias de generalização.
■ Trabalhar os itens do protocolo clinico. É o manejo técnico das respostas
disfuncionais, incluindo técnicas específicas para redução/extinção de
déficits ou excessos comportamentais.

Ao fim deste tempo, transferimos rapidamente o foco da atenção


para uma nova unidade de Emergentes.
Para esta nova unidade de Emergentes, reservamos um tempo de
cinco ou dez minutos (conforme a consulta tenha 50 ou 60 minutos, ou se
trate de adequar a faixa de tempo para necessidades específicas). Além da
função principal desta etapa, já descrita anteriormente, tentamos obter aqui
um efeito adicional: a interrupção relativamente brusca de um tema relevante
para o sujeito pode eliciar respostas de ansiedade (resultante da supressão
condicionada) e processos verbais encobertos relacionados ao tema já trata­
do. Eventuais encobertos e li cia dos/evocados no trabalho anterior da Agen­
da, que possam ter tido sua manifestação aberta e/ou percepção dificultadas
pela diretividade imprimida pelo terapeuta, naquela etapa, podem ser explo­
rados e trabalhados nesta etapa. Para iniciá-la, costuma ser suficiente um
simples estímulo do terapeuta como, por exemplo, ampliar a relevância de
um outro estím ulo qualquer, presente na situação e estranho àqueles que
ganharam controle durante a Agenda ("Que calor hoje, não?", ou "Puxa, hoje
estou um pouco cansado", ou equivalentes). Neste momento, muitas vezes
estamos conversando com nosso cliente. Amenidades. As contingências espe­
cíficas de uma relação terapêutica aumentam a probabilidade de que os com­
portamentos do cliente sejam reduzidos aos da categoria "paciente". Uma
conversa amena entre duas pessoas pode facilitar a emergência de uma amos­
tra inusitada do comportamento daquele cliente. Na minha experiência, isso
muitas vezes tem sido surpreendente e terapêutico... para os dois. Retoma­
mos, então, uma segunda rodada da Agenda.
Esta retomada da Agenda se dá pelos cinco ou dez minutos se-

15
guintes, Repetição e ensaio são procedimentos importantes para aumentar a
p ro b a b ilid a d e de c o n tr o le das o p e ra ç õ e s de e s tím u lo e o p e ra ç õ e s
conseqüenciais ao longo do tempo (Donahoe e Palmer, 1994; em especial os
capítulos que tratam dos fenômenos memoriais). Variáveis criticas para o de­
sempenho são repetidas, recebem explicações adicionais e são enfatizadas.
Conexões entre itens da Agenda e dados compor-tamentais evidenciados nas
unidades de Emergentes, originados das respostas do cliente ou terapeuta ou
ainda particulares à relação que estabeleceram naquele dia são considerados.
Reforços, calibragens e estratégias para a manutenção e a generalização da­
quele item do protocolo podem ser proporcionados pelo terapeuta, É também
nesta etapa que as tarefas terapêuticas para o próximo atendimento são apre­
sentadas e discutidas, considerando o protocolo clínico e/ou agendas especi­
ais. Por efeito da supressão condicionada, como já vimos quando da discus­
são anterior sobre a segunda rodada dos Emergentes, sugerir o que "vai acon­
tecer" pode aumentar a probabilidade de que processos verbais privados e
CER's relacionadas ao contexto terapêutico adquiram a saliência necessária
para serem eliciados por eventos do ambiente natural do cliente, facilitando
os ensaios comportamentais e a generalização, e mantendo o cliente "em te­
rapia", por assim dizer, até o próximo atendimento.
Entramos então na última unidade, um novo Rapport, durante os
cinco minutos finais, nos quais estaremos novamente ocupados em reforçar a
resposta de comparecer à terapia e ampliar a discriminação verbal do cliente
sobre os eventos tratados durante o atendimento (evocar CRB3, na termino­
logia de Kohlenberg e Tsai; 2001). Geralmente, pergunto: "0 que você apren­
deu hoje que pode Lhe ajudar?" ou "De tudo o que vimos hoje, o que foi mais
significativo para você?" Tenho utilizado esta unidade como uma recapitula­
ção daquele atendimento em particular e para fazer a conexão dele com o
tratamento como um todo. Podemos resumir o relatado anteriormente como
se vê na Tabela 1.
Skinner (1974), falando sobre o fenômeno do autocontrole, as­
sim se expressa: "Quando um homem se controla (...) controla-se precisamen­
te como controlaria o comportamento de qualquer outro através de manipu­
lação de variáveis das quais o comportamento é função.", (pág. 134). Quando
desejamos controlar o nosso próprio comportamento, tratamos de manipular
o nosso ambiente, dispondo estímulos que possam, num momento futuro,

16
Tabela 1 - Distribuição das etapas e tempos
para a estru tu ração do tem po de
a te n d im e n to
Emergentes 1 10 m inutos
Rapport 1 5 m inutos
Agenda 1 20 m inutos
Emergentes 2 5 m inutos
Agenda 2 10 m inutos
Rapport 2 5 m in u to s
Tempo discricionário 5 m in u to s

vir a exercer controle sobre as nossas respostas. Assim, quem precisa acordar
mais cedo do que o habitual, manipula o seu ambiente, recolhendo-se ao leito
mais cedo, colocando um relógio despertador, pedindo a alguém que o acor­
de, repetindo insistentemente para si mesmo (mandos a si mesmo) que "te­
nho que" acordar às tantas horas, etc. Quando alguém provê, ele mesmo, as
contingências que virão a controlar as suas respostas num momento futuro,
dizemos que aquela pessoa está praticando o autocontrole.

Para a u x ilia r o te rap e u ta a responder sob co n tro le desta


estruturação do tempo, desenvolvemos um relógio com um mostrador especi­
al, como se vê na Figura 1, que é um instrumento facilitador deste controle.
Ao invés das horas, no mostrador estão dispostas as faixas do tempo do aten­
dimento, cada qual em uma cor diferente e com gradação da cor no sentido
crítico, ou seja, tão mais saturada quanto mais se aproxima do final do tempo
destinado àquela unidade. Assim, num relance de olhos, o terapeuta pode
discriminar o andamento do atendimento quanto ao tempo e providenciar os
estímulos apropriados a cada fase ou a sua transição.

Figura 1 - Relógios especiais para controle do tempo de


atendimento {prompts mecânicos)

17
Como provavelmente já está claro para o leitor, entendemos que
formar um terapeuta a nalítico-com porta mental é, principalmente, treinar a dis­
criminação, modelar4 as respostas do terapeuta-aprendiz e ampliar o seu re­
pertório clínico (técnicas de intervenção), sendo, portanto, as respostas do
terapeuta-aprendiz, seus antecedentes e suas conseqüências o foco do proces­
so formativo. Ora, na gravação, para atender à condição de colocar o supervisor
sob contingências o mais semelhante possível
às do aprendiz, a câmara filma o cliente, estan­
do os terapeutas-aprendiz de costas para ela,
conforme se vê na Figura 2. Para funcionar
como modelo, é preciso que o supervisor res­
ponda às contingências estabelecidas pelo cli­
ente e não àquelas que o terapeuta-aprendiz
estabelece, caso em que estaria constrangido a
fu n c io n a r p re d o m in a n te m e n te com o
modelador. Para assegurar uma observação
acurada do comportamento dos terapeutas-
aprendiz, os atendimentos se dão numa sala
que contém um ambiente de observação ane­
xo, com uma janela de observação dotada de
um espelho unidirecional. Nesta sala de obser­
vação, fica, então, a dupla de observadores que, pelo arranjo espacial, está de
frente para a dupla de terapeutas. Sua função é observar e registrar os compor­
tamentos dos "terapeutas", aos quais depois darão um retorno (feedback) for­
mal, objetivando conseqüenciar aqueles comportamentos num processo de
reforçamento diferencial (modela-gem) continuado. Assim como no caso da
gravação, o cliente é informado da dupla de observadores, dos objetivos dela
e o seu consen-timento informado é obtido. As mesmas observações que acima
se relataram para a presença da câmara são igualmente verdadeiras para a
presença dos observadores e, pelas mesmas razões, o programa de formação
que estamos relatando assume que a presença dos observadores na sala de
observação não é uma variável que comprometa a aproximação da situação de
treinamento da situação de desempenho futuro, nem para o cliente, nem para
os terapeutas-aprendiz.

Embora raramente especificando os limites e os desempenhos


críticos envolvidos, alguns supervisores parecem defender que a formação

‘ O verbo modelar aqui implica os processos de modelagem {to shape) e modelação (to modet).

18
do terapeuta seja m ais "liv r e " No en ten dim ento deste autor, aqueles
supervisores parecem preferir deixar que as contingências terapêuticas pro­
venham, elas mesmas, o aprendizado, a partir de um mínimo de regras. Na
nossa cultura, as palavras "livre" e "liberdade" referem-se, o mais das vezes, a
uma ausência de controle coercitivo para o comportamento e estão pareadas
com potentes respondentes emocionais, sendo, por isso mesmo, palavras que
coloquialmente poderiam ser chamadas de sedutoras, desejáveis, emotivas.
Tal como usadas na linguagem coloquial, um analista do comportamento tal­
vez acrescentasse mais um adjetivo: ilusórias (Skinner, 1977; Sidman, 1995;
Baum, 1999),

Tudo indica que foi exatamente com a proposta de considerar o


comportamento humano como um fenômeno natural, acessível não só à apre­
ensão racional, através do método das ciências naturais, como também à pre­
visão e ao controle, que se articularam as aplicações clínicas dos diversos
behaviorismos, À medida que a análise experimental do comportamento avança
em elucidar os mecanismos naturais pelos quais o comportamento emerge e
se mantém, como ele pode ser previsto e controlado, fica cada vez mais difí­
cil, no ju lgam e n to deste autor, defender o ponto que advogam aqueles
supervisores. Talvez uma analogia pertinente possa ser a de que aquela pro­
posta, no limite, equivaleria à proposta de ensinar engenharia pedindo aos
estudantes que aprendessem sobre a resistência dos materiais construindo
pontes, ou ensinar medicina pedindo aos alunos que aprendessem anatomia
operando pacientes. Ora, assim foi nos primórdios daquelas disciplinas: por
virtual ausência de discriminações verbais eficazes, o aprendizado se dava
por exposição ao modelo, à histórica relação mestre-aprendiz - base das igual­
mente históricas "associações de artes e ofícios" - e por exposição direta às
contingências. Entretanto, parece-me que a atual ênfase em um período dila­
tado de aprendizado teórico precedendo a prática, bem como a formalização
de instrumentos pedagógicos, para orientar teoricamente as primeiras expo­
sições práticas {tais como as checklists, por exemplo), tenham sido ambas um
avanço e, pelo menos até o momento, tenham sido também práticas de ensi­
no selecionadas por suas conseqüências.

Por exemplo, Kohlenberg (1998), tratando desse tema, contra­


pôs a atuação de terapeutas "bem form ados" (controlados por regras) á
atuação de terapeutas "in tu itiv o s" (orientado por princípios). Aquele autor
solucionou a dicotomia que ele mesmo propôs indicando que o melhor seria
ser ambos: "bem formado" e "intuitivo", Embora Kohlenberg não tenha preci­
sado o seu entendimento da expressão "orientado por princípios" no traba­
lho citado, do conjunto das suas publicações (em especial Kohlenberg e Tsai,

19
2001) pode-se depreender que um terapeuta controlado por "princípios" res­
ponderia preferencialmente â configuração molar do comportamento do cli­
ente, em oposição à sua configuração molecular. Pode-se também entender
que, atuando assim, o terapeuta buscaria implantar classes de respostas, tais
como as contidas no conceito de behavioral cusps, definidas como "um a mu­
dança de comportamento que tem para o organismo conseqüências além da
mudança em si mesma" (Rosales-Ruiz e Baer, 1997, pág. 537). Ou ainda,
pode-se entender que o terapeuta estaria atento a oportunidades de discri­
minar e reforçar classes de ordem superior (íearning sets), tais como discuti­
das por Catania (1999). Não existe incom patibilidade alguma entre o modelo
aqui relatado e a proposição de Kohlenberg e, seja como for, o resultado das
proposições técnicas de Kohlenberg e Tsai manifesta-se, como esperado, num
alentado conjunto de regras.

D esse p o n to de v ista , p o d e -se c o n sid e ra r que o e sfo rço


in v e s t ig a t iv o do s e s t u d io s o s da te r a p ia p s ic o ló g ic a de o r ie n ta ç ã o
comportamentalista tem tido como um dos seus objetivos retirá-la do dom í­
nio da intuição e/ou do aprendizado acidental, levando-a para o domínio do
ensino e da aprendizagem sistemática e racional (veja-se o esforço em esta­
belecer protocolos e estratégias sistemáticas para a ação terapêutica, confor­
me discutimos acima). Tal objetivo parece, a este autor legitimo, desejável e
urgente, principalmente pela natureza prática dos problemas clínicos e do
sofrimento humano envolvido, como já se comentou. Temos um planeta com
mais de 6 bilhões de seres humanos dos quais, aceitando-se as estimativas
epidemiológicas da OMS, temos aproximadamente um quinto deles com al­
gum sofrimento psicológico num dado instante do tempo (McHugh e Vallis,
1986). Perante essa situação, é difícil justificar a proposta de deixar a forma­
ção dos provedores dos cuidados à saúde psicológica à espera de que contin­
gências vagamente definidas produzam um terapeuta competente5.

Consistente com essa posição e desiderato, este autor defende e


privilegia o ensino sistem ático e racional da intervenção terapêutica, forne­
cendo ao aprendiz o máximo possível de regras presumidamente eficazes e
modelando o seu comportamento de acordo com elas. Se algumas das propo-
sições centrais da análise do comportamento estiverem corretas, praticamen­
te não existe o risco de homogeneizar e imobilizar as práticas terapêuticas

* Este autor está convencido de que os mesmos argumentos e situação aqui apresentados em contra a uma
'formação livre" se aplicam com igual propriedade com relação â proposta de uma "duração livre" para o
tempo total do tratamento. A rigor, admitir a indeterminaçâo da duração de uma intervenção terapêutica
equivale a admitir a indeterminaçâo do próprio procedimento.

20
através deste procedimento. A mutabilidade do ambiente e a variabilidade
comportamental garantiriam a continuidade do processo de seleção pelas
conseqüências, ou seja, a evolução dessas práticas. Dessa evolução, surgirão
novas regras, mais fiéis como descritoras das contingências atuantes naquele
novo ambiente as quais, por sua vez, deverão ser igualmente sistemática e
extensivamente ensinadas até que novas transformações venham a torná-las
inadequadas. Como se pode depreender do programa formativo que se relata,
este autor valoriza em igual importância a modelagem pelas contingências,
mas defende que esta modelagem seja facilitada e otimizada pela discrimina­
ção que as regras permitem.

Para ampliar a probabilidade de controle das regras e refinar a


discriminação dos estímulos relevantes para a situação clínica, o autor adaptou
- talvez fosse mais exato dizer: traduziu - uma lista de comportamentos críti­
cos, elaborada por Beck, Rush, Shaw e Emery (1979), para a formação do
terapeuta cognitivo, transpondo-a para uma perspectiva e terminologia analí-
tico-com porta mental, a qual está reproduzida no Apêndice I I deste trabalho.
Boa parte das categorias e dos comportamentos está redigida em linguagem
não-técnica, em parte pelas dificuldades em especificar membros de conceitos
naturais (classes de estímulo probabilísticas imprecisas), tais como "calor hu­
mano" (Catania 1999), em parte porque é somente ao fim do estágio que os
estudantes desenvolvem uma terminologia analítico-comportamental mais pre­
cisa.

Dessa forma, o que os "observadores" notam é a ocorrência ou


não das classes de respostas listadas, consistindo este instrumento numa
checklist que facilita a observação e o registro das respostas dos terapeutas-
aprendiz com rapidez e precisão numa situação fluida e flexível como é a de
um atendimento terapêutico. Esse instrumento, listando classes de respostas
públicas com referentes empíricos razoavelmente claros (pelo menos, procu­
rou-se torná-los tão claros quanto o possível para os limites de uma lingua­
gem não técnica), facilita a observação e o feedback, minimizando a chance
de que o retorno da observação seja baseado em inferências controladas por
contingências particulares do observador. 0 fato de serem dois os observado­
res também contribui para uma confiabilidade aumentada na precisão da ob­
servação. Tudo isso facilita ao observado a discriminação dos eventos antece­
dentes e conseqüentes que poderiam ter exercido controle sobre suas respos­
tas, facilita a modelagem por permitir que o reforçamento diferençai incida
sobre respostas especificadas, facilita a relação entre observadores e obser­
vados, por reduzir a probabilidade da apresentação de críticas inespecíficas
e/ou pessoais e, não menos importante, p ossib ilita uma avaliação e um

21
reforçamento direto ao aprendiz, através da apresentação de uma medida
objetiva do seu desempenho e da sua evolução ao longo do período formativo.

Marcar repetidamente uma lista pode ser um desempenho aversivo


para estudantes não afeitos aos procedimentos de laboratório e, o mais das
vezes, anteriormente treinados numa psicologia mentalista e, se assim pode­
mos falar, em boa parte "filosófica" Por outro lado, o estudante está sob uma
contingência que estabelece como reforçador o desempenho do operante "ser
bom terapeuta" e, assim, ao associar uma tarefa de baixa probabilidade de
ocorrência - marcar uma lista - com uma de alta probabilidade de ocorrência
- desem penhar conform e as instruções do supervisor para ser "um bom
terapeuta" - temos uma interessante aplicação prática do principio de Premack
(Catania, 1999), aum entando a probabilidade do desempenho de marcar
corretamente a lista. Certamente, caberá ao supervisor dispor contingências
que garantam a continuidade e a precisão deste desempenho.

0 terapeuta-aprendiz fica exposto à checklist seis vezes a cada


dois atendimentos. A primeira vez, quando, como observador, responde sob
controle da lista, para marcar ou não a ocorrência das respostas-alvo. Outra
vez, quando, ainda como observador, dá feedback aos observados e, uma
última vez, quando, na função de terapeuta, recebe feedback, repassando
mais uma vez a checklist durante o encontro de avaliação, procedido ao fim
de cada atendimento. As outras três, quando da inversão dos papéis da du­
pla. Como por certo já deduziu o leitor, o propósito desta contingência, mar­
car a checklist, é aumentar a freqüência da apresentação da regra para que ela
- ou as contingências mais imediatas que ela determina - tenha uma probabi­
lidade aumentada de induzir a resposta-alvo em situação de desempenho
clinico (Malott, Malott e Trojan, 2000). Se, de início, é difícil para os "obser­
vadores" discriminar a ocorrência das respostas-alvo nos "terapeutas", pela
exposição repetida verifica-se o aumento progressivo dos itens marcados na
folha de observação. Quando da alternação da dupla de "observador" para
"terapeuta", presume-se que este treinamento possa instalar uma sensibili­
dade aumentada às contingências clínicas que programam reforço para a
emissão das respostas listadas. Este fenómeno é de fato relatado pelos esta­
g iá rio s e objetivado pelo p ro gressivo aum ento de respostas desejadas
registradas nas folhas de observação, mas não foram conduzidas verificações
sistemáticas que pudessem permitir a corroboração de uma relação funcional
entre este treinamento e aqueles resultados, conforme comentaremos ao fim
deste trabalho.

Finalmente, para que o supervisor possa funcionar como modelo,

22
cada dupla seleciona 15 minutos de sua gravação para apresentar em super­
visão, justificando a escolha desta seleção. A supervisão é dada semanalmen­
te, com uma hora e meia de duração, e no mini mo duas gravações de atendi­
mentos podem ser apresentadas a cada semana ao supervisor e ao conjunto
dos estagiários. Esse arranjo permite que cada dupla tenha pelo menos um
dos seus atendimentos avaliados a cada mês. Nessa situação, o supervisor
observa as respostas do terapeuta-aprendiz à estimulação apresentada pelo
cliente, apresenta a sua própria resposta e auxilia o aprendiz a discriminar os
eventos antecedentes que provavelmente exerceram controle sobre a respos­
ta do aprendiz e sobre a que ele mesmo emitiu, bem como examina as possí­
veis conseqüências destas respostas para o cliente. Também nessa oportuni­
dade, o supervisor pode avaliar e reforçar diferencialmente as respostas do
aprendiz durante o atendimento, oferecer e trabalhar hipóteses alternativas,
recomendar estudos e, ainda, atribuir tarefas específicas e individualizadas
que possam melhorar a adequação e/ou ampliar o repertório clínico do apren­
diz.

Resta observar que, para que o terapeuta-aprendiz ganhe confi­


ança e autonomia progressivas no seu próprio desempenho, procura-se cali­
brar a intensidade e a freqüência da atuação do supervisor e dos observado­
res ao longo do estágio. Partindo-se de um início em que esta atuação é
máxima, objetiva-se chegar a um mínimo de interferência, na medida em que
as discriminações e as respostas do terapeuta-aprendiz vão ganhando em
precisão. Esse processo pode ser ilustrado como na Figura 3.

23
D is c u s s ã o e r e c o m e n d a ç õ e s p a r a f u t u r o s d e s e n v o l v im e n t o s

No momento em que este artigo está sendo finalizado, estamos


terminando o trabalho relatado aqui com a segunda turma de estagiários e
dando início ao processo de seleção da terceira turma. Contando o tempo
despendido com a preparação e os seis meses de uma turma piloto de somen­
te seis estagiários, este modelo já está em desenvolvimento e teste há quase
dois anos.

Aproximadamente um terço dos estagiários da turma piloto e da


primeira turma continuaram, de alguma maneira. Ligados ao supervisor, quer
como residentes informais no trabalho clínico quer como integrantes ativos
de um programa, também informal, de "educação continuada", que nasceu
desta experiência. 0 encantador interesse, o compromisso científico e profis­
sional e o trabalho voluntário desses colegas está nos permitindo ampliar as
atividades do estágio e também iniciar alguns procedimentos mais rigorosos
de investigação e avaliação do programa. Por exemplo, para a terceira turma,
já pensamos em oferecer algumas vagas para um estágio paralelo em Análise
Comportamental das Organizações ( OBM, Organizational Behavior Management)
e, também, para a quarta, possivelmente uma prática da aplicação da análise
do comportamento no contexto das práticas esportivas. Tudo isto graças ao
interesse de alguns destes estagiários que estudaram e experimentaram, sob
orientação do supervisor, incursões bem sucedidas nestas novas e fascinan­
tes fronteiras. Em conjunto com a melhoria da qualidade de vida dos clientes,
este autor está convencido de que esse é o mais precioso, gratificante e alen-
tador resultado do trabalho que aqui se relata,

Numa vertente mais técnica, estamos iniciando uma coleta de


dados quantitativos que poderá permitir a investigação de algumas variáveis
críticas para a formação do terapeuta analítico-com portam ental e também
para o aperfeiçoamento do programa. Dentre eles: análise dos registros das
folhas de observação (checklist) dos terapeutas; análise dos déficits e exces­
sos comportamentais registrados para os clientes e suas alterações ao longo
do tratamento; análise das gravações disponíveis para catalogar e investigar
funcionalmente respostas do terapeuta, concomitantes a mudanças detecta­
das no BD I e na freqüência dos déficits/excessos comportamentais; registro
quantitativo das respostas de observação do cliente à câmara ao longo dos
atendimentos. A análise e a integração desses dados poderão dar origem a
um futuro relato desta experiência com uma maior ênfase nos achados
empíricos.

24
Do ponto de vista dos recursos empregados, estamos nos prepa­
rando para trabalhar em tempo real, fazendo a transmissão das imagens e do
som diretamente para a sala de supervisão e utilizando o ponto eletrônico
para comunicação imediata do supervisor com os terapeutas-aprendiz. A pos­
sibilidade de embutir a aparelhagem eletrônica de gravação e transmissão de
imagens e som está também sendo estudada.

As contingências do trabalho clínico não reforçam a análise preci­


sa e quantificada das intervenções praticadas. Não é a precisão teórica ou for­
mal da análise que comumente controla o comportamento do clínico, mas sim
as conseqüências das suas intervenções no comportamento do cliente. De ma­
neira geral, ao falar sobre a sua prática, o clínico demonstra uma discriminação
verbal inferior à do pesquisador, bem como uma (aparentemente) menor preo­
cupação com a solidez empírica de suas hipóteses. Este autor acredita que esses
fatos tornam ainda mais importante a divulgação de experiências clínicas, pois
os interessados nesta aplicação que estejam, ao mesmo tempo, envolvidos com
a pesquisa e com a produção teórica acadêmica - portanto, sob outros contro­
les - terão o material primário necessário para o refinamento teórico e a discri­
minação mais precisa das variáveis críticas para o sucesso desta disciplina apli­
cada, realimentando e aperfeiçoando, assim, esta prática.

É certo que as categorias e as classes de respostas apresentadas


na ch ecklist, A pênd ice I I , podem e devem ser objeto de d isc u ssã o e
questionamento. Um outro supervisor poderia perfeitamente elaborar um ca­
tálogo diferente do apresentado e, possivelmente, melhor. Na verdade, ao
divulgar este trabalho, é esperança deste autor que alguém realmente faça
isso, submetendo o instrumento aqui apresentado a um escrutínio teórico e a
uma verificação empírica mais rigorosa, ações que este autor não procedeu,
tendo aceitado parcialmente a categorização de Beck e cols. (1979) e subme­
tendo-a somente ao exame Limitado da sua própria experiência profissional e
competência teórica. Em função da justa curiosidade e da demanda por um
estágio nesta abordagem por parte dos alunos que vêm cursando, com o au­
tor, a disciplina curricular Teorias e Técnicas Psicoterápicas, a atenção e as
respostas do autor estavam - e possivelmente ainda estão, ao menos em
parte - controladas pela necessidade (contingente) de montar, com rapidez,
um sistema minimamente coerente e sistematizado de supervisão em terapia
analítico-com portam ental e que pudesse, espera-se, estar livre de algumas
das inconveniências discutidas no início deste trabalho. Já foi dito que o
urgente é inim igo do importante, mas, por outro Lado, o desenvolvimento e a
divulgação de um programa ainda imperfeito e, declaradamente, somente
referencial podem estabelecer contingências que permitam a outros estudio­

25
sos, eventualmente melhor equipados intelectualmente, aperfeiçoá-lo ou subs­
tituí-lo por outro melhor. Se isso de fato acontecer, este relato terá tido um
êxito muito além do esperado.

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Endereço para correspondência:


Prof. Roosevelt R, Starling
F U N R EI/D PSIC
Pça, Dom Helvécio, 74
São João del-Rei, MG.
CEP 3 6 3 0 0 -0 0 0

Email: um uaram a@funrei.br

29
A pêndice I - P rogramação D etalhada do Estágio

T erapia analítico - comportamental

Semana Supervisão Prática Estudo Entregas

1 Apresentação e estudo Preenchimento do Avaliação


do estágio. QMHI (treino) psicológica +
Avaliação nomotética, Textos 1
idiográfica e
comportamental.
Execução, Tabulação e
Análise do BDI, E1A e
IDATE (treino).

Modelação da Execução da Tabulação MMPI - Visão geral TE1 + TE2


2 aplicação do MMPI e classificação do MMPI Tabulação e Entrega do
Execução do MMPI classificação. QMHI (treino)
(treino) MMPI - Análises
de 1° e 24 níveis

3 Modelação da Execução da Entrevista MMPI (treino) - MMPI (treino)


Entrevista de Seleção de Seleção com o Análise de 3o e 4° Tabulado e
Execução e tabulação cliente + niveis classificado
do Heil-Hennenhofer Aplicação e análise do Textos 2
(Treino). B Dl, EIA e
"'"■"I U'A' I V . '..... 1
4 Seleção dos Clientes Textos 2 MMPI (treino)
+ Aplicação do MMPI nos analisado em
Vfdeo: Análise Funci­ clientes selecionados. 1" e 2® niveis +
onal T£2

5 Integração e Textos 3 + Texto MMPI (treino)


compatibilização: Aplicação do Heit- Extra analisado em
diagnóstico Hennenhofer 3o e 4" níveis
convencional e Análise do MMPI
avaliação Diagnóstico
comportamental. convencional
Formação do grupo
terapêutico.

6 Discussão do Texto Extra Laudo:


diagnóstico 1° atendimento -
Textos 3 diagnóstico
convencional. Rapport
convencional.
Roteiro para a
observação dos cc-
terapeutas.
A estruturação do
tempo no
atendimento
analítico*
comportamental.

30
Semana Supervisão Prática Estudo Entregas

7 Avaliação funcional. 2° Atendimento - Textos 10 TE3


Discussão do 1° aten­ Avaliação funcional.
dimento.

Co-terapia - Grupo 3o Atendimento - Textos 10 1* Versão do


8 Avaliação funcional Avaliação funcional. Protocolo
- Protocolos.

Discussão dos 4“ Atendimento - Textos 10 2 ' versão do


9 Protocolos - lv. Negociação do Protocolo
protocolo lv com o
cliente.

Discussão do 4° aten­ 5o Atendimento Textos 4 TE4 +


10 dimento. Protocolo

Discussão do 5“ 6 ' Atendimento Textos 4 TE5 +


11 atendimento Avaliação dos
Agenda. riscos de
suicfdio.

Co-terapia - Grupo 7o Atendimento Avaliação dos TE6 + Agenda


12 riscos de suicídio
- Textos 8

Discussão do 6° e 7* 8° Atendimento Textos 5 TE7


13 atendimentos. Avaliação de
Resultados

14 Discussão do 8o aten­ 9o Atendimento Textos 5 TE8 + Revisão


dimento. do Protocolo

15 Discussão do 9° aten­ 10* Atendimento Textos 6 TE9


dimento. Feedback

16 Co-terapia - Grupo 11° Atendimento Textos 6 TE10

17 Discussão dos 10° e 12° Atendimento Textos 6 TEll + Revisão


11° atendimentos. do Protocolo

18 Discussão do 12“ 13“ Atendimento Textos 7 TEll + Revisão


atendimento. Feedback do Protocolo

19 Discussão do 13" 14" Textos 7


atendimento.

20 Discussão do 14° 15“ Atendimento Textos 7 TE12


atendimento.

21 Co-terapia - Grupo 16° Atendimento Textos 9 Avaliação de


Resultados

31
Semana Supervisão Prática Estudo Entregas

22 Discussão do 15° e 17° Atendimento - Textos 9 Revisão do


16' atendimentos. Feedback Protocolo

23 Discussão do 17* 1 8' Atendimento Textos 9 TE13


atendimento.

24 Oiscussão do 18° 19° Atendimento Revisão de Textos


atendimento. 2

25 Discussão do 19° 2 0 ' Atendimento Revisão de Textos Avaliação de


atendimento. 2 resultados

26 Discussão do 20° 2 1 ' Atendimento Revisão de Textos Revisão do


atendimentos. 10 Protocolo
TEK

27 Co-terapia - 22“ Atendimento Revisão de Textos Avaliação dos


Preparação para a alta Preparação para a alta 10 resultados

28 Discussão do 22° 2 3 ' Atendimento Revisão de Textos TE15


atendimento. 4

29 Discussão do 23° 24' Atendimento Revisão de Textos TE16


atendimento. Alta 4

30 Avaliação do Estágio Casos especiais Relatório de Relatório de


Estágio Estágio

32
A pêndice II - R oteiro para verificação do desempe­

nho do Terapeuta (checklist)

I erapeuta(s)________________________________________ Oata:___ /__ /__


Cliente : ________________________ _ Atendimento n°________
Observadores : ______________________________ e _____________________________________

Legenda: 'l - adequadamente axecutado O P - opcionalmente omrtido


0- inadequadamente executado e/ou omitido NA - não aplicável

t. Desempenho geral: o terapeuta...

Esteve atento e respondeu aos estímulos verbais e não verbais do cliente mesmo ao
desempenhar papel primariamente diretivo.
Solicitou fccdback.
Forneceu feedback.
Solicitou sugestões c/ou ofereceu opções.
Respondeu ao feedback ou sugestões do cliente, não os ignorando ou desqualificando.
Verificou periodicamente a sua compreensão dos pontos-chavc trazidos pelo cliente (por
cx.( resumiu, solicitou esclarecimentos adicionais, ctc.).
Resumiu periodicamente os seus próprios pontos-chavc para facilitar a compreensão do
cliente.
Discriminou e trabalhou CRB 1.
Discriminou e trabalhou CRB 2.
Comportou-se com rcsílência nas interações com o cliente.
Respeitou o ritmo do cliente.
Mostrou-se flexível em suas respostas, exemplos o'ou sugestões frente a estímulos
inesperados.
Cumpriu a estruturação do tempo de atendimento.

2. Preparo e díscussào da agenda.

0 terapeuta discutiu com o cliente a Agenda do atendimento.


Os itens da Agenda foram específicos e orientados para o problema.
Foram estabelecidas e respeitadas prioridades para os itens dn Agenda.
A Agenda foi adequada ao tempo disponível (nem limitada, nem ambiciosa).

3. El mação/ evocação de respostas.

0 terapeuta eliciou/evocou C R B’s durante o atendimento.


O terapeuta evocou feedback acerca do atendimento anterior.
0 terapeuta eliciou c'ou discriminou e trabalhou C ER’s e/ou outros encobertos durante o
atendimento.

33
4. Controle eficaz do tempo: O terapeuta..
Cobriu a maioria dos itens da Agenda e reprogramou os pendentes.
Foi flexível com o tempo para trabalhar tópicos importantes que surgiram durante o
atendimento.
Limitou o tempo despendido em tópicos periféricos ou tangenciais.
Discriminou e limitou a discussão improdutiva sobre tópicos pertinentes.

5. Discriminação e foco no problema emergente (unidades de Emergentes)


0 terapeuta discriminou o problema específico a ser focalizado.
Os problemas discriminados eram centrais para o manejo da cliente.
Os problemas discriminados foram apropriados para tratamento nessa oportunidade
0 terapeuta interligou os problemas identificados com o restante do trabalho terapêutico.
0 terapeuta selecionou e isolou os problemas-chave, dando-lhes tratamento aprofundado,
com finalização.

6. Evocação de relatos verbais e auto-relatos: o terapeuta...

Combinou as perguntas para obter uma narração adequada das contingências atuantes
sobre o cliente.
Empregou adequadamente perguntas abertas.
Fez uso mínimo de perguntas que pudessem ser respondidas com “ sim" ou "não” .
Evitou o interrogatório de “ fogo cruzado” .
Entremeou as perguntas com observações de reflexão, exemplos ilustrativos ou resumos
breves.
Empregou a maiêutica para evidenciar dis funcional idades do cliente cuidando para não
eliciar C ER aversivos.
Empregou perguntas para ajudar o cliente a explorar as diversas facetas de um problema
e/ou o exame de alternativas de interpretação e/ou ação (treinou discriminação verbal:
C R B 3.)
Empregou perguntas para ajudar o cliente a formular regras tentativas sobre alguma açâo
proposta.

7. Reforçamento e generalização da aprendizagem: o terapeuta...

Reformulou ou recapitulou periodicamente os problemas sendo trabalhados no


atendimento.
Explicou a lógica de técnicas específicas a serem utilizadas ao manejar os problemas.
Resumiu o progresso obtido em relação aos problemas trabalhados durante o atendimento
(fechamento de problemas).
Resumiu o progresso obtido até o presente atendimento para um tópico trabalhado no
atendimento.
Identificou e interligou classes de respostas sob controle de um único estímulo/
conseqüência e identificou controles generalizados.

34
Reviu cuidadosamente com o ciiente o trabalho para casa (TPC) da semana anterio-
Resumiu para o cliente o resultado conseguido na TPC e explorou desdobramentos.
Determinou nova TPC.
A TPC atribuída foi adequada aos problemas identificados.
A TPC atribuída foi adequada ao repertório e contingências do cliente.
a
Explicou lógica da atribuição da TPC.
A TPC foi especifica e os detalhes foram claramente explicitados.
Indagou se o cliente antevia problemas na execução da TPC.
Trabalhou eventuais dificuldades, previstas pelo cliente, na execução da TPC.

9. Técnicas específicas.

As técnicas empregadas foram geralmente adequadas para os problemas Identificados.


As técnicas utilizadas foram as preferenciais para o manejo dos problemas identificados.
0 terapeuta executou as técnicas com domínio e flextoilidade.
0 terapeuta respeitou o ritmo do cliente.
As técnicas utilizadas foram adequadas para o repertório atual do cliente.
laç3o dos instrumentos/ materiais/ dispositivos empregados:

Na falta ds espaço, use o verso desta folha, marcando um 'x' aqui —► { )


laçáo das técnicas utilizadas e comentários/ justificativas :

Na falta de espaço, usa o verso desta folha, marcando um V aqui -> ( )

10. Autenticidade do terapeuta (respostas verbais e demonstrações de C ER’s do terapeuta)

’Soou’ honesto, sincero e leal.


Pareceu mais aberto que defensivo.
Não parecia estar escondendo impressões ou informações, nem fugindo ás perguntas
do cliente (esquivando-se).
Não se mostrou paternalista ou condescendente.
Não 'soou* estudado ou ensaiado, como se representasse um papel.

35
11. Calor humano :

0 tom dc voz c o comportamento não verbal do terapeuta transmitiram calor e interesse.


0 conteúdo do que disse o terapeuta transmitiu preocupação e cuidado.
Nfio reprovou OU ridicularizou (puniu) respostas do cliente.
Não pareceu frio, distante ou indiferente.
Não pareceu efusivo, possessivo ou excessivamente envolvido.
Respondeu com bom humor e exibiu-o quando apropriado.

12. Empatia sob controle operante (predominante): o terapeuta...

Resumiu com precisão o que o cliente explicitamente falou.


Resumiu com precisão as G ER’s mais óbvias do cliente (ex.: tristeza, raiva, etc,)
Resumiu com precisão sua percepção/ hipóteses referentes a nuances mais sutis de
sentimentos e/ou outros encobertos do cliente.
0 terapeuta demonstrou, verbalmente, que compreendia os sentimentos do cliente e que
era receptivo a eles.

13. Empatia sobre controle e


r spondente (predominante):

Cliente e terapeuta pareceram & vontade, um com o outro.


O contato da linha do olhar foi mantido.
Houve boa interação afetiva (ex.: quando um sorria, o outro sorria).
O fluxo das trocas verbais foi fluido e regular.
Nem o cliente, nem o terapeuta pareceram excessivamente defensivos ou contidos.

14. Postura profissional:

0 tom de voz c o comportamento verbal gestuai do terapeuta foram assertivos.


Fez observações claras, sem hesitações ou reformulações freqüentes.
Manteve o controle do atendimento: mostrou-se capaz de alternar adequadamente entre
ouvir e conduzir.
Mostrou-sc relaxado e não pareceu ansioso ou “esforçado” .
Apresentou-se adequadamente vestido c bem apresentado para a ocasião.
Seu comportamento verbal vocal e gestual manteve-se nos limites da boa educação.
Manteve-se rigorosamente nos limites da ética profissional.

Visto da monitoria ; _____________________ em __


/ /_

U tilize o verso */£*£□ fnlha par« quaisquer uulroü comentários/ expansões/ indagações,
marcando um "X" aqui -> ( ).

36
A pêndice I I I - Folha resumo da avaliação funcional
(modificada e ampliada pelo autor a partir de original de Fuqua, T, W., 1999)

AVALIAÇÃO f u n c io n a l d o c o m p o r t a m e n t o

FO LHA RESU M O

1. DESCRIÇÃO DOS PRO BLEM AS DE COMPORTAMENTO.


(Teste do homem morto)

Excesso comportamental Déflct comportamento

2. PROPRIEDADES CRÍTICAS DA RESPOSTA-PROBLEMA.

Freqüência Limiar ou Lat&ncia Magnitude Duração

Amplitude ou Generalização Custo

3. OUTROS PRO BLEM AS COMPORTAMENTAJS RELACIONADOS.

Precursores Sucessoras Encadeamento

4. VARIÁVEIS ECOLÓGICAS.

Biológica« Sociais Culturais

5. O PERAÇÕ ES ESTABELECEDO RAS RELEVANTES.


(variáveis motivacionais)

6. ANTECEDENTES E EVENTOS MODFICADORES.

Gatilhos Inibidores

Eventos distais da instalação

7. CONSEQÜÊNCIAS D AS RESPOSTAS-PROBLEMA.

Reforços tangíveis? Intangíveis?

Reforços Diretos Reforços Sociais

Controle
s por reforça manto negativo?
Controla por estimulação sensorlal?

8. IDENTIFICAÇÃO DE REFO RÇAD O RES POTENCIAIS.

9. HISTÓRIA DO PRO BLEM A E DAS TENTATIVAS ANTERIORES DE SOLUÇÃO,


(formais e/ou informais).

10. REPERTÓRIO PARA OBTENÇÃO DOS M ESM O S REFORÇADORES.


(equivalentes funcionais)

11. BARREIRAS P A R A A AQUISIÇÃO DE RESPO ST A S ALTERNATIVAS.

37
2
0 LUGAR DA EMOÇÃO NA ANÁLISE DO COMPORTAMENTO

André Luiz Freitas Dias

Luciana Maluf 1

PUC-SP

Comumente, ouve-se dizer que sentimentos e emoções não são


Levados em conta pela Análise do Comportamento. De maneira contrária, o
presente texto demonstra como taL conceito é abordado pela Análise do Com­
portamento, a partir da análise de alguns textos selecionados na obra de 6. F.
Skinner.
(P alavras-ch ave: Emoção, sentim ento, A nálise do Comportamento, B. F.
Skinner.)

Ouve-se dizer que sentimentos e emoções não são levados em


conta pela Análise do Comportamento. No seu livro Sobre o Behaviorismo,
Skinner (1974) levanta algum as afirmações que são feitas em relação ao
behaviorismo e que, segundo ele, são todas equivocadas. A primeira diz, ju s­
tamente, que "o behaviorismo ignora a consciência, os sentimentos e os esta­
dos mentais" (pág. 4). Já em um outro livro seu, Questões recentes na Análise
Comportamental, Skinner (1989/1991)* volta a comentar o equívoco, ressal­
tando que "não se im agina que os com porta menta listas tenham sentimentos

1 Alunos do Programa de P6s-Graduaç5o em Psicologia Experimental: Análise do


Comportamento/PUC-SP, bolsistas da Capes. A ordem de apresentação dos autores é
meramente alfabética.
E-mail { l ft Autor): diasalf@hotmail.com. (2A autora): lucianamatuf@ibest.com.br.
* Os autores agradecem a Cfnthia de Azevedo Piccinato pelas sugestões e revisão do texto.

1 Durante todo o texto, aparecerão algumas referências contendo duas datas, sendo a
primeira referente a publicação original; e a segunda, a consultada.
nem que, ao menos, admitam possuí-los. Dentre as várias formas de má inter­
pretação do behaviorismo, talvez essa seja uma das mais comuns" (pág. 13).

Tradicionalmente, a emoção é concebida como causadora do com­


portamento de alguém. Em um poema intitulado "Na boca", Manuel Bandeira
(2001) descreve o comportamento de um homem, em meio a uma festa de
carnaval, à procura do seu amor "Dorinha":

"Sempre tristíssimas estas cantigas de carnaval

Paixão

Ciúme

Dor daquilo que não se pode dizer. . . "

Assim, brigam os porque temos raiva, ficamos deprimidos pela


tristeza, carinhosos pelo amor, ou, como no caso do poema, comportamo-nos
das mais variadas maneiras por causa da paixão, do ciúme, etc.

Desde o início da sua obra, Skinner já destacava o papel da emo­


ção nas relações estabelecidas entre organismo e ambiente. Apesar de várias
mudanças significativas na definição do seu objeto de estudo, vale ressaltar
o seu constante interesse por tais relações e suas variações. Ao estabelecer
seu programa de pesquisa para a Análise do Comportamento, em 1931, Skinner
trata a emoção, assim como o drive e o condicionamento, como uma impor­
tante variável que afeta tal relação.

Em 1938, no seu primeiro livro, em um capítulo intitulado "Other


variables affecting reflex strength", Skinner se refere à emoção novamente
como uma variável importante na mudança da relação estabelecida entre o
organismo e o ambiente. Segundo ele, "talvez a concepção mais comum de
emoção é que esta é uma forma de resposta" (pág. 406). Porém, no transcor­
rer do texto, Skinner amplia tal concepção, destacando a emoção muito mais
como um processo dinâmico do que estático no estabelecimento da relação
entre o estímulo e a resposta.

Esta atribuição equivocada das concepções tradicionais de um


Ita tu s causal â emoção é explicada por Skinner (1989/1991) da seguinte
forma:

"É fácil confundir o que sentimos com causa, porque nós o senti­
mos enquanto estamos nos comportando (ou mesmo

39
antes de nos comportarmos), mas os eventos que são responsáveis
peto que fazemos (e portanto peto que sentimos), permanecem
num passado realmente distante. A análise experimental do com­
portamento favorece a nossa compreensão dos sentimentos por
esclarecer os papéis dos ambientes passado e presente" (pág. 15).

Conforme Skinner (1953/1994), existe uma teoria que tem como


objeto de estudo as mudanças fisiológicas que sentimos na emoção e a iden­
tificação de um elo entre o psíquico e o fisiológico. Contudo, segundo ele,
ater-se às alterações fisiológicas presentes no organismo, às respostas dos
músculos lisos e das glândulas, não nos diz muito da emoção. Ainda não foi
possível demonstrar que cada emoção se distingue por um padrão particular
de tais alterações. De acordo com Skinner (1953/1994):

"As expressões emocionais podem ser imitadas peto compor­


tamento operante, como no teatro, e freqüentemente são modifica­
das pelo ambiente social para se conformarem a especificações
culturais. Até certo ponto, uma dada cultura tem seu próprio modo
de rir, de chorar a dor, e assim por diante. Não tem sido possível
especificar conjuntos dados de respostas expressivas como caracte­
rísticos de emoções particulares, e em nenhum caso se diz que
essas respostas sejam a emoção" (pág. 161).

Restringir o estudo das emoções a uma análise fisiológica ou ao


que é sentido significa desconsiderar a questão primordial do que é a emo­
ção, definida como um estado, uma condição corporal, assim como o ouvir e
o ver. Skinner (1953/1994) aponta que a predisposição para agir tem sido
utilizada para a identificação de algumas condições corporais. Quando isso é
feito, na realidade, o que está acontecendo é a descrição da probabilidade de
certo grupo de respostas ocorrerem. Respostas estas que, segundo Skinner
(1953/1994), variam juntas em uma emoção, por compartilharem de uma
conseqüência comum, em um processo de condicionamento operante. Além
disso, outras respostas podem estar presentes na interação organism o-am -
biente. Seriam elas: respostas condicionadas, estabelecidas a partir de
condionamento respondente e respostas incondicionadas. A este respeito,
Skinner (1953/1994) nos alerta:

40
" Entretanto, parte do condicionamento acarretado por uma emoção
é aparentemente incondicionado, e neste caso o agrupamento deve
ser expiicado em termos de conseqüências evoiutivas" (pág. 163)

Então, uma vez ampliada a noção de emoção, poderíamos estudá-


la, segundo Skinner (1953/1994), descobrindo as variáveis das quais ela é
função. Desse modo, por exemplo, estados que vão da raiva à frustração po­
dem estar relacionados com as seguintes operações:

a) apresentação de um estímulo aversivo;

b) remoção de reforçadores positivos;

c) impedimento da resposta;

d) não aparecimento de reforçamento costumeiro.

A sinalização de um estímulo aversivo pode se relacionar com


ansiedade ou timidez; e a alegria, com a sinalização de um reforço positivo.

Qualquer que seja o caso, no entanto, vale lembrar que as condi­


ções do o rg a n ism o , ta n to de p riva çã o quanto da h istó r ia prévia de
reforçamento, podem alterar todas as relações apontadas anteriormente. En­
tão, reduzir um tipo de emoção a uma condição desencadeadora ou causal é
uma simplificação indevida e que nos afasta de estudar as contingências en­
volvidas em cada caso, além de dificultar a possibilidade de uma aplicação
efetiva desses conceitos para que se possa manejar contingências, de modo
que o sujeito possa melhor interagir com seu ambiente, sentindo-se melhor.

Portanto, falar em emoção implica dizer de uma relação organis-


mo-ambiente, todo o conjunto de alterações produzidas neste organismo
(in c o n d ic io n a d a s e /o u c o n d ic io n a d a s , a p artir do c o n d ic io n a m e n to
respondente e/ou operante) e todos os aspectos constituintes de tal relação:
fllogenia, ontogenia e cultura.

R ife r ê n c ia s B ib l io g r á f ic a s

Moriconi, I. (Org.). (2001). Os cem melhores poemas brasileiros do século. Rio


de Janeiro: Objetiva.

Skinner, B. F. (1994). Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins


Fontes. (Trabalho original publicado em 1953.)

41
Skinner, B. F. (1991). 0 Lugar do sentimento na análise do comportamento. In
B. F. Skinner, Questões Recentes na Análise Comportamental. Campinas:
Papirus. (Trabalho original publicado em 1989.)

Skinner, B. F. (1974). About Behaviorism. New York: Vintage Books.

Skinner, B. F. (1938). The behavior of organisms. New York: Appleton-Century-


Crofts.

Skinner, B. F. (1931). The concept of reflex in the description of behavior. In


Cumulative Record. New York: Apple to n-Century-Crofts Inc., 1972.

42
3
A lg u m a s d a s c o is a s q u e B . F. S k in n e r pode d iz e r a p r o ­

fe s s o re s e e s tu d a n te s de P s ic o lo g ia in t e r e s s a d o s em edu­

cação 1

Sandra Maria de Castro Bernardes

Instituto de Psicologia - PUC-MINAS

B. F. Skinner (1914-1990) foi um professor. Como tal, ele pesquisou


métodos de ensinar e foi também um critico contumaz dos métodos usados
nas escolas norte-americanas (1953, 1968, 1987, 1989). Suas observações
continuam pertinentes, quando o usamos como referência para analisar al­
guns aspectos dos métodos de ensinar usados nas escolas brasileiras, e suas
propostas de ações alternativas podem lançar uma luz sobre o que fazer no
momento atual da educação nacional. Corro o risco de estar repetindo o que já
foi dito diversas vezes, mas, como dizia Skinner: "... a repetição pode ajudar
fornecendo-nos uma ajuda no sentido de enfatizar alguns pontos básicos."
(1987, prefácio).

As pessoas interessadas em educação deve estar em sala de aula


como professores ou como alunos e, assim, acostumados com as questões que
tal situação tem apresentado. Existe algo de errado na Educação nacional. Tal
tvidência provocou uma onda de mudanças no processo educacional brasilei­
ro, que culminou na promulgação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educa-
ç lo Nacional (1995). Começou, então, uma onda de reformas.

A nalisand o as reformas propostas para a educação norte-ame-


rtcâna, Skinner (198 7) observa que, no geral, todas elas começam com
fitó r ic a s so b re a n e c e s s id a d e de m u d a n ç a s e, q u a n d o avançam

1 Vw»io modificada de trabalho apresentado na II Jornada Mineira de Ciência do Comportamento:


Afticaçto ê Avanços, na mesa redonda: Análise Comportamental Aplicada ã Educação.
um pouco para sugestões especificas, as sugestões são sobre como pagar
melhor os professores, possivelmente de acordo com o mérito, ou seja, de
acordo com o título acadêmico; outras sugerem aumentar o ano letivo de 180
para 200 dias. Muitas sugerem mudar os conteúdos que estão sendo ensina­
dos. Para quem vem acompanhando o processo de reforma da educação no
Brasil, a análise de Skinner parece generalizável para a nossa realidade. 0 ano
letivo já foi aumentado e as escolas, quase todas, estão em fase de mudança
de currículo. A abolição da reprovação é um assunto que divide os educado­
res, os pais e os próprios alunos.

Usando a análise Skinneriana como guia, podemos observar uma


curiosa omissão nas sugestões propostas para melhorar a educação: elas
falam muito pouco sobre métodos de ensino. Diz Skinner "Há uma conspira­
ção de silêncio sobre o ensinar como uma habilidade. Pedagogia é uma pala­
vra feia" (1987, pág. 114). Pouco se tem falado sobre como melhorar o ensi­
no como tal.

A questão é que a própria Pedagogia, diz Skinner (1987), está oLhan-


do errado, quando enfatiza a eficácia dos diferentes métodos de ensino, ou
quando faz a análise crítica das condições sociais do ensino, porque ela não
está olhando para o ensino em si mesmo, ou seja, para como os professores
ensinam e como os alunos aprendem. Ela não examina os processos básicos de
aprendizagem e ensino.

Diz Skinner:

"A atitude é lamentável. Nenhuma empresa pode melhorar a si pró­


pria ao mais alto grau sem o exame de seus processos básicos. Um
sistema educacional realmente eficiente não pode ser estabelecido
até que se compreendam os processos de aprendizagem e ensino. 0
comportamento humano ê complexo demais para ser deixado à ex­
periência casual ou mesmo organizada no ambiente restrito da sala
de aula. Os professores necessitam de auxílio. Em particular, neces­
sitam da espécie de auxílio oferecida por uma análise científica do
comportamento." (1968/1972, pág. 91)

Essa solução, no entanto, é também o seu próprio problema. Em


1968, Skinner dizia-se esperançoso que a análise científica do comportamen­
to humano lançaria algumas luzes sobre o que havia de errado com o ensino
e que proporia métodos de ensino efetivos. Em 1987, após quase 20 anos, ele
reconhece que as soluções propostas pela Análise Comportamental vem sen­
do sistem aticam en te ig n o ra d a s por sugerirem ações d ifíce is de serem

44
justificadas no atual contexto filosófico da Psicologia e da Pedagogia. Em
2001, isso continua acontecendo.

Se, como disse Skinner, "...podemos ensinar duas vezes mais do


que se ensina hoje na sala de aula, despendendo o mesmo tempo e o mesmo
esforço usando métodos de ensino efidentes"(1989, pág. 131), não estamos
faz e n d o is s o p orqu e n ão u sa m o s os p r in c íp io s b á s ic o s da A n á lis e
Comportamental para analisar:

• 0 que os professores estão fazendo e porque eles estão fazendo assim, e

• 0 que e porque os alunos aprendem quando os professores ensinam como


ensinam ."

0 que os princípios básicos da Análise Comportamental podem


nos dizer sobre a sala de aula? A primeira "luz que a análise lança sobre a
prática corrente é a de que há algo errado com o ensino. Em que consiste esse
erro do ponto de vista de uma análise experimental do com portam ento?"
(Skinner, 1968/1972, pág. 91).

A análise aponta, de imediato, os problemas causados pelo uso


das técnicas aversivas que têm sido, tradicionalmente, a principal forma de
interação entre professores e alunos. Como observa Skinner, "os castigos cor­
porais sempre desempenharam um papel importante na educação." (1968/
1972, pãg. 91). Os infelizes produtos colaterais que tais práticas produziram
levaram a uma reforma. Só que essa consistiu na mudança, não da forma
aversiva de controle, mas de uma forma explícita de castigo para uma forma
disfarçada e, portanto, mais aceitável. Assim, os castigos corporais foram subs­
t it u íd o s por r id ic u la r iz a ç õ e s , d e sc o m p o stu ra s, sa r c a sm o s, c r ític a s,
•ncarceramentos (ficar depois da aula, ou na sala durante o recreio), tarefas
•xtras e outros artifícios que, observa Skinner,

"... sob certos aspectos, são recursos menos condenáveis do


que a punição corporal, mas o padrão permanece: o estudante passa
a maior parte de seu dia fazendo coisas para as quais não se sente
inclinado: A educação é "compulsória" em mais de um sentido".
(1968/1972, pág. 92).

Como detém o uso de recursos p un itivos, o professor pode


coagir os alunos a desem penharem as tarefas program adas. 0 aluno, co-
ig id o , estudará para as provas, lerá o texto, fará ficham entos e desem ­
penhará várias outras tarefas. 0 professor fica satisfe ito com esse resul-
t id o sem se d a r c o n t a de q ue is s o p r o v a v e lm e n t e e s t a r á

45
"prejudicado pela extraordinária lista de subprodutos atribuíveis a esse tipo de
prática" (Skinner, 1968/1972, pág. 92).

Esta lista pode incluir as várias formas explícitas ou sutis de fuga


que o aluno utiliza para escapar da estimulação aversiva: chegar atrasado ou
de má vontade, não prestar atenção, ficar inquieto ou esquecer tudo o que
aprendeu. Como observa Skinner, "O cansaço mental' geralmente não é um
estado de exaustão, mas uma disposição incontrolãvel de escapar..." (196 8/
1972, pág. 93).

Confirmando o que Skinner apontava em 1968, hoje, em todas as


escolas podemos encontrar alunos de boa vontade, com motivação para apren­
der, mas aflitos, tensos, estudando para provas, fazendo trabalhos que, geral­
mente, não fazem sentido para eles. 0 sofrimento dos alunos, muitas vezes, é
comovente.

Outros efeitos do uso de contingências aversivas nas escolas ocor­


rem quando alunos atacam os professores com palavras ou gestos. Outros
vandalizam quebrando vidros, pichando os muros, destruindo equipamentos
e materiais, ou até agredindo fisicamente as "autoridades escolares."

0 uso de controles aversivos também produz efeitos nos prof


sores. É muito comum professores iniciantes, cheios de expectativas quanto
ao ensinar, depararem-se com situações nas quais só lhes restam o uso de
controles aversivos, porque eles não aprenderam alternativas de ação para a
sala de aula. Como os alunos, a curto prazo, "respondem bem" à coerção,
estes novos professores ficam reforçados e tendem a usar novamente os con­
troles aversivos já que, assim, seus alunos estudam mais. E passam a se com­
portar como os professores antigos.

Nas salas de professores, ouve-se professores relatarem orgulho­


sos que seus alunos tem medo deles. Como observa Skinner (1968/1972),
professores aumentam as dificuldades de provas, se os alunos se saem bem
nelas, porque temem perder o poder de coagir os alunos a estudarem, amea­
çando-os com as dificuldades de fazer a prova. Na ausência de recursos
aversivos, o que podem fazer os professores?

Em ensaio publicado na revista Veja em 2000, Cláudio Moura Cas­


tro, analisando os efeitos da retirada da "bomba" nas escolas, diz que os pro­
fessores estão apavorados, pois perderam o seu maior poder no controle dos
comportamentos dos alunos. Como diz Moura e Castro (2000), a reprovação foi
retirada sem que nenhuma tentativa de solução fosse proposta para ocupar

46
esse lugar. Aqui, em Belo Horizonte, as discussões à respeito da "Escola Plural"
da Prefeitura mobilizaram a mídia, os pais, os professores e os alunos. Os defen­
sores da "Escola Plural" tentavam defender suas idéias, mas faltavam-lhes, como
ainda faltam hoje, alternativas aos métodos aversivos usados para ensinar. Na
maioria das discussões, as opiniões eram pela volta da reprovação. Sem ela,
diziam, o que poderia motivar o aluno a estudar?

Uma análise experimental do comportamento, além de identificar


aspectos do problema, pode oferecer alternativas de solução? Pode sim, co­
meçando pela explicitação de que ensinar é comportamento aprendido e nâo
uma "arte intuitiva", e que "os professores precisam aprender como ensinar e
que eles devem ser ensinados por Escolas de Educação. Eles precisam aprender
maneiras mais efetivas de ensinar." (Skinner, 1987, pág. 121)

E porque isso não acontece?

Repetindo Skinner (1987), os educadores ainda não conseguiram


aumentar as chances de resolver os problemas, porque a solução conflita com
visões muito entranhadas sobre o comportamento humano, que são sustenta­
das pela Psicologia, Filosofia e Pedagogia atuais. Outro problema está na afir­
mação de que o ensinar pode ser adequadamente discutido pela linguagem
cotidiana que sustenta a visão humanística e cognitiva do ensinar e do apren­
der.

É interessante observar como Skinner tem sido tomado como um de­


fensor de técnicas aversivas. Nas Escolas de Psicologia, é comum ouvirmos colegas
dizerem que estão sendo behavioristas quando "jogam duro" com seus alunos.

Observe-se que esse tipo de comportamento, que pode ser caracteriza­


do como esquiva, impede o contato com as propostas que advém de uma análise
científica do comportamento dos professores e dos alunos.

Vamos, com Skinner (1987, pág. 129), verificar uma série de proposi­
ções lógicas chamadas sorites aplicados à análise do aprender e do ensinar:

1. "Os estudantes falham quando nâo aprendem? Não, eles não foram bem
ensinados.

2. Então são os professores os culpados? Não, eles não foram corretamente


ensinados para ensinar.

3. Então, são as escolas e os cursos de formação de professores que

47
estão falhando? Não, a eles não foi ensinada uma teoria do comportamento
que os conduzisse a um ensino efetivo.

4. Então, os culpados são os cientistas do comportamento? Não, a cultura


transmitiu com muita força a visão de que uma tecnologia do comporta­
mento é uma ameaça à liberdade e à dignidade.

5. Então, é a cultura que está falhando? Mas qual é o próximo passo?" (1987,
pág. 128)

Skinner (1987) propõe que façamos uma revisão das questões


acima nos perguntando o que pode ser feito. Assim, "nós podemos:

1. Punir os estudantes que não aprendem ignorando-os?

2. Punir os professores que não ensinam bem descartando-os?

3. Punir as escolas de educação que não ensinam bem os professores fechan­


do-as?

4. Punir a ciência do comportamento por se recusar a dar suporte ao ensino?

5. Ou punir a cultura que se recusa a desenvolver uma ciência do comporta­


mento?" (1987, pág. 128).

Mas porque repetir o erro e ficar buscando soluções no uso de


sanções punitivas?" Existe um caminho melhor, diz Skinner:

"Dê a estudantes e a professores boas razões para aprender e para


ensinar. É aí que uma ciência do comportamento pode dar sua con­
tribuição. Uma ciência do comportamento pode desenvolver práti­
cas de instrução tão efetivas e tão atrativas que estudantes, profes­
sores ou administradores estarão tivres do uso de técnicas aversivas
de controle do comportamento." (1987 pág. 129).

Então, o que uma análise do comportamento pode dizer a professo­


res? Algumas das propostas de ação sugeridas pela Análise Comportamental eu
venho experimentando nos meus cursos, em salas de aulas com aproximadamente
60 alunos. Tenho obtido resultados reforçadores2, ensinando Análise Experimental
do Comportamento em uma escola de Psicologia com forte orientação Psicanalitica.
As práticas sugeridas têm me ajudado a ensinar coisas a meus alunos de um modo
fácil, sem muitos conflitos e sem necessidade de coerção. Algumas delas são:

2 Um deles: atualmente (2001) - nós temos seis alunos fazendo programas de mestrado em Análise do
Comportamento em São Paulo, na PUC e em Brasília, na UnB. Logo, seremos um grupo.

48
1 Tenha claro o que você quer ensinar - só assim você poderá acompanhar a
aprendizagem do aluno, ainda que em uma sala de 60 alunos.

2. Ensine as coisas mais fáceis primeiro. É tentador movimentar rapidamente em


direção aos produtos finais.

Exemplo: ensinar princípios básicos e ensinar terapia com porta mental.

3. Pare de fazer com que todos os estudantes avancem essencialmente no mesmo


ritmo => alguns avançam e os outros, que precisam de mais tempo, vão ficando para
trás. Isso deve acontecer sem que os alunos comparem seus ritmos de aprendizagem.

4> Programe o seu material => considerando que os alunos estudam outras matérias e
que não dispõem de muito tempo, é mais interessante programar textos menores,
que o aluno possa efetivamente estudar, do que textos enormes para ele ler e esquecer
depois.

A essas soluções Skinnerianas, eu posso acrescentar, fundamentada nos


princípios básicos da análise comportamental aplicados ao ensinarem uma sala com
60 alunos:

1 Fique 100% sob controle dos comportamentos de seus alunos.

2. Reforce positivamente os comportamentos deles, ficando mais atenta aos acertos


do que aos erros.

3. Informe-os conceituaImente sobre a possibilidade de fazerem diferente do que vêm


fazendo, e que eles não são tímidos, ou bobos, ou inteligentes, mas que eles estão se
comportando assim por causa de contingências de sua história devida e de contin­
gências atuais. Mostre a eles como mudar de comportamento. Seja modelo de
pessoa com repertórios flexíveis e maleáveis.

4. Mostre como é que eles podem usar o que aprenderam na sua disciplina para
conseguir uma qualidade de vida melhor para si mesmos, para a sala e seus outros
ambientes.

Agora, prepare-se para o estranhamento dos colegas diante de sua forma de


ensinar. Você não compartilhará das referências desabonadoras sobre os comportamentos
dos alunos e não ficará desanimada diante das dificuldades de ensinar em uma sala com 60
alunos. As dificuldades serão desafios a enfrentar, e você sabe que encontrará ajuda nos princípios
básicos da Análise Científica do Comportamento.

49
Prepare-se também para o estranhamento inicial dos alunos. Acostumados a
trabalhar sob contigências aversivas, eles poderão estranhar não serem mais obrigados a fazer
seus deveres. Ficarão um pouco confusos até serem capazes de responder às novas
contingências em vigor.

E o que a Análise Comportamental pode dizer aos estudantes?

Vamos recorrer a Skinner novamente:

"Osjovens são o recurso natural mais importante de uma nação,


e o desenvolvimento desse recurso é tributado à educação. Cada um de
nós nasce precisando aprender o que outros aprenderam antes de nós e
muito disso precisa ser ensinado. Nós todos poderíamos ser melhores se
a educação desempenhasse uma parte mais importante na transmissão
da cultura."(1987, pág. 130)

Poderiamos, então, acreditar e desejar como Skinner que "... esses assuntos
fossem discutidos è propósito do mundo como um todo" o que poderia resultar em um
mundo no qual:

"... todas as pessoas produzem os bens que consomem e se comportam


bem em relação uns aos outros, não porque são forçadas a fazer assim, mas porque foi
ensinado a elas algumas coisas sobre as vantagens finais de um mundo rico e pacífico."
(1987, pág. 130)

R e f e r e n c ia s B ib l io g r á f ic a s

Moura e Castro, C. (2000, Dezembro). A Arqueologia da Reprovação. VEJA, 20.

Skinner, B. F. (1998) Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes.


(Trabalho original publicado em 1953.)

Skinner, B. F. (1972). Tecnologia do Ensino. São Paulo, Herder. (Trabalho original


publicado em 1968.)

Skinner, B. F. (1987). Upon Further Refiections. New Jersey: Prentice-HaU, Inc.

Skinner, B. F. (1991) Questões Recentes na Anátise Comportamental. Campinas, SP:


Papirus. (Trabalho original publicado em 1989.)

50
4
A lguns aspectos da a bo rd ag em s k in n e r ia n a s o b r e ed u­

cação*

Maria Cristiana Seixas Villani**

Educação é um tema amplo, multidimensionado, e que possui várias


abordagens. Este texto irá tratar da abordagem skinneriana da educação. No trabalho
de Skinner, encontramos uma relevante contribuição no que diz respeito ao método de
educar.

Viver em grupo é um padrão apropriado ao ser humano, porque resulta


em efeitos úteis à sobrevivência. Dentre as vantagens de se viver em sociedade, aquela
mais importante para ser destacada aqui é a possibilidade de aprendermos uns com os
outros. Segundo Baum (1999), aprender com os outros é um atalho valioso, "A transmissão
cultural evita que tenhamos que reinventara roda."(Baum , 1999, pág. 247). É pela
transmissão de conhecimento acumulado e pelo ensino de suas aptidões e práticas
sodais e éticas que uma cultura se desenvolve, se fortalece e evolui, e é esse o propósito
da educação (MiLhollam e Forisha, 1972) "A educação está basicamente preocupada
com a transmissão da cultura, isso significa a transmissão do quejá é conhecido. "(Skinner,
1991, pág. 142). Ter acesso ao conhecimento já produzido por uma cultura amplia a
possibilidade de um indivíduo expandir seus domínios e também de contribuir para a
expansão da própria cultura.

‘Trabalho apresentado na II Jornada Mineira de Ciência do Comportamento, UFMG, 9/6/2001.

■ ‘ Professora Assistente do Instituto de Psicologia da PUC-Minas. Mestra em Processos Comporta mentais pela Un8.

51
A educação implica o planejamento de contingências adequadas à
aprendizagem. Decerto, a manipulação não sistemática do ambiente natural irá também
promover aprendizagem, na medida em que respostas eficientes vão sofrendo
reforçamento diferencial.

Porém, a modelagem não programada para padrões complexos pode ser


demasiado lenta e pode até mesmo não ocorrer. "Em gerai não é prático condicionar um
operante complexo, esperando que ele ocorra, para então reforçá-lo"(Skinner, 1975, pág.
60). Por isso, é em função dessa economia que as culturas, de maneira geral, contam
com instituições educacionais. Nas escolas, as crianças podem aprender habilidades
que lhe serão úteis em contingências que ainda não estão presentes, aprendem
comportamentos adequados às contingências remotas basicamente através de
instruções. Passos graduais são programados, partindo de comportamentos já existentes
no repertório do indivíduo; os avanços vão ocorrendo e padrões cada vez mais complexos
podem ser construídos.

Uma questão importante que permeia a prática educativa é o fato de que,


em geral, a contingência para a qual um comportamento útil é ensinado não está presente.
A educação, como já foi dito, prepara para situações remotas. Isto acarreta o fato de que
o comportamento que está sendo aprendido pode não produzir consequências imediatas.
Contudo, para que seja instalado e mantido com sucesso, ele precisa resultar em
consequências reforçadoras. Quando o reforço natural não está disponível, reforços
arbitrários devem ser introduzidos. A educação lança mão de reforçamento arbitrário
para o seguimento de instruções.

"A educação é o estabelecimento de comportamentos que são vantajosos para o


indivíduo e para os outros em algum tempo fvturv. 0 comportamento finalmente
será reforçado em muitos modos quejá consideramos; entrementes os reforços
serão arranjados peta agência educacional com propósitos de condicionamento."
(Skinner, 1953/94, pág. 378)

Atualmente, nas culturas que contam com instituições destinadas às práticas


educativas, a programação de consequências para comportamentos que devem ser
aprendidos envolvem reforços positivos, como aprovação e reconhecimento social, boas
notas, diplomas e títulos acadêmicos; e envolvem também contingências aversivas. A
necessidade de inserir estimulação reforçadora para os comportamentos que são
aprendidos faz com que as instituições de educação façam uso de reforçadores negativos.
Há, freqüentemente, ameaças de punição e situações das quais os alunos precisam se
livrar. Desta

52
maneira, os comportamentos de estudar, cumprir tarefas escolares e responder
adequadamente às contingências educacionais adquirem caráter de fuga e/ou esquiva.

Já é bem sabido que controle aversivo resulta não só no comportamento


reforçado pela evitação, mas também em efeitos colaterais, tais como medo, raiva,
comportamentos agressivos, estratégias de boicote e outras formas de contracontrole.
Estes efeitos colaterais muitas vezes tornam-se incompatíveis com os repertórios ne­
cessários à relação de ensino e aprendizagem. Por isso, faz-se extremamente necessária
e urgente a revisão das contingências de controle atuais presentes na educação.

De fato, o planejamento de variáveis de controle é indispensável porque,


na maior parte das vezes, as consequências imediatas para o comportamento do aluno
são muito fracas para mantê-lo. Cabe ao responsável pelo ensino providenciar
reforçadores eficazes que possam efetivamente controlar o comportamento adequado,
sem produzir outros efeitos nocivos. 0 reforçamento positivo aparece como a forma de
controle mais adequada à educação.

Reforços positivos já são amplamente utilizados. Porém, um cuidado


precisa ser tomado em relação a isso: em geral os estímulos reforçadores para a
educação são arranjados artificialmente. Elogios, recompensas e aprovação por parte
de terceiros podem manter o comportamento do aluno, mas só enquanto estiverem
acoplados à situação específica. Este não é um controle suficiente. 0 comportamento
do aprendiz deve ficar sob controle do reforçamento proveniente da própria
aprendizagem, aquele que é natural da contingência. Este sim será efetivo. Um exemplo
disto pode ser o sucesso (Skinner, 1991, pág. 125). Uma tarefa bem realizada, ou a
manipulação adequada do ambiente, é naturalmente reforçadora. No entanto, esse
pode ser um reforço de muito baixa magnitude. Se a resposta bem-sucedida não tem
uma utilidade prática imediata, ela pode se tornar improvável. Por exemplo: chegara
um resultado correto para uma operação matemática pode reforçar o comportamento
de fazer contas. Contudo, fazer contas será mais efetivamente fortalecido se obtiver um
efeito pragmático: fazer compras no supermercado.

Esse é um recurso que tem sido explorado atualmente. Os educadores


tém se esforçado para aproximar ao máximo as contingências arranjadas de contin­
gências naturais. Assim, o que o aluno aprende passa a ter maior sentido. Isto também
quer dizer que

53
o comportamento tem um controle mais eficaz. Porém, a aproximação nem sempre é
possível. Muitas vezes, o comportamento instruído só será verdadeiramente útil num futuro
muito distante. Então, outro recurso que pode ser utilizado é a otimização do materiaL Isto
é, os livros, os brinquedos e os jogos, os programas destinados ao exercício devem ser
interessantes, dinâmicos, bonitos e prazerosos, de forma que sua manipulação seja
reforçadora, podendo, então, manter o envolvimento e a atenção do aprendiz.

Num momento inicial, não há problemas com o uso de reforçadores


arbitrários, mas foi visto que eles têm uma amplitude limitada no controle do
comportamento. Mais do que ensinar topografias específicas, as contingências
educacionais têm o compromisso de ensinar comportamento habilidoso, qualquer que
seja ele. Isto implica discriminações acuradas, generalizações apropriadas, acuidade
motora, entre outros repertórios fundamentais. Seja efetuar leitura e compreensão de
texto, ou plantar um jardim, ou tocar uma peça musical, qualquer comportamento em que
o indivíduo possa se engajar deve ser feito de maneira habilidosa e competente. Isto vai
além de instalar padrões determinados. Diz Skinner:

"a instituição educacional não pode se contentar meramente com o


estabelecimento de repertórios padrões de respostas certas, mas deve
estabelecertambém um repertório com o qual o estudante pode chegar, por
assim dizer, à resposta certa sob novas circunstâncias e na ausência de
representantes da agência." (Skinner, 1953/94 pág. 386)

Isto implica o fato de que o educador deve programar as contingências de


ensino de maneira que, depois de certo tempo, o comportamento do estudante fique sob
controle do reforço natural de aprender. Procurar conhecimento, estudar, seguir instruções,
experimentar, fazer exercidos devem ser comportamentos mantidos petos seus próprios efei­
tos. Só assim não correrão o risco de cessar quando não houver recompensas sodais que os
consequenriem imediatamente.

Nenhuma contingênda programada poderá transmitir todo conhedmento


necessário à vida de alguém. Ainda porque o conhedmento é relativo e incerto, é construção
em movimento (Morin, 1986, págs. 19/20). Por esta razão, é apropriado considerar que o
prindpal objetivo da educação deve ser o ensino da aprendizagem. A função mais relevante da
educação parece ser a de propidar o desenvolvimento da habilidade

54
de criar habilidades. Assim, o aprendiz estará capacitado para lidar de maneira eficaz não
só com as situações já conhecidas, mas também com as situações novas e inusitadas que
venham lhe ocorrer.

R ef e r ê n c ia s B ib l io g r á f ic a s

Baum, W. M. (1999). Compreender o Behaviorísmo Ciência, Comportamento e Cultura.


Porto Alegre: Artmed. (Trabalho original publicado em 1994.)

Milhollan, F., & Forisha, B. E. (1972). SkinnerX Rogers Maneiras Contrastantes de


Encarar Educação. São Paulo: Summus Editoral.

Morin, E. (1986). O Método I I I O Conhecimento do Conhecimento / l . Publicações


Europa-América: Bibiloteca Universitária.

Skinner, B. F. (1994). Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes.


(Trabalho original publicado em 1953.)

Skinner, B. F. (1993). Sobre o Behaviorísmo. São Paulo: Cultrix. (Trabalho original


publicado em 1974.)

Skinner, B. F. (1991). Questões Recentes na Análise Conportamental. Campinas: Papirus


Editora. (Trabalho original publicado em 1989.)

Skinner, B. F (1975). Contingências de Reforço. In Os Pensadores, vol. LI. São Paulo:


Abril Cultural. (Trabalho original publicado em 1969.)

55
5
E d u c a ç ã o e s p e c ia l e o co m p ro m isso com a a n á lis e e x p e ri­

m e n ta l DO COMPORTAMENTO1
Cíntia Guilhardi
Leila BagaioLo*

PUC-SP

0 trabalho tem como objetivo apresentar alguns pontos de uma intervenção


com crianças especiais dentro do escopo da Análise Experimental do Comportamento,
Para tanto, as autoras identificam passos, pré-definidos, que norteiam a intervenção
comportamental. São eles: definir as classes de respostas a serem instaladas/mantidas
ou minimizadas; observá-as e registrá-las; estabelecera linha de base; estabeleceras
metas a serem cumpridas; escolher os procedimentos a serem utilizados; programar a
generalização; avaliar constantemente o programa, com apresentação e sistematização
dos dados. Por meio da apresentação desses passos, as autoras apresentam alguns
aspectos de uma intervenção firmemente compromissada com a ciência, e ressaltam
quanto a eficiência de um tratamento pode estar vinculada ao grau de cientificidade
presente na intervenção adotada,
(Palavras-chave: educação especial; Análise Experimental do Comportamento;
intervenção comportamental.)

Este trabalho tem como objetivo apresentar alguns aspectos de uma


intervenção comportamental com crianças especiais. Tais aspectos merecem especial
importância, uma vez que possibilitam uma prática comportamental compromissada
com

'A s autoras agradecem as contribuições de Shawn E. Kenyon e Paula Braga-Kenyon pela sua inserção na área de
educação especial. As autoras também agradecem os comentários de Hélio José Guilhardi. Texto apresentado ns
II Jornada Mineira de Ciência do Comportamento, UFMG em B.Horizonte, 9/6/2001.

2 As autoras são alunas do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Experimental: Análise do Compor­
tamento, e ambas sáo bolsistas Capes.

56
I Análise Experimental do Comportamento. Além disso, apresentam uma con­
tribuição social significativa, uma vez que possibilitam progressos efetivos
(10 desenvolvimento de crianças especiais e melhoras relevantes nas interações
(j«ssas crianças com seus familiares.

Esta proposta não é inovadora, pelo contrário, remete-se aos


primórdios da área conhecida como Análise do Comportamento, que tem como
marco inicial, na década de 30, os estudos experimentais de Skinner sobre con­
dicionamento operante utilizando sujeitos infra-humanos (por exemplo, 1938).
A influência destes estudos culminaram, na década de 50, na aplicação dos
princípios experimentais do comportamento operante com sujeitos humanos,
por exemplo: Skinner, Solomon e Lindsley, 1953; Skinner, Solomon, Lindsley e
Richards, 1954. Vale ressaltar que a publicação do livro de Skinner (1998/53)
Ciência & Comportamento Humano foi uma marco para a formação da Análise do
Comportamento Aplicada (Kazdin, 1978).

Dentro do escopo da Análise do Comportamento, a intervenção


eomportamental com crianças especiais pode ser seqüenciada em passos pré-
tJefinidos que norteiam o trabalho do terapeuta engajado em um fazer cientí­
fico, sem perder de vista as possibilidades de cada criança. Isso significa
viabilizar os progressos comportamentais em um ritmo compatível com o re­
pertório de entrada de cada criança, até os estágios mais avançados de seu
desenvolvimento; ao mesmo tempo, explicita uma tecnologia possível de ser
transm itida para pessoas do meio social da criança, por exemplo os pais,
capacitando-os a tornarem-se eles próprios agentes participantes do proces­
so de mudança de seus filhos.

Os passos aqui apresentados foram ordenados, didaticamente, a


fim de facilitar sua exposição, no entanto, numa intervenção como esta, os
passos são intercambiáveis e alguns deles podem ocorrer ao mesmo tempo.
Em outras palavras, não há um momento especial para a execução de cada um
dos passos. Ao mesmo tempo que o analista do comportamento avalia o re­
pertório da criança, ele modifica o ambiente desta, de modo a não reforçar
comportamentos inadequados, quando este for o caso.

Os passos podem ser descritos rapidamente da seguinte maneira:

fòsso 1: Definir as classes de respostas a serem instaladas/mantidas ou


minimizadas.

57
Passo 2: Observar e registrar as respostas.

Passo 3: Estabelecer a Linha de base.

Passo 4: Estabelecer as metas comportamentais a serem cumpridas.

Passo 5: Escolher os procedimentos a serem utilizados.

Passo 6: Programar a generalização.

Passo 7: Avaliar constantemente a intervenção proposta.

Segue-se uma descrição detalhada de cada um dos passos acima apre­


sentados.

P asso 1: Defddndo as classes de respostas a serem instaladas/ mantidas ou minimizadas

Em uma intervenção baseada nos princípios da Análise Experimental do


Comportamento, a noção de classes de respostas, conforme proposta por Skinner, é
fundamental. Assim, a definição de comportamentos-alvo a serem modificados
(minimizados ou instalados, conforme cada caso) é realizada levando-se em conta,
além do caráter topográfico de uma determinada resposta emitida por uma determi­
nada criança, sua relação com os eventos que a precedem, bem como com os eventos
conseqüentes, ou seja, a função de dada resposta, independente de sua topografia.

Esta noção de comportamento como relação organismo-ambiente per­


mite detectar respostas topograficamente discrepantes, mas que, em termos de rela­
ções funcionais, têm propriedades comuns definidas pelas conseqüências que as se­
guem; desta forma, fica nítido como o pressuposto de que o organismo opera no
ambiente para produzir conseqüências está no âmago da intervenção aqui relatada:

"... a unidade de uma ciência preditiva não é uma resposta, mas sim uma
classe de respostas. Para descrever-se esta classe usar-se-á a palavra
"operante". 0 termo dá ênfase ao fato de que o comportamento opera sobre
o ambiente para gerar conseqüências As conseqüências definem as propri­
edades que servem de base para a definição da semelhança de respostas."
(Skinner,; 1953/98, pág. 71)

Em termos práticos, podemos detectar numa criança um conjunto


de respostas como "bater a cabeça contra a parede", "morder as mãos", "Levar
os joelhos contra a cabeça" etc. Essas diferentes topografias (e suas variações),
comumente denominadas de compor

58
tamento autolesivo, aparecem com uma certa freqüência no repertório de crian­
ças diagnosticadas com autismo, e podem ser agrupadas em classes de respos­
tas de acordo com a função que exercem no ambiente. Tais topografias
comportamentais podem ser conseqüenciadas positivamente pela atenção (1)
fornecida por parte dos pais/cuidadores da criança, cada vez que ela se engaja
na emissão de comportamentos autolesivos, definindo, dessa forma, uma clas­
se de respostas. Ou então, conseqüenciada negativamente pela retirada da con­
dição de demanda ou exigência (2) na qual a criança se encontra, quando, por
exemplo, os professores retiram o lápis e o papel da frente da criança numa
situação de sala de aula, definindo, assim, uma outra classe de respostas. E
ainda, pode-se hipotetizar que tais top o grafias são conseqüenciadas por
reforçamento automático/auto-estimulação (3), ou seja, cada vez que a criança
se engaja nesse comportamento, ela "vê estrelinhas" (Iw ata, Pace, Kalsher,
Cowdery e Cataldo, 1990; Iwata, Pace, Cowdery, Miltenberger, 1994).

Nesse sentido, topografias distintas podem estar numa mesma


classe (como em 1, "bater a cabeça contra a parede", "morder as mãos", "Levar
os joelhos contra a cabeça", são agrupadas de acordo com a função comum:
atenção recebida), mas respostas topograficamente semelhantes podem não
estar agrupadas numa mesma classe (como "morder as m ãos" no caso 1, no 2
e no 3): cada qual constitui uma classe distinta de comportamento.

P asso 2 : O bservando e registrando

A observação e o registro de comportamentos permeiam todos


os demais passos e ocorrem durante toda a intervenção. Não se tratam de um
mero capricho do pesquisador, mas de um compromisso com a Análise Experi­
mental do Comportamento e com a criança e seus familiares, pois sem registro
e mensuração não há possibilidade de se certificar que há mudanças em pro­
cessos quer na direção desejada quer na indesejada. Os dados observados e
registrados são dados de pesquisa e possibilitam um controle experimental
mais fidedigno e acurado:

"0 uso de informações obtidas através da observação parece


colocar o cientista mais sob a influência do que acontece na reali­
dade do que sob a influência de suposições, interpretações e pre­
conceitos. Isto, é claro, possibilita uma melhor compreensão da
natureza e ações

59
transformadoras mais eficazes. (...) prever, produzir, interromper ou
evitar o fenômeno como uma possibilidade de acerto maior do que
quem usa outros recursos. (...) Assim, seus procedimentos e con­
clusões podem ser criticados, aperfeiçoados e aplicados por outras
pessoas. A observação é um instrumento de coleta de dados que
permite a socialização e conseqüentemente a avaliação do trabalho
do cientista. Através da observação sistemática do comportamento
dos organismos, em situação natural ou de laboratório, os pesquisa­
dores têm conseguido identificar algumas das relações existentes
entre o comportamento e certas circunstâncias ambientais."(D an n a
e Matos, 1982/86, pág. 28)

P as s o 3 : E stabelecend o a u n h a de b a se

Em uma intervenção comportamental, comprometida com a ciên­


cia, o estabelecimento da linha de base é fundamental. Somente através de
observações sistemáticas de respostas emitidas por uma criança em situações
variadas e do registro adequado destas ocorrências é possível identificar e
medir o seu repertório de entrada. Esta metodologia possibilitará ao terapeuta
estabelecer os comportamentos a serem modificados durante a intervenção e,
posteriormente, comparar as mudanças observadas após as intervenções, com
o repertório inicial antes da introdução dos procedimentos.

Vale a pena ressaltar que identificar repertórios comportamentais


é uma prática diferente de diagnosticar. Em uma intervenção comportamental,
a nosografia preestabelecida não é o ponto de partida do terapeuta, mas sim
os comportamentos que a criança emite no momento inicial e, a partir disso,
estabelecer quais classes de respostas deverão ser instaladas e/ou mantidas e
quais serão minimizadas. Nesse sentido, o terapeuta trabalha com o que a
criança faz durante suas interações e não com características de personalida­
de. Em termos práticos, essa postura comportamental permite ao terapeuta
detectar e medir a freqüência de comportamentos observáveis como, por exem­
plo, a taxa de agressões de uma criança ao longo de uma sessão de duas
horas. Além disso, cabe ao terapeuta identificar as variáveis ambientais das
quais o comportamento é função, sem precisar recorrer a constructos hipoté­
ticos, com pseudo-funções explicativas.

60
0 estabelecimento da linha de base tem implicações importantes,
uma vez que permite que o sujeito seja usado como seu próprio controle, ou
seja, as mudanças comportamentais que ocorrem serão sempre e invariavel­
mente comparadas com os padrões comportamentais previamente observa­
dos, todos produtos da história particular daquele sujeito, e jam ais compara­
das com o desempenho de um grupo de sujeitos (cada qual com sua história
particular de contato com contingências de reforça mento e, como tal, não
diretamente comparáveis entre si):

"A análise da dinâmica das variadas relações que existem ou que


podem se estabelecer entre o ambiente e o comportamento só pode
ser realizada através de um trabalho de investigação com N=*l, até
mesmo devido a essa complexidade, e não a despeito dela. " (Matos,
1990, pág. 588)

P asso 4 : Estabelecendo as metas comportamentais a serem cum pridas

A partir dos dados obtidos na linha de base e, por meio da obser­


vação e registro constantes durante a intervenção, é possível definir quais
classes de resposta devem ser modificadas, ou seja, quais metas deverão ser
cumpridas ao longo do tratamento. Parte-se da suposição de que o comporta­
mento da criança pode ser modificado a partir de procedimentos que permi­
tam uma in teração o r g a n is m o -a m b ie n te esp e cífica (d eterm in ad a pelo
terapeuta) e, por isso, passíveis de previsão e controle. A seguinte citação de
Skinner discute esta questão:

“A ciência não só descreve, ela prevê.Trata não só do passado,


mas também do futuro. Nem é previsão sua última palavra: desde
que as condições relevantes possam ser alteradas, ou de algum
modo controladas, o futuro pode ser manipulado. Se vamos usar
os métodos da ciência no campo dos assuntos humanos, deve­
mos pressupor que o comportamento é ordenado e determina­
do. Devemos esperar descobrir que o que o homem faz ê o resul­
tado de condições que podem ser especificadas e que, uma vez
determinadas, poderemos antecipar e até certo ponto determi­
naras ações. ~ (Skinner, 1953/98, pág. 7)
Desta forma, o terapeuta estabelece quais objetivos, particulares
para cada criança, devem ser cumpridos a curto prazo

61
(por exemplo: instalação de pré-requisitos como sentar-se à mesa, manter
contato visual com pais e terapeutas), a médio prazo (por exemplo: diminuir
o número de estereotipias na sessão e/ou aprender a emitir tatos e mandos
em relação a objetos, brinquedos, comidas via treino de comunicação com
cartões - PECS3, ou via com unicação oral) e a lo ngo prazo (por exemplo:
desenvolvimento de habilidades sociais como interação ativa com outras cri­
anças, participação de eventos da comunidade, alfabetização).

P asso 5 : E scolhendo os pro ced im ento s a serem u t iliza d o s

A escolha dos procedimentos a serem utilizados na situação de


ensino com a criança deficiente é um passo crucial, uma vez que o terapeuta é
quem se responsabiliza pelo desenvolvimento de novas habilidades da crian­
ça e pela diminuição de comportamentos inadequados. Cabe ao terapeuta-
pesquisador reavaliar seu procedimento e buscar procedimentos alternativos
nos casos em que a evolução da intervenção se encontra prejudicada.

Alguns procedimentos, descritos na literatura, já se mostraram


eficazes para o desenvolvimento comportamental da criança especial. 0 pro­
cedimento de tentativas discretas é um deles; este envolve quatro passos su­
cessivos:

1. Instrução,

2. Resposta da criança,

3. Conseqüenciação e

4. Intervalo entre tentativas.

1. Instrução: uma instrução bem dada é fundamental para viabilizar que a


criança a siga. Para tanto, o terapeuta deve garantir que a criança preste
atenção nessa instrução (chamando-a pelo nome e/ou fazendo com que a
criança estabeleça contato visual), bem como simplificando sua forma de
apresentação (usando palavras claras e simples e, pelo menos no inicio,
sempre idênticas).

2. Resposta da criança: a criança, seguindo a instrução do terapeuta, pode


responder de maneira correta, incorreta ou não responder/

3 Picture Exchange Comunication System - PECS.


62
fazer outra coisa. A criança pode ainda, em alguns casos, responder com a
ajuda do terapeuta.

3. Conseqüenciação: quando a criança responde corretamente à instrução, o


terapeuta deve disponibilizar imediatamente à criança uma conseqüência
social e/ou material com suposta ou demonstrada função reforçadora po­
sitiva (elogios, comidas prediletas, carinho, fichas, brinquedo e/ou aquilo
que mantém a criança trabalhando bem). Quando a criança erra, ou não
responde, o terapeuta deve apresentar à criança uma "te n ta tiv a de
correção", ele a ajuda, direcionando-a fisicam ente a emitir a resposta
correta. Dessa maneira, a criança sempre terá a oportunidade de respon­
der corretamente e, conseqüentemente, ser reforçada continuamente du­
rante a situação de aprendizagem.

4. Intervalo entre tentativas: uma pausa discreta (3-5 segundos) ocorre en­
tre a disponibilização da conseqüência e a próxima instrução.

Podemos exemplificar a utilização de tentativas discretas em um


treino de relações condicionais envolvendo um modelo auditivo e palavras
escritas como estímulos e comparações. 0 terapeuta aguarda que o contato
visual ocorra (ou ajuda a criança, tocando e conduzindo seu rosto, até tal
contato ser estabelecido) enquanto apresenta o estímulo modelo (palavra
"casa", falada pelo terapeuta). A criança, por sua vez, deverá apontar para a
palavra casa (escrita num cartão), disposta na mesa, entre outros cartões com
outras palavras apresentadas. Ocorrendo a resposta da criança, o professor
disponibilizará o reforçamento positivo. Inicia-se, então, o intervalo entre
tentativas.

Outros procedimentos que viabilizam a aprendizagem de novos


repertórios envolvendo crianças especiais também vêm sendo descritos na
literatura, por exemplo, encadeamento de trás para frente (backchaining),
hierarquia de dicas, modelagem, análise de tarefas ( task analysis) etc. Todos
•sses procedimentos, além de proporcionar uma aprendizagem mais efetiva,
possibilitam a construção de uma história de aprendizagem sem erros4, com as
Im p o rta n te s v a n t a g e n s e m o c io n a is e de c o n stru çã o de rep ertório
comportamental decorrentes de uma relação com um ambiente não coercitivo
(Sidman, 1985).

' Uma discussão mais detalhada sobre os procedimentos descritos pode ser encontrada em
Miurice et al., 1996 e Sidman, 1985.

63
A fim de minim izar os com portam entos inadequados, pode-se
utilizar o procedimento de D RO (reforça mento diferencial de outro comporta­
mento), que consiste basicamente no reforçamento diferencial de um com­
portamento alternativo (desde que adequado para o indivíduo) ao comporta­
mento que se quer minimizar, ao mesmo tempo que extingue o comportamen­
to indesejável. Por exemplo, se queremos extinguir o comportamento agressi­
vo de uma criança deficiente, podemos não reforçar essa resposta (não pro­
porcionar atenção, por exemplo, quando o comportamento ocorre), ao mes­
mo tempo que são criadas condições para que a criança emita, por exemplo,
com p ortam e ntos de cooperação (ajudar o c o le g a ) e p ossa, então, ser
conseqüenciada positivamente por isso (ganhar atenção dos colegas, profes­
sores).

P asso 6 : P rogram ando a g e n e ralizaç ão

Uma das críticas endereçadas à área da Análise Aplicada do Com­


portamento é relativa ao fato de que, muitas vezes, a intervenção se restringe
ao setting terapêutico no qual ela foi realizada. Muitos pesquisadores têm se
preocupado com a questão da generalização dos comportamentos modifica­
dos no setting terapêutico para outros ambientes, físicos e sociais, e também
para outras classes comportamentais além daquelas que foram diretamente
m anejadas; e, finalm ente, esperam que as m udanças com p ortam e ntais
alcançadas se mantenham duradouramente. Sucesso nos três aspectos citados
de generalização deve ser alcançado e programá-lo seria um dos indicativos
da eficácia de um tratamento. A seguinte citação explicita essa posição:

"Diz-se que uma mudança comportamental tem generalização se


ela mostrar-se durável com o correr do tempo, se aparecer em uma
variedade de ambientes possíveis, ou espalhar-se por uma ampla
variedade de comportamentos relacionados." (Baer, Wolf e Risley,
1968)

No entanto, não se deve esperar que a generalização de novos


comportamentos para outros contextos ocorra de forma natural e espontâ­
nea. Cabe ao terapeuta-pesquisador programar contingências específicas para
que a generalização ocorra (Baer, Wolf e Risley, 1968, 1987; Hersen e Bellack,
1976; Stokes e Baer, 1977; Campbell e Stremer-Campbell, 1982; Halle e Holt,
1991).

Sem dúvida, em se tratando de crianças especiais, uma interven­


ção, compromissada com a Análise Experimental do

64
Comportamento e socialmente relevante (Baer et al., 1968), tem como ques­
tão prioritária a generalização das classes de respostas instaladas/m inim izadas
dentro do setting terapêutico ou dentro da sala de aula para diversos contex­
tos e situações. Para viabilizar a generalização do novo repertório da criança,
o terapeuta deve arranjar contingências específicas: trazer os pais-cuidadores
da criança para o contexto terapêutico e ensiná-los uma nova maneira de se
relacionar com a criança (por exemplo, não reforçar os seus comportamentos
inadequados), ou ainda, prepará-los a explorar, no ambiente da criança, con­
teúdos ensinados durante a sessão de terapia (por exemplo, se a criança
aprende a dizer "pare" frente a figura de um sinal de trânsito específico, os
pais devem explorar a temática ao caminhar com a criança na rua).

Assim, pais-cuidadores são orientados, pelo terapeuta, a realizar


os programas acadêmicos e sociais cotidianamente, bem como são motivados
a promover situações nas quais a criança é exposta a variados e diferentes
ambientes sociais, maximizando a possibilidade de ela generalizar repertóri­
os comportamentais adquiridos em um ambiente protegido, para outros con­
textos. Isso significa integrar a criança na sociedade em que vive.

Ao mesmo tempo, os pais são orientados e incentivados a usa­


rem os conhecimentos e as habilidades adquiridas sob supervisão direta dos
terapeutas nas situações em que atuam com seus filhos, para minimizarem/
instalarem outras classes de respostas de interesse, definidas como tal por
eles próprios, sem a intervenção direta dos terapeutas. Este procedimento
tem por objetivo Levar os pais a generalizarem os comportamentos de ajuda
aos filhos para outras classes de respostas, ampliando, desta forma, os pro­
gressos possíveis nos repertórios comportamentais das crianças.

Finalmente, os pais são orien tados a manterem os mesmos


comportamentos que adquiriram nas novas relações com os filhos, a fim de
que as mudanças comportamentais desejáveis alcançadas nas crianças se
mantenham, afinal, os novos padrões de respostas só se manterão se as
contingências de reforçamento em operação forem adequadas e presentes.
Progressivamente, algu n s parâmetros das contingências de reforçamento
devem ser esvanecidos (por exemplo, a freqüência dos reforços positivos, de
instruções verbais, a ajuda física etc) de forma cuidadosa, de tal maneira que
os comportamentos recém instalados não se enfraqueçam. 0 esvanecimento
do controle instrucional e das conseqüências reforçadoras positivas deve ser

65
programado em associação com a passagem do controle de contingências
arbitrárias, programadas e manejadas pelos terapeutas e pais, para as contin­
gências naturais, disponíveis no contexto cotidiano da criança e acionadas
pelo p ró p rio c o m p o r ta m e n to da c ria n ç a . A ssim , a s n o v a s c la s s e s
comportamentais desejáveis adquiridas se manterão de forma duradoura.

P asso 7 : Ava lian d o constantemente a in t e r v e n ç ã o proposta

Como o registro está presente, constantemente, durante a inter­


venção, dados são coletados em todas as sessões com a criança, o que torna a
intervenção análoga a uma pesquisa científica.

Com os d a d o s em m ãos, cab e ao t e r a p e u t a -p e s q u is a d o r


sistem atizá-los constantemente. Tal sistem atização permite uma avaliação
apurada acerca dos procedimentos utilizados pelo terapeuta, uma vez que a
evolução da criança significa eficácia do procedimento e, "n ão evolução" sig ­
nifica procedimento ineficaz.

Vale ressaltar que análises periódicas do desempenho da criança


permitem ao terapeuta avaliar a eficácia do procedimento por ele proposto,
permitindo que sejam realizadas mudanças na intervenção quando os avan­
ços não estiverem ocorrendo da forma prevista. Esta prática, ou seja, a res­
ponsabilidade do terapeuta em programar contingências eficazes para o pro­
gresso acadêmico e social da criança e reprogramá-las, sempre que os dados
assim o exigirem, traz uma implicação importante para a área da educação: a
"desculpabilização" da criança quando ela não consegue avançar com os pro­
gramas delineados previamente para seu aprendizado; cabe ao terapeuta re­
ver seus procedimentos, atualizar-se, se for necessário, por meio da literatura
científica produzida pela área e, novamente, avaliar o desempenho da crian­
ça, após a introdução das alterações de procedimento.

Esta busca constante pela adequação do procedimento a ser uti­


lizado, partindo sempre dos resultados alcançados, leva a um refinamento do
proceder comportamental, aproximando mais uma vez o papel do terapeuta
da função de pesquisador, afinado com os pressupostos m etodológicos da
Análise Experimental do Comportamento.

Por meio da apresentação dos p assos anteriores, as autoras


apontaram como uma intervenção em educação esp e cia l pode estar fir­
m e m e n te c o m p r o m is s a d a com a c iê n c ia e co m a c o m u n id a d e

66
que busca ajuda. Partindo desta relação, é importante ressaltar quanto a
eficiência de um tratamento pode estar vinculada ao grau de cientifícidade
presente na intervenção adotada:

"Quanto mais objetivo e rigoroso for o método pelo qual a evidência


é produzida, menos ambíguo ele o é, e mais confiança uma pessoa
sente ao tomar decisões." (Maurice, Green e Luce, 1996).

0 rigor científico, pode-se concluir, proteje e beneficia a criança,


já que este é submetido a procedimentos de refinada eficácia, que propiciam
maiores benefícios, que promovem a generalização e que, por serem avalia­
dos, são demonstradamente de eficácia funcional, não são anedóticos, nem
supersticiosos. 0 rigor científico, associado à preocupação com a relevância
social, faz com que os procedimentos de mudanças comportamentais, afinal
empregados, atendam tanto às exigências da comunidade científica, como às
exigências da comunidade do cliente.

A Análise Experimental do Comportamento, enquanto ciência,


segue produzindo e acumulando conhecim ento e, além disso, subsidiando
práticas de intervenção como estas aqui relatadas. Tão importante quanto
intervir é expor os resultados obtidos, a fim de viabilizar a seleção desta
prática, tanto pelos pais, quanto pela comunidade científica:

"Durante as últimas décadas, um número de procedimentos clíni­


cos derivados da análise experimental e aplicada do comportamen­
to foram desenvolvidos, avaliados e refinados. Tais procedimentos
têm competência demonstrada para ensinar novos comportamentos
e minimizar uma variedade de desordens comportamentais. No en­
tanto, muitas pessoas que poderiam se beneficiar de um tratamen­
to comportamental não estão recebendo isto. Analistas do Compor­
tamento têm a obrigação profissional de tornar disponível o trata­
mento mais eficiente que a disciplina pode oferecer." (Houten,
Alxerod, Baitey, Favell, Foxx, Iwata e Lovaas, 1988, pág. 381)

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69
6
A náuse do c o m po r t a m en t o : u m m o d elo de a n á l is e a p l ic a ­

da

Nelson de Campos Nolasco*

(NAC-BH)

R esumo
Este a rtig o procu ra Levar a uma refle xão sobre a A n á lise
Comportamental Aplicada, apresentando os critérios clássicos de Baer, Wolf e
Risley. Apresenta também, uma proposta de análise comportamental aplicada
através do trabalho do Acompanhante Terapêutico (AT) em ambiente natural.
(Palavras-Chave: Análise comportamental, Análise funcional, Behaviorismo
Radical, Terapia Comportamental, Acompanhante Terapêutico.)

A prática do analista do comportamento vem se desenvolvendo


dentro de uma diversidade muito grande de estudos e, ao estudar a história
dessa prática, torna-se claro que uma forma particular de pesquisa adotada
levou um grupo de profissionais a adotar um corpo conceituai especifico, que
tem produzido um conhecimento prático e formas de atuação em diversos
segm entos da prática da psicologia.

Para Morris (1998), a análise do comportamento deve ser descri­


ta com o uma c iê n cia n a tu r a l do c o m p o rta m e n to , co m p o sta de trê s
subdisciplinas a saber:

a) a análise experimental do comportamento, para a investigação básica


encarregada de descobrir os processos comportamentais fundamentais;
b) a análise comportamental aplicada, para a implementação destes pro­
cessos, das tecnologias derivadas e dos métodos de investigação para
os problemas clínicos e da comunidade;

c) a análise conceituai do comportamento para investigações históricas,


filosóficas e metodológicas.

Embora não se possa desvincular essas três partes, este artigo


e n fatiz a a a n á lise c o m p o rta m e n tal a p lic a d a , que em prega p ro ce sso s
comportamentais básicos, procedimentos derivados e métodos de investiga­
ção, com o propósito de prevenir e aliviar problemas de importância social,
como: problemas de comportamento individual (exemplo: atraso no desen­
volvimento), interação social (exexemplo: agressão), práticas culturais (exem­
plo: educação), etc.

Segundo o ponto de vista de Kazdin (1996), ao discorrer sobre


os fundamentos da Modificação do Comportamento1, foram influentes para o
início da análise comportamental aplicada o desenvolvimento das ciências
físicas e biológicas, no século XIX, o desenvolvimento da Teoria da Evolução
de Darwin, o estudo do condicionamento (quando há na Europa o aumento
da influência da "experimentação e investigação científicas.") (pág. 25) e a
psicologia da aprendizagem.

Rimm e Masters (1983) apresentam ainda Skinner, com o livro


Science and Human Behavior, como de importância ímpar para a análise
comportamental aplicada.

C r itérios pa r a u m a a n á l is e comportamental

Baer, Wolf e Risley, (1968, 1987 )2 apresentaram critérios básicos


para uma análise aplicada ser considerada comportamental, em dois artigos
que se tornaram clássicos no meio comportamental.

No artigo de 1968, Baer, Wolf e Risley apresentam os critérios


para que uma intervenção seja considerada uma análise comportamental apli­
cada. Eles iniciam o seu artigo afirmando o status em que se encontra a aná­
lise comportamental enquanto ciência. Segundo eles:

1 Para amptiação dos estudos sobre os fundamentos da Modificação do Comportamento, o capftulo "The
f mergence of Behavior Modification" de Kazdin é bastante ilustrativo.

' Sâo respectivamente os artigos, "Some current dimensions of applied behavior analysts" e “Some stilt-
(urrent dimensions of applied behavior anaLysis".

71
A análise do comportamento individual é um problema em demons­
tração científica, razoavelmente bem entendido (Skinner, 1953, Sec.
1), amplamente descrito (Sidman, 1960) e praticado com bastante
meticulosidade (Journal ofthe Experimental Analysis ofBehavior,
1957-). Através dos anosr essa análise tem sido buscada em vários
contextos. Apesar da precisão, elegância e poder variáveis, ela resul­
tou em relatos descritivos gerais de mecanismos que podem produzir
muitas formas que o comportamento individual pode assumir. (Baer,
Wolfe Risley, 1968 pág. 1).

Uma vez que o problema da análise do comportamento já está


bem colocado para a comunidade científica, os autores discorrem que "aplica­
ções com p ortam e ntais não são um fenôm eno n o v o ", porém aplicaçõe s
comportamentais analíticas o são. Para eles, estas aplicações comportamentais
são analíticas por:

aplicar princípios de comportamento, por vezes tentativamente, para


a melhoria de comportamentos específicos e, simultaneamente, avaliar
se quaisquer mudanças notadas realmente são, ou não, atribuíveís ao
processo de aplicação - e, em caso positivo, a que partes desse proces­
so. Em resumo, a aplicação comportamental analítica é um procedi­
mento de pesquisa de auto-observação, auto-avaliação, voltado para a
descoberta, para o estudo do comportamento. (Baer, Wolf e Risley,
1968 pág. 1).

Estando daro que aplicação comportamental analítica é um processo es­


pecífico de pesquisa, os autores disconrem sobre as diferenças entre pesquisa básica e
aplicada, apontando que a diferença entre elas não está entre o que se "descobre" e o
que se "aplica". Ambas indagam o que controla o comportamento estudado, sendo que
a pesquisa não aplicada estuda qualquer tipo de comportamento e a aplicada se man­
tém, como dizem os autores:

...restrita ao exame de variáveis que possam ser eficazes na melhoria


do comportamento que está sendo estudado (...) ... a pesquisa apli­
cada restringe-se a examinar comportamentos que são socialmente
importantes, em vez de convenientes para o estudo. Ela também en­
volve, com muita freqüência, o estudo desses comportamentos em
seus ambientes sociais usuais, em vez de um ambiente de laborató­
rio. (Baer, Wolf e Risley, 1968 págs. 1-2).

72
Assim, após apresentarem as dificuldades inerentes ao processo da
pesquisa aplicada, Baer, WoLf e Risley declinam os critérios para avaliação de uma
análise comporta mental aplicada. Conforme eles:

Obviamente, o estudo deve ser aplicado, comportamental e analítico;


além disso, deve ser tecnológico, conceitualmente sistemático e efi­
caz e deve demonstrar certa generalidade (Baer, Wolfe Risley, 1968
pág. 2).

Assim discorrem sobre cada um dos critérios:

a) Aplicada

0 rótulo de aplicado não é determinado pelos procedimentos de


pesquisa utilizados, mas sim pelo interesse que a sociedade demons­
tra nos problemas que estão sendo estudados. Na aplicação
comportamental, o comportamento, os estímulos e/ou o organismo
que estão sendo estudados são escolhidos devido à sua importância
para o homem e para a sociedade, em vez de sua importância para a
teoria. (Baer, Wolfe Risley, 1968 pág. 2).

Quase 20 anos depois, Baer, Wolf e Risley, (1987) retomando o


tema da análise comportamental aplicada no outro artigo, também clássico,
"Some still-current dimensions of applied behavior analysis", sentem a ne­
cessidade de embasar melhor este critério e o fazem da seguinte forma:

Inicialmente, o significado de aplicada concentrava-se em


conceitos vagos de problemas sociais, interesse social e a importân­
cia imediata do comportamento ou seus estímulos funcionais para
o indivíduo. (...) À primeira vista são, no mínimo, comportamentos
de uma pessoa, denominada de sujeito ou cliente, que preocupam
essa pessoa; mas, com maior freqüência, são comportamentos de
outras pessoas, além da denominada sujeito ou cliente. (Baer, Wolf
e Risley, 1987 pág. 51).

A necessidade deste detalhamento foi devido às "criticas sociais"


sofridas, conforme os autores. ELes prosseguem apresentando uma maior di­
mensão e extensão do termo "problemas sociais":

Problemas sociais são aqueles comportamentos do sujeito ou cliente


que resultam em ação contrária (às vezes por parte do cliente, mas
mais freqüentemente por parte de não-clien

73
tes) suficientes para gerar algo chamado de solução, ou ao menos um
programa. (...)

Assim, problemas sociais são essencialmente comportamentos de ex­


por ou explicar problemas - os próprios ou os de outra pessoa. Exposi­
ções de problemas às vezes acontecem em grande escala, às vezes em
pequena escala. A menor escala talvez seja quando um cliente explica
um problema pessoal para um terapeuta; a questão está em se o clien­
te consegue explicar suficientemente bem para assegurar a tentativa
do terapeuta de solucionar o problema. Em contraste, às vezes toda
uma sociedade pode acercar-se da destruição nuclear e da ignorância
tecnológica; a questão, então, é se a mídia é capaz de expor e explicar
esse problema com eficiência suficiente para assegurar o comporta­
mento político que produzirá tentativas do seu governo para solucioná-
lo, ou se seu governo tentará solucionar outros problemas menores,
exatamente porque os proponentes de pequenos problemas são mais
eficientes na utilização da mídia, na prática do "lobby” e no apoio
financeiro às campanhas eleitorais.

É evidente que a resposta do terapeuta geralmente é controlada não


apenas pela promessa do cliente em pagar uma remuneração, mas tam­
bém pela concordância do terapeuta quanto a este problema merecer
uma solução - uma concordância, às vezes, recusada. (...) De forma
semelhante, a decisão do governo pode ser (esperamos) controlada não
apenas por aquilo que conseguirá sua reeleição e os reforçadores con­
seqüentes a isso, mas também por sua análise da sobrevivência e da
prosperidade de sua sociedade. (Baer, Wolfe Risley, 1987 pág. 51).

A terminologia "problemas sociais" implica comportamento verbal


que leva à busca de solução. Aqui se reveste do poder ou capacidade de persua­
são enquanto forma de controle quanto ao que venha sofrer intervenção, levando
à necessidade de o terapeuta ou o governo (interventores) decidirem se o que
controla a demanda proposta é um problema real ou não.

b) Comportamental

Para atender a esse critério, os autores discorrem sobre as dificul­


d a d e s q u a n to à m e n su ra çã o e à q u a n tific a ç ã o f id e d ig n a do e v e n to
comportamental. Problemas ocorrerão em termos do registro

74
instrumental e, para isso, sugerem que sejam investigados tanto o comporta­
mento quanto quem se modifica na situação, uma vez que tanto o comporta­
mento de quem está sendo objeto de estudo quanto o de quem registra sofre­
rão alterações no processo, Para os autores, esses são motivos para o pesqui­
sador procurar com mais afinco chegar a um resultado digno de confiança e
não, ao contrário, abandonar esse critério:

A pesquisa aplicada é eminentemente pragmática; ela indaga como é


possível fazer com que um indivíduo faça alguma coisa com eficiên­
cia. Dessa maneira, ela geralmente estuda o que os sujeitos podem
ser levados a fazer, em vez do que eles podem ser levados a dizer; a
menos, é claro, que uma resposta verbal seja o comportamento de
interesse. (...)

Uma vez que o comportamento de um indivíduo é composto de even­


tos físicos, seu estudo científico requer a mensuração precisa des­
tes eventos. Como resultado, surge imediatamente o problema da
q u a n tific a ç ã o fid e d ig n a (...) A p e sq uisa ap licada atual
fr e q ü e n te m e n te d em o n stra q u e é p o s s ív e l a lc a n ç a r um a
quantificação completamente fidedigna do comportamento, mes­
mo em contextos muito difíceis. Ela também sugere, no entanto,
que o registro instrumental, com sua típica confiabilidade, nem
sempre será possível. A utilização confiável de seres humanos para
quantificar o comportamento de outros seres humanos é uma área
da tecnologia psicológica há muito bem desenvolvida, totalmente
relevante e, com muita freqüência, necessária para a análise
comportamental aplicada. (Baer, W olfe Risley, 1968 pág. 3).

0 trabalho de fidedignidade dos observadores não é apenas téc­


nica, como também um critério importante para determinar se um estudo foi
adequadamente comportamental.

Ainda discorrendo sobre a questão da mensuração e da fidedigni­


dade, no artigo de 1987, eles apresentam que:

vinte anos de prática forneceram à análise comportamental aplica­


da um método de mensuração quase padronizado: a observação e o
registro diretos dos comportamentos-alvo de um indivíduo através
de um observador, sob controle de estímulo de um código escrito de
comportamento (Baer, Wolfe Risley, 1987 pág. 53).

75
Segundo eles, o poder desse método está na mutabilidade do com­
portamento do observador pelo treino direto e cuidadoso e na possibilidade de
acesso ao comportamento do observador para avaliações diretas, possibilitan­
do aferir a fidedignidade.

Levantam que parte do sucesso da análise comportamental aplica­


da, já nos anos 80, deveu-se ao contexto clinica/consultório, na qual a obser­
vação direta do comportamento não parecia prática, partindo os profissionais
para trabalhar com formas de observações mais "suspeitas", como o auto-rela-
to ou as classificações feitas por observadores participantes, através de respos­
tas a questionários, inventários, entrevistas, diários e etc. Desta forma, os auto­
res vêem como é mais seguro utilizar várias destas formas ao mesmo tempo.
(Baer, Wolf e Risley, 1987 pág. 53).

Contudo, eles sustentam que a análise comportamental aplicada


quase sempre é e deveria ser "o estudo do comportamento de um observador
que foi mantido sob o controle rígido do comportamento do sujeito ” (Baer, Wolf
e Risley, 1987 pág. 53). Nessa retomada do tema, os autores depararam-se
com o problema de muitos comportamentalistas, que trabalhavam com a aná­
lise aplicada (ex.: analistas voltados para a terapia comportamental, educa­
ção, psicologia do desenvolvimento, psicolingüística, etc.), terem "incorpo­
rado" constructos cognitivistas como:

ansiedade, atenção, inteligência, incapacidades, espontaneidade,


prontidão, períodos críticos, gatilhos inatos, m ecanism os de
armazenamento e resgate de memória, esquemas, e outros (Baer,
Wolf e Risley, 1987 pág. 52).

Segundo os autores, o envolvimento com esses constructos fez


com q ue m u ito s a n a lis t a s do c o m p o r ta m e n to d e ix a s se m de se r
comportamentais e se tornassem um algo "m ais" do que comportamentais, ao
passo que o que se deveria é analisar que cada um dos rótulos anteriores
"m uitas vezes representam uma realidade comportamental ainda não analisa­
da como ta l" (Baer, Wolf e Risley, 1987 pág. 52).

Os autores seguem sua reflexão pela análise da Linguagem anali-


tico-com portam ental em oposição à linguagem mentalista do cotidiano. Lem­
bram que os behavioristas nos EUA correspondem a cerca de 2 % dos psicólo­
gos norte-americanos, ou seja, uma pequena minoria. Assim, sugerem:

76
A análise comportamental aplicada talvez devesse considerar com
muito mais cuidado e muito mais explicitamente as opções de lin­
guagem que poderiam maximizar sua efetividade em sua cultura:
(a) encontrar formas de ensinar sua cultura a falar analítico-
comportamentalmente (ou ao menos a valorizara linguagem analí-
tico-comportamental); (b) desenvolver uma linguagem não analíti­
co comportamental para exposição pública e observar se essa lin­
guagem será tão útil para a pesquisa e a análise quanto a lingua­
gem analítico-comportamental atual, ou se devem ser mantidas duas
linguagens; ou (c) deixar como está... (Baer, Wolf e Risiey, 1987
pág. 53).

c) Analítica e Conceituai

Há 20 anos, analítica significava um delineamento experimental con­


vincente, e conceituai significava relevância para uma teoria
abrangente sobre comportamento. Os dois tópicos podiam ser, e
freqüentemente eram, discutidos separadamente. Desde então, manter
essa separação tem se tornado crescentemente aversivo. Atualmente,
a análise do comportamento aplicada é, com maior freqüência, consi­
derada uma disciplina analítica apenas quando demonstra de manei­
ra convincente como fazer mudanças específicas de comportamento
e quando seus métodos de mudança de comportamento fazem senti­
do tanto sistemática, quanto conceitualmente. (Baer, Wolf e Risley,
1987 pág. 55).

Segundo os autores, nos 20 anos que seguiram os dois artigos,


por vezes os analistas do comportamento demonstraram convincentemente a
mudança de comportamento da maneira especificada, por meio de métodos
que não faziam sentido sistemático e conceituai, não ficando claro por que
esses métodos funcionavam - sendo, assim, convincentemente aplicados e
comportamentais, mas não suficientemente analíticos. Outras vezes, sequer
demonstraram convincentemente como a mudança ocorreu, não sabendo se os
métodos faziam sentido sistemática e conceitualmente por não saber quais eram
os métodos responsáveis. (Baer, Wolf e Risley, 1987 pág. 55).

A a n á lise de um com p ortam ento requer uma de m on stração


confiável dos eventos que podem ser responsáveis

77
pela ocorrência ou não desse comportamento. Uma análise do comportamen­
to só é conseguida quando se pode exercer controle sobre ele. Desta forma, a
aplicação, para ser analítica, tem que demonstrar controle quando possível,
ficando para a audiência um problema de julgam ento se o experimentador
demonstrou suficiente controle e freqüência para ser confiável. (Baer, Wolf e
Risley, 1968 págs. 3-4).

Baer, Wolf e Risley, na versão de 68, apresentam os delineamen­


tos de reversão à linha de base e à Linha de base múltipla como formas de
demonstrar controle fidedigno de uma mudança comportamental importante.
Cabe ressaltar a ressalva que fazem quanto ao uso da técnica da "reversão"
nos casos em que podem ser prejudiciais ao sujeito.

Em 1987, eles apontam que a questão, quanto ao problema


conceituai e sistemático, deve Levar em conta tanto o comportamento a ser
modificado quanto o comportamento de mudar comportamento. Isso é fato,
uma vez que, por exemplo, atualmente várias publicações estão também aten­
tas ao comportamento do terapeuta e sua relação com o cliente (exemplo:
Guilhardi, 1999). Outro ponto que passa a ser importante é a avaliação de
contexto que "sempre sugere não apenas o que estamos estudando ou mane­
jando, mas também que somos parte dele e, portanto, sendo manejados por ele,
até mesmo quando realizamos seu estudo e manejo" (Baer, Wolf e Risley, 1987
pág. 55).

Tratando-se dos sistemas conceituais, os autores afirmam que a


análise comportamental aplicada terá mais avanço se as descrições publicadas
de seus procedimentos forem não apenas precisamente tecnológicas, mas perti­
nentes aos princípios" (Baer, Wolf e Risley, 1968 pág. 6). Assim, toda a
te cn o lo gia deverá se relacionar a conceitos b ásicos de desenvolvim ento
comportamental, que irá, segundo os autores, "ter o efeito de transformar um
conjunto de tecnologia numa disciplina, em vez de uma coleção de truques".
(Baer, Wolf e Risley, 1968 pág. 6).

d) Tecnológica

Os autores definem esse critério como significando "apenas que


as técnicas que formam uma determinada aplicação comportamental estão com­
pletamente identificadas e descritas" (Baer, W olf e Risley, 1968 pág. 5).

78
Saber-se-á se uma descrição de um procedimento é tecnológica
se um Leitor bem treinado conseguir replicar esse procedimento produzindo
os mesmos resultados, apenas pela leitura da descrição. Isso implica o fato
de que a descrição deve levar em conta, em considerável nível de detalhamento,
todas as contingências possíveis do procedimento.

e) Capaz de Produzir resultados adequadamente generalizados

Este critério é atingido caso uma mudança com porta mental mos­
tre-se durável através do tempo, apareça numa grande variedade de ambientes
possíveis ou se estenda a uma grande variedade de comportamentos relaciona­
dos; por exemplo, caso a mudança comportamental produzida na clínica seja
também verificada na casa, no ambiente social, no trabalho do cliente. (Baer,
Wolf e Risley, 1968 pág. 6).

0 aspecto da generalização implica tanto o reconhecimento da


importância do comportamento mudado quanto à sobrevivência da própria
disciplina.

f) Eficaz

A extensão dos efeitos de vaLor prático determina a falha ou não


da aplicação comportamental. 0 valor social da modificação é, para os auto­
res, o critério essencial, cuja pergunta básica é de ordem prática e não cientí­
fica: "quanto esse comportamento precisava ser modificado?". (8aer, Wolf e Risley,
1968 pág. 6).

Para os autores, o símbolo de qualquer disciplina aplicada deve


ser a eficácia, e os estudos bem-sucedidos sobre mudança de comportamento
precisam trazer dois resultados: a avaliação do comportamento-alvo mudado
e a avaliação das demonstrações e explicações sobre os problemas que conse­
qüentemente diminuíram ou cessaram. (Baer, Wolf e Risley, 1987 pág. 59).

Os autores encaram positivamente que a validade social, enquan­


to forma de avaliação de eficácia de uma aplicação esteja se tornando rotina.
Sustentam que a validade social não é suficiente para a eficácia, mas é neces­
sária para ela e que se deve aprimorar as suas formas de medida.

Baer, Wolf e Risley, terminam o artigo de 1968 com a seguinte


conclusão aqui transcrita:

79
Resumindo, portanto, uma análise comportamental aplicada
deixará óbvia a importância do comportamento mudado, suas carac­
terísticas quantitativas, as manipulações experimentais que anali­
sam com clareza o que foi responsável pela mudança, a descrição
tecnologicamente exata de todos os procedimentos que contribui-
ram para essa mudança, a eficácia desses procedimentos em tornar
suficiente a mudança e a generalidade desta. (Baer, Wolf e Ristey,
1968 pág. 7).

0 A co m pan h an te T erapêutico como u m a pr á t ic a co m portam ental a p lic a d a

0 Acompanhamento Terapêutico (AT) é um tipo de atendimento


diferenciado, realizado por profissionais da área de saúde e voltado para aquele
paciente que, a partir de uma avaliação comportamental, demanda um traba­
lho mais intensivo de acompanhamento em situações externas, a fim de auxiliá-
lo em suas dificuldades de interação social. Desta forma, o profissional atua
diretamente na relação do paciente com o seu ambiente natural a partir do
referencial da Análise Funcional do Comportamento.

0 Acom panham ento Terapêutico (AT) - surgiu do movimento


antipsiquiátrico e da psicoterapia institucional, a partir da década de 50, na
Europa e Estados Unidos.

Como expoentes deste movimento, tivemos Laing e Cooper, na


Inglaterra; Basaglia, na Itália; Oury, na França e Sazs, nos EUA. Na América
Latina, pelas informações que dispomos, o AT parece ter surgido no final da
década de 60, em Buenos Aires, onde foram criadas novas funções para os
agentes de saúde mental denominados "auxiliares psiquiátricos" e, em outros
lugares, "atendentes terapêuticos".

As funções destes agentes foram o embrião daquilo que mais tar­


de foi denominado de "am igo qualificado" e, posteriormente, de "acom pa­
nhante terapêutico" 1 (AT). Isto se deu à medida que o trabalho foi se dando
mais na rua, na casa do paciente, em ambientes naturais, deixando a institui­
ção psiquiátrica.

3 O termo "Acompanhamento Terapêutico" expressava uma função que implicava uma ação, uma interven­
ção junto a um outro sujeito. Por outro lado, o uso da palavra “amigo" gerava confusões, na medida em
que dificultava a discriminação e a caracterização do vinculo entre paciente e este profissional, como
relatam Mauer e Resnizky (1987).

80
Este processo acima descrito teve suas influências no Brasil. A
idéia do auxiliar psiquiátrico passou por Porto Alegre (Clínica Pinei) e, por
sua vez, chegou às comunidades terapêuticas do Rio de Janeiro, principal­
mente, à Clínica Vila Pinheiros.

No final da década de 70, com o declínio e o fechamento das


comunidades terapêuticas, os auxiliares psiquiátricos continuaram a ser soli­
citados por terapeutas e familiares que buscavam uma alternativa à internação.
Este trabalho foi se solidificando, e hoje eles se denominam "acompanhantes
psicoterapêuticos".

Faz-se necessário esclarecer que esta atividade, em geral, era


exercida por estudantes de psicologia, ciências sociais, medicina, etc. Gradu­
almente, o AT foi se constituindo como um recurso a mais no tratamento de
pessoas em "crises psicóticas". Dada a complexidade dos fenômenos destas
crises e o volume de angústia mobilizada nos pacientes e suas famílias, perce­
beu-se que as terapias tradicionais - individual, grupai e familiar, além dos
remédios - não eram suficientes em determinados casos.

À medida que esta atividade (AT) era cada vez mais requisitada,
foi ocorrendo uma especialização do acompanhante terapêutico. Não só estu­
dantes, mas também psicólogos, terapeutas ocupacionais e outros profissio­
nais passaram a trabalhar como acompanhantes.

Resumindo, o movimento antimanicomial como seu produto, en­


tre outras coisas, trouxe, para o vocabulário, o termo Acom panham ento
Terapêutico (AT), como uma proposta alternativa às hospitalizações e técni­
cas psiquiátricas vigentes. Nos anos 60, falava-se em "auxiliar psiquiátrico",
em "comunidades terapêuticas", nas quais os pacientes eram tratados em re­
gime de internação ou de hospital-dia, cujo objetivo era de fornecer ao paci­
ente psiquiátrico uma atenção intensiva, personalizada, na qual a relação afetiva
tivesse um papel importante. (Ibrahim, 1991).

ESPECIFICIDADES DO TRABALHO DO A T NA ABORDAGEM COM PORTAM ENTAL

Zam ignani (1998) observa que, historicamente, na abordagem


comportamental,

"equipes de modificadores do comportamento utilizavam o trabalho


de paraprofissionais (estudantes, pais,

81
professores) para aplicar técnicas de modificação de comportamen­
to ou para auxiliar programas terapêuticos no ambiente dos clien­
tes. "

Assim, o trabalho dos Acompanhantes Terapêuticos na aborda­


gem comportamentaL apresenta as seguintes especificidades:

• Acesso privilegiado aos dados {coleta de dados sobre o cotidiano do clien­


te, sobre as suas relações familiares e outras), o que facilita o levantamen­
to de aspectos relevantes para planejamento e intervenção.

• Realização dos procedimentos de forma assistida, aumentando a probabi­


lidade de adesão ao tratamento.

• 0 AT, ao estar junto ao cliente durante a realização dos procedi-mentos,


explicita a contingência no momento em que está ocorrendo, fazendo par­
te dela. Pode, assim, ajudar na discriminação imediata e na aprendizagem
de novos elementos em seu repertório comportamentaL.

• Conseqüenciação imediata - discriminação, reforçamento e desenvolvimen­


to de padrões comportamentais compatíveis com a promoção da saúde.

• Servir de facilitador para as relações familiares, fornecendo feedback a


respeito de episódios observados ou servindo de mediador.

• Ser um agente ressocializador (diminuir a distância entre o cliente e o


mundo no qual está inserido).

• Ser continente (oferecer suporte e Levantar alternativas com porta mentais


em caso de dificuldades e também destacar conquistas alcançadas).

• Apresentar-se como modelo. (Zamignani, 1998).

iN lC ID 00 ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO EM BELO HORIZONTE

A prática do Acompanhamento Terapêutico em Belo Horizonte tem


início na PUC-MG, em 1993, como um estágio em Psicologia Social, na aborda­
gem psicanaLítica, com intuito de socialização de pacientes psiquiátricos diag­
nosticados como "psicóticos".

82
Em 1997, o NAC - Núcleo de Análise do Comportamento inicia a
prática do AT em Belo Horizonte, na abordagem com porta mental. 0 trabalho
iniciou-se com alunos de graduação da PUC-MG e da UFMG que se interessa­
vam pelo Behaviorismo Radical e a terapia comportamental. Em 2000, foi
ministrado um curso de Acompanhante Terapêutico para mais de 70 alunos
da PUC/MG, da UFMG e do Unicentro Newton Paiva.

Esses alunos acompanham pacientes atendidos por psicólogos


com porta mentais e psiquiatras, principalmente em casos de Transtorno Obsessi-
vo-Compulsivo (TOC) e Depressão Maior. Nesse modelo, o cliente é atendido em
diferentes situações e contextos (em casa, na escola, em shopping center, no
hospital), preferencialmente no ambiente natural, buscando o aumento de re­
pertório comportamental para lidar com dificuldades de seu dia-a-dia.

Os alunos recebem supervisão e colaboram de forma valiosa na


análise funcional realizada em conjunto com seu supervisor - terapeuta do
cliente. Assim, há ganhos para o cliente, que passa a contar com um atendimen­
to mais intensivo e no contexto em que boa parte de suas dificuldades ocorrem;
para os terapeutas, que verificam melhoras significantes nos clientes (e assim
são reforçados), ganhos na melhoria dos dados e, conseqüentemente, da análi­
se funcional, passando a ser discutida com o acompanhante, que intervém de
forma significativa; e para os acompanhantes, pela aprendizagem, pela exposi­
ção à condição real de atendimento e pela experiência que já adquirem para a
vida profissional.

Tipo de cuhjtha atendi» pelo A companhante Terapêutxo

Na prática, a clientela normalmente atendida pelos Acompanhantes


Terapêuticos (ATs) é essencialmente (mas não exclusivamente) de pessoas com compro­
metimento de suas interações sociais.

Em termos de diagnóstico clássico, podemos exemplificar com os


seguintes casos:

• Transtornos depressivos;

• Transtornos de ansiedade;

• Transtornos obsessivo-com pulsivos (TOC);

83
• Transtornos fóbicos (fobias);

• Transtornos do pânico;

• Distúrbios de comportamento (sociopatias, etc.);

• Queixas escolares;

• Queixas difusas.

0 Acompanhante Terapêutico

É interessante observarmos que Zamignani (1998) insiste no ter­


mo "paraprofissional", para indicar que outras pessoas, diferentes dos profis­
sionais em análise do comportamento, faziam uso das técnicas advindas da
ciência com porta mental. Em seu artigo, ele observa que, após intervenção de
Ziza Guedes, passou-se a chamar também de Acompanhante Terapêutico os
alunos de graduação em Psicologia que desenvolviam o trabalho de acompa­
nhamento.

0 tipo de intervenção realizada pelo AT " exige um repertório clini­


co bastante sofisticado" e algumas habilidades são pré-requisitos para se tra­
b a lh a r com o AT na abordage m c om p ortam e n tal, p o d e n d o -se ressaltar
(Zam ignani e Wielenska, 1999):

• Treinamento em observação;

• Conceitos básicos da Análise do Comportamento;

• Técnicas de entrevista;

• Relação terapêutica;

• Racional e aplicação das técnicas;

• Noções básicas de psicopatologia e psicofarmacoterapia.

E acrescentamos,

• Conhecimentos básicos do Behaviorismo Radical e implicações;

• Conhecimentos básicos da Terapia Comportamental;

• Habilidades sociais;

• Amplo repertório em cultura geral;

84
C o n s id e r a ç õ e s é t ic a s do t r a b a l h o do A T n a a b o r d a g e m co m p o rt a m e n t a l

Skinner, ao falar sobre ética, discorrerá sobre comportamentos


éticos e como estes seguem as mesmas regras que qualquer outro comporta­
mento. A ética seria um conjunto de regras ou normas de controle que agem
reciprocamente sobre membros de um grupo social. A sua eficácia é dada ao
analisarmos as contingências passadas que as produziram e as contingências
presentes que as mantêm. As pessoas terão ou não comportamentos éticos
em função da sociedade em que estão inseridas, família, escola, governo e
outras agências controladoras.

O comportamento que qualificamos moral ou justo é um pro­


duto de tipos especiais de contingências sociais organizadas por
governos, religiões, sistemas econômicos e grupos éticos. Precisa­
mos analisar tais contingências se pretendemos construir um m un­
do em que as pessoas ajam moral e eqüitativamente, e um primeiro
passo nessa direção ê descartara moralidade e a justiça como carac­
terísticas pessoais. (Skinner, 1993)

Julian Leslie (1997) apresenta um estudo m inucioso no qual


mostra que concepções populares incorretas têm levado a população a uma
visão da abordagem com porta mental como sendo coercitiva.

Em seu trabalho, apresenta, citando Skinner, alguns aspectos que


podem nortear o trabalho do analista do comportamento e do AT que traba­
lha nessa perspectiva:

• 0 uso de reforço positivo,

• A minimização de contingências de punição,

• A especificação de objetivos.

Nesse mesmo trabalho, Leslie apresenta a proposta de 0 w n e s


que uma análise funcional do problema do cliente deveria conduzir a deci­
sões compartilhadas em objetivos e métodos de tratamento, mas todos os
tratamentos selecionados deveriam envolver reforço positivo.

A análise funcional tornou-se uma parte muito im portante da


tstratégia de análise de comportamento contemporânea, pois outra herança
Skinneriana é um compromisso

85
com o uso de contingências efetivas. No esquema de Owens, o segundo passo
para a resolução de um problema de comportamento é uma decisão comparti­
lhada entre o profissional de análise do comportamento e o cliente sobre os
objetivos e métodos de tratamento.

Concluindo, a prática do Acompanhante Terapêutico encontra-se


numa perspectiva ética condizente com a prática do analista do comporta­
m ento. Deve-se, à m edida que su a prática se estende, aprim orar sua
m etodologia e sua técnica de forma mais acurada, para maior controle de
seus resultados práticos. Os analistas do comportamento, através desta práti­
ca, estão prestando relevantes serviços a toda uma comunidade que necessita
de um trabalho mais intensivo.

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7 de novembro de 1996, e a Semana de Psicologia, promovida pelo
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bro de 1998. Versão Preliminar.

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te terapêutico. In Sobre Comportamento e Cognição, vol. 4. Santo André:
ESETec Editores Associados.

87
7
I ntervenção com portam ental na c lín ic a *

Sônia dos Santos Castanheira* *


FAFICH
UFMG

A Terapia Comportamental (T.C.) parece ter sua origem conceituai


em 1920, na famosa experiência de Watson e Rayner com o pequeno ALbert e
em 1924, com Mary Cover Jones, no tratamento de fobias de crianças.

Depois dos trabalhos sobre neuroses experimentais produzidas nos


laboratórios de Pavlov, no começo do século XX, Wolpe e outros estudiosos
passaram a investigar a neurose experim ental em anim ais e humanos, a
dessensibilização sistemática e o contracondicionamento com pacientes neuró­
ticos, tornando os princípios comportamentais objeto de observações experi­
mentais cada vez mais bem controladas (Wolpe, 1973, 1983).

Segundo alguns autores, as raízes da T.C. remontam a muitas es­


colas de pensamento, à m etodologia contraposta, a sistem as filosóficos e
teóricos diversos, a países distintos e a Líderes diferentes. Todavia, hã concor­
dância de que as pedras angulares e estruturais da atual T.C. foram o condici­
onamento clássico de Pavlov, o behaviorismo metodológico de Watson, o con­
dicionamento instrumental de Thorndike e o operante de Skinner (Caballo,
1996; Barcellos e Haydu, 1995).

‘ Texto proferido na Mesa Redonda: Formação do Terapeuta, realizada durante o "Seminário


de Análise do Comportamento", no Unicentro Newton Paiva, em 2/6/2001.

“ Mestre em Psicologia - Professora Assistente e Supervisora de estágio clínico do Departamento


de Psicologia da UFMG. E-mail: soniacst@terra.com.br

88
Historicamente, o termo Terapia Com portam ental foi introduzi­
do, de modo mais ou menos independente, por três grupos de pesquisadores:
em 1953, Lindsley, Skinner, Solomon e Richards empregaram o condiciona­
mento operante a problemas clínicos de pacientes psicóticos hospitalizados,
com o termo de T.C. Em 1959, Eysenck definia a T.C. de forma mais ampla,
como sendo a aplicação das m odernas teorias de aprendizagem no trata­
mento de distúrbios psicológicos, e sua definição compreendia o condiciona­
mento clássico, o operante e a modelação. Contudo, antes disto, em 1958, na
África do Sul, Lazarus patenteou, de forma independente, o termo I X , para
referir-se ao fato de acrescentar procedimentos objetivos de laboratório à
psicoterapia tradicional e é, em grande parte, o responsável peto uso atual
(Caballo, 1996).

Na década de 60, tornou-se muito evidente o contraste entre a


aplicação de estudos e de pesquisas fundamentados nos paradigmas operante
{mais diversificado) e respondente {mais restrito). A orientação respondente
era direcionada cada vez mais para intervenções em situações clínicas com
pacientes externos, enfocando os comportamentos neuróticos e a utilização
de técnicas que procuravam reduzir a ansiedade dos indivíduos. Por exemplo,
em 1960, Eysenck utilizava técnicas de intervenção com inibição recíproca e o
contracondicionamento gradativo da ansiedade {defendendo a exposição direta
do indivíduo aos estímulos) e, em 1966, Wolpe aplicava a dessensibilização
sistemática em pacientes fóbicos (ele desenvolveu um tratamento no qual o
cliente im aginava e falava sobre os estímulos ameaçadores). Tanto Wolpe
quanto Eysenck concordavam com Watson que as emoções eram sujeitas ao
condicionamento clássico e que os distúrbios emocionais e fisiológicos podi­
am ser eliminados segundo este modelo.

Por outro Lado, a orientação operante baseava-se no pressuposto de


que o comportamento dos organismos é função direta do ambiente e que o
melhor Lugar para modificar o comportamento-problema é o próprio ambiente
natural em que ele ocorre. A abordagem comportamental cresceu por meio dos
esforços de inúmeros pesquisadores e clínicos estudiosos. Trazendo o ambiente
para a linha de frente da ciência do comportamento, eles demonstraram sua
relevância para a análise de situações humanas simples e complexas.

Esta abordagem , hoje tam bém cham ada Terapia A n a lític o -


Com portam ental, tem com o base a A nálise do Com portam ento e como
filo so fia o Beh aviorism o Radical. É uma linha terapêutica que se baseia
n o s p r i n c í p i o s da a p r e n d iz a g e m o p e ra n te . E ste s p rin c íp io s

89
podem produzir mudanças no comportamento humano, tornando-o mais fun­
cional.

0 que significa intervenção comportamental na clínica? Ou, o que


faz um terapeuta comportamental que o distingue de outros psicoterapeutas? E
difícil esta resposta e não se pode deduzi-la de relatos clínicos publicados na
literatura, pois estes representam apenas uma pequena e, às vezes, tendenciosa
a m o stra do que realm ente acon tece nos c o n su ltó rio s dos te rap e u tas
com porta mentais.

Segundo Meyer (comunicação pessoal, 22-25/8/1990), não exis­


te uma única definição de T.C., mas quatro níveis de análise que, em conjunto,
form am o p aradigm a da A n á lise do C om p ortam e n to de Hayes, ou do
Behaviorismo Radical de Skinner.

1- 0 nível tecnológico, no qual se faz uso de técnicas derivadas de pesquisas


realizadas. Não basta aplicar procedimentos operantes para ser considerado
terapeuta comportamental e não acreditar que sentimentos não são causas de
comportamentos observáveis ou que o ambiente afeta o comportamento;

2- 0 nível metodológico, no qual se faz a análise funcional de contingências;

3- 0 nível conceituai, em que o analista deve conhecer e aplicar, mesmo que


assistemati ca mente, os princípios do comportamento e

4- 0 n íve l filosófico, em que se rejeita o mentalismo.

A T.C. tornou-se, sem dúvida, o movimento mais importante den­


tro da psicologia clínica nas últimas décadas. Com um enfoque novo e diferen­
te de doença mental, ela rompeu com os modos e os métodos de abordagens
tradicionais anteriores. Hoje, o termo doença mental é substituído por trans­
torno comportamental e tem-se, na clínica, uma prática derivada da análise
experimental do comportamento, que oferece uma grande diversidade de pro­
cedimentos de intervenção para encarar estes transtornos, chamada modifica­
ção do comportamento (Caballo,1996).

Segundo Yates (1975), o fator crítico do rompimento entre as


duas abordagens de atendim ento clínico foi a substituição do diagnóstico
psiquiátrico pelo modelo comportamental. No primeiro, os transtornos de com­
portamento são considerados enfermidades para as quais: (1) faz-se uma in ­
vestigação clínica; (2) dá-se ênfase ao diagnóstico; encontra-se uma etiologia
(crenças de que existem causas subjacentes específicas das doenças mentais);
(3) procede-se ao tratamento, o prognóstico e (4) à avaliação final.

90
No modelo comportamental, o comportamento desajustado ou
inadequado é visto como resultado da interação da pessoa com o ambiente à
sua volta e representa o resultado compreensível da história de reforçamento
do indivíduo. Aqui, o terapeuta começa por fazer 1- a análise funcional do
comportamento; 2- a seleção do comportamento de interesse; 3- a modifica­
ção do com porta mento-problema e 4- a avaliação do resultado. É importante
ressaltar que o modelo comportamental traz, subjacente, uma questão funda­
mental que é a importância da teoria na prática clinica.

Inicialmente e por algum tempo, a T.C. ficou conhecida pela utili­


zação destas técnicas específicas e foi confundida com a modificação do com­
portamento, bastante difundida e utilizada nos anos 70 (Quadro 1). Esta for­
ma de trabalho utilizava os princípios comportamentais e as técnicas como
instrumento para modificar a conduta das pessoas, manipulando variáveis e
modificando o ambiente dos indivíduos, muitos deles internados em hospi­
ta is p s iq u iá t r ic o s . Este s p ro c e d im e n to s sã o b a se a d o s em c o n c e ito s
operacionalmente definidos, em princípios experimentalmente validados e,
atualmente, seu uso só é estabelecido após testes sistemáticos que demons­
trem sua efetividade. Além disso, o terapeuta comportamental preocupa-se
em escolher a(s) técnica(s) depois que efetua uma cuidadosa análise funcio­
nal (seu método de avaliação clínica) que identifique e descreva claramente o
transtorno do comportamento e suas relações com variáveis do meio ambien­
te (Rangé; Gorayeb e outros, 1995).

Fazer uma intervenção clínica comportamental adequada envolve


não só a mudança de alguns comportamentos, mas, e principalmente, a des­
coberta das contingências que os mantêm. Para isto, é indispensável que o
terapeuta operacionalize o comportamento de interesse, compreendendo sob
que controles o indivíduo responde e que aspectos devem ser mudados para
melhorar suas dificuldades (Baptistussi; Delitti, 2000).

Um clinico comportamental de formação adequada não escolhe


qualquer técnica sem antes efetuar uma apurada análise funcional que identi­
fique e descreva com clareza o distúrbio do comportamento e suas relações
com as variáveis do ambiente (Rangé; Gorayeb, 1995). Ele realiza esta análise
definindo com precisão o comportamento de interesse; identificando e des­
crevendo o efeito comportamental; identificando as relações entre as variá­
veis do ambiente e de outros comportamentos com o comportamento-alvo;
fa z e n d o e, por fim , t e s t a n d o as p re d iç õ e s sobre os r e s u lta d o s da

91
manipulação dessas variáveis sobre o comportamento de interesse (Matos,
1999). Além disso, para que uma intervenção seja bem sucedida é necessário
não apenas utilizar um procedimento de modificação do comportamento, mas
decidir corretamente sobre as ocasiões adequadas para seu uso e como inter­
pretar seus efeitos.

A necessidade de uma análise funcional dos compor-tam entos


desenvolveu-se em meio às criticas relacionadas ao uso destas técnicas de
modificação de comportamento, porque elas eram caracterizadas pela solução
de problemas imediatos, pela rapidez da terapia e pela confiabilidade na rela­
ção procedimentos-resultados (Baptistussi, 2000). Fazer análise funcional
significa, para o terapeuta com portam ental, identificar as variáveis contextuais,
antecedentes e conseqüentes dos comportamentos, considerando os aspec­
tos funcionais e topográficos das respostas. Fazer análise funcional é, antes
de tudo, procurar identificar a função de uma determinada resposta, definin­
do que contingências estão mantendo este ou aquele comportamento.

Segundo Matos (1999),

"n ã o existe c o m p o rta m e n to 'p a to ló g ic o ' para o analista


comportamental; se ele ocorre, é porque de alguma maneira ele é
funcional, tem um valor de sobrevivência... Por exemplo, o compor­
tamento de auto-agressão não é considerado como uma manifesta­
ção de um processo psicótico, ê, sim, um conjunto de respostas que
permitem o acesso, pelo indivíduo, a conseqüências importantes
para ele: conseqüências sensoriais, conseqüências sociais, conse­
qüências como bem tangíveis, ou conseqüências como a evitação
de eventos desagradáveis (pág. 13).

Fazer análise funcional significa, também, utilizá-la no Levanta­


mento de hipóteses, na observação do comportamento do cliente na sessão,
no planejamento do tratamento, na manutenção e na generalização das mu­
danças comportamentais. A procura destas variáveis das quais o comporta­
mento é função é que distingue a prática do terapeuta-analista do comporta­
mento de outras práticas, também importantes, em psicologia.

Uma grande diferença a ser considerada entre o modificador de


comportamento e o terapeuta comportamental é que este não manipula as con­
tingências do cotidiano de seu cliente como o modificador de comportamento
o faz. Não há uma mera aplicação de técnicas, mas uma investigação dos pro­
blemas apresentados pelo

92
cliente e uma definição de um programa de intervenção individualizado (Meyer,
em Lettner, 1988), pois, muitas vezes, a tecnologia a serviço do terapeuta pode
ou não se adequar ao caso. 0 terapeuta comporta mental privilegia a própria
situação terapêutica como ambiente natural, modelando os comportamentos
verbais do cliente que surgem durante as sessões e analisando as contingências
interpessoais entre ele e o cliente, em função dos problemas deste último. 0
clinico-analista do comportamento acredita que o próprio cliente constrói grande
parte de seu ambiente, ou seja, que ele cria as contingências das quais seu
comportamento é função e é porque se comporta que os efeitos de seu compor­
tamento o afetam. 0 terapeuta crê, também, que ele faz parte das contingências
de vida do cliente e que influencia suas respostas através dos efeitos que elas
têm sobre o comportamento dele - terapeuta (Banaco, 1997; Guilhardi e Queiroz,
1997).

Agindo desta forma, o terapeuta com porta mental tenta entender


as dificuldades comportamentais do indivíduo, desenvolve um programa de
tratamento apropriado e se ajusta ao cliente, ao invés de o cliente se ajustar
à sua tecnologia. Além disso, testa e retesta hipóteses até que as V I e VD
relevantes sejam precisamente identificadas. Só então ele desenvolve um pro­
grama de modificação de comportamento apropriado (Lettner; Rangé, 1988).

Lipp (em Rangé e cols., 1995) chama atenção para o fato de que,

"na escolha da técnica deve-se considerar: (1) a eficácia da mesma;


(2) se ela se baseia em princípios teóricos estabelecidos; (3) a rela­
ção vantagens-desvantagens; (4) as implicações a longo prazo; (5) a
coerência com as normas culturais; (6) a possibilidade de a mesma
ser incorporada na rotina da pessoa e (7) a aceitação do paciente e
do seu meio ao uso da técnica. Quando técnicas aversivas forem uti­
lizadas, elas devem ser definidas operacionalmente; ser explicadas e
aceitas pelo paciente e/ou responsável e o terapeuta deve estar con­
vencido de que o comportamento que se está tentando eliminar gera
conseqüências mais negativas do que a técnica aversiva a ser
implementada".

A Terapia Comportamental parte das necessidades das pessoas


de melhorar suas vidas, em lidar melhor com o controle coercitivo e em liber­
tar-se daquilo que mais lhes incomoda ou prejudica. As principais metas dos
terapeutas analistas do compor­

93
ta mento são: buscar uma compreensão adequada das dificuldades do cliente,
propor estratégias e realizar uma intervenção cuidadosa baseada na análise
funcional do comportamento (Baptistussi, 2000). Eles têm, também, como
objetivo levar o cliente â auto-observação e ao autoconhecimento, oferecen­
do uma melhor qualidade de vida e uma independência maior para a resolu­
ção de problemas futuros (Guilhardi e Queiroz, 1997).

Finalizando, lembramos Wielenska (2000), quando ela aponta que


a intervenção comportamental passou a ocupar, com competência, espaços
institucionais diversos (clínica-hospitais-escolas-em presas) e a atender po­
pulações variadas. Segundo esta autora, isto é resultado das condições cria­
das pelos analistas do comportamento que, cada vez mais, apresentam novas
alternativas de investigação e de intervenção em contextos específicos, e que
superam, a todo instante e sem perder a qualidade, os limites que vive o
momento cientifico.

Referências B ibliográficas

Banaco, R. (1997). Auto-regras e patologia comportamental. In D. Zamignani


(Org.), Sobre Comportamento e Cognição - a aplicação da análise do com ­
portamento e da terapia cognitivo-comportamental no hospital geral e nos
transtornos psiquiátricos. Santo André: ESETec Editores Associados,

Baptistussi, M. C. (2000). Bases teóricas para o bom atendimento em clínica


comportamental. In R. C. Wielenska (Org.), Sobre Comportamento e
Cognição - questionando e ampliando a teoria nas intervenções clinicas e
em outros contextos. Santo André: ESETec Editores Associados.

B a r c e llo s, A. B . r & H ay d u , V. B. (1 9 9 5 ). H is t ó r ia da P s ic o t e r a p ia
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Editorial Psy.

Caballo, V. E. (Org.). (1996). Manual de Técnicas de Terapia e Modificação do


Comportamento. 1 ed. São Paulo: Livraria Ed. Santos.

Delitti, M. (1997). Análise funcional: o comportamento do cliente como foco da


análise funcional In M. Delitti (Org.), Sobre Comportamento e Cognição - a
prática da análise do comportamento e da terapia cognitivo-comportamentat
Santo André: ESETec Editores Associados.

94
Guilhardi, H. J., & Queiroz, P. P. (1997). A análise funcional no contexto
terapêutico. In M. Delitti (Org.), Sobre Comportamento e Cognição - a prá­
tica da análise do comportamento e da terapia cognitivo-comportamental.
Santo André: ESETec Editores Associados.

Lettner, H. W., & Rangé, B. P. (1998). Manual de Psicoterapia Comportamental.


1 ed. Sâo Paulo: Manole.

Matos, M. A. (1999, Setembro/Dezembro). Análise funcional do com porta­


mento. Revista Estudos de Psicologia - PUC-Campinas, vol. 16, 3, 8-18.

Rangé, B., Gorayeb, R., & cols. (1995). Glossário de Técnicas. In B. Rangé
(Org.)f Psicoterapia Comportamental e Cognitiva de Transtornos Psiquiá­
tricos. São Paulo: Psy Editora.

Wielenska, R. C. (2000). In R. C. Wielenska (Org), Sobre Comportamento e


Cognição-questionando e ampliando a teoria nas intervenções clínicas e
em outros contextos. Santo André: ESETec Editores Associados. Texto de
apresentação da Coletânea.

Wolpe, J. (1983). Prática da Terapia Comportamental. 5 ed. São Paulo: Editora


Brasiliense.

Yates, A. J. (1975). Theory and Practice in Behavior Therapy. N.Y.: Wisley-


interscience Publication.

95
QUADRO 1 - GLO SSÁRIO DE TÉCNICAS COM PORTAM ENTAIS

Adaptação de: (Rangé, B.; Gorayeb, R.; Lettner, H. W.; Oliveira, C. M. F.;
Souza, C. R.; Conceição, D. B.; Poser, N. - 1995)

1. Relacionamento terapeuta-cliente 50. Biofeedback


2. Análise funcional 51. Treinamento de habilidades sociais
3. Linha de base 52. Treino de inoculação de estresse
4. Linha de base múltipla 53. Ensaio comportamental
5. Reversão à linha de base 54. Tratamento da enurese por despertador
6. Seguimento (follow-up) 55. Treinamento do controle da bexiga
7. Registro de comportamento 56. Intenção Paradoxal
8. Reforça mento positivo 57. Prevenção de respostas
9. Extinção 58. Inversão de hábito
10. Reforçamento continuo (CRF) 59. Foco sensorial
11. Reforçamento intermitente 60. Técnica da compressão
12. Resistência à extinção 61. Recondicionamento orgástico
13. Modelagem 62. Terapia sexual conjunta
14. Reforçamento diferencial 63. Dessensibilização masturbatóría
15. Privação 64. Dilatadores Hegar
16. Saciação 65. Parada no pensamento {thought-
17. Reforçamento condicionado stopping)
18. Reforçadores generalizados 66. Família instrutora
19. Reforçamento simbólico 67. Imaginação emotiva
20. Economia de fichas (Tokens) 68. Terapia racional-emotiva
21. Discriminação 69. Registra de pensamentos
22. Generalização disfuncionais
23. Esmaecimento (Fading out) 70. Terapia cognitiva
24. Pais como agentes de mudança 71. Despersonalização
25. Autocontrole 72. Redução da dissonância cognitiva
26. Contrato de contingências 73. Contestação
27. Controle aversivo 74. Manejo de sabotagens
28. Punição e Time out 75. Introdução de perspectiva histórica
29. Reforçamento negativo 76. Checklist
30. Frustração 77. Reestruturação de esquemas
31. Condicionamento respondente disfuncionais subjacentes
32. Extinção respondente 78. Extinção de encobertos
33. Contracondicionamento 79. Reestruturação cognitiva operante
34. Dessensibilização sistemática 80. Decatastrofização
35. Dessensibilização ao vivo 81. Treino auto-instrucional
36. Dessensibilização auto-administrada 82. Treinamento de projeção no futuro
37. Exposição gradual 83. Gráficos e registros
38. Relaxamento muscular progressivo 84. Concentração/distração
39. Relaxamento aplicado 85. Raciocinio seqüencial/correlacionai/
40. Resistência à frustração analógico
41. Treinamento assertivo 86. Análise de erros lógicos
42. Modelação 87. Decentramento
43. Dramatização (m lê-phying) 88. Desligar
44. Inundação (flcoding) 89. Repetição
45. Prática negativa 90. Técnica do "como se"
46. Habituação (adaptação) 91. Reatribuição
47. Supressão de resposta (ansiedade) 92. Ponto-e-contraponto
48. Principio de Premack 93. Modelos de enfrentamento
49. Feedback auditivo atrasado (DAF) 94. Exposição interoceptiva

96
8
A ANÁLISE FUNCIONAL NA CLÍNICA COMPORTAMENTAL1'2

Marco Antônio Amaral Chequer3

UNIVALE

PUC-SP

A análise funcional do comportamento vem sendo adotada como


o modelo de análise da terapia comportamental. No relato de terapeutas
comportamentais, é comum a afirmação de que é feita análise funcional dos
comportamentos de seus clientes. Nessa perspectiva, vem sendo apresentada
na literatura análises funcionais de comportamentos tanto de terapeuta quanto
de cliente, em contexto clínico (Delitti, 1997; Guilhardi e Queiroz, 1997; Qtero,
1997; Ingberman, 1997; Yano, 1997; Wielenska, 2000; Kerbauy, 2000).

Este texto pretende fazer uma discussão teórica sobre Intervenção


Comportamental na Clínica, a partir do modelo de análise de contingências
(análise funcional do comportamento), tendo como pressuposto que a análise
funcional na clínica refere-se aos comportamentos do terapeuta de analisar os
comportamentos emitidos pelo cliente e o seu próprio (ver Kohlenberg e Tsai,
1991). 0 texto foi organizado em quatro tópicos. 0 primeiro faz uma breve
discussão do conceito de análise funcional enquanto método de uma ciência do
comportamento e sua possível relação com a clínica comportamental.

1 Versão modificada de patestra apresentada na Mesa Redonda Intervenção Comportamental na Clínica,


durante o Seminário de Análise Comportamento promovido pelo Unicentro Newton de Paiva, em Belo
Horizonte, nos dias 1 e 2 de 3unho de 2001.

í 0 autor agradece ao Professor João Carlos Muniz Martinelli pela revisão deste texto.

1Núcleo de Estudos em Análise do Comportamento e Prática Cultural (AC-PC). Professor Assistente na


Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE) e Mestrando em Psicologia Experimental: Análise do Compor­
tamento na PUC-SP.

97
0 segundo enfatiza o papel central do comportamento verbal na prática clínica
e discute a característica mediacional do comportamento verbal na produção
de conseqüências. O terceiro propõe uma discussão sobre as intervenções
comportamentais e, para efeitos de análise, diferencia intervenções tecnicistas
de intervenções terapêuticas. O quarto tópico apresenta possíveis variáveis
comportamentais necessárias para uma análise funcional no contexto clínico,
E, por fim, as considerações finais.

A ANÁLISE FUNCIONAL

A temática implica inicialmente uma consideração necessária: fa­


lar sobre análise funcional como um modelo de análise clínica não é algo
consensual e aceitável na comunidade de analistas do comportamento. Parte
das controvérsias relaciona-se ao fato de o modelo de análise funcional do
comportamento ter sido cunhado em contextos de pesquisa experimental nos
quais o controle das variáveis é extremamente rigoroso e demonstrável. Na
prática da terapia comportamental, procurou-se importar e manter o rigor
desprendido em pesquisas experimentais. Entretanto, as próprias condições
de acesso às informações e de aplicabilidade dos procedimentos terapêuticos
não viabilizam estabelecer um controle estrito sobre as variáveis em investi­
gação e intervenção.

Independente do contexto, segundo Skinner (1984), em qualquer


que seja a relação a ser decomposta para análise, a proposta da ciência do
comportamento ao estudar a interação entre organismo-ambiente deve abor­
dar as seguintes variáveis de uma contingência:

"Uma formulação das interações entre um organismo e o seu meio


ambiente, para ser adequada, deve sempre específícar três coisas:

1) a ocasião na qual ocorreu a resposta,

2) a própria resposta e

3) as conseqüências reforçadoras. As relações entre elas constitu­


em as 'contingências de reforço'", (pág. 182)

Em outros termos, o modelo de análise do comportamento im pli­


ca, inicialmente, a descrição da contingência tríplice em operação, ou seja, qual
o estímulo antecedente (SD), qual a resposta e qual o estímulo reforçador (SR),
e pode ser apresentada assim:

98
Estímulo antecedente(S°): Resposta (R) Estímulo conseqüente (SR)

II
COMPORTAMENTO

No contexto clínico, o terapeuta comportamental utiliza o mode­


lo de tríplice contingência para realizar uma análise funcional na tarefa de
identificar o tipo de contingência de reforço que está em operação, procura
descrever qual o S D, qual a resposta e qual o 5R. Outro aspecto a ser considera­
do empreende uma tarefa que vai além da identificação das variáveis da con­
tingência, implica classificar que tipo de função o comportamento em análise
adquiriu ao longo da história passada e atual e sua relação com a queixa do
cliente. Perguntas do tipo "Que função tem este comportamento no repertó­
rio do sujeito?" são formuladas freqüentemente, muitas vezes de forma enco­
berta, por terapeutas comportamentais.

Em relação às condições necessárias para que uma análise seja


considerada funcional, Luna (2001)4 indica que é preciso uma de duas con­
dições seguintes:

1- A manipulação experimental de variáveis.

2- Dada a impossibilidade e/ou a inviabilidade de manipulação experimental,


faz-se uma observação contínua do comportamento-alvo, seguido da for­
mulação de hipótese(s) acerca das variáveis de controle da classe de res­
posta específica e, posteriormente, realiza-se o teste dessa hipótese.

A condição 1, a manipulação experimental de variáveis, é um pro­


cedimento experimental (adequado ao contexto de pesquisa) que não é estra­
tégico em terapia5. Em relação a estratégias de pesquisa, vêm sendo propostos
procedimentos para identificar os efeitos do reforçamento ao relato do cliente
na sessão terapêutica (Silva, 2001).

Das condições (1) e (2 ), parece ser m ais viável e praticável


na prática terapêutica a condição 2, 0 terapeuta form ula su as hipóteses
a c e rc a das c o n tin g ê n c ia s q ue m a n té m os c o m p o r ta m e n to s

* Luna, S. V. de. (2001). Comunicação pessoal.

' Pode-se até argumentar que na relação terapeuta-cliente o que ocorre é uma testagem experimental de
variáveis presentes na vida do cliente, mas o sentido de experimentação discutido aqui refere-se ao
modelo experimental de pesquisa que pressupõe controle estrito de variáveis e posterior demonstração
desse controle.

99
-queixa do cliente e propõe alterações que comprovam ou não suas hipóteses.

Meyer (1997a), analisando a aplicabilidade da análise funcional


em processos terapêuticos, afirma que, em sua maioria, a análise é baseada
em relatos verbais do cliente, e que ainda não existem modelos satisfatórios
para a realização de tais análises em situações não-experimentais, como na
prática clínica. A afirmação de Meyer explicita uma dificuldade metodológica
existente no acesso a informações das variáveis presentes na tríplice contin­
gência em casos nos quais a contingência envolve relato verbal. Entretanto,
Luna (1997) diz que negar a validade metodológica, para a análise experi­
mental do comportamento, de análises não-experimentais com relatos ver­
bais equivale a negar a proposta apresentada por Skinner (1957,1978s ) no
livro Verbal Behavior, que é o maior exemplo dentro da análise do comporta­
mento de uma proposta não-experi mental de estudo das contingências que
envolvem interações verbais.

Comportamento verbal

A relação terapêutica é predominantemente uma relação verbal na


qual há uma interação entre falante-ouvinte e vice-versa, mas o que seria com­
portamento verbal na análise comportamento e que especificidades ele apresen­
ta? A proposta de Skinner (1984) de análise da interação organismo-ambiente
estende-se aos assuntos relacionados à interação verbal das pessoas. Então, es­
tudar o que as pessoas falam implica, também, a utilização do conceito de contin­
gência de reforço como instrumento de análise. Entretanto, Skinner (1957, 1978)
nos alerta para o caráter multideterminado do comportamento verbal.

Na tentativa de apresentar uma proposta de análise do comporta­


mento verbal, Skinner (1957, 1978), em seu Livro Verbal Behavior, define o com­
portamento verbal como comportamento reforçado pela mediação de outras
pessoas. A intermediação do outro, apontada por Skinner, especifica um com­
portamento que é aprendido, mantido e modificado por conseqüências media­
das. A alteração da probabilidade futura de ocorrência do comportamento do
falante está relacionada ao comportamento do ouvinte membro da mesma co­
munidade verbal do falante.

‘ Sempre que na referência aparecerem duas datas, a primeira indicará a data da publicação originai; e a
segunda, a data da publicação consultada.

100
Segundo Skinner (1957, 1978), na maior parte do tempo o ser
humano age apenas indiretamente sobre o ambiente. Seu primeiro efeito é
sobre outros homens. Ele recorre a um exemplo para demonstrar o papel do
ouvinte na mediação do comportamento. 0 exemplo refere-se a um homem
sedento que, ao invés de ir diretamente a uma fonte de água, pode simples­
mente "pedir um copo d'água" a alguém. A conseqüência última - que é receber
o copo d'água - não compartilha nenhuma relação mecânica com o comporta­
mento de origem - pedir um copo d'água - mas, necessariamente, depende da
mediação de alguém para ser eficaz. De fato, diz Skinner, a característica desse
comportamento é o de ser impotente em relação ao mundo físico.

A relação que o comportamento verbal estabelece com o ambien­


te é eficaz somente através da mediação de outras pessoas e requer, portanto,
um falante e um ouvinte, conjunto que é denominado por Skinner de e p isó ­
dio verbal. Essa díade já começa a evidenciar para os terapeutas que o con­
trole na relação com o cliente é bidiredonal.

Em relação ao papel mediacional do ouvinte, Matos e Malerbi


(1992) destacam o comportamento verbal na produção de conseqüências:

0 caráter especial do comportamento verbal deriva-se do fato de que


ele ê afetado pelos seus efeitos nas pessoas - primeiramente em
outras pessoas, mas eventualmente na própria que o emite. Conse­
qüentemente, o comportamento verbal é livre das relações espad­
ais, temporais e mecânicas que prevalecem entre os outros compor­
tamentos operantes e suas conseqüências não-sociais, (pág. 409)

Matos e Malerbi (1992) descrevem, também, uma outra relação


resposta-conseqüência, descrição esta que define o operante não-verbal. 0
comportamento não-verbal é aquele que altera o meio de tal modo que suas
propriedades (ou dimensões) relacionam-se de uma forma mecânica, direta
com os efeitos que produz.

Outro aspecto abordado por Skinner em relação à compreensão do


comportamento verbal refere-se à definição de operante, pois o comportamento
verbal é operante. A este respeito, é importante distinguir dois conceitos: topo­
grafia da resposta e definição funcional de classe de respostas. De acordo com
Danna e Matos (1986), uma definição topográfica ou morfológica tem como

101
referendai os movimentos do organismo num espaço de tempo com duração
determinada (respostas), podendo ser decomposta em propriedades, tais como
forma, duração, intensidade etc... Se, em determinado contexto, várias res­
postas emitidas pelo organismo estiverem funcionalmente relacionadas a um
determinado reforçador, teremos, então, uma classe de respostas. Portanto,
uma definição funcional de classe de respostas tem como referencial o efeito
que a classe produz no ambiente; descreve os efeitos produzidos pelas res­
postas (topografia) no ambiente físico e social ou nas relações que o sujeito
mantém com este ambiente.

A distinção permite uma diferenciação clara entre respostas que


o organismo emite e a função que as respostas podem adquirir em diferentes
ambientes. A noção de "operante especifica pelo menos uma relação com uma
variável - o efeito que o comportamento, caracteristicamente, se bem que não
inevitavelmente, tem sobre o meio..." (5kinner, 1957, 1994 pág. 37)

0 conceito de funcionalidade da classe de respostas amptiou a


noção de comportamento verbal, principalmente no sentido de afastar a con­
cepção de que a forma de ocorrência da resposta (topografia) seja determinante
para previsão e controle do comportamento.

Na prática clínica, o terapeuta interage com o cliente em busca


da funcionalidade do comportamento verbal tanto no ambiente de atendi­
mento como no ambiente próprio do cliente. 0 acesso do terapeuta aos com­
portamentos do cliente fornece-lhe informações para a análise e permite in ­
tervir sobre diversas classes de respostas. Como já havia dito, a relação tera­
pêutica é predominantemente verbal, terapeuta e cliente estabelecem entre si
uma relação de dependência na qual o efeito do comportamento de um sobre
o outro é na maioria das vezes indireto, no sentido que Skinner atribui ao
comportamento verbal.

I ntervenções comportamentais na clínica

Como foi apresentado anteriormente, para sermos fiéis à defini­


ção de comportamento verbal proposta por Skinner, somente podemos defi­
nir um comportamento como verbal se o efeito sobre o ambiente for mediado
por um ouvinte. No contexto clínico, as intervenções comportamentais geral­
mente obedecem a essa regra, só são possíveis se na interação falante-ouvin-
te forem estabelecidas relações de controle pela em issão de conseqüências
reforçadoras por ambas as partes ou por uma delas. 0 terapeuta (que depen­

102
dendo da situação é falante ou ouvinte) tem como pressuposto para o seu
trabalho agir como uma audiência não punitiva, que procura estabelecer uma
relação reforçadora e minimizar os efeitos adversos da punição sobre o bem-
estar do cliente.

O terapeuta, na atribuição de suas funções, dispõe de uma série


de procedimentos, para efeitos de análise das intervenções comportamentais
na clínica, a qual será proposta uma divisão em duas classes: intervenções
tecnicistas e as terapêuticas (funcionais).

Em relação às técnicas, diz Banaco (1999):

A técnica é um procedimento, um modo de proceder; ela é, segundo o


Aurélio eletrônico, "o conjunto de processos de uma arte" Se sua
descrição for precisa o suficiente, ela pode ser treinável e aplicável
por qualquer pessoa.(,..)Depois de apresentada ao público, ou
publicada, uma técnica qualquer supostamente pode ser aplicada por
qualquer um que tenha acesso a ela. (pág. 79)

As intervenções tecnicistas referem-se a aplicações de procedi­


mentos previamente definidos e eficazes para mudança de padrões de com­
portamentos específicos (exemplo: fobias). A técnica, no sentido descrito por
Banaco, é um arranjo de contingências (conjunto de procedimentos) que pro­
duzem resultados específicos.

Banaco (1999) enfatiza que as técnicas comportamentais são boas,


são válidas, são úteis. Mas precisam ser empregadas num contexto terapêutico,
e seu emprego ser decorrente da análise funcional, formulada por um profis­
sional habilitado para isto.

Por outro lado, as intervenções terapêuticas são aquelas que abran­


gem uma análise das micro e macro contingências que operam sobre os com-
portamentos-problema do cliente. É nesse tipo de intervenção que aparece a
análise funcional como um método de análise das contingências.

A partir desse referencial, a análise funcional é entendida como


método e não como técnica. Essa posição pode ser assim representada:

TÉCNICA MÉTODO

Arranjo de contingências Análise das contingências

(tecnicistas) (terapêuticas)

103
0 comportamento clínico do terapeuta de analisar as variáveis de
controle do comportamento do cliente é a própria análise funcional, resguar­
dando as dificuldades relativas aos Limites de uma análise em contextos não
experimentais. A busca de relações "funcionais" é uma tentativa metodológica
de como abordar o evento com porta mental e abstrair, a partir dele, as variáveis
que efetivamente mantêm controle sobre sua ocorrência e/ou manutenção. Outro
aspecto é que considerar a análise funcional como um método de identificação
das variáveis relevantes do evento com porta mental não implica afirmar que o
conhecido das variáveis será suficiente para efetivar uma intervenção, pois a
análise funcional não é necessariamente um método de intervenção para mu­
dança de comportamento, mas uma proposta terapêutica de habilitar o cliente
a pensar e analisar suas dificuldades a partir do modelo de contingências. Des­
ta forma, fazer análise funcional na clínica não implica necessariamente promo­
ver uma mudança no comportamento do cliente, mas produzir condições a
partir das quais o cliente consiga fazer suas próprias análises, como por exem­
plo, discriminar o efeito de seu comportamento sobre o ambiente; discriminar
comportamentos de autocontrole; discriminar como a ação de outras pessoas e
aspectos do ambiente afetam seu comportamento; avaliar efeitos da emissão
de novos operantes; analisar sensações e correspondência com fatores ambientais
(abertos e encobertos), sua ação no " setting terapêutico”, entre outras.

V a r i A v e is c o m p o r t a m e n t a e p a r a u h a a n à l b e f u n c io n a i n o CONTEXTO CLlNICO

A função que o terapeuta adquire no contexto clínico faz com que


suas análises tenham diferentes efeitos no cotidiano do cliente e na própria
sessão de atendimento. Na terapia, é provável que intervenções bem formula­
das não produzam efeito terapêutico se não for considerado o tempo neces­
sário e adequado para que uma intervenção seja feita. MartinelLi (2002)7 diz
que o terapeuta dispõe de algumas formas de discriminar o momento adequa­
do de uma intervenção. Segundo ele, é preciso que o terapeuta discrimine os
seguintes aspectos:

• os efeitos de intervenções anteriores ou de resultados de interações des­


critas pelo cliente já demonstrando o efeito da emissão de comportamen­
tos e seus efeitos sobre o ambiente;

• as características comporta mentais verbais e não-verbais do cliente e do


próprio terapeuta;

7 Martirelli, J. C. M. (2002), Comunicação pessoal.

104
• o repertório e os efeitos do comportamento do cliente sobre o terapeuta e
vice-versa;

• o repertório e osefeitos do comportamento do terapeuta sobre si mesmo;

• distribuição de conseqüências reforçadoras ao longo da sessão;

• os efeitos da terapia sobre a comunidade verbal do cliente e a existência


de mudanças reforçadas ou punidas no ambiente externo à terapia;

• a manutenção das mudanças clínicas além daquela estabelecida na relação


com o terapeuta (história de generalização).

Martinelli (2002)8 aponta, ainda, que o terapeuta deve estar habili­


tado para:

• Buscar constantemente informações sobre variáveis ocorrendo na vida do cli­


ente e sua relação com o seu relato;

• Reconhecer comportamentos prévios como condição para a aquisição de no­


vos comportamentos necessários à mudança terapêutica;

• Utilizar procedimentos de resolução de problema a partir das variáveis


detectadas que interferem com o bem-estar do cliente e da comunidade
com a qual interage;

• Avaliar constantemente os resultados das intervenções realizadas, sendo a


própria avaliação um procedimento utilizado como parte do tratamento
(behavioral assessment);

• Verificar efeitos de generalização e manutenção de ganhos terapêuticos.

As v a riá ve is a p o n ta d a s por M a rtin e lli alertam o terapeuta


com porta mental para o fato de que, ao formular suas hipóteses, precisa consi­
derar alguns requisitos essenciais para que a análise funcional seja eficiente na
intervenção clínica, além de indicar variáveis com porta mentais necessárias para
uma intervenção eficaz.

Do ponto de vista das relações de controle, na terapia elas sâo


entre com portam ento-com portam ento. Entretanto, é função do terapeuta
p ro p o r p ro c e d im e n to s de c o le ta de in fo r m a ç õ e s . N e sse
sentido, ele dispõe de meios de avaliação que possibilitam uma melhor con­
dição para intervir. Por exemplo, a realização de exames pode ser solicitada a
um médico quando o terapeuta suspeita que o cliente possui diabetes, geran­
do, assim, ações de apoio e comprometimento do cliente com o tratamento,
caso não haja uma adesão adequada. Outro caso seria o uso de procedimen­
tos como ressonância magnética na pesquisa de distúrbios orgânicos que in ­
terferem no comportamento emitido pelo cliente e no seu bem-estar, como
uma enxaqueca repentina, sem causa aparente. Outros tipos de procedimen­
tos podem ser a medição de freqüência cardíaca e pressão arterial; verificação
de peso, Lembrando também que testes, inventários e checklist são instru­
mentos que indicam qual caminho a ser trilhado e cada terapeuta, em função
de suas habilidades, competências e dos conhecimentos adquiridos, da dis­
ponibilidade de instrumentos em seu meio, e do momento terapêutico em
particular, poderão ou não fazer uso de tais meios de avaliação (assessement).
Tais meios de coleta de informação, juntamente com um referencial teórico
metodológico baseado na análise funcional, possibilitam organizar os dados
disponíveis e buscar aqueles que de alguma forma complementam e/ou alte­
ram a direção do curso da vida do cliente em função da queixa apresentada e
seus efeitos sobre a comunidade. Nesse sentido, intervir terapeuticamente
significa modificar o ambiente a ponto de estabelecer para o cliente uma
nova contingência capaz de gerar respostas até então inexploradas.

C onsiderações fin a is

Procurou-se discutir a temática Intervenção Com porta mental na


Clínica através de uma análise teórica das contingências que envolvem o uso da
análise funcional do comportamento na clínica. Para realização da análise, foi
dada ênfase na interação verbal terapeuta-cliente, analisando a importância
do papel mediacional do comportamento verbal nos moldes propostos por
Skinner (1957,1978). Em relação à análise funcional do comportamento, foi
enfatizada a sua importância como método de avaliação clínica na organização
das informações obtidas, na formulação de hipóteses e no planejamento de
intervenções.

Em relação à te m á tic a c e n tra l do texto, as in te rv e n ç õ e s


comportamentais na clínica, foi proposta uma divisão entre tecnicistas e terapêu­
ticas (funcionais) da qual a análise funcional foi denominada como uma estraté­

106
gia metodológica que tem uma finalidade terapêutica. Nesse sentido, Meyer (1997)
enfatiza que:

"Uma intervenção bem-sucedida implica não apenas usar uma téc­


nica,r mas também corretas decisões sobre ocasiões apropriadas para
seu uso e acurada interpretação de seus efeitos" (pág. 3)

Para finalizar, dois aspectos presentes na citação de Meyer merecem


destaque, por sugerirem o papel central da análise funcional na tomada de deci­
são, a ocasião apropriada e a interpretação acurada dos efeitos. Eles definem a
preocupação que todo terapeuta comportamental deve ter ao propor uma inter­
venção e, conseqüentemente, modificar as contingências da vida dos seus clien­
tes.

R eferências B iblio gráficas

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108
9
É POSSÍVEL SABER SE O CLIENTE ESTÁ FALANDO A VERDADE?

Nicolau Kuckartz Pergher1

PUC-SP

"Será que meu cliente está falando a verdade?"


Esta é uma pergunta sobre a qual a maioria dos terapeutas já
deve ter refletido ou, ao menos, deveria fazê-lo.

Mas, afinal, o que é "falar a verdade"?


Se consultarmos um dicionário de língua portuguesa, encontra­
remos alguns sinônim os da palavra "verdade" tais como:

1. Conformidade com a realidade;


2. Exatidão e
3. Sinceridade.

Bem, na situ a ç ã o terapêutica, nós tem os um terapeuta em


interação com um cliente que conta determinados:
• acontecimentos de sua vida,

• fatos sobre pessoas,


• sentimentos

• e intenções.

Vamos dizer que a terapia lida tipicamente com relato verbal. Como
podemos saber se esse relato está em conformidade com a realidade? Como
saber se é exato? Como saber se é sincero?

1 Bolsista Capes de mestrado. O autor gostaria de agradecer a Maria Amália Andery, pela colaboração na
elaboração da palestra proferida na I I Jornada Mineira. Endereça para correspondência; Rua Irmão Odilon
Diniz, 80. CEP 01259-060. Sâo Paulo-SP. E-mail: nicopergher@hotmail.com
Conforme nos lembra de Rose (1997), o relato verbal é, além de
uma fonte de dados, um com portam ento.

É com portam ento verbal emitido supostamente sob controle de


um estado de coisas, que funciona como estím u lo d isc rim in a tiv o (S d). 0
terapeuta, normalmente, não tem acesso direto aos eventos relatados pelos
cliente. Tomamos como dados o que o cliente nos relata, entendendo que ele
está sob controle de alguns estímulos, como tatos.

Então, o que seria um tato?

Segundo Skinner (1957),

"um tato pode ser definido como um operante verbal, no qual uma
resposta ê evocada (ou ao menos fortalecida) por um objeto ou even­
to particular, ou por uma propriedade de um objeto ou evento" (págs.
81-82).

No tato, a resposta verbal encontra-se sob controle da situação


antecedente que está sendo descrita. (Vale destacar que a resposta verbal não
precisa ser necessariamente vocal; pode ser gestual, escrita, em Linguagem de
surdos-mudos, etc.) A resposta verbal é reforçada pela comunidade verbal
com muitos reforçadores diferentes ou com um reforçador generalizado, que
independe de um estado específico de privação ou estim ulação aversiva
(Skinner, 1957). São tipicamente considerados reforços generalizados: dinhei­
ro, aprovação, afeição e subm issão de outros indivíduos (Skinner, 1953).

0 trabalho do terapeuta seria extremamente facilitado se as des­


crições feitas pelos clientes fossem relatos fidedignos da realidade. Conforme
nos descreve Guedes (1997), o terapeuta quer que o cliente emita uma corres­
pondência precisa entre o estímulo discriminativo e a resposta verbal, ou seja,
"que sua leitura do mundo e de si sejam tatos os mais puros possíveis, livres
da interferência de outras variáveis que não a presença dos estímulos antece­
dentes" (pág. 139). Relatos precisos seriam, nesse caso, uma fonte de dados
in fa lív e l. Is s o a g iliz a ria a a n á lise d a s c o n tin g ê n c ia s c o n tro la d o ra s e
mantenedoras dos comportamentos que se quer modificar, bem como facilita­
ria propostas terapêuticas pontuais para a modificação dessas contingências.

Para ilustrar, citarei o exemplo de uma cliente que descreveu os


comportamentos do marido da seguinte forma:

110
Figura 1: Representação esquemática dcs elementos da tríplice contingência
no operante verbal tato.

"Ele não tem freio na boca. A hora que ele abre aquela boca pra
falar algo que ele pensa, ele não tá olhando se tá magoando ou se tá tirando a
alegria da pessoa, nem nada. Ele vai em frente!"

"Ele fala que eu 'não vou fazer nada lá na Igreja', que eu 'não vou
receber nada lá', que eu 'tenho que ficar dentro de casa, junto com a família, à
noite', (...) Ele nunca aceitou minha família, meus parentes na minha casa".

"Até televisão! Se ele tá na sala, nós não conseguimos assistir á


televisão direito. (...) Ele gosta de repórter e ele mesmo faz a reportagem. Ele
começa a falar, falar... E ninguém ouve mais nada. 0 senhor vê, uma pessoa
dessas ê muito impossível, n é ?"

Tomando essas verbalizações como amostra (de outras que conti­


nham o mesmo conteúdo) seríamos levados a acreditar que a cliente é submissa,
e que seu marido é agressivo, insensível e controlador. Essa caracterização do
marido e o papel assumido pela cliente na relação guiaria nossas intervenções a
fim de modificar a relação do casal.

No entanto, como podemos saber se a cLiente está falando a verdade?

Será que esse relato condiz com a realidade?

Como podemos saber se as respostas verbais da cliente estão


efetivamente sob controle dos estímuLos antecedentes, ou seja, que ela está
mesmo tateando as características do marido e as características da relação
entre ela e ele?

' 0 ouvinte (comunidade verbal) também é reforçado ao conseqüenciar respostas verbais de


um falante, uma vez que amplia a descrição do ambiente através dos relatos dos outros para
além das informações que conseguiria por si próprio (Skinner, 1957).

111
E s t u d o s e x p e r i m e n t a i s : m a n i p u l a ç ã o d a s c o n d iç õ e s a n t e c e d e n t e s

Alguns estudos experimentais preocuparam-se em estudar as vari­


áveis que influenciam nos relatos verbais, focalizando principalmente a mani­
pulação de condições antecedentes e a observação de efeitos sobre os relatos
verbais.

Critchfield e Perone (1990, 1993) e Critchfield (1993, 1996) utili­


zaram um programa de computador no qual era apresentado um estímulo-mo-
delo e, posteriormente, esse estímulo era retirado, apresentando-se os estímu­
los de comparação. Nesse momento, o sujeito tinha que escolher qual dos estí­
mulos de comparação era igual ao estímulo-modelo (tecnicamente, o nome
desse tipo de tarefa é emparelhamento atrasado segundo o modelo, ou delayed-
matching-to-sample, em inglês). Depois de responder à tarefa, os sujeitos t i­
nham que responder se haviam acertado ou não as tentativas apresentadas
pelo programa.

No estudo de 1990, Critchfield e Perone diminuíram o tempo para


a realização da tarefa (dificultando a escolha dos estímulos corretos). Os au­
tores verificaram uma tendência a superestimar o sucesso, isto é, essa nova
situação ocasionou um maior número de erros, mas, mesmo assim, os sujeitos
tenderam a dizer que acertaram, mesmo quando haviam errado.

Em 1993, Critchfield e Perone manipularam a complexidade dos


estímulos a serem comparados e observaram, novamente, uma tendência a
relatar acertos, inclusive nas tentativas em que erraram.

Critchfield (1993), manipulando as condições antecedentes de um


indivíduo através da ingestão de Diazepan, observou uma diminuição na precisão
dos relatos nos dias em que o sujeito havia tomado esse medicamento em relação
aos dias em que se administrou placebo.

De forma interessante, sempre que os relatos foram falsos, eles


voltaram-se na direção de com portam entos so cialm e nte desejáveis. Esses
experimentos mostraram que os relatos tenderiam a ser verdadeiros quando o
sujeito acerta, ou seja, ele relata que acertou; mas tenderiam a ser mentirosos
quando o sujeito erra, quando, muitas vezes, ele afirma que acertou mesmo
tendo errado.

Em um estudo de 1996, Critchfield analisou a latência das res­


postas de relato de erros e observou que os sujeitos demoravam mais para
relatar erros do que acerto. Nesse estudo, Critchfield (1996) apresentou uma
terceira possibilidade para os sujeitos escolherem ao relatar se haviam acer­

112
tado a tentativa de em parelha mento com o modelo: além das opções "sim " e
"n ão" (como nos estudos anteriores), o sujeito podia responder "não sei". A
Figura 2 sintetiza as principais manipulações feitas nos estudos acima cita­
dos, bem como as possibilidades de respostas verbais que os sujeitos tinham
ao contar sobre seu desempenho.
Figura 2: Resumo das manipulações e possibilidades de respostas verbais existentes nos estudos de

Critchfield e Perone (1990, 1993) e Critchfield (1993, 1996).

Um resultado interessante do estudo de Critchfield (1996) foi


que, quando colocada a possibilidade de os sujeitos relatarem "não sei" sobre
se haviam pontuado ou não, eles preferiram escolher "não sei" principalmen­
te quando haviam errado as tentativas da tarefa. Aparentemente, dizer “eu
errei" teria um caráter aversivo. Isso explicaria a tendência que os sujeitos
tiveram de responder que acertaram, mesmo quando tinham errado. No mo­
mento em que se apresentou a oportunidade de responder "não sei", os sujei­
tos puderam esquivar-se de dizer que erraram (Critchfield, 1996).

Vale de stacar que, através de estudos em labo rató rio, sob


con d içõe s re la tiv a m e n te con tro la d a s, aLguns e stu d o s a p o n tam a im ­
precisão do relato. Podem os falar em relato falso, n ão-fid ed ign o, im ­
preciso, em m entira. M ais do que isso, esse s estu dos utilizaram relatos
im e diatam en te a p ós o com p ortam e nto, num am biente sem elem entos
que p u d e s s e m d i s t r a i r a a t e n ç ã o do s u j e i t o e d e n t r o de

113
uma tarefa relativamente simples. 0 que pensar, então, dos relatos verbais
que ocorrem depois de um Longo tempo da ocorrência do comportamento que
está sendo relatado, ou que descrevem respostas diversas e complexas? Será
que permitimos aos clientes dizer "eu errei"? Quando o cliente expõe-se a
situações complexas, na qual seu repertório é colocado à prova e pode falhar,
como é que ele nos conta o que aconteceu? Será que o fato de incentivarmos
que o cliente comente sobre seu desempenho não estaria afetando a fidedig-
nidade do relato?

Estudos experimentais : manipulação das consequências

Os experimentos acima descritos mostraram que os tatos podem


ser distorcidos e não condizentes com o que realmente aconteceu. O que mais
poderia estar controlando relatos falsos, além das condições antecedentes?

Voltando à tríplice contingência (Sd - Resposta verbal - Conse­


qüências), devemos lembrar que as respostas verbais - bem como as demais
respostas operantes - têm conseqüências. E essas conseqüências são funda­
mentais na determinação do comportamento futuro.

Skinner dá um exemplo, em seu livro de 1957, sobre Comporta­


mento Verbal: se uma criança diz "Eu perdi minha moeda de 50 centavos",
esse relato verbal é verdadeiro ou falso?

Pode ser um tato verdadeiro de uma condição antecedente, ou


seja, ela está relatando algo que realmente aconteceu (perder a moeda de 50
centavos). No entanto, se esse relato for conseqüenciado com uma moeda a
fim de repor a perda, a resposta verbal de "dizer que perdeu a moeda" pode
passar a ficar sob controle das conseqüências reforçadoras de ter recebido a
moeda tendo dito a frase, adquirindo a mesma função do mando "dê-me uma
moeda".

A criança pode emitir a mesma resposta verbal "eu perdi minha


moeda de 50 centavos", sem de fato ter perdido a moeda, mas porque foi
anteriormente conseqüenciada positivamente (recebeu uma moeda). Numa
situação em que o indivíduo se encontre em um estado de privação ou de
estimulação aversiva associados a esse reforço (por exemplo, estar sem dl*
nheiro para comprar um doce), poderá emitir a mesma resposta verbal, a fim
de receber o reforço. Nesse exemplo, teríamos o caso de um relato falso mo»
delado pelas conseqüências anteriormente produzidas pela resposta verbatí
que referia ter perdido a moeda. Tecnicamente, a frase que tem a forma, ai

114
mando, ou seja,
topografia, de um tato pode ter, na verdade, a função de um
pode estar sob controle de condições especiais de um reforçamento espe­
cífico (positivo ou negativo). Em nosso exemplo, seria um mando para re­
ceber a moeda e ter acesso a reforçadores, no caso, a moeda e os produtos
adquiridos com esta.

Os efeitos das conseqüências sobre as respostas verbais foram


objeto de estudo em algumas pesquisas. De Freitas Ribeiro (1989) pesquisou
os efeitos de reforçar o conteúdo das verbalizações de crianças num contexto
de grupo. As crianças tinham um momento em que podiam brincar com até
três brinquedos (de um total de seis) e depois tinham que relatar com quais
brinquedos haviam brincado.

Em uma da s fases, o expe rim en tador reunia as c ria n ç a s e


conseqüenciava - com fichas que eram trocadas por produtos comestíveis -
os relatos verbais de que haviam brincado com os brinquedos, independente­
mente se as crianças haviam brincado de verdade com eles. 0 autor observou
que o fato de conseqüenciar dessa forma as respostas das crianças fez com
que aumentasse o dizer que brincou, mesmo sem ter brincado. De Freitas Ri­
beiro (1989) verificou, com isso, que respostas verbais do tipo "eu brinquei
com os carrinhos" podem ser mentirosas, em função da história das conseqü­
ências reforçadoras (no caso, produtos comestíveis) programadas para quais­
quer respostas que referissem ter brincado com os brinquedos, mesmo que
não fosse correspondente com o que realmente aconteceu.

Baer e Detrich (1990) fizeram um experimento semelhante ao ex­


perimento de de Freitas Ribeiro (1989), com a diferença de que as crianças
primeiro relatavam e depois iam brincar. As crianças tinham que dizer com quais
brinquedos pretendiam brincar no dia.

Os resultados desse estudo sugerem que "as crianças podem fazer


verbalizações precisas sobre o comportamento imediatamente subseqüente quan­
do o conteúdo da verbalização não é selecionado pelo experimentador"(pág. 28),
conforme pode ser observado nos resultados durante a fase de "escolha livre",
na qual as crianças apresentaram taxas altas de correspondência (que poderiam
ser considerados tatos). Nessa fase - de escolha livre - as crianças referiam
com precisão os brinquedos que manipulariam no dia. Em contrapartida, na
fase de opções restritas, quando eram selecionados apenas os brinquedos me­
nos escolhidos pelas crianças nas sessões anteriores, a taxa de correspondência
diminuiu significativamente. Era comum, nessa nova
contingência, as crianças verbalizarem que brincariam com um dos brinquedos
selecionados, mas, durante o momento de brincar, escolherem os brinquedos
de sua preferência.

Segundo Baer e Detrich (1990), a condição de opções restrita


configurou-se como uma contingência de esquiva: as crianças não podiam
começar a brincar, até que verbalizassem algo aceitável para o experimentador.
As respostas, nesse caso, satisfaziam os critérios da contingência programada
- elas ganhavam prêmios ao optar pelos brinquedos selecionados mas fal­
tavam com a verdade, uma vez que os sujeitos acabavam se engajando em
outras atividades que não as que eles haviam verbalizado. Segundo os auto­
res, as respostas das crianças nessa condição, assim como no estudo de de
Freitas Ribeiro (1989), funcionariam como um mando, no qual a esquiva do
experimentador e a oportunidade de ganhar prêmios e de brincar eram as
conseqüências reforçadoras.

Em resumo, alguns achados experimentais apontam algumas va­


riáveis que podem influenciar a precisão e a veracidade dos relatos verbais,
tanto com relação a eventos antecedentes quanto conseqüentes. 0 que pensar
sobre os comportamentos do terapeuta em relação ao que relata o cliente?
Estaria o cliente contando apenas o que o terapeuta quer ouvir? Estaria o
cliente manipulando seu relato, a fim de receber atenção e acolhimento do
terapeuta?
Essas questões são de difícil resposta, particularmente porque o
terapeuta não tem acesso às situações relatadas pelos clientes, dificultando a
tarefa de avaliar a precisão e a função das falas dos clientes. Além disso, o
terapeuta comumente não tem a possibilidade (ou não tem instrum entos)
para manipular as variáveis que podem estar controlando os relatos do clien­
te. De qualquer forma, um terapeuta atento às questões acima discutidas e
atento ao seu papel na interação com o cliente pode estar dando um primeiro
passo ao solucionar a questão com que começamos este trabalho: "Será que
meu cliente está falando a verdade?".

A questão sobre quando se deve confiar no relato de um sujeito


permanece um problema sem solução. Como encarar esse problema na tera­
pia?!

A TERAPIA POR CONTINGÊNCIAS: 0 RELATO VERBAL COMO FORMA DE SE CHEGAR ÀS CONTINGÊN­


CIAS

Ao pensarmos na prática clínica, por não utilizarmos settings con­


trolados como nas pesquisas experimentais, fica mais difícil ainda saber o que

116
está controlando o relato dos clientes: se são pura e simplesmente os eventos
antecedentes e o cliente está emitindo um tato preciso e verdadeiro, ou se
existem outras fontes de controle as quais estão levando a uma não-corres-
pondência entre determinados comportamentos e sentimentos e a maneira
com que são relatados.

A solução para o problema seria tomar o relato verbal, na clínica,


como ferramenta, como um meio para se chegar às contingências. Essas sim
seriam o objeto de investigação do clínico:

"É importante deixar claro que, no processo terapêutico (...), o


terapeuta (...) se interessa pelo comportamento verbal, bem como pe­
los demais comportamentos do cliente (...) observados na sessão, mas,
de fato, trabalha diretamente com as contingências de reforçamento
em operação, estas sim são instrumentos capazes de produzir análise e
de habilitar o terapeuta (...) para atuar na sessão (...) e o cliente para
modificar sua vida. Os comportamentos observados (verbais ou não)
são unidades importantes para compor o emaranhado de contingências
de reforçamento em funcionamento e não são, portanto, o objeto de
estudo em si, mas unidades de dados essenciais para se chegar ao
objeto de interesse fundamental" (Cuilhardi e Cesar, 2001, pág. 270).

No modelo da Terapia por Contingências defendido por Guilhardi


e Cesar (2001), conform e o terapeuta for descobrindo as c o n tingên cias
controladoras e mantenedoras dos comportamentos do cliente, comparando
as descrições das contingências umas com as outras e com os sentimentos
relatados, aí sim, num âmbito mais amplo, o terapeuta conseguiria descobrir
os pontos verdadeiros e condizentes e os falsos e mentirosos.

Para ilustrar, vamos voltar ao exemplo da cliente que descrevia o


marido como impositivo e controlador. Trata-se de uma senhora de 57 anos,
casada há 37 anos, dona de casa, mãe de três filhos (sendo um já falecido). A
cliente (chamaremos aqui de G.) chegou com a seguinte queixa inicial:

"Sabe, eu tenho depressão. E começou de Finados pra cá. (...) Eu


tô desse jeito. Sempre triste, sem vontade de ir à Igreja, sem vontade de fazer
nada".

6., nas sessões iniciais, refere freqüentemente que se sente de­


primida, triste e desmotivada. Quanto aos comportamentos,

117
relata que não tem mais ído à Igreja, ficando em casa e restringindo o seu
dia-a-dia à realização de atividades domésticas. Segundo Skinner (1989), tanto
os sentimentos quanto as ações são produtos de contingências. 0 terapeuta
deveria, portanto, buscar as contingências que estão produzindo tais senti­
mentos e manter os comportamentos relatados por G.

Ao investigar a hipótese de depressão, poderíamos pensar que a


cliente vive num ambiente em que existe grande apresentação de estímulos
ave rsiv o s, o que poderia e x p lic a r o de sâ n im o , bem com o a retração
comportamental descrita por G. Os relatos iniciais da cliente nos levariam a
pensar que ela vive uma relação ruim, na qual ela é "vítim a" de um marido
aversivo. Até então, a cliente não descreveu seus padrões comportamentais
com o marido de forma clara e completa. Seus relatos apresentam apenas o
que o marido faz para ela e como ela se protege dele obedecendo ou aceitan­
do suas determinações.

Neste caso, nós teríamos a seguinte situação:

A cliente fica em casa


A cliente faz 0 marido não contra a sua vontade,
a lg o aceita para obedecê-lo, mas
(ex.: ir à igreja) fica infeliz.

Com essa análise inicial, o terapeuta encontraria a justificativa


para a queixa inicial de depressão: G. estaria há algum tempo vivendo num
esquema de punição (o controle do marido é aversivo e a relação deles é
ruim), no qual ela não consegue em itir respostas para obter reforçadores
positivos (fazer coisas que lhe sejam agradáveis e Lhe tragam sentimento de
prazer e bem-estar).

Apesar dessa possibilidade inicial, o terapeuta não deixou de


buscar mais dados que descrevessem melhor como era essa relação: o que a
cliente faz para agradar ao marido e diminuir as críticas e brigas? 0 que ela
deixa de fazer por ele? Como ela pede para ele o que ela quer? Ele sempre
reage de forma ruim? Que outras coisas ele reclama? E o que ele não reclama?
etc.

Através dessas perguntas, o terapeuta iria buscar dados para com­


preender melhor a relação e os controles em operação. Seria esperado com essa
queixa e essas descrições iniciais que a cliente tivesse vários comportamentos
de fuga-esquiva: obedecesse sempre, não fizesse nada que o desagradasse mes­
mo que ela ficasse infeliz, não o enfrentaria, não o questionaria em suas posi­
ções e, ainda, faria coisas que fossem boas para ele (reforçadores positivos),

118
para agradá-lo e diminuir a probabilidade de ser criticada, agredida (punida).

Porém, quando o terapeuta iniciou as investigações das contin­


gências em operação, surgiram descrições como as que seguem:

"Vou com ele (na missa). Quando eu vou,., porque se vai sozinho,
ete não gosta, eie gosta que vai junto, nê, mas se já foi no Sábado!Aí eu falo:
Se já fui ontem, hoje eu não vou' (...)"

"Ele fnaridojjá queria que eu fizesse o prato dele, já desocupasse


as panelas e deixasse tudo limpo. Eu disse: Vou sair hoje, a hora que eu voltar
eu lavo', né, e é desse je ito ."

"Até, nessas 3 semanas que eu saí â noite, deixava ele conversando


sozinho. É uma pessoa muito dura de entender, sabe, espanhol, gente espanho­
la. Ainda, então, nosso santo não bate bem. Sabe, ele grita comigo, eu grito com
ele, Ele vai pra onde ele quer e eu vou pra onde eu quero".

Esses novos dados que surgiram mostravam que a cliente tinha


repertório de enfrenta mento, não só fazendo coisas que ela gosta como tam ­
bém questionando posições e atitudes do marido.

Isso demonstrava que a relação estabelecia uma dinâmica de con­


trole e contracontrole. Ainda é uma relação na qual os reforçamentos são nega­
tivos e produzem sentimentos ruins (tristeza, depressão, desânimo etc.):

Nas situações narradas acima, a cliente, apesar das reclamações

A cliente fala 0 marido não gosta A cliente insiste


ou faz algo ou reclama ou ignora

do marido, não aceita os posicionamentos dele e faz do seu jeito. Isso prova­
velmente é aversivo para o marido e produzirá sentimentos ruins no cônjuge.
E, para a cliente, os sentimentos serão de alívio, porque, apesar da reprova­
ção, ela fez o quis (nesse caso, o sentimento não será de prazer ou satisfação,
porque ela está se esquivando de algo que lhe é aversivo - ouvir as reclama­
ções dele).

Além do repertório verbal de enfrentamento ao marido, a cliente


queixa-se de ter eventualmente alucinações e de sofrer de efeitos adversos dos
medicamentos que toma diariamente. Possivelmente, a cLiente encontra nesses
pensamentos, bem como nos sintomas depressivos e nos (muitas vezes supos­
tos) efeitos dos medicamentos, uma forma de esquiva (tenta amenizar os

119
comportamentos deliberativos do marido em função de estar doente, evita
realização dos afazeres da casa num ritmo ou qualidade diferente daquela que
ju lga correta - a sua maneira). Tais fatos poderiam ser incluídos na mesma
classe de comportamento, uma vez que seria uma tentativa de contra controlar
o marido, tentando fazer com que seja priorizada a sua própria vontade.

Com a nova análise da relação (controle e contra-controle), o


terapeuta começou a tentar mostrar, para a cliente, o seu repertório, apontan­
do que ela não era "vítim a", mas fazia parte do processo. Com os novos dados
dos comportamentos de 6. diante do marido, nos quais se denota sua habili­
dade de contra controle, deveríamos rever com cautela os momentos em que
descrevia as atitudes ditatoriais do marido e o seu papel como serva obedien­
te. A cliente omitiu os comportamentos dela própria e, possivelmente, distorceu
o relato sobre as atitudes do marido. Conforme as contingências foram fican­
do mais claras, pode-se analisar as respostas verbais de descrever-se como
vítima em termos do operante verbal mando: aparentemente, essas respostas
verbais estavam sob controle da atenção e do acolhimento (reforçadores po­
sitivos) dados pelo terapeuta e afastavam-se do relato de eventos entre o
casal como realmente acontecia. Contar que também exercia influência sobre
o marido poderia retirar o acolhimento do terapeuta e, talvez por isso, ela
tentara manter a imagem da esposa vitimizada que compusera inicialmente.

Além disso, observou-se que diversos "pensam entos estranhos"


e efeitos de medicamentos também eram mentirosos e eram mantidos porque
6. recebia atenção (do terapeuta, dos vizinhos, familiares, etc.), bem como
se livrava de atividades consideradas aversivas por ela (reforçamento negati­
vo) ao emitir esses tipos de relatos. Muitas dessas verbalizações poderiam,
portanto, ser considerados mandos.

Em termos de objetivos terapêuticos, o terapeuta continuou in­


vestigando hipóteses possíveis para explicar a desmotivação da cliente. Nes­
se ínterim, a morte recente do filho caçula apareceu como uma perda impor­
tante de reforçadores positivos, visto que a cliente tinha uma relação muito
próxima e afetiva com o filho.

Observou-se que G. ficava muito restrita a casa, a qual era um


ambiente pouco reforçador, estava tendo pouco contato com amigos, fam ili­
are s e v iz in h o s e n ão v in h a fr e q ü e n ta n d o m a is os

120
eventos da Igreja. Essa ausência de contato com reforçadores positivos pode­
ria também explicar a desmotivação da cliente.

A partir dessas constatações, as propostas terapêuticas, que in i­


cialmente auxiliariam a cliente a contracontrolar o marido, voltavam-se agora
para o incentivo à emissão de comportamentos nos quais ela pudesse ser
positivamente reforçada: participar dos grupos da igreja, auxiliar na organi­
zação de festas da comunidade, fazer pães e entrar em contato com as vizi­
nhas, etc. Cabe ressaltar que essa orientação terapêutica só foi possível a
partir do questionamento da veracidade dos relatos da cliente, da considera­
ção dos novos dados que surgiam e da tentativa de análise da função dos
relatos da cliente na relação com o terapeuta.

C o n clu são

A título de conclusão, cabe voltar a pergunta colocada no título


desse trabalho: é possível saber se o cliente está falando a verdade?

Para responder a esse questionamento, temos diversos exemplos,


tanto conceituais e experimentais quanto da prática clínica, que nos mostram
que não podemos confiar cegamente nos relatos verbais.

Ao constatarmos a falibilidade de um relato - e esse já é um impor­


tante passo dois rumos deveriam ser incentivados: a pesquisa experimental
na área de comportamento verbal e a busca das contingências controladoras e
mantenedoras dos comportamentos (verbais e não-verbais) dos clientes nas
sessões terapêuticas.

As pesquisas experimentais fornecerão pistas a respeito de quando


podemos ou não confiar em um determinado relato. Enquanto isso, o trabalho
clínico coloca um desafio constante para os psicólogos. Nesse desafio, o primeiro
passo seria olhar com desconfiança para as verbalizações dos clientes. Uma des­
confiança que mobilize esforços na busca das contingências. Conforme formos
desvendando o emaranhado de contingências responsáveis pelos comportamen­
tos dos clientes - e aí também se inclui o comportamento do terapeuta em rela­
ção ao cliente - estaremos mais próximos de saber se o cliente está nos contando
a verdade, os pontos em que os relatos são distorcidos e a função das verbalizações
do cliente para o terapeuta e na relação com as demais pessoas com as quais os
clientes têm contato.

121
R e f e r ê n c ia s B ib l io g r á f ic a s

Baer, R. A., & Detrich, R. (1990). Tacting and manding in correpondence training:
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de Freitas Ribeiro, A. (1989). Correspondence in children's self report: tacting


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122
10
B eh a v io r is m o e C o m p r o m is s o S o c i a l *

Maria Regina Barbosa Assunçio"

Ao ser convidada para participar da 1* jornada de Ciência do


Comportamento da UFMG, escolhi como tema Behaviorismo e Compromisso
Social, motivada por;

• a oportunidade de estar diante de uma platéia, formada em sua grande


maioria por estudantes e recém-formados, p ossibilitando cham ar-lhes a
atenção para a necessidade da construção de uma prática p sicológica
direcionada à transformação da realidade social brasileira. Com esse mesmo
enfoque, está sendo organizada, em São Paulo, a " l 4 Mostra Nacional de
Práticas em P sic o lo g ia ", uma in ic ia tiv a do CFP (Conselho Federal de
Psicologia), em que o objetivo é privilegiar os trabalhos voltados para o
compromisso social;

• ter participado de uma palestra proferida pela Dra. Ana Mercês Bahia Bock,
presidente do CFP, em que ela fez uma reflexão sobre a Psicologia no Brasil,
elaborando questionamentos sobre a profissão do psicólogo no futuro: que
Psicologia queremos e de qual Psicologia precisamos no Brasil. Em sua
explanação, fez uma critica às concepções sobre o homem e sobre o fenômeno
psicológico que têm fundamentado a formação e a prática dos psicólogos,
apresentando a sua visão sobre esses aspectos, e que vai dar suporte às
suas propostas para tais formação e prática;

• ter iniciado, há pouco tempo, um estágio com meus alunos do Unicentro


Newton Paiva, em uma creche que atende a crianças carentes de 6 a 14 anos,

* Palestra Apresentada na 1* Jornada de Ciência do Comportamento da UFMG.


** Professora do Unicentro Newton Paiva, terapeuta e supervisora de estágios. Endereço: Av.
Getúlio Vargas, 668, sala 1002. Savassi, Belo Horizonte - MG. CEP 30112-901. E-mail:
mregina.ba@bol.com.br

123
resid en tes em uma favela situ a d a nas proxim idades da Faculdade de
Psicologia, com a perspectiva de estender esse trabalho às fam ílias dessas
crianças. Esse estágio faz parte dos "Projetos de Extensão de Psicologia"
que, de acordo com a Coordenadora Executiva de Extensão do Unicentro
Newton Paiva, Professora Ângela Ribeiro Rodrigues, são entendidos como
prática acadêmica que interliga a Universidade à demanda da sociedade. A
extensão legitima a escola de ensino superior como espaço privilegiado de
produção do conhecimento e de transformação social e possibilita a formação
do profissional cidadão;

• e, finalmente, por pensar que, como behavioristas afinados com a filosofia


Skinneriana, nosso compromisso deve ser ainda maior. Precisamos nos envolver
cada vez mais com as questões do nosso tempo e nos comprometer com um
trabalho que possa promover o bem-estar da população, buscando dar um
sentido político às nossas práticas, conscientizando-nos cada vez mais da
nossa função social.

Para iniciar a d iscu ssão desses m otivos, creio ser im portante


apresentar as idéias da Dra. Ana M. B. Bock sobre os conceitos de fenômeno
psicológico e de homem, que têm fundamentado a formação e a prática do
psicólogo e, em contrapartida, mostrar suas propostas, baseadas em uma visão
diferenciada desses conceitos.

Baseei-me num texto de 1997, de sua autoria, num resumo de


suas idéias, pois a clareza de seu discurso impede qualquer tentativa de
articulação e de aproximação. Apenas foram acrescentados alguns grifos para
enfatizar esta apresentação.

0 fenômeno psicológico tem sido visto de forma abstrata, como


a lg o d e scola d o, ind ep en de nte do in d iv íd u o e, m ais ainda, como uma
característica universal da espécie. A idéia da existência de um meio ambiente
está presente, mas é um meio genérico, que influencia o indivíduo, mas essa
influência também é genérica.

0 homem não está conceituado a partir de uma perspectiva sócio-


histórica. Não é pensado como alguém que se constrói ao construir o seu mundo.
É pensado como um ser dotado de uma essência universal e abstrata, que faz
dele homem.

Os pontos b ásicos que g u ia m su a v is ã o sobre o fenôm eno


p sicológico, sobre o homem e, conseqüentemente, sobre a form ação do

12 4
psicólogo, resumidamente, referem-se ao homem como um ser ativo, social e
histórico. A relação desse homem com a natureza, através de suas atividades, e
a relação com os outros homens constituem o ser humano. Há um permanente
movimento e um permanente processar do homem. 0 homem é criado pelo
homem. Não há natureza humana pronta. Não há aptidões. A única aptidão do
homem é poder desenvolver várias aptidões. E o desenvolvimento do indivíduo
se dá através do contato com a cultura e com os outros homens. O homem
aprende a ser homem.
0 indivíduo, ao adquirir as condições para sobreviver, adquire
também uma visão de mundo, adquire um conjunto de significados, pois essa
relação do homem com a cultura, mediada pelos outros homens, tem como
mediador fundamental a linguagem (comportamento verbal), através da qual
vai desenvolvendo sua consciência.

0 homem concreto (e não abstrato) é o objeto da Psicologia. A


Psicologia deve buscar compreender o indivíduo a partir da inserção desse
homem na sociedade. 0 indivíduo só pode ser realmente compreendido em
sua singularidade, quando inserido na totalidade social e histórica que o
determina e dá sentido a sua singularidade.

Segundo Ana M. B. Bock, a Psicologia não tem trabalhado assim.


Tem descolado o homem desta totalidade que o determina. E o Psiquismo
(comportamento privado) é tomado como algo já existente no homem. Nessa
perspectiva, há sempre um homem apriorístico dentro do homem e, na
perspectiva sório-histórica, nada no homem está aprioristicamente concebido.

Por isso, é preciso trabalhar na construção de uma concepção


social do Psiquismo humano, pois essa concepção deverá contribuir para que
nossa prática e nossas análises da realidade humana possam ser desvendadoras
das condições sociais.
Considero que as idéias citadas estão bastante afinadas com as
propostas do Behaviorismo Radical. Skinner foi um pensador, um cientista
diferente daqueles que o precederam, porque propôs que transformemos nossa
ação, nossa interação com o mundo social e não com o nosso mundo privado.
Ele sempre desprezou as explicações mentalistas para o comportamento e as
suposições de que a mente é capaz de originar o comportamento. No seu ponto
de vista, as explicações do comportamento devem ser buscadas nas variáveis
genéticas e ambientais. Os conceitos mentais confundem, enganam e desviam a
atenção das causas reais do comportamento.

125
Essa diferença, encontrada nas explicações skinnerianas segundo
Andery (1997),

"conduz a uma perspectiva completamente distinta no que diz


respeito à ação sobre a cultura: uma perspectiva que leva à ação e
não à inércia, que nos leva a considerar o outro ao invés de nos
colocarmos em contato apenas conosco mesmos, ou com aqueles
que são tão parecidos conosco, uma perspectiva que exige de nós
considerar o futuro, assim como o presente, nossa responsabilidade.
Não a re sp o n sa b ilid a d e m oral de ta n to s filó so fo s, m as a
responsabilidade de nos entendermos como sujeitos de nossa própria
existência. " (págs. 498-499).

Vivemos, hoje, uma realidade difícil, se considerarmos os altos


índices de violência presentes no nosso cotidiano.

A tendência sim plista é tentar identificar a causa do problema no


ladrão, no assassino, no delinqüente, quando se deveria direcionar a questão
para a estrutura social que determina a marginalização socioeconôm ica de
amplas camadas da população.

A sociedade mostra seu descrédito em relação ao governo, pois


observa que a política de segurança pública não consegue deter essa crise.

As fo rç a s p o lic ia is b r a sile ir a s n ão a lc a n ça ra m , a in d a , as
características de uma policia democrática. São autoritárias e arbitrárias. Seus
responsáveis não chegaram a compreender que a atividade policial numa
democracia deve ser exercida em benefício de todo o povo, para lhe dar
segurança e tranqüilidade, e não apenas em prol de uma parcela dele.

A constatação desses fatos aumenta o sentimento de impotência


das pessoas e contribui para disseminar a apatia em relação a todos os aspectos
da vida. Isto é, faz crescer a idéia de que não adianta fazer nada, porque tudo
continuará como está.

Mas, nossa reflexão deve levar-nos a entender a violência como


sinônim o de coerção. 0 termo coerção, de acordo com Sidman (1995), significa
a presença do controle aversivo em nossas interações com outros homens e
com a natureza. E controle aversivo envolve o uso de punição, reforçamento
negativo (fuga - esquiva) e privações socialmente im postas (Andery e Sério,
1997).

126
A utilização do controle aversivo produz mais violência e gera
contracontrole também aversivo.

Os comportamentos de fuga e esquiva que são produzidos por


um mundo repleto de estimulação aversiva manifestam-se através da apatia e
da passividade que percebemos na sociedade.

Várias ponderações aqui colocadas foram vivenciadas no estágio


iniciado com os alunos do Unicentro Newton Paiva, a partir da demanda da
própria creche em que ele se efetiva. Foi solicitado à coordenação do curso de
Psicologia o atendimento psicológico das crianças, pois estas apresentavam
"distúrbios psicológicos ou mentais". Tais "distúrbios" eram descritos como:
agressividade, violência, não acatamento das regras da creche, falta de limites,
dificuldades no relacionamento entre as crianças e os educadores da creche e
defasagem na aprendizagem , em relação aos conteúdos propostos pelas
escolas estaduais ou municipais que freqüentavam.

Ao fazer uma primeira avaliação do ambiente fam iliar e social


dessas crianças, observamos que desemprego, maus-tratos, alcoolismo, tráfico
de drogas, tiros, mortes, prisões e violência generalizada faziam parte do seu
cotidiano.

Confesso que me senti ansiosa diante da situação que me era


apresentada. Responsável por um grupo de alunos jovens, não habituados a
uma participação politica e pessoal nos problemas da comunidade, tive receio
de não c o n se g u ir tr a n s m itir -lh e s o que de fa to se n tia com o m inha
respon sabilidade . Como professora, com o a n a lista do com portam ento,
precisava ajudar a esclarecer as contingências responsáveis pelos chamados
"distúrbios psicológicos" ou "distúrbios mentais", termos tão utilizados pelos
adultos da creche, responsáveis por essas crianças.

Sabemos ser a fam ília o primeiro agente social que ensina os


c o m p o rta m e n to s t a n to so c ia is e a d e q u ad o s q uanto os a n t i-s o c ia is e
inadequados às crianças. Os pais, incapazes de proporcionar segurança, afeto
e disciplina, interagem com seus filhos de forma coercitiva. As variáveis
contextuais, presentes na comunidade e no lar, como baixo poder aquisitivo,
separações, alcoolismo, uso de drogas, discórdia conjugal, criminalidade na
fam ília, superpovoam ento da casa e número excessivo de filhos, afetam
indiretamente o comportamento desajustado dessas crianças.

Além da família, as crianças passam a conviver com a escola e


com a creche. Os padrões de comportamentos coercitivos, aprendidos em casa,

127
são repetidos nesses ambientes. Como conseqüência, apresentam problemas
de relacionamento com os colegas e educadores, sendo agressivas, destrutivas,
perturbadoras da ordem e resistentes à participação nas atividades. Começam,
então, a ser rejeitadas e o desempenho acadêmico é prejudicado.

Observa-se que a punição é a forma de controle mais utilizada


pelos adultos que lidam com essas crianças nos ambientes institucionais.
Ameaças, castigos, suspensões e expulsões são as únicas alternativas que
encontram para conseguir o mínimo de disciplina. Entretanto, relatam que,
por mais que "corrijam", não conseguem acabar com os comportamentos
desajustados.

N o sso tra b a lh o teve in íc io em du as fren tes. Enquanto os


estagiários de psicologia iniciavam o contato com as crianças, utilizando uma
sala de brinquedos e jogos variados, além de material pedagógico e de desenho
para essas interações, eu trabalhava com os funcionários da creche, com o
objetivo de discutir sobre os comportamentos problemáticos e anti-sociais
das crianças, relacionando-os com suas histórias familiares e com o ambiente
hostil da favela, mostrando como esses comportamentos são aprendidos e
mantidos. Esses encontros foram gradativam ente mudando a compreensão
desses funcionários, uma vez que deixaram de ver as crianças como "portadoras
de distúrbios". As causas dos comportamentos começaram a ser colocadas em
outro Lugar.

Os estagiários foram orientados a interagir com as crianças de


forma não punitiva, procurando reforçar os comportamentos de colaboração
e participação, ao mesmo tempo que disponibilizavam atenção, afeto e interesse
pelas suas conversas. Como conseqüência, as crianças apresentavam mais
vontade de ir à creche, porque o encontro na sala de Psicologia tornou-se
reforçador para elas. Os funcionários também foram orientados no sentido de
evitarem o uso de punição, procurando dar menos ênfase aos comportamentos
inadequados, enquanto aumentavam os reforçadores para os comportamentos
mais adequados.

Era necessário criar modelos de interações diferentes. A creche


não deveria repetir as form as de interação que essas crianças estavam
h a b itu a d as a vivenciar em seus ou tros am bientes. Estaríam os, assim ,
modificando pelo menos um contexto que, quem sabe, poderia contribuir para
a generalização de comportamentos mais adequados para os outros contextos.

Embora o contato com as famílias esteja ocorrendo paralelamente,

128
não podemos apresentar, ainda, dados sobre este trabalho. Estão sendo feitas
entrevistas com as mães (porque só elas comparecem), com o objetivo de
conhecer a história particular de cada criança e program ar orientações
especificas para cada família.

Para finalizar, gostaria de dizer que tem valido a pena. Não tem
sido fácil nem simples, mas por enquanto possível. Percebe-se que, após o
estágio, o aluno sai modificado, sensível ao desafio de produzir alternativas
à Psicologia tradicional.

E, se me permitem aqui um recado, deixo-o para os atuais e futuros


analistas do comportamento: é necessário contribuir ativamente na construção
de um mundo melhor e de dar um salto à frente como ser humano. Precisamos
de mais generosidade no dar, no oferecer ao outro, quebrando os vícios que
nos isolam socialmente. É tempo de gerar novas forças, colocando em prática
o que de mais nobre e positivo Skinner nos ensinou.

R e f e r ê n c ia s B i b l io g r á f i c a s

Andery, M. A. P. (1997). Algumas notas sobre a contribuição do behaviorismo


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129
11
V a r ia ç õ e s de id e n t id a d e s e x u a l:

UM PONTO DE VISTA TERAPÊUTICO COMPORTAMENTAL1

Ana Maria Lé Sénéchal-Machado2


UFMG

A sexualidade humana tem sido tratada com o um fenôm eno


extremamente complexo. Seu desenvolvim ento está relacionado a fatores
biológicos, psicológicos e socioculturais, o que equivale a dizer que a se­
xualidade desenvolve-se a partir das interações de um orga n ism o com
seus am bientes interno (b iológico e histórico) e externo (físico e social).
Nesse sentido, a definição da sexualidade pode ser compreendida através
da observância a dois aspectos essenciais: identidade sexual e com porta­
mento sexual (Lettner e Brito, 1988; Todorov, 1989; Rangé e Conceição,
1 9 9 5 ).

S obre a s e x u a l id a d e - id e n t id a d e e co m portam ento

A identidade sexual é firmada pelas características sexuais bi­


ológicas e psicológicas que compõem a auto-im agem e a im agem social de
uma pessoa, com respeito a sua definição sexual. Ou seja, a identidade

1 Versão modificada do texto apresentado na mesa redonda Sexualidade na Contemporaneidade,


promovida pelo Departamento de Psicologia do Unicentro Newton Paiva, em Belo Horizonte - MG,
no dia 16 de novembro de 2000.

1 Departamento de Psicologia, Fafich, UFMG: Av. Antônio Carlos, 6627, Campus da Pampulha, CEP
31270-901, Belo Horizonte, MG, Fone: (31) 3499-5022/5070. Site; www.faficii.ufmg.br/~senechal.
E-mails: 5 enechal@fafich.jfmg.br; senechal@terra.com.br
sexual de um ind ivídu o é reconhecida a partir da presença de órgãos se­
xuais característicos de cada gênero (testículos para os ind ivídu os do sexo
m asculino e ovários para os indivíduos do sexo fem inino), A definição da
identidade sexual de uma pessoa diz, portanto, da distinção entre o sexo
p s ic o ló g ic o (q u e irá se d e se n v o lv e r ao lo n g o d o s a n o s - s e le ç ã o
ontogenética) e o sexo fisio ló gico (caracteres sexuais primários - seleção
filogenética). In clu i ainda, a orientação sexual, que se define pela ocor­
rência de com portam entos con siste ntes em direção a um certo tip o de
objeto sexual, que permite, na maioria das vezes, precisar a noção que o
in d iv í d u o tem de su a m a s c u lin id a d e ou f e m in ilid a d e e de su a
heterossexualidade, hom ossexualidade ou bissexualidade (seleção c u ltu ­
ral) (Lettner e Brito, 1988; Todorov, 1989; Castilho, 1989; Rangé e Con­
ceição, 1995; Lopes, 1993).

0 com portam ento, visto como atividade prim ordial dos seres
v ivo s, é c o n ce itu a d o por Skin ne r (1979, 1980) com o um p ro du to da
interação entre o organism o (com sua base genética) e seu am biente (com
sua base histórica e im ediata). Pode ser descrito, de maneira ampla, "(...)
com o o movimento de um organismo no espaço, com respeito a ele mesmo
ou a qualquer outro quadro de r e f e r ê n c i a (Skinner, 1979, pág. 114). Es-
tendendo-se essa conceituação ao específico comportamento sexual, pode-
se, então, defini-lo como o que se refere "a toda e qualquer resposta, aber­
ta ou encoberta, que envolva alguma excitação na direção de um objeto se­
x u a l." (Rangé e Conceição, 1995, pág. 219), Assim, na caracterização do
sexo de uma pessoa, devem ser levados em consideração; 1) seu sexo
biológico, 2) sua identidade p sicológica, 3) seu papel sexual so cia l e 4)
sua preferência afetiva. Tais fatores dizem dos movimentos de um o rga ­
nismo em relação a ele mesmo e a outro e à efetivação de respostas, aber­
tas ou encobertas, na direção de um objeto sexual. Dizem, pois, que o
comportamento sexual pode ser uma função de suas conseqüências.

Quanto ao aspecto da diferenciação biológica (1) um indivíduo


só pode ser macho ou fêmea, salvo raras falhas, que permitem o desenvolvi­
mento de um intersexo (indivíduos que têm características físicas de ambos
os sexos, usualmente portadores de genitais malformados). A identidade psi­
cológica sexual (2) desenvolve-se muito cedo na criança. Parece conformar-
se com os padrões de comportamento sexual masculino, apresentados pelo
pai, ou com os de com portam ento se xu al fem in ino, apresen tados pela

131
mãe. Em função desse processo de aprendizagem de repertórios masculinos
ou femininos, a pessoa irá construindo contingências de identificação sexual,
afirmando-se e funcionando como homem ou mulher, ainda que contraria­
mente ao seu sexo biológico. São raros os casos, entretanto, em que essa
identidade psicológica contraria a biológica. Já o papel sexual social (3), ou
a disposição à diferenciação de atitudes que um individuo faz, muito prova­
velmente depende, em grande parte, dos processos de socialização e de apren­
dizagem de repertórios operantes funcionais que ocorrem em seu dia-a-dia.
Compreende-se, aqui, atitude como uma tendência a responder a alguma pes­
soa, objeto ou situação, de modo positivo ou negativo, e socialização como
um processo de aquisição de valores, de atos e de comportamentos específi­
cos aprovados pela sociedade. De modo especial, portanto, pode-se concluir
que a aprendizagem por observação e o condicionamento operante são es­
senciais para a socialização, do ponto de vista dos papéis sexuais exercidos.
Os seres humanos aprendem tanto o comportamento masculino como o femi­
nino observando os diversos modelos que os cercam. A preferência afetiva de
uma pessoa (4) pode estar direcionada a indivíduos do sexo oposto ou do
mesmo sexo, podendo, ainda, direcionar-se a ambos os sexos ou a nenhum
deles. Na grande maioria dos casos, porém, há uma preferência dominante,
hetero, homo ou bissexual. Nesse sentido, independentemente da maneira
como um indivíduo expressa sua sexualidade (na direção hetero, homo ou
bi), sua identidade psicológica e seu papel na sociedade são, via de regra,
coerentes com seu sexo biológico, salvo raras exceções. Pode-se observar, por
exemplo, que a maioria esm agadora dos hom ossexuais não é facilm ente
identificável na sociedade, exatamente porque se distingue dos heterossexu­
ais, em geral, somente por seus aspectos afetivos ou de manutenção de reper­
tórios na direção de um objeto sexual (Lettner e Brito, 1988; Castilho, 1989;
Lopes, 1993).

Como vimos até aqui, a definição da sexualidade de uma pessoa


está muito relacionada ao processo de desenvolvimento da identidade sexual
e aos processos de instalação, supressão, manutenção e alteração de certos
tipos de comportamentos ditos sexuais (tipificação sexual). Assim, pode-se
indicar que são os modos como um sujeito contingência seu sexo biológico e
também os modos como faz interagirem (não necessariamente de forma cons­
ciente) os componentes fisiológicos e operantes deste sexo, que modulam o
desenvolvimento de repertórios relacionados à construção de sua orientação
se x u al. P o rta n to , é p o s s ív e l c o n c lu ir que, m u ito p ro va v e lm e n te ,

132
são esses tais modos de contingenciação que vão produzir o ajustamento
sexual de um indivíduo, ou, ainda, controlar a direção e/ou as variações de
sua identidade sexual. Enfim, o desenvolvimento da sexualidade de uma pes­
soa parece estar vinculado ao desempenho funcional de habilidades de so ­
brevivência ou de contingências de sobrevivência, determinadas biologica­
mente e aprendidas. Entretanto, essas bases biológica e psicológica ainda
não estão bem compreendidas quanto aos seus controladores, ou seja, ainda
nenhuma afirmação pode ser conclusiva com relação aos determinantes e
mantenedores da sexualidade, tipificada, de um indivíduo. Pois, ainda que se
demonstre que há uma origem genética ou biológica para as variações de
identidade sexual (particularmente para o homossexualismo), não é sempre
possível confirmar essa demonstração, mesmo porque, em todos os casos de
variação, fica também evidente que o meio sociocultural também participa do
controle da produção e manifestação dessa indentidade sexual.

A PSICOTERAPIA COMPORTAMENTAL DAS VARIAÇÕES DE IDEN TIDADE SEXUAL

A psicoterapia com portam ental de orientação behaviorista ra­


dical privilegia um processo de autoconhecim ento com v istas a promover
um maior desenvolvim ento da percepção que uma pessoa tem de si, de
suas atitudes, pensam entos e sentim entos. Propõe a aprendizagem da auto-
observação, de modo a alcançar a ide ntificação das possíveis causas de
seu sofrimento, através do conhecim ento das razões do seu agir, pensar
ou sentir. A psicoterapia busca, portanto, fornecer subsídios para que a
própria pessoa, conhecendo melhor su as características, potencialidades
e Limites, possa antecipar a realização de com portam entos mais fu n cio­
nais, naquelas situações que estiverem se apresentando mais problem áti­
cas no seu d ia-a- dia (Lé Sénéchal-M achado, 2000; 2001). Nestes termos,
facilita a criação de novas condições de aprendizagem de estratégias fu n ­
cionais de ação e, conseqüentemente, de avaliação e correção, buscando
eliminar o com portam ento desajustado. A terapia com portam ental im p li­
ca, portanto, a ide ntificação e a análise das funções que os com portam en­
tos problem áticos têm, para que metas de aprendizagem de outras fu n ­
ções possam ser im plem entadas e treinadas. 0 propósito desse processo é
o de c r ia r ( n o v a s ) c o n d iç õ e s p a ra a a q u is iç ã o de r e p e r t ó r io s

133
diferenciados de com portam ento eficiente. Isto quer dizer que a terapia
com portam ental propõe e permite a observação e a seleção do que está
bem aprendido e deve ser m antido e do que está mal aprendido e deve ser
suprim ido ou substituído. Propõe, ainda, com partilhar conhecim ento com
o cliente sobre o que pode ser reconvencionado e enfrentado como grati-
fica n te ou resignado, com o m enos so frid o e m ais ra c io n a l (S p ie gle r e
Guevremont, 1998; Lé Sénéchal-M achado, 1999).

De maneira geral, quando uma pessoa é encam inhada para te ­


rapia ou procura, pessoalmente, por ela, pelo menos três determinantes
desse com portam ento parecem estar presentes: 1) a busca de ajuda para o
a lívio de um sofrim ento específico; 2) o reconhecim ento de que a lgu n s
aspectos de nossa maneira de viver podem ser m udados e a esperança de
uma "v id a m elhor" instaurada; 3) a crença de que o atendim ento p sicoló­
gic o p ro fissio n a l pode nos e n sin ar a avaliar m elhor n osso contexto de
vida e a m odificá-lo de acordo com o que aprendermos (Lé Sénéchal-M a­
chado, 2000, 2001).

Em minha experiência clínica como pro fissio nal psicoterapeuta,


raros foram os casos em que me deparei com problem áticas e/ou queixas
ligadas a transtornos ou desvios sexuais sérios ou "p ato ló gico s". Assim ,
não se ju stificaria aqui uma descrição detalhada das variações de ide n ti­
dade sexual im plicadas ou a descrição detalhada das análises fun cionais
efetuadas e dos relevantes ajustam entos com portam entais produzidos. Vale
registrar, no entanto, que esses atendim entos psicoterápicos (m uitas ve­
zes dados aos pais de crianças e adolescentes) às vezes se fizeram a sso c i­
ados a um acom panham ento médico, especializado, sugerido ao cliente e
quase nunca contrariado.

M u itos atendim entos foram e têm sido feitos a pessoas cuja


orientação sexual dirige-se ã homossexualidade. Nesse sentido, o proces­
so p sic o te r á p ic o pelo m odo a n a lític o c o n te x tu a i fu n c io n a l - te rap ia
com portam ental - dá-se por conta do interesse que o cliente homo ou
bissexual tem de compreender as causas de suas ações, sentim entos, emo­
ções e pensamentos. Aplica-se, conseqüentemente, ao estudo terapêutico
e à elucidação das problem áticas e das situações con flitan tes que a iden­
tidade hom ossexual, assum ida ou não, produz na interação de um orga ­
nismo com seus ambientes interno e externo (Spiegler e Guevremont, 1998;
Lé Sénéchal-M achado, 1999, 2000). A análise

134
clínica, contextuai e funcional das queixas espontâneas apresentadas pelo
cliente é efetivada em direção ao reconvencionamento de con flitos e ao
esclarecimento de traum as e crenças arraigadas (por exemplo, a de que a
hom ossexualidade é um "d efeito" de fabricação). Essa análise é dirigida,
ainda, ao rem anejam ento con tin gen cia l de repertórios d isfu ncion ais ex­
c essivo s ou d e ficitá rio s, su bm etid os a uma h istória de punição ou de
reforçamento n egativo desde há muito tempo.

A terapia comportamental, portanto, trabalhando com in d iv í­


duos de identidade sexual variada, procura identificar as histórias de con­
dicionam ento pavloviano e operante às quais os clientes foram e/ou es­
tão sendo subm etidos. A partir disso, as h istórias genética e atu al são
levantadas e um diagn óstico funcional é descrito. As queixas apresenta­
das são, então, a nalisadas como funções com portam entais adequadas e/
ou in a d e q u a d a s e como de scriçõe s de desem penhos, de re sp o sta s de
e n fr e n ta m e n to da id e n t id a d e s e x u a l e n u n c ia d a e d o s r e p e r tó r io s
com portam entais instalados, tipificados como "m ascu lin o" ou "fem inino".
Nessa direção, o tratam ento apresentado ou o trabalho com o cliente homo
ou bissexual deverá im plicar a análise fun cional detalhada das situações
de interação sexual e dos encadeam entos contingenciais, orgânicos e s o ­
ciais que ele vivência, com o objetivo maior de ajustá-lo ao seu meio so c i­
al, fam iliar e profissional: como se sabe, ele (cliente) não foi ã terapia
para aprender com o abandonar sua preferência e/ou orientação sexual
(Spiegler e Guevremont, 1998; Lé Sénéchal-Machado, 2000).

R e f e r ê n c ia s B ib l io g r á f ic a s

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136
12
V a r ia b il id a d e co m po rtam en tal: uma in t r o d u ç ã o

Adriana Cunha Cruvinel


Hérika de Mesquita Sadi
Marcos Alexandre de Medeiros

PUC-SP

"Criatividade" e "O riginalidade" são temas que despertam inte­


resse, curiosidade e admiração das pessoas em geral. Os atos criativos são
aparentemente inexplicáveis. Parecem surgir de maneira súbita e espontânea,
como um dom divino ou como uma característica inata. São considerados
criativos e originais exatamente por se diferenciarem de todas os anteriores
e, aparentemente, por surgirem repentina e misteriosamente, de maneira
imprevisível.

O fato de um fenômeno ser considerado inexplicável sign ifica


apenas que, possivelmente, ainda não dispomos de uma explicação adequa­
da. Skinner (1968/1975) aponta que:

“Uma questão parecida já ocupou lugar proeminente em dois


outros campos da ciência. Outrora parecia necessário atribuir a ori­
gem da vida ao ato de uma mente criativa - mas parece agora que
as moléculas complexas características dos sistemas vivos podem
ter surgido de precursores mais simples sob condições plausíveis.
Outrora parecia necessário atribuir a extraordinária diversidade das
coisas vivas a uma mente criativa - até que as teorias genéticas e
evolutivas da origem das espécies forneceram uma alternativa."
(Skinner, 1968/1975, pág. 169)

0 Behaviorismo Radical fornece uma explicação alternativa de


fenômenos, tais como a criatividade e a originalidade, sem recorrer a expli­
cações m entalistas e internalistas do comportamento. Apesar disso, uma
das c r ít ic a s m a is fr e q ü e n te s d ir ig id a s ao B e h a v io r is m o
Radical é que este "não consegue explicar as realizações criativas - na Arte, por
exemplo, ou na Música, na Literatura, na Ciência ou na Matemática". (Skinner,
1974/1993, pág. 7)

Essa crítica seria adequada para uma Psicologia do tipo estímulo-


resposta. Nas palavras de Skinner (1974/1993), o comportamento criativo co­
loca-se como um problema para esse tipo de abordagem:

"Trata-se de um problema insolúvel para a psicologia de estímulo-respos-


ta porque, se o comportamento nada mais fosse do que respostas a estí­
mulos, estes poderiam ser novos, mas não o comportamento. 0 condicio­
namento operante resolve o problema, mais ou menos como a seleção
natural resolveu problema semelhante na teoria da evolução. Assim como
traços acidentais, surgidos de mutações, são selecionados por sua contri­
buição para a sobrevivência, assim também variações de comportamento
são selecionadas por suas conseqüências reforçadoras." (Skinner, 1974/
1993, pág. 100).

0 Behaviorismo Radical, todavia, não encontra problemas para


explicar a criatividade. Como Skinner (1968/1975) aponta no trecho a seguir,
a criatividade é também um comportamento. É sensível às conseqüências que
produz, podendo ser selecionado e mantido pelo reforçamento. 0 condicio­
namento operante de comportamentos novos ou diferentes vem sendo estu­
dado e x p e rim e n ta lm e n te por uma área d e n o m in a d a V a ria b ilid a d e
Comportamental.

"Será possível gerar comportamento original reforçando os estudantes quan­


do se comportam de modo original ou punindo-os quando o seu comporta­
mento é estereotipado? Contingências que parecem ter esse efeito não
são desconhecidas. (...) Arranjamos contingências instrutivas dessa espé­
cie, quando, por exemplo, elogiamos um aluno por um trabalho que de­
monstre originalidade." (Skinner, 1968/1975, pág. 170)

A proposta do presente trabalho é apresentar a visão Behaviorista


Radical da criatividade e da originalidade e a maneira como a Análise Experi­
mental do Comportamento vem desenvolvendo pesquisas sobre o tema.

V a r ia b il id a d e comportamental

Ainda que todas as condições do ambiente se mantenham cons­


tantes, as respostas de um organismo apresentarão algum grau de variação.
"Os organismos mostram de maneira característica variabilidade de respostas,

138
mesmo na ausência de mudanças perceptíveis do meio." (Keller e Schoenfeld,
1950/1973, pág. 203)

Tendo em vista que o meio ambiente nunca se mantém o mesmo,


está em constante mudança, a variação do comportamento provavelmente
teve um grande valor adaptativo para a sobrevivência dos organismos, tendo
sido uma característica selecionada filogeneticam ente. Hunziker e Moreno
(2000) ressaltam que variação e seleção são processos complementares, am­
bos necessários à adaptação e à sobrevivência dos indivíduos. Entretanto,
segundo os autores: "Apesar dessa com ple menta ri edade entre os processos
de variação e seleção, a perspectiva behaviorista de análise do comportamen­
to tem priorizado o estudo dos processos seletivos, sendo sua ênfase dada
nas relações de conseqiienciação que selecionam determ inados padrões
comportamentais, com pouca análise dos processos de variação desses com­
portamentos," (Hunziker e Moreno, 2000)

Entretanto, a variação do com portam ento tam bém pode ser


selecionada, como já ressaltamos anteriormente. Assim, no presente texto,
adotaremos a distinção proposta por Hunziker e Moreno (2000): trataremos
"Variação" como o aparecimento inicial de mudanças em uma ou mais propri­
edades de uma resposta e "Variabilidade" como a seleção e a manutenção da
variação. Variação, todavia, não é uma propriedade relacionada a uma única
resposta, refere-se sempre a um conjunto de respostas. Só é possível afirmar
a existência ou não de variação em uma resposta quando esta é comparada a
outras. Trata-se, portanto, de um conceito relacionai.

Na Análise do Comportamento, existem vários trabalhos expe­


rimentais sobre as condições nas quais a variação acontece em m aior grau.
Aparentemente, o primeiro trabalho a in ve stigar essa questão foi realiza­
do por A nton itis, em 1951. 0 autor in v e stigo u os níveis de variação do
com p ortam e n to durante n ív e l operante, c o n d icio n am e n to , e x tin ç ã o e
recondicionam ento de uma resposta. O estudo utilizou ratos como sujei­
to s experim en tais em uma caixa eq u ipada com uma espécie de régua
milimetrada de 50 cm de comprimento, colocada horizontalm ente em uma
das paredes da caixa experimental. Durante a fase de condicionam ento, a
resposta de "fo c in h a r" era reforçada em qualquer ponto da régua. A vari­
ação era considerada m aior quanto m ais distante do centro estivesse o
ponto tocado pelo focinho do sujeito. 0 autor relatou que o m aior grau de
v a r ia ç ã o era e n c o n tr a d o d u ra n te a fa s e de e x tin ç ã o da r e s p o s ta ,

139
seguido pela fase de nível operante, e o menor grau de variação era observa­
do durante o condicionamento e o recondicionamento da resposta. Os dados
encontrados por Antonitis (1951) foram replicados em diversos estudos pos­
teriores que investigaram a variação de outras dimensões da resposta como
força (Notterman, 1959) e duração (Lachter e Corey, 1982).

Além da extinção, existem também evidências experimentais de


que o reforçamento intermitente aumenta o grau de variação das respostas.
(Eckerman e Lanson, 1969; Sim onassi, Santos, Pires, Vasconcelos, lim a e Pi­
res, 1986; Tatham, Wanchisen e Hiline, 1993). A privação e a magnitude do
reforço são outras condições que também alteram o grau de variação de uma
resposta: quanto menor a privação ou menor a magnitude do reforço, maior o
grau de variação (Carlton, 1962).

Os estudos sobre Variabilidade Comportamental vêm investigan­


do se a variação pode ser selecionada pelas suas conseqüências como qual­
quer outra dimensão operante do comportamento, por exemplo, força, topo­
grafia e intervalo entre respostas (IRT). Além disso, vêm investigando se esta
pode ser colocada sob controle de estímulos e também se está sujeita às
mesmas leis que regem o comportamento operante.

Aparentemente, Schoenfeld, Harris e Farmer (1966) conduziram


o primeiro experimento que investigou o reforçamento da variação. Utilizou
ratos enquanto sujeitos experimentais, e seu procedimento consistia em re­
forçar somente respostas que apresentassem um IRT (Inter Response Time -
Intervalo Entre Respostas) diferente do último apresentado. Com esse proce­
dimento, os sujeitos desenvolveram um padrão de alternação de intervalo
entre respostas longos e curtos. Os autores, a partir desses resultados, con­
cluem que a variabilidade pode ser produzida como função direta das contin­
gências de reforçamento aplicadas a ela, e esta se limita à variabilidade ne­
cessária para atingir a exigência da contingência em vigor.

Em 1969, Pryor, Haag e O'Reilly desenvolveram um estudo com


golfinhos, no qual eram reforçados saltos, movimentos e nados que nunca
tinham sido observados nas sessões anteriores. Os resultados obtidos foram
que os sujeitos passaram a emitir movimentos, giros e acrobacias que não
haviam sido observados em golfinhos dessa espécie.

Outro estudo de grande relevância para a área de Variabilidade


Comportamental foi o de Page e Neuringer (1985).

140
Nesse trabalho, os autores realizaram uma série de seis experimentos. Nesses
experimentos, foram utilizadas caixas experimentais que continham duas cha­
ves, uma do lado esquerdo e outra do lado direito da mesma parede da caixa.
Eram reforçadas seqüências de respostas diferentes nas chaves. No terceiro
experimento, foi utilizado um procedimento de tentativas discretas, em que
cada seqüência de oito respostas às duas chaves era considerada uma tentati­
va discreta. 0 critério de reforçamento, nas primeiras sessões, era a emissão
de uma seqüência de respostas diferente da seqüência apresentada na tenta­
tiva anterior (esse procedimento foi chamado LAG 1 - caso fosse exigido que
a seqüência atual fosse difente das duas anteriores, seria LAG 2, e assim por
diante). Nesse experimento, os autores aumentaram gradualmente o critério
de reforçamento de LAG 1, para LAG 5 e sucessivamente para LAG 10, LAG 15,
LAG 25, chegando em LAG 50. A quantidade de seqüências novas e diferentes
aumentavam em função do aumento do critério LAG. Segundo os autores, a
variabilidade foi explicitamente reforçada. No mesmo estudo, no experimen­
to seis, os autores estabeleceram um controle de estímulos para o reforçamento
da repetição da mesma seqüência (estereotipia) e para o reforçamento da
emissão de seqüências de respostas diferentes (variabilidade) das cinco últi­
mas emitidas (LAG 5). Diante de uma luz azul, só eram reforçadas seqüências
de respostas diferentes e, diante de uma luz vermelha, somente a emissão de
uma seqüência específica de respostas era reforçada. Concluíram que a varia­
bilidade é uma dimensão operante do comportamento, sendo sensível às con­
seqüências e podendo ficar sob controle de estímulos.

As pesquisas em Variabilidade Com porta mental têm se mostrado


úteis e relevantes com o uma alternativa para o estudo experim ental da
criatividade e da originalidade. Estes estudos experimentais sugerem que a
criatividade não surge de maneira espontânea. Ao contrário do que se pensa,
a criatividade não é estimulada por um ambiente "laissez- faire". 0 comporta­
mento criativo ocorre quando existe reforçamento contingente à sua emis­
são. Além disso, o grau de criatividade diminui ou aumenta dependendo da
exigência das contingências de reforçamento em vigor.

R e f e r ê n c ia s B ib l io g r á f ic a s

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142
13
A q u e i ç â o d e d is c r im in a ç ã o em m ú l t ip lo s EXT (MIX VI) e EXT
(MIX EXT VI) EM RATOS

Cloves Alves Baier, Alysson Altris Carvalho Pinto1

Helton Rocha Campos2

Luiz Octavio Souza de Oliveira3

UFMG

A disposição temporal entre eventos, no condicionamento clássi­


co, constitui um determinante da magnitude da resposta condicionada ou do
tipo de condicionamento obtido, se excitatório, inibitório ou nulo. Os manu­
ais introdutórios de análise do comportamento geralmente discorrem sobre
alguns arranjos básicos (ver, por exemplo, Millenson, 1967 e Catania, 1998).
Quando um CS precede um US, nos chamados condicionamentos simultâneo,
de traço e retardo, observa-se, geralmente, condicionamento excitatório. Quan­
do o arranjo é invertido, o US precede o CS, o resultado é nenhum condicio­
namento ou condicionam ento inibitório. Um experimento em que se usou
automodelagem como preparação ilustra bem estas idéias (Kaplan, 1984). 0
procedimento envolvia condicionamento de traço, em que se estabelece uma
lacuna entre o término do CS e o início do US. Os intervalos entre USs suces­
sivos eram fixos (87 segundos), os CSs tinham duração de 12 segundos e a
variável independente era a duração da lacuna. As durações da lacuna
investigadas foram 6, 12, 24, 36, 48, 60 e 72 segundos. Note-se que, à medi­
da que a lacuna CS-US aumenta, mais próximo o CS fica do US precedente e
também que, à medida que o intervalo CS-US diminui, mais próximo o CS fica
do US subseqüente. Os resultados mostraram uma gradação do condiciona­
mento na dimensão excitação/inibição: com Lacunas grandes, em que o CS
está mais próximo do US antecedente, observou-se condicionamento inibitó

1 Bolsista PIBIC.
‘ Aluno de graduação do curso de Psicologia.
1 Aluno de graduação do curso de Psicologia.
rio e, com Lacunas pequenas, em que o CS está mais próximo do US subseqüente,
condicionam ento excitatório.

No condicionam ento operante, podemos também falar sobre a


importância da disposição temporal entre eventos. Aqui, novamente podemos
recorrer aos manuais introdutórios de análise do comportamento. Por exemplo,
estes textos mencionam sempre que, para que a resposta seja ou se mantenha
fortalecida, é necessário que o reforço siga imediatamente uma dada resposta.
Os dados de Fowler e Trapold (1962) mostram que uma resposta de fuga
(reforço negativo), em ratos, torna-se mais lenta quanto mais se atrasa a
retirada do estímulo aversivo contingente à resposta de fuga. Esses manuais
também mencionam que, em FI, a distância tem poral entre reforçadores
sucessivos controla a duração da pausa pós-reforço: quanto mais distantes
temporalmente os reforçadores, maiores as pausas pós-reforço. A própria
passagem do tempo também é Lembrada como uma variável controladora da
probabilidade do responder em FI (Catania, 1991). Com este esquema, ocorre
uma pausa pós-reforço e, após esta, o responder sofre uma aceleração até o
momento do reforço subseqüente. A generalidade deste princípio é tão ampla
que, se forem introduzidos períodos de extinção (EXT) no intervalo entre
reforços, as taxas de respostas serão maiores quanto mais próximos estiverem
os períodos de EXT do reforçador subseqüente (Dews, 1962). É com base nesta
generalidade, que propusemos a pergunta que originou este trabalho: a
Localização dos reforçadores ao longo de SD seria capaz de afetar a aquisição
de uma discriminação? A suposição inicial de que partimos para fazer esta
pergunta é a de que o controle tem poral exercido sobre o responder em
esquemas de FI seria análogo quando um bloco de reforços ocorre a intervalos
fixos. Qual seja, o responder aumentaria à medida que se aproxima o momento
dos reforços. A outra suposição é a de que o responder seria mais acentuado
quando o estímulo vigente, no momento que precede os reforçadores, for SD
do que quando este estímulo for SD. Deste modo, a hipótese deste trabalho é
a de que teremos um desempenho discrim inativo melhor em um esquema
Mult EXT (M IX V I EXT) do que em um esquema Mult EXT (M IX EXT VI), em que
cada um dos esquemas sim ples tem durações igu ais. No primeiro destes
esquemas múltiplos, temos um período de EXT sinalizada (EXT s) precedendo
os reforçadores programados pelo V I e um outro período de EXT não sinalizada
(EXT ns). No segundo, temos um período de EXT s seguido de outro período
de EXT ns que, por sua vez, é seguido pelos reforçadores programados pelo
VI.

144
M éto d o

Sujeitos
Foram u tilizados como su je itos seis ratos a lb in o s, machos,
provenientes do biotério do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade
Federal de Minas Gerais, com idade variando de 120 a 140 dias no inicio do
experim ento. Os sujeitos, alojados individualm ente, foram m antidos no
biotério do Departamento de Psicologia e, durante os primeiros dez dias,
tinham água e ração à vontade para aferição de seus pesos ad libitum. Após
estes dez dias, seus pesos foram reduzidos a níveis compreendidos entre 80 e
8 5 % de seus pesos ad libitum ,através de restrição de acesso à água, níveis
estes que foram mantidos no curso do experimento.

Equipamento
Foi u t iliz a d a uma câm ara de c o n d ic io n a m e n to o p e ra n te
(HABITEST™) equipada com os seguintes módulos: dois falantes, uma barra
conectada a um dispensador de água, cubículo de isolamento acústico, luz
ambiente, gerador de ruído branco, gerador de estímulos sonoros, todos do
fabricante Coulbourn. Uma microcâmera de vídeo conectada a um aparelho
de televisão foi instalada no interior da câmara de condicionamento, com a
finalidade de se permitirem observações visuais. A programação de enventos,
apresentação de estímulos discriminativos e reforçadores ou primários, bem
como os registros de dados foram efetuados em um PC conectado ao ambiente
experimental através de interface e software (Graphic 5tate 1.013-00) do
mesmo fabricante. Como estím u lo s sin alizad ore s dos com ponentes dos
múltiplos, foram utilizados um tom continuo cuja freqüência era de 1000 Hz
e um tom intermitente, 0,5 segundo ligado e 0,5 segundo desligado, cuja
freqüência era de 3500 Hz. 0 tom con tínu o foi utilidado como SD e o
intermitente como SD. Água foi utilizada como estímulo reforçador e, durante
suas apresentações, não apenas se desligava a luz ambiente, mas também
ilum inava-se o bebedouro.

Procedimento
Após modelagem de resposta de pressão â barra, duas sessões de
CRF, que se encerravam com 60 reforços, duas de VI 30s com duração de 30
minutos, duas de V I 60s, que também se encerravam com 60 reforços, os
sujeitos foram expostos ao treino discrim inativo ou fase experimental. Na
fase experimental, os sujeitos foram divididos em dois grupos. Um deles (n=3),
denominado INIC, foi exposto ao esquema Mutt EXT (mix VI EXT); e o outro,
denominado FIN, ao esquema Mult EXT {mix EXT VI). As durações de cada um
dos componentes simples dos esquemas compostos eram de 90 segundos,

145
de modo que, para o grupo INIC, os ciclos iniciavam com um período de SD,
de 90 segundos, seguido de um período de SD, também de 90 segundos e,
finalm ente, se gu ido de um novo período de SD, não sin alizado, de 90
segundos. Para o grupo FIN, a seqüência dos ciclos era primeiro um período
de SD de 90 segundos, outro período de SÀ de 90 segundos, não sinalizado,
e finalmente, um período de SD de 90 segundos. 0 sinal presente no período
inicial dos ciclos (EXT ou SD) era um tom intermitente de 3500 Hz e o sinal
presente nos períodos de SD e SD subseqüentes era um tom continuo de 1000
Hz. 0 esquema em vigor nos períodos de SD era um V I 30 s. As sessões
experimentais, em número de 33, eram diárias e duravam 90 minutos. Foram
registrados o número de reforços por sessão e o número de respostas em
cada segmento de 90 segundos dos ciclos por sessão. Os intervalos de EXT,
tanto sinalizada quanto não sinalizada, foram subdivididos cada um em 5
intervalos de 18 segundos e foi registrado o número de respostas em cada
um deles. Dito de outro modo: foram registradas as respostas em cada
décimo-d os intervalos de EXT.

R esultados

A Figura 1 mostra os índices médios de discriminação por grupo


ao longo das 33 sessões experimentais. A curva com os rótulos quadrados
rep rese nta o gru po IN IC ; e a curva com os re d on d os, o gru p o FIN.
A parentem ente, os su je ito s do grupo FIN m ostram in d ice s m aiores de
discriminação. 0 problema é que os dados médios mascaram a variabilidade
dos dados individuais mostrados nas Figuras 2 e 3. A Figura 2 mostra os
índices de discriminação por sessão de cada sujeito do grupo INIC. A Figura 3
mostra os índices de discriminação por sessão de cada sujeito do grupo FIN.
A inspeção destas figuras mostra claramente uma variabilidade substancial
dos índices de discriminação entre sujeitos submetidos a um mesmo tratamento
experimental. Além disso, comparando-se os dados mostrados nas Figuras 2 e
3, observa-se uma variabilidade, nas sessões iniciais, maior no grupo FIN do
que no grupo IN IC e, nas sessões finais, o contrário. De qualquer modo, os
dados relatados até aqui não parecem convincentes de que o deslocamento
dos estímulos reforçadores seja uma variável que melhore ou piore a aquisição
de uma discriminação. Contudo, a análise do responder nos períodos de EXT
dá algum respaldo à hipótese inicialmente formulada, qual seja, a de que o
responder aumentaria à medida que se aproxima o momento do reforço. A
Figura 4 mostra o número médio de respostas nos décimos sucessivos de EXT
em cada grupo nas três sessões finais do procedimento de discriminação. 0s

146
Figura l. índices médios de discriminação por sessão dos grupos INIC
(rótulos quadrados) e FIN (rótulos redondos).

cinco pontos iniciais das curvas representam o número percentual de respostas


do responder total das sessões 31, 32 e 33, após o bloco de reforços. Para o
grupo IN IC , estes pontos referem-se a EXT ns e, para o grupo FIN, a EXT s. Os
últimos dn co pontos das curvas representam o número percentual de respostas
do responder total das sessões 31, 32 e 33, antes do bloco de reforços. Para
o grupo INIC, estes pontos referem-se a EXTs

Figura 2. índices de discriminação por sessão de cada um dos sujeitos do


grupo INIC.
147
ID Grupo Fin
n»3

Sessões
Figura 3. índices de discriminação por sessão de cada um dos

R <%): 10o«. tuc«Mkvo* <to EXT 5 • N$


úM m M SM w An

w» *«# ano ví vi» o>m mi ww *«


Figura 4. Percentagens médias de respostas nos décimos sucessivos de EXT dos
três sujeitos de cada grupo nas últimas três sessões. Para o grupo INIC (rótulos
quadrados), os primeiros cinco vaLores foram obtidos em EXT sinaLizada; e para
o grupo FIN (rótulos redondos), em EXT sinalizada. Os últimos cinco valores
foram obtidos em EXT sinalizada para o grupo INIC e em EXT não sinalizada para
o grupo FIN.

148
e, para o grupo FIN, a EXT s. 0 que se observa é que, na Figura 4, há um decréscimo
do percentual de respostas após os reforços (primeiros cinco décimos de EXT),
quer a EXT em vigor fosse sinalizada (grupo FIN) ou não (grupo INIC), e um
aumento do percentual de respostas antes dos reforços (últimos cinco décimos
de EXT), quer EXT fosse sinalizada (grupo INIC) ou não (grupo FIN). Note-se que,
embora os dados sejam médios de três sujeitos e de três sessões, eles descrevem
bem o que ocorreu para cada sujeito em cada sessão. Além disso, vale apontar
também que o aumento de respostas nos intervalos pré-reforço é substancialmente
maior no FIN do que no grupo INIC. Em suma, observa-se que, nas últimas três
sessões da fase experimental, a distribuição de respostas antes dos reforços é
parecida com a distribuição de respostas entre reforços em FI.

D iscussão

Os resultados principais mostram claramente que o deslocamento


dos estímulos reforçadores não afetou a aquisição da discriminação. Isto porque,
embora os índices médios de discriminação descritos na Figura 1 apresentem
um desempenho melhor no grupo FIN do que no grupo INIC, os dados individuais
descritos nas Figuras 2 e 3, pela sua variabilidade, tornam arriscado concluir
favoravelmente à hipótese de trabalho. Por outro lado, a análise das taxas
Locais nos segmentos de EXT, mostrada na Figura 4, sugere a presença de um
controle temporal do responder análogo ao que se verifica em FI. 0 responder
aumenta à medida que os reforçadores se aproximam. Cabe, então, perguntar
por que esta forma de distribuição do responder em EXT não se refletiu nos
índices de discriminação. Ou seja, nitidamente aparece um aumento progressivo
do responder à medida que se aproxima o momento do bloco de reforços.
Apesar disto, não aparecem efeitos à aquisição da discriminação, ou aparecem
muito fracamente. Por quê? Uma possibilidade é que uma proporção muito
grande das respostas se concentrou nos segmentos de reforços em ambos os
grupos e, em contrapartida, restou uma proporção de respostas pequena para
o período de EXT sinalizada, insuficiente, portanto, para repercutir nos índices
de discriminação. De qualquer modo, estes dados são consistentes com os dados
de Dews, 1962. Dews relata taxas de respostas maiores à medida que se aproxima
o reforço num FI. Isto se observa mesmo quando são intercalados intervalos
sinalizados de EXT: as respostas aumentam nestes intervalos à medida que se
situam mais próximos do reforço. Todo o esforço de análise dos dados deste
experim en to c e n tro u -se nos in te rv a lo s que anteced iam os e stím u lo s
reforçadores. Curiosamente, o responder pós-reforço é também consistente com
resultados de um procedimento que envolve a omissão de reforçadores em um
esquema de FI (Gibbon e Church, 1990). Tipicamente, quando se omite o estímulo
reforçador, o responder pós- reforço distribui-se de forma simétrica ao responder
p ré -re fo rço : as t a x a s de r e s p o s ta s a u m e n ta m á m e d id a que se

149
aproximam do momento do reforço (momento do pico) e, a partir de então,
iniciam uma redução proporcional ao aumento pré-reforço. Isto foi observado
também no presente estudo. 0 intervalo de reforços envolvia um número
variável de reforços, um mínimo de dois e um máximo de seis. Para um grupo
(IN IC ), o término do intervalo reforçador não era sinalizado por estímulos e
sequer por um número fixo de reforços. A liberação do reforço em FI, por si
só, acaba se tornando um estímulo discriminativo para deixar de responder
logo a seguir. Quando omitido, portanto, não há dica externa e o controle que
aparece deve ser de natureza temporal. Seria o caso do decréscimo do responder
pós-reforço no grupo INIC. E quanto ao grupo FIN? Para este grupo, o término
do intervalo reforçador era sinalizado por EXT, e mesmo assim, aparece nas
sessões finais um decréscimo do responder. Isto sugere a permanência de um
controle temporal, mesmo em pregando-se um estím ulo sinalizador de EXT.
Retornando ao FI: é possível que a omissão do reforçador, no procedimento
conhecido como momento do pico, mesmo sinalizada por algum estímulo de
EXT leve a uma redução progressiva do responder, controlada temporalmente.

R efer ê n c ia s B ib lio g r á fic a s

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150
14
0 MODELO DE SELEÇÃO POR CONSEQÜÊNCIAS A PARTIR DE TEXTOS DE

B. F. S kinner

Maria Amalia Pie Abib Andery

Nilza Micheletto

Te reza Maria de Azevedo Pires Sério

PUC-SP

A defesa de B. F. Skinner da determinação do comportamento huma­


no é hoje fato bem divulgado. Talvez menos divulgado seja que esta defesa aca­
bou levando Skinner a elaborar um modelo de causalidade peculiar chamado por
ele de seleção por conseqüências (Skinner, 1981/1987). Neste artigo, pretende­
mos destacar algumas das características desse modelo e indicar algumas impli­
cações para o trabalho dos analistas do comportamento que assumem esse mo­
delo ao Lidar com a determinação do comportamento humano.

M odelo c a u s a l : u h aspecto po lém ico

No percurso da elaboração do modo casual de seleção por conse­


qüências, Skinner tinha claro que se a simples defesa de que o comportamento
humano é determinado já gerava polêmica, mais polêmica era gerada pela meneira
como ele concebia tal determinação. Iniciando um dos capítulos de About
Behaviorísm (Skinner, 1974), ele afirma:

"Acredito que uma análise científica do comportamento deve


assumir que o comportamento de uma pessoa é controlado por suas
histórias genéticas e ambientais e não pela própria pessoa como uma
agente iniciador, criador, mas nenhuma outra parte da posição
behaviorísta tem originado objeções mais violentas." (pág. 189)

In iciare m o s a caracterização desse modelo causal p ro c u rin -


do co m p reen d e r as razões p e la s q u a is a conctpçlo d l
determiação do comportamento humano é o aspecto que tem gerado as reações
mais violentas ao Bebaviorismo Radical.

Acredita-se que a existência dessas reações pode estar relaciona­


da a dois conjuntos de aspectos: aspectos internos à própria análise do com­
portamento e aspectos externos à analise do comportamento.

A spectos internos

Será difícil encontrar analistas do comportamento que desconhe­


çam a distinção entre a análise do comportamento e o Behaviorismo Radical.
Entre nós, é prática comum considerar o Behaviorismo Radical como a filoso­
fia que fundamenta uma prática científica que hoje pode ser chamada de aná­
lise do comportamento. Entretanto, o reconhecimento dessa distinção parece
não estar sendo suficiente para que os aspectos "filosóficos" mereçam o mes­
mo destaque que têm os aspectos "científicos", em nossos estudos. A discus­
são sobre a distinção entre descrever e explicar pode muito bem exemplificar
isso e apontar aLgumas implicações.

Encontramos, em textos de Skinner, apoio para diferentes posi­


ções com relação às atividades de descrever e explicar o comportamento. Em
alguns textos, Skinner (por exemplo, 1931/1999) afirma que, quando o estu­
dioso do comportamento está descrevendo o comportamento, ele está reali­
zando exatamente a mesma atividade que realiza quando está explicando o
comportamento. Em outros (por exemplo, 1957), Skinner sugere que descre­
ver e explicar são atividades diferentes e ambas necessárias para o estudo do
comportamento. Apesar da presença de posições diferentes sobre um aspecto
importante do fazer ciência, a discussão da distinção entre descrição e expli­
cação não se difundiu entre os analistas do comportamento; tal discussão
tem sido realizada apenas em âmbito restrito, envolvendo aqueles analistas
do comportamento que se dedicam ao estudo dos aspectos filosóficos que
fundamentam a análise do comportamento. Entretanto, discutindo ou não, a
prática do analista do comportamento revela seu compromisso com alguma
dessas posições e, na prática, a maioria dos analistas do comportamento pa­
rece estar orientada pela ótica da igualdade entre descrever e explicar. Há,
entre os analistas do comportamento, a tendência a identificar explicação do
comportamento com descrição do comportamento e a voltar toda a sua aten­
ção para o que é comumente chamado de "descrição de relações funcionais".
Ao fazer isso, além de todos os possíveis problemas decorrentes da pouca

152
delimitação da expressão "relações funcionais", o analista do comportamen­
to parece acreditar que ao descrever ele já explica; crença que acaba por afastá-
lo do estudo do modelo causal que orienta (ou deveria orientar) sua prática
descritiva.

Como afirma Skirmer (1953), é a complexidade do comportamen­


to, e não sua inacessibilidade, que o torna um objeto de estudo difícil; parte
dessa complexidade deriva do fato de que o comportamento "é um processo,
e não uma coisa, (...) é mutável, fluido e evanescente (...)" (pág. 15}. A
complexidade do comportamento, do evento comportamental, aparece já no
momento de sua descrição. Para descrever um comportamento, um evento
comportamental, o analista do comportamento precisa descrever um conjun­
to de relações.

Podemos dizer que, pelo menos, quatro relações básicas precisam


ser descritas:

a) as re laç õ e s e s t ím u lo -r e s p o s t a , c a r a c t e r ís t ic a s de re fle x o s
incondicionados;

b) as relações estím ulo-estím ulo, características de condicionam ento


respondente ou pavloviano e que podem gerar novas relações estímu-
lo-resposta, características, agora, de reflexos condicionados;

c) as relações re sp o sta -e stím u lo , características do com portam ento


operante, e

d) as relações estímuLo-resposta-estímulo, características da tripLice con­


tingência.

Essas relações, ao lado do próprio organismo com suas caracte­


rísticas peculiares e do estado desse organismo no momento da descrição,
constituem o fenómeno comportamental (Moore, 1990). Assim, ao identificar
os aspectos relativos ao organismo que se comporta e as relações indicadas,
estamos identificando os fatores que constituem, que compõem, que formam
o evento comportamental; em outras palavras, estamos descrevendo o fenô­
meno comportamental.

Esta atividade, apesar de toda a dificuldade que possa e n ­


volver, não esgota o que se espera que um an a lista do com p ortam ento
faça para com preender um evento com p ortam e n tal. D ian te das rela­
ções c o n stitu tiv a s do evento, cabe a ele p erguntar sobre o porquê de s­
sa s r e la ç õ e s : por que sã o e ssas as r e la ç õ e s c o n s t it u t iv a s

153
do comportamento em questão? Com essa pergunta, estamos passando para a
atividade de explicar e, ao realizar essa atividade, vamos nos defrontar com o
modo causal que, sabidamente ou não, deve ter orientado nosso trabalho de
produção de conhecimento até aqui.

Um exemplo da passagem da descrição para a explicação pode


ser identificado na maneira como Skinner (1953) aborda o conceito de estí­
mulo reforçador em Ciência e Comportamento Humano. Após definir, ilustrar
e classificar os estímulos reforçadores, Skinner coloca como um dos subtítu­
los do texto a seguinte pergunta: por que um reforçador é reforçador? E ele
inicia assim a sua resposta:

"Quando reforçamos uma resposta e observamos a mudança em sua


freqüência, podemos simplesmente relatar o que aconteceu em ter­
mos objetivos. Mas, ao explicar por que isto aconteceu, devemos
nos remeter provavelmente à teoria. Por que o reforça mento refor­
ça? (...) Uma explicação biológica do poder reforçador é, talvez, o
mais longe que podemos ir ao dizer porque um evento é reforçador,"
(págs. 81, 84)

É interessante notar que, antes de apresentar a explicação que


acredita ser mais adequada, Skinner apresenta e critica explicações (prazer ou
satisfação, redução do estado de privação, vantagem biológica) que poderi­
am ser oferecidas como respostas à pergunta "por quê?", e sua crítica não se
fundamenta na afirmação de que os fenômenos envolvidos nessas explica­
ções não ocorrem, e sim na afirmação de que, mesmo ocorrendo, não têm
papel causal. Antes de encerrar este exemplo, é preciso destacar que a distin­
ção entre descrição e explicação parecer ter importância especial no caso dos
estímulos reforçadores; é com base nessa distinção que Skinner (1953) en­
tende e rejeita a critica da circularidade da definição de estímulo reforçador:

"Observamos a freqüência de uma resposta selecionada, en ­


tão tornamos um evento contingente a ela e observamos qualquer
mudança na freqüência. Se houver uma mudança, classificamos o
evento como reforçador para o organismo, sob as condições existen­
tes. Não há nada de circular em classificar eventos em termos de
seus efeitos; o critério é empírico e objetivo. Entretanto, seria circu­
lar se, então, passássemos a afirmar que um dado evento fortalece
um operante porque ele é reforçador." (pág. 73)

Parece, assim, que temos um problema no momento em que


desconsideramos a distinção descrição-explicação e nos afastamos do estudo,

154
da discussão do modelo causal. Este afastamento pode ser uma das razões da
polêmica gerada por tal modelo causal; nós mesmos não nos encontramos pre­
parados para explorá-lo e difundi-lo.

A spectos externos

Em mais de um texto em que aborda o modelo causal de seleção


por conseqüências, Skinner (por exemplo, 1971/1972; 1981/1987) oferece
indícios das razões que podem ter dificultado a aceitação deste modelo.

Em primeiro lugar, Skinner ressalta que este modelo é muito dife­


rente dos modelos causais já difundidos; mais do que isso, a relação causal
característica desse modelo é menos aparente que as relações supostas nos
demais modelos:

"A seleção é um tipo de causalidade, muito menos visível, que a


causalidade empurra-puxa da física do século XIX, e a descoberta
de Darwin pode ter aparecido muito tarde na história do pensamen­
to humano por esta razão." (1971/1972, pág. 353)

Um modelo diferente dos já difundidos, com relações menos vi­


síveis, e que deverá disputar um lugar já ocupado por outros modelos cau­
sais:

"Como um modo causal, seleção por conseqüências foi descoberto


muito tarde na história da ciência - na verdade, há menos de um
século e meio - e ainda não é completamente reconhecido e e n ­
tendido (...). Os fatos pelos quais ele é responsável têm sido encai­
xados [forced into] no padrão causal da mecânica clássica, e mui­
tos dos esquemas explicativos elaborados no processo devem ser
agora descartados. Alguns deles têm agora grande prestigio e são
vigorosamente defendidos (...)." (págs. 56, 57)

Podemos, assim, entender a dificuldade de aceitação do mode­


lo causal proposto pelo Behaviorism o Radical: aceitá-lo sign ifica abando­
nar explicações já propostas e bem difundidas, e abandoná-las por um mo­
delo que envolve relações causais que não se apresentam facilm ente para
exame e que exigiria uma mudança muito grande em nossa forma de pensar.
Skinner (198 1/1987) oferece alguns exemplos de explicações que seriam

155
abandonadas, caso o modelo de seleção por conseqüências fosse assumido;
esses exem plos envolvem explicações que podem ser classificadas como
mecanicistas e explicações que podem ser classificadas como finalistas e são
bastante ilustrativos da resistência que tal abandono enfrentaria. Segundo
ele, a seleção por conseqüência ocuparia, por exemplo, o lugar de um criador
ou de um momento especial da criação, seja em termos da espécie humana,
seja em termos do comportamento, seja em termos da vida social; a seleção
por conseqüências ocuparia também o lugar de m odelos que recorrem a
objetivos finais, a metas, a propósitos para explicar características das espé­
cies, do comportamento de indivíduos ou de práticas culturais.

M odelo de seleç ão por co n se q ü ên c ia s : ca ra cter ístic as b á s ic a s

Um dos trechos de Skinner já apresentados (1971/1972, pág.


353) indica de onde ele partiu para elaborar o modelo causal de seleção por
conseqüências; a base de seu modelo está na teoria da seleção natural de
Darwin. Pode-se dizer que Skinner estende ao comportamento o modo causal
que Darwin propôs para explicar a formação, a diferenciação e a transforma­
ção das diferentes espécies. Ao fazer tal extensão, Skinner deriva alguns as­
pectos diretamente da teoria proposta por Darwin e outros podem ser vistos
como inovações suas. E, dentre o conjunto de aspectos que passaram a carac­
terizar o modelo causal de seleção por conseqüências, tal como proposto por
Skinner (1981/1987), dois podem ser vistos como básicos; um deles, o pri­
meiro destacado, diretamente vindo da teoria da seleção natural, o outro, o
segundo, uma marca skinneriana:

1. A causalidade é descrita por dois processos: variação e seleção,

2. Os processos de variação e seleção ocorrem em três niveis: filogenético,


ontogenético e cultural.

V ar ia ç ã o e seleção

Gould (1987), no prólogo de um de seus livros, apresenta de


forma sintética e clara a posição de Darwin sobre esses dois processos. Ao

156
analisar as possíveis razões da dificuldade para se entender a teoria proposta
por Darwin, ele afirma:

"Essa dificuldade1 não pode residir na complexidade de sua estru­


tura lógica, já que a base da seleção natural é a expressão da sim ­
plicidade; dois fatos inegáveis e uma conclusão inevitável:

1. Os organism os variam e essas variações são herdadas (pelo


menos em parte) por seus descendentes.

2. Os organism os produzem mais descendentes do que aqueles


que podem sobreviver.

3. Na média, a descendência que varia com mais intensidade em


direções favorecidas pelo meio ambiente sobreviverá e se propa­
gará. Variações favoráveis, portanto, crescerão na população atra­
vés da seleção natural." (pág. 1)

A chamada seleção natural envolve, assim, dois processos bási­


cos: a)a variação, a produção de organismos diferentes entre si, a produção
da diversidade e b) a seleção, alguns daqueles organismos (ou seja, algumas
daquelas variações) sobrevivem e reproduzem (ou seja, parte da variação ini­
cial é reproduzida), uma reprodução que já produz variação, a nova geração
de organismos não será exatamente igual aos organismos reprodutores. Pode-
se dizerque a variação fornece o material sobre o qual a seleção opera.

Logo após o trecho que acabamos de analisar, Gould ressalta al­


guns aspectos que devem ser considerados para que a proposta de Darwin
seja realmente compreendida. Segundo ele,

"A teoria de Darwin repousa na afirmação de que a seleção natural


é a força criativa da evolução - não apenas o verdugo dos não-
aptos. A seleção natural também precisa criar os aptos; precisa cons­
truira adaptação em estágios, preservando, geração após geração, a
parte favorável de um espectro casual de variações. " (pág. 1)

1 É especialmente importante notar que Gould defende que a dificuldade em aceitar a teoria proposta por
Darwin não deriva do conteúdo científico dessa teoria, e sim de seu conteúdo filosófico, e os aspectos
que ele destaca sobre esse conteúdo podem ter relação direta com as dificuldades encontradas para a
aceitação do modelo causal de seleção por conseqüências: a ausência de um propósito para o processo
de variação e seleção, a ausência de direção em relação ao progresso e ao materialismo.

157
0 reconhecimento do "papel criativo" da seleção natural leva,
segundo Gould (1987), à especificação de duas características do processo
de variação: 1) "a variação deverá ser casual, ou pelo menos não poderá incli­
nar-se preferencialmente para a adaptação" e 2) "a variação deve ser pequena
em relação à extensão da mudança evolutiva na formação de novas espécies"
(pág. 2).

0 m odelo c a u sa l p ro p o sto por S k in n e r (1 9 8 1 /1 9 8 7 ) parte


exatamente dessas mesmas concepções: a causalidade é descrita pelos pro­
cessos de variação e seleção, as variações, sempre graduais, ocorrem ao aca­
so, fornecendo a base sobre a qual a seleção opera e sendo, ao mesmo tempo,
resultado da seleção.

NlVEIS FILOGENÉTICO, ONTOGENÉTICO E CULTURAL

Segundo Skinner (1981/1987), no caso do comportamento hu­


mano, os processos de variação e seleção, assim caracterizados, ocorrem em
três níveis: da espécie (filogenético), do indivíduo (ontogenético) e das prá­
ticas culturais (cultural):

"(...) o comportamento hum ano é o produto conjunto de (1) con­


tingências de sobrevivência responsáveis pela seleção natural das
espécies e (2) de contingências de reforçamento responsáveis pe­
los repertórios adquiridos por seus membros, incluindo (3) as con­
tingências especiais mantidas por um ambiente social evoluído."
(pág. 55)

Assim, o comportamento é visto por Skinner como "o produto de


três tipos de seleção": "a seleção natural, (...) o condicionamento operante,
(...) a evolução de contingências de reforçamento social que chamamos de cul­
tura (...)" (1989, pág. 27). Ainda segundo Skinner (1989), cada um desses
tipos leva a um produto específico:

"A seleção natural nos dá o organismo, o condicionamento operante


nos dá a pessoa e (...) a evolução de culturas nos dá o self. " (pág.
28)

Para entendermos a proposta de Skinner, alguns comentários pre­


cisam ser feitos sobre esses produtos. 0 organism o, produto filogenético,
não pode ser visto apenas do ponto de vista anatômico e fisiológico; Skinner
é muito claro sobre isto:

158
"Um organismo é mais do que um corpo; é um corpo que faz coisas
. (...) 0 organismo é o executor." (pág. 27)

Isto quer dizer que a filogênese, além de todo o aparato fisioló­


gico, anatômico e neurológico, produz padrões e processos comportamentais;
os condicionamentos respondente e operante seriam exemplos de processos
com portam entais que constituem o organism o. Assim, o com portam ento
operante, enquanto possibilidade, é produto filogenético; um produto im ­
portante do primeiro nivel ou tipo de variação e seleção, já que é ele que vai
gerar o segundo nível ou tipo de variação e seleção: é a sensibilidade dos
organism os às conseqüências de suas ações que possibilita a produção de
respostas novas, que podem diferir de indivíduo para indivíduo e que podem
ser alteradas durante a vida de um único indivíduo; a sensibilidade dos orga­
nismos às conseqüências de suas ações é a base da história ontogenética, e
uma determinada espécie poderá ser composta por indivíduos totalmente di­
ferentes, em termos de repertórios comportamentais; é este indivíduo que
Skinner (1989) chama de "pessoa" e apresenta como produto do segundo
nível ou tipo de variação e seleção. E sobre este produto, cabem também
alguns comentários. Segundo Skinner (1989),

"Começando com o organismo que evolui por meio da seleção natu­


ral, elas [as contingências de reforçamento operante] constróem os
repertórios comportamentais chamados pessoas. Diferentes contin­
gências constróem diferentes pessoas, possivelmente dentro da
mesma pele (...)" (pág. 28)

Como parte desse repertório comportamental, são estabelecidas


relações de controle que envolvem o outro indivíduo como estímulo antece­
dente e/ou como estímulo subseqüente, dentre elas as que chamamos de im i­
tação, modelação e, principalmente, comportamento verbal. Esses produtos
das "contingências de reforçamento operante" conduziram ao terceiro nível
ou tipo de variação e seleção. Segundo Skinner (1981/1987),

"0 comportam ento verbal aum entou muito a importância de um


terceiro tipo de seleção por conseqüências, a evolução de am bi­
entes sociais - culturas. 0 processo presumivelmente começa
no nivel do indivíduo. Uma maneira m elhor de fazer uma ferra­
menta, de cultivar alimento ou ensinar uma criança é reforçada
por sua conseqüência - a ferramenta, o alimento, ou um aju­
dante melhor, respectivamente. Uma cultura evolui quando prá­
t ic a s o r ig in a d a s d e ssa m a n e ira c o n t r ib u e m p ara o

159
sucesso do grupo praticante na solução de seus problemas. É o efei­
to sobre o grupo, não as conseqüências reforçadoras para membros
individuais, que é responsável pela evolução da cultura." (pág. 54)

Tal como acontece na relação entre os dois primeiros níveis de


variação e seleção, aqui também são os produtos de um nível que possibili­
tam o nível seguinte. E, considerando o comportamento, Skinner (1989), como
vimos, destaca um produto deste terceiro nível de variação e seleção, produ­
to chamado por ele de self. Segundo Skinner (1989),

"Uma clara distinção pode (...) ser feita entre pessoa e self: uma
pessoa, como um repertório de comportamento, pode ser observada
por outros; o self, como um conjunto de estados internos (...) é
observado apenas por meio dos sentimentos ou da introspecção."
(pág. 28)

Desta forma, a consciência ou o autoconhecímento são vistos como


produto do terceiro nível de seleção e, como tal, produto histórico e cultural.

D escrever e expucar

Tendo visto, em linhas gerais, o modelo causal de seleção por con­


seqüências, podemos voltar á questão da descrição e da explicação. Vimos que
a descrição do evento comportamental trata dos fatores que o constituem em
um determinado momento. A explicação dessa constituição está na história e,
no caso do modelo proposto por Skinner, em três histórias. Encontramos, em
About Behaviorísm (Skinner, 1974), alguns trechos bastante ilustrativos disso:

"(...) as condições que determinam a probabilidade de um operante


estão na história da pessoa. Já que não estão claramente represen­
tadas no cenário atual, elas são facilmente negligenciadas." (pág.
5 3)

"0 comportamento não é dominado pelo cenário atuai como pare­


cia ser na psicologia estímulo-resposta (...) a história ambiental
controla a dotação genética da espécie, mas as contingências às
quais o indivíduo foi exposto determinam o que ele perceberá."
(pág. 74)

A busca da explicação nas histórias de constituição do comporta­


mento traz, como afirma Skinner (1974), uma implicação já indicada: as rela­
ções de determinação, ou relações causais, são difíceis de ver. Há entre o

160
processo de variação e seleção e os produtos desse processo uma distância
temporal que dificulta a identificação da relação entre o processo e o seu
produto. Quando nos defrontamos com o produto, o processo de variação e
seleção já se operou. Essa distância temporal entre o processo e o efeito
desse processo - o produto - é que abre brechas para outros tipos de explica­
ções, principalmente as explicações mentalistas (Skinner, 1974).

Ainda em termos da explicação do comportamento, a distinção que


Skinner (1989) faz entre os processos de variação e seleção e os produtos desses
processos esclarece mais as bases nas quais se sustentam suas críticas aos mode­
los explicativos considerados por ele como equivocados. Não explicamos o pro­
duto de um dos níveis de variação e seleção (por exemplo, a presença de determi­
nada resposta como parte do repertório comportamental de um indivíduo), re­
correndo ao produto de qualquer dos outros dois níveis de variação e seleção
(por exemplo, presença de determinado gene ou de uma consciência que orienta
a ação). A explicação deverá ser buscada, sempre, nos processos de variação e
seleção, isto é, nas histórias que constituíram o comportamento a ser explicado.
Segundo Skinner (1989),

"Talvez seja porque vemos o comportamento humano mas muito


pouco do processo por meio do qual ele passa a existir, sentimos
necessidade de um eu criador." (pág. 27)

Um modelo causal em elaboração

Além das possíveis dificuldades decorrentes do modelo de seleção


por conseqüências, o analista do comportamento irá, ao assumir esse mode­
lo, defrontar-se com mais um desafio: trabalhar com um modelo que está em
construção.

Uma análise de alguns dos principais textos de Skinner permite


identificar o que pode ser chamado de "processo de elaboração" do modelo
de seleção por conseqüências. Em termos gerais, alguns momentos parecem
marcar esse "processo".

A introdução do conceito de operante (1935, 1937) pode ser vista


como uma condição fundamental para a elaboração desse modelo; com tal con­
ceito, atribui-se ênfase na conseqüências das respostas dos organismos e, mais
do que isso, a partir do seu estudo é que Skinner (1937) afirma o processo de
criação de novas respostas (modelagem).

161
E é exatamente no processo de elaboração do próprio conceito
de comportamento operante que algumas características básicas do modelo
de seleção por conseqüências vão sendo explicitadas. A preocupação de Skinner
com o processo de variação pode ser identificada em textos bastante iniciais.
Por exemplo, já em 1932, Skinner afirma a variabilidade de respostas aparen­
temente iguais, esboçando o conceito de classe de respostas. A proposição
do processo de seleção, entretanto, parece ter ocorrido mais tarde. É interes­
sante notar que, em 1935, Skinner parece afirmar uma concepção oposta àquela
que defenderá mais tarde. Referindo-se à distinção entre comportamento
respondente e comportamento operante, afirma:

"(...) o organismo seleciona [no caso do comportamento operante]


de um largo repertório de reflexos incondicionados aqueles cuja re­
petição é importante para certas funções elementares e descarta
aqueles que não são importantes." (pág. 533)

0 papel selecionador do ambiente, e não do organismo, só será


proposto mais tarde. Em 1953, Skinner afirma:

"(...) o reforça mento operante é sempre uma questão de seleção de


certas magnitudes da resposta em detrimento de outras," (pág. 95)

Outro aspecto que parece marcar o processo de elaboração do


modelo causal é o reconhecimento do papel causaL de cada um dos níveis.
Este reconhecimento parece conduzir Skinner (1989) à proposição de uma
especificidade para o processo seletivo presente no terceiro nível: a sobrevi­
vência de culturas não pode ser vista apenas como produto de contingência
de reforçamento; as consequências seletivas devem agir sobre o grupo.

A compreensão desta especificidade na determinação do com­


portamento implica, hoje, um investim ento maior no estudo do comporta­
mento verbal, do comportamento governado por regras e do controle dos
eventos privados.

Referências Bibliográficas

Gould, S. J. (1987). Darwin e os Grandes Enigmas da Vida. São Paulo: Martins


Fontes.

162
Moore, J. (1990). On the 'causes' of behavior. The Psychological Record, 40,
469-480.

Skinner, B. F. (1999). The concept of reflex in the description of behavior. In


B. F. Skinner, The Cumulative Record. Acton, Mass: Copley Publushing
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Skinner, B. F. (1932). On the rate of formation of a conditioned reflex. Journal


of General Psychology, 7, 274-286.

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Skinner, B. F, (1957).Verbal Behavior. Englewood Cliffs: Prentice-Hall.

Skinner, B. F. (1972). A lecture on "having" a poem. In B. F. Skinner, The Cumu­


lative Record. New York: Appleton-Century-Crofts, (Trabalho original
publicado em 1971.)

Skinner, B. F. (1974). About Behaviorism. New York: Alfred A, Knopf.

Skinner, B. F. (1987). The selection by consequences. In B. F. Skinner, Upon


Further Reflection. Englewood Cliffs: Prentice-Hall. (Trabalho original
publicado em 1981.)

Skinner, B. F. (1989). Recent Issues in the Analysis o f Behavior. Columbus:


Merril Publishing Co.

163
15
P odem os nos b en eficiar do concedo de metacontingênoas n a

ANÁLISE DOS PROBLEMAS SOCIAIS?

Ricardo Corrêa Martone

R esumo

O presente artigo apresenta como objetivo principal definir o


conceito de meta contingência. Este conceito foi proposto por Sigrid Glenn
em 1986 e enfatiza a importância do modelo skinneriano de seleção pelas
conseqüências no nível cultural. Sua relevância vem sendo apontada por al­
guns autores interessados na análise da cultura, seja tanto como um instru­
mental teórico, capaz de abarcar o comportamento de indivíduos em grupo,
como para impulsionar analistas do comportamento a assumirem o compro­
misso do Behaviorismo Radical e se dedicarem na busca pela compreensão e
solução de problemas sociais.
(Palavras-chave: análise do comportamento, meta contingências, seleção por
conseqüências, problemas sociais.)

Ah! Mundo tão desigual,


tudo é tão de...sigual... De um
lado esse carnaval do
outro a fome total...
(G.GiL - A Novidade)

"Um outro mundo é possível". Esse foi o tema do I I Fórum Social


Mundial, ocorrido em Porto Alegre, de 31 de janeiro a 5 de fevereiro de 2002.
Muitas questões foram abordadas, muitos assuntos

164
foram debatidos por uma diversidade grande de pessoas que vieram de todas
as partes do mundo para participar desse encontro. D ireitos hum anos,
globalização, problemas urbanos, preservação do meio ambiente, violência,
segurança pública, reforma agrária, o atentado de 11 de setembro em Nova
York, o papel da mídia na veiculação e manipulação da informação, discrimi­
nação (de populações indígenas, do imigrante, da mulher, do negro), uma
economia mundial mais solidária foram alguns temas debatidos numa série
de atividades (Otero, 2002). Tendo em vista tal diversidade, profissionais de
várias áreas debateram algumas alternativas aos problemas enfrentados, tan ­
to pela sociedade brasileira quanto pela comunidade global. Segundo Otero
(2002), estiveram presentes jo rn a lista s, econom istas, cie n tistas sociais,
arquitetos, advogados, psicólogos, ecologistas e muitos estudantes. Entre­
tanto, a autora chamou a atenção para a ausência de analistas do comporta­
mento no Fórum, fazendo-nos refletir a respeito de algumas questões que se
referem ao alcance da análise do comportamento, e também sobre a prática
do profissional que assume esse referencial teórico.

Levando-se em conta que a análise do comportamento descreveu


processos comportamentais básicos, principalmente por meio de pesquisas
em Laboratório, e vem desenvolvendo tecnologias de intervenção importan­
tes para a solução de uma série de problemas humanos, seria de se estranhar
que essa ciência não trouxesse para dentro de seus limites a preocupação com
as questões discutidas no Fórum. Uma de suas principais características é a
análise do sujeito único, das idiossincrasias, da variabilidade com porta mental,
colocando o sujeito a ser analisado como seu próprio controle. Não teria,
então, essa ciência nada a dizer sobre os problemas oriundos da interação de
um grande número de pessoas? Do comportamento das pessoas em grupo,
uma vez que todos os problemas abordados no Fórum são o resultado da ação
de pessoas em conjunto?

Não é objetivo do capítulo discutir a ausência de analistas do


comportamento no I I Fórum Social Mundial, assim como de outros encontros
que possibilitem a reflexão dos problemas enfrentados na atualidade. Embo­
ra a busca pelas variáveis que estariam controlando o comportamento dos
analistas do comportamento pudessem esclarecer o pouco engajamento des­
ses profissionais na discussão efetiva das questões sociais, o objetivo desse
capítulo é demonstrar que a análise do comportamento tem oferecido pro­
postas conceituais para a discussão e solução desses problemas. Entre as poucas
propostas apresentadas, o conceito de meta contingências parece ser de fun­
d a m e n t a l im p o r t â n c ia para a d is c u s s ã o d o s p ro b le m a s s o c ia is ,

165
pois permite a análise do comportamento de um grande número de pessoas
em interação.

Nesse capitulo, apresentarei o conceito de metacontingências.


Inicialmente, apresentarei, de maneira breve, algum as características da pers­
pectiva da análise do comportamento para o estudo da cultura, seguida da
definição da noção de metacontingências e, por último, algumas implicações
do conceito para a análise cultural.

A A N ÁLISE DO COMPORTAMENTO E 0 ESTU DO DA CULTURA

Em 1953, Skinner, em Ciência e Comportamento Humano, salien­


tou o papel da análise do comportamento no estudo de sistem as sociais e
tam bém propôs um program a de pesquisa para o estudo da cultura que
enfatizava a análise de contingências sociais e a seleção do comportamento
pelas suas conseqüências. Skinner (1953/1994) já teria reconhecido, tam ­
bém, uma especialização nas ciências sociais do estudo do comportamento
humano em sociedades, separando o homem em diferentes partes, estudadas
por diferentes abordagens, como a sociologia, a política, a antropologia, a
lingüística, a história e a economia. Essas ciências, em sua maioria, abordam
os fenômenos humanos a partir de visões estruturalistas e mentalistas, care­
cendo dos métodos rigorosos que caracterizam as ciências de laboratório
(Glenn, 1985; Malagodi, 1986). Uma perspectiva comportamental, segundo
Skinner (1953/1994), ofereceria uma alternativa à divisão das ações huma­
nas e apontaria a possibilidade de uma abordagem que demonstrasse as for­
mas pelas quais os princípios comportamentais pudessem ser expandidos para
o entendimento de grandes fenômenos sociais: É sempre o indivíduo que se
comporta, e que se comporta com o mesmo corpo e de acordo com os m esm os
p rocessos usados em uma situação não social" (Skinner, 1953/1994, pág. 285,
grifo n osso).

Uma análise funcional do comportamento social e de sistemas soci­


ais seria, então, embasada por uma extensão da teoria do comportamento a am­
bientes mais complexos* Ao se tentar analisar sistemas sociais a partir da perspec­
tiva da análise do comportamento, deve-se estar atento a alguns aspectos. Pri­
meiro, analisar fenômenos sociais não é a mesma coisa que analisar a soma das
contingências individuais dos participantes de um grupo, dado que os efeitos da
ação em conjunto não podem ser alcançados somente com a participação de

166
um único indivíduo ou sem a participação dos outros (Gtenn, 1986, 1988, 1991;
Malagodi, 1986; Pierce, 1991); segundo, os princípios que regulam o comporta­
mento social são os mesmos que regulam o comportamento não social (Pierce,
1991; Skinner, 1953/1994).

De acordo com os parâmetros estabelecidos por Skinner em 1953


e em outros trabalhos (1948/1978, 1971/1983, 1978), alguns analistas do
comportamento vêm demonstrando maior interesse pela compreensão da
cultura, peta busca de soluções para seus problemas, e pelo seu planejamento
(Biglan, 1995; Glenn, 1986, 1988, 1991; Guerin, 1992, 1994; Holland, 1978;
Kunkel, 1970; Malagodi, 1986; Malagodi e Jackson, 1989; Mattaini e Thyer,
1996; Pennypacker, 1986). Algumas razões para esse interesse são: 1) a ne­
cessidade de dar continuidade às tentativas de Skinner em incluir análises
sociais e culturais como componentes fundamentais do Behaviorismo Radical
(M a la g o d i, 1986); 2) o estudo dos probLemas do in d iv íd u o conduz a
determinantes que estão no vasto mundo social (Kunkel e Lamal, 1991); 3) o
desenvolvimento de novos conceitos que permitem ao analista do comporta­
mento ir além do indivíduo e de pequenos grupos, entre eles o comporta­
mento governado por regras1 e m etacontingências (Kunkel e Lamal, 1991);
4) fornecer subsídios para uma compreensão cada vez mais acurada das con­
tingências em operação no nível cultural (Glenn, 1988).

É dentro deste contexto que, em 1986, S.Glenn propôs o conceito


de metacontingências em um periódico intitulado Behavior and Social Action1,
que trazia artigos de um conjunto de autores comprometidos com discussões
de problemas sociais. Alguns autores estiveram atrelados à divulgação e à
discussão do conceito, principalmente: E. F. Malagodi, S. Glenn, R. Rakos, P.
Lamal, J. Kunkel, J. EUis, M. Mattaini. Esses autores vêm se preocupando com
análises de questões sociais como, por exemplo, a atuação do analista do
comportamento em prisões, a discussão de sistemas políticos e econômicos,
a questão da apatia social, a análise de políticas públicas; e têm utilizado o
conceito de metacontingências em grande parte de suas análises.

1 Segundo Skinner (1969), deve-se fazer uma distinção entre o comportamento que é modelado pelas
contingências e o comportamento governado por regras. No primeiro, a probabilidade futura da emissào
de uma resposta ou de uma classe de respostas é alterada pela comeqüência imediata que seguiu essa
resposta ou essa classe de respostas no passado, e pelas possíveis alterações ambientais que provocaram.
No segundo, as respostas sâo evocadas por estímulos antecedentes verbais e por descrições de respostas
e suas conseqüências; mesmo tendo suas probabilidades modificadas pelas mudanças ambientais que
produziram.

? 0 nome do periódico Behavior and Social Action mudou para Behavior and Social íssues. Pode-se acessar
alguns artigos pelo site http://www.behavior.org.

167
Para apresentar e discutir o conceito de metacontingênrias, aborda­
rei, inicialmente, o modelo de seleção por conseqüências. Em seguida, para com­
preender a definição de metacontingêncías, discutirei o que são contingências
comportamentais entrelaçadas {interlocking behavior contingencies)3 e práticas
culturais e seus produtos.

0 MODELO DE SELEÇÃO POR CONSEQÜÊNCIAS

Para a discussão do conceito de metacontingências, o modelo


causal de seleção por conseqüências de B. F. Skinner apresenta-se como fun­
damentação essencial. Grande parte dos autores que tratam da relação entre o
Behaviorism o Radical e a cultura salientam a im portância desse modelo
(Andery e Sério, 1997).

Ao se mencionar o modelo causal skinneriano, deve-se estar atento


aos três níveis de determ inação do com portam ento - o filoge né tico, o
ontogenético e o cultural. Essas determinações espelham três formas da
interação do organismo com o ambiente, que propiciam a seleção de varia­
ções aleatórias nos genes, nas respostas dos organismos e nas práticas cultu­
rais. Glenn (1991), ao analisar as relações entre a evolução com porta mental,
biológica e cultural, salienta a importância do processo de seleção para as
três determinações do comportamento. A existência e o desenvolvimento do
homem como espécie só se tornou possível devido, em grande parte, à sua
adaptação ao ambiente. Processos de variação e seleção foram os responsá­
veis por essa adaptação, equipando-o com características biológicas proemi­
nentes, e capacitando-o à ações mais complexas. A evolução biológica capaci­
tou o homem a ser sensível às contingências ambientais, Levando-o a um
aprimoramento enquanto espécie. Em algum momento de sua história, ser
suscetível ao reforçamento ambiental foi fundamental para a sobrevivência; o
homem passou, então, a operar no ambiente. O surgimento do comportamen­
to operante foi de extrema importância, na medida em que proporcionou as
condições para a aquisição e a manutenção de repertórios comportamentais.
Dessa forma, comportamentos foram e são selecionados por meio da ação
seletiva do ambiente pelos processos de reforçamento, punição e extinção.

' A tradução do termo inglês interlocking behavior contingencies para contingências comportamentais
entrelaçadas foi proposta por Maria Amália Andery e Tereza Pires Sério, em artigo de 1997 (cf. Referências
Bibliográficas).

168
Durante o tempo de vida do indivíduo, comportamentos vão sen­
do adquiridos, alguns se tornam menos freqüentes, outros deixam de existir,
por meio da ação seletiva do ambiente. A especificidade do comportamento
individual é o resultado de um grande número de variáveis que estiveram, no
passado da espécie, e estão, por intermédio da relação com o ambiente, de­
terminando o comportamento idiossincrático. Glenn (1991) busca compreen­
der os processos que levaram indivíduos da espécie humana a comportarem-
se de forma tão particular, levando em conta as mesmas características com­
partilhadas com a espécie; e também o que os mantêm agrupados socialmen­
te.

Variação e seleção também ocorrem na determinação cultural do


comportamento humano. Práticas culturais são selecionadas quanto à sua
eficiência ou não para a sobrevivência da cultura.

Viu-se até o momento a importância do modelo de seleção por


conseqüências na explicação do comportamento humano, a partir de uma
perspectiva Behaviorista Radical. A partir do momento em que se assume esse
modelo causal, deve-se, necessariamente, estar atento ao que acontece tam­
bém no nível cultural. 0 conceito de metacontingências vem ao encontro des­
sa necessidade ao tentar descrever as contingências em operação nesse nível.

0 CONCEITO DE METACONTINGÊNCIAS

Em 1986, Glenn esboça pela primeira vez uma defini­


ção do conceito de metacontingências:

A metacontingência ê a unidade de análise que descreve relações


funcionais entre uma classe de operantes, cada operante tendo sua
própria, única e imediata conseqüência, e uma conseqüência de
longa duração comum a todos os operantes na metacontingência
(Glenn, 1986, pág. 2).

Em 1988, ela desenvolve um pouco mais o conceito:

... metacontingências descrevem relações funcionais no nível cul­


tural. Essas relações envolvem práticas culturais e seus produtos.
A s próprias práticas culturais são compostas de contingências
comportamentais entrelaçadas. (Glenn, 1988, págs. 170-171).

169
Em 1991, pode -se id e n tific a r novam ente uma d e fin içã o de
metacontingências:

Metacontingências são relações contingentes entre práticas cultu­


rais e os resultados dessas práticas (Glenn, 1991 pág. 62).

Essas definições esclarecem, de imediato, a delimitação do cam­


po de análise: compreender o que acontece na cultura. A delimitação apresen­
tada salienta que, ao se tentar analisar fenômenos culturais por meio de
metacontingências, o analista do comportamento estará diante de algo que
não está acostumado a lidar. Trata-se de descrever relações funcionais em um
nível diferente daquele utilizado para se compreender o comportamento indi­
vidual.

Para se compreender melhor metacontingências, deve-se enten­


der o que significa falar em contingências entrelaçadas e práticas culturais e
seus produtos. Glenn (1991) afirma que:

Processos comportamentais produziram ordem em outro nível: o


comportamento de indivíduos humanos tornou-se integrado dentro
de unidades que transcendem o tempo de vida dos indivíduos. Os
mesmos processos comportamentais que conduzem para tantas
outras unidades comportamentais quantos são indivíduos compor­
tando-se também resultam em vastas redes de inter-relações entre
os repertórios comportamentais de indivíduos. Esses são os elemen­
tos de unidades culturais. Eles são chamados de contingências
entrelaçadas para chamar a atenção para o duplo papel que cada
pessoa se comportando desempenha em processos sociais - o papel
de ação e de ambiente comportamental para a ação do outro (Glenn,
1991, pág. 56).

Contingências comportamentais entrelaçadas são os componen­


tes fundamentais para se compreender o comportamento humano dentro da
cultura e de que forma novos indivíduos são inseridos para dentro dela. A
seleção natural equipou a espécie humana para ser sensível ao seu semelhan­
te. Portanto, quando um novo indivíduo vem ao mundo, a cultura necessaria­
mente precisa introduzi-lo dentro de suas vastas redes de relações. 0 excessi­
vo cuidado que o bebê humano necessita para sobreviver atesta a necessida­
de de uma preparação para sua inserção cuLtural. O ambiente encontrado por
ele já está pronto, e algum as partes fundamentais para sua sobrevivência
devem adquirir alguma função

170
com portam erttal. A comida, o olhar dos outros, a voz humana, o toque são
alguns dos materiais brutos a partir dos quais o repertório comportamental
do bebê irá se constituir (Glenn, 1991). 0 ambiente comportamental necessa­
riamente deve desempenhar alguma função, e o comportamento verbal é o
grande responsável pela transmissão de padrões comportamentais através de
gerações. Glenn afirma:

... Assim, o ecossistema comportamental de cada humano individual


é integrado desde sua primeira inserção em um sistema maior, algu­
mas vezes chamado de um sistema social, que é composto de contin­
gências comportamentais entrelaçadas, ou contingências sociais
(Glenn, 1991f págs. 57-58).

São as contingências entrelaçadas que permitem aos seres huma­


nos agirem sobre o ambiente em conjunto, possibilitando uma série de conse­
qüências que não seriam possíveis de serem alcançadas somente com o compor­
tamento de um único indivíduo. Tal fenômeno implica o comportamento coo­
perativo e o comportamento verbal. Não seria difícil de se imaginar a complexi­
dade que esses tipos de contingências possibilitaram para a cultura humana.

É fundamental salientar aqui a preocupação expressa por Malagodi


(1986), com a possibilidade de a análise do comportamento construir uma
forma de análise que possibilita algo mais do que a mera procura de contin­
gências, indivíduo por indivíduo ad infinitum, para a compreensão do fenô­
meno cultural. A idéia de contingências comportamentais entrelaçadas, pro­
duzindo efeitos que não poderiam ser alcançados isoladamente, vai ao en­
contro dessa preocupação do autor. 0 conceito de práticas culturais pode
agora ser esclarecido.

Uma prática cultural é definida por Glenn (1988) como: "...um


subconjunto de contingências entrelaçadas de reforça mento e uma cultura é
feita de muitos subconjuntos desse tipo..." (p. 167).

Isto implica o entendimento da complexidade da cultura huma­


na, na qual pessoas se engajam em atividades determinadas para, conjunta­
mente, produzirem coisas comuns a todos integrantes da cultura. No entanto,
a autora deixa muito claro que indivíduos, ao se engajarem em atividades
conjuntas, são reforçados pelas contingências únicas, pelas características de
sua história ontogenética e também pelos produtos agregados à prática. Ou
seja, para que se possa analisar o fenômeno cultural a partir das práticas
culturais e seus produtos, deve-se estar atento para a descrição do mesmo
comportamento a partir de duas perspectivas: o individual (ontogenético) e
o cultural, ou, como Glenn nomeia, contingências comportamentais, em um
nível; e metacontingências, em outro.

171
Um exemplo dos elementos envolvidos em uma metacontingência
ê dado por Glenn (1988), ao analisar as práticas culturais envolvidas para
produzir leitores. A prática de ensinar a 1er envolve um grande número de
pessoas, das quais talvez algumas nunca terão contato com os outros partici­
pantes da prática. Professores ensinam em salas de aula, cartilhas são
fornecidas pelo estado e confeccionadas por uma série de outras pessoas
envolvidas com o ensino, a política para o ensino público, o comentário de
outros professores, o auxílio dos pais. A participação individual de cada um
na prática é mantida por contingências particulares. No entanto, o comporta­
mento de cada indivíduo produz a prática cultural, que está diretamente rela­
cionada com o produto cultural - ensinar pessoas a 1er.

Uma dimensão fundamental das práticas culturais é a efetividade


ou não de seus produtos agregados para a cultura. Se um produto não for
mais eficaz para a sobrevivência de uma determinada prática, a prática será
selecionada via ambiente social.

0 que explica a origem de tal unidade (prática cultural), sua exten­


sa sobrevivência, ou seu desaparecimento...ou sua evolução? Varia­
ção e seleção (...) No caso das práticas culturais, o agente de seleção
é o produto (efeitos agregados) produzido pela prática (contingên­
cias comportamentais entrelaçadas). A variação é promovida por
permutações no comportamento de indivíduos que participam na
prática (Glenn, 1991, pág. 63).

Todorov (1987) forneceu-nos um exemplo da aplicação do con­


ceito de metacontingências em fenômenos sociais de grande porte. 0 autor
analisou o movimento pela redemocratização do Brasil, que possibilitou a
mudança de um governo militar para um governo civil nos anos 80. A conse­
qüência a longo prazo era a saída dos militares do governo e a passagem do
poder a um partido civil. A transição ocorreu através de uma série de movi­
mentos sociais (práticas culturais) que envolveram milhares de pessoas dis­
persas pelo país e que não precisavam manter um contato próximo para luta­
rem pelos mesmos objetivos. O comportamento das pessoas, individualmen­
te, era mantido pelas mais diversas razões; no entanto, essas contingências
foram organizadas em metacontingências pelo discurso político dos mais va­
riados setores, do centro à direita. A conseqüência a longo prazo possibilitou
a organização do comportamento das pessoas que estavam submetidas a con­
tingências imediatas que, isoladamente, nada tinham a ver com a abertura
política. 0 elo entre a conseqüência a longo prazo e as ações

172
individuais era o discurso político, entendido aqui como comportamento ver­
bal.

A lgumas questões

0 conceito de metacontingências parece impulsionar analistas do


comportamento a se dedicarem aos problemas sociais, sendo uma ferramenta
importante para analisar a interação de um grande número de pessoas. Per­
mite também que estejamos atentos às formas pelas quais diferentes níveis
de determinação interagem com as ações dos indivíduos. A multideterminação
do comportamento, expressa no modelo de seleção por conseqüências, con­
firma a necessidade de buscarmos cada vez mais as descrições das contingên­
cias nos três níveis de seleção. O conceito de metacontingências surge como
forma de tentar descrevê-las no nível cultural, ao buscar analisar a relação
das pessoas em grupo e o resultado de suas ações em conjunto.

Ao buscarmos a descrição de fenômenos culturais, tão estudados


por outras ciências, como a sociologia, a antropologia, a política, a economia
e a história, devemos estar atentos às análises, aos dados e aos métodos
utilizados por essas outras áreas que tradicionalmente já vêm estudando a
história das contingências sociais. 0 conceito de metacontingências vem con­
tribuir também para o diálogo entre as ciências sociais e a análise do compor­
tamento, possibilitando a utilização de conceitos dessas outras áreas que se­
jam compatíveis com os pressupostos do Behaviorismo Radical.

Entretanto, alguns aspectos importantíssimos merecem atenção.


Revendo a literatura que utiliza o conceito, Martone (2000) constatou a
inexistência de trabalhos experimentais. Todas as publicações analisadas deti­
nham-se na análise de algum problema especifico, ou dedicavam-se a discus­
sões conceituais. Uma das dificuldades que o analista do comportamento vem
encontrando é a questão do controle experimental na análise e na intervenção
em sistemas sociais que são tão amplos e altamente complexos, não possibili­
tando uma precisão e uma segurança da análise (Lamal, 1991). Essas dificulda­
des levam a algumas questões: será que a metodologia que caracteriza a análise
do comportamento, como o controle de variáveis e o delineamento experimen­
tal, são suficientes para abordar a cultura? Ou necessitar-se-ia, ainda, de um
desenvolvimento maior dessa metodologia sem que a precisão e a segurança da
análise sejam comprometidas? Ou, talvez, deva-se abrir mão do controle de
variáveis ao se pesquisar questões relacionadas à cultura?

173
Essas questões permanecem em aberto e podem ser fonte de uma
infinidade de pesquisas que se dediquem à análise de grandes grupos huma­
nos. Embora ainda esteja longe a resolução dos problemas conceituais e
metodológicos existentes na área, o conceito de metacontingências parece
indicar-nos alguns caminhos possíveis para que novas tecnologias de inter­
venção possam ser desenvolvidas, visando ã solução de problemas sociais,
assim como o planejamento cultural. E, quem sabe, incentivar os analistas do
comportamento a participarem de uma maneira mais efetiva no debate dos
temas abordados no I I Fórum Social Mundial.

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16
A n á l is e f u n c io n a l do co m po rta m en to v e r b a l n a c l ín ic a

COMPORTAMENTAL

Carlos Augusto de Medeiros

R esumo

Somente há poucas décadas tem se observado uma difusão mais


significativa em termos' quantitativos do uso da análise funcional do compor­
tamento verbal na clínica comportamental. Dentre os conceitos apresentados
por Skinner no livro Comportamento Verbal, destaca-se a importância do con­
ceito de audiência para a clínica. O terapeuta deve considerar o cliente en­
quanto audiência, de forma a melhorar a compreensão do cliente sobre o que
é dito pelo terapeuta, diminuir a assimetria da relação, favorecendo o vinculo
terapêutico, e para que o cliente considere o terapeuta como alguém capaz de
com preendê-lo. A audiência não punitiva, definida como a ausência de
estimulação aversiva contingente ao comportamento verbal do cliente, tam ­
bém é fundamental para terapia, pois restabelece o comportamento verbal do
cliente suprim ido pela sua história de punição. Esta também dim inui a
freqüência de manipulações do comportamento verbal do cliente que geral­
mente são respostas de contracontrole. Dentre as manipulações do comporta­
mento verbal, são relevantes para a terapia os mandos disfarçados e os tatos
distorcidos, em que se observa um controle tanto por estímulos discriminativos
quanto por operações estabelecedoras. 0 efeito das regras providas pelo
terapeuta também é analisado em termos de como estas contribuem para o
tratamento do cliente. Funções complexas do comportamento verbal como
linguagem metafórica e lapsos verbais também são discutidas. Defende-se a
im p o rtâ n cia da noção de sig n ific a d o pelo uso para a clarificação dos

176
conceitos do comportamento do cliente. Por fim, ressalta-se a importância do
treino de tato para aperfeiçoar as análises funcionais feitas peio cliente, o
que é essencial para torná-lo apto a manipular o próprio comportamento, o
comportamento das pessoas que o cercam e para a manutenção dos resulta­
dos da terapia.

As intervenções clínicas baseadas no paradigma comportamental


vêm historicamente sendo criticadas pela pequena importância concedida ao
comportamento verbal. De forma similar à relação terapêutica (Rangé, 1995),
o comportamento verbal foi deixado em segundo plano no início da Terapia
Comportamental. Tal negligência pode ser explicada por alguns aspectos como:
1) a pequena expressão do livro Comportamento Verbal (Skinner, 1957) logo
após sua publicação, o que propiciou um desamparo teórico para sua utiliza­
ção na clínica; 2) além disso, a Terapia Comportamental era influenciada por
concepções tradicionais de linguagem, tratando-a como um evento de natu­
reza diferenciada e, portanto, fora do alcance dos princípios comportamentais;
3) pelo uso p rim ord ial do co n d icio n am e n to respondente nas técnicas
comportamentais; e, 4) pela ênfase no uso de técnicas padronizadas para o
tratamento das diferentes demandas de terapia, caracterizando o aspecto
mecanicista da Terapia Comportamental. Com exceção de alguns autores, como
Ferster (1972), só há apenas poucas décadas a relação terapêutica e o com­
portamento verbal começaram a ser encarados como primordiais para o pro­
cesso de mudança.

A negligência ao comportamento verbal na Clínica Comportamental


representa um paradoxo, pois as interações dentro da clínica são, em sua
grande maioria, verbais (Hamilton, 1988). Neste sentido, o maior recurso do
terapeuta para propiciar a mudança nos comportamentos dos clientes é a
interação verbal dentro do setting terapêutico (Hamilton, 1988). Com a difu­
são das idéias do livro Comportamento Verbal e a diferenciação entre compor­
tam ento governado por regras e modelado pelas con tingên cias (Skinner,
1969), os terapeutas de orientação comportamental passaram a empregar os
conceitos desenvolvidos por Skinner na prática da Terapia Comportamental.
Outra razão importante para o aumento da ênfase ao comportamento verbal
na clínica foi uma inserção dos princípios da Análise do Comportamento na
Clínica Comportamental, em substituição aos princípios desenvolvidos no
Behaviorismo Metodológico, os quais eram a maior influência das práticas na
Terapia Comportamental.

O objetivo do presente trabalho é demonstrar a utilidade de al­


guns dos c o n c e it o s d e s e n v o lv id o s por S k in n e r na e x p lic a ç ã o

177
do comportamento verbal para a prática da Clínica Comportamental, e apre­
se n tar brevem ente a lg u m a s a lte r n a tiv a s de com o lid a r com p adrõe s
disfuncionais de interação verbal trazidos à terapia pelos clientes.

A udiência

0 conceito inicial a ser abordado será o da audiência. A audiência


diz respeito aos estímulos proporcionados pelo ouvinte, aumentando a pro­
babilidade de emissão do comportamento verbal, sinalizando qual o repertó­
rio verbal deve ser emitido, e o tema do episódio verbal total (Skinner, 1957).

C onsiderar a audiência

0 terapeuta deve selecionar o seu repertório de forma a este ser


compatível com o do cliente. Digamos que o terapeuta atenda um adolescen­
te, termos rebuscados ou muito técnicos, dificilmente, terão um controle pre­
ciso sobre o comportamento do cliente. Além disso, aumentará a probabilida­
de de o cliente responder ao terapeuta da mesma forma que ele reage a todos
os adultos punidores que interagem com ele. Conseqüentemente, o cliente o
veria como alguém que nunca o compreenderia ou que nunca seria alguém
confiável. 0 terapeuta, portanto, deve estar atento ao vestuário do cliente, à
sua aparência, às suas gírias, ao seu vocabulário e à correção do uso da Lín­
gua. É importante que o terapeuta adapte o seu vocabulário e os temas das
interações verbais às peculiaridades do cliente. Considerar a audiência possui
algumas vantagens como:

1. Aumento da compreensão das falas do terapeuta por parte do cliente, isto


é, que as respostas verbais do terapeuta exerçam um controle discriminativo
preciso sobre o comportamento do cliente;

2. Diminuição da assimetria da relação, mostrando que o terapeuta não é um


ser de outra natureza, ou que julgará a fraqueza do repertório verbal do
cliente. Muitos clientes apresentam uma baixa freqüência de respostas ver­
bais por terem sido punidos no passado pelos erros de português, pelo
vocabulário restrito e/ou pelo seu sotaque. Caso o terapeuta utilize um
repertório verbal simples, sem termos rebuscados ou pernósticos, será di-
minuida a probabilidade de o cliente responder ao terapeuta como alguém
que irá julgá-lo {i.e., um estímulo aversivo condicionado), resta

178
belecendo a freqüência de comportamentos verbais do cliente, o que é essen­
cial à terapia;

3. Por fim, também aumenta a probabilidade de o cliente se sentir compreen­


dido, uma vez que o terapeuta utiliza termos comuns ao cliente. Sendo
assim, o cliente passa a se ver pertencente à mesma comunidade verbal do
terapeuta. Em outras palavras, para o cliente, o terapeuta é alguém que irá
compreendê-lo.

Estes três aspectos, além de propiciarem uma interação verbal


mais rica entre o terapeuta e o cliente, contribuirão sobremaneira para o esta­
belecimento do vínculo terapêutico.

A udiên cia não punitiva

Muitos clientes em seu dia-a-dia tiveram suas respostas verbais


extremamente punidas, por pais, namoradas, maridos, professores, etc. Tal
história de punição tem como conseqüências à supressão do reLato verbal a
manipulação do comportamento verbal e a distorção do reLato verbal (Hamil­
ton, 1988; Skinner, 1957). A supressão do relato verbal prejudica a terapia,
uma vez que muitas informações essenciais ao processo terapêutico se tor­
nam inacessíveis, não criando condições de reforçamento necessárias para o
estabelecimento do repertório do cliente de descrever o seu próprio compor­
tamento e as variáveis das quais este é função (Skinner, 1953). Cabe ao
terapeuta, portanto, exercer a chamada audiência não punitiva, em que o
relato do cliente, independentemente do conteúdo, não provoque respostas
punitivas por parte do terapeuta. Por exemplo; um cliente pode relatar que
seu hobby é maltratar animais. Tais respostas podem, no máximo, ser segui­
das de extinção. Muitas vezes, deve ser reforçado o fato de o cliente conse­
guir relatar tal evento, que geralmente é punido em situações fora da terapia.

A audiência não punitiva tem como objetivo o restabelecimento das


respostas verbais do cliente, para que o terapeuta tenha acesso às informações
essenciais à terapia e para que o cliente entre em contato com suas próprias descri­
ções do comportamento. É importante salientar que os efeitos da punição não são
permanentes, uma vez que, desfeita a contingência de punição, o comportamento
tende a voltar a sua freqüência habitual (Fester, 1968). A terapia, ao se constituir
em um local no qual as respostas verbais não são punidas, representa uma mudan­
ça na contingência, e espera-se que a freqüência do comportamento verbal seja

179
aumentada. Também é esperado que esse efeito se generalize para fora da
terapia (Hamilton, 1988). A audiência não punitiva também contribui para o
estabelecimento do vínculo terapêutico, no sentido em que o terapeuta co­
meça a exercer funções de estímulo que não sinalizam a probabilidade de
punição e, conseqüentemente, o cliente passa a confiar no terapeuta, isto é,
passa a relatar com precisão a sua vida para o terapeuta.

M a n ip u l a ç A o do C om po rtam ento V erbal

A história de controle aversivo sobre o comportamento, além de


diminuir a freqüência das respostas verbais, pode Levar a um aumento na
probabilidade de distorções na precisão dos relatos verbais (Skinner, 1957).
R e la to s que deveriam ser c o n tr o la d o s p rin c ip a lm e n te por e s tím u lo s
discriminativos não verbais (i.e., tatos), passam a ser controlados por opera­
ções estabelecedoras. Não é só o controle aversivo que leva à manipulação do
comportamento verbal, como será mostrado a seguir.

M andos d is f a r ç a d o s

Os mandos disfarçados são respostas verbais que possuem topo­


grafia de tato, mas que estão sob o controle de operações estabelecedoras
(Skinner, 1957). Por exemplo, uma jovem pode estar muitas horas sem comer
e, ao invés de convidar os amigos para ir comer (i.e., mando direto), ela pode
contar para os am igos que abriu um novo restaurante de comida japonesa
(i.e., mando disfarçado). Mandos diretos, ou seja, com topografias de man­
dos, provavelmente foram punidos no passado, levando o cliente a desenvol­
ver estes mandos disfarçados. Estes, mesmo tendo uma probabilidade menor
de serem reforçados pelo ouvinte, também têm, de início, menos probabilida­
de de levarem a conseqüências aversivas. Contudo, com a repetição deste
padrão, a comunidade verbal começará a punir tais respostas também.

Como a terapia é apenas mais um ambiente ao qual o cliente está


exposto, provavelmente ele repetirá este padrão verbal disfuncional na terapia
(Ferster, 1972; Kohlenberg e Tsay, 2001). Por exemplo, um cliente pode apre­
sentar a seguinte resposta verbal: "Sabe, na semana que vem eu terei uma aula
de reforço da hora da terapia", ao invés de solicitar diretamente ao terapeuta a
marcação da sessão para outro dia ou outro horário. Outro exemplo, o cliente

180
emite a seguinte verbalização: "Ultimamente todo mundo tem falado coisas
tão duras para mim", ao invés de pedir ao terapeuta para dizer coisas menos
aversivas para ele. Nas interações verbais, os ouvintes têm um treino extenso
em responder a tais respostas manipulativas como se estas fossem mandos,
oferecendo o reforço ao comportamento do cliente. Neste caso, os ouvintes
mantêm o padrão disfuncional das verbalizações do cliente (Skinner, 1957).
Cabe ao terapeuta comportar-se de forma diferente dos ouvintes fora da tera­
pia, respondendo aos mandos disfarçados como se estes fossem tatos, isto é,
não oferecendo o reforço ao cliente, obrigando-o a emitir um mando direto,
para só ai reforçar o seu comportamento (Hamilton, 1988). 0 terapeuta tam­
bém pode confrontar o cliente quando estas respostas são emitidas, analisan­
do o efeito desta manipulação a longo prazo sobre o ouvinte, e instruindo o
cliente a emitir mandos diretos.

T atos d is t o r c id o s

Um dos sub-produtos da punição é o contra controle, que é uma


forma de o organismo continuar entrando em contato com o reforçador con­
tingente a um comportamento freqüentemente punido sem ser exposto ao
punidor também contingente a este comportamento (Ferster, 1968). A histó­
ria de punição gerou no cliente um padrão de relatar de forma imprecisa os
eventos ambientais para se esquivar da punição proporcionada pelo ouvinte
(Hamilton, 1988). Por exemplo, um marido conta para a sua esposa que teve
uma reunião até altas horas, quando na realidade foi jogar sinuca com os
amigos. Muitas vezes o cliente repetirá tais respostas na sessão terapêutica,
relatando que seguiu as regras apresentadas pelo terapeuta ou que fez o
dever de casa, quando na realidade não emitiu nenhum destes comportamen­
tos. A audiência não punitiva é a principal forma de o terapeuta lidar com tal
padrão disfuncional, pois o cliente discriminará a terapia como um ambiente
em que os relatos precisos não serão punidos, não havendo a necessidade de
emissão do contra controle.

Os tatos distorcidos também podem ser mantidos por reforço positi­


vo, no sentido em que o relato de comportamentos socialmente aprovados é refor­
çado pelo ouvinte, mesmo que este não tenha acesso ao evento descrito (Skinner,
1957). Novamente, o tato está muito mais sob o controle do reforço generalizado
proporcionado pelo ouvinte do que pelo Sd não-verbal que o precedeu

18 1
{Ribeiro, 1989). Por exemplo, uma adolescente pode contar às novas am igas
que tirou o primeiro lugar no curso em que ela fez vestibular, quando na
realidade nem fez o vestibular. Muitos clientes podem apresentar tais respos­
tas, relatando ter seguido as regras apresentadas pelo terapeuta, emitindo os
comportamentos que o terapeuta sugeriu. Tal relato é controlado, principal­
mente, pelo reforço a ser provido pelo terapeuta do que pelos eventos ocorri­
dos fora da terapia. 0 terapeuta deve, portanto, ter cuidado com o seu com­
portamento de ouvinte de forma a não manter tais padrões. Este também
deve evitar punir tais padrões, pois é exatamente como a comunidade verbal
reage a tais comportamentos. A punição somente levaria o cliente a abando­
nar a terapia, da mesma forma que ele pára de procurar os seus am igos que
não acreditam mais nas suas estórias (Rosenfarb, 1992). 0 terapeuta deve pôr
em extinção ta is tatos distorcidos, mudando de assunto, por exemplo. 0
terapeuta também pode reforçar quando o cliente relata que não conseguiu
cumprir algo proposto na terapia, e anaLisar junto com o cliente porque este
não consegue seguir as regras em itidas pelo terapeuta. Também é importante
que o terapeuta avalie se está emitindo regras demais, o que pode impedir
que o próprio cliente faça as análises funcionais e formule as auto-regras.

Esta manipulação do comportamento verbal é especialmente pre­


judicial à terapia, uma vez que o terapeuta não tem acesso aos Sd's não-
verbais que precederam tal relato e, portanto, não pode utilizá-Los como even­
tos colaterais para modelar os tatos precisos do cliente.

As manipulações do comportamento verbal fornecem indícios de


que os clientes não possuem repertório comportamental para se esquivarem
de forma definitiva de estímulos aversivos e para obterem reforçadores posi­
tivos (Ferster, 1968).

Co m po rtam ento go vern ado por reg ra s

Uma d a s fo r m a s m a is u t iliz a d a s p ara um a in te r v e n ç ã o


comportamental é a formulação de regras na terapia por parte do terapeuta.
Estas variam de devolução das análises funcionais, previsões acerca do com­
portamento do cliente frente às contingências, sugestões, deveres de casa,
até discussão das regras disfuncíonais que têm controlado o comportamento
do cliente (Poppen, 1989).

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I ntraverbab

Caso o terapeuta formule as regras e simplesmente as sugira ao


cliente, este pode apenas intraverbalizá-las na terapia de forma a receber o
reforço do terapeuta, sem, contudo, segui-las fora do setting terapêutico (Ha­
milton, 1988). Este pode, ainda, emitir um tato distorcido de que as cumpriu
como descrito acima. 0 cliente, portanto, passa a intraverbalizar as regras
proferidas pelo terapeuta sem, na realidade, tatear como ele realmente vê as
contingências as quais a regra se propôs a descrever. É preferível que o pró­
prio cliente form ule as regras, cabendo ao terapeuta apenas fornecer a
estimulação suplem entar (Skinner, 1957) para a em issão de tais regras e
modelar a precisão das análises feitas pelo cliente. Segundo Rosenfarb (1992),
a relação terapêutica é fundamental para a mudança no comportamento do
cliente porque é nela que ocorre a modelagem do comportamento do cliente.

R eg ras d is f u n c io n a is

Skinner (1969) reconheceu o controle por regras do comporta­


mento não-verbal, Contudo, é importante deixar claro que regras só exercem
um controle discriminativo sobre o comportamento, e não um controle de cau­
sa e efeito, como vêem as psicoterapias cognitivistas (Rangé, 1995). Muitos
clientes vêm à terapia sob o controle de um conjunto de regras que os tornam
menos adaptativos ao seu ambiente, principalmente porque estas não descre­
vem de forma precisa as contingências de reforço. Por exemplo, uma cliente
pode se comportar de acordo com a seguinte regra: "Eu tenho que fazer sexo
com meu marido sempre que ele quiser, este é o meu papel de esposa". Cabe ao
terapeuta discutir com o cliente se tais regras descrevem de forma fidedigna as
contingências às quais elas se propõem a descrever. Neste sentido, o terapeuta,
através da argumentação, principalmente em relação às conseqüências a longo
prazo de seguir as regras disfuncionais, deve modificar as regras que controlam
o comportamento do cliente, su bstituin do-as por regras mais adaptativas
(Poppen, 1989). Mas a modificação da regra não garante a modificação do
comportamento nâo-verbal, sendo necessário que o terapeuta instrua o seu
cliente que este faça aLgo diferente do descrito pela regra, emitindo um com­
portamento que tenha alta probabilidade de ser reforçado. Com isso, o cliente,
ao ser reforçado emitindo um comportamento controlado por outro conjunto
de regras, p a ssa a s u b s tit u ir as su a s re gra s a n t ig a s e

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disfuncionais por regras que descrevem de forma mais precisa as contingênci­
as, além de ter a confiança aumentada em relação ao terapeuta.

L in g u a g e m m e t a f ó r ic a

Apresentar-se como sujeito de comportamentos que foram puni­


dos m uitas vezes agrava o efeito aversivo condicionado ao se responder
discriminativamente ao próprio comportamento. Então, ao invés de dizer que
"eu me acho feia e sem atrativos para manter um namorado como o meu",
uma cliente pode dizer: "M as um príncipe não vai andar de Fusca para sempre,
principalmente com tanta Ferrari por aí". 0 terapeuta pode continuar o diálo­
go na mesma linguagem metafórica e, gradativa mente, ir reduzindo a metáfo­
ra aos verdadeiros estímulos controladores: "M as por que o príncipe, mesmo
cheio de grana está andando de Fusca há cinco anos?"; "Vamos ver o que o
príncipe gosta no Fusca?"; "0 Fusca está sempre do lado dele quando ele pre­
cisa?"; "0 Fusca tem bom gosto para filmes e música?"; "0 desempenho do
Fusca no drive-in não é excelente?"; "0 Fusca não é inteligente e faz direito";
"Quem sabe, para seu namorado, o Fusca é melhor qualquer que outra garota";
"Talvez se você parar de ver suas qualidades o seu namorado pode deixar de
vê-las também."

I n t e r p r e t a ç ã o d o s l a p s o s v e r b a is

Uma análise funcional do comportamento verbal pode levar à com­


preensão das variáveis controladoras de respostas verbais incorretas ou passíveis
de punição pela comunidade verbal (Skinner, 1957). Ao contrário do que susten­
tam muitos críticos ao Behaviorismo Radical, Skinner (1957) defende o uso da
interpretação em uma análise do comportamento. Obviamente a interpretação
não revelará agentes internos causadores de comportamentos, mas pode forne­
cer pistas ou indícios de variáveis controladoras ambientais do comportamento
verbal. 0 terapeuta deve estar atento às incorreções do comportamento verbal,
pois estas podem revelar variáveis controladoras do comportamento do cliente as
quais o terapeuta não estava atento. Este pode salientar o aspecto relevante do
lapso verbal para o cliente, analisando-o junto com ele, que muitas vezes não
conseguiria descrevê-lo de outra forma. Por exemplo: um cliente que pode estar
com problemas no seu casamento, em dúvida sobre o que sente pela esposa.
Pode trocar o nome dela com o de uma colega de trabalho várias vezes em uma

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sessão. A repetição deste nome sugere que esta resposta verbal está forte ou
provável no repertório verbal do cliente. Muitas vezes é válido investigar o que
está levando à grande probabilidade de em issão deste comportamento. 0
terapeuta poderia simplesmente pedir para o cliente parar de falar da esposa e
começar a falar desta pessoa, ao invés de ignorar tais lapsos verbais. Segundo
Skinner (1953; 1957), quando uma resposta apTesenta um controle deficiente
dos estímulos presentes no momento da sua emissão, provavelmente está so­
bre o controle da história de reforçamento do cliente. Os lapsos verbais
exemplificam tal processo, fornecendo informações sobre variáveis controladoras
do comportamento do cliente que podem ser relevantes para a terapia.

T r e in o d e tato

Para Skinner (1953), a habilidade para descrever verbalmente o


próprio comportamento e as variáveis das quais ele é função não é necessária
para que o comportamento ocorra e, portanto, tal repertório só é refinado
caso existam contingências explícitas para isso. Este repertório pode ser defi­
ciente, principalmente para alguns clientes. Várias razões podem ser respon­
sáveis por um repertório fraco de autodescrição, a mais comum é a punição,
em que as observações das reais variáveis que controlam determinado com­
portamento podem gerar punidores condicionados. Por exemplo, um cliente
pode relatar que terminou com a namorada porque não gostava mais dela,
quando na verdade utilizou o término como último recurso para ela ser do
jeito que ele queria. Reconhecer que terminara com a namorada como recurso
para ela ser do jeito que ele quer produz estímulos aversivos condicionados.
A punição não só gera esta consciência deficiente, como pode gerar alguns
dos mecanismos de defesa descritos por Freud, como a repressão e a raciona-
Lização (Sidman, 1995). A observação do comportamento passível de puni­
ção, ou das variáveis pouco nobres que o controlaram, geram punidores con­
dicionados que podem impedir que a pessoa se observe ou que admita as
verdadeiras causas do seu comportamento, inventando algumas causas soci­
almente mais aceitáveis (Sidman, 1995). Conseqüentemente, a terapia é uma
ocasião para a modelagem do comportamento verbal (Ferster, 1972), em que
os tatos precisos devem sempre ser privilegiados.

0 terapeuta também pode lançar mão de atividades para casa


em que o cliente deva anotar os eventos antecedentes, o comportamento,
se us e v e n to s c o n s e q ü e n te s e, de c e rta fo rm a , o b r ig á -

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lo a responder discriminativamente às variáveis das quais o seu comporta­
mento é função. 0 terapeuta também pode utilizar-se de metáforas, como no
exemplo acima, para gradativamente ir aumentando a freqüência do relato
verbal do cliente, pois estas representam as contingências que estão contro­
lando o comportamento do cliente de forma menos aversiva.

S ig n if ic a d o p el o u s o

As explicações mentalistas também são responsáveis pela descri­


ção incompleta das variáveis ambientais que controlam o comportamento do
cliente. 0 cliente está inserido em um am biente em que as explicações
m entalistas são utilizadas constantemente para justificar o comportamento
(Skinner, 1953). Por exemplo, o cliente pode relatar que não conseguiu estu­
dar porque estava deprimido, ou que não consegue conversar com as pessoas
porque é tímido. A noção de significado pelo uso pode ser utilizada para
clarificar os conceitos que fazem menção a pensamentos, a traços de persona­
lidade e a estados emocionais dos clientes, mostrando principalmente que
estes não são causa do comportamento, e sim as variáveis ambientais, as
quais podem ser observadas e manipuladas, ou mesmo automanipuladas, como
nas técnicas de autocontrole (Skinner, 1953).

Por fim, o treino de tatear o próprio comportamento e as variá­


veis das quais este é função vai ajudar o cliente a fazer relações funcionais
dos seus comportamentos e do comportamento das pessoas que o cercam.
Conseqüentemente, este se encontrará em posição vantajosa para, manipu­
lando o ambiente, controlar o próprio comportamento e o comportamento
das pessoas que o cercam. 0 treino em realizar análises funcionais previne que
ocorra a recaída quando novos problemas surgirem na vida dos clientes.

C o n clu são

No presente trabalho, foram apresentados vários conceitos relati­


vos ao comportamento verbal que podem contribuir para a prática da terapia de
orientação analítico com porta mental. É importante ressaltar que muitos dos
conceitos apresentados devem ser investigados empiricamente, principalmente
em relação a sua aplicabilidade. De qualquer forma, uma análise funcional do
c o m p o rta m e n to v e rb a l pode p ro p ic ia r um a u m e n to c o n sid e rá v e l no

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nível de sofisticação da clínica comporta mental, permitindo abordar de forma
mais completa os diferentes padrões de respostas exibidos pelos clientes em
terapia.

R e f e r ê n c ia s B i b l io g r á f i c a s

Ferster, C. B. (1968/1977). Princípios do comportamento. São Paulo: Edusp.

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Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (2001). Psicoterapia Analítica Funcional: criando


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Santo André: ESETec Editores Associados.

Poppen, R. L, (1989). Some clinical implications of rule-guverned behavior.


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tins Fontes.

Skinner, B. F, (1957). O Comportamento Verbal. São Paulo: Cultrix.

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Esta obra foi impressa em sistema digital sob demanda e corresponde
ao consumo de 1,3 árvores plantadas sob a norma ISO 14001.
RECICLE SEMPRE.
CONTINGÊNCIAS NÃO HOMOGÊNEAS
Esta publicação coroa um longo processo de desenvolvimento profissional a que
vimos assistindo em Belo Horizonte, desde os primeiros contatos que o grupo
mineiro teve com a Análise do Comportamento até suas mais recentes vertentes
clínicas e educacionais. O livro testemunha o resultado do esforço de cooperação
recíproca entre centros de desenvolvimento profissional com níveis de excelência,
uma clara demonstração de que o conhecimento evolui a partir da integração
de contingências de reforçamento não homogêneas. De um lado, o grupo local
de professores, pesquisadores, psicólogos e alunos que, sem poupar esforços,
buscaram, ativamente, profissionais de outros postos, aptos para selecionarem
repertórios comportamentais - a partir de uma matriz já extremamente elaborada
- na direção de um trabalho científico rigoroso e socialmente relevante. De outro
lado, profissionais com perfil missionário e comprometidos com a própria filosofia
do behaviorismo radical de que melhores comportamentos emergem com melhores
contingências, o que os desafiou, dentro de suas respectivas possibilidades e
com muito afeto, a colaborar com este projeto integrador, modelo de atuação
comportamental. O resultado pode ser apreciado e avaliado nas páginas deste
volume. Tenho certeza de que todos sorrirão satisfeitos no final da leitura.

Hélio José Guilhardi

ESETec
Editores Associados

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