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FFLCH-USP
RESUMO
Trata-se de um estudo sobre as possíveis conexões entre a canção de protesto (Edu Lobo, Carlos
Lyra) e os discursos do CPC durante os anos 60. As criações artísticas são analisadas com vistas
a captar os vínculos entre o nacional-popular na canção brasileira e o impressionismo (C.
Debussy), o cool-jazz (Miles Davis), Rodgers and Hart, Heitor Villa-Lobos (modernismo),
Waldemar Henrique.
ABSTRACT
This is a study if the possible connections between the protest song (Edu Lobo, Carlos Lyra)
and the CPC discourses in the 1960s. The artistics creations are analysed with a view to pointing
out the ties between the national-popular in Brazilian song and the impressionism (C. Debussy),
the cool-jazz (Miles Davis), Rodgers and Hart, Heitor Villa-Lobos (modernism), Waldemar
Henrique.
Foi-se misturando, se
modernizando/
E se perdeu/
E o rebolado, cadê?
O surgimento de novos mitos da música popular, presos a uma explicitação mais política
de suas linguagens - poética e musical -, favoreceu a ampliação de um mercado consumidor
A respeito das influências desse imaginário. Muitos dos artistas envolvidos com a canção participante, tais como Carlos
que deram origem a
canção de protesto estão
a participação de alguns Lyra, Edu Lobo, Sérgio Ricardo, Geraldo Vandré, César Roldão Vieira, inspiraram-se em
compositores em meios
políticos. Como o centro
de cultura popular da une. algumas idéias divulgadas pelos Centros Populares de Cultura, pelo Teatro de Arena pelos
e nas universidades.
A chamada canção de protesto, escrita por dezenas de compositores durante os anos 60,
1955 - "Eu sou o Samba", Zé Ketti; ou Rio, Zona Norte, 1956 - "Malvadeza Durão", Zé Ketti);
ora às visões sobre a cultura popular dos produtores dos programas de televisão (Álvaro Moya
- TV Excelsior; Walter Silva e Nílton Travesso - TV Record); ora a membros do júri ligados às
concepções cepecistas - Sérgio Cabral, Chico de Assis; ora a questões técnico-estéticas mais
rigorosas, como Júlio Medaglia; ora pelos intérpretes dessas canções, que valorizaram os seus
aspectos teatrais ou cinematográficos (gestos, gritos, risos), que desconheciam a
relação otimismo, idealismo, grandiloqüência, como traços do jdanovismo...
Os diálogos musicais estabelecidos por Edu Lobo e Carlos Lyra entre a Bossa Nova, o
modernismo nacionalista, o cool-jazz relativizaram as oposições estabelecidas pelos seus
partidários e não-simpatizantes: jazz versus samba; violão versus guitarra elétrica; acordes
consonantes versus acordes de nona; artesanato versus indústria cultural; compositor-
militante versus artista alienado; música +" raízes" brasileiras versus música norte-americana...
CARLOS LYRA, EDU LOBO E O CENTRO POPULAR DE CULTURA DO RIO
DE JANEIRO
A História do Brasil era interpretada pelo PCB, nos inícios dos anos 60, consoante uma
análise marcadamente economicista. Em linhas gerais, essa interpretação incidia, de um lado,
no debate sobre o capitalismo dependente, cuja tendência dominante atrelava-se a gigantescos
monopólios e oligopólios presos ao capital financeiro de origem norte-americana, notadamente;
e, de outro, na discussão sobre a concentração fundiária ligada às elites empresárias brasileiras.
(...) saíram pelo país afora numa louquíssima mambembice revolucionária nunca vista
na história das esquerdas próximas do poder. O povo olhava embasbacado aquela
multidão de jovens que lhes ensinavam coisas de dedo em riste, lhes faziam equações,
empurrões, gritos de estímulo, ei! sus! querendo transformar os operários e
camponeses em revoadas de torsos heróicos (...). Nunca se acreditou tanto na arte
como força política, no mundo 8.
Na fase inicial do movimento cepecista, Carlos Lyra e Edu Lobo empolgaram-se com a
nova proposta pedagógico-política e revolucionária defendida pelos ideólogos do CPC
(Oduvaldo Vianna Filho, Chico de Assis, Armando Costa, Paulo Pontes, Ferreira Gullar) e
escreveram canções de matizes técnico-ideológicos muito genéricos, procurando resolver
conforme as suas concepções de mundo e da arte, as n contradições entre o projeto estético
(musical) e o ideológico.
O Centro Popular de Cultura, fundado no Rio de Janeiro por Oduvaldo Vianna Filho,
Ferreira Gullar, visava a aproximar o teatro de um público mais amplo, através da representação
de espetáculos (peças, shows) em novos espaços.
De acordo com esse programa, o artista deveria assumir o papel de um militante político,
capaz de interferir na História através de suas armas espirituais, em prol da libertação material
e cultural do nosso povo11. E, paralelamente, preconizava a autonomia da obra de arte como
algo equivalente a um discurso que anunciava, com antecedência, transformações sociais a
serem implantadas, futuramente, pela revolução social. Em contrapartida, o artista
despolitizado, defensor da arte pela arte, transformava-se numa presa fácil ou numa vítima dócil
ou, ainda, num instrumento da classe dominante, em função da produção de obras sintonizadas
com o status quo, ou antipopulares.
E, paralelamente, admitia:
(...) em nosso país não há nada mais fácil do que descobrir a presença ativa do novo.
Ele encontra-se a cada momento operando transformações de todas as ordens em
todos os níveis da realidade nacional. Os que não o encontram e por isso se perdem
na angústia e na importância sem remédio são os artistas e intelectuais que se recusam
a compreender que o novo é o próprio povo e que há o novo onde está o povo e só
onde está o povo13
Neste Manifesto, C. E. Martins substituiu a luta de classes pela noção de" povo",
elegendo o artista-militante como o porta-voz do novo. De acordo com esse programa cultural,
C. E. Martins dividiu os intelectuais-artistas em três tipos: 1º) os conformistas (agentes da
ideologia da dominação); 2º) os inconformistas (agentes que se
autoproclamavam neutros ou independentes em face dos grupos sociais dominantes ou
dominados); neste caso, a neutralidade representava uma atitude epidérmica, não colocando
em xeque os segmentos dominantes da sociedade; 3º) os partidários de uma atitude
revolucionária conseqüente.
O terceiro tipo de intelectual tornou-se o paradigma a ser alcançado pelo músico. Por
esse motivo, Edu Lobo e Carlos Lyra, presos à tradição da música popular brasileira - samba-
canção e samba bossanovista- procuravam, agora, harmonizar os seus discursos musicais com
o pensamento e a prática em face dos "(...) imperativos próprios à consciência da classe
oprimida"14.
(...) o povo não é uma entidade homogênea em sua composição, uma vez que dela faz
parte não apenas a classe revolucionária, mas também outras classes e estratos sociais
os mais diversos17.
Não resta dúvida que, se nos mantivermos no plano do juízo estético puro e simples,
jamais abarcaremos a complexidade desse fenômeno cultural em curso hoje no Brasil.
É preciso não esquecer, como dissemos antes, que se trata da dramática tomada de
consciência, por parte dos intelectuais, do caráter histórico, contingente, de sua
atividade e do rompimento da parede que pretendia isolar os problemas culturais dos
demais problemas do país. O escritor, o cineasta, o pintor, o professor, o estudante, o
profissional liberal redescobrem-se como cidadãos diretamente responsáveis, como
os demais trabalhadores, pela sociedade que ajudam a construir diariamente, e sobre
cujo destino têm o direito e a obrigação de atuar.
Assim, as músicas de Edu Lobo e de Carlos Lyra deveriam refutar o folclore como o
símbolo do atraso ou do conformismo e a música destinada a um consumo imediato pelas
massas urbanas conforme normas do mercado. Na realidade, a canção participante representava
o esboço de um projeto a ser disseminado na sociedade como uma utopia a se concretizar como
um programa hegemônico.
A partir desse momento, a canção de protesto passou a ser considerada pelos críticos -
simpatizantes dos CPCs - como a única verdadeiramente revolucionária, capaz de despertar
no povo a sua "(...) qualidade heróica de futuros combatentes do exército de libertação nacional
e popular"22. De acordo com uma interpretação mais dogmática desse Manifesto, a canção
revolucionária deveria provocar no ouvinte - povo - a passagem do" (...) reino da necessidade
para o reino da liberdade"23. Edu Lobo e Carlos Lyra, influenciados pelos discursos
verbalizados sobre a arte popular revolucionária, escreveram músicas em parceria com
Gianfrancesco Guarnieri, Ruy Guerra, Vinicius de Moraes, Oduvaldo Vianna Filho, entre
outros, baseando-se nos critérios de clareza, de simplicidade, de objetividade política e sob a
perspectiva técnica de critérios inspirados no impressionismo neo-romântico e neoclassicismo
(sistema tonal + dissonâncias + ritmos sincopados).
Edu Lobo e Carlos Lyra, ligados, em algumas fases de suas carreiras, ao Teatro de Arena
de São Paulo, acabaram internalizando em algumas de suas canções, critérios genéricos
do Manifesto do CPC. Devido à inexistência de um projeto específico para a área musical e em
função da historicidade das memórias sonoras desses compositores25, o projeto sobre a canção
de protesto foi-se esboçando através de matizes poético-políticos e musicais muito diversos.
Apesar da influência do Nem sempre as mensagens de Edu Lobo ou de Carlos Lyra em suas canções Borandá, Mesmas
Manifesto do CPC em
artistas da época como
Edu Lobo e Carlos Lyra Histórias, A mulher de cada porto reproduziam as chamadas condições objetivas da História,
nem sempre as canções
reproduziam os ideiais
de libertação do como por exemplo, a exaltação do proletariado:" (...) classe por excelência negação, única
proletariado, ou
exaltação do mesmo.
classe que luta para negar-se a si própria, para deixar de existir como tal e com isto, fundar o
novo mundo em que não exista mais classes"26, ou ainda distanciavam-se da compreensão
didática de sua mensagem pelo chamado povo brasileiro, de acordo com as centenas de textos
divulgados pela União Nacional dos Estudantes:
(...) falando ao povo (a respeito dos problemas do povo) o intelectual passa a ser povo
e então seu porta-voz, e então intelectual da sociedade, não intelectual da anti-
sociedade27.
Canção didática da
cançao de protesto e o A questão do didatismo da canção de protesto implicou, em muitos casos,
rebaixamento estético
da mensagem sonora.
um rebaixamento estético da mensagem sonora. Por essa razão, muitos compositores, como
Sérgio Ricardo - Beto, bom de bola (1967) -, César Roldão Vieira - Zé do Trem ou Sem Deus,
com a família (1965) - escreveram manifestos políticos e não canções. Em função da busca de
um público mais amplo (não-restrito aos 150 lugares do Teatro de Arena de São Paulo, por
exemplo), Oduvaldo Vianna Filho, num primeiro momento, e Edu Lobo e Carlos Lyra, num
segundo, procuraram aproximar-se dos meios de comunicação de massas (televisão, disco,
rádio).
Oduvaldo Vianna Filho captou, com clareza, o sentido utópico de uma possível
Muitas vezes a criação
da arte politizada foi aproximação do artista-engajado e as massas (povo): a ênfase dada pelos dramaturgos,
tão mecaninca que
tornou a obra algo
estereo. compositores, poetas no conteúdo político de uma peça ou de uma canção implicava o
sufocamento da aura da obra de arte ou da especificidade das linguagens artísticas, e o projeto
artístico engajado numa espécie de pronto socorro artístico28. Ferreira Gullar, um dos mais
ardorosos defensores da arte popular revolucionária, nos fins dos anos 60 também criticou
o excessivo didatismo das obras criadas pelos nacionalistas de esquerda, contribuindo para o
surgimento de um radicalismo político, típico de intelectuais de classe média.
(...) não passa pelo Manifesto a suposição de que o trabalho de uma obra cultural
(superior ou inferior) se realiza da mesma maneira enquanto obra, isto é, como esforço
para capturar a experiência, determinando-a como visível, pensável ou dizível. Nem
passa pelo Manifesto a suposição de que uma obra de arte (superior ou inferior) não
se encontra apenas nela mesma, como objetividade empírica ou ideal, mas no campo
constituído por ela e seus destinatários, campo criado a partir dela com eles, aos quais
se dirige. Há no Manifesto, além do maniqueísmo das distinções, um objetivismo
artístico que redunda em subjetivismo do criador.
O artista do CPC é e não é povo - não é povo, como indica a visão que possui de seu
público; e é povo porque vanguarda do herói do exército de libertação popular e
nacional. Essa curiosa fantasmagoria, vasada em linguagem hegeliana do em si e do
para si, traduzida para a fenomenologia husserliana do fenomênico e do essencial e
para o existencialismo do ser-no-mundo-com-os-outros, acoplada ao conceito
lukacsiano da falsa consciência e à concepção leninista da consciência vinda de fora,
pretende estar a serviço de uma revolução popular heróica. Entre duas alienações - a
da arte superior e a da arte do povo - e entre dois alienados - o artista superior e o
artista do povo - insere-se a figura extraordinária do novo mediador, o novo artista
que possui os recursos da arte superior e o encargo de fazer arte inferior sem correr o
risco da alienação presente em ambas. Assim, através da representação triplamente
fantástica - do artista alienado, do artista do povo e do artista popular revolucionário
em missão - é construída a única imagem que interessa, pois é ela que se manifesta no
Manifesto: o jovem herói do CPC29.
Se você jurar/ Que me tem amor/ Eu posso me regenerar/ Mas se é/ Para fingir,
mulher/ A orgia assim não vou deixar/ Muito tenho sofrido/ Por minha lealdade/
Agora estou mais sabido/ Não vou atrás de amizade/ A minha vida é boa/ Não tenho
em que pensar/ Por uma coisa à-toa/ Não vou me regenerar.../ (Ismael Silva, 1931).
As músicas escritas por Edu Lobo e Carlos Lyra refletiram, de um lado, algumas
dimensões político-estéticas de uma memória coletiva construída pela esquerda durante os anos
60, centrada nos temas sobre o morro e o sertão, como verdades inquestionáveis, sob o ponto
de vista de uma determinada leitura sobre a História do Brasil; e, de outro, alguns traços
técnico-estéticos já consolidados pelos compositores eruditos, tais como Villa-Lobos, Camargo
Guarnieri, Lorenzo Fernandez e Francisco Mignone. E, influenciados por uma determinada
interpretação do tema construído pelos cepecistas sobre a Revolução Russa de 1917 e
a Revolução Burguesa e Francesa de 1789, esses compositores construíram, consciente ou
inconscientemente, músicas representativas de duas frações da classe oprimida: o campesinato
e o proletariado urbano.
Esses artistas, embora não negassem a importância do jazz, da Bossa Nova, tinham
consciência da impossibilidade de atingir o público alvo: o sertanejo ou o favelado.
Consideraram a canção como uma estratégia não-determinante, mas como uma prática
artístico-política capaz de contribuir no sentido de iluminar ou sensibilizar e, possivelmente,
conscientizar setores das classes médias sobre a pobreza e a miséria reinante no Brasil.
(...) visão da revolução que converteria a nação inteira, mesmo que tivesse de utilizar,
em sua etapa final os `dispositivos do poder', que controlava o voluntarismo e ilusão,
talvez. Em suma, um vanguardismo singularmente nuançado.30
Nas músicas de Edu Lobo, escritas entre 1963-68 sobre o sertanejo ou o pescador, pode-
se resgatar temas inspirados no folclore, de acordo com os paradigmas discutidos por Mário de
Andrade, em sua vastíssima obra sobre essa questão. Reza, Aleluia, Upa Neguinho, Cinco
crianças, Borandá, Arrastão, Ponteio representam canções de Edu Lobo que procuravam, de
um lado, negar ou deglutir o chamado romantismo regionalista-ufanista presente no Luar do
Sertão de Catulo da Paixão Cearense, e, de outro, denunciar ou desmitificar mitos arraigados
no imaginário das populações rurais ou dos despossuídos das grandes cidades.
Na realidade, as canções de Edu Lobo inspiradas nos gêneros populares tais como o
frevo, o cordão, a embolada, apresentavam um acabamento formal de natureza erudita, oriunda
dos grandes centros urbanos. Notam-se em Ponteio e Memórias de Marta Saré, de um lado,
pulsos oriundos do imaginário nacional-populista do CPC, e, de outro, uma feitura técnico-
estética de altíssimo nível, podendo ser incluídas entre as canções mais significativas escritas
durante o século XX.
O Show Opinião
Nara Leão, posteriormente substituída por Maria Betânia, João do Valle e Zé Ketti
assumiram papéis de artistas integrantes de um front cultural, conforme concepção jdanovista,
que haviam transformado o limite de suas ações políticas no âmbito das dimensões do palco
dos teatros onde essa peça foi encenada (Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre). Os cantos
de protesto baseavam-se em formas da música popular brasileira: samba, baião, embolada.
Competia, portanto, aos intérpretes e aos autores dos textos poéticos e musicais das canções
(Carlos Lyra, Edu Lobo, Zé Ketti, João do Valle, Vinicius de Moraes, Gianfrancesco Guarnieri,
Sérgio Ricardo) divulgar um imaginário capaz de captar e transmitir emoções próximas aos
anseios do povo. Assim, todos os criadores desse espetáculo deveriam ter uma opinião sobre os
problemas sociais que afligiam o "povo" brasileiro. E, paradoxalmente, todos os públicos que
compareceram durante um ano para assistir e aplaudir de pé esse show, eram vistos pelos
ideólogos da arte engajada como atores que espelhavam a verdadeira face do povo.
(...) como nos ritos religiosos, onde os mitos subjazem numa forma conhecida pelos
fiéis circunscrevendo, portanto, um código próprio. Opinião operava uma
comunicação em circuito fechado: palco e platéia irmanados na mesma fé. Aliás, um
raro exemplo de espetáculo brasileiro contemporâneo grego em seu espírito.
O povo de palco era o mesmo povo da platéia32.
Neste espetáculo foi mantido o conceito de povo sacralizado por Nélson Werneck Sodré
nos Cadernos do Povo: conjunto de classes ou de camadas ou de grupos sociais.
E Borandá e Marcha da 4a feira de Cinzas foram inseridas nesse espetáculo e interpretadas
nesse contexto sócio-cultural (texto dramatúrgico + encenação + arte engajada) como
representativas de uma arte popular revolucionária.
E, paralelamente, a
(...) música Carcará, por exemplo, quando cantada em qualquer hora e lugar tornava-
se a senha de reconhecimento da tribo ideológica. Metonímia, simbolização, o
próximo passo deste processo político é a criação do mito, para completar a
circularidade própria das criações ideológicas artificiais. O mito, como se sabe,
define-se pela heteronomia de seu corpus em relação às suas origens reais, ou seja, é
uma forma autônoma, referente a algo que existiu, mas totalmente independente, em
sua existência separada de suas constituintes originais. Como relação de alteridade e,
então, pura ideologia33.
Por outro lado, Opinião, de Zé Ketti, representava a fala política do sambista do morro:
Nesta canção, o morro como o verdadeiro lugar da música e dos despossuídos, como o
símbolo do povo brasileiro e, além disso, como um local de resistência política em face às
classes dominantes. Apesar das críticas de Carlos Estevan Martins relativas à presença do
romantismo na arte popular revolucionária, podemos notar no samba Opinião traços do
romantismo, tais como: a exaltação do herói popular; o morro como um espaço fora da
sociedade burguesa e capitalista (não pagamento de aluguel; sopa feita com um osso) ou o teor
religioso implícito, que remomorava Ave Maria no Morro de Herivelto Martins (1942) - Se eu
morrer amanhã, doutor/ Estou pertinho do céu.
Em Borandá (letra e música de Edu Lobo), canção com ambientação rural, o autor
procurou desmistificar a religiosidade popular dos nordestinos, vista como um entrave ou
obstáculo que contribuía para a não-conscientização do homem rústico em face dos reais
problemas sociais. Aproximando-se das idéias estético-políticas esboçadas por Glauber Rocha
em seu filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, Edu Lobo denuncia a miséria como um sintoma
da seca e, paralelamente, procura desmistificar a religiosidade popular que impelia o sertanejo
a assumir o papel de um ser errante, que se dirige para os grandes centros urbanos do litoral
em busca de melhores condições de vida ou terras férteis em outras regiões do Nordeste. A
temática dessa canção lembra problemas levantados por Graciliano Ramos em sua obra Vida
Secas, e filmada por Nélson Pereira dos Santos em 1963-1964: Deve ser que eu rezo baixo e,
ironicamente, o autor procura indicar uma resposta: "(Pois meu Deus não ouve, não)/ É melhor
partir lembrando (Que ver tudo piorar)". E, em seguida, Edu Lobo resume, em poucas linhas, o
retrato sobre as condições de vida do retirante: "(...) Borandá, que a terra/ Já secou, borandá/ É
borandá, que a chuva/ Não chegou, borandá". E, sutilmente, denuncia a relação Igreja/
coronelismo e uma possível solução dos problemas sociais: "Já fiz mais de mil promessas/
Rezei tanta oração/ deve ser que eu rezo baixo/ Pois meu Deus não ouve, não/ Borandá, que a
terra/ Já secou borandá/ É borandá, que a chuva/ Não chegou, borandá". E, finalmente, sem
nenhuma ilusão, o sertanejo procura outros lugares para fugir da seca: "Vou-me embora, vou
chorando/ Vou-me lembrando de meu lugar/ Quanto mais eu vou pra longe/ Mais eu penso sem
parar/ Que é melhor partir lembrando/ Que ver tudo piorar/ Borandá, borandá/ Vem borandá".
Convidado por Oduvaldo Vianna Filho para escrever a trilha sonora da peça Os
Azeredos e os Benevides (tema central: a vida do povo nas áreas rurais), Carlos Lyra engajou-
se no movimento político liderado pelo PCB. A partir de 1961-1962, as canções de Carlos Lyra
e as suas posturas políticas procuravam refletir o seu engajamento nas lutas da UNE, do Teatro
de Arena, e, posteriormente, do CPC. O objetivo de Carlos Lyra poderia se resumir no seu
depoimento recente:
(...) trazer a Liga Operária Camponesa para minha música. Quando eu contava tudo
isso ao Estevan, ele vibrava. Era a música de Zé Ketti, Nélson do Cavaquinho e
Cartola, o pessoal da escola de samba, mais João do Valle, que era homem rural do
interior do Maranhão. Acho que a música brasileira é isso. Ela está ou no interior, ou
na escola de samba, no morro, enfim, nesses lugares onde estão as verdadeiras
manifestações populares37.
Com a criação do CPC do Rio de Janeiro, Carlos Lyra passou a ocupar a direção do
Departamento de Música. Tendo passado pelo samba-canção, pela Bossa Nova, Carlos Lyra
tinha uma visão muito particular sobre o conceito de cultura popular e de canção participante.
No momento da fundação do CPC da UNE, C. Lyra se opôs a essa denominação, pois admitia
que a produção cultural dos intelectuais não deveria ser chamada de cultura popular. Achava
que o teatro não era do povo, nem a música mais politizada poderia ser classificada como
a música do povo. Era favorável à aproximação do intelectual com o povo, mas nunca
transformar a música num discurso político engajado capaz de contribuir para as transformações
da realidade histórica.
Para Carlos Lyra, a maioria dos artistas da Bossa Nova eram de direita, com exceção de
Vinicius de Moraes e Sérgio Ricardo. Entretanto, acreditava que, com o surgimento do CPC, a
Bossa Nova nunca poderia continuar a trilhar os mesmos caminhos ideológicos. E, por essa
razão, procurou envolver muitos artistas indecisos:" (...) até o Tom Jobim, que era de direita,
começava a mudar pela mão do Vinicius (...)". Assim, Carlos Lyra procurou, de um lado,
aproximar-se dos artistas comprometidos com as raízes do povo, como João do Valle, Zé Ketti,
Cartola, Nélson Cavaquinho; e, de outro, convencer os chamados artistas alienados, como
Geraldo Vandré, "(...) advogado cantador de bolero, que não tinha nada a ver com a política" 38.
Em parceria com Vinicius de Moraes, escreveu o Hino da UNE, a Canção do subdesenvolvido,
com Chico de Assis, e, no teatrinho do CPC, Carlos Lyra convidou o quarteto em Cy, o Tamba
Trio, Cartola, Zé Ketti, entre outros, para realizar diversos shows.
(...) Faço bossa-nova, faço teatro. Mas, da mesma forma que não acho que o teatro
que a gente faz seja um teatro do povo, a minha música, por mais que eu pretenda que
ela seja politizada, nunca será uma música do povo. Tudo pode ser feito com essa
intenção de chegar ao povo, um teatro para o povo, uma música que busque a
participação, a integração popular. Mas, classificá-los como arte popular, aí já é outra
história. Reconheço que a Bossa Nova, por exemplo, nunca mais foi a mesma depois
do CPC. Antes, ela era a Bossa Nova do amor, do sorriso e da flor. Depois, passou a
criticar a influência do jazz e também fazer uma análise das coisas que estavam
influenciando a cultura brasileira naquele momento. Vem o tempo do `morro não tem
vez' (...)40.
As músicas escritas por Carlos Lyra no período de 1959-1964, denotam uma excelente
textura melódico-harmônica, como em Lobo bobo; Canção que morre no mar; Se é tarde, me
perdoa (fase do amor, do sorriso e da flor) e nas canções participantes: Feio não é bonito (em
parceria com Gianfrancesco Guarnieri); Você e eu (com Vinicius de Moraes); Marcha da
4a feira de Cinzas (com Vinicius de Moraes)... As marcas da Bossa Nova sempre estiveram nas
canções de protesto escritas por Carlos Lyra. Na realidade, somente os textos procuraram
refletir o imaginário cepecista. Os temas sobre o sertão e o morro afloraram, implicitamente,
nas suas canções, sem contudo aproximar-se nitidamente do projeto modernista villalobiano,
muito presente nas canções de Edu Lobo.
Em 1962, juntamente com Juca Chaves, Alaíde Costa, Sílvia Telles, Oscar Castro
Neves, realizou vários shows em Universidades. Participou do musical Um americano em
Brasília (1961), de autoria de Chico de Assis e Newton Lins e Barros. A Canção do
subdesenvolvido, incluída nessa peça, foi posteriormente gravada, mas em função da proibição
da encenação da peça pela Censura Federal, o disco foi retirado das lojas.
E assim, a Marcha da 4a feira de Cinzas, escrita por Carlos Lyra e Vinicius de Moraes
em 1962, foi naturalmente selecionada por Oduvaldo Vianna Filho, Paulo Pontes e Armando
Costa para ser apresentada no Show Opinião:
Acabou nosso carnaval/ Ninguém ouve cantar canções/ Ninguém passa mais
brincando feliz/ E nos corações/ Saudades e cinzas foi o que restou/ Pelas ruas o que
se vê/ Que nem se sorri/ Se beija e se abraça/ E sai caminhando/ Dançando e cantando
cantigas de amor/ E no entanto é preciso cantar/ Mais que nunca é preciso cantar/ Mais
que nunca é preciso cantar/ É preciso cantar e alegrar a cidade/ A tristeza que a gente
tem/ qualquer dia vai-se acabar/ Todos vão sorrir/ Voltou a esperança/ É o povo que
dança/ Contente da vida feliz a cantar/ Porque são tantas coisas azuis/ E há tão grandes
promessas de luz/ Tanto amor para amar que a gente nem sabe/ Quem me dera viver
prá ver/ E brincar outros carnavais/ Com a beleza dos velhos carnavais/ Que marchas
tão lindas/ E o povo cantando seu canto de paz/ Seu canto de paz 43.
Essa canção exemplifica, com nitidez, as inter-relações entre Bossa Nova e o novo
imaginário calcado no programa sobre o nacional e o popular na cultura brasileira. Com letra
de Vinicius de Moraes, esta marcha-rancho tornou-se um dos grandes sucessos no ano do seu
lançamento: 1962. Na realidade, esse texto denota um forte otimismo e esperança numa
possível mudança histórica, tendo o povo como o seu principal porta-voz. No Show Opinião,
em dezembro de 1964, essa canção inseriu-se num outro contexto histórico: peça teatral como
resistência à ditadura recém-instaurada no País e, além disso, as tropas do governo já haviam
destruído, em seu sentido literal, a sede da UNE no Rio de Janeiro, iniciando as perseguições
aos ex-cepecistas.
Nesta Marcha... notamos um pleno ajustamento entre o refinamento e a elegância do
texto poético e as inflexões melódico-harmônicas do canto-falado. E a sua forma - marcha-
rancho - ajustava-se com o movimento da Bossa Nova não comprometido somente com o
samba:
(...) até certo ponto, o samba é a raiz da bossa nova. Mas a bossa nova não é somente
samba. As raízes da música brasileira vão além. Por isso, a bossa não pode ser somente
o samba. Ela às vezes fica restrita ao universo do samba porque João Gilberto é um
cantor sambista. Ele canta sambas na maior parte do seu repertório. Então, passou
para muita gente, inclusive no exterior, a idéia de que a bossa nova é um sambinha:
`samba bossa nova'. Com isso eu não concordo (Carlos Lyra).
Na Marcha..., Carlos Lyra refutou, em parte, a tese de Carlos Estevan Martins a respeito
da negação da estética e da positividade do conteúdo na elaboração de um texto cultural (teatro,
poesia, música). Fundamentalmente, no campo musical, compositores de talento e fortemente
marcados pelas escutas dos impressionistas, dos cantores de jazz, jamais
poderiam simplificar suas melodias ou pesquisas timbrísticas na busca de um som
mais simples ou de um texto didático e esquemático a ser decodificado
com facilidade pelo povo. Em síntese, Carlos Lyra e Edu Lobo não podem ser rotulados como
autores de canções didático-políticas, sem nenhum diálogo com as tendências técnico-estéticas
mais significativas do século XX.
3ª - A canção do combate social associou-se a uma nova maneira de interpretar esse tipo
de música, pois exigia de seus intérpretes uma certa experiência teatral, não somente um
tratamento mais grandiloqüente do canto, mas também nos gestos capazes de transmitir os
diversos "momentos" dramáticos, ou não, da canção. Por esse motivo, muitos intérpretes
contribuíram para o êxito das chamadas canções de protesto: Elis Regina (interpretou diversas
músicas de Edu Lobo, como Arrastão, Upa, Neguinho, Chegança, Zambi); Nara Leão (Marcha
da Quarta-Feira de Cinzas, Carcará, Opinião); Maria Betânia (Upa,
Neguinho, Cirandeiro, Lua Nova, Candeias, Borandá, Prá dizer adeus, Veleiro, O tempo e o
rio de Edu Lobo); Jair Rodrigues (Disparada), Marília Medalha (Ponteio). Esse matiz mímico,
originário da Commedia dell'Arte e do circo, induziu o público a gesticular conforme os efeitos
cenestésicos e dinamogênicos produzidos ora pelo som puro, ora pela relação poesia e dança.
NOTAS
Caetano Veloso assim se manifestou sobre esse confronto MMPB versus Jovem
Guarda: "(...) Na noite do primeiro, creio que a cargo de Simonal, preparou-se uma passeata,
em mais uma macaqueação da militância política. Era a Frente Ampla da MPB contra o Iê-Iê-
Iê, com faixas e cartazes pelas ruas de São Paulo. Eu conversara com Gil sobre a reunião (...)
Ficou claro entre nós que todo aquele folclore nacionalista era um misto de solução conciliatória
para o problema de Elis dentro da emissora e saída comercial para os seus donos. Que Gil
aproveitasse a oportunidade para lançar as bases da grande virada que tramávamos. Mas nunca
considerei aceitável que ele participasse, ao lado de Elis, Simonal, Jair Rodrigues, Geraldo
Vandré e outros (dizem que Chico chegaria a se aproximar por alguns minutos) dessa ridícula
e perigosa jogada de marketing. Nara e eu assistimos, assombrados, de uma janela do Hotel
Danúbio, à passagem da sinistra procissão. Lembro que ela comentou: `Isso mete até medo.
Parece uma passeata do Partido Integralista' (a versão brasileira do nazi-fascismo, um
movimento católico-patriótico-nacionalista de extrema direita nos anos 30, do qual alguns
antigos expoentes inclusive apoiavam o governo militar)". In: VELOSO, Caetano. Verdade
Tropical. São Paulo, Companhia das Letras, 1997, p. 161.
Apesar de algumas críticas de Edu Lobo e Carlos Lyra em face da invasão da música
popular norte-americana no momento de suas adesões ao MMPB, sob inspiração cepecista,
esses compositores nunca negaram as influências de modelos importados: Cole Porter, Miles
Davis, Rodgers and Hammerstein, G. Gershwin. Esses compositores interpretaram no acordeon
ou no piano ou no violão um repertório cosmopolita, preso ao sistema tonal (classicismo,
romantismo) e nos pulsos/ timbres de peças de colorações populares. La Cumparsita (E.
Lemon); Tico-tico no fubá (Zequinha de Abreu); Night and Day (Cole Porter); Beguin to
beguine (Cole Porter), peças de Waldemar Henrique, compositor paraense, que veio para o Rio
de Janeiro nos fins dos anos 30.
Em parceria com Ronaldo Bôscoli escreveu um dos grandes sucessos da Bossa Nova:"
Lobo bobo: Era uma vez um lobo mau/ Que resolveu jantar alguém/ Estava sem vintém/ Mas
arriscou/ E o lobo se estrepou/ (...) Pra ver você que lobo também faz papel de bobo/ Só posso
lhes dizer/ Chapeuzinho agora traz/ Um lobo na coleira, que não janta nunca mais".
3 Na conjuntura histórica - 1966/1967 - o debate estético sobre as verdadeiras raízes do MMPB confundiu-se com
questőes político-ideológicas. De um lado, ocorreu a passeata da Frente única da MPB e, de outro, a Jovem Guarda
lançou o seu Manifesto do Ię-Ię-Ię contra a onda de inveja (publicado n'O Cruzeiro, em 5 de agosto de 1967)." No
dia 18 de julho de 1967, a `passeata' pela MPB, `contra as guitarras elétricas' saiu do Largo Săo Francisco, no
Centro de Săo Paulo, e seguiu até o `templo da bossa', o Teatro Paramount. Tendo ŕ frente Elis Regina, Gilberto
Gil, Jair Rodrigues, Edu Lobo, o conjunto MPB-4, a `passeata' na verdade era um evento de lançamento do novo
programa da TV Record, Noite da MPB, que deveria suceder O Fino da Bossa; porém, acabou sendo vista como
uma manifestaçăo `ideológica' contra a turma do ię-ię-ię, o que era plausível tendo em vista as declaraçőes que
circulavam na imprensa. Elis, por exemplo, havia declarado: 'Está nascendo uma nova frente na música popular
brasileira, onde se diz o que se diz para unir os inimigos e vencer o ię-ię-ię'. Mesmo relativizando posteriormente
o sentido desta declaraçăo, Elis demarcava uma posiçăo ideológica e comercial, ao mesmo tempo". In: DE
EUGĘNIO, Marcos F. Napolitano. O debate estético-ideológico e a indústria cultural em torno dos Festivais da
MPB da TV Record (1966-1969). Relatório para Exame de Qualificaçăo, Săo Paulo, FFLCH-USP, out. 1997, p.
93.
Caetano Veloso assim se manifestou sobre esse confronto MMPB versus Jovem Guarda: "(...) Na noite do
primeiro, creio que a cargo de Simonal, preparou-se uma passeata, em mais uma macaqueaçăo da militância
política. Era a Frente Ampla da MPB contra o Ię-Ię-Ię, com faixas e cartazes pelas ruas de Săo Paulo. Eu conversara
com Gil sobre a reuniăo (...) Ficou claro entre nós que todo aquele folclore nacionalista era um misto de soluçăo
conciliatória para o problema de Elis dentro da emissora e saída comercial para os seus donos. Que Gil aproveitasse
a oportunidade para lançar as bases da grande virada que tramávamos. Mas nunca considerei aceitável que ele
participasse, ao lado de Elis, Simonal, Jair Rodrigues, Geraldo Vandré e outros (dizem que Chico chegaria a se
aproximar por alguns minutos) dessa ridícula e perigosa jogada de marketing. Nara e eu assistimos, assombrados,
de uma janela do Hotel Danúbio, ŕ passagem da sinistra procissăo. Lembro que ela comentou: `Isso mete até medo.
Parece uma passeata do Partido Integralista' (a versăo brasileira do nazi-fascismo, um movimento católico-
patriótico-nacionalista de extrema direita nos anos 30, do qual alguns antigos expoentes inclusive apoiavam o
governo militar)". In: VELOSO, Caetano. Verdade Tropical. Săo Paulo, Companhia das Letras, 1997, p. 161.
4 "Vocęs ganharam!... vocęs ganharam!... Este é o país subdesenvolvido. Vocęs săo uns animais!... Vocęs săo uns
animais!... (...) Em resposta ŕ crescente indignaçăo, quebramos - eu e todos que se somavam no meu coraçăo - o
violăo e o atiramos contra a platéia, acordando-a daquele transe, ainda que o gesto viesse a significar o fim da
minha carreira profissional". In: Sérgio Ricardo. Quem quebrou meu violăo. Rio de Janeiro, Record, 1991, p. 196.
5 As cançőes bossanovistas de Carlos Lyra revelam os cruzamentos sonoros dos anos 50. "Năo há dúvida de que
todas as influęncias jazzísticas - sobretudo o jazz West Coast - tiveram dois nomes como Chet Baker, Gerry
Mulligan e outros. Antes de nos aprofundarmos nesse jazz West Coast, já curtíamos Sinatra e todos aqueles
musicais americano com Gene Kelly e Fred Astaire. Já vinha por tabela a influęncia do jazz através dos Gershwins,
Rodgers Hart, Cole Porter, enfim, daqueles compositores que foram importantíssimos para a nossa cabeça".
Entrevista com Carlos Lyra. In: CHEDIAK, A. Songbook Carlos Lyra.' Rio de Janeiro, Lumiar, 1994, p. 20.
8PECAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil. Săo Paulo, Ática, 1989, p. 152.
10 GULLAR, Ferreira. Cultura posta em questăo. Rio de Janeiro, Editora Universitária da UNE, 1980, pp. 83-87.
26 HOLANDA, Heloísa Buarque de. Impressőes de viagem. 2Ş ed., Săo Paulo, Brasiliense, 1981, p. 147.
27 ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. Săo Paulo, Brasiliense, 1985, p. 72.
28 PEIXOTO, Fernando. Vianinha. Săo Paulo, Brasiliense, 1983, p. 163. Textos apresentados por F. Peixoto.
31 Ver: PATRIOTA, Rosângela Rasga Coraçăo. Tese de Doutoramento, Săo Paulo, FFLCH-USP, 1995.
35 MEDAGLIA, Júlio. O Balanço da Bossa. Săo Paulo. Perspectiva, 1968, pp. 77-78.
37 BARCELLOS, Jalusa. CPC, uma História de Paixăo e Conscięncia, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1994, p.
99.
42 KRAUSCHE, Valter. Música popular brasileira, Săo Paulo, Brasiliense, s/d., pp. 78-79.
Notas:
1
Ver: SAID, Ana Maria. O projeto político-pedagógico do Teatro de Arena de São Paulo. Campinas,
Dissertação de Mestrado defendida na Faculdade de Educação da UNICAMP, 1989.
2
Pedro Pedreiro (Chico Buarque de Holanda). Gravado em 23 de novembro de 1965, no show: 1ª
Dentisamba. Teatro Paramount de São Paulo; Sem Deus, com a família (César Roldão Vieira, nov. 1965);
Zé do Trem (César Roldão Vieira, nov. 1965); Aleluia (Edu Lobo/ Ruy Guerra), gravado no show sem
título, na noite de 26 de abril de 1965, no Teatro Paramount; Canção do cangaceiro que viu a Lua cor de
sangue (Carlos Castilho/ Chico de Assis, 1967); Anda que te anda (Ary Toledo/ Mário Lago, 1967).
3
Na conjuntura histórica - 1966/1967 - o debate estético sobre as verdadeiras raízes do MMPB confundiu-
se com questões político-ideológicas. De um lado, ocorreu a passeata da Frente única da MPB e, de outro,
a Jovem Guarda lançou o seu Manifesto do Iê-Iê-Iê contra a onda de inveja (publicado n' O Cruzeiro, em
5 de agosto de 1967)." No dia 18 de julho de 1967, a `passeata' pela MPB, `contra as guitarras elétricas'
saiu do Largo São Francisco, no Centro de São Paulo, e seguiu até o `templo da bossa', o Teatro
Paramount. Tendo à frente Elis Regina, Gilberto Gil, Jair Rodrigues, Edu Lobo, o conjunto MPB-4, a
`passeata' na verdade era um evento de lançamento do novo programa da TV Record, Noite da MPB, que
deveria suceder O Fino da Bossa; porém, acabou sendo vista como uma manifestação `ideológica' contra
a turma do iê-iê-iê, o que era plausível tendo em vista as declarações que circulavam na imprensa. Elis,
por exemplo, havia declarado: 'Está nascendo uma nova frente na música popular brasileira, onde se diz
o que se diz para unir os inimigos e vencer o iê-iê-iê'. Mesmo relativizando posteriormente o sentido desta
declaração, Elis demarcava uma posição ideológica e comercial, ao mesmo tempo" . In: DE EUGÊNIO,
Marcos F. Napolitano. O debate estético-ideológico e a indústria cultural em torno dos Festivais da MPB
da TV Record (1966-1969). Relatório para Exame de Qualificação, São Paulo, FFLCH-USP, out. 1997,
p. 93.
4
"Vocês ganharam!... vocês ganharam!... Este é o país subdesenvolvido. Vocês são uns animais!... Vocês
são uns animais!... (...) Em resposta à crescente indignação, quebramos - eu e todos que se somavam no
meu coração - o violão e o atiramos contra a platéia, acordando-a daquele transe, ainda que o gesto viesse
a significar o fim da minha carreira profissional". In: Sérgio Ricardo. Quem quebrou meu violão. Rio de
Janeiro, Record, 1991, p. 196.
5
As canções bossanovistas de Carlos Lyra revelam os cruzamentos sonoros dos anos 50. "Não há dúvida
de que todas as influências jazzísticas - sobretudo o jazz West Coast - tiveram dois nomes como Chet
Baker, Gerry Mulligan e outros. Antes de nos aprofundarmos nesse jazz West Coast, já curtíamos Sinatra
e todos aqueles musicais americano com Gene Kelly e Fred Astaire. Já vinha por tabela a influência do
jazz através dos Gershwins, Rodgers Hart, Cole Porter, enfim, daqueles compositores que foram
importantíssimos para a nossa cabeça". Entrevista com Carlos Lyra. In: CHEDIAK, A. Songbook Carlos
Lyra.' Rio de Janeiro, Lumiar, 1994, p. 20.
6
Edu Lobo, um ser dividido entre as escutas de obras de compositores norte-americanos, como Georges
Gershwin, Jerome Kern, Cole Porter e as falas verbalizadas pelos discursos dos intelectuais nacionalistas,
como Carlos Estevan Martins, Ferreira Gullar, Oduvaldo Vianna Filho, Gianfrancesco Guarnieri. Na
realidade, as harmonias de Edu Lobo - Ponteio e Memórias de Marta Saré - aproximaram-se do
imaginário musical impressionista norte-americano:" Suas harmonias também são inconfundíveis. Em
geral, evitam dissonâncias extremas. Desde que seu estilo musical, suas harmonias são bastante
consistentes em todas as composições. São principalmente diatônicas. Encontram-se nelas acordes de
sétima não-resolvidos e mudanças rápidas não preparadas que passam da tônica para a tonalidade vizinha,
geralmente meio passo ou um passo inteiro adiante (como nesta sucessão de acordes; sol-fa-sol-si-si
bemol-do natural)..." In SCHWARTZ, Charles. George Gershwin - Uma Biografia. Rio de Janeiro, José
Olympio, 1993, p. 340.
7
Muitos compositores, excetuando-se Edu Lobo e Carlos Lyra, aproximaram-se das teses jdanovistas
sobre a música. Os argumentos invocados por Andrei Jdanov imediatamente após a Segunda Guerra
Mundial, para justificar a depuração da cultura soviética de seus resíduos formalistas subversivos,
procedem de uma interpretação mecanicista do determinismo marxista. Em uma sociedade decadente,
tudo se dispersa: temos talentos, autores, heróis. O escritor, conforme Jdanov, vende seu talento ao
capitalista, ou, em caso de ser honrado, faz do pessimismo o princípio criador de sua obra. Jdanov
reafirma o princípio leninista da continuidade cultural e proclama a restauração dos valores culturais da
época burguesa destruídos pelos movimentos modernistas. O partido comunista deve salvaguardar a
herança clássica dos mestres do século XIX, que é o modelo de todo desenvolvimento artístico posterior.
Os critérios fundamentais de Jdanov para traçar as fronteiras entre tradição clássica são a
compreensibilidade e a simplicidade.
8
PECAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil. São Paulo, Ática, 1989, p. 152.
9
MARTINS, Carlos Estevan." História do CPC." In Arte em Revista, n o 3, 1980, p. 68.
10
GULLAR, Ferreira.
Cultura posta em questão. Rio de Janeiro, Editora Universitária da UNE, 1980, pp. 83-87.
11
Manifesto CPC, p. 69.
12
Idem, p. 70.
13
Idem.
14
Idem.
15
Idem, p. 71.
16
Idem.
17
Idem.
18
Idem.
19
Idem, p. 73.
20
Idem.
21
GULLAR, Ferreira. op. cit., p. 84.
22
Manifesto CPC, p. 73.
23
Idem, p. 74.
24
Idem, p. 76.
25
A aproximação da obra de Edu Lobo com o simbolismo ou impressionismo musical francês na música
erudita (Claude Debussy, Maurice Ravel) ou com o neoclassicismo (Igor Strawinsky, Heitor Villa-Lobos)
ou ainda com o jazz (Miles Davis) vem exposta em algumas de suas canções escritas durante os anos 60.
Em Ponteio (1967); Memórias de Marta Saré (1968), notamos, de um lado, traços do classicismo e do
romantismo preservação do sistema tonal; e, de outro, a presença de algumas inovações timbrísticas
inspiradas no Prélude à l'après-midi d'un faune; Reflets dans l'eau (Debussy) ou as Bachianas (H. Villa-
Lobos). Na realidade, estas canções denotam as belas sonoridades, refinadas e expressivas. Essa
predileção incidiu nas pesquisas timbrísticas, incorporando em sua música acordes paralelos (acordes
utilizados conforme uma função mais timbrística do que tonal), de escalas pentatônicas com algumas
colorações dissonantes. Os contrastes vivos internalizados no Ponteio e Memórias de Marta
Saré reproduzem uma escuta que resgatou traços de uma memória técnico-estética presentes em alguns
compositores ligados ao bebop e outros autores eruditos impressionistas. Na realidade, Edu Lobo
prendeu-se, de um lado, à tradição da música das alturas (tendo como eixo as estruturas melódicas), e, de
outro, a uma textura que se organiza em torno dos pulsos, das repetições.
26
HOLANDA, Heloísa Buarque de. Impressões de viagem. 2ª ed., São Paulo, Brasiliense, 1981, p. 147.
27
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo, Brasiliense, 1985, p. 72.
28
PEIXOTO, Fernando. Vianinha. São Paulo, Brasiliense, 1983, p. 163. Textos apresentados por F.
Peixoto.
29
CHAUI, Marilena. Seminários -O nacional e o popular na cultura brasileira. São Paulo, Brasiliense,
1982, p. 92.
30
PECAUT, Daniel. op. cit., p. 160.
31
Ver: PATRIOTA, Rosângela. Rasga Coração. Tese de Doutoramento, São Paulo, FFLCH-USP, 1995.
32
Mostaço, Edélcio. Songbook. Rio de Janeiro, Lumiar, 1994, p. 20.
33
Idem.
34
As tensões, os conflitos, as relações harmoniosas entre música e História (política) afloraram, sob
matizes diversos, nas sociedades e culturas, cronologicamente determinadas. N' A República de Platão
(427-347 a.C.), por exemplo, a concepção idealista da música prendia-se a valores éticos internalizados
nas leis que caracterizavam um Estado disciplinador. Na Grécia Antiga, o uso e a função social da música,
devido à natureza enigmática e altamente polissêmica do seu signo, denotava, de um lado, poderes
agregadores e unificadores de uma pólis harmônica, e, de outro, poderes desagregadores ou dionisíacos,
como índices de uma possível dissolução ético-moral do cidadão. Esses poderes desagregadores eram
representados pelos ritmos “populares” ou pelas canções ou práticas artísticas introduzidas pelos não-
cidadãos: escravos e povos bárbaros (não-gregos). Assim, a chamada barbárie poderia colocar em xeque
a arte conservadora e o ideal de cidadania simbolizado pelo tempo cíclico internalizado nas tragédias.
Platão, entre outros filósofos, apropriava-se ideológica e politicamente da música e passava a censurar,
com rigor, todos os tipos de signos sonoros capazes de induzir no cidadão grego comportamentos
contrários às concepções de civismo, disciplina, ética, sacralizados pela tradição. Para evitar possíveis
choques entre a música tradicional e a moderna, foram estabelecidos critérios normativos, como, por
exemplo, a utilização de alguns modos, que poderiam incutir no povo comportamentos considerados
amorais, devassos ou pouco viris. A proposição desse tipo de pedagogia musical retomava o debate sobre
o conflito som versus ruído, sob um determinado matiz político-ideológico. Por essa razão, alguns modos
e instrumentos harmônicos foram considerados símbolos do civismo e da disciplina, fundamentais para a
formação educacional da criança e do adolescente, e outros, foram vistos como perigosos, sensuais,
obscenos, cacofônicos. Os ideais pitagóricos, platônicos, não preconizavam o isolamento de um modo –
considerado perigoso - em face dos demais, mas defendiam uma teoria do cosmos e dos números. Essa
teoria fundamentava-se numa relação harmoniosa entre repouso e tensão em todas as séries de sons do
sistema modal.
35
MEDAGLIA, Júlio. O Balanço da Bossa. São Paulo. Perspectiva, 1968, pp. 77-78.
36
Edu Lobo escreveu Músicas para as peças: Os Azeredos e os Benevides, de Oduvaldo Vianna Filho
(onde se destacou a canção Chegança - 1963 - posteriormente interpretada por Nara Leão e Maria Betânia
no show Opinião - dez. 1964-1965 e por Elis Regina n'O Fino da Bossa - programa da TV Record); O
Berço do Herói (Dias Gomes, 1964); Arena conta Zumbi (Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal,
1965); Memórias de Marta Saré (de Gianfrancesco Guarnieri), que estreou no teatro João Caetano - RJ -
em janeiro de 1969; ou para o cinema: O Barão Otelo no barato dos milhões (de Miguel Borges) ou para
TV (Caso Especial, TV Globo). Em 1973, escreveu a trilha musical para a peça Calabar ou o Elogio da
Traição, de Chico Buarque de Holanda. Entre 1974 e 1975, Edu Lobo, contratado pela TV Globo,
escreveu a trilha sonora para quatorze programas da sérieCaso Especial.
37
BARCELLOS, Jalusa. CPC, uma História de Paixão e Consciência, Rio de Janeiro, Nova Fronteira,
1994, p. 99.
38
Idem.
39
Idem, p. 102.
40
Idem, p. 97.
41
CHEDIAK, Almir.op. cit.
42
KRAUSCHE, Valter. Música popular brasileira, São Paulo, Brasiliense, s/d., pp. 78-79.
43
Inicialmente, marcha de rancho, música produzida por músicos predominantemente de sopro. Era
chamada orquestra dos ranchos carnavalescos cariocas nos fins da primeira década do século XX. Ritmo
mais dolente do que as marchas comuns. Apresenta maior desenvolvimento na parte melódica. Nos fins
dos anos 20, a marcha-rancho passou a ser escrita por compositores profissionais, como por exemplo, a
marcha de rancho com coro intitulada Moreninha, de Eduardo Souto (1927).