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Leonardo Antan1
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Leonardo Antan é mestrando da UERJ em Arte, Cultura e Cognição, orientando de Dr. Felipe Ferreira. É
graduado em História da Arte pela mesma instituição. Atua no site Carnavalize e no universo das escolas de samba.
Além de ser curador independente dos “Dia de Glória”.
A crítica do autor estaria voltada ao fato saudosista, afirmando que “a saudade é uma
espécie de rotinas nos enredos, o futuro seria a grande novidade”. Frederico Morais elogiaria
nominalmente Fernando Pinto, “genial como sempre”. Além do carnavalesco da Mocidade,
Morais também destacaria as qualidades da obra de Joãosinho Trinta. Ao criticar à Caprichosos
de Pilares, ele não cita sequer o nome de Luiz Fernando Reis, falando apenas o “autor do samba
da Caprichosos de Pilares”, sem dar os créditos.
Mesmo com um olhar generoso para as escolas, Frederico cairia num lugar comum ao
relegar o carnaval ao terreno da arte não institucionalizada. Apesar de ser uma festa da
coletividade, o gesto que marca um autor se tornaria fundamental ao carnaval, sobretudo a partir
da chegada do grupo liderado por Pamplona e Arlindo, que instauram o carnavalesco como
principal articulador artístico da festa. O autor-carnavalesco lança um enunciado, como propõe
Foucault, e tem no gesto a marca característica de sua ausência, como nos termos de Agamben.
Figura 1: Figura 25: A última alegoria de ‘Tropicália Maravilha”, em 1980, de Fernando Pinto e a
alegoria da Caprichosos de Pilares em 1984, de Luiz Fernando Reis.
A ironia também estaria presente na obra de Reis, mas sua “Diretas” surgia quase que
clandestinamente, como uma pichação de muro, feita ilegalmente, de modo quase invisível.
Exacerbando seu caráter panfletário, Reis evidencia um visual pautado pelo precário que busca
a comunicação imediata. O personagem Milas Fulam e as caricaturas de Tancredo Neves,
Leonel Brizola e Ulysses Guimarães marcavam sua apropriação de signos cotidianos outros,
buscando “quebrar o gelo” da crítica através do humor e da sátira.
O uso de objetos banais seria um processo comum às obras de Reis e Pinto, mas
destacariam outra proximidade marcada pela diferença. Enquanto Pinto os usava de maneira
alegórica e os distanciava através de associações externas, misturando diferentes categorias de
obras e objetos não hierarquicamente um desejo de apreender o real, subsumir junto à festa. Na
tentativa de se comunicar diretamente com o público, dessacralizando o palco dos desfiles e
apresentando o mais ordinário, através de uma estética precária. Através de seus readymades,
tanto Pinto quanto Reis buscariam o mesmo sentindo crítico, mas um se afastaria, suspendendo
seu sentido através de outras associações e o outro os utilizaria para aproximar, para se
comunicar diretamente.
Com essas duas linguagens na disputa principal da folia, os anos 1980 marcariam uma
pluralidade artística nunca vista nos desfiles das escolas de samba. Vinte anos após o
lançamento de sua pedra fundamental, o carnavalesco estava estabelecido como figura central
da festa. No contexto social, o período político conturbado marcava a necessidade de uma
tomada de posição. Nesse sentindo, o carnaval marcaria sua posição de campo de autonomia,
pois enquanto a arte institucionalizada vinha de décadas, com uma série de movimentos radicais
e engajados, a produção artística buscaria se distanciar da política com a chamada “volta da
pintura”. Nos desfiles, marcar-se-ia uma posição de contestação nunca antes tomadas.
Estabelecidas culturalmente, com a construção do Sambódromo e a criação LIESA, as
agremiações se assumiram pela primeira vez no campo da contestação lançando sua voz política
e destemida, tendo os jurados como únicos algozes.
Assim, Reis e Pinto responderiam às demandas sociais de sua época, cada um a seu
jeito, num processo de construção de duas linguagens artísticas diferentes mas que encontram
pontos de interseção e distanciamentos. Os dois seriam, então, as vozes mais políticas que o
carnaval já teve. De um lado, a necessidade tropicalista de atualizar símbolos nacionais, do
outro, a utilização do precário e do sublinhamento das questões políticos. Suas atuações
marcariam um período de extrema riqueza artística para a festa carnavalesca. Atuando
diretamente para influenciar um fechamento de ouro dos anos 80, o desfile “Ratos e Urubus
larguem minha fantasia”, presente num grande imaginário popular, traria características bebidas
na fonte desses dois carnavalescos por Joãosinho Trinta.
A vitória de “Liberdade! Liberdade! Abra as sobre nós” neste mesmo ano, contando a
história oficial, marcaria a soberania dos estilos luxuosos sobre as estéticas marginais e
políticas, fazendo-as se extinguir completamente no decorrer dos anos vindouros.
Referências bibliográficas
COELHO, Frederico. Eu, brasileiro, confesso minha culpa e meu pecado: cultura marginal no
Brasil das décadas de 1960 e 1970. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
FABATO, Fábio; SIMAS, Luiz Antônio. Pra tudo se começar na quinta-feira – o enredo dos
enredos. Rio de Janeiro: Editora Mórula, 2015.
FAVARETTO, Celso. Tropicália, Alegoria, Alegria. São Paulo: Ateliê Editorial, 2007.
FERREIRA, Felipe. Escritos Carnavalescos. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2012.
FOUCAULT, Michel. O que é um autor?. In: ______. Ditos e escritos III: Estética: literatura e
pintura, música e cinema. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
PEREIRA, Bárbara. Estrela que me faz sonhar: Histórias da Mocidade. Rio de Janeiro: Verso
Brasil Editora, 2013.