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Neste artigo, darei ênfase a participação da Igreja Presbiteriana do Brasil na Conferência do Nordeste.
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Este grupo evangélico/ecumênico foi estruturado em 1955, conhecido como Comissão Igreja e
Sociedade. Após seu primeiro estudo sobre a relação da Igreja com a sociedade neste mesmo ano, foi
incorporada a Confederação Evangélica do Brasil. Informações retiradas dos Anais da III Reunião de
Estudos Sobre a Responsabilidade Social da Igreja intitulada Presença da Igreja na Evolução da
Nacionalidade, realizado pelo Setor de Responsabilidade Social da Igreja em 1960 no Instituto Metodista
em São Paulo.
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Um dos poucos livros que analisa especificamente a Conferência do Nordeste foi lançado
recentemente pelo cientista político Joanildo Burity. Trata-se, de um trabalho escrito nos anos de 1980
como dissertação de mestrado para o Programa de Pós-Graduação de Ciências Políticas da UFPE.
BURITY, Joanildo. Fé e Revolução: protestantismo e o discurso revolucionário brasileiro (1962-1964). Rio
de Janeiro: Editora Novos Diálogos, 2011.
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Crônica da Conferência do Nordeste: Cisto e o processo Revolucionário Brasileiro, promovido pelo Setor
de Responsabilidade Social da Igreja do Departamento de Estudos da Confederação Evangélica do Brasil,
Recife, 22-29 de julho de 1962.
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com a finalidade de promover estudo e promover linhas de ação para
os evangélicos, em face da conturbada situação brasileira, a
Confederação Evangélica do Brasil, através do seu Setor de
Responsabilidade Social da Igreja, está promovendo reunião de
caráter nacional no Recife. Líderes evangélicos de todas as Igrejas,
pastores, teólogos, professores, sociólogos, estudantes, operários,
através de prelações, grupos de trabalho e debates, procuraram,
durante a semana de 22 a 29 do corrente, invocar a intercessão divina
para a hora presente5.
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Confederação Evangélica do Brasil Inicia Hoje Conferência do Nordeste. Jornal do Comércio, 22 de
julho de 1962.
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Crônica da Conferência do Nordeste: Cisto e o processo Revolucionário Brasileiro, promovido pelo Setor
de Responsabilidade Social da Igreja do Departamento de Estudos da Confederação Evangélica do Brasil,
Recife, 22-29 de julho de 1962, pp. 24-25.
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Será a presente estrutura da Igreja adequada à sociedade urbana?
Como se aplicariam, de forma concreta, os fundamentos bíblicos de
trabalho, na situação industrial brasileira? Em que base se
estabelecerão melhores condições de vida para a população rural
brasileira? Como deve a educação participar do processo
revolucionário brasileiro? Qual o sentido e os meios de testemunho
cristão na sociedade brasileira em transformação? Sob que forma
serve a arte de meio de comunicação do evangelho à sociedade
contemporânea?7
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Anais da Conferência do Nordeste: Cristo e Processo Revolucionário Brasileiro, promovido pelo Setor de
Responsabilidade Social da Igreja do Departamento de Estudos da Confederação Evangélica do Brasil.
Rio de Janeiro: Editora Loqui LTDA, 1962.
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Anais da Conferência do Nordeste: Cristo e Processo Revolucionário Brasileiro, promovido pelo Setor de
Responsabilidade Social da Igreja do Departamento de Estudos da Confederação Evangélica do Brasil.
Rio de Janeiro: Editora Loqui LTDA, 1962, p. 159.
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os estudantes”9. Quando questionado se o tema revolução tinha alguma ligação com as
Ligas Camponesa e a reforma agrária, afirma que sim, que tudo teria sido discutido na
Conferência dentro de uma perspectiva social, com a ajuda de especialistas como Celso
Furtado, Paul Singer, Gilberto Freire, dentre outros.
O cientista político Joanildo Burity, faz na introdução do seu livro Fé na
Revolução, uma observação que consideramos emblemática para melhor
compreendermos a Conferência do Nordeste. Chama a atenção para a capacidade destes
grupos evangélicos inserirem tão maciçamente neste evento as preocupações sociais e
reformistas. Para ele,
Não podemos perder de vista, que este era um momento onde figuravam na
agenda política do país projetos reformistas importantes, como o projeto das reformas
de base anunciadas no governo do presidente João Goulart. Em entrevista ao jornal do
Comércio sobre a Conferência, o Secretário Executivo do Setor de Responsabilidade
Social da Igreja, Waldo Cesar, apresentava uma Igreja bastante engajada com os
problemas nacionais. Afirma que
a nossa crença não é algo sem relação com o mundo em que vivemos.
Pelo contrário, Cristo esta presente no meio da crise que atravessamos,
e ele não é indiferente à sorte dos que sofrem injustiça e passam fome
e não tem esperança [...]. A relação da Igreja com o mundo, para ser
9
Waldo Cesar: vida e compromisso com a responsabilidade social da igreja.
HTTP://www.novosdialogos.com/artigo.asp?id=596. Acessado em 24 de julho de 2011.
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BURITY, Joanildo. Fé e Revolução: protestantismo e o discurso revolucionário brasileiro (1962-1964).
Rio de Janeiro: Editora Novos Diálogos, 2011, p. 13.
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real e corresponder às exigências de Deus, deve ser dialogal. É preciso
ouvir a voz dos homens, instituições e sistemas11.
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Confederação Evangélica do Brasil Inicia Hoje Conferência do Nordeste. Jornal do Comércio, 22 de
julho de 1962.
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Estamos diante de uma das poucas fotografias do palco do Salão Nobre do
Colégio Agnes Erskine durante a realização da Conferência do Nordeste, local onde foi
proferida a maior parte dos discursos, tendo ao centro, um cartaz representando a
Conferência. Esta fotografia compõe o considerável acervo de imagens particular do
pastor presbiteriano Enos Moura, atualmente responsável pelo Arquivo Histórico
Presbiteriano na cidade de São Paulo e que gentilmente permitiu o nosso acesso às
imagens. Ao mesmo tempo em que também concedeu uma entrevista, quando
rememora meio século depois, que ainda muito jovem teria participado de maneira
muito entusiasmada daquele encontro em 196212.
O próprio Waldo César numa entrevista para a revista eletrônica Novos Diálogos
relembra que este cartaz tinha sido produzido pelo artista gráfico e designer Claudius
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O pastor Enos Moura foi entrevistado em sua residência na cidade de São Paulo em 2011 pelo
pesquisador Márcio Vilela.
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Ceccon13 e teria provocado uma série de questionamentos ao Setor de Responsabilidade
Social da Igreja por parte da Confederação Evangélica do Brasil, o qual estava
subordinado. Pois
o cartaz que o Claudius Ceccon, metodista, fez para isso também foi
um problema: a cruz e umas ferramentas agrícolas, entre as quais a
foice, e era vermelho o negócio. Aí o pessoal da confederação reuniu
pessoal. O secretário geral da confederação disse: ‘Mas com essa
cor?’ O Claudius disse: “Mas essa cor é litúrgica!” (risos). Eles não
sabiam o que dizer, não tinha resposta e ficou a cor14.
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significativa da instituição no início da década de 1960. Expressando um entendimento
teológico essencialmente contrário ao que apresentamos, também faziam uso do jornal
Brasil Presbiteriano para expressar seu posicionamento. Um exemplo é o editorial
intitulado Cristo é a Solução, publicado em maio de 1962. O mesmo procura responder
a seguinte indagação: “o que tem a Igreja Evangélica a oferecer como contribuição sua
na solução desse grave problema fundamental, o problema do Homem?”15. Para tal
resposta elabora uma longa explicação onde expõe que
Quem achar que a missão da igreja é dar pão material ao povo e fazer
obra social, que o faça, já que tem recurso para isso. Mas deixe em
paz aquelas igrejas que estão pregando o evangelho aos pobres, que
estão trazendo das trevas almas para a luz e recuperando centenas de
perdidos. Essas igrejas agem assim por que acreditam, como Paulo,
que ‘o Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz e
alegria no Espírito Santo’ (Rom. 14:17)17.
15
Cristo é a Solução. Jornal Brasil Presbiteriano, maio de 1962.
16
Cristo é a Solução. Jornal Brasil Presbiteriano, maio de 1962.
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Uma Tendência Perigosa. Jornal Brasil Presbiteriano, setembro de 1964.
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É importante ressaltar que esta Igreja de cunho mais social foi em grande medida
prejudicada quando o golpe civil-militar de 1964 foi efetivado. Passou a se fortalecer na
instituição um grupo preocupado com uma Igreja mais espiritualizada, com ênfase na
salvação da alma, como podemos visualizar no fragmento acima. A partir de abril de
1964, o jornal da instituição, o Brasil Presbiteriano, passou a assumir uma postura
bastante agressiva repudiando essa visão teológica no que tange os aspectos sociais do
homem em seu tempo.